POL Ê MICA - IMAG-DF
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POL Ê MICA - IMAG-DF
PALAVRA DO PRESIDENTE A lição do mestre Nos meus guardados1, de repente encontro um trecho da obra maior de Maquiavel. E vejo o quanto tem sido praticada a lição do mestre pelos mandarins de hoje e de sempre, desde o império das minhocas até o das águias e das raposas. Confira você mesmo: Cada um entende que é muito louvável para um Príncipe manter sua fé e viver integramente, não com ardis e enganos. Contudo, vê-se por experiência de nosso tempo que estes Príncipes se tornaram grandes porque não levaram em grande conta sua fé e souberam, por ardil, enganar o espírito dos homens e, por fim, sobrepujaram os que se fundaram na lealdade... Não é, pois, necessário a um Príncipe ter todas as qualidades supracitadas, mas é preciso que pareça tê-las2. E até ousaria dizer que, se as tem e as observa sempre, elas lhe trazem danos; mas fazendo de conta que as tem, então são proveitosas; como parecer ser piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso e sê-lo, mas detendo então seu espírito de modo que, se for preciso não sê-lo, possa e saiba usar o contrário3. E é preciso também notar que um Príncipe, principalmente quando é novo, não pode bem observar todas as condições pelas quais se é esti- “(...)qualquer semelhança não será mera coincidência...” mado como homem de bem; porque ele é freqüentemente obrigado, para manter seus Estados, a agir contra a sua palavra4, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. É por isso que é preciso que ele tenha o entendimento pronto para mudar, segundo os ventos da fortuna e as variações das coisas lhe pedem e, como já disse, não se afastar do bem, se puder, mas saber entrar no mal, se há necessidade. O Príncipe deve, pois, cuidadosamente, tomar cuidado de que nunca lhe saia da boca propósito que não esteja pleno das cinco qualidades que citei acima e parecer, a quem o ouve e vê, misericordioso, fiel, íntegro, religioso. E não há coisa mais necessária que a de parecer possuir esta última qualidade. Os homens em geral julgam antes pelos olhos que pelas mãos, porque cada um pode ver facilmente, mas sentir, poucos. Todo mundo vê bem o que você parece, mas bem poucos têm o sentimento do que você é; e estes poucos não ousam5 contradizer a opinião do grande número, que tem do seu lado a majestade do Estado que os sustenta; e pelas ações de todos os homens e especialmente dos príncipes (porque aí não se pode apelar a outro juiz), vê-se qual foi o sucesso6. Que um príncipe se proponha, pois, como seu objetivo, vencer e manter o Estado: os meios serão sempre considerados honrosos e louváveis por cada um; porque o vulgo só julga a partir do que vê e do que advém; ora, neste mundo, só há o vulgo; e o pequeno número não conta, quando o grande número tem em que se apoiar. Um príncipe de nosso tempo7, que não é bom nomear, não canta outra coisa senão paz e fé; e é grande inimigo de uma e da outra; e de uma e de outra, se o tivesse observado bem, ele freqüentemente tirou ou seu prestígio ou seus Estados.8 Lido e achado conforme, qualquer semelhança não será mera coincidência... ou será? Valter Xavier Presidente do IMAG-DF 100 Discursos Históricos, Carlos Figueiredo, Editora Leitura, pgs. 122/123. 1 Alguém disse: A mulher de César não precisa ser honesta; basta “parecer” honesta... 2 E não é que foi dado o aval para a tese “os fins justificam os meios”? 3 Já ouviram algo parecido com “esqueçam o que eu disse” ou “eu não sabia...”? 4 Lembra-me um comentário digno de nota: “Quem achou... até hoje não acharam!” 5 6 Caminho aberto para a “Súmula Vinculante” versão XXI? 7 Parece que esse texto é do Século XV? 8 Nicolao Maquiavel, em “O Príncipe”. O Magistrado 3 Í N D I C E Capa 6 Radar Um giro pelas notícias que marcaram o último mês 8 Carta dos Editores 32 Amazônia, problema nacional ou internacional? Em xeque a soberania nacional Desafiando as superstições 9 Cartas A serviço dos leitores 12 Direto ao Ponto Do bem de família 16 Opinião 10 Idéias A mulher no novo Código Civil A exceção da Pré-Cognição da esfera processual 24 Em Foco Alterações na sistemática de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS 29 Direito nas Ruas Assassinato de fiscais: a polícia prende os assassinos, mas ainda faltam os mandantes A realidade sobre os planos de saúde 44 Português Jurídico Serviço Saiba como e quando recorrer ao tribunal de pequenas causas Tire dúvidas sobre nossa língua 46 Em questão A remessa ex officio e a Súmula nº 45 do STJ 4 O Magistrado FOTO NÃO VEIO 18 Í N D I C Eventos E 48 Batalhão da Guarda Presidencial comemorou 181 anos Polêmica 50 Polícia independente, sociedade segura Transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová Iniciativas 20 Projeto “Luz do Lago” ensina remo para deficientes visuais Reflexão sobre armas de brinquedo Espaço Universitário 58 A Reforma do Poder Judiciário na perspectiva da necessidade de mudança paradigmática na mentalidade jurídica Análise 64 As implicações do Estatuto do Idoso junto às companhias de transporte rodoviário Ponto de Vista 68 Um espaço opinativo sobre assuntos de interesse dos Notários e Registradores do Distrito Federal Segredo de Justiça Saúde 40 De guia à terapeuta, o cão ajuda cada vez mais na saúde do homem 70 A veia poética dos magistrados guardada a sete chaves O Magistrado 5 R A D A R Eros Grau toma posse como ministro do STF O novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Roberto Grau, tomou posse em sessão solene realizada na tarde do dia 30/6, no Plenário da Corte. Ele passa a ocupar a cadeira deixada pelo ministro Maurício Corrêa, aposentado em maio. O presidente do STF, ministro Nelson Jobim, abriu a solenidade às 16h, deixando o Plenário com o procuradorgeral da República, Claudio Fonteles. Juntos, os dois receberam o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na entrada do edifício-sede, retornando em seguida ao Plenário. Conforme a praxe, os ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, respectivamente o decano e o mais recente integrante da Corte, conduziram o ministro Eros Grau ao Plenário para o início da cerimônia. O Hino Nacional foi executado, logo depois, pela Banda dos Fuzileiros Navais, localizada no lado de fora do Plenário. A solenidade prosseguiu com a leitura do termo de posse, pelo diretorgeral da Corte, Miguel Augusto Fonse- 6 O Magistrado ca de Campos. O documento foi assinado pelo presidente Nelson Jobim, pelo ministro Eros Grau e pelos demais magistrados da Corte, bem como pelo procurador-geral. De acordo com a tradição, a cerimônia foi rápida e sem discursos. O novo ministro recebeu os cumprimentos no Salão Branco do Supremo. “Todas as vezes em que temos a oportunidade de sentir calor humano, a gente se torna mais humano. Isso é muito importante, porque dá força para que eu possa cumprir meu dever com dignidade e iluminado por esse sentido de humanismo”, disse Eros Grau, no encerramento da solenidade. “A minha expectativa é de cumprir o meu dever. Trago uma experiência, tanto como advogado como professor, que pode ser útil”, afirmou. Segundo ele, o novo cargo representa uma grande transformação em sua carreira . “Acho que eu vou saber enfrentar o desafio”, concluiu. O vice-presidente da República, José Alencar, compareceu à Sessão Solene. Também vieram o chefe da Casa Civil, José Dirceu, o presidente do Senado, José Sarney, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, o advogado-geral da União, Álvaro Costa, ministros de Tribunais Superiores, magistrados e representantes do Ministério Público, bem cmo amigos e familiares do novo ministro do STF. Foram convidadas 1.200 mil pessoas. O Plenário, que tem 208 assentos, ficou lotado. A cerimônia também foi acompanhada em um telão instalado no Salão Nobre. MP garante atendimento a aluno especial As pessoas portadoras de necessidades especiais que não têm condições de freqüentar as classes comuns do ensino regular terão atendimento em instituições especializadas. Isso foi garantido pelo plenário da Câmara dos Deputados, com a aprovação da Medida Provisória nº 139/2003, que cria o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Paed), que funcionará dentro da estrutura do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O programa será financiado com recursos do FNDE, de doações e de outras fontes. Os repasses de recursos federais serão diretos para entidades privadas sem fins lucrativos que prestem serviços gratuitos de educação especial. Para garantir a universalização do atendimento, estados, Distrito Federal e municípios poderão ceder professores e profissionais especializados, material didático e pedagógico, além de oferecer transporte escolar e repassar recursos para construções, reformas, ampliações e aquisição de equipamentos apropriados à oferta de educação especializada. Para que o Paed comece a funcionar, o Conselho Deliberativo do FNDE precisa definir critérios para a destinação de recursos. A distribuição das verbas públicas para a educação especial, de que trata a referida medida provisória, levará em conta os dados do Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) relativo ao ano anterior. (Ionice Lorenzoni-ASCOM-MEC) TCU com pressa Atendendo apelo do Tribunal de Contas da União, o presidente do Senado, José Sarney, colocará na pauta de votações, o quanto antes se encontre desimpedida, a indicação já aprovada pela CCJ, do senador Luiz Otávio para integrar aquela Corte de Contas. R A D A R Jorge Campos Convênio entre ouvidorias do STJ e do TCU Em cerimônia realizada no Tribunal de Contas da União o ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal assinou convênio de cooperação técnico-científica com o órgão, que promoverá também o entrosamento das duas ouvidorias recentemente criadas nos dois tribunais, para receber críticas e reclamações da sociedade, dentro do processo de agilização da Justiça. Foi indicado para o cargo no STJ, Cezar Degraph Matheus. Segundo o ministro a criação do novo órgão, além da necessidade de agilização vem ao encontro de um processo de aproximação do Judiciário com o cidadão, explicando: “Da mesma forma que o comércio e a indústria possuem seus serviços de atendimento ao consumidor, a Justiça também Prêmio à Comunicação do TJDF A assessoria de comunicação social do Tribunal de Justiça do Distrito Federal foi premiada com o II Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, que aconteceu em Recife, em razão do V Encontro Nacional de Assessores de Comunicação do Judiciário e do Ministério Público, na categoria Projeto Institucional. A deferência ocorreu pela iniciativa do TJDF de realizar o IV Seminário de Direito para Jornalistas. O presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, desembargador José Jeronymo Bezerra de Souza, elogiou o fato. “Foi, sem dúvida, um notável reconhecimento ao crescente progresso da comunicação social desta corte”, analisa. precisava ter o seu. E a criação da ouvidoria vai preencher esta lacuna e atender melhor os anseios da sociedade”. O presidente do STJ prosseguiu dizendo que ainda existe muita incompreensão de alguns setores com relação a sua criação, principalmente pelo desconhecimento do seu propósito, explicando: “Não estamos criando um setor para receber denúncias vazias, alimentar querelas ou disseminar cizânias. Será, como já disse, um órgão de utilidade pública, onde o cidadão poderá registrar suas queixas com relação a processos, registrar denúncias ou fazer sugestões, tudo dentro de um clima de total transparência. Servirá, em última análise, como uma ferramenta de aprimoramento das ações do Poder Judiciário”. Com relação ao convênio de cooperação com o TCU o ministro Vidigal disse que ele se justifica na medida em que existem questões da estrita competência do STJ e outros ligados à corte de contas. Caberá aos dois presidentes separar cada uma dessas competências e enviá-las para o local certo de resolução. O ouvidor já está atendendo aos interessados pelo telefone 0800 6428001 ou pelo e-mail [email protected], de segunda a sexta-feira, das 07 às 19:00 horas. (Chico Dias/STJ) PRO TESTE obtém junto à ANS prazo maior para migração A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PRO TESTE) obteve junto à Agência Nacional de Saúde – ANS a prorrogação do prazo para opção de 30 para 90 dias, aos consumidores com contratos anteriores a 1999, que receberam apenas proposta de migração. Optar pela migração contratual significa substituir o contrato antigo por um novo, amparado pela Lei 9656, de 1998, com a mesma seguradora. A PRO TESTE intercedeu junto à ANS por considerar que esses consumidores seriam penalizados com o reduzido prazo dado para decisão. O oferecimento apenas de migração está sendo autorizado para empresas que possuam contratos cujos custos dos sinistros ultrapassem 90% das receitas. Nes- ses casos, a Resolução 64, da ANS, faculta à operadora a exclusão do plano. Além disso, há dificuldade para o consumidor comprovar se são reais os dados de utilização superior a 90% informados pelas empresas à ANS. A entidade questiona essas autorizações. A PRO TESTE encaminhou um pedido de esclarecimento para a ANS e para as principais empresas que receberam essa autorização, como o Bradesco e a Sul América , entre outras (cerca de 30 operadoras), para que esclareçam qual será o destino dos consumidores que optarem por manter os contratos antigos, ou seja, decidam por não migrar. É preciso que fique claro se esses planos continuarão existindo e quais serão as regras para os próximos reajustes. O Magistrado 7 CARTA DOS EDITORES Desafiando as superstições Chegamos em agosto, mês cercado de mitos. Alguns dizem que é o mês do desgosto. Outros acreditam que esse é o mês do cachorro louco. Em Brasília, este período é tempo de seca. A boca racha, o nariz arde, a grama esmorece e escurece com o sol tórrido. Mas, nós da revista não nós rendemos às crenças e tão pouco às condições meteorológicas. O fato é que trabalhamos dura para levar a você leitor um conteúdo que agrade. A discussão de capa desta vez promete pegar fogo. Trata da tão temida, para nós brasileiros, internacionalização da floresta amazônica. Não é de hoje que o assunto está na pauta de debates. E você já parou para pensar nisso? Dá para imaginar essa internacionalização sem paixões? Quais conseqüências isso traria ao país? Essas e outras questões podem ser lidas em O Magistrado. Tomara que sirva para a reflexão do leitor. Como não poderia deixar de ser pautamos também os temas do cotidiano. Um dos destaques é para o caso dos fiscais assassinados em Unaí. O caso ganhou grande repercussão com seu desembaraço e nós não nos furtamos a cobri-lo. Um fato que também rende pano para manga diz respeito aos planos de saúde, que possuem um realidade cansativa para o consumidor, que é quem sofre com a briga entre operadoras e médicos. Vamos discutir, ainda, as alterações nas cobranças dos impostos PIS e COFINS. As pressões e problemas de uma carga tributária cada vez mais avassaladora em xeque. Vale a pena conferir! Fomos a campo em busca de polêmica. Encontramos um assunto e tanto. Um posicionamento jurídico sobre a transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová. O tema divide os médicos e a opinião pública. Vai mexer com o leitor também. As armas de brinquedos em mãos infantis também ganham repercussão em O Magistrado. Os efeitos e conseqüências disso nas próximas páginas. O inusitado não poderia faltar e por isso temos uma reportagem especial. Já imaginou cegos praticando o remo? Isso existe por meio de um projeto que frutifica dia a dia. Os deficientes visuais ganham agilidade, força e praticam um esporte antes difundidos só entre videntes. As informações pitorescas, no entanto, não param aí. O cão pode ser mais amigo do homem do que se imagina. Cachorros estão sendo usados em terapias e os resultados são fantásticos. O conteúdo está aí para ser desfrutado com estes e com outros temas que não puderam ser aqui evidenciados por absoluta falta de espaço. Basta um pouco de tempo e boa leitura. Para nós agosto foi ótimo, sem os problemas atribuídos ao mês. Mas o julgamento final quem faz é você. Participe de nossas discussões mandando um email para o [email protected]. Nosso melhor termômetro é o leitor. Aguardamos resposta!!! Até a próxima, Marcos Linhares e Ednardo Viana 8 O Magistrado EXPEDIENTE IMAG-DF Instituto dos Magistrados do Distrito Federal DIRETORIA Presidente: Desembargador Valter Ferreira Xavier Filho (TJDF) Vice-Presidente: Juiz de Direito Jansen Fialho de Almeida (TJDF) Diretor Cultural: Juiz de Direito Roberval Cassemiro Bellinatti (TJDF) Tesoureiro: Juiz de Direito Jesuíno Aparecido Rissato (TJDF) CONSELHO FISCAL Presidente: Juiz de Direito Jonas Modesto da Cruz (TJDF) Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu (TRF) Juiz de Direito Evandro Neiva Amorim (TJDF) Juiz de Direito João Egmont Leôncio Lopes (TJDF) DIRETORIA ADJUNTA Secretário Geral: Juiz Federal Paulo Rogério Santos Giordano (TRF) Tesoureiro Adjunto: Juiz de Direito Mário Motoyama (TJDF) Diretor Cultural Adjunto: Juiz de Direito Arnoldo Camanho de Assis (TJDF) ASSESSORIA DA PRESIDÊNCIA Juiz de Direito Agnaldo Siqueira Lima (TRF), Juiz de Direito Antoninho Lopes (TJDF), Juiz de Direito Carlos Bismark Piske de Azevedo Barbosa (TJDF), Juiz de Direito Clóvis Moura de Souza (TJDF), Juiz de Direito Gilberto de Souza Sá (TJDF), Juiz de Direito Irineu de Oliveira Filho (TJDF), Desembargador José Wellington de Medeiros Araújo (TJDF), Juiz de Direito Leandro Borges Figueiredo (TJDF), Juiz de Direito Manoel Franlin Fonseca Carneiro (TJDF), Juíza de Direito Maria Leonor Leiko Aguena (TJDF), Delegado Mauro Cezar Lima, Desembargador Pedro Aurélio Rosa de Farias (TJDF), Juiz de Direito Ronan Acácio Jacó INSTITUTO DOS MAGISTRADOS DO DISTRITO FEDERAL - IMAG-DF SEPN QUADRA 513 BLOCO B EDIFÍCIO IMPERADOR Nº 33 SALAS 118/120 - CEP 70760-524 - TEL. (61) 274-3110 O Magistrado O Matistrado em Revista é uma publicação do IMAG-DF. As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a posição da revista. É permitida a reprodução das matérias desde que seja citada a fonte. CONSELHO EDITORIAL Toda a diretoria do IMAG-DF DIRETOR-GERAL Desembargador Valter Ferreira Xavier Filho COORDENADORA ADMINISTRATIVA Neide de Castro DIRETOR DE REDAÇÃO E EDITOR RESPONSÁVEL Marcos Linhares [email protected] EDITOR EXECUTIVO Ednardo Viana [email protected] COLUNISTAS Luiz Gustavo Leão e Marcelo Paiva REVISÃO Cristina Ramos ESTAGIÁRIO Jonathan Pinato SUCURSAIS E CORRESPONDENTES Rio - Chefe: Denise Assis (21) 9606-3100 / [email protected] Paraná - Chefe: Ana Navarro (41) 353-3166 / [email protected] COLABORADOR ESPECIAL José Washington dos Santos JORNALISTAS RESPONSÁVEIS Marcos Linhares - Mtb 5017-DF Ednardo Viana - DF 2924 JP FOTOGRAFIA Carlos Tiburcio / (61) 9969-7838 AGÊNCIAS NOTICIOSAS Assessorias de Imprensa do STF, STJ, TJDF, Agência Brasil (Abr), Agência Câmara, Agência Senado PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Paulo Pedersolli e Cláudia Capella IMPRESSÁO Gráfica Terra TIRAGEM 30.000 exemplares REDAÇÃO SEPN Quadra 513 Bloco D - Edifício Impreador nº 33 Salas 118/120 - CEP 70760-524 - Tel. (61) 274-3110 Brasília - DF C ABIN (28/2004) O Fim da Inteligência Valho-me do presente para agradecer a V.Sas. pela excepcional oportunidade que me foi concedida por esse vículo do IMAG-DF, O Magistrado em Revista, de ensejar a reflexão sobre a Atividade de Inteligência de Estado. Por oportuno, irrogo efusivos cumprimentos ao nosso brilhante desembargador Valter Ferreira Xavier Filho, presidente do IMAG-DF. Ner y Kluwe de Aguiar Filho, Brasília, DF ABIN 2 A R T A S A entrevista com o deputado Medeiros na edição de julho nos faz perceber que nem tudo está perdido. O Magistrado em Revista faz uma ponte preciosa entre os Poderes. MARIA PIRES, psicóloga, Pirassununga, SP. Softwares (28/2004) O Brasil produz softwares? Quem diria... Exportamos tecnologia para o mundo. Em minha leitura a bordo da VASP descobri mais uma faceta de nosso país. Obrigado a equipe da Revista pela informação embasada. ULISSES TAVEIRA, professor, Porto Alegre, RS (28/2004) O Fim da Inteligência Textos com maior repercussão O fim da Inteligência 49% Luiz Antônio Medeiros 23% O Brasil produz softwares 17% Dieta - cada um com a sua 10% No ponto. O texto sobre a ABIN teve a felicidade de abordar lados ainda não expostos na dita grande imprensa. O papel dos serviços de inteligência no Brasil foi abordado com um precioso histórico. Mais um presente de O Magistrado em Revista. Li e discuti com os amigos. Parabéns! Carlos Cavalcante, advogado, Manaus, AM Pirataria (28/2004) Luiz Antonio Medeiros C A R TA S PA R A A R E D A Ç Ã O As cartas para a redação de O Magistrado em Revista devem ser endereçadas para: Editor-chefe, O Magistrado em Revista SEPN Quadra 513 Bloco D - Edifício Imperador - Salas 118/120 CEP: 70760-524 - Brasília - DF Fax: (61) 274-3110 Correio eletrônico: [email protected] As cartas devem ser encaminhadas com assinatura, identificação, endereço e telefone do remetente. O Magistrado em Revista reserva o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação. Mensagens pela internet sem identificação completa não serão levadas a sério. Só podem ser incluídas na edição do mês, as cartas que chegarem à redação até as 17 horas do dia 14 do mês anterior. A SERVIÇO DOS LEITORES Nossos telefones Central de Atendimento ao Anunciante Diariamente de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Assinaturas Estamos em processo de instalação de sistema de assinaturas. Muito em breve, avisaremos o início do oferecimento de mais esse serviço. Central de atendimento às faculdades e projetos educacionais Também estamos em processo de instalação desse sistema. Muito em breve, avisaremos o início do oferecimento de mais esse serviço. Internet: www.imag-df.org.br Distrito Federal (Brasília): (61) 274-3110 São Paulo e Rio de Janeiro: Em breve Demais localidades: em análise e sob consulta Aviso Ao fornecer seus dados cadastrais para qualquer fim