OS 47 RONINS DE AKO Editado por: Fábio Yamamoto. Fonte
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OS 47 RONINS DE AKO Editado por: Fábio Yamamoto. Fonte
OS 47 RONINS DE AKO Editado por: Fábio Yamamoto. Fonte: SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da Mitologia Japonesa, editora artes e ofícios, 2011. 1. O mestre de cerimônias do Imperador A primavera do ano de 1701 estava esplendida com um festival de cores graças às sakuras1. As paisagens congeladas cediam às flores e a expansão da vida da estação vindoura. As sakuras desabrochavam formando um belíssimo espetáculo de Sul ao Norte no Império do Sol Nascente, como se fosse uma onda colorida que ia cobrindo o país, sendo chamadas de Sakura Zansen (linha de frente das cerejeiras). E neste período o Japão se encontrava sobre o regime do Bakufu2, o shogunato. Durante este periodo o imperador possuía um poder simbólico, sendo visto como um símbolo cultural, e não como um símbolo do governo. Abaixo do Shogun existiam os Daimyos3, que possuíam entre seus mais fiéis vassalos os samurais. O Shogun da época era Tsunayoshi Tokugawa, conhecido por ser um grande amante de artes e cultura, porém também era conhecido pelas leis rígidas principalmente de proteção aos animais e à cultura, além de promover a disseminação do confucionismo. Como ocorria em todos os anos o Shogun enviava naquele periodo do ano emissários até Kyoto (Quioto) onde havia o castelo do Imperador, bem como o Imperador enviava seus emissários até Edo (atual Tóquio). Para recepcionar os emissários do Shogun, o mikado 4 escolheu dois nobres daimyos para serem os mestres de cerimonia de recepção: o primeiro deles era Takumi no kami, líder do clã Asano, íntegro e respeitável senhor do castelo de Ako, e o senhor Kamei Sama. 1 : Cerejeiras japonesas : Periodo do governo do Shogun (ou Xogum), no qual este detinha praticamente total poder de comando sobre a economia e política, além de um grande poderio militar. 3 : Similar aos senhores feudais europeus, estes cuidavam de porções de terra, faziam elas produzirem e também mantinham o controle da população. 4 : Termo utilizado para se designar a Corte Imperial. 2 Como nenhum dos dois possuía experiência como mestres de cerimonias, ambos foram incumbidos de terem aulas para aprenderem a recepcionar os ilustres convidados. As técnicas refinadas, complexas e até mesmo perfeccionistas deveriam ser aprendidas com afinco. Para se ter uma idéia, a cerimônia do chá, o Cha no yu, demorava dias para se aprender os preceitos básicos, então uma cerimônia de grande porte como aquela poderia demorar meses ou até anos. Para ensinar as técnicas de forma pragmática e minuciosa foi escolhido um instrutor, este se chamava Kira Yoshinaka, um coletor de impostos com o nobre título da corte de “Kozuke no Suke”. Assim, os dois aprendizes deveriam comparecer ao castelo de Edo, e seguir a risca todas as instruções dadas. Como era de costume, antes de se iniciar um aprendizado os dois discípulos levaram até seu mestre presentes de diversos tipos, como sedas finas, objetos de decoração, iguarias exóticas entre outros. Porém, para o azar dos dois discípulos, o seu mestre não só recusou os presentes como os achou extremamente miseráveis, lançando as porcelanas, e os rolos de seda para longe. Quando as aulas de etiqueta começaram, logo os dois discípulos perceberam que na verdade seu mestre não era só bom conhecedor das etiquetas formais, mas também nas artes de ser dissimulado e de ser exibicionista. Dizia o mestre em diversos momentos que a arte de doar era imprescindível para se ser um bom anfitrião, assim o desprendimento era fundamental, tais palavras eram proferidas de forma a ferir os discípulos, dado o episódio anteriormente ocorrido. O senso de ética e respeito a cada dia eram cada vez mais esquecidos por Kira Yoshinaka. Seu “pavonismo” em querer se mostrar aos seus alunos era fora do bom senso, além de sempre que possível com palavras de duplo sentido colocar seus alunos em situações embaraçosas e extremamente complicadas. Kira