caf_2002_10869_cod_4.. - Superintendência do Desenvolvimento
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MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL-MI AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA SECRETARIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS UNIDADE DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE ADA OEA Ministério do Meio Ambiente – MMA Secretaria de Coordenação da Amazônia – SCA Programa de Ações Estratégicas para a Amazônia Brasileira PRODEAM Viabilidade Binacional de Desenvolvimento da Pesca e Aqüicultura: abordagem socioambiental na área fronteiriça Brasil/Colômbia Miguel Petrere Jr. BELÉM 2002 C. 2002 AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA - ADA AV. ALMIRANTE BARROSO, 426 BELÉM – PARÁ – BRASIL CEP: 66.090-900 HOME PAGE: www.ada.gov.br ADA.PRODEAM; SINCHI; OEA. Relatório de viabilidade binacional da pesca e aqüicultura: abordagem sócioambiental na área fronteiriça Brasil – Bolívia / Miguel Petrere Jr. Consultor; ADA.PRODEAM ; SINCH I ; OEA Belém: ADA.PRODEAM, 2002. 97 p. ilust. 1. Pesca -Brasil. 2.Aqüicultura-Brasil.3.Pesca– Colômbia. 4. Aqüicultura-Colômbia. I. Petrere Jr., Miguel. II. Instituto Amazônico de Inveatigaciones Cientificas. III. OEA. IV. Título. CDU 639.2 (81) (86) MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL JOSÉ LUCIANO BARBOSA DA SILVA - MINISTRO AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA - ADA TERESA LUSIA MÁRTIRES COELHO CATIVO ROSA - DIRETORA-GERAL ONILDO ELIAS DE CASTRO LIMA - DIRETOR PEDRO CALMON PEPEU GARCIA VIEIRA SANTANA - DIRETOR SAMIR DE CASTRO HATEM - DIRETOR COORDENAÇÃO NACIONAL DO PRODEAM ELIANA FRANÇA DOS SANTOS ZACCA - COORDENADORA 4 APRESENTAÇÃO No âmbito do Tratado de Cooperação Amazônica – TCA foram assinados pelo Governo brasileiro Acordos Bilaterais com a Bolívia, Colômbia e Peru, objetivando a cooperação binacional para a execução de Programa de Desenvolvimento Integrado de Comunidades Fronteiriças, com o propósito de melhorar a qualidade de vida das populações nelas assentadas, de promover o desenvolvimento sustentável da região e de integrar as áreas fronteiriças entre si e com os respectivos territórios nacionais. Dentro desse contexto, circunscreve-se o Projeto de Desenvolvimento da Pesca e Aqüacultura, cujo passo inicial compreendeu a realização do estudo que ora se divulga, objeto de parceria estabelecida entre a Organização dos Estados Americanos – OEA, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, o Instituto Amazonico de Investigaciones Científicas – SINCHI, da Colômbia e o Vice Ministério das Relações Econômicas Internacionais e Integração, da Bolívia. O presente documento contém a consolidação dos diagnósticos elaborados para a pesca e aqüacultura continental, no Brasil e na Bolívia, identificando-se os principais problemas e dificuldades que essas atividades têm enfrentado nesses países e suas possibilidades de desenvolvimento, a partir de um planejamento da atividade. Particularmente com relação à aqüacultura, em que pese os entraves detectados, considera-se que, se bem conduzida, pode vir a ser uma atividade bastante atrativa para a região, ante a dotação de fatores existentes como a disponibilidade de áreas, naturais e artificiais, e o número de espécies nativas e exóticas já adaptadas, favorecendo a geração de emprego e renda, bem como a produção de alimento de alto valor nutritivo. Sob essa ótica, propõe-se um conjunto de recomendações para o desenvolvimento da atividade, de forma conjunta, nos dois países, que tem por base o conceito de desenvolvimento sustentável (CNUMAD, 1992) e os objetivos e princípios gerais do Código de Conduta da FAO (1994), por se entender que representam uma orientação fundamental para a construção dos processos de planejamento do desenvolvimento sustentável dos setores pesqueiro e aquícola. Tais recomendações foram discutidas em reuniões técnicas, de forma a também incorporar as idéias, os anseios e as propostas das entidades envolvidas com essas atividades. Para tanto, foram entrevistados pescadores, intermediários, empresários de pesca e piscicultura e técnicos pertencentes a várias instituições, consultando-se, ainda, trabalhos técnico-científicos afins. Os diagnósticos das atividades pesqueiras e aqüícolas, realizados in loco constam do Anexo 1, que contém as transcrições das entrevistas, o levantamento da problemática local e as sugestões para possíveis soluções (feitas para cada localidade visitada, sempre que possível). As recomendações de caráter genérico, para toda a região Amazônica, referentes à pesca, estão distribuídas ao longo do texto e para a piscicultura estão destacados num item próprio. Vale enfatizar que análises sobre o cenário futuro e as tendências das atividades pesqueiras não puderam ser realizadas pela falta de dados contínuos. Porém, com o objetivo de suprir essa deficiência, sugere-se a montagem de um banco de dados inicial, para auxiliar nas análises pertinentes e otimizar as ações de planejamento setorial pesqueiro para a região. No decorrer do trabalho, percebeu-se que o mercado exerce um papel fundamental na atividade pesqueira, interferindo diretamente na demanda e escolha de espécies com melhores preços ou comércio favorecido. Assim, a rede de comércio e a demanda por pescado in natura e derivados são 5 pontos que devem ser elucidados. Com esta finalidade, propõe-se um outro projeto de pesquisa (Anexo 2), visando a uma primeira abordagem econômica da pesca e seus custos. O estudo dos principais mercados (cidades de Santa Cruz de La Sierra e La Paz) deve ser conduzido numa segunda etapa, exigindo delineamento próprio a ser realizado após o conhecimento de resultados do estudo preliminar mencionado. Outro aspecto a ser considerado, quando se trata da Amazônia Continental e suas relações internacionais, refere-se à legislação, que desponta, em muitos casos, como um primeiro entrave à gestão dos recursos transnacionais. No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA realizou, durante a década de 90, um importante trabalho de compatibilização das legislações estaduais por bacia, inclusive contemplando os Estados que integram a bacia Amazônica. Esse trabalho foi desenvolvido em etapas, e contou com a participação de lideranças locais, pescadores e sociedade civil organizada. No nível internacional, a única recomendação que se pode fazer, sem interferir nos aspectos de soberania dos países envolvidos, é que a gestão de recursos transfronteiriços, migradores ou de acesso comum a populações (e empreendedores) de mais de um país, não deve ser divergente nas medidas de controle. Todas as decisões devem ser tomadas em conjunto, obedecendo a um planejamento comum para todos os interessados. 6 SUMÁRIO P. LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................... LISTA DE TABELAS ........................................................................................................... 7 7 1 CONCEITOS BÁSICOS ................................................................................................ 1.1 Pesca e desenvolvimento sustentável ............................................................................. 1.2 Aqüacultura responsável ................................................................................................ 8 8 8 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 2.9 AS PESCARIAS AMAZÔNICAS E SEU MANEJO................................................... Introdução........................................................................................................................ A pesca em águas continentais ....................................................................................... A ictiofuna da bacia amazônica ..................................................................................... As pescarias amazônicas ................................................................................................. Classificação dos pescadores .......................................................................................... O sistema de comercialização ......................................................................................... Importância socioeconômica e cultural da pesca ......................................................... Estratégias tradicionais de manejo................................................................................ Considerações sobre o sistema de manejo comunitário dos recursos pesqueiros ..... 9 9 11 12 15 26 26 27 29 34 3 3.1 3.2 3.3 3.4 A AQÜACULTURA ....................................................................................................... Introdução........................................................................................................................ Aqüacultura continental ................................................................................................. Piscicultura na Amazônia............................................................................................... Recomendações................................................................................................................ 38 38 38 46 51 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 54 ANEXO A – Relatório de viagem ......................................................................................... 63 7 LISTA DE FIGURAS 1 LOCALIZAÇÃO DA BACIA AMAZÔNICA NA AMÉRICA DO SUL .................. 9 2 CAPTURA TOTAL (t) E ANUAL PARA ALGUMAS ESPÉCIES DE PESCADO DESEMBARCADO EM LETÍCIA (INPA/LETÍCIA)................................................. 25 3 PRODUÇÃO DA CAPTURA TOTAL ANUAL PARA ALGUMAS ESPÉCIES DE PESCADO DESEMBARCADO EM LETÍCIA ............................................................ 25 LISTA DE TABELAS 1 PRODUÇÃO PESQUEIRA MUNDIAL E PARA OS PAÍSES (FAO, 1996) ............ 10 2 PRODUÇÃO E APROVEITAMENTO DA PESCA NO MUNDO............................. 11 3 LISTA DE ESPÉCIES DE PESCADO MAIS IMPORTANTES DO ALTO SOLIMÕES (PREPARADA COM A AJUDA DO PROF. EDWIN AGUDELO CÓRDOBA – SINCHI) E NA AMAZÔNIA BOLIVIANA................................................................................... 13 4 LISTA DE PEIXES MAIS FREQUENTES E REGISTRO DE PRESENÇA INDICADA POR ASTERISCO CLASSIFICADOS POR ORDEM E FAMÍLIA ÁREA DE ESTUDO (JAPURÁ, IÇÁ E ALTO SOLIMÕES), MODIFICADO FABRÉ & ALONSO (19998) .......................................................................................... 5 PRINCIPAIS PEIXES DE COURO LOCALIZADOS NA REGIÃO AMAZÔNICA, COM ÁREA DE DESOVA, CRESCIMENTO E HÁBITOS ALIMENTARES........ 24 6 ANÁLISE DO CUSTO/BENEFÍCIO DO MONOCULTIVO E POLICULTIVO DO TAMBAQUI NO ESTADO DO AMAZONAS, PRÓXIMO A MANAUS. CÁLCULOS BASEADOS NO S INSUMOS DE 1995. ND – NÃO DISPONÍVEL (MODIFICADO DE LIMA & GOULDING, 1998) .......................................................................................... 48 (1) NA DE 14 8 1 CONCEITOS BÁSICOS 1.1 Pesca e desenvolvimento sustentável A conceituação oficial de Desenvolvimento Sustentável elaborada pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente afirma: "Desenvolvimento Sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades". Este modelo de desenvolvimento envolve dois conceitos chaves: o de "necessidades" (sobretudo dos mais pobres) e o de "limitações" (que o estágio de tecnologia e de organização social impõe sobre o meio ambiente e que este impõe sobre a capacidade de atender às demandas da sociedade). No caso das águas continentais, a exploração e a conservação dos recursos pesqueiros estão fortemente condicionadas aos usos e ocupação das bacias de drenagem promovidos pelos diversos setores de governo e da sociedade civil. Assim, o desenvolvimento sustentável do setor pesqueiro reflete o desenvolvimento sustentável de todos os agentes de desenvolvimento econômico da bacia. Esta constatação demonstra que o compromisso de governo com a pesca sustentável confundese com o próprio compromisso de governo para com a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. Assim deve-se evitar atuar unicamente pela análise da sustentabilidade biológica dos estoques explorados. A ausência de uma série histórica mínima de dados básicos sobre captura e esforço de pesca nas diferentes bacias hidrográficas, aliada às dificuldades inerentes ao próprio conceito de Rendimento Máximo Sustentável (Maximum Sustainable Yield, MSY) excluiriam a possibilidade de sua utilização como único critério. 1.2 Aqüacultura responsável As diretrizes para o desenvolvimento da aqüacultura responsável que se encontram em FAO (1994) têm como objetivo facilitar a identificação das responsabilidades, deveres e obrigações dos governos, das autoridades e das pessoas envolvidas com a atividade de aqüacultura, e são essenciais para apoiar e garantir a contribuição sustentável desta atividade para a segurança alimentar, a mitigação da pobreza e o bem estar socioeconômico das gerações atuais e futuras. 9 2 AS PESCARIAS AMAZÔNICAS E SEU MANEJO 2.1 Introdução Tradicionalmente, a maioria dos processos de povoamento, traduzidos na ocupação da terra para a instalação do homem, em diferentes regiões do mundo, se deu próximo dos rios. Assim, desde as antigas civilizações estes desempenham importante papel como fonte de água e alimento, meio de transporte, além de vias naturais de penetração em territórios desconhecidos. Nesse contexto, podemos destacar o rio Nilo, em torno do qual floresceu a civilização egípcia; o rio Eufrates, em cujo vale os sumerianos se desenvolveram, o rio Tigre, berço da civilização dos babilônios e assírios; e o rio Amarelo, em torno do qual teve origem a civilização chinesa e cuja expansão deveu-se ao rio Yangtse (Paiva, 1982). Na Amazônia (Figura 1), com sua dendrítica rede hidrográfica, quando os espanhóis e portugueses iniciaram sua exploração, a várzea dos rios era ocupada por muitas etnias indígenas. Os peixes são os últimos animais explorados na natureza, em grande escala, pelo homem moderno. Em 1996 o desembarque mundial de pescado foi 94.625.400t, das quais 7.552.800t provieram de água doce. Para se ter uma idéia mais concreta do que esse total mundial representa, suponhamos uma carreta de 40t, com 20m de comprimento. Teríamos então, uma frota de 2.365.635 caminhões que dariam 1,2 voltas à Terra pelo Equador, com uma carga valendo ao redor de U$200 bilhões (U$ 4/kg), equivalente ao PIB da Dinamarca, sendo renovada a cada ano, sem nenhum custo de fabricação à sociedade, apenas com o aproveitamento da energia do sol e ciclagem dos nutrientes dos mares e rios. Bonetto e Castello (1985) publicaram a primeira monografia sobre a pesca e a piscicultura na América Latina e nela teceram várias considerações baseados na literatura de então. Porém, nos últimos 15 anos, houve uma explosão dos estudos sobre esses dois assuntos na região, notadamente na pesca. Figura 1. Localização da Bacia Amazônica na América do Sul. 10 A Tabela 1 mostra os dados das pescarias de captura (não incluem pescado oriundo de piscicultura) dos dois países, no período de 1990 a 1996, em toneladas métricas (mt). Tabela 1. Produção pesqueira mundial e para os dois países (FAO, 1996). Total Mundial Peixes de água doce Captura Nominal Total: Brasil Colômbia Pesca continental por países Brasil Colômbia 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 mt mt mt mt mt mt mt 85880200 85088400 86208800 87278800 92682900 93001100 94625400 6588000 6382400 6253300 660700 6908200 7379400 75528000 782450F 117463 776690 F 760290 F 749740 F 789235 F 770780 F 798719 F 101164 140666 123800 98067 130450 129661 191115 F 193240 F 182540 F 186990 F 191485 F 183180 F 178000 F 33940 19431 33759 30538 34983 23524 23060 Obs.: F = Estimativa realizada pela FAO através de fontes disponíveis de informação. Note que as ordens de magnitude das pescarias continentais nos dois países são muito diferentes. As pescarias artesanais, na Amazônia, são espalhadas e daí difíceis de serem monitoradas. São pescarias multiespecíficas (capturando muitas espécies de pescado), empregando vários aparelhos simples. Sua relação com o mercado é caracterizada pela presença do intermediário. Os pescadores trabalham individualmente ou em grupos de dois a seis indivíduos em canoas a remo ou a motor, ou em pequenos barcos geleira. Pescam sob forte pressão do mercado, que governa sua estratégia de captura. A atividade, em geral, passa de pai para filho, com anos de aprendizado, para entender o comportamento dos peixes e assim capturá-los na época e no lugar certo. O atual modelo econômico globalizado está acentuando o abandono por que passa a pesca artesanal. Esta desempenha um papel fundamental na produção pesqueira dos dois países. Para que essas pescarias persistam é necessário manejá-las, isto é, manter o estoque pesqueiro dentro de uma faixa de tamanho para que o pescado nunca falte. Assim, a determinação da influência da pesca sobre a abundância dos estoques, em conjunto com o controle do esforço de pesca e da captura e a preservação do meio ambiente, são fatores importantes em qualquer programa de manejo. Além de cuidar dos peixes, é necessário manter o ambiente em seu estado natural, evitando desmatar a beira dos rios e lagos, não interferir no curso do rio, através da construção de barragens e aterros, não poluir, etc. As medidas realistas de manejo devem se basear em estudos bem fundamentados sobre a ecologia das principais espécies comerciais, englobando seu crescimento, alimentação e reprodução. Também são importantes os estudos de como os peixes influenciam uns aos outros e de como são influenciados por outros organismos, pois, em geral, todos estão em delicado equilíbrio na natureza, que não deve ser rompido, o que prejudicaria a pesca. Na Amazônia, as pescarias artesanais exploram uma grande variedade de espécies comerciais, de médio e grande portes e, principalmente, migradoras, tais como o filhote, o tambaqui, a dourada, o jaú. Espécies como o tucunaré e a pescada, tendem a habitar águas paradas, como os lagos de várzea, e quando o rio é represado podem se tornar muito abundantes, como ocorre no reservatório de Tucuruí, no rio Tocantins. 11 Devido à grande abundância de pescado nesta região, seu consumo é altíssimo, alcançando em algumas áreas ribeirinhas cerca de 500g de pescado por pessoa por dia, a mais alta do mundo. Assim, quem viaja pelo interior da Amazônia, muito dificilmente irá observar pessoas subnutridas, devido à falta de proteína, como é comum em regiões semi-áridas, onde o consumo de pescado per capita é muito menor. Welcomme (l995) sugere que as prioridades para o manejo futuro dos recursos pesqueiros e correlatos dependem das demandas de estratégias de proteção, reabilitação, mitigação e intensificação dos recursos e das prioridades socioeconômicas regionais. De modo geral, os esforços em regiões tropicais enfocam a manutenção da biodiversidade e o uso sustentado da produtividade biológica pelas populações ribeirinhas (Bayley, 1995). As estratégias de manejo pesqueiro e aqüícola que obtiveram sucesso reconheceram as características culturais das comunidades de pescadores e produtores rurais (Petrere, 1992b). Nesse contexto, as agências ambientais internacionais e nacionais estão desenvolvendo esforços para ordenar, manejar e reabilitar ecossistemas aquáticos, como os Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente - UNEP, os Projetos IARA/IBAMA e Várzea/PPG7, a Sociedade Civil Mamirauá, etc. O crédito financeiro é concedido basicamente através dos Governos federais e estaduais (Departamentais na Colômbia). Já o crédito informal, via aviamento, é a maneira tradicional de financiamento dessa atividade extrativista pela economia privada regional. Há a necessidade de reestruturação e reciclagem dos operadores das linhas de crédito formal para a atividade pesqueira, com maior ênfase nos estudos de viabilidade regional, incluindo a capilaridade dos recursos financeiros entre os beneficiados e a gestão participativa dos projetos. 2.2 A pesca em águas continentais A pesca e a aqüacultura são atividades importantes na produção de proteína para uma população humana em crescimento, que já atinge cerca de 6 bilhões de pessoas. A importância da pesca e da aqüacultura, mais especificamente de águas continentais, pode ser demonstrada pelos dados de desembarque mundial de pescado na Tabela 2 onde se nota que a produção de pescado via aqüacultura continental praticamente dobrou, de 1990 a 1997, e as pescarias de captura se mantiveram quase constantes. Tabela 2. Produção e aproveitamento da pesca no mundo (cf. http://www.fao.org). PRODUCCIÓN CONTINENTAL Acuicultura Captura Total pesca continental MARINA Acuicultura Captura Total pesca marina Total acuicultura Total captura Total producción pesquera 1990 1992 1994 1995 (millones de toneladas) 8,17 6,59 14,76 9,39 6,25 15,64 12,11 6,91 19,02 4,96 79,29 84,25 13,13 85,88 99,01 6,13 79,95 86,08 15,52 86,21 101,73 8,67 85,77 94,44 20,77 92,68 113,46 1996 1997 13,86 7,38 21,24 15,61 7,55 23,16 17,13 7,70 24,83 10,42 85,62 96,04 24,28 93,00 117,28 10,78 87,07 97,85 26,38 94,63 121,01 11,14 86,03 97,17 28,27 93,73 122,00 12 Em relação à atividade pesqueira, observa-se que, embora as pescarias marítimas, predominantemente industriais, estejam se tornando cada vez mais importantes no Brasil e na Colômbia, a pesca continental (embora já menor que a aquicultura), predominantemente artesanal, ainda continua significante. Um amplo espectro de aparelhos e métodos de pesca são utilizados nas pescarias em águas continentais, incluindo a rede de espera, a rede de arrasto de praia, a rede de cerco, arco e flecha, arpão, covos, anzóis, armadilhas com galhos secos, dentre outros. Os implementos modernos que incluem a lanterna de mão para detectar o peixe à noite, o sonar portátil, etc., são usados apenas esporadicamente. Os pescadores trabalham individualmente, em pares, ou em pequenos grupos de 4 a 6 indivíduos e, às vezes, em pescarias comunitárias, envolvendo um número maior de pessoas. Poucas canoas são equipadas com motor. Para minimizar os conflitos entre pescadores de subsistência, amadores e profissionais que, na maioria das vezes, pescam na mesma área, os aspectos sociais e antropológicos das comunidades de pescadores têm sido considerados durante a implementação de medidas de manejo das pescarias. Com o adensamento da população, principalmente na Amazônia brasileira, esses conflitos estão atingindo níveis críticos. Embora os principais recursos pesqueiros da América do Sul, em geral, sejam constituídos por espécies reofílicas − principalmente detritívoros da família Prochilodontidae − com a construção de represas tem se observado uma mudança na comunidade em direção às espécies não-migradoras das famílias Cichlidae, Curimatidae etc., devido à diminuição dos estoques das espécies preferenciais, como é o caso do tambaqui na Amazônia Central, fazendo com que espécies antes não consumidas já possuam mercado. 2.3 A Ictiofauna da bacia amazônica Vários autores (por exemplo, Darlington, 1957) consideram que a fauna de água doce da América do Sul teve seu centro de origem na bacia amazônica, e que a fauna das outras bacias é um reflexo do conjunto das espécies amazônicas. Este conceito, no entanto, está sendo contestado, porque a bacia amazônica tem uma história geológica mais recente do que as bacias localizadas nos planaltos do Brasil e das Guianas (Weitzman & Weitzman, 1982). Segundo Roberts (1972), até 1967, o Zoological Records listava aproximadamente 1.300 espécies de peixes para a bacia amazônica. Böhlke et al. (1978) consideram que pelo menos 30% das espécies ainda não estão descritas. Vari & Malabarba (1998) estimam em 8.000 o total de espécies para a ictiofauna de água doce das Américas Central e do Sul, representando 25% da riqueza mundial de peixes, tanto marinhos como de água doce. Em relação ao conhecimento sobre as espécies de águas continentais, vale ressaltar que, a partir de uma revisão do status sistemático da fauna de peixes da América do Sul, os trabalhos pioneiros não atentaram para a grande complexidade da fauna de peixes e se limitaram a uma simples descrição taxonômica das espécies comerciais de maior porte. Existem coleções razoáveis de peixes sul-americanos espalhadas em museus da América do Norte e Europa e, nos últimos 20 anos, o número de sistematas dedicados a estudá-las aumentou muito, o que avançou a formulação de testes de hipóteses das relações filogenéticas, conforme atestado por Vari & Malabarba (1998). 13 Na bacia amazônica, 85% das espécies pertencem à Super Ordem Ostariophysi, das quais 43% são Characiformes, 39% Siluriformes (peixes de couro ou lisos) e 3% Gimnotiformes (peixes elétricos). Os nomes científicos das principais espécies comerciais da Amazônia podem ser encontrados em Petrere (1978), Bayley e Petrere (1989), Lowe-McConnel (1984, 1987) e Santos et al. (1984), Ferreira et al. (1998). Vale ressaltar que alguns grupos ainda não foram descritos (Fink & Fink, 1979), outros precisam ser completamente revistos e, em alguns casos, os holotipos desapareceram, o que tem dificultado os estudos filogenéticos sobre os peixes amazônicos. Uma lista das principais espécies comerciais das águas continentais, indicando nome vulgar é mostrada na Tabela 3. Tabela 3. Lista de espécies de pescados mais importantes do Alto Solimões (preparada com a ajuda do Prof. Edwin Agudelo Córdoba do SINCHI). Nome popular no Brasil Dourada Piraíba/filhote Pirarara Cara de gato, coroatá Barba-chata Babão, melao ou flemoso Flamengo ou zebra Dourada zebra Surubim Caparari Piracatinga Jau ou pacamon Peixe-lenha Piramutaba Tambaqui Matrinchã Pirapitinga Curimatá Nome popular na Colômbia Dourada Lechero Guacamayo ou cajaro (Caquetá), torres (Tarapacá) Capaz Barbachato ou barbianeho Baboso Camiseto ou zebra Camiseto ou zebra Pintadillo rajado Pintadillo tigre Mota ou sini Peje negro ou amarillo ou bagre sapo Peje lenho Pirabuton Gamitama Sábalo Paco Bocachico Nome científico Brachyplatystoma flavicans Brachyplatystoma filamentosum Phractocephalus hemiliopterus Platynematichthys notatus Pinirampus pirinampu Goslinia platynema Brachyplatystoma juruense, Merodontotus tigrinus Pseudoplatystoma fasciatum Pseudoplatystoma tigrinum Calophysus macropterus Paulicea lutkeni Sorubimichthys planiceps Brachyplatystoma vaillantii Colossoma macropomum Brycon sp Piaractus brachypomus Prochilodus nigricans Fabré & Alonso (1998) realizaram um inédito e detalhado relato da ictiofauna e das pescarias do Alto Solimões, Içá e Japurá. A densidade demográfica é muito baixa a saber: rio Solimões, de Santa Clara a Umariaçu, num trecho de 186 km, 3.42 ha/km2; no rio Içá/Putumayo de Novo Pendão de Jesus a Vila Ipiranga, num trecho de 122 km, 0.31ha/km2; no rio Japurá/Caquetá, de Vila Bittencourt a Ilha Tamandaré, num trecho 100 km, incluindo 55 km do rio Apaporis, 0.098ha/km2. Esses autores registraram um total de 35 grupos de espécies de peixes de interesse comercial e de subsistência, pertencendo a 4 Ordens e 11 Famílias, conforme a Tabela 4. 