junto ao IMAG-DF, seu nome será incluído em lista específica de clientes preferenciais para envio de material de divulgação e promoções do Instituto ou de terceiros, parceiros da instituição. Caso não concorde, escreva para as centrais de atendimento ao anunciante e/ou assinaturas: SEPN Qd. 513 Bloco D Ed. Imperador Salas 118/120 - CEP 70760-524 - Brasília DF. Nossos endereços Redação e correspondência Brasília (sede): SEPN Quadra 513 Bloco D Edifício Imperador nº 38 Salas 118/120 - CEP 70760-524 - Brasília - DF Tel. (61) 274-3110 ou 343-6597 Fax: (61) 274-3110 Correio eletrônico: [email protected] Rio - Chefe: Denise Assis / (21) 9606-3100 [email protected] Paraná - Chefe: Ana Navarro / (41) 353-3166 [email protected] O Magistrado 9 I D É I A S Repensando conceitos Os direitos da mulher na visão do novo Código Civil Por Andréia Silva Sarney Costa, assessora jurídica de Desembargador do TJ/MA “Direitos da Mulher” é hoje uma expressão corrente na terminologia jurídica das nações socialmente evoluídas do mundo contemporâneo. Não que, no atual ordenamento jurídico brasileiro, exista um estatuto normativo com tal denominação. Existem, sim, leis que, no disciplinamento das relações sociais, asseguram à mulher direitos que, ontem, lhe eram negados. Não fosse a longa e remota história desses direitos, não teria sentido falar-se hoje em direitos da mulher, visto que tal expressão excepcionaria juridicamente o sexo feminino, o que contrasta com a igualdade de direitos do homem e da mulher, por terem ambos a mesma condição natural de pessoa humana. A ampliação dos direitos da mulher e o ganho destes em matéria de efetividade e eficácia foram uma conquista lenta e gradual, que só agora adquiriu status de maioridade jurídica, principalmente a partir da Constituição Federal de 88 e a promulgação do Novo Código Civil. A Constituição Federal de 1988 absorveu essa transformação e adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Di- 10 O Magistrado reito da Família, a partir de três eixos básicos: O artigo 226 afirma que a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição, voltando o seu olhar para a realidade dos arranjos que mostram as várias possibilidades de representação social de família. O segundo eixo transformador encontra-se no § 6º do artigo 227. É a alteração do sistema de filiação, proibindo designações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido dentro ou fora do casamento. A terceira e grande revolução reside nos artigos 5º, inciso I, e 226, § 5º. Ao consagrar o princípio da igualdade entre os homens e mulheres derrogou a Carta Magna, mais de uma centena de artigos do Código Civil de 1916. Todas essas mudanças sociais, que emergiram no horizonte do direito, levaram à aprovação de um Novo Código Civil, no dia 15 de agosto de 2001. A igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres é a tônica do Novo “Esta é a “nova mulher” insculpida no atual ordenamento jurídico brasileiro. Ela não é, porém, o “bebê de proveta” de direitos tardiamente adquiridos”. Código Civil. Vale citar o artigo 1.567 quando estabelece que compete a ambos a direção da sociedade conjugal, em mútua colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos. Nessa igualação de direitos, prossegue o novo Código, permitindo a ambos os nubentes, querendo acrescer ao seu o sobrenome do outro, conforme dispõe o § 1º do artigo 1.565. Sob a nova ótica não mais se pode falar no homem como o chefe da sociedade conjugal, e na mulher como simples colaboradora, companheira e consorte. Também, não mais prevalece a posição privilegiada do pai no exercício do pátrio poder, agora chamado de poder familiar(artigo 1.630 do Novo Código), ou na outorga de emancipação aos filhos. Outros dispositivos do velho ordenamento civil também se encontram revogados: art. 219, IV, que discrimina a mulher deflorada para fins de anulação do casamento; art. 1.474, inciso III, que considera a desonestidade da filha que vive na casa paterna, para fins de deserdação. Tampouco subsiste o privilégio da mulher no tocante à propriedade exclusiva dos bens reservados (art. 246 do Código velho) ou o foro do seu domicílio nas ações de estado (artigo 100, I, do C.P.C). De outra parte já não se prioriza necessariamente a mãe, na guarda dos filhos, quando ambos os cônjuges forem responsáveis pela separação. Neste aspecto, bem assevera o Novo Código, em seu artigo 1.584 que, não havendo I D É I A S Divulgação acordo entre as partes, a guarda dos filhos será atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la, seja o pai ou a mãe. Ao explicitar os deveres conjugais, o Novo Código Civil restringe-se aos deveres mútuos, que competem igualitariamente tanto ao marido quanto a mulher. Seu artigo 1.566 repete a regra do Código de 1916, e enumera os deveres de fidelidade recíproca, vida em comum, assistência e sustento, guarda e educação dos filhos; acrescentando o dever de respeito e consideração mútuos, em relação aos conviventes em união estável. Por último, cumpre-me ressalvar, no entanto, que o conceito de igualdade, repisado com ênfase na Constituição e no Novo Código Civil, há de ser interpretado em consonância com as naturais diferenças existentes entre homens e mulheres. Decerto, não se pode levar ao extremo a idéia de tratamento jurídico uno, quando haja necessidade de acertamento individual das situações de cada qual, seja pessoalmente, ou no concerto das relações familiares. Vale sintetizar com o bem encadeado jogo de palavras do grande Rui Barbosa: “ Tratar iguais com desigualdade ou desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante desigualdade. Esta é a “nova mulher” insculpida no atual ordenamento jurídico brasileiro. Ela não é, porém, o “bebê de proveta” de direitos tardiamente adquiridos. Muito pelo contrário, é produto de si própria, pois se antecipou às leis, ganhando espaço nos meios econômico, político, jurídico e cultural do país. No jurídico, sim, aí está ela, de toga, com assento nas cátedras do Ministério Público e da Magistratura; de dedo–em–riste e altaneira voz, na tribuna da advocacia, em defesa da lei, do cidadão e do estado democrático de direito. O Magistrado 11 D I R E T O A O P O N T O Do bem de família Estudo das Leis 6015/73 (Registros Públicos), 8009/90 e Novo Código Civil O bem de família é instituto que se originou no “Homestead Exemption Act” americano, na primeira metade do século XIX, e tinha por escopo a isenção da penhora da pequena propriedade; assegurando um lar à família. No Código Civil de 1916 já existia o instituto do bem de família. Era disciplinado no Capítulo V, do Título Único, do Livro II, nos artigos 70 a 73. No entanto, somente com a Lei de Registros Públicos que este começou a se tornar mais utilizado. Da instituição do bem de família, conforme rege a Lei 8009/90, o imóvel próprio do casal, ou da entidade familiar, passa a ser impenhorável, isto é, não sujeito à apreensão em execução judicial (penhora) e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam, salvo se movido: a) em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; b) pelo titular do crédito decorrente do 12 O Magistrado Divulgação Por Marco Roberto Serra Lyrio, advogado da Alceu Lyrio & Advogados Associados (e-mail: [email protected]) “Assim, vemos que o objetivo do bem de família não é proteger o devedor e sim a família”, Marco Roberto Serra Lyrio financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; c) pelo credor de pensão alimentícia; d) para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; e) para execução de hi- poteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; f) por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e, g) por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. D I R E T O Segundo o Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal não se pode cogitar de direito adquirido ou ato jurídico perfeito e acabado relativamente à penhora de bem de família (AI 239.799 – AgR). No mesmo sentido a súmula 205 do Superior Tribunal de Justiça que rege: “A lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência.” Logo a lei possui efeitos retroativos e, assim, afasta-se, também, penhora anterior a 1990 (data da referida lei). Já o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo (em recente julgado de março de 2004) no Resp 315979/RJ tratou sobre bem de família e dispôs que: contendo a lei n. 8.009/90 comando normativo que restringe princípio geral do direito das obrigações, segundo o qual o patrimônio do devedor responde pelas suas dívidas, sua interpretação deve ser sempre pautada pela finalidade que a norteia, a levar em linha de consideração as circunstâncias concretas de cada caso; e que consoante anotado em precedente da turma, e em interpretação teleológica e valorativa, faz jus aos benefícios da lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família. Assim, vemos que o objetivo do bem de família não é proteger o devedor e sim a família. Logo a impenhorabilidade abrange o imóvel residencial da família, constitucionalmente assim entendida a entidade formada pelos casados (reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar); a comunidade formada pelo casal e descendentes; e também a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental). Desta forma, poderíamos entender que a lei 8009/90 não alcança o devedor solteiro, que reside solitário. Neste sentido, o eminente professor Nelson Nery Junior que, em sua obra Código de Processo Civil Comentado, elencou assim já ter decidido o Superior Tribunal de Justiça. Defendeu que o objetivo do bem de família não é proteger o devedor e sim a família. Entrementes, controversa a questão do alcance da lei no que tange a quem ocupa o imóvel onerado de impenhorabilidade. Duas são as correntes: a) por um lado, há quem defenda que a lei 8009/90 não alcan- “Da instituição do bem de família, conforme rege a Lei 8009/90, o imóvel próprio do casal, ou da entidade familiar, passa a ser impenhorável (…)” ça o devedor solteiro, que reside solitário - neste sentido já decidiu o Ministro Barros Monteiro do Superior Tribunal de Justiça em Resp 169239/SP, de 19 de março de 2001: “A lei nº 8.009/90 destina-se a proteger, não o devedor, mas a sua família. Assim, a impenhorabilidade nela prevista abrange o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar, não alcançando o devedor solteiro, que reside solitário” e, b) por seu turno há quem defenda o efeito do bem de família até mesmo para aquele que é A O P O N T O sozinho – neste sentido o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros que no Eresp 182223/SP de 7 de abril de 2003 explanou: “A interpretação teleológica do Art. 1º, da Lei 8.009/ 90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no Art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário.” No que concerne a questão da cobrança de despesas condominiais de bem de família, outro não poderia ser o entendimento que não o de sua perfeita penhorabilidade, isto porque as despesas condominiais não constituem dívida civil contraída pelos no que nela residem (casal, pais, filhos, etc.). São despesas pela própria coisa e não pelos residentes. É dívida “propter rem”, isto é, o imóvel é garantidor, logo não se pode furtar ao gravame que lhe recai. Neste sentido decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em Resp 209046/RJ de 16 de dezembro de 2002 que versou: “O imóvel, ainda que gravado com a cláusula de inalienabilidade, está sujeito à penhora na execução de crédito resultante da falta de pagamento de quotas condominiais”. Pela Lei 6015/73, em seu artigo 260, a instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida. Desta forma, para que fosse feito o registro do bem de família, o interessado deveria primei- O Magistrado 13 A O P O N T O ramente se dirigir a um cartório de Notas e solicitar que fosse lavrada escritura pública. Em seguida, ir ao Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel e registrá-la. Com o advento do Novo Código Civil podem, agora, os consortes, ou a entidade familiar, instituir o imóvel como bem de família através de testamento, além da tradicional forma: a escritura pública. Vale frisar que tal bem não poderá exceder um terço do patrimônio líquido do instituinte à época do registro (Código Civil – Artigo 1711). O bem de família, pelo Código Civil, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis. Porém, o que pode ser instituído como bem de família? Qualquer prédio residencial rural ou urbano desde que com o fito de domicílio familiar, ou seja, utilizado com intenção de moradia. Logo, não é permitido sobre terreno nu, pois não atenderia o objetivo de abrigo à família que o estabeleceu. No caso de família residir em prédio residencial rural, por exemplo: em uma fazenda de grande extensão (único imóvel da família), seria todo o imóvel impenhorável? Tem-se entendido, neste caso, que se deve destacar a sede onde reside a família, juntamente com um módulo rural determinado; o restante da fazenda é suscetível à penhora. No caso de garagem de apartamento, mister se faz saber se tratase de bem registrado, em Serviço de Registro de Imóveis, em matrícula autônoma ou se inserida juntamente na matrícula do apartamento. Decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em 8 de novembro de 2002: “Se a garagem tem matrícula própria no Registro de Imóveis, não está alcançada pelo artigo 1º da Lei nº 8.009, de 1990. Jurisprudência pacificada no âmbito da 2ª Seção”. Ve- 14 O Magistrado Divulgação D I R E T O rificamos, por fim, que de grande eficácia é o registro, pois pelo artigo 1715 do Código Civil, a partir de então o bem de família fica livre de execução por dívidas, recordando que tal isenção durará enquanto vivos os cônjuges ou pelo menos um deles e na sua falta até que sua prole atinja a maioridade (desde que não sujeitos a curatela). A dissolução da so- ciedade conjugal não extinguirá o bem de família. Este, porém, poderá, a pedido dos proprietários, ter o seu cancelamento de registro feito. Dessume-se que é de grande valor a instituição do bem de família, pois vem ao encontro da idéia de proteção e garantia a moradia e ao direito de propriedade constitucionalmente amparados. O P I N I Ã O A Exceção de Pré-Cognição na Esfera Processual - parte final Divulgação Por Asdrubal Júnior, é advogado, pós-graduado em Direito Público pelo ICAT/AEUDF, Mestre em Direito Privado pela UFPE, Professor Universitário, Presidente do IINAJUR. ROTEIRO PRÁTICO PARA A EXCEÇÃO DE PRÉ-COGNIÇÃO - Superada a questão quanto ao cabimento da Exceção de Pré-Cognição, relevante é estabelecer um roteiro lógico e prático para se saber quando, porquê e como utilizá-la. Assim, vamos procurar nos ater a sua utilização na esfera processual penal. Quando utilizar? Primeiramente, para responder a essa indagação, precisaremos conhecer com segurança o rito processual do caso em apreço, e nele verificar se está previsto algum momento inicial em que a defesa poderá manifestar-se antes de exercitado o juízo de admissibilidade da ação 16 O Magistrado penal. Se prevista essa hipótese, então não haverá justificativa para a utilização da Exceção, eis que o que nela poderia ser argumentado poderá ser articulado nessa defesa prevista no rito procedimental. Considerando que não há previsão dessa manifestação, passa-se à segunda análise: o juiz já procedeu à admissibilidade da ação penal, ou não? Se já recebeu a queixa ou denúncia, então os argumentos que seriam utilizados na Exceção poderão ser articulados na defesa no curso do processo, seja na prévia, inclusive por meio de preliminares, seja nas alegações finais. Se não exarou o despacho de admissibilidade da ação penal, então, a Exceção de PréCognição seria muito mais oportuna. Porém, há que se refletir e enfrentar um aspecto importante para esse momento. É admissível a Exceção de Pré-Cognição após o despacho de recebimento da denúncia ou queixa, ou não? Embora o momento anterior fosse mais oportuno para excepcionar, não é absurda a hipótese de exceção após esse momento, eis que em se tratando de questões de ordem pública, em que o juiz poderia ter negado a admissibilidade de ofício, face à ausência das condições mínimas para o seu processamento, não é de se excluir essa possibilidade de mais tarde ele reconhecer essa ausência quando alertado pela Defesa. Claro que a questão é polêmica, uma vez que há o entendimento de que, recebida a denúncia, o juiz não poderá desfazer sua decisão anterior, dando necessário curso ao processo. Todavia, o que deve ser ponderado para evoluir essa compreensão é de que não se está desfazendo decisão anterior, mas proferindo nova decisão, provocada pela solicitação da parte, que tem o direito constitucional de ter o seu pedido decidido pelo juiz, e que este não poderá negar essa jurisdição. E ainda, adicionando-se a esse aspecto que, em sede de processo penal, o próprio juiz pode conceder habeas corpus de ofício, e porque não poderia conceder contra ato presente, inclusive seu, de estar conduzindo processo em desacordo com a lei, o que configura constrangimento ilegal ao direito de locomoção do acusado. Ademais, se no ordenamento processual não há previsão, em todos os casos, para a interposição de recurso contra o despacho que recebe a denúncia ou queixa, embora exista para a hipótese de rejeição, é porque a questão insere-se no princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias (aplicável no processo penal, com exceção daquelas hipóteses previstas no art. 581 do CPP), o que concede ao juízo prolator da decisão interlocutória irrecorrível, autoridade para apreciar pedido incidente que o faça O rever seu entendimento anterior, proferindo, então, agora, decisão definitiva que extinga o processo com ou sem julgamento do mérito, a depender do conteúdo de sua análise. Em outras palavras, quer dizer que o fato de ter recebido anteriormente a denúncia não faz coisa julgada que não possa ser modificada futuramente, com um superveniente entendimento diverso que, até mesmo, venha a reconhecer que, antes do recebimento da denúncia, já havia ocorrido, por exemplo, a extinção da punibilidade por qualquer causa, embora tal não houvesse sido percebida no momento em que despachou pela admissibilidade da ação. Nessa lógica, embora não seja o melhor momento para a utilização da exceção, não se descarta seu uso após o despacho de admissibilidade da ação, pois é essa a lógica da exceção da pré-executividade, que sobrevém no curso da execução, enquanto o juiz de ofício já poderia ter indeferido a inicial da execução e extinto o processo, por reconhecer de ofício a ausência das condições mínimas para o processamento da execução.Além dessas análises, outra merece reflexão: dever-se-á utilizar a exceção quando potencializar que os argumentos concretos, que poderão ser apresentados sobre o caso específico, possam ser convincentes a ponto de levar, desde logo, ao não recebimento da denúncia ou queixa, sua rejeição, ou mesmo a extinção do feito, com ou sem o julgamento do mérito. POR QUE UTILIZAR ? - Se até aqui já se estudou que a matéria a ser laborada na Exceção pode ser conhecida de ofício pelo juiz, bem como introduzida no seio da defesa no curso do processo de conhecimento, natural é indagar-se: por que devo utilizar a Exceção de Pré-Cognição? A resposta é bastante singela, devo utilizar porque as questões, embora possam ser conhecidas de ofício, podem não ser, atentamente, observadas, sendo esta uma das missões da defesa, salientar tudo aquilo que o juiz deve considerar. Poderia acrescentar a essa resposta que, ao se visualizar a potencialidade de eximir de um processo penal quem a ele não deveria responder, evitando o constrangimento do processo ilegal, o custo de uma longa demanda, o risco de uma decisão desfavorável, e o desgaste de enfrentar um processo, e ainda ver excluídos benefícios da lei em outros casos ou eventuais acusações futuras, como, P I N I Ã O por exemplo, a suspensão do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95), que não se dá a quem responde a outro processo, bem como o risco de ser discriminado em concursos públicos por estar respondendo a processo penal, a que não precisava responder, não é razoável que deixe de explorar essa significativa via de defesa, que poderia alcançar tantos benefícios. Logo, deve-se utilizar a Exceção de Pré-Cognição porque ela é uma criação jurídica que se coaduna com o preceito constitucional da ampla defesa, representando a plenitude desse exercício e objetivamente apresentando pretensões razoáveis e úteis aos interesses da defesa. “Claro que a questão é polêmica, uma vez que há o entendimento de que, recebida a denúncia, o juiz não poderá desfazer sua decisão anterior, dando necessário curso ao processo (...)” COMO UTILIZAR? - A última importante indagação que enfrentaremos nesse breve estudo prático é: como devo utilizar a Exceção de Pré-Cognição? Para que ela represente um meio de defesa importante, sem, contudo, prejudicar futuros exercícios de defesa, com a antecipação de teses que seriam mais oportunas se aduzidas em alegações finais de defesa, para que dela não tome conhecimento a acusação. A resposta é igualmente singela. A Exceção de PréCognição deve limitar-se às questões que se conectam com aquelas que devem ser analisadas no juízo de admissibilidade da ação penal, deixando as questões de mérito que se referem às provas do caso, ou argumentos de defesa que não se conectam às condições da ação, possibilidade jurídica do pedido ou legitimidade das partes, para só serem agitadas futuramente, se não prosperarem aquelas pertinentes à Exceção de PréCognição. A matéria a ser veiculada na exceção é a que se refere aos requisitos da peça acusatória (denúncia ou queixa) descritos no art. 41 do Código de Processo Penal, ou aquelas previstas no art. 43 do mesmo diploma legal, que tratam sobre as hipóteses de rejeição da peça acusatória, como: a conduta descrita ser evidentemente atípica; existir causa de extinção da punibilidade (previstas no art. 107 do Código Penal); faltar condição da ação, legitimidade das partes, ou pressuposto indispensável ao regular processamento dos autos, como, por exemplo, a condição de procedibilidade (representação nos crimes de ação penal pública condicionada). Assim, deve-se utilizar a Exceção, limitando-a aos assuntos pertinentes a essa medida de excepcionalidade, que são aqueles tratados nos artigos 41 e 43 da lei adjetiva penal, evitando o mero adiantamento de teses de defesa que não possam interferir, efetivamente, nesse momento, justificando a recomendar a rejeição da peça acusatória ou a imediata extinção do processo. Essa é a cautela necessária para a utilização dessa via, respeitando-se os limites de sua utilização, para que estrategicamente não represente um prejuízo à defesa, com o conhecimento prematuro de suas teses, pela acusação que poderá, então, conduzir a instrução criminal para o esvaziamento da tese de defesa, ou buscar, nas argumentações que sustentará nas alegações finais de acusação, antítese para os argumentos que a defesa apresentará na fase do art. 500 do CPP. A boa utilização da Exceção de Pré-Cognição implica em saber do seu cabimento e quando se deve utilizar, o momento processual mais oportuno, a visualização da ocorrência das hipóteses do art. 43 do CPP, ou a fragilidade da peça acusatória frente aos requisitos do art. 41 do CPP, a potencialidade do acolhimento desses argumentos pelo juízo; a observância técnica dos limites desses argumentos, com a preocupação estratégica de preservar, oculta a revelação das demais teses de defesa para momento posterior, se frustrada a pretensão da exceção. E, por fim, quais os benefícios que objetivamente poderão ser alcançados com a utilização da Exceção, no caso concreto. A questão é nova e merece ser pensada e testada por vários operadores do Direito, notadamente pelos advogados. Certamente a sua plena aceitação na doutrina e na jurisprudência dependerá do aprimoramento dessa própria discussão e de como será recebida na prática forense. O Magistrado 17 S E R V I Ç O Pequenas causas: justiça a qualquer preço Saiba como e quando recorrer ao tribunal de pequenas causas Por Jonathan Pinato Nunca a população recorreu tanto ao Tribunal de Pequenas Causas como agora. No ano passado, só no Distrito Federal foram 54.361 casos, fatos que animaram o juiz e diretor de coordenação geral dos Juizados Especiais, Ryan de Chantal Zanchet. O magistrado defende que a população está buscando os seus direitos na Justiça. 