O Conforto Fibras Quimicas x Algodão na IndustriaTextil

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O Conforto Fibras Quimicas x Algodão na IndustriaTextil
ARTIGO/ARTICLE
O CONFRONTO FIBRAS QUÍMICAS  ALGODÃO
NA INDÚSTRIA TÊXTIL BRASILEIRA
Fátima de Souza Freire
Doutoranda em Sciences Economiques, U. des Sciences Sociales Toulouse 1 (França)
e Professora Assistente do Curso de Ciências Contábeis,
Universidade Federal do Ceará.
Maria Cristina Pereira de Melo
Doutora em Economia pela Universidade de Paris VIII (França)
e Professora Adjunta do Curso de Mestrado em Economia (CAEN),
Universidade Federal do Ceará.
Alain Alcouffe
Doutor em Ciências Econômicas pela U. des Sciences Sociales Toulouse 1 (França)
e Professor de Ciências Econômicas da U. des Sciences Sociales Toulouse 1.
RESUMO
O papel das fibras químicas como um dos elementos estratégicos para a melhoria da
competitividade da indústria têxtil brasileira no mercado nacional e mundial é analisado
neste trabalho. Uma descrição técnica sucinta das fibras químicas mais utilizadas na
indústria têxtil no mercado internacional e brasileiro é realizada. O confronto fibras
químicas  algodão é investigado em relação à competitividade da indústria têxtil,
globalização da economia e transferência de tecnologia. Demonstra-se que o mercado de
fibras químicas é extremamente interessante para a investigação dos efeitos de globalização
da economia. Conclui-se que uma considerável redução da produção brasileira de fibras
químicas como conseqüência direta da ação da concorrência asiática pode tornar a indústria
têxtil brasileira refém de oscilações de preço no mercado internacional de fibras químicas, e
na prática constituir mais um entrave à sua competitividade internacional.
Palavras-chave: indústria têxtil; fibras químicas; efeitos de globalização da economia;
competitividade industrial; transferência de tecnologia; competitividade internacional.
ABSTRACT
The role of chemical fibers as one of the strategic elements to improve the competitive edge
of the Brazilian textile industry in the national and world market is analyzed in this work. A
brief technical description of the most used chemical fibers in the textile industries of the
Brazilian and international market are performed. The chemical fibers  cotton
confrontation is investigated with respect to the competitive edge of the textile industry, the
globalization of the economy, and the process of technological transfer. It is shown that the
chemical fibers market is an extremely interesting field for the investigation of
globalization effects in the economy. A considerable reduction of the Brazilian production
of chemical fibers as a result of the Asiatic competitivity may submit the Brazilian textile
industry to a strong dependence on the chemical fiber’s international market price
oscillations, which in practice
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means a strong handicap to its international competitivity.
Keywords: textile industry; chemical fibers; globalization effects on the economy;
industrial competitivity; technological transfer; international competition.
1. INTRODUÇÃO
Contrariamente às fibras existentes na natureza como o algodão, o linho, a seda e a
lã (para mencionar apenas as principais), as fibras químicas são produzidas pelo homem e
constituem dois grandes grupos, o das fibras artificiais e o das fibras sintéticas. As fibras
artificiais são basicamente produzidas a partir da celulose, enquanto as fibras sintéticas são
obtidas de derivados do petróleo. Enquanto as fibras naturais são utilizadas há séculos,1 não
foi necessário mais do que 30 anos para que as fibras químicas sintéticas se tornassem tão
importantes quanto aquelas como matéria prima para a indústria têxtil.
A invenção das fibras químicas e o desenvolvimento tecnológico a elas relacionado
têm influenciado toda a cadeia produtiva têxtil de forma cada vez mais marcante. De fato,
atualmente o mercado mundial de fibras têxteis é dividido quase de forma eqüitativa entre
as fibras químicas (cerca de 5% para fibras artificias e de 45% para fibras sintéticas na
participação do mercado) e as fibras naturais [TOWSEND (1995)]. Por este motivo, pode
se afirmar que as fibras químicas sintéticas desempenham um papel cada vez mais
relevante na indústria têxtil, modificando características tecnológicas das máquinas de
fiação e propriedades dos tecidos, que exercem por sua vez forte influência sobre a
indústria de confecções.
A pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico foram tão fundamentais para
o surgimento das fibras químicas que a vantagem competitiva obtida pela propriedade de
patentes nos casos do nylon (1939) e do poliester (1953) se conserva até hoje para a Du
Pont [FABRIC LINK (1996b)]. Não é então de se estranhar que o mercado mundial de
fibras químicas seja dominado por um reduzido número de firmas multinacionais (cerca de
10 empresas são responsáveis por mais de 50% da produção mundial de fibras químicas
[FABRIC LINK (1996b)] que emprega um número relativamente pequeno de empregados.
A aceleração do processo de globalização da economia e da normatização do comércio
mundial que se desenvolve na década de 90 está fazendo com que aquelas firmas acelerem
a formação de joint ventures e alianças para sua própria expansão além do país de origem.2
Em contraste, existem dezenas de milhares de produtores de algodão em todo o mundo,
cada um deles fazendo uso intensivo de mão-de-obra (muito embora a mecanização da
cultura do algodão esteja aumentando rapidamente) e sendo responsável individualmente
por uma participação minúscula na produção mundial.
A nível de engenharia, pode-se compreender que a escalada da participação das
fibras químicas na indústria têxtil é um reflexo do fato delas possuírem algumas
propriedades superiores àquelas que as fibras naturais podem oferecer (homogeneidade,
pureza, maior
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resistência à tração, isolamento térmico, etc.) e dos problemas inerentes às próprias culturas
das fibras naturais (pragas, influência climática na produção, técnicas de plantio e colheita
ultrapassadas, etc.). A nível econômico, a busca de competitividade no mercado mundial
pelas indústrias têxteis dos diferentes países favoreceu a expansão mundial das empresas
produtoras de fibras químicas, embora esta se processe em etapas e níveis tecnológicos
diversos que dependem das estratégias específicas das empresas e das condições locais dos
países hospedeiros. A produção de conhecimentos científicos e tecnológicos no que
concerne o essencial das atividades de P&D das firmas multinacionais produtoras de fibras
químicas sintéticas continua sendo realizada nas suas matrizes localizadas nos países de
origem (Du Pont - EUA; Akzo - Holanda; Rhodia - França; Hoechst - Alemanha; Toray Japão, etc.). De seu lado, as subsidiárias instaladas fora dos países de origem detêm a
tecnologia de uso para operacionalizar suas plantas fabris quase tão atualizadas
tecnologicamente quanto aquelas instaladas nos países das matrizes.
O sucesso de uma indústria têxtil não deve ser fundamentado exclusivamente na
mão-de-obra barata e nos equipamentos de última geração. A queda de barreiras
alfandegárias tem tornado possível a atualização tecnológica do parque fabril em todo o
mundo [FREIRE, DE MELO, ALCOUFFE (1997a); CHEVALIER (1991)]. Além dos
fatores sistêmicos reconhecidos, o sucesso dessa indústria está baseado na disponibilidade
de matéria-prima adequada, a qual tem voltado a se destacar como elemento chave na busca
de competitividade. Neste contexto, as estratégias empresarias voltam-se cada vez mais
para a detecção de tendências de longo prazo do fornecimento de matéria-prima assim
como do mercado de produtos finais. No caso das fibras químicas, embora o processo
tecnológico de sua produção ainda seja posse de algumas poucas empresas localizadas em
alguns países, a produção e utilização das mesmas como matéria-prima começou a ser feita
na década de 80 em dezenas de países face à crescente demanda.
