Leia a introdução
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PREfácIO DO AutOR Não sejais como crianças no entendimento.Quanto ao mal, contudo, sede como criancinhas, mas adultos quanto ao entendimento. — 1 Coríntios 14.20 Certa ocasião, um colega mais velho perguntou-me a quem eu, um filósofo novato, tinha atrelado meu vagão teológico. Na época, eu não sabia o que dizer. Havia aprendido de muitos, mas não seguia ninguém em particular. Agora, eu diria Agostinho. Este guia à filosofia, escrito para ajudar leitores a manter a tradição intelectual cristã na filosofia, é de natureza agostiniana. Entre muitas possibilidades, isso significa que eu coloco a fé à frente da razão, e defino a filosofia cristã como fé em busca de entendimento (fides quaerens intellectum). Para elaborar um pouco mais a tradição agostiniana, diria duas coisas. A primeira é que, a não ser que creia, você não entenderá. Isso significa que na ordem de conhecimento agostiniana (ordo scienta), a crença renova a razão, a graça restaura a natureza e a fé renova a filosofia. Segunda, a filosofia cristã é em essência fé cristã em busca de entendimento filosófi19 20 prefácio do autor co, especificamente em áreas como metafísica, antropologia, epistemologia, ética e estética. Colocando de outra forma, a filosofia cristã é uma reflexão de e sobre os temas essenciais do teísmo trinitário canônico (ou a cosmovisão bíblica).1 Como os filósofos cristãos Ronda Chervin e Eugene Kevane afirmaram: “Filosofia cristã é o filosofar que ocorre dentro da fé religiosa [cristã]”.2 No estilo agostiniano, então, tento cumprir os seguintes objetivos neste volume. Primeiro, procuro destacar a importância dos prolegômenos para a filosofia. Prolegômenos, evidentemente, constituem a declaração de pressuposições e princípios que servem como prelúdio e orientação para uma investigação. Minha intenção é enfatizar a grande importância para os filósofos de declarar antecipadamente o ponto de partida para que quem procura aprender com eles saiba o que esperar com antecedência. Isso envolve dois passos. Primeiro, “conhece-te a ti mesmo”, como o antigo oráculo diria, em especial em termos de no que você crê e o que você é em sentido filosófico. Então, “mostra-te a ti mesmo” como introdução, como um oráculo mais recente exigiria. Isso demandará um pouco de coragem. Honestidade e integridade estão em jogo. Os prolegômenos, podemos dizer, se parecem com o trailer de um filme ou a abertura de uma ópera. É o discurso geral e orientador pronunciado de antemão e é o assunto do primeiro capítulo deste livro. Segundo, desejo decifrar os relacionamentos da cosmovisão cristã ou bíblica (que designarei “teísmo trinitário 1 2 Devo esta ideia a Benno van den Toren. Love of Wisdom: An Introduction to Christian Philosophy (San Francisco: Ignatius Press, 1988), p. 49. filosofia: um guia para estudantes 21 canônico), da filosofia cristã e da filosofia comum.3 Classificar essas coisas não é algo fácil. Posso dizer, contudo, que o movimento entre a fé bíblica e a filosofia comum é uma pista de duas vias. O cristianismo e a filosofia cristã têm muito a oferecer à filosofia comum. Ao mesmo tempo, a filosofia comum fornece uma significante contribuição à Weltanschauung cristã e à formação de uma filosofia e filosofia cristã (estes três últimos domínios podem ser difíceis de distinguir). A filosofia comum, em outras palavras, funciona como uma serva para essas disciplinas. Entretanto, alguma vezes, acontece o oposto. Em todo caso, a filosofia precisa do cristianismo e vice-versa. Também abordarei essa preocupação no capítulo 1. Terceiro, tentarei articular elementos da filosofia cristã fundamentado na fé em Deus e na cosmovisão bíblica (ou seja, teísmo trinitário canônico) nas subdisciplinas filosóficas básicas de metafísica, antropologia, epistemologia, ética e estética. Em outras palavras, buscarei transmitir um pouco do que a Escritura contribui para a compreensão da realidade, humanidade, conhecimento, moralidade e beleza. Esse conteúdo será percorrido nos capítulos 2 a 6. Quarto, não só oferecerei a perspectiva cristã de cada uma dessas principais áreas filosóficas, como também tentarei demonstrar como a filosofia cristã em cada uma dessas 3 Albert M. Wolters enxerga três níveis para a teorização: 1) cosmovisão; 2) entendimento filosófico das coisas formulado a partir da cosmovisão; 3) teorização acadêmica em determinada disciplina (incluindo-se teologia e filosofia) sob a influência do entendimento filosófico particular derivado da cosmovisão fundacional. V., de sua autoria, Creation Regained: Biblical Basics for a Reformational Worldview, 2. ed. (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2005). 22 prefácio do autor subdisciplinas pode servir como guia para interagir com a filosofia comum de forma afirmativa, crítica, corretiva, complementar e criativa. Ao mesmo tempo, também investigarei como a filosofia normal, sendo serva, ajuda a iluminar, esclarecer e contribuir de forma significativa para a compreensão e aplicação da filosofia cristã. Além disso, cada um dos principais capítulos deste livro concluirá com um exemplo de uma ou mais dessas estratégias da área em particular. Quinto, pretendo explicar como o conteúdo da cosmovisão bíblica molda o entendimento da vocação filosófica cristã. Tentarei demonstrar como a fé e a filosofia cristã configuram ou, talvez, reconfiguram a natureza, a tarefa e os propósitos dos filósofos cristãos — como professores ou como estudantes. Com o que se parece a vocação filosófica moldada pelo evangelho? Um foco será os filósofos como amantes — da sabedoria, de Deus como a verdadeira sabedoria e dos outros. Este tópico ocupará nossa atenção no último capítulo, um dos mais importantes do livro. Aqui vão alguns pensamentos finais. Primeiro, este livro não será um exame geral de várias questões introdutórias nos diferentes campos do estudo filosófico. Como há muitos volumes úteis, tanto do posicionamento cristão quanto não cristão, que cobrem esse terreno de modo admirável, não vejo necessidade de repetir esse material prontamente disponível. Pelo contrário, meu objetivo é expor a filosofia cristã à luz de prolegômenos particulares em diversas das principais áreas de investigação filosófica. Segundo, eu não consegui cobrir todos os tópicos cristãos que precisavam ser abordados em cada área, mesmo reescrevendo consideravelmente o primeiro rascunho deste título. O livro, como você agora o tem, é bastante resumi- filosofia: um guia para estudantes 23 do. Não obstante, o que o leitor encontrará aqui são algumas ideias provocativas que estimularão novas reflexões e práticas nos chamados por Deus para lidar com a filosofia como crentes. Minha esperança máxima é que esta tentativa permita que os filósofos cristãos, como filósofos cristãos, sejam diferentes.4 — David Naugle, ThD, PhD Professor Emérito da Universidade Professor de Filosofia Dallas Baptist University Décima quarta semana após o Pentecostes de 2011 4 Inspirado por James H. Olthius (ed.), Knowing Other-Wise: Philosophy at the Threshold of Spirituality, 2. ed., Perspectives in Continental Philosophy (New York: Fordham University Press, 2000).