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PROTUBERÂNCIA O LIVRO DO BLOGUE VOLUME I (2006-2009) Joel G. Gomes Título: Protuberância: O livro do blogue: Volume I Autor: Joel G. Gomes Capa: Joel G. Gomes (C) Joel G. Gomes 2012 ISBN: Joel G. Gomes 5 TERMINUS NEGATIVO UM ARTIGO SEM NEXO MAS COM UM TÍTULO Por volta do século XI (os historiadores vão-me perdoar a imprecisão) a civilização ocidental vivia um clima de incerteza e temor em relação ao futuro próximo. Sinais como a peste e desastres naturais – hoje em dia encarados por nós de forma mais ligeira – eram vistos pelas gentes de outrora, influenciadas pela "chegada do Apocalipse" proclamada pelo quadrante mais (novamente o termo será impreciso) "fanático" da Igreja Católica, como um castigo pelos nossos pecados. Passados dez séculos a situação mudou essencialmente no modo como analisamos as coisas. Não temos a peste, mas temos a SIDA, a hepatite, cólera, varíola e – a futura nova coqueluche dos movimentos de solidariedade e contribuições bancárias – a gripe das aves; os desastres naturais continuam a acontecer quando têm de acontecer e no que toca aos pecados temos os reality-shows (esperemos pela punição). Aviso ao leitor incauto (desprevenido, desatento, etc.): Mudança do tom do discurso Os dois parágrafos anteriores (ignorando o Aviso) tiveram como finalidade transmitir uma ideia tantas vezes dita e redita: quanto mais as coisas mudam, mais ficam na mesma. Creio que não é preciso ser-se um génio para se perceber o que é que eu estou a falar; alguns já falam disso, outros preferem não admitir nada com medo que a admissão se venha a transformar em realidade. É, infelizmente, impossível da minha parte ignorar esta situação. Não consigo fechar os olhos e fingir que não se passa nada. Admito que possa estar a ser injusto com alguns de vocês – não gosto de rotular pessoas, muito menos julgar os grupos pelos indivíduos que os compõem – mas a vossa indiferença (o que eu interpreto como tal) não me possibilita outra análise se não esta. 6 PROTUBERÂNCIA – Volume I Como já devem ter percebido, falo do cancelamento don concerto do Ricky Martin na Índia. OK, pela vossa reacção vejo que afinal não estavam tão a par do assunto como eu pensava. As minhas mais sinceras desculpas se vos julguei precipitadamente. Em traços gerais, o que aconteceu foi o seguinte: alguém disse ao Ricky Martin que ele tinha talento (ou foi ele que acordou um dia com azia e em vez de ir à casa-de-banho decidiu gravar um disco), depois disso foi um vazio. Há quem trace um paralelismo entre esse vazio criativo do cantor (no qual ele lançou vários álbuns) e o regime de intolerância vigente durante a Idade Média. Não obstante o facto de realmente naquele tempo as pessoas se matarem umas às outras por coisinhas de nada (era uma época em que espirrar significava estar possuído pelo demónio), também foi facto que a criatividade não abrandou (em alguns zonas até floresceu). Portanto, comparar a falta de criatividade na Idade Média com a falta de criatividade do Ricky Martin é um erro; mais que um erro, é uma ofensa. E por agora chega de Ricky Martin; vamos mas é falar do que realmente interessa. Só estou cá há… 5 meses, e quem me conhece sabe que gosto de preparar o terreno antes de avançar. Se fosse mais velho e tivesse participado em alguma guerra, diria que é a minha experiência de batalha a falar. Como não é o caso, digo que foi a minha experiência de Boavista a falar. É importante estabelecer uma aproximação cuidada quando o assunto em questão é tão delicado como este que vos trago. De tal modo que utilizei o estratagema do início falso, tudo para que se rissem, sorrissem ou, pelo menos, relaxassem de modo a encarar o que tenho para vos dizer com outros olhos. Desta vez não posso usar a expressão "como já devem ter percebido" porque sei que não perceberam, eu sei que vocês não sabem – basta-me olhar para as vossas caras para saber que não sabem – por isso, sem mais delongas, eis o assunto que me Joel G. Gomes levou a escrever este artigo: 7 8 PROTUBERÂNCIA – Volume I AS 333 MEDIDAS DO GOVERNO PARA COMBATER A BUROCRACIA Primeiro que tudo uma curiosidade; o dobro de 333 é o 666, o número da besta, número do fim dos tempos, do Apocalipse. Não quero traçar paralelismos ou lançar ideias disparatadas sobre o fim do mundo. No meu ver, sendo o número de medidas igual a metade do número maldito, isso só pode significar uma coisa: é meio caminho andado. Mais 333 e chegamos ao fundo do poço; o que, como disse um economista da nossa praça, "É bom, porque do poço já não passamos." Devo dizer que esperava mais orgulho da parte deste Governo. Mais do que as promessas não cumpridas é isto que me chateia. Tudo começou com aquela história das empresas criadas numa hora. Por esta altura já devem ser 2850 (eram 2849 quando comecei a escrever este artigo; não sei quantas serão quando estiverem a ler) as empresas criadas através deste novo sistema. O que não se percebe é o que é que o Governo está a publicitar: a) o tempo b) as empresas Analisemos os dois casos. Se for a hipótese b) empresas, é tempo perdido. Há dois tipos de empresas (grandes empresas) em Portugal; as que funcionam mal e as que funcionam bem. E quando funcionam bem o que acontece é isto: os donos vendem-nas a empresários estrangeiros ou declaram falência e mudam-se para países onde a mão-de-obra é mais barata ou, caso fiquem em Portugal, declaram falência e abrem novas empresas com o dinheiro que não dispunham antes para pagar aos funcionários da antiga empresa (isto sem contar com as chamadas "ajudas de custo" e "incentivos ao desenvolvimento empresarial" que o Estado Português tão criteriosamente distribui. Joel G. Gomes 9 Obviamente, há excepções. Não podemos ser preconceituosos e "pôr tudo no mesmo saco" porque há empresários que não agem assim; simplesmente pegam no dinheiro e vão para um sítio onde ninguém os chateie. Outra hipótese a considerar: o tempo. Admito que o Governo possa estar contente por fazer algo significativo como a criação de UMA empresa no período de uma hora, mas porquê limitar-se a isso? Se a intenção é dar destaque ao que se consegue criar numa hora, porque não publicitar com o grau de ênfase que a situação exige, a criação de desempregos no espaço de uma hora? Os números não param de aumentar e são ícones emblemáticos que representam (é um pleonasmo, eu sei) toda uma política económica e social iniciada não se sabe já por quem e continuada por este Governo (e passível de ser mantida pelo próximo). Portugal devia ter mais orgulho nos seus desempregados e criar condições para que estes se desenvolvessem. Espanha conseguiu chegar aos 20% enquanto nós por cá ainda mal chegámos aos 10%. Irra! "Samos" portugueses ou não "samos"? Eu acredito que é possível chegar aos 30%. Basta empenharmo-nos mais. Se trabalharmos ainda mais por ainda menos, os nossos empresários enriquecerão mais bem mais depressa e poderão fechar as portas muito mais cedo do que esperam. Não sejamos egoístas! 30% de desempregados é um objectivo nobre a atingir, dignifica-nos como Nação e mostramos ao mundo que, quando queremos, somos capazes. PS: Já agora, para quem ainda não sabe, vou-me embora em breve. Por esta altura hesitei entre ser honesto ou hipócrita. Sendo assim vou dizer que gostei muito de certas pessoas, menos de outras e outras ainda continuo a ter dificuldade em reconhecê-las como tal. A localização geográfica possibilitoume conhecer mais pessoas do Curso de Ciências da 10 PROTUBERÂNCIA – Volume I Comunicação do que do Curso de Arquitectura, mas deixem-me que vos diga, um vale tanto quanto o outro. Só cá estive cinco meses mas já conhecia o clima existente. Ambos os lados dizem que "a culpa é dos outros". Caso não saibam, a culpa é SEMPRE dos outros, nunca é nossa. Há que aprender com os erros e seguir em frente. Em relação aos alunos/professores/alunos de Ciências da Educação nada a apontar. Turma do 2º ano, continuem a comprar gomas porque é bom para as unhas e para o cabelo; turma do 1º ano, o vosso altruísmo é muito bonito mas não é salutar num clima de competição. Uma última pergunta para todos aqueles de CC e de Arquitectura: para quando um 9 de Novembro na Boavista? Aqueles com mais cultura geral sabem que dia foi, os outros vão me perguntar agora: "Joel, o 9 de Novembro foi o quê?" E eu responderei: Joel G. Gomes 11 TERMINUS #0 O PORQUÊ DA RIVALIDADE Em circunstâncias normais, o normal seria fazer um balanço somente lá para o mês de Outubro – altura em que completaria um ano na Boavista – contudo, isso só seria possível se ainda lá estivesse. O que não é o caso. Pelas minhas contas foram seis meses, o que já não é mau, já dá para fazer alguma apreciação. Antes de mais, um breve esclarecimento (os que já sabem, estão à vontade para saltar esta parte, se assim o quiserem): eu não caí na Boavista de pára-quedas, já lá havia estado cinco anos antes e só me surpreendi por ver que certas coisas continuavam na mesma. Eu, porém, mudei bastante no espaço de cinco anos. De tal modo que, além de aprender a usar uma faca e um garfo, decidi lançar-me num empreendimento ambicioso e, disseram-me alguns, ―impossível‖. As circunstâncias e o tempo – que eu sabia ser escasso – estavam contra mim. Apesar disso, não desisti e tentei dar o meu contributo para a resolução deste conflito. Em Espanha temos os conflitos entre os separatistas bascos e o Governo; em Israel, temos o conflito israelo-árabe; na Irlanda do Norte, são católicos contra protestantes. Na Boavista, é CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO contra ARQUITECTURA. E percebe-se bem o porquê desta rivalidade. Antes de regressar à Boavista trabalhei quatro anos em Santa Marta e nunca consegui compreender bem as rivalidades entre cursos que lá existiam: ECONOMIA vs. GESTÃO LÍNGUAS E LITERATURAS MODERNAS vs. TRADUTORES E INTÉRPRETES DIREITO vs. RELAÇÕES INTERNACIONAIS PROTUBERÂNCIA – Volume I 12 PSICOLOGIA vs. SOCIOLOGIA entre outras. Tendo em conta que CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO e ARQUITECTURA são duas vertentes do mesmo domínio científico – ao contrário das anteriores demonstradas – compreende-se esta questão da rivalidade. Eis alguns dos motivos: • As cadeiras comuns Por vezes alunos do 1º ano de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO têm aulas com alunos do 2º ano de ARQUITECTURA numa sala onde mal cabe o 1º ano de Ciências da Educação 1 . O espaço reduzido conduz a comportamentos nervosos e, por vezes, erráticos. O chamado „cabin fever‟. • A utilização do estúdio de rádio ou de TV Quantas vezes é eu que não ouvi queixas de alunos do 6º ano de ARQUITECTURA que precisavam de utilizar o estúdio de TV para editarem um spot publicitário, que seria inserido numa maqueta, e não o podiam fazer porque estavam lá alunos do 3º ano de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO? • A utilização da plotter Às vezes os alunos do 4º ano de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, da variante de Jornalismo, querem imprimir uma plotagem para usar numa reportagem televisiva e não o podem fazer porque os alunos do 3º ano de 1 A minha ex-posição conferia-me acesso a certos privilégios como, por exemplo, saber que a turma do 1º ano de Ciências da Educação era composta por dez alunos). Joel G. Gomes 13 ARQUITECTURA estão lá dia e noite. Perante situações como estas É PERFEITAMENTE COMPREENSÍVEL A RIVALIDADE ENTRE ESTES DOIS CURSOS. Meus caros, um conselho: sejam superiores à mesquinhice. Não vale a pena lutarem por um objectivo pobre de valor ou significado. Quem é que esperam impressionar com as vossas querelas? E agora estão a pensar „Eu não sou assim.‟ ou „A culpa não é minha.‟ Errado. A culpa é VOSSA! Mais importante que apontarem falhas uns aos outros, faziam melhor em (é uma ideia estúpida, mas eu vou dizer na mesma), coordenar esforços para a concretização de objectivos comuns. Dou dois exemplos: 1 - Os alunos de ARQUITECTURA costumam fazer recolha de imagens, geralmente via fotográfica, dos locais onde vão ser construídos os edifícios que vão projectar. Os alunos de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO (a partir do 2º ano) fazem recolha de imagens através de vídeo, primeiro para se habituarem aos aparelhos, depois para a realização de reportagens. Eis a minha ideia: quer me parecer que a utilização de imagens de vídeo oferece mais vantagens que a simples fotografia; assim, enquanto uns aprendem a filmar e a editar, os outros podem usar o "bruto" das filmagens para os seus projectos. Talvez eu fale sem saber. 2 - O 1º ano de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO fez uma visita ao Museu de Arte de Contemporânea em Lisboa. Mais ou menos por essa altura uma turma de ARQUITECTURA (não me recordo se do 2º ou do 3º ano, lamento) iniciou um projecto cujo tema era um… Museu de Arte Contemporânea Suponho que os alunos de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO tenham elaborado um relatório ou trabalho PROTUBERÂNCIA – Volume I 14 qualquer a propósito da visita (conhecendo o professor que os levou lá, acredito piamente que sim embora não ponha as mãos no fogo por isso), assim como acredito que os alunos de ARQUITECTURA tenham recolhido informações várias acerca deste tipo de museus (incluindo o museu visitado pelos ―outros‖.) Novamente, declaro a minha ignorância. Mas aproveito também para expor duas situações que sei que vos vão chocar. ALUNOS DO CURSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO A COMPRAREM CÓDIGOS DO CURSO DE ARQUITECTURA e ALUNOS DO CURSO DE ARQUITECTURA A COMPRAREM DOCUMENTOS DO CURSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO DE PROPÓSITO! Especifico que foi de propósito para não começarem já com esperanças vãs. 'Se calhar enganaram-se.' Não. Foi deliberado. Aperceberam-se que naqueles códigos estavam informações relevantes para a realização dum trabalho, duma apresentação ou mesmo duma frequência. A informação deve ser sempre considerada e não descartada a priori devido à sua origem. Perdoo este tipo de displicência ao pessoal de ARQUITECTURA, mas ao pessoal de CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO só tenho a dizer: a vossa atitude é estúpida. Principalmente para aqueles que querem seguir Jornalismo. Habituem-se às fontes que conseguem arranjar e não àquelas que gostariam de arranjar. Podem não gostar da pessoa, mas a informação que essa pessoa vos dá é que importa. Não discutam sobre que curso é mais difícil. Uns têm trabalhos e exames e frequências ao longo do ano, os outros vão a casa uma vez por semana porque não entregar um trabalho Joel G. Gomes 15 pode significar chumbar a uma cadeira e chumbar uma cadeira é – literalmente – chumbar o ano inteiro. E notem, eu não tomo partido de nenhuma das partes envolvidas neste conflito. No entanto, há que pensar: como seria o mundo hoje em dia se a Alemanha ainda estivesse dividida? Sou a favor da existência do Muro de Berlim na Boavista. Acho bem que tenham escrito a frase por uma razão: é mais fácil acabar com algo quando esse algo é visível. Há cinco anos a rivalidade entre CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO e ARQUITECTURA era um fantasma que ninguém admitia que existia, hoje é real e já não se consegue esconder. Quem escreveu a famigerada frase pode tê-lo feito com um intuito provocatório e de auto-afirmação mas deu, inadvertidamente, o primeiro passo para combater este problema. Os meus parabéns a essa pessoa. 16 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #1 ENTRE DOIS MUNDOS OU… CHAMA-SE A ISTO ‘BATER NO CEGUINHO’ No dia da minha partida de Universidades Autónomas surgiu o boato de que um novo curso irá juntar-se ao rol de cursos já leccionados no Pólo da Boavista. (Reparem como consegui conjugar os termos ‗rol‘ e ‗leccionados‘ na mesma frase, o que, vistas bem as coisas, não é nada assim tão espectacular para eu me estar a gabar. Assim vocês vêem os pontos de interesse existentes na minha vida.) Desconheço se o rumor (ou boato, se preferirem) tem fundamento e isso é bom pois atesta que é um verdadeiro rumor. Para quem não sabe, um verdadeiro rumor é aquele que nós não sabemos se é verdade ou não, por isso é que é um rumor. Se nós soubéssemos que um rumor é verdadeiro, já não seria rumor, seria um facto. Após um parágrafo tão longo, vou escrever um bem mais curto, mas com muito menos interesse. E pronto, foi isto. Em relação ao curso, lá está, é um rumor; pode ser verdade, pode não ser. O que dizem por aí é que irá começar um curso de Design. (Suponho eu que seja uma licenciatura) Portanto, coloca-se um problema que eu penso conseguir demonstrar plenamente recorrendo a um filme. O filme, de seu título ‗No man‘s land‘, foi o vencedor dos Óscares de 2001 para Melhor Filme Estrangeiro, e passa-se na Guerra dos Balcãs. A história é simples e ideal para explicar o que talvez possa vir a acontecer no próximo ano lectivo no Pólo da Boavista. Eis o que acontece: um soldado sérvio e um soldado bósnio ficam encurralados numa trincheira – e agora vem a parte gira – mesmo no meio do campo de batalha. O filme é interessante e oferece uma perspectiva diferente, por vezes divertida, da guerra. E para comparação já chega. Mas em que medida é que este exemplo se relaciona com o Joel G. Gomes 17 pessoal de Design? Simples. Onde é que eles serão colocados? Os materiais utilizados e as técnicas sugerem uma zona de maior confluência arquitectónica, os possíveis conceitos e a inserção num contexto profissional indicam mais um ambiente de forte conteúdo comunicacional. Por isso, em que é que ficamos? Antes de responder à pergunta lançada no final do parágrafo anterior quero que saibam que eu podia escrever frases bem mais simples, mas não o faço porque tenho pretensões de erudito. (Embora eu acredite que não hajam muitos eruditos a conjugar vocábulos como ‗calendário‘, ‗comichão‘, ‗azia‘, ‗zurrar‘ e ‗olheiras‘ numa única construção frásica. Em suma, a ser verdadeira a vinda desta nova turpe, além da dúvida já referida da localização, surge mais uma: na semana das praxes quem vai praxar os caloiros de Design? Uma vez que ainda não existem veteranos, como é que se fará a sua integração no ambiente académico? Proponho que se faça assim: 1 – Dividem-se os caloiros em dois grupos (os que chegam a horas no primeiro dia de aulas e os que chegam quando lhes apetece) 2 – Os atinadinhos serão praxados pelos outros 3- Não tenho mais nada para dizer, mas achei bem escrever este terceiro ponto uma vez que não há duas sem três A grande pergunta que se coloca é: há alguma vantagem neste novo curso? Há. Ou, pelo menos, penso que há. Sendo um curso que toca em áreas comuns à Comunicação e à Arquitectura (ainda que, por vezes, de forma tosca ou pouco evidente) acredito que isso possa vir a ser um meio de encurtar as distâncias que separam estes dois grandes rivais boavisteiros. Já aqui falei de como deveriam utilizar os conhecimentos de outros cursos sempre que isso fosse útil. Os exemplos foram dados no artigo anterior, por isso não os vou repetir. Desta feita, 18 PROTUBERÂNCIA – Volume I cabe acrescentar que a aproximação (a possível aproximação, isto é) será bastante mais forte e, por conseguinte, menos fraca. E AGORA UM PEDIDO DE DESCULPAS: PEDIDO DE DESCULPAS Venho por este meio pedir desculpas a todos aqueles que acabaram de ler este artigo e tenham sentido que não foram alcançados os níveis adequados de riso, gargalhada ou galhofa alcançados no artigo anterior. (Espero bem que o artigo anterior tenha provocado riso, gargalhada, galhofa ou um simples esgar, caso contrário este pedido de desculpas torna-se desnecessário e ridículo.) Por isso, para me redimir, deixo-vos com uma última piada: “Porque é que a galinha atravessou a estrada?” “Bom, antes de considerarmos uma resposta válida há que analisar toda uma série de contingências relacionadas com o habitat da dita ave. Acima de tudo, cabe a nós ponderar se uma eventual deslocação no espaço geográfico rodoviário, se além de viável, possui um motivo psicológico ou se se trata duma mera afirmação pessoal de independência, uma ânsia de libertação das amarras do aviário ou---- Merda!!! Porque é que eu não consigo escrever coisas simples?! Joel G. Gomes 19 TERMINUS #2 ARTIGO 2 EM 1 TEMA 1 No seguimento do artigo anterior, trago-vos esta semana algo que se enquadra de certo modo no que foi discutido anteriormente. (Para os que conseguirem dissecar o significado intrínseco desta frase, não pensem que se trata de mais do mesmo.) A eventual implementação dum curso de Design fezme pensar em alguns assuntos que muito têm sido discutidos na praça pública mas dos quais ninguém fala. A propósito da Marca Portugal, têm sido feitas campanhas, tem-se investido algum dinheirito na criação e divulgação dum conceito que se resume ao chavão "O que é nacional é bom." É verdade, temos coisas boas. Uma coisa boa que temos – li há uns anos atrás, por isso não sei se a informação está actualizada – Portugal é o segundo país da União Europeia com maior índice de corrupção passiva. Podíamos ser o segundo país da União Europeia com maior índice de corrupção activa, mas isso implicaria a malta trabalhar. Acredito que esta informação possa estar desactualizada, uma vez que foi publicada antes da entrada dos últimos dez países. Ainda assim, é um sinal de orgulho. Marca Portugal. Qualidade, prestígio, inovação. É óptimo na teoria e ainda melhor na prática. Portugal é um país óptimo para viver. E se for um cidadão não cumpridor da lei há toda uma série de vantagens que lhe serão auferidas. 1 – O pessoal do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) é mal pago; uma compensaçãozinha monetária extra é suficiente para que um processo de legalização seja concluído rapidamente sem que certos e determinados procedimentos sejam devidamente observados. 20 PROTUBERÂNCIA – Volume I 2 – Caso não queiram obter a legalização, podem ir para o Algarve onde o facto de falarem uma língua estrangeira é sinónimo de bons tratos, regalias e, em alguns casos, preços mais baixos. 3 – Caso se legalizem e naturalizem, podem ficar sujeitos à corrupção e ao suborno. Aqui temos o nosso melhor chamariz. Devido a um pequeno lapso inconstitucional, nós portugueses não podemos acusar ou julgar quem recebe o suborno, só quem faz. A Marca Portugal deve ser difundida e defendida por todos. É necessário para que o nosso país evolua de forma visível e considerável. Porém, existe um reverso nisto tudo. Não posso estar aqui a falar de vantagens e ignorar certas acções que pouco ou nada contribuem, antes pelo contrário, para o chamado "desenvolvimento do objectivo traçado". Em poucas palavras, falo da vinda dos D'Zert ao Rock in Rio Lisboa. Meus caros, se o objectivo é dar um bom nome a Portugal, não é assim que vamos conseguir. Pensem bem: eu estou a dar o meu melhor, estou a divulgar pontos-chave para a nossa aceitação no estrangeiro e depois põem os D'Zert num Festival de música internacional (ou Festival internacional de música). Não se percebe. TEMA 2 Esta semana regressei por um dia a áreas boavisteiras. Foi um regresso temporário, com motivos inerentes de visita, que suscitou reacções várias – algumas de contentamento, outras de indignação, raiva e, em alguns casos, de aversão. Houve, inclusive, quem tivesse sentido alguma irritação cutânea, mas isso foi mais por falta de higiene pessoal, do que propriamente devido à minha presença. (Julgo eu.) No fundo, senti-me como se tivesse estado ausente durante duas semanas e tivesse voltado de visita. Provavelmente por ter sido isso que aconteceu. Joel G. Gomes 21 Portanto, estive de volta. Não por nada ligado a essa palavra efémera que é a saudade, mas por outros motivos bem mais nobres, como arranjar matéria para escrever este artigo. Tentei escrever qualquer coisa de manhã. Não consegui. Pensei "à tarde penso melhor". Estava errado. São neste momento 15:00 e continuo sem inspiração para nada. E isto preocupa-me. Vocês que me conhecem e me admiram (os que não me admiram tomara que apanhem uma indisposição estomacal daquelas bem valentes) sabem que isto é grave. "O Joel está sem inspiração? Meu Deus, sinto os alicerces da minha fé a serem abalados por forças além da minha compreensão!"2 É mau isto acontecer a um rapaz que ainda só tem 26 anos. Contudo, apesar da minha idade, sou um rapaz prevenido e como tal preveni-me para uma eventualidade destas. As próximas frases que se seguem poderão chocar algumas pessoas e vocês também pelas referências óbvias a sexo e violêncio. Chamo a atenção para esse facto, colocando as frases em questão em negrito. Há quem goste de sexo brutal e violento e de ver filmes com montes de mortos e sangue e corpos esventrados e cabeças decepados e sexo com animais e sangue, muito sangue e há pessoas ainda mais doentes que acham que "O Crime" é um bom jornal de café. E agora uma referência ainda mais óbvia a sexo e violência: sexo e violência. Chega de sexo e violência por agora. (Oh… dizem vocês) Pronto. Só mais um bocadinho. Sexo e violência. Sexo e violência. Sexo e violência. Sexo e violência. 2 Adorava que alguém pensasse isto e o dissesse publicamente. Enaltecer-me-ia o ego. 22 PROTUBERÂNCIA – Volume I Sexo e violência. Sexo e violência. Agora já chega. Vamos passar a uma fase mais calma. Para os que me perguntaram "O que fazes agora?", "Onde é que andas agora?", "O que é que andas a fazer agora?" ou outras perguntas cujo significado se resume a uma curiosidade interessada ou interesseira acerca dos meus actuais afazeres e o local onde esses mesmos afazeres continuam a ser exercidos. Esta é a oportunidade de saberem duma vez por todas o que é que eu ando a fazer. Tráfico de mulheres. Só mulheres, drogas não é comigo. E não é difícil traficar mulheres. É preciso ter atenção ao mercado e às estações do ano mas, fora isso, não é difícil. Brasileiras no Inverno e eslavas no Verão. Não tem nada que saber. Um conselho que me deram e que vou partilhar com quem estiver no ramo ou pensa entrar no ramo: nunca, mas mesmo nunca, a sério, encomendar mulheres do leste fora da época quente. Além de não ter quase saída nenhuma, a mercadoria fica depois no armazém empatada a ganhar pó. Isto que eu estou a dizer, pode parecer chocante para alguns de vocês (para os outros admito que possa mesmo ser), mas é verdade. Eu próprio tenho dificuldades em acreditar. Mas, não há como o negar. Mulheres do Leste só vendem no Verão. Outra actividade à qual eu me tenho dedicado de vez em quando é o embalsamamento de animais. É chato porque como não tenho um carro ou uma moto para atropelar os animais, tenho de utilizar um bastão e agredi-los na cabeça. Isto pode parecer uma piada de mau gosto, mas garanto que eles têm uma morte rápida. E os que não têm é apenas por uma questão de segundos. Além disso, mesmo que tivesse um carro ou uma moto, como condutor sou uma porcaria e o mais certo era eles acabarem feitos em merda. Outra coisa que descobri. Pensavam que vinham cá e não aprendiam nada? E não são só coisas más. Descobri que atirar Joel G. Gomes 23 senhoras idosas, as chamada velhinhas, dum 10º andar pode causar algumas complicações no trânsito. Estamos sempre a aprender, não é verdade? Menos mal; há pessoal que não aprende nunca. Há gente muito burra por aí. 24 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #3 O CÓDIGO DE JOEL Sou um dos 40 milhões que comprou e leu ‗O Código Da Vinci‘. Confesso que sou e não tenho vergonha de o admitir. Porém, gostava também de dizer que me mantive um pouco a leste de toda a polémica gerada pelo livro. Não por concordar ou discordar do que foi dito, mas por falta de atenção ao que se passa à minha volta. Li o livro na sua versão original, antes de ser traduzido para português, muito antes ainda da ―explosão ideológica‖ a que se assistiu. Duas coisas que convém dizer a propósito da obra: primeiro, é um bom policial (embora tivesse gostado mais do romance anterior ‗Anjos e Demónios‘); segundo, é uma obra de ficção. E é com esta premissa em mente que devemos encarar o livro de Dan Brown (como objecto literário) e não nos deixarmos levar por falsas suposições. ‗O Código da Vinci‘ dá continuidade à personagem principal utilizado por Brown em ‗Anjos e Demónios‘, Robert Langdon, professor de Simbologia Religiosa na Universidade de Harvard. A trama começa quando Langdon é chamado ao Museu do Louvre (em Paris, para os que não sabem) para examinar um cenário de crime. Este é o princípio básico duma história que tentou romper barreiras, alertar consciências. Tentou e falhou. Sim, eu li o livro e gostei, mas daí ao ponto de o considerar como verdadeiro vai um GRANDE passo. Ao longo de mais de quinhentas páginas, Langdon e Neveau (a ‗Langdon-girl‘ de serviço) vão decifrando enigma após enigma, código após código. O nível de dificuldade aumenta de enigma em enigma e lentamente começamos a descortinar a história que se esconde por detrás de todo aquele secretismo, qual a verdade que a Igreja Católica tem tentado manter oculta ao longo de quase dois mil anos. Joel G. Gomes 25 Os que já leram o livro sabem que verdade é esta (os que não leram, tivessem lido porque tiveram tempo mais que suficiente): Jesus era filho de Deus e de uma mulher virgem, percorreu quilómetros e quilómetros a dizer que devíamos ser bons uns para os outros, a multiplicar pães, transformar água em vinho, a ressuscitar mortos, curar cegos e leprosos e a caminhar sobre as águas. Jesus foi um homem bom, tão bom que os romanos só tinham uma coisa a fazer: crucificá-lo. Quem pode, pode e assim foi. Jesus foi crucificado (não sem antes levar umas valentes chicotadas) e morreu na cruz. Depois (como era filho de Deus podia-se dar a tais luxos) Jesus ressuscitou e ascendeu ao Céu onde foi viver para junto do seu pai, que nos criou à sua imagem e semelhança. (Basta olharmos uns para os outros para verificarmos isso.) Volto a dizer: o livro de Dan Brown é um bom policial, mas cai no absurdo ao tentar fazer passar esta tese como sendo verdadeira. Monsenhor José Rafael Espírito Santo, Vigário Geral do Opus Dei em Portugal, diz que a obra de Dan Brown ―não assenta num fundo de realidade‖. Apesar de não partilhar da mesma convicção religiosa, concordo plenamente com as afirmações do Vigário. Dan Brown pode ser um bom novelista, mas cai no mais ridículo dos ridículos ao afirmar que a versão oficial e mais perto da realidade (no meu ver) defendida pela Igreja Católica – a de Jesus Cristo ter sido um homem bom, mas humano, que se apaixonou por uma mulher e teve uma criança dando origem a uma linhagem que dura há vários séculos – é falsa. Brown vai ao extremo, não através de acções ou afirmações explícitas mas sim, mal dissimuladas de afirmar que a teoria da evolução das espécies defendida pela Igreja Católica é absurda e desprovida de qualquer rigor científico. Pior ainda. A certa altura do livro, uma das personagens invoca o Génesis. Lembro-me de ter pensado ‗um pouco de coerência finalmente!