14 Tabela 4. Lista de peixes mais freqüentes e registro de presença(1) indicada por asterisco classificadas por Ordem e Família na área de estudo (Japurá, lçá e Alto Solimões). Modificado de Fabré & Alonso (1998). Ordem/família Osteoglossiformes Osteoglossidae Characiformes Characidae Anastomidae Serrasalminidae Curimatidae Prochilodontidae Erythrinidae Siluriformes Auchenipteridae Loricaridae Pimelodidae Perciformes Cichlidae Espécie Nome Comum Japurá Içá Solimões Osteoglossum bicirrhosum Arapaima gigas Aruanã Pirarucu * * * * * * Brycon spp Brycon cephalus Triportheus spp Leporinus spp Schizodon spp Leporinus spp Pigocentrus nattereri Serrasalmus spp Piaractus brachypomum MYLEINAE Colossoma macropomum Potamorhina spp Curimata inornata Prochilodus nigricans Semaprochilodus spp Hoplerythrinus unitaeniatus Hoplias malabaricus Jatuarana Matrinchã Sardinha Aracu * * * * * * * * * * * * * * Parauchenipterus galeatus Liposarcus pardalis Brachyplatystoma filamentosum Brachyplatystoma flavicans Brachyplatystoma juruensis Brachyplatystoma vaillantii Calophysus macropterus Goslinia platynema Leiarus marmoratus Paulicea luetkeni Phractocephalus hemiliopterus Pimelodus spp Pimelodina flavipinnis Pseudoplatystoma fasciatum Pseudoplatystoma tigrinum Sorubimichthys planiceps Mandi Bodo Piraíba Dourada Flamengo/ Zebra Piramutaba Mota Barba Chata/ Babão Jandia Pacamão/Jaú Pirarara Mandi Astronotus ocellatus A. crassipinis Crenicichla spp Cichla spp Piau Piranha Pirapitinga Pacu Tambaqui Branquinha * * * * * * * * * * * Curimatá Jaraquis Jejú Traira * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * Surubim Caparari Peixe-lenha * * * * * * * Acará-açu * * * * * * Jacundá Tucunaré (1) o registro de presença é indicado por asterisco O Alto Solimões é o que apresenta mais citações, 33 (24 para comercialização e 23 para consumo), seguido do rio Içá, 28 (14 e 23) e do Japurá, 19 (15 e 13). 15 A dependência da pesca, na região, do mercado comprador de Letícia é dramática, onde se destaca a comercialização da dourada, seguida pelo surubim, pirarucu e piraíba. A produção pesqueira é mais alta no rio Japurá (23.76 ± 15.11 kg/pescador/pescaria, no período da cheia e 33.68 ± 15.06 kg/pescador/pescaria, no período da seca), seguido pelo rio Içá (10.85 ± 22.21; 15.34 ± 29.66 kg/pescador/pescaria) e Solimões (12.76 ± 14.30; 22.53 ± 21.00 kg/pescador/pescaria). Os valores do rio Japurá são mais altos porque a pesca se concentra principalmente na Cachoeira (Chorro) de Córdoba, onde os grandes bagres migradores são mais vulneráveis (Fernández, 1992). Por isso, não se deve encarar essas capturas por unidade de esforço (cpue) como estimadores não-viciados da densidade global dos estoques nos três rios, visto que as estratégias de pesca, largura e profundidade, presença/ausência de lagos e, principalmente, a qualidade da várzea, bastante ocupada e devastada no Alto Solimões, é praticamente intocada nos outros dois. É claro que se contássemos com uma série histórica da captura e esforço para cada rio, ela iria revelar as tendências que em pesca, infelizmente para os administradores pesqueiros, só se revelam a longo prazo. Fabré & Alonso (1998) também estimaram a produção anual em 242 t, 134 t e 12737 t para os três rios Japurá, Içá e Alto Solimões, respectivamente. O consumo de pescado é altíssimo: Japurá (0.805 ± 0.302 kg/capita/dia, na seca e na cheia (sic), Içá (0.567 ± 0.378 kg/capita/dia na cheia e 0.509 ± 0.354 kg/capita/dia, na seca) e Alto Solimões (0.525 ± 0.233 kg/capita/dia, na cheia e 0.519 ± 0.235 kg/capita/dia na seca). Mojica (1999) listou 174 espécies para a porção colombiana do rio Solimões, 106 espécies para o rio Putumayo/Içá e 86 espécies para o Caquetá/Japurá. 2.4 As pescarias amazônicas Petrere (1978) listou 32 grupos de espécies desembarcados no mercado de Manaus. Nas capturas de 1978, 72% foram representadas por apenas três espécies: tambaqui Colossoma macropomum, jaraqui Semaprochilodus sp. e curimatã Prochilodus nigricans. Além dessas, várias outras espécies têm importância comercial na Amazônia, entre elas o pirarucu Arapaima gigas, os tucunarés Cichla spp., a piramutaba Brachyplatystoma vaillanti e a dourada B. flavicans. Por causa do by catch da rede de espera, existe um mercado clandestino de pescado em Manaus, principalmente para o comércio de exemplares abaixo do tamanho mínimo permitido. A pesca na Amazônia é relativamente bem estudada em comparação a outras regiões da América do Sul (Barthem et al., 1995). É uma atividade que utiliza vários aparelhos de pesca, capturando muitas espécies. Petrere (1978) listou para a Amazônia Central 13 aparelhos principais de captura: a) arrastadeira, arrastão de praia ou rede grande, responsável por 9,3% das capturas, e utilizada principalmente na pesca do jaraqui (64% da captura deste tipo de rede em 1976); b) malhadeira ou rede de espera, responsável por 34% das pescarias em 1978, e geralmente empregada nos lagos, capturando principalmente o tambaqui (95% das capturas); c) arrastão, redinha ou rede de cerco, o aparelho de pesca mais utilizado na região − capturou 49% do total em 1978 − principalmete no leito dos rios e em lagos. A curimatã Prochilodus nigricans foi a espécie mais capturada com esse aparelho, seguida pelo jaraqui e tambaqui. Em ordem de importância, entre os petrechos de pesca também se encontram a tarrafa, linha-demão, arpão, zagaia, caniço, currico ou colher, arco e flecha, pinauaca (anzol com um pedaço de pano vermelho ou pena de arara utilizado para a captura do tucunaré), curumim (linha com um único anzol, presa num arbusto) e estiradeira ou espinhel. 16 Bayley & Petrere (1989) revisaram o status corrente das pescarias na Amazônia e identificaram dois tipos de pescarias: difusas e comercial de larga escala. As pescarias difusas são praticadas por populações rurais ou por habitantes de vilas e comunidades, localizadas à beira de rios e lagos, vivendo em terra firme ou em palafitas. Muitos desses ribeirinhos são pescadores de tempo parcial ou às vezes trabalham como pescadores embarcados, praticando na época da vazante a agricultura de várzea. O pescado de baixo valor comercial é consumido e as espécies mais valiosas, como tambaqui, tucunarés e pescadas Plagioscion sp., são vendidas ou trocadas por gêneros de primeira necessidade. O consumo de pescado deste segmento social é comparativamente alto: 194 g de pescado fresco por dia (Smith, 1979). Tendo como base o ano de 1980, Bayley & Petrere (1989) estimaram em 110.130 t a captura proveniente dessas pescarias, 73% do total estimado (151.505 t), demonstrando a importância das pescarias difusas para a região. As pescarias comerciais estão centralizadas nas maiores cidades. Essas pescarias são mais orientadas para o mercado atacadista e compreendem os 27% restantes. O desembarque em Manaus, em 1980, foi estimado por Bayley & Petrere (1989) em 24.750 t. O total desembarcado em Belém ainda é ignorado, mas no caso da piramutaba o desembarque médio anual, de 1972 a 1984, foi 18.136 t. Em Letícia, o total desembarcado é da ordem de 10.000 t anuais. A pescaria patrocinada por modernos frigoríficos situados ao longo da calha do rio Amazonas vem crescendo na Amazônia e alcançam seu apogeu na cidade de Letícia, que tem capacidade total de armazenamento de 700 t, movimentando um total anual de 10.000 t, principalmente de peixes de couro, onde se detaca a dourada Brachyplatystoma flavicans. No início, os frigoríficos compravam preferencialmente peixe de couro, mas, hoje em dia, compram qualquer tipo de pescado. O pescado é fornecido tanto por pescadores individuais, como por barcos geleiras e é exportado para outros estados e para o exterior. Em 1978, 52% das capturas realizadas pela frota pesqueira de Manaus foram executadas na calha e na várzea do rio Amazonas, e 17% no rio Purús. A maioria das pescarias da Amazônia Central é realizada nos lagos de várzea. Até 1978, cerca de 61% da captura total/anual (22.432 t) ocorria em um raio de 500km de Manaus. Dentro desse raio, as pescarias são menos especializadas e os barcos de menor tonelagem. Na época, o jaraqui representou 35% da produção total e o tambaqui 24% das espécies capturadas. Além do raio de 500km, o tambaqui foi responsável por 57% das capturas e o jaraqui por 18%, invertendo a característica anterior, e denotando uma pescaria mais voltada para as espécies nobres. Dentro dos 500km, a captura média foi 3,2 t/viagem e fora deste raio, 9,3 t/viagem (Petrere, 1978). Atualmente a frota pesqueira de Manaus percorre distâncias de até 3.500km, subindo o rio Juruá, bem acima do município de Cruzeiro do Sul, no Acre. Além da classificação mais simples de Bayley & Petrere (1989), Barthem et al. (1992) acreditam que a classificação das pescarias amazônicas abrange um conjunto de fatores interligados, que se resume na dimensão do barco e no tipo de aparelho de pesca preferencialmente empregado. Em relação aos barcos de pesca, existem duas categorias bem distintas que atuam nas águas amazônicas, a pesca industrial e a artesanal. De acordo com Barthem et al. (1992), pesca artesanal na Amazônia é toda aquela que não é classificada como industrial. Suas características são bastante diversificadas, tanto em relação aos hábitats onde atua quanto aos estoques que explora. Basicamente, pode-se classificá-la em comercial e difusa. 17 A pesca artesanal comercial é realizada por pescadores citadinos ou interiorinos, que possuem uma embarcação com caixa de gelo, apropriada para resfriar e conservar o pescado por várias semanas. As embarcações são utilizadas como base para a pesca propriamente dita ou como câmaras de resfriamento para estocar o pescado comprado dos pescadores que atuam em outras embarcações. As embarcações da pesca artesanal podem ser classificadas em três categorias: a) barco pescador - essa categoria investe em aparelhos de pesca apropriados a uma pesca mais específica, como arrastadeiras e arrastão; mantém um grupo de pescadores altamente treinados para operar estes aparelhos; e, explora um número reduzido de espécies. A produtividade do barco pescador ao longo do ano é baseada na eficiência da captura e na abundância do estoque explorado. Exemplos dessas embarcações são aquelas usadas na pesca do jaraqui no rio Negro, do mapará Hypophthalmus marginatus no rio Tocantins e de peixes estuarinos na foz amazônica, onde são utilizadas grandes redes a deriva de mais de 2km de comprimento. b) barco pescador/comprador - nesse caso, o investimento em aparelhos de pesca é mais moderado, pois estes são utilizados principalmente quando a época de pesca é mais favorável. Nos períodos menos favoráveis, evita-se pescar e o retorno econômico é obtido da compra da produção de outros pescadores, que não têm como transportar seu produto até o mercado consumidor. c) barco comprador - os proprietários desse tipo de embarcação não investem na compra de artes de pesca e nem transportam pescadores, pois não assumem os riscos de uma pescaria. São comerciantes especializados que têm retorno econômico ao comprar grandes quantidades de pescado e vendê-las rapidamente nos grandes centros urbanos, dentro ou fora da Amazônia. O pescado pode ser comprado de outros pescadores, de barcos pescadores ou de frigoríficos. Esses barcos podem levar petrechos de pesca para os pescadores, que pagam com a venda do pescado. Conforme o tipo de investimento e a quantidade de aparelhos de pesca, a pesca artesanal comercial também pode ser classificada em: a) artesanal comercial de larga escala - nessas pescarias são utilizados barcos que possuem autonomia para percorrer longas distâncias e/ou para longos períodos de pescaria (1 a 3 meses). Em geral, possuem caixas de gelo com capacidade igual ou acima de 10 t e podem ser dos três tipos anteriormente descritos. Não têm restrição quanto ao tipo de petrecho utilizado. Em 1987, existiam 83 embarcações desse tipo operando no estado do Amazonas, mas, segundo Magnavita & Flores (1989) esse número deve ser visto com cautela, porque não considera os barcos que atuam clandestinamente no setor. b) artesanal comercial de pequena escala - a autonomia desses barcos é apropriada apenas para distâncias pequenas e médias, a capacidade de carga das caixas de gelo é inferior a 10 t e os barcos são do tipo pescador e em menor grau, pescador/comprador. Também não têm restrição quanto aos aparelhos utilizados. Em 1987, existiam 770 dessas embarcações no estado do Amazonas. Esses barcos são mais lucrativos, pois o custo de operação é 50% menor (Magnavita & Flores, 1989). Os barcos da frota pesqueira da Amazônia são construídos de modo empírico, seguindo antiga tradição portuguesa, mas são bem feitos, aproveitando madeira da região e empregando mão-de-obra local. Por causa desse empirismo, a maioria deles tem problemas de dimensionamento tanto para a pesca quanto para o transporte de pescado (Prof. Dr. Flávio W. Lara, Centro Tecnológico, UFPA, comunicação pessoal). A excessiva potência do motor acarreta aumento desnecessário de consumo de combustível e o isolamento térmico das caixas de gelo é insatisfatório. As caixas são muito altas, o que provoca o esmagamento do pescado. Neste sentido, as caixas poderiam ser menores e com prateleiras, evitando 18 que o peso se concentrasse totalmente sobre o fundo, prejudicando o pescado armazenado neste nível. A mesma observação pode ser feita em relação aos motores, que poderiam ser menores (mais baratos e mais econômicos). Anzola (1994a) descreve as pescarias no setor colombiano do rio Amazonas, chamando a atenção de que o esforço pesqueiro tem aumentado, requerendo jornadas de tempo maiores e com aumento do número de embarcações. Há comercialização de exemplares com tamanho menor que o permitido pela legislação, como ocorre em toda a Amazônia, o que é inerente às pescarias que usam aparelhos diferentes. A infra-estrutura de desembarque em Letícia não é adequada, não há linhas de crédito para a pesca. Os materiais de pesca custam muito caro. Os preços do pescado são fixados pela livre oferta, variando com o nível do rio tornado a atividade dos pescadores muito incerta. Há falta de extensão para ensinar a técnicas de congelamento, transporte adequado até o centro de venda. A regulamentação com relação às artes de pesca e as épocas de defeso (vedas) não são obedecidas. Essas observações podem ser generalizadas para toda a Amazônia. A pesca dos grandes bagres migradores Uma importante pescaria que necessita ser destacada é a dos grandes bagres migradores capturados no Alto Solimões, no Putumayo/Içá e em maior quantidade no Caquetá/Japurá, principalmente da dourada, responsável pela maioria dos desembarques. Como já foi mencionado, o maior centro comprador é a cidade de Letícia na Colômbia. Barthem & Goulding (1997) é a referência básica para o estudo da ecologia desses bagres. O Departamento do Amazonas na Colômbia conta com uma extensão de 109.665 km2, que representa 27% do território amazônico colombiano. A região tem baixa densidade demográfica, com a população concentrada principalmente em Letícia/Tabatinga (SUDAM/OEA/CPRM, 2000). A influência do mercado comprador de bagres de Letícia se estende até Manacapuru, próximo a Manaus. A economia das cidades mais próximas de Letícia, como São Paulo de Olivença e Santo Antonio do Içá gira em torno dessa atividade, atingindo cerca de 80% da moeda circulante. No Anexo 2 há uma sugestão de projeto de pesquisa, para se avaliar o lucro dessa pescaria para municípios situados a diferentes distâncias de Letícia ao longo do Solimões, que dependem de seu mercado comprador. A compra de pescado pelos intermediários de Letícia que o enviam de avião a Bogotá se iniciou entre 1956 e 1958, depois da construção do aeroporto local em 1954. Em 1958 foi instalada a primeira câmara frigorífica com capacidade de 5t.(Coy, 1994). As pescarias do Alto Solimões, em sua parte brasileira, com exceção do trabalho de Fabré & Alonso (1998), não foram estudadas. Porém os cientistas colombianos têm se dedicado muito ao estudo na sua porção territorial do alto Solimões, no Putumayo/Içá e mais intensamente nas pescarias das cachoeiras de Araracuara e Córdodoba, (em La Pedrera) no Caquetá/Japurá, porque nesses locais os grandes bagres migradores têm de se concentrar ao migrar rio acima, e muitas vezes podem ser avistados. O rio Caquetá possui uma extensão de 2.200 km, 1.200 km em território colombiano, é um rio de origem andina, com águas brancas. Entre Arararacuara e La Pedrera (cerca de 300 km) apresenta um padrão meândrico anastomosado, com baixa sinuosidade, com várzea pouco desenvolvida, alcançando no máximo 3 km, e a largura de seu canal varia entre 750 - 1.500 m (Duivenvoorden & Lips, 1993). Valderrama (1988) faz várias proposições de projetos básicos para as pescarias nos rios Amazonas e Putumayo. Algumas delas foram mais tarde efetivadas como Teses de Grado que são trabalhos finais de graduação por alunos de várias Universidades colombianas e outras por pesquisadores 19 independentes, mas a questão crucial de se estabelecer um sistema contínuo e confiável de dados de captura e esforço na Amazônia colombiana ainda permanece. Por isso a biologia pesqueira desses grandes bagres está relativamente bem estudada no rio Caquetá devido à facilidade de captura nas duas cachoeiras. Assim Arboleda (1989) estudou as pescarias dos grandes bagres do rio Caquetá na altura de Puerto Santander, entre Agosto/1984 a Junho/1985, englobando 9 espécies, mostrando sua captura média diária através do arpão (10,8 kg/dia em Junho, 204,34 kg/dia em Dezembro), malha (51,66 kg/dia em Outubro, 345,53 kg/dia em Maio) e a corda (23,53kg/dia em Junho, 163,33 kg/dia em Agosto), capturados na época por 75 pescadores, 60% indígenas. As capturas na cheia totalizaram 58 t, o mesmo que na seca, com capturas médias diárias de 332,3 kg e 369,61 kg, respectivamente. A dourada e a piraíba, em proporções quase iguais foram responsáveis por 90% das capturas em peso. Termina por fazer recomendações básicas para o manejo pesqueiro e de educação ambiental para os pescadores, muito pobres. Zamudio & Linares (1989) estudaram a comercialização do pescado em Letícia e o desembarque total em 1988 foi de 5.656 t, das quais 3.420 t (60%) foram representadas pela piraíba, seguida pela dourada 1.240 t (22%). Medrano (1990) faz uma descrição das pescarias na região de Letícia a Atacuari fazendo breve descrição das espécies e pescarias. Rastrojo (1991) apresenta dados históricos e socioeconômicos, principalmente da região de Araracuara e Valderrama (1986) faz detalhada descrição das pescarias na cachoeira e tece interessantes recomendações para seu manejo, visando disciplinar o esforço pesqueiro e tamanhos de primeira captura. Destaca que essas pescarias são muito seletivas onde a dourada e a piraíba na época eram responsáveis por 90% das capturas em peso. Listou 27 espécies de interesse comercial. Informa que os comprimentos médios de primeira maturação para a dourada é de 79 cm para machos e 88 cm para fêmeas. Para a piraíba, 88 cm para machos e 141,5 para fêmeas. Castro & Santamaria (1993) fazem uma descrição detalhada da região da cachoeira de Araracuara e estimaram o rendimento médio da pescaria em 4,6 kg/ha/ano, destacando-se como seria de se esperar, a própria cachoeira em 124 kg/ha/ano. No ano de 1991 foram capturadas 120 t de pescado, das quais a piraíba foi responsável por 48,9%, a dourada 36,7% e o restante representados por outros bagres. A arte que mais capturou foi o arpão 62,4 t (52%), seguido pela corda 36,1 t (30%) e a malha com 21,5 t (18%). Esses aparelhos são empregados ao longo do ano em diferentes proporções, o arpão na descida das águas, a corda e as malhas no ascenso e parte do descenso. As maiores capturas se deram de Janeiro a Abril, nas águas baixas e no ascenso, totalizando 52.5% das capturas em peso. Destacam a piraíba como o maior bagre, cujo comprimento total variou de 68 cm a 211 cm, atingindo o peso máximo de 117 kg. Este bagre apresenta glândulas de “leite” na parte superior anterior das nadadeiras peitorais, cuja função é desconhecida. Devido à sua presença o bagre na Colômbia é denominado lechero. O comprimento total da dourada variou de 73 cm a 162 cm, com peso máximo de 47 kg. Devido a sua coloração que pode variar de prateado a amarelo dourado, também é denominada plateado. Também apresenta glândulas leitosas nas nadadeiras peitorais. Ao contrário da piraíba, é difícil de ser capturada por anzóis. Informam que o comprimento mínimo standard de primeira maturação para machos da piraíba é de 80 cm, a média 106 cm e máxima de 133 cm. Para fêmeas os valores são 86 cm, 161 cm e 211 cm. Para a dourada, para machos os valores são 77 cm, 98 cm e 116 cm. Para fêmeas os valores são 82 cm, 108 cm e 133 cm, respectivamente. Inspecionando as tabelas de distribuição de freqüência de 20 comprimento para as duas espécies, nota-se que ao valor modal está próximo dos tamanhos médios de primeira maturação. Como sempre ocorre com peixes migradores a maturação sexual é sincronizada com a altura do nível do rio. Assim para a piraíba a maturação se inicia com a crescente das águas para alcançar seu pico em Julho, onde a reprodução deve ocorrer. A dourada atinge seu pico de maturação em Junho e parece ter duas desovas, em Junho e Setembro. O pescado capturado em Araracuara é enviado pelos intermediários de avião para Bogotá. Os autores terminam por tecer várias recomendações para o manejo local dessas espécies. Córdoba (1994) realizou um detalhado estudo das pescarias comerciais no rio Caquetá em La Pedrera, de onde o pescado é enviado por avião até Villavicencio e de lá por caminhão até Bogotá, cobrindo nove espécies de bagres, onde a dourada foi a mais importante, perfazendo 56,7% da captura total, seguido da piraíba, com 21,7%. As malhas foram responsáveis por 78,6% das capturas, destacando-se a malha hondera que foi introduzida na pesca no rio Solimões em 1987 (Coy, 1994) e no Caquetá em 1992 (Córdoba, 1994), respondendo por 36,4% das capturas. Ela foi o aparelho com maior rendimento em kg/pescaria, quando comparada com a malha flutuante, malha estacionária, corda e arpão, que são as principais artes de pesca utilizadas na região. É interessante notar que os picos de captura variam de uma espécie para outra durante o ano. Assim o pico para a dourada ocorre em Dezembro; para a piraíba as pescarias são mais homogeneamente distribuídas durante o ano com picos em Maio, Setembro e Novembro. Celis (1994) estudou a biologia pesqueira da dourada em La Pedrera de maio de 1992 a junho de 1993, e afirma que a pressão exercida sobre seus estoques depois da introdução da malha hondera aumentou muito. Estudos de alimentação confirmam que a dourada é um piscívoro, ingerindo grande variedade de presas (99,97% peixes englobando 15 espécies) e que é um caçador ativo em toda coluna d’água com marcada preferência pelo mapará Hypophthalmus marginatus. O índice de repleção estomacal mostrou sempre mais que 90% dos estômagos vazios (denotando alta eficiência digestiva), alcançando 100% em Julho, antes da desova. A freqüência de alimentação varia de acordo com o nível do rio alcançando seu máximo em novembro, quando o rio está secando. Sua desova ocorre de agosto a outubro, coincidindo com o nível máximo de inundação e sua fecundidade varia entre 81.270 – 709.840 óvulos, mais relacionada com o peso do que com o comprimento. A proporção sexual foi de 1,73 fêmeas/macho. O comprimento de primeira maturação variou de 79 para fêmeas e 82 cm para machos. As capturas em peso no período de julho/92 a junho/93 totalizaram 147 t Destas, 83 t (56.5%) foram representadas pela dourada, 39,6 t (29.9%) pela piraiba, 8,9 t (6.1%) pelo jaú 6,1%, 7,7 t (5.2%) pelos surubins e o restante em proporções menores. Os comprimentos mínimos, médios e máximos para fêmeas foram 61 cm, 100,8 cm e 133 cm respectivamente. Para machos 62,5 cm, 89,5 cm e 116 cm, respectivamente, o que denota que na época da pesquisa havia uma tendência de captura bem acima dos tamanhos de primeira maturação para ambos os sexos. A captura/pescaria variou entre os aparelhos. Para a malha rodada foi de 24,79 kg/pescaria (fevereiro) a 52,67 kg/pescaria (julho). Para a malha hondera variou de 23,99 kg/pescaria (Junho) a 80,0 kg/pescaria (Julho). Para a malha estacionária a variação foi de 15,13 kg/pescaria (fevereiro) a 30,03 kg/pescaria (janeiro). Para a corda, 17,55 kg/pescaria (janeiro) a 53,44 kg/pescaria (agosto). Para o arpão os dados são incompletos. Isto mostra como a estratégia de pesca é determinante nesses casos para se fazer qualquer inferência sobre a captura por unidade de esforço como estimador da densidade dos estoques. A descrição desses distintos aparelhos e seu modo de operação estão bem detalhados nos trabalhos de Rodriguez (1992, 1999), Córdoba (1994) e Celis (1994). Garcia et al. (1996) determinaram o comprimento de maturação L50 para a dourada na Amazonia peruana, mostrando que os machos alcançam sua primeira maturação aos 107 cm de 21 comprimento total, enquanto que as fêmeas o alcançam aos 123 cm, embora a desova se processe um pouco mais tarde 113,1 cm para machos e 130,1 cm para fêmeas. Determinaram duas modas de maturação sexual, uma de junho a agosto e outra em novembro. Gomez (1996) também estudou a biologia reprodutiva da dourada e da piraíba no setor de Araracuara de Novembro de 1994 a Setembro de 1995. Detectou que a maturação gonadal da dourada se dá entre maio e julho e para a piraíba de julho a Setembro. A fecundidade média da dourada foi de 567.832 óvulos e para a piraíba de 567.832. Confirmou alta freqüência de estômagos vazios (94,34% para a dourada e 87,9% para a piraíba). A dieta alimentar é piscívora, composta por 17 espécies distribuídas por 11 famílias. Para a dourada as espécies predominantes foram: Callophysus macropterus, Pimelodus blochii, Plagioscion squamosissimus, Anostomus sp. Para a piraíba foram Callophysus macropterus e Hypophthalmus edentatus. O comprimento médio de captura para fêmeas de dourada foi de 100 cm e para machos 85 cm. Para a piraíba os valores foram 131 cm e 95 cm, respectivamente. O