Yoshinaka se mostrava cada dia mais exímio não só na dissimulação, mas também na arte da tortura e dos castigos. Enquanto Kamei Sama se esbaforia de tanta raiva e tormento, Asano Takumi no Kami tentava ao máximo manter a compostura e manter a calma diante da situação, mesmo sabendo que era injusta a forma na qual estavam sendo tratados os dois alunos. Para Kamei Sama somente a morte resolveria o problema, estava com um grande anseio de apunhalar o covarde Kira Yoshinaka para acabar com tal situação, mas apesar de tudo tentava conter sua raiva, tanto que no auge de sua fúria, levantava-se de seu lugar e saia da sala de aula, antes que uma tragédia ocorresse. Em seus pensamentos a imagem dele enterrando sua wakizashi5 nas entranhas do professor era bem clara. 2. Os auspícios de um conselheiro podem salvar seu senhor. Era claro que Kamei Sama estava furioso com a situação e que seu gênio voltado para beligerância viria fazer recair uma tragédia sobre sua casa. Assim, ao chegar a seu castelo, Kamei Sama muito preocupado começou a pensar em quais poderiam ser as possibilidades tanto de conseguir acalmar sua fúria, bem como fazer seu professor minimamente mais calmo. Assim, foi o nobre consultar seus conselheiros. O conselheiro por sua vez ouviu atentamente o que acontecia, e bem como seu mestre estava indignado com a situação, porém sabia que não adiantaria réplica neste caso, então ao terminar de ouvir os lamentos, este apenas concordou que a morte seria a melhor estratégia,e que esta seria a melhor punição possível para Kira Yoshinaka. Com a aprovação de seu conselheiro, o injuriado daimyo pôs se a descansar e esperar o dia seguinte onde este iria realizar logo sua vontade, acabar com a vida de Kozuke no Suke. O seu conselheiro, no entanto estava a pensar sobre tal fato, e assim começou a maquinar alguma forma que o seu senhor não precisasse cometer tal crime. No meio daquela noite lhe surge a idéia: um suborno! Sim! Um suborno poderia resolver todos os problemas! Sabendo que o maldito coletor de 5 Espada curta impostos era muito ganancioso, ouro e prata com certeza aplacaria o gênio ruim dele! Ele não teria problemas em receber tal dinheiro, e muito menos rejeitaria uma grande quantia. Assim, durante a noite, o conselheiro chamou seus subordinados e com isso recolheram o máximo de dinheiro possível para que pudesse ser entregue. Logo que o dinheiro foi recolhido, pôs-se a viajar até o castelo de Kira. O conselheiro foi recebido pelos serviçais de Kozuke no Suke, este ao saber da pequena fortuna que havia chegado a ele logo se pôs de pé e foi receber o conselheiro de Kamei Sama com um sorriso no rosto e uma forma de tratamento mais abrandada, porém para seu conselheiro o que mais lhe importava é que o maldito estivesse com dinheiro o suficiente para fazer seu bolso pesar a ponto de arrastar sobre a terra e o seu ego sobrevoando acima da cabeça de todos, assim deixando seu senhor em paz. O conselheiro então percebeu que a tragédia do dia seguinte havia sido remediada. Assim, retirou-se da presença de Kira Yoshinaka e retornou ao castelo de seu senhor. No dia seguinte, o Sol já raiava e Kamei Sama estava preparado para matar Kozuke no Suke, sua alma fervia de tanto ódio acumulado, e sua convicção era inabalável, porém sabia que tal crime lhe custaria à ruína de sua casa, mas nada mais lhe importava além de manter a honra de seu nome. Com passos firmes e decididos encaminhou-se até o castelo de Edo para ter sua ultima e derradeira aula. Porém, ao chegar ao recinto, este foi recebido de forma amável pelo professor. O ódio e frivolidade do mestre agora não estavam mais presentes. Assim, com o tempo Kamei Sama foi esquecendo-se de seu ímpeto assassino. A mudança era tanta que Kamei Sama ficou confuso e apenas aceitou essa mudança como uma dádiva dos deuses, que desejavam que seu clã ficasse livre de uma tragédia maior que poderia ocorrer. Um detalhe importante a ser levantado é que Kamei Sama não soube da atitude de seu conselheiro. Porém nem tudo terminou bem. 3. O ódio