‘, mas não foi o caso. Contrariando todas 26 PROTUBERÂNCIA – Volume I as noções de bom senso, Brown auto-proclama-se Deus e inventa a sua própria teoria da criação, usando o Génesis como pano de fundo. Deus criou Adão e arrancou-lhe uma costela para criar Eva. Certos indivíduos chamam a isto mutilação e clonagem, Brown chama-lhe ‗desígnio divino‘. É mentira. Deus é bom e não trata mal os seus filhos. Só que Adão e Eva, apesar de serem filhos de Deus, eram indisciplinados e não souberam obedecer às ordens do pai e o pai à primeira infracção cometida usou da sua benevolência e expulsou-os de casa. Adão e Eva, irmãos, vieram para a terra e tiveram dois filhos (chama-se a isto incesto), um bom e um mau. O mau matou o bom. Adão e Eva não se ficaram e tiveram mais filhos, rapazes e raparigas. Fizeram casalinhos e foi cada um para seu lado. Mesmo que vagamente inspirado na existência da linhagem defendida pela Igreja Católica, Brown ignora questões de extrema relevância como doenças congénitas que podem surgir de vez em quando numa linhagem que dura desde o início da história da humanidade. Dito de forma simples, dois mil anos tolera-se, mais que isso é cair no ridículo. E parece que fizeram um filme baseado no livro. Imagino a risota que não será naquela cena em que Robert Langdon (interpretado por Tom Hanks) diz a Sophie Neveau (Andrey Tautou) que Jesus Cristo ressuscitou depois de ser crucificado. Querem a minha opinião? Dan Brown teria feito melhor em dedicar-se à pesca. Talvez assim encontrasse alguma ideia minimamente verosímil. Joel G. Gomes 27 TERMINUS #4 ATAQUE ALEATÓRIO AOS BONS COSTUMES No passado dia 21 deste mês foi organizada uma marcha contra a fome. O evento ocorreu simultaneamente em 365 cidades de 100 países. Em Lisboa e Porto participaram sete mil pessoas, com o Alto-Comissário para os Refugiados, o ex-PrimeiroMinistro de Portugal, António Guterres, a encabeçar as hostes em Lisboa. Ora, convém deixar aqui bem claro o seguinte: uma marcha contra a fome é uma medida estúpida. Admito a vossa relutância (ou ignorância) em não aceitarem esta minha opinião mas, se acompanharem o meu raciocínio, decerto mudarão de ideia. Ora vejam: - Num lado, há um grupo de pessoas que não tem nada para comer; - Do outro, há um grupo de pessoas que em vez de oferecer comida aos primeiros, resolve ir dar um passeio. (Como se isso fosse encher o estômago dos outros.) E agora a parte realmente estúpida. A marcha cansa. Chegados ao fim da marcha, o que é que os participantes fazem? Comem. Mas não comem um ―lanchinho‖. Não, como estão cansados, comem um lanche, melhor, um ―lanche reforçado‖. Ou seja, não só não enviam como ainda consomem mais comida do que se tivessem ficado em casa a ver a marcha na televisão e a pensar ―Se eu pudesse até tinha ido‖. ―O objectivo da marcha é angariar fundos para ajudar os mais carenciados‖, alguém disse. Provavelmente. Não ouvi ninguém dizer isto, para dizer a verdade; mas este é daquele tipo de frases que se dizem sempre nestas situações. E angariar fundos é fácil. Principalmente nestas circunstâncias. Imaginem. Milhares, vá lá, centenas de pessoas chegam junto dum inocente PROTUBERÂNCIA – Volume I 28 transeunte e pedem-lhe trocos para matar a fome aos pobrezinhos. Acredito que muitas pessoas lhes dêem dinheiro por genuína solidariedade, mas a maioria só o faz porque tem medo de levar porrada se disser ―não‖ àquela gente toda. Não que tal vá acontecer, mas nunca é demais prevenir. Em Lisboa e Porto reuniram 70 mil euros. A dividir por 7000 dá 10 euros a cada um. E agora uma questão sobre a aplicação directa dessa verba: onde é que eles gastam o dinheiro? São milhares de pessoas a andar, pessoas que se cansam e ficam com fome; milhares de pessoas que quando aquilo acabar vão comer qualquer coisa e só depois é que voltam para casa. Com que dinheiro é que vocês pensam que eles vão pagar o lanche? Não se iludam, meus caros. É possível que algum do dinheiro recolhido seja utilizado num propósito legítimo, mas não me tentem convencer que TODO o dinheiro recolhido é para esse fim. Não me tentem convencer que alguém faz o que quer que seja a troco de nada. Sabem quem ganha mais com isto? São os cafés e os restaurantes por este mundo que tiveram que servir lanches, almoços e jantares a esta gente toda. Sim, porque enquanto cá lanchávamos, noutros países comia-se pernil de porco com batata assada, noutros comia-se galinha picante e noutros ainda pensava-se como seria bom ter qualquer coisa para comer. *** O Campo Pequeno reabriu e, como não podia deixar de ser, o espaço foi reinaugurado com uma tourada – ou como eles dizem, uma ―corrida TV‖. Um pequeno aparte acerca das tradições. Eis a minha opinião sobre as tradições: respeitá-las desde que enquadradas devidamente na realidade que se vive. A tourada, para mim, é um exemplo duma tradição que teve o seu tempo, mas devia arrumar as botas, pendurar os trapinhos e seguir viagem. Joel G. Gomes 29 Não obstante a minha opinião sobre o assunto, dizem que foi um espectáculo bonito de se ver. Eu não vi, por isso não comento. A única coisa que vi – e posso comentar – foram os comentários de vários participantes e do público em geral. Um senhor toureiro disse que todos – e friso ―todos‖ – estavam com saudades duma boa tourada. Sinto que ficou a faltar um comentário da parte do touro. Podíamos ter ouvido um comentário do género ―Ai que saudades dumas boas farpas no lombo.‖ Volto a dizer, a tourada é uma tradição obsoleta, mas se não querem acabar com ela, sejam coerentes e tragam de volta outras tradições entretanto extintas e que são tão ou mais interessantes: - Sacrificar raparigas virgens a vulcões (ou a buracos de obras mal tapados); - Queimar pessoas na fogueira por dizerem coisas que não se deve dizer (como ―É feio queimar pessoas na fogueira‖); - Escravizar aqueles com menos posses a troco duma falsa liberdade, deveres aos quais não consegue fugir e direitos restringidos que implicam cedências de vária ordem Se é para sermos antiquados, que o sejamos como deve ser. *** Li uma entrevista com a poetisa Rosa Lobato (de) Faria há dois dias atrás. Não querendo pôr em causa a obra literária da senhora quero chamar a atenção para o teor mais bizarro de certas perguntas e consequentes respostas. Pergunta o jornalista (não dizia se é homem ou mulher, por isso generalizo): “O que é indispensável na sua casa?” Responde a poetisa, ―O silêncio e a vista.‖ É por isso que eu nunca me considerei poeta. Consigo pensar em coisas mais essenciais numa casa além do silêncio e da vista; PROTUBERÂNCIA – Volume I 30 sejam elas: paredes, tecto, canalização, electricidade e outras coisas que para mim são importantes. “O que ouve em casa?” E a resposta, ―Música clássica. Quando escrevo gosto de músicas que não sugiram imagens.‖ Se calhar nunca ouviu falar dum senhor Ludwig van Beethoven. E se ele estivesse vivo hoje em dia, aposto que ele também não ouviria falar dela. Quid pro quo, minha cara. A fechar, “E o que está a mais em Lisboa?” ―Os carros do lixo à noite! Fazem um barulho ensurdecedor.‖ Para quem preza o silêncio, concordo que os carros do lixo à noite ―fazem um barulho ensurdecedor‖. Concordo também que quem dá preferência à vista em prol de saneamento básico não se deve sentir muito incomodado se os sacos de lixo na rua começarem a amontoar-se até chegar a um terceiro andar. Sim, Rosa Lobato (de) Faria é uma escritora conceituada, reconhecida e admirada, mas cometeu um deslize. Ou talvez não. Talvez seja eu que só veja o lado negativo das coisas e confundi sensibilidade poética com falta de bom senso. Se calhar fui eu. *** Em 2050 vai acabar o problema do buraco do ozono na atmosfera. Não, não vamos ficar sem atmosfera. O que vai acontecer, segundo dizem, é que o buraco vai se fechar. Dizem que é por causa da diminuição da emissão de gases para a atmosfera. Seja verdade ou não, precisamos de avisar os Estados Unidos que já não é preciso eles respeitarem o protocolo de Kyoto. Digam-lhes, coitadinhos, que já podem poluir o planeta à vontade. Joel G. Gomes 31 *** Na Universidade de St. Andrews na Escócia, um grupo de cientistas descobriu que os macacos conseguem juntar vários sons e articular frases simples. É mais uma característica que aproxima estes primatas de nós humanos. E eu pergunto: onde é que querem chegar com isto? Todas as semanas surgem notícias de algo que os macacos fazem e que os humanos também fazem (ou ao contrário?) Será que o objectivo é convencer as pessoas que é praticamente a mesma coisa? Só vejo uma razão: “A senhora foi apanhada a ter relações sexuais com um primata.” ―Ele disse que gostava de mim.‖ “Isso dizem sempre. A senhora não sabe que humanos e primatas não são compatíveis?” ―É só uma diferença de dois por cento nos genes, senhor Juiz.‖ 32 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #5 ALGUMAS COISAS QUE EU ACHO SUSPEITAS, BIZARRAS, DESNECESSÁRIAS OU ESTÚPIDAS Fico farto de tentarem adivinhar o que eu penso sobre isto ou sobre aquilo. Para acabar com males entendidos aqui fica uma lista do que eu acho supérfluo: 1. Joggers (acho suspeito pessoas correrem pela rua sem motivo aparente; cá pra mim fizeram alguma) 2. Colheres em pacote (a ideia é evitar a propagação dos germes; se assim é, porque não chávenas em pacote?) 3. Um dentista que diz ―Isto não dói nada.‖ 4. Um barbeiro com doença de Parkinson 5. Um contabilista com doença de Alzheimer 6. Uma massagista tailandesa com buço 7. Um pivot televisivo com Síndroma de Tourette 8. Um empregado de balcão com manchas de óleo na roupa 9. Cafés onde não se pode entrar com comida de fora (isto é o mesmo que entrarmos numa loja de roupa e dizeremnos que não podemos entrar com roupa de fora) 10. Livros sobre como tratar de plantas de plástico 11. Tamagochis 12. Políticos que pedem aos contribuintes mais trabalho e mais impostos e depois baldam-se ao serviço para irem para almoços no estrangeiro com os amigos e põem a despesa total na conta do Estado 13. Mulheres que se maquilham excessivamente e dizem que ―o interior é que conta‖ 14. Produtores de cinema portugueses residentes em França que recebem balúrdios do Estado português para fazer filmes de merda que ninguém vai ver e depois vêm à televisão do Estado português dizer que o Estado português não lhes dá apoios nenhuns Joel G. Gomes 33 15. Pessoas que são donas de agências funerárias e de talhos 16. Pessoas que são donas de restaurantes chineses e de lojas de animais 17. Pitas que se julgam adultas e capazes de mudar o mundo após tomarem a sua primeira cerveja às oito da manhã e vomitarem na casa de banho do café 18. Pessoas que fingem ignorância para falar como entendidos daquilo que não percebem. 19. Artistas que não sabem explicar as suas obras 20. Candidatos a Procurador-Geral da Republica que são advogados pessoais do Primeiro-Ministro 21. Planos de retaliação a ataques terroristas não aprovados por falta de estudo sobre o impacto ambiental 22. Estilistas que fazem campanha a favor das espécies protegidas usando casacos de peles de espécies desprotegidas 23. Militantes da extrema-direita que se dizem tolerantes e não xenófobos 24. Cineastas portugueses que fazem filmes só para o seu umbigo à custa do dinheiro dos contribuintes e perante reacções negativas dizem: ―Eu quero é que o público português se foda!‖ 25. Críticos que admiram a qualidade do cinema português e atribuem as salas vazias à falta de cultura dos portugueses que não sabem o que é ―arte‖ 26. Políticos que mudam de ideologia como quem muda de gravata. (Foi a minha homenagem ao comediante George Carlin, que ainda não morreu mas eu acho que se devem homenagear as pessoas também quando estão vivas e não só depois de mortas) (Infelizmente na data em que isto foi editado ele já se foi.) 34 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #6 O MEU PRIMEIRO ARTIGO SOBRE Em nome da diversidade e da variedade (que são a mesma coisa ou, pelo menos, coisas parecidas, mas assim a frase fica maior (isto já sem contar com o que está escrito entre parêntesis)) resolvi ampliar os meus horizontes temáticos. Dirão vocês ―mas ó Joel, tu que já escreveste sobre touradas, marchas contra a fome, ‗O Código da Vinci‘, a rivalidade boavisteira entre Ciências da Comunicação e Arquitectura, tu que nos revelaste os teus hobbies e outros afazeres, que nos fizeste reflectir sobre o porquê dos D‘Zert no Rock in Rio, que partilhaste connosco os teus pensamentos e ideias, que até nos brindastes com conteúdos de elevado teor sexual e violento, diz-nos: que mais tens para nos oferecer?‖ Desporto. É verdade. A partir de agora também vou falar de desporto. Não sempre, claro. Mas assim de vez em quando, quando não houver mais ideias lá vai um artigo de desporto. Até porque não é preciso muito para saber escrever sobre desporto. Duas coisas que são essenciais: uma fotografia (de preferência colorida) e um título sonante; para o resto chega a especulação. Dou um exemplo: o título qualquer coisa como “Rabetinho nos planos de Ignacio Mendez”, depois a foto do jogador (às vezes os jornais fazem umas malandrices num daqueles programas de edição de imagem como colocar o jogador em questão vestido com o equipamento do Clube que está supostamente interessado nele) e o texto basta dizer que ―uma fonte oficial terá dito que…‖ ou ―apesar de ainda não confirmada, a informação também não foi desmentida‖ e por aí em diante. Quando já há certezas, aí vêm as declarações do jogador: ―venho marcar muitos golos‖, ―quero ajudar o grupo de trabalho Joel G. Gomes 35 a atingir os objectivos traçados‖, ―almejo concretizar propósitos que enobreçam esta invicta instituição. Pronto, o último comentário, vá lá, os dois últimos comentários, foram inventados. Mas se os jogadores de futebol já falam na terceira pessoa, não há-de faltar muito para começarem a falar bem. Eu vejo o desporto como uma actividade física. Uma simples actividade física. Nada que mereça dinheiro, portanto. Ou, tudo bem que receba algum dinheiro, mas desde que voluntariamente. Eu não me importo de pagar cotas a um Clube ou Colectividade onde esteja inscrito – é o meu dinheiro, eu decido o que fazer com ele – já ver o dinheiro dos impostos gasto em estádios de futebol que são usados uma vez e depois passam a ser usados como campo de treinos para equipas distritais, aí a coisa muda de figura. Dizem que desporto é saúde, mas eu não percebo a prioridade entre construir um estádio e construir ou remodelar um hospital. Outra coisa que eu não compreendo no mundo do desporto: as transferências. Porquê tanto alarido sempre que um atleta muda de um clube para outro? É apenas uma transferência! O desporto é o único mundo onde mudar de local constitui notícia. Um amigo meu é PSP. Trabalhava na Amadora, foi transferido para a Caparica. Houve alguma conferência de imprensa? Não. E era importante que tivesse havido. Porque ficaríamos a conhecer quais são as suas ambições numa nova esquadra. Se quer lutar pela vitória do campeonato ou apenas pela manutenção na I Liga. E assim termina o meu primeiro artigo sobre desporto. Notem como usei da especulação e dum discurso vago e pouco elucidativo (para não dizer duvidoso) para criar a ilusão vaga de que sabia do que estava a falar. Resultou? Como diria o sábio, “Prognósticos, só no fim do jogo”. 36 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #7 A MARCA DA BESTA Na passada terça-feira, dia 6 de Junho, um pouco por toda a parte comemorou-se a capicua mais aguardada dos últimos dez anos: o dia da besta. Alguns de vocês acredito que tenham dedicado este dia a amaldiçoar vizinhos, patrões, professores ou qualquer outra figura autoritária de resto respeitada (ou tolerada) nos restantes dias do ano; outros, menos mentalmente sãos, acenderam velas, sacrificaram galinhas e fizeram rezas demoníacas para receber o Anticristo Lembro-me bem como foi há dez anos atrás. Toda a gente em tumulto. Uns pais a rezarem para que os seus filhos não nascessem naquele dia fatídico; outros a fazerem figas justamente para que os seus rebentos fossem seleccionados pelo Senhor das Trevas. É no espírito de agradar a todos esses de capacidades mentais mais reduzidas que decidi escrever este artigo. Para isso e também para vos mostrar duas curiosidades sobre o número 666. Ambas exigem uma percentagem de atenção superior a 20%. (Monárquicos, novos democratas e malta assim mais popular, atenção à DICA3) A primeira curiosidade requer a consulta dos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias do tal dia 6 do 6 do 6. Ambos pertencem ao mesmo grupo editorial, e o facto de ser Joaquim Oliveira o proprietário desse grupo já é caso para pensarmos que algo não está bem. Se juntarmos a isso o facto do 24 Horas fazer parte do mesmo rol, aí a coisa atinge níveis extremos. Mas deixemos o sensacionalismo de lado. 3 Falo do jornal distribuído gratuitamente pelo LIDL. Longe de mim querer ofender pessoas que tanto fizeram pelo país durante o Estado Novo. Joel G. Gomes 37 Ora bem, o exercício que vos proponho é o seguinte: peguem no Jornal de Notícias desse dia e contem todas as notícias com o algarismo 6 no título (sem contar com a capa) até somarem 666. Se fizerem bem a sequência registada será: 60; 3,6 e 60. Esta última parcela surge numa notícia de fundo de página sobre o Ministério da Educação. Agora cliquem no link http://dn.sapo.pt/2006/06/06/cartoons/bandeira.jpg e vejam o cartoon publicado pelo Diário de Notícias nesse dia. Os chamados adoradores de Satã não são propriamente pessoas instruídas. Muitos aderem a semelhantes práticas por moda, influência ou simples estupidez. Há, porém, alguns mais informados que sabem como é que o número 666 se verifica nos tempos modernos. O número vem na Bíblia, isso é dado garantido, mas como é que se passa da Bíblia para a realidade? A resposta é: através do cálculo numerológico. Mas, antes disso, uma dúvida pertinente. Será o 666 uma espécie de equivalente ao indicativo fictício 555? Sinto-me à vontade de lançar semelhantes questões a partir do momento em que um ex-jornalista dos (extintos) jornais 24 Horas e Tal e Qual (que não irei revelar como sendo Frederico Duarte Carvalho) publica um livro (A Mensagem Brown) em que afirma que há um código secreto (mais um) n‘ O Código da Vinci que revela que o Santo Graal está escondido em Portugal. Um pormenor que até tem a sua relevância: o jornalista em questão descobriu isto tudo porque, aparentemente, quem traduziu a obra de Dan Brown trocou ‗Oceano Atlântico‘ por ‗Mar Mediterrâneo‘. Vá lá não ter trocado ‗Mar Mediterrâneo‘ por ‗Mar Adriático‘ ou ‗Mar de Bering‘. Imaginem lá por onde é que os Templários não terão andado. O Santo Graal está num igloo. A seu tempo farei uma análise mais aprofundada a esta matéria. PROTUBERÂNCIA – Volume I 38 Por ora, regressemos à numerologia e ao dia 6 do 6 do 6. 1 A J S 2 B K T 3 C L U 4 D M V 5 E N W 6 F O X 7 G P Y 8 H Q Z 9 I R Eis como a coisa funciona. Pegam-se em nomes de pessoas, de locais, datas, etc. e depois usa-se uma fórmula super ultra secreta (que eu não vou revelar porque não me apetece). Cada letra é trocada pelo número correspondente e depois soma-se tudo até ficarmos apenas com um algarismo. Na madrugada do dia 6 começou um incêndio em Viana do Castelo que foi circunscrito passadas poucas horas. Arderam seis hectares. Agora vem a parte gira: V+I+A+N+A+D+O+C+A+S+T+E+L+O 4+9+1+5+1+4+6+3+1+1+2+5+3+6 = 51 5+1 = 6 Ou seja Local: 6 Data: 6 Área ardida: 6 Por agora estarão a pensar ‗Mas ó Joel tu que até aparentavas ser um rapaz nada dado a essas coisas que foi que te aconteceu para estares a perder tempo com isso?‘ A minha resposta é óbvia: Joel G. Gomes 39 TERMINUS #8 FARÓFIAS, FAFE E FUTILIDADES Tenho recebido imensas queixas de leitores descontentes com o facto de há mais de duas de semanas não publicar nada neste blogue. É um problema de actualização e a culpa é vossa. Se não me disserem nada, eu penso que não vale a pena gastar tempo com isto. Eu sei que isso contradiz a primeira frase, mas como vocês não estão a ler, paciência. A minha ideia é simples: se querem um blogue actualizado, ACTUALIZEM-NO VOCÊS! (ou façam o vosso próprio blogue; é fácil) A verdade é que estas foram duas semanas um tanto quanto conturbadas. Felizmente, não necessariamente por motivos maus. Ou seja, embora tivesse matéria de sobra para analisar, a minha mente não se conseguia decidir sobre como tratá-los. Deixemos isso de parte e falemos do grande assunto que fez os portugueses saírem para as ruas no dia 1 deste mês de Julho: o aumento da taxa da Euribor. Contas feitas, este indexante passou de uma média de 2,60% em Dezembro para 3,15% em Junho, o que significa uma subida de 21%. Em suma, quem quer comprar casinha, tá bem lixadinho. E isto é ainda mais complicado quando o desemprego não pára de aumentar e a idade da reforma é esticada um pouquito todos os dias porque alguém que trabalha menos de 10 anos toda a vida e depois tem direito a uma reforma vitalícia acha que quem trabalha 40 anos para depois ter direito a uma reforma também vitalícia anda a brincar e pode trabalhar mais uns anitos porque ainda tem corpo para isso. Ambos recebem uma reforma vitalícia. A diferença é que o primeiro reforma-se antes dos cinquenta e o segundo reforma-se pouco antes dos setenta. É natural que o primeiro receba mais dinheiro, uma vez que a sua esperança de vida é muito maior. 40 PROTUBERÂNCIA – Volume I A vida não está fácil para nós portugueses. Não que esteja fácil para todos os outros. Há quem esteja pior que nós, há quem esteja melhor. Mas nem todos podem dizer: passámos às Meias-Finais do Campeonato Mundial de Futebol! Sim! As ruas fervilham de alegria e espírito positivo! Uma mãe com uma criança ao colo, ambos não comem há dois dias, mas sorriem porque Portugal ganhou o jogo. O senhor Menezes, 63 anos, sofre duma condição física que lhe dificulta o desempenho de funções no seu local de trabalho. Infelizmente para o senhor Menezes, caso este se decida reformar antes do tempo, terá de escolher entre gastar dinheiro em comida ou em medicamentos. Por outro lado, segundo o que o seu médico lhe diz, mais uns anos de trabalho e o senhor Menezes só terá de se preocupar em ter um fato pronto para usar no dia do seu funeral. Um estudante recém-licenciado, procura trabalho na sua área. Não estando filiado a nenhum movimento ou organização partidária, decide inscrever-se no Centro de Desemprego como tendo apenas o 12º. As hipóteses de arranjar trabalho aumentam exponencialmente. Na sala de espera do Centro de Desemprego, estão mais cinquenta pessoas que acreditam que uma vitória de Portugal no Mundial de Futebol vai melhorar a sua vida exponencialmente. Muitos estão desempregados desde o final do Euro 2004. Tentem ver isto de forma objectiva. Não comecem a pensar já: traidor da Pátria, etc. Pensem como isto era há dez anos. Lembrem-se como nos costumávamos referir àqueles que ostentavam a bandeira portuguesa em tudo quanto era sítio. Nacionalista era o termo mais simpático, outros eram considerados fascistas ou pior que isso. Hoje em dia quem não tem a bandeira à vista é que está fora do sistema. As coisas mudam, não há dúvida, mas eu preferiria que OUTRAS coisas tivessem mudado. Nomeadamente, o bom senso dos portugueses que são estúpidos e estão na merda e Joel G. Gomes 41 convencem-se que o facto de Portugal ganhar um jogo ou mesmo o Campeonato Mundial de Futebol vai-lhes trazer a certeza duma vida melhor. Meus caros, abram os olhos: nem uma esperança vão receber, quanto mais uma certeza. Não gosto de futebol. Não gosto. Admito que preferiria não ter Portugal no Mundial. Talvez assim, os noticiários não fossem algo assim: “Continuamos em directo de Marienfeld onde a qualquer momento esperamos ouvir as declarações de Ricardo que se encontra neste momento no WC. Recordo que Ricardo hoje comeu caril ao almoço. (…) E parece que a porta vai-se abrir. E sim! Cá está ele! Ricardo! Ricardo! Como se sente?” “O Ricardo precisa de mais papel higiénico. Tem aí?” Faz-se uma reportagem para cada jogador, outra sobre o próximo jogo, outra sobre o último jogo, outra sobre o treino da manhã, outra sobre os adeptos em Portugal, outra sobre os adeptos na Alemanha, outra sobre os adeptos noutros países (e, quem sabe, no futuro, uma reportagem sobre os adeptos noutros planetas). No meio, assim como quem não quer a coisa, diz-se que mais dez fábricas encerraram, os Estados Unidos ameaçam bombardear o Gana por suspeitarem que existem lá armas de destruição maciça e o Emplastro está prestes a lançar uma linha de produtos de beleza. Nós estamos na merda e ninguém nota. Ninguém quer saber. O futebol estupidifica-nos e, no entanto, tem em si a capacidade de nos tornar mais inteligentes. Portugal tem dos resultados mais baixos em exames de Matemática. Não atinamos com aquilo. A culpa é dos professores, é dos alunos, é dos programas, é das escolas; a culpa é de tudo e de todos, mas nunca é de ninguém. E aqui entra o futebol. Pensem num problema qualquer com um merceeiro, dois quilos de maçãs, três quilos de batatas e um troco de 1,27 cêntimos, metam pra lá uma equação, peçam para calcular as probabilidades das maçãs serem vermelhas, para elaborar um gráfico circular e vejam 42 PROTUBERÂNCIA – Volume I quantos alunos acertam. Coloquem o mesmo problema usando o futebol como base e vão ver a diferença. Não é segredo nenhum. Pitágoras, o matemático grego, se fosse vivo e residente em Portugal, seria um tipo muito frustrado. Ganhámos à Inglaterra. Ficámos contentes, continuámos na merda. O presidente da Câmara Municipal de Viseu, também presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses disse que o melhor método para lidar com os fiscais ultrazelosos do Governo é ―corrê-los à pedrada‖. São declarações assumidas como lúcidas, uma ―expressão‖ como disse o próprio no dia seguinte, e que eu tomo como minhas. Mas o meu alvo de eleição seria o Zé Povinho otário que janta uma vez por semana, vive numa barraca sem luz e água com a mulher e oito filhos, mas poupou dinheiro durante um mês para comprar um cachecol da Selecção. E viva Protugal! Joel G. Gomes 43 TERMINUS #9 VIVA A GUERRA! Numa perspectiva de entretenimento, educação e serviço público (três características que a RTP raramente consegue incluir num mesmo programa) vou falar dum tema que tem estado na ordem do dia: a ocupação do sul do Líbano pelas tropas israelitas. Poderá parecer à primeira vista que o tema proposto não entretém, não educa e não serve o público; poderá também parecer que, num blogue deste género, a minha abordagem será satírica, porventura a roçar o campo do desagradável. Quanto à segunda parte da oração anterior, asseguro-vos que serei o mais imparcial possível. Nada contra ou a favor de Israel, do Hezbollah, dos libaneses ou de quaisquer outros envolvidos neste caso. Convém dizer isto para que fique clara a minha imparcialidade. Posso dizer o que me vier à cabeça sem parecer tendencioso. Resta então a parte do entretenimento, da educação e do serviço público. A guerra não entretém? Se a guerra não entretém porque é que usam nomes como ―teatro de guerra‖ ou ―cenário de guerra‖ ou outros, todos eles alusivos ao mundo do... entretenimento. A guerra não educa? Se Israel não tivesse invadido o Líbano, quem é que sequer ouviria falar do Líbano? As únicas vezes que se ouve falar do Líbano é naqueles concursos tipo ―Herança‖ ou o ―Um contra todos‖ (peço desculpas por só dar exemplos de concursos emitidos pela RTP, mas a verdade é que os outros canais públicos não emitem concursos interessantes); fora isso não há nada. Agora o Líbano está no centro da acção. E aqui entra uma questão subtil que é: o estado israelita é apoiado pelos Estados Unidos, que por sua vez encetaram uma luta 44 PROTUBERÂNCIA – Volume I contra o terrorismo (vulgo Islão). Acontece que os Estados Unidos não vão enviar nenhum contingente para o Líbano. Conclui-se facilmente que o Líbano não tem petróleo. Se não fosse a guerra quem é que sabia disto? Resta o serviço público. Que, lamento dizer, não está a ser cumprido. Isto porque não temos ainda nenhuma conta da Caixa Geral de Depósitos para ajudar os refugiados libaneses. Ainda não houve manifestações públicas de figuras do jet-set que se dizem ―ultrajadas pelo que está a acontecer àquela pobre gente‖ lá no Iraque, perdão, Libéria. Líbano. E pior que isso. Dos jornalistas enviados para o Líbano nenhum deles (julgo eu) esteve presente na Alemanha durante o Mundial de Futebol. Se a intenção é servir o público, a minha sugestão seria enviar para lá todos esses jornalistas (incluindo aquele que levou com um saco de mijo 4 em cima há uns anos atrás) e esperar que levassem todos com um míssil em cima enquanto fazem comentários como: “Estamos aqui em directo da capital do Líbano, onde a qualquer momento esperamos obter mais informações sobre o que se irá passar nos próximos momentos. Oiço algo a aproximar-se. Acho que é um –” BUM!!!! Isso sim, seria serviço público. 4 Sim, eu escrevi ―mijo‖ em vez de ―urina‖. Joel G. Gomes 45 TERMINUS #10 PRIORIDADES Agora cada português tem a sua caixa de correio electrónico. Depois de cada português ter o seu telemóvel (e na perspectiva do choque tecnológico) este era o passo natural a ser tomado pelos responsáveis que governam o nosso país. De futuro – quem sabe? – talvez vejamos cada família portuguesa a viver numa casa sem buracos no tecto, com paredes, com água, luz e gás. Talvez. Mas é melhor vermos pastores a fazer anúncios para a Netcabo. Já não sou o primeiro a dizê-lo, mas não custa repetir para ver se entra nas vossas cabecinhas: quem dorme na rua numa caixa de papelão precisa da merda duma caixa de correio electrónico para quê? Ele não tem computador! E mesmo que tivesse, ia visitar o quê? http://www.sem-abrigos.pt/? Eu passo horas na Internet. Nunca encontrei fóruns ou salas de chats para os sem-abrigo. Quantas vezes foram a um Espaço Internet e viram um sem-abrigo a falar no Messenger ou a fazer uma busca no Google a ―tipos de caixas de papelão‖ ou ―sítios bons para dormir na rua‖? Não se vê. Outra coisa que também quero falar: a publicação das listas de devedores ao fisco. Acho suspeito – para usar um eufemismo – terem passado de 4000 para 290. Dizem que certas situações foram regularizadas. Pensem comigo um pouco. Mas só os que conseguirem. Acredito em algumas, mas não em todas. 3110 contribuintes resolveram pôr as contas em dia porque o Governo lhes disse ―Se não pagas, vou dizer a todos que és feio?‖ Não creio. E vejam lá se descobrem nessas listas um daqueles nomes, mesmo que remotamente, ligados a grandes grupos económicos ou a figuras do jet-set. Eu não vi nada. E duvido que alguém veja. Lembrem-se do seguinte: há uns meses foi o notícia o 46 PROTUBERÂNCIA – Volume I facto do fisco ter deixado prescrever uma dívida de 512 mil euros (mais coisa, menos coisa) do presidente da Vodafone Portugal. Ao que parece ―esqueceram-se‖. Agora ―corrigiram‖ um erro. Mas tudo bem. Todos nós temos uma caixa de correio electrónico e os que não são analfabetos podem enviar as suas queixas para a conta do Primeira-Ministro (e esperar que ele não tenha o filtro anti-spam ligado). Todos nós esperamos manter ou encontrar trabalho. Esperamos equilíbrio e alguma segurança futura. Mas a balança internacional oscila. É o aumento dos combustíveis, é o aumento disto, é o aumento daquilo; é a crise daqui, é a crise de acolá. Fábricas encerram e deslocam-se para países onde a mão-de-obra é mais barata. É a lei natural das coisas. Como portugueses, resignamo-nos indignados. ―A minha vontade era ir lá pra eles verem como é que é!‖ Só que nunca vamos. A vontade não passa disso mesmo. ―É melhor não. Parece mal.‖ Para reflexão, deixo-vos com o seguinte: houve uma concentração de Ferraris cá em Portugal. O objectivo do organizador era reunir no mesmo local o maior número de Ferraris possível. Tanto quanto sei, qualquer pessoa podia ir, desde que tivesse Ferrari próprio (alugados ou a leasing não dava). O que é curioso nisto é que muitos dos presentes eram na sua maioria empresários da indústria têxtil. Não duvido que desses vários tivessem encerrado fábricas por ―questões de ordem económica‖. Engraçado. Calma! Não se ponham já com ideias! Parecendo que não, o Ferrari é um carro dispendioso e um homem tem todo o direito (para não dizer dever) de tomar opções. Quem gasta dinheiro num Ferrari topo de gama (incluindo combustível e manutenção) se calhar não pode continuar com a fábrica de atacadores aberta. 300 Euros para trinta trabalhadores que trabalham 12 horas durante toda a semana todos os meses é muito. Joel G. Gomes 47 Carro ou fábrica? O que é que faz mais falta? O empresário só com fábrica não pode ir de carro às compras, ao passo que o empresário só com carro não precisa de levar a fábrica atrás para ir onde quiser. É tudo uma questão de prioridades. Enviem-me um mail e depois conversamos. 