comprimento médio de primeira maturação para as fêmeas de dourada foi de 103 cm e machos 88 cm. Para a piraíba os valores foram 146 cm e 98 cm, respectivamente. Deve-se ressaltar a diferença da dieta da dourada do trabalho de Celis (1994) em La Pedrera, denotando talvez seu oportunismo alimentar. Muñoz-Sosa (1996) estimou as equações de crescimento de von Bertalanffy para a dourada no baixo Caquetá: Lt = 176 * (1 − exp (− 0,0777 * (t + 1,12235 ))) e para a piraíba: Lt = 221 * (1 − exp (− 0,1126 * (t − 0,8085))) As taxas de sobrevivência também foram estimadas: para a dourada foi S = 46% e para a piraíba S = 78%, na região. As idades de primeira maturação foram estimadas em sete anos para a dourada e seis anos para a piraíba. Note como as taxas de crescimento desses animais são baixas, as idades de primeira maturação altas, implicando que seus estoques devem ser monitorados com muito cuidado. Anzola (1997) avaliou a situação da pesca em Letícia, Tarapacá (Putumayo) e La Pedrera e informa que a capacidade de armazenamento de pescado em Leticia é de 731 t e em La Pedrera, 37 t. Em La Pedrera, de Novembro/93 a Outubro/94, 300 t, das quais 66,2% foram capturadas em território colombiano, o restante veio do Brasil da região de Vila Bittencourt. A principal problemática por ele apontada em La Pedrera se centra nas diferenças existentes entre colonos e indígenas que competem pelo recurso e que a população da cidade depende dos intermediários para a obtenção de produtos de primeira necessidade, pois não há estradas ligando o município ao resto do país. Em Letícia as principais deficiências apontadas se referem à precariedade da infra-estrutura de desembarque e o processamento primário do pescado. Além disso o autor se refere ao alto custo e dificuldade de obtenção dos equipamentos de pesca. As regulamentações com respeito ao uso de artes e métodos de pesca não são obedecidas pelos pescadores, que operam em áreas proibidas. Com relação a Tarapacá por não haver facilidades de estocagem de pescado e a baixa densidade demográfica do corregimiento não faz referências específicas. Faz um relatório detalhado da pesca ornamental, onde se destaca a aruanã Osteoglossum bicirrhosum. Alonso (1998) estudou a pesca e seu esforço sobre os grandes bagres no setor de Araracuara, abrangendo 222 km do rio de Outubro/95 a Outubro/96, com produção total de 111.612 kg. As cordas capturaram 41%, o arpão 31% e a malhadeira 26% do total e 52% das capturas ocorreram na própria cachoeira. Listou 456 pescadores no trecho, dos quais 226 operam na cachoeira de Araracuara. Detectou 22 que as variações nas capturas são explicadas pelo número de pescadores, locais de pesca e período hidrológico. Muñoz-Sosa (1999) descreve as pescarias no Caquetá nas cachoeiras de Araracuara e Córdoba e dividiu o período hidrológico em 4 fases distintas: • P.I – período da seca – de Janeiro a Março, onde a captura é intensa e se destaca o uso do arpão, embora seu uso seja proibido. Para o ano de 1992, a captura total em Araracuara foi de 41.500 kg e em La Pedrera, 15.200 kg; • P. II – período de aumento de nível – de Abril a Junho, onde o pescado começa a escassear e ficar difícil de capturar, devido à dispersão na várzea alagada. Os grandes bagres permanecem no canal principal e provavelmente migram rio abaixo. Nesta época as artes de malha são mais usadas Em 1992 a captura total em Araracuara foi de 20.860 kg e em La Pedrera, 32.200 kg; • P.III – período de inundação – do final de Junho até a metade de Setembro, quando o nível da água alcança seu máximo. A captura ainda é difícil, os grandes bagres continuam a migrar rio abaixo e também se escondem em águas profundas e correntosas. Em 1992 a captura total em Araracuara foi de 15.000 kg e em La Pedrera, 15.300 kg. • P. IV – período de descida do nível – da metade de Setembro até o final de Dezembro. Os peixes deixam a várzea e os pequenos rios e migram rio acima pelo canal principal, acompanhados pelos grandes bagres. As capturas aumentam e várias artes são empregadas. Em 1992 a captura total em Araracuara foi de 40.700 kg e em La Pedrera, 49.700 kg. Em Araracuara a arte mais importante para o ano de 1992 foi o arpão, que capturou 75.2% dos 118.060 kg, e as malhas capturaram 20%. Em La Pedrera as malhas foram mais importantes, perfazendo 85% dos 112.000 kg. Os peixes capturados no Caquetá pertenceram a 14 espécies, mas as capturas foram dominadas pela dourada (48.49%) e pela piraíba (39.82%). As capturas de piraíba e dourada foram mais altas durante o período IV. Dez das 14 espécies foram Pimelodídeos migradores, perfazendo 99% das capturas em peso Muñoz-Sosa (1999). Pelas referências descritas, se vê que a situação dos estoques da dourada e da piraíba no Caquetá ainda é adequada. Porém em Leticia o desembarque em 1999 alcançou 10.159 t (onde a dourada foi responsável por 18,7%, seguida pelos pintadillos 16,4%, baboso, 9,8%, pirabuton ou piramutaba, 9,3%, num total de 22 espécies). Deve-se ressaltar que o desembarque de piraíba para 1999 foi de apenas 1,7% (pescado fresco), e em 1990 essa espécie foi a segunda em importância sendo responsável por 32% (pescado fresco) de um total de 5.630 t, representado por 12 espécies (Oficina INPA - Letícia, dados não publicados, Figuras 2 e 3). Porém sem dados contínuos de esforço pesqueiro (que são impossíveis de serem obtidos, pois Letícia é somente um centro acopiador de pescado, que normalmente chega em lotes onde são reunidos capturas de vários pescadores ao longo da calha, e a informação sobre o esforço pesqueiro se perde no processo) ou de amostragens de freqüência de comprimento, é impossível de se afirmar o que está ocorrendo com seu estoque ocasionando queda tão dramática, o que é sempre um péssimo sinal, indicando sobrepesca e extinção comercial. Parece que a fração do estoque da piraíba que continua a subir o Solimões depois de Tefé (onde se situa a foz do Japurá/Caquetá) não está conseguindo suportar o intenso esforço pesqueiro devido ao mercado comprador de Letícia. Isto reforça a preocupação de não se permitir o aumento das capturas dos grande bagres nas duas cachoeiras do Caquetá, porque se esses animais, conforme ocorre com algumas espécies de salmão do Pacífico Onchorhynchus e do Atlântico Salmo, exibirem o homing behaviour que é o comportamento de retornar aos locais onde seus ovos foram fecundados (Cooper & Hirsch, 1982), 23 poderá ocorrer sua extinção comercial nesse rio. Isso seria desastroso para a economia do baixo Caquetá, principalmente para La Pedrera, que não tem outra alternativa de vida. Note ainda nas Figuras 2 e 3 que a dourada atingiu um pico em 1991 e se estabilizou em 1995 em torno de 2.000 t/ano. A diminuição da piraíba provavelmente impulsionou as capturas do baboso e da mota, de menor valor comercial, à partir de 1990. Ademais, os adultos e sub-adultos da dourada (como a piraíba) estão sendo capturados em toda calha do Amazonas e em seus afluentes principais, e a pesca de dourada no estuário Amazônico é baseado em jovens imaturos, e sua pesca não é acidental, tendo em vista que a dourada é o principal peixe desembarcado no Ver-O-Peso e a média é de 60,5 cm, enquanto que no alto Caquetá a média é de 104 cm (Barthem & Goulding 1997). Os juvenis da piramutaba são capturados em quantidades ainda muito maiores por redes de arrasto, que é seu berçário (mas não da piraíba). Assim também há perigo de colapso do estoque da dourada que além disso é mais capturada pela rede hondera, que é o aparelho mais eficiente na captura dos grandes bagres migradores. Além disso, conforme me informou o Dr. Ronaldo Barthem do MPEG – Belém, as dragas de garimpo de ouro aluvionar parecem “espantar” os grandes bagres migradores, interferindo com sua migração reprodutiva rio acima. Nas cabeceiras do rio Madre de Diós no Peru, um dos locais onde a dourada desova, segundo o Dr. Barthem, atualmente há um enorme garimpo em operação, talvez o maior da Amazônia. O estudo de peixes contaminados por garimpo na Amazônia e suas conseqüências para a saúde humana está bem documentado (Petrere, 1992a; e principalmente Boischio & Henschel, 1996; Bourgoin, et. al., 1999 são exemplos de literatura mais recente). Se esses animais realmente se reproduzem no sopé dos Andes como é suposto, o desmatamento das cabeceiras dos grandes rios, a construção de represas e a mineração devem ser monitorados com mais rigor (Muñoz-Sosa, 1996; Barthem & Goulding, 1997). A Tabela 5 dá mais informações sobre esses bagres migradores. O Prof. Dr. Ronaldo Barthem, um dos maiores especialistas em ecologia de bagres da Amazônia me auxiliou na sua confecção. Rodriguez (1992, 1999) são a referência clássica para os estudos antropológicos e minuciosa descrição das pescarias nas duas cachoeiras, com informações, fotos e figuras ilustrativas. 24 Tabela 5. Principais peixes de couro comercializados na região amazônica, com área de desova, crescimento e hábitos alimentares Pescado Dourada Área de desova Realiza longas migrações rio acima na época da reprodução, que supostamente ocorre nas áreas de cabeceiras. Os adultos não voltam para a foz depois da desova. Piraíba Desova em qualquer lugar. Inclusive o Dr. Barthem já capturou piraíbas ovadas no estuário. Realiza migrações rio acima na época da reprodução e a desova ocorre em locais ainda indeterminados. Cabeceira dos rios e poços (não tem local determinado para desova). Ocorre durante a enchente. Elas desovam também na várzea Lagos e canal, ocorrendo na enchente, havendo um prolongado período de desova. Alto Solimões, reproduzindo-se no início da enchente. Desova em vários ambientes, no início da enchente. Jaú Surubim Caparari Piramutaba Pirarara Área de crescimento Na foz do Amazonas e na sua calha, incluindo os rios de água branca, preta e clara; cresce enquanto sobe. Hábito alimentar Predador, ataca cardumes de peixes menores, principalmente de escama. Entra nas várzeas durante a noite, retornando às águas fundas e escuras do canal antes nascer do dia. No estuário e calha. Alimenta-se junto ao fundo, principalmente pequenos bagres e cardumes de peixes de escama Na calha, cresce enquanto sobe. Predador, alimenta-se de peixes. Esta é uma espécie muito comum em corredeiras. Rios e lagos. Rios e lagos. Predador, com tendência a consumir peixes de escama e camarão. Predador, alimenta-se de peixes quando adulto, principalmente Gymnotiformes. No estuário próximo a Baía de Predador pouco seletivo. Marajó e na calha. Rios, lagos e parte oeste do Invade os lagos e igapós a procura estuário. de frutos, juntamente com peixes, crustáceos e caramujos. 25 Captura por espécie 12000 Captura (t) 10000 8000 6000 4000 2000 0 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 97 99 ano Dourada Piraíba Pir (seca) Mota Baboso Total Figura 2. Captura total (t) e anual para as algumas espécies do pescado desembarcado em Letícia (INPA/Letícia). Captura proporcional por espécie Captura relativa (%) 100 80 60 40 20 0 77 79 81 83 85 87 89 91 93 95 97 99 ano Dourada Piraíba Pir (seca) Mota Baboso Figura 3. Proporção da captura total anual para algumas espécies do pescado desembarcado em Letícia (INPA/Letícia). 26 2.5 Classificação dos pescadores Barthem et al. (1992) definiram cinco categorias de pescadores na Amazônia: citadino, interiorino, indígena, esportivo e ornamental. Desses, somente os três primeiros têm importância para a pesca que abastece a população local. 1. O pescador citadino é aquele que vive na cidade e já perdeu sua ligação com a terra ou com qualquer outra forma de obtenção de renda ou de recursos da mesma. Nesse grupo são incluídos os pescadores que trabalham nas frotas pesqueiras de Manaus e Belém e que abastecem outros centros urbanos da região. Correspondem, assim, ao conjunto de pescadores mais especializados, que vivem embarcados quase o ano todo. 2. O pescador interiorino vive na zona rural e ainda tem alguma relação com a terra. A pesca é responsável por parte de sua renda, podendo ser a principal fonte de renda ou complementar à renda de outras atividades relacionadas ao trabalho no campo, como a roça, extração de madeira ou criação de gado. O pescador interiorino pesca basicamente para a subsistência e pode vender o excedente. 3. O pescador indígena é muito semelhante ao interiorino, tem fortes laços com a terra e pesca basicamente para a subsistência. Difere do anterior pela forma de distribuição dos bens obtidos pela pesca, que é estabelecida pela cultura de cada tribo. 4. O pescador esportivo vive na cidade, investe na compra de material de pesca sem nenhum interesse econômico, e sua presença nas áreas de pesca depende da infra-estrutura turística da região. 5. O pescador ornamental está mais relacionado com o mercado de exportação. O investimento relacionado com essa pescaria, altamente especializada, é decorrente do preço do mercado externo e é alheio à região. 2.6 O Sistema de comercialização Magnavita & Flores (1989) fizeram minucioso levantamento dos processos de comercialização para os estados do Amazonas e Pará, que são bastante semelhantes e podem ser estendidos para o restante da bacia, com ligeiras modificações locais. A lenta comercialização é um fator limitante para o melhor aproveitamento do pescado, principalmente em Manaus, onde, na época da safra, um barco pode demorar até 12 dias para vender sua carga, pois a cidade não possui um moderno entreposto pesqueiro para estocar o pescado. O governo do Estado do Amazonas em Manaus tem capacidade para estocar 2.000 t de pescado para manter o preço durante a entressafra, mas essa capacidade é insuficiente. Os despachantes (intermediários) mais antigos estimam uma perda de 30% do pescado na época da safra, pois o pescado já vem mal congelado da pescaria e, com a lenta comercialização, parte se deteriora. Nas pequenas cidades, grande parte da produção pesqueira é comercializada fresca. Os centros urbanos maiores possuem um pequeno depósito frigorífico no mercado local, em geral subdimensionado, para armazenar o pescado. 27 O preço do pescado é ditado pelo mercado e em menor grau pelo despachante, que faz com que o dono da embarcação receba seu dinheiro à vista, cobrando dele uma taxa de 10% por seus serviços. Quando o despachante compra a alimentação e o diesel para as viagens, esta taxa sobe para 15% da receita bruta da embarcação. Em dezembro de 1989, no final da época de safra, Magnavita & Flores (1989) observaram que o preço médio das espécies de primeira categoria (tucunaré, pescada, acará-açu Astronotus ocellatus) pago para o dono do barco era de US$ 0,90/kg, chegando ao consumidor por US$ 2,00/kg, uma flutuação de preço que pode variar de 100% a 300% do preço pago ao armador. Os canais de comercialização do pescado variam de acordo com o mercado a ser abastecido, isto é, comercialização local, interestadual e internacional, e segundo o tipo de pescado desembarcado, isto é, fresco-inteiro, salgado, eviscerado e eviscerado-resfriado. Em termos de intermediação, a comercialização local, onde a produção é comprada dos pescadores pelos retalhistas, que a repassam, na forma fresca-inteira aos consumidores, envolve 1 a 2 níveis de transação comercial, enquanto a interestadual envolve 3 a 4 níveis. Em geral, observa-se um aumento de até 500% entre o preço pago ao pescador e o preço final, principalmente no caso do jaraqui em Manaus, que na safra é vendido em lotes de 100 unidades e no varejo, por unidade ou lotes de 3-5. Zamudia (1989) descreve a estrura comercial e a comercialização do pescado em Letícia. Os pescadores geralmente vendem seu produto em Letícia ao mesmo comprador, mas aqueles que não possuem meios de transporte se vem obrigados a vendêlo a compradores que descem o rio, evitando o transporte a Letícia e daí pagando preços mais baixos. Do pescador até o consumidor, o pescado percorre 5 níveis de comercialização aumentando de preço até 400% até chegar no varejo em Bogotá. O preço do pescado flutua diariamente, dependendo da oferta/demanda, que é muito dependente da altura do rio. Bocanegra (1993) faz mais ou menois a mesma descrição de Zamudia (1989) chmando a atenção que em Letícia, a demanda de peixes de couro é sempre maior que a oferta, o contrário ocorre com os de escama 2.7 Importância socioeconômica e cultural da pesca O potencial pesqueiro da bacia amazônica situa-se em torno de 425 mil a 1,5 millhões de toneladas/ano (Petrere, 1992b) e no estuário em torno de 385 a 475 mil toneladas/ano (Dias Neto & Mesquita, 1988). Até o século passado, a pesca era realizada com petrechos desenvolvidos pelos ameríndios, utilizando canoas de madeira (Veríssimo, 1985). No decorrer do século 20, novos petrechos de pesca foram sendo incorporados à atividade, como a malhadeira, a arrastadeira (arrastão de praia) e a redinha (rede de cerco); e os barcos pesqueiros foram equipados com caixas e urnas de gelo (Ribeiro & Petrere, 1990). As velhas práticas de salgar e defumar o pescado se tornaram secundárias nos mercados, que passaram a manter um abastecimento regular de pescado conservado em gelo (Meschkat, 1958). Estes fatos propiciaram o desenvolvimento de uma classe de pescadores 28 semi-artesanais, que recentemente se profissionalizou ao regularizar o abastecimento dos mercados de peixe das principais cidades da região, principalmente das capitais (Barthem et al., 1992). A introdução de novas tecnologias relacionadas à pesca e à conservação do pescado, a profissionalização do pescador e o aumento da demanda de pescado pelos centros urbanos em crescimento foram fatores que induziram o aumento do esforço de pesca sobre os estoques pesqueiros já explorados e os ainda subexplorados da bacia amazônica. O governo federal iniciou no final da década de 60 uma política oficial voltada para estimular a pesca como atividade econômica expressiva na Amazônia. A intervenção federal acelerou o desenvolvimento da pesca na região que, por meio de subsídios do estado, aumentou sua frota e adotou novas técnicas pesqueiras. A partir de 1968, empresas frigoríficas começaram a se instalar na Amazônia com o objetivo de comprar, beneficiar e estocar pescado para o comércio nacional e internacional (Penner, 1980). Com a exportação de pescado, a pesca passou a ser uma atividade bastante lucrativa, ocupando, em 1980, o nono item na lista de produtos de exportação do estado do Pará, cerca de US$ 13 milhões (CACEX-Banco do Brasil, 1980). Estima-se que a piramutaba respondia por 90% dessas exportações, que, em 1986 e 1987, foram inferiores apenas às exportações de atum inteiro ou descabeçado e do pargo em postas. Se considerarmos que a captura de pescado na Amazônia situase ao redor de 200 mil t/ano e o preço do pescado em torno de US$ 2,00/kg, a pesca artesanal movimenta anualmente cerca de US$ 400 milhões. A população que habita as margens dos grandes rios amazônicos, principalmente do Solimões-Amazonas, consome mais pescado que a média geral de outras regiões do Brasil ou do mundo. Em Manaus, o consumo de pescado é aproximadamente sete vezes maior que o consumo dos países do primeiro mundo (Shrimpton & Giugliano, 1979). Como já mencionado, o rápido desenvolvimento da pesca ao longo do rio Amazonas gerou uma série de conflitos entre diferentes classes de pescadores (Penner, 1980; Mello,1985 e 1989; Loureiro, 1985; Hartmann, 1989). Atualmente, os principais problemas relacionados com o manejo da pesca na Amazônia podem ser resumidos nos seguintes ítens: a) produção pesqueira ignorada - O sistema de coleta de desembarque comercial para a Amazônia central foi descontinuado no início da década de 80, e só agora com o trabalho da Fundação Universidade de Manaus, do Projeto IARA em Santarém e do Museu Goeldi, em Belém e Tefé, novos dados de captura e esforço, estarão disponíveis na literatura, permitindo comparações com o passado, para buscar tendências em relação à abundância dos estoques na região. Na Colômbia há um serviço de coleta de dados apenas de captura nos entrepostos de Letícia, controlado pelo INPA (Instituto Nacional de Pesca e Acuicultura) com descontinuidade para o ano de 1989, conforme se vê nas Figuras 2 e 3; b) população e tipo de economia sustentadas pela pesca bastante heterogêneas (densidade populacional e desenvolvimento econômico); c) pesca distribuída em uma área muito ampla e com diferenças fundamentais em relação ao tipo de ambiente e à produtividade pesqueira, principalmente no alto Solimões onde a pesca depende dos compradores de pescado de Letícia. 29 d) grande diversidade de tipos de pescadores e aparelhos de pesca, que exploram outra grande diversidade de espécies de peixes (pesca de multiaparelhos e multiespecífica). A perspectiva para o futuro próximo é a de um contínuo crescimento da demanda de pescado pela população local e para exportação. A população continua crescendo, há grande migração humana para a região e o número de câmaras frigoríficas está aumentando, estimulado pelo preço atual do pescado e pela disponibilidade de energia elétrica a custo mais baixo, após a inauguração da hidrelétrica de Tucuruí. Com isso, a pressão sobre os estoques já explorados, como peixes de couro, tambaqui e pirarucu, e dos mais explorados, como a piramutaba, deve se manter. A exportação da piramutaba, por exemplo, caiu de US$ 13 milhões (1980) para um pouco mais de US$ 3 milhões (1986), o que representou uma queda na produção da pesca industrial de 22.486 t (1977) para 10.684 t (1990). Por outro lado, um aumento do esforço de pesca sobre várias espécies de potencial ainda desconhecido, principalmente do estuário amazônico, como a dourada e a piramutaba (Barthem et al., 1992), também é esperado. O declínio do estoque explorado é o "pecado capital" da administração pesqueira, pois reflete a falência da política adotada (Pauly, 1983). Nas condições atuais da pesca na Amazônia, em que não existem registros estatísticos sobre esta atividade para toda a bacia, teme-se que o futuro de uma das principais fontes protéicas e de garantia de emprego para a sociedade regional esteja ameaçado. O declínio de alguns estoques, como da piramutaba, do tambaqui e do pirarucu, reflete esta preocupação, pois pode ser atribuído à chamada tragédia dos comuns, ou seja, o fracasso da administração de um bem de acesso aberto à toda a sociedade (Hardin, 1968; Chapman, 1989). Porém, para se estabelecer uma estratégia de manejo para a pesca na região amazônica, que é complexa, necessita-se a priori de uma definição do objetivo a ser alcançado e das categorias de pescadores, pescarias e estoques pesqueiros que deverão ser incluídos no programa de manejo (Barthem et al., 1992). 2.8 Estratégias tradicionais de manejo Até recentemente, as pescarias artesanais eram manejadas apenas através de portarias governamentais sem ouvir os interesses das comunidades tradicionais de pescadores. O centro das atenções era o próprio estoque, manejado através de proibições de uso de aparelhos, restrições ao tamanho da malha, época de desova, etc. Atualmente essa situação mudou para um aspecto mais sociológico denominado manejo comunitário. Visando apenas o estoque, no início da década de 80 foram discutidas quatro medidas de manejo pesqueiro para a Amazônia: i. Proibição permanente da pesca comercial: é uma opção claramente injusta e irreal, já que negaria o acesso da população a uma fonte de proteína barata. No entanto, poderia ser possível o fechamento temporário de áreas selecionadas, tais como um sistema fluvial ou uma planície alagada ou uma represa. Um fechamento mínimo de três anos permitiria a maior parte das espécies se reproduzirem e reconstituírem seus estoques. Essa opção contribuiria para a conservação dos estoques das espécies não migradoras. Também poderia 30 ii. iii. iv. servir como ponto de referência para o sucesso ou o fracasso de estratégias de manejo aplicadas em outras partes da bacia. Manutenção da diversidade de captura atual: manejar a pesca para preservar a diversidade atual das espécies é, talvez, o mais difícil de ser realizado, devido a deterioração geral das comunidades de peixes sob pressões demográficas e econômicas. Com o passar do tempo, há o predomínio de espécies cada vez menores e de baixo valor comercial. Na bacia amazônica ainda existem áreas inexploradas, nas quais os pescadores podem capturar espécies tradicionais de maior porte, mesmo que essas viagens sejam progressivamente mais longas. Isso é, de certa forma, uma tentativa de adaptar essa estratégia, mas não é sustentável, já que a diminuição dos estoques terminará por esgotar a capacidade da comunidade como um todo. Tentativa de regulamentar uma produção sempre máxima: a procura de uma produção máxima é difícil, à medida que há freqüentes conflitos entre o rendimento máximo sustentável por peso e o rendimento máximo econômico. A tendência das pescarias de muitas espécies de manter um nível constante de rendimento por peso, mediante uma lenta degradação no tamanho e valor do pescado, complica ainda mais o problema. No entanto, em algumas áreas, principalmente próximas das grandes cidades, onde os estoques das espécies maiores e preferenciais já estão esgotados, as pescarias ainda são suficientemente diversas e espécies de menor valor comercial podem ser capturados com pequeno investimento e, portanto, render lucro suficiente aos pescadores. Não fazer nada: é freqüentemente aquela adotada, ou intencionalmente ou por falha administrativa. Deve ser evitada porque leva inevitavelmente à progressiva redução do recurso, conhecido como “Tragédia dos Comuns”. Uma vez que o estoque pesqueiro é um recurso aberto (ninguém é dono dele), os pescadores que chegam primeiro tendem a explorá-lo sem deixar nada para os que vêm depois, na tentativa de obter o maior lucro possível. Também não haveria limite ao acesso, de modo que a pesca tenderia a absorver o excesso de mão de obra, levando a exagerada pressão sobre o estoque. A melhor estratégia de manejo talvez seja uma mistura das opções acima, combinadas de diferentes maneiras, segundo as circunstâncias locais. O manejo de espécies migradoras necessita de um cuidado especial, dada a extrema complexidade de seus deslocamentos. As considerações a seguir são baseadas nas propostas de especialistas reconhecidos na área. a. Acesso limitado: O acesso irrestrito é a causa principal de muitos problemas de manejo de pesca e o maior obstáculo à sua solução. Portanto, as autoridades competentes devem procurar medidas para limitar tal acesso. Este processo geralmente introduz um dilema moral, já que uma injustiça é sempre inerente à reserva de um recurso anteriormente comum a um grupo limitado