análise dos contos de Eurico Félix

Transcrição

análise dos contos de Eurico Félix
CAUSOS DE BATAYPORÃ: ANALISE DOS CONTOS DE EURICO FÉLIX
Ainda que eu tivesse o dom da profecia,
E de toda ciência;
Ainda que eu tivesse toda a fé,
A ponto de transportar montanhas,
Se não tivesse o amor,
Eu não seria nada.
(1Corintios 13,2)
Valdirene Cavalcante Alves Martins
UEMS
Resumo: O objetivo desse trabalho é desenvolver métodos para a prática de pesquisa na universidade e
encontrar caminhos de acesso a cultura e ao conhecimento a partir da análise de alguns contos da obra Causos
de Batayporã (1992) de Eurico Félix. Leva-se em conta a importância do cotidiano, fato esse que levou o autor
a escrever seus causos narrados em terceira pessoa, sendo conseqüentemente, um narrador observador ou
onisciente. O enredo é baseado em fatos verídicos ocorridos durante a história da colonização da cidade de
Batayporã. A metodologia utilizada na confecção deste trabalho fundamentou-se na leitura da obra do referido
autor e também na obra teórica de Cândida Vilares Gancho, intitulada Como Analisar Narrativas (1997) e a
obra Teoria do Conto (1998) de Nádia Battela Gotlib. Essas leituras e análises irão contribuir para o
desenvolvimento do trabalho e proporcionar a outros acadêmicos e pesquisadores o interesse por esse tipo de
texto. O trabalho monográfico é dividido em duas partes: a primeira compreende a “Teoria do Conto”, a
segunda parte abrange a análise dos contos e no anexo a biografia do autor e uma síntese da história da cidade
de Batayporã.
Palavras Chaves: análise, vida e obra.
ABSTRACT: The objective of this work is to develop practical methods for university research and find ways
of access to culture and knowledge from the analysis of some of the tales of work stories of Batayporã (1992),
Eurico Felix. It takes into account the importance of everyday life, a fact that led the author to write their
stories narrated in third person, and consequently, an observer or omniscient narrator. The plot is based on
true events that occurred during the history of colonization of the city of Batayporã. The methodology used in
the preparation of this work was based on reading the work of that author and also the theoretical work of
Cândida Vilares Hook, entitled How to Analyze Narratives (1997) and the work Theory of the Story (1998) by
Nadia Battela Gotlib. These readings and analysis will contribute to the development of work and provide
other academics and researchers interest in this type of text. The monograph is divided into two parts: the
first comprises the "Theory of Story", the second part covers the analysis of the stories and in the annex the
author's biography and a summary of the history of the city of Batayporã.
Keywords: analysis, life and work.
INTRODUÇÃO
Com o objetivo de desenvolver a capacidade de atuar na sociedade, a literatura faz o leitor ingressar
em um universo de escritores e obras, abrindo caminho de acesso ao conhecimento, para gerar bases na
construção da consciência crítica e buscar melhores características para as práticas de pesquisa na
Universidade. Assim sendo o presente trabalho faz uma análise de alguns contos do livro Causos de
Batayporã, (1992) de Eurico Félix com o intuito de analisar o sujeito e o espaço do mesmo.
Por conservar características da fábula e da parábola o conto se caracteriza, como uma narrativa curta
que pode ser contada oralmente ou por escrito, sem perder o seu significado. Segundo Batella O conto é uma
narrativa curta. O critério pode ser muito empírico, mas é muito verdadeiro. È o único realmente positivo
(GOTLIB, 1998, p.64), por ser uma narrativa pequena, o contista consegue chamar a atenção do leitor,
mostrando em sua obra, diferentes caminhos e idéias a partir de fatos abordados no dia-a-dia como é o caso
da obra em destaque, cujo o escritor se utilizou dessa abordagem diária para escrever o seu livro.
Ainda nessa linha de pesquisa o critico Alfredo Bosi, em seu livro O conto brasileiro contemporâneo,
cita que o caráter múltiplo do conto que segundo ele “já desnorteou mais de um teórico da literatura ansioso
por encaixar a forma conto no interior de um quadro fixo de gêneros. Na verdade, o conto é uma narrativa
curta que condena e potencia no seu espaço todas as possibilidades da ficção. (1977, p.7)
Partindo-se deste principio, enfoca-se nos contos felixianos, a presença de uma linguagem simples e
uma narrativa fluente que rememora os causos/historias do cotidiano dos primeiros moradores da cidade de
Batayporã.
Sendo assim, o objetivo deste trabalho é tornar conhecida uma das obras de Eurico Félix que é um
escritor pouco conhecido e ampliar o interesse acadêmico por esse tipo de obra, visando valorizar a qualidade
dos contos e aumentar o interesse de outros pesquisadores a explorarem esse tipo de texto.
A metodologia utilizada, neste trabalho, fundamenta-se na leitura da obra de Eurico Félix e de alguns
teóricos como Cândida Vilares Gancho e Nádia Battela Gotlib. Essas leituras irão contribuir no
desenvolvimento do meu trabalho monográfico e também nas análises dos contos, destacando os primeiros
pioneiros da cidade e as semelhanças e diferenças que o autor aplica a cada um deles.
Sendo assim a primeira parte deste trabalho conterá a teoria sobre o conto, a segunda parte será
apresentada a análise de cinco contos do livro Causos de Batayporã (1992) e no anexo conterá a biografia do
autor Eurico Félix, uma síntese da história de Batayporã e do Centro de Memória Jindrich Tracta, neste local
podemos encontrar vários documentos contendo o acervo histórico-cultural deixado pelo pioneiro Jindrich
Trachta, um dos colaboradores do fundador da cidade Dr. Jan Antonin Bata, e também alguns contos da obra
Causos de Batayporã (1992), de Eurico Félix.
O conto: uma narrativa curta
I.I Histórico do conto
Uma das características mais forte do conto é a sua existência, pois embora seja difícil, de se
identificar, temos como hipótese tempos remotos que ainda não foram marcados pela tradição escrita, surgindo
várias fases de evolução de como se contar histórias. Embora o início de se contar história seja impossível de
se localizar e permaneça como hipótese que nos leva aos tempos remotíssimos, ainda não são marcados pela
tradição escrita, há fases de evolução dos modos de se contarem estórias. (GOTLIB, p.6, 1998).
[...] Para alguns, os contos egípcios – Os contos dos mágicos – são os mais antigos: devem ter aparecido por
volta de 4000 anos antes de Cristo. Enumerar as fases da evolução do conto seria percorrer a nossa própria
história, a história de nossa cultura, detectando os momentos da escrita que a representam. O da história de
Caim e Abel, da Bíblia, por exemplo. Ou os textos literários do mundo clássico greco-latino: as várias estórias
que existem na Ilíada e na Odisséia, de Homero. E chegam os contos do oriente: a Pantchantantra(VI AC),
em sânscrito, ganha tradução árabe (VII dC) e inglesa (XVI dC); e as Mil e uma noites circulam da Pérsia
(século X) para o Egito (século XII) e para toda Europa (século XVIII). (GOTLIB, 1991, p.6).
No século XIV ocorre a transição do conto, pois o ato de narrar um acontecimento oralmente passa a
ser registrado. “Se o conto transmitido oralmente ganha o registro escrito, vai afirmando a sua categoria
estética”. (GOTLIB, p. 7, 1998). O contador de histórias também evolui, assumindo a função de contador,
criador e escritor, pois consegue chamar a atenção do leitor mantendo suas características orais nos textos, e
utiliza-se do recurso de moldura, no qual as histórias passam a ser contadas de alguém para alguém.
No século XVI surge o Héptameron (1558), de Marguerite de Navarre, no século XVII, as Novelas
ejemplares (1613), de Cervantes. No fim do século surgem os registros de contos por Charles Perrault;
Histories ou contes Du temps passe, com o subtítulo de “Contes de ma mére Loye, que são conhecidos como
Contos da Mãe Gansa. No século XIV aparece o La Fontaine, exímio no contar fábulas.