18 O Magistrado Indenizações de até 40 salários mínimos, que atualmente são de R$ 10,4 mil. Esse é o principal fator para saber se um caso pertence ou não ao tribunal de pequenas causas. Já as Indenizações de até 20 salários mínimos não precisam de advogado, basta ir até o fórum mais próximo, fazer a petição e entregála. Todos os Juizados Especiais Cíveis têm um modelo de petição, caso a pessoa não saiba como fazer, declarou Zanchet. Casos que envolvem valores de 21 a 40 salários, necessariamente precisam de um advogado. “O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios mantém convênio com várias faculdades para que as pessoas carentes possam utilizar da assessoria jurídica sem quaisquer ônus”, explicou o diretor de coordenação geral dos Juizados Especiais. Para agilizar o processo, quando se vai a um juizado dar entrada em uma pequena causa, não é exigido qualquer documento para comprovação. Somente no dia da audiência. Zanchet também revelou que outro caso onde sempre se exige um advogado é quando há recurso, não importa o valor que se pede. “É muito mais vantajoso fazer acordo, agiliza o processo e não há riscos” , afirma. Um caso que é muito procurado no tribunal de pequenas causas são os relacionados a trânsito. Já que esse caso sempre será uma “pequena causa” não importa valor exigido. Há outros tipos de serviços que o tribunal de pequenas causas presta à sociedade. A execução de cheque por exemplo não tem custos. Mas é importante ressaltar que a obrigação da busca dos bens do devedor é de responsabilidade do executante do cheque. Outro fator que também é configurado como uma pequena causa, não importe o valor, é quando os condo- S mínios estão cobrando as taxas mensais dos condôminos, diz o diretor. “Muitas pessoas entram com uma ação no tribunal de pequenas causas, sem motivos concretos. No caso de dano moral é preciso comprovar vexame e constrangimento contra terceiros e não um caso individual. Um dos pontos fortes de uma pequena causa é o tempo que se leva para a conclusão do processo. A audiência preliminar de conciliação e o julgamento acontece em média de 20 a 30 dias na maioria dos casos”, declarou o juiz. Há seis meses, Arnoldo Reis, empresário, entrou com uma ação de pequena causa, no fórum de Sobradinho. Arnoldo teve seu celular “clonado” e comunicou a operadora de telefonia que não iria pagar tais contas, porque jamais fez aquelas ligações em sua vida e aguardou uma posição da operadora. Meses depois seu nome foi negativado. Foi então quando o empresário resolveu apelar à justiça. “Fiquei muito satisfeito, não precisei de advogado e meu caso foi resolvido com muita rapidez. Jamais pensei que fosse tão rápido” , diz o empresário. Arnoldo disse que se precisar da justiça novamente não vai pensar duas vezes. Outro conselho que ele dá é que o fato de ter aceitado o acordo que lhe foi proposto pela operadora de telefonia na ocasião, agilizou o processo. “Aconselho qualquer pessoa de usar o tribunal de pequenas causa. Resolvi meu caso em menos de um mês”, acredita Reis. “É muito mais vantajoso fazer acordo.” Ryan de Chantal Zanchet, Diretor de Coord. Geral dos Juizados Especiais E R V I Ç O Ryan de Chantal Zanchet, Diretor de Coord. Geral dos Juizados Especiais Gráfico do número de casos nos Juizados Especiais Cíveis no DF em 2003 Brasília 17722 Taguatinga 7999 Ceilândia 7694 Samambaia 4337 Gama 3130 Planaltina 2986 Sobradinho 2921 Guará 2921 Núcleo Bandeirante 2034 Paranoá 1328 Brazlândia 1284 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000 16000 18000 20000 O Magistrado 19 I N I C I A T I V A S Divulgação O remo além da vista Projeto “ Luz do Lago” ensina remo para deficientes visuais Por Jonathan Pinato O projeto Luz do Lago, oferece gratuitamente aulas de remo para portadores de deficiência visual. Uma parceria entre o Instituto Cultural e Profissionalizante de Pessoas Portadoras de Deficiência do Distrito Federal (ICP Cultural) , Secretaria de Esportes do Distrito Federal e o Clube Naval de Brasília que disponibilizam aos deficientes visuais a prática de um esporte até então inviável para eles. O projeto surgiu quando o coordenador e idealizador do projeto, Jorge Rocha, recebeu uma sugestão do amigo e técnico de remo do Clube Naval, Cláudio Pinheiro, para que remasse de olhos fechados para melho- 20 O Magistrado rar o equilíbrio e a coordenação de seus movimentos no barco. Jorge gostou tanto da experiência que resolveu iniciar o projeto Luz do Lago em abril do ano passado. Jorge é professor de educação física e trabalha com a reabilitação de portadores de deficiência com a natação e a hidroterapia há mais de 20 anos. Essa sua experiência agregada com a paixão pelo remo fez com que o técnico de remo começasse seu projeto de “vento em popa”. “O objetivo do projeto é oferecer um lazer a essas pessoas, tirá-las do ócio e da rotina de casa e trazer um pouco mais de alegria para suas vidas”, revela o coordenador.O Clube Naval de Brasília cede toda sua infra-estrutura de treinamento, inclusive os ensinamentos de seu técnico Cláudio Pinhei- ro, para os deficientes visuais que lá vão para remar de “olhos vendados”. Com uma média de idade de 25 a 50 anos, aproximadamente 20 alunos freqüentam as aulas, que acontecem todas as segundas, quartas e sextas-feiras com duração de 50 minutos cada. Além de Cláudio e Jorge, as aulas têm a colaboração de outros três voluntários: Renato Faleiros que é psicólogo, Ernani Cardoso, professor de educação física e de Américo Albuquerque, corretor de imóveis. As aulas começam primeiro com uma introdução sobre a história do remo no Brasil e depois a apresentação de todo o material que compõe a prática do remo. Os alunos escutam atenciosamente e sentem pelo tato o formato, como funcionam e para que serve cada equipamento e acessório. I N I C I A T I V A S “A relação do deficiente visual com o remo é muito mais concreta” Jorge Rocha Coordenador do Projeto O segundo passo é o treinamento dentro do tanque de remo que é a simulação de um barco estático dentro de um tanque para que os alunos possam adquirir a habilidade da mecânica dos movimentos do remo. Após uma avaliação sobre a coordenação dos movimentos básicos do remo e a capacidade de equilíbrio no barco, os alunos enfim são liberados para remarem no lago. Segundo Jorge Rocha, os deficientes visuais, tem uma relação muito mais concreta do que os atletas que enxergam. “O remo tem um ritmo e os deficientes se orientam pela sincronia do barulho da água” declara o coordenador. O coordenador do projeto explica que atualmente os deficientes visuais estão treinando em um barco individual, para apenas um remador, chamado de mini-skiff. “Esse tipo de barco não é o ideal para eles”, afirma Jorge. O mais apropriado é um barco para quatro atletas com melhor estabilidade, chamado de yole. O remo é um esporte com equipamentos e acessórios caros, Jorge ainda busca verba para viabilizar a compra do barco a quatro remos. Como o remo é um esporte coletivo, sempre que pode, a equipe técnica procura mesclar alunos que enxergam com os deficientes visuais nos barcos que tem capacidade para 4 atletas, afim de que haja troca de experiência e 22 O Magistrado I N I C I A T I V A S ajuda mútua para formar uma equipe. Há categorias em que o barco possui um “timoneiro” (atleta que dentro do barco, fica em posição contrária dos outros remadores, de frente para eles, com o leme na mão e com a incumbência de coordenar as táticas e a direção do barco). Esse tipo de função específica, por enquanto só é desempenhada por pessoas que enxergam. O projeto Luz do Lago é um dos pioneiros no país. Há outros dois projetos semelhantes, no clube do Botafogo no Rio de Janeiro e no clube do Santos em São Paulo. “A idéia é promover uma competição entre os atletas dos três clubes para que possamos trocar informações e experiências” diz o coordenador. Jorge tem vários planos para o segundo semestre de 2004. Um deles é a promoção de uma competição de remo com alunos deficientes visuais contra alunos que enxergam, mas de olhos vendados. Outra boa novidade que Jorge prometeu já para esse mês de agosto é o início das aulas de remo para os deficientes auditivos. Conheça os tipos de barco usados no remo ! SINGLE SKIFF (1X) PESO: 14 Kg COMPRIMENTO: ! DOUBLE SKIFF (2X) PESO: 27 Kg COMPRIMENTO: 10,40m ! FOUR SKIFF (4X) PESO: 52 Kg COMPRIMENTO: 13,40m ! DOISSEM TIMONEIRO (2-) PESO: 27 Kg COMPRIMENTO: 10,40m ! DOISCOM TIMONEIRO (2+) PESO: 32 Kg COMPRIMENTO: 10,40m ! QUATROSEM TIMONEIRO (4-) PESO: 50 Kg COMPRIMENTO: 13,40m ! QUATROCOM TIMONEIRO (4+) PESO: 51 Kg COMPRIMENTO: 13,70m ! OITOCOM TIMONEIRO (8+) COMPRIMENTO: 19,90m PESO: 96 Kg 8,20m O Magistrado 23 E M F O C O Mudanças tributárias Alterações na sistemática de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS Por Marcelo Ricardo Escobar, diretor do Departamento Tributário da Azevedo Sette Advogados, em São Paulo. A legislação tributária brasileira além de ser extremamente complexa, ainda conta com a ajuda por parte do Poder Legislativo, no sentido de alterar substancialmente e num curto espaço de tempo, os diversos normativos que tratam acerca da questão. Haja vista as recentes alterações referentes à COFINS não-cumulativa, em menos de três meses contados da data de sua instituição. Neste sentido, os contribuintes necessitam despender uma significativa parte do seu tempo de trabalho, acompanhando e interpretando o sentido contido nas normas tributárias. Levando-se em consideração que estamos tratando de tributos, gênero do qual os impostos e as contribuições são espécies, os valores envolvidos em uma interpretação equivocada por parte dos contribuintes geram conseqüências relevantes para qualquer sociedade. I – BREVE HISTÓRICO DAS RECENTES ALTERAÇÕES Inicialmente, traçaremos uma linha do tempo, tecendo um breve histórico acerca das recentes alterações 24 O Magistrado na legislação da Contribuição ao PIS e da COFINS,mencionadas alterações restaram por culminar no surgimento de três novas exações, a saber: (i) Cobrança não cumulativa da Contribuição ao PIS (“PIS não-cumulativa”); (ii) Cobrança não cumulativa da COFINS (“COFINS não-cumulativa”); e (iii) Contribuição ao PIS e COFINS incidentes sobre as operações de importação (“PIS/COFINS – Importação”). Tal histórico faz-se necessário uma vez considerado o curto período compreendido entre a inserção de tais contribuições em nos- “Atualmente, tanto em relação à Contribuição ao PIS, quanto à COFINS, somente é permitido o aproveitamento do crédito relativo aos pagamentos de frete sobre vendas, quando o ônus for suportado pelo vendedor”. so ordenamento jurídico, acrescido ao fato de que todas as novas exações foram modificadas logo após a publicação das respectivas medidas provisórias, e finalmente por ter o legislador tratado de duas ou mais contribuições, num mesmo diploma jurídico. Desta maneira, em agosto de 2002, com o intuito de dar início a mini-reforma tributária, foi editada a Medida Provisória nº 66/02, que alterou, dentre outras disposições, a forma de apuração da Contribuição ao PIS, através da qual pretendeu se inserir a denominada cobrança não-cumulativa deste tributo. Tal MP fora convertida na Lei nº 10.637, em 30 de dezembro do mesmo ano, que com menos de dois meses da data de sua promulgação, restou modificada pela Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, fruto de conversão da MP nº 107, de 10 de fevereiro de 2003. Isto posto, com a conversão da MP nº 107/03 na Lei nº 10.684/03, estaria findo o processo de inserção em nosso ordenamento jurídico da chamada não-cumulatividade da Contribuição ao PIS, o que acabou por não acontecer, como veremos adiante. No que se refere à COFINS, também com a intenção de antecipar a reforma tributária e instituir a cobrança não-cumulativa desta contribuição, o Executivo Federal editou a MP nº 135/03, que foi convertida na Lei nº 10.833/03. Contudo, no decorrer do processo de inserção da E M F O C O Divulgação não-cumulatividade da Contribuição ao PIS, bem como da COFINS em nosso ordenamento jurídico, ocorreu o surgimento de outra modalidade de cobrança destas mesmas contribuições, que passaria a incidir, a partir de então, também sobre a importação. Desta maneira, a contribuição ao PIS e a COFINS incidentes sobre a Importação – PIS – COFINS – Importação, foram fruto da conversão da MP nº 164/04 na Lei nº 10.865/04. Ocorre que no momento de tal conversão, além de alterar o texto original da MP nº 164/04, a Lei nº 10.865/04 também modificou substancialmente as Leis nº 10.637/ 02 e 10.833/03, que tratavam respectivamente da não-cumulatividade da Contribuição ao PIS e da COFINS. II - DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 10.865/04 A não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS foram substancialmente alteradas com o advento da Lei nº 10.865/04, que dentre outras providências: (i) retirou o direito ao crédito das despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos; (ii) restringiu o direito ao crédito das despesas de depreciação e amortização de bens adquiridos até 30 de abril de 2004, para 1º de setembro de 2004; (iii) permitiu o direito ao crédito das despesas de depreciação de bens adquiridos a partir de 1º de maio de 2004; (iv) retirou o direito ao crédito das despesas de depreciação de bens reavaliados e ao crédito das despesas de aluguel ou arrendamento mercantil de bens ou direitos que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica. No que se refere à alíquota aplicável no caso da Contribuição ao PIS, esta passou de 0,65% (sessenta e cinco “Os valores envolvidos em uma interpretação equivocada por parte dos contribuintes geram conseqüências relevantes para qualquer sociedade”, Marcelo Ricardo Escobar décimos por cento) para 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco décimos por cento), ao passo que a da COFINS passou de 3% (três por cento) para 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento). Havendo um aumento de aproximadamente 153% (cento e cinqüenta e três por cento). Diferentemente da já consagrada não-cumulatividade aplicável ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI bem como ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Telecomunicação – ICMS, na suposta não-cumulatividade recentemente aplicável à Contribuição ao PIS e à COFINS somente determinadas exceções geram direito ao crédito, sendo que a maioria das despesas não o fazem, motivo pelo qual entendemos ser equivocada a denominação “não-cumulativa”, quando na verdade, ocorre tão somente o direito a um “crédito prêmio”. III – VEDAÇÃO E PERMISSÃO AO CRÉDITO DE DESPESAS ESPECÍFICAS Com o intuito de dirimir eventuais dúvidas no que tange à possibilidade de crédito para fins de pagamento da Contribuição ao PIS bem como da COFINS não-cumulativas, passaremos a analisar especificamente algumas vedações e permissões ao crédito de despesas específicas. III.1 - Pagamentos de frete sobre vendas Atualmente, tanto em relação à Contribuição ao PIS, quanto à COFINS, somente é per mitido o aproveitamento do crédito relativo aos pagamentos de frete sobre vendas, quando o ônus for suportado O Magistrado 25 E M F O C O pelo vendedor. Ocorre, tal direito ao crédito não existia no texto original da MP nº 66/02, nem no da Lei nº 10.637/02. Somente com a eficácia da Lei nº 10.833/03, ou seja, a partir de 1º de fevereiro de 2004, é que tal previsão passou a ser aplicável também em relação à Contribuição ao PIS2. Três situações podem ocorrer no que se refere às despesas de frete sobre vendas, a saber: (i) destacar o valor do frete na Nota Fiscal – vedado o crédito para fins de PIS e COFINS não-cumulativos, posto que o encargo não é suportado pelo vendedor; (ii) embutir o valor do frete no preço, mas não destacar na Nota Fiscal - vedado o crédito para fins de PIS e COFINS nãocumulativos, pois o encargo é repassado para o comprador; e (iii) não destacar o valor do frete na Nota Fiscal e não incluí-lo no preço do produto – permitido o crédito para fins de apuração de PIS e COFINS não-cumulativos, pois o encargo está sendo suportado pelo vendedor. III.2 - Pagamentos de frete interno sobre matéria prima de produtos importados No que tange aos pagamentos de frete, vale a regra abordada no item III.1 acima. Porém, somente as despesas de frete pagas a pessoas jurídicas domiciliadas no país. III.3 - Energia Elétrica É permitido3 o desconto dos créditos calculados em relação a energia elétrica consumida em todos os estabelecimentos das sociedades, no que tange à Contribuição ao PIS, só geram direito ao crédito as contraprestações pagas a partir de 1º de fevereiro de 2003, posto que a MP nº 107/03, posteriormente convertiDivulgação 26 O Magistrado E da na Lei nº 10.684, responsável pela inclusão do inciso IX no artigo 3º da Lei nº 10.637/02, é datada de fevereiro do mesmo ano. “No que se refere à COFINS, também com a intenção de antecipar a III.4 - Armazenagem de produtos importados reforma tributária e Assim como nos casos das despesas de frete, a armazenagem de mercadorias, atualmente, é admitida tanto em relação à Contribuição ao PIS, quanto à COFINS, conforme já mencionado, tal direito ao crédito não existia no texto original da MP nº 66/ 02, nem no da Lei nº 10.637/02. Somente com a eficácia da Lei nº 10.833/03, ou seja, 1º de fevereiro de 2004, é que tal previsão passou a ser aplicável também em relação à Contribuição ao PIS4. instituir a cobrança não-cumulativa desta contribuição, o Executivo Federal editou a MP cumulativos, calcular o crédito, relativo à aquisição de máquinas e equipamentos destinados ao ativo imobilizado, no prazo de quatro anos, mediante a aplicação, a cada mês, das alíquotas gerais das contribuições sobre o valor correspondente a 1/48 (um quarenta e oito avos) do valor de aquisição do bem. III.6 - depreciação III.7 - Aluguéis O artigo 31 da Lei nº 10.865/ 04 veda, a partir do terceiro mês subseqüente ao da sua publicação, o desconto de créditos apurados sobre os encargos de depreciação ou amortização de bens e direitos de ativos imobilizados adquiridos até 30 de abril de 2004. Em decorrência da inserção do parágrafo 14 ao artigo 3º da Lei nº 10.833/03 pelo artigo 21 da Lei nº 10.865/04, foi instituída a possibilidade do contribuinte da Contribuição ao PIS e da COFINS não- Por deter minação expressa parágrafo 3º do artigo 31 da Lei nº 1 O C O III.8 - Insumos aplicados na produção convertida na Lei nº 10.833/03” F 10.865/04, tanto em relação à Contribuição ao PIS, quanto à COFINS, passou a ser vedado, a partir de 31.07.2004, o crédito relativo a aluguel assim como a contraprestação de arrendamento mercantil de bens que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica. Porém depreende-se que os créditos oriundos das despesas corriqueiras de aluguel continuam permitidos, ou seja, os contribuintes que alugam imóveis de terceiros podem se creditar dos valores pagos a esse título. nº 135/03, que foi III.5 - Matéria-prima nacional Uma vez que abordaremos especificamente a questão dos insumos aplicados na produção, em item específico, e que conforme será demonstrado as matérias-primas incluem-se na definição de ser viços, focaremos esta questão em conjunto com o item III.8 abaixo. M Para fins de aplicabilidade na apuração não cumulativa da Contribuição ao PIS e da COFINS, podemos assim definir como sendo insumo da atividade industrial: (i) as matérias primas5, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam incluídas no ativo imobilizado; e (ii) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na produção ou fabricação do produto. Conforme inciso II do artigo 15 da Lei nº 10.833/03. De acordo com o inciso IX do artigo 3º da Lei nº 10.637/02 em relação a Contribuição ao PIS e inciso III do artigo 3º da Lei nº 10.833/03, em relação à COFINS. 