O Sputnik chinês e a educação

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O Sputnik chinês e a educação
O Sputnik chinês e a educação
Na década de 50, os Estados Unidos estavam mergulhados na Guerra Fria. Diante da ameaça
russa, os homens construíam abrigos nucleares e as velhinhas procuravam comunistas embaixo da cama.
De repente, desaba o seu mundo. Sobe um foguetaço russo levando o Sputnik. O primeiro satélite artificial
desintegra a supremacia científica americana. Mas daquele país sempre vieram respostas decididas, como
prêmios Nobel reescrevendo os livros de ciência (aliás, por aqui, ainda há quem não acredite em livros de
qualidade). Logo foram à Lua.
Passam-se os tempos, a Rússia afunda. Mas surge uma nova assombração: a China. Faz um
século, no país desmoralizado pelo ópio e pelo imperialismo, exércitos das grandes potências zanzavam em
seu território, sem que houvessem sido convidados. Canhoneiras americanas patrulhavam o Rio Yangtzé.
Vêm o comunismo, a Revolução Cultural e fomes medonhas. Nas últimas décadas, porém, o país se
recompõe e, poupando 40% do PIB, cresce a taxas espantosas. Nos Estados Unidos, políticas financeiras
levianas tornam o país dependente dos dinheiros chineses e a indústria americana está se mudando para
lá.
Mas é ainda pior. O teste do Pisa tomou-se a olimpíada da educação mundial. Enquanto estava a
Finlândia em primeiro lugar, vá lá, quem teme um minipaís que faz celulares? Mas decola um novo Sputnik:
o campeão absoluto no último Pisa é a cidade de Xangai! Enquanto isso, os americanos amargam posições
entre a 15o e a 31o.
Na cacofonia das perplexidades, vira best-seller um livro de Amy Chua (Battle Hymn 01 a TIger
Mother). Nele, tim-tim por tim-tim, essa professora sinoamericana de direito (em Yale) conta como educou
suas filhas, ao estilo chinês. Entre outras coisas, eram proibidas de participar de teatro, de atividades
extracurriculares, de ver TV ou jogar no computador, de tirar qualquer nota que não fosse A, de obter
qualquer colocação que não fosse o primeiro lugar e de tocar qualquer coisa que não fosse piano ou violino
(e por duas ou três horas de prática diária). Filhos estressados? Enquanto 70% das mães ocidentais temem
as pressões sobre os filhos, 0% das chinesas se preocupa com isso. Se os filhos não se saem bem, é
vergonha para os pais. Para evitarem a desonra, gastam dez vezes mais tempo ajudando os filhos nos
deveres - em comparação com as mães ocidentais.
Para os orientais, nada é divertido ou agradável, até que seja totalmente dominado. Portanto, não
se pergunta à criança se quer estudar, praticar ou se gosta do que está fazendo. É crença deles, gosto se
adquire na prática obsessiva e do sucesso que vem dela. Se malandrava ou tirava notas ruins, Chua era
chamada pela mãe de "lixo". A vergonha foi um santo remédio e não deixou cicatrizes na personalidade. Se
a nota foi menos que A, só pode ser por vadiagem, pois se toma como cena que o filho pode obter os
resultados esperados. Daí as inevitáveis explosões de fúria paternal, sem as preocupações ocidentais de
traumatizar as crianças.
De camarote, assistimos às dúvidas da família americana. Como enfrentará o Sputnik chinês? De
um lado, o medo psicanalítico dos traumas. De outro, os sucessos da linha dura, estilo chinês. Mas e nós,
ainda mais condescendentes com nossos delicados pimpolhos? Até que uma pitadinha de mãe chinesa não
seria má ideia. Com plena tranquilidade de que jamais veremos tais exageros implantados pelos nossos
pais molengões, vejamos algumas boas ideias.
Cabe aos pais ter uma participação muito ativa na educação dos filhos, gastar bom tempo nesses
misteres, bem como ter expectativas ambiciosas e frequentemente comunicadas. Cabe cobrar e ser avaro
nos perdões instantâneos, mas, também, louvar os sucessos. Ter peninha da pobre criança que não tem
vontade de estudar é trocar o conforto emocional de hoje pelo futuro do filho. É errado acreditar que a
educação deve ser sempre leve e divertida. Fica assim, depois que se toma o gostinho de lidar com
assuntos entendidos. Antes, é suor. A melhor maneira de adquirir confiança em si é aprender o que
antes parecia impossível. O papel elos pais é fazer com que isso aconteça, por árduo que seja.
Claudio de Moura Castro
Veja, 9 de fevereiro de 2011