se volta para apenas um. Diferente do tratamento que Kamei Sama recebia Asano Takumi no Kami, sofria com todas as crueldades que o mestre lhe impunha. Seus insultos e suas agressões continuavam, e o daimyo de Ako, apenas aceitava em sua paciência búdica. Porém como todos sabem, paciência tem um limite e a de Asano Takumi no Kami estava prestes a acabar. Em seu ultimo ato de desrespeito para com Asano Takumi no Kami, o mestre começou a insultar ele chamando-o de simples camponês, e que este nunca teria condições sequer de receber os enviados do Imperador, já que este não conseguiria sequer amarrar as cordas de uma peça de calçado. Após o insulto, Kira Yoshinaka virou-lhe as costas e começou a andar dando risinhos agudos que ecoavam pelo corredor. O sangue de Asano Takumi no Kami fervia em suas veias, e um olhar de ódio tomou conta de sua face. O ódio contido por diversos dias estava extravasando em um único momento, sua reação única foi de sacar sua tantou6 e gritar por Kozuke no Suke, este por sua vez se vira para saber o que estava acontecendo e dá de cara com seu discípulo com uma adaga empunho e sua expressão de fúria. O susto que Kira Yoshinaka sofreu foi tanto que este não conseguia ter reação alguma, algo que foi aproveitado por Takumi no Kami, que logo quando pôde agarrou seu alvo e o acertou com um golpe na cabeça causando-lhe um corte no rosto. Kira Yoshinaka apavorado começa a correr e aos gritos começou a chamar os guardas. Um dos oficiais do castelo, Kajikawa Yasobei, vendo a situação, lançou-se sobre o atacante e o parou mesmo utilizando de muita força. Assim, Asano Takumi no Kami foi preso e julgado pelo seu ato de desrespeito. De acordo com a lei da época, sacar uma arma dentro do castelo do Shogun já era motivo de pena de morte, acertar alguém enviado para um serviço no castelo, esta pessoa sendo um nobre, então merecia uma morte indigna. Durante seu cárcere Asano Takumi no Kami ficou sob a guarda de 6 Adaga japonesa Tamura Ukiyo no Daibu, um outro daimyo, que em sua casa o manteve preso para o grande pesar das pessoas que lá viviam. A sentença era clara: a pena de morte pelo fato ocorrido e pela sua forma mais dolorosa o harakiri, cortar o abdômen de um lado até o outro, até as entranhas, em uma dor hediondamente intolerável. Porém como diz o velho ditado: “Desgraça pouca é bobagem”, e justamente isso foi o que aconteceu. Não bastasse a morte de seu senhor, o clã Asano deveria perder suas posses e os seus samurais desgraçados ao nível de meros ronins, os samurais sem senhor, assim como ditava a lei da época. No dia 21 de abril de 1701, morreu Asano Takumi ni Kami. Em seus últimos momentos de vida proferiu as seguintes palavras: 「風さそふ花よりもなほ我はまた春の名残をいかにとやせん」 "kaze sasofu / hana yori mo naho / ware wa mata / haru no nagori o / ika ni toyasen." “Mais triste que flores levadas pelo vento... Uma vida despedaçada em plena primavera” Porém a história não termina aqui. Na verdade este é o começo de uma longa jornada. 4. O fim do Clã Asano e os 300 samurais que se tornaram ronins Quando um daimyo é desonrado e morto, seus bens são confiscados, sua família destituída de qualquer poder e seus samurais se tornam ronins, assim regia a lei que estava se mostrando dura e cruel com o clã Asano. Para um samurai quando algo assim ocorre ele deve vingar o seu senhor, pois a sua honra está acima de tudo, tanto que a palavra samurai significa “aquele que serve”. Logo após a execução do líder do clã Asano, mensageiros foram enviados de Edo para o feudo de Ako, para avisar da tragédia, bem como que o exercito do imperador estava a caminho para tomar o castelo. Quando os servos de Takumi no Kami ficaram sabendo da notícia, eles se reuniram para decidir o que seria feito. De acordo com o Bushido 7 , restavam-lhe apenas duas opções: lutar em nome de seu senhor e morrer enfrentando o exercito do imperador, ou viver e levar uma vida desonrada e desgraçada era sabido que somente uma dessas opções poderia ocorrer. A cada nova reunião o número de samurais, bem como sua coragem ia diminuindo