visualizar - Santa Casa do Pará
Transcrição
visualizar - Santa Casa do Pará
V. 22 (3) julho-setembro 2008 RÁ PA DO TADO ES P B SU LE ROGRED IAM UR GE REVISTA PARAENSE DE MEDICINA Órgão Oficial da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará ISSN 01015907 GOVERNO ANA JÚLIA CAREPA Presidente - Maurício Cezar Soares Bezerra Diretoria administrativa-financeira - Maria da Glória Moreira Pinto Diretoria assistencial - Carivaldo Feio Boulhosa Diretoria de ensino e pesquisa - Paulo Roberto Amorim Diretoria técnica - Josemeire dos Santos Alvares Editor responsável - Alípio Augusto Barbosa Bordalo - Editor adjunto - Nara Botelho Brito Conselho Editorial Arival Cardoso de Brito Eliete da Cunha Araújo Geraldo Ishak Geraldo Roger Normando Jr. Irna Carla Carneiro Marcus Vinicius Henrique Brito Assessoria de estatística Mariseth Carvalho de Andrade Assessoria de língua inglesa Renata Teixeira da Silva Lia Tavares M. B. Matos Assessoria de informática Fernando Cruz Moreira Jr. Paulo Roberto Nitterh G. Simões Marissol Moreira Ohana Conselho Científico Antônio Celson Ayub Antônio Spina França Alexandre da Costa Linhares Cléa Carneiro Bichara Habib Fraiha Neto Ítalo Suassuna Joffre Marcondes de Rezende Luciano Lobo Gatti Manoel Barbosa Rezende Manoel de Almeida Moreira Manoel do Carmo Soares Maria de Lourdes Biondo Simões Maria Rosângela Duarte Coelho Mário Ribeiro de Miranda Octávio Gomes de Souza JR Paulo Eduardo Ávila Silvia Maués Rodrigues Simônides da Silva Bacelar William Mota Siqueira Secretaria Renata A. Melo Viégas Campelo Biblioteca Regina Célia Coimbra Luciane Obando Maia Membros honorários Guaraciaba Quaresma Gama, Manuel Ayres e Camilo Martins Vianna Menção honrosa in memoriam Clóvis de Bastos Meira, Leônidas Braga Dias, Clodoaldo Ribeiro Beckmann e José Monteiro Leite RS SP PA PA PA RJ GO SP PA PA PA PR PE PA PA PA PA DF PA International Standard Serial Number ISSN 01015907 Indexada na Literatura Latino Americana em Ciências da Saúde LILACS/BIREME/OPAS QUALIS A/B Nacional CAPES/MEC Associada à Associação Brasileira de Editores Científicos A B E C A Revista Paraense de Medicina é o periódico biomédico da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará com registro nº 22, Livro B do 2º Ofício de Títulos. Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Cartório Valle Chermont, de 10 de março de 1997, Belém PA Produção Gráfica - Realce Editora e Indústria Gráfica Ltda. Publicação trimestral e distribuição gratuita Tiragem - 1500 Endereço - Rua Oliveira Bello, 395 - Umarizal 66050-380 - Belém - PA Fone: (91) 4009.2213 - Fax: (91) 4009.2299 Endereços eletrônicos: [email protected] - [email protected] - www.santacasa.pa.gov.br Dados de catalogação na fonte Revista Paraense de Medicina / Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. – Belém: FSCMP, vol. 22 (3) 2008 Irregular 1958-1995; semestral 1995-1998; trimestral 1998. ISSN 01015907 1. Medicina-Periódico I. Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. CDD 610.5 SUMÁRIO / CONTENTS EDITORIAL PUBLICAÇÃO CONCISA BILÍNGUE ........................................................................................... 7 Marcus Vinicius Henriques Brito ARTIGOS ORIGINAIS EFFECTS OF BLOOD STORAGE IN GASOMETRIC ANALYSIS IN ARTERIAL BLOOD OF RABBITS ....................................................................................................................................... 9 EFEITO DA ESTOCAGEM SANGUÍNEA NAANÁLISE GASOMÉTRICA DE SANGUE ARTERIAL DE COELHOS Mauro José Pantoja Fonteles, Paulo Roberto Alves de Amorim, Raimundo Miranda de Carvalho, Marcelo Silveira d’Oliveira, Luana Maria Relvas d’Oliveira e André Vilarino Madeira PREVALÊNCIA DA SOROPOSITIVIDADE PARA SÍFILIS E HIV EM GESTANTES DE UM HOSPITAL DE REFERÊNCIA MATERNO-INFANTIL DO ESTADO DO PARÁ .......... 