48 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #11 PELA SEGURANÇA DA NAÇÃO PRIMEIRA PARTE A notícia saiu na semana passada num diário bem conhecido do povo português e falava da aquisição de material técnico ao exército israelita por parte da Polícia Judiciária para proceder à vigia de sites e salas de conversação (Messenger, Skype, mIRC, etc.). Ao ler esta notícia não pude ficar indiferente e, como bom cidadão que sou, a primeira coisa que fiz quando cheguei a casa nesse dia foi ligar-me ao Messenger e mudar a minha mensagem pessoal para Mensagem especial para qualquer agente da autoridade que possa estar a ler isto: NÃO TÊM NADA MAIS INTERESSANTE PARA FAZER, NÃO? Mas isto, meus caros, não é nada. Vou explicar-vos uma coisa. A PJ não começou a vigiar as nossas conversas electrónicas agora, já vigia há mais tempo; só que agora tem material mais sofisticado ao seu dispor. Do pouco que sei – e é mesmo pouco – existem programas que disparam alarmes sempre que são localizados certos termos registados numa lista especial. Às vezes as escutas são feitas por motivos profissionais, outras vezes por motivos de recreio. Não quero julgar aqui ninguém. Sei bem o que é ter um trabalho secante para fazer e compreendo a acção do agente de escuta que se serve do Programa de Controlo da Palheta Online (PCPO) como se este fosse um sintonizador de rádio. Quando há combinações de compra de droga utiliza-se o termo ―CD‖. Isto foi-me dito, não sei se é verdade ou mentira. Uma coisa é certa. O termo ―CD‖ pode ser mesmo CD. Se algum dia decidirem aceder a salas de conversação mais obscuras descobrirão que ―CD‖ é também abreviatura de Joel G. Gomes 49 ―cross-dresser‖ (travesti em português). A minha pergunta é lógica e legítima: do que é que eles andam realmente à procura? Mais algumas advertências sobre essas salas, caso algum dia decidam ir lá: 1 – Sempre que um username esteja entre chavetas { } é porque já tem dono (quem curte de cenas sado-maso sabe do que eu estou a falar melhor do que vocês ou mesmo eu) 2 – Nomes altamente sugestivos geralmente pertencem a pessoas do sexo oposto ao que é apresentado. Ex: NymphoBlonde é geralmente usado por um careca de óculos (com todo o respeito que os carecas de óculos merecem) 3 – Raparigas de 19 anos são gordas, baixas e têm 60 anos. 4 – Os homens têm todos pénis descomunais (mesmo aqueles que fazem companhia com o Farinelli). Compreendo a necessidade duma segurança apertada. Numa altura em que a ameaça terrorista ameaça pairar sobre o nosso país não é tempo para brincadeiras. É preciso prevenir. É claro que não há bela sem senão. Neste caso, o reverso da moeda são aquelas pessoas que se preocupam muito com a sua privacidade electrónica mas que, ao mesmo tempo, contam tudo pessoalmente na condição de que a outra pessoa não conte nada a ninguém. Se são muitas ou poucas não interessa, interessa é que nos arriscamos a vê-las desistirem de utilizar a Internet e o telefone e o telemóvel e isso não augura nada de bom para as intenções do Governo de promover o choque tecnológico. SEGUNDA PARTE Uma semana depois de ter lido a notícia referida no início do artigo, li uma outra notícia sobre o perigo de violação das telecomunicações das forças de segurança pública por parte de 50 PROTUBERÂNCIA – Volume I radioamadores ou mesmo de criminosos. O que temos aqui é um caso típico de vigias a serem vigiados. Nada de grave. Estamos em Portugal. Vigiar conversas privadas de altos funcionários do Estado não vai revelar nada que não tenha sido já revelado ―por fonte anónimo do gabinete do adjunto do assessor do Ministério‖ no dia anterior num tablóide de grande tiragem. Peço desculpas pelo tipo de vocabulário utilizado, mas temo que esta mensagem possa estar a ser lida por terceiros. Daí a minha preocupação em escrever este texto de forma aparentemente simples, ao mesmo tempo que recorro a técnicas criptográficas do mais avançado que há. É claro que há um lado bom em termos as nossas forças de segurança vigiadas por criminosos. Primeiro, os criminosos conseguem saber de antemão os movimentos dos agentes da autoridade e agir em conformidade. Segundo, à medida que as forças de segurança pública aumentam o seu nível tecnológico, os criminosos vêem-se obrigados a fazer o mesmo. Duma perspectiva tecnicista, essas disputas de equipamento só são boas para o choque tecnológico. O nosso país precisa duma guerra dessas. E se por acaso calharem a apanhar um ministro ou uma figura política de alta importância a tecer comentários jocosos sobre o site da Ana Malhoa, por favor, sejam amigos e partilhem isso connosco. Temos saudades duma boa escuta. Joel G. Gomes 51 TERMINUS #12 A ANTESTREIA DO REGRESSO Após meses e meses de artigos sobre temas tão diversificados como a cultura do azoto e a esferovite como solução para as infiltrações de humidade decidi retornar ao campo temático que tornou este blogue um dos mais visitados de todos os tempos: o estragão. É verdade. Num blogue dedicado ao estragão nada mais coerente que falar do estr— Ó merda! Já fiz asneira. E agora como é que se apaga isto? Será aqui? Aorgo rtgjregjrg fnb bnifth itnbi iunu itibunxti ubxtu ibnxiu bniuxt nbu xnbi uftx biuxnbi un nefgnziu gtbxtig znbnu ifnbin ibni tynhiu xnbiu nxftihn xiu hnxiub nxnxobni on hxo itnbxiubni xuntiux ntiun xiunj+j+d j0w9 duj 035uw a8u<80f> Voltei à Boavista. Fui numa visita oficiosa e revi umas pessoas e estive com outras. Apesar de não parecer, gostei de lá ir, gostei de lá ter estado. NOTA: Peço desculpas pelo rumo sem nexo e quase lamechas que este artigo está a tomar, mas aguentem mais um pouco. Chama-se a isto construir uma piada. Adeus aos que ficam, olá aos que vão. Ou ao contrário. Isto foi a construção. E agora a piada: Ao contrário é burro com égua. Incrível! Num só artigo abordei o tema da saudade e passei de forma completamente lógica para o campo da engenharia genética e do cruzamento de espécies! Só mesmo aqui! Para os que não percebem o que é isto do cruzamento de espécies, eu explico: peguem num frango e juntem-no com uma dourada. É claro que só isto não chega, há que compor o ambiente. Umas luzinhas, talvez uns sais, daqueles que fazem bolhinhas e tal. Ah! E convém o frango ser daqueles tipo 52 PROTUBERÂNCIA – Volume I galinha d‘água, estão a ver? Depois, esperam nove meses ou o que for e aproveitam o que sair de lá. Nunca ouviram aquela expressão ‗não é carne, nem é peixe‘? Descobri há uns meses atrás que nome se dá a isso. Crocodilo. Deu num programa que estava a falar dum restaurante em Nairobi que servia carne de crocodilo e o gerente dizia que aquilo sabia a uma mistura de carne e peixe. Não era nem uma coisa, nem outra. Mas se for só isso, podia ser também salada. Ou ‗não é água, nem é vinho‘, é o quê? Cerveja, sumo, leite. E porque é que falei disto? Não faço ideia. Basicamente porque estou a encalhar. (Mas ainda lúcio, perdão, lúcido o suficiente para escrever ‗estou‘ e não ‗tou‘). E espero levar vocês comigo neste encalho Sim! Eu sou o Cronista de Heimlin! Sigam-me, meus pupilos! Ou não. Ok, quando as aulas começarem, eu faço uma visita oficial. Mas quero um tapete vermelho à porta. Se não tiverem um, pode ser aquele encarnado. Eu não sou esquisito. Joel G. Gomes 53 TERMINUS #13 FILMES ONLINE Anda por aí a circular um filme chamado ―A Curva‖. Quem anda pelo YouTube ou por outros sites provavelmente já o viu. A história do filme, baseada em eventos ocorridos na estrada de Sintra em 86, é praticamente obscurecida perante a troca de opiniões gerada pelos internautas. Há quem acredite, há quem duvide, há quem elogie, há quem critique. Há de tudo para todos. Mas o que é importante realçar é isto: um filme português ―amador‖ está a ter mais público do que qualquer outro filme português feito à custa de subsídios pagos pelos contribuintes. Dói um bocado. Graças à Internet temos acesso a muita coisa. Só cabe a nós escolher. Bom ou mau, a escolha é nossa. É um meio de divulgação excelente. Em Portugal temos agora ―A Curva‖ e talvez outros. Dos EUA veio o ―Snakes on a plane‖ (―Serpentes a bordo‖) com o ―pastor‖ L. Jackson., um filme que ainda antes de estar concluído já era filme de culto. Aliás, se tomarmos em consideração que certas partes do filme foram baseadas em sugestões dadas pelos fãs, percebemos que a Internet não só é boa para divulgar como também para adquirir sugestões. É um exemplo a seguir por nós, portugueses. Uma lição para muitos intelectuais. Temos pessoas capazes de fazer filmes capazes de atrair público. Está mais que visto. E a referência aos intelectuais não é negativa. Eu gosto dos intelectuais. Gosto dos seus hábitos, dos seus cantares e trajes populares. Eu gosto de cinema artístico. A única coisa que não suporto no reportório nacional é só ter ao meu dispor filmes que é preciso ter um doutoramento em Belas Artes para os compreender ou então filmes que é preciso ser mentalmente descompensado para os suportar. Quero uma alternativa, um meio-termo. Com as vantagens que a Internet aufere, é preciso sermos para não 54 PROTUBERÂNCIA – Volume I aproveitarmos isso. Por outro lado, há certas complicações que podem surgir de utilizar a Internet como meio de divulgação de vídeos, sejam eles profissionais ou amadores. Vejam, por exemplo, a AlQaeda. Se não fossem aqueles vídeos que surgem sempre que os Estados Unidos vão a eleições ou quando há uma crise qualquer interna, em que aparece um senhor a anunciar ataques que nunca chegam a acontecer, o mundo seria diferente. Talvez. Talvez para pior. Mas pelo menos teríamos por onde escolher. Joel G. Gomes 55 TERMINUS #14 O OSAMA MORREU? Estou de luto. E não é para menos. Dizem que o Osama morreu. E agora? Quem é que nós vamos culpar pelos problemas do mundo? Quem é que vamos usar como bode expiatório para o aumento do preço dos combustíveis? Da instabilidade mundial? Para invadir países? O mundo mudou quando o Osama se tornou conhecido. Disso não há dúvidas. Excepto uma. Que mudanças virão com o seu desaparecimento? Por favor, não entendam esta pergunta como irónica ou sarcástica. Isto é muito sério. A culpa é algo muito importante e ter alguém para culpar é essencial. Quando não há ninguém culpado ou suspeito, hão-de reparar nisto, não se fala de certos assuntos. São atirados para a sombra, restos de notícia, de rodapé. De vez em quando saem alguns bocaditos cá para fora e ficamos a pensar de novo no assunto e esquecemo-nos do que é realmente importante. O mundo seria bem diferente sem certas pessoas, mas não as podemos remover a todas. E mesmo que o fizéssemos, a sua marca ficaria; pelo bem ou pelo mal. Depende do interesse. Costuma-se que é bom manter os amigos por perto e os inimigos ainda mais perto. No actual esquema da ordem mundial podemos ver aplicações claras desse lema. Os inimigos de ontem serão os amigos de amanhã e vice-versa. Não há como fugir a isso. O Osama morreu? E depois? Era um homem mau? Digo que – sem querer soar maniqueísta – era. Mas digo também que não era o mais mau. O Osama foi ou é fruto daqueles que o criaram. Quem semeia ventos, colhe tempestades; não é o que se diz? E o mundo colheu uma bem forte. Ainda sentimos o seu vento. Talvez ele nunca desapareça. O vento, digo. Quase de certeza 56 PROTUBERÂNCIA – Volume I vai-se acalmar por uns tempos e surgir com nova força. Com outra cara como protagonista. É preciso renovar. O velho não vende, venha o novo. Faço aqui o meu pedido. Em nome da estabilidade. Se alguém tem de o fazer que esse alguém seja eu. Quero um novo terrorista mundial. (Mas de preferência alguém que não tenha a mania de falar com o indicador em riste estilo professor do tempo do Salazar. O mundo ocidental levá-lo-á muito mais a sério se não fizer figuras dessas.) Joel G. Gomes 57 TERMINUS #15 CONTRA A VIOLÊNCIA CONTRA Não há muito tempo testemunhei um caso óbvio de violência perpetrada sobre uma criança. (Optei por escrever ‗criança‘ em vez de ‗menor‘ como é hábito, não fossem vocês pensar que eu me estava a referir a um anão.) Para os que não ficaram em choque por eu saber conjugar e aplicar correctamente o verbo ‗perpetrar‘, eu continuo. A violência sobre crianças é um assunto sobre o qual eu não me costumo debruçar muito, mas a situação foi de tal modo horrenda que achei obrigatório relatá-la. Tudo aconteceu num autocarro – por razões de ética e consciência, não divulgarei o nome da empresa – onde viajavam uma criança (a vítima), os pais (agressores), uma amiga dos pais (cúmplice) e uma vintena de passageiros (testemunhas). A criança não devia ter mais dum ano, se tanto, e os pais, insensíveis ou irresponsáveis ou imaturos, submetiam a criança a ritmos alienistas: kizomba. Os pais eram jovens, mas isso não era desculpa. Que tenham mau gosto para gostar de kizomba é uma coisa. Obrigar o filho a ouvir é outra completamente diferente. Se tivesse bateria no telemóvel tinha ligado para a TVI. Infelizmente, tal não era o caso e vi-me obrigado a suportar aquela música própria de antecâmara de tortura. Com uma diferença relevante: eu possuo filtros, ou seja consigo pensar noutras coisas e abstrair-me; a criança não. Os pais não a deixavam. Tanto não que tinham o telemóvel donde ouviam a, passo a expressão, música praticamente colado à orelha da criança. Capaz de ela ficar lesada irreversivelmente como os pais. Isto é ainda mais grave se considerarmos que os genes são hereditários, ou seja, mesmo sem kizomba, não se avizinha um futuro risonho, academicamente falando, para esta criança. E 58 PROTUBERÂNCIA – Volume I daí, posso estar enganado. Pode sempre vir a ser artista de kizomba ou autor de textos como este que estão a ler (Eu gosto de me auto-criticar de forma negativa e ofensiva; assim os outros não o fazem porque, e cito, ―já não tem tanta piada‖.) E não é que não goste de kizomba, nada disso. Não é não gostar, é detestar mesmo. Já me têm perguntado porque é que não gosto de música africana. E eu não sei o que responder. Porque é que eu não gosto de música africana? Vamos por partes. Primeiro que tudo, kizomba e kuduro estão para África, como o pimba está para Portugal. Segundo, o que é música africana? África não é um país, são vários. Não existe música africana, existem músicas de países africanos. Não dizemos música europeia. Não existe música europeia, logo não existe música africana. Peço desculpa se no parágrafo anterior fui demasiado repetitivo. Por instantes temi que pudesse estar a ser lido por alguém que goste de música africana. Um recado se tiver sido esse o caso: Joel G. Gomes 59 TERMINUS #16 SOBRE CRÍTICA PUBLICADA Caro visitante, se chegou aqui através duma crítica publicada na edição número 137 da revista Exame Informática, não pense que lhe vou dar os parabéns por isso. Bem pelo contrário. Estou até muito desiludido consigo. Já tenho este blogue há mais de seis meses e foi preciso uma revista com uma tiragem média de 55 000 exemplares falar dele para ir logo a correr para o computador mais próximo e visitar um blogue cujos textos têm um "tom informal mas inteligente"? E para quê? Para agora estar a ouvi-las. Pois é. A pressa o que dá é nisto. Mas não desespere. Não veio aqui em vão. Nada disso. Apesar de não satisfeito com a forma como veio aqui parar, dou-lhe as boas vindas. Aproveito também para divulgar um dado importante que os senhores da revista esqueceram-se: o meu blogue é o blogue chamado PROTUBERÂNCIA mais visto do mundo. Asseguro-lhe. Pode verificar onde quiser. Não vai encontrar outro blogue chamado PROTUBERÂNCIA mais visto que o meu. Ora isto, parecendo que não, confere algum prestígio e obriga-me a algum rigor e responsabilidade. Agora já não posso escrever ―merda por tudo e por nada‖. (Eu disse que não podia escrever. É um visitante novo que está a ler isto. Cala-te lá, voz estúpida na minha cabeça.) Eis algumas opiniões: “Tá insonsa.” Jovem marido para jovem mulher após a primeira tentativa desta de fazer sopa “(...) peca pela parca exploração (...) [dos] personagens.” Crítico sem carisma e sem gel de duche 60 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #17 PRAXIS REGRESSUM OU UM ARTIGO ESTÚPIDO COM UM TÍTULO AINDA MAIS ESTÚPIDO E INCORRECTO DO PONTO DE VISTA LINGUÍSTICO Voltei à Boavista no dia 16 deste mês de Outubro. Desta vez, ao contrário da anterior, foi uma visita oficial; embora, oficiosamente, as aulas ainda não tenham começado. No papel já começaram, acontece é que a primeira semana de aulas coincide com a semana de praxes. E é disso que vos vou falar. Acho inadmissível que só se possam praxar os alunos do primeiro ano. As praxes têm como intuito nobre integrar novos membros em grupos já formados. É por isso que eu acredito que as praxes devem ser aplicadas também a professores ou formados recém-chegados à casa. Querem melhor símbolo de integração no espírito académico/profissional que verem dois professores enrolados em papel higiénico a correrem dum lado para o outro à procura de pauzinhos de giz verde? Que é difícil de encontrar, caso não saibam. Imagino um novo porteiro na Boavista e o senhor Felgueiras a dizer-lhe: ―Agora põe-te de joelhos em cima do balcão e canta. Vá, Fifi! Canta, porra!‖ Confesso que nunca vi o Felgueiras (deixei o ‗senhor‘ de parte) a ter ataques de fúria mas, como humano que é, não está livre disso. Vi os novos alunos (os de Ciências da Comunicação, porque o pessoal de Arquitectura não se mete nisso; já explico porquê), observei-os a comer, a beber, a cantar, a saltar, etc. Não conhecia nenhum. Em alguns casos, fiquei triste por isso. É que eu gosto de conhecer pessoas. Por outro lado, com as figuras que foram obrigados a fazer – onde é que desencantaram o GI Joe, já agora? Joel G. Gomes 61 – fiquei contente por nenhum dos novos alunos me conhecer (nem mesmo de vista). Era o que me faltava era alguém num oleado branco, cheio de vernizes e brilhantes, virar-se para mim e dizer para todos ouvirem ―Eh! Eu conheço-te! És o Joel!‖ A minha imagem – digam que não estou a pensar alto; eu tenho imagem, certo? – iria ser bastante afectada. Ao mesmo tempo que se utilizava uma sala para propósitos nobres como pôr pessoas em poses ridículas a dizer frases de índole sexual com a desculpa da integração, não muito longe dali, outro grupo de caloiros tomava contacto com a realidade que irão conhecer nos próximos quatro anos. No primeiro artigo publicado neste blogue, falei do Muro de Berlim. Os veteranos sabem do que eu estou a falar; assistiram à sua criação (alguns participaram nela). Pelo bem e pelo mal, os caloiros devem ser informados disso. Ora, ao que consta, a área para lá do Muro de Berlim está em obras. Quanto a mim, é por isso que as praxes de Ciências da Comunicação deste ano não chegaram aos pés das praxes de Arquitectura. Vejam a comparação: os alunos de Ciências cantam, dançam, comem alho, brincam com vibradores e não têm aulas; os de Arquitectura têm aulas e, da maneira que as salas deles estão, quase que são obrigados a fazer as suas próprias salas. É como eu costumo dizer: não há melhor integração do que aquela que nos põe dentro dos eventos. Sejam bem-vindos de novo. O Joel saúda-vos. 62 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #18 PELO BEM DAS NOSSAS CRIANÇAS A SIC portou-se mal. Foi uma menina feia. E por isso a nova madrasta da comunicação social portuguesa, a Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) decidiu pô-la de castigo. Isto assim, explicado em linguagem de retardado, até é fácil de perceber. Mas, mesmo que eu recorresse a alguns dos termos usados no relatório da ERC como ―Os valores para que remetem as imagens são degradantes e, não menos importantes, arcaicos face às preocupações e ideais geralmente identificados com os da juventude‖ a coisa continuaria a ser mais ou menos fácil de entender. A razão por trás deste processo imposto à SIC tem a ver com a sexonovela ‗Jura‘. Em concreto, com spots autopromocionais que a SIC terá exibido 5 da referida sexonovela em horário impróprio. Ao que parece não se pode fazer publicidade a programas de índole sexual à hora em que as criancinhas estão em casa a ver a ‗Floribela‘. Devo dizer que a decisão da ERC me fez (e continua a fazer) confusão. Por um lado, conheço mais ou menos o Código pelo qual a ERC se rege e tenho quase a certeza que agiu bem. Por outro lado, posso dizer que agiu tardiamente e sobre a arraia miúda, por assim dizer. Sim, a SIC fez alusões a conteúdos sexuais em horário impróprio. Foi punida por isso. Certo. Mas não fizeram nada em relação à ‗Floribela‘. Se nunca fizeram a comparação, não se preocupem; eu façovos a papinha toda. Ora vejam. ‗Jura‘ é uma telenovela sexual feita para adultos. Por acaso passaram uns spots a horas más. Agora vou falar-vos da ‗Floribela‘. 5 Se são autopromocionais, não deveriam ser feitos pela própria sexonovela? Joel G. Gomes 63 A Floribela é uma telenovela infantil. E vejam que bom é para as nossas crianças. Ela fala com fadas, tem os olhos sempre brilhantes e tem ataques de fúria quando o seu príncipe não admite os seus sentimentos. E as crianças gostam disto. Elas gostam duma jovem esquizofrénica, com tendências bipolares que, ainda por cima, é militante do PPM. E não se esqueçam dos olhos brilhantes. O que é que ela toma? Sem dúvida não é um exemplo que eu gostaria de partilhar um dia com os meus filhos. ―Filho, não chateies o pai. Vai ver a ‗Floribela‘.‖ Nunca. Pode me chatear o tempo que quiser. E depois temos as músicas e os spots. Os spots da ‗Jura‘ são nefastos para a mente das nossas crianças? Desviantes? Atenção à letra do spot da ‗Floribela‘: “para a frente e para trás / para cima e para baixo” e logo a seguir, com um sorrisinho maroto, “prontos para mais uma?” A ‗Floribela‘ é vista por crianças e pré-adolescentes recéminiciados em práticas de auto-satisfação. Mas não é preciso ver a ‗Floribela‘ para ver um spot sem querer. Os ‗iniciados‘ vêem o spot, acompanham a letra a pulso e perante a questão ―Prontos para mais uma‖ eles são capazes de corresponder em tempo recorde. Ora, isto faz inveja aos mais crescidos. Alguns para dar uma precisam de tomar um comprimido, quanto mais dar duas. Se isto não for crueldade da SIC, é desleixo da ERC. 64 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #19 O REGRESSO DO SUPER-MÁRIO Mário Augusto está de volta aos ecrãs. Aos ecrãs, aos posters, aos cartazes. Sinceramente, não me lembro do genérico antigo do ‘35 mm‘, mas porra! O homem ‗tá assim um bocado a puxar ao egocêntrico. Agora deu-lhe em pôr a cara em tudo quanto é capa de filme. Não lhe bastava assassinar a língua de quem entrevista em fundo azul; ainda tem de estragar as capas. É só por isso que esta ideia das capas me revolta. Se ele soubesse falar inglês como deve ser ou, pelo menos, como um aluno do sexto ano, aí tudo bem. Mas não. Tanto tempo nos Estados Unidos; conhece tanta gente e no fim é o que se vê. Até o Lauro Dérmio falava melhor inglês que o Mário. Sim, era uma personagem fictícia, era no gozo, mas pelo menos aí era de propósito e nós ríamo-nos; com o Mário, o caso é mais para chorar. Até um mudo fala melhor inglês que ele. E há quem diga que o Mário não entrevista os seus convidados pessoalmente. Que o Mário está num sítio, o convidado noutro e é tudo editado em pós-produção. Quanto a isso não sei. É verdade que raramente fazem um plano conjunto a não ser quando se cumprimentam e mesmo aí fica a dúvida. Basta que nos lembremos do ‗Forrest Gump‘ e daquela cena em que o Tom Hanks aperta a mão ao Kennedy para que a suspeita fique atiçada. Pessoalmente, não me faz qualquer diferença se os convidados estão lá ou se estão na lua ou onde quer que seja. Para ser sincero, prefiro que não estejam. Vejam a coisa assim: até agora só há suspeitas; sinal de que a equipa técnica está a trabalhar bem. E depois há outra; o programa já vai com alguns anos. Se os convidados fossem todos entrevistados pelo Marinho, o programa tinha ficado pelo piloto. E daí não sei. Afinal de contas, eles são pagos por entrevista. Joel G. Gomes 65 E são actores. De certeza que conseguem manter um ar mais sério enquanto falam com o Mário. Eu acho que não seria capaz. Mas também não sou actor. Para terminar aqui ficam duas sugestões. Primeiro, um substituto para o lugar do Mário, caso lhe aconteça alguma (esperemos que não): o Donaltim. É da SIC e, apesar de andar sempre com uma mão enfiada no rabo, suspeito que fale melhor inglês que ele. Segundo – e esta é mais delicada –, tornar o ‗35 mm‘ mais popular fazendo uma versão porno. O título seria ‗35 cm‘. Mas aí não poderia ser o Mário a apresentar. Teria de ser o Jamal. E poderiam continuar com a cena das fotomontagens. Só que desta vez seria o Jamal a assumir o lugar principal. Mas como a tecnologia é boa; talvez se conseguisse encaixar o Mário nalgum pixel. Antes isso que encaixar um pequeno pixel nele. Apaga! Apaga! Ai o que eu fui dizer.... 66 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #20 UPGRADE POLICIAL Apesar das apreensões que são feitas e das redes de tráfico que são desmanteladas, nós portugueses (e eu acima de todos) temos a mania de considerar as nossas forças policiais obsoletas e pouco capazes. Podem ser reconhecidas lá fora como ‗boas‘, ‗muito boas‘, até mesmo ‗as melhores‘. Cá dentro não prestam para nada. Digo isto sem qualquer reserva porque é verdade. E qual é o problema aqui? Não tem a ver com o material, não tem a ver com os recursos, com o dinheiro. Nada disso. Resume-se a uma palavra: turnos. Os turnos policiais são muito curtos. Em oito horas não dá para fazer nada. Eu vejo o ‗24‘ desde que a série começou. E a verdade é que eles só conseguem acabar com os terroristas porque fazem turnos de 24 horas. E também porque não fazem pausas. Nos episódios do ‗24‘ nunca se vê ninguém a ir ao WC6, a comer uma sandes, a beber café. Não se vê nada. O pessoal está ali vinte e quatro horas seguidas e estão todos na boa, sempre a trabalhar. O que é que aquela gente toma? Mais importante que isso: é legal? E se sim, podemos arranjar isso aos nossos agentes? Sei que o ‗24‘ é ficção. Num dia, apaixonam-se, casam-se e divorciam-se. It‟s life to the fullest ou carpe diem, como dizia o outro naquele filme dos poetas mortos. Mas se não são os turnos, há qualquer coisa que está mal na nossa polícia. E eu acho que sei o que é. Falta-nos criatividade. Um amigo meu escreveu para o Ministério da Administração 6 Não querendo estragar a surpresa a quem ainda não viu, só para dizer que na sexta temporada há um personagem que vai ao W enviar um fax. O realismo acima de tudo... Joel G. Gomes 67 Interna a sugerir que a polícia usasse hienas amestradas nas rusgas. Era uma ideia de génio! Só que eles não aceitaram. Imaginem. Os polícias entravam num apartamento, começavam a revistar o apartamento. De repente, a hiena começava-se a rir – porque é isso que elas fazem – o suspeito atacava-a e a hiena desfazia-o em pedacinhos. Era uma ideia boa. Não sei porque não a aproveitam. Talvez por ele ser um leigo na matéria. Ainda assim, mesmo sem grandes recursos tecnológicos ao seu dispor, o polícia bom está sempre preparado para tudo e não desiste. É um lutador, é um atleta. Infelizmente (ou felizmente) o policiamento não é visto como um desporto a sério. Por muito bom que um polícia possa ser, nunca ouvimos falar de transferências milionárias de agentes duma esquadra para outra. Quando um novo comandante da GNR assume funções numa determinada esquadra, não o vemos convocar uma conferência de imprensa para dizer: "Estou muito contente por estar aqui e prometo fazer o meu melhor para evitar que esta esquadra desça de divisão." 68 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #21 MANOEL DE OLIVEIRA A 48 VELOCIDADES Têm criticado os filmes de Manoel de Oliveira. Eu próprio, em tempos, subscrevi essas críticas. E sem razão. Diz-se que os filmes de Manoel de Oliveira são chatos e lentos e sendo ele o autor, atribui-se a culpa disso a ele. Nada está mais longe da verdade. E é em nome da verdade que vou revelar quem é o verdadeiro responsável pelos filmes de Manoel de Oliveira (e outros!) serem lentos e chatos. Até porque, convenhamos, é muita coincidência tantos realizadores portugueses fazerem filmes tão parecidos. A culpa será deles? Não. A culpa é da tecnologia. E para aqueles que pensam que sou um conservador, que no ‗antigamente‘ é que era bom, passo a explicar o porquê do meu descontentamento. Os clássicos portugueses têm estado a ser reeditados em DVD. Isso é bom. O que não é bom é continuarem a fazer nas edições em DVD o mesmo que haviam feito nas edições em VHS, ou seja, porem os filmes numa velocidade mais lenta que a original. Esta é a verdade! Os filmes portugueses estão carregados de acção! Só que estão em câmara lenta. Ou vocês acham que o Estado português iria dar 450 mil euros (na altura 150 mil contos) a um realizador para ele filmar uma pedra durante quase cinco minutos? Ou para fazer planos fixos ainda mais longos que isso? Chegaram, inclusive, ao ridículo de dizer que houve um realizador que recebeu dinheiro do Estado para fazer um filme Joel G. Gomes 69 sem imagem. Mas alguém acredita nisto? É lógico que não. Isto acontece porque, muito provavelmente, quem pediu os subsídios não foi o realizador. É só fazerem as contas. O subsídio para longas-metragens é de 150 mil ou 450 mil euros e o de curtas 50 mil. Ora, entre 50 e 150 a escolha é fácil de fazer, não é? Vamos reconhecer as longas-metragens portuguesas como aquilo que elas realmente são: curtas-metragens em câmara lenta. Vamos acertar os subsídios e dar aos grandes realizadores portugueses aquilo que eles realmente merecem. E aproveitamos para dar o que sobrar à nova vaga de realizadores que luta nas sombras para fazerem filmes que as pessoas queiram ver. 70 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #22 TUDO MENOS CINEMA Dois artigos seguidos sobre o Manoel de Oliveira pode parecer implicância da minha parte – e se calhar até é – mas julgo que não. É apenas uma precaução. Como sabem, o senhor já passou dos noventa e tal anos e, por isso, como eu acredito que ele fez tanto pelo cinema português como o talhante da minha rua, resolvi escrever isto antes que ele fosse desta para outra (decerto, bem mais movimentada comparativamente). Tudo para que esta não seja uma crítica póstuma. Passando ao assunto em concreto, há cerca de dois, três meses li uma crónica no jornal 'Público' escrita por, lá está, Manoel de Oliveira. Na altura pensei em escrever um artigo sobre certas ideias que ele havia exposto nessa crónica. Felizmente para mim o meu gosto pela vida ainda não havia esmorecido. Passado todo este tempo, apercebo-me que o meu gosto pela vida ainda continua por esmorecer mas, ao mesmo tempo, apercebo-me e assumo que às vezes é preciso fazer sacrifícios por um bem maior. Comecemos pelo título. 'Cinema de ontem, cinema de amanhã'. Eis algo que me assusta. Manoel de Oliveira é tido como o grande patrono do cinema português e fez tão bem as suas jogadas que o cinema de amanhã, mesmo já sem ele, seguirá o mesmo rumo. Como sabem, o nosso cinema é rico em variedade. Desde filmes sobre toxicodependentes a pessoas com depressão, a padres que caem na tentação, a padres toxicodependentes com depressão que caem na tentação. E no meio podem pôr uma prostituta arrependida. Ou então fazem um filme de época. Assim, estilo 'Branca de Neve'. Não se nota, mas é. Dizem. Gosto de uma coisa nele (Manoel de Oliveira) – Joel G. Gomes 71 precisamente também o que mais odeio – aos noventa e tal anos ainda filma. Por esta altura, já perdi a esperança de que venha a ter acção nos seus filmes. Se não teve nas últimas décadas, não era agora que ia começar a ter. Entristece-me é a nova vaga de realizadores – os apadrinhados – que ainda tem forças para se mexerem e mudarem o rumo que seguimos desde há muito tempo e, em vez disso, cedem à inércia para não perderem o apoio que tanto lubrificante lhes custou. Outra coisa que admiro em Manoel de Oliveira é a honestidade. Eu desconfiava e ele, sincero e justo como poucos, confirmou-o na tal crónica. No último parágrafo, Manoel de Oliveira escreve: “Curiosamente, da minha parte, faço sempre um grande esforço para que não aconteça durante a fabricação de qualquer um dos meus filmes que eu nunca caia nesse estado de um abstracto, de um pressuposto que frequentemente leva as pessoas a acreditarem que estão a fazer cinema. O que, sempre que começo uma nova filmagem, me leva a dizer para comigo mesmo, e até, por vezes, a prevenir o chefe operador: vamos fazer tudo o que for preciso, tudo menos cinema.” É bonito e confirma as minhas suspeitas. Só precisa é de ter mais divulgação. Quanto à escrita em si.... bom, os que compreenderam e apreciaram a crónica são aqueles doutorados ou pseudointelectuais que apreciam e julgam compreender os filmes dos grandes realizadores portugueses. A eles, peço desculpa pelos termos usados neste meu modesto artigo. Só espero que a simplicidade não vos tenha ofendido. 