seja porque estes se matavam, ou por realmente quererem levar uma vida de ronins, assim não restavam mais que 60 samurais, dentre eles Oishi Kuranosuke o ex conselheiro chefe de Asano Takumi no Kami. Infelizmente, no momento da tragédia este não se encontrava no feudo. Todos conheciam Kuranosuke pela sua diplomacia, que era muito melhor que a do conselheiro de Kamei Sama (aquele que subornou Kira Yoshinaka). Se Kuranosuke estivesse presente, certamente a tragédia não teria recaído sobre o clã Asano. Durante a última reunião, e cada vez mais com a proximidade do exercito imperial, os samurais precisariam tomar uma decisão. E o que todos queriam era justamente lutarem até o fim, dando suas vidas pelo seu clã, porém Oishi Kuranosuke foi contra, para espanto de todos os outros. O motivo por trás de tal oposição era único e claro: aquele que desgraçou o clã Asano ainda estava vivo! E o único jeito de limpar o nome do clã seria acabando com a vida de Kira Yoshinaka! Apesar de saberem de tudo isso, entregar o castelo e sobreviver era algo inaceitável, e por isso não foi possível tomar nenhuma decisão. A única decisão tomada foi um encontro às escondidas no Templo Kagaku-ji, para definir qual seria o plano de vingança. Assim, o castelo de Asano foi entregue sem resistência, mas foi daí que o plano começou a ser traçado. 5. 7 Os ex-samurais assumem seu pacto Caminho do Guerreiro, o código de conduta seguido pelos samurais. Logo o exercito confiscou todos os bens do clã Asano, e com isso a reunião no templo Kagaku-ji ocorreu. Seria feito no dia o pacto de sangue entre os ronins para vingar o seu senhor. Oishi Kuranosuke estava determinado em deixar seu filho de 16 anos Chikara de fora do pacto, por ser jovem e por ele carregar o nome da família em gerações futuras, porém Chiuzaemon, samurai amigo de Kuranosuke indaga o sobre tal feito. Para Kuranosuke deixar seu filho ir para batalha seria assinar a sentença de morte dele pela sua imaturidade e inexperiência em batalha. Ao ouvir os argumentos do pai, Chikara se sentiu tanto com raiva como envergonhado, por parecer que não serviria para nada. Então em um último ato de honra Chikara acompanhado de sua tantou vai até o altar do templo onde tenta cometer o Harakiri. Quando os outros ronins ficam sabendo do ato, eles vão de encontro de Chikara para tentar pará-lo, seu pai é claro vai ao encontro do filho, que já estava sem a parte de cima do quimono e preparado para o suicídio ritual. Ao perceber a seriedade do filho, o pai percebe sua força e honradez, aceitando-o juntamente dos outros ex-samurais para o pacto de sangue. O problema maior agora não é saber quantos estariam dispostos a se sacrificarem pela causa, e sim como conseguir realizar o que estavam planejando. Kira Yoshinaka estava muito bem protegido com seus samurais, bem como com as forças aumentadas graças ao seu sogro, o chefe do clã Uesugi. Para tal, eles perceberam que precisariam fazer o inimigo abaixar a guarda, mas a forma deveria ser vinda com o tempo e a melhor forma seria enganando-o. Os ronins iriam de bom grado desgraçar suas vidas se tornando beberrões, ou fazendo serviços como carpinteiros, artesãos, ou mercadores. Enganando os guardas, espiões e o próprio Kozuke no Suke, desse modo, poderiam se infiltrar aos poucos em seus domínios e conseguir realizar seus planos. Oishi Kuranosuke mudou-se para Kyoto onde ficava o palácio do mikado. Após se mudar, começou a frequentar uma casa de chá de baixíssima reputação a Ichikiri Ochaya, entregando-se também aos jogos de azar e a devassidão. Em seu raciocínio Kuranosuke via que se fosse para ser desonrado que fosse da forma mais evidente possível. Kozuke no Suke por sua vez temia a ira dos ex-samurais então ordenou que parte de sua guarda vigiasse-os dia e noite para ter certeza que estes nunca conseguiriam realizar a tão sonhada vingança deles. 