O papel das fibras químicas como elemento estratégico para a competitividade da
indústria têxtil brasileira no mercado interno e externo é analisado neste trabalho. Será
demonstrado que, da mesma forma que a queda da produção de algodão pode vir a se tornar
um “calcanhar de Aquiles” para a indústria têxtil doméstica em termos de competitividade
[FREIRE, DE MELO, ALCOUFFE (1997a)], uma possível inviabilização da produção
brasileira de fibras químicas pela ação da concorrência asiática pode produzir efeitos
semelhantes, pois a médio prazo a dependência da indústria têxtil brasileira em relação à
importação de fibras químicas pode se tornar cada vez mais importante, tornando-a refém
de oscilações do preço no mercado internacional e, na prática, um entrave à sua
competitividade internacional. Por outro lado, o avanço da participação das fibras químicas
como matéria prima da indústria de fiação pode aumentar ainda mais as dificuldades
atualmente encontradas pelos produtores brasileiros de algodão, que têm sofrido forte
concorrência do algodão importado.
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Na Seção 2 do presente trabalho, uma descrição técnica sucinta das fibras químicas
é realizada em relação aos tipos mais utilizados na indústria têxtil, suas características e sua
origem histórica. Nela pode-se perceber que a capacidade tecnológica no que concerne ao
desenvolvimento de uma fibra sintética com propriedades que atendem às necessidades do
mercado constitui importante fonte de vantagem competitiva para a firma que a detém. Para
salvaguardar esta vantagem e atender a demanda internacional, as empresas produtoras de
fibras químicas têm cada vez mais deslocalizado suas fábricas para outras regiões, num
processo que poderia se denominar de mundialização das plantas de produção.
O mercado das fibras químicas é descrito na Seção 3. Em relação ao aspecto
internacional, apresentam-se os principais países importadores e exportadores a nível
mundial, como também as maiores empresas fabricantes.
Os dados apresentados nas seções anteriores possibilitam que na Seção 4 seja
analisado como as fibras químicas podem se tornar elemento estratégico para as indústria
têxtil brasileira. Neste contexto, o confronto fibras químicas  algodão é investigado em
relação à abertura da economia, transferência de tecnologia, e competitividade da indústria
têxtil.
As conclusões finais do presente trabalho são apresentadas na Seção 5. Elas
sugerem que a globalização da economia torna vulnerável a competitividade das empresas,
fazendo com que seja mais veloz a dinâmica da transformação da vantagem competitiva em
desvantagem competitiva e vice-versa.
2. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO DAS FIBRAS QUÍMICAS
No século XVII o físico inglês Robert Hooke sugeriu a possibilidade de se produzir
seda artificial através da imitação mecânica da lagarta da seda, enquanto no século XIX o
tecelão inglês Louis Schwabe produziu fibras de vidro pelo forçamento de vidro derretido
através de bocais que terminavam em buracos estreitos. Esta primeira fibra produzida pelo
homem não era utilizável pela indústria têxtil 3.
Posteriormente, a celulose da madeira foi considerada com potencial para a
produção de fibras têxteis. Embora uma série de aperfeiçoamentos tenham sido realizados
por pessoas de diferentes nacionalidades e profissões para a produção de fibras têxteis a
partir da celulose, considera-se que o conde francês Hilaire de Chardonnet foi o primeiro a
produzir o que na época foi denominado de seda artificial, que ficou posteriormente
conhecida como rayon. Apesar de Chardonnet ter exibido produtos obtidos a partir de sua
fibra artificial na Exposição Universal de Paris de 1889, a produção comercial da primeira
fibra têxtil produzida pelo homem começou em 1891. A melhoria do processo de produção
do rayon levou à utilização de uma solução de sais de cobre e amônia. O rayon produzido
desta maneira é denominado rayon cupramonium.
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Em 1892 foi desenvolvido um outro método para tratamento químico da celulose,
que deu origem a um líquido conhecido como viscose, a partir do qual foi também possível
produzir filamentos. A produção comercial dos fios de viscose rayon (ou simplesmente
viscose) começou em 1905, e a indústria nela baseada desenvolveu-se rapidamente devido
às vantagens tecnológicas dos novos processos de produção, o que na época transformou a
viscose na mais importante fibra produzida pelo homem. Dois irmãos suíços, Henry e
Camilo Dreyfus, desenvolveram no imediato pós-1a Guerra Mundial uma segunda fibra
artificial a partir da celulose, começando em 1921 a produção para o mercado de um
produto que eles denominaram de celanese. Como a produção envolve o acetato de
celulose, ela se tornou posteriormente largamente conhecida como rayon acetato.
As inovações posteriores ocorridas nas fibras sintéticas aceleram-se com a
intensificação da pesquisa científica no campo da química, logo após a 1a Guerra Mundial,
para a obtenção de estruturas moleculares formadas por longas cadeias, que foram
denominadas de polímeros. A pesquisa realizada em poliester e poliamida, coordenada por
Wallace H. Carothers na E. I. Du Pont de Nemours & Company, nos Estados Unidos,
trabalho que levou ao desenvolvimento da fibra de nylon em 1935, pode ser considerada
como o início do processo de transformação industrial para obtenção de fibras sintéticas.
No entanto, a primeira fibra têxtil sintética somente foi produzida, em 1936, com finalidade
comercial, a partir do cloreto de polivinil, ainda tendo na época valor limitado para
aplicações têxteis.
O conhecimento tecnológico e a vantagem competitiva obtida pela Du Pont permitiu
que ela fosse a pioneira na produção de várias fibras sintéticas, entre as quais pode se
destacar: o acrílico, cuja produção comercial iniciou-se em torno de 1950; o poliester, cuja
produção comercial começou em cerca de 1953, é a fibra sintética mais produzida no
mundo atualmente; o spandex (Lycra® da Du Pont), que é um tipo de elastômero, fibra que
pode esticar pelo menos 100% e voltar ao seu estado natural como uma borracha, cuja
produção comercial começou em torno de 1959 [FABRIC LINK (1996b)].
Deve-se ainda destacar que fibras como o triacetato foram produzidas
comercialmente pela Celanese em 1954, enquanto as poliolefinas e o polipropileno foram
processadas pela Hércules nos EUA. No início da década de 90 a grande novidade foi o
surgimento das microfibras, que incluem todos os fios sintéticos com títulos4 de 1 dtex por
filamento de poliester, e 1,2 dtex por filamento de poliamida, com diâmetro entre 10 e 12
microns.5 Em 1993, a fibra lyocell, que possui vantagens ambientais já que o agente
dissolvedor é reciclável durante o processo de produção, começou a ser produzida
comercialmente pelas Fibras Courtauld, tendo recebido o nome de fantasia tencel [FABRIC
LINK (1996b)].
Enquanto o Quadro 1 apresenta uma breve descrição das características mais
importantes das principais fibras químicas artificiais e sintéticas, uma lista de
importantes
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produtores de fibras químicas e suas respectivas marcas registradas é o conteúdo do Quadro
2. As informações contidas nestes quadros permitem que se perceba mais claramente o
motivo das fibras químicas serem fortes concorrentes das fibras naturais, e a significância
do domínio da tecnologia de produção na competitividade do setor [ROMERO, VIEIRA,
MARTINS, MEDEIROS (1995)].
QUADRO 1 - Algumas características de fibras químicas artificiais e sintéticas.
FIBRAS ARTIFICIAIS
Consumo reduzido em aplicações têxteis, apresenta problemas para
tingimento. Sua utilidade mais importante é em filtros de cigarros, cetins e
material de estofamento.
Possuem características de absorção de umidade, resistência à tração, toque
suave e macio, e caimento semelhante ao algodão. Pode ser utilizada pura
ou em combinação com outras fibras, nas mais diferentes proporções e tipos
de mistura, fazendo parte de tecidos planos, malhas, cama, mesa, banho,
bordados e linhas. No entanto, sua produção tem alto custo ambiental, o que
constitui um problema para seu futuro.
