Um estudo sobre a identidade matemática de alunos da Escola
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Um estudo sobre a identidade matemática de alunos da Escola
Um Estudo sobre a Identidade Matemática de Alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Ar Autor: Alexandre José Rodrigues Orientadora: Cristina de Castro Frade 1. Introdução e Justificativa Esta pesquisa situa-se no cruzamento de dois campos de investigações. As primeiras, oriundas dos trabalhos de Jean Lave e Etienne Wenger sobre aprendizagem situada e comunidades de prática (Lave 1988, Lave e Wenger 1991 e Wenger 1998), possuem caráter antropológico. As segundas, de caráter educacional, procuram dar sentido aos resultados teóricos e empíricos das primeiras investigações no contexto da educação matemática. Nesse contexto incluem-se, dentre outras, pesquisas realizadas por Peter Winbourne e Anne Watson (1998, 2007), Cristina Frade (2003), Anna Sfard e Anna Prusak (2005a e 2005b) e Peter Grootenboer, Tracey Smith e Tom Lowrie (2006) sobre comunidades (locais) de prática, participação e formação de identidade, em salas de aula de matemática. As perspectivas de aprendizagem situada, seja nos estudos desenvolvidos por Lave e Wenger em comunidades de prática fora da escola, seja no contexto da educação formal, se baseiam em duas idéias centrais: 1) parte de conhecimentos não pode ser desatrelada de suas práticas de produção, emprego ou uso; 2) aprendizagem significa mudança de participação e formação de identidade em comunidades de práticas dinâmicas. Mais precisamente, minha pesquisa propõe estudar a identidade matemática de alunos do Ensino Médio da Escola Preparatória de Cadetes do Ar - EPCAR, ingressos na carreira militar com a intenção de tornarem-se pilotos-aviadores da Força Aérea Brasileira – FAB. Esses alunos, ainda nesse nível de ensino, já vislumbram um futuro profissional bastante específico e bem delineado. Também mostram possuir um forte “relacionamento” 2 com a disciplina. Conjeturo que esses sujeitos carregam em si tal identidade antes mesmo de ingressarem nas escolas de formação especializadas da FAB. Pretendo descrever e analisar o caminho percorrido por esses sujeitos anteriormente à sua entrada na carreira militar, bem como durante sua formação na EPCAR. Visto que meu estudo se dará sob a luz das perspectivas de aprendizagem situada e comunidades de prática, ele terá como foco as interações entre alunos e entre alunos e professor em sala de aula de matemática e demais ambientes de convívio acadêmico na EPCAR, uma vez que os sujeitos a serem pesquisados têm como regime de estudo o internato. A metodologia de pesquisa proposta é de cunho primordialmente qualitativo. Sendo professor civil em escolas militares há quatro anos, venho percebendo, nessas escolas, não só nos alunos, mas também nos seus formadores militares, oficiais e graduados1, uma cultura embutida de supervalorização do estudo/ensino de matemática, do saber matemática, exemplificada em dizeres do tipo “para se ser um bom piloto (-aviador da FAB) é importante estudar matemática, saber matemática”. Mesmo aqueles que se situam nas extremidades da formação/carreira de piloto-aviador militar já/ainda declaram isso. Atualmente, existem duas modalidades de ingresso na carreira militar da FAB, considerando-se a intenção de tornar-se um piloto-aviador militar: (1a) cursar, na EPCAR, sediada na cidade de Barbacena-MG, o Ensino Médio com desempenho reconhecido e estar apto a exames médico, psicológico e militar para entrar na Academia da Força Aérea – AFA, sediada na cidade de Pirassununga-SP ou (2a) ingressar diretamente na AFA onde o aluno é chamado “cadete da FAB”. Na primeira modalidade, jovens do sexo masculino com idade entre 14 e 18 anos2, podem ingressar na EPCAR para cursar o Ensino Médio regular conforme Sistema Nacional de Educação, juntamente com instruções nos Campos Geral e Militar, 1 Graduados na Força Aérea Brasileira são os Soldados, Cabos, Taifeiros, Sargentos e Suboficiais. (cf. http:// www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?page=postos_graduacoes) Acesso em 15 de junho de 2008. 