72 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #23 MAS O QUE FOI AGORA? OUTRA VEZ AQUELA CENA DE CAMARATE? Acho que já ia sendo tempo de escrever um artigo sobre Camarate. Confesso que a vontade não era muita, mas agora tenho uma justificação para o fazer. Do caso em si já muito foi dito. Portanto dizer coisas como ‗foi tudo uma granda aldrabice‘ ou ‗aquilo foi coisas dos americanos‘ seria ‗chover no molhado‘.7 Optei por esperar. E a espera valeu a pena. ‗Sô Zé‘, também conhecido no mundo das pessoas normais por José Esteves (ou será antes José Esteves, também conhecido por ‗Sô Zé‘?) veio a público dizer que foi ele quem construiu o engenho explosivo (que raio de ocultista é este que diz tudo assim à balda; até parece que agora já não lhe podem fazer nada) que arrebentou (dito em bom português) com o avião onde viajava o Primeiro-Ministro Sá Carneiro e o Ministro da Defesa Amaro da Costa. Até aqui nada de novo, até porque o nome do confessor já fazia parte do top de suspeitos desde há muito. É tipo aquela história do pai que pergunta aos filhos quem partiu a janela e os filhos calados e então o pai volta a perguntar e os filhos nada até que o pai diz aos que não atiraram uma fisgada ao vidro para levantarem o braço e depois vai-se a ver e não foi nenhum dos miúdos na volta se calhar foi a mãe. Pronto, o exemplo não é dos melhores. Mas há de servir de exemplo para outra coisa. Julgo eu. O truque é que o crime já prescreveu. Por outras palavras, já não o podem acusar. Isto agora teria muito mais impacto (piada 7 Não faço ideia se estas citações pertencem a alguém ou não. Mas são lugares-comuns tão comuns que é possível que alguém as tenha dito numa altura ou outra. Pelo sim, pelo não… Joel G. Gomes 73 não digo, mas impacto certamente) se lá atrás não tivesse escrito já isso. Ora, isto pode parecer triste – há até quem diga que é ‗uma vergonha para a justiça portuguesa‘ – mas do ponto de vista humorístico é do melhor que se arranja. Primeiro, temos a referência a ‗justiça portuguesa‘. Segundo, a piada em si do dizer ‗sou culpado‘ quando já arrebentou a bolha. Ainda por cima, o próprio ‗Sô Zé‘é uma piada. Não gosto de julgar as pessoas pelas suas crenças ou aparências, mas olhando para a foto dele, diria que parece um José Castelo Branco envelhecido. (Diria, mas não digo porque isso seria de mau gosto.) A juntar a tudo isto, José Esteves foi Segurança (era o único que entrava com bombas, os outros ficavam todos à porta que até se lixavam), foi membro dum grupo terrorista de extrema-direita (ai onde vão esses tempos…); hoje é vidente convertido ao Islamismo. Fazia-nos falta uma figura assim há muito tempo. Acrescento ainda que, a bem ou a mal, Sá Carneiro e Amaro da Costa tinham de morrer mais cedo ou mais tarde. Os conspiradores dizem que era por causa das armas que foram vendidas pouco depois ao Irão. Os sábios, como eu, sabem que a única maneira de fazerem um aeroporto Francisco Sá Carneiro era se Sá Carneiro morresse numa queda de avião. Basta verem a quantidade de nomes de figuras públicas que baptizam locais públicos e contar quantos estão ainda vivos. Para terminar, a minha boa acção do dia, uma correcção a Leonete Botelho, jornalista do Público: o incidente de Camarate ocorreu em 1980, não em 2004 como escreveu na peça publicada a 29 de Novembro deste ano. Mais cuidado para a próxima. O que a gente precisa menos aí são informações falsas para desviar a nossa atenção. E já agora, sabiam que certa pessoa bem conhecida da nossa sociedade portuguesa, indivíduo ligado ao ramo do imobiliário, foi visto a perguntar as horas a um sujeito que andou na mesma 74 PROTUBERÂNCIA – Volume I escola que um actual assessor do Governo? Dizem que tiveram a mesma professora de Físico-Química, mas isso cá para mim já é especulação. Joel G. Gomes 75 TERMINUS #24 VER SEM MEXER Dizem que os espanhóis vêem bem é com as mãos. Não quer isto dizer que os espanhóis sejam cegos ou que tenham a sua anatomia focal desviada do sítio; mas sim que são espertos e aproveitam-se da fama para ter o proveito. Eu não sou espanhol – embora tenha uma costela vinda desse outro lado da Península – por isso não sei o que é isso de ver com as mãos. Assim, limito-me a fingir que hablo un poquito de espanhol. Como podem ver, nem escrever espanhol como deve ser eu sei, quanto mais falar. E agora, passo ao assunto do da: a frustração. Gosto de espanholas. Gosto de italianas, brasileiras, eslovenas, portuguesas, americanas. Pronto. Gosto de gajas. Mas de gajas como deve ser. Daquelas que um gajo encontra num daqueles bares onde se pagam 100€ só para entrar. O café lá nunca é menos de 2€, mas num sítio onde se pagam vinte contos para entrar o que se quer menos é café. Mesmo quando há sono. Umas notas em mão certa e o sono desaparece e outras zonas corpóreas ficam logo pré-dispostas para se animarem. Quem já frequentou locais como este, sabe o que pode encontrar lá. Desde o simples mas honesto strip-tease, ao dispendioso (mas proveitoso) free-for-all. Pelo meio há algo que, para mim, se qualifica como sinónimo de tortura da mais vil que existe. Falo do lap-dance. No strip podemos ter uma gaja boa, no free-for-all outra ainda melhor; mas a gaja que apanhamos no lap-dance põe logo as outras duas a um canto. E o pior é que não podemos fazer nada. Ao mínimo toque vêem logo dois matulões que nos põem dali para fora num instante. Não sem antes nos explicarem à custa de várias nódoas negras e ossos partidos que é para ver sem mexer. 76 PROTUBERÂNCIA – Volume I Para quem procura diversão, isto é do pior que pode haver. Além de caro, não se chega a provar nada. No entanto, há alguns para quem este tipo de práticas, mais do que pela sexualidade se caracteriza pelo seu lado profissionalmente engrandecedor. Refiro-me não às executantes, mas aos clientes. Nomeadamente o Clero. No meu ver, padre é que é padre é casto e não tem pensamentos libidinosos. (Pelo menos, não os deveria ter.) Logo, ter uma gaja toda boa a esfregar-se nele e ele sem reagir é bom sinal. É sinal que é puro. Ou não. Talvez não reaja por não apreciar aquele tipo de iguaria, o que não augura bons tempos para os putos da catequese. Uma última nota sobre a questão da castidade dos padres; é que muita gente confunde castidade com celibato. Não misturem as coisas. Celibato é não casar, castidade é não molhar o bico (dito em bom português). Os padres fazem voto de castidade, não de celibato. Infelizmente, pelas regras deles, para se comer tem de se primeiro entrar no restaurante. E isso eles não podem. Podem comer, mas não podem entrar. Podem conduzir, não podem é ter carro. Por outras palavras, eles podem consumar o casamento. Só que não se podem casar. É a paga. Por isso é que alguns fazem biscates por fora. Joel G. Gomes 77 TERMINUS #25 AS CASUALIDADES DA GUERRA Dei por mim a pensar no seguinte: a TVI começou a guerra com os ‗Morangos com Açúcar‘, a SIC respondeu com a ‗Floribela‘; a TVI contra-atacou então com a ‗Doce Fugitiva‘. O meu receio, como decerto devem estar a pensar é óbvio: o que é que a SIC vai inventar a seguir? Pior que isso! Em caso de resposta à altura, o que é que a TVI vai retirar da sua Caixinha de Programinhos Mágicos? Ainda não vi a ‗Doce Fugitiva‘, por isso não vou tecer aqui quaisquer elogios. Objectivamente falando, prefiro dizer que não presta. É mais seguro, honesto e possível de ser verdadeiro. Subjectivamente falando, julgo que não irei gostar. Mas não dou certezas quanto a isso. Posso, porém, falar sobre os ‗Morangos com Açúcar‘ e a ‗Floribela‘. Posso, mas não vou. Porque não me apetece. É uma questão de humores. Os humores vêm do estômago e o meu fica mal-humorado quando penso ou falo sobre estes assuntos. A questão essencial – não imaginam o quanto eu esperei por poder introduzir a questão essencial num artigo meu – ainda está por ser respondida. Temo até que ainda não tenha sido sequer formulada. Quem é que assiste aos danos causados por esta guerra? Quem é que cuida das vítimas? Pais, filhos, adultos, crianças, adolescentes, idosos. Todos sem excepção são deixados ao abandono pela implacável crueldade da guerra das audiências. Enganam-se aqueles que dizem que isto é servir o público. Errado. Trata-se apenas de mantê-lo servido. E mal. Já falei dos efeitos da ‗Floribela‘ e dos ‗Morangos com Açúcar‘. Agora decido levar a batalha para outro campo. Os 78 PROTUBERÂNCIA – Volume I pais dos directores da SIC e da TVI deixam os filhos verem os produtos infantis que eles exibem? O Francisco Penim tem filhos? Se sim e se ele (ou ela) gostarem de ver a ‗Floribela‘, com que cara é que ele (o pai) pode dizer ―Vai trabalhar mandrião!‘ se o filho for telespectador assíduo da ‗Floribela; cujo lema, recordo, é: ‗rica em sonhos e pobre em ouro‘. É um pouco como um incentivo à preguiça e à anarquia. (Aquelas roupas nunca me enganaram, confesso.) Nenhum pai quer isso. Um pequeno reparo, se mo permitem, esta situação com o Francisco Penim foi toda ela fictícia. Chamo a vossa atenção para isso. Para isso e pasra o facto de que, caso Penim tenha mesmo um filho, provavelmente ele não estará ainda em idade legal para trabalhar. Um ponto a meu ver. Preocupo-me com a integridade física e social das crianças. Só falta outros começarem a preocupar-se com a sua integridade psicológica e mental para que as coisas comecem a entrar nos eixos. Por agora fico por aqui. Sei que muita coisa ficou por dizer, mas voltarei a este assunto um dia destes. Joel G. Gomes 79 TERMINUS #26 UMA QUESTÃO DE DISTÂNCIA Finalmente trago um assunto pertinente para ser discutido dentro e fora da blogosfera: casas de banho públicas, com enfoque na distância que vai da retrete à porta. Friso que incluo na definição de ‗casa de banho pública‘ não só as ‗cabines‘, como também as de cafés e restaurantes. Já todos nós estivemos em situações de aperto – no sentido fisiológico do termo – e chegámos a um local onde esperávamos encontrar alívio e no fim encontrámos um novo aperto – desta vez a nível espacial. Esta situação tende a repetirse constantemente. Porque é que ninguém fala disto? Os ‗gabinetes‘ são demasiado exíguos. Mal dá para uma pessoa abrir a porta como deve ser. Às vezes chega a ser necessário pôr os pés em cima da sanita (gosto mais da palavra ‗sanita‘ do que da palavra ‗retrete‘) para que consigamos sair. E isto no caso de sermos magros. Se formos gordos nem chegamos a entrar. É por isso que eu gosto das casas de banho grandes. Aquelas em que uma pessoa entra e tem espaço até para meter um roupeiro e uma secretaria – embora fazer isso seja próprio de alguém com perturbações mentais acentuadas, não me custa nada dar a dica só para ver até onde vocês vão. Há, porém, um senão. Novamente, a questão entre a porta e a sanita. Convém explicar, duma vez por todas, a quem desenha casas de banho públicas que o facto delas serem espaçosas não implica que a porta esteja longe da sanita. Particularmente quando o trinco está avariado e a nossa única defesa contra uma exposição pública não desejada são a esperança e reflexos rápidos. E, já agora, um braço grande para que, quando a porta se começar a abrir, possamos reagir a tempo. Isto é deveras desagradável; para não dizer exaustivo. 80 PROTUBERÂNCIA – Volume I Chamo ainda a atenção dos responsáveis para outra coisa: as luzes automáticas. Não gosto. Ao início, sim senhor, é bonito, mas depois... É que o automático funciona para os dois lados, isto é, as luzes tanto acendem automaticamente, como apagam automaticamente. Muitas vezes nas piores alturas. Afinal de contas, qual é a finalidade das luzes automáticas? Que raio de vantagem é que essa invenção trouxe ao mundo? A meu ver, nenhumas. Ó sim, é muito mais prático entrar na casa de banho e a luz acender-se sozinha. É quase como um tapete vermelho e, realmente, poupa-nos imenso trabalho quando estamos mesmo aflitos. Mas as vantagens ficam por aí. E isto porquê? Primeiro, porque os sensores nunca tão colocados como deve ser. Activam-se quando uma pessoa entra, tudo bem, mas depois quando um gajo tá sentado a fazer o serviço, tem de estar, a maior parte das vezes, a mexer os braços, senão é obrigado a fazer o serviço às escuras. Que raio de ideia foi esta? Eu vou ali para perder peso intestinal (só para não escrever ‗cagar‘) não é para dançar. Figuras tristes já as faço cá fora. Não se posso ter um pouco de dignidade na casa de banho, onde é que poderei? E depois há aquelas casas de banho que o sensor só funciona se tivermos de pé. Se tivermos na sanita podemos até dançar a ―macarena‖ que não há luz pra ninguém. E isto se forem pessoas altas, ou pelo menos da minha altura. Se forem mais baixas que isto, não se safam. A não ser que levem um banquinho. Eu vi-me uma vez numa situação parecida. Estava sentado e o sensor estava fora de alcance. Então eu pensei: ‗E se eu regulasse o sensor de modo a que o ângulo ficasse mais fechado?‘ Assim o pensei, assim o fiz; convencido que estava a fazer um grande favor, não só a mim mas também a todos aqueles que tiveram ou poderiam vir a estar naquela mesma situação. Joel G. Gomes 81 O problema é que o sensor onde eu fui mexer tinha um alarme. Aquela porcaria começou a apitar duma maneira que até parecia que eu estava a assaltar um banco. O gajo do café veio logo ver o que é que se estava a passar e começou a bater à porta. ―Ó amigo, vamos lá a parar com as mexidelas aí para a gente não se zangar!‖ E eu ali caladinho. Não que eu tivesse medo dele mas já me bastava estar um gordo careca do outro lado a ralhar comigo por eu estar a fazer brincadeiras na casa de banho. O outro, lá se foi embora, e foi então que eu percebi para que é que servem as luzes automáticas. Qual a grande, senão a única, vantagem que elas têm. Não para os utilizadores, mas para os donos dos cafés. A conta da luz é baixíssima. O pessoal, se para ter a luz acesa precisa de estar aos saltinhos, é pá, caga lá nisso. Mais vale fazer às escuras. E os gajos poupam dinheiro que é uma coisa parva. 82 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #27 PELA NÃO UTILIZAÇÃO DESPROPOSITADA E INÚTIL DE UM ESPAÇO VIRTUAL BEM COMO PELA NÃO ACÇÃO INTENCIONAL DE DANO MORAL E PSÍQUICO DO LEITOR OU POR OUTRAS PALAVRAS NÃO FAZÊ-LO PERDER TEMPO A COMEÇAR PELO TÍTULO Não gosto de pessoas que julgam que qualquer merda que lhes vem à cabeça é merecedora de passar para a folha de papel ou para a folha virtual. Acho isso presunçoso, arrogante e estúpido. Porque é que ninguém lhes diz que fazer os outros perder tempo com artigos redundantes e sem nexo é pura perda de tempo? Se isto não é judicialmente punível, pelo menos a nível social deveria ser. Haja alguém que apanhe essas pessoas e lhes inflija fortes vergastadas. A não ser que elas gostem. Se for esse o caso digam que lhes vão bater mas depois não batem. Ameacem só. Voltando ao tópico principal, o país já está complicado o suficiente. Não era preciso vir mais alguém atirar postas de pescada para a fogueira só porque pensa que tem piada. Alguém lhe disse que tem? Não creio. Por tudo isto eu vos digo: olhem bem para dentro de vós e (se estiver tudo no sítio certo) pensem no seguinte: porque é que eu perdi tempo a ler isto? Joel G. Gomes 83 TERMINUS #28 O PRIMEIRO POST DO ANO – A PROPÓSITO DE… Talvez a minha ausência algo prolongada vos tenha dado a ideia (errada) de que havia abandonado a escrita neste blogue. O que é que querem? Não há tempo para tudo. Não que eu tenha uma vida super ocupada – sim, eu trabalho – é se calhar mais por falta de vontade do que propriamente por falta de ideias. As ideias são até demais, para dizer a verdade. De facto, se tenho estado ausente este tempo todo, não é por falta de assuntos para cometer, é sim por ter muito e não saber o que escolher. Continuamos com o Apito Dourado, com a Casa Pia, passou o Referendo ao Aborto, o Luz do Samoeiro ou Samouco (ou lá de onde era), a cena das urgências em Odemira. Alguns casos sazonais, outros pontuais; nada de importante portanto. Compreendi então que um regresso não podia ser feito através de um comentário – por muito bem elaborado e escrito que possa ser – a assuntos que já fazem parte do quotidiano da nossa praça pública. Pensei então sobre que tema seria o ideal para eu analisar neste post. Após uma profunda e cuidada reflexão cheguei ao tema fulcral, o tema que de norte a sul junta pessoas numa acção quase ritualista, de transe. Falo, naturalmente, da recolha de tampas de plástico. Quase de certeza já falaram nisto. É mais que provável. Mas tê-lo-ão feito (aposto) na altura em que a recolha começou, na altura em que era ‗um gesto bonito‘ (para uns) ou ‗algo condenado a desaparecer em menos de nada‘ (para outros). O desafio a que eu me proponho é trazer este assunto de novo à luz da ribalta e, passados estes anos, analisar que efeitos a 84 PROTUBERÂNCIA – Volume I tampomania8 teve na população portuguesa. Convivo regularmente com pessoas que sofrem de tamponite9 e sei o que o malefício das tampas lhes fez. E digo malefício sem qualquer hesitação. Eu sei que há um propósito nobre a orientar tudo isto (dizem), só que à custa disso esquecemo-nos sempre dos que contribuem para isso. Não nos lembramos das pessoas que deixaram de consumir álcool para passar a beber só aguinha e iogurtes líquidos. Hábitos de alimentação alterados por completo para que alguém receba uma cadeira de rodas. Não me entendam mal. Acho bem que se ajude quem precisa, mas há coisas que não compreendo. Como por exemplo: porque é que o único plástico aproveitável é o das tampas? As garrafas também são feitas de plástico. Não podemos reciclá-las também? E sim. O plástico é reciclado. Mas o único plástico que vai para as cadeiras (pelo que dizem) é o das tampas. Tentem lembrar-se de quando a coisa começou. No início só recolhiam tampas de garrafas de água – as tampas azuis –, só depois passaram para os iogurtes e refrigerantes e outros produtos. Se repararem, as pessoas fazem uma cara estranha quando vêem uma tampa de outra cor que não azul no meio duma pilha de tampas recolhidas. Cheguei a ver o dono dum café a chocalhar o garrafão das tampinhas colocado em cima do balcão para ocultar amarela que alguém lá havia deixado. Mas voltemos ao tema do plástico. Quantas toneladas é que eles dizem ser preciso? Uma? Duas? Quatros? Dez? E só à custa de tampinhas. Sabem quantas tampinhas são precisas para fazer um quilo? Quinhentas. Pela lógica matemática, para fazer duas toneladas são precisas um milhão de tampinhas. A considerar isto tudo como proveniente de garrafas de água, a coisa deverá rondar os 75 cêntimos por tampinha. Contas feitas, 8 9 Se ninguém registou isto, azar. O termo agora passa a ser meu. Outra para mim. Joel G. Gomes 85 estamos a falar dum valor na ordem dos 750 mil euros. Talvez o preço da cadeira seja mesmo esse mas, também, talvez fosse possível fazer mais cadeiras se aproveitassem mais plástico. Digo eu. Até há pouco julgava que tudo isto não passava duma manobra orquestrada pelos donos das companhias de sumos, águas, etc. para vender mais e mais. Vendo as coisas doutra perspectiva, vejo que talvez a resposta seja mais óbvia que isso que se, por alguma razão, nos escapou durante todo este tempo é porque somos estúpidos. Eis a minha dedução: só recolhem tampas. Não lógico assumir que é o pessoal que fabrica as tampas que tem algo a ganhar? E agora vocês interrogam-se: mas as tampas são feitas no mesmo sítio não são? E eu é que sei? Se as minhas conclusões vos fizerem algum sentido, talvez sejam; senão, quem sabe? A verdade é que isto que eu estou a dizer, faz tanto sentido quanto aquilo que nos disseram. A diferença é que não peço nada em troca. Ainda. 86 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #29 SE CALHAR ATÉ É DIFAMAÇÃO OU ENTÃO É MESMO O SERVIÇO QUE NÃO VALE UM CORNO Como podem reparar tenho estado ausente. A esse facto devemse compromissos profissionais, excesso de labor doméstico e falta de tempo. Enfim, tudo razões sem qualquer fundamento. Tentem ver isto como um serviço. Vocês querem vir cá e ler artigos actuais e interessantes. Nesse caso, porque é que vêm aqui? Pergunto-me isso. Ainda assim, apesar de não perceber porquê, percebo e calculo que haja quem cá venha pela actualização dos posts. (Também há quem venha através de pesquisas feitas no google a ‗Floribela‘ e ‗Doce Fugitiva, mas isso fica prometido para um próximo artigo.) E é nisso que eu tenho falhado mais. No fundo, o que eu estou a fazer é prestar um mau serviço e a usar desculpas esfarrapadas para, lá estar, me desculpar. Por tudo isto vou mudar de assunto e falar-vos do meu relacionamento com a Pixmania. Começou numa manhã de Inverno, fria e chuvosa. Lembrome de ter pensado então ‗se isto fosse uma gaja boa, daqui a uns dez estaríamos a lembrar-nos deste dia‘. Só que não era uma gaja boa, era o site da empresa Pixmania. Estávamos no dia 24 de Janeiro do ano da graça do Senhor de 2007 (se digo ‗graça‘ é porque, provavelmente, o único que se está a rir é Ele) e eu, qual consumidor incauto, fiz fé nos ditos de qualidade e satisfação garantida ao cliente. Mais honestidade que esta, posso dizer que só li nos anúncios da secção ‗Relax‘ do jornal Correio da Manhã. Agora entra a parte mais ou menos séria (digo ‗mais ou menos‘ porque, apesar de rigoroso quanto aos eventos, não hesitarei em atirar uma boca sempre que a ocasião o justifique; isto é, em cada parágrafo): Joel G. Gomes 87 Fiz uma encomenda através do site. Como fui um menino bonito durante todo o ano de 2006, o Pai Natal ofereceu-me uma televisão para pôr no quarto. (Iupi!!!) Então eu, como além de bonito, sou também poupadito (mas não sovina) decidi que estava mais que na hora de arranjar um aparelho que me permitisse passar todo o VHS que tinha ainda aproveitável para DVD e um suporte de parede onde pudesse colocar tanto a TV, como o tal aparelho. Abro aqui um parêntesis para dizer que não culpo o google se os primeiros resultados de uma pesquisa feita a ‗gravador dvd/vhs‘ reportam ao site da Pixmania. É graças ao google, à sua organização e aos cliques feitos por acaso que tenho 800 visitas. Iludi-me pela pesquisa e fiz a tal encomenda: um gravadorleitor DVD/VHS da Samsung e um suporte para vídeo/DVD da Vogel. Como gosto de fazer as coisas como deve ser, fiz o pagamento e envio do comprovativo conforme requisitado dois dias após ter feito o pedido. E fiquei à espera. Para quem nunca pensou por esta experiência, esperar por uma encomenda quando já enviámos o dinheiro pode provocar ansiedade. É como esperar que um familiar volte da Guerra. Por vezes enviamos o dinheiro para lá, com uma nota para ele comprar um agasalho e ele depois gasta tudo em meretrizes e vinho verde. (Não escrevi ‗putas‘ porque podia parecer mal.) O que nos chega a casa pode não ser o que estávamos à espera. E assim foi… em parte. Graças a telefonemas sucessivos e ao reenvio do comprovativo da transferência a partir da loja da Pixmania em Lisboa consegui ter a encomenda em casa somente dois dias do prazo para o pagamento ter terminado. Não vos contei? Fazemos o pedido, enviamos o dinheiro e o comprovativo e se o comprovativo não chegar lá no prazo de quinze dias, o pedido é cancelado. Quanto ao dinheiro, não sei. Há-de ficar por lá. Felizmente, não foi isso que aconteceu. A encomenda 88 PROTUBERÂNCIA – Volume I chegou e estava quase tudo como eu desejava. Primeiro senão, porventura o menos chato, o tal aparelho não trazia instruções em português. Não que eu precise, mas se tenho direito a ter só tenho é de ter, nem que seja só para ter na prateleira. O segundo senão é o que me levou a escreve isto. Falo, claro, do suporte. Conforme leram mais acima, a minha intenção era comprar um suporte que desse tanto para a TV como para o gravador. De preferência, ajustável. O que recebi foi isto: A foto não ficou com boa resolução Pensei então, se eu fosse uma tal gaja à espera que o marido regressasse da guerra, seria uma boa altura para cair nos braços da histeria e desatar aos gritos com uma vozinha estridente a fazer lembrar a claque do Nacional da Madeira ―Assassinos! Assassinos! Cortarem-no todo! Assassinos!‖ Senti-me como os consumidores dos anúncios de serviço pessoal dos jornais. Lemos a descrição, ouvimos a voz e fazemos o retrato na cabeça. E depois vai-se a ver e… é o que todos nós sabemos. O meu caso foi ainda pior pois tinha uma foto para me guiar antes de ter feito a encomenda. (O engano não foi só meu, até funcionários da loja julgaram ser este o artigo.) É bonito ou não é? Agora comparem: Joel G. Gomes 89 E esta porcaria amputada custou quase trinta euros. Trinta euros por uma merda sem estabilidade, sem ajuste e, pelo que dizem, só compatível com suportes da mesma marca. No site da Pixmania o suporte para TV da Vogel mais barato que encontrei custava 41 euros. Fiz o que qualquer pessoa sensata faria e mandei-os para o raio que os parta. Como? Fui a um hipermercado e comprei um suporte completo, ajustável em cima e em baixo. Por quanto? Menos de trinta euros. Oh! Mas não é possível! E então que fizeste tu depois Joel? Depois disse à vozinha na minha cabeça para se calar ou os leitores deste artigo iriam pensar que eu não regulo bem. E depois fui devolver o suporte. Antes disso já tinha reclamado – até agora sem resposta. Entreguei o suporte a 26 de Fevereiro. Só no dia 12 de Março recebi um mail a confirmar a recepção do artigo para avaliação. Olhem novamente para isto: Que merda de avaliação é preciso fazer? Ou está inteiro ou não está. A não ser que – e aqui é a parte em que se comprova o que eu disse – eles julguem que o artigo seja um suporte completo e estejam à espera que chegue o resto. É que se for esse o caso, não vale a pena esperar porque não vai chegar nada. Quanto a mim, continuo à espera que me devolvam o dinheiro ou qualquer coisa para compensar; que alguém do programa da Fátima Lopes ou do Manuel Luiz Goucha se aperceba do meu problema e me leve à televisão; ou então aquela menina do ‗Nós por cá‘. Se calhar preferia isso. Por uma questão de alinhamento. Você na TV (TVI): Tonicha + EU + filha violada pelo 90 PROTUBERÂNCIA – Volume I meio-irmão Fátima (SIC): Donaltim + EU + Cláudio Ramos „Nós por cá‟ (SIC): reclamação à TV Cabo + EU + poste de iluminação na varanda. Joel G. Gomes 91 TERMINUS #30 PROFESSORES E JUNTAS MÉDICAS: AFINAL O QUE SE PASSA? A classe dos professores queixa-se de estar a ser vítima de injustiças, discriminações, atentados aos direitos fundamentais, blá blá blá. Essa cambada (que é o mínimo que se pode dizer) queixa-se, queixa-se e sem razão. Primeiro eram os horários, depois eram as deslocações (tomara muitos pilotos da TAP viajarem tanto como certos professores), depois vieram os programas escolares, os putos delinquentes. Agora, para animar a festa, são as Juntas Médicas. Eu já não sou estudante, também não sou professor – esses problemas passam-me todos ao lado – mas porra! arranjem outra merdinha para se queixarem. Tudo bem, morreram dois professores. Só que não se esqueçam. Uma tinha leucemia, outro tinha cancro. Não é ser má língua ou insensível, mas não eram propriamente os melhores exemplos de saúde que andavam aí. No dia 24 de Julho li no DN a propósito de um terceiro caso do género, o de uma professora, também com cancro. Desconheço a situação actual da senhora desde então; sei que a Junta Médica que avaliou o seu pedido de aposentação, recusou a aceder. E fez senão bem. É que é preciso ser insensível ou burro para não ver o bem que estas Juntas Médicas estão a fazer por estes professores. É muito simples. Se a Junta Médica os tivesse reformado, o que teria acontecido? Ficavam em casa, na companhia dos seus, a viver bem e a sonhar, diriam os mais positivos. A verdade é que a serem reformados mais cedo, estes professores ficariam em casa, a pensar no que já não poderiam fazer, no pouco tempo que tinham, a lamentar-se por decisões mal tomadas e que já não poderiam corrigir. Ficariam tristes e morreriam 92 PROTUBERÂNCIA – Volume I depressivos. Ao trabalharem até quinar, nem dão pelo tempo a passar. Alguns nem conseguem pensar se estão alegres ou tristes; continuam a educar os seus alunos. O que é senão nobre. Além de que, isso de trabalhar até morrer é um acto que muitos sonham atingir, mas que poucos querem que passe realmente do sonho. O verdadeiro actor, o verdadeiro artista, quer morrer no palco, o verdadeiro lutador quer morrer no ringue, o verdadeiro toureiro quer morrer na arena. Estes professores têm o privilégio de poderem morrer nas salas de aula – imaginem o que seria um professor de Expressão Dramática ao encenar uma morte, soltar o último fôlego. Mais realista seria impossível – e ainda se queixam. Isto sem falar que no ‗tempo da outra senhora‘ (a versão espacial desta expressão será, porventura, na ‗casa da Joana‘?) ainda continuavam a exercer o seu poder de voto depois de mortos. Alguns tinham a vida, perdão, tarefa, facilitada. Nem se precisavam de mexer; já estavam nas urnas, era só votar. Bons tempos, bons tempos… (Quis meter-me na pele dum dos sujeitos das Juntas Médicas que têm tomado estas decisões tão humanistas e respeitadoras da dignidade profissional. Além do que acabaram de ler, isto provocou-me também uma azia. Conto que tenha sido por ter estado tanto tempo na pele de tal espécime e não por qualquer coisa que tenha comido estragada.) Joel G. Gomes 93 TERMINUS #31 3 COISAS COM QUE EU NÃO BRINCO E PORQUÊ No mundo de hoje é preciso sabermos bem distinguir o bem do mal, o certo do errado. É preciso traçar linhas e sabermos quais os nossos limites. Em tempos lutaram pela nossa liberdade, o que, apesar de simpático, não teve grande efeito prático na elaboração desta pequena lista de três coisas com que eu não brinco. 1ª coisa com que eu não brinco: Deus A minha política no que se refere a coisas ―gozáveis‖ é simples: têm de existir. Deus não existe, logo não brinco com ele. Alguma piada ou referência que eu faça é apenas porque de vez em quando vejo Deus como um gambuzino. 2 ª coisa com que eu não brinco: ciganos Admiro-lhes o espírito de união, o nomadismo e o modo como se aguentaram ao longo dos tempos. Confesso a minha ignorância em relação à sua cultura e costumes (tipo usar uma banheira como horta). Acredito que hajam alguns com espírito para a brincadeira, mas a diferença de culturas ensina-me a ser cauteloso e a pensar bem antes de agir. Por isso, não brinco com eles. 3 ª coisa com que eu não brinco: José Sócrates Como aspirante a funcionário público que sou, devo pensar bem antes de dizer o que seja sobre o Senhor Primeiro-Ministro Engenheiro José Sócrates, não vá dizer algo impróprio sem querer. Mesmo que fosse trabalhador do sector privado, continuaria a rezar pela sua alma e a considerar este o melhor Primeiro-Ministro de sempre. 