2 3 Conforme inciso II do artigo 15 da Lei nº 10.833/03. 4 Vide item III.5. O Magistrado 27 D I R E I T O N A S R U A S Assassinato de Fiscais: enfim o primeiro passo contra a impunidade Quase seis meses após, a Polícia prende os assassinos, mas ainda faltam os mandantes Dia 28 de julho. Seis meses do assassinato dos auditores fiscais e do motorista da Delegacia Regional do Trabalho do Estado de Minas Gerais, executados na região de Unaí, enquanto realizavam atividades de fiscalização rotineira na região. A prisão dos pistoleiros que confessaram o crime ocorreu durante operação da Polícia Federal para prender uma quadrilha envolvida no roubo de cargas em Formosa, Goiás, mas ainda não se apuraram os mandantes. “Esperamos que os mandantes não somente sejam descobertos, mas punidos juntamente com os executores. É preciso acabar com a impunidade das pessoas que acreditam estar acima da Lei”, afirmou o Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Caixeta. Enquanto as investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil começam a apresentar resultados, o Projeto de Lei nº 3.063/04, que concede indenizações especiais às famílias dos auditores fiscais do trabalho Nelson José da Silva, Erastóstenes de Almeida Gonçalves e João Batista Soares e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, encontra-se parado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, aguardando vota- Após a tragédia, medidas contra o trabalho escravo foram intensificadas. ção, com parecer do Relator, Deputado Isaias Sivestre, pela aprovação. O presidente da ANPT lembra que o projeto que garantiu a indenização às famílias das vítimas do acidente da Base de Alcântara, no Maranhão, teve tramitação muito mais rápida. “No caso de Alcântara, o Executivo encaminhou o projeto em agosto e em dezembro do mesmo ano a lei foi publicada. Em relação aos auditores fiscais de Unaí o projeto está na Câmara dos Deputados desde o início de março e ainda não foi aprovado na Comissão”, disse. A ANPT cobra punição exemplar aos executores, intermediários e mandantes desse covarde crime e pagamento de indenização às famílias das vítimas. “Não podemos deixar que um crime tão violento quanto esse, contra trabalhadores que agiam em defesa de outros trabalhadores e contra o próprio Estado por eles representado, fique sem adequada resposta. Além da condenação dos culpados, as famílias precisam ser indenizadas rapidamente para atenuar a dor daqueles que perderam seus parentes no cumprimento do dever”, afirmou Sebastião Caixeta. ESCRAVAGISTAS SÃO SUSPEITOS - Desde o início as suspeitas recaíram sobre os acusados de explorar trabalho escravo, autuados em inspeções anteriores, hipótese ainda não afastada. Após a tragédia, medidas contra o trabalho escravo foram intensificadas. “A PEC nº 438/2001, que prevê o confisco das terras onde for encontrado o uso de trabalho escravo, foi aprovada na Comissão Especial do Trabalho Escravo na Câmara dos Deputados graças a toda a mobilização social causada pelo assassinato dos auditores”, destaca Caixeta. Porém, passados seis meses, tudo parece parado. “Espera-se que a notória falta de empenho do Governo em aprovar a PEC do confisco de terra, salvo iniciativas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDHU) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), seja revertida pelos avanços nas investigações dos assassinatos”, afirmou Caixeta. A PEC aguarda votação no Plenário da Câmara dos Deputados e enfrenta a forte resistência da Bancada Ruralista. “Até o momento não há demonstração de que o Presidente da Câmara e a Coordenação Política do Governo se empenharão pela sua aprovação”, disse Caixeta. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo a assumir publicamente que o trabalho escravo ainda existe em seu território. O governo federal tomou uma posição de vanguarda ao lançar o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, declarar o problema perante uma Assembléia das Nações Unidas e assinar compromissos internacionais de combate a essa exploração. “Porém, sem uma punição exemplar dos assassinos e dos mandantes desse bárbaro crime e sem o confisco das terras dos escravagistas, a situação nunca será resolvida”, conclui Caixeta. Fonte: ANPT O Magistrado 29 D I R E I T O N A S R U A S A realidade sobre os planos de saúde Planos de mais... Atendimentos de menos... Por Reinar Klagges Seyboth, advogado Desde o advento da nova lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/98), grandes discussões foram travadas em torno de sua efetiva contribuição para o desenvolvimento de um sistema que gere bons resultados para todos os envolvidos: operadoras de planos de saúde, médicos, hospitais e, principalmente, consumidor, a parte mais fraca dessa relação. Apesar da lei estar em vigor há mais de cinco anos, poucas mudanças significativas ocorreram. Prova disso está no número de pessoas que não possuem contratos com amparo na nova legislação (aproximadamente 60% dos usuários). Para apurar as conseqüências advindas da criação dessa Lei, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A CPI dos Planos de Saúde da Câmara dos Deputados foi instalada no dia 10 de junho de 2003, com a finalidade de investigar denúncias de irregularidades na prestação de serviços por empresas e instituições privadas de Planos de Saúde. Ao longo dos seis meses de trabalho, a CPI ouviu dezenas de pessoas, representando todas as classes envolvidas. Representando os usuários, o presidente do Conselho Federal de Medicina entregou um dossiê com variadas denúncias apresentadas pelos consumidores ao Conselho Federal de Medicina (CFM), sendo apontadas como as prin- 30 O Magistrado cipais reclamações: negativas de cobertura; descredenciamento de médicos, hospitais e laboratórios; aumentos abusivos de mensalidade (em especial quando da mudança de faixa etária); exigência de cheque-caução (prática atualmente proibida); limitação do tempo de internação; descumprimento contratual; cláusulas abusivas em contrato; propaganda enganosa e rescisão unilateral de contratos por parte da operadora. A classe médica acredita que a Agência Nacional de Saúde (ANS) está se preocupando apenas com a viabilidade econômica do sistema, inexistindo quaisquer garantias para os interesses dos médicos e pacientes nessa relação. As principais reivindicações versam sobre a omissão da legislação em vigor, no tocante à relação das operadoras com os prestadores de serviço, e a restrição das operadoras a alguns procedimentos médicos necessitados pelos pacientes. Já a parte representada pelas operadoras de planos de saúde sentese coagida por ter a obrigação de enquadrar-se em inúmeras exigências e sofrer pressões de todos os lados para não repassar os acréscimos dessas exigências aos preços dos planos. Para tanto, foi criada a Medida Provisória n.º 148 com objetivo de garantir direitos aos consumidores vinculados aos contratos antigos, direitos estes definidos na Lei n.º 9.656/98. Nesse diapasão, foi criada pela ANS a Resolução Normativa n.º 64 de 23 de dezembro de 2003 a qual dispõe sobre as regras para adaptação aos novos contratos, amparados pela referida Lei. A conclusão do relatório da CPI, após 24 audiências públicas, foi de frustração dos usuários. Segundo o presidente da Comissão, Deputado Henrique Fontana, na votação do relatório final, o lobby das operadoras havia prevalecido sobre outros interesses. Porém, existe fundamento para isso. No contexto geral, todos têm razão: os consumidores merecem maior atenção e melhor atendimento; os médicos necessitam de melhores condições de trabalho e melhores salários. Mas a grande dúvida persiste: será justo que as operadoras sejam responsabilizadas sem nenhum subsídio do Estado? No futuro, elas, certamente, serão obrigadas a ceder, moldando-se a todas às obrigações impostas. No entanto, sem a ajuda do Estado (implementando políticas mais consistente e leis condizentes com nossa realidade social), todas, ou pelo menos a maioria, requisitarão o pedido de falência. E quando isso acontecer, quem irá se responsabilizar pela falta de assistência médica? O nosso precário SUS? Então a partir desse instante a Lei de Evolução Darwiniana prevalecerá, pois apenas o mais forte, ou seja, quem detiver poder econômico poderá “comprar” sua saúde. Quem detiver poder econômico poderá “comprar” sua saúde. C A P A Casa da mãe Joana Analisando a internacionalização da Amazônia Por Idevan César Rauen Lopes é advogado sócio do escritório Idevan Lopes & Ricardo Becker Advogados Associados, mestre em Direito Econômico e Social pela PUC/PR, exprocurador da Junta Comercial do Paraná e membro da Bralaw. Com o aumento da tecnologia e principalmente com a possibilidade de acesso a informações que tempos atrás não estavam disponíveis a todas as pessoas, evidenciou-se que o planeta onde vivemos está sendo destruído, e que isto poderá causar até mesmo a impossibilidade de manutenção da vida na Terra. Em face da destruição de nosso planeta, vem sendo discutido há algum tempo em âmbito mundial o problema ambiental, e principalmente tem-se buscado uma regulamentação global a fim de coibir os excessos. A movimentação dos Estados em favor de uma regulamentação global do meio ambiente iniciada na década de 1960 atingiu maturidade com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972, ocasião em que vários documentos foram votados, dentre eles a própria Declaração de Estocolmo; um plano de ação para o meio ambiente, 32 O Magistrado conjunto de 109 recomendações centradas em três grandes políticas: (a) relativas à avaliação do meio ambiente mundial (Earthwatch); (b) as de gestão do meio ambiente; e (c) as relacionadas às medidas de apoio (informação, educação e formação de especialistas). Criou-se também um organismo internacional dedicado ao meio ambiente, além do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA – igualmente conhecido por siglas em inglês UNEP, ou em francês, PNUE). A partir da Conferência de Estocolmo, a emergência de tratados e convenções internacionais sobre o meio ambiente consolidou a inserção internacional do tema, tendo tido, no âmbito nacional dos diversos Estados, incluindo o Brasil, repercussão importante na instituição de regulação própria que visa, a partir dos fundamentos genéricos e diretores ditados pelas normas internacionais, implementar princípios globais, adaptados à realidade cultural e social de cada país - como a definição da Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil, em 1981, pela Lei n.º 6.938. Em 1992, no Rio de Janeiro, realizou-se a maior conferência das Nações Unidas, até então, com a participação de 178 governos e a presença de mais de 100 chefes de Estado ou de governo, a ECO/92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento), tendo como resultados: (a) adoção de duas convenções multilateriais: a Convenção-Qua- dro das Nações Unidas sobre Mudança de Clima e a Convenção sobre a Diversidade Biológica; (b) subscrição de documentos de fixação de grandes princípios normativos e/ou de linhas políticas a serem adotados pelos governos: (1) Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; (2) Agenda 21; e (3) a Declaração de Princípios sobre Florestas; (c) fixação cogente de temas para próximas reuniões de órgãos da ONU para tratar de assuntos como a pesca em alto-mar, o combate à desertificação; agendas de conferências internacionais sobre a questão da estabilização do lançamento do dióxido de carbono e demais gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento da temperatura da Terra (assunto ligado à Convenção Quadro sobre Mudança do Clima, que levou à instituição do Protocolo de Kyoto em 1997); (d) a criação de um órgão nas Nações Unidas, a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável (Comission on Sustainable Development) subordinada ao Ecosoc (Conselho Econômico e Social da ONU), tendo como incumbência, dentre outras estabelecidas, a de acompanhar a implementação da Declaração do Rio e da Agenda 21. Apesar da evolução ocorrida em termos de convenção, a defesa do meio ambiente só ocorrerá efetivamente através de uma cooperação mundial. Entretanto, esta cooperação encontra entraves principalmente de ordem de soberania nacional e de desigualda- C Legal ou Amazônia Brasileira, divisão geopolítica pertencente ao Brasil; c) Bacia Amazônica ou Hiléia Amazônica, área de influência do eixo Amazonas-Solimões-Ucayali. Mais de três quintos do território está no Brasil (3.648.000 km2 ou 364.800.000 de hectare), tornando o país o mais importante ator na política internacional sobre o regime de desflorestamento, permitindo-lhe adotar a posição de líder internacional não só em relação ao desflorestamento, mas em relação à defesa do meio ambiente como um todo. O tema Amazônia sempre foi tratado com muita cautela pelo governo brasileiro, em um primeiro momen- de entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, fazendo com que os Estados tenham que desenvolver mecanismos isolados para a defesa de seu meio ambiente, chegando-se a dois extremos: ou não se faz a defesa ambiental ou então é feita de forma tão voraz que provoca a impossibilidade de desenvolvimento econômico e prejudica a competitividade das indústrias nacionais. Porquanto, é necessário que os países continuem seu desenvolvimento econômico, porém sem se descuidar da defesa do meio ambiente, eis que ambos têm como finalidade o bem-estar social, ou seja, prover ao ser humano uma melhor qualidade de vida, buscando como finalidade última a dignidade humana, e para que isto aconteça deve-se buscar um desenvolvimento sustentável. O maior problema das discussões sobre desenvolvimento sustentável é a sua própria conceituação, que está atrelada a fontes renováveis e produção de baixos níveis de poluição. A P A to de uma forma totalmente nacionalista, em razão dos governos militares, quando entendia-se que tal tema devia ser discutido internamente e cabia unicamente à soberania brasileira as tomadas de decisões a respeito. Durante este período havia uma preocupação muito grande com a implementação de um projeto de modernização nacional com crescimento a todo custo, tendo sido implantado pelo Presidente General Ernesto Geisel o programa Poloamazônia, que buscava uma dinamização dos setores agrícola, pecuário, mineral e florestal. Além do mais, a Amazônia era tratada como ponto estratégico, onde inclusive os garimpeiros garanti- Os problemas ambientais são globais, eis que afetam a todos e só podem ser administrados na base da cooperação, ou pelo menos em uma percentagem muito grande, dos Estados do mundo: controlando as mudanças climáticas e as emissões de gases carbônicos, a proteção da camada de ozônio, salvaguardando a biodiversidade, oferecendo proteção para regiões especiais, tais como Antártica ou Amazônia, a administração do sea-bed e proteção dos mares altos são alguns dos principais exemplos (HURRELL e KINGSBURY, 1992, p. 2). A Amazônia é a maior floresta tropical da Terra, dividida em três grandes áreas: a) território amazônico, que se estende ao Orinoco e às Guianas; b) Amazônia Divulgação GOVERNO BRASILEIRO E ECOLOGIA O Magistrado 33 C am a ocupação do território amazônico, sem que houvesse, por outro lado, qualquer preocupação com o meio ambiente. Com o governo do Presidente José Sarney iniciou-se uma transição, sem contudo perder o conceito de soberania e desenvolvimento, com a criação do IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis. Foi durante essa época que sugeriu-se a diminuição da dívida externa brasileira com a emissão de bônus da dívida como troca por projetos de melhorias ambientais que seriam implementados pelo governo brasileiro. Também se desenvolveu o Projeto Calha Norte, composto basicamente de bases militares, com o objetivo de garantir a presença estratégica na região, a movimentação tática das Forças Armadas, apaziguar conflitos e combater o narcotráfico e o contrabando de ouro. Em 1990, por intermédio desse projeto, foram bombardeadas inúmeras pistas de pouso clandestinas, usadas por garimpeiros e pelo narcotráfico. Com a assunção do Presidente Fernando Collor de Mello ao governo brasileiro, houve uma mudança no tratamento do tema Amazônia, que ocorreu em razão principalmente da: 1 – necessidade de coalizões transnacionais de pressões de grupos, economistas, e ecologistas; 2 – imposição de pressões externas ao Brasil, as quais aumentaram os custos da política anterior; 3 – crescimento da consciência no governo brasileiro que o tema meio ambiente garantiria um grande desenvolvimento de países como o Brasil (HURRELL, 1992, p. 399). A partir desse momento o Brasil passou a entender a importância e a necessidade de ajuda externa para a preservação da Amazônia, quando, então, aceitou o papel de principal ator no regime de desflorestamento. Não pode, contudo, o Brasil esquecer-se que se trata de um país em desenvolvimento e, porquanto, não pode descuidarse de seu desenvolvimento, que deverá revestir-se da forma sustentável, sem deixar de se preocupar com o meio ambiente. AMAZÔNIA: RESERVA INTERNACIONAL Cobrindo apenas 6% da área terrestre do globo, a floresta tropical contém pelo menos 50% e talvez 90% das espécies vegetais mundiais. Nos próximos 20 anos o desflorestamento tropical pode resultar em extinção entre 5 e 15% das espécies mundiais. A floresta Amazônica representa 33% da floresta tropical mundial (HURRELL, 1992, P. 400). A floresta Amazônica possui a maior biodiversidade do mundo em vista de sua extensão e a variedade de ecossistemas associados. A região ostenta a maior variedade de aves, primatas, roedores, jacarés, sapos, insetos, lagartos e peixes de água doce de todo o planeta. São 324 espécies de mamíferos, como a onça-pintada, a ariranha, a preguiça e o macaco-uacari. Nela vivem cerca de 25% da população de primatas do globo e 70 das 334 espécies de papagaios existentes. Em seus rios há de 2500 a 3000 espécies de peixes. Só no Rio Negro podem ser encontradas 450 espécies (na Europa inteira, não se contam mais de 200). O potencial medicinal e científico é “De acordo com o IBGE, estão identificadas na Amazônia Legal em torno de 650 espécies vegetais farmacológicas, de valor econômico” A P A infindável na Amazônia. Por possuir o maior ecossistema de florestas tropicais do mundo, a Amazônia é considerada a maior reserva de plantas medicinais. A exemplo do que acontece com o potencial madeireiro, conforme verse-á na seqüência, aqui também observa-se um descaso com a riqueza da natureza. Na região amazônica a aplicação empresarial dos resultados das pesquisas em fitoterapia (utilização de plantas medicinais para tratamento de doenças) é bastante rara. Também faltam equipamentos, verbas e recursos humanos para realização de pesquisas integradas nas áreas de botânica, agronomia e química, o que dificulta o desenvolvimento da farmacologia no país. De acordo com o IBGE, estão identificadas na Amazônia Legal em torno de 650 espécies vegetais farmacológicas, de valor econômico. O Estado do Pará é o que mais se destaca com 540 espécies; seguido dos Estados do Amazonas, com 488; Mato Grosso, 397; Amapá, 380; Rondônia, 370; Acre, 368, Roraima, 367; Maranhão, 261, e Tocantins, sem informações (www.fieam.org.br). Em face desses elementos, tem-se entendido que a Amazônia deveria ser internacionalizada, pois seria um bem comum à humanidade e somente assim todos os países poderiam ajudar na manutenção da maior floresta da Terra. Nesse contexto é que se entende que deva a Amazônia ser considerada uma reserva ambiental da humanidade, devendo ser conservada para toda a humanidade, não só de hoje, mas também da futura. Entrementes, para se ter a internacionalização de um complexo ambiental como a Amazônia, seria preciso a criação de uma autoridade supra-nacional, que liderasse uma administração ambiental mais efetiva, o que é repudiado também pelos principais países que defendem a internacionalização da O Magistrado 35 C A P A “As maiores madeireiras e mineradoras que atuam na área são empresas transnacionais, assim como existem inúmeras empresas transnacionais que vendem equipamentos para a agricultura, que também se beneficiaria com a substituição das florestas pela agricultura.” Amazônia. Porquanto, os defensores da internacionalização da maior floresta do mundo também não querem abrir mão de sua soberania a fim de se ter uma governança global. Outro problema das relações internacionais é a transferência de importância do Estado como ator nas relações internacionais para as grandes empresas transnacionais, que têm um interesse muito grande no desflorestamento da Amazônia, em face de sua grande preocupação econômica. As maiores madeireiras e mineradoras que atuam na área são empresas transnacionais, assim como existem inúmeras empresas transnacionais que vendem equipamentos para a agricultura, que também se beneficiaria com a substituição das florestas pela agricultura. Os Estados, por piores que sejam, buscam o mínimo de bem-estar social, por estarem fundamentados na coletividade, enquanto as empresas transnacionais estão preocupadas com o lucro que terão ao final do ano, para satisfazer seus sócios. Não raro é a utilização da expressão de que a Amazônia é o pulmão do mundo. Se considerarmos que o pulmão é um órgão que 36 O Magistrado consome, e não produz, oxigênio, a frase pode ser usada sem os arroubos dos tecnocratas que a contra-argumentam. São os fitoplânctons, mais comumente conhecido como algas marinhas, os maiores responsáveis pela produção de oxigênio do mundo, encontradas no fundo dos oceanos, os quais devem receber mais atenção dos Estados, principalmente evitando-se a realização de testes nucleares sob os oceanos. A floresta Amazônica produz oxigênio tanto quanto consome, principalmente em razão da idade da maioria das árvores que a compõem, pois as florestas adultas emitem carbono em taxa equivalente a do oxigênio, enquanto as florestas