2 Para o caso dos candidatos a alunos do Curso Preparatório de Cadetes do Ar – CPCAR – de 2009, exige-se “não possuir menos de 14 (quatorze) anos de idade na data da matrícula (1º de fevereiro de 2009) e nem completar 18 (dezoito) anos de idade até 31 de dezembro de 2008 (ano da inscrição) – (candidatos nascidos entre 1º de janeiro de 1991 e 1º de fevereiro de 1995)” segundo IE/EA CPCAR 2009 (Instruções Específicas para o Exame de Admissão ao CPCAR 2009) 3 ministradas sob o regime de internato3. É nessa modalidade de ensino em que me encontro lecionando matemática para os alunos do 2o ano do Ensino Médio. Os candidatos interessados em estudar na EPCAR inscrevem-se num processo de seleção que se divide em quatro etapas: (a) Exame de Escolaridade; (b) Inspeção de Saúde; (c) Exame de Aptidão Psicológica e (d) Teste de Avaliação do Condicionamento Físico. Essas quatro etapas são eliminatórias e classificatórias. No processo 2008/2009 foram ofertadas 185 vagas para candidatos à 1a série do Ensino Médio. Espera-se uma média de 20 mil inscrições para a fase inicial do concurso4. No Exame de Escolaridade são aplicadas duas provas – Matemática e Língua Portuguesa – nessa ordem em dois dias seguidos. Cada uma dessas provas é composta de 25 questões de múltipla escolha, que pretendem avaliar conhecimentos intelectuais dos candidatos relativos a essas duas disciplinas até a 8a série do Ensino Fundamental. Nesse processo seletivo, o primeiro critério de desempate entre os candidatos com mesma média é a maior nota na prova de matemática. Na segunda modalidade de ingresso na carreira militar para formar-se pilotoaviador da FAB, jovens de ambos os sexos, com não menos que 17 anos na data da matrícula e não mais que 21 anos no ano da matrícula e com o Ensino Médio completo. Esses passam por uma seleção semelhante ao processo de entrada na EPCAR, diferenciada basicamente no Exame de Escolaridade, que consta de provas de Matemática, Física, Língua Portuguesa e Língua Inglesa, e na quantidade de vagas que no exame de seleção 2007/2008 compunha-se de 25 vagas para o sexo masculino e 20 vagas para o sexo feminino5. A EPCAR tem por objetivo principal oferecer uma formação acadêmica e militar de excelência ao futuro cadete da FAB. Assim, seus alunos estudam em regime de internato e recebem, além da formação militar, a formação acadêmica de Ensino Médio. Em geral os professores não são militares, e seguem orientações curriculares nacionais (BRASIL, PCN, 1998) como em qualquer outra escola do país. 3 Cf. nota anterior. Cf. nota anterior. 5 IE/EA CFOAV/CFOINT/CFOINF 2008 (Instruções Específicas para os Exames de Admissão ao Curso de Formação de Oficiais Aviadores, Intendentes e Infantaria 2008) 4 4 Ao final de três anos, após receber orientações militares e acadêmicas que competem à EPCAR, o aluno, se aprovado novamente em exames psicotécnicos, físicos e de saúde, é então encaminhado para ingressar na AFA e se tornará um Cadete da FAB. É lá que começa, efetivamente, a formação do piloto-aviador da FAB e, nesse estágio, ele fará dois cursos de formação/preparação concomitantes: Curso de Pilotagem de Aeronaves e Curso de Administração Pública. É também na AFA que se pode pensar na razão pela qual a matemática, tanto aquela do Ensino Médio como a que se seguirá nos quatro anos de formação na AFA, pode contribuir (ou não) para que se continue afirmando que a matemática tem uma posição de destaque na formação de um militar da FAB, em especial de um piloto-aviador. A proposta de pesquisa que apresento é fruto de reflexões que ocorreram nos últimos quatro anos de minha trajetória como professor de matemática lecionando na EPCAR e em contato com leituras que estão citadas na Bibliografia deste projeto. Uma leitura em especial, fez-me refletir com mais clareza e entusiasmo sobre o aprimoramento de minha prática de sala de aula. Estou me referindo à introdução do texto de Romulo Campos Lins (2005), em que, ao refletir sobre sua prática