Rayom Acetato
Rayom Viscose
FIBRAS SINTÉTICAS
Poliester
Polipropileno
Nylon (ou Poliamida)
Acrílico
Elastanos
É a fibra sintética de maior consumo no setor têxtil. É utilizada pura ou em
mistura com algodão, viscose, nylon, linho ou lã, sempre em proporções
variadas. Possui características impermeabilizantes e de isolamento térmico,
sendo não-alergênica e resistente à tração. É a mais barata das fibras têxteis,
químicas ou naturais.
Sua resistência à umidade, elevada inércia química, leveza, resistência à
abrasão e a ação de mofos e bactérias, torna-o ideal para a produção de
sacarias, forações de interiores e exteriores, e na fabricação de feltros. Não é
uma fibra importante para a indústria têxtil de vestuário e uso doméstico.
A mais nobre das fibras sintéticas, apresenta elevada resistência mecânica
(que a torna adequada para fabricação de dispositivos de segurança como
pára-quedas, cintos de segurança para veículos, etc.), baixa absorção de
umidade e boa aceitação de acabamentos têxteis.
Embora seja a menos consumida das fibras químicas têxteis, o acrílico é o
melhor substituto da lã por ser um bom isolante térmico. É leve, muito
resistente à ação dos raios solares e aos agentes químicos, não amassa e seca
rapidamente.
Sua função específica é conferir elasticidade aos tecidos convencionais, o
que permite confeccionar peças de vestuário que aderem ao corpo,
acompanhando as formas sem tolher os movimentos.
FONTE: Adaptado de ROMERO, L. L., et al. (1995).
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QUADRO 2 - Principais fibras químicas, produtores e marcas registradas nos Estados Unidos.6
FIBRAS
PRODUTORES E MARCAS
ACETATO
Hoechst Celanese: Celebrate!®.
ACRILICO
Cytec: Cystar, Cylight®, MicroSupreme.
Bayer: Dralon.
Monsanto: Acrilan®, Duraspun®, Sno-Brite, Sunbrella®.
LYOCELL
Courtaulds: Tencel®
MICROFIBRAS
NYLON
POLIESTER
POLYOLEFINAS
POLIPROPILENO
RAYON
SPANDEX
Basf: Silky Touch nylon, Sportouch® nylon.
Cytec: MicroSupreme® acrílico.
DuPont: Dacron® poliester microfibra, Supplex® Micro nylon,
Micromattique poliester, Tactel® micro nylon.
Hoechst Celanese: Trevira Finesse® poliester, Trevira Micronesse® poliester,
Trevira Micro® poliester.
Allied Signal: Anso-tex® air textured, Capima®, Caplana®, Caprolan®,
Caprolan-RC®, Captiva®, Creme de Captiva®, Hydrofil®, Patina®,
SeaGard®, StayGard®.
BASF: Crepeset®, Matinesse®, Resistat®, Shimmereen, Silky Touch, Sportouche®,
Vivana®, Zeflure®, Zefsport®, Zeftron® 200, Zeftron® 500, Zeftron®
2000.
Cookson: Type 6 e 6.6.
DuPont: Antron®, Antron® III, DriSilqueCM, Jentell®, Supplex Micro, Supplex®,
Tactel®, Tactel® Aquator, Tactel® Micro, Dupont Nylon.
Monsanto: FiberSet, Ultron VIP SD.
Cookson: filamentos.
DuPont: Dacron®, Dacron® microdenier, Softec®, Micromattique microdenier,
CoolMax®, Thermax®, Thermastat®, Hollofil®, Hollofil® II,
Hollofil® 808, Micro-loft®, Quallofil®, Thermolite®, Thermoloft®.
Hoechst Celanese: Trevira®, Trevira Finesse®, Trevira, Micronesse®, ESP®,
Trevira Micro®, Polarguard HV®, Polarguard 3D®, Serene®.
Wellman: Fortrel®, ComFortrel®, Fortrel Spunnaire®, Fortrel Spunnese®,
MicroSpun®, Fortrel® EcoSpun.
Amoco: Alpha Oelina, Essera, Kermel, Marvess, Ryton, Trace.
FFT: Salus, Telar®.
Hercules: Hercullon, Nouvelle®.
Courtauld
Lenzing: Modal®
North America Rayon: filamento
DuPont: Lycra®.
Globe Manufacturing: Cleerspan®, Glospan®.
Bayer: Dorlastan.
FONTE: Adaptado de FABRIC LINK (1996b).
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3. O MERCADO DAS FIBRAS SINTÉTICAS
3.1. O Confronto Fibras Naturais  Fibras Químicas
Antes da década de 60, o mercado mundial de fibras têxteis foi dominado de forma
preponderante pelo algodão, período no qual a participação do algodão no consumo
mundial de fibras era superior a 78% [FREIRE, DE MELO, ALCOUFFE (1997a)]. Foi
durante a década de 60 que começou a ocorrer uma drástica diminuição da participação do
algodão no mercado consumidor de fibras têxteis. De fato, ocorreu neste período uma
redução de cerca de trinta pontos na variação do consumo mundial de algodão em
percentagem do uso mundial de fibras, como é mostrado na Figura 1.
Figura 1 - Evolução do consumo de algodão em percentagem do uso de fibras.
FONTE: TOWSEND (1995).
A redução da participação percentual do algodão no mercado mundial de fibras
têxteis deveu-se ao avanço da participação das fibras sintéticas, como é mostrado na Figura
2. Embora a produção comercial da maioria das fibras sintéticas tenha se iniciado durante a
década de 50, o aperfeiçoamento em relação às suas propriedades e o aprimoramento das
técnicas de produção, assim como sua posterior difusão, fizeram com que a escalada de sua
participação no mercado mundial de fibras têxteis se tornasse marcante somente no
decorrer da década de 60.
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A disparidade entre as taxas de crescimento do consumo de algodão e de fibras
sintéticas começou a diminuir a partir da metade da década de 70, conseqüência
inicialmente do aumento do preço da matéria-prima para a petroquímica decorrente dos
dois choques do petróleo em 1973 e em 1979, e posteriormente devido à estabilização da
taxa de mistura entre fibras sintéticas e o algodão durante o processo de fiação,
determinada tanto por aspectos técnicos como por preferências do consumidor. A
preferência do consumidor por tecidos sintéticos tem um importante componente relativo à
influência de marketing dos produtos, porém os avanços técnicos são considerados
fundamentais. Por exemplo, as propriedades das microfibras fazem com que elas estejam
sendo denominadas de fibras do futuro. 7
Figura 2 - Evolução da produção mundial de fibras têxteis (em percentagem).
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1920
1940
1945
1950
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1955
1960
1965
1970
A lg o d ã o
Lã
A rtific ia is
S in té tic a s
1975
1980
1985
1990
FONTE: ABIT (1992).
Durante a década de 80, a produção mundial de fibras sintéticas apresentou taxa de
crescimento ligeiramente superior à do algodão, embora ambas tenham sido inferiores às
suas respectivas taxas de crescimento durante a década de 70. Enquanto, na década de 90,
o nível da produção mundial de algodão tem se mantido praticamente constante, pode-se
considerar inalterada a taxa de crescimento da produção de fibras sintéticas com relação
à
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década anterior. Em se tratando de lã e de fibras artificiais, a produção mundial das mesmas
se manteve praticamente constante durante as décadas de 80 e 90 (ver Figura 2).