No Século XIX, o conto se desenvolveu com apego a cultura medieval por meio da pesquisa do
popular e do folclórico, pela expansão da imprensa, permitindo a publicação dos contos nas inúmeras revistas
e jornais. Grandes contistas surgem no mundo inteiro: Edgar Allan Poe nos EUA, Maupassant na França, Eça
de Queirós em Portugal e Machado de Assis no Brasil. E caracteriza-se como conto moderno, ao lado de um
Grimm que registra contos e inicia um estudo comparado. E o Edgar Allan Poe que se afirma como contista e
teórico do conto. Neste mesmo século o conto passa por grandes desenvolvimentos devido à grande expansão
da imprensa que possibilitou a impressão dos textos literários.
Enquanto a força do contar estórias, se faz fortalecendo cada vez mais, através dos séculos,
paralelamente, uma outra história surge: a que tenta explicar a história dessas estórias, problematizando a
questão deste modo de narrar que se caracteriza a princípio pela própria natureza da narrativa que é a de contar
estórias, simplesmente.
Alguns estudiosos não admitem uma teoria específica para o conto, ou seja, pensam que a teoria do
conto filia-se a uma teoria geral da narrativa, mas conforme Gotlib surgem diferenciações: embora sujeito às
determinações gerais da narrativa, ele teria característica específica de gênero assim, como o romance? O
teatro? O cinema? A novela de TV? Em que aspectos permaneceriam eles fiéis as suas origens? (1998, p.8).
Segundo GOTLIB, torna-se muito difícil responder a uma questão dessa natureza, que de acordo com
Mário de Andrade, bons contistas, como Maupassant e Machado de Assis encontram a forma do conto; Mas
o que encontraram foi a forma do conto indefinível, insondável, irredutível a receitas. (1998, p.9)
Ainda segundo GOTLIB a respeito de escrever contos Machado de Assis diz em 1873: É gênero
difícil, a despeito de sua aparente facilidade. E para Júlio Cesares, há três acepções da palavra conto que Júlio
Cortazar utiliza no seu estudo sobre Poe: 1- relato de um acontecimento; 2- narração oral ou escrita de um
acontecimento falso; 3- fábula que se conta às crianças para diverti-las. (1998, p.11)
Posteriormente este gênero passou por uma evolução, de sua forma tradicional, na qual a ação e o
conflito passam pelo desenvolvimento até o desfecho, com crise e resolução final, para as formas modernas
de narrar, na qual a estrutura se fragmenta e subverte este esquema. Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant e
Anton Tchekóv, são alguns dos contistas clássicos que mais influenciaram as formas modernas do conto.]
1.2- Definição do conto
uma narrativa mais curta, que tem como característica central condensar conflito, tempo, espaço e reduzir o
número de personagens. O conto é um tipo de narrativa tradicional, isto é, já adotado por muitos autores nos
séculos XVI e XVII, como Cervantes e Voltaire, mas que hoje é muito apreciado por autores e leitores, ainda
que tenha adquirido características diferentes, por exemplo, deixar de lado a intenção moralizante e adotar o
fantástico ou o psicológico para elaborar o enredo. (GANCHO, 1997, p.8).
O conto pode ser definido como uma narração curta, falada ou escrita, seja ela uma história real ou
imaginária Para os estudiosos que estuda a teoria do conto, este gênero se divide em duas correntes: A dos
teóricos que aceitam definições e a dos que não aceitam. Porém mesmo aqueles que as aceitam concordam
que definir conto não é tarefa fácil. O escritor e contista Júlio Cortázar afirma que o conto é "esse gênero de
tão difícil definição, esquivo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos.” (GOTLIB, 1998, p.10).
No estudo da Teoria do conto, Nádia Battella Gotlib, nos dá as impressões de diversos teóricos do
conto e chega à seguinte proposta:
O segredo do conto é promover o seqüestro do leitor, prendendo-o num efeito que lhe permite a visão em
conjunto da obra, desde que todos os elementos do conto são incorporados tendo em vista a construção deste
efeito (Poe). Neste seqüestro temporário existe uma força de tensão num sistema de relações entre elementos
do conto, em que cada detalhe é significativo (Cortázar). O conto centra-se num conflito dramático em que
cada gesto, cada olhar são até mesmo teatralmente utilizados pelo narrador (Bowen). Não lhe falta a construção
simétrica de um episódio, num espaço determinado (Matthews). Trata-se de um acidente de vida, cercado de
um ligeiro antes e depois (Oiticica). De tal forma que esta ação parece ter sido mesmo criada para um conto,
adaptando-se a este gênero e não a outro, por seu caráter de contração (Friedman). Este é um lado da questão
teórica referente às características específicas do gênero conto. (Prof. Dr. Antônio Jackson de Souza Brandão).
O conto pode ser contado com as palavras do narrador sem perder sua simplicidade. André Jolles
defende a idéia de que o conto possui uma forma simples, isto é, uma forma que permanece através dos tempos,
recontada por vários, sem perder sua forma (GOTLIB, 1998 p.18). Ainda discutindo a forma do conto,
podemos afirmar que todo conto é uma narrativa breve, e o seu segredo é promover no leitor uma fuga, de
forma que esse efeito prende a atenção do leitor e lhe possibilita uma visão maior da obra, desde que todos os
elementos do conto sejam incorporados, tendo em vista a construção deste efeito seja no seqüestro temporário
que existe, ou em toda força de tensão em um sistema de relações entre os elementos do conto e em cada
detalhe significativo que ele representa, como cita Edgar Allan Poe:
No conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção seja ela qual for clara ou direta, objetiva
e compacta (condensada). A situação apresentada e sua proposição temática são resumidas. Como cita Horacio
Quiroga o conto literário consta nos mesmos elementos que o conto oral e é, como este, o relato de uma história
bastante interessante e suficientemente breve para que absorva toda a nossa atenção. (GOTLIB, 1998, p. 76).
Baseado na singularidade que compõe o conto Brander Mattews conceitua o conto da seguinte forma.
O conto é uma narrativa breve; desenrolando um só incidente predominante e um só personagem principal,
contém um assunto cujo detalhe é tão comprimido e o conjunto do tratamento tão organizado, que produzem
uma só impressão. ( GOTLIB, 1998, p.60).
Algumas características comuns acabaram por agrupar as várias formas de narrar e isso aproximou o
conto de um gênero literário. No século XX este novo gênero foi identificado pela primeira vez nos EUA, e
designado short-story.
Short-Story é um termo que subentende sempre uma estória e que deve responder a duas condições: dimensões
reduzidas e destaque dado à conclusão. Essas condições criam uma forma que, em seus limites e seus
procedimentos, é inteiramente diferente daquela do romance. ( GOTLIB, 1998, p.40).
Separada por hífen para diferenciar de uma estória curta, isto é segundo o autor que segue a risca as
teorias de Poe para eles há uma só diferença entre o conto e o romance que não é só de extensão, mas de
natureza: o conto tem uma unidade de impressão que o romance obrigatoriamente não tem. E por que tal
unidade ocorre? Por causa da singularidade dos elementos que compõem a narrativa do conto. (GOTLIB,
1998, p.59).
Edgar Allan Poe vai desenvolver sua teoria sobre o conto literário a partir da relação existente entre
a extensão do conto e, conseqüentemente, o tempo de sua leitura e o efeito que sua leitura causa no leitor,
chamado por Poe de efeito único ou impressão total, como diz Quiroga a respeito do conto literário que consta
dos mesmos elementos que o conto oral e é, como este, o relato de uma história bastante interessante e
suficientemente breve para que absorva toda a nossa atenção. (GOTLIB, 1998, p.76).
Um conto breve pode ser lido de uma só vez, exercendo domínio sobre o leitor. Para Poe, a estrutura
narrativa do conto visa conquistar este efeito único. No conto, todos os elementos estão diretamente
relacionados a este efeito. Esta é uma característica básica na construção de um conto, chamada por Poe de
economia dos meios narrativos. Trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos. E tudo
que não estiver diretamente relacionado com o efeito, para conquistar o interesse do leitor, deve ser suprimido.
(GOTLIB, 1998, p.35,).
O conto é universal. Personagens, tempo e lugares são indeterminados historicamente, podendo variar
de acordo com o período e a região em que o conto está sendo narrado. Apenas a situação narrada permanece
constante, mas a medida que passamos das características formais do conto e avançamos em direção às suas
características narrativas, torna-se necessário o auxílio da teoria literária, servindo como um fio condutor na
análise literária. Minha proposta é a de analisar o conto a partir dos elementos da narrativa, à luz da teoria de
Cândida Vilares Gancho. Trataremos, portanto, de narrador, enredo, tempo, espaço, ambiente, personagem e
também tema, assunto e mensagem.