depois de quase 25 anos de Educação Matemática, se disse espantando com “um número significativo de alunos que eram muito bons, e até brilhantes, em outras áreas, sofressem tanto para passar de ano em Matemática” (LINS, 2005, p. 92) De certa forma, essa é minha observação também nas aulas de matemática que venho ministrando nos quatro últimos anos. Quando ingressei no magistério da área militar observei, que para meus alunos, essa questão tornou-se mais evidente. Trata-se de alunos que possuem uma ligação forte com a matemática e, mesmo assim, “sofrem para passar de ano”. Posso considerar esses alunos “brilhantes”, assim como descreve MACHADO (1998) “Obviamente uma experiência como esta para um professor em início de carreira deixa uma profunda marca, e a partir de então passei a observar mais atentamente os alunos tidos como “brilhantes” ou “superdotados”. Estou chamando de alunos brilhantes os que resolvem os problemas de forma criativa, sempre buscando soluções menos trabalhosas, mesmo para aqueles problemas considerados fora de seu alcance,. Em geral, estes alunos não têm interesse por questões rotineiras, preferindo as que apresentam algum desafio, porém nem sempre eles obtêm bons resultados escolares.” (p. 13) 5 Os alunos “brilhantes” podem ser relacionados aos estudos sociológicos de NOGUEIRA (1998, 2002 2004, 2006), embasados em Bourdieu. Eles passaram por um processo seletivo acirrado, criou-se uma expectativa muito grande em torno do ingresso na instituição e a carreira a qual eles almejam seguir. Pode-se dizer que é uma carreira muito valorizada, sobretudo, pelo status que confere e pela “aquisição cultural” que julgam ser de extrema relevância e considerável: a de piloto-aviador. No entanto, a forma como é encarado o estudo de Matemática caminha pela via do “terror”, “da necessidade de aprovação”, “de saber o mais difícil” como destacam FONSECA (2006, p. 231) e CRUZ (2006, p. 170), contrapondo à via da contextualização, do entendimento da aplicabilidade na profissão – mesmo que seja precoce, pois são iniciantes, alunos de ensino médio. Desde que ingressei no Magistério Militar, venho observando a questão da identidade dos alunos com a matemática, sua forma de valorizá-la e de colocá-la em destaque em relação às demais disciplinas, ou mesmo as subvalorizando em detrimento da matemática. Essa observação tem me intrigado, pois parece evidente em conversas informais no meio militar – ressalto que o meio militar a que estou me referindo é o da Aeronáutica, mais especificamente o da EPCAR – que a matemática é muito valorizada. Diante disso, pergunto: Qual seria o motivo para essa valorização? Uma questão de status? Uma questão de poder, de tornar-se superior? Essa visão ou valorização é anterior a sua entrada na EPCAR? Como ela foi adquirida? E, se ela perdura dentro do ambiente militar, qual a sua razão? Os pilotos já formados têm essa visão? Como em qualquer escola, os alunos da EPCAR questionam a necessidade de se estudar um determinado conteúdo o que, nessa escola, em relação à matemática, é muito significativo. De fato, como regra geral, todos os alunos já se imaginam pilotos-aviadores da FAB, visualizam o final de sua carreira e querem saber como aplicar o conteúdo estudado “no ar”. Essa percepção da valorização da matemática por parte dos alunos (e no seu ambiente), mesmo que advinda da observação do pesquisador, portanto sem comprovação científica, pode ser percebida no acompanhamento das aulas e no estudo para as provas. Essas acontecem sempre em uma semana a cada trimestre e que, por escolha dos próprios alunos, sempre é a primeira. Pode-se perceber também essa valorização pela grande 6 procura pelas “aulas” de monitoria, ou até, também, porque trazem consigo uma grande bagagem de seus estudos anteriores. O momento profissional que vivo é marcado por uma intensa reflexão acerca dos quatro anos de docência em escolas militares da FAB para alunos que se identificam muito fortemente com o conteúdo ministrado nas aulas. Tal reflexão é o principal aspecto motivador deste projeto de pesquisa. Um outro fator motivador para essa pesquisa é que, ao seu término, os professores de matemática desse segmento de ensino possam melhor orientar os alunos iniciantes, para que continuem o estudo, entrem querendo ser pilotos e saiam pilotos. Há essa preocupação, pois é constatada uma evasão considerável após o ensino médio, quando alguns retornam à vida civil em busca de outras carreiras e prestam vestibular nas universidades de todo o país ou se destinam a concursos públicos como Polícia Militar, Polícia Civil e Bombeiros dentre outros. 