13 SOROPOSITIVITY PREVALENCE OF SYPHILIS AND HIV IN PREGNANCY FROM MATERNAL INFANTILE REFERENCE HOSPITAL IN STATE OF PARÁ Suely Miranda Sanz e Ruth Guinsburg OCORRÊNCIA E FATORES DE RISCO PARA CO-INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C (HCV) EM PACIENTES COM O VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV) EM MACEIÓ, BRASIL ................................................................................................................................... 23 OCCURRENCE AND RISK FACTORS FOR COINFECTION OF HEPATITIS C VIRUS (HCV) IN PATIENTS WITH HUMAN IMMUNODEFICIENCY VIRUS (HIV) IN MACEIÓ, BRAZIL Erlon Oliveira dos SANTOS, Maria Rosângela Cunha Duarte Coelho, Tatiana Aguiar Santos Vilela, Jéferson Luiz de Almeida Silva e Edmundo Pessoa de Almeida Lopes Neto FATORES PROGNÓSTICOS DE LETALIDADE NAS MENINGITES BACTERIANAS EM CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS ....................................................................................... 31 PROGNOSTIC FACTORS OF LETHALITY IN THE BACTERIAL MENINGITIS IN CHILDREN UNDER TWO YEARS OF AGE Ana Cláudia Alves Damasceno e Calil Kairalla Farhat INFECÇÕES EM PACIENTES COM HIV/AIDS DE HOSPITAL REFERÊNCIA EM BELÉM, PARÁ ............................................................................................................................................ 39 INFECTIONS IN PATIENTS WITH HIV/AIDS FROM REFERENCE HOSPITAL IN BELÉM, PARÁ Maria Rita da Costa Monteiro, Manoela Palmeira da Costa Rodrigues, Mônica Caroline Buainain Rossy, Tatiana Souza Pelaes, Eriksen Alexandre Costa Gonçalves e Paulo Romeu de Freitas Turiel DIÓXIDO DE ENXOFRE RESIDUAL EM CAMARÕES CONSUMIDOS EM BELÉM, PARÁ .. 45 RESIDUAL SULPHUR DIOXIDE IN SHRIMPS FROM BELÉM, PARÁ Bruna Rafaela dos Reis Silva, Glauciane Sales Rocha, Margareth Tavares Silva Nascimento, Luiz Carlos Souza Rodrigues, José Luiz Fernandes Vieira e Andreza de Lourdes Souza Gomes ESTUDO DE PACIENTES COM TRAUMA DE COLON EM UM HOSPITAL DE EMERGÊNCIA ............................................................................................................................... STUDY OF PATIENTS WITH COLON TRAUMA IN EMERGENCY HOSPITAL Acácio Augusto Centeno Neto, Alexandre Augusto Calado Nogueira, Michel Washington Calabria Cardoso, Felipe Soares Ribeiro, Daniel Souza da Costa e Leandro Augusto Costa Bahia miolo_DEF.pmd 3 13/08/09, 12:34:edson 49 ESTUDO CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DE PACIENTES COM ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO EM HOSPITAL DE EMERGÊNCIA .................................................................... 53 CLINIC-EPIDEMIOLOGIC PROFILE OF PATIENTS WITH SROKE IN EMERGENCY HOSPITAL Sérgio Alexandre Oliveira Malcher, Carlos Alberto Mendonça Miranda, Diego Cavaleiro de Macedo Lima d’Albuquerque, Cláudio Galeno de Miranda Soares e Fernando Otávio Quaresma Cavalcante ATUALIZAÇÃO/REVISÃO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITOS E VICISSITUDES 59 PSYCHIATRIC DIAGNOSIS: HISTORICAL, CONCEPTS AND VICISSITUDES Silvia Maués Santos Rodrigues, Airle Miranda de Souza e Janari da Silva Pedroso RELATO DE CASO DOENÇA DE PAGET ÓSSEA EM PACIENTE JOVEM: RELATO DE CASO .............................. 65 PAGET’ DISEASE OF BONE IN YOUNG PATIENT: CASE REPORT Luciana Dias Alvares, Mauro José Fontelles e Paula de Souza Moura MEGAESÔFAGO IDIOPÁTICO NÃO AVANÇADO: RELATO DE CASO .................................. 71 NOT ADVANCED ESOPHAGEAL IDIOPATHIC: CASE REPORT Acácio Augusto Centeno Neto, Alexandre Augusto Calado Nogueira, Manoela Palmeira da Costa Rodrigues, Michel Washington Calabria Cardoso , Eriksen Alexandre Costa Gonçalves e Paulo Romeu de Freitas Turiel INICIAÇÃO CIENTÍFICA CARACTERIZAÇÃO DOS ACIDENTES DOMÉSTICOS EM CRIANÇAS ................................. 77 CHARACTERIZATIONS OF DOMESTIC ACCIDENTS IN CHILDREN Évila Fernanda de Melo Sodré, Heliana Freitas de Oliveira Góes, Luiz Paulo de Araújo Soares, Natércia Neves Marques e Rafael Trindade d’Oliveira PREVALÊNCIA DO CONHECIMENTO E PRÁTICA DO AUTO-EXAME DAS MAMAS ......... 