A concorrência que se estabeleceu entre o algodão e as fibras sintéticas é um
processo dinâmico que tem se caracterizado por apresentar três fases distintas (ver Figura
3):
(i) Fase de Preparação - que configura o período anterior a 1960, onde a tecnologia de
produção das fibras sintéticas surgiu, foi aperfeiçoada, mas sua utilização foi limitada;
(ii) Fase Concorrencial - que configura o período entre 1960 e 1990, onde a tecnologia de
produção das fibras sintéticas amadureceu, passou a ser largamente utilizada em diversas
partes do mundo devido ao início da mundialização dos oligopólios produtores, e fez com
que as fibras sintéticas se tornassem importantes concorrentes do algodão no mercado de
fibras têxteis;
(iii) Fase de Estabilidade Relativa - que configura o período posterior a 1990, onde o
crescimento da produção mundial de fibras sintéticas continua a ocorrer e deverá suplantar
a produção mundial de algodão por volta da virada do século.
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Figura 3 - As fases da concorrência dinâmica entre o algodão e as fibras sintéticas
(em percentagens relativas).
FASE
DE PREPARAÇÃO
FASE
CONCORRENCIAL
FASE DE ESTABILIDADE
RELATIVA
PORCENTAGEM RELATIVA
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1940
1945
1950
1955
1960
1965
1970
1975
1980
1985
1990
1995
2000
ANO
A lg o d a o
Lã
A r tif ic ia is
S in t é t ic a s
FONTE: Adaptação de dados da ITMF - International Textiles Manufactures Federation (1994).
Em todas as fases pode se observar que a dinâmica da concorrência foi determinada
pelas vantagens comparativas das técnicas de produção das fibras sintéticas relativas às do
algodão. Na fase de preparação, a disputa pelo mercado das fibras têxteis ocorreu
localmente pois o desenvolvimento da tecnologia de produção de fibras sintéticas ficou a
cargo de algumas firmas em países determinados. O coroamento da estratégia das empresas
que desenvolveram as tecnologias de produção das fibras sintéticas veio na fase
concorrencial, o que envolveu a mundialização dos oligopólios produtores de fibras
sintéticas e relativização da produção de algodão a nível local como componente
fundamental para a competitividade da indústria têxtil de um determinado país. Finalmente,
na fase de estabilidade relativa o deslocamento da produção mundial de fibras sintéticas se
contrapõe à produção local e globalização do comércio de algodão, confronto com
importantes implicações para a mutabilidade das vantagens dos países em relação à
produção de matéria-prima para a fiação [FREIRE, DE MELO, ALCOUFFE (1997b)].
Em princípio, pode se prever que a fase de estabilidade relativa ainda venha a durar
um decênio pois neste espaço de tempo espera-se que fatores como variações no preço de
petróleo e novos processos de produção de fibras químicas sejam insuficientes para alterar
o
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relativo equilíbrio entre a produção de algodão e de fibras químicas. Contudo, em relação a
um prazo mais longo (30 anos, por exemplo), fatos importantes como o início do
esgotamento dos poços produtores de petróleo, uma acentuada melhoria genética das
sementes de algodão, e o surgimento de novos/aperfeiçoamentos processos de produção de
fibras têxteis tornar-se-ão cada vez mais relevantes para que uma nova fase da concorrência
dinâmica entre as fibras têxteis venha a surgir.
3.2. O Mercado Internacional das Fibras Químicas
Em termos gerais, o crescimento da produção das fibras químicas a nível mundial
tem sido pouco significativo e com tendências a decrescer. De fato, em 1995 o crescimento
mundial foi de apenas 3%, inferior ao de anos precedentes. Enquanto a produção da Europa
Ocidental decresceu de 3%, a dos Estados Unidos aumentou de apenas 1% e a do Japão de
2%, a produção nas “outras regiões” foi cerca de 5% superior a de anos anteriores, uma
conseqüência da estratégia de mundialização atual das empresas produtoras de fibras
químicas (ver nota de rodapé 2). No entanto, a América Latina, que faz parte das “outras
regiões”, apresentou um aumento da produção de apenas 2%, de onde pode se inferir que o
crescimento de produção mais significativo ocorre em países asiáticos [NOBEL (1996)].
Atualmente, o fato mais marcante no mercado de fibras químicas tem sido a
crescente participação dos países asiáticos na produção mundial. Em 1991, a produção
mundial de 19,3 milhões de toneladas de fibras químicas tinha participação preponderante
dos Estados Unidos, Japão e CEE (ver Fig. 4); nos dias atuais a China, a Coréia do Sul e
Taiwan são responsáveis por cerca de 30% do total da produção mundial de fibras
químicas. O nível de produção nos Estados Unidos (EUA) tem se mantido estável,
enquanto o do Japão tem registrado um pequeno declínio (hoje sua produção é de cerca de
8% da produção mundial).
Figura 4 - Produção mundial de fibras químicas em 1991.
Outros
54%
Japão
9%
CEE
18%
EUA
19%
FONTE: AKZO (1992) Chemical and Engineering News, citado em NATIONS UNIES (1993) .
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RECITEC,
Recife,
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A crescente importância dos países asiáticos no mercado das fibras têxteis torna-se
ainda mais clara ao se observar a evolução das importações e exportações do comércio
mundial de fibras sintéticas no período de 1984 a 1993 (ver Fig. 5). Torna-se claro que,
neste período, o sucesso dos países asiáticos ocorreu em detrimento dos países da antiga
CEE. Caso as tendências sejam mantidas, uma diminuição cada vez mais intensa da
produção de fibras sintéticas nos países da atual União Européia continuará a ocorrer.
Figura 5 - Comércio internacional de fibras sintéticas (valores como porcentagem do total).
50
IMPORTAÇÕES DE FIBRAS
SINTÉTICAS (%)
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
ANO
Am ericas
Asia
CEE
Outros
50
SINTÉTICAS (%)
EXPORTAÇÕES DE FIBRAS
60
40
30
20
10
0
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
ANO
A m ericas
A sia
CEE
FONTE: UNITED NATIONS (1995).
O u tro s
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RECITEC,
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115
A Tabela 1 e a Tabela 2 mostra, respectivamente, a evolução das importações e das
exportações de fibras sintéticas no período de 1984 a 1993 dos países mais ativos no
mercado mundial de fibras sintéticas. Enquanto um conjunto de dez países é responsável
por cerca de 52% das importações mundiais, outro conjunto é responsável por cerca de
74% das exportações mundiais. Devido à intensa utilização como insumo para a produção
de confecções, a China é a grande importadora de fibras sintéticas, embora seja um dos
maiores produtores mundiais das mesmas. Já a Alemanha é o principal país exportador e
também o segundo mais destacado importador dessas fibras . O seu papel como exportador
decorre do avanço da tecnologia que sua indústria química possui, enquanto o seu papel
como importador advém da mundialização das suas principais indústrias produtoras de
fibras têxteis (Hoechst A. G., por exemplo).
TABELA 1 - Importações de fibras sintéticas por país (em percentagem do total).
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
China
–
21.7
12.4
8.9
17.1
15.7
11.5
17.3
15.9
15.9
Alemanha
7.2
6.8
7.8
7.1
6.2
6.9
14.4
7.4
7.2
5.8
Itália
9.1
8.5
9.1
8.0
7.0
7.1
7.4
8.1
7.7
6.9
França
6.8
6.2
7.2
6.2
5.2
5.3
5.4
5.4
5.2
4.0
Reino Unido
5.3
4.8
5.5
6.0
5.7
5.6
5.4
5.2
5.2
3.9
Estados Unidos
5.8
5.8
6.3
5.3
5.5
4.3
3.9
4.7
6.0
8.4
3.6
Bélgica
6.5
5.0
5.6
5.2
4.6
4.8
4.7
4.6
4.1
Hong Kong
3.5
1.8
1.8
2.2
2.6
3.0
2.4
3.3
3.3
3.2
Espanha
2.1
1.7
3.2
3.2
2.5
3.0
2.6
3.0
3.0
2.3
Indonésia
2.8
1.7
1.6
1.9
1.4
1.9
1.8
2.6
3.5
3.9
TOTAL
49.1
64.0
60.5
54.0
57.8
57.6
59.5
61.6
61.1
57.9
FONTE: UNITED NATIONS (1995).