de usuários. No entanto, experiências mundiais já demonstraram que o acesso aberto a recursos naturais inevitavelmente leva à sua degradação e perda para a 31 b. c. d. e. sociedade. A maioria dos sistemas tradicionais de manejo se relacionam com a determinação do direito de acesso à pesca e, onde esses já estão em vigor, devem ser reforçados com a legislação. Fora das comunidades tradicionais, os sistemas para limitar o acesso na Amazônia devem se basear no comportamento da pesca. O número de pescadores por estação tende a flutuar espontaneamente, de acordo com o lucro da estação passada. Reforçar e racionalizar esta tendência, por meio da restrição do número de barcos, utilizando um sistema de licenças, pode ser uma solução parcial, apesar de poder criar problemas durante períodos de menor abundância, quando os barcos tendem a penetrar em sistemas frágeis, como o rio Negro, para preencher seus porões. Além disto, com densidades de apenas 0,04 pescadores/km2 o número de pescadores é um problema menor do que seu poder de pesca individual. Restrição às artes de pesca: existem tentativas freqüentes de restringir o uso de certas artes de pesca na Amazônia. Em Manaus, as autoridades tentam impedir o uso de arrastadeiras, que podem ter 600m de comprimento e 13m de profundidade, na pesca do jaraqui. No entanto, 85% do jaraqui do rio Negro é capturado com este petrecho, e uma simples proibição pode redundar em um decréscimo da oferta de proteína para a porção mais pobre da população de Manaus, que depende dessa espécie durante as cheias, quando ela contribui com 40% da captura. Controle do tamanho da malha: costuma-se pensar que aumentar o tamanho da malha é uma maneira simples de proteger o estoque pesqueiro e regulamentações a esse respeito são comumente aplicadas sem critério em rios latino-americanos. A situação é mais complicada como pode ser demonstrado pelos arrastos de praia e redes de cerco usadas na Amazônia central. Estas possuem malhas pequenas (que não emalham peixes pequenos, possibilitando a soltura dos exemplares ainda vivos após a despesca) e não são consideradas seletivas para as espécies migradoras, que constituem a base do desembarque pesqueiro de toda a bacia. Os jaraquis menores são geralmente liberados pelos pescadores durante a despesca, para que prossigam sua migração rio acima. Se a malha fosse aumentada, esses jaraquis, ficariam emalhados e sua mortalidade aumentaria. A regulamentação brasileira atual (IBAMA Portaria Nº 47) proíbe a captura de jaraquis menores que 15 cm, mas tais capturas são evitadas pelo uso de malhas menores. Proibições sazonais: às vezes torna-se necessário proibir a pesca por um certo período durante a seca, para proteger os cardumes de espécies migradoras que ficam muito concentrados e bastante vulneráveis. Atualmente existem nos três países Portarias de defeso (veda) para as espécies na época da reprodução. Reservas: áreas de particular importância ecológica ou biológica devem ser reservadas apenas para a pesca da população local. Normalmente, em tais ambientes, verificam-se conflitos entre os pescadores comerciais 32 mais eficientes e a pesca de subsistência local. Essa estratégia de criação de locais reservados, de acesso restrito à pesca de subsistência, já foi adotada com sucesso em algumas cienagas (lagos de várzea) do rio Magdalena, na Colômbia. Além das estratégias de manejo apresentadas anteriormente, foram estabelecidas algumas diretrizes adicionais para o manejo pesqueiro na região. As sugestões aqui apresentadas estão direcionadas de acordo com a revisão da legislação da pesca amazônica. Considerando a interação entre as diferentes categorias de pescarias, pescador e espécie de peixe, a combinação das restrições para o manejo da pesca sobre os diferentes estoques podem ser agrupadas em três categorias: a. Manejo para espécies migradoras: o caso mais evidente da pesca sobre espécies que realizam extensas migrações é o da piramutaba. A principal frota que a captura é a da pesca industrial, que também é a principal responsável pelo risco de sobrepesca (pescar mais que o ideal) que ameaça o estoque no momento. Como esta frota está centralizada no estuário e é administrada por um número reduzido de empresas, a sua pesca apresenta características propícias para um manejo clássico de controle de esforço de pesca e limitação do tamanho de malha. A captura da piramutaba pela pesca artesanal é de menor relevância e, ainda assim, é realizada por aparelhos que dificilmente irão sobrepescar o estoque. Como já foi mencionado dourada é outra espécie que parece realizar extensas migrações e é capturada por grande diversidade de categorias de pescadores e de pescarias. A elaboração de uma estratégia de manejo para esse estoque deverá abordar uma complexa combinação de restrições. Porém, não há indícios, até o momento, que este estoque esteja sobrepescado, embora o esforço pesqueiro em cardumes rio acima esteja aumentando muito, devido aos frigoríficos que estão comprando esse pescado preferencialmente, o que justifica a adoção de alguma forma de manejo para a espécie (Ruffino & Barthem, 1996), enquanto mais informações sobre a sua biologia e captura vão sendo obtidas. Grande parte das pescarias do Alto Solimões e Baixo Caquetá são baseadas nessa espécie. b. Manejo para espécies sedentárias: os lagos e as áreas sazonalmente alagadas abrigam uma comunidade de peixes que pode ser considerada sedentária (migram pouco ou não migram) e cujas espécies são representadas pelo tucunaré, pescada, acarás, acaris e cascudos, tamoatá, aruanã, pirarucu, etc. Os problemas da pesca desses estoques estão relacionados à diminuição da captura nas áreas densamente povoadas, o que gera conflitos entre pescadores comerciais e artesanais; entre pescadores moradores nos lagos e seus vizinhos; e, até mesmo, entre diferentes grupos de uma mesma comunidade ou vila. Nessa condição, a estratégia de manejo abordaria a área delimitada pelo conflito entre pescadores, e as espécies que seriam beneficiadas por este manejo seriam aquelas de comportamento mais sedentário. O manejo de lagos ou de áreas alagadas deve ser feito com o apoio de todos os segmentos da sociedade envolvidos na questão, que seriam as vilas e cidades, Prefeituras, Colônias de Pescadores etc. Tendo em vista que os lagos de várzea, que margeiam o eixo Solimões-Amazonas, apresentam variações quanto à sua exploração e ao conflito entre os pescadores que os exploram, sugere-se que se tenha 33 como base para adoção de qualquer restrição da pesca nesta áreas um levantamento que estabeleça: (1) o zoneamento de conflitos entre pescadores e suas graduações; (2) o mapeamento dos lagos onde já foram estabelecidas as reservas por parte das comunidades, de modo espontâneo ou já oficializado pelo IBAMA; e, (3) o mapeamento das áreas mais produtivas, onde há uma exploração constante pela pesca comercial. Com base nisso, os métodos de manejo devem abordar medidas do tipo: programa de educação ambiental para os pescadores que têm acesso à área manejada; proteção dos lagos em diferentes períodos ou rodízio de lagos (pulse fishing); e reserva de lagos para pescadores de subsistência (reserva extratitivista). c. Manejo para espécies migradoras que utilizam a várzea durante parte de seu cicio anual ou vital: as espécies que vivem sazonalmente em áreas alagadas e utilizam o canal como via migratória são capturadas em ambos os ambientes por diferentes tipos de pescadores e de categorias de pescarias. Essas espécies são representadas pelo tambaqui, curimatã, pacu, aracu, etc. O canal é uma via natural de navegação, de forma que é impossível evitar o trânsito dos barcos pesqueiros no período em que as espécies estão migrando. Além disso, a introdução de qualquer tipo de policiamento ao longo desse canal é cara e ineficiente, o que torna bastante difícil a adoção de qualquer forma de restrição à pesca nesse ambiente, como ocorre no rio MississipiMissouri. No entanto, durante sua fase jovem ou quando estão nas várzeas, os peixes podem ser protegidos nos lagos ao se adotar as medidas restritivas já mencionadas. Isto permitiria evitar a captura de jovens, que fazem desse ambiente sua área de criação e evitaria a sobrepesca por crescimento, que pode ser um importante fator no declínio do estoque de algumas espécies de valor comercial, como parece ser o caso do tambaqui. Além disso, a reserva de lagos contribuiria para a diminuição do esforço de pesca sobre os estoques em geral. Como essas espécies migram todo o ano, a manutenção dessas reservas criaria um refúgio ou uma área de crescimento temporário para os cardumes migradores, que, ao se dispersarem na próxima estação, repovoariam as áreas alagadas ou lagos que são explorados normalmente pela pesca comercial. Além da preservação dos lagos, deve-se definir também as rotas migratórias a fim de proteger os cardumes migradores durante a sua saída dos lagos. Neste momento, os cardumes encontram-se mais vulneráveis às redes, por estarem em um estreito canal. Caso seja permitida a pesca nessas situações, toda proteção realizada dentro do lago pode ficar comprometida. É urgente e necessário fortalecer e ampliar os sistemas de coleta de desembarque em andamento sob a responsabilidade da FUA em Manaus, do Projeto Mamirauá em Tefé e do Museu Paraense Emílio Goeldi em Belém, através do CEPNORTE/IBAMA, via convênios ou projetos conjuntos. Nos Estados do Acre e Rondônia as estatísticas de desembarque são inexistentes. Na Amazônia colombiana as séries são descontínuas. Estudos para melhorar o armazenamento de pescado são necessários para reduzir o desperdício, concomitantes com a construção de modernos entrepostos para desembarque e estocagem do produto, que forçosamente irão contribuir para a diminuição da influência dos intermediários – que ditam o preço do dia do pescado – acarretando seu barateamento. Com o aumento da capacidade de armazenamento, os preços na entressafra e na época de maior procura 34 na Semana Santa, não iriam flutuar tanto, pois haveria estoques reguladores. Porém, os três governos devem apenas construir e alugar as instalações dos entrepostos para particulares, a fim de evitar a corrupção do sistema. Alem disso é necessário incentivar mini empresas para fabricação de fishburgers de espécies de menor valor comercial. Castelo (1992) fez uma série de experimentos com pescado barato, com espinhas na carne e concluiu que a fabricação de fishburger na região amazônica é viável. A formulação pesquisada teve boa aceitação quanto ao paladar, fica estável quando congelada em freezer até 3 meses, sem alterar suas características sensoriais. A aceitação por 93% das crianças de 4 a 6 anos de idade, permite sua inclusão no cardápio da merenda escolar. O crédito para compra de barcos e petrechos de pesca mais sofisticados – ao qual o pequeno pescador dificilmente tem acesso – deve ser facilitado pelos bancos oficiais da região, através das Colônias de Pescadores, para transformá-lo em proprietário de seu meio de produção, com conseqüente aumento de sua produtividade. Finalmente, é necessário se estabelecer uma política de pesca para a Amazônia em nível institucional (internacional, federal, estadual e municipal), com o fortalecimento do IBAMA no Brasil e do SINCHI, INPA e CORPOAMAZONIA na Colômbia, que vêm realizando notável trabalho na região, ao consultar a comunidade científica – que está estudando os estoques pesqueiros – os pescadores e os empresários, reformulando a legislação. Visando uma abordagem mais moderna e realista, vamos discutir alguns aspectos do manejo comunitário, que é muito desenvolvido em países industriais, principalmente no Japão onde os sistemas comunitários de conservação e ordenação da pesca estão institucionalizados e têm vigência. Nesses sistemas, os pescadores ou as cooperativas que os agregam, desempenham uma função de primeira ordem no processo de adoção de decisões. Em geral essa prática garante a sustentabilidade e a eficiência econômica da pesca (FAO, 1995). 2.9 Considerações sobre o sistema de manejo comunitário de recursos pesqueiros O manejo comunitário está inserido no sistema de gestão participativa, que é entendido como o contínuo entre dois extremos, o manejo governamental e o comunitário, existindo diferentes níveis escalonados administrativamente. No Estado, dividem-se os níveis federal e estadual (provincial ou departamental). Na sociedade civil, a ação é desenvolvida por organizações nãogovernamentais, compreendidas as colônias de pescadores profissionais, as associações e cooperativas, entre outras. O mecanismo de gestão participativa articula a interface Estado/Sociedade Civil Organizada. A função da sociedade é exercida, primeiramente, em nível local, através de mecanismos particulares de tomada de decisão em conjunto, caracterizando o manejo comunitário. 35 A finalidade principal do manejo de estoques pesqueiros é viabilizar a atividade de pesca em níveis sustentáveis e permitir a sobrevivência dos núcleos familiares e das comunidades, evitando a ocorrência de fatores que possam conduzir à “Tragédia dos Comuns”, entendida como a falência dos inputs provenientes do recurso natural comum pela incapacidade comunitária de manejar a explotação, o que, em último caso, levaria a depleção dos estoques (Hardin, 1968). Neste mesmo contexto Muth (1996) menciona que os principais objetivos do manejo comunitário são: i) subsistência dos núcleos familiares e da comunidade, ii) o comércio. Há uma particularidade visível: a sazonalidade da atividade comercial e a necessidade contínua de alimentação para a subsistência. O manejo comunitário deve contemplar esta sazonalidade, direcionando as vias de escoamento da produção nos períodos desfavoráveis, facilitando o controle, a coleta de dados de desembarque e racionalizando a explotação dos estoques. Berkes (1985) menciona que o controle comunitário sobre o esforço de pesca parece difícil de ser alcançado nas pescarias comerciais em geral. Se um estoque não é sobre-explotado, isto se deve, provavelmente, à insuficiente demanda de mercado ao invés do controle comunitário (Béné, 1996). Através das relações externas da comunidade, influenciadas pela demanda de mercado, pode-se perceber conseqüências na estratégia de pesca, entendida como a probabilidade de escolha entre uma dada combinação de equipamentos, espécies alvo e localização geográfica. Também pode ser considerado estratégia de pesca, o conjunto de critérios de tomada de decisões que ligam um dado comportamento de pesca com os objetivos e adversidades que têm influenciado tal comportamento. Sob este ponto de vista, a estratégia de pesca é vista como um processo interno de tomada de decisões, usado pelo pescador, com respeito às suas limitações e objetivos e o comportamento do pescador como reflexão observável desta estratégia (Béné, 1996). As adversidades e limitações inseridas neste último conceito são impostas pelo sistema de incentivos econômicos na forma de ganhos (sistema de remuneração), percebidos pelos pescadores, que são incentivados pela demanda de mercado, a procurarem sempre os maiores exemplares da espécie alvo, independentemente da localização mais provável dos cardumes. Tal comportamento explica a inexistência de relação entre as variações sazonais da biomassa do estoque e a dinâmica da frota pesqueira (Béné, 1996). De acordo com Berkes (1985), a atividade pesqueira de subsistência proporciona um forte princípio de auto-limitação: enquanto na pesca marinha há grande mobilidade da frota à procura de estoques pesqueiros que ainda não tenham sofrido depleção. Na pesca continental de pequena escala, esta mobilidade não é possível; o pescador pode voluntariamente, limitar sua captura em peso. A crença de que as sociedades pré-industriais são incapazes de sobre-explotar um recurso, por causa de limitações tecnológicas, não pode ser descartada e que, de forma geral, os mecanismos de autogestão (regulamentação), presentes nos sistemas de manejo comunitário de estoques, são vulneráveis a estresses e, incluem: i) a perda do controle comunitário; ii) sobreexplotação; iii) rápido crescimento da comunidade; e iv) mudanças tecnológicas. Observa-se que, em muitos países industrializados, o controle sobre o esforço pesqueiro tem sido exercido pelos governos centrais de forma genérica para uma grande amplitude de 36 espécies, se não para a sua totalidade. Tal política é fundamentada principalmente no conceito da propriedade comum (Acheson & Wilson, 1996). No Brasil os mesmos autores mencionam que as três estratégias adotadas são: i) definição de áreas de pesca; ii) controle da tecnologia empregada; iii) proteção aos indivíduos mais jovens, que não se reproduziram, fixando tamanhos mínimos de exemplares. Os resultados imediatos das decisões comunitárias são vistos atualmente nos “Acordos Comunitários de Pesca”, relativamente comuns em açudes do nordeste (Hartmann, 1997; Barbosa & Hartmann, 1997), assim como nos grandes lagos da Amazônia. O IBAMA tem considerado ilegal qualquer decisão que imponha limitações de acesso aos estoques, conforme visto em Fischer & Mitlewski, 1997, mas é importante lembrar que o controle de acesso aos estoques isoladamente, não impede a sobrepesca, apenas facilita o manejo (Hannesson & Kurien, 1988). Os acordos comunitários podem ser transformados em Portarias dos órgãos competentes, aproveitando-se o que for legal (Fischer & Mitlewski, 1997). Existe a possibilidade legal das licenças de pesca esportivas e profissionais serem válidas em áreas determinadas e não em todo o território nacional. A territorialidade é um pré-requisito para qualquer forma de manejo comunitário, pois as regras estabelecidas só teriam validade numa área dominada por aquela comunidade, onde a mesma teria força para fazer valer seus acordos. Estas áreas, normalmente pequenas, são determinadas, em muitos casos, por laços de amizade e parentesco (Pierson, 1972 e Begossi, 1996). As regras de manejo pesqueiro são constituídas da combinação entre a cultura local e a estrutura social. As regras comunitárias regulam como a pesca deve ser feita, dizendo os locais, o tempo, estádio de vida das espécies alvo ou tecnologia (Acheson & Wilson, 1996). O ordenamento pesqueiro não é obstáculo à execução de medidas restritivas de acesso aos recursos; o principal entrave está na lei civil e constitucional, quando tratam das formas de propriedade. Os recursos pesqueiros são bens de domínio público, uso comum e livre acesso, sendo inviável pensar em privatização dos recursos, ou mesmo, medidas de controle de acesso. A privatização é inviável juridicamente, pois a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro e o próprio Dec. Lei 221/67, a proíbem. Outra alternativa de manejo pesqueiro é a valoração econômica do estoque virtual não explotado, conforme descrito por Gavaris (1996) para a pesca no Atlântico canadense. Neste modelo é inserida a noção de previsibilidade de captura, estabilizando os manejos intra e inter comunitários. O treinamento de comunitários como “Agentes Colaboradores”, realizado por agentes do Estado, pode representar um incentivo à organização comunitária. A utilização de pescadores profissionais filiados às colônias de pescadores, associações e cooperativas é uma etapa no processo de participação e tomada de decisões, podendo ser instrumento de educação ambiental. Em síntese, de acordo com a literatura, o manejo comunitário de estoques pesqueiros funciona melhor em sistemas fechados, respeitando-se o contexto social e a cultura das comunidades, levando-se sempre em consideração a demanda de mercado para o pescado, pois as 37 relações externas da comunidade podem incentivar a sobrepesca. O sucesso do manejo pesqueiro depende da adequação entre os conhecimentos científicos que o embasam, seus efeitos nos estoques pesqueiros, nas comunidades que os explotam e como as regras de manejo são seguidas e impostas aos usuários (McCay, 1996). Existem hoje, na Amazônia brasileira , pelo menos duas iniciativas de grande porte para aprimorar as técnicas de manejo de recursos pesqueiros, com bases teóricas fundamentadas no sistema de manejo comunitário: Administração dos Recursos Pesqueiros na Região do Médio Amazonas, Estados do Pará e Amazonas (IARA), sediado no município de Santarém, (PA) e o Projeto Mamirauá na foz do rio Japurá (Caquetá). O Projeto Mamirauá elaborou um termo de compromisso com os pescadores da reserva no setor Jarauá, envolvendo 70 pescadores moradores, para a pesca em rodízio de lagos, principalmente do pirarucu que é muito valorizado, uma experiência de manejo muito interessante e que parece já estar dando resultado (Viana & Damasceno, 1999). No Estado do Pará o “Projeto IARA”, implantado em 1991, está ainda em andamento. Este Projeto é executado pelo IBAMA, GTZ-GOPA e MMA, contando com a colaboração de outras instituições, tais como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP), Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), Prefeituras Municipais da Região, Colônias de Pescadores e Comunidades Ribeirinhas (IBAMA, 1995). O objetivo geral do Projeto IARA consiste em “subsidiar as ações de ordenamento e uso dos recursos pesqueiros no médio Amazonas, visando seu aproveitamento sustentável, compatibilizando os interesses/necessidades das populações locais, bem como da sociedade e da economia regional e nacional” (IBAMA, 1995). Especificamente, os objetivos finais do Projeto IARA são: (i) a produção de conhecimentos técnicos e científicos nas áreas de biologia, ecologia de pesca, socioeconomia, tecnologia de pesca, educação ambiental, buscando o embasamento do processo de administração pesqueira; (ii) implantação de um sistema de administração pesqueira que contemple a participação efetiva da comunidade de usuários em todas as etapas do projeto (IBAMA, 1995). A Reserva de Desenvolvimento Sustentado Mamirauá (localizada 600 km a oeste de Manaus, pelo rio Solimões, em sua confluência com o rio Japurá e o Auati-Paranã em uma área focal de 260.000ha, inserida numa gleba total de 1.124.000ha), é a primeira reserva em ambiente de várzea no país, com o objetivo de assegurar a biodiversidade na área, bem como garantir a manutenção das populações humanas ali residentes. São desenvolvidos vários projetos de educação ambiental, entre eles o manejo sustentável dos recursos pesqueiros. É um laboratório vivo para se testar políticas e ações para a ocupação racional da várzea amazônica (MAMIRAUÁ, 1996). 38 3 A AQUACULTURA 3.1 Introdução Diariamente são produzidos no mundo um quilograma de cereais por pessoa, o que corresponde teoricamente a 3000 calorias, sem contar a produção de carne, verduras e legumes o que demonstra que há oferta suficiente de comida para a humanidade, implicando que o problema da fome está na distribuição desigual do alimento. A pesca de captura representa menos de 3% da produção mundial de alimentos. A aqüacultura produz uma parte ainda menor, e isto significa que essa atividade nunca será o método isolado para resolver o problema da fome no mundo, mas irá desempenhar no futuro a busca de novas soluções para problemas regionais de nutrição, gerando empregos, ajudando na conservação dos recursos naturais e em alguns casos como fonte de divisas para os países (Wedler, 1998). Nos últimos anos a produção da aqüacultura tem aumentado num ritmo tão elevado que a produção de pescado de água doce supera aquela obtida da pesca de captura. A produção do salmão está próxima daquela do salmão silvestre e o cultivo de camarão já alcança metade da quantidade capturada (FAO, 1995) As projeções da FAO (1993) indicavam que para manter o nível atual per capita de consumo de pescado em 13 kg/ano, no ano de 2010 (considerando-se a projeção de que a população humana irá atingir 7032 milhões) seriam necessárias 91 milhões de toneladas para consumo humano. Este volume supõe um incremento de 19 milhões de toneladas de pescado comparado ao volume de 73.3 milhões de toneladas de 1993. FAO (1995) considera que este aumento será factível se nos próximos 10 anos a produção da aqüacultura se duplicar e se melhorar a conservação e ordenação das pescarias de captura. Além disso, será necessária a aplicação de tecnologia de alimentos, para melhorar a utilização das capturas acidentais e os rendimentos dos peixes pelágicos pequenos, como a anchoveta Engraulis ringens de forma que sejam consumidos diretamente ao invés de serem transformados em farinha de pescado como componente de ração para animais de engorda, cães e gatos. 3.2 Aqüacultura continental A aqüacultura é um ramo da Ecologia Aplicada enfocando o cultivo de seres que têm na água seu principal ou mais freqüente ambiente de vida, entendendo-se por cultivo a utilização de insumos, mão-de-obra e energia com o objetivo de aumentar a produção dos organismos úteis por meio da manipulação genética deliberada de suas taxas de crescimento, mortalidade e reprodução em um ecossistema artificial. Nas regiões tropicais e subtropicais do mundo existem as melhores perspectivas para o desenvolvimento futuro da atividade. As temperaturas elevadas, a radiação solar intensa e seu efeito sobre a produção primária e as reservas de água ainda não poluídas (principalmente na Amazônia) oferecem um alto potencial para desenvovê-la de forma muito superior às regiões temperadas (Wedler, 1998). 