2. SUPORTES TEÓRICOS Apoiando-me em estudos anteriores (por exemplo: Frade, 2003; Moreira, 2004; Sfard e Prusak (2005) e Peter Grootenboer e colaboradores (2008)) sobre a sala de aula de matemática e aprendizagem matemática sob a perspectiva de Lave e Wenger (1991); Lave (1998); Wenger (1998); Winbourne e Watson (1998, 2007) apresento, a seguir, os principais referenciais teóricos que fundamentarão minha pesquisa. 3. Aprendizagem situada e comunidades de prática Matos (2000), ao analisar a natureza da aprendizagem, afirma, embasado nas teorias de Lave e Wenger, ou seja, numa visão sociocultural, que “a aprendizagem ocorre num contexto social, a cognição é partilhada socialmente entre os membros de uma comunidade e o conhecimento existe no seio das comunidades em que as pessoas participam” (p. 67). Esta visão implica numa mudança sobre o ponto de partida para o aprendizado: passa-se do sujeito; o individual, para o coletivo; a comunidade. A esse respeito, Lave e Wenger (1991) afirmam que a aprendizagem é entendida como “um aspecto integral e inseparável da prática social”6 (p.31). E ainda que “Aprender significa por isso tornar-se uma pessoa diferente com respeito às possibilidades trazidas por esses sistemas de 6 “that learning is an integral and inseparable aspect of social practice” 7 relações. Ignorar este aspecto da aprendizagem é não perceber o fato de que aprender envolve a construção de identidades. Mas aprender não é meramente uma condição de pertença, é ela mesmo uma forma evolutiva de pertença.” (p. 53)7 A esse respeito, pode-se destacar que a aprendizagem ocorre numa “comunidade de prática”, pois a idéia de “comunidade de prática” implica participação num sistema de atividade aliado à compreensão daquilo que seus integrantes fazem e que tem um significado para suas vidas e suas comunidades próprias. Vale, neste momento, ressaltar que Lave e Wenger não afirmam que a aprendizagem ocorre única e exclusivamente em “comunidades de prática”. Este pode ser citado como um “nó” nessa pesquisa, pois além de perceber a sala de aula como uma “comunidade de prática” será necessário perceber a aprendizagem da matemática no contexto da EPCAR e as variáveis que contribuem para que os alunos aprendam e se “identifiquem” tão fortemente com a matemática. Sobre comunidades de prática, Lave e Wenger (1991) que “uma comunidade de prática é um conjunto de relações entre pessoas, atividades e mundo, acima do tempo e em relação com outras comunidades de prática tangenciais e sobrepostas. A comunidade de prática é uma condição intrínseca para a existência de conhecimento, não menos porque ela supre o suporte interpretativo necessário para fazer sentido de uma herança. Assim, participação na prática cultural em que existe algum conhecimento é um princípio de aprendizagem epistemológico.”8 (p. 98). Dessa forma, percebe-se uma intencionalidade na concepção dos autores com o termo “comunidade de prática”. É clara a característica social de uma “comunidade de prática”, bem como ser um meio propício para o aprendizado. Frade (2003) salienta que Wenger (1998) detalha “o que consiste uma comunidade de prática, bem como os aspectos básicos que ela (Lave, que anteriormente 7 “Learning thus implies becoming a different person with respect to the possibilities enabled by these systems of relations. To ignore this aspect of learning is to overlook the fact that learning involves the construction of identities. Viewing learning as legitimate peripheral participation means that learning is not merely a condition for membership, but is itself an evolving form of membership.” 