6. Kira Yoshinaka baixa a guarda e é enganado. Os espiões de Kira Yoshinaka acompanhavam cada passo da vida devassa de Oishi Kuranosuke, que vivia em meio a bebidas de baixa qualidade, jogos de azar e coloridas flores colhidas nos jardins de baishunfu8. Em uma das ocasiões Kuranosuke estava tão bêbado que acabou por cair no chão da rua e por lá ficou. Um nobre rico de Satsuma 9 o viu caído no chão e com palavras ferozes e autoritárias o insultou por não seguir o bushido. Este por sua vez nada fez em relação aos insultos. Era clara a decadência na qual Kuranosuke se encontrava, o que fazia os espiões de Yoshinaka relatarem a ele as melhores notícias que ele poderia ouvir. Kuranosuke estava tão decidido em sua vingança que chegou a abandonar sua família, enviando sua esposa de volta para a casa de seus sogros e assim poder dar continuidade ao seu plano de vingança. Para sua esposa no entanto ele estava louco e perdera a razão. Tais notícias soavam como música aos ouvidos de Kira Yoshinaka. Tanto que aos poucos com o decorrer do tempo sua segurança foi diminuindo e as espionagens ficando menos frequentes. Ele caíra no plano dos exsamurais de Ako, mas isso não significava que havia sido fácil. Para samurais 8 9 Meretriz Atual província de Kagoshima que seguiam fielmente o bushido, cair em desgraça e desonrar seu próprio nome era algo muito difícil. Os diversos ronins dedicaram-se a diversos serviços e com isso começaram a adentrar com facilidade nos domínios de seu alvo. Um deles por exemplo, se casou com a filha do construtor da casa de KIra, assim tendo acesso às plantas e projetos de toda a propriedade. Outros começaram a trabalhar de alguma forma como serviçais que traziam produtos ou bens para os domínios do inimigo. Quando Oishi Kuranosuke teve certeza que o inimigo estava de guarda baixa, conseguiu se esgueirar por entre os espiões de Kozuke no Suke, e foi para Edo onde marcou uma reunião que iria dar inicio à fase final de seu plano: vingar o seu senhor matando aquele que o desgraçou. O tempo havia passado, dois anos haviam transcorrido do incidente que havia acabado com o clã Asano. O tempo implacável os fez envelhecerem, principalmente pelo tipo de vida que eles estavam levando. Porém o desejo de honrar o nome de seu senhor continuava como a anos atrás. Todos vieram equipados com suas melhores armas: Katanas, Tantou, Yari, Wakizashi, Kyu, naginata10. Além das armas, suas armaduras, confeccionadas em segredo por eles mesmos para que não houvesse suspeitas dos espiões. 7. A concretização de um longo plano No dia 30 de Janeiro de 1703, em pleno alvo inverno japonês. Os 47 ronins se prepararam para sua última e derradeira luta. O Japão estava imerso em uma paisagem sombria e gélida. A neve caia ininterrupta, e o vento impiedoso a levava para todos os cantos em redemoinhos brancos. Os habitantes estavam todos em suas casas perto dos fogareiros. Edo parecia uma cidade abandonada, tirando pelas pálidas iluminações que transpassavam o Washi11. 10 Katana: Espada japonesa; tantou: Adaga japonesa; Yari: lança de ponta reta; Wakizashi: espada curta que geralmente acompanha o katana, Kyu: Arco japonês; Naginata: Lança de lamina curvada com aspecto da lâmina de katana 11 Papel japonês utilizado para forrar as portas e as janelas. Todos estavam ansiosos, sabiam que era a melhor chance que eles iriam ter e que nenhuma outra seria possível. Antes de partirem os 47 ronins compartilharam de uma última refeição juntos, seria seu banquete de despedida caso desse certo, ou desse errado o único resultado que haveria era a morte. Oishi Kuranosuke antes de partir dividiu todos os 47 ronins em dois grupos e cada guerreiro foi especificamente designado para ter uma função. O primeiro grupo seria liderado pelo próprio Kuranosuke, e o segundo seria liderado por Chikara, seu filho, porém este teria Yoshida Chiuzaemon como seu guardião, pois como um pai, temia que o pior ocorresse com seu filho. Dois instrumentos seriam os sinais para as principais ordens. O tambor seria para avisar o início dos ataques de ambos os grupos. E o apito seria utilizado como sinal para avisar que a cabeça de Kira Yoshinaka já estava em seu poder, e assim em uma procissão os ronins iriam oferecer a cabeça do amaldiçoado para o seu senhor que jazia no templo Sengaku-ji. Ao chegar nas proximidade da morada do alvo os ronins dividiram-se em dois grupos automaticamente. Era a hora derradeira da última batalha de suas vidas. 