1.3- Narrador
O narrador é o elemento que conta a história. É ele, e não o autor, que interage com o leitor no
processo de recepção da história. O narrador possui duas funções nas narrativas em que aparece: a de definir
o foco narrativo da história e o ponto de vista da narração. No conto literário, o foco narrativo está nos
acontecimentos, e não nas personagens. O narrador está fora dos fatos narrados, possuindo um ponto de vista
imparcial. É chamado narrador na terceira pessoa ou narrador observador. Suas principais características são
a onisciência (o narrador sabe tudo sobre a história) e onipresença (o narrador está presente em todos os lugares
da história, o tempo todo). Como cita Cândida Vilares Gancho:
Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da história. Dois são os termos mais
usados pelos manuais de análise literária, para designar a função do narrador na história: foco narrativo e ponto
de vista (do narrador ou da narração). Tanto um quanto outro referem-se à posição ou perspectiva do narrador
frente aos fatos narrados. Assim, teríamos dois tipos de narrador, identificados à primeira vista pelo pronome
pessoal usado na narração: primeira ou terceira pessoa (do singular). (GANCHO, 1997, p.26).
1.4- Enredo
O conjunto de fatos que se sucedem numa história e dos quais participam as personagens. Em ambos
os casos, o enredo se desenvolve a partir da fluência dos acontecimentos que compõem o efeito único do conto
na narrativa. Tais acontecimentos são mais importantes do que as personagens que deles participam. A
introdução do conto é curta. Trata-se de uma pequena fração de sua extensão, onde se contextualiza o enredo
da obra.
O conjunto de fatos de uma história é conhecido por muitos nomes: fábula, intriga, ação, trama, história. No
âmbito deste livro adotaremos o termo mais largamente difundido: enredo. Duas são as questões fundamentais
a se observar no enredo: sua estrutura (vale dizer, as partes que o compõe) e sua natureza ficcional. (GANCHO,
1997, p. 9).
O enredo do conto geralmente começa com uma situação inicial, que o contextualiza. São
apresentados os personagens, o nome, as características e a situação presente do protagonista etc.
O desenvolvimento é a parte mais extensa do conto é onde a história toma forma, e utiliza os dados
apresentados ao espectador na situação inicial ou introdução, de modo que estes gerem um conflito. No conto,
este conflito (também chamado de intriga) está normalmente relacionado a um dano ou mal causado que
precisa ser resolvido.
Na conclusão do conto, temos o clímax que é momento culminante da história e o desfecho que é a
conclusão que nos revela por completo a essência da obra, sua mensagem ou moral para fazer com que o leitor
reflita.
O clímax é o momento culminante da história, no qual o conflito chega ao seu auge, para em seguida
ser solucionado. É o ponto de referência para o qual todos os componentes do conto se encaminham. No
desfecho, há a resolução do conflito e os destinos das personagens se revelam. No conto simples, é comum
haver a reparação do dano ou mal causado pelo conflito. Há muitos tipos de desfechos possíveis:
surpreendente, feliz, trágico, cômico etc.
1.5- Tema, assunto e mensagem
Com a finalidade de ficar claro e desfazer a confusão freqüente entre tema, assunto e mensagem,
Cândida Vilares Gancho nos mostra em seu livro “Como Analisar Narrativas” a definição a respeito destes
conceitos:
Tema é a idéia em torno da qual se desenvolve a história. Pode-se identificá-lo, pois corresponde a um
substantivo (ou expressão substantiva) abstrato (a). Assunto é a concretização do tema, isto é, como o tema
aparece desenvolvido no enredo. Pode-se identificá-lo nos fatos da história e corresponde geralmente a um
substantivo (ou expressão substantiva) concreto (a). Mensagem é um pensamento ou conclusão que se pode
depreender da história lida ou ouvida. Configura-se como uma frase. [...] (GANCHO, 1997. p. 30).
O tema do conto simples costuma estar relacionado ao aprendizado da idéia que ele representa ao
leitor. Obedecendo a uma moral ingênua ou fazer o público refletir sobre o conceito oposto à moral ingênua
que lida com o mundo em que vivemos e a vida cotidiana.
A mensagem de um conto costuma ser a moral da história. Ou ainda, para Jolles, um ensinamento de
ordem cultural, social ou religiosa que está sendo transmitido desdobramento do conceito que deu origem ao
tema do conto.
1.6- Tempo e espaço
O tempo e o espaço onde a narrativa acontece pode ser baseada no mundo real ou ser totalmente
imaginária. Histórias podem ser contextualizadas com base em registros de um período histórico, ou
ambientadas em um futuro distante. O tempo se divide em cronológico e psicológico segundo Cândida Vilares
Gancho:
Tempo cronológico é o nome que se dá ao tempo que transcorre na ordem natural dos fatos no enredo, isto é,
do começo para o final. Está, portanto, ao enredo linear (que não altera a ordem em que os fatos ocorreram);
chama-se cronológico porque é mensurável em horas, dias, meses, anos, séculos. Par você compreender melhor
esta categoria de tempo, pense numa história que começa narrando a infância do personagem e depois os
demais fatos em sua vida na ordem em que eles ocorreram: você terá o tempo cronológico. Tempo psicológico
é o nome que se dá ao tempo que transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do
narrador ou dos personagens, isto é, altera a ordem natural dos acontecimentos. Está, portanto, ligado ao enredo
não-linear (no qual os acontecimentos estão fora da ordem natural).[...]. (GANCHO, 1997, p.21).
O espaço é definido como o lugar onde se passa a história, e de acordo com Cândida Vilares Gancho:
O espaço tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma interação
querem influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo eventuais transformações
provocadas pelos personagens. Assim como os personagens, o espaço pode ser caracterizado mais
detalhadamente em textos descritivos, ou as referências espaciais podem estar diluídas na narração. De
qualquer maneira é possível identificar-lhe as características, por exemplo, espaço fechado ou aberto, espaço
urbano ou rural, e assim por diante. (GANCHO, 1997, p.23).
Para fins desta pesquisa, foram adotadas as definições de Gancho para ambiente, por serem mais
claras e objetivas. Para a autora, portanto, ambiente “É o espaço carregado de características socioeconômicas,
morais, psicológicas, em que vivem os personagens. Neste sentido, ambiente é um conceito que aproxima
tempo e espaço, pois é a confluência destes dois referenciais, acrescido de um clima. (GANCHO, 1997, p.23).
1.7- Personagem
O personagem é o elemento narrativo que desenvolve a ação. Entretanto, o foco da narrativa do conto
não está nas personagens, mas sim nas ações que estas realizam e nos acontecimentos dos quais elas fazem
parte. A rápida duração das histórias e dos contos impede, na maioria das vezes, que as personagens, mesmo
as protagonistas apresentem ao espectador, ao longo do pouco tempo em que a narrativa se desenvolve uma
sucessão considerável de informações ao seu respeito.
A personagem ou o personagem é um ser fictício que é responsável pelo desempenho do enredo: em outras
palavras, é quem faz a ação. [...] o personagem é um ser que pertence a história e que, portanto, só existe como
tal se participa efetivamente do enredo, isto é, se age ou fala. [...]. (GANCHO,1997,p.14).
No conto, a personagem é caracterizada verbalmente, por meio de palavras, faladas ou escritas, de
forma que essa personagem é contada ao leitor.
II. ANÁLISE DOS CONTOS DE EURICO FÉLIX
A obra Causos de Batayporã de Eurico Félix é dividida em vários contos, e cada um deles o autor
relata fatos que aconteceram no inicio da colonização da cidade de Batayporã, fatos esses que rememoram um
pouco da história dos primeiros pioneiros.
O conto Luiz Bertoni do livro “Causos de Batayporã” apresenta a seguinte história:
O time da cidade foi jogar em São Pedro do Paraná. Os jogadores e dirigentes foram almoçar na casa do
prefeito. Havia lá muitas gaiolas de passarinho e o Luiz Bertoni ficou encantado, pois gostava muito de aves.