8 “A Community of practice is a set of relations among persons, activity, and world, over time and in relation with other tangential and overlapping communities of practice. A community of practice is an intrinsic condition for existence of knowledge, not least because it provides the interactive support necessary for making sense of its heritage. Thus, participation in cultural practice in which any knowledge exists is an epistemological principle of learning.” 8 havia escrito juntamente com Wenger) define, tais como, significado, comunidade, aprendizagem, conhecimento e identidade.” (p. 65) Do que Frade (2003)9, expõe sobre essas idéias, pode-se resumir em: Prática social Prática e significado - Prática e comunidade - Prática e aprendizagem - Conhecimento na prática Identidade na prática 9 Cf. Frade, 2003, 65 - 72 - ocorre dentro de um contexto histórico e social; cada termo ganha significado de acordo com a especificidade da prática e, portanto, podem ter múltiplas interpretações; inclui: linguagem, símbolos, instrumentos, papéis e regras bem definidos, procedimentos, visões de mundo e crenças compartilhadas; significado é negociado, envolve participação e reificação, que não são excludentes, mas sim se complementam numa prática; participação implica em reconhecimento mútuo, associação entre a prática e o social, de onde se pode dizer que nem todo envolvimento/engajamento implica em participação; associação decorrente de três relações postas por Wenger que levam a formulação de conceitos de aprendizagem, conhecimento e identidade: engajamento mútuo, empreendimento conjunto e repertório compartilhado; a caracterização do desenvolvimento de uma prática é dada pela capacidade de manter o engajamento de seus membros na perseguição de empreendimentos comuns; estão incluídos: evolução das formas de engajamento, compreensão e ajuste do empreendimento e desenvolvimento do repertório, estilos e discurso; aprendizagem significativa é aquela que afeta ou muda estes aspectos; é a sintonia entre os membros, seu engajamento, que pode colocar uma pessoa numa participação periférica ou, fazendo com que aprendizes necessitem desenvolver uma habilidade de engajar-se com os outros membros, estabelecer relacionamentos, compreender o empreendimento da comunidade, contribuir para seus propósitos e fazer uso do repertório da prática para nela engajar-se; meio de inserção do local e do global; do individual e do coletivo; pela participação, o indivíduo define quem é naquela comunidade. 9 Frade (2003) ainda destaca que Wenger, a fim de poder melhor identificar uma “comunidade de prática” em termos de “engajamento mútuo, empreendimento conjunto e compartilhamento de repertório” propõe 14 unidades de análises: “1) Manutenção de relações mútuas (harmônicas ou conflituosas). 2) Modos compartilhados de engajamento/envolvimento em tarefas coletivas. 3) Fluxo rápido de informações e propagação de inovações. 4) Ausência de preâmbulos introdutórios (como se conversações e intenções fossem meramente a condição de processos em andamento). 5) Apresentação rápida de um problema a ser discutido. 6) Consenso substancial nas descrições dos participantes sobre quem pertence à comunidade de prática. 7) Conhecimento sobre o que os participantes sabem, o que eles podem fazer, e como eles podem contribuir para um empreendimento. 8) Identidades sendo definidas mutuamente. 9) Habilidade de acessar e apropriar ações e produtos. 10) Instrumentos específicos, representações e outros artefatos. 11) Mitos locais, histórias compartilhadas, brincadeiras internas. 12) Jargões e modos rápidos e eficientes de comunicação, bem como facilidade de produzir novos jargões e modos de comunicação. 13) Certos estilos reconhecidos como associados aos membros. 