94 PROTUBERÂNCIA – Volume I Um grande bem haja para si, Senhor Primeiro-Ministro Que Deus o tarde o a ter na sua companhia que o mundo bem precisa de si. Assina um funcionário público dedicado P.S.: Sócrates rules! Plato, go fuck yourself! Joel G. Gomes 95 TERMINUS #32 NOVO FUNDO DE INVESTIMENTO CINEMATOGRÁFICO Aos anos que andavam a falar disto e até me custa a acreditar. Será que foi mesmo desta? No dia 24 de Julho o Ministério da Cultura anunciou a surpresa que todos aguardavam há três anos. Convenhamos que em termos de surpresa não terá resultado muito bem, mas a nível de efeitos positivos foi uma boa nova. Para quem não sabe o Ministério da Cultura criou um novo fundo de investimento para o cinema e o audiovisual que vai deixar de ser atribuído apenas pelo ICAM (Fundo de Apoio Indiscriminado a Paulo Branco e Outros), passando a ter a participação da RTP, da SIC (não me lembro se também da TVI, mas é possível). Em suma, entidades públicas e privadas. Sublinho aqui a presença das privadas num fundo de investimento. É o que me faz estar contente. Investimento privado implica retorno do investimento, o que vai obrigar muitos cineastas portugueses a deixarem de olhar tanto o seu umbigo e fazer filmes para o público. Por outro lado temos a primeira consequência negativa disso que é começarem a fazer filmes tipo ‗O Crime do Padre Amaro‘ à paposeco. Se é excelente a ideia de ver gajas como a Soraia Chaves nuas a toda a hora e instante, às tantas tanta oferta torna-se monótona e perde o interesse. Não sou contra o cinema de autor – o Manoel de Oliveira quer fazer um filme? Deixem-no – nem sou contra ―Padres Amaros‖, ―Sortes nulas‖ ou ―Coisas ruins‖. Há lugar para tudo e para todos. Façam o que quiserem, mas façam para o público. O grande problema do cinema português é apenas este: a bipolarização. São dois extremos tão distintos que quando vemos um, não acreditamos que existe outro. O que eu quero é algo que estará algures no meio. 96 PROTUBERÂNCIA – Volume I E se alguns temem que conceitos como ‗rendimento‘, ‗comercialização‘ ou ‗lucro‘ possam tornar os filmes desprovidos de vida ou interesse cultural, pensem nos subsídios que receberam durante anos e no que fizeram pelo cinema português em Portugal. Lá fora é bom, mas (preto no branco) que se foda isso. Estamos cá dentro, não é lá fora. O senhor Paulo Branco, um dos (senão o) produtores portugueses que mais dinheiro recebeu do Estado para fazer filmes ao desbarato, aquele que num programa da RTP disse em directo que o Estado não lhe dava apoios (abro aqui um parêntesis para dizer que se calhar isso até é verdade; em nome individual, Paulo Branco nunca recebeu apoio do Estado para fazer filmes, só através da Madragoa, da Clap Filmes, talvez também da Medeia, etc., o que é muito pouco realmente) nenhuns foi o porta-voz dos indignados nessa tal conferência. Para ele e outros como ele a ideia de fazer filmes que gerem receitas é um anátema. O desrespeito que tiveram pelos contribuintes portugueses que vos sustentaram os ‗tiques‘ vai vos sair caro. Agora é que vão ver como elas vos mordem! Joel G. Gomes 97 TERMINUS #33 COLECÇÃO DE VERÃO - LIVROS DE BOLSO DN ARTIGO A FAVOR Agraciar o público que lê tão antigo e, ao mesmo tempo, actualizado matutino com algumas das obras literárias mais referenciadas da cena nacional e internacional é algo que – a lógica assim o indica – só podia vir dum jornal com a marca de qualidade do Diário de Notícias. A escolha do Verão para lançar esta colecção foi senão uma escolha mais que sensata. É no Verão que as pessoas mais têm tempo para ler e a visão de portugueses na praia agarrados a tão magníficos livros deixa-me com uma lágrima no canto do olho. Além de que, no Verão, como os dias são mais longos, há mais luz para ler sem ter de se recorrer a luzes artificiais. Verificamos assim, da parte do DN, uma clara preocupação em dois aspectos; a saber, o ambiente e a difícil situação financeira de alguns portugueses que não fosse por alguns cafés não teriam como aceder a tão fascinante periódico. Obrigatório será também referir a dimensão dos livros. São livros de bolso, sim mas isso não os torna inferiores em nada em relação a outros de maiores dimensões. Pelo contrário, as suas dimensões reduzidas permitem guardá-los, inclusive, no bolso da camisa. No meu caso, no bolso esquerdo. Bem junto ao coração. Concluo, dizendo que quando terminar o Verão e, por conseguinte, esta colecção, será um sacrifício ter de esperar mais um ano até que seja época de iniciativa tão louvável poder tornar a acontecer. 98 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #34 COLECÇÃO DE VERÃO - LIVROS DE BOLSO DN ARTIGO CONTRA Só podem é ‗tar a gozar com um gajo! É que só podem! Não bastava andarem a saltar com o ‗Bandeira‘ dum lado pró outro, agora ainda tiveram a ideia de lançar uma colecção de livros de bolso todos eles publicados no século passado pela EuropaAmérica. Ainda bem que a porcaria dos livros é de graça. À qualidade que eles têm, também era abusar. O primeiro defeito a apontar é a escolha das obras. Quem é o português típico de praia que vai ler Dante, Balzac ou Dostoievski? Atenção! Não é dizer que todo o português é burro ou que só lê Margarida Rebelo Pinto, Rita Ferro, Dan Brown, Nicholas Sparks, Rodrigues dos Santos ou o que estiver no top do Modelo & Continente. Eu sei que há portugueses que lêem estes autores. Para dizer a verdade, eu próprio leria. E se aqui escrevo no condicional é precisamente porque a merda da letra é tão pequena que um gajo tem de pensar bem se vale realmente a pena o esforço. Essa da letra é outra. As edições da Europa-América já de si tinham a letra pequena, mas estes exageraram na dose. Os livros até podem ter sido bem escolhidos, mas só para quem apanhou a lupa distribuída gratuitamente com o primeiro livro. Quem não apanhou, azar. Por outro lado, usar uma lupa para ler aqueles livros à luz do sol, apesar de necessário, pode ter consequências ardentes. O que me leva ao próximo defeito a apontar: a estação do ano. Numa altura em que as gajas mais andam sem roupa, em que o calor incita à procriação (que este país tanto precisa), o que é que o DN faz? Espeta-nos com livros do arco da velha que qualquer Biblioteca Municipal tem (em edições com letra que se lê) e diz: leiam, eduquem-se. Mais valia terem poupado Joel G. Gomes 99 as arvorezinhas e pegarem num tronco bem grosso e enfiaremno no recto da senhora dona Europa. Andamos à tanto tempo vergados que nem iríamos notar. Ainda bem que só voltam para o ano. (E acabei por não falar do papel. Aquela porcaria é tão rija que nem para limpar o cu serve.) 100 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #35 AFINAL EM SANTA COMBA DÃO TAMBÉM HÁ COISAS MÁS Finalmente condenaram o Cabo Costa. A razão pela qual escrevo ‗finalmente‘ não é porque tivesse alguma coisa lá empatada por causa do caso, por conhecer alguma das vítimas e querer justiça ou por não gostar do sujeito em questão, mas simplesmente porque acho que ‗finalmente‘ é uma palavra bonita para começar um artigo com ‗Santa Comba Dão‘ no título. Pois é. Não tenho nada, rigorosamente nada, a ver com o caso, mas estou contente que tenha chegado ao fim. A terra de onde veio esse Grande Português com voz de homem forte (daquelas que metem respeito e jamais suscitam dúvidas quanto à sua pujança) que foi Salazar não merecia ver a sua grande História manchada por uma figura sinistra, outrora um agente policial cumpridor da lei. Por que, senão por Salazar, seria Santa Comba Dão conhecida? Julgo que se o Cabo Costa fosse o único com o selo ‗made in Santa Comba Dão‘, que mil vezes prefeririam os seus habitantes serem uma terra insignificante sem quaisquer figuras de referência. Bem melhor estavam quando eram apenas conterrâneos daquele que conduziu os destinos de Portugal durante tantos anos. (Suponho que tenha sido em Santa Comba Dão que Salazar aprendeu a nobre arte de curtir o couro. Senão de onde terá vindo o nickname ‗Botas‘?) O Cabo Costa foi condenado a vinte e cinco anos. A lei não dá para mais. E é pena. Vinte e cinco anos é pouco. Devia ter levado vinte e seis ou, vá lá, se quisermos mesmo ser rigorosos, vinte e sete. Já dava nove anos por cada vítima, era mais fácil controlar. Bandido! Andou a gozar com a gente este tempo todo! É bem feita pra aprender! Assassino! (Estas expressões ficam Joel G. Gomes 101 sempre bem.) Já estou farto de dizer isto e não me canso: isto queria era um Salazar em cada esquina! De preferência que fosse gaja, limpinha e não cobrasse muito. (Mas agora que passam recibo, não sei…) 102 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #36 NUNCA ESCREVI UM ARTIGO SOBRE ÓCULOS E ESTE É O PRIMEIRO Parece que tenho um dedo que adivinha. No meu penúltimo artigo referi a letra minúscula com que os livros da colecção de livros de bolso do DN são impressos. Eu tenho boa vista, graças a um trabalho bem feito pelos meus pais e não por qualquer obra e graça do Espírito Santo. É verdade que tenho algum estigmatismo reduzido na vista esquerda, mas… Bom, não sei se é reduzido ou não. Pelo menos da última vez que fui ao oftalmologista era. Agora não sei. Talvez seja tipo as f— Peço desculpa por me estar a desviar do assunto em análise. No entanto, esta conversa sobre falta de vista em geral e oftalmologia em particular tem tudo a ver com o tema deste artigo. Como dizia antes, não tenho falta de vista, mas há quem tenha. E então agora com aqueles que já falei, ainda mais. No Correio da Manhã do dia 8 de Agosto deparei-me com uma notícia cujo título era ‗ROUBO DE ÓCULOS‘. Só de olhar para o título, somei 1+1 (dá 2, para quem não sabe) e pensei: ‗Já estás!‘ Porém, ao ler a notícia apercebi-me que a grande parte dos óculos roubados eram óculos de sol. Ainda assim, o artigo refere que também roubaram armações para óculos de prescrição médica. A sorte do DN é que estes roubos não foram provocados por influência da sua colecção de Verão. Porque, a avaliar pelos prejuízos, se eu fosse um dos donos das lojas assaltadas, quem havia de pagar as despesas era o jornal responsável. Continuando no mesmo artigo, mas fazendo um viragem de perspectiva, pergunto: de quem foi a culpa dos assaltos? Parte foi dos ladrões, como é óbvio. Creio, porém, que não será errado atribuir uma quota de culpabilidade ao responsável do Joel G. Gomes 103 Centro Óptico de Seia pelo assalto a este local. Luís, se estiveres a ler isto, eu sei que não fizeste por mal, mas descobrir os melhores ângulos de instalação das câmaras não é coisa que demore muito tempo a fazer. Principalmente num sítio onde se trabalha há já algum tempo e que é suposto conhecer-se bem. Vá lá, isso eu até deixo passar. Agora, dizeres que foste vítima dum crime organizado… Não sou especialista em assaltos, mas duvido que qualquer acção criminosa que recorra ao uso duma marreta quando há tantos outros objectos mais subtis tenha algo de muito organizado por trás. Desejo-te sorte em recuperares o que é teu, porque calculo que não tenhas dito o que disseste por maldade. Estavas com a cabeça quente; o que, dada a talhada que foi, é perfeitamente compreensível. 104 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #37 SIM, É OUTRA VEZ UM ARTIGO SOBRE A COLECÇÃO DE VERÃO DE LIVROS DO DN. E DEPOIS? Antes que comecem já aí a pensar, eu digo-vos já: não estou a bater no ceguinho. Se escrevo um quarto artigo à volta do mesmo tema, por alguma razão é. Novamente me debruço sobre a questão na medida em que continuo a ter um dedo que adivinha. A vossa atenção agora, por favor. Trabalho numa Biblioteca Municipal, que se divide numa biblioteca central e mais três pólos em diferentes freguesias do concelho. Nestas últimas duas semanas calhou a mim a tarefa de ir buscar os jornais à papelaria. Coincidência ou não, no dia em que escrevi o artigo anterior relacionado com este tema, era suposto ter recebido um livro com o DN – ―O Último Adeus‖ de Balzac – e não veio, veio só na sexta. Era aqui que eu queria chegar. E porquê? Porque este livro já vem impresso com letra de gente. Só que depois espalharam-se outra vez ao comprido. A acompanhar ―O Último Adeus‖ veio o livro respectivo de sexta, ―O Caso dos Gémeos Desconhecidos‖ de Ellery Queen, que, mais uma vez, requer o uso de uma lupa para poder ser lido. No entanto, e é isto que não percebo, o livro que saiu no dia seguinte, o ―Daisy Miller‖ do Henry James, vinha também impresso em letra de gente, um pouco mais pequena do que a do livro do Balzac mas, ainda assim, legível. Resolvi então pegar nos livros já distribuídos da colecção e fazer uma pequena avaliação. Eis uma lista (a ordem é aleatória): DAISY MILLER, de Henry James O CASO DOS GÉMEOS DESCONHECIDOS, de Ellery Queen Joel G. Gomes 105 O ÚLTIMO ADEUS, de Honoré de Balzac O SENHOR DA CHARNECA, de Ruth Rendell A DIVINA COMÉDIA: O INFERNO, de Dante A MÁQUINA DO TEMPO, de H. G. Wells OS EUROPEUS, de Henry James CARTAS DE INGLATERRA, de Eça de Queirós FREI LUIS DE SOUSA, de Almeida Garrett Os livros cujos títulos estão a negrito correspondem àqueles publicados com letra legível. Porque é que uns foram publicados assim e outros não? De início pensei que era um caso de bipolaridade ou que lhes tivesse dado na veneta fazer assim. Foi após analisar com atenção os dados que possuía que me deparei com uma terrível conclusão. Tal como o jornalista do ―24 Horas‖ ou do ―Tal e Qual‖ que descobriu que conseguia formar a palavra ‗PORTUGAL‘ se tirasse um ‗P‘ aqui, um ‗o‘ ali, etc., também eu descobri que há um código secreto implícito nos livros publicados. Primeiro, há que separar os livros; os que nos interessam são aqueles com os títulos a negrito. Peguemos no ‗Frei Luís de Sousa‘ e olhemos com atenção para a CENA VI do Acto Primeiro. É anunciada a chegada do senhor. Jorge, Madalena, Maria e Miranda são as personagens intervenientes. Atenção particular à frase ―Terrível sinal naqueles anos e com aquela compleição!‖ Saltemos agora para ―O Último Adeus‖, para a página 24, na qual o magistrado, ―apontando para a desconhecida‖, pergunta ―quem é aquela senhora?‖. O senhor de Grandville responde-lhe que é a condessa de Vandières, louca ao que parece, regressada há dois meses. Uma espreitadela agora ao ―Daisy Miller‖, à capa e à contracapa, onde podemos observar a figura de Daisy Miller em 106 PROTUBERÂNCIA – Volume I posições diferentes. Na capa, temos Daisy situada no lado direito, na contracapa, Daisy está do lado esquerdo. O cenário é o mesmo, a posição é a mesma. Porquê, então, a mudança? Se à primeira vista a relação entre estas três obras não vos salta à vista, é perfeitamente normal, uma vez que eu também só reparei nisso passado algum tempo. Nas duas primeiras obras, temos o caso de uma pessoa que regressou após um período de ausência. Na terceira, o caso de uma mulher que é mal vista pelos seus conterrâneos. Porquê? Porque é que uma mulher honesta é vista com maus olhos? Só se não for uma mulher, pensei eu. Estava descoberto o enigma. D. João, o regressado do Frei Luís de Sousa na figura do Romeiro, era na verdade a condessa de Vandières. Faz todo o sentido que após um cativeiro de vinte anos, D. João não só estivesse um pouco louco como também decidido a experimentar um tipo de vida alternativo. O Romeiro/condessa de Vandières foi assim perseguido até ao fim da sua vida por aqueles que não o aceitavam. Queimado/a numa fogueira ele/a jurou voltar. E um dia Daisy Miller nasceu. Mulher por fora, homem por dentro, esconde o seu terrível segredo numa sociedade que não a aceita. Das duas uma, ou é isto que eu acabei de dizer ou então é mero acaso. Joel G. Gomes 107 TERMINUS #38 SALVEMOS AS NOSSAS CRIANÇAS! ELAS NÃO MERECEM ISSO! No final do ano passado abordei o tema da guerra iniciada pela TVI com a série ‗Morangos com Açúcar‘. A SIC, como se sabe, respondeu com a ‗Floribella‘. Por sua vez, a TVI contra-atacou com a ‗Doce Fugitiva‘. Terminei o artigo com uma nota de apreensão em relação ao que a retaliação da SIC poderia trazer. Passados oito meses, temos a resposta. ‗Chiquititas‘ (ou ‗Chiquitities‘, como eu carinhosamente a baptizei) é a resposta (tardia) à ‗Doce Fugitiva‘. Já vi o produto em questão e há muito a apontar. Comecemos pelos cenários e pelas perguntas que andam na cabeça de toda a gente: onde é que o director artístico compra droga? Será tão barata quanto parece? Antes de vos responder, deixem-me que vos diga que sou uma pessoa alegre. No entanto, aquela cor toda, aqueles contrastes; aquilo para mim não é alegria, são os ácidos que estão cada vez mais baratos. Ainda não apanhei bem o rumo da história. Primeiro, porque não vi do princípio; segundo, porque – e eu já tenho a experiência disso – tenho medo de começar a ver e de me interessar. Quase que ia acontecendo o mesmo com a ‗Floribella‘ e com os ‗Morangos‘. As gajas são boas, um gajo começa a ver, entusiasma-se e… pronto, fica agarrado. Julgo, porém, que não hão de haver muitas coisas que difiram entre a ‗Floribella‘ e as ‗Chiquititas‘. As ‗Chiquititas‘ têm mais cor. Fora isso, ambas têm crianças parvas, fadas do lar, mulheres más, mulheres boas, homens bons, homens maus, etc. Desconheço se há ou não uma árvore mágica, mas desconfio que um dos putos é capaz de ter uma planta no quarto, daquelas que se secam as folhas e depois fuma-se e é fixe. Sei também, ou por outra, desconfio que há gémeos ou, pelo menos, há falta de dinheiro para contratarem mais uma actriz e então puseram a 108 PROTUBERÂNCIA – Volume I mesma actriz a interpretar dois papéis. No entanto, não foram os maus aspectos de ‗Chiquititas‘ que me levaram a escrever este artigo, foram os bons, que, embora em menor quantidade, justificam uma cuidada referência. Sou fã, ou melhor, sou apreciador do ‗Dragon Ball‘. (Fã alude à compra de cromos e porta-chaves e tatuagens e pins; eu só vejo os episódios). Ao início não era, não suportava aquilo. Um dia vi um episódio. Era a batalha entre o Songoku e o Coraçãozinho de Satã, no final da série original. Só queria ver quem ganhava. Foi o suficiente. A batalha ainda mal ia a meio quando comecei a ver e quando, finalmente, terminou já havia sido ‗capturado‘. O ‗Dragon Ball‘ neste aspecto é como as telenovelas, se nos distraímos um pouco somos logo apanhados. Porquê este desvio para o ‗Dragon Ball‘, perguntam vocês. Tem tudo a ver com as ‗Chiquititas‘ e com a personagem Lili. Um dos aspectos mais difíceis, talvez o mais difícil, de um filme do ‗Dragon Ball‘ com pessoas é conseguir reproduzir com exactidão o penteado do Songoku sem ter de recorrer a CGIs. Ao ver Lili com aquele penteado, eu ouso acreditar que é possível. Termino com uma chamada de atenção à actriz Marta Fernandes que disse à revista ‗Correio da Manhã TV‘ que a série, e cito, ―trata o mundo dos adultos visto do universo das crianças. A visão que tenho deste trabalho é que é uma distorção da realidade adulta que todas as crianças acabam por fazer‖. Ora, eu já fui criança (e em algumas coisas ainda sou) e não me lembro de ver o mundo assim. É claro que no meu tempo o armário dos remédios ficava fechado. E ao senhor director artístico e aos argumentistas, tentem não deixar as drogas num sítio onde as crianças tenham acesso. É verdade que se as crianças começarem a tomar ácidos vão passar a ver o mundo assim. Só que isso é adaptar a prática à teoria e isso não é correcto. Joel G. Gomes 109 TERMINUS #39 AI OS MORANGOS, AI OS MORANGOS… Os exemplos vêm de cima. A fama subiu-lhe à cabeça. Duas frases possíveis de se ouvir quando alguém conversa sobre o caso da detenção do jovem Tomás Santos, actor da série infantil ‗Morangos com Açúcar‘. Para os mais atentos, que repararam que eu classifiquei a série em questão infantil e não juvenil, eu explico o porquê desta minha opinião. É que, a julgar pelos comportamentos públicos de alguns deles, não estamos a lidar com adolescentes, e sim putos. No caso particular do Tomás, consta que foi detido juntamente com mais três indivíduos pela PSP de Cascais por, alegadamente, estarem a tentar sequestrar o condutor do veículo onde se encontravam. Isto da linguagem jurídico/jornalística é porreiro porque graças a ela e a palavras como ‗consta‘, ‗alegadamente‘ e ‗tentar‘ pude dizer que ele é culpado sem que o tenha dito realmente. Não estou a dizer que seja, mas também não estou a dizer que não seja. Chama-se a isto o principio Marcelo Rebelo de Sousa: pode ser, mas também pode não ser. Voltando ao caso do sequestro, Valdemar o sequestrado, disse que a razão por detrás do acto era uma dívida antiga que ele tinha grupo. Estamos a falar de putos com menos de vinte e cinco anos. Dívidas antigas neste universo etário poderão ser o quê? Berlindes, pastilhas, gomas? Pessoas com menos de vinte e cinco anos não têm dívidas antigas. As dívidas só atingem o estatuto de antigo dos trinta anos para cima. Se estivéssemos a falar de pessoas com a idade de um Ruy de Carvalho, a expressão ‗dívida antiga‘ seria extremamente bem empregue. Como não estamos, eu digo assim: putos dos morangos, cresçam e apareçam! PROTUBERÂNCIA – Volume I 110 TERMINUS #40 PEQUENAS COISAS QUE NOS FAZEM GRANDE CONTRAMÃO – A SEQUELA O tribunal da Maia proferiu na quinta-feira passada a ―sentença da repetição do julgamento do caso de um veículo descontrolado que voou para a contramão da A3, em 2005, esmagando outra viatura e matando a sua condutora.‖ Transcrevi a frase tal qual ela veio no jornal onde li a notícia (mas não digo qual porque o CM não me paga a publicidade) porque há nela um elemento em particular que me fez pensar: hã?! Falo da expressão ‗voou‘. Se o carro voava, porque é que não se desviou? Tinha espaço suficiente para isso Depois, temos a repetição do julgamento. Falemos da primeira sentença. Dois condutores foram responsabilizados pela morte… INTERLÚDIO na notícia falavam de dois condutores: o que deu a pranchada e o que deu pranchada; um deles morreu. Ora, se os dois foram considerados responsáveis, qual será a pena da morto? A condenação eterna? … da condutora e ―condenados a visitar semanalmente a unidade de politraumatizados do Hospital de S. João‖. É bonito o gesto, mas ao mesmo tempo é algo que me assusta e me indigna. Por um lado, temos um fantasma a assombrar pessoas que já passaram por muito; por outro, um tipo que provocou um desastre de viação a andar na boa junto Joel G. Gomes 111 de pessoal que ficou paraplégico por causa de pessoas como ele é estar a gozar com quem não mereceu. Ainda não sei qual o resultado da nova sentença. Quando souber – e se valer a pena – eu depois digo qualquer coisa. À ESPERA DO INEM O caso da mulher que ligou para o 112 a pedir auxílio para o seu marido e para o seu sogro teve agora o seu desfecho com a operadora que fez ouvidos de mercador a receber a sua punição. Punição essa que – concordo com o que a mulher diz – é pouca. Cinco dias de suspensão são, realmente, muito pouco. Faz todo o sentido a sugestão dada pela dona Ermelinda. ―Ela devia ser colocada noutro serviço com menos responsabilidade‖. Concordo perfeitamente, até porque já se viu que a responsabilidade desta operadora é pouca ou nenhuma. APRENDER A NÃO SER GORDO O termo científico não é ‗gordo‘, é ‗obeso‘, mas eu não sou cientista. Digo isto já para que não hajam confusões. A Faculdade de Motricidade Humana, com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras vai lançar o Programa Peso Comunitário. O que se pretende (em linguagem simples) é ensinar os gordos a serem menos gordos, os magros a serem menos magros e os assim assim a ficarem como estão. Boas intenções, é certo, mas fica-se por aí. E porquê? Por causa do horário. Atenção a uma coisa: eu acredito que os responsáveis do Programa tenham a melhor das intenções e das qualificações, mas eu já estudei em horário pós-laboral e sei como é que a coisa funciona. A malta sai do trabalho e antes de ir para as aulas come ‗qualquer coisa‘; antes disso já tomou um 112 PROTUBERÂNCIA – Volume I ‗lanche reforçado‘. Isto, porque chega a casa tarde e já só come ‗uma sopa‘. Mais tarde, antes de ir para a cama, come ‗qualquer coisita‘ para não ir dormir de estômago vazio. Comigo é assim, mas assim como eu não sou cientista, também não sou gordo, por isso não sirvo de exemplo. CRAVO À PROVA DE ROUBO Em Évora colocaram códigos com tinta invisível e chips electrónicos para identificar no caso de furto duma réplica de um antigo cravo da Universidade de Évora. Quando li isto a primeira coisa que pensei foi ‗espero que estejam a falar do instrumento e não da flor (sim, existe um instrumento chamado ‗cravo‘). Tudo bem que o cravo flor é importante, por causa do 25 de Abril sempre e tal, mas chips electrónicos numa flor é exagerar um pouco. É que depois os chips apitam quando passam nos sensores dos aeroportos. Já vimos como foi com o Castelo Branco há uns anos atrás. Não queremos ver mais. Depois pensei, ‗ainda que seja o cravo instrumento, não será também um pouco exagerado?‘ Gosto de ver Portugal a utilizar novas tecnologias para salvaguardar o seu património mas, convenhamos, quem é que é vai gamar um cravo? (Há quanto tempo é que não liam a palavra ‗gamar‘?) Aquela porcaria ainda é grande. Não é propriamente uma harmónica que se meta no bolso. Por outro lado, há uns anos atrás na Polónia roubaram uma ponte. Desmontaram-na durante a noite e transportaram-na em camiões TIR para depois vender o ferro. Vistas as coisas, se calhar é melhor prevenir. Joel G. Gomes 113 TERMINUS #41 DIGAM SIM À PIRATARIA Mandem à merda o pessoal da ASAE que anda nas feiras a apreender os filmes dos monhês. Insultem as gentes do IGAC (já escrito ‗da IGAC‘, devem ser todos hermafroditas se calhar). Cuspam na cara de todos os funcionários do Ministério da Cultura, da Administração Interna, etc. Façam cópias de DVDs, partilhem programas para quebrar protecções. Etc. etc. Se estou a ser agressivo – bem mais do que é habitual em mim – incorrecto, passível até de ser processado, creio que as razões do meu descontentamento são lógicas e pertinentes o suficiente para merecerem uma tomada de posição radical. Antes de mais, um esclarecimento que eu acho necessário: não estou a incentivar à pirataria em geral, (Se bem que o conceito me traz alguma confusão. Afinal de contas, se uns ténis ‗Naike‘ são piratas e uns ‗Nike‘ são originais, o que dizer, por exemplo de ‗Coca-Cola‘ e ‗Pepsi‘? Ou talvez de um karaoke. Será um mau playback razão para chamar a ASAE? Fica para pensar mais tarde.) apenas à pirataria de DVDs. E porquê só de DVDs? Passo a explicar. Esta semana fui às compras a uma grande superfície e comprei uma boa quantidade deles a um óptimo preço. No fundo é o que a malta que gosta de filmes quer: arranjá-los bons e a bom preço. O que a malta não quer e é leva em quase todos os filmes LEGAIS que compra de há uns bons tempos para cá é aquele filme estúpido, cujo teor é: ‗sacar‘ um filme na net é a mesma coisa que roubá-lo do clube de vídeo ou pontapear uma grávida de sete meses. A necessidade de haver esse tipo de mensagens, eu aceito e apoio, mas porra! Façam-nas chegar ao público certo. Eu acabei de piratear o filme! Não o pirateei! Porque carga de água é que sou obrigado a ver aquilo? E a palavra correcta é 114 PROTUBERÂNCIA – Volume I mesmo ‗obrigado‘, porque não podemos saltar para o capítulo seguinte ou sequer acelerar a velocidade de leitura. Eu sei que o filme é curto, mas é o meu direito de não o ver que está em causa. Aquilo devia vir – isso sim – nos DVDs piratas. Se assim fosse, talvez a malta não fizesse tantas cópias como faz hoje em dia. Como imagino que seja difícil convencer as gentes das feiras a colocarem essa… ‗curta-metragem‘ (chamemos-lhe assim para não chamarmos ‗bosta‘) nas suas edições – até porque, do ponto de vista do marketing, não seria muito boa ideia – vou se calhar optar pela via ilegal. A não ser que os responsáveis por essa barbárie, ganhem tino, deixem-se de filmezinhos da treta e comecem mas é a trabalhar a sério. E agora uma reflexão final: supondo que tenha havido um concurso para escolher aquele entre outros filmes, quão maus eram os outros? Pensem vocês nisso, pois eu até fico medo só de imaginar. Joel G. Gomes 115 TERMINUS #42 INDECISÃO O homem sorriu, um sorriso franco e simples, daqueles que se vêem muito nos filmes, séries de televisão, outdoors, todo o local onde a imagem é o que vende, e levantou os olhos para encarar o espectáculo (o termo aplicado tem as suas reservas) perante si. Haviam sidas muitas as vezes que ali estivera, mas hoje, entendia assim, seria diferente. Hoje iria cumprir a sua missão. Enfrentaria o desconhecido no seu próprio terreno e aí decidiria qual o caminho a seguir. A decisão era difícil e dividia-se em quatro pontos opostos. Informação relativa a cada uma das opções disponíveis era escassa, em alguns casos nula, e sujeita a erro. Estava no centro da decisão. O que fazer? Tinha de encontrar um caminho depressa. De preferência, um que o obrigasse a prosseguir; não adiantava voltar atrás. Pensando nisto, olhou para trás. O caminho atrás de si alterava-se a cada instante. Se dúvidas haviam, esta espreitadela esclarecera tudo. O realizador deste filme pensara em tudo. As marcas do seu passado estavam bem presentes atrás de si, quase como se o perseguissem, mas isso não o assustava. Não tinha medo do que fizera. Cedo aprendera uma lição que dizia mais ou menos ―o tempo a seu tempo‖ ou, por outras palavras não tão sucintas, ―o passado é passado, o presente é presente e o futuro será apenas o futuro‖. Cada um pertence a si mesmo e é a sua evolução contínua que constitui o ponto de interesse da vida. A vida continua e as decisões têm que ser tomadas. Já não podia ficar ali muito mais tempo. Era tanta a pressão que gritou para dentro. O homem do sorriso simples que só aparecia nos filmes e afins estava furioso com a sua inércia, o seu temor. A sua mente era como um disco de vinil riscado. Mesmo tendo em conta que a maioria das pessoas da sua idade 116 PROTUBERÂNCIA – Volume I já não sabiam o que era um disco de vinil. Só os mais aficionados. Não era o caso dele. Ele, sobre o vinil, ouvira uma expressão e fixou-a. Hoje em dia era tudo digital. Ou quase tudo. As pessoas não sabem nem querem saber das suas origens. Vistas as coisas, ele não era mais do que os outros. Os outros, porém, haviam chegado ao mesmo impasse no qual ele se encontrava agora e haviam escolhido o caminho a seguir. Para o melhor ou para o pior, eles tomaram uma decisão. Inspeccionou o passado mais uma vez. Atrás de si estavam figuras de outras eras navegando no oceano da sua visão; manifestações físicas de pessoas que poderiam ter sido ele. Contudo, a semelhança não é tudo como se sabe e o tempo de acção era cada vez menos. Qualquer um dos caminhos estava livre e era isso que alimentava a sua indecisão. Não havia qualquer informação acerca do que poderia ou não encontrar. A sua cabeça andava às voltas dentro daquele enorme e intenso turbilhão. O espaço curvava-se sobre si mesmo. O ponto de partida repetia-se e tornava-se também ponto de chegada. Espreitou através do espelho do passado e viu então que as pessoas que o seguiam eram outras. Em breve, também estas iriam deixar uma vaga para as seguintes. Os outros sucediam-se sem parar. Apenas ele permanecia naquele local; não sucedia, nem era sucedido. A raiva começava a dar lugar ao desespero e a este sucedia o gozo. Começava a achar piada àquilo e viu a luz que o levou a tomar a decisão definitiva. Aumentou a velocidade, ligou o pisca e, após tanto tempo, saiu da rotunda e seguiu em direcção à auto-estrada. Nota do autor: Esta e outras histórias, espero eu, estarão um dia presentes num livro de contos. É só eu acabar de os escrever e procurar quem os edite. Joel G. Gomes 117 TERMINUS #43 O ANONIMATO NOS BLOGS Parece que lá para Setúbal passa-se qualquer coisa por causa dum blog anónimo cujos textos ultrapassam os limites do politicamente correcto, chegando mesmo ao insulto. Dizem também que um funcionário dessa autarquia foi detido por suspeitas de ser ele o responsável por esse blog. A qualquer um desses ―factos‖ (coloco as aspas uma vez que não está provado que seja mesmo este funcionário o autor do blog) sou totalmente alheio. Porém, ao tomar conhecimento desta matéria, não podia deixar de me manifestar. O meu protesto – como sabem sou um gajo do contra – vem, não em relação aos agentes que procederam à detenção, aos queixosos, àqueles que querem limitar a liberdade de expressão, blá blá blá, mas ao autor do blog. O Horácio (vou-lhe chamar assim para não estar sempre a escrever ―o autor do blog‖, que isso cansa) é um sujeito medricas e sem tomates. Ó Anacleto (para o caso de o Horácio se chamar mesmo Horácio vou usar um nome diferente de cada vez que me referir a ele), escrever num blog é motivo de orgulho, não de vergonha. Primeiro, provas ao mundo que sabes escrever; segundo, demonstras que dominas as novas tecnologias. Não deves ter medo de deixar as pessoas saberem quem tu és. Porque, tenta perceber isto Inácia (lembrei-me que o Barnabé pode afinal ser uma gaja) não partilhares o teu nome com o resto de nós, além destes apartes estúpidos a que me obrigo, prova que és uma pessoa vazia e com medo de enfrentar as suas convicções. Quem quer lutar a sério, vai de cara destapada. Essa de só aparecer em publico quando as coisas correm bem para mim não dá. E supondo que o/a autor(a) seja mesmo um(a) funcionário(a) público(a) (se ler isto é chato, imaginem o que é escrever), fique 118 PROTUBERÂNCIA – Volume I ele/ela sabendo que eu também sou. Nunca o escondi. Já estava na comunidade antes de estar na função e sempre assumi o que escrevi. Claro que às vezes temo represálias, mas não é por isso que escrevo no anonimato. O nosso nome é aquilo que de mais precioso temos e negá-lo ou escondê-lo só porque temos que um idiota a quem chamámos idiota se zangue connosco é estúpido. O truque aqui, Roberta (Roberta é um nome porreiro no caso do Tancredo ou da Amélia estarem indecisos quanto à sua orientação), não é esconder ou negar nada, é ser o mais aberto possível, mas de forma dissimulada. É óbvio que o domínio da linguagem irónico/satírica não está ao alcance de todos, mas há que pelo menos tentar escamotear um pouco as coisas. O segredo é dizer o que se quer, a quem se quer, de modo a que toda gente perceba o que se está a dizer, mas que ninguém o possa usar para fins judiciais. Um conselho: vai ler o Gil Vicente ou o Padre António Vieira. Pode ser que eles te ensinem alguma coisa. Joel G. Gomes 119 TERMINUS #44 MONOPÓLIO Há alturas em que penso não haver nada de novo para falar, que tudo o que eu faço é reafirmar o óbvio de forma diferente. Também há alturas em que há tanta coisa por onde escolher que eu fico à nora e acabo por pegar num tema fraquinho e não dar enfâse ao que interessa. E depois há alturas como esta, alturas em que um tema se evidencia dos demais. Não é uma notícia de última hora - tem o seu q de antigo mas para muita malta da minha geração é um verdadeiro símbolo de horas e horas de diversão nos seus tempos de infância e juventude. Falo, como o título do artigo indica, do jogo MONOPÓLIO. Monopólio, esse clássico jogo de tabuleiro que nos ensinou valores tão úteis numa sociedade de consumo como 'capital', 'luxo', 'imposto', 'banca', 'renda', 'paga!' e, claro 'monopólio'. Tinha o seu lado social; numa altura em que algumas pessoas pediam cinquenta escudos para uma sopa, podiamos comprar a Rua Augusta por quinhentos. Aquilo era jogo para levar dias e dias até alguém ganhar. Quando a malta estava bem equiparada era assim. O dinheiro estava sempre a circular. A razão que me leva escrever um artigo sobre o ‗Monopólio‘ é porque li há umas semanas atrás que uma produtora americana (só podia), creio que foi a 20th Century Fox, comprou os direitos de adaptação do jogo ao cinema. Hã?! Quem já jogou e tiver um ‗Monopólio‘ em casa, pare de ler e vá buscá-lo. Já foram? Ok. Agora montem o jogo para… 4 pessoas, e depois de terem tudo no sítio – os peões, o dinheiro distribuído, os dados, os títulos de propriedade tudo ordenado, os cartões da ‗Sorte‘ e da ‗Caixa da Comunidade‘ – fechem os PROTUBERÂNCIA – Volume I 120 olhos um segundo ou dois e tornem a abri-los Eu fiz esta experiência para ver se conseguia perceber o que passou na cabeça do gajo que olhou para uma caixa do ‗Monopólio‘ e pensou ‗Olha, isto era capaz de dar um filme porreiro! Só preciso dum gajo para o realizar. Já sei! Pode ser aquele tipo do ‗Gladiador‘.