Ao ver seu encantamento o prefeito deu de presente um coleirinha azul. Ele ficou tão contente, que prometeu
dar para o prefeito um bicudo quando ele fosse para Batayporã. O tempo passou e o time São Pedro do Paraná
veio pagar o jogo. Luiz ficou muito triste e não queria jogar e não jogou, pois se lembrou do que tinha prometido
para o prefeito, resolveu assistir o jogo de longe e acabou dando de cara com o prefeito que foi logo lhe
cobrando a promessa. Então Luiz Bertoni teve uma idéia: Chamou o garoto Edson, filho do finado Chico
Alfaiate e lhe pediu um favor. Leve está gaiola até o hotel do seu Jorge, onde o time está parado e procure pelo
prefeito, faça uma cara triste e diga a ele que o bicuto escapou da gaiola e fugiu.
O menino fez tudo direitinho, mas Zé Mustafá e os outros além do prefeito começaram a tirar um sarro do
garoto, no começo agüentou firme, mas depois acabou soltando e disse que era um plano do Luiz, justo na hora
que o Luiz estava chegando. (FÉLIX, 1992, p.19)
O presente conto foi escrito pelo autor Eurico Félix, encontra-se na obra Causos de Batayporã o
enredo nos mostra uma historia do time de futebol que foi jogar na cidade de São Pedro do estado do Paraná.
Dessa forma percebe-se que não há uma distância muito grande entre as cidades, o que aproxima os prefeitos.
Os prefeitos por sua vez não vivem afastados do narrador. Percebe-se pelo conto, que a classe política era
amiga do narrador, o que o coloca em uma posição privilegiada como observador dos fatos.
Assim sendo ele colhe do cotidiano, fatos interessantes. Um deles é do personagem Luiz, que
prometeu ao prefeito de São Pedro do estado do Paraná um passarinho conhecido como bicudo. Se tomarmos
pela concepção da palavra podemos dizer que de acordo com o dicionário Aurélio (p.294) a palavra bicudo
significa;
O mesmo que narigudo. B.-encarnado: pássaro da família dos Fringilídeos (Periporphyrus
erythromelas), quase do tamanho de um sabiá, de cor vermelho-escura e cabeça inteiramente negra. B.maquiné: pássaro da família dos Fringilídeos
(Oryzoborus crassitarsis maximiliani); maquiné. B.-preto:pássaro da família dos Fringilídeos (Oryzoborus
crassirostris)..
E bicudo com significado futebolístico é o mesmo que um chute bem forte com as pontas dos dedos.
Mas o Luis Bertoni não cumpriu com sua promessa de dar seu pássaro de estimação para o prefeito. Dessa
forma o conto traz uma ambigüidade visto que se fala de bicudo ( chute) ou um passarinho.
Os personagens são: Luiz Bertoni, o prefeito, Edson, Chico Alfaiate, Zé Mustafa e o seu Alcides
Sãovesso. Podendo ser destacado como personagem principal Luiz Bertoni.
Enquanto que, o prefeito, Edson, Chico Alfaiate, Zé Mustafá e o seu Alcides Sãovesso são
personagens secundários, pois tem uma participação menor na história, e atuam no enredo o papel de ajudante
do personagem principal.
Segundo Cândida Villares Gancho “O tempo constitui o pano de fundo do enredo. A época da historia
nem sempre coincide com o tempo real em que foi publicada ou escrita.” (1998, p.20). Neste caso a narrativa
nos mostra uma historia que aconteceu no inicio da colonização da cidade de Batayporã.
O narrador, neste conto, está em 3ª pessoa do discurso para narrar. Ele demonstra ter conhecimento
de toda a história. Embora não participe do conflito, e nem da história narrada, apresenta voz tão próxima às
vozes do interior da narrativa que, muitas vezes, parece que vive o episódio com elas. Desse modo,
considerando o papel essencial que tem na obra literária, o narrador estrutura o texto discursivo e atua como
mediador no ato de produção da narrativa, definindo-se como heterodiegético, está fora da história que conta,
mas conhece tudo sobre o personagem protagonista e sobre os secundários.
Neste conto o autor utiliza o discurso livre que segundo Cândida Villares Gancho É o registro integral
da fala do personagem, do modo como ele a diz. Isso equivale a afirmar que o personagem fala diretamente,
sem a interferência do narrador, que se limita a introduzi-la.(1997, p.33).
O conto como gênero literário ele é um texto narrativo breve, que narra situações do cotidiano,
caracteriza-se por personagens previamente retratados, de forma que este conto pode ser considerado como
narrativo, pois todas as modalidades literárias são influenciadas pelos personagens, o espaço e o tempo. E
esses gêneros podem ser, não- ficcionais ou ficcionais. O gênero não-ficcional, suas historias baseiam-se na
realidade, enquanto que os ficcionais usam da imaginação e criam suas próprias estórias. Por isso esse conto
pode ser definido como um gênero não-ficcional, pelo fato do autor Eurico Félix, retratar em sua obra, histórias
verídicas que aconteceram durante a colonização da cidade.
Os contos de Eurico Félix de um modo geral são bastante divertidos, os relatos neles contidos são
comuns na oralidade, transcrever esses contos e transformá-los em um livro ajuda a manter viva as raízes e a
origem da cidade, bem como seus fundadores e personagens na história de Batayporã.
Do livro Causos de Batayporã, (1992) de Eurico Félix:
Bons tempos, aqueles! Tá lembrado do Romero, não? Pois bem, se ele não foi longe na carreira de jogador de
bola, como escriturário, despachante e preparador eleitoral, a coisa foi diferente. Competente, dedicado, uma
outra qualidade nele: honestidade. Tem gente que afirma que Romero é tão honesto no seu serviço que chega
a ser chato. Lá, eles derrubavam as perobas e outras toras consideradas madeira de lei, cortavam nas medidas
que a serraria exigia, faziam as picadas, os carriadores e quando tudo ficava pronto, o Romero ia fazer a
medição, ver quanta madeira tinha sido preparada, efetuava o pagamento, de acordo com a metragem e o
combinado. Quantas vezes ele não fez isso, indo a pé lá pros lados da Festa? Saía de casa na madrugada, com
o picuá de bóia nas costas, e só voltava de noite! Era aí que tinha procedência de Mato Grosso... onça! Uma
vez, vindo prá casa já de noitinha, um caminhão passou por ele mas não deu carona. Cinco minutos depois,
Romero viu sobre o rasto dos pneus, enormes pegadas de onça. Era mais ou menos por ali, na Altura do Cido
Binga. De lá até chegar em casa, Romero terminou a viagem com o revólver na mão. (FÉLIX, 1992, p.29).
O conto possui apenas um personagem e por esta razão protagonista, Romero, homem do povo,
simples e dedicado. Não havendo neste conto personagens secundários ou o antagonista, pois o conto relata,
única e puramente as ações e os atos de Romero.
O tempo em que a narrativa ocorre é o cronológico, pois observa-se tal fato na ocorrência dos
acontecimentos. De acordo com (GANCHO, 1998, p.21) Tempo cronológico é o nome que se dá ao tempo
que transcorre na ordem natural os fatos no enredo, isto é, do começo para o final. [...].
O narrador é observador, por contar a história como se estivesse assistindo ou observando os fatos. E
o discurso retratado é o discurso direto onde a fala coloquial contribui para uma maior compreensão textual.
O conto enquanto gênero literário tem como característica a brevidade dos fatos, suas histórias
retratam situações corriqueiras do cotidiano, como as anedotas e também os contos populares (folclóricos).
Esse Conto Romero de Eurico Félix é de suma importância para a sociedade, por se tratar de uma
narrativa de origem regionalista, visa tornar de conhecimento de outras gerações fatos e personalidades que
marcaram a vida e a sociedade Batayporãense.
De linguagem simples voltada para o homem do campo, o conto nos remete ao modelo de sociedade
existente em Batayporã em meados dos anos (1921-1963), em um momento no qual se desenvolvia a cidade,
contribuindo historicamente com os registros dos fatos políticos, econômicos e sociais da cidade.