14) Discurso compartilhado que reflete certas perspectivas sobre o mundo.” (p. 67-68) A sala de aula pode ser vista e tratada como uma “comunidade de prática” tal qual Wenger (1998) propõe? Caberiam a ela as peculiaridades de uma “comunidade de prática”? Frade (2003), Winbourne e Watson (1998, 2007) ao se referirem a uma sala de aula como “comunidade de prática” destacam diferenças elementares que devem ser consideradas. Frade (2003) destaca dois aspectos de sala de aula que segundo ela não estão contemplados na teoria de Lave e Wenger ao se referirem a “comunidades de prática”: “a participação dos alunos nas práticas escolares não é voluntária” e “eles raramente pensam em se tornar matemáticos (ou biólogos, químicos, etc), nem professores de matemática (ou biologia, química, etc)” (p. 75). Estes dois aspectos dificultam a visualização direta das idéias de Lave e Wenger para as salas de aula em geral. 10 Winbourne e Watson (1998) a fim de destacarem a comunhão das idéias de Lave e Wenger com a “prática” de sala de aula e a “comunidade de prática” criaram 6 unidades de análise para o que chamaram de “comunidades locais de prática” “1. participantes, através de sua participação na prática, criam e encontram suas identidades dentro da prática (e então continuam o processo de criação e descobrimento de sua identidade pública); 2. existe alguma estrutura social na qual os participantes estão posicionados em uma escala aprendiz/mestre; 3. a comunidade tem um objetivo; 4. são compartilhados modos de se comportar, linguagem, hábitos, valores e ferramentas de uso; 5. a prática é constituída por seus participantes; 6. todos os participantes se vêem como essencialmente engajados em alguma atividade. (p. 94)10 Nessa perspectiva, a observação da sala de aula da EPCAR se dará de forma a identifica-la com uma “comunidade local de prática” segundo estudos de Winbourne e Watson (1998, 2007) para justificar a “aprendizagem situada e comunidade de prática” de Lave e Wenger (1991). Nesse intuito, buscarei descrever e analisar o caminho para formação da identidade matemática dos alunos da EPCAR. 4. Participação Periférica Legítima Matos (2000) citando Santos (1996) destaca três noções associadas à idéia de participação periférica legítima: “a legitimidade da participação, o aspecto periférico da participação e a legitimidade da periferia” (p. 73 - 74). Segundo os autores, a legitimidade confere a característica de pertença da pessoa ao grupo, o aspecto periférico confere à pessoa a possibilidade de múltiplas formas de participação e a legitimidade da periferia como forma de reprodução das estruturas sociais. Desta forma, antes mesmo da coleta de dados, tendo em mente que não há uma homogeneidade das pessoas, nesse caso dos alunos, já se pode prever diversos níveis de participação, e até mesmo discutir-se que participação. 10 “1. participants, through their participation in the practice, create and find their identity within that practice (and so continue the process of creating and finding their more public identity); 2. there has to be some social structure which allows participants to be positioned on an apprentice/master scale; 3. the community has a purpose; 4. there are shared ways of behaving, language, habits, values, and tool-use; 5. the practice is constituted by the participants; 6. all participants see themselves as essentially engaged in the same activity.” 11 Uma relação, também, interessante que se pode antever é entre os alunos e a matemática como forma de se colocar mais poderoso, ou de ter maior acesso ao poder, que pode ser uma das motivações de se criar maior identidade com a matemática. 