TABELA 2 - Exportações de fibras sintéticas por país (em percentagem do total).
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
Alemanha
16.7
17.4
17.3
17.5
15.9
18.3
35.3
20.5
20.6
16.9
Japão
13.8
14.5
13.7
11.6
12.3
13.6
11.3
14.4
15.0
16.8
Coréia
2.6
2.6
1.6
2.3
4.1
7.0
6.7
9.8
10.8
14.0
Estados Unidos
11.7
10.9
7.0
7.6
8.7
9.2
6.8
9.1
7.2
8.6
Itália
13.2
14.1
23.4
11.9
14.2
12.3
6.1
5.5
4.6
3.8
Reino Unido
5.3
5.2
4.4
3.9
0.2
1.0
1.1
6.2
6.0
5.0
Espanha
2.2
3.1
2.7
3.4
4.1
3.7
4.3
4.0
4.1
1.6
França
5.2
5.2
4.5
3.9
3.4
3.8
3.5
3.0
3.2
2.7
Hong Kong
1.9
1.1
0.9
1.3
1.9
2.7
2.1
3.3
3.6
3.4
Irlanda
2.3
1.4
1.6
1.6
1.8
2.9
2.4
2.5
2.8
3.3
TOTAL
74.9
75.5
77.1
65.0
66.6
74.5
79.6
78.3
77.9
76.1
ARTIGO/ARTICLE//O confronto fibras químicas x algodão na indústria têxtil brasileira//Fátima de Souza Freire, Maria Cristina Pereira de Melo e Alain Alcouffe
FONTE: UNITED NATIONS (1995)
RECITEC,
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A produção de fibras artificiais e sintéticas se dá em mercados oligopolizados.
Dentre as os maiores produtores que constituem o oligopólio mundial de fibras sintéticas
destacam-se: a UNIFI, a Du Pont, e a Monsanto Chemical (EUA); a Toray Industries
(Japão); a Montefibre Enimont (Itália); a Hoechst A. G. (Alemanha); a Rhône-Poulenc
(França); a Hanil Synthetic Fiber (Coréia); a Far Eastern Textile (estatal na China); a Ya
Plastics Corporation (estatal em Taiwan); e Fibras Sintéticas (México) [ROMERO,
VIEIRA, MARTINS, MEDEIROS (1995)].
As barreiras à entrada relativas à indústria de fibras químicas devem ser destacadas
[COHEN (1989)]:

elevado investimento de capital;

elevado nível de conhecimento técnico;

despesas importantes com pesquisa e desenvolvimento de produtos;

natureza altamente competitiva da indústria;

pequena margem de lucro nos produtos convencionais;

propriedades das fibras desenvolvidas em relação ao uso final das mesmas.
As barreiras acima, entre as quais o domínio da tecnologia se destaca, fornecem
uma excelente base para que se entenda o porquê da existência de um número
extremamente reduzido de empresas produtoras de fibras químicas. Sem dúvida, a
indústria de fibras químicas caracteriza-se por alta densidade de capital, elevada relação
capital/trabalho, montante de investimento inicial bastante significativo e importantes
economias de escala. A tecnologia de processo e de produto desempenham papel
importante na estratégia das firmas na medida em que ela é uma indústria densa em
tecnologia, portanto a capacidade de inovação se reflete diretamente na competitividade da
firma [DE MELO (1994)].
Paralelo à demanda crescente por fibras químicas a nível mundial, tem se
desenvolvido um processo de deslocalização da produção para regiões distintas das de
origem das principais empresas produtoras. Um forte impulso nesta direção teve origem em
firmas japonesas, no final da década de 60, via formação de joint-ventures e contratos de
licença sobretudo na Ásia, mas também na América Latina. Isto encorajou as
multinacionais de fibras químicas baseadas nos Estados Unidos e na Europa a seguirem o
exemplo. A opção privilegiada foi a formação de joint-ventures, o que ocorreu
ARTIGO/ARTICLE//O confronto fibras químicas x algodão na indústria têxtil brasileira//Fátima de Souza Freire, Maria Cristina Pereira de Melo e Alain Alcouffe
principalmente no México, nos países da América do Sul (Brasil, Argentina, Peru), na Índia
e no Paquistão [OMAN, PELZMAN (1989)].
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3.3. As Fibras Químicas no Brasil
As fibras químicas começaram a ser produzidas no Brasil logo após sua invenção no
exterior. Isto ocorreu em 1931, quando a Companhia Brasileira Rhodiaceta, que
posteriormente viria tornar-se a Rhodia, iniciou a produção comercial do acetato, produção
esta que foi favorecida pela abundância e baixo preço da matéria prima (linter de algodão),
da mão-de-obra,e baixo custo de energia elétrica.Por sua vez, as fibras sintéticas
começaram a ser produzidas de forma irregular no Brasil, havendo um aumento de sua
produção somente a partir da década de 60. No entanto, somente no final da década de 60 a
produção de fibras sintéticas superou a de fibras artificiais [ROMERO, VIEIRA,
MARTINS, MEDEIROS (1995)].
A Figura 6 permite observar a evolução da produção de fibras químicas no Brasil
em relação ao algodão, lã bruta e juta. Constata-se através dela que o mercado de fibras
têxteis no Brasil ainda não alcançou a fase de estabilidade relativa (ver Figura 3) em que se
encontra, atualmente, o mercado de fibras têxteis internacionais, muito embora tenha forte
tendência a chegar em breve àquela fase. Para isto, a taxa de crescimento da produção de
fibras artificiais deverá aumentar consideravelmente, o que poderá significar a instalação de
novas fábricas para a produção de fibras sintéticas já que a capacidade de produção de
fibras químicas no Brasil permaneceu estável no último quinquênio.
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Figura 6 - Fases da concorrência dinâmica entre fibras naturais
e fibras sintéticas no Brasil (em percentagens relativas).
FASE
FASE
DE PREPARAÇÃO
CONCORRENCIAL
PORCENTAGEM RELATIVA
80
70
60
50
40
30
20
10
0
63
66
69
72
75
78
87
88
89
90
91
92
93
94
A N O
A lg o d a o
Lã
J u ta
S in t é t ic a s
A r t if ic ia is
FONTE: Adaptação dos dados ABIT (1996).
As fibras químicas mais utilizadas no Brasil são o poliester e o polipropileno, as
quais, nos últimos anos, tem participação média no mercado de 40% e 24%,
respectivamente. A evolução da produção e consumo das principais fibras químicas é
apresentada na Figura 7. O consumo destas fibras tem aumentado mais do que sua
produção, o que indica a existência de oportunidades empresariais em relação a este
mercado. A diferença entre a produção e o consumo está sendo suprida pela importação das
fibras.
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Figura 7 - Variação da produção e consumo de fibras químicas no Brasil
(em 1000 toneladas).
VISCOSE
POLIAMIDA
200
200
160
160
120
120
80
80
40
40
0
1990
1991
1992
Produção
1993
0
1994
1990
Consumo
200
160
160
120
120
80
80
40
40
1991
1992
Produção
1993
0
1994
1990
Consumo
200
160
160
120
120
80
80
40
40
1991
1992
Produção
1994
Consumo
1992
1993
1994
Consumo
POLIPROPILENO
200
1990
1991
Produção
ACRILICO
0
1993
POLIESTER
200
1990
1992
Produção
POLIAMIDA
0
1991
1993
0
1994
1990
Consumo
1991
1992
Produção
1993
1994
Consumo
FONTE: ABIT (1996).