39 Uma das vantagens que a aqüacultura oferece, tanto para o produtor quanto para o consumidor, é a segurança da oferta no espaço e no tempo, pois a pescaria comercial está sujeita a variações de abundância, às portarias normativas que impedem as pescarias mais lucrativas na época da desova, as avarias dos barcos e aparelhos, que torna a atividade intermitente e sujeita ao acaso. Para que o aqüacultor tenha bom lucro com sua atividade, a taxa de crescimento do organismo deve ser alta, produzindo o máximo de carne com um fornecimento mínimo de alimento. Assim, a mortalidade deve ser mantida a mais baixa possível, por meio de medidas de sanidade e erradicação dos predadores de larvas e alevinos. Numa aqüacultura intensiva esses objetivos são conseguidos a partir de: (i) uso de rações balanceadas, em geral produzidas industrialmente, cuja composição pode variar segundo a espécie cultivada; (ii) desova induzida, com matrizes geneticamente selecionadas, se o peixe for reofílico; (iii) medidas que visam controlar os predadores, tais como, utilização de armadilhas, telas protetoras e uso de agentes químicos; (iv) adoção de medidas profiláticas para controlar doenças, etc. Enquanto nos países desenvolvidos a aqüacultura tem caráter quase que exclusivamente empresarial, em muitos países em desenvolvimento, a aqüacultura pode ser parte da economia de subsistência. Nesse caso, boa parte do pescado é para consumo próprio, ou é produzido pelo Estado em benefício das camadas mais pobres da população, como é o caso dos açudes do Nordeste brasileiro, onde o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS) realiza peixamento para que os pescadores artesanais deles tirem seu sustento. A aqüacultura extensiva caracteriza-se pelo simples povoamento por uma nova espécie ou adensamento de uma espécie pré-existente em baixa densidade, de um corpo d'água qualquer sem que sejam adotadas medidas de controle das características físico-químicas e biológicas, de tal forma que os organismos sob cultivo dependem exclusivamente do alimento natural disponível. Nesse sistema a produtividade é comparativamente baixa. A aqüacultura semi-intensiva é aquela na qual a produtividade natural é estimulada pela adubação, mas, em virtude da maior densidade de estocagem, há necessidade de fornecer alimentação complementar, como grãos, farelos, tortas, farinhas etc., que pode ser oferecida isoladamente ou em misturas. A aqüacultura intensiva é mais sofisticada. Neste caso, administra-se rações balanceadas na alimentação dos organismos, em virtude das densidades de estocagem bastante altas. A produtividade pode ainda ser incrementada por meio de fertilização. Estes dois termos correspondem a dois extremos na escala de tecnologia. Nos países temperados predomina a monocultura, como por exemplo de truta ou salmão, e nos trópicos é mais comum (e mais aconselhável) a policultura, em que mais de uma espécie é cultivada em consórcio, para que o aproveitamento dos recursos alimentares do corpo d'água seja otimizado. Tanto a aqüacultura semi-intensiva quanto a intensiva podem ser realizadas em tanques, viveiros e demais reservatórios nos quais se tenha controle total sobre a entrada e saída d'água. A 40 implantação de infra-estrutura necessária envolve a construção e preparação das instalações, estocagem de peixes, fornecimento de alimentação, controle de predadores e parasitas, acompanhamento do crescimento, despesca e manutenção das instalações. A rentabilidade depende fundamentalmente da freqüência-qualidade-preço do produto oferecido. Em termos de desenvolvimento sustentável é fundamental que essas classificações também envolvam as pessoas relacionadas à atividade (produtores, intermediários, varejistas e consumidores). A aqüacultura socialmente orientada deveria considerar critérios técnicos e socioeconômicos. Em muitos casos é melhor nos referirmos à “aqüacultura rural” dentro do contexto geral de desenvolvimento agrícola. Assim a aqüacultura rural pode ser praticada a nível de subsistência ou semi-intensivo, com vários graus de orientação ao lucro (Martinez-Espinosa & Barg, 1993). Um dos aspectos negativos da aqüacultura rural deriva das numerosas falhas dos projetos implementados, no sentido de contribuir para uma melhora no padrão de vida dos agricultores de pequena escala nos países em desenvolvimento. A aqüacultura rural deve ser somente mais uma atividade do agricultor e a análise dos projetos mostra que a assistência internacional não produziu os resultados esperados de acordo com Martinez-Spinosa & Barg (1993). Esforços especiais devem ser realizados na identificação de grupos-alvo em potencial, bem como na avaliação de suas características socioeconômicas. A formulação de projetos baseados nas suposições errôneas acerca dos fatores sociais, econômicos e políticos são a principal causa do fracasso desses empreendimentos. A principal razão para as altas taxas de deserção tem sido a falta de motivação dos fazendeiros devido a baixos lucros ou de no fim da empreitada não ter o que comercializar. É necessário se entender o dia a dia do candidato à empreitada e seu modo de pensar, em busca das suposições corretas. Assim é necessário que cientistas sociais e antropólogos rurais trabalhem junto com biólogos, zootecnistas, agrônomos e extensionistas. Esses grupos interdisciplinares deveriam ser treinados a priori, antes de se estabelecer um projeto numa dada área. A análise do agroecossistema à qual a aqüacultura rural deve fazer parte exige a integração de lavouras, animais, peixes e recursos florestais. Porém essas comodidades normalmente estão separadas em departamentos diferentes, ministérios e institutos de pesquisa a níveis nacional e internacional, inibindo o desenvolvimento da experiência, do fluxo de fundos e créditos a serem buscados (Martinez-Espinosa & Barg, 1993). Embora a aqüacultura seja uma atividade de baixo impacto ambiental, pois o emprego de produtos químicos pode ser bastante reduzido, deve-se tomar alguns cuidados para não provocar danos ao meio ambiente, ficando atento basicamente para três fatores: i. ii. qualidade da água, que deve ser monitorada, principalmente se ela for drenada para as cabeceiras de algum curso d'água. Um dos aspectos negativos da aqüacultura sobre a qualidade de água é o processo de eutrofização dos ambientes de cultivo pela elevação dos níveis de fósforo e compostos nitrogenados, provenientes de restos de alimentos, dos adubos adicionados e das excretas dos organismos cultivados; introdução de espécies alóctones, que deve ser evitada pelo aqüacultor, observando-se as portarias restritivas para algumas delas. Se houver um extravasamento do tanque, 41 iii. como ocorreu no Peru com o pirarucu que agora está colonizando rapidamente os rios Tauamani e Manuripe, espécies alóctones podem atingir o ambiente natural. Se as larvas passarem pelo dreno do tanque, as espécies também poderão se estabelecer, competindo e, eventualmente, levando à extinção algumas espécies da fauna local. Em alguns casos, é possível cultivar espécies alóctones por meio da hibridização ou poliploidia (em que as espécies têm número anômalo de cromossomos), produzindo indivíduos não-férteis, ou por meio da sexagem, criando exemplares do mesmo sexo, como pode ser feito com a tilápia. Também podem ser criados animais que, pelo menos em um estágio da vida, necessitam de água do mar - o que impediria sua reprodução no tanque, como ocorre com o camarão da Malásia Macrobrachium rosenbergii; e, contaminação de espécies locais por parasitas de espécies introduzidas. Esta é uma preocupação sempre constante, e medidas rigorosas de controle sanitário devem ser reforçadas. Um exemplo é o copépodo parasita Lemaea cyprinacea, trazido ao Brasil provavelmente em 1986 ou 1987, em lotes de carpas importadas. Até então, a América do Sul era um dos poucos continentes livres dessa praga. A partir dai, foi encontrada infestando o tambaqui, o pacu, a traíra e o lambari em tanques de piscicultura. Porém, o mais grave é que ela também pode infestar populações naturais (Boeger & SantosNeto, 1993). Segundo Castagnolli (1992), atualmente na Amazônia, a maior parte das espécies nativas próprias para a piscicultura pertencem às famílias Characidae como o tambaqui Colossoma macropomum e a pirapitinga Piaractus brachypomus, matrinchão Brycon sp., Prochilodontidae (curimatã Prochilodus nigricans e jaraqui Semaprochilodus insignia e P. taeniatus), Anostomidae (os piaus e aracus em geral) e Arapaimidae (pirarucu Arapaima gigas). As principais espécies exóticas próprias para a piscicultura pertencem às famílias Cyprinidae (carpa Cyprinus carpio), Ictaluridae (bagre-de-canal Ictalurus punctatus), Salmonidae (truta arco-iris Onchorhynchus mikyss), Cichlidae (as tilápias Oreochomis sp.), Centrarchidae (blackbass Micropterus salmoides) e Claridae (Clarias gariepinus). No Brasil, o Governo Federal, através do Ministério da Agricultura e Abastecimento, tem incentivado e fomentado a atividade aqüícola com criação dos Pólos de Aqüacultura Regionais. Os Estados e municípios também estão implementando ações de fomento e assistência técnica através das Secretarias de Agricultura e/ou de Produção. No entanto, a aqüacultura na Amazônia encontrase ainda numa fase embrionária devido às seguintes razões (SUDAM/OEA, 2000): • • desconhecimento da história natural e das necessidades básicas de algumas espécies com potencial para a produção aqüícola. Esse fato dificulta a difusão de cultivos de espécies nativas da bacia, bem como não permite que sejam criadas as condições mínimas para se estabelecer sistemas que possam oferecer relações similares com o ambiente natural e realizar melhoramento genético para selecionar e adaptar os organismos a condições artificiais; deficiência tecnológica, visto que os pacotes oferecidos não condizem com a realidade, com baixa adaptação, não satisfazendo as condições ambientais da região. As espécies com maior potencial para a aqüacultura são migradoras, gerando dificuldades com a técnica de 42 • desova induzida, dificuldade crônica sobre alimentação na fase larval, pós-larval e dos alevinos das espécies; e desvantagem na relação custo/benefício econômico, visto as necessidades de investimento em infra-estrutura, na alimentação, na qualidade da água, no controle de parasitas e doenças, etc., e posterior retorno do capital investido mais a lucratividade. Além disso, a produção de grãos na região é insignificante, não existindo matéria prima suficiente para produção de ração, o que inviabiliza a produção aqüícola local, visto que a importação de ração balanceada provoca a elevação do preço do produto, em função dos custos de transporte. Nesse sentido, a aqüacultura torna-se desvantajosa em relação a pescarias na região, com produtividade elevada, sem nenhum custo de investimento (Santos & Ferreira, l999). Por outro lado, o interesse pela atividade entre os produtores rurais é crescente e principalmente nos Estados do Acre e Rondônia e se apresenta como uma alternativa viável para a produção de proteína na região. Os açudes ou tanques de propriedades rurais podem ser bastante produtivos e rentáveis, desde que alguns aspectos técnicos sejam respeitados. Assim, a aqüacultura necessita de um bom planejamento para obter os resultados esperados. A escolha do local para a instalação é muito importante para o sucesso do empreendimento, devido a fatores como: latitude e altitude geográficas, a influência da temperatura ambiental, a fauna e flora da região e as características socioeconômicas dos produtores rurais. A localização do empreendimento próximo a um centro consumidor, com energia elétrica e água abundante e de boa qualidade, solo argilo-arenoso e de topografia levemente inclinada para a construção dos tanques, são condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Os tanques e açudes também necessitam de boas condições para a despesca, a limpeza e a manutenção do viveiro, garantindo a sanidade do ambiente aquático durante o próximo cultivo. A calagem dos tanques tem a finalidade da correção da acidez e melhoria das condições físicas do fundo, o que proporciona um aproveitamento mais eficiente dos nutrientes solúveis na água. A adubação orgânica dos tanques tem um efeito favorável sobre a atividade aqüícola, pois favorece a multiplicação de bactérias em suspensão na água, propiciando o desenvolvimento do plâncton. No entanto, quando aplicado em doses excessivas, pode provocar um déficit de oxigênio, e conseqüentemente, a morte dos peixes por asfixia ou por doenças parasitárias (Castagnolli & Cyrino, 1986). Outra modalidade de criação confinada é a de tanques-rede, implantados em ambientes represados. Os problemas operacionais nesse tipo de cultivo são: as oscilações e variações sazonais de níveis d'água no reservatório fortes ventos que danificam as estruturas do tanque, o domínio tecnológico sobre o cultivo de espécies nativas e problemas com introdução de espécies exóticas e impactos ambientais, como deterioração da qualidade da água (Juras & Petrere 1999). A procedência dos alevinos, a qualidade e o tamanho dos mesmos são fundamentais para o sucesso da produção aqüícola. A qualidade deve obedecer dois critérios: a performance genética, visto que o crescimento e a resistência a doenças são conseqüências da qualidade do plantel de reprodutores, e o tamanho dos alevinos, pois quanto maior for, conseqüentemente maior será sua capacidade de se alimentar e evitar predadores. É tecnicamente recomendável a utilização de alevinos com mais de 8cm. O conhecimento da corte etária das sementes é muito pertinente, visto 43 que existem peixes que atingem a maturidade sexual precocemente, sem relação com o porte. Assim, o aumento reprodutivo pode causar danos pela superpopulação nos tanques, o que impede o aumento da produção (Tamassaia, 1989). Outra variável bastante importante na produção é a alimentação dos peixes, visto que diferentes espécies possuem hábitos e comportamentos alimentares distintos. Castagnolli & Cyrino (1986) citam que além do hábito alimentar, é importante conhecer o comportamento alimentar, isto é, quando, onde e como os peixes se alimentam. Assim, a alimentação varia em função do tipo de dieta e do sistema de cultivo. No cultivo extensivo, a alimentação natural do ambiente aquático tem maior importância, podendo ser fornecida alguma dieta complementar. Já na aqüacultura intensiva, o alimento artificial deve ser completo para a nutrição dos peixes. As rações industrializadas estão disponíveis nas formas granuladas secas, trituradas ou fareladas. Também podem ser distribuídas mecanicamente por alimentadores automáticos. A alimentação manual é mais dispendiosa e pode acarretar perdas de alimento e da produtividade, visto que o tratador pode sub ou superalimentar os peixes (Castagnolli & Cyrino, 1986). Neste contexto, a aqüacultura deve estabelecer meios à exploração sustentada na região visto o grande potencial hídrico da Amazônia, aliado às possibilidades de consórcio com outras atividades agropecuárias. Assim, ela será uma importante alternativa para a complementação da renda do produtor rural, visto os baixos custos de investimento e de produção, com a utilização de resíduos da agropecuária que proporcionam aumentos sensíveis na produtividade e com o preço altamente competitivo no mercado, se comparado com outras fontes protéicas de origem animal, representam uma atividade com grandes perspectivas de expansão na região Amazônica, durante os próximos anos. Assim, torna-se necessário e fundamental realizar trabalhos, e estudos que permitam incrementar o desenvolvimento da atividade na região, visto que o nível tecnológico dos produtores é na maioria extensivo e as criações semi-intensivas são ainda reduzidas. No Estado de Rondônia existem atualmente 646 piscicultores, com produção de 1.412 t/ano numa área de 400ha de lâmina da água e com produtividade de 3,5t/ha. A piscicultura extensiva tem uma produtividade de 750 a 1000kg/ha/ano e as criações semi-intensivas chegam a produzir de 3000 a 4000kg/ha/ano. A produção de alevinos no Estado é de cerca de 3.000.000/ano. Se destacam os municípios de Pimenta Bueno, Rolim de Moura, Cacoal, Presidente Médici, JiParaná, Ouro Preto, Ariquemes e Porto Velho (IBAMA/RO, comunicação pessoal). Segundo o Governo do Estado, os pontos de estrangulamento da atividade são a falta de difusão de tecnologia, o sistema de produção é inadequado à região com alto custo de produção e baixa produtividade, falta organização da cadeia produtiva e crédito agrícola (SUDAM/OEA, 2000). A aqüacultura no Estado do Acre, iniciou na década de 80, com empreendimentos no município de Rio Branco. Atualmente, estima-se que existam aproximadamente 2000 produtores rurais dedicando-se integral e/ou parcialmente à atividade aqüícola. O IBAMA/AC informa que somente 50 produtores estão regularizados na atividade, pois a falta de assistência técnica dificulta sua concretização na produção aqüícola. Estima-se ainda que em 1998 foram produzidas 800 t de pescado, na sua maioria comercializada localmente. A Estação de Piscicultura do Estado encontrase em dificuldades, com queda na produção de alevinos, que atualmente está limitada a 400.000 alevinos/ano. Por outro lado, quatro iniciativas privadas fazem com que o Estado torne-se auto- 44 suficiente na produção de alevinos, com exportação para os Estados de Roraima e Amazonas. A assistência técnica é realizada pela EMATER, de maneira deficitária, dada a falta de técnicos especializadas no setor e a falta de crédito. Outro problema enfrentado pelos produtores é a falta de ração apropriada, razão pela qual utilizam resíduos e subprodutos na alimentação dos peixes, sem nenhuma orientação especializada, ocasionando uma perda que pode chegar a 80% dos alevinos. Mesmo com todos esses problemas, a aqüacultura é uma atividade crescente no Estado e o Governo está apresentando projetos de extensão junto ao Ministério da Agricultura e Abastecimento. Com relação à pesquisa, existe um pequeno quadro de profissionais com projetos em conjunto, envolvendo instituições como a EMBRAPA, UFAC, IBAMA e IMAC (SUDAM/OEA, 2000). Embora a Colômbia tenha tecnologia muito apropriada para a produção de alguns peixes amazônicos em cativeiro, a atividade é praticamente inexistente na fronteira com o Brasil, devido a falta de extensão, crédito e excedentes agrícolas. Uma questão complexa em aqüacultura são os mecanismos econômicos que determinam os custos do pescado produzido em cativeiro. O conhecimento desses mecanismos é importante para que o moderno aqüacultor elabore uma planilha de custos a fim de saber com precisão por quanto deve vender o seu pescado, sem prejuízo. Na literatura brasileira existem poucas publicações sobre o assunto, podendo-se destacar o trabalho de Rissato (1993). Estudando o sistema de produção dos piscicultores - ligados à Associação dos Aqüacultores do Oeste do Paraná-AQUIOPAR, com 123 associados, que cultivam tilápia, carpa, pacu, bagre africano Clarias gariepinus, etc., numa área total de 700ha - constatou que, em média, 95% dos associados praticam o cultivo semi-intensivo, e que essa forma de cultivo é inviável, apresentando custos de produção superiores à receita proveniente do cultivo. Porém, como esses criadores não computam o custo alternativo da terra, o custo da mão-de-obra familiar, a depreciação dos bens, etc., parece que a atividade é ainda rentável. O cultivo intensivo, porém, é viável, com lucro líquido positivo, e o piscicultor deve cultivar pelo menos 2.016kg de pescado por ano, vendendo o pescado por pelo menos US$ 0,60/kg. Martin & Scorvo (1994) calcularam os custos de produção de várias espécies de pescado para o Estado de São Paulo, mostrando que os custos de cultivo intensivo são consistentemente mais baixos que os do extensivo (na ordem de 42% a 79%). Leboute et al. (1994) fizeram análise de custos para a produção de tilápia do Nilo, em gaiolas flutuantes, na região da Campanha-RS. Oro (1994) também realizou um diagnóstico minucioso da piscicultura em ToledoPR, uma proposta pioneira do BANCO DO BRASIL, e concluiu que a margem bruta de lucro do sistema semi-intensivo, por hectare de lâmina d’água, num período de 6 meses é de R$ 1.596,70 e para o sistema intensivo é de R$ 6.146,20 (na época 1U$ = 1R$), levando em consideração todos os fatores econômicos mais importantes na atividade (Petrere et al., 1997) No Relatório Parcial foi feita uma planilha empírica com o produtor Sr. Mauri Jairo Petter e computamos um lucro de R$ 17.300,00/ha, na região de Brasiléia no Estado do Acre. É evidente que as flutuações de preços dos produtos de origem animal são decorrentes da sazonalidade da safra e entressafra do próprio produto, dos produtos substitutos e da estabilidade da produção de insumos. Dessa forma, esse é um dos aspectos mercadológicos mais importantes a ser considerado na análise comparativa de preços destas fontes de proteína. Deve-se considerar, também, que a oscilação sazonal das épocas efetivas de captura também impõe uma forte 45 característica de sazonalidade no comportamento dos preços, que irá influir no preço do pescado produzido em cativeiro. Chabalin et al. (1988) observaram que a redução da oferta de pescado em geral no Mercado de Peixes de Cuiabá, de 15 t para 5 t, provocou variações até 100% no preço do pacu, no período de tempo de uma semana. Nesse sentido, muitos aqüacultores procuram programar sua produção na época da entressafra para beneficiarem-se do melhor preço do mercado devido à escassez. A necessidade do produtor examinar o comportamento do mercado, leva-o à certeza de que a aqüacultura pode produzir orientada ao mercado, ao contrário da pesca em que o mercado é orientado pela produção (Chabalin, 1992; FAO, 1976; 1984). Dentre os fatores básicos que devem ser considerados para os estudos de mercado, destacam-se (Chabalin, 1992): i. ii. iii. iv. o produto, que deve ter as melhores características para agradar ao consumidor. A escolha das espécies a serem criadas deve considerar aspectos relativos ao tamanho, forma de apresentação e freqüência de consumo do pescado pelo consumidor local; o preço, que deve atender o conhecimento da oferta e da demanda; a promoção, que é o mecanismo utilizado para ampliar a demanda efetiva do produto. O consumo de pescado não se distribui regularmente pelos países. O consumo recomendado pela FAO é de 13,1 kg/habitante/ano. A média mundial em 1996 foi de 15,7 kg/habitante/ano. No Brasil em 1984 esse consumo foi de 6,8kg/habitante/ano (Alzuguir, 1984). Na Colômbia em 1998 o consumo estava em torno de 3.0 kg/habitante/ano, por cálculos por mim realizados (produção total = 179.021, descontando 30% para exportação, e o resultado (125315t) divididos por 42 milhões de habitantes, que é a população do país, INPA (1998)). Assim são necessárias campanhas de educação alimentar para tentar mudar os hábitos da população em geral; a distribuição, que envolve o conhecimento e a escolha dos canais de comercialização (Chabalin, 1992). Para isso o aqüacultor já deve ter um bom conhecimento das preferências do consumidor. Na distribuição do pescado, o produtor pode utilizar-se de despescas parciais dos viveiros. Atualmente no Brasil, a produção decorrente da aqüacultura continental é de aproximadamente 30.000t, o que representa 0,002% da produção total mundial. A aqüacultura continental na Colômbia em 1995 foi 28.538t (INPA, 1995). 46 3.3 Piscicultura na Amazônia A aqüacultura não é uma atividade tradicional na Amazônia, talvez por três motivos principais: i. a região tem uma densidade populacional ainda relativamente baixa; ii. os estoques pesqueiros ainda são relativamente abundantes, principalmente daquelas espécies consideradas de baixo valor comercial, como as branquinhas; e, iii. no Brasil até a década de 60, a região estava isolada do centro-sul, não havendo, então, estímulo para a produção de pescado para exportação. Na Colômbia a Amazônia ainda está isolada do restante do país. Assim, a aqüacultura na região ainda é incipiente e na realidade ainda quase só há piscicultura, em grande parte, empírica, com pequena transferência de tecnologia dos centros de pesquisas mais avançados. Considerando o baixo padrão de vida das populações da Amazônia e a situação sócio geográfica especial na área das três fronteiras, a piscicultura só será bem sucedida se for baseada em métodos simples e com espécies adaptadas a condições limnológicas extremas que às vezes podem prevalecer nos tanques. É importante que as espécies escolhidas sejam capazes de se alimentar de matéria vegetal, incluindo quando houver, excedentes agrícolas. Devem também ter a capacidade de produzir alevinos em número adequado. O tambaqui preenche todas essas exigências. Lima (1994) produziu um trabalho bastante completo sobre a situação atual da piscicultura na Amazônia central. Segundo esse autor existiam em 1991, na região próxima a Manaus, 59 produtores cadastrados na EMATER, desenvolvendo cultivos semi-intensivos e intensivos de espécies locais. Alguns destes produtores já estavam vendendo pescado no mercado local. O autor comenta sobre o atual nível de conhecimento para a produção de tambaqui, pirarucu, curimatá, jaraqui, matrinchã e surubim. Lima (1994) também discute a difícil questão do crédito para a piscicultura através do Banco do Estado do Amazonas e do Banco da Amazônia S.A. Não há estimativas de custos e de investimentos para a produção de pescado. Segundo Lima (1994), as espécies mais bem estudadas até o momento, que têm tecnologia de cultivo são as seguintes: Tambaqui Colossoma macropomum É a espécie melhor estudada, sendo cultivada em quase toda a América Latina (Hernandez, 1989). A produção das larvas em quantidade, 11 meses por ano, é uma das principais vantagens do cultivo do tambaqui, embora na Amazônia só haja oferta no inicio do ano. O preço da larva (unidade) varia de US$ 0.03-0.05 em fornecedores do Centro e do Leste. 