5. Identidade Segundo GROOTENBOER, SMITH e LOWRIE (2006), “o conceito de identidade tem sido nomeado e conceituado por pesquisadores e teóricos de uma série de tradições e disciplinas11” (p. 612). Ainda segundo os mesmos, as influências ocorrem devido à diferenciação no ponto de vista destacando-se o psicológico/desenvolvimentista, o sócio-cultural e o pós-estrutural. Como essa pesquisa já tem cunho sócio-cultural, basta esclarecer que para GROOTENBOER e colaboradores (2006) “aqueles que se alinham com essa perspectiva incidem mais especificamente nas interações entre o indivíduo, a cultura e a sociedade”12 (p. 613). Dessa forma, eles vêem identidade como “o somatório de todas estas ordenações: habilidades de relacionamento, emoções, habilidades físicas, e assim por diante”13 (p. 613). Para SFARD e PRUSAK (2005a), o conceito de identidade vem se tornando mais visível em discursos tanto do meio acadêmico quanto do público em geral. Estas mesmas, definem identidade como sendo “um conjunto de abstrações, significativos, endosso de histórias sobre uma pessoa”14 (p.14). Boaler (2002) afirma: "Eu encontrei o conceito matemático de identidade - a idéia que os alunos desenvolvam as relações com os seus conhecimentos - (...) Como envolver os alunos em aulas práticas, e em práticas matemáticas, elas desenvolvem conhecimentos e desenvolvem uma relação com o conhecimento. Suas identidades matemáticas incluem os conhecimentos que possuem, assim como as formas em que os alunos detêm conhecimentos, as formas em que 11 “The term identity has been named and conceptualised by researchers and theorists from a range of traditions and disciplines.” 12 “Those who align with a socio-cultural perspective focus more specifically on the interactions between the individual, culture and society” 13 “To this end, identity can be seen as “the ordered sum of all these: relationship skills, emotions, physical abilities, and so forth” 14 “They define identity as a set of reifying, significant, endorsable stories about a person” 12 eles usam o conhecimento e acompanham as crenças e práticas de trabalho matemático que interagem com o seu saber. "15 (p. 16) Nessa perspectiva, acredito que um estudo da identidade matemática dos alunos da EPCAR pode revelar suas crenças quanto a sua prática como pilotos-aviadores da FAB respaldada num estudo da matemática, para verificar em que se apóiam tais crenças. Nesses termos, pode-se pensar no estudo proposto de forma a investigar esse conjunto constitutivo formador da identidade dos alunos da EPCAR em relação à sua história pregressa, ou seja, antes mesmo de estar na formação militar, suas crenças. Podese, também, pensar no aluno, quando sua identidade pode ser reforçada por uma idealização profissional, piloto-aviador da FAB, no que lhe é dito, construindo um conjunto de significados de estreita relação com a matemática que pode estar sendo endossado pelos discursos ou atos de seus formadores. Durante o processo de construção deste projeto de pesquisa e sua implementação, uma literatura relativa a esses tópicos ainda está sendo levantada. 6. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO De acordo como descrevi na introdução deste projeto, o objetivo central dessa pesquisa é estudar o processo de formação da identidade matemática de alunos da EPCAR. Dessa forma, pretendo identificar: • elementos de uma “comunidade local de prática” na EPCAR; • o posicionamento no movimento de pertencimento da comunidade de pilotos-aviadores da FAB; • como se dá a formação de identidade desses alunos em relação à matemática, e • observar quais são os fatores que favorecem a formação da identidade dos alunos com a matemática. 15 "I have found the notion of mathematical identity - the idea that students develop relationships with their knowledge - (...) As students engage in classroom practices, and in mathematical practices, they develop knowledge and they develop a relationship with that knowledge. Their mathematical identity includes the knowledge they posses, as well as the ways in which students hold knowledge, the ways in which they use knowledge and the accompanying mathematical beliefs and work practices that interact with their knowing." 