Do livro Causos de Batayporã, (1992) de Eurico Félix:
Quando se jogava bola, por aqui, ainda de pé de cachorro, uma certa tarde inventaram de ir treinar, dois craques:
O Romero e o Antônio Bom. Um contra o outro. N verdade é bom que se diga, O Romero nunca foi mesmo
de jogar bola, mas como corria muito e tava descalço, dentro de cinco minutos tava sem um bom pedaço de
couro da sola dos pés. Depois, houve uma dividida no meio de campo. Veio o Antônio bom de cá e o Romero
de lá , os dois se mordendo prá ganhar a bola e entram rachando. Só se ouviu o estalo. A trombada foi tão
violenta que jogou os dois longe. Imediatamente apareceu um calombo na testa do Romero, que ficara tonto.
Depois que ficou novamente lúcido, tomou uma decisão que segue até hoje: bola ? Nunca mais.(FÉLIX, 1992,
p.23).
Nesse conto o narrador em terceira pessoa mantém distante da história, relata os fatos dos jogos de
futebol Batayporãense, sem mencionar nenhuma data, isto é, discorre os fatos da narrativa psicologicamente,
a partir do momento em que se coloca como observador, como aquele cuja função é narrar o que sucede ao
longo da história. Percebe-se isso através do uso de verbos no pretérito imperfeito que produzem um efeito de
aproximação da narrativa, por parte do narrador que, embora não participe da história, relata-a como
observador.
A principio, o conto parece ser constituído por dois craques de futebol, Romero, cujo nome faz alusão
ao jogador Romário e Antônio Bom, também escolhido com função de criar um efeito maior na narrativa que
são os personagens principais, para disputar um contra o outro quem é o melhor. Um tem como característica
principal a velocidade e o outro pauta-se na habilidade com a bola. Porém, o primeiro personagem, Romero,
embora seja veloz, nunca gostou de jogar bola, o que pode ser evidenciado nessa afirmação do narrador "Na
verdade, é bom que se diga, o Romero nunca foi mesmo de jogar bola", (FÉLIX, 1992, p.23) foi escolhido
para esse confronto, mais por causa de sua velocidade do que pelo seu talento como jogador de futebol.
Descalço, Romero era rápido, no entanto, cada vez que corria com os pés nus, via-se cair dele um pedaço de
couro do pés. A disputa começava, por um lado podia-se ver velocidade e por outro o talento, que gerou uma
colisão entre os dois jogadores e conseqüentemente a desistência de ambos.
Do livro Causos de Batayporã, (1992) de Eurico Félix:
O time foi jogar em Nova Andradina. O campo ficava ali aonde há um parquinho, bem na frente do Fórum. Os
times se trocavam num posto de gasolina (que hoje não mais existe), perto da rádio Cacique. Quando deu o
intervalo do primeiro pro segundo tempo, o pessoal veio tomar água. Solteiro o Custódio viu uma mulher muito
bonita, entre a torcida de Nova Andradina e tava comentando com seus colegas. Tipo: Cê viu, cara?Que traião!
Mas, azar seu, a mulher era casada ou amigada, sabe-se lá, e o marido dela tava colocando a cabeça debaixo
da torneira, quando ouviu o comentário. Era um homem forte, meio chucro. Ao ouvir aquilo, sacudiu a cabeça
de um lado para o outro, espirrando a água dos cabelos e olhou sério para Custódio:
- Moço eu sou o marido dela. Você não me acha bonito, também?
Foi uma situação vexatória, todo mundo preocupado em explicar ao cidadão que não houve a intenção de
desrespeitar a senhora dele, muito pelo contrário, e além disso, como iam adivinhar que ela era casada...e aquela
milonga toda. Contornada a situação, o que restou a Custódio foi agüentar a gozação e o sarro do Zé Mustafá,
do Fonte e do Carijó. ( FÉLIX, 1992, p.31).
Os personagens são Custódio, a mulher casada, o marido, Zé Mustafá, Fonte e o Carijó. Tendo o
Custódio como personagem principal, porque o conto dá enfoque ao ocorrido com ele, a história gira em torno
de sua figura.
Apresenta-se também neste conto personagens secundários tais como: a mulher casada, o marido, Zé
Mustafá, Fonte e o Carijó. São considerados secundários por serem personagens que compõem os fatos, não
estando diretamente a história vinculadas a nenhum deles.
A narrativa ocorre toda no tempo cronológico, apresentando uma linearidade quanto aos fatos, o
ocorrido é relatado gradualmente e em ordem cronológica. O conto apresenta narrador-observador e a forma
utilizada para expor o enredo é o discurso direto.
O conto acima mencionado figura entre os contos populares por ter como característica a oralidade
dos fatos. Eurico Félix no intuito de preservar e propagar tais fatos inclui no seu livro demonstrando as
peculiares características dos personagens típicos da região.
O personagem principal tem sua característica maior revelada pela palavra solteira, o que o tornava
livre para paquerar e namorar. O marido por sua vez é descrito como um homem rústico, bruto, xucro,
característica comuns entre os homens Sul-Matogossense. Ao divulgar contos tão peculiares da região o autor
tem a intenção de tomar de conhecimento de todas as figuras e as características do povo de Batayporã.
Do livro Causos de Batayporã, (1992) de Eurico Félix:
Além de jogar muita bola (você bem que viu o nome dele na escalação do melhor time que Batayporã já teve),
Teixeirinha era também um ótimo tocador de violão e tocava prá caramba. Um dia, a mulher dele estando fora,
viajando resolveu tomar umas catiças a mais. E sabe como é, né? Pintou a inspiração e dê-lhe violão e músicas
daquelas choradas, apaixonadas. Quando a inspiração cresceu o suficiente Teixeirinha resolveu fazer uma
serenata na casa do Ramão Delvale. Colocou o sobretudo pesado, pois tava frio, pegou a viola e lá se foi prá
casa do amigo. Lá chegando, limpou a garganta, dedilhou o pinho e abriu guela, cantando umas serestas bem
no capricho.
O Ramão abriu a janela e ouviu atentamente, com a Dona Geralda. Depois, agradeceu a gentileza. Então
Teixeirinha, inspirado e preocupado com o amigo, começou, entre um e outro soluço:
- Ramão, você sabe que eu sou seu Hic... amigo. Ramão, eu Hic... eu quero o seu bem.O que você Hic precisa
me... mesmo é, parar de Hic... beber, Ramão. A bebida não faz Hic... não faz bem a ninguém. Ao contrário, só
Hic... só destrói, é coisa do Hic... do diabo, Ramão! Quando a voz começou a ficar empastada pela pinga,
Teixeirinha deu-se por satisfeito. Mas, que azar! Na hora que ia virar prá ir embora, tropeçou no próprio pé e
acabou caindo sobre o violão e então Ramão viu escapar do bolso do aconcelhador uma garrafa de pinga já
pela metade... (FÉLIX,1992, p.32).
Os personagens são Teixeirinha, Ramão Delvale, e Dona Geralda. Dentre estes o personagem
considerado principal e/ou (protagonista) é Teixeirinha, pois segundo Cândida Vilares Gancho (1998. p. 14)
O personagem é um ser que pertence a história e que, portanto, só existe como tal se participa efetivamente do
enredo, isto é, se age ou fala.
Há também a presença de personagens secundários tais como: Ramão Delvale e dona Geralda. O
Ramão Delvale abriu a janela e ouviu atentamente com dona Geralda. (FÉLIX, 1992, p. 32). Os personagens
secundários são personagens menos importantes na historia, isto é, que tem uma participação menor ou menos
freqüente no enredo [...],(GANCHO1998, p.16).
Já o tempo em que a narrativa ocorre é cronológico como cita (GANCHO, 1998, p.21). Tempo
cronológico é o nome que se dá ao tempo que transcorre na ordem natural dos fatos no enredo, isto é, do
começo para o final [...]. A exemplo dos demais contos estudados este conto apresenta narrador-observador
mantendo a forma do discurso-direto. O livro Causos de Batayporã faz um relato histórico de personagens,
fatos e ações, ajudando a preservar a história local, bem como propagá-las no âmbito regional e também
nacional.
CONSIDERAÇÕES
O ato de contar histórias é uma atividade praticada por muita gente, mas Eurico Félix em sua obra
Causos de Batayprã, nos relata histórias de pessoas batalhadoras que lutavam por seus ideais e que se divertiam
em meio a tanta dificuldade e perigo, como foi possível observar nas análises dos contos, pois as histórias
narradas pelo autor realmente aconteceram no inicio da colonização da cidade quando o progresso estava
começando a chegar.