Em 1995, os produtores de fibras e filamentos artificiais e sintéticos no Brasil eram
de 46 empresas, que geravam empregos da ordem de 50.000.8 Entre as principais podemos
citar a Rhodia, a Hoechst, a Dupont, a Fibra, e a Polyenka. Observa-se, todas estas
empresas são multinacionais, com exceção da Fibra, que é do grupo brasileiro Vicunha. O
perfil destas empresas é apresentado no Quadro 3, enquanto a evolução de receitas e
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despesas da indústria brasileiras de fibras químicas nos últimos cinco anos é apresentada na
Figura 8 [SENAI/CETIQT (1995)].
Quadro 3 - O perfil das principais empresas produtoras de fibras químicas no Brasil em 1995.
EMPRESA
SEDE
RHODIA-STER
DU PONT
HOECHST*
FIBRA
POLYENKA
VENDAS
(US$ milhões)
LUCRO
(US$ milhões)
VENDAS/EMPREGADO
(US$ mil)
EMPRE
GADOS
BA
336,7
19,3
85,4
5483
Originária do grupo francês Rhône-Poulenc, que tem 22 unidades no Brasil nas áreas têxtil, química,
remédios e agrícola. Produz filamentos e fibras de poliester, fibras de viscose, fibras e filamentos de
nylon e fibras de acrílico.
SP
173,9
-0,8
205,9
898
Originária do grupo americano Du Pont, é no Brasil uma S.A. de capital fechado, possuindo
atividades petrolíferas e químicas, onde as têxteis estão inclusas. Produz fibras e filamentos de nylon,
e elastanos (mais de 70% da lycra brasileira é produzida pela Du Pont, o restante é importado).
SP
874,4
-17,8
228,3
2822
Originária do grupo alemão Hoechst, que é um dos maiores do mundo na indústria química. Produz
filamentos de poliester.
SP
213,0
1,3
76,8
2582
Faz parte do grupo brasileiro Vicunha e atua nos mercados interno e externo, exportando fibras de
viscose principalmente. Produz também filamentos de viscose.
SP
124,2
1,2
116,3
1044
Originária do grupo holandês Akzo.
Produz filamentos de poliester,
FONTE: MELHORES E MAIORES EXAME 1995 (1996).
Figura 8 - Evolução das despesas e receitas da indústria de fibras químicas
no Brasil (em milhões de dólares).
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1989
Rec. Bruta
1990
1991
Investimentos
1992
ICM
1993
Enc. Sociais
FONTE: ABRAFAS (1994).
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4. COMPETITIVIDADE, TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA E
GLOBALI-ZAÇÃO NO CONFRONTO FIBRAS QUÍMICAS X
ALGODÃO
As fibras têxteis constituem a base de toda a cadeia têxtil, influenciando o seu
processo produtivo. Consequentemente, a posse de vantagem competitiva no que diz
respeito à aquisição de fibras têxteis naturais e artificiais é relevante para toda a cadeia
têxtil de produção [FERRAZ, KUPPER, HAGUENAUER (1996)]. Embora o confronto
algodão  fibras sintéticas esteja agora na sua fase de estabilidade relativa em plena
concorrência dinâmica do mercado internacional de fibras têxteis (ver Figura 3), em muitos
países este confronto ainda evolui na fase concorrencial como, por exemplo, no caso do
Brasil (ver Figura 6). A defasagem nas fases de concorrência dinâmica algodão  fibras
sintéticas reflete de antemão problemas de atraso tecnológico na produção/utilização das
fibras têxteis. Por exemplo, a utilização de equipamentos de tecelagem de última geração
exige uma melhor qualidade das fibras têxteis, o que limita consideravelmente o tipo de
algodão a ser utilizado.
Enquanto a tecnologia relacionada com a melhoria do cultivo do algodão é agrícola
e de absorção mais fácil e imediata,9 todo o desenvolvimento da produção de fibras
químicas é baseado em processos tecnológicos avançados que são domínio de um número
bastante limitado de empresas. A competitividade da cultura do algodão decorre da posse
de melhores condições técnicas (terra, equipamentos, mão-de-obra, sementes, fertilizantes,
apoio governamental, etc.) para a sua produção por parte de grande número de produtores
espalhados pelo mundo. A competitividade na produção das fibras químicas decorre,
essencialmente, do domínio da tecnologia específica, posse de um pequeno grupo de firmas
a nível mundial. De fato, a indústria produtora de fibras químicas caracteriza-se por ser
intensiva em ciência, onde as inovações de produto são determinantes na conquista de
novos mercados. A difusão da tecnologia de produção da matriz da multinacional para a
filial ocorre sem obstáculos. No entanto, os procedimentos descobertos durante a pesquisa
que originaram a tecnologia não são repassados, o que origina dependência em relação à
tecnologia de base. Isto inviabiliza, por exemplo, que novas fibras venham a ser
desenvolvidas nas filiais.
Em virtude das peculiaridades das fibras naturais e das fibras químicas, o processo
de globalização da economia influencia a produção e a comercialização de ambas de forma
específica. Com a crescente queda de barreiras alfandegárias e do protecionismo dos
países,10 o produtor de fibras naturais deve utilizar técnicas de produção de forma que
resulte em um produto com preço e qualidade capaz de fazer face à concorrência no
mercado mundial.11 No caso das fibras químicas, a mundialização do pequeno número de
produtores (oligopólios a nível mundial) tem feito com que os preços das mesmas sejam
determinados por economia de escala, demanda regional, e pela própria concorrência com
as fibras de algodão. Em conseqüência, o mercado das fibras químicas é mais suscetível a
oscilações da produção/consumo internacional do que o mercado das fibras naturais.
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No processo de abertura de sua economia, o Brasil tem buscado eliminar várias
restrições ao comércio internacional, muitas vezes sem o controle necessário e com
implicações nefastas. No caso da indústria têxtil, a Tabela 3 mostra a evolução das tarifas
aduaneiras para produtos têxteis que foi implementada. Ela teve conseqüências importantes
para cadeia têxtil, como pode ser visto na Figura 9. De acordo com as informações e
argumentos apresentados em FREIRE, DE MELO, e ALCOUFFE (1997a), pode se afirmar
que o país passou de exportador a importador de algodão não só em função dos problemas
relativos à cultura algodoeira do país (baixa produtividade, problema de pragas, falta de
mecanização da lavoura, etc.) mas também em função do desprotecionismo acelerado e
exacerbado que foi imposto à cultura algodoeira.12
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Tabela 3 - Evolução das tarifas aduaneiras brasileiras para produtos têxteis.
ALÍQUOTAS (%)
PRODUTOS
86
Fios de Seda
Tecidos de Seda
Lã Bruta
Fios de Lã
Tecidos de Lã
Algodão em Pluma
Fios de Algodão
Tecidos de Algodão
Linho Bruto
Fios de Linho
Tecidos de Linho
Juta Bruta
Fios de Juta
Tecidos de Juta
Filamentos Artificiais/Sintéticos
Filamentos de Poliuretano (Lycra)
Tecidos de Filamentos
Fibras Artificiais/Sintéticas
Fios de Fibras Artificiais/Sintéticas
Tecidos de Fibras Artificiais/Sintéticas
Tapetes
Veludos
Tules, Fitas, Rendas, Bordados
Tecidos de Malha
Confecções de Malha
Confecções de Tecidos
Confecções de Cama, Mesa, Banho
Outras Confecções
85
105
30
65
105
55
85
105
30
65
105
45
85
105
55
55
85
55
55
105
105
105
105
105
105
105
105
105
88
90
50
65
30
50
65
10
30
60
10
50
65
10
50
65
55
55
65
45
55
65
85
85
85
65
85
85
85
85
91
20
40
0
20
40
0
20
40
0
20
40
0
20
40
20
20
40
20
20
40
50
50
50
40
50
50
50
50
93*
92
20
40
0
20
40
0
20
40
0
20
40
0
20
40
20
0
40
20
20
20
40
50
40
50
40
50
50
50
20
30
0
20
30
0
20
30
0
20
30
0
20
30
20
0
30
20
20
30
40
30
40
30
40
40
40
40
94**
15
20
0
15
20
0
15
20
0
15
20
0
15
20
20
0
30
15
20
30
30
30
30
30
30
30
30
30
10
15
0
10
15
0
10
15
0
10
15
0
10
15
20
0
20
15
20
20
20
20
20
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20
20
20
20
FONTE: ABIT (1992).