13 Ao realizar o estudo proposto pretendo apontar a partir dos resultados, implicações pedagógicas que possam contribuir para: propiciar uma instância de discussão sobre o currículo da formação do piloto-aviador; proporcionar ao professor que trabalha com matemática nesses contextos uma reflexão sobre sua prática; desmistificar o ensinoaprendizagem da matemática como “terror”; entender qual será o reflexo ou aplicabilidade da matemática na prática do piloto-aviador e entender em que bases é elaborado o currículo dessa formação profissional para que a matemática se coloque numa posição de maior valorização a ser ensinada no ensino médio desse tipo de formação. Diante do exposto até o momento, coloco as seguintes questões de pesquisa. • Como se dá a formação de identidade desses alunos com a matemática estudada? • Qual é a relação desses alunos com a matemática? • Que estratégias são usadas pelos alunos para o processo de criação de identidade matemática? Há influência externa? De quem? De que modo? Na busca pela resposta a essas e outras questões que podem surgir no desenvolver da pesquisa, a estratégia de trabalho que estou adotando é pautada nos modelos de pesquisa qualitativa em educação. 7. INDICAÇÕES METODOLÓGICAS Os dados serão obtidos através de observação em sala de aula, questionário e entrevistas esse processo de formação de identidade com a matemática em três etapas: (1) alunos da EPCAR, (2) professores de matemática da EPCAR e (3) instrutores militares da EPCAR e, se necessário for, com instrutores da AFA. Além da observação em sala de aula, pretendo observar também as “aulas” de monitorias. Essas ocorrem sob orientação dos professores de matemática, e os alunos que mais se destacam nas aulas/avaliações são indicados por esses professores para tal encargo. O questionário será aplicado a todos os alunos da EPCAR com a finalidade de fazer uma pré-seleção daqueles que serão convidados a participar da entrevista. Com a aplicação desse instrumento de coleta de dados já se poderá identificar a(s) concepção(ões) do estudo da matemática nesse contexto da EPCAR por parte dos alunos. Também, já se poderá 14 verificar as crenças dos alunos quanto ao estudo da matemática com relação à sua condição de alunos em processo de formação como pilotos-aviadores da FAB. Após a aplicação do questionário e tabulação dos resultados, serão feitas entrevistas com alguns alunos pré-selecionados por esse ou na observação da sala de aula e das “aulas” de monitoria de matemática. Ainda, serão realizadas entrevistas com alguns professores de matemática, que não têm formação militar; são civis, e com alguns instrutores militares da EPCAR e, se necessário, com instrutores da AFA. O objetivo da entrevista com esses é identificar se suas crenças e valores em relação à disciplina que ministram, ou no caso da formação militar, exercem alguma influência na identidade matemática dos alunos16. Essas entrevistas serão entrevistas semi-estruturadas e têm como objetivo permitir a validação dos dados obtidos no questionário e nas observações. 8. Bibliografia Consultada ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. (Eds.) (1998) O método nas ciências naturais e sociais: Pesquisa qualitativa e quantitativa. São Paulo: Editora Pioneira. BOALER, J.. (2002). Exploring the Nature of Mathematical Activity: Using theory, Research and ‘Working Hypotheses’ to Broaden Conceptions of Mathematics Knowing. Educational Studies in Mathematics, v51, n1-2, 3-21. 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(2006) Expressões e Significados da Exclusão Escolar: representações sociais de professores e alunos sobre o fracasso em matemática, Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Federal do Pernambuco. 363p. 16 Há uma grande participação dos alunos em monitorias de matemática e também em Olimpíadas de Matemática, quais sejam: OBM (Olimpíada Brasileira de Matemática), OMM (Olimpíada Mineira de Matemática) e OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas). O que os move na direção dessa participação?. 15 FIORENTINI, D. e LORENZATO, S.. (2006) Investigação em Educação Matemática: Percursos teóricos e metodológicos. Campinas. Autores Associados. 226p. FRADE, C de C.. (2003) Componentes Tácitos e Explícitos do Conhecimento Matemático de Áreas e Medidas. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 241 f. FONSECA, M. C. F. R.. 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