8. O início de uma batalha sangrenta. Vinte e quatro guerreiros liderados por Chikara se dirigiram para os fundos do castelo, e outros 23 liderados por Kuranosuke se dirigiram à frente do castelo. 4 dos guerreiros de Kuranosuke estavam fortemente armados e equipados, eles fizeram a primeira abordagem engancharam escadas de cordas nos muros para que outros pudessem adentrar e abrir o portão. Quatro guerreiros adentraram e tentaram obter a chave do portão esta como não estava com os guardas não foi possível de ser localizada. A solução encontrada por um dos quatro guerreiros foi arrebentar a trava do portão com um otsuchi 12 e assim, os guerreiros liderados por Kuranosuke adentraram o castelo. Os guerreiros liderados por Chikara também arrombaram o portão e com certa facilidade entraram no Castelo. Uma vez os dois grupos dentro do castelo, estes mandaram alguns mensageiros espalharem um aviso para os que moravam no entorno do castelo, para que não ficassem alarmados, pois não machucariam ninguém do entorno e que a invasão ao castelo era por uma causa justa: honrar o seu senhor. Como Kozuke no Suke era odiado pela população local, esta não fez objeção alguma quanto ao plano dos 47 ronins. A estratégia de cerco iria começar a ser montada, sobre os muros 10 arqueiros ficariam posicionados para caso alguém tentasse escapar além e proteger da entrada de pessoas indesejadas. Todos estavam prontos então o primeiro sinal foi dado. Os tambores eram tocados para que todos soubessem que estava sendo iniciada a tomada do castelo. Mesmo com os guardas pegos de surpresa a batalha foi árdua até se chegar nos aposentos de Kira Yoshinaka. O grupo que adentrara pelos fundos dirigiu-se pelos jardins até chegar à morada principal enquanto o grupo que entrou pelo protão principal cruzara o grande pátio que lá existia. Mau os dois grupos estavam juntos, diversos samurais apareceram para enfrenta-los, porém um a um o grupo de ronins ia vencendo os obstáculos. Porém mesmo sabendo da incapacidade de vencer o grupo enfurecido, os samurais de Kira não revelavam o local onde seu mestre estava escondido. Os samurais derrotados ainda esperavam por reforços do Lorde Uesugi, sogro de Kira, estes reforços não viriam a chegar graças a estratégia de Oishi Kuranosuke com seus arqueiros. Ao chegar à frente dos aposentos de Kozuke no Suke, encontraram três famosos samurais: Kobayashi Heihachi, Waku Handayu e Shimizu Ikkaku. Os três eram a guarda de elite de Kira Yoshinaka. Eles eram muito bons tanto que quem os enfrentasse era derrotado, o que deixava Kuranosuke inquieto. A derrota dos ronins para os três enviados de Kira estava sendo humilhante ao ponto de Kuranosuke esbravejar e colocar o seu filho que também era um ótimo espadachim a lutar contra um deles, e se for para lutar que o vencesse 12 Martelo de madeira. ou morresse tentando. A mente de Oishi Kuranosuke estava envenenada pela ira, e indignação. Estava louco para conseguir realizar o seu intento. Tanto que colocou a vida de seu filho em risco que por acaso do destino conseguiu vencer um dos samurais por conta de um erro e de uma confiança acima do normal, o yudan13. O jovem herói Chikara após uma vitória que inspirou os outros exsamurais a lutar conseguiu adentar os aposentos de Kozuke no Suke. Ao entrar somente encontrou o filho dele Kira Sahioe que estava com uma lança a tentar defender o aposento, porém a habilidade de Chikara era superior o que fez com que Sahioe saísse ferido do recinto. Quando a batalha cessou, apenas restavam mulheres e crianças no castelo, mas o principal alvo estava vivo ainda. Os ronins estavam inquietos e em dúvida: Para onde Kira Yoshinaka foi? 9. A caçada final e o desfecho. Kira foi procurado por todos os aposentos, mas em nenhum deles ele foi encontrado. A frustração pairava sobre os