*
As alíquotas previstas para vigorarem em 1/01/93 tiveram sua vigência antecipada para 1/10/92.
As alíquotas previstas para vigorarem em 1/01/94 tiveram sua vigência antecipada para 1/7/93.
**
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Figura 9 - Evolução da importação brasileira de produtos têxteis (em US$ milhões).
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Fibras
Fios
Filamentos
1991
1992
Tecidos
1993
Confecções
Outros
1994
FONTE: ABIT (1996).
As fibras químicas produzidas no Brasil começam a sofrer também o impacto da
concorrência internacional. De fato, a importação dessas fibras passou de 58 000 toneladas
em 1994 para algo em torno de 100.000 toneladas em 1995 (cerca de 1/3 da produção
nacional). A queda das barreiras alfandegárias propiciou dois movimentos: de um lado, a
entrada de produtos asiáticos, e de outro a importação de produtos pelas firmas
multinacionais instaladas no país para suprir a demanda interna, em certos casos em
detrimento da própria produção interna.
Recentemente, o governo brasileiro tem implementado medidas que visam apoiar a
indústria têxtil nacional. Por exemplo, em julho/95 foi estabelecido que as importações de
alguns produtos manufaturados têxteis deveriam ser efetuadas somente mediante
pagamento à vista, eliminando consequentemente os vantajosos prazos de financiamento
que eram utilizados, proporcionando vantagem adicional àquela indústria doméstica. Em
agosto/95, as alíquotas de importação de camisas subiram de 20% para 70%, enquanto a
dos tecidos artificiais sintéticos subiram de 18% para 70%.
No entanto, nada foi feito em relação ao problema do algodão. Este é um
interessante - embora trivial - problema da influência de lobbies na política econômica. De
fato, como a indústria de fiação consegue adquirir algodão a preços convenientes no
mercado internacional, não há interesse daquela indústria que a alíquota de importação do
algodão inviabilize esta operação. Por outro lado, não há grandes produtores de algodão, e
a miríade de pequenos e médios produtores não é organizada em associações com
importância e influência suficiente para defender seus interesses. Um programa de preço
mínimo, por exemplo nos moldes do praticado pelos EUA (ver nota de rodapé da página
anterior), seria relevante para que os produtores de algodão brasileiros pudessem
fazer face à abertura
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irrestrita da economia brasileira ao mercado internacional.13 A menos que novas medidas
sejam tomadas, há uma forte tendência para que cada vez mais a indústria brasileira seja
dependente da importação de algodão.
No caso das fibras químicas, há grande interesse das firmas multinacionais
produtoras das mesmas conservarem seu mercado no Brasil. Como estas firmas fazem parte
de grupos fortes economicamente (todas estão entre as 500 maiores e melhores empresas
brasileiras da revista Exame), é muito mais fácil para elas influírem politicamente para a
alteração de alíquotas de importação de fibras químicas (quando e como lhes convier) do
que os produtores de algodão.
No contexto delineado nos parágrafos precedentes, as fibras químicas podem vir a
se tornar elemento estratégico importante para a indústria têxtil brasileira. De um lado, a
demanda interna por essa matéria-prima tende a crescer considerando-se que sua
participação na mistura de fibras processada pela indústria brasileira é ainda inferior àquela
praticada à nível mundial. De outro lado, a capacidade produtiva interna pode se expandir
em duas direções:
(i) entrada de novas firmas (principalmente asiáticas) produtoras de fibras químicas, as
quais podem ser atraídas para o país em virtude de suas estratégias de expansão a nível
mundial e de condições locais favoráveis (mercado, incentivos de várias ordens oferecidos
por diversos estados da federação e mesmo disponibilidade de mão-de-obra a baixo custo,
etc.;
(ii) expansão da capacidade produtiva das empresas já presentes internamente, via
expansão das plantas instaladas e/ou instalação de novas plantas em regiões diferentes14.
Como conseqüência, no médio/longo prazo os preços das fibras químicas utilizadas
pelos fabricantes brasileiros podem ter tendência decrescente.
5. CONCLUSÕES
Até a década de 70, a indústria têxtil brasileira teve sucesso em utilizar como
elementos estratégicos para a sua competitividade a disponibilidade do algodão nacional a
preços interessantes e o baixo custo da mão-de-obra. Na década de 80, o cenário mudou
pois o rápido aperfeiçoamento na tecnologia das máquinas têxteis, a contínua queda e/ou
estabilidade do preço do algodão no mercado internacional, e a abertura da economia fez
com que os elementos estratégicos utilizados com sucesso na década anterior se tornassem
insuficientes para assegurar seu dinamismo. A indústria têxtil dedicou então (e continua a
dedicar por questão de sobrevivência!) considerável investimento na modernização do seu
parque de máquinas buscando aumentar a produtividade e se tornar mais competitiva. Ao
mesmo tempo, iniciou-se o declínio no fornecimento de matéria-prima nacional - fibra
natural, em especial o algodão - deixando esta de ser elemento estratégico para a
competitividade da indústria têxtil brasileira.
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O percentual de fibras químicas utilizadas pela indústria têxtil brasileira para a
produção de tecidos é bem menor que aquele utilizado no mercado internacional, chegando
em alguns casos a ser 50% inferior, conforme resultados obtidos em pesquisa de campo
realizada recentemente [FREIRE, DE MELO, ALCOUFFE (1997b)]. Isto ocorre não
somente pelo fato de que o número de artigos têxteis fabricados no país tendo como base a
utilização exclusiva de fibras sintéticas é bem inferior aos produzidos utilizando somente
fibras naturais, mas também como conseqüência de que a percentagem de mistura entre
fibras naturais (algodão) e fibras sintéticas para a produção de “tecidos mistos”, i.e. tecidos
compostos de uma mistura de fibras naturais e sintéticas é baixa ainda, sendo bem inferior
ao praticado em países cujas indústrias têxteis são mais competitivas internacionalmente.
Há, portanto, uma perspectiva clara de que a busca de competitividade das indústrias
têxteis brasileiras venha tornar ainda mais importante o papel das fibras químicas como
matéria-prima. De fato, uma maior utilização de fibras sintéticas proporcionaria uma maior
diversidade dos tipos de tecidos, e contribuiria também para uma redução dos preços
médios dos mesmos a longo prazo. Consequentemente, ganhos de produtividade e um
incremento na competitividade da indústria têxtil brasileira decorreriam de uma maior
utilização das fibras químicas para a produção de tecidos. Neste aspecto, um possível
futuro incremento na demanda brasileira por fibras sintéticas deveria ser atendido pelos
produtores nacionais para evitar a dependência em relação à flutuação de preços do
mercado internacional, o que viria a limitar o incremento da utilização de fibras sintéticas
como estratégia competitiva da indústria têxtil brasileira.