em fase de crescimento fixam mais carbono do que emitem. O maior problema do desflorestamento é a forma como tem sido feito, eis que a maneira mais usual é a utilização de queimadas, principalmente para as áreas onde serão desenvolvidas atividades pecuárias ou agrícolas. As queimadas realmente prejudicam imensamente o clima na Terra, alterando consideravelmente o meio ambiente e a própria saúde das pessoas que habitam regiões próximas, e isso deve ser combatido de forma mais expressiva pelo governo brasileiro. O desflorestamento para a retirada da madeira também deveria ser feita de outra forma, quando autorizado. O volume total de madeira na Amazônia é estimado em 50 bilhões de m3, dos quais 10% têm condições de serem aproveitados pela indústria madeireira. Apesar de todo esse potencial madeireiro, por ser o desflorestamento proibido, e não planejado, geralmente é feito de forma clandestina, sem o uso de técnicas modernas que permitam a retirada das árvores mais antigas e altas sem destruição de determinada área. Da forma como é praticado atualmente, o desflorestamento acaba por destruir toda a vegetação de certa área, provocando em seguida erosões que inutilizam o terreno, com perdas ambientais ainda maiores. O desflorestamento, ou melhor, o remanejamento deveria ser autorizado e efetivamente fiscalizado, possibilitando que sejam retiradas apenas as árvores maiores, determinando o replantio das espécies retiradas, e não como se tem visto nas plantações de Pinus na Amazônia. A autorização regular para a retirada da madeira beneficia o país no sentido de que não haveria mais contrabando e, mesmo que permanecesse, embora em menor escala, a fiscalização teria de ser efetiva para reprimir a prática desenfreada do desflorestamento. Ecologicamente, deve-se esclarecer também que quanto mais novas as árvores, maior é a produção de oxigênio, e, porquanto, o remanejamento passa a ser interessante também para o meio ambiente. A internacionalização da Amazônia, elevando-a ao conceito de reserva da humanidade, só será possível se o Brasil abrir mão completamente de sua soberania, pois teria que abdicar de quase de 50% do seu território. Haveria uma dificuldade muito grande do povo brasileiro aceitar a perda de sua maior floresta, onde estão as maiores riquezas minerais, vegetais, animais, medicinais, etc. AMAZÔNIA ECONÔMICA A diferença de agenda entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento em relação ao meio ambiente se dá pelo fato destes terem destruído seu próprio meio ambiente em seu processo de enriquecimento e não querem que os países em desenvolvimento façam o mesmo, porém não estão preocupados com as dimensões do desenvolvimento humano nos países da periferia. Desenvolvimento não pode ser sacrificado como significado de estabilização do meio ambiente global. C Além do mais, os países ricos foram os maiores responsáveis pelos problemas ambientais que estamos enfrentando, e devem, portanto, admitir tal responsabilidade. Com 16% da população mundial, os países industrializados são responsáveis por 48% das emissões de gases (HURRELL e KINGSBURY, 1992, p. 39). Não podem deixar de reconhecer os países centrais que as mudanças ambientais só poderão ocorrer com o desenvolvimento social e econômico contínuo dos países mais pobres, não obstante o agravamento do problema ambiental não ser tãosomente a pobreza, mas também e principalmente o consumismo exacerbado dos países desenvolvidos. O desenvolvimento sustentável é a única forma de se ter um controle maior em relação ao meio ambiente, já que o meio ambiente pode ser extremamente valorado sem se pautar em sua destruição. Em face do Protocolo de Kyoto, que busca a redução da emissão de carbono (CO2) na Terra, discute-se a possibilidade das grandes empresas poluidoras pagarem pelo carbono que estão emitindo, através da manutenção de florestas. Assim, as empresas poluidoras de países desenvolvidos comprometidos a reduzir a emissão de gases teriam a possibilidade de investir em projetos de purificação de ar, e receberiam “crédito de carbono” que poderiam ser abatidos de sua meta de redução de gases. O projeto de seqüestro de carbono tem uma função ambiental, socioeconômica, educativa e técnico-científica, pois procura a manutenção e desenvolvimento do meio ambiente, contribui para um desenvolvimento econômico das comunidades envolvidas, desenvolve a importância e o respeito ao meio ambiente e estimula as pesquisas científicas e tecnológicas. Em sendo implantada a possibilidade do chamado seqüestro de carbono, a Amazônia, que é o maior “poço de carbono” da Terra, passaria a ter um grande valor para as empresas poluidoras, que não precisariam recuperar o meio ambiente com um plantio de novas árvores, mas apenas prestar uma manutenção. É de se considerar que a Volkswagen, a General Motors, a Ford dentre outras empresas transnacionais poluidoras, já possuem áreas na Amazônia, tendo pagado valores irrisórios por ativos valiosíssimos no futuro próximo. A Amazônia é uma região rica em todos os tipos de minerais, pois é formada por alguns depósitos de rochas calcárias, de argilas caulíticas, lateritos bauxistícos e sais de potassa, que constituem um ambiente favorável à existência de petróleo (BECKER, 1998, p. 64). Se não bastasse isso, a Amazônia brasileira faz divisa com a Venezuela, que é a quarta maior produtora de petróleo do mundo, o que abre a possibilidade de se ter petróleo na área brasileira, em face da mesma formação rochosa e pela pouca distância entre a área de exploração naquele país e a fronteira com o território brasileiro. O Brasil já tem explorado comercialmente alguns desses campos petrolíferos. Na região do rio Urucu se processam 60 mil barris de óleo por dia e 6 milhões de metros cúbicos de gás natural e de mil toneladas de GLP em 60 poços (O Sonho Amazônico, Revista da Petrobrás. Rio de Janeiro, ano VII, n. 69, abr. 2000, p. 10). Estima-se, também, que 24% das reservas brasileiras de gás natural estão na Amazônia (idem, p. 11). Evidencia-se facilmente que o valor econômico da Amazônia em razão do petróleo e do gás natural é muito grande, não podendo o Brasil renunciar essa riqueza, que pode ser explorada de maneira equilibrada e com alta tecnologia, a fim de se evitar os danos ambientais que poderiam ser causados. As províncias minerais da Amazônia têm acentuado valor econô- A P A mico, que situam a indústria extrativa mineral e seus desdobramentos produtivos entre as mais promissoras opções de investimentos. Grandes reservas de cassiterita estão distribuídas entre os Estados do Amazonas, Roraima e Rondônia. Só no Estado do Amazonas verifica-se a importância das seguintes reservas de minérios: a) 3 milhões de toneladas de nióbio (Morro dos Seis Lagos, Rio Negro); b) gás e petróleo (Rio Urucu): 50 milhões m3 de gás natural associado a petróleo de alta densidade; c) 500 milhões de toneladas de sais de potássio (Baixo Rio Madeira); d) grandes jazidas de ouro nos afluentes da margem esquerda do Alto Rio Negro (limites com a Colômbia e a Venezuela); e) cerca de 340 milhões de toneladas de calcário e 2 milhões de toneladas de gesso (gipsita) nos rios Nhamundá e Jatapu; f) 36 bilhões de toneladas de linhito (carvão) no Alto Solimões(www.suframa.gov.br ). Os minerais mais importantes e mais abundantes da Amazônia são: ferro, ouro, bauxita, caulim, zinco, manganês e cassiterita. O Brasil é o maior produtor de pedras preciosas, à exceção de diamantes – em face da dificuldade de retirada dessa pedra. Infelizmente, em “É de se considerar que a Volkswagen, a General Motors, a Ford dentre outras empresas transnacionais poluidoras, já possuem áreas na Amazônia, tendo pagado valores irrisórios por ativos valiosíssimos no futuro próximo” O Magistrado 37 C A P A “Fica evidente que quase todo o ouro retirado da Amazônia é contrabandeado para fora do país” face da proibição dos garimpos, todo o ouro recolhido na Amazônia é contrabandeado. E mesmo assim, o Brasil é oficialmente o sexto maior produtor de ouro, enquanto que o Uruguai chegou a ser o maior exportador da América Latina de ouro sem ter sequer uma única mina deste minério. Fica evidente que quase todo o ouro retirado da Amazônia é contrabandeado para fora do país. Destarte, a capacidade de produção das reservas de ouro da Amazônica é muito maior do que a estimada pelos órgãos governamentais. A busca do ouro através de processos rústicos como são realizados na Amazônia não apenas pode destruir as árvores, mas também a floresta, criando imensas crateras e poluindo os rios com o mercúrio utilizado para a extração do ouro. Os números que expressam o potencial da região amazônica são tão fantásticos que desafiam a capacidade de compreensão dos homens. O uso sustentável da Floresta Amazônica deve calcar-se em um sólido entendimento científico do meio ambiente. Novas práticas, ou ainda a reformulação e desenvolvimento de “velhas técnicas”, terão êxito se os métodos e objetivos levarem em conta os fatores e as demandas ambientais. Além do mais, a Amazônia tem grande potencial para o eco-turismo, que per mite a integração de sua população através de um desenvolvimento inteiramente sustentável, em face do desenvolvimento econômico que geraria na comunidade onde se situa a área de ecoturismo. A Amazônia deve ser enten- dida como uma entidade integrada, e sua interação com os governos dos Estados, visando à internacionalização, devem apoiar o desenvolvimento de políticas nacionais e regionais para frear as tendências de exploração que caminham para mudanças irreversíveis nos ecossistemas da Amazônia. O conhecimento do potencial ofertado pela região, aplicado ao aperfeiçoamento de pesquisas, estimularão a criação de estratégias de preservação florestal. Assim sendo, a Amazônia deixará de ser uma mera reserva ambiental cobiçada por todo o mundo para tornarse um centro de pesquisa e desenvolvimento em prol de toda a humanidade, desde que racionalmente explorada. Todo o benefício retirado desse desenvolvimento equilibrado e sadio da Amazônia deve ser revertido para o povo brasileiro, possibilitando a este um maior bem-estar, quando, então, teremos uma reserva para a humanidade e não da humanidade, que deverá ser administrada pelo maior ator do tema meio-ambiente, que é o Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! 38 BARBOSA, Gustavo. O Sonho Amazônico, Revista da Petrobrás Rio de Janeiro, ano VII, n. 69, abr. 2000. BECKER, Bertha K. Amazônia. 6.ed. São Paulo : Ática, 1998. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo : Max Limonad, 1997. DOUROJEANNI, Marc J.; PÁDUA, Maria Tereza Jorge. Biodiversidade: a hora decisiva. Curitiba : UFPR, 2001. HURRELL, Andrew; KINGSBURY, Benedict. The International Politics of the Environment. Oxford : Clarendon Press, 1992. MORRISON, Fred L.; WOLFRUM, Rüdiger. International, Regional and National Environmental Law. Boston: Kluwer Law International, 2000. PROCÓPIO, Argemiro. Amazônia : Ecologia e Degradação Social. São Paulo : Alfa-omega, 1992. REVESZ, Richard L.; SANDS, Philippe; STEWART, Richard B. Environmental Law, the Economy, and Sustainable Development. Cambridge : The Press Syndicate of the University of Cambridge, 2000. URL http://www.fieam.org.br consultado em 29 jan. 2002. URL http://www.suframa.gov.br consultado em 29 jan. 2002. O Magistrado S A Ú D E Médico bom pra cachorro De guia à terapeuta, o cão ajuda cada vez mais na saúde do homem Por Jonathan Pinato Junto com o avanço tecnológico da medicina, os animais também estão evoluindo sua capacidade de ajudar a humanidade. Os cães saíram na frente e fizeram jus ao posto de melhor amigo do homen. Hoje eles já são guias para cegos e até terapeutas de pessoas que sofrem de Alzheimer, Síndrome de Dawn e Câncer. A Pet Terapia é a utilização do contato com animais com fins terapêuticos. A simples presença de um animal em um ambiente promove 40 O Magistrado bem-estar, influenciando sobre a saúde física e mental dos pacientes. É o que explica a ONG Cão Cidadão de São Paulo que coordena o Projeto Cão Terapeuta. “Esperamos poder ajudar em outras áreas da medicina, principalmente com crianças”. Renata Guina – Médica Veterinária do Projeto Hill, em que cães ajudam no tratamento de Alzheimer O projeto realiza visitas semanais à Casa Assistencial Maria Helena Paulina, que dá apoio a crianças com câncer. São realizadas também visitas esporádicas em outras instituições como casas de repouso, de deficientes, de crianças com síndrome de down, entre outras. A Cão Cidadão em conjunto com o Parque Água Branca, também em São Paulo, vem realizando o trabalho de preparo de cães para a participação em visitas da Pet Terapia. Além de truques que divertem os cães aprendem a comportar-se junto as pessoas debilitadas e crianças agindo sempre com delicadeza. S De acordo com a Cão Cidadão os benefícios da Pet Terapia são a diminuição da pressão sanguínea e freqüência cardíaca, calmante, anti-depressivo, melhora do sistema imunológico, estímulo da interação social, melhora da capacidade motora, diminui a quantidade de medicamentos, além de melhorar a auto-estima e auto-confiança dos pacientes. Outro projeto voluntário, semelhante ao da Cão Cidadão em São Paulo é o Projeto Pet Hill realizado no Hospital Universitário de Brasília (HUB), coordenados pelas médicas veterinárias Damaris Rizzo, Esther Odenthal e Renata Guina. O projeto é pioneiro no Brasil em tratamento de pessoas que sofrem de Alzheimer por cães terapeutas. As médicas veterinárias estão concluindo um estudo científico que comprove realmente o bem que os cães fazem a saúde humana. Damaris e Esther já tinham a idéia de aplicar um projeto como esse. Quando conheceram Renata e descobriram que a médica veterinária partilhava do mesmo objetivo que elas e resolveram colocar o projeto em prática. Damaris apresentou o projeto Pet Hill para o geriatra Renato Maia, diretor do Centro de Medicina do Idoso no HUB, que conta também com psicólogos e fisioterapeutas. O médico gostou da idéia e resolveu dar uma chance às jovens veterinárias e está muito satisfeito com o resultado que o projeto está dando. “Com os frutos desse trabalho, temos a intenção de criar uma equipe de cães terapeutas para servir a todos os hospitais do Distrito Federal”, revelou Renato. O projeto conta com sessões terapêuticas no Hospital Universitário uma vez por semana e tem duração de oito semanas com um grupo de até dez idosos. “O projeto ainda é novo, a intenção é após mais grupos terminados, estuda- dos e feito a junção de dados complexos, avaliações dos resultados finalizar com provas concretas nosso projeto científico sobre a Pet Terapia no tratamento de Alzheimer”, avalia Renata Guido. As veterinárias dizem ainda que o sonho dela é que o Projeto Hill se extenda a outras área da medicina, principalmente com as crianças que tem cân- A Ú D E cer. “O grupo e os cães estão disponíveis, porque não ajudar”, estusiasma- se Esther. Renata conta que ainda há um certo preconceito de outros profissionais da saúde em relação a animais dentro de hospitais, alegando que os mesmos correm alto de risco de transmitirem doenças para os pacientes dos hospitais. “Os animais tem todo um cuida- O Magistrado 41 S A Ú D E do especial, como uma bateria de exames, antes de irem para as sessões de terapias em hospitais” defende a veterinária. Os resultados que já podem ser percebidos são os mesmos que o projeto Cão Cidadão percebeu em São Paulo. Renata conta que, normalmente, os pacientes de Alzheimer não lembram os nomes das veterinárias, mas sempre lembram os nomes dos cães Barney e Ventus, que são os terapeutas no Centro de Medicina do idoso. Esther explica ainda que o projeto visa retardar a doença e trabalhar a qualidade de vida dos pacientes. Pacientes que tem cachorro e antes não cuidavam deles, após as sessões terapêuticas com o Dr. Barney e Dr. Ventus, a vida dos cães de casa melhoraram bastante. “Eles passaram a cuidar melhor de seus cachorros”, diz a veterinária. CÃO GUIA Outra iniciativa que ajuda muita gente no mundo todo e que também está sendo aplicado no Distrito Federal é o Projeto Cão-Guia de Cego. A idéia surgiu da realização de um trabalho pioneiro no Brasil: treinar cães para guiarem deficientes visuais, proporcionando-lhes segurança, mobilidade e melhoria da qualidade de vida. Através de despacho do Governador do DF, Joaquim Roriz, o Corpo de Bombeiro Militar do DF enviou três militares para a Fundação MIRA no Canadá a fim de freqüentarem o Curso de Adestramento de Cão-Guia de Cego no período de 01 de fevereiro de 2001 a 31 de julho de 2001. Em junho do mesmo ano, a Primeira Dama do DF, Weslian Roriz, mediante convite da Fundação MIRA, vi- sitou aquelas instalações, e assim deuse início a administração do Projeto Cão-Guia de Cego – DF pelo Instituto de Integração Social e de Promoção da Cidadania - INTEGRA, que ela mesmo preside. A lei n° 2.996 que regulamenta o acesso de cães-guia no Distrito Federal foi sancionada em 3 de julho de 2002 e garante o livre acesso não só do deficiente visual e físico com o cãoguia, mais também dos treinadores e famílias hospedeiras a qualquer estabelecimento e transporte público. Os 10 mandamentos do cão para se tornar um “terapeuta” 1) Os cães devem ter certificado de vacinação contra raiva, cinomose, hepatite infecciosa, leptospirose, para-influenza e parvovirose em dia, bem como a vermifugação; 2) Controle constante de pulgas e carrapatos; 3) Os cães devem ter concluído o adestramento básico; 4) Os cães devem ter no mínimo 1 ano de idade; 5) Devem aceitar manipulação por pessoas estranhas sem reagir com agressividade ou medo; 6) Permanecer tranqüilos em ambientes estranhos com cheiros e barulhos diferentes; 7) Devem ser calmos, carinhosos e interativos com estranhos; 8) Não devem pular nas pessoas; 9) Estar sempre uniformizado quando estiver trabalhando para se identificar para outras pessoas; 10) Preenchendo todos os requisitos anteriores o cão deverá passar por uma avaliação clínica e psicológica por um veterinário do projeto e então participar de um treinamento e estágio junto com seu proprietário. 42 O Magistrado PORTUGUÊS JURÍDICO Curiosidades sobre a Língua Portuguesa Por Professor Marcelo Paiva, professor do IMAG-DF Olimpíada Os jogos olímpicos estão próximos e nada melhor do que saber a origem do termo. O vocábulo é uma homenagem ao monte grego Olimpo (morada dos deuses), onde se realizavam competições esportivas. Candidato Em época de eleições, surgem inúmeros candidatos. O termo vem de candidus, que significa “branco”, “puro”. Em Roma, os postulantes a algum cargo vestiam-se de branco como símbolo de pureza e honestidade. Dias da semana É curiosidade geral o uso da expressão “feira”, após alguns dias da semana. A origem remonta a tradição lusitana de empregar o termo féria ao respectivo dia, representando o dinheiro arrecadado no período. Como não se trabalhava sábado e domingo, a expressão se limitou a apenas cinco dias. Em outras línguas latinas, é comum a associação do nome dos dias aos astros, como no espanhol. Dinheiro Por falar em dinheiro, sua origem está relacionada à antiga moeda romana denarius. Os romanos costumavam pa44 O Magistrado gar aos soldados também com sal. Daí a palavra “salário”. Outro termo também empregado era o pecus, que significa gado, o qual originou o termo “pecuniário”. Idiota O vocábulo grego índio significava uma opinião pessoal, própria ou única. Hoje, o sentido é de tolo. No entanto, utilizamos a palavra “idiossincrasia” com o sentido primeiro de preferência ou idéia pessoal a respeito de um assunto. PÉROLAS DE NOSSA LÍNGUA. Circular do Banco Central do Brasil: “Os parentes consangüíneos de um dos cônjuges são parentes por afinidade do outro; os parentes por afinidade de um dos cônjuges não são parentes do outro cônjuge; são também parentes por afinidade da pessoa, além dos parentes consangüíneos de seu cônjuge, os cônjuges de seus próprios parentes consangüíneos.” Transcrição de uma ementa curiosa do Supremo Tribunal Federal: Ementa: Adultério. Para o flagrante de adultério, não é indispensável a prova de seminatio in vas, nem o encontro dos infratores nudo cum nudo in eodem cubículo. Basta que, pelas circunstâncias presenciadas se possa inferir como quebrada materialmente a fidelidade conjugal. PORTUGUÊS JURÍDICO QUESTÕES DO DIA-A-DIA. Numeração de títulos e subtítulos, itens e subitens. É comum a dúvida sobre como fazer a numeração correta de idéias em um trabalho escrito. Em primeiro lugar, há necessidade de esclarecer que a divisão pode ser realizada apenas com números e com letras e números. Quando as divisões de um trabalho são poucas, podem-se diferenciar os títulos e itens com simples destaques, sem qualquer tipo de numeração. A) Divisão com números: é a mais utilizada atualmente, principalmente em trabalhos longos. Deve-se seguir a estrutura: 1. Primeira divisão principal 1.1. Informação relacionada à primeira divisão 1.1.1. item relacionado a 1.1. 1.1.1.1. item relacionado a 1.1.1. 1.1.1.2. item relacionado a 1.1.1. 1.1.2. item relacionado a 1.1. 1.1.2.1. item relacionado a 1.1.2. 1.1.2.2. item relacionado a 1.1.2. 1.2 1.2.1. 2. Segunda divisão principal 2.1. 2.1.1. 