‘ Pois é. Ridley Scott é o nome apontado como possível realizador. E neste caso o termo ‗apontado‘ dá-me a ideia que foi castigo. ―Vais tu que é pra aprender!‖ Depois de ter feito o ‗Blade Runner‘ não merecia, mas também ninguém o mandou fazer o ‗GI Jane‘. É assim, Ridley. Voltemos então ao gajo que teve a ideia de adaptar o ‗Monopólio‘ ao cinema, tomemos como hipótese a ideia ter surgido quando ele entrou numa loja de brinquedos e olhou para o jogo – (PAUSA PARA CONSIDERAÇÃO PERTINENTE (sem pontuação bem aplicada) um gajo que tem a ideia de transformar um jogo de tabuleiro num filme (além de ser parvo) tem de ter dinheiro e idade para não se rirem dele e o mandarem dar uma volta; o mais certo é ser um velho gordo e rebarbado, com uma ligeira psique daquelas mesmo estranhas, tipo aquele que num episódio do CSI tinha a panca de andar de fraldas; será que queremos gente assim a frequentar lojas de brinquedos? Não creio.) Vamos supor agora que em vez do ‗Monopólio‘ ou da loja de brinquedos, ele tinha passado num parque e visto dois velhos a jogar às ‗Damas‘ ou ao ‗Dominó‘. Não imagino qual seja o plot para o filme do ‗Monopólio‘ mas, como guionista que sou, resolvi pensar num ou mais plots caso o jogo das damas ou do dominó fossem também adaptados ao cinema. Eis o que me ocorreu: DAMAS Títulos possíveis: ‗Oreo Vídeo Fitness Program‘; Joel G. Gomes 121 ‗Damarado‘; ‗Rio Acima, Rio Abaixo‘; etc. No caso do jogo das damas achei que aquilo era estilo aula de step que outra coisa qualquer. Aquele ‗anda para aqui, anda para ali‘ dá-me ideia disso. Mas é uma aula de step que se transforma em orgia com as damas a comerem-se todas umas às outras. É bonito. Pensei também numa cena tipo western feminista, com coristas dum lado e squaws do outro. O filme acompanharia o processo de preparação para a grande batalha. E no fim, novamente uma orgia com as damas a comerem-se umas às outras. Ou então uma cena canibalesca. É a ver. DOMINÓ Títulos possíveis: ‗A Bicha‘; ‗A Pilha‘; ‗A Parelha‘; etc. Para um filme sobre o Dominó tem de ser algo passado numa prisão. Uma cena tipo ‗Expresso da Meia-noite‘ com um pouco de ‗Porridge‘ à mistura, para a malta se rir um bocado. Talvez também um pouco de ‗Prison Break‘ que além de estar na moda tem sempre aquele suspense que a malta curte. A história, por outro lado, não teria nada a ver com isso, e iria girar á volta dum prisioneiro de seu número 1:1 que descobre que está num centro de clonagem e que todos lá têm um siamês que pode ou não ser um clone. A cena seria também um musical com os vários clones a desempenharem coreografias bem bonitas ao som de belos fados. A certa altura iria surgir um prisioneiro de número 6:6, conhecido pelos demais como ‗O Carrão‘, que por ser o mais gordo teria fama e proveito de sodomizar toda a gente. Estas são as minhas ideias. Sei que são ideias de merda, mas lembrem-se do que deu origem a este artigo. Lavo as minhas mãos. 122 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #45 DEIXAR COISAS A MEIO É FEIO E NÃO SE Tinha outro artigo para escrever em vez deste – ou melhor, tinha em mente outro artigo para escrever em vez deste – mas com a finalidade de ser actual vi-me forçado a interromper o meu fluxo criativo para falar de outro assunto. Interrupção é, precisamente, a palavra mestra por detrás deste artigo. Aconteceu no passado dia 26, quarta-feira, no canal SIC Notícias. Eu, infelizmente, não assisti ao evento; só tomei conhecimento no dia seguinte na rádio, ao acordar de manhã. Ainda pensei „isto sou eu a sonhar ainda‟. Não fazia sentido. Era algo que desafiava as leis da lógica que regem este universo. O Santana Lopes deixou uma actividade a meio? Mas onde é que isso já se viu? Santana Lopes, por nós comuns mortais conhecida pela sua determinação em levar ideias a cabo, em ser o último a abandonar o barco, levanta-se da cadeira e sai a meio da entrevista? Eu fiquei surpreendido. Para não dizer atemorizado. E não foi para menos. Boa parte de mim viu-se forçada a reavaliar o modo como olho para certas coisas. Há certos aspectos da vida com os quais vou ter forçosamente de interagir de forma difenrente. O Santana Lopes deixou uma actividade a meio. O mundo nunca mais será o mesmo. E agora a grande pergunta: porque é que o Santana Lopes fez isso? Bom, ao que parece houve um pequeno islâmico que chegou a Portugal na altura que o Santana estava a falar. Não era caso para tanto. O coitado se calhar só queria saber como ir para o Martim Moniz e a SIC Notícias foi para lá enquanto não chegava alguém para o ir buscar. Deve ter sido isso. Já se sabe Joel G. Gomes 123 que é preciso termos muito cuidado com as crianças hoje em dia e deixá-las ao abandono é que não. Vou deixar este tema a meio – em homenagem sentida à figura que o inspirou – e mudar para outro dentro do mesmo assunto. Aquando da sua interrupção, Santana Lopes falava da actual crise no PSD. Bom, sobre isso, interesso-me tanto como pelo míldio. Se bem que o míldio até me interessa na medida em que posso apanhar uma garrafa de vinho meio fajuta e arranjá-la bonita (bonita a consequência [sarcasmo?], a garrafa seria daquelas de tara perdida). Para terminar o tema do míldio, a vossa atenção na frase anterior à palavra ‗fajuta‘ e à expressão ‗arranjá-la bonita‘; há que reconhecer valores literários quando eles aparecem que eles não andam aí ao desbarato, hã? Crise no PSD! Voltemos à batata quente o quanto antes para eu não me desviar do assunto. Falando em batata quentNão! Calma… Vou-me auto-admoestar e depois v Admoestar é um verbo bo Eu quero falar da crise do PSD!!! Ou melhor, não quero, mas tenho. Qual a outra grande notícia de ontem (quarta-feira, 26 Setembro)? Parece que há 200 eleitores do PSD na Amazónia. E há quem diga que isso é mau. Com o afastamento que há dos portugueses em relação aos partidos políticos, foi precisamente um grupo de índios seminus que veio nos chamar à atenção sobre os nossos actos. Pergunta: será q 124 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #46 E AGORA… MAIS UMA ESTÚPIDA IDEIA DAQUELAS QUE SÓ AQUI! A Cati tem sido das minhas comentadoras não-residentes mais activas nestes últimos tempos – a isso se devem os meus updates mais regulares que o habitual e às saudades que ela tinha (mas não sabia ou não queria admitir) do seu ex-aluno – e num dos seus últimos comentários fez uma sugestão que, pensei eu, não é nada má, não senhor. No artigo antes do artigo anterior (era para ter sido no artigo anterior, mas entretanto aconteceu aquele evento cósmico provocado pelo Santana Lopes na SIC Notícias) analisei a estúpida adaptação do jogo ‗Monopólio‘ ao cinema. Atenção ao termo ‗estúpida adaptação‘; nada contra o jogo, eu adoro o jogo, mas também gosto de pastéis de nata e de estar sentado a ver televisão. E ninguém fez um filme sobre isso, pois não? Bom, quanto ao estar sentado a ver televisão, fizeram a ‗Royle Family‘ (que até era uma série porreira porque fazia o efeito ‗espelho‘: uma família a ver na televisão outra família a ver televisão). Voltemos então ao que interessa. Vocês já não estranham estes apartes que eu faço assim do nada, pois não? Eu tento ser sintético e não enrolar muito; há até quem diga que eu faço isto para fugir dos assuntos eJá percebi. Ok. Qual foi então a sugestão feita pela Cati? (Não se queixem de eu estar a enrolar tanto. Vocês se quisessem já tinham ido ler o comentário e pronto. Esperem!!! Não vão! Continuem a ler, por favor. Até porque se forem, depois a cena perde o efeito surpresa.) Sugestão: uma outra adaptação de jogo de mesa a filme. Joel G. Gomes 125 A escolha da Cati é lógica e se eu não a considerei antes foi porque formulei a teoria toda com base no gajo que teve a ideia de passar o ‗Monopólio‘ para filme em vez de ter entrado numa loja de brinquedos ter visto dois velhos no jardim a jogar ‗damas‘ ou ‗dominó‘. Se é importante salientar como consegui escrever tão bem este parágrafo anterior sem um único sinal de pontuação que não o ponto a assinalar o fim do mesmo, também é importante dizer qual o jogo proposto… MIKADO Títulos possíveis: ‗Big Trouble in Little China 2 – The Cuming of the Mary Joe Nuttree Little-Chicken‘ (aka ‗As Aventuras de Joaquim Bretão nas Gaifanas da Sra. ExVereadora‘); ‗Pointy n‘ Stiff‘ (aka ‗Tesos e Espetáveis‘) [Para limpar alguma ideia que possa ter ficado em relação a excesso de referências sexuais lesbianas, irei apostar noutro tipo de abordagem para este filme.] The Opressed People‟s Quest Against the Invisible Threat Perpetrated by an Overwhelming Fear of the Unknown (aka „O Filme do Jogo dos Pauzinhos‟) Eis o texto do trailer: Construíram o seu futuro juntos. Uma comunidade fechada em si mesma, regida pelas suas regras. Viviam juntos e felizes até ao dia em que veio a… guerra! Um terrível desastre daqueles me‟mo beras e a comunidade Mikado (aos detentores dos direitos do jogo, não há crise em usar o nome aqui, ou há? é que escrever a comunidade do jogo dos pauzinhos não fica bem) viu-se pela primeira vez frente a frente com o drama, a dor e o sofrimento. Outrora, um povo em paz, viviam agora separados, 126 PROTUBERÂNCIA – Volume I irmão contra irmão, numa eterna guerra sem fim. Eis então que surge um novo inimigo para combater e sobre o comando do albino lá da terra, os vários aldeões unem esforços e formam um exército de retaliação contra a derradeira ameaça… o conceito de adaptar jogos de mesa a filme. Obrigado pela ideia, Cati. Espero que o resultado tenha ficado ao teu gosto. Vou agora tentar resolver o cubo mágico (o do Rubik, esse granda maluco como algumas pessoas gostam de enunciar) e ver se sai daí alguma nova ideia para mais uma adaptação estúpida. PARA VER O FABULOSO TRAILER DESTE ÉPICO FILME É FAVOR VISITAR O BLOGUE PROTUBERÂNCIA Joel G. Gomes 127 TERMINUS #47 PERCEPÇÕES E REALIDADE 2: O MITO DO ACASO Tenho uma forma própria de olhar o mundo à minha volta – por ‗própria‘ não digo por principio ‗exclusiva‘ – e o modo como o tempo e os eventos se sucedem. Não acredito no simples acaso, no aleatório, mas também não rejo a minha vida por uma sistema de parâmetros rígidos. Acredito na relação causa-efeito, acredito em repercussões. Não acredito em coincidências. É uma convicção que tenho, sempre tive e que, há dias, através de breves palavras, foi fortemente abalada. Alguns, que denotam na minha escrita uma forte preocupação social, especificamente a nível europeu, estarão a ter em conta as declarações ‗porreiras‘ proferidas na Cimeira da União Europeia. Essas pessoas deviam saber de antemão que eu não me preocupo nem me ocupo de assuntos mundanos. O causador da oscilação foi algo muito mais forte: a revelação da verdadeira mãe da Floribella. Nada mais, nada menos que Teresa Guilherme. Isto, como podem calcular, deixou-me muito constrangido. Num ápice senti-me arrependido de todas as piadas que fiz à conta da ‗Floribella‘, pedi desculpas em pensamento a todas as pessoas que ao pesquisarem ‗Floribella‘ no Google vieram ter a este blogue. Porém, mais ainda que a solidariedade perante alguém que passa por um momento difícil, o que me deixou mais transtornado foi o modo como a SIC quebrou o meu sonho. A Floribella tinha uma árvore como mãe e isso era bonito. A mãe sempre lhe deu apoio, sombra; quando era época, fruta de qualidade, para não falar de lenha, madeira para móveis, para papel, etc. Era uma mãe útil. Com a Teresa Guilherme como 128 PROTUBERÂNCIA – Volume I mãe o que é que ela vai ter? É, no fundo, uma paga pelo que eu disse, pelo que eu fiz. Mas a Floribella não o merecia. Ela até pôs uns implantes. Isso não conta para nada? É uma causa-efeito do mais evidente que há, com certeza. Mas não é uma coincidência. O Santana Lopes, meses depois de ter saído do Governo e de ter perdido as Legislativas para José Sócrates, publicou ‗Percepções e Realidades‘. No seu livro, Santana descrevia a conspiração orquestrada contra a sua pessoa para o impedir de concluir a sua obra. Há um mês e tal atrás, Santana Lopes abandonou uma entrevista porque foi interrompido. Isso também não é uma coincidência mas, por acaso, é giro. Coincidência poderia ser, na semana que antecedeu isto do Santana, eu ter lido no ‘24 Horas‘ uma ‗notícia‘ sobre o Pacheco Pereira e uma sua quezília com a TMN – isto não é publicidade à TMN, até porque eu sou da Vodafone. Ao que parece Pacheco Pereira perdeu o seu telemóvel num vulcão e exigia à operadora uma compensação. Santana Lopes interrompido, Floribella filha da Teresa Guilherme e o Pacheco a perder o telemóvel num vulcão. Mais que coincidências, são azares do caraças. Joel G. Gomes 129 TERMINUS #48 A INSTAURAÇÃO DO ELÁDIO Portugal tem os ‗Globos de Ouro‘ da SIC, tem (ou tinha) a Gala Nova Gente, tem pompons e serpentinas, mas não tem uma cerimónia especial – há cerimónias banais? – SÓ para a indústria do cinema português. Dirão alguns que isso é por não termos uma indústria de cinema em Portugal. Dirão com relativa razão. Não temos material suficiente para escolher o que de melhor se faz no cinema português. Pelo menos, não anualmente. Para a coisa durar mais que dez, quinze minutos teríamos de realizar a cerimónia de dez em dez anos ou, se ainda acharmos que é pouco, de vinte em vinte. Ou então, mudamos radicalmente de estratégia e comemoramos – podia ter escolhido outro termo, eu sei – o que de pior se faz. E aí, meus caros, há muito por escolher. Comecemos pelo boneco, ou mascote se preferirem. Já tenho o nome: Eládio. Segui o exemplo americano e fui buscar o nome a uma figura televisiva bem conhecida do público. Só que, em vez de usar o nome de um personagem da ‗Rua Sésamo‘, inspirei-me em alguém cujas referências são, tanto quanto sei, imaculadas: Eládio Clímaco. É verdade que há muito tempo não o vemos na televisão como gostaríamos de ver, mas as suas prestações nos ‗Jogos sem fronteiras‘ ainda perduram na nossa memória. Não sei bem, mas talvez seja mesmo esta a forma certa de agir. Os americanos escolheram uma figura socialmente incómoda (o sem-abrigo) para representar um prémio bom. É lógico que eu fosse escolher alguém como deve ser para representar um prémio mau. Uma coisa equilibra outra. E tem de ser alguém como o Eládio ou, pelo menos, alguém com um nome invulgar. A coisa não teria o mesmo impacto se tivesse 130 PROTUBERÂNCIA – Volume I escolhido um Jorge Gabriel ou um Mário Crespo. A entrega dos Jorges ou a entrega dos Mários seriam cerimónias pobres se comparadas com a entrega dos Eládios ou a entrega dos Isidros. Imaginem o que seria a cerimónia dos Oscares, se o boneco em vez de Oscar se chamasse Richard. Todos falariam dos DICK AWARDS e isso seria bom para prémios de cinema porno, mas fora isso... não ficaria bem. Não vou propor candidatos, deixo isso a vosso cargo. Quando tiver material suficiente fazemos uma cerimónia com Trinaranjus e tortas Dancake. Vai ser à fartazana. Joel G. Gomes 131 TERMINUS #49 SACRIFÍCIOS PELA FOME NO MUNDO Certas pessoas têm a ilusão de que não comer tudo o que se tem no prato, mesmo que ainda esteja vivo ou fora do prazo de validade, é crime de extrema gravidade. Eu ouvi várias vezes essas expressões de reparo sócio-familiares que todos nós conhecemos desde pequenos. ‗Tanta gente a passar fome e tu é o que se vê‘, ‗O que tu tens é fartura‘ ou ‗Umas semaninhas no Biafra e logo vias o que era fome‘, só para citar alguns exemplos. Ouvia-as muitas vezes; não ligava e continuo a não ligar. A minha ideia é simples e, no meu entender, honesta. Ponto um: há pessoas com fome e isso é chato e tal e quem nos dera que não fosse sempre assim. (Faço esta ressalva porque se deixar de haver fome no mundo os alimentos passam a ser supérfluos, o que vai acabar com o ganha-pão de muita gente.) O que eu não percebo e contesto é porquê espetarem-me no prato comida para duas pessoas como se eu fosse um alarve e eu, por não comer tudo, passo a ser um gajo cruel e insensível? Eu ficava bem só com metade e a outra metade oferecida a alguém que precisasse. Não me importaria nada se assim fosse. E seria um gesto bonito de se ver. Só que não. É doses individuais para duas pessoas, meias doses para uma pessoa e não há volta a dar. Ponto dois. O tamanho das doses não é tão significativo quanto a qualidade. O que quer isto dizer? Quer dizer que se a comida estiver bem saborosa, sou gajo para enfardar uma dose sozinho. Caso contrário, é meia dose e vá lá vá lá. E mesmo que eu comesse tudo – intragável ou não – mesmo que eu ingerisse doses de comida para duas, três ou mais pessoas, e toda a gente visse que eu comia bem e não deixava comida no prato, em que é isso ajudaria as pessoas que passam 132 PROTUBERÂNCIA – Volume I fome? (Respondam a esta pergunta imaginando-me como o Mr. Creosote do ‗Meaning of Life‘ dos Monty Python.) (Outro aparte: a diferença entre ‗passar fome‘ e ‗passar férias‘ não está apenas nas duas letras extras, há mais qualquer coisinha a distinguir.) O argumento de alguns para esta questão diz que se não comermos porque não nos apetece estamos a ser injustos e hipócritas perante aqueles que gostariam de comer, mas não podem. É uma ideia errada e passo a exemplificar porquê. Situação #1 Na Somália, uma família de turistas holandeses faz um piquenique. Os miúdos são arrogantes e meio parvos e não querem comer as iscas. O pai ralha com os miúdos e invoca o argumento da hipocrisia. São ouvidas expressões como ‗têm mais olhos que barriga‘ (mas em holandês). A mãe defende os filhos dizendo que iscas não é comer de piquenique, ainda para mais de piquenique holandês e aquilo descamba numa discussão que termina com o evento. A família abandona o local e fica lá o tupperware com as iscas. Duas crianças escondidas atrás dum arbusto aproximamse do local do piquenique e enchem o bandulho à conta das iscas. Situação #2 Outra família, daquelas que comem tudo (inclusive os pratos e os talheres, mesmo que estes não sejam comestíveis) vai fazer um piquenique, também na Somália. Os pais comem tudo, os filhos comem tudo. Não fica nada e partem para casa, sentindose todos bem. Enquanto isso, escondidas atrás dum arbusto, duas crianças passam fome. Agora tirem as vossas conclusões. (Desde que uma delas não seja: Isso só resulta se for em piqueniques na Somália.) Joel G. Gomes 133 TERMINUS #50 TOCA A GANHAR QUANDO O TELEFONE TOCA Liliana Aguiar, Patrícia Henrique e Vanessa Palma; a primeira na TVI, as outras duas na SIC. São estes os nomes que devemos dar às moças que todas as madrugadas tornam mais agradáveis as noites de muitos homens com insónias ou com horários de trabalho trocados. Umas com ar mais inteligente que outras, é certo, mas se tirarmos o som do televisor o nível de sapiência fica ela por ela. Embora saiba que há um gajo no programa da SIC, estou só a falar das gajas porque há nessa figura masculina muita coisa que não se percebe. Eu entendo que o objectivo do programa é manter as pessoas acordadas de madrugada. Se é para isso podiam fazer como eu fazia quando era imaturo e pouco ciente dos meus actos e irem tocar às campainhas das portas às tantas da noite. Dois toques, um dedo para campainha e ‗tá feito. Faziam mais exercício e chegavam a mais gente. Mais importante: mostravam determinação e empenho. De qualquer modo deixei-me disso. Até porque esta semana as noites já começaram a ficar mais frias. Em vez disso, decidi optar por usar o telefone. É claro que hoje em dia há mais gente com telemóvel do que com telefone e que muitos desligam o telemóvel durante a noite. Porém, com um pouco de paciência e persistência ainda se consegue incomodar e acordar algumas pessoas. Desviei-me do assunto (e sou capaz de me ter denunciado sem querer). Peço desculpa. Manter o pessoal acordado é o objectivo. Porque já se sabe que àquela hora, a tentar combater o sono, o pessoal papa tudo. Principalmente se forem gajas boas a vender o produto. Então, pergunto, porquê o… Quimbé? Notem, eu aceito e compreendo que as mulheres também 134 PROTUBERÂNCIA – Volume I tenham direito à sua cota parte de acção. Tudo bem. Aceito isso sem reservas. Só que, falando de nomes mais conhecidos, nós estamos a ver uma Diana Chaves, ou uma Marisa Cruz e elas estão a ver um sujeito que faz o Batatinha parecer um professor catedrático. Quimbé! Será diminutivo de Joaquim Barnabé? Que raio de nome é esse? Castigo? É para manter o pessoal acordado? É? Consegue? À custa de buzinas e campainhas e caretas parvas, lá se vai safando. E lá vai convencendo algumas pessoas, que ou partilham do seu nível mental ou se compadecem com ele, a ligar para lá. No meu caso liguei duas vezes, mas foi para o Miguel Bombarda e para o Júlio de Matos a pedir que fizessem uma contagem dos pacientes. Pensei que ele pudesse estar internado por pensar que tinha jeito para ser apresentador de televisão. Não era o caso. O meu problema é que sou a favor da equidade e como esta funciona nos dois sentidos, o meu medo é que o Quimbé seja tomado como ponto de referência e em vez de gajas boas a animar as nossas noites e um Quimbé para as mulheres, passemos a ter réplicas da palhaça Teté. Sem dúvida que isso iria manter o pessoal acordado (ou a ter pesadelos) mas, por favor, NÃO O FAÇAM!!! Joel G. Gomes 135 TERMINUS #51 COISAS DO MUNDO Processos contra Deus Billy Connolly interpretou a primeira pessoa a interpor uma acção judicial contra Deus (geeks do IMDB corrijam-me se estiver enganado, s.f.f.). À ficção seguiu-se a realidade. Primeiro foi um senador americano, depois foi um recluso romeno. Haverá melhor bode expiatório que um fulano omnipotente e omnipotente? Lifting animal José Castelo Branco quer fazer um lifting ao seu cão. De alguém que não respeita a sua própria natureza, o que seria de esperar? Índia vs. EUA Na Índia, um homem casou-se com uma cadela e um miúdo de 10 anos fala onze línguas. Nos Estados Unidos, um homem comeu 103 hamburgers em oito minutos e um ministro britânico de origem islâmica foi detido no aeroporto pelo Departamento de Defesa por suspeitas de terrorismo após ter tido várias reuniões sobre terrorismo com esse mesmo departamento. Coragem vs. Violência Um miúdo brasileiro de cinco anos deixou-se levar pela fantasia de ser o Homem-Aranha e arriscou a sua vida para salvar um bebé de um prédio em chamas. No Reino Unido, uma ama asfixiou com uma almofada o bebé que estava à sua responsabilidade. 136 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #52 DAQUI PRA TRÁS Numa altura em que o cinema português se afasta dos parâmetros elitistas e cinzentos que o caracterizaram durante anos e anos, parece que ainda há tempo e lugar para quem teima em não desistir de fazer o tipo de cinema que não atrai nem surpreende. Segundo a ‗Visão‘ nº 777 de 24 de Janeiro de 2008, a realizadora Catarina Ruivo conta, a propósito do seu novo filme ―Daqui pra frente‖, o que gosta no processo de criação de um filme. Eis o que ela diz: “De pensar a estrutura do filme, de encontrar-lhe a respiração, os planos de união, de optar pelos takes, de descobrir o fotograma certo(…)” Até aqui, tudo muito bem. O pior vem a seguir. “Coragem não é deitar fora os planos que ficaram mal, mas «ter a humildade de os manter» porque fazem falta ao filme.” Eu não sou editor, muito menos realizador, para opinar – com bases técnicas – sobre essa ideia de aproveitar o que ficou mal como sinal de humildade. Não considero que o vídeo que coloquei neste blogue e o vídeo que coloque n‘O OVO REDONDO sejam exemplos de uma grande destreza técnica. Por outras palavras, não me posso valer deles para comentar profissionais da área. Contudo, tive oportunidade de perguntar a amigos meus, esses sim, profissionais da área o que achavam disto, e a reacção deles foi de total incredulidade. Poderá ter sido uma expressão descontextualizada. Poderá ter sido equívoco da Visão e não da entrevistada e isso seria um Joel G. Gomes 137 grande alívio. O problema é que a Visão não se costuma enganar muito. Pode ser que para a semana saia o desmentido e eu publique um artigo de desculpa. Mas duvido que tenha sido engano. (Entretanto, já hoje é quinta-feira, já li a nova edição da revista e não vem lá nada. O Manuel Alegre ficou a 29 mil votos da Presidência, em vez dos 200 mil referidos. Fora isso, não vem lá mais nada.) Como telespectador e, principalmente, como guionista, acredito que é preciso saber deitar ideias fora sem ter medo. Aprendi com o Possidónio Cachapa qualquer coisa como ―uma cena são apenas palavras num papel‖. É mais que certo não estar a citá-lo ipsis verbis, mas isto já foi há uns bons anos e foi uma frase que ficou apenas na memória e não em papel. No fundo, é isto: podemos sempre fazer melhor, mas para isso precisamos de apagar o que fizemos e começarmos de novo. Isso vale para a escrita, para a montagem, para a realização, para tudo. Eis o que é humildade no meu manual: Deitar fora uma cena – a melhor que eu escrevi e que serviu como base ao guião – porque não se enquadra com o resto do guião. Deu origem a uma história diferente da que estava planeada; mantê-la é estupidez. Prescindir duma personagem, aquela com as melhores falas, porque a produção assim o define, ou porque não é imprescindível para que a história faça sentido. Manter isso, conservar o que ficou mal, o que não funciona é apenas arrogância e preguiça. Façamos uma comparação. Ainda que subjectiva, ajuda a ter uma ideia. Por motivos pessoais e profissionais, fui convidado para a antestreia do filme “Call Girl” do António de PedroVasconcelos. Uma surpresa agradável e um filme que entreteve. Tem falhas, como todos os filmes têm, sejam portugueses ou estrangeiros, mas é um filme feito pelo autor para si e para o 138 PROTUBERÂNCIA – Volume I público; não se limita a satisfazer o ego de quem o faz. Tem a Soraia Chaves e isso atrai muita gente, mas o resto também não está nada mal. Não fui o ver o ―Corrupção‖, nem vi outros ―blockbusters”. Por opção, mas acima de tudo porque eram prova de uma ideia que eu já expressei neste blogue: o oito ou oitenta, isto é, o filme muito inteligente e cinzento e o filme feito de idiotas e violência desmensurada. Não querendo parecer demasiado elogiativo, “Call Girl” combina bem o melhor das duas vertentes; tem equilíbrio. E se falo do que fui ver e do que não vi, também tenho de falar do que não quero ver. ―Daqui p‘ra frente‘ surge no topo da lista. O filme pode ser bom, mas o teaser não me seduziu nada e aquela entrevista de Catarina Ruivo na Visão tratou de afastar qualquer curiosidade que eu pudesse ter. Notas finais sobre esse filme (e facto assumido com orgulho): a melhor cena do filme é copiada. Não preciso dizer mais nada. Por fim, sei agradecer quando é preciso e tenho que agradecer muito a Catarino Ruivo. Tenho estado ausente estes meses todos, muito por preguiça e falta de tempo mas também, essencialmente, por falta de tema onde me pudesse concentrar. Eram muitos e eu não conseguia escolher. Catarino Ruivo fez essa escolha por mim. Obrigado a ela, e obrigado também à ‗Visão‘. Joel G. Gomes 139 TERMINUS #53 A SAÚDE PÕE-ME DOENTE ARTIGO QUE JÁ SAI TARDE, MAS UMA VEZ QUE JÁ ESTAVA ESCRITO, TEM DE SER O tema corrente da sociedade portuguesa é o das urgências. Como hoje não me apetece escrever muito vou apontar o dedo sem pensar muito se faz sentido ou não. Primeiro, as pessoas vão para os SAP (ou iam quando haviam) às 6, 5 e 4 da manhã para conseguirem uma consulta para as 11. E nem todos conseguem vaga. E os que conseguem, às vezes não são atendidos. Porquê? Porque há uns senhores das agências de viagem que, volta não volta, vão ao gabinete do senhor doutor mostrar-lhes umas brochuras eDisseram-me agora que esses senhores não são das agências de viagem, são da propaganda. É bom. Da próxima vez que apanhar um deles, tenho de perguntar porque é que deixei de receber a Dica. Outro ponto. As pessoas morrem nas ambulâncias a caminho das urgências. De quem é a culpa? Mas como é que querem que o país vá para a frente se, a qualquer merdinha que aconteça, temos, forçosamente, de apontar o dedo e dizer 'foi este' ou 'foi aquele'? Se uma pessoa é atropelada ou baleada ou esfaqueada e o serviço de urgência mais próximo fica a não sei quantos quilómetros, qual é o espanto se morrer? Morrer em ambulâncias a caminho de serviços de urgência não é mais notícia do que alguém cair dum prédio de sete andares e morrer. Pelo menos assim parece ser o entendimento do ministro Correia de Campos, quando teceu aquele comentário em relação à morte de um idoso (penso que foi no hospital de Aveiro, mas 140 PROTUBERÂNCIA – Volume I de momento não tenho como ver e é da maneira que me corrigem). ―Se as suas avozinhas ou bisavós não tivessem morrido ainda hoje seriam vivas.