ex-samurais de forma visível. Estavam abatidos e totalmente desmotivados. Todo o esforço tinha se reduzido à nada e isso era evidente. Porém em um surto de forças Chikara acreditava que nada disso tinha acabado que o maldito a quem estavam caçando estava presente no castelo e escondido em algum lugar. Então em um último esforço os samurais procuraram mais uma vez de forma minuciosa pelo castelo inteiro. A única resposta que eles conseguiram pensar é que ele estava escondido em algum lugar ou ter utilizado algum caminho secreto para conseguir fugir. E foi pensando nisso que os ronins encontraram atrás de uma pintura no quarto de Kozuke no Suke um pequeno buraco por onde ele poderia ter escapado. Tal buraco levala a um pequeno casebre que estava iluminado. O samurai que foi até o local foi Yazama Jutato. O ronin adentra a casa de forma bem sorrateira e ao entrar no casebre havia um vulto branco no chão. Jutaro com sua lança cutuca o vulto que em um grito gutural se mostra como aquele que estavam perseguindo. Assim, depois de desarmá-lo, Jutaro leva Kira até a presença de todos os outros ex-samurais. Quando indagado qual era o seu nome, em meio 13 Quando um guerreiro se descuida e acaba por baixar a guarda pelo excesso de confiança. ao pavor e medo, ele balbuciou seu nome, com certeza era quem estavam caçando. Oishi Kuranosuke se aproxima daquele que desgraçou o seu senhor e com uma lanterna na mão ilumina seu rosto. Em sua face mostrava-se a cicatriz deixada por Asano Takumi no Kami, cicatriz esta que foi feita no fatídico dia em que o clã Asano veio à ruína. Kuranosuke avisa à Kira Kozuke no Suke que sua vida não será poupada. Ele relata que a desgraça do clã Asano se deu por conta do incidente de quase dois anos antes e que por isso haveriam duas escolhas: ou este cometeria seppuku14 e Kuranosuke seria o seu Kaishaku15, ou este sem nenhuma dó ou piedade seria morto de qualquer forma. Kozuke no Suke mostra resistência em realizar o suicídio ritual, assim fazendo com que Kuranosuke se tornasse seu algoz. A face que antes era de altivez e arrogância de Kira Yoshinaka transformara-se em medo e covardia, sabia que não conseguiria escapar, mas seu corpo desonrado e sozinho relutava em se reclinar para que sua cabeça fosse decepada. Assim, o líder dos ronins forçou o corpo de Kira para frente colocando-o em uma posição de execução e com um só golpe fez a cabeça de do desonrado coletor de impostos rolar. Eis que a honra de Takumi no Kami estava reestabelecida. E para que todos soubessem que tudo estava terminado, o apito soou bem alto avisando que havia sido concretizado o objetivo traçado. Kuranosuke então envia um ronin de nome Terasaka Kichiemon para Ako, para que este pudesse avisar a todos que o que foi almejado tanto havia sido alcançado. Logo quando o dia amanheceu grupo de ronins se dirigiu ao templo Sengaku-Ji. Durante o trajeto muitas pessoas paravam para ver a procissão de ex-samurais que vitoriosos acabaram por limpar a honra de seu senhor, porém sabiam que o que tinham cometido era um crime, e como tal poderiam receber a punição antes de chegarem ao seu destino final. Quem poderia impedi-los principalmente era o clã Uesugi por seu chefe ser sogro do desonrado e falecido coletor de impostos, porém, para grande surpresa de todos, o chefe do clã Matsudaira, Aki no Kami, ao saber de tal façanha ordenou que seus 14 Tipo de suicídio ritual. De forma honrada o samurai se mata com a ajuda de um Kaishaku Para poupar mais o sofrimento de alguém que comete o Sepukku, o Kaishaku corta-lhe a cabeça dando-lhe uma morte com menos dor e mais digna. 