Dessa forma o presente trabalho tem como objetivo ampliar o interesse acadêmico e social na leitura
desse tipo de texto, visando assim, valorizar a qualidade dos contos para aumentar a possibilidade de ser mais
estudados, tendo como enfoque o autor Eurico Félix, um escritor pouco conhecido.
As narrativas do autor se apresentam em uma linguagem simples, de forma que se torna de fácil
compreensão e que proporciona ao leitor ler vários textos da sua obra em uma única sentada, pois são textos
curtos e que prendem a atenção do leitor e instiga a curiosidade para que se possa ler mais e mais até chegar
ao final do livro, pois o autor não se limita apenas em narrar ele se envolve com o enredo como se estivesse
presente nas histórias, mas apenas narra como narrador observador.
Esse trabalho foi feito para embasar e enfatizar a importância da sua obra Causos de Batayporã uma
coletânea de contos que relata histórias/causos do cotidiano de pessoas simples e batalhadoras do inicio da
colonização da cidade.
Com uma linguagem simples, e não se apegando rigorosamente as regras gramaticais e sim possuindo
um grau de humor conseguindo assim chamar a atenção do leitor. È importante salientar, que sua obra é
extraordinária quanto a oralidade e a narrativa é fascinante, pois consegue dar leveza a situações embaraçosas
e as torna divertida.
Portanto Eurico Félix consegue transmitir ao leitor por meio de seus contos, histórias que realmente
aconteceram com os pioneiros, no inicio da colonização de Batayporã de forma irreverente e sábia, para que
assim a história desta cidade não caia no esquecimento e que a futura geração também possa ter contato e
conhecer um pouco desta historia.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSI, A. Situação e formas do conto contemporâneo in. Conto brasileiro contemporâneo. São Paulo:
Cultrix.
FÉLIX. Eurico. Causos de Batayporã. 1° ed. Batayporã: Gráfica Cristo Rei, 1992.
GANCHO. C.V. Como analisar narrativas. 4.ed. São Paulo, 1997.
GOTLIB. Nádia Battella. Teoria do conto, São Paulo, Ática, 1998.
http://www.jackbran.pro.br/redacao/teoria_do_conto.htm .Acessado dia 28/08/2011.as 08:50
da manhã.
http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0410891_06_cap_05.pdf .Acessado dia 01/08/2011 as
09:05 da manhã.
ANEXOS
BIOGRAFIA DO AUTOR EURICO FÉLIX
Eurico Felix da Silva nasceu em Andradina no estado de São Paulo, no dia 09 de dezembro de 1950. Filho de José Luiz
do Nascimento e de dona Labites Félix da Silva. Eurico Félix veio para Batayporã no ano de 1966, junto com seus pais cursou o
primário e metade do ginásio na cidade de Nova Andradina-MS, no qual ia de bicicleta todos os dias.
Na sala de aula Eurico se destacou como um dos melhores alunos de Língua Portuguesa, pois adorava escrever e escrevia
muitas redações, jovem com estilo meio “hippie” utilizava uma linguagem popular em seus textos redigidos.
Era humilde, porém, rebelde, e este paradoxo de personalidade faziam com que seus "contos" e dissertações tivessem eco
na intuição da velha professora "Tiana" que o incentivava a continuar.
Terminou o ginásio e concluiu o magistério em Batayporã, nas Escolas Estaduais Brás Sinigáglia e Jan Antonin Bata. A
partir daí surgiram rascunhos dos seus primeiros livros, na ocasião, eram apenas esboços, fios de raciocínio.
Começou a trabalhar como Auxiliar de Cartório, com a família Trachta, e deste convívio acabou se casando com uma das
filhas do casal, a Dª Leonilda. Desta união nasceram dois filhos, Evandro e Noêmia.
A obra de Eurico Félix é composta por sete livros, desde Swing, Swing no Brasil, As entendidas, O Bem Aventurado, O
Pacifista até Esperança nos olhos. Porém a obra de maior destaque foi a ficção política o Urro do Tigre, e de uma centena de crônicas
que foram publicadas em jornais regionais.
Trabalhou como radialista, durante cinco anos atuando como apresentador do programa “Meu Brasil Brasileiro”, levado
ao ar, semanalmente pela Rádio Cacique, de Nova Andradina.
Gosta muito de Chico Buarque, Milton Nascimento, e se encanta com personalidades femininas como Mercedes Sosa.
Mas emociona-se até as lágrimas, ao constatar a morte de Ulysses Guimarães.
Com um estilo “sem estilo”, como ele próprio afirma, é que faz um prato delicioso para ser digerido só, a dois a três.
3.2- SÍNTESE HISTÓRICA DE BATAYPORÃ (1921-1963)
O município de Batayporã ocupa terras que pertenceram à Cia. De Viação São Paulo Mato Grosso, desde 1921. A
colonização teve inicio em 1953, com a chegada das primeiras pessoas adquirentes de lotes da referida Cia., chefiadas pelo Sr.
Vladimir Kubik, procurador da mesma. Nessa época foi feita a demarcação da primeira divisa das terras, no córrego Samambaia.
Tendo como primeiro morador o Sr. Venâncio Rodrigues de Abreu e sua esposa, Da. Luciana Rodrigues de Abreu.
Vindo posteriormente os primeiros sitiantes nas pessoas de Matias Paulo Cordeiro, Marcelino Manoel da Silva, Francisco
Paraibano, Anésio José Rezende, Manoel Nunes Ferreira, Isaias Inácio de Almeida, João Raimundo Vieira, todos falecidos: José
Antonio da Silva, Ataliba Ramos, Mohamed Mustafá, Jindrich Trachta, devendo-se destacar nos primórdios do município a figura
de Paschoal José da Silva, que foi um dos grandes incentivadores de sua colonização. Os primeiros lotes abertos situavam-se nos
arredores do córrego da Alegria.
O pequeno povoado que passou a chamar-se Samambaia, crescia rapidamente com a chegada de novos moradores. Pela
lei n°669 de 11/12/53, publicada no diário Oficial n°11962 de 14/12/1953, foi criado o distrito de Batayporã, sendo o Sr. Venâncio
Rodrigues de Abreu nomeado o primeiro sub-delegado de Polícia. No dia 12/06/1954 a Cia. De Viação São Paulo Mato Grosso,
instalou seu escritório. E a primeira missa celebrada no distrito de Batayporã foi no dia 17/09/1954, celebrada pelo Frei Luiz Maria
Tomás Flores.
Por ato do governador foi instalado no distrito de Batayporã o Cartório de Paz, e Tabelionato publicado no Diário Oficial
do dia 04/11/1954, sob n° 12185, tendo como tabeliã titular Da. Marina do Amaral Trachta.
A primeira Escola foi criada pelo Decreto n°2.066 no ano de 1955. A primeira festa escolar foi realizada no dia 21 de
abril do mesmo ano, organizada pela única professora em exercício na época, Da. Eunice Mustafá, contando a escola com 70 alunos.
No dia 03 de outubro de 1955, com o número de nove eleitores, o Distrito toma parte em sua primeira eleição. Nesse
mesmo ano o Sr. Leone Bom monta a primeira Máquina de Arroz.
Por iniciativa e execução da firma Moura Andrade, foi construída no ano de 1956, a estrada ligando o Distrito à Fazenda
Primavera, proporcionando assim acesso ao Estado do Paraná.
O ano de 1957 marcou a chegada dos primeiros comerciantes nas pessoas de João Antonio da Silva, Jonas Pedro Nunes,
Luiz Antonio da Silva. Neste mesmo período foi fundada a primeira serraria, de propriedade da Cia. De Viação São Paulo - Mato
Grosso. Nesse ano foi escolhida a primeira safra de café, pelo que infelizmente era totalmente prejudicado pelas geadas constantes
que assolavam a região. Posteriormente novas glebas foram colonizadas, tais como: Iguassu, Festa, Pouso da Arara e Taquarussu.
Com a inauguração da Ponte sobre o rio Paraná, denominada Ponte Prof. Mauricio Joppert, houve grande progresso no
movimento colonizador do município, o mesmo acontecendo com a utilização da ponte sobre o rio Ivinhema que possibilitou a
ligação do município com os demais situados ao sul do Estado.