‖ Como eu compreendo que as pessoas no calor do momento digam coisas parvas sem pensar (eu sou exemplo disso), aqui vão mais algumas frases para Correia de Campos (e mais quiser). “Se ontem era amanhã, amanhã hoje será ontem” (Esta para diálogos com o professor Manuel Maria Carrilho) “Caso possuísse o Anacleto um designador de personalidade civil baseado em Honório, assumir-se-ia que esse designador não poderia ser baseado em Inácio.” (Não faço ideia do que escrevi, nem se está bem ou não, mas deve estar de acordo com a nova terminologia linguística; indicado para conversas com Maria de Lurdes Rodrigues) Finalmente, “Se a minha mãe tivesse pila, seria o meu pai.” (Frase de trolha que não tem qualquer relevância na defesa de uma medida governamental; funciona bem naquelas festas em que está toda a gente a falar alto e de repente cala-se tudo quando estamos a dizer uma barbaridade destas.) Artigo incompleto, insubstancial, mal estruturado, mas eu disse que não me apetecia escrever. Joel G. Gomes 141 TERMINUS #54 QUERIDOS, MUDEI OS MINISTROS ARTIGO QUE SEGUE DA CONCLUSÃO DO ANTERIOR E QUE NÃO FARIA MUITO SENTIDO SE O OUTRO NÃO TIVESSE SIDO PUBLICADO E porque é que não faria sentido? Basicamente, porque vou explicar porque é que escrevi o artigo anterior. Ora, se eu não tivesse escrito o artigo anterior, agora ia estar a explicar porque escrevi o artigo sobre o filme da Catarina Ruivo e, se isto já faz pouco sentido, assim ainda faria menos. Segundo, vou ter de começar a usar menos vírgulas, estou a parecer o Saramago, e eu não quero que isso aconteça, A verdade é que além de preguiçoso, sou teimoso. Anteontem de manhã não tinha muita vontade de escrever, mas tinha de escrever qualquer coisa sobre aquele tal comentário de Correia de Campos e algo me disse que não podia passar dali. E quando eu digo que não tinha vontade, não tinha mesmo. Era mesmo daqueles dias que não dava. Mas escrevi. Chego a casa, ligo a televisão na SIC Notícias. Remodelação no Governo. Mau, pensei logo. Tu queres ver que...? Bem pensado, bem acontecido. E eu sabia que já não ia a tempo de publicar o último artigo antes da saída de Correia de Campos. Uma porque tinha de passar o texto no computador e só viria a acontecer por volta das onze da noite do dia seguinte. Podia ter feito isso de manhã e publicado antes da tomada de posse da nova ministra, mas optei por continuar a ler o livro que me tem entretido desde Sábado passado ('Dirty job', de Christopher Moore, se vos interessar). Sabia também que um artigo possivelmente ofensivo publicado numa altura em que a pessoa visada já não estaria a desempenhar o cargo em questão, além de me conotar como 142 PROTUBERÂNCIA – Volume I calão, preguiçoso, mal informado, poupar-me-ia de eventuais represálias jurídicas. Posso dizer que o Presidente da Républica Mário Soares é gordo e não sabe falar francês. E reforçar o ―é‖, uma vez que Mário Soares já não é Presidente da Républica. Ou assim o espero... E sobre a saída da Ministra da Cultura, acho bem. Aprovou a nova lei de financiamento do cinema e isso fica-lhe bem e tal, mas não foi nada planeado de início por ela. Opiniões sobre o novo homem da Cultura só quando for caso disso. Joel G. Gomes 143 TERMINUS #55 CONTRAFACÇÕES E AFINS Não sou o tipo de pessoa que perde muito tempo a ver mails. Todos os dias verifico a minha caixa de correio mas limito-me a ler apenas aqueles que considero ter importância. Deixo de parte os powerpoints, os dos bonequinhos e, basicamente, todos os fwd: fwd: fwd. Não uso filtros. O meu filtro é: se começa por 'URGENTE!!!!!' ou 'ISTO ACONTECEU MESMO' ou 'ATENÇÃO'... lixo. No entanto, no outro dia, recebi um mail e resolvi ler. Tendo em vista, a mentalidade inerente neste tipo de mensagens, poderia haver substância cómica para ser extraída. (Pergunta: quando fazem os forwards (ou os reencaminhamentos) que tal apagarem o fwd: do campo de título?) Eis o texto: ATENÇÃO às novas fiscalizações nas operações STOP!!!! Ontem à noite, depois de sair com um grupo de amigos, fomos mandados parar por uma brigada de trânsito da BT. Até certo ponto, achamos normal por se tratar de um fimde-semana e ser costume haver a caça ao condutor com álcool. Depois de o condutor soprar no balão, qual o nosso espanto quando o polícia pergunta se temos leitor de CD no carro. Tínhamos leitor de CD e logo a seguir pediu-nos para ver os CD's que tínhamos no carro, para ver se eram cópias !!!! Sobre isto, já eu tinha ouvido falar num mail que recebi recentemente (ver mais abaixo). O que é incrível é que, depois dos CD's, o polícia manda-nos sair do carro e começa a olhar para a nossa 144 PROTUBERÂNCIA – Volume I roupa ! Verídico! Nisto, chama uma mulher-polícia para junto das minhas colegas e um outro polícia para junto de nós e... PEDEMNOS PARA VER A ETIQUETA DAS NOSSAS ROUPAS! Recusámo-nos imediatamente e eles informaram-nos que, naquela operação Stop, estava incluída uma busca por contrafacção !!! Um dos meus colegas tinha um casaco Paul & Shark, comprado na feira de Espinho, e eles identificaram-no! O meu colega já contactou o advogado e este informou-o de que o que os policias fizeram está dentro da lei! Pelos vistos, quando compramos roupa na feira, sabemos que estamos a comprar material ilegal e isso é crime! Estamos a pactuar com uma actuação fora da lei e por isso sujeitos a coimas por conivência de forma de delito. Pelo que percebemos, só algumas marcas é que estão sujeitas a fiscalização, tipo, bolsas Gucci, óculos Channel, roupas Lacoste, Nike, Gant, Louis Vuitton, etc etc. Façam chegar este mail a toda a gente para que todos saibam A GNR-BT, nos auto-stops, começou a fiscalizar os CD's piratas que temos no carro. Se os CDs não forem originais ou então se não possuímos o original que deu origem à cópia, (é permitido por lei efectuar UMA cópia de segurança), a viatura pode ser apreendida e sujeitamo-nos às respectivas sanções. Retirem urgentemente os CD's piratas do carro, não vá o diabo tece-las. Este controlo foi efectuado este fim de semana, na A1. Enviado conforme recebido. O que há a dizer disto? Ora bem, não vou aqui discutir se é verdade ou não. Pode ser verdade como as colheitas de órgãos nas lojas chinesas, verdade como o sujeito que acorda numa banheira sem um rim com um cartão de visitas e um telemóvel, ou verdade como o sujeito cuja cabeça explodiu porque Joel G. Gomes 145 misturou mentos com coca-cola. Importa é perceber a lógica dos eventos. E eu tenho de dizer isto: nunca percebi o porquê da perseguição às contrafacções. Será apenas porque o produto tem uma qualidade inferior e um nome semelhante a outro de qualidade superior? Será o nome? Será a qualidade? Será porque um é vendido numa loja com música ambiente e ar condicionado e outro é vendido numa feira? Limitando-me ao universo da roupa, quais as diferenças entre uma peça contrafeita e uma peça das outras? Ambas seguem um desenho, são feitas de tecido, etc. Será que são ilegais por usarem o nome como método de venda? Um produto de qualidade inferior a servir-se do nome de outro de qualidade superior para vender mais. Como na música. Quantos e quantos artistas não vemos como cópias baratas de outros artistas e estes não são perseguidos nem presos. São contrafacções, mas por terem um nome diferente ninguém lhes diz nada. Será apenas o nome? 146 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #56 Ó MEU DEUS! Deus, Todo-Poderoso, omnipotente, tudo pode, tudo consegue... Pois sim. Durante anos vingou essa ladaínha relativa à força e invencibilidade de Deus. Até vir o Bin Laden e estragar tudo. Primeiro que tudo, vou salientar o mais importante: ainda bem que o Bin Laden está vivo! Desde que escrevi aquele artigo a interrogar-me acerca do futuro do terrorismo após a morte do seu representante máximo tenho passado noites a fio a pensar nisso. É bem verdade que o Bin Laden já voltou há mais tempo e já fez outras ameaças antes destas últimas, mas se ameaçar o Bush é mais do mesmo, ameaçar Deus é outra coisa completamente diferente. Bin Laden voltou em força. Tipo Stallone aos 60 a fazer um 'Rocky Balboa' e um 'John Rambo'. A diferença é que Bin Laden tem mais de setenta anos em cada perna e foi-se meter com um sujeito com fama de ser mais lixado que birmaneses e boxeurs afro-americanos todos juntos. Ou assim todos nós pensávamos. Aparentemente, Deus nada pode contra um gajo de desfibrilado e tolha na cabeça. Arma-se em bom, atira com gafanhotos e tal, mas depois... Típico dos bullies São sempre invencíveis. Até chegar um gajo e fazer-lhes frente. Tudo bem que o Bin Laden não fez propriamente frente a Deus. Fez ao Vaticano. Que é onde mora o representante de Deus na Terra. Imagino a reacção imediata às ameaças proferidas pelo líder da Alcaeda. ―Eminência, o Bin Laden acabou de nos ameaçar. Que Joel G. Gomes 147 fazemos? Rezamos um Pai Nosso?‖ ―Tás parvo? Chama mas é a Guarda do Vaticano.‖ ―Mas eles têm um uniforme ridículo.‖ ―Exacto. Se têm coragem de andar assim público, não hãode ter medo de mais nada.‖ ―Então e Deus?‖ ―Deus que vá brincar com os gafanhotos e não se meta com a mulher dos outros.‖ E pronto. (Esta última frase de Bento XVI foi mal pontuada de propósito; e também não está muito bem contextualizada, mas pronto.) 148 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #57 Ó MEU DEUS! II Bento XVI não confia no poder de Deus. E não é sem razão ao contrário do que se poderia pensar. Em Portugal, mais concretamente na Guarda, há uma igreja sem sinos há bué da tempo (de vez em quando tenho de escrever a captar público mais jovem) e o Estado, que é o responsável pela manutenção (porquê, perguntam vocês) não há meio de resolver o problema. Eu sei o que é ter a campainha avariada. É uma chatice. Principalmente se não formos nós a tê-la avariada. Vem a chunguice toda tocar-nos à porta. E isso é mau. Aquela igreja na Guarda ao não ter o sino arranjado, não ouve os fiéis. Estes, sentindo-se ignorados, vão tocar a outra freguesia. É um problema. E o padre, o bispo e essa malta pediram ajuda. A quem? Ao Papa? Já vimos a reacção dele a ameaças feitas por um tipo de toalha na cabeça. Vão esperando. Terá sido ao sujeito (com S grande) que criou o Universo e a Terra e isto tudo e mais alguma coisa em seis dias? Àquele que engravidou uma gaja à distância? Àquele que tudo pode, tudo faz e tudo vê? Qual quê! Pediram mas é às gentinhas da terra. Disse o Carlin há quase dez anos e continua a ser verdade. ―He's all powerful, all knowing and all wise. Somehow, just can't handle money!‖ Joel G. Gomes 149 TERMINUS #58 DOIS TÍTULOS UMA SÉRIE Título original: THE KING OF QUEENS Título(s) em Portugal 1 (TVI): O REI DO BAIRRO 2 (SIC COMÉDIA/SIC MULHER): ELE, ELA E O PAI Título original: CROSSING JORDAN Título(s) em Portugal 1 (FOX LIFE): A PATOLOGISTA 2 (RTP1): A ENCRUZILHADA Título original: GHOST WHISPERER Título(s) em Portugal 1 (SIC): ENTRE VIDAS 2 (FOX LIFE): EM CONTACTO Título original: TWO AND A HALF MEN Título(s) em Portugal 1 (RTP) DOIS HOMENS E MEIO 2 (SIC) CONTACTO (COM OS COMENTADORES ZEZÉ CAMARINHA E JOSÉ CASTELO-BRANCO) Pergunta: quando uma destas séries é editada em DVD em Portugal, qual dos títulos é escolhido e porquê? Ou será que são editadas duas versões da mesma série para os otários comprarem duas vezes o mesmo produto? O meu palpite é que são atribuídos nomes diferentes à mesma série para não acontecer estar a dar a mesma série em dois canais concorrentes em simultâneo. Ou para quem não possuir TVCabo aderir ao serviço porque são transmitidas séries que não estão disponíveis em sinal aberto. Responda quem souber. 150 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #59 CITAÇÃO DE BLOG Não tenho por hábito citar totalidades de ideias de terceiros, só parcialidades. Isto por norma. Como este caso foge à norma, sinto-me no dever de o fazer. Até porque é uma informação importante e urge levá-la ao maior número de pessoas possível. No BLOG DAS COISAS QUE VÃO MUITAS VEZES DAR AO SEXO li o seguinte artigo: SEGUNDA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2007 Hi5 e as Pessoas-Local Quase todos os dias faço uma visita ao meu lugarzito no Hi5, gosto de ver as adições de fotografias e amigos, visitas ao meu perfil, mensagens, e essas tretas todas que vão animando aquela imensa base de dados das 'gentes' de todo o mundo. O Hi5 é ainda um bom modo de conhecer o que as pessoas tomam como bom ou mau, já que é lá que expõem o que acham que devem expor, que decidem o que é bom dar a conhecer ou não e consequentemente o que é favorável ou não para este pedaço da sua identidade, que não está presente bem numa base de dados, como aquelas chatas que devem existir no estado ou aquela do programa de facturação. Nada disso, o hi5 é encarado como um universo digital de relações e posição social, qual base de dados qual quê! Bom, mas independentemente do que acho que os outros acham do Hi5, não consigo perceber esta proliferação recente, já que tenho tomado consciência dela nos últimos dias, daqueles seres que fazem questão que não se possa ver as Joel G. Gomes 151 informações que introduziu na base de dados. Mas afinal de contas por que razão é que quiseram fazer parte dela? Ora se eu não conhecer o cão, gato ou pintura e personagens favoritos de alguém que já não vejo há uns anos isto porque é raro olhar para a foto que aparece na nossa indexação à base de dados e reconhecer alguém - como é que sei que X ou Y são a pessoa que procuro? Não percebo também porque numa sistema como o hi5 que tem como fundamento a partilha e ligação de amigos e conhecidos a outros amigos e outros conhecidos, existe a necessidade de bloquear outras pessoas de verem o nosso perfil e consequentemente de encontrar pessoas que poderiamos conhecer ou querer conhecer e assim consecutivamente. Acho que essas coisas que vão abundando por lá, devem querer expressar uma atitude semelhante aos locais de entrada reservada, que têm uma placa enorme a dizer 'proibida a entrada' ou algo de género, que de facto pode ser qualquer coisa desde que siga o "conceito" de numa forma ou outra querer fazer questão de dizer que é importante, de forçar a ideia que se é mais que qualquer outra coisa. Acho até que essas entidades que habitam o Hi5, querem ser outra coisa além de pessoas. Já são uma espécie de pessoa-local. Querem ser aquele bar e restaurante que tanto admiram. Querem ser o local que alberga e protege, com o seu acesso reservado, outras pessoas. Ou a casa onde a família retrograda que fecha/prende a filha para que não tenha contacto com nenhum homem (só a levam a passear no seu veículo de luxo, nos 'premium'!). E ainda o local que quer de facto demonstrar que é selecto, ele quer ser selecto 152 PROTUBERÂNCIA – Volume I onde não faz sentido ser. É o local da piadaretrocesso, aquele tipo de humor que descreve a rapariga 'pouco-virgem' no confessionário, ou o canalizador bruto e másculo no convento. É o argumento num filme pornográfico. E como este, é despropositado, dispar e desnecessário. Para essas pessoas-locais cujo egoísmo tenta fechar as portas de forma a que não tenha acesso a outras pessoas que podem ser importantes para mim (e que de outra forma não encontro), quando queremos estar isoladamente com os nossos amigos num ambiente só nosso, não andamos para aí a cantar isso para toda a gente, porque é daquele tipo de informação inútil para os 'não participantes'. Se não gostam de partilhar informações e amigos/conhecidos, nem usar isso para encontrar pessoas que já não falam ha muito tempo, o hi5, caso ainda não tenham reparado, não é bem o sitio para vocês. O ICQ, MSN ou qualquer outra rede de género é mais adequado e pelo menos, fazem o favor a toda a gente de não empatar ninguém. É tão estranho falar sobre isto como seria tentar perceber ou explicar o argumento de um filme pornográfico. Ou não, mas aí já estaríamos na Twilight Zone. Publicada por Sr.Cosmos em 4:22 Isto é uma mensagem que vale a pena espalhar por mail. Não é aqueles powerpoints dos cãezinhos e dos coraçõezinhos e essas merdinhas fofas. Abram os olhos. Joel G. Gomes 153 HOMENAGEM A GEORGE CARLIN "Take care of yourself. And take care of somebody else." – George Carlin George Carlin, famoso comediante norte-americano, faleceu no passado dia 23 de Junho, vítima de ataque cardíaco. Morreu com 71 anos, ou como ele gostava de dizer "Sixty nine with two fingers up my asshole!" Conhecido pelo famoso 'the seven words you can't say on television' e por muitos outros, o seu legado ficará para sempre na História do Humor. Num dos meus primeiros posts, prestei-lhe uma homenagem ainda era ele vivo. Eis a homenagem póstuma: FREE FLOATING HOSTILITY (ou PESSOAS QUE NÃO FAZEM FALTA) 1 - Pessoas que levam as chaves de casa ao pescoço 2 - Pessoas que empatam filas no pronto-a-comer, perguntando "O que é isto? O que é isto?" 3 - Advogados com o rego do cú à mostra 4 - Pessoas de camisas às bolinhas 5 - Juízes com vestígios de pó branco nas narinas 6 - Homens com mais de 40 anos que usam o boné de lado 7 - Escritores de literatura 'light' 8 - Casais que levam o bebé para restaurantes românticos 9 - Famílias numerosas que acham que os putos não incomodam ninguém na praia 10 - Mulheres com mais celulite do que pele que acham que têm corpo para usar fio dental na praia PROTUBERÂNCIA – Volume I 154 TERMINUS #60 SUGESTÕES DE LEITURA PARA JULHO Julho vai quase a meio mas ainda há tempo para muito boa leitura. Aqui ficam algumas sugestões. O PLANO NACIONAL DE LEITURA PARA ANALFABETOS COMO ATINGIR PESSOAS DE CABEÇA PEQUENA COM UMA FISGA COMO TER GRANDES IDEIAS SEM LER ESTE LIVRO IMPRESSIONE OS OUTROS SEM DIZER NADA 1001 MANEIRAS DE USAR UM FURADOR SAIBA O QUE DIZEM DE SI QUANDO NÃO ESTÁ PRESENTE COMO ALIMENTAR A SUA MANIA DE PERSEGUIÇÃO UMA LISTA DE TODAS AS PALAVRAS QUE NÃO DEVE DIZER A UM HOMEM UMA LISTA DE TODAS AS PALAVRAS QUE NÃO DEVE DIZER A UMA MULHER MANUAL DE CONSTRUÇÕES COM UNHAS CORTADAS COMO SER AMIGO DE TODA A GENTE SUGESTÕES PARA DOBRAGEM DE GUARDANAPOS DOMINE A INTERNET A PARTIR DO SEU TELEFONE DE CASA COMO ESCOLHER O SEU PARTIDO POLÍTICO E NÃO SER INFLUENCIADO 100 FRASES DE PESSOAS QUE NINGUÉM CONHECE APRENDA A NÃO SE RALAR COMPÊNDIO DE TODAS AS DOENÇAS CONTRAÍDAS POR PESSOAS NASCIDAS NO SÉCULO XX COMO SUBIR NA VIDA SEM DAR O CÚ E CINCO TOSTÕES ADOCE A SUA VIDA COM ASPARTAME 110 RECEITAS À BASE DE PETAZETAS Joel G. Gomes 155 TERMINUS #61 QUINTA DA FONTE Após centenas de e-mails e cartas recebidas a pedirem, a exigirem que eu me manifestasse acerca dos acontecimentos que tiveram lugar na Quinta da Fonte, em Loures, eu continuei na minha. Disse a todos eles que a minha criatividade não podia ser encomendada. "Eu escrevo sobre o que me apetece," disselhes. E mantive-me firme. Até que uma das leitoras resolveu ser um bocadinho mais persistente e... Enfim, digamos que eu faço isto POR VOCÊS. Vamos lá então, Quinta da Fonte. Primeiro, não me interessa quem teve razão, se ciganos ou pretos (ou negros, ou afroportugueses, ou qualquer que seja o termo politicamente correcto actualmente em vigor). Há sítios onde eles se dão bem, há sítios onde se dão mal. Aquilo é um bairro social. Fiquei espantado por uma situação daquelas ter acontecido lá. Nunca pensei. A única coisa que posso comentar em concreto sobre este caso, prende-se com as declarações que ouvi duma abécula, ave rara, (etc. ad infinitum) que disse no fórum da TSF que "os ciganos são um povo nómada e nós [sociedade ocidental] tentamos sedentarizá-lo." Na opinião dessa aventesma em vez de casas devíamos dar-lhes antes roullotes. Porque assim não há perigo de, ao mínimo sinal de merda, zarparem para Espanha. Obviamente, e isto é o que se deve ter SEMPRE em conta, apesar das escaramuças que se possam ter tido com ciganos ou pretos (ou negros, ou etc.) não se pode rotular tudo. Já tive a experiência de ter sido uma vez confrontado por um cigano que me confundiu com alguém que apareceu na televisão a dizer coisas como "os ciganos deviam ir todos prá terra deles." Quem já teve confusões com eles, sabe que confusões são 156 PROTUBERÂNCIA – Volume I motivo para espancamento. Tanto faz ser verdade como mentira. Tentando manter a postura, expliquei-lhe que não podia ser eu e... ele aceitou. Pediu desculpa, disse que tinha sido erro da parte dele e foi à sua vida. Cruzei-me com ele algumas vezes, cumprimentamos-nos com um acenar e seguimos. Por isso, Quinta da Fonte, Cova da Moura, Chelas, Laranjeiro, Vale da Amoreira, etc., etc., olhem para esses bairros, vejam em que condições algumas (nem todas) dessas pessoas vivem. E mesmo aqueles que têm actividades ilícitas, considerem o que aconteceu para eles enveredarem por essa vida. E digam se a culpa é mesmo deles ou de quem os pôs lá. (to be replied) Joel G. Gomes 157 TERMINUS #62 PRIVADAS & PÚBLICAS Passei por quatro universidades na minha vida – duas públicas e duas privadas –, estudei numa e trabalhei nas outras três. Conheço bem o panorama das universidades públicas e privadas. Ou melhor, conhecia de 1999 até meados de 2006. Depois disso, parti para outra. Era, por vezes, demais evidente o nível que distinguia os alunos de uma e de outra universidade. A privada com prérequisitos académicos mais baixos e mensalidades mais altas dava espaço aos meninos e meninas de bem, aos ―senhores‖ e aos ―filhos dos senhores‖. Na pública, entravam por mérito próprio. Pagavam menos, mas o nível de exigência era diferente. Não sendo isto uma regra de ouro, eram mais as vezes em que acontecia assim do que o contrário. Não estou, portanto, a ser apologético de uma e crítico de outras, mas era isto que se verificava. A postura dos alunos na pública era mais humilde do que a dos alunos na privada. Eis um exemplo (real, não inventado): Dois alunos, oriundos da mesma escola, da mesma turma, candidataram-se ao curso de Direito. Um entrou na pública, o outro na privada. Os dois freaks. No primeiro ano, continuaram como freaks. No segundo ano, o que estava na privada, cortou o cabelo e passou a vestir calça de ganga e camisa. No terceiro ano, andava de fatinho e gravata. O outro continuou como freak até ao final do curso. Hoje em dia, anda também de fato, mas é a profissão que obriga a isso. Exerce advocacia, o outro trabalha num café. Isto acontecia em Direito, acontecia em Economia, Gestão, Informática, etc. E agora leio no DN que o decréscimo de alunos não tem a ver com a descredibilização das universidades privadas, mas sim com a crescente concorrências das públicas. 158 PROTUBERÂNCIA – Volume I Em parte, é verdade, mas só em parte. Tomemos como exemplo alguns dos casos que vieram a público sobre universidades privadas (alguns não passam de rumores, mas mencionemo-los na mesma): Universidade Independente (suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, etc.) Universidade Moderna (associação criminosa, gestão danosa, apropriação ilícita, corrupção activa e passiva e falsificação de documentos) Universidade Autónoma (suspeitas de corrupção, exames comprados, etc.) Estes são os casos de que me lembro e que encontrei na net. Que também possam haver casos assim ou piores nas universidades públicas, não me surpreende. Surpreende-me é dizerem que o facto do número de alunos ter diminuído nos últimos dez anos não tem nada a ver com isto. Este é um Governo de imagem. Tudo é feito à superfície, a porcaria varrida para baixo do tapete. Acho que se fosse um objecto, este Governo seria uma capa para telemóvel. O telemóvel cai ao chão, fica feito em merda por dentro, troca-se a capa e, voilá!, fica como novo. Algumas coisas terão mudado nestes últimos dois anos em que estive afastado do ambiente universitário. A começar pelo grau de exigência para entrada na pública. O cenário que eu descrevia ao início, muito provavelmente, não ocorre nos dias de hoje. E isso surpreende alguém? A mim não. Fiz o ensino secundário na área de Comunicação. Aprendi as quatro perguntas principais a que um jornalista tem de responder quando escreve uma notícia (QUEM, O QUÊ, ONDE e QUANDO) na minha primeira semana de aulas. Joel G. Gomes 159 Quando fui trabalhar para a primeira privada, na altura dos exames finais, apanhei um aluno do 4º ano, curso de Ciências da Comunicação, vertente de Jornalismo, a fazer cábulas para o exame final. Só tinha lá uma coisa ―QUEM, O QUÊ, ONDE e QUANDO‖. Hoje trabalha no 24 Horas. Talvez. Pagou para entrar, mas era óbvio que não tinha cabeça para aquilo. Hoje corre-se o risco de este cenário aconteceu em todas as universidades. Alunos mal preparados, que entram porque têm dinheiro para isso, mantêm-se porque têm dinheiro para isso e acabam porque têm dinheiro para isso. Começa com algo tão simples e bonito como a subida miraculosa dos resultados dos exames de Matemática. Num ano estamos cá em baixo tudo, no ano seguinte ninguém nos agarra. Alunos super inteligentes? Professores super dinâmicos e instrutivos? Não sei. Mas imagino que as capas para telemóveis nos chineses estejam muito baratas. PROTUBERÂNCIA – Volume I 160 TERMINUS #63 SUGESTÕES DE LEITURA PARA O MÊS DE AGOSTO Agosto, tempo de notícias parvas. E de bons livros. DICAS DE BELEZA PARA PESSOAS COM VERRUGAS RITOS DE ACASALAMENTO DOS BEDUÍNOS CATÁLOGO PRIMAVERA-VERÃO PARA PESSOAS ANTIPÁTICAS FALSIFIQUE NOTAS COM LENÇOS DE PAPEL DIGA NÃO A TUDO LISTA DE NOMES HERMAFRODITA IDIOTAS PARA DAR AO SEU FILHO DICIONÁRIO DE INSULTOS PARA INDIVÍDUOS DE ORELHAS GRANDES JOGOS E BRINCADEIRAS EM CAMPOS DE MINAS O SEU VOTO CONTA COMO DIZER SEMPRE A FRASE CERTA 1001 FORMAS DE PEDRA DE CALÇADA BRICOLAGES DE CASA DE BANHO ENFEITE A SUA SECRETÁRIA COM FOTOGRAFIAS DOS FILHOS DOS SEUS COLEGAS A SUA HIGIENE DIÁRIA EM UM MINUTO ASSUSTE O SEU PARCEIRO COM RESULTADOS DE EXAMES MÉDICOS MANUAL DE ACASALAMENTO COM ANIMAIS DE PÊLO BRANCO TRANSFORME OS SEUS RECEBOS VELHOS EM FLORES DE PAPEL UMA LISTA DE TODAS AS FRASES ESCRITAS EM CASAS DE BANHO PÚBLICAS TODAS AS PESSOAS PARA QUEM PODE LIGAR ÀS 4 DA MANHÃ COMO AFUGENTAR TIAS CHATAS Joel G. Gomes 161 TERMINUS #64 SUGESTÕES (TARDIAS) DE LEITURA PARA SETEMBRO O tempo é pouco e, infelizmente, só agora é que consegui vir aqui deixar-vos a lista de livros a ler durante o mês de Setembro. Para compensar o meu atraso e uma vez que metade do mês já passou, em vez de vinte levam trinta sugestões. Quem é amigo, quem é? SURPREENDA OS SEUS VIZINHOS DURANTE A NOITE TODOS OS TOQUES DE TELEMÓVEL EM LINGUAGEM SMS APRENDA A DIMINUIR AS SUAS EXPECTATIVAS DISFARCE O EXCESSO DE ÁLCOOL ATRAVÉS DE DANÇAS DE SALÃO UMA LISTA DE TODAS AS MULHERES QUE NÃO FINGEM UMA LISTA DE PESSOAS QUE NÃO DÃO TRABALHO A NINGUÉM UMA LISTA DE PESSOAS QUE NÃO INTERESSAM O MENINO JESUS JÁ QUER IR ÀS MENINAS COMO CONSEGUIR BONS DESCONTOS EM TUDO O MEU ARCO-ÍRIS: MEMÓRIAS DE UM ESTRÁBICO LISTA DE TODOS OS PREÇOS DE PASTAS DENTÍFRICAS EM MERCEARIAS DE IDANHA-A-NOVA 100 RECEITAS DE ANIMAIS DOMÉSTICOS SAIBA SE ESTÃO A GOZAR CONSIGO ATRAVÉS DE AERÓBICA 27 FRASES PARA DIZER QUANDO ENCONTRAR DEUS UMA ANÁLISE DE TUDO O QUE FOI DITO SOBRE A CONJUNTURA APRENDA A CONTAR PELOS DEDOS EM TRÊS TEMPOS DISFARCE O SEU ODOR CORPORAL COM UMA SOLUÇÃO À BASE DE VINAGRE E CEBOLA ENCICLOPÉDIA DE MEDICINA ARTIFICIAL TONS DE CORES QUENTES PARA VERNIZ DE UNHAS PROTUBERÂNCIA – Volume I 162 O PLANO NACIONAL DE SAÚDE SOB O OLHAR DE JOSEF MENGELE APRENDA A NÃO DESISTIR (com prefácio de Pedro Santana Lopes) TODAS AS PALAVRAS QUE NINGUÉM LEU SEJA O CENTRO CORPORAIS DAS ATENÇÕES ATRAVÉS DE SONS COMO USAR BOM SENSO EM DISCUSSÕES COM BÊBADOS ARMADOS TODAS AS CAVIDADES CORPORAIS ONDE PODE ESCONDER DROGA GINCANA DE MÉDICOS-LEGISTAS PADRÕES DE PAPEL DE EMBRULHO COM RISCAS OS ENDEREÇOS DE TODAS AS PESSOAS COM APELIDOS COMEÇADOS POR 'S' A RAIZ QUADRADA DE 2 EM 1700 PÁGINAS PIROPOS DE TROLHA PARA USAR NO CONVENTO Joel G. Gomes 163 TERMINUS #65 CORRUPÇÃO PARA TODOS Sofia divide o tempo entre dois empregos. De tarde trabalha num supermercado, à noite num bar de alterne frequentado por dirigentes desportivos, autarcas, polícias e juízes. Numa noite, Sofia recebe uma proposta de um inspector da Polícia Judiciária, Luís, que reconhece nela uma certa classe, charme e inteligência que a destacam de todas as outras mulheres que habitualmente se encontram nesses locais. A proposta é simples e perigosa: Sofia deve dar-se a conhecer a um dirigente de um clube desportivo da primeira liga, seduzi-lo, conhecer os seus segredos. Sofia aceita o desafio, mas aos poucos começa a pôr em causa o que lhe é dito pelo inspector. Mas o cerco policial ao "Presidente" continua, o que o leva a manter Sofia afastada de qualquer informação comprometedora. Sofia está agora disposta a revelar tudo o que sabe. Mas a verdade tem um preço muito alto. -- sinopse do filme português CORRUPÇÃO Ora bem, isto já vem mais do que tarde, vem tardissímo, mas eu tenho um problema – aliás, tenho mais do que um, mas para o caso não interessa – que é ser preguiçoso. E outro que é não ligar a filmes que não interessam. Eu vi as conversas no programa da Fátima Lopes sobre a Carolina Salgado, portanto já sabia de tudo o que ia acontecer no filme. Ou, assim pensava 164 PROTUBERÂNCIA – Volume I eu. Pois ao ir a uma papelaria e por acaso ver o dvd do filme 'Corrupção' e por curiosidade (mórbida? não tanto, é mais pelo gozo) pegar para ler e sinopse, constatei que o filme tinha e tem mais do que eu julgava. A história está lá como eu tinha ouvido dizer n vezes tanto na Fátima Lopes como no Manuel Luís, só que ninguém (e aqui fica o meu reparo a esses senhores críticos sociais) me disse que o filme ia ser uma fábula da Disney. Ou tentativa de. Pelo menos é o que parece. Vejam porquê: Uma mulher ter dois empregos para sustentar as filhas e um deles ser num bar de alterne, não é a primeira nem há-de ser a última. Se o emprego diurno for fiscal da ASAE, pronto é mau exemplo. Mas o alterne, além de poder ajudar as gaiatas quando for a altura dos exames de Educação Sexual, também aprende a tirar cervejas e a preparar cocktails. Imagine-se o caso das filhas irem pelo mesmo caminho, abrem negócio em casa e é só facturar. O bar é frequentado por gente importante, entre os quais dirigentes desportivos, autarcas, juízes, policias. Ora bem, por definição e por ética, a prostituição de alto nível é onde uma pessoa pode ir e despejar os seus problemas (e não só) e fica descansado porque dali não sai. Primeiro sinal de que quem escreveu o filme nunca pôs os pés numa casa de alterne ou então era ela que não era capaz de ficar com a boca fechada. O que remete para a próxima parte da história. Vai lá um polícia bêbado fazer-lhe uma proposta . E bêbado porquê? ―(...) Luís [o bófia] (...) reconhece nela uma certa classe, charme e inteligência que a destacam de todas as outras mulheres que habitualmente se encontram nesses locais‖ Que locais? Balcõesdo CitiBank? Repartições de Finanças? Não. Casas de alterne. Classe, charme e inteligência numa alternadeira? Pode ter, calma, mas não é coisa que se veja e muito menos diga num primeiro encontro. Diálogo romântico pouco provável de acontecer: Joel G. Gomes 165 ―Então és tu a Marlene. Os meus amigos já me tinham falado de ti.‖ ―E tu és o Elias. Lindo nome. Deves ser um garanhão.‖ ―Noto em ti uma certa classe, charme e inteligência tão grandes que sinto que vou arrebentar.‖ ―É melhor irmos para o quarto tratar disso.‖ ―Se for por trás é mais caro ou é o mesmo preço?