2.1.1.1 B) Divisão com letras e números: A. Primeira divisão principal 1. Informação relacionada à primeira divisão a. item relacionado a 1 (1) item relacionado a a. (a) item relacionado a (1) B. Segunda divisão principal 1. a. (1) (a) O Magistrado 45 E M Q U E S T Ã O A Remessa ex officio e a Súmula no 45 do STJ – parte 1 Por: André Luiz C. Ortegal, Analista Judiciário do TJDFT. ([email protected]) seja, a vedação à reformatio in pejus. A doutrina, por outro lado, afigurava-se tranqüila, lecionando, porém, em sentido diametralmente oposto: não seria recurso. Alimentado por essas informações, conduzi breve pesquisa com o objetivo de melhor conhecer o instituto. Assim, nessa primeira parte, serão apresentados sua evolução histórica; após, sua ratio e sua natureza jurídica; em seguida, o Princípio da ne reformatio in pejus e, finalmente, os argumentos do e. STJ, que deram gênese à Súmula n o 45. Na segunda parte, concluirei, fazendo o pertinente cotejo dos fundamentos expostos. Suscitou-me a curiosidade uma interessante dissonância entre vozes doutrinárias e jurisprudenciais. Tratava-se da remessa ex officio. Mais precisamente, de sua natureza jurídica. Seria possível classificá-la como recurso, advindo daí todas as conseqüências jurídicas concernentes? A jurisprudência do e. STJ parecia dizer sim, uma vez que o enunciado da Súmula n o 45 lhe dispensa um tratamento recursal, qual HISTÓRICO DA REMESSA EX OFFICIO É Nery quem noticia a história da remessa ex officio. Relata que no sistema medieval, vigente o processo inquisitório, no magistrado concentravam-se amplos poderes. À vista deste quadro, o direito lusitano, com o intuito de equalizar tais prerrogativas, quase onipotentes, criou a então denominada apelação ex officio. A digressão histórica assinalada por Nery prossegue lembrando que “no direito brasileiro, a primeira notícia que se tem da ‘apelação ex officio’ parece haver surgido com a Lei de 04.10.1831, art. 90, que determinava ao juiz a remessa necessária ao tribunal superior de sua sentença proferida contra a Fazenda Nacional”[1]. Mais tarde, o CPC/1939 também consagrou o instituto (art. 822). Foi igualmente contemplado pelo atual codex (art. 475). Recentemente, a Lei no 10.352/01 alterou o conteúdo do CPC, art. 475, preservando, todavia, a hipótese de revisão para as decisões contra o Estado. Destarte, depreende-se que a remessa necessária é medida tradicional em nosso ordenamento. Nery, contudo, ressalva que a ela não há correspondente no direito comparado[2], no que é seguido por Dinamarco, segundo quem trata-se de uma estranhíssima peculiaridade do direito brasileiro.[3] Divulgação RATIO DO INSTITUTO 46 O Magistrado Registrei que a razão para o surgimento da remessa residiu na necessidade de se desenvolver um mecanis- E M Q U E S T Ã O Divulgação mo de freio aos incomensuráveis poderes do juiz inquisitorial. Luiz Wambier também aponta, como seu fundamento, a preocupação com o abuso do poder pelos magistrados [4]. Pontes de Miranda, por sua vez, acrescenta um outro. Segundo o tratadista “a existência do duplo grau de jurisdição derivou de se entender que se precisa evitar, por motivo objetivo (art. 475, I) ou subjetivo (art. 475, II e III), que só um juiz o corpo julgador profira a sentença”. “Pareceu perigoso ao legislador”, continua o comentarista, “que tais ações pudessem ter sentença transita em julgado se só um juiz foi o prolator”.[5] Repare-se que a preocupação do legislador já não seria com eventual despotismo judicial. Já não se pretenderia domesticar circunstancial tirania do juiz. A lei aqui parecia ter em mente a parêmia segundo a qual duas cabeças pensam melhor do que uma. Desta feita, era a causa deduzida em juízo que demandava uma atenção especial em função de sua importância. E a causas importantes seria conveniente uma revisão, ainda que não provocada pelas partes interessadas. Theodoro Júnior assinala um outro fundamento. A remessa operaria “como um remédio processual de tutela dos interesses de uma das partes, como é o caso da Fazenda Pública (...)”[6]. Assim, figurando o Poder Público – nos termos do CPC, art. 475 – como parte na querela, a remessa necessária não exatamente levaria a causa in judicium deducta ao conhecimento superior por temer circunstancial despotismo do magistrado. Nem, essencialmente, por considerarem-se relevantes os litígios nos quais se envolve o Estado. A razão para a remessa ex officio residiria, principalmente, em desenvolver-se mecanismo para resguardar o interesse estatal. Condenado o Estado, a decisão haveria de ser revista. Gilberto Porto parece anuir a essas duas últimas opiniões. Para o comentarista, a remessa se justificaria “em face da natureza do direito posto à apreciação ou da qualidade das partes envolvidas”.[7] NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 5a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 58. [2] idem, p. 57. [3] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 5a ed. São Paulo: Malheiros Editora, 2003, p. 126. [4] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 639. [5] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao CPC, tomo V. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 163. [6] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. 1. 29a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 541. [7] PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao CPC, v. VI. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 236. [1] O Magistrado 47 E V E N T O S Divulgação BGP em festa Batalhão da Guarda Presidencial comemorou 181 anos com festa e celebridades Por Jonathan Pinato Na noite do último dia 20 julho, o Batalhão da Guarda Presidencial BGP, comemorou seu 181.º aniversário e realizou uma formatura presidida pelo Exmo Sr Gen Ex Francisco Roberto de Albuquerque, Comandante do Exército. A solenidade aconteceu na própria sede do batalhão. Estiveram presentes, os Desembargadores Valter Xavier e José Jerônimo Bezerra de Souza, presidente do Instituto dos Magistrado do DF e presidente do TJDF e Territórios, respectivamente. Além de vários Oficiais-generais, como: 48 O Magistrado o General Rui Alves Catão, Comandante Militar do Planalto, o Tenente Coronel Tomás Miguel Mine Ribeiro, atual Comandante do BGP. Também estavam presentes diversos ex-comandantes do batalhão aniversariante. Também presentes familiares do Gen Adhemar (Comandante do BGP de 23/5/67 a 8/4/69) para acompanhar o descerramento de uma placa alusiva a nova denominação do Pátio dos Granadeiros, que passou a se chamar Pátio Gen Adhemar da Costa Machado. Como já é de praxe em todos os anos, vários integrantes do Batalhão da Saudade, entidade que congrega os militares que serviram no BGP, principalmente nos anos 60, participaram das festividades. Durante a formatura, 400 militares do BGP realizaram uma demonstração de ordem unida sem comando, na qual foram evidenciados o garbo militar, a marcialidade, o sincronismo, a destreza e a ousadia, características do Granadeiro da Guarda Presidencial. Em 1823, com a finalidade de consolidar a independência do Brasil e apaziguar os revoltosos, em meio as campanhas de pacificação, D. Pedro I criou o Batalhão do Imperador, que era composto por militares de elevado conceito e valor na época. Após a queda de D. Pedro I do poder o então Batalhão do Imperador foi extinto, vin- E V E N T O S Divulgação do renascer somente em 1933, no Rio de Janeiro, que era a capital federal na época, com o nome de Batalhão de Guardas.Com a transferência da capital federal para Brasília, a unidade de elite também veio, mudando novamente seu nome, que o carrega até hoje, Batalhão da Guarda Presidencial. De acordo com o oficial de comunicação social do BGP, Capitão Berton, as principais missões do batalhão são de guardar as instalações mais importantes no Governo Federal e do Comandante do Exército, na capital da República. Participar do cerimonial militar da Presidência da República e prestar as honras militares às autoridades nacionais e estrangeiras na capital. Além de participar de operações de garantia de lei e da ordem conduzidas pelo Comando Militar do Planalto. BATALHÃO DA SAUDADE Divulgação Em um primeiro contato, no mês de dezembro de 1989, na oficina mecânica do reservista Élio Machado da Silva, na Cidade de Franca, São Paulo, conversavam três reservistas do BGP: Amilton Borges (65), Élio Ma- chado da Silva (65) e João Guilherme Rosa Flávio de Castro (65). Élio Machado comentou que gostaria de reunir os reservistas do BGP que serviram em 1965. Resolveram procurar os reservistas de 1965 e marcaram a reunião para o início de janeiro de 1990. Foi alugado o salão de festas da Cabana São Benedito. A reunião deu-se em 05 de Janeiro de 1990 e marcou o nascimento da idéia de criar um Batalhão da Saudade. Um grande grupo de paulistas, ex-integrantes do Batalhão da Guarda Presidencial, se reuniu na cidade de Franca, SP, para relembrar os tempos em que prestaram o serviço militar. Nessa reunião fomentou-se a idéia de criar uma Associação dos Reservistas do Batalhão da Guarda Presidencial. No ano de 1995, foi realizada em São Carlos, SP, uma reunião que contou com a participação de 104 reservistas do interior do estado, de militares da reserva e da ativa, contemporâneos no BGP. A reunião de São Carlos contou com a presença do comandante do Batalhão da Guarda Presidencial e marcou a criação da Associação dos Reservistas e do Batalhão da Saudade, com a finalidade de fortalecer os laços de amizade, cultuar o civismo e estreitar o relacionamento de reservistas com o BGP e com o Exército Brasileiro. Estava criado o Batalhão da Saudade, composto principalmente, por reservistas das cidades de São José do Rio Preto, Franca, São Carlos, Araraquara, Ribeirão Preto, Sertãozinho e São Paulo. Por ocasião da comemoração do aniversário do Batalhão, granadeiros da reserva juntam-se aos granadeiros da ativa participando das comemorações. O Magistrado 49 P O L Ê M I C A Polícia independente, sociedade segura A sistemática jurídica adotada pela Carta Magna de 1988 trouxe em seu bojo um novo trato à questão da atividade policial, preservando, ressalvada a competência da União, o exercício das funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais, exceto as militares, com as policiais civis (art.144, 4º). Funções de Polícia Judiciária e apuração das infrações penais, eis os fins a que servem, com fulcro na ordem constitucional, as polícias civis. Passados quinze anos da promulgação da CF/88 cumpre fazer reflexões sobre se as atribuições das policias civis estão sendo cumpridas. Toma-se como ponto de partida, para uma resposta inicial, o aumento da criminalidade (as estatísticas revelam um quadro temeroso) e a dificuldade na apuração de infrações, como considerações autorizadoras no sentido de que é impositiva uma resposta negativa. Tendo em conta o adágio de que quem cobra os fins não pode negar os meios, é relevante, para continuidade das reflexões supracitadas, questionar: será que os meios necessários para o cumprimento das finalidades das polícias civis estão sendo fornecidos? Quais as dificuldades encontradas para o exercício a contento das atividades de polícia judiciária e apuração das infrações penais? 50 O Magistrado Considerações de ordem interna e externa, ao âmbito da polícia judiciária, devem ser feitas com o fito de se responder as indagações acima. A indefinição, no plano operacional, dos limites das atribuições de quem deve investigar e apurar as infrações é óbice que deve ser superado. É sabido que atos investigatórios são atualmente praticados por instituições que, com a devida vênia e ressalvada a boa-fé no sentido de contribuir para apurar infrações, no plano do direito positivo constitucional, não têm competência para tanto, Vide ORDs (ordem de requisição de diligências), “Será que os meios necessários para o cumprimento das finalidades das polícias civis estão sendo fornecidos? Quais as dificuldades encontradas para o exercício a contento das atividades de polícia judiciária e apuração das infrações penais?” PIPs (procedimentos de investigação preliminar) e outros atos investigatórios. O Poder Judiciário, detentor da capacidade decisória plena, por meio do seu órgão de cúpula, haverá de, em manifestação iminente, apreciar a questão da atribuição da função investigativa, que, com a devida vênia, deve ser no sentido de ser conferida exclusivamente às Polícias Civis. Cumpre deixar registrado que num sistema acusatório e em que impera o princípio da igualdade processual não se pode conferir poderes inquisitórios, típicos do inquérito policial e necessários como instrumento de autodefesa do Estado, a uma parte sem que se confira a outra. Não pode uma parte, com o argumento de que atua como custos legis, ter poderes investigatórios e com caráter inquisitório sem que referidos poderes não sejam conferidos à outra parte (advogado). Superada a questão da delimitação das atribuições, por meio de manifestação do Poder Judiciário, a reflexão deve ser dirigida no sentido da seguinte indagação: cabendo o exercício da atividade investigativa às Polícias Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, será que os meios para o exercício eficiente das funções de investigar estão sendo fornecidos? Com a Constituição Federal de 1988 e legislação que se segue houve alteração no trato de alguns institutos jurídicos, v.g., busca e apreensão, P Dr. Mauro Cezar Lima, Delegado-Chefe da Delegacia de Crimes contra Ordem Tributária – DOT - PCDF interceptação telefônica, infiltração, destruição de substâncias entorpecentes, verificando-se que, em relação à apuração de determinadas infrações, o novo tratamento importou em dificuldades na repressão ao crime. Assim, que o trâmite burocrático imposto pelo novo trato jurídico relacionado, v.g., à busca e apreensão, à interceptação telefônica, à infiltração comprometem a característica de imediatidade da ação policial produtora de resultados valorosos no campo da apuração de inú- meras infrações penais, exempli gratia, tráfico de drogas, que com ação mais imediata pode permitir a localização de drogas, muitas vezes deslocadas de locais com o fito de tornar infrutíferos mandados de busca tardiamente obtidos. Raciocínio similar aplica-se à questão de armas que, após à prática de crimes, circulam com celeridade nas mãos de meliantes, dificultando investigações policiais. Em relação à interceptação telefônica, a facilidade na troca de números tem constituído óbi- O L Ê M I C A ce na apuração de crimes, posto que, quando da obtenção de autorização judicial, por vezes, já houve alteração do prefixo em relação ao qual foi deferida a autorização judicial. Não se trata de pretender fugir ao controle judicial em relação aos institutos acima, mas inverter o momento de apreciação da legalidade do ato, nos moldes de institutos como o habeas corpus, mandado de segurança e até a prisão em flagrante que deve ser comunicada ao juiz imediatamente. Não se trata de pretender galgar autonomia alimentadora de vaidades, mas pleitear meios que torne a ação investigatória mais célere e por via de conseqüência mais eficiente, produzindo no seio da sociedade um espírito de tranqüilidade cuja ausência tem incomodado o grupo social. O novo regramento dos institutos acima referidos pode ter diminuído, não se pode precisar, a corrupção, as arbitrariedades, as torturas, os abusos da polícia que, como fundamento político, conduziram às mudanças ocorridas. No entanto trouxeram como resultado um aumento na criminalidade, uma morosidade nas investigações, a ausência de receio em assassinar autoridades (juízes, promotores, policiais, políticos, empresários), a sensação de insegurança, a figura do policial intimidado, enfim, uma sensação de insegurança generalidade que não mais se limita às regiões mais carentes. Referido quadro pode conduzir à seguinte indagação, usando o dito popular: “então estamos em um mato sem cachorro”? A realidade não nos autoriza a imaginarmos uma sociedade sem fatos criminosos, mas podemos ter uma sociedade onde os sacrifícios sejam menores? Poderemos ter uma sociedade sujeitas às arbitrariedades de policiais criminosos, mas mais fáceis de serem alcançados, ou uma sociedade em que O Magistrado 51 P O L Ê M I C A impera as arbitrariedades de traficantes, homicidas, ladrões gananciosos, que sem limites e “debochando” das autoridades constituídas pretendem estender seus domínios ao “asfalto”, pois que no morro, com sacrifício de gerações “já está tudo dominado”. Passou da hora de tornar a polícia independente, forte e livre de ingerências políticas que a cunharam merecedora de nova direção a outros entes. A questão não é de conferir a condução da polícia judiciária a outros agentes públicos, até porque não se tem a garantia de que o titular de outro cargo não estará sujeito ao cometimento de erros, arbitrariedades, abusos. É de se não mais permitir, orientação seguida pela Constituição pátria ao conferir a direção da Polícia Judiciária a Delegados de Polícia de carreira, que pessoas desqualificadas e sob o influxo de ingerências políticas e correntes ideológicas (“calças curtas”, não concursados) exerçam a direção de instituição, cuja secularidade, revela a importância para sociedade. Cabe aos delegados de polícia, não fugir ao debate, posto que possuidores de uma tarefa árdua e que, apesar de render holofotes, é carregada de uma carga de cobrança e responsabilidade oriunda do dever de apurar e resolver um grande número de infrações, incluindo as que não rendem “luzes”, que levam a sociedade, atônita com o evoluir e atrevimento da criminalidade, a exprimir o desejo de ter uma polícia mais eficiente e que “faça alguma coisa”. É hora do Delegado de Polícia, em razão da função que lhe foi conferida constitucionalmente, revelar ao Judiciário, ao Legislador, à sociedade limitações que dificultam a ação policial e que impõem mudanças. Polícia sob controle, mas eficiente e útil, é o que deve buscar incessantemente o Delegado de Polícia. 52 O Magistrado P O L Ê M I C A Transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová Considerações jusnaturalistas sobre esse inquietante tema Por Danilo Porfírio de Castro Vieira, professor da Unip e do Uniceub, e mestre em Teoria Geral do Direito pela Unesp INTRODUÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO Um dos problemas mais polêmicos no mundo jurídico e na bioética, atualmente, está na possibilidade, ou não, do uso do recurso da transfusão de sangue em pacientes em estado grave, que sejam Testemunhas de Jeová. O médico, neste caso, fica em uma situação constrangedora, em uma verdadeira encruzilhada, onde não sabe se aplica o recurso e salva a vida do paciente, ou respeita o credo deste e corre risco de responder por negligência. Neste momento, constatamos dois tipos de confrontos no mundo éticojurídico: a) quanto à liberdade em si, há o embate entre a autonomia do médico com a autonomia do paciente; b) quanto às espécies e hierarquia dos princípios de direito, testemunhamos o conflito entre o princípio do direito à vida com o da liberdade. Tornou-se pacífico no meio médico, diante da gravidade do problema, outorgar a resolução destes conflitos ao Poder Judiciário. Porém, os constrangimentos na resolução neste tipo de querela ainda existem. Mesmo com a transferência deste paradoxo, da autoridade médica para a autoridade jurisdicional, as perguntas sobre este tema se perpetuam: a) A autoridade do médico está acima da autodeterminação do paciente? b) O princípio da liberdade é equivalente ou superior ao princípio do direito à vida? BREVE APANHADO E CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ O movimento religioso “Testemunhas de Jeová”, oficialmente, teve sua origem em 1879, tendo como fundador o norte-americano Charles Taze Russel. Filho de presbiterianos de linhagem escocês-irlandesa, Russel foi da Igreja Congregacional e por fim adventista, considerando os principais líderes do adventismo como seus mestres em assuntos religiosos. Antes do registro, em 1879, o movimento era chamado de “Aurora do Milênio”, depois “Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia” e, posteriormente a oficialização, passou a ser a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Após a morte de Russel, a liderança do movimento foi assumida por seu discípulo, Rutherford. O grupo, devido a modificações doutrinárias de Rutherford, foi dividido em várias facções. Em 1931, Rutherford e a sua facção “russelista”, numa convenção realizada em Columbus, nos EUA, disseram ter uma revelação que O Magistrado 53 P O L Ê M I C A lhes ordenava adotarem o nome de Testemunhas de Jeová. Esta religião tem costumes peculiares e interpretações próprias dos textos bíblicos. Entre as suas crenças está total condenação do recebimento de sangue de outra pessoa (transfusão de sangue). As testemunhas de Jeová fundamentam suas idéias na interpretação de diversos trechos bíblicos como: “tudo o que se rasteja e que vive vos servirá de alimento, bem como a erva que amadurece; eu vos dou tudo. Todavia não comereis carne com vida, isto é, o seu sangue”(Gn 9:3,4); “Se um homem da casa de Israel ou dos migrantes que aí moram consumir sangue, voltar-me-ei contra o que tiver consumido o sangue, para cortá-lo do meio do seu povo”(Lv 17: 10); “o povo completamente exausto, se atirou sobre os despojos. Lançou mão das ovelhas, bois e bezerros, os degolou no chão e comeu em cima do sangue. Contaram a Saul: ´o povo, disseram, está pecando contra o Senhor, ao comer em cima do sangue`(1Sm 14:32,33).Considerando fatos históricos e utilizando das interpretações histórica e teleológica da lei levítica (parte da Torá), parece existir alguns equívocos cognitivos, por parte das testemunhas de Jeová, na leitura destes textos. Primeiramente, o sangue tratado nos textos não é de origem humana, mas animal, pois o judaísmo, desde sua origem, condena o sacrifício humano, permitindo, em tempos passados, somente imolações de animais, em louvor a Deus e absolvição dos pecados, como demonstrado em Gn 22:10,13: “Abraão estendeu a mão para apanhar o cutelo e imolar o seu filho. Então o anjo do Senhor chamou do céu e exclamou: ´Abraão! Abraão!