No dia 12 de Novembro de 1963, através da Lei nº. 1967, o distrito de Batayporã se tornou município. Da luta pela
emancipação do município é importante destacar a atuação marcante de alguns cidadãos tais como, Sinforiano Romero, João Morão,
Arlindo Ramos e Elias Caetano de Almeida, esteve na capital, Cuiabá, com uma carta de recomendação assinada pelo vereador
Joaquim Gonçalves da Silva, o Joaquim Cearense. Esses quatro pioneiros saíram de Batayporã às quatro e meia da manhã, num
Jeep, chegando a Campo Grande às vinte e duas horas e trinta minutos. Dormiram numa pensão e seguiram depois, para a capital
do Estado, Cuiabá, de avião, com despesas custeadas do próprio bolso.
3.3- CENTRO DE MEMÓRIA
Por iniciativa da Família Trachta, foi inaugurado em setembro de 2001 o “Centro de Memória Jindrich Trachta”, contendo
o acervo histórico-cultural deixado pelo pioneiro Jindrich Trachta, um dos colaboradores do fundador de Batayporã, Dr. Jan Antonin
Bata. O Centro de Memória está instalado em parte da antiga casa gerencial da Companhia de Viação São Paulo Mato Grosso, que
desde a sua construção foi residência do Sr. Jindrich Trachta.
Este acervo é composto por documentos, narrativas, fotografias da época da colonização da cidade e estão expostos neste
centro de memória iniciando assim os primeiros passos para o resgate da verdadeira história do município.
Para manter o centro de memória foi idealizado pela família do Sr.Jindrich Trachta, a criação de uma fundação, com o
objetivo de garantir a manutenção e a conservação de todos os documento que dizem respeito a história de Batayporã e também de
algumas outras cidades do Estado do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, além de uma imensa biblioteca com obras que abrangem
os mais variados assuntos, com o desejo de um dia esse material estar criteriosamente organizados e a disposição de toda comunidade
e pesquisadores que o Sr. Jindrich Trachta amealhou durante sua vida.
Após o seu falecimento, ocorrido no dia 27 de novembro de 2000, a família, em caráter informal, inaugurou no dia 12 de
outubro de 2001, o Centro de Memória, localizado na Rua José Antonio Morão, nº 1756, na cidade de Batayporã-Ms, com a
exposição fixa de fotografias retratando, paralelamente à vida do Sr. Jindrich, a trajetória histórica de Batayporã, desde o início da
colonização.
Alem de todos esses documentos sobre a história de Batayporã, no centro de memória o visitante poderá ter contato com
livros fotos vídeos e informações culturais e turísticas sobre a República Tcheca e República Eslovaca ( antiga Tchecoslováquia)
pais de origem de Jan Antonin Bata ( Fundador de Batayporã) e de vários de seus colaboradores como o Sr Jindrich Trachta.
A Republica Theca se responsabilizou pela: Construção de um prédio para abrigar a biblioteca e o arquivo histórico
cultural aberto ao público. Construção de espaço cultural, com palco para apresentações afins, já em andamento com recursos
angariados entre pessoas físicas. Dentre as atividades a serem desenvolvidas nesse espaço, já se tem acertado aulas de danças
folclóricas com seus trajes típicos.
3.4 ALGUNS CONTOS
3.4.1 COLÍRIO
DO
LIVRO
CAUSOS
DE BATAYPORÃ
(1992)
DE EURICO
FÉLIX
Pimenta nos olhos dos outros é colírio. O Zé Mustafá gosta muito de contas as lambanças dos outros, é cheio de histórias
dos amigos, muitas delas que ele próprio tratou de preparar. Mas tem uma dele que você vai ficar sabendo. Foi um belo jogador de
futebol, o Zé. Aliás, era mais magro que o seu irmão Laurindo. Abrindo um parêntese, sabe como os dois eram chamados no tempo
áureo em que jogavam futebol? Pelado e Peladinho. Mas, vamos em frente. Quando parou com a bola, Zé Mustafá foi engordando,
engordando, passando muito dos cem quilos. Até que a diabete chegou forte e dai pra frente foi sempre uma briga com o Dr. Jamil
lhe proibindo isso, proibindo aquilo, como manda o regime. Algumas proibições ele obedece, mas outras, não tem jeito, que ninguém
é de ferro, não é mesmo? E não adiantava cartear a marra, que uma cervejinha de vez em quando, quem é que resiste? Como sintoma
de diabete, a pessoa fica um mijão, toda hora tem que ir ao banheiro. Então, principalmente à noite, é um tal de levantar pra ir ao
banheiro... Zé Mustafá às vezes levantava até cinco, seis vezes por noite. Numa dessas, chovia muito e algumas goteiras obrigaram
o Zé e Dona Nice a mudar alguns móveis de lugar e justo no quarto deles havia uma goteira enorme que os obrigou a mudar a cama
bem lá pro canto, junto à parede. Todo mundo que conhece o Zé, sabe do seu espírito, sua personalidade: Ele ta sempre encontrando
o lado engraçado das coisas, ta sempre matutando alguma gozação, uma ou outra observação aqui e ali.
Muito bem! No seu relacionamento em casa, era a mesma coisa. Numa dessas levantadas para ir ao banheiro, Zé Mustafá,
que não costumava acender as luzes pra não incomodar a esposa e os filhos, e nem era preciso, pois conhecia cada recanto da casa,
voltava para o quarto, era por volta das três horas da madrugada, cismou de aprontar uma de assustar Dona Nice, que dormia
profundamente.
Procurando não fazer barulho, entrou no quarto, pé ante pé... e se jogou, como quem pula de mergulho, para cima da
cama.Mas, aconteceu o seguinte: Esquecera-se completamente de que antes de se deitarem, haviam mudado a cama de lugar.
Resultado: Estatelou-se no chão de cimento, caindo sobre as bacias e panelas que colocaram para segurar as goteiras, fazendo um
barulhão
dos
infernos,
assustando
todo
mundo.
- Que foi isso, José? Perguntou. Só então, pobre do Zé, foi que lembrou-se, gemendo e esfregando os joelhos. Passou dois dias
mancando...
3.4.2 DO LIVRO CAUSOS DE BATAYPORÃ
Por fim, vem o grande dia! O Zé Mustafá era quem mexia com o time (não se chamava ninguém de técnico). E quem é
que era técnico? Até algum tempo atrás, o importante era ter alguém que tocava o time, tratava jogos, etc. E foi acertado um jogo,
contra a Primavera. O primeiro jogo de bola em Batayporã, um acontecimento social e histórico! Uma emoção, sem dúvida, e
ninguém se importava se o time não tinha uniforme. Jogaram apenas de calção, alguns descalços, outros de pé-de-cachorro, outros
ainda apenas com um calçado, outros de sapatão, daqueles testa-de-touro, mas nada disso tirava o entusiasmo dos briosos atletas
batayporaenses. O juiz, depois de muita deliberação, pois quase todo mundo tinha que jogar, foi escolhido. O Zé Vieira, que tomava
conta da Olaria. Na verdade, hoje já se pode admitir, ele roubou pra chuchu, mas o mais importante mesmo, é que mesmo tendo o
time da Primavera entrado em campo bonitinho, todo uniformizado, com aquelas chuteiras que subiam pelos tornozelos, o time de
Batayporã venceu por dois a um. Além do próprio Zé Mustafá, que era o dono do time, o que tomava conta, jogaram, entre outros,
Otacílio, o Dionízio (os mesmos que ainda moram por aqui), o Doca, Ditinho, entre outros. No cascudo jogou o Cobra Choca, que
apesar do nome curioso, era uma promessa. E ficou mesmo só na promessa. Você terá outras grandes histórias sobre o futebol daqui,
que sempre se destacou, teve grandes e inesquecíveis times. E podemos aproveitar para bater no peito, cheios de orgulho: tivemos
o maior jogador de todos os tempos, na região, e que ainda mora aqui, felizmente. O grande Roque, de tantos momentos
inesquecíveis. Falaremos mais sobre futebol, pode apostar.