‖ E por aí fora. Vêem isto acontecer na vida real? Eu não. Mas a coisa não fica por aqui. Continua a ser tentativa de fábula. Ela ouve a proposta de meter-se com um gajo para lhe sacar informação e aceita. Aceita ajudar o bófia que não conhece de lado nenhum, traindo assim os principios que regem toda uma classe de gente trabalhadora, e a troco de quê? Acaba por ser descoberta e espancada e ficar de mãos a abanar. Mas antes do espancamento (que não é nada tão espectacular como foi o de Leonor Cipriano (ver nota no fim)) ainda deu tempo para uma bela história de amor entre um senhor do desporto e uma menina da noite. Momentos de grande ternura e alguma badalhoquice, como a cena do coelhinho. (Espero que tenha a cena do coelhinho. Disseram-me que tinha a cena do coelhinho. Agora se não tem é que é chato que eu até seria capaz de comprar o filme só para ver a cena do coelhinho.) Classe, charme e inteligência? Lá paciência para aturar paneleirices isso ela tem e sobra. Classe, talvez. Dentro do género é possível que sim. E mesmo charme. Ao fim ao cabo (que linda expressão!) são tudo aspectos superficiais. Nada visível a olho nu como a inteligência. E aceitar ajudar fazer a folha a um gajo que até seria um bom ganha-pão se não o lixasse, só porque alguém lhe deu um piropo, não evidencia uma inteligência por aí além. Porém, ao mesmo tempo que espia, começa a pensar que o bófia é capaz de não lhe ter contado tudo como deve ser. Hum? Ponderações? Minha menina, estamos a entrar no campo da 166 PROTUBERÂNCIA – Volume I Filosofia e isso é terreno muito pantanoso para meninas com classe. Como até não está a fazer nada de mal e como quem diz a verdade não merece castigo, o que é que ela resolve fazer? Contar a verdade. É então que leva o espancamento e o pontapé no rabo e põe-te a andar. Estes são alguns dos aspectos que o filme possui que o impedem de ser uma fábula da Disney. O que seria necessário para que fosse, de facto, uma fábula? Mantém-se tudo como está, mas sai o presidente e em vez disso entra o coelhinho. Temos assim a figura racioanal do filme e outros animais é tirar-lhes a voz e deixá-los como estão. Nota referente a há pouco: Leonor Cipriano, a ser verdade o que dizem, teve dos melhores espancamentos dados pela Polícia Judiciária. Carolina Salgado (ou Sofia) foi espancada por grunhos e estes, por muito que tentem, não chegam aos calcanhares da gente da PJ. E não é por serem dos Super Dragões ou do Torreense ou do Clube de Xadrez Unidos da Betesga que são grunhos. São grunhos porque um gajo vestido de coelho diz-lhes para espancarem uma gaja com classe, charme e inteligência e eles espancam a gaja em vez de darem uma paulada no coelhinho e pô-lo no forno a assar. Quem sabe, se depois do coelhinho não a comiam de sobremesa? Talvez com a promoção ―Leve com quatro e pague dois‖ a coisa ficasse por um bom preço. Não pensaram nisso, agora olha. Joel G. Gomes 167 TERMINUS #66 DISCURSO EM DIRECTO Se há coisa que gosto de ver são pessoas entrevistadas em directo darem respostas parvas a perguntas concretas. Não gosto tanto como gosto, por exemplo, de ovos estrelados, mas gosto. E se é verdade que às vezes andamos tempos e tempos sem nenhum caso digno de referência (a não ser de futebolistas, só que isso é tão habitué que já chateia), quando menos esperamos aparece um caso como deve de ser. O caso mais recente data de ontem (dia 27 de Outubro). Antes da pergunta e da resposta, uma pequena contextualização para que tudo faça sentido (ou não). No dia em que se começou a administrar a vacina contra o cancro do colo do útero (Gardasil), veio a público uma notícia via CNN que dava conta de cerca de dez mil jovens que sofreram "efeitos nefastos" (incluindo 21 mortes) após terem sido administradas com a tal vacina. Como nós em Portugal somos pessoas sensatas, fomos logo (quando fomos, refiro-me aos repórteres) pedir explicações à Direcção Geral de Saúde, que garantiu não haver razões para alarme. E é lógico que não há. Se não, vejam. REPÓRTER - Como comenta as notícias da CNN sobre jovens que morreram ou adoeceram após terem sido injectadas com Gardasil? (Isto é uma pergunta que um repórter nunca faria em directo. Muito longa. Vêem como já estão a aprender?) GRAÇA FREITAS (a respondona) diz, e cito, "em matéria de vacinas e medicamentos, a vigilância é apertada, realçando que ainda não está comprovada uma relação de causa efeito entre os problemas detectados nas jovens e a Gardasil". Pronto. Se tivesse ficado por aqui, tudo bem. Era uma resposta um tanto quanto evasiva. Como o pessoal que fez a 168 PROTUBERÂNCIA – Volume I avaliação do acidente na linha do Tua dizer que aquilo estava tudo a cair de podre, agora daí a dizer que isso teve alguma coisa a ver com acidente, calma lá. O problema é que ela quis dar um exemplo. Eu nem vou dizer nada. Leiam só. «Posso ir a um centro de saúde apanhar uma vacina e nas horas a seguir por acaso parto uma perna, foi na sequência da vacina, mas não quer dizer que tenha sido causada pela vacina. Por isso é que os organismos que controlam os medicamentos, não emitiram nenhuma recomendação, no sentido de se estar atento» Querem mais exemplos? Cá vai. «Posso ir a um matadoro matar um porco e nas horas a seguir por acaso dar corda ao relógio, foi na sequência da matança do porco, mas não quer dizer que tenha sido causada pela matança do porco. Por isso é que os senhores que controlam os porcos, não emitiram nenhuma recomendação, no sentido de se estar atento.» «Posso ir a um parque de diversões comer algodão doce e nas horas a seguir por acaso elaborar um orçamento para reparação de uma persiana, foi na sequência do algodão doce, mas não quer dizer que tenha sido causado pelo algodão doce. Por isso é que os senhores que adoçam o algodão, não emitiram nenhuma recomendação, no sentido de se estar atento.» «Posso ser informado que a vacina que a entidade pela qual eu sou responsável começou a administrar é capaz de não ser lá muito boa e nas horas a seguir dar um exemplo que faz de mim um atrasadinho, foi na sequência de não ter tomado a medicação, mas não quer dizer que tenha sido causada por isso. Por isso é que os senhores que mandam na clínica onde resido, não emitiram nenhuma recomendação, no sentido de se estar atento.» Acho que já chega. Bem esteve o W. que quando um repórter o questionou sobre um assunto pertinente, respondeu "Gostava que me tivesse enviado essa questão previamente por email." Joel G. Gomes 169 TERMINUS #67 SOU EU QUE SOU ESTÚPIDO OU? As pessoas lêem cada vez menos. As estatísticas até são capazes de dizer que não – não tenho nenhuma à mão neste momento para confirmar ou desconfirmar – e ao vermos a parafernália de livros que enchem as estante e expositores das livrarias e supermercados e os novos autores que brotam como cogumelos em terreno próprio para cogumelos, quase que acreditamos que é verdade. Só que não é. A verdade – ainda que esta possa ser subjectiva, mas o blogue é meu e eu é que sei – é que as pessoas lêem menos. E lêem menos, decerto não em quantidade, porque a oferta é cada vez mais vasta, mas em qualidade, uma vez que não houve (nem creio que vá haver) alguém que separe o lixo efémero do que é realmente literatura. Bem sei que não se deve comentar o gosto dos outros. E os críticos fazem o quê? Não comentam, fazem pior, impõem-nos o seu gosto. Criticar é feio, mas se for pago está tudo bem. É isso? Para mim, as pessoas lêem mais coisas más agora do que em qualquer outra altura do passado recente e menos recente. Não porque queiram – certo e sabido que há os que querem ou não se importam – mas porque existe uma estupidificação maciça da sociedade. O tempo é cada vez menos, o dinheiro escasseia. Quem quer ler bons livros, ou tem tempo e dinheiro para investir, ou vê-se obrigado a comprar o que está em promoção nas prateleiras do Modelo. E quando falo em tempo, não é só do tempo que falo, é de cabeça também. Alguém disse-me uma vez ―É preferível lerem porcaria (literatura light no caso em particular) do que não lerem nada.‖ Não, não é. Porque quem vai para a literatura light como primeira opção já dali não sai. Começa logo na escola com a leitura de histórias mutiladas. 170 PROTUBERÂNCIA – Volume I Crianças que mal sabem limpar o rabo a analisar morfologicamente os textos. Bons textos na sua versão original são reduzidos a excertos. E a acompanhar esses textos vêm exercícios. Chama-se a isto ―leitura orientada‖. Sou o trigésimo sétimo (ou oitavo, não sei bem agora) a dizer que saber analisar um texto é importante, mas não como vi em certos livros. Num livro do 4º ano do Primeiro Ciclo encontrei um poema de Eugénio de Andrade. Introduzir poesia às crianças é nobre, é de saudar, mas há um meio correcto de se fazer as coisas que não foi o utilizado neste caso. Depois do poema, na página seguinte, vinha... uma ficha de leitura. A ideia subjacente aqui é: não basta ler e sentir a poesia, é preciso esmifrá-la bem esmifrada. As palavras do poeta podem carregar tantos significados, mas o que é passado é a interpretação de meia dúzia de iluminados que decifraram o que o poema quer realmente dizer e impõem essa sua visão. Primeiro exercício: Assinala com V para Verdadeiro, F para Falso e T para Talvez as seguintes frases. ―Talvez‖? Pergunto eu, em vez de ―talvez‖, que dá uma certa ideia de insegurança, porque não ―Pode ser‖, ―É possível que sim‖, ―Se calhar‖, ou (a minha preferida) ―Vai na volta...‖ E já agora, Verdadeiro e Falso já está muito visto. Porque não ―Com certeza‖ e ―Hmmm... duvido‖? Ou ―É pois!‖ e ―Népias, não dá!‖? Há tanto por onde escolher. Inovem, meus caros. Segundo exercício: Dos seguintes desenhos, identifica o que NÃO está relacionado com o Inverno E tínhamos um boneco de neve, um velho de ar rezingão e um camelo. Se os camelos soubessem escrever, diria que um deles foi quem elaborou aquele exercício. Por fim, o terceiro exercício Joel G. Gomes 171 Descreve em três linhas “o que é para mim o Inverno...” Ah! Dar liberdade de expressão às crianças! Tão querido! Depois de um exercício que restringe a interpretação de um poema a critérios objectivos e outra que cultiva a imbecilidade, não há nada melhor do que um exercício que promova a veia criativa. Mas só em três linhas. Criatividade sim, mas com moderação. A nível pedagógico isto é bestial, perdão, de besta. Notem bem, sou a favor das crianças lerem textos e depois analisarem esses textos. Em certos casos, até concordo com as fichas de leitura. Mas! (friso a exclamação) só se estiverem relacionadas com o poema em si e não com a generalidade do tema que o poema aborda. Há uma diferença. Por outro lado, sou contra a leitura recreativa que é passada através da escola. Porque não é de leitura recreativa que se trata na maior parte das vezes. Recreativo é sinónimo de lazer e lazer exclui fichas de leitura. Parece que os professores agora não podem passar trabalho para férias, então sugerem ―leitura de Verão‖. No meu tempo havia trabalho para férias, não era segredo, e ninguém morria por isso. Hoje em dia está tudo escamoteado. Gozávamos o Verão todo e deixávamos aquilo para a véspera e ninguém morria. No caso da leitura recreativa, como é para entreter, os próprios pais impõem nos filhos a obrigação de passarem parte das férias de volta desses textos. Mais uma vez digo: a leitura deve ser estimulada, não imposta. Há dias conversava com alguém sobre isto e essa pessoa deu-me o melhor exemplo possível para este caso: ―Pedir às crianças que preencham fichas de leitura acerca de textos que leram nos seus tempos livres, é o mesmo que trancar as portas do cinema e só deixar o pessoal saair depois de cada pessoa preencher uma ficha para ver se perceberam o filme ou não. A leitura deveria ser estimulada, não imposta. O que se faz é 172 PROTUBERÂNCIA – Volume I sobrecarregar alunos e professores com cargas horárias violentas e matérias com poucas ou nenhuma utilidade prática. Era assim no meu tempo (em parte), mas agora está pior. É o caso do Inglês no 4º ano. Quando surgiu, fui favor, agora oiço dizer que no 5º ano começam tudo de novo. Não fui confirmar isto mas, a ser verdade, porra! Os putos andam lá a aprender o quê? É desmotivante. Os alunos que querem (ou melhor, têm de) ser cumpridores e estudiosos não têm tempo para serem crianças. Os professores que escolheram essa profissão por razões nobres não têm como fugir ao que o Ministério da Educação define como ―conteúdos programáticos obrigatórios‖. Uns não podem sair para lá da caixa, outros não querem, outros não deixam. E a criatividade lá vai desaparecendo. (Atenção que nem tudo o que o Ministério da Educação faz é mau. Aspectos positivos: a minha professora de Matemática do 8º ano, a minha professora de Geografia do 11º, e mais uma ou outra mula que andavam por lá. Eram visualmente agradáveis e até sabiam ensinar. O problema era nós prestarmos atenção ao que elas diziam. É difícil aprender equações quando a professora tem um decote até ao pescoço. Mas que é estimulante, não há dúvidas.) Isto não vem de agora, mas agora está pior do que nunca. E parte da culpa é deste Governo de imagem. (O jornal espanhol El Mundo elaborou uma lista dos vinte homens mais elegantes de 2008. E José Sócrates ficou em sexto lugar. Querem melhor exemplo?) Como o são todos em Portugal. É preferível parecer bonito do que funcionar. Só que nem funciona, nem quando visto de perto parece bonito. É a televisão, poderão dizer. Não deixa de ter a sua quota parte de culpa, mas não é a principal responsável. É o ―Big Brother‖, é os ―Morangos com Açúcar‖, é o ―Olha quem dança‖. É o que for, não importa. Eu olho para esses e outros exemplos como se fossem balas. A cada tiro é uma mini-lobotomia Joel G. Gomes 173 involuntária que foremos. Só que não são eles que disparam. Os Directores dos canais dizem que só que mostram o que o público quer ver. E eu sei que há gente estúpida neste país, mas tanta assim? Não gosto de usar expressões como ―sistema‖; parece paranóia. Só que não consigo deixar de ver uma certa organização macabra nesta situação toda. O Governo promove a estupidificação desde os tempos de escola até à entrada no mercado de trabalho. Começa por ser muito fácil, depois vai ficando difícil sem rumo certo, até que a certo ponto a espiral inverte e os critérios deixam de ser os mesmos. Hoje em dia termos anormalidades como turmas de 1º e 2º ano misturados, ou 2º e 3º ou 1º e 4º, ou os quatro anos numa única sala. Porque no entender da senhora Ministra da Educação, ―chumbar uma criança é anti-pedagógico‖. Além de dar muito mais trabalho a justificar. Por isso, o nível aumenta e aumenta a um extremo em que poucos alunos conseguem acompanhar e assimilar, mas ninguém chumba. Todos passam, todos sem excepção. E quando chega a hora de ir para a Faculdade, a única coisa que precisam é pagar a matrícula e a inscrição. Podem ter média de sete ou oito, interessa é pagar. Quem não tem dinheiro e não vai para a faculdade, trabalha e o ritmo é tão intenso, a cabeça é tão bombardeada com o estado do país, com a economia, o desemprego, que quando chegam a casa não querem ver nada. Talvez um filmezinho. Mas uma coisa que não puxe muito pela cabeça. Infelizmente muitos vão para as telenovelas, para os reality-shows, os talkshows, aquelas coisas que existem para se ver sem olhar, para encher o tempo. E a estupidificação continua. Incapazes de pensar por nós próprios, assistimos a notícias sobre o aumento da criminalidade. Carjacking, homejacking, tráfico de armas, lenocínio, tráfico de pessoas e bens, TVI. Será assim tão estranho num sistema que protege os direitos dos criminosos em relação às vítimas, haverem assim tantos crimes? 174 PROTUBERÂNCIA – Volume I Não me parece. E mesmo que isto seja sensacionalismo da minha parte, mesmo que haja um exagero dos casos aqui apresentados, não creio que isto seja feito por acaso. A intenção é assustar e manter as pessoas assustadas. Pessoas estupidificadas desde crianças, a viverem com medo de serem assaltadas, de serem despedidas; todas com deveres, poucas com direitos reais. Na manhã em que comecei a escrever este artigo (demorou mais tempo do que esperava) anunciaram na TSF a publicação da lista de credores do Estado. Ouvi isso e pensei logo 'Ninguém vai lá pôr o nome'. Passado este tempo, vejo que não me enganei. Seria como o caixa de óculos no 1º C ir cobrar os dez cêntimos que emprestou ao folião do 4º E para este comprar gomas. Ele até lhe pode pagar, só na brincadeira, mas quando o outro menos esperar... Joel G. Gomes 175 TERMINUS #68 MANOEL DE OLIVEIRA E JOÃO CÉSAR MONTEIRO (TUDO NO MESMO SACO E ATIRADO AO RIO) Manoel de Oliveira, o mais velho realizador em actividade do mundo comemorou cem anos. E disse que não se vai reformar. Ainda. Às vezes perguntam-me, ―ó Joel, se tu não gostas do senhor, porque é que te dás ao trabalho de escrever sobre ele?‖ Bom, a verdade é que nunca me senti atraído pela sua obra cinematográfica. Pode ser muito boa, bla bla, mas a mim ―não puxa‖. A título profissional, é mais ou menos isto. Quanto à parte pessoal, não o conheço, não posso comentar. Não podia, melhor dizendo. Há dias li declarações do senhor Manoel de Oliveira, a queixar-se de que se tivesse de depender do Estado português para fazer filmes, teria ficado por um ou dois. Ora bem, eu entendo que o senhor esteja a ficar senil. É a única desculpa possível e aceitável para tais declarações. Se não é senilidade, é arrogância. Não tenho por hábito responder a comentários feitos a posts anteriores, mas acho que é importante abrir aqui uma excepção apenas para consolidar o que estou a dizer. O comentário foi a propósito do post ―TERMINUS 21: MANOEL DE OLIVEIRA A 48 VELOCIDADES‖ e dizia: Leiam muito, vejam muito cinema, mesmo que vos dê seca no inicio, e depois hão de ver que não querem outra coisa. Ou então, senao gostarem paciencia. Considero Manoel de Oliveira e João Cesar Monteiro os maiores clássicos do cinema português, e lamento os comentários que se 176 PROTUBERÂNCIA – Volume I escrevem acerca deles. Quem não estuda matemática também a detesta. Mas se esforçar e aprender ficará a gostar. Pela ordem de ideias dos detractores, também os clássicos da cultura humanistica seriam para deitar fora , no entanto são a maior riqueza espiritual da Humanidade. Subscrevo que devemos valorizar os clássicos. Quanto a valorizar Manoel de Oliveira e José César Monteiro, nem pensar. Quem quiser gostar, é livre de gostar, mas eu não consigo gostar, ou sequer respeitar chulos (sim, foi mesmo chulos que escrevi) que sempre receberam dinheiro dos contribuintes para fazer filmes que não deram lucro nenhum, só despesa e vêm dizer que ―o Estado não nos dá apoio‖ ou ―Eu quero é que o público português se foda.‖ Eu digo-vos o que é que queria. É melhor não. O Paulo Branco, ex-produtor do Manoel de Oliveira, disse na RTP que o Estado português não investe no cinema português. Se ele com isto queria dizer ‗bom cinema português‘, é verdade; investe só nos dele. Manoel de Oliveira largou o senhor Paulo Branco e passou a trabalhar com o menino Gonçalo Cadilhe, filho do ex-Ministro das Finanças do Governo de Cavaco Silva. Será assim tão difícil para um realizador obter fundos para fazer um filme, quando o seu produtor é filho de um ex-Ministro das Finanças do actual Presidente da Republica? Eu não digo que haja favoritismos (todos sabemos que nestas coisas somos modelos a seguir), mas dá que pensar. Também já disse que não sou apologista do filme feito às três pancadas. Sexo, gaja boa e tiros e explosões; só, não chega. Gosto de bons filmes. Com ou sem efeitos especiais. Não é negar a expressão artística do velhinho e amigos e idolatrizar o Joel G. Gomes 177 comercialismo. É ter um meio termo. Que o Estado dê dinheiro a um realizador ou outro, cujo filme faça um mau resultado junto do publico mas um sucesso com os críticos, de vez em quando… eu aceito. O que eu não aceito é que isso seja feito (felizmente a lei já mudou) apenas porque a pessoa tem nome e já é velhinha e não se pode dizer não ao velhinho senão dá-lhe o badagaio. O que se deve fazer é incentivar a indústria, fazer filmes que façam dinheiro, mas que não deixem de poder ser considerados obras de arte. Filmes bons, filmes maus, mas que despertem o interesse das pessoas, que espevitem alguns, que digam ―eu consigo fazer melhor‖. Força. Façam. Tentem. É assim tão difícil combinar as duas coisas? ‗A Lista de Schindler‘, ‗Titanic‘, ‗O Padrinho‘; há infinitos exemplos de filmes que são considerados obras clássicas do cinema e que, por incrível que pareça, não foram fracassos de bilheteira. A frase Yes, we can! está muito na moda entre os nossos políticos. Que tal começarmos a aplicá-la no cinema também? (Uma última curiosidade sobre o Manoel de Oliveira: em França, há uma especialização numa licenciatura de cinema sobre o senhor. Exactamente. Há pessoas que são especializadas em Manoel de Oliveira. É fácil identificá-los. Olhem para uma pessoa; se ela estiver sem se mexer durante dez minutos seguidos, é bem provável que seja um especialista em Manoel de Oliveira.) 178 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #69 INTEGRAÇÃO? EVENTUALMENTE HÁ-DE SER Tenho-me mantido afastado do blogue por várias razões, sendo a mais premente e honesta a preguiça. Não tem existido falta de assuntos para comentar – estamos em Portugal – mas certos eventos não podem passar despercebidos e este é um daqueles obrigatórios. Em Barcelos, terra dos galos e de outras coisas, na Escola Básica de Lagoa Negra em Barqueiros, construíram um monobloco onde só têm aulas alunos de etnia cigana. A informação é esta. Sem quaisquer comentários adjacentes. Só que há sempre opiniões, contra ou a favor. É como o copo; uns vêem-no meio cheio, outros meio vazio. Eu prefiro vê-lo como demasiado pequeno. A medida visa ajudar a integrar as crianças da etnia cigana junto das outras crianças. Trata-se de um ―projecto que é, a todos os níveis, excepcional‖, palavras de Margarida Moreira, directora da D.R.E.N. Esta é a mesma Margarida Moreira que pôs um processo ao Professor Fernando Charrua por este ter contado uma piada sobre o Primeiro-Ministro José Sócrates; portanto, podemos estar descansados que isto não é uma coisa feita em cima do joelho por mero capricho de poder. Até porque, é preciso admitir isto, isolar um grupo é, sem dúvida, a melhor maneira de o integrar no resto da sociedade. É para isso que servem os bairros sociais. Quase que arriscaria dizer que era esse o grande objectivo de Hitler com os campos de concentração, a integração. Infelizmente para o Adolf, não tinha uma Margarida Moreira à frente do projecto. Apesar das minhas palavras tenho que admitir que não sei o que se passa. O que sei é o que me chega através da comunicação social e, mesmo a fazer fé na sua imparcialidade, Joel G. Gomes 179 esta está sempre sujeita a padrões editoriais que diferem de jornal para jornal, de estação para estação. Se um caso semelhante, idêntico ou pior, tivesse acontecido no Sul de Portugal, com um Governo de direita (outro que não este PS), as vozes que hoje aprovam seriam as vozes que então criticariam e apontariam o dedo. É por isso que, antes de começarmos a criticar a medida e a chamá-la de xenófoba, que devemos pensar o que aconteceria se as circunstâncias fossem outras. Pessoalmente não concorda com ela. Seja em que zona for, seja por quem for. Sejam por motivos étnicos, maior ou menor dificuldade de aprendizagem, ou outros. Admito que há casos pontuais que podem necessitar de um abordagem diferente, mas nunca se deve tomar o todo pela parte. Em tudo na vida há excepções e se naquela turma de crianças ciganas há aquelas para quem esta medida é benéfica, outras há que se sentem discriminadas e postas de parte. O grande problema, tanto nesta como em tantas outras situações, continua a ser o de se fazer as coisas sem as explicar. A intenção até pode ser boa, estar bem estruturada, mas se não existir diálogo com os visados estes nunca entenderão o que se pretende. Em Ditadura decide-se e faz-se e ponto. Em Democracia é diferente, deveria ser diferente. É por isso que, em jeito de conclusão, quando penso naquelas crianças ciganas a terem aulas naquele monobloco, isoladas dos outros alunos, excepto nos intervalos, penso em como isso é parecido com Portugal na Europa. De vez em quando brincamos com eles mas, na maior parte do tempo, estamos no nosso pequeno mundo. Bem integrados. 180 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS #70 JÁ SE PODE GOZAR COM A MADDIE Uma pequena correcção, se me permitem, na verdade não é "já se pode gozar com a Maddie" e sim "já se pode gozar acerca da Maddie". Custou mas foi. Eu, posso dizê-lo sem problemas, fui dos poucos que ao longo destes quase dois anos resisti ao máximo por não fazer piadas acerca da menina inglesa desaparecida na praia da Luz. Por respeito à família (cujo comportamento não foi dos mais exemplares na matéria) e, acima de tudo, à própria Maddie, optei por não gozar com ela ou acerca dela enquanto tal não fosse oficialmente permitido. E isso finalmente aconteceu. Da mesma maneira que daqui a algumas semanas irá abrir oficialmente a época balnear, abriu agora a época oficial para se gozar com a Maddie. Porque é que eu digo isto? Porque os pais da menina pegaram em dinheiro daquele fundo criado apenas e só para auxiliar na localização dela e espalharam cerca de dez mil fliers mais não sei quantos outdoors por todo o Algarve. Ao ter conhecimento disto, a minha primeira conclusão foi aquela que serviu de base a todo este artigo. Estão a gozar com isto. Os próprios pais estão a gozar com o assunto e se, assim é, qualquer um o pode fazer sem medo de represálias. A segunda opção, há que considerá-la apesar de pouco provável, é a de haver alguém em Faro que não tenha ouvido falar da Maddie, que nunca tenha visto uma fotografia dela. (Não fosse alguém achar que a Maddie era marroquina ou etíope; o nome pode induzir em erro). Tenho que admitir que em tempos considerei esta hipótese. Maddie, farta de uma vida confortável, foge do apartamento na Joel G. Gomes 181 praia da Luz, vai a pé até uma daquelas aldeias do interior onde só moram três pessoas mais as cabras, onde não há electricidade, telefones, televisão (mas há um Magalhães pastor) e passa a morar aí, fazendo vida da pastorícia. Daqui a três anos seria tema de reportagem na TVI: "Menina inglesa desaparecida há cinco anos descoberta em aldeia nos arredores de Faro. É agora pastora de cabras e gostaria de ter um telemóvel de terceira geração para falar com os amigos no hi5 e no Facebook." Duvido que isso venha a acontecer. Mas se os pais acham que é possível encontrá-la ao fim de dois anos no local onde inicialmente desapareceu, pronto. Procurem-na lá. Eu acho, mas isto sou só eu a dizer, que a Maddie não é uma caneta. Uma caneta é que nós perdemos, corremos a casa toda à procura e ao fim de dois, três anos, quando já não andamos à procura dela, encontramo-la. "Eh pá! Passei não sei quanto tempo à procura desta caneta e agora encontro-a assim sem mais nem menos! Maravilha!" Com a Maddie não pode ser assim. Provavelmente. Ou se calhar até pode. Ainda ninguém pensou nesta hipótese. E se a Maddie estiver a teimar? Enquanto não a "deslargarem" ela não volta para casa. Afinal de contas, a Maddie é uma criança e se há coisa que algumas crianças têm, é teimosia. A Maddie não será excepção. 182 PROTUBERÂNCIA – Volume I TERMINUS # 71: "SALAZARISTAS TEMEM INFILTRAÇÃO NEONAZI" Amanhã (ou hoje, mais propriamente, já que estou a escrever isto na madrugada do dia 3) comemoram-se os 120 anos do nascimento de Oliveira Salazar. A iniciativa é organizada pelo Movimento Salazarista e está a gerar a inevitável polémica. Depois do presidente daquela Junta de Freguesia, lá em Viseu, que não viu qual o problema de inaugurar o Largo Dr. Oliveira Salazar no dia 25 de Abril (e com razão; os americanos inauguraram a Praça Rainha Vitória no dia 4 de Julho e ninguém se queixou), aparecem agora os salazaristas que temem ver a sua festinha inocente e bonita ser infiltrada por gente da extrema-direita (ligada ao PNR) e, pasme-se, por neonazis. Dos nomes ligados a este evento destacam-se Rui Salazar, sobrinho neto do "Botas", Paulo Rodrigues, ex-secretário pessoal do Oliveira e João Gomes, porta-voz do site "Salazar, o obreiro da Pátria" - acrescente-se que um dos actuais colaboradores de João Gomes é Carlos Paula Pereira, ser (alguém poderá sentir-se ofendido se me referir a ele como pessoa) que fez parte das listas do PNR para as Legislativas de 2005). Perante tudo isto, é natural que os Salazaristas tivessem ficado surpreendidos, quiçá assustados, quando lhes disseram que poderia haver gente da extrema-direita ou neonazis a tentar entrar. Isto porque os acepipes tinham sido encomendados à conta e não iria haver comida que chegasse para todos. O circo continua. Em Santa Comba Dão, aconteça o que acontecer, o Salazar há de ser sempre o menino bonito da terra. Aposto que se tivesse nascido ou vivido em Lisboa, não teríamos a Avenida da Liberdade, teríamos a Avenida Salazar. No já referido site "Salazar, o obreiro da Pátria" está lá uma Joel G. Gomes 183 petição para mudar o nome da Ponte 25 de Abril para Ponte Salazar. De momento "só" têm duas mil assinaturas, faltam outras duas mil para o assunto poder ser levado à Assembleia da Républica. João Gomes (que devia ter um ataque crónico de diarreia e prisão de ventre ao mesmo tempo por ter o mesmo apelido que eu) diz que "Não temos pressa. É escusado apresentar, para já, uma petição destas na AR quando vivemos num regime totalitário." Eu não quero ser má língua e dizer que este João tem os fusíveis trocados. Mas... tem. Tudo isto prova que gostamos daquilo que é nosso, ao contrário do que dizem, mas só se for mau, estiver morto e/ou fizer sucesso lá fora. Se o Hitler tivesse passado em Portugal (e provavelmente passou, ainda que não oficialmente) e tivesse sido visto por um miúdo e esse miúdo hoje fosse vivo só que, em vez de miúdo seria um velho com um dente em dois cantos da boca, numa aldeia sem água e luz, mas com Internet, e a TVI ou a SIC ou a RTP descobrissem esse velho e fossem lá falar com ele, para ele lhes dizer como tinha sido ver o Fuhrer ao vivo, havia de aparecer alguém, quase certo, uma semana depois no máximo, a pedir para rebaptizar aquele sítio com o nome do Adolf. Somos estúpidos a esse ponto. Em Santa-Clara-a-Velha, a Rua Marechal Carmona parte da Praça Salazar. Em Santa Comba Dão há o tal Largo; em Armamar e Carregal do Sal também há ruas e largos dedicados ao ditador; na aldeia de Castainço, em Penedono, há também uma rua com o nome Oliveira Salazar. Na Madeira não se comemora o 25 de Abril, o que é um sinal de elevada coerência porque não faz sentido assinalar uma data que não lhes diz nada. Seria como os americanos comemorarem o 10 de Junho. Eu acho que já é tempo de alguém levar por diante a única possível para resolver todos estes problemas. Na Madeira há muito espaço desabitado. Talvez não muito, mas o suficiente para, digamos, enfiar lá 11 205 pessoas, certo? 184 PROTUBERÂNCIA – Volume I Mesmo que fiquem um bocadinho encafuadas, com jeitinho cabem lá todas. Pergunto eu, se os tansos de Armamar, Carregal do Sal, Santa Comba Dão, Santa-Clara-a-Velha e Castainço querem tanto viver num Regime Ditatorial ou, como diz João Gomes, numa sociedade sem partidos e de consenso nacional, porque não mandá-los todos para a Madeira? Mais os Salazaristas, claro. Eu julgo que esta ideia já terá sido pensada por mais alguém mas, por falta de poder para agir ou porque "parecia mal", ficou tudo em águas de bacalhau. É tempo de nos deixarmos de mariquices e ajudarmos esta gente que só quer honrar os seus queridos ídolos e mandá-los todos para um sítio onde possam ser felizes. Ou mandá-los à merda. O que for mais fácil e gratificante. Por outro lado, e a pensar na falta de espaço, os habitante da Madeira, dissidentes do Regime que lá vigora, poderiam vir para o continente ocupar o lugar dos que tinham ido para o arquipélago. Vistas as coisas, sempre é melhor uma Democracia bipolar do que nenhuma Democracia. Uma última questão sobre Carlos Paula Pereira: não acham irónico o PNR, conhecido pelas suas orientações xenófobas e homofóbas, ter tido nas suas listas um homem com nome de gaja? FIM DO VOLUME I