47 Os juvenis com menos de 4 kg são onívoros e preferem uma dieta baseada em frutos, sementes e zôoplâncton. Os adultos são exclusivamente frugívoros, mostrando preferência pelo fruto da Hevea brasiliensis (Goulding, 1980; Goulding & Carvalho, 1982; Lima & Goulding, 1998). Devido à falta de excedentes vegetais para a fabricação de ração balanceada, Lima & Goulding (1998) sugerem a plantação de pomares para peixes, baseados nos frutos de suas dietas, de preferência com cultivares que frutifiquem em diferentes épocas do ano. Assim, numa propriedade, próximo aos tanques poderiam ser plantadas a seringa Hevea brasiliensis, a seringa barriguda H. spruceana, a piranheira Piranha trifoliata, Alchornea sp., etc. Uma lista mais extensa é fornecida no extraordinário livro de Lima & Goulding (1998). A pupunha por ser rica em fibras e vitamina A, também é uma excelente candidata para o pomar de peixes. Lima & Goulding (1998) mostram que o lucro proveniente do cultivo do tambaqui é muito dependente do preço da ração, que em alguns casos chega a atingir 75% dos custos. A Tabela 6 mostra a variação do lucro sob diferentes modos de criação em cativeiro: 48 Tabela 6. Análise de custo/benefício de monocultivo e policultivo de tambaqui no estado do Amazonas, próximo a Manaus. Cálculos baseados nos valores dos insumos em 1995. nd – não disponível. (Modificado de Lima & Goulding, 1998). Variáveis e índices Unidade Número de tambaquis Número de curimatás Número de porcos Preço do tambaqui Preço do curimatá Preço do porco Produção de tambaquis Produção de curimatãs Produção de porcos Produção total Índice de conversão alimentar Ciclo de produção Receita Custos (2ha) Lucro total Lucro anual Razão lucro/custo Preço de custo Produção mínima sustentável Investimentos Prazo de amortização indiv. indiv. indiv. US$/kg US$/kg US$/kg kg kg kg kg anos US$ US$ US$ US$ % US$ kg US$ anos Viveiro intensivo 10.000 0 0 2,6 nd nd 34.500 0 0 34.500 4 2 89.700 76.195 13.504 6.752 18% 2,2 29.306 23.597 3,8 Monocultura Viveiro c/ suplemento 10.000 0 0 2,6 nd nd 34.500 0 0 34.500 8 2 89.700 58.209 31.490 15.745 54% 1,69 22.388 26.457 1,7 Gaiola 10.000 0 0 2,6 nd nd 30.680 0 0 30.680 4 2 79.768 72.610 7.157 3.578,5 10% 2,4 27.927 11.245 4,7 Policultura Viveiro Viveiro semiintensivo intensivo 10.000 10.000 10.000 10.000 0 3.000 2,6 2,6 0,7 0,7 nd 3 34.500 32.700 3.000 3.000 240.000 37.500 275.700 4 4 2 2 91.800 567.120 76.309 501.628 15.491 65.491 7.745,5 32.745,5 20% 13% 2 1,81 23.123 23.597 33.023 3,4 1,3 Segundo Saint-Paul (1986) o conteúdo ótimo de proteína na dieta do tambaqui está ao redor de 23% e os melhores resultados de seu crescimento são alcançados com proteína de origem vegetal, o que é uma grande vantagem para a piscicultura na Amazônia, onde restos de proteína animal (de vísceras, ossos e sangue de gado e vísceras, cabeças e nadadeiras de pescado) são difíceis de recolher. A estocagem em cativeiro variou de 1189 a 10.000peixes/ha. A produção máxima atingida foi 9,2t/ha (Da Silva et al., 1978 apud Saint-Paul, 1986), mas nesse experimento a mortalidade foi muito alta. Segundo Saint-Paul (1986) bons resultados são obtidos com 5.000peixes/ha. A produção variou de 4,3-6,8t/ha, com taxa de crescimento variando de1,5-4,0g/dia (Da Silva et al., 1978,1984; Lovshin, 1980). Essas taxas de produção e crescimento variam muito, visto que num açude do Nordeste do Brasil, o tambaqui cresceu entre 15-19kg em 4 anos, correspondendo a 10,3-13,0g/dia, se alimentando principalmente de caramujos (Planorbirius sp., Planorbidae) e algas verdes Spirogyra sp. As Tabelas 2 e 3 de Saint-Paul (1986) São uma excelente fonte para comparação do crescimento do tambaqui sob diferentes condições de cultivo. A publicação de Hernandez (1989) tem boas referências sobre o cultivo de tambaqui em cativeiro, com uma excelente lista de bibliografia em anexo, até 1989 para o gênero Colossoma que na época ainda englobava Piaractus mesopotamicus. Na Amazônia, ainda são necessárias pesquisas para se descobrir a melhor dieta, com custo mais baixo. Além dos piscicultores usarem ração inadequada, a freqüência de alimentação não é controlada. O preço e o tamanho do tambaqui são fatores importantes no mercado. Uma 49 análise de preço demonstrou que há boa aceitação de indivíduos ao redor de 2kg (2 anos de idade), e que seu preço é equivalente àquele dos adultos, US$ 3.00/kg, o que representa um bom lucro. O principal fator limitante para uma avaliação mais rigorosa do custo de produção é a falta de tradição e infra-estrutura de pesquisa para a piscicultura na região, e também pessoal habilitado. Pirarucu Arapaima gigas Esse peixe pode crescer até 10kg/ano (US$ 3.00/kg), produzindo até 10t/ha. É uma espécie relativamente bem estudada nos açudes nordestinos, mas sua piscicultura intensiva é pouco conhecida. Um dos problemas para sua criação intensiva é a produção de um peixe forrageiro que lhe sirva de alimento. Atualmente está sendo utilizada a tilápia, que se alimenta do plâncton do açude, estrume de gado e esgoto de pocilgas. O escape da tilápia para o ambiente natural deve ser evitado. O pirarucu pode atingir até 200kg de peso e de 2-3m de comprimento total. Exige ar para sua respiração. Sua reprodução em açudes tem sido observada, o pai cuida da prole. O animal se torna maduro no quarto ou quinto ano de vida, atingindo 1,70m (40-45 kg). Uma fêmea de 2,45m produziu 636.000 ovos (Saint Paul, 1986). Num cultivo intensivo o peixe cresceu de 19-2.560g em 10 meses, num conjunto de experimentos e de 15g-4kg no primeiro ano e até 15kg em 26 meses em outro experimento. A alimentação constou primeiro de peixes vivos e depois pescado moído e alimentação artificial (Saint Paul, 1986). Curimatá Prochilodus nigricans Devido ao seu hábito detritívoro os curimatás (há várias espécies na América do Sul) não são convenientes para monocultivo em tanques. É difícil fornecer quantidade suficiente de alimento, principalmente para indivíduos grandes. Em açudes o Prochilodus lineatus cresceu de 6,5-97,6g em 9 meses, correspondendo a uma taxa de crescimento de 0,3g/dia, estocado a uma densidade de 10.000ind/ha. Numa densidade de estocagem de 20.000ind/ha levou a um peso médio final de 104,8g. Em outro experimento P. lineatus cresceu em 374 dias sob densidade de estocagem de 10.000ind/ha num tanque fertilizado de 10,4-40,6g, correspondendo a um crescimento de 0,08g/dia. A alimentação adicional aumentou o peso final para 158,8 (0,4 g/dia). Sob condições de policultivo Prochilodus reticulatus magdalenae cresceu, junto com a tilápia a um peso médio de 100,9g correspondendo a uma produção de 531kg/ha/ano. Em outro experimento em policultivo chegou a alcançar 1242 kg/ha/ano (Saint Paul, 1986). Não há muita perspectiva de piscicultura de curimatá na Amazônia porque ele não é uma espécie preferencial, tem preço muito baixo, principalmente na safra. 50 Matrinchão, sábalo, sábalo cola roja (Peru) Brycon sp. A taxonomia do gênero é muito confusa e necessita de cuidadosa revisão. Há poucos trabalhos sobre Briconinae. São onívoros, e como o tambaqui pode sobreviver a períodos de baixa concentração de O2. Sua reprodução induzida em diferentes espécies tem sido relatada em diferentes partes da América do Sul. O melhor crescimento foi observado com ração de 35% de proteína, crescendo cerca de 1,0g/dia, com conversão alimentar de 1,4. Um outro experimento interessante mostrou ótimo crescimento com ração com 34% de proteína bruta misturada com a macrófita aquática aguapé Eicchornia crassipes. Os peixes ganharam 97g em 116 dias, correspondendo a uma taxa de 0,8 g/dia (Saint Paul, 1986). A produção dessas espécies em cativeiro é bem menos conhecida, o preço de mercado é baixo e, em geral, são utilizadas em piscicultura consorciada. No Sul-Sudeste, a piscicultura de outras espécies de curimatá é melhor conhecida. A reprodução também precisa ser induzida. A produção de alevinos de matrinchão é complexa, as larvas têm comportamento agressivo e exibem canibalismo. Lima (1994) sugere a piscicultura extensiva de tambaqui e pirarucu em lagos de várzea usando os ribeirinhos como produtores. Essa alternativa é interessante, e vem sendo realizada num projeto conjunto BIRD/ODA/PNUD no rio Ganges em Bangladesh com relativo sucesso (Petrere, 1994). O problema é que é uma alternativa muito trabalhosa, a logística de semear alevinos é bastante complexa, a mortalidade no transporte é desconhecida, e a comunidade teria de pagar toda a operação, que teria de ter uma taxa de retorno maior que 12% (Petrere, 1994). A alternativa de coletar as larvas in natura para semear os lagos pode não ser ecológica, e pode ser ineficiente lenta além de se tomar precauções para não poluir o estoque genético selvagem com matrizes homogêneas. A produção de peixes ornamentais em cativeiro pode ser uma atividade muito rentável. Na Amazônia, há muitas espécies com grande potencial para piscicultura que precisam ser melhor estudadas e a tecnologia de produção dominada. Essa área conta com muito pouco recurso humano na região. Bocanegra (1993) escreveu um extenso documento sobre a pesca e a piscicultura para a região de fronteira Colômbia/Peru, descrevendo a situação da piscicultura da região, que parece não ter se modificado desde então. Anzola (1994a,b) faz uma extensa revisão da problemática da piscicultura na região amazônica da Colômbia e diz que as principais espécies cultivadas em policultivo na área são o paco Piaractus brachipomus o sábalo Brycon sp., o tambaqui e o curimatã. Os alevinos do paco e do tambaqui são trazidos principalmente de Villavicencio e dos restantes são coletados na natureza. Cita outras espécies de menor porte cultivadas em policultivo, observando-se todos os tipos de combinações, incluindo espécies que têm hábito alimentar semelhante e que daí competem entre si pelos mesmos itens, diminuindo a eficiência do sistema. Há monocultivo da mojarra roja 51 Oreochromis spp., do camarão de água doce Machrobrachium rosembergii e do pirarucu. Cerca de 75% dos tanques foram construídos por iniciativa própria do dono sem nenhuma orientação oficial. Os peixes são alimentados com restos de diversas origens, sem nenhuma balanceamento. Só em 47% das propriedades os animais foram alimentados diariamente, no restante, apenas 2 a 3 vezes por semana. Não há dosagem exata da quantidade de alimento fornecida em relação à biomassa de peixes no tanque. Em, poucos tanques há fertilização orgânica periódica nesses cultivos extensivos e semi-intensivos. A maioria deles controla a infestação por macrófitas aquáticas. Devido a essas deficiências a taxa de crescimento dos peixes, e daí a produtividade dos tanques são muito baixas Não há planilha de custos e o objetivo da atividade não é muito claro para os proprietários (autoconsumo, comercial, repovoamento ou turismo). 3.4 Recomendações (Petrere et al., 1997) a) Políticas Públicas 1. Divulgar a Aqüacultura Responsável como atividade zootécnica competitiva e apoiada pela Política Nacional de Meio Ambiente. 2. Definir uma política setorial regionalizada, com a participação de órgãos federais, estaduais, municipais, iniciativa privada e instituições não-governamentais, enfocando os aspectos políticos, institucionais, legais, econômicos, sociais, culturais e ambientais, com o objetivo de orientar e priorizar linhas de apoio fundamentais ao desenvolvimento da aqüacultura. 3. Promover a revisão e adequação da Legislação Ambiental nos dois países, considerando as particularidades de cada região, redefinindo as competências dos órgãos normativos, de controle e de fiscalização dos recursos naturais em cada estado, de forma a simplificar e agilizar a implantação de projetos aqüícolas. 4. Estabelecer instrumentos legais que normatizem a aqüacultura no dois países de forma a fazer com que o setor se desenvolva harmonicamente, compatibilizando o uso dos recursos naturais com as demandas da sociedade. 5. Promover e desenvolver ações que possibilitem o fortalecimento do associativismo de aqüacultores em nível municipal, regional e nacional, buscando a participação efetiva dos produtores de forma a assegurar sua contribuição ao desenvolvimento do Setor Pesqueiro. 6. Apoiar a realização de um zoneamento das áreas propícias à atividade, de acordo com suas características ambientais, para que os projetos de aqüacultura sejam instalados de modo mais eficiente, levando à criação de Pólos de Desenvolvimento de Aqüacultura. 7. Criar um Comitê Consultivo de Aqüacultura por bacia hidrográfica, constituído por órgãos federais, estaduais, municipais, associações, ONG'S, etc. b) Pesquisa e Geração de Tecnologia 1. Os Centros de Pesquisa em aqüacultura devem dar ênfase às pesquisas de demanda atual sem inviabilizar as pesquisas de demanda potencial, as quais devem ser desenvolvidas em parceria com as universidades. 52 2. Definir um núcleo coordenador responsável pela avaliação e acompanhamento dos programas de pesquisa em aqüacultura, visando direcionar os esforços para a solução dos problemas prioritários. 3. Fortalecer os Centros de Pesquisa nos dois países com o objetivo de: • gerar, adaptar e testar tecnologias de criação de peixes, considerando aspectos relacionados ao manejo, produtividade, custos e impactos ambientais; • coletar, analisar e distribuir informações relevantes ao desenvolvimento da aqüacultura, atuando como difusor de tecnologia e de consulta permanente de produtores rurais; • planejar, programar, coordenar e ministrar treinamento técnico em aqüacultura, promovendo a reciclagem de conhecimentos de técnicos de entidades públicas e privadas. 4. Propor o desenvolvimento de linhas de pesquisa de interesse comum dentre os dois países, com caráter institucional e multidisciplinar, evitando-se a dualidade de ação. 5. Promover e apoiar a execução de pesquisas sobre a ação impactante dos diferentes sistemas de cultivo. 6. Propor que as pesquisas sobre reprodução priorizem as espécies nativas de potencial econômico. 7. Estabelecer um programa de geração de tecnologia para criação e comercialização de peixes ornamentais. 8. Estimular o sistema de intercâmbio tecnológico com os principais Centros de Pesquisa e de produção nacionais e internacionais. c) Extensão e Assistência Técnica 1. Estimular e viabilizar a parceria interinstitucional entre os órgãos de pesquisa, extensão e fomento, e o setor privado, visando discutir, encaminhar e buscar soluções relativas aos problemas pertinentes à aqüacultura. Isso significa que as entidades envolvidas com a extensão devem atuar efetivamente, de modo a repassarem a tecnologia desenvolvida nos Centros de Pesquisa aos produtores e que os resultados da aplicação dessas tecnologias retornem aos centros de pesquisas para reavaliações e possíveis redirecionamentos. 2. Priorizar o desenvolvimento de uma assistência técnica aos pequenos e médios produtores envolvendo orientação e apoio à (o): • • • • • definição e implantação dos empreendimentos; programa operacional do empreendimento; seleção de espécies a serem cultivadas; sistemas de cultivo e manejo das espécies produtivas; comercialização da produção. 3. Elaborar normas regulamentando a produção e comercialização de alevinos, a fim de assegurar a origem e a qualidade dos mesmos. 53 4. Implantar um programa de coleta de dados, visando o estabelecimento de um sistema de estatística na atividade de aqüacultura, com a finalidade de estimar a produção decorrente da atividade e avaliar a eficiência dos peixamentos. d) Comercialização e Marketing 1. Realizar pesquisa de mercado, tanto em nível local quanto de exportação, para se saber o que deve ser produzido, quanto e a que custo, visando estabelecer margens de lucro aceitáveis. 2. Promover e apoiar programas de comercialização e marketing que visem o aumento do consumo de pescado proveniente da aqüacultura. e) Política de Crédito 1. Definir uma política de crédito, específica para a aqüacultura, com atenção especial ao pequeno e médio produtor, e com base na equivalência - produto e seguro. 2. Propor incentivos fiscais às empresas que dão suporte ao desenvolvimento da aqüacultura. 3. Propor a isenção de impostos e taxas, por prazo determinado, nas operações referentes à aquisição de insumos e à importação de equipamentos – não disponíveis no mercado nacional – para modernização da aqüacultura. f) Planos e Programas para a Aqüacultura Responsável 1. O SINCHI e a SUDAM devem providenciar junto aos ministérios dos dois países, o levantamento de todas as oportunidades de integração da aqüacultura àquelas políticas, planos e programas. • Providenciar o levantamento de todos os projetos executados pelos outros setores, os quais envolvem a atividade de aqüacultura. • Identificar os projetos dos outros setores que potencialmente poderiam incorporar a atividade de aqüacultura e desenvolver mecanismos apropriados de integração da aqüacultura àqueles projetos. 2. Os órgãos oficiais dos dois países devem realizar gestões junto às unidades de aqüacultura que vendem alevinos ou que realizam peixamento para efetuarem monitoramento do empreendimentos de aqüacultura, visando avaliar a produção e a eficiência do empreendimento. 3. Os órgãos oficiais dos dois países devem providenciar junto aos agentes financiadores de pesquisas produção, prioridade de financiamento para projetos de aqüacultura considerados relevantes para o desenvolvimento da atividade. 4. Os pólos de desenvolvimento da aqüacultura devem ser baseados em Letícia, Tabatinga. 54 BREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHESON, J.M. ; Wilson,J.A. Order out of chaos: the case for parametric fisheries management. American Anthropologist, v. 98, n. 3, p. 579-594, 1996. ALONSO, J.C. ; Pesca e esforço de Pesca dos Grandes Bagres (Siluriformes: Pimelodidae) num Setor Colombiano do Alto Amazonas. Dissertação de Mestrado. INPA/FUA, Manaus (AM), Brasil, 1998, 78p. ALZUGUIR, F. Situação atual e perspectivas da aquicultura no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE AQÜACULTURA, 3., 1984 .Anais... p. 25-36. ANZOLA, NR. Diagnóstico de los Recursos Hidrobiológicos en el Sector Colombiano del Rio Amazonas y Zonas Adjacentes. 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A impressão geral do consultor é de que a pesca artesanal nas três fronteiras está abandonada à sua própria sorte, sem créditos oficiais, nem extensão. Não encontrei em nenhuma localidade um sistema contínuo de coleta de dados de captura e esforço pesqueiro. As poucas informações obtidas foram pontuais, e assim, não dão uma idéia das tendências a longo prazo, que é o modo pelo qual se revelam as pescarias. As iniciativas em piscicultura são escassas e empíricas. Não se nota a presença dos governos sob a forma de extensão e créditos, embora a atividade seja bastante promissora em Guayaramerin/Guajará-Mirim e Cobija/Brasiléia, devido à existência de excedentes vegetais, facilidade de alevinos e estradas asfaltadas do lado brasileiro para se escoar a produção. 65 2. ROTEIRO DA VIAGEM Data 23/10 26/10 29/10 03/11 08/11 13/11 Origem Manaus Tabatinga/Letícia Ipiranga/Tarapacá La Pedrera Tabatinga Belém Destino Tabatinga (Brasil)/Letícia (Colômbia) Ipiranga (Brasil)/Tarapacá (Colômbia) La Pedrera (Colômbia) Letícia (Colômbia)/Tabatinga (Brasil) Belém São Paulo 3. LISTA DE ESPÉCIES Tabela 1: Lista de espécies de pescados mais importantes do Alto Solimões (preparada com a ajuda do Prof. Edwin Agudelo Córdoba do SINCHI) e na Amazônia Boliviana: Nome popular no Brasil Nome popular na Colômbia Nome científico Dourada Dourada Brachyplatystoma flavicans Piraíba/filhote Lechero Brachyplatystoma filamentosum Pirarara Guacamayo ou cajaro (Caquetá), torres Phractocephalus hemiliopterus (Tarapacá) Cara de gato, coroatá Capaz Platynematichthys notatus Barba-chata Barbachato ou barbianeho Pinirampus pirinampu Babão, melao ou flemoso Baboso Goslinia platynema Flamengo ou zebra Camiseto ou zebra Brachyplatystoma juruense, Dourada zebra Camiseto ou zebra Merodontotus tigrinus Surubim Pintadillo rajado Pseudoplatystoma fasciatum Caparari Pintadillo tigre Pseudoplatystoma tigrinum Piracatinga Mota ou sini Calophysus macropterus Jau ou pacamon Peje negro ou amarillo ou bagre sapo Paulicea lutkeni Peixe-lenha Peje lenho Sorubimichthys planiceps Piramutaba Pirabuton Brachyplatystoma vaillantii Tambaqui Gamitama Colossoma macropomum Matrinchã Sábalo Brycon sp Pirapitinga Paco Piaractus brachypomus Curimatá Bocachico Prochilodus nigricans 66 BRASIL/COLÔMBIA 4. LETÍCIA (COLÔMBIA) – 23 a 25/10/00 4.1. DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Bernardo Corrales Gomes – chefe da oficina do INPA (Instituto Nacional de Pesca e Piscicultura) Recursos humanos: O INPA local conta com um engenheiro de pesca, um técnico operativo, uma secretária, dois auxiliares, um auxiliar de monitoramento, dois motoristas, dois biólogos trabalhando com pintadillo (surubim) Pseudoplathystoma fasciatum no Putumayo, um recém-formado ainda em treinamento e um biólogo trabalhando com pintadillo no Amazonas. Pesca: • através do PRONATA (co-financiamento) está desenvolvendo um projeto de otimização das pescarias de pintadillo, P. tigrinum há 3 anos, no Amazonas e no Putumayo. O pintadillo é capturado com malhas pequenas e, juntamente com a dourada, é o pescado mais exportado para Bogotá; • realiza o monitoramento do desembarque do pescado ornamental e de consumo comercializado e transportado para Bogotá. Estima-se uma comercialização entre 7000 – 8000 t/ano. Além disso, há a exportação de 3 milhões de peixes ornamentais, onde a aruanã Symphysodon sp é a mais representativa; • faz a fiscalização do tamanho mínimo de captura, fornecendo cadernetas aos pescadores. Aquicultura: apesar do INPA não possuir estação de piscicultura, desenvolve um projeto de aproveitamento e fomento da pesca e aquicultura, onde, a UMATA (Unidade Municipal de Assistência Técnica Agrícola) e o SENA (Serviço Nacional de Aprendizado) fazem a capacitação, dando treinamento ao setor agrícola, microempresas, cooperativas, ensinando técnicas de piscicultura e conserto de motores para a pesca comercial. Ração: o INPA está estudando a formulação de farinha de pescado (piracuí) e a formulação de ração para piscicultura com os recursos disponíveis: mandioca, milho, orelha de elefante (um tubérculo) e vísceras de pescado. Outros projetos: • azeite de pescado para fazer sabões finos, aproveitando tecnologia indígena, onde a matériaprima básica é a gordura cavitária do pescado; • desenvolvimento de tecnologia artesanal para curtir couro de pescado; • desenvolvimento de piscicultura de consumo (seguridade alimentar), usando resíduos vegetais e restos de comida; 67 • desenvolvimento de pelets (que possui até 82% de proteína) para pirarucu e tambaqui através de farinha negra (manufaturada à partir das vísceras de pescado) e farinha branca (manufaturada à partir das nadadeiras e carne); • pretende fazer um zoneamento das pescarias, a fim de melhorar a ocupação da zona de pesca; • desenvolver novas tecnologias de captura e refrigeração do pescado. Problemas: • o INPA necessita de mais funcionários para fazer o trabalho de monitoramento da comercialização do pescado, principalmente no período noturno, pois muitos aviões transportam pescado para Bogotá durante a noite, ficando assim, sem controle; • o principal problema da pesca é a falta de crédito, principalmente para reparar e repor os aparelhos de pesca; • é necessário um extensivista que visite as pessoas na região rural, para educação sobre pesca e piscicultura responsáveis; • falta de intercâmbio científico com cientistas internacionais. 4.2. DESCRIÇÃO DA AQÜICULTURA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Dr. Carlos Augusto CorpoAmazonia/Leticia – Diretor de Projetos. Pinto Hernandes – Estação Piscícola de Relato: Linhas de pesquisa: pescados de consumo, pescados ornamentais e saúde. 1. Pescados de consumo Método: reprodução induzida Pescado: tambaqui, matrinchã Bricon melanopterus, curimatá P. nigricans, pacu Pyaractus brachypomus (ex-pirapitinga). Em 2001 espera-se trabalhar com pintadillo Pseudoplatystoma fasciatum, P. tigrinum e com o mapará Hypophthalmus edentatus. Método: desova semi-natural (semelhantes à natureza, porém em tanques) Pescado: cará Astronotus ocellatus, pirarucu, aruanã, cará Geophagus sp, gupie (forrageamento para pirarucu), matapiri Astianax sp (forrageamento para pirarucu e aruanã). 2. Pescados ornamentais Histórico: os estudos se inciaram em 1996 com a caracterização geral da captura e comercialização de pescados ornamentais no Departamento de Amazonas (de onde Letícia é a capital). Foram identificadas as espécies, a comercialização, o manejo e a patologia (profilaxia). Detectaram a comercialização de 80 espécies. Depois desses estudos, pescadores e despachantes perceberam o baixo valor agregado, pois a profilaxia e qualidade dos animais capturados eram ruins devido aos aparelhos de captura que eram inadequados e os animais chegavam muito feridos. Entre 1996-98 fez-se um trabalho de monitoramento mensal das capturas em Letícia. Em 1997 foi realizado um estudo da mortalidade dos peixes trazidos para Letícia antes de serem 68 vendidos. Notou-se que muitos animais já chegavam doentes, machucados e infectados com fungos. Em 1998 submeteram um projeto ao Banco Mundial “Capacitacion y Transferencia de Tecnologia em Manejo, Profilaxis y Alimentacion de Peces Ornamentales a las Comunidades de Pescadores y Atravessadores Primarios en el Departamento de Amazonas”, o qual encontra-se em desenvolvimento. Atualmente, estão escrevendo um projeto para reprodução induzida do jaraqui Semaprochilodus spp, vários caracídeos e siluriformes. Pescados mais importantes: aruanã Symphysodon sp (a importância deste peixe é quanto ao valor econômico), Coridoras sp, Otocinclus sp (a importância deste peixe é quanto ao volume, pois é vendido em grande quantidade). Observações: A aruanã não precisa de reprodução induzida, pois se reproduz com facilidade. O pequeno aruanã no Japão é visto como um dragão, símbolo de boa sorte. 3. Saúde Objetivos: estão testando os juvenis de acará-açu e gupie para controlar as larvas de insetos vetores de doenças. Justificativas: os tanques de piscicultura na região transformaram-se em criatórios de anofelinos e Aedis aegipty. Diagnóstico preliminar do consultor: 1. O Corpoamazônia possui boas instalações; 2. Além do Corpoamazônia só o SINCHI está fazendo pesquisa em piscicultura, numa estação experimental em Araracuara, no alto Caquetá. 3. Em Letícia há apenas 16 ha de área com piscicultura, pois ainda existem pescados grandes nos rios o que dificulta a competitividade da piscicultura. 4. Falta extensão rural. 5. O preço da ração é elevado devido ao custo de transporte respondendo por cerca de 70% do custo de produção da piscicultura. Propostas preliminares: 1. Uma alternativa, apresentada pelo pesquisador do Corpoamazônia, seria a produção de ração à partir de restos de pescado como sugerido pelo Sr. Bernardo do INPA, pois o desembarque em Letícia é da ordem de 10.000 t/ano e as vísceras, nadadeiras e cabeça são jogadas fora. O problema é como recuperar essas vísceras, pois o pescado é trazido para Letícia descabeçado e eviscerado, por exigência do mercado. A parte de fibras e carboidratos viria da pupunha, 69 mandioca, feijão e frutos provenientes de pomar para peixes. Não seria viável a utilização de milho, soja, farinha de osso bovino nem sangue de boi pois não são produzidos no local. 2. Não se sabe qual é a produção desses últimos ítens. Assim seria necessário quantificá-los. 3. Embora não haja produção comercial de alevinos em Letícia, no Corpoamazônia há capacidade técnica e espaço para produzir. Basta haver oferta que haverá consumo. O problema é o preço e produção da ração. 4. Estratégias: apoiar o Corpoamazônia e o SINCHI. O Dr. Carlos Augusto Pinto apresenta características pessoais que permitem um trabalho em conjunto, o que viabiliza um suporte mais acentuado. 4.3. SECRETARIAS DE MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA ENTREVISTADO: Sr. John Alex Benjumea Moreno – Prefeito de Letícia Relato: Fizemos uma reunião com o senhor Prefeito, o consultor e os pesquisadores do SINCHI Edwin Agudelo Córdoba e Luís Eduardo Acosta M. Sugestões: 1. filetar e postar o pescado em Letícia, gerando 2000 empregos; 2. obrigar os atravessadores a comprar o pescado inteiro para aproveitar a cabeça, vísceras e nadadeiras para a produção de ração para piscicultura. 