` Ele respondeu: ´Aqui estou`. Ele prosseguiu: ´Não estendas a mão contra o jovem. Não faças nada, pois agora sei que temes a Deus, tu que não poupaste teu filho, teu único filho, por mim`. Abraão ergueu os olhos, observou, e eis que um carneiro estava preso pelo chifre num denso espinheiro. Ele foi apanhá-lo para oferecê-lo em holocausto em lugar do seu filho”. Segundamente, os textos atrelam o termo consumir sangue a palavra ingestão e não a infusão de sangue. O sangue (onde estaria o sopro divino, a vida) e a gordura animal na religião judaica eram dados como oferenda a Deus e indulto 54 O Magistrado quanto as máculas cometidas pelas pessoas, como demonstrado em Lv 17:11 : “pois a vida da criatura está no sangue; eu vo-lo dei, sobre o altar, para absolvição da vossa vida. Com efeito, o sangue proporciona a absolvição por ser a vida”. Como é sabido, o cristianismo acabou por abolir os sacrifícios, pois o Messias seria o último e maior dos sacrifícios, em nome do perdão eterno. Entretanto, o próprio Jesus Nazareno, através da comunhão da última ceia, simula ritualisticamente a ingestão de seu próprio sangue imolado, através do vinho consagrado (Mt 26:26;29 ; Lc 20: 15, 20 ; Mc 14: 22, 25). Logo, teologicamente, a transfusão de sangue não é algo condenável, mas as crenças poucas vezes mudam em função da dialética. Além disto, a Constituição em seu art. 5º. inc. VI, ga- “Daí a surpresa! A vida torna-se uma obstrução à liberdade e vice-versa. Um absurdo!” rante a liberdade de credo (uma das manifestações do amplo princípio da liberdade) a todos os seus cidadãos. É a partir deste ponto é que começamos a discutir as questões intrínsecas ao tema da transfusão de sangue em testemunhas de Jeová. DO DIREITO POSITIVO E OS PRINCÍPIOS DE DIREITO Em nossa Constituição, especificamente no caput do art. 5º., está expresso: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” O que vemos no enunciado em epígrafe é a determinação de garantias básicas necessárias à dignidade das pessoas, ao pleno exercício da existência humana. Porém, a priori, estas garantias não estão organizadas em hierarquia, aparentando terem a mesma importância, uma em relação à outra. O professor Canotilho nos apresenta a idéia que estes princípios são harmônicos, complementares, tendo eficácia conjunta. Porém, se observarmos o inc. VI do mesmo art. 5º. da Constituição Federal, que expressa que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e liturgias, e a recusa freqüente dos adeptos das testemunhas de Jeová em receber sangue, mesmo em caso de risco de morte, impedindo que o médico exerça plenamente seu exercício, em busca da recuperação do paciente, constatamos que estes princípios não são harmônicos. Daí a surpresa! A vida torna-se uma obstrução à liberdade e vice-versa. Um absurdo! Diante do aparente conflito entre os direitos à vida e à liberdade, direitos expressos na Constituição, podemos apelar para a análise dos princípios gerais de justiça, que, para nossa concepção são princípios de direito natural. Devemos lembrar que tratar de justiça é tratar sobre dignidade humana. Mas o que seria substancialmente este princípio? Muitos jusfilósofos consideravam a existência de um único princípio de direito natural de justiça. Para Kant, Hegel e Rawls a essência da justiça estaria na liberdade, enquanto para Perelman, Del Vecchio o fundamento do que é justo firmaria-se na igualdade. Para pensadores como Grócio, Hobbes e até mesmo Maritain, Corts Grau e Recasens Siches, a justiça se resumiria no princípio da preservação da vida. De fato, o que nos parece razoável é que o princípio essencial da justiça seria a soma integrada, interdependente de todos os princípios de direito natural compondo um único princípio soberano denominado de dignidade. Diante de estudos feitos e devidamente expressos em meu livro Contratos e a P O L Ê M I C A Divulgação Gênese do Direito (ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004), os princípios constituintes da dignidade humana, seriam quatro, organizados em duas classes: a) os princípios quantitativos - fundamentos da justiça - são os de preservação da vida e o da igualdade; b) os princípios qualitativos - que potencializam a qualidade de vida - são os de liberdade e o de propriedade. Os princípios quantitativos seriam os primados basilares que determinariam a individualidade e dignidade das pessoas. Sem estes princípios, o indivíduo estaria sujeito a perder a sua condição humana, massificando-se, reificando-se, nadificando-se. Estes primados podem ser subdivididos em dois: a) princípio “fim”, ou seja a vida; b) princípio “meio”, a igualdade. O direito à vida não trata somente da subsistência do ser humano, da sua simples integridade física, da vida biológica, mas de sua existência. Para que o pleno desenvolvimento existencial do ente se perfaça, necessitamos de meios apropriados, que fazem parte do segundo tipo de princípios, os qualitativos. Porém, a aplicação destes princípios só é viável através da igualdade. A igualdade, princípio responsável pela manutenção da individualidade, equilibra as relações inter-individuais, quanto a aplicação dos primados qualitativos, considerando as diferenças e peculiaridades subjetivas (reconhecimento da desigualdade singular de cada pessoa), obrigando, assim, que este princípio seja aplicado proporcionalmente a cada pessoa. Portanto, para atingirmos o fim maior da vida digna sob um sistema social harmônico - bem comum -, é necessário estabelecer entre os indivíduos um parâmetro de igualdade. Diante deste meio imperativo e referencial, haverá a viabilidade de fomentar qualitativamente, de modo ordeiro, a dignidade das pessoas. Os princípios qualitativos, denominados de princípios de fomento ou princípios de exercício, são aqueles que substancializam a relação meio-fim dos princípios quantitativos. Os princípios qualitativos potencializam a capacidade existencial da pessoa, garantindo o amplo exercício da relação “vontade e ação” do ser humano. Não basta o indivíduo sobreviver, ou simplesmente estar presente no mundo existencial. Sua vocação natural está na plena expressão do seu animus (vontade, transcendência ontológica ou essência) no mundo dos fenômenos, por meio da ação (existência). Estes princípios se resumem em liberdade e propriedade. A liberdade consiste na soberania da vontade humana, dando ao homem o direito de determinação sobre suas ações.Este princípio reafirma, a individu- alidade da pessoa, e a diversidade coletiva. A liberdade é o contrapeso da massificação. Todavia, para que o princípio da liberdade seja efetivo em sua aplicação no mundo fático, necessitamos de meios materiais que a viabilizem, caso contrário a vontade nunca se concretizará em ação, restringindo-se a transcendentalidade. Daí emerge a faceta objetiva da liberdade, ou seja, a propriedade. A propriedade privada seria necessária para a liberdade. O trabalho, ação existencial de materialização da vontade, dependeria da propriedade. Ahrens considerava que o “ser para si”, característica essencial da pessoa humana, deduz-se o “ter para si”, ou seja a propriedade privada. Para Filemusi-Guelfi, a propriedade privada é o mesmo que a liberdade, sendo uma projeção externa necessária da mesma. Os primados de exercício garantem, portanto, qualitativamente, a vida digna, tendo suas aplicações efetivadas por meio do exercício soberano e proporcional do princípio da igualdade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A vida, a igualdade, a propriedade e a liberdade são princípios fundamentais na composição da dignidade da pessoa, porém devem ser encaradas distintamente, dentro de um grau hierárquico de importância, interagindo simbioticamente. A liberdade e a propriedade são princípios que qualificam a existência de uma pessoa e, consequentemente, estes primados somente se manifestam em função da vida em seu substrato biológico (vida biológica e a integridade física). A liberdade (inclusive a religiosa) jamais poderá atentar contra vida, pois, do contrário, perderia a sua função potencializadora existencial. Se a existência plena presume a liberdade, esta somente existirá se houver vida, quantitativamente. Só que o quantum humano deve atingir a plenitude, a vida qualitativa, que se manifestará pela liberdade. Em suma, a vida é o alfa e o ômega do direito, o princípio e o fim do homem e a liberdade tem o importante dever de servi-la e não atentar contra. O Magistrado 55 P O L Ê M I C A Brincadeira sem graça - parte 1 A arma ineficiente, descarregada ou simulacro como agravante do crime de roubo Por Carlos Antonio Velho Machado, Bacharel em Direito, Servidor do TJDFT. O Direito, em incessante progresso, depara-se freqüentemente com discussões teóricas e práticas acerca de temas aparentemente já debatidos à exaustão, mas passíveis de interpretações intranqüilizáveis, uma vez que se pautam, sobretudo, em matéria de cunho filosófico. Os formalistas e os pragmáticos digladiam-se incansavelmente na busca da verdade maior, ou única, recorrendo à hermenêutica jurídica e à axiologia para alcançar o espírito da lei. No direito penal brasileiro, bem como nas demais searas jurídicas do nosso ordenamento, não é pouco freqüente surgirem conflitos entre o interesse comum, a realidade social e os princípios maiores do nosso ordenamento legal. É diante deste cenário que interpretações legais são firmadas, sendo, contudo, importante que essas se mantenham sujeitas a novos questionamentos. Não se trata de negar a possibilidade de firmação única e, quiçá vinculante, de entendimento jurisprudencial, mas a pacificidade acerca de uma conclusão deve ater-se aos casos de mera dúvida técnica, e não filosófica. Pois bem, é diante deste debate, tão necessário ao direito, que certo tema, antes pacificado, foi trazido novamente à luz das discussões. O STJ, em 2002, derrubou uma de suas Súmulas [SÚMULA Nº 174 56 O Magistrado No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena. (DJ-I de 04.11.96, p.42.564) alterando o entendimento antes firmado quanto ao agravante especial da pena previsto no art. 157, § 2º, I, do Código Penal, relativo ao uso do simulacro de arma como qualificador do crime de roubo.Ora, perfeita e em tempo a discussão trazida. Decerto, não pode o Judiciário petrificar considerações e interpretações como se dogmas fossem. Não pode o homem engessar a Themis, tornando-a obsoleta à solução das questões sociais emergentes, fato inerente à natureza dinâmica do desenvolvimento social. O Código Penal de 1940 tipificou, no art. 157, como crime de roubo, a “subtração da coisa alheia móvel mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”, estabelecendo, como Não pode o homem engessar a Themis, tornando-a obsoleta à solução das questões sociais emergentes, fato inerente à natureza dinâmica do desenvolvimento social. uma de suas agravantes o emprego de arma no exercício da violência ou ameaça. Desde então, fatos novos, estranhos à realidade da época, foram surgindo na sociedade, tornando necessárias novas interpretações do artigo em tela. A acepção literal, neste caso, deixou de ser, por si só, suficiente para assegurar o respeito à natureza da tipificação deste crime. Se dantes era inimaginável a ocorrência de roubos com o auxílio de réplicas de armas, ou reais mas inoperantes, face à inexistência de simulacros capazes de ludibriar o homem médio, hoje, casos desta ordem caíram no terreno da ordinariedade, posto que as armas de fogo tornaram-se acessíveis e suas réplicas incrivelmente semelhantes. Com isto, uma nova questão tornou-se latejante ao interpretador da lei. Restava saber se o legislador, ao lançar esta agravante no ordenamento jurídico brasileiro, visava tutelar o bem estar psicológico da vítima do crime de roubo, ou almejava coibir de forma mais severa o crime realizado por meios que oferecessem potencial perigo à vida, o bem maior. Inicialmente, numa visão prematura, surgiu o entendimento de que a questão principal da agravante orbitava em torno da vítima, a qual, diante de simulacro de arma capaz de induzir ao erro, sofria trauma psicológico, ainda que momentâneo, prostrando-se à vontade do criminoso. Portanto, a interpretação exordial compreendia que o objeto principal a ser resguardado era o plano subjetivo da vítima, ao ser P induzida ao erro, tendo sua capacidade de escolha de reação diminuída frente à iminente ameaça, ainda que esta fosse existente apenas no imaginário do sucumbente. Respeitável tal percepção da questão, à época, considerando-se que se tratava de idéia inovadora acobertada por um sentimento generalizado de proteção às vítimas de crimes praticados mediante violência psíquica, a ameaça, uma vez que o problema surgia em proporções arrebatadoras e deveria ser radicalmente rejeitado e repreendido. Agravar o crime a fim de se aumentar a pena (considerada módica por alguns, acreditando ser a benevolência das leis brasileiras a causa dos males sociais, por não reprimir efetivamente a conduta do agente criminoso e tampouco ser suficiente para prevenir a ocorrência destes crimes) tornou-se uma via, em caráter experimental, confortável (vale lembrar que nesse sentido manifestou-se o então Ministro da Justiça, Sr. Nelson Jobim, fazendo a seguinte declaração ao Jornal O Globo: “a decisão só vem a somar no esforço geral do Estado para combater a violência” (O Globo, 24.10.1996). Seguindo o entendimento de Kelsen e baseada em preceitos platônicos, a Justiça desenvolveu a questão pautando-se na razoabilidade da idéia como valor. A concepção de que “a Justiça, ou o Bem – que, nesse sentido, significa a mesma coisa -, nada mais é do que pagar o bem com o bem, e portanto o mal com o mal...” (Hans Kelsen. A ilusão da Justiça. editora Martins Fontes, 2ª edição, pg. 415.), representa justamente o sentimento dessa interpretação tão severa que feriu valores mai- O L Ê M I C A ores, atacando princípios gerais do direito, tais como a vedação à analogia in malam partem. Se conceitos e valores precederem as causas e a essência dos motivos, de certo teremos pré-conceitos e estaremos legitimando um ordenamento tão antagônico que tornará inviável a razão jurídica. Essa nova concepção, no entanto, foi abraçada pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual pacificou a questão ao redigir a Súmula nº 174, o que refletiu imediatamente no entendimento de vários Tribunais do País. Esse experimento social, contudo, embora realizado de forma genuinamente interessada no fim social da lei e no anseio coletivo, não alcançou o resultado esperado, ou melhor, não logrou qualquer êxito, considerando-se que não houve nenhum sinal de diminuição, ou sequer contenção, da nova forma de execução da conduta criminosa, que se instalava nas estatísticas das cidades brasileiras. Tornou-se evidente, ao longo dessa experiência, que o resultado desejado ocorrera às avessas. O hermeneuta, ao lançar este entendimento à sociedade, não notou a inversão de valores a que ficara sujeito e assumiu o risco do insucesso. Se o objeto almejado era a interrupção do crime de roubo com o uso de arma, o criminoso assim não entendeu. Natural a pergunta: se o crime cometido com uso de arma de fogo verdadeira é penalizado agravadamente e igualmente o é aquele realizado com o auxílio de simulacro de arma, que traz menos garantias de sucesso ao contraventor, por que, então, não utilizar sempre arma de verdade? Esta conclusão lógica demonstrou não haver diferença, quando da fixação da pena, entre o crime cometido com verdadeiro e potencial risco à vida da vítima e o crime ocorrido sem qualquer vontade, expectativa e possibilidade de ameaça à incolumidade física, atingindo tão-somente, e, ainda, em tese, a psicológica. O Magistrado 57 ESPAÇO UNIVERSITÁRIO A Reforma do Poder Judiciário - Parte 1 Perspectiva da necessidade de mudança paradigmática na mentalidade jurídica como forma de superar a hodierna “crise do direito” INTRODUÇÃO O cerne deste trabalho é a Reforma do Judiciário numa perspectiva sociológica. Para tal, foi necessária grande dedicação acoplada ao interesse que o tema propicia. O trabalho foi gratificante, demandando bastante tempo para a execução dos diversos procedimentos adotados, como: leitura incessante de cunho sociológico e jurídico remetendo ao objeto de pesquisa; estudo dos precursores da Sociologia Jurídica; análise de inúmeros artigos de revistas e de jornais sobre o tema; coleta de di- “Muitos devem indagar-se: essas normas sociais constituem direito, ou seja, são jurídicas?” 58 O Magistrado versas entrevistas de renomados juristas e sociólogos veiculadas nos meios de comunicação; participação em palestras (as palestras referem-se à Semana Jurídica Integrada, realizada no Centro Comunitário da UnB, nos dias 24 a 27 de maio de 2004. De um direito de “reformas” à Reforma do Judiciário: Reflexões e debates no contexto da reforma do judiciário); e ainda, leituras multidisciplinares, incluindo nestas, textos de antropologia jurídica, história do direito, entre outros. Consoante Boaventura, “nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional; só a configuração de todas elas é racional e é, pois, necessário dialogar com outras formas de conhecimento, deixando-se penetrar por elas” (SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as Ciências. 1987). Assim, seguindo a concepção desse grande mestre, este trabalho foi baseado em um estudo aberto às diversas formas de conhecer. Logo, mediante um vasto referencial teórico, principalmente na área de conhecimento da Sociologia Jurídica, faz-se, em toda a pesquisa, uma relação bastante per- tinente entre o direito e a sociedade, enfatizando, primordialmente, a função social do Poder Judiciário. Assim, ao mapear os descompassos do Judiciário em relação à vida social, percebe-se a necessidade de mudança e de transformação no sistema. Nesse momento, se insere a Reforma do Judiciário (PEC 29/ 00), mas será que essa será suficiente para provocar uma aproximação entre esse Poder e a sociedade? A crise do direito será superada? O que é necessário para transformar essa situação de crise? A partir das modificações propostas pela Reforma constitucional, estará o Direito preparado para resolver os conflitos resultantes da nova realidade social? O que pode ser feito para que a atuação dos operadores de direito possa ser útil a um projeto de transformação social, endereçado às minorias marginalizadas? Como fazer do Direito um instrumento de transformação social? Essas são as indagações que norteiam todo o trabalho e a pesquisa, em busca de uma solução para a atual conjuntura do Poder Judiciário em face de suas responsabilidades sociais. ESPAÇO UNIVERSITÁRIO Por FABIANA PERILLO DE FARIAS, aluna de Direito da UnB, vencedora do Primeiro Concurso de Artigos dos Estudantes de Direito da UnB (I CAEDUnB). O Magistrado em revista fez parte da banca que julgou os artigos, e publica, em capítulos, o texto vencedor (devido a limitação do espaço, não publicaremos a bibliografia). CAPÍTULO 1 Concepção sociológica: “direito vivo”- A necessidade de reconhecimento do pluralismo jurídico - Há diversas maneiras de encarar o fenômeno jurídico. As disciplinas Sociologia Jurídica, Filosofia do Direto e Ciência do Direito enfocam de forma distinta o fenômeno. Sociologicamente, o direito é fato social, sendo que este condiciona suas manifestações e proporciona sua adequada compreensão. Essa concepção não restringe o direito a um conjunto sistemático de normas de conduta, uma vez que considera o direito uma realidade que ocorre na sociedade, incluindo nele, além da normatividade estatal, a formação espontânea de normas que se impõem na sociedade. Uma outra forma de encarar o direito faz-se presente na Filosofia do Direito, que estuda a natureza e a significação essencial do fenômeno jurídico, preocupando-se com as suas causas, princípios fundamentais e com o seu conteúdo ético, consistindo, portanto, um enfoque imbuído de juízos de valor. Diferentemente, o direito pode ser visto O Magistrado 59 ESPAÇO UNIVERSITÁRIO como um conjunto sistemático de normas de conduta. Essa concepção é abordada pela Ciência dogmáticanormativista do Direito, ainda prevalecente como estudo nas faculdades, sendo um conhecimento dedutivo, fechado e lógico-formal. Enquanto o conhecimento sociojurídico é indutivo, positivo e aberto, ou seja, é um conhecimento disposto a adequar o direito a novas realidades sociais. Assim, enquanto a concepção dogmática é essencialmente monista, percebendo o direito como um todo homogêneo, “um bloco sem ruptura”, a sociojurídica acredita na possibilidade do pluralismo jurídico. Muito importante para o desenvolvimento dessa hipótese foi um grande professor de Sociologia em Sorbonne, Georges Gurvitch. Ele acredita que o monismo implantouse no pensamento jurídico no período da monarquia absoluta e do Estado jacobino. Além disso, diz existir, nas sociedades industriais, inúmeros centros autônomos geradores de direito, os quais se rivalizam com o foco propriamente estatal. Esses centros, geradores de um direito especial de grupos particulares, estão presentes em toda a sociedade, como por exemplo: a Igreja, os sindicatos, as associações, entre outros. Esses criam direitos para regularem as relações daqueles que se submetem a participar de tal grupo, sendo que esses direitos são infra-estatais. Muitos devem indagar-se: essas normas sociais constituem direito, ou seja, são jurídicas? A resposta depende do conceito adotado para a palavra “direito”, o qual é bastante polêmico, não existindo uma definição singular e absoluta. Caso adote o conceito de direito relacionando a 60 O Magistrado ESPAÇO UNIVERSITÁRIO sua produção com a figura de um ente soberano, o Estado, não se consideram essas normas como jurídicas, uma vez que são regidas por grupos particulares da sociedade. Porém, deve-se adotar uma outra concepção de “direito”, pois nas sociedades pretéritas em que não existia a figura do Estado já existia o fenômeno jurídico. Assim, o Estado é posterior à existência do direito, o que permite concluir que o direito não advém exclusivamente do Estado. Segundo o grande mestre Roberto Lyra Filho: “O Direito, em resumo, se apresenta como positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda” (LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Brasiliense, 1982. (Coleção Primeiros Passos). Assim, ele considera que o direito possui a finalidade de regular com justiça e equidade as relações humanas, possibilitando, portanto, a coexistência do direito estatal com outros núcleos irradiadores de direito emergentes da própria sociedade. Além da coexistência do direito estatal com o infra-estatal, há também a existência dos direitos supra-estatais dentro de uma mesma sociedade. Os direitos supraestatais correspondem às regras criadas pelas organizações internacionais (como por exemplo, a ONU) e que são aplicadas em diversos