Os dados apresentados neste trabalho e as análises que foram realizadas durante o
mesmo sugerem que as estratégias governamentais em relação a indústria têxtil têm que ser
revistas. A abertura da economia brasileira via eliminação de barreiras alfandegárias tem
facilitado acentuadamente a modernização tecnológica do parque de máquinas têxteis, mas
ao mesmo tempo tem afligido severamente a produção nacional de matéria-prima para a
indústria, deixando-a à mercê de variações do mercado internacional. Por outro lado,
constatou-se que a mundialização das empresas produtoras de fibras químicas e o contínuo
embate fibras químicas  algodão são ingredientes não desprezíveis na busca e/ou
manutenção da competitividade da indústria têxtil brasileira. O mercado de matéria-prima
para indústria têxtil (fibras naturais e químicas) constitui sem dúvida um interessante tema
de investigação para se constatar efeitos de globalização da economia e a influência
determinante desse processo sobre a competitividade das firmas produtoras. Em particular,
as análises realizadas neste trabalho permitiram antever que a produção de fibras químicas
no Brasil pode se tornar elemento estratégico para as indústrias têxteis brasileiras.
A abertura da economia brasileira tem funcionado em muitos casos como elemento
motor para acelerar a dinâmica da transformação de vantagens competitivas em
desvantagens competitivas do país. Como exemplo, pode-se citar o caso do algodão e das
máquinas têxteis e, quiçá no futuro, a produção de fibras químicas [FREIRE, DE MELO,
ALCOUFFE (1997b)]. A adaptação de um setor industrial a este fenômeno passa
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necessariamente pela autonomia dirigida que o país possa exercer sobre o seu comércio a
nível mundial. Isto significa que considerável e profunda atenção deve ser dada aos tratados
que estão sendo estabelecidos na Organização Mundial do Comércio (OMC) pois são os
mesmos que, mais cedo ou mais tarde, virão a determinar os limites que poderão ser
impostos por um país para a proteção de segmentos de sua economia.
Finalmente, é oportuno sugerir que face a problemática atual da produção de
algodão no Nordeste brasileiro e a centralização da produção de fibras químicas em São
Paulo, a perspectiva de instalação de uma nova refinaria de petróleo (fornecedora da
matéria prima básica para a produção de fibras sintéticas) no Nordeste brasileiro abre
enormes possibilidades para que a tradicional indústria têxtil nordestina possa usufruir da
produção de fibras químicas como elemento estratégico para a sua competitividade.
AGRADECIMENTOS - F. S. Freire, agradece o suporte financeiro recebido da Fundação
Cearense de Amparo à Pesquisa (FUNCAP) para a realização deste trabalho, que faz parte
do desenvolvimento de sua tese de Doutorado na Université des Sciences Sociales
Toulouse 1, França. A. Alcouffe, agradece o suporte financeiro recebido do convênio
CAPES-COFFECUB, que permitiu uma visita sua ao Brasil, durante a qual parte deste
trabalho foi elaborado. Finalmente, M. C. Pereira de Melo agradece a bolsa de pósdoutorado proporcionada pela CAPES no convênio CAPES-COFFECUB para seu estágio
de pós-doutorado em Paris, França, durante a vigência da qual sua contribuição para este
trabalho foi efetuada.
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1
Os egípcios já utilizavam seguramente o linho há mais de 6000 anos. Estima-se que eles fizeram uso do
algodão de forma mais intensa somente há cerca de 3500 anos. A lã já era utilizada in natura pelos homens
das cavernas no último período da Idade da Pedra, e os segredos da cultura e fabricação da seda remontam
mais de 3000 anos de acordo com a crença de que a mesma foi descoberta por uma princesa chinesa
[FABRIC LINK (1996a)].
2
Durante o encontro anual da International Textile Manufacturers Federation (ITMF), em Washington, USA,
ocorrido em setembro de 1996, o vice-presidente executivo da Du Pont, Gerald A. Blumberg, advertiu sobre
a importância do processo de adaptação das indústrias de fibras têxteis químicas para as mudanças do
comércio mundial devido à globalização. Dando o exemplo da Lycra® da DuPont como exemplo, que tem
70% de sua vendas fora dos USA, ele afirmou: “Nós operamos fábrica em 10 diferentes países, e nenhuma
região ou país é favorecido” [ITMF( 1996)].
3
Os aspectos históricos desta secção estão baseados nas informações contidas na BRITANNICA ONLINE
(1996).
4
O título, que é expresso em decitex (dtex), é o peso em gramas de 10.000 metros de fio. Isto significa que
10.000 metros de fio 75/30=75 dtex/30 filamentos pesa 75 gramas [PADEIRO (1994)].
5
A lã mais fina tem 17 microns, o algodão mais fino tem 13 microns, e a seda mais fina tem 12 microns. Por
isto, os produtos conseguidos com as microfibras são macios, de toque agradável, de fácil manutenção e alta
durabilidade [FERNANDES, PADEIRO (1995)].
6
Esta listagem de produtores e marcas das principais fibras químicas produzidas nos Estados Unidos também
pode ser reconhecida como uma boa listagem para o Ocidente, embora empresas européias importantes como
a Akzo (Holanda), a Rhône-Poulenc (França) nela estejam ausentes. Em relação ao Oriente, deve se destacar
que estão ausentes a Toray (Japão), a Hanil (Coréia), a Eastern Textile e a Nan Ya Plastics Corporation
(Taiwan). Não se deve esquecer a Fibras Sintéticas (México).
7
As microfibras possuem características que somam as vantagens das fibras sintéticas com as das fibras
naturais. Elas absorvem água com maior facilidade e são mais permeáveis, e por isto podem ser lavadas e
secadas mais facilmente, além de não reterem o suor. Elas são muito leves e contêm um número maior de
filamentos, o que torna o contato com o corpo humano mais agradável, facilita as operações de costura, e
proporciona novos toques e caimentos suaves. Finalmente, apresenta elasticidade no sentido do comprimento,
e portanto acompanha qualquer movimento do corpo humano, o que proporciona maior conforto
[ABRAVEST (1993)].
8
Este número deve ser comparado com aqueles relacionados à produção de fibras naturais, onde existem da
ordem de 700.000 empresas que geram cerca de 3.500.000 empregos [SENAI/CETIQT (1995)].
9
Um caso a parte é a melhoria das variedades de sementes de algodão através de processos biotecnológicos,
que envolve conhecimento tecnológico avançado e cujo domínio é restrito a poucos laboratórios.
10
O término do Acordo de Multifibras em 2004 está acelerando a implementação de decisões nos mais
diferentes níveis que buscam a eliminação de barreiras alfandegárias e subsídios governamentais ao complexo
têxtil [WORLD BANK (1990)].
11
Entretanto, ao preço do produto no mercado internacional deve se adicionar custos adicionais referentes ao
tempo de entrega e de armazenagem, transporte, e o fator social.
12
Deve-se destacar que em países altamente defensores da eliminação de barreiras alfandegárias e de
subsídios governamentais (Estados Unidos, por exemplo), os produtores de algodão tem complementação dos
seus gastos de produção de forma a que o preço de venda do seu algodão seja compatível com aquele
praticado no mercado internacional. O governo brasileiro nunca implementou uma política de preços
semelhante a esta para a cultura algodoeira nacional.
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Um exemplo dramático digno de ser mencionado é o caso da cultura de algodão no Ceará, cuja produção
caiu cerca de 50% em 1996 devido à falta de estímulo e pela proliferação generalizada das importações.
14
Por exemplo, a instalação de um novo polo petroquímico na região Nordeste do Brasil poderia favorecer a
implantação de novas plantas produtoras de fibras sintéticas na região cuja produção viria a suprir a crescente
demanda das mesmas.
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