3.4.3 DO LIVRO CAUSOS DE BATAYPORA
Quando se jogava bola, por aqui, ainda de pé-de-cachorro, uma certa tarde inventaram de ir treinar, dois craques: O
Romero e o Antônio Bom. Um contra o outro. Na verdade, é bom que se diga, o Romero nunca foi mesmo de jogar bola, mas, como
corria muito, e tava descalço, dentro de cinco minutos tava sem um bom pedaço do couro da sola dos pés. Depois, houve uma
dividida no meio de campo. Veio o Antônio Bom de cá e o Romero de lá, os dois se mordendo pra ganhar a bola e entraram rachando!
Só se ouviu o estalo! A trombada foi tão violenta que jogou os dois longe! Imediatamente surgiu um calombo na testa do Romero,
que ficara tonto. Depois que ficou novamente lúcido, tomou uma decisão que segue até hoje: bola? Nunca mais!
3.4.4 Do livro Causos de Batayporã
Um dia, na casa do Eurico, estavam assistindo um jogo na televisão o Dário, Evandro, Eurico, Luizinho e seu pai, o
Romero. Todo mundo prestando atenção danada ao jogo, sentados nos sofás. De repente, o Romero se mexe no assento, a ponto de
chamar a atenção dos outros, menos do filho, que continuava preso à televisão. E o Romero, deixando o jogo de lado, começou a
olhar para os pés do Luizinho e foi aos pouco se curvando, se curvando... e os outros o imitando... até estar bem próximo dos pés do
filho. Então, com ares de quem descobre um conspiração, ele desabafa: "Mas, Luizinho, seu molequinho sem vergonha! Meu sapato
novo, que comprei em Presidente Venceslau! Eu não uso e é por isso que ele tá gastando... mas que moleque! Foi uma explosão de
gargalhadas”.
Eurico Félix
3.5 Do livro Causos de Batayporã
3.5.1 Irmãos
O XV foi jogar pelo Campeonato, no Assentamento. A certa altura, o Mineiro, que já tinha recebido um cartão amarelo, recebeu
mais um e o vermelho. Então, veio a estratégia: Não, professor, eu ainda não tenho amarelo, você deu para o meu irmão ali... E
apontou para o Jorge do Diogo, que confirmou. Naquele tempo, eles eram mesmo parecidos de rosto, pois usavam o mesmo tipo
de bigode. O Neguinho, que era o árbitro olhou para o Jorge, olhou para o Mineiro... e falou: Tem razão. - E deu de novo o amarelo
para o Mineiro. Ninguém saiu do jogo, mas no outro dia o Neguinho saiu da carreira de juiz. O Ney Olegário tirou.
Eurico Félix
3.5.2 Do livro Causos de Batayporã
Falando de circo, de novo: Se por um lado a população ficava animada com a chegada dele, de outro, era o desespero das lagartixas.
Não, não se estranhe! É que a molecada tinha uma crença: Para desmascarar os hipinotizadores, nada melhor que entrar no circo
com o rabo de uma lagartixa no bolso. Aí, aquele negócio do galo arrastar uma tora amarrada na perna apareceria como era, na
verdade: um simples sabugo de milho, nada de tora! E aquela do homem segurar um jipe com os dentes, também era um truque!
Coisa da crendice das crianças, que é que vai contra? Pois não tem gente ainda hoje, que bate pé firme e fala que aquele negócio do
homem ir à Lua é truque de televisão, conversa pra boi dormir? Pois é, gente grande, velho...
3.5.3 Do livro Causos de Batayporã
Cantada ]
Você vai saber agora de um caso verdadeiro, mas nos permitirá omitir os nomes dos personagens. E compreenderá. Certa vez, um
compadre, não resistindo aos encantos da comadre. Mulher bonita, popular, passou-lhe, com o perdão da palavra, uma cantada. A
comadre desconversou, achou que era brincadeira, tinha uma amizade pelo compadre e coisa e tal... Mas, um belo dia, começou a
perceber que o danado do compadre estava falando sério, mesmo! E, mulher fiel, contou tudo ao marido. O esposo combinou um
jeito de dar um esfrega no galã. Ela que convidasse o compadre a vir visita-la.
Pois bem, compadre – disse ela quando recebeu outra proposta. _ Venha em casa tomar um café, amanhã à tarde, quando meu marido
estiver na roça. Dito e feito. No outro dia, na hora combinada apareceu o compadre galã, todo perfumado, roupa limpa, brilhantina
no cabelo. Sorridente, a comadre o recebeu e disse que esperasse um pouco que ela logo voltaria. Em seguida, saindo da sala, ela
fez um sinal ao marido que aguardava, escondido. Então, armado com uma tremenda cartucheira de dois canos, o esposo entra na
sala, onde o compadre esperava. Foi o maior susto da vida do galanteador. A voz sumiu, as pernas começaram a tremer feitogelatina
e o suor minava nos poros. Por fim, movido pelo desespero, o compadre ajoelhou-se ma frente do marido, juntou as mãos e implorou:
- Pelo amor de Deus, compadre! Não me mate! Se o compadre matar, ta matando o menino Jesus! Felizmente pra ele o marido não
o matou. Aliás, está vivo até hoje. Apenas se pirulitou da casa e pelo menos, que se tenha conhecimento, naquele momento ele
encerrou definitivamente a mal iniciada carreira desse negócio de cantar.
3.6 Do livro Causos de Batyporã
3.6.1 Banho no Corgo
Um dos primeiros automóveis da cidade era do seu Joãozinho, que tinha escritório. Um dia, a turma resolveu tomar banho
no Samambaia, tava muito calor. Como o lugar ficava na ponte da fazenda do Ênio Martins, pediram que seu Joãozinho os
levassem com o Ford ano
trinta e seis, preto, uma lindeza de carro!
O Zé Mustafá tava junto. O banho, claro, foi ótimo, mas na volta, aconteceu o imprevisto: Depois de uma lombada, na descida
do Córrego Escondido, o fato: Na hora de mudar a marcha, nada de entrar. E agora? Breque, que era bom... necas. O carro
despinguelou na toda! Por azar, lá embaixo havia uma porteira e se o carro batesse nela, ia ser aquela bagaceira! Entre gritos
assustados, a solução: Antes de chegar à porteira, o seu Joãozinho deu uma guinada, jogando o carro no varjão seco, uma
floresta de tabôas. Pra sorte de todos, não havia cerca no lado da estrada, e depois de sair da poeirama de painas, restou
como saldo, apenas muita força pra tirar o automóvel do varjão e, é claro, o susto!
3.6 Do livro Causos de Batayporã
O Yanes tinha duas tias bem velhinhas, que andavam arqueadas, peso da idade. Eram muito parecidas uma com a outra, apesar de
não serem gêmeas. Inclusive até no jeito de Se vestir, eram iguais, Até o cocó na cabeça, era igual! Uma delas morreu. No velório,
alta madrugada, a irmã estava dormindo num quarto e as outras mulheres, entre elas a Dona Geni, que foi servente da escola por
muito tempo, foram para a cozinha. Entre um cafezinho e outro, entre conversas típicas de velório, foram se distraindo, se
distraindo... quando, de repente, a irmã, coitada, acordou e sentiu vontade de ir ao banheiro. Como o quarto ficava anexo à sala, ela
teve de vir no sentido da sala para o corredor e a cozinha. Ah, cristão bendito, nem te conto nada! A Dona Geni ia levando uma
xícara de café à boca, quando, erguendo os olhos deu com a velhinha andando em direção à cozinha! A reação foi imediata: Pelo
próprio clima, além da semelhança física, nem titubeou! Era a defunta que tinha levantado e vinha ao encontro dela! Perdendo a
fala, a xícara, espatifando-se. As outras, estranhando o fato, viraram a cabeça. Pra que? Foi a mesma conclusão! A defunta tava de
pé! Numa fração de segundos começou uma gritaria, aquela mulherada correndo porta afora, para o quintal escuro, aos berros! A
pobre da velhinha também se assustou tanto que até passou a vontade do xixi. Muito tempo depois, ressabiadas, receosas, depois
que a velhinha se identificou, afirmando também aos berros que não era ela que tinha morrido, que a outra tava lá bem morta,
coitadinha, esfriando, na sala, foi que elas voltaram para a casa, uma a uma, trêmulas de susto. Depois disso, não foi mais preciso
café nenhum pra espantar o sono.