territórios nacionais, sendo que essas regras são agrupadas no que muitos chamam de direito internacional público. Assim, conclui-se que não há só o direito estatal, como afirma a maior parte dos dogmáticos. O direito estatal concorre com ordens jurídicas que independem dele próprio. “Sociologia Jurídica, indo mais além, demonstra que não existe um pluralismo jurídico mas um conjunto de fenômenos de pluralismo jurídico, fenômenos múltiplos” A Sociologia Jurídica, indo mais além, demonstra que não existe um pluralismo jurídico mas um conjunto de fenômenos de pluralismo jurídico, fenômenos múltiplos. Isso pode ser demonstrado a partir da análise de que o pluralismo não está apenas na coexistência, atualmente, entre direitos não estatais e estatais. Esse fenômeno do pluralismo jurídico, por razões históricas, encontra-se, normalmente, até mesmo na formação do sistema jurídico de um país. Nessa formação, reúnem-se elementos provenientes de diversas fontes, o que resulta no fenômeno abordado. Por exemplo, o sistema jurídico alemão foi formado pela união do sistema de costumes germânicos com o sistema de direito romano. Porém, o pluralismo jurídico, além de fenômeno coletivo, também pode manifestar-se como fenômeno individual. Neste caso, ocorre uma colisão de duas ordens jurídicas na consciência do indivíduo, sendo chamada de objeção de consci- ência. Normalmente esse conflito de foro íntimo dá-se entre o direito positivo, que é o atual, e o direito antigo. Assim, a lei que o legislador suprimiu, ou seja, a lei antiga, continua a existir na consciência do indivíduo, provocando esse conflito entre o novo e o velho direito. Um brilhante exemplo da objeção individual foi quando a Revolução Francesa aboliu os rendimentos feudais e os devedores desses continuaram a pagá-los voluntariamente. Isso aconteceu porque a revogação jurídica não correspondeu com a sociológica, já que o indivíduo já havia interiorizado um valor jurídico. O DIREITO E A HIPÓTESE EVOLUCIONISTA O grande Eugen Ehrlich, em seu texto “O Estudo do Direito Vivo”, faz uma observação direta da vida social, não separando o direito da sociedade. Além disso, ele apresenta os problemas decorrentes do conhecimento jurídico dominante, que é baseado apenas nos códigos, leis e jurisprudências. Um desses é que, muitas vezes, o direito positivo não representa o que realmente ocorre na vida social, sendo necessária a existência de uma ciência e de uma teoria do direito que cumpram a tarefa de apresentar o que realmente acontece na sociedade e não, apenas, o que a lei prescreve. Assim, reduzse bastante a importância do Estado quanto ao direito. Para ele “somente uma parte ínfima” do ordenamento jurídico da sociedade pode ser atingida pela legislação estatal. Essa concepção de “direito vivo”, de Ehrlich, está em consonância com a hipótese evolucionista, a qual tem como exO Magistrado 61 ESPAÇO UNIVERSITÁRIO plicação o fundamento organicista. Conforme este, a sociedade é análoga a um organismo vivo. Assim, como todo organismo vivo transforma-se ao passar pelas fases da vida (infância, adolescência, maturidade e velhice), a sociedade, da mesma forma, possui sempre um crescimento e uma decadência, sendo essa transformação inerente a ela. Por conseguinte, como o direito é um elemento constituinte da sociedade, ele participa da vida de todo o organismo, sofrendo com ele todas as alterações. Da mesma forma, Eugen Ehrlich deixa bastante evidente o seu posicionamento favorável quanto à característica mutável do direito, sendo ele “vivo” na sociedade. Assim, demonstra que o direito não pode ser reduzido a lei, sendo que ele corresponde ao que está presente na vida, na conduta, nos costumes e nos usos de todos os grupos. Essa concepção de direito, que vai além do que está nas proposições jurídicas, é o que ele chama de direito vivo. É fundamental considerar o direito maior do que as suas fontes formais. No século XIX, a Escola da Exegese considerava a lei igual ao direito, ou seja, só corresponderia a direito aquilo que fosse lei. Mais tarde, no século XX, na concepção dogmática, direito igualou-se não só a lei, mas também aos costumes, às jurisprudências e às práticas extrajudiciárias, sendo as últimas correspondentes, por exemplo, aos formulários dos tabeliães e aos contratos de grandes empresas. Essa equação clássica só considera os julgamentos quando deduzidos da lei ou de uma regra de direito preexistente, ou ainda, quando eles se tornaram novas regras de direito, consolidando-se em jurispru62 O Magistrado dência. Exatamente por isso, apesar de uma ampliação das fontes formais em relação à concepção do século XIX, esse aumento não foi suficiente. Isso porque há julgamentos que não correspondem a simples e pura aplicação de regras preexistentes e que jamais consolidar-se-ão em ju- risprudência, sendo esses os chamados julgamentos de eqüidade, os quais não foram considerados pela equação clássica. Sociologicamente, os julgamentos de equidade fazem parte do direito, apesar de não serem regras jurídicas. Logo, há uma parte do direito que não está contida nos ESPAÇO UNIVERSITÁRIO dispositivos abstratos, mas que se constitui de decisões individuais, de julgamentos espontâneos. Esse raciocínio, nitidamente sociológico, traz implícita a concepção de direito como fato social. O notável germânico Eugen Ehrlich afirma que a ciência dominante do direito tem como objeto de seu estudo a proposição jurídica, como se todo o direito se situasse nelas. Assim, os estudiosos do presente, erroneamente, acreditam que sua tarefa de conhecimento do direito consiste só no estudo das leis, doutrinas e jurispudências. Porém o direito é aquilo que domina a vida e não apenas o que é aplicado nos tribunais ou que está presente nos códigos. Como o próprio Ehrlich diz: “Querer encerrar todo o direito de um tempo e de um povo nos parágrafos de um código é tão razoável quanto querer prender uma correnteza numa lagoa.” Assim, os códigos são superados a cada dia, pois a sociedade está em constante transformação, e por conseguinte, o direito também está em mutação, por ser ele vivo. Dessa forma, infere-se que o direito está na sociedade e não nos códigos, leis, doutrinas ou jurisprudências. “É fundamental considerar o direito maior do que as suas fontes formais” A concepção sociojurídica de direito no âmbito da Reforma do Judiciário - Como já foi visto, a Sociologia Jurídica busca o direito na sociedade. Essa concepção é de enorme importância para que não exista uma distorção entre a realidade e o direito positivo, o que tem reflexo na aplicação do direito pelos juízes e pelos tribunais. Infelizmente, a maioria dos juristas limita-se ao conhecimento da lei, do código, do sistema jurídico, separando todo esse conhecimento da vida prática. Logo, faz-se necessário mudar essa concepção dominante, de forma a reconhecer que a aplicação do direito demanda, além de conhecimento e domínio analítico-descritivo do sistema jurídico, capacidade de relacionar o ordenamento estatal com a sociedade, de forma a não resultar efeitos indesejáveis e inaceitáveis. A cultura técnica própria da magistratura do Estado Liberal revela-se em descompasso com a realidade social. Daí a necessidade de reforma do Judiciário, a qual deve estar comprometida com o fim que busca o direito: a justiça. A Reforma, portanto, deve ter como cerne a modificação do pensamento jurídico dominante, ou seja, a derrubada das velhas concepções do Direito como algo dado, e por sinal, a favor de uma classe dominante. O Direito deve ser visto como algo construído pelo homem, pelas classes populares, pela luta. Logo, deve prevalecer entre os juristas a concepção crítica de que o Direito é uma atividade especulativa, reflexiva, não-dogmática e multidisciplinar, sendo impossível distanciar a aplicação do direito da dimensão política. A sociedade está em constante transformação e por isso o Ju- “Sociologicamente, os julgamentos de equidade fazem parte do direito, apesar de não serem regras jurídicas.” diciário tem de entrar em um processo de transformação, modificando seus paradigmas, a fim de adequarse às novas demandas sociais. O papel do juiz, carreirista e legalista, sem capacidade criadora ou inovadora, apegado aos ditames do positivismo jurídico, não mais corresponde aos anseios de uma sociedade dinâmica como a atual. “O modelo de justiça napoleônico encontra-se profundamente esgotado. Desde os anos setenta, exige-se do juiz não já que se limite a aplicar a lei, senão muito mais: que instaure a justiça, é dizer, pede-se-lhe uma função nitidamente política. Foi posta nas mãos dos juízes a responsabilidade de tutelar os direitos da pessoa, a qualidade de vida, os direitos do consumidor, a proteção do meio ambiente, a estabilidade laboral, etc” (GOMES, Luiz Flávio. A Questão do Controle Externo do Poder Judiciário (Natureza e Limites da independência judicial no Estado Democrático de Direito) p. 65). Logo, a concepção sociológica de direito deve estar sempre incutida na mente dos juristas, de forma que o Judiciário garanta os direitos humanos, sociais e a justiça. O Magistrado 63 A N Á L I S E Na estrada As garantias constitucionais dos transportadores rodoviários de passageiros em face as garantias legais em favor dos idosos. Por Tathiana de Araújo Miranda, advogada, pós-graduada em Direito Administrativo e Processo Adminsitrativo e Pós-Graduanda em Direito do Estado. É inquestionável que o transporte de passageiros configura serviço público ou serviço de utilidade públi- 64 O Magistrado ca, pois “es sabido que los servicios públicos son los pilares sobre los que se asientam las sociedades modernas. Los transportes, las telecomunicaciones, (...) son prestaciones indispensables para el desenvolvimiento de los individuos en la comunidad” (cf. Francisco José Villar Rojas, “Privatizaciòn de Servicios Públicos”, Madrid, 1993, pág. 23). Lamentavel- mente no Brasil, existe uma imensa dívida social do Estado neste campo, e o transporte rodoviário cada vez mais desprestigiado de ações estatais incentivadoras, torna-se paulatinamente incapaz de alavancar o principal meio de transporte de pessoas, sonhos, esperanças e do próprio ideal de desenvolvimento do País. Não faltam diretrizes normativas para o tema: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”, ainda, “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”, e por fim “A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre...” eis o que reza sucessivamente os artigo 173, 175 e 178 da Carta Magna, possibilitando expressamente desta forma, que o Estado conceda a prestação de alguns serviços de utilidade pública aos particulares, permitindo conseqüentemente que este o explore de acordo com os ditames previsto no ordenamento jurídico. “A permissão, é em princípio, discricionária, precária, mas admite condições para exploração do serviço, a fim de garantir rentabilidade e assegurar a recuperação do investimento do A permissionário visando a atrair a iniciativa privada”, assim afirma, brilhantemente, o mestre Hely Lopes Meireles1. Se extrai dessa preciosa lição, que a falta de uma política pública atualizada para o setor de transporte rodoviário, tem sido o motivo determinante para a atual situação caótica em que o sistema atravessa. São imensas as dificuldades que as empresas de transporte rodoviário de passageiros terrestres têm passado, devido à política totalmente descompromissada e desvinculada do Estado em face à realidade do sistema brasileiro de transportes terrestres de passageiros. Essa afirmação é justificada: pela péssima qualidade das estradas brasileiras, pelo tratamento não isonômico entre as empresas aéreas e terrestres, pelos benefícios concedidos pelo Estado com ônus totalmente arcado pelas empresas, sem nenhum incentivo ou subsídio para tanto... den- Não corrigir falhas é o mesmo que cometer novos erros. (Confúcio, filósofo chinês, 551-478 a.C.) tre outras situações a serem melhores desenvolvidas no decorrer do texto. Desse modo, premido pelo dever de cobrar tarifas módicas e muito distante do compromisso constitucional de garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, os prestadores do serviço de utilidade pública de transporte terrestre subjugam-se a um cenário desalentador. ANÚNCIO N Á L I S E A sociedade brasileira sempre clamou por um tratamento mais digno para os idosos. Devido a polêmica causada pelo tratamento dispensado por uma neta aos avós em uma novela Global, o tema tomou mais ênfase, e desta repercussão surgiu a Lei 10.741/2003, popularmente conhecida como, o Estatuto do Idoso. A Lei promulgada em 1° de outubro de 2003, passou a viger apenas em 1° de janeiro de 2004, trazendo em seu bojo merecidamente, várias garantias e direitos aos idosos, entre os quais: Artigo 40: “No sistema de transporte coletivo interestadual observar-se-á, nos termos da legislação específica: I – a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos; II – desconto de 50% (cinqüenta por cento), no mínimo, no valor das A N Á L I S E passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários-mínimos. Parágrafo único. Caberá aos órgãos competentes definir os mecanismos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II”. Assim, como o parágrafo único expressamente estabeleceu que aos órgãos competentes caberiam definir os mecanismos e os critérios para execução de tal prestação de serviço, criouse uma justa expectativa dentro do sistema rodoviário interestadual, acerca de como seria feito o subsidiamento para efetivação do artigo em questão. Essa preocupação acentuou-se e acentua-se até o presente momento, preponderantemente por três fatores: primeiro, pelo alto custo de manutenção dos veículos, devido às péssimas condições das estradas brasileiras; segundo, pelo fato de as empresas de transporte rodoviário interestadual terrestre já serem obrigadas a reservarem 02 (duas) poltronas em seus ônibus para transportar os beneficiários do Passe Livre (deficientes físicos carentes), sem benefício algum do Governo, ou seja, exclusivamente por sua conta e risco e por fim, pela concorrência devastadora do transporte aéreo, que muitas vezes se utilizam de uma política “marketeira” agressiva, predatória e ruinosa, a qual enquadra-se perfeitamente na figura do “dumping”2. Em verdade, sem alguma demagogia, as empresas de transporte aéreo, só procedem desta forma pois, as mesmas contam com a isenção de ICMS, incentivos fiscais, dentre outros privilégios que nem de longe, as empresas de transporte rodoviário são contempladas. Todavia, como o poder executivo, estava tomando todo cuidado para regulamentar o artigo 40 do Estatuto do Idoso, criando inclusive um grupo de estudo, no âmbito do próprio Ministério dos Transportes, renasceu uma ponta de esperança em que tal Decreto, vislumbrasse a realidade das empresas, concedendo o respaldo necessário para a aplicabilidade da prestação do serviço em comento. in sua renomada obra Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., Malheiros, pg. 355. 1 (prática comercial, que consiste em vender um produto ou serviço por um preço irreal para eliminar a concorrência e conquistar a clientela. É importante salientar que tal situação é proibida por lei). 2 O que vem por aí ! ! ! ! ! 66 14 dicas para passar no Exame de Ordem da OAB Sepúlveda Pertence fala sobre as eleições Saiba o que é e como usar um “blog” Descubra os cartórios 24h E muito, muito mais.. O Magistrado P O N T O D E V I S T A Preservando as matas verde$ As recém-criadas “cotas de poluição” mostram a que ponto chegamos Por: Luiz Gustavo Leão Ribeiro, Registrador Imobiliário Com o objetivo de se combater e controlar a poluição e suas devastas conseqüências, países do mundo inteiro assinaram um acordo que prevê cotas de poluição. A idéia é simples. As empresas atuais teriam uma determinada cota de poluição, que deverá obedecer um decréscimo com o decorrer dos anos. Assim, só se pode poluir o que atualmente se polui, com uma diminuição gradual. Na hipótese de se poluir acima da cota permitida, incidem pesadas multas, tornando economica- 68 O Magistrado mente inviável a atividade produtiva excessivamente poluidora. Além da manutenção e gradual diminuição dos níveis de poluição, a medida incentivaria a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias ambientalmente “limpas”, de forma a manter e mesmo aumentar a capacidade produtiva, sem desrespeitar a cota de poluição. Infelizmente, o capitalismo global viu na medida mais do que uma solução ambiental, mas o surgimento de um novo mercado. O acordo multilateral fez surgir na economia uma nova mercadoria: a poluição. Isto porque, empresas perceberam que melhor do que investir em cadeias produtivas não poluentes seria a compra de cotas de poluição de outras empresas menos poluentes. Assim, se a empresa A desenvolve uma tecnologia capaz de diminuir a sua emissão de poluentes – o que seria uma obrigação, tendo em vista a função social da propriedade – passa a ter em mãos outro produto negociável: a poluição. Empresas e países negociam a compra do “direito de destruir o meio ambiente”. Evidentemente que a poluição é um mal necessário. Em maior ou menor escala ela é inerente à vida em sociedade. Se consideramos direito fundamental do homem a propriedade privada e a livre iniciativa, podemos afirmar que é direito de todo homem produzir bens e serviços. Mas neste direito não se inclui o direito à degradação do meio ambiente, ou o direito de poluir. Como já afirmado, este é um mal necessário, não um direito subjetivo. Se cada ser humano tem direito à propriedade e o direito de livre iniciativa comercial e industrial, deve exercer estes direitos com respeito a dignidade humana, a vida e a saúde. Portanto, se o direito de propriedade e de produção anda ao lado do dever de responsabilidade social e ambiental. Ao estabelecer-se cotas de poluição, fixou-se o limite do mal necessário. Quem produz abaixo deste limite não faz mais do que cumprir seu dever de responsabilidade ambiental. Não aufere daí nenhum direito, mas simplesmente o cumprimento de uma obrigação. Ao estabelecer-se a negoci- P O N T O ação de cotas de poluição, admite-se o direito subjetivo de poluir, alienável a terceiros. Na Europa já se discute uma forma de controle e publicidade, utilizando-se o sistemas de registros públicos. A idéia é registrar-se no registro imobiliário da sede da empresa a emissão de suas cotas de poluição e eventuais aquisições ou alienações. Desta forma, dá-se completa publicidade ao mercado de poluição, de forma que com uma simples certidão do registro imobiliário se poderá saber se determinada empresa ainda possui cotas para alienação, por exemplo. Evidentemente que a solução proposta é absolutamente segura e eficaz para o controle e publiciade deste novo mercado. Os registros públicos imobiliários estão aptos a responder por esta responsabilidade, além de racionalizarem e diminuírem o custo da informação, já que todos saberão onde obtê-la de forma integral: na matrícula do imóvel da sede da empresa. O acordo multilateral fez surgir na economia uma nova mercadoria: a poluição. Isto porque, empresas perceberam que melhor do que investir em cadeias produtivas não poluentes seria a compra de cotas de poluição de outras empresas menos poluentes. A questão é saber-se se os registros de imóveis servem para o registro de atos que afrontam o direito à vida e a um meio ambiente saudável. Dispõe a Constituição que é dever do Poder Público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Ao impor limitações objetivas à possibilidade de poluição o Poder Público cumpre seu dever. Ao permitir e regulamentar o comércio de poluição o Poder Público age em detrimento de seu dever constitucional. Há ainda uma outra questão igualmente grave envolvida no comércio mundial de poluição. Com a instituição de cotas, e com o atual esgotamento ambiental do processo produtivo dos países desenvolvidos, a medida mundial sinalizava com uma possibilidade de diversificação do eixo de desenvolvimento. Uma vez que as empresas ficariam limitadas na expansão de suas cadeias produtivas instaladas no primeiro mundo, em obediência às cotas de poluição, deveriam instalar novas fábricas em outros países, promovendo o emprego e a geração de renda nestes locais. No entanto, o comércio mundial de poluição tem o papel não só de impedir esta mudança desenvolvi- D E V I S T A mentista, como ainda de radicalizar e intensificar o abismo mundial. Ao estabelecer-se que países do terceiro mundo devem vender suas cotas de poluição às nações desenvolvidas, determina-se que aqueles devem permanecer subdesenvolvidos, vendendo seu ar e sua saúde, enquanto estes geram emprego, renda, produtos, tecnologia e poder. Recentemente noticiou-se que o Brasil seria beneficiado com o novo comércio mundial de poluição, já que tem grande quantidade de cotas para exportação. Exportamos o pau-brasil, o ouro, os jogadores de futebol e agora, nosso meio ambiente. E continuamos, e continuaremos sem indústrias, sem riqueza, sem o espetáculo do esporte e sem emprego e desenvolvimento. Com este novo mercado preserva-se apenas as notas verde$, e vão-se as folhas verdes. Não haverá diminuição de emissão de poluição no primeiro mundo, que comprará o direito de poluir do terceiro mundo. E não haverá desenvolvimento deste, que não poderá produzir, gerar emprego e tecnologia, já que vendeu seu direito de poluição àquele. Mais adequado seria o registro das cotas no registro civil, no livro de óbito da humanidade. O Magistrado 69 SEGREDO DE JUSTIÇA Um Recado Não queria ficar desse jeito assim, o peito a doer nem sei bem o porquê; às vezes penso até que este é meu fim querer alguém como eu quero você. Tento de tudo fugir e esquecer, mas na multidão só seus olhos vejo a me seguir por onde vou e a dizer que está em mim também todo o seu desejo. Procuro nas palavras um recado, a certeza que o tempo não é perdido; mas nesta cela me deixa jogado. Vem a esperança anima e hoje vencido aguardo em confiança o amanhã dourado... doa o peito até o fim... ela está do meu lado! 70 O Magistrado