5. COMUNIDADE DE BANANAL (à beira do rio Solimões, 2h de barco a motor de 150 HP abaixo de Letícia) - 26/10/00 COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. Gustavo Dias – comprador de pescado. Relato: Pescadores: em Bananal vivem cerca de 400 pessoas que basicamente dependem da pesca. Petrechos: a maioria dos pescadores pesca com rede de deriva, com malha de 20 cm entre nós opostos. Época de pesca: os melhores meses para a pesca são Agosto/Setembro quando a dourada sobe o rio juntamente com outras espécies. Emprega-se o arpão, o arco e flecha. Estimativa de produção: comercializadas cerca de 15 – 20 t/mês Conservação: o gelo vem de Letícia em barra de 30 kg custando R$3,00. O gelo é limitante, mas não como a gasolina que é racionada pela Polícia Federal, na Base do Anzol, para inibir o narcotráfico na região. Em cada viagem de Letícia, de acordo com a norma da Polícia Federal, rio abaixo, cada barco só pode transportar 400 l de gasolina. Assim, o Sr. Gustavo tem muita dificuldade em suprir seus pescadores com combustível, diminuindo sua produção. As perdas, quando ocorrem, são pela falta de gelo. Perde-se cerca de 300 kg/mês. Não há interesse em comprar pescado salgado porque não há comércio. 70 Comercialização: compra pescado de 35 barcos. Vende malhadeiras, motores, barcos, etc. e o pescador paga com pescado. O pescado é enviado para Letícia num barco de 3t. O senhor Gustavo também tem um pequeno armazém. Os pescados pequenos são vendidos eviscerados e descabeçados e os grandes são vendidos descabeçados. Para este trabalho emprega um menino. Há mais 2 ou 3 comércios de pescado em Bananal, porém, o Sr. Gustavo é o maior comprador. Tabela 7: Preço de compra e venda do pescado (R$) em Bananal em outubro de 2000. Pescado Compra Dourada 3,00 Pescado pequeno e machucado (pescado de 1,50 segunda) Tambaqui (grande) 2,50 Piraíba 2,00 Filhote 2,00 Piramutaba 0,80 Surubim 3,00 Venda 3,50 3,00 3,00 2,50 2,50 1,00 3,50 Impostos: paga taxa de R$ 120,00 para a SEFAZ (Secretaria da Fazenda do Estado do Amazonas). Não paga taxa alfandegária para exportar o pescado. Só os despachantes em Letícia é que pagam. Piscicultura: não há projetos de piscicultura na comunidade. 6. COMUNIDADE DE SANTA RITA (3 h de barco abaixo de Letícia) – 26/10/00 COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. Belciclei Tavares Muller Relato: Comunidade: abriga cerca de 1000 pessoas, a maioria se dedica à pesca. Não há agricultura intensiva devido a inundações. Pertence ao Município de São Paulo do Olivença, possui escola (até 8ª série) e Posto de Saúde, mas não tem Colônia de Pescadores. Petrechos: o aparelho mais usado na cheia é a rede de deriva, malha de 20cm (nós opostos), para pescar a dourada e a piraíba. Na época da seca usam apenas o anzol. Ambiente: tem igarapé com água limpa. Pescado: o pescado mais abundante nesta época é o surubim; a dourada é mais rara. Embora o tucunaré e a pescada sejam bastante abundantes nos lagos, os pescadores não pescam porque não há mercado. Estão apenas interessados em capturar os bagres migradores para vender em Letícia. A maior dourada capturada aqui tinha 58 kg. O peso médio da dourada varia de 8 – 15 kg. Conservação: gelo proveniente de Letícia. Pagam $ 2500,00 pesos/barra de 50kg ($1070,00 = R$1,00). Não reclamou de perda de pescado. O gelo não é vendido ao pescador, servindo como um meio de prendê-lo ao comprador. 71 Comercialização: na comunidade há 6 compradores de pescado. Compram pescado de 10 a 15 pescadores, dão o rancho e às vezes emprestam o motor. Compram em média 4 t/mês (nos meses melhores mais de 10t). A dourada aqui é vendida eviscerada e descabeçada. O preço parece não variar com o tamanho do pescado. Tabela 8: Preço de compra e venda do pescado (R$) na Comunidade de Santa Rita em outubro de 2000. Pescado Dourada Cachorro Tambaqui (maior que 5kg) Piraíba, Filhote, surubim Piramutaba Barba-chata Compra 2,00 1,00 2,00 1,50 0,50 0,50 Venda 3,50 2,00 3,00 2,70 1,20 1,20 Combustível: compram gasolina em Letícia por R$1,00/litro e vendem ao pescador por R$1,50/litro. Fiscalização: têm boa relação com os fiscais do IBAMA que os tratam bem. Piscicultura: não há projetos de piscicultura na comunidade. 7. SÃO PAULO DE OLIVENÇA - 26/10/00 7.1. DESCRIÇÃO DA PESCA E PISCICULTURA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Presidente da Associação de Pescadores de São Paulo de Olivença – Informação coletada pelo Prof. Luís Eduardo Acosta M. Relato: Pescadores: atualmente existem 172 pescadores associados, onde mais de 60% são residentes de São Paulo de Olivença. A maioria dos pescadores são profissionais, sendo minoria os polivalentes residentes na parte rural, praticando agricultura e pesca de subsistência. Um pescador associado paga uma cota de inscrição de R$ 5,00 com uma contribuição mensal de R$ 2,00. A média de membros por família é de 8 pessoas. Pescado: Captura-se mais peixes de couro e pouco tambaqui e pirarucu. A Associação estima um volume de pescado capturado em torno de 50t/mês. Comercialização: Atualmente, os atravessadores pagam R$ 3,00 por pescado de primeira e R$ 1,70 pelos de segunda. Na entressafra, o peixe de primeira aumenta para R$ 5,50 e o de segunda vai para R$ 3,00. Todo pescado comercializado em São Paulo de Olivença tem como mercado final os atravessadores de Letícia. Pesca: O preço por litro de gasolina é R$ 1,75 (R$ 6,50/galão, proveniente da Colômbia). Os pescadores não possuem sistema de refrigeração do pescado, o que implica em menos dias de pesca. Os motores das embarcações são pouco potentes. A comercialização é marcada pela 72 presença de atravessadores. Os produtores do setor primário não possuem crédito bancário. Não existe acompanhamento técnico institucional para apoiar os pescadores e a Associação. Não existem programas ou projetos neste sentido. A fábrica de gelo passará a ser administrada pela Associação. Piscicultura: não há projetos de piscicultura no Município. 7.2. COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. Ide de Vargas Ramos – dono de frigorífico Relato: Comunidade: A cidade de São Paulo de Olivença vive da pesca. Os quartos frios geram diretamente cerca de 50 empregos. O de Vargas paga R$ 100,00/mês para 1 funcionário. Sistema de conservação: capacidade de produzir 45 barras de gelo de 25kg com armazenamento na câmara fria de 4 t. Na cidade há 10 frigoríficos, o maior tem capacidade para gelar 30t e os outros entre 10 e 15t. Se fosse vender o frigorífico valeria R$ 60.000,00. Uma única pessoa é dona de 3 quartos frios e uma fábrica de gelo. Conservação: Não perde pescado. Na entressafra guarda gelo na câmara para vender posteriormente. Comercialização: todos compram pescado para mandar para Letícia. Vendem gelo a R$2,00/barra, unitário e em quantidade R$1,50/barra. Na época da safra a freqüência de enviar pescado para Letícia aumenta. O Governo do Estado do Amazonas também tem uma fábrica de gelo britado que vende por R$ 2,00 o saco de 50kg. Tabela 9: Preço de compra e venda do pescado (R$) em São Paulo de Olivença em outubro de 2000. Pescado Dourada Surubim Tambaqui Filhote Piramutaba Piracatinga (mota) Compra 3,00 2,50 3,50 3,00 0,50 0,80 Venda 3,70 2,90 5,00 (Manaus) 3,70 1,00 1,40 Imposto: SEFAZ cobra R$150/t de imposto de exportação, mas muitos pescadores viajam à noite para não pagar a taxa. Piscicultura: não há projetos de piscicultura no Município. 8. SANTO ANTÔNIO DO IÇÁ - 27/10/00 COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. Helder de Lisboa Ribeiro da Costa – dono de frigorífico. 73 Relato: Pescadores: estima que haja cerca de 1000 pescadores no Município. Pescado: safra de julho a outubro quando a água está baixando. Combustível: parece que a gasolina aqui não é tão limitante, só na época da seca, pois não falta gasolina na cidade. Sistema de conservação: na cidade há 6 frigoríficos com capacidade total de congelamento de 90t. Aqui há uma fábrica de gelo, e ainda o trazem da Colômbia. Seu frigorífico vale R$ 30.000,00. A produção de pescado salgado seco dos rios Purus e Juruá também vai para Letícia. Comercialização: compra pescado para vender em Letícia. Também há barcos colombianos que vêm de Letícia e vão até Fonte Boa comprar pescado. Há um frigorífico de Manaus que começou a comprar pescado em Santo Antônio do Içá. Devido à alternância de oferta de pescado uma balsa frigorífica de Manaus, com capacidade de 300t, veio até Santo Antônio e parece pretender vir mais vezes para comprar pescado. A Prefeitura local pretende montar outra fábrica de gelo. O seu frigorífico compra 20 t/mês gerando um lucro R$ 9.000,00. A cidade inteira produz cerca de 100 t/mês (calculando um lucro de venda de R$ 0,50/kg e R$ 1.000,00 de gastos). Fora da safra o seu frigorífico produz menos de 5t e ao todo, na cidade, são produzidas 30t. Em alguns casos os donos de frigorífico têm financiamento de atravessadores de Letícia e vendem só para eles. Um mês antes da Semana Santa o preço do pescado sobe muito. Nessa época vem pescado até de Manacapuru, perto de Manaus. O pescado miúdo é vendido na cidade e os bagres são exportados. Tabela 10: Preço de compra e venda do pescado (R$) em São Paulo de Olivença em outubro de 2000. Pescado Dourada Surubim Filhote Tambaqui Piracatinga Piramutaba Compra 2,00 1,80 2,00 4,00 0,50 0,50 Venda 2,80 2,70 2,80 - Venda em Letícia (R$) 3,50 3,20 3,50 5,00 Fiscalização: a fiscalização da Polícia Federal não é tão intensa. 9. MAMORIÁ (Médio-baixo rio Içá) – 27/10/00 DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Sr. Cristóvão Isidro Relato: Comunidade: nela vivem 8 famílias que se dedicam basicamente à agricultura plantando milho, mandioca, feijão, banana. Criam porco, galinha e gado. Pescam pouco, embora a pesca seja abundante. 74 Pescado: capturam dourada, surubim, piraíba (até de 80kg). Há pouco tambaqui e pirapitinga devido ao alto esforço pesqueiro da frota de Manaus, que, agora, foi afugentada pelo Exército sediado em Ipiranga, 4 h rio acima. Conservação: vendem pescado salgado para compradores de Santo Antônio de Içá, pois aqui já não chega gelo. Ambiente: o rio Içá agora está cheio, mas vai secar depois de Finados. O pico da seca é em fevereiro, embora outra seca ocorra em setembro. O pico da cheia ocorre em Junho-Julho-Agosto. Pesca: de subsistência. Vendem apenas o excedente. Petrechos: capturam o pescado com malhadeira e anzol de poita. Comercialização: vendem pescado a R$ 1,20/kg. 10. IPIRANGA/TARAPACÁ (COLÔMBIA) - 28/10/00 10.1. DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO DE TARAPACÁ ENTREVISTADO: Dagoberto Martinez Jimenez – Presidente de la Associación de Pescadores Artesanales de Tarapacá Relato: Pescadores: há 82 pescadores associados; no momento há cerca de 520 pessoas que dependem da pesca em toda a área compreendida pela Associación. Trabalham também com a agricultura e extração de madeira, principalmente de cedro. Sistema de refrigeração: estão tentando obter verbas governamentais mas até agora não tiveram nenhum sucesso, para a construção de um quarto frio, para 18 t (no valor de R$ 81.200,00). O quarto frio que havia em Santa Clara, uma comunidade logo acima de Tarapacá, dependia da Comunidad de Puerto Nuevo, o que não sustentava os custos. Pescado: estima que a produção de pescado no mês mais abundante seja de 10t. A época de maior abundância é no verão: janeiro até metade de abril e veranillo: julho-setembro. No verão captura-se piraíba, dourada ou plateado, pintadillo ou surubim, tambaqui ou gamitana, pirarara. Os mais abundantes são a dourada na seca e o pintadillo na cheia. Petrechos: malhadeira (ondera) e a “drift net” (rede de deriva) de fundo. Medem de 200 a 250m. A drift net (flotante) tem 10 m de altura e a ondera (ou chenichoro) 3m. Usam malha de 20 cm nós opostos. Usam também anzol e arpão. Captura-se pirarucu com arpão e com malha. Ambiente: segundo ele, o rio Jutaí é rico em pescado, pois há muitos lagos de várzea. Combustível: a gasolina é abundante e custa 4.000 pesos/galão. Problemas: Não há fábrica de gelo nem câmara fria na cidade. A existência da câmara fria conseguiria resolver todos os problemas de comercialização. Nesse caso, sempre que se conseguir juntar 8t de pescado, um atravessador de Letícia mandaria um barco para comprá-lo e transportá-lo. Comercialização: vendem o pescado fresco (e seco) a compradores brasileiros, colombianos e peruanos. Quando havia aeroporto enviavam de avião para Letícia. O pirarucu, pintadillo, dourada, piraíba, pirarara (cuchinama), peje negro (pacamon), gamitama, sete barbas Goslinia platynema, camiseta Brachyplastystoma puruens, cara de gato Platynematistis notatus, todos de primeira, são vendidos seco e salgado a 2000 pesos/kg. Os compradores de pescado em Bogotá não gostam de comprar o pescado filetado ou em posta porque este tem a reputação de ter sido filetado ou postado 75 porque já não estava em boas condições. Como existe mercado para o tambaqui, seria vantajoso para o pescador, paralelamente, criar peixes em tanques. Estimativa do ganho, baseado no dado de 9,32 t/mês, representativo de todos os meses: 9320kg ÷ 30dias = 310,7 kg/dia 310,7kg ÷ 82 pescadores = 3,8 kg/pescador/dia 3,8 kg x 260 dias (nº médio de dias por ano em que pescam) = 988 kg 985kg x R$ 3,00 = R$2964/ano pesqueiro R$2964,00 ÷ 12 = R$ 247/mês/pescador, sem considerar as despesas. ENTREVISTADO: Alexander Alfonso e Olga Lusia Arenas – Biólogos do INPA – Tarapacá. Relato: Estudam biologia e pesca do pintadillo. Este pescado não executa extensas migrações e possui alto valor comercial. Estão trabalhando com as comunidades indígenas. 10.2. SECRETARIAS DE MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA ENTREVISTADO: Deputado Samuel Muñoz Pires Relato: Comunidade: cerca de 900 pessoas com 2200 no Corregimiento (Município). Há muita caça de cotia, porco do mato, paca, capivara. Pesca: há escassez de pescado em Tarapacá por duas razões: 1. O rio Jutaí/Putumayo nunca foi um rio muito piscoso; 2. Houve depleção local do tambaqui e outras espécies por causa do excesso de esforço pesqueiro, de pescadores provenientes de Manaus e do Peru. Sistema de conservação: havia, até 4 anos atrás, um frigorífico de 40t. Ele reputa a sua existência a diminuição local de pescado. Pescadores: não há pescadores profissionais, apenas de tempo parcial, que vendem o excedente salgado/seco para os barcos que os levam para Porto Assis, Letícia e Peru (embora os peruanos não gostem de comer bagres). Ambiente: Os igarapés não secam durante o verão, embora sejam ácidos, mas fáceis de corrigir com cal. 11. SANTA CLARA – 28/10/00 COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. Benedito Silva – encarregado do sítio de Santa Clara, propriedade do Sr. Casanare, grande intermediário de Letícia. Relato: 76 Ambiente: o Putumayo não é muito bom de pescado porque é raso com águas claras e, quando inunda, os peixes se espalham, ficando difícil capturá-los. Há muitos lagos, entretanto, há pouca dourada e piraíba. Pesca: Abril-maio: enchente – melhor mês para pescar, o pescado mais abundante é o surubim. Em setembro ocorre o repiquete, e daí a subida do surubim por 15 dias. De outubro a dezembro a pesca é razoável, com as espécies: baboso, dourada, piraíba. De dezembro a fevereiro há a ocorrência de tambaqui e pirapitinga. Pescado: é mais abundante o pirarucu, o surubim e tambaqui, que são pescados de lago. Ainda há tambaquis de 35 kg, mas o rio é muito pescado. Até 5 anos atrás o tambaqui era muito abundante. Há pouca matrinchã e bastante curimatá. O tucunaré tem valor em Letícia apenas no varejo, pois os atravessadores não se interessam por ele. Sistema de refrigeração: havia um quarto frio de 18t que foi desativado devido à má administração. Nunca chegaram a enchê-lo, pois enviavam 6 t de cada vez para Letícia, em barcos que o Sr. Casanare mandava até aqui. 12. IPIRANGA – 28 e 29/10/00 DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Alcides Cajueiro Relato: Pesca: o rio está ruim de pescado. A população aumentou muito e ocorreu depleção dos estoques. O tenente Rodrigo, comandante da Base do Exército em Ipiranga, proibiu a pesca comercial, não permitindo que os compradores de pescado aportem aqui para comprar o produto. O pirarucu diminuiu bastante. Antes da proibição os pescadores vendiam o pescado seco salgado para compradores brasileiros de Santo Antônio de Içá, Tefé, Coari e Tabatinga. ENTREVISTADO: vários pescadores de Ipiranga Relato: Pesca: quase não há pesca comercial porque os compradores de pescado têm receio de aportar em Ipiranga pois os militares são muito restritivos. A maioria dos pescado capturado é consumido e o excedente vendido localmente. O Ten. Rodrigo, porém informou que fiscaliza a pesca, embora, não seja função do Exército. Fiscaliza a pesca do pirarucu, principalmente no lago da Glória e o restante da pesca, embora com restrições, é livre para outras espécies. Impressão do consultor: Note aqui como as opiniões e informaçòes são conflitantes. A impressão geral é que o rio Iça/Putumayo é rico em peixes de escama, embora tenha sofrido extenso esforço pesqueiro da frota comercial de Manaus, que deve Ter usado malhadeiras nos lagos que são pouco povoados. O rio é muito raso para os grandes bagres migradores. 13. LA PEDRERA (COLÔMBIA) - 30/10/00 e 01/11/00 77 13.1. DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Nelson Silva – pescador (cuerdero) Relato: Pescado: Maior piraíba capturada em la Pedrera – 190kg, 2m Maior dourada – 38kg, embora o Dr. Edwin Agudelo informou que houve captura de uma dourada de 42 kg no local. Já houve casos do jaú atacar pessoas. Há relatos para a piraíba também, mas em menor escala Pesca: quando está bom para pescar dá para pegar até 80kg/dia. Um dia ruim rende 10kg ou nada. A pesca sempre ocorre à noite. Quando a cor da água fica suja ou quando começa a baixar, também se pesca durante o dia. Este ano o rio está diferente, pois já era para estar quase seco. Assim, no momento está ruim para se pescar. Petrechos: pesca com malha, corda, arpão, espinhel. Isca o anzol com pescado (chamado carnada), sardinha (arenca – Triportheus sp e Hemybricon sp). Amarram a corda nas árvores. . ENTREVISTADO: Carlos Moraes – pescador Relato: Embarcação: é proprietário de um barco frigorífico de 8t que desce o Japurá inteiro comprando pescado fresco e salgado, funcionando também como regatão. Abaixo, há barcos pesqueiros de 40 a 50t esperando o matrinchã sair do lago para capturá-lo. Comercialização: em Limoeiro, no médio Japurá/Caquetá há um frigorífico que compra pescado. Em Maraã, outro Município abaixo de Limoeiro, há um brasileiro, Sr. Basílio, que compra e vende pescado para os barcos itinerantes. De Maraã para baixo nào há compradores de pescado. Assim, os moradores vendem para pescadores-geleiros de Tefé e Manaus. O preço do pescado fresco, rio abaixo, é menor, cerca de R$ 1,80/kg de pescado fresco. Ele acha que o preço é mais baixo porque lá o pescado é mais abundante devido à maior ocorrência de lagos. Pescado: de Maraã para baixo ocorre intensa pesca de grandes bagres que são vendidos para quem se interessar. Quase não há pesca de jaú. Aqui, em La Pedrera, a pesca é menos abundante porque o espaço para pescar é menor, devido às reservas indígenas e o esforço pesqueiro é maior. Petrecho: a maioria do pessoal pesca com malhadeira. Uma malhadeira de 400m para pescar dourada vale R$ 1.000,00, malha 20cm, com 2 m de altura, trabalhando no fundo do rio. ENTREVISTADO: Daniel Dias Cuellar – pescador profissional 78 Relato: Pesca: a abundância de pescados em diferentes trechos do rio depende da piracema e as condições podem variar muito de um dia para outro. Porém, o melhor lugar para pesca é a cachoeira (chorro) de Córdoba. De 5 a 8 pescadores podem capturar num dia de 400 a 500 kg de pescado. No pico da pesca chega a haver 40 pescadores pescando em turnos. Este ano não houve piracema que normalmente ocorre entre julho a agosto. Há dois anos atrás também não houve piracema. Petrechos: há dois tipos de malhas: estacionária na superfície ou no fundo e a deriva que também pode ser flutuante ou de fundo. Todos têm a mesma malha (20 ou 22 cm entre nós opostos). Pescado: a piraíba é mais fácil de capturar do que a dourada. Isto porque a piraíba é capturada com rede ou com anzol e a dourada quase só com rede. A piraíba migra só e a dourada em cardumes. Há mais fêmeas que machos de dourada. Com a piraíba ocorre o contrário. Maior dourada: 42 kg Maior piraíba: 180 kg Maior caparari Pseudoplatystoma tigrinum: 28 kg Pesca: acha que as pescarias pioraram porque diminuíram os tamanhos e mais ainda a freqüência de cardumes e de bagres solitários. Capturam piraíba e dourada maiores que 4 kg. Confirma teoria vigente de que estes bagres crescem enquanto sobem os rios. Vê um futuro sombrio para a pesca porque esses bagres têm sido muito pescados, 24 horas por dia no Brasil. Como aqui não há criadouros, dependem da zona abaixo. 13.2. COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Miller Henrique Trujilo Bonelho Relato: Sistema de refrigeração: Possui um quarto frio de 15 t. Na cidade há mais três, um com capacidade para 20 t, os outros 2 estão inativos um com 30t e outro com 6t. Em la Pedrera só há energia elétrica das 17:30 – 22:30 e das 12:00 – 14:00, portanto, para funcionar 24h por dia dependeria de gerador próprio, tornando-o economicamente inviável. Assim, na sua opinião, quem montar uma fábrica de gelo em Vila Bittencourt teria bom lucro porque lá a energia elétrica durante 24 h, fornecida pelo Exército. Pescadores: cerca de 80 a 100 pescadores em la Pedrera. O senhor Miller não fornece rancho ao pescadores. Assim, compra de que vem lhe vender não tendo pescador certo. Pesca: há três anos atrás havia mais pescado em La Pedrera, provavelmente o excesso de esforço pesqueiro rio abaixo provocou a queda. Há duas temporadas de pesca: 1. Piracema: junho-julho: quando se captura de tudo; 2. Dezembro-janeiro: quando o rio está seco onde há mais dourada, piraíba e caparari. Comercialização: compra mais a dourada e a piraíba. A seguir vêm o pintadillo, jaú, chimbique ou piracatinga, barbachata, piramutaba (pirabutão). Há pouco tambaqui porque na região há poucos lagos. Estima que comercializa cerca de 50 t de pescado por ano. O outro despachante, cerca de 20 t/ano. Assim, o total para la Pedrera é de 70 t/ano. Estima-se que um total de R$150.000,00 circula 79 na cidade só advindo da pesca. Todo pescado é enviado para Vilavicênio de avião em lotes de 3 t (quando o avião é um DC3) ou 7t (quando outro maior como o Antonov) e de lá vai por estrada até Bogotá. Ele tem um sócio em Bogotá que vende o pescado por atacado. O varejista vende ao consumidor com acréscimo de 25 a 30%. No mês de setembro ele gastou $ 3.608.500,00 pesos e comprou $ 9.308.400,00 pesos de pescado. Diz que em setembro não teve nenhum lucro porque o preço caiu bastante em Bogotá. Compra pescado de pescadores individuais e de outro despachantes. Tabela 11: Preço de compra e venda do pescado (R$) em La Pedrera em outubro de 2000. pescado Dourada Caparari Lechero (piraíba) Compra (R$) 2,50 2,50 2,50 Venda (R$) 5,00 4,30 4,30 Tabela 12: Preço de venda (pesos/kg) ao atacadista de Bogotá (mayorista) em 26 de setembro de 2000, em La Pedrera, conforme anotações do Sr. Miller. Pescado Cajaro Amarillo Valenton Dorado Pirabuton Bagre – pintadillo Cachorro (baboso, pacamon, dourada danificado) Valor 2.320,00 3040,00 3600,00 4720,00 2160,00 3840,00 3040,00 Tabela 13: Cálculo da captura (kg) média diária de pescado ( x ), desvio padrão (s), coeficiente de variação (CV) e número de observações (n) durante os meses de setembro de 1999 a agosto de 2000, em La Pedrera. Cálculos realizados pelo consultor baseado em anotações do Sr. Miller. A abundância do pescado é julgamento particular do Sr. Miller Mês/ano Setembro/99 Outubro/99 Novembro/99 Dezembro/99 Março/00 Abril/00 Junho/00 Julho/00 Agosto/00 x 16.1 14.4 19.0 20.8 13.1 13.6 23.3 19.8 24.5 s 12.3 12.6 19.8 17.6 9.9 9.4 22.5 25.4 26.0 CV (%) 76.4 87.7 104.1 84.6 75.9 68.8 96.4 128.2 106.2 n 53 92 81 47 54 83 92 70 Abundância Regular Regular Melhor Melhor Ruim Ruim Piracema Piracema Piracema 80 Note que nas Tabelas 11 e 12 os preços de compra e venda estão bastante distantes, mostrando o bom lucro do Sr. Miller, que é um informante confiável, que pelo fato do consultor estar acompanhado do Sr. Edivin Agudelo, do SINCHI, seu amigo íntimo, mostrou-me todas as suas anotações. Na Tabela 13, se vê que as menores capturas médias se deram, realmente, nos meses que o Sr. Miller julga como ruins. Note como as capturas variam muito entre uma pescaria e outra, pelos altos coeficientes de variação. Problemas apontados: o transporte é caro devido ao custo de combustível. O preço do transporte de avião de La Pedrera a Vilavicêncio sai por R$ 1,00/kg. O caminhão cobra R$ 450,00 de Villavicênio a Bogotá por 3t de pescado (R$0,15/kg). Financiamento: não tem o que hipotecar, porque La Pedrera é um “corregimiento” e ninguém é dono da terra, tanto na cidade quanto na zona rural, daí, necessitando de um fiador que nem sempre está disponível. Imposto: Paga imposto de $13,00 pesos/kg à Prefeitura de La Pedrera, o que é irrisório! ENTREVISTADO: Sr. Rodrigo Geraldo Montoya – dono de câmara fria Relato: Sistema de refrigeração: Até pouco tempo não havia energia elétrica em la Pedrera, ocasionando um gasto mensal de 1 milhão de pesos com combustível para acionar o motor/gerador próprio. Agora com energia local, gasta entre 15 a 20 mil pesos por mês, o que aumentou seu lucro. A energia é subsidiada pelo Estado. Está querendo deixar o negócio, vender a casa de frios de 15t por $50.000.000,00 de pesos, pois a pesca está escassa, nunca vende mais do que 3t de pescado por mês. Está vivendo aqui apenas há 7 meses. Tinha um sócio que foi assassinado há três meses. Diz que não teve lucro, só perdas. Pretende ficar aqui até dezembro, ver se melhora a situação. Se não vai voltar para Bogotá. Se não fosse a escassez de pescado, o negócio seria lucrativo, mesmo com os custos altos de transporte. Ao se vender 3t/mês dá um lucro líquido de 2 a 3 milhões de pesos. Pesca: o rio tem pouco pescado, precisa de manejo. Piscicultura: Não vê futuro imediato para a piscicultura aqui devido ao custo de transporte. Além disso, na opinião do consultor, por falta de agricultura, não há insumos para fazer ração, o que inviabiliza ainda mais a atividade. ENTREVISTADO: Sr. Oscar Romero – dono de frigorífico Relato: Sistema de refrigeração: chegou aqui em 1976 e foi o primeiro a ter um frigorífico. Seu frigorífico tem capacidade de 30t, está fechado há 3 meses pois os custos estão muito altos, devido à escassez de pescado. Tem um custo operacional de cerca de $3,5 milhões de pesos/mês. Quando há abundância de pescado a arroba (12,5kg) custa 30.000 pesos e na escassez 80.000 pesos. É necessário ter boa noção do mercado se não perde dinheiro. Pesca: acha que o rio está descontrolado e assim não tem idéia quando a pesca vai melhorar. Piorou muito ultimamente, e há um ano chegou a um ponto crítico. Está ruim há 10 anos. Tanto a piraíba quanto o jaú diminuíram muito, tanto em número como em tamanho. A dourada também diminuiu, mas menos que esses dois outros. Em média 80% do desembarque em peso é a dourada, 5% piraíba, 5% jaú e 5% pintadillo. Reclama que o excesso de esforço da pesca da dourada na parte brasileira reflete-se aqui. 81 Comercialização: não tem pescadores cativos, não os financia. ENTREVISTADO: Sr. Carlos Orosco – comerciante e comprador de pescado Relato: Embarcação: tem um barco de 8 t, frigorífico. Comercialização: compra pescado aqui em la Pedrera e na Vila Bittecourt levando-os para Letícia. Ele mesmo despacha de avião para Bogotá. Faz isso porque o frete daqui por avião é caro. Desde janeiro, também tem comprado pescado salgado. Na volta de Letícia, traz estivas para vender em sua loja. Daqui a Letícia gasta 1000 galões de óleo diesel ($2700 a 3400 pesos o galão). A viagem demora de 8 a 10 dias. 14. VILA BITTENCOURT - 31/10/00 e 01/11/00 14.1. DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Sr. José Gonçalves de Oliveira dos Santos – comprador de pescado Relato: Pescadores: não há Colônia de Pescadores em Vila Bittencourt. Petrechos: espinhel (cerca de 200m) com 8 a 10 anzóis (nº 1/60) iscado com pescado (jaraqui, pacu, piranha, mandi Pimelodus sp). Pesca: a melhor época de pesca é em dezembro, onde pesca-se de Segunda a Sábado cerca de 160kg de pescado. O pior mês é agosto, pois o rio está muito cheio, onde a captura é a mesma, porém são pescados de escama, principalmente matrinchã, que não tem mercado de exportação. Usam caniço e rede e nessa época a pesca é mais de subsistência e os pescadores vão para a roça colher mandioca para fazer farinha. Pescado: acha que o pescado diminuiu, principalmente a dourada. Na crescente do rio, como agora, a piraíba aparece mais que a dourada, mas quando o rio está mais seco captura-se mais a dourada. Comercialização: existe uma venda marginal de matrinchã para o garimpo de Traíra na Colômbia. Vende a R$ 2,00/kg e o retalhista no garimpo vende a R$ 5,00/kg ou R$ 6,00/kg. De Serrinha, logo abaixo de Vila Bittencourt, até Santa Maria, em 5 horas de rabeta (rio abaixo) há apenas 10 famílias que pescam com espinhel (a maioria na seca) e alguns com malhadeira. Na última viagem comprou 70 kg de 2 pescadores. Em média traz 350 kg de pescado. 