15 samurais fizessem escolta ao grupo de ronins. O motivo de tal ato foi que Asano Takumi no Kami, um dia serviu o clã Matsudaira, e desde então Aki no Kami possuía um respeito e admiração pelo falecido chefe do clã Asano. Já eram sete horas da manhã quando o grupo chegou na frente do palácio de Matsudaira Mutsu no Kami, o príncipe de Sendai. Quando a notícia chegou até o regente do palácio, um banquete foi preparado com recepção e foi ofertado para os ronins uma última refeição digna, pois o que os aguardava era a pena de morte. Após o banquete seguiram rumo ao templo. Chegando em Sengaku-Ji, o grupo foi recebido por um monge que os guiou até o túmulo de seu senhor onde a cabeça de Kozuke no Suke, após ser lavada em uma fonte, foi ofertada como forma de limpar a honra do clã Asano. Kuranosuke pediu ao monge que pegasse todo o dinheiro que os ronins possuíam, para que ao fim com a morte deles que um enterro digno fosse feito juntamente ao seu senhor. E o monge assim concordou em fazer. Os ronins esperaram os oficiais chegarem que não tardaram em fazê-lo, assim os ex-samurais foram intimados a comparecer perante o Shogun e os censores públicos para que fosse decidida a pena. Logo que o grupo se distanciou do túmulo dois samurais apareceram à caça da cabeça de Kira Yoshinaka. Eram seus filhos: Syada e Saitou que estavam a procura da cabeça para que esta fosse enterrada com o corpo. O monge entregou a cabeça aos samurais e um papel como se fosse um recibo assinado por Oishi Kuranosuke, que atestava que a cabeça havia sido devolvida. O recibo continha os seguintes dizeres: “Artigo: uma cabeça Artigo: uma folha de papel Ambos os itens acima são reconhecidos como recebidos Assinado Sayada Magobei Saitou Kunai Aos sacerdotes do templo Sengaku-ji, sua Reverência Sekishi, Sua Reverência Ichidon” Os dois samurais partiram em posse dos dois itens e os ronins foram encaminhados para o julgamento. Na corte, o Shogun e os censores públicos não sabiam o que fazer, pois nunca havia ocorrido um caso como este. Sem dúvidas eles eram vistos como heróis pela população, pois defenderam a honra de seu senhor, seguiram o bushido até as últimas consequências. Por outro lado haviam cometido um crime, já que pelas leis o que acabaram por cometer era uma vingança e isso era inaceitável e punível com a pena de morte. Tanto que diversos pedidos para que estes ronins, que foram heróis de honra, fossem soltos e perdoados chegavam diretamente ao castelo do Shogun. A corte então se pronunciou e assim seria feito: os ronins receberiam a pena de morte, porém, eles poderiam realizar o sepukku. Diferentemente dos criminosos normais que tinham a cabeça decepada apenas, os que recebiam o direito honrado de praticar o sepukku não saiam desonrados. Quando estes cometeram o sepukku, o quanto antes seus corpos foram levados até o templo Sengaku-ji onde foram enterrados como heróis juntamente ao seu mestre: Asano Takumi no kami Naganori. Assim, encerrando-se a jornada em busca da honra com a morte dos 46 ronins. Em um momento da história foi citado um senhor rico de Satsuma que havia insultado e pisado em Oishi Kuranosuke enquanto este estava jogado nas ruas de Kyoto. Este senhor rico era um lorde que ao saber dos feitos dos ronins, ele foi até o templo Sengaku-ji pedir perdão em frente aos túmulos dos ronins, principalmente para Oishi Kuranosuke que ele tanto maltratara na ocasião. O seu arrependimento era muito grande que em frente ao túmulo dos ronins cometeu o sepukku. O monge apiedando-se de sua alma o enterrou juntamente com os ronins, para que sua alma atormentada pelo remorso e angústia pudesse repousar em paz. Mas nem todos os ronins cometeram sepukku. Terasaka Kichiemon, o ronin mensageiro que levou a informação para Ako que o plano havia sido executado com sucesso sobreviveu! Ele foi perdoado dada a fama e a honra que o caso havia tomado e também pela sua tenra idade. Assim, este último ronin manteve viva a história desse feito de honra até seus 78 anos quando faleceu e foi enterrado juntamente com seus companheiros de honra. A história dos 47 ronins ficou conhecida pelo oriente todo até chegar nos dias de hoje e muitas pessoas hoje ainda procuram o templo Sengaku-ji para conhecer o túmulo dos 47 ronins de Ako. Figura 1: Túmulo dos 47 ronins de Ako no Templo Sengaku-ji Figura2: mapa de orientação (em inglês) dos locais históricos dento do Sengaku-ji Figura3: Túmulo de Asano Naganori, ou Asano Takumi no Kami Naganori no templo Sengaku-Ji