14.2. COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. João Batista Bizarrias Lopes – comprador de pescado. Relato: Sistema de refrigeração: capacidade de armazenamento: 500kg (3 freezers). Paga R$ 35,00/mês de energia elétrica. Existem mais 4 compradores com capacidade total de armazenamento de 1,8 t. Comercialização: compra mais dourada e piraíba. Comercializa em média 1,5 t/mês quando o rio está bom. Não comercializa mais porque não tem quarto frio e não tem mais dinheiro para comprar 82 pescado. Os outros compradores também comercializam mais ou menos a mesma quantidade. Todos os donos de freezer vendem para la Pedrera. Há cerca de 20 pescadores na Vila que vendem pescado para 5 despachantes. Fornece gelo para os pescadores a R$ 0,30/kg. Também compra de outros intermediários que têm freezer na Vila Bittencourt. Ele tem um comprador de pescado que desce até Santa Maria (4 h de motor de popa) para comprar pescado em seu nome. Tabela 14: Preço de compra e venda do pescado (R$) em Vila Bittencourt em outubro de 2000. Pescado Dourada e piraíba Tambaqui Pirapitinga Surubim Barba-chata Compra 2,30 1,50 1,00 2,30 0,30 Venda 2,60/2,50 2,00 1,50 2,60/2,50 0,50 Financiamento: acha que se tivesse financiamento bancário para construir um quarto frio (R$5.000,00), teria condições de pagá-lo. Precisa de cerca de R$ 500,00 de capital de giro para trabalhar. ENTREVISTADO: Sr. Adijaci Gomes Bonfim – comprador de pescado Relato: Pesca: calcula que há 15 pescadores na Vila. Acha que a pesca está igual nos últimos anos. Sistema de refrigeração: tem capacidade para estocar 800kg de pescado. Comercialização: compra mais a piraíba e a dourada e vende para qualquer comprador na Colômbia. Não tem pescador certo, compra de quem aparece. O lucro maior é de sua pequena mercearia, para onde o pescador traz pescado e leva mercadoria. Em setembro comercializou cerca de 1500 kg. Para novembro estima que vai comercializar cerca de 3t. Não financia o pescador, porque pode ocorrer que aquele a quem ele fia, vende o pescado para outro. Só compra e vende à vista. Acha que precisa de cerca de R$ 10.000,00 de capital de giro para tocar o negócio da pesca. Pretende montar uma câmara fria de 6 t, que viria de Bogotá, financiada pelos intermediários de la Pedrera. Custaria cerca de R$ 4000,00. A dourada corresponde a 70% de sua compra, no ano todo. Compra de pescadores da Vila Bitencourt e de fora da Vila, na mesma proporção. Tabela 15: Preço de compra e venda do pescado (R$) em Vila Bittencourt em outubro de 2000. pescado Dourada piraíba tambaqui Compra (R$) 2,80 2,50 1,50 Venda (R$) 3,20 2,80 2,00 83 ENTREVISTADO: Sr. Roberto Lourenço da Silva – “seu Belo” – comprador de pescado Relato: Sistema de refrigeração: tem dois freezers com 300kg de capacidade. Tinha 1 quarto frio de 5t de capacidade, que foi desativado por causa do sócio. Pescadores: calcula que existam de 60 a 70 pescadores profissionais. Pesca: Acha que o pescado está diminuindo. A época da desova da dourada é entre agosto e setembro. Da piraíba é em janeiro. O pescador captura em média 10kg/dia quando está ruim e 100 kg/dia quando está bom. Comercialização: compra do pessoal da Vila e de fora em igual proporção. Entrega para qualquer comprador de la Pedrera. Fornece gasolina e aparelhos, adquiridos à vista e a prazo. Fornece gelo fabricado no freezer a R$0,25/kg. Comercializa, atualmente, 1 t/mês; na época da seca até 2t/mês. Os despachantes de la Pedrera vêm buscar o pescado aqui, porque a gasolina está cara. Tabela 16: Preço de compra do pescado (R$) em Vila Bittencourt em outubro de 2000. Pescado Dourada Piraíba Compra R$ 2,30 R$ 2,30 15. SERRINHA (20 min de barco, abaixo de Vila Bittencourt) - 01/11/00 DESCRIÇÃO DA PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Prof. Raimundo Nonato Correa Gomes – morador há 1 ano Relato: Comunidade: Há 6 famílias vivendo aqui se dedicando predominantemente à pesca (o ano todo) e alguns também à agricultura. Pescado: dourada, piraíba, tambaqui, pirapitinga, capaz, baboso, zebra e camiseto, matrinchã, surubim. Pesca: O pescado mais capturado é a dourada, seguida da piraíba. A melhor época para se pescar é na seca. Os barcos de Manaus chegam até o rio Puri. Não chegam até Serrinha porque o Pelotão do Exército de Vila Bittencourt não permite. Para melhorar a pesca seria necessário um frigorífico e uma fábrica de gelo na região. Ele captura nesta época cerca de 400kg/mês. Pesca mais durante a noite embora seja também possível capturar os grandes bagres durante o dia. Petrechos: poita ou espinhel e malhadeira. A malhadeira grande (400m, malha de 20cm, nós opostos) “drift net” é propriedde do Sr. Miller, de La Pedrera. Uma malhadeira dessas custa cerca de R$ 1.000,00 já entralhada. Combustível: compra-o no flutuante de Vila Bittencourt ($ 6,20 pura/galão e em la Pedrela $4,90 e $5,20 misturada ou do Sr. Miller $5,00 o galão pura). Comercialização: vende o pescado para o Sr. Miller que está montando frigorífico em Serrinha. Os bagres de segunda, abaixo de 5 kg, são salgados para venda, apenas na Semana Santa, a 84 R$3,00/kg. Frescos são vendidos nesta época a R$ 1,50/kg. Pesca pirarucu mas com restrição. Na Semana Santa vende-o salgado a R$ 5,00/kg. O valor do pescado é alto, assim como o custo de vida, pois depende totalmente de Vila Bittencourt. Tabela 17: Preço de venda do pescado (R$) em Serrinha em outubro de 2000. Pescado Dourada Piraíba Tambaqui Pirapitinga Matrinchã Surubim (> 5kg) Piracatinga Venda 2,50 2,50 1,50 1,00 1,00 2,50 0,50 16. LETÍCIA (COLÔMBIA) – 04/11/00 COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Sr. Inácio Murcia Sanchez – gerente do frigorífico CENPEZ Relato: Sistema de refrigeração: tem 2 quartos frios de 30 t e 15 t. Tem também uma balsa de 10t. Informa que há 49 frigoríficos em Letícia com capacidade de armazenamento total na cidade de cerca de 700t. Empregos: o CENPEZ emprega cerca de 25 pessoas e, em Bogotá, cerca de 12. Estima que os atravessadores empregam cerca de 1500 pessoas diretamente e indiretamente mais de 1000. Se o pescado fosse beneficiado em Letícia poderia empregar mais 2000 pessoas diretamente. Beneficiamento do pescado: Nenhum frigorífico de Letícia fileteia ou posteia o pescado. É beneficiado em Bogotá por empresas especializadas que não tem contato com os frigoríficos de Letícia. Pesca: nos últimos dois anos não houve piracema porque o nível do rio Solimões subiu pouco. Pescadores: em Tabatinga há mais pescadores profissionais do que em Letícia. A proporção seria de 80% de brasileiros, 10% de colombianos e 10% de peruanos. Esta seria inclusive a proporção pela qual compram o pescado. Comercialização: compram basicamente bagres, pescados de escamas quando tem e pescado salgado. Paga $800/kg para mandar o pescado para Bogotá por avião. Estima que dê um lucro de $300/kg, depois de descontar a mão de obra e a energia elétrica. O frigorífico Friúba (que se localiza em Manacapuru, próximo a Manaus) está comprando surubim e caparari em Tefé. Não 85 compra dourada (que não tem preço). As pessoas têm comprado os pescados mais baratos devido à situação econômica do país. Em média comercializa 50 t/mês. O maior intermediário de Letícia comercializa cerca de 220 t/mês. O preço do transporte de avião varia de 500 pesos (na entresafra) até 1000 pesos/kg na safra. A influência de Letícia se estende até Tefé na compra de pescado. Tabela 18: Preço de venda do pescado ($) em outubro de 2000. pescado Dourada Lechero Pintadillo Barba-chata Mota Pirarara Jau pirabuton Compra (pesos/kg) 3600,00 2500,00 3500,00 1200,00/1300,00 1800,00 2000,00 2300,00 2300,00 Venda (pesos/kg) Preço de venda estimado em Bogotá (pesos/kg) 5200,00 7000,00 4800,00 5500,00 5000,00 6000,00 3200,00 4000,00 3600,00 4500,00 3400,00 4300,00 4000,00 5000,00 3840,00 5000,00 Impostos: o comerciante paga para a Prefeitura $16500,00 pesos/tonelada. Assim, se assumirmos que o desembarque médio anual em Letícia é de 10000t/ano, isso rende para a prefeitura apenas $165.000,00/ano. Há tributos próprios para o INPA e para o Departamento. Problemas: queda de produção mas ele não sabe se é pela falha da piracema. 17. PUERTO NARIÑO (COLÔMBIA) - 05/11/00 COMERCIANTES ATACADISTAS E VAREJISTAS DE PESCADO ENTREVISTADO: Orlando Rota Relato: Estrutura: há três compradores de pescado na cidade. Não há quarto frio, porque não há eletricidade suficiente. Não há fábrica de gelo, que vem de Letícia. Ele tem uma caixa com gelo para guardar 700kg de pescado. A capacidade dos três compradores é de 1,3 t. Calcula que haja cerca de 40 pescadores. O Município deve ter no máximo 1500 habitantes. Fica cerca de 2h de Letícia rio acima por motor de 40HP. Pescado: o pescado mais comprado é o pintadillo. Petrechos: a maioria dos pescadores não usa malha, só anzol, porque há muita pausada (árvores no leito do rio). A captura de dourada é pequena e a da piraíba um pouco melhor. 86 Pesca: o pescado no momento está escasso. Comercialização: comercializa cerca de 800kg/mês. Tabela 19: Preço de venda do pescado em pesos ($) em Puerto Nariño em outubro de 2000. pescado Pintadillo Lechero Dorada Compra (Pesos/kg) 2300,00/2500,00 2300,00/2500,00 3500,00 Venda (Pesos/kg) 3100,00/3200,00 3100,00/3200,00 4000,00 ENTREVISTADO: Sr. Rafael Zapata, comprador de pescado e pescador Relato: Limpeza do canal: costumam limpar o canal do rio retirando a pausada. Usam uma corda com pedra ou chumbo para arrastar os troncos para a beira de rio. Em geral, chegam a limpar um trecho de canal de até 4 km (cerca de uma hora de baixada da rede). Fazem isto para empregar a rede para capturar dourada. O processo é demorado e caro, pois gasta muita gasolina. Quem financia os pescadores é o intermediário, que fica dono do trecho. A limpeza é constante porque sempre vêm madeiras com a enchente. Ele tem 4 trechos de pesca sob seu domínio. Não há invasão de território por outros pescadores. Para ele, trabalham 25 pescadores. Pesca: os melhores meses para pesca com anzol são junho, julho e dezembro. Para a pesca com rede o melhor mês é janeiro. A piracema da dourada ocorre no inverno, a partir de 20 de fevereiro, com cardumes inconstantes. Aqui a pesca é mais irregular, porque o esforço pesqueiro é muito grande. A piraíba é mais capturada com poita – estiradeira. A dourada é mais capturada com malhadeira de 350 braças, 1 braça e meia de altura, 21 cm entre nós opostos, pesca no fundo. Acha que a abundância tem diminuído. Comercialização: dois meses antes da Semana Santa o pescado alcança melhor preço, chega a subir até 90% (de $ 2500,00 vai para $ 4500,00). Seu freezer é de 500 kg. Ele é quem leva o pescado à Letícia. É proprietário das malhadeiras (tem 20, custa R$ 3.000,00 cada uma). Fornece barcos, motores, gasolina, óleo lubrificante e gelo. Tem várias formas de associação: 50% de cada, ou fornece tudo e depois desconta. Durante a temporada favorável chega a comercializar 3t/mês e na ruim 1t/mês. Seu maior custo é a gasolina, 5000 pesos/galão, misturada, aqui em Puerto Nariño. Em Letícia está a 4500 pesos/galão, misturada. Tabela 20: Preço de venda do pescado ($) em Puerto Nariño em outubro de 2000. pescado Compra Dourada 2000,00-3000,00 Pintadillo 2000,00-3000,00 Lechero * * varia muito mas ganha cerca de $700/kg Venda 2700,00-3700,00 2700,00-3700,00 * 87 Tabela 21: Qualificação da captura e petrecho utilizado durante o período de um ano. mês Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro petrecho Malhadeira Malhadeira Malhadeira Malhadeira Malhadeira/poita Poita Poita Poita Poita Poita Poita Poita captura Muito abundante Muito abundante Muito abundante Muito abundante Abundante Muito abundante Muito abundante Escasso Escasso Escasso Abundante Abundante 18. TABATINGA (AM) – 06 e 07/11/00 18.1. DESCRIÇÃO DA AQÜICULTURA E PESCA NA MICROREGIÃO ENTREVISTADO: Sr. Jânio Ferreira Franco de Amorim – chefe de escritório do IDAM – Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas Piscicultura: Não tem produção de alevinos. Coletam os juvenis na natureza. Usam restos vegetais como ração, de modo empírico. Capturam: curimatá, pacu, matrinchã, tambaqui. O último censo revelou 23 piscicultores, mas só 3 criam comercialmente para a Semana Santa. Calcula em 10 ha a área total dos tanques. No momento não tem nenhum extensionista na área, embora haja boa vontade em se desenvolver a atividade. Afirma que em Benjamin Constant a piscicultura é mais intensa. Pelo menos há 15 anos já há interesse na atividade. Os igarapés não secam. Não há relatos de doenças em peixes nos tanques. O maior problema é a falta de apoio oficial. 88 Pesca: A maior fonte de renda do interiorano é a pesca. O que capturar, vende. Vende a maioria em Letícia. O pescado liso é mandado para Letícia e o de escama é consumido localmente. O governo pretende montar um frigorífico e uma fábrica de gelo, que, atualmente, é comprado em Letícia. ENTREVISTADO: Sr. Eusébio Oliveira dos Santos – Presidente da Associação de Pescadores de Tabatinga Relato: Pescadores: há 375 pescadores inscritos dos quais 70 são profissionais, incluindo pescadores de Amaturá e São Paulo de Olivença. Cerca de 150 pagam regularmente R$ 3,00/mês. A maioria dos pescadores não pode tirar o PIS/PASEP porque não há agência da Caixa Econômica Federal em Tabatinga. O Ministério da Agricultura não tem escritório aqui, portanto, o pescador não pode tirar carteira e tem dificuldades com o IBAMA. Além da Associação ainda não ser colônia, os pescadores não podem tirar seguro-desemprego, seguro-doença e aposentadoria. A maioria é de tempo parcial. Pesca: se concentra nos bagres para vender na Colômbia. Em Tabatinga só se consome pescado de escama. Não tem idéia do desembarque. Acha que o peixe tem diminuído, principalmente os de couro e o tambaqui. Necessidades: querem construção de 1 frigorífico e uma fábrica de gelo. 18.2. SECRETARIAS DE MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA ENTREVISTADO: Sr. Zoroastro Brandão – secretário da Produção Rural da Prefeitura de Tabatinga Relato: Piscicultura: A Prefeitura recebeu a primeira parcela do Programa do 3º Ciclo do Governo do Estado do Amazonas mas com a queda do Prefeito (que sofreu “impeachment”) o processo foi interrompido. Existe no momento interesse em trazer alevinos de tambaqui de Balbina perto de Manaus. No momento, a piscicultura técnica está desativada. Há interesse em desenvolver a atividade. Sugere que haja um único centro para atender Letícia, Tabatinga e Benjamin Constant e uma associação de piscicultura em Tabatinga. Pesca: Entraves para a pesca: 1. Falta de local para armazenamento do pescado; 2. A dificuldade de comercialização está ligada à ausência de uma fábrica de gelo; 3. Inexistência de uma fábrica de gelo para conservar o excedente de pescado de escama, preferência da cidade. Isto evitaria a presença do atravessador que tem capacidade de armazenar o pescado e daí impor os seus preços. O documento abaixo, foi escrito pelo Sr. Zoroastro Brandão – Secretário da Produção Rural da Prefeitura de Tabatinga, que me autorizou a reproduzi-lo. 89 PISCICULTURA No Município a exploração da aquicultura é praticada de forma empírica, sem fins comerciais. Algumas propriedades possuem barragens construídas seguindo técnicas melhoradas, porém, não são exploradas racionalmente. Esse conjunto de fatores concorrem para que haja baixo desfrute do potencial híbrido represado existente no Município. As terras firmes oferecem grande potencial para o crescimento da exploração piscícola, existe tradição na criação de peixes em tanques e barragens. Dos principais fatores limitantes da exploração da atividade destacam-se os seguintes: descapitalização do produtor, carência de alevinos, emprego de tecnologia empíríca, falta de apoio do Governo, falta de apoio financeiro por parte das agências bancadas. Destacam-se como pontos positivos: existência de criação de peixes através de métodos tradicionais, mercado consumidor durante todo o ano e esperança por parte dos piscicultores que o Governo facilite a construção de suas barragens, através de fornecimento de máquinas e equipamentos a custos subsidiados. JUSTIFICATIVA A SEPRA em conjunto com o Serviço de Extensão Rural e com os demais órgão ligados ao setor, pretendem assessorar 08 piscicultores em 1999, com um lençol d'água de 8,0 ha, no Projeto de Assentamento Urumutum. OBJETIVOS * Incentivar o criador à construção e adequação de técnicas melhoradas de barragens; * Promover cursos para que haja maior especialização por parte do criador; * Assessorar piscicultores na aquisição de alevinos e comercialização da produção. 90 ESTRATÉGIA OPERACIONAL Com o funcionamento da Unidade de produção de alevinos programada dentro da ação do III CICLO, a partir de 99, ficará mais fácil a compra de alevinos com um preço mais acessível ao criador, com isso estimamos que o número de piscicultores aumentará em nosso Município.” ENTREVISTADO: Sr. Erlan Gomes – representante do IBAMA em Tabatinga Relato: O fomento pesqueiro agora é feito pelo Ministério da Agricultura que desarticulou a piscicultura. O licenciamento ambiental para a piscicultura até 1 ha de espelho d’água está isento de taxas. A partir disso tem que pagar ao IPAAM. Falta de extensão e linha de crédito 19. BELÉM (PA) - 09/11/00 ENTREVISTADO: Dr. Ronaldo Barthem Relato: O Professor Barthem do Museu Emílio Goeldi de Belém, um dos maiores especialistas em ecologia de bagres da Amazônia me auxiliou na confecção da Tabela 22. 91 Tabela 22: Principais peixes de couro comercializados na região amazônica, com área de desova, crescimento e hábitos alimentares Pescado Área de desova Área de crescimento Hábito alimentar Dourada Realiza longas migrações rio acima Na foz do Amazonas e na sua Predador, ataca cardumes de na época da reprodução, que calha, incluíndo os rios de água peixes menores, principalmente de supostamente ocorre nas áreas de branca, preta e clara; cresce escama. Entra nas várzeas durante cabeceiras. Os adultos não voltam enquanto sobe. a noite, retornando às águas para a foz depois da desova. fundas e escuras do canal antes nascer do dia. Piraíba Cabeceira dos rios. No estuário e calha. Alimenta-se junto ao fundo, principalmente pequenos bagres e cardumes de peixes de escama Jau Realiza migrações rio acima na Na calha, cresce enquanto sobe. Predador, alimenta-se de peixes. época da reprodução e a desova ocorre nas cabeceiras dos rios, no início da enchente. Surubim Cabeceira dos rios e poços (não Rios e lagos. Predador, com tendência a tem local determinado para consumir peixes de escama e desova). Ocorre durante a camarão. enchente. Caparari Lagos e canal, ocorrendo na Rios e lagos. Predador, alimenta-se de peixes enchente, havendo um prolongado quando adulto, principalmente período de desova. Gymnotiformes. Piramutaba Alto Solimões, reproduzindo-se no No estuário próximo a Baía de Predador pouco seletivo. início da enchente. Marajó e na calha. Pirarara Desova em vários ambientes, no Rios, lagos e parte oeste do Invade os lagos e igapós a procura início da enchente. estuário. de frutos, juntamente com peixes, crustáceos e caramujos. 20. LETÍCIA (COLÔMBIA) Resumo da reunião final no SINCHI – opinião do consultor Pesca Pelas informações coletas, a migração dos grandes bagres está diminuindo, sendo o aumento do esforço pesqueiro uma de suas maiores causas. Outros fenômenos de caráter ambiental podem ocasionar a diminuição da biomassa pesqueira, principalmente o desmatamento e ocupação da várzea do Solimões-Amazonas. Isto deverá afetar a pesca à médio prazo (5 anos), onde a biomassa dos grandes bagres poderá diminuir muito, ocasionando queda no rendimento dos pescadores com incidência direta sobre o sistema de comercialização em Letícia, trazendo conseqüências sociais e econômicas. Portanto, é urgente um manejo do estoque dos grandes bagres para a Bacia Amazônica. Necessita-se regulamentar o setor através do TCA (Tratado de Cooperação Amazônica), por via diplomática, de todos os países envolvidos com o uso e manejo dos grandes bagres, particularmente na fronteira. Igualmente, é necessário organizar foros internacionais de debate com os diferentes setores sobre a situação da pesca. O manejo biológico e a simples regulamentação através de Portarias não funcionam. O acesso a um recurso natural público, implica na sua sobreexplotação. É necessário passar a outro nível de trabalho institucional para desenvolver processos de manejo comunitário adequado dos estoques. Como a pesca só gera uma economia extrativista, torna-se necessário encontrar alternativas produtivas e programas sociais, para diversificar a economia. As associações locais não contam com apoio institucional. Os impostos que são cobrados por quilograma de pescado comercializado, devem ser revertidos em favor das comunidades de pescadores, e torna-se necessário criar um fundo rotatório para ajudá-los. O manejo das espécies que habitam os lagos deve ser baseado no manejo comunitário, que será explicado no Relatório Final. Quanto aos bagres migradores a pirarara, o jaú, o surubim, a piraíba desovam e se criam em vários tipos de ambientes, não necessitando de condições especiais. Porém, grandes redes de arrasto capturam acidentalmente juvenis de dourada em grandes quantidades no estuário do Amazonas, que são muito abundantes nesse habitat, e isto deve ser considerado no manejo da espécie. Se os adultos de dourada são intensamente capturados rio acima e os juvenis rio abaixo, o perigo de sobrepesca da espécie é iminente. É necessário organizar na região da fronteira um sistema de coleta de dados de captura, esforço e preço do pescado com a ajuda das Colônias de Pescadores, antes de serem enviados a Letícia, pois lá as informações sobre o esforço pesqueiro são impossíveis de se resgatar. Piscicultura Esta atividade nos rios Japurá/Caquetá e Içá/Putumayo não tem futuro a curto prazo, pelo alto custo de ração animal a ser importada, pois não há produção agrícola local para gerar excedente para a produção artesanal de ração. Além disso, o custo do frete aéreo por kg de pescado é alto. É possível aproveitar a experiência adquirida pelo CORPOAMAZÔNIA na piscicultura de pirarucu ao tentar se adensar alguns lagos do rio Putumayo com juvenis, principalmente naqueles mais isolados que não extravasam nas grandes enchentes. Isso porque, embora se saiba que os pirarucus adultos sejam bastante territorialistas não migrando muito de um ano para outro de acordo com resultados preliminares do prof. MSc. Marcelo Crossa em Santarém (PA), nada se sabe sobre a dispersão dos juvenis durante a enchente. Assim, é necessário um projeto piloto, através de marcação de juvenis por telemetria, para elucidar o assunto. Se eles migrarem muito, o resultado prático a curto prazo a nível local será pequeno. Na região da fronteira do Japurá/Caquetá em La Pedrera/Vila Bittencourt não há lagos para se tentar o adensamento com pirarucu. Em Letícia/Tabatinga também não há excedentes agrícolas para a produção de ração. O INPA está realizando um ensaio para aproveitar vísceras, nadadeiras e cabeça de pescado como fonte de proteína. O grande problema é a coleta desse material, pois o pescado já chega eviscerado, descabeçado e sem nadadeiras nos frigoríficos da cidade. Além disso, o preço do pescado em Letícia é ainda barato, e o pescado produzido em cativeiro com ração balanceada não teria preço competitivo. Mas, mesmo assim, é necessário realizar pesquisa acadêmica com as espécies da região para gerar tecnologia. Inclusive, deve-se pesquisar a piscicultura dos grandes bagres migradores para fins comerciais e de conservação no futuro. Os alevinos da piramutaba e da dourada poderiam ser trazidos da foz do Amazonas, por avião, onde são abundantes. 93