78 PREVALENCE OF THE KNOWLEDGE AND PRACTICE OF THE BREAST SELF EXAMINATION Ronaldo Costa Monteiro, Edgard de Brito Sobrinho, Giancarlo Mantorano Priante, Kleison Resende Santana, Márcio Silva Gomes e Rachid Marwan Oinheiro Souza IMAGEM EM DESTAQUE ADENOMIOMATOSE DE VESÍCULA BILIAR (COLECISTITE GLANDULAR PROLIFERANTE) ....................................................................................................................... 79 GALLBLADDER ADENOMYOMATOSIS (CHOLECYSTITIS GLANDULARIS PROLIFERANS) André Luiz Santos Rodrigues, Renato Marcelus Bordalo Pantoja e Lucas Crociati Meguins HIPERPLASIA NODULAR FOCAL ........................................................................................... 81 FOCAL NODULAR HIPERPLASIA André Luiz Santos Rodrigues e Lucas Crociati Maguins QUESTÕES DE LINGUAGEM MÉDICA SIGILO OU SEGREDO MÉDICO? ............................................................................................. 83 Simônides da Silva Bacelar ARTIGOS ESPECIAIS A MEDALHA DE CARIDADE AO DR. JOSÉ PAES DE CARVALHO, BELÉM 1895. UMA CONTRIBUIÇÃO À MEMÓRIA DA SANTA CASA DE MISERICÓRDOA DO PARÁ E À HISTORIOGRAFIA DA MEDALHÍSTICA PARAENSE ........................................................ Habib Fraiha Neto e Márcio Couto Henrique miolo_DEF.pmd 4 13/08/09, 12:34:edson 87 O PROBLEMA DO ESTATUTO ONTO-AXIOLÓGICO DO FETO E O SEU LUGAR NA COMUNIDADE MORAL ................................................................................................................... 91 Marconi José Pimentel Pequeno NORMAS DE PUBLICAÇÃO ....................................................................................................... miolo_DEF.pmd 5 13/08/09, 12:34:edson 95 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 6 miolo_DEF.pmd 6 13/08/09, 12:34:edson EDITORIAL Publicação concisa bilíngue TCBC Marcus Vinícius Henriques Brito1 Vivemos hoje uma crise mundial. Não só a economia, mas também uma crise cultural causada pela globalização. Temos, hoje, para sobreviver ao “mercado”, que nos atualizar, reciclar e adaptar às novas situações da forma mais rápida e eficiente possível, garantindo, assim, a sobrevivência. Tal competitividade impele a inovações, criações de novas tecnologias, cada vez mais eficientes e com custos progressivamente menores, tudo visando economia de mercado e a competitividade. Na área das ciências, assim como nas demais, também, cada vez menos o profissional tem tempo para a leitura calma e tranquila de outrora, necessitando que a informação lhe chegue de modo fácil, rápido e conciso. Nesta linha de raciocínio é que revistas como o “British Medical Journal” (BMJ), o “Cancer”, o “The Lancet” e outras lançaram em suas linhas editoriais, a seção “Short Publication”, o que poderíamos traduzir como uma publicação rápida e concisa. Trata-se de um artigo científico publicado em somente uma lauda aos moldes de um “pôster”, frequentemente, apresentado em congressos, no qual os autores priorizam a informação do método, resultados e discussão dos dados obtidos em sua pesquisa, realizando a cariação dos mesmos com literatura mais pertinente e estritamente relacionada ao assunto, limitada a dez autores. Geralmente, são publicados de dois a cinco artigos neste formato a cada fascículo do periódico. A Revista Paraense de Medicina disponibilizará seção similar, com a apresentação de dois artigos, seguindo diretrizes internacionais. Visando novas indexações, sempre os irá apresentar na língua portuguesa e no verso da lauda, na língua inglesa, o que somado a nossa publicação digital no Scielo via BVS do Instituto Evandro Chagas, deverá atingir a um número crescente de leitores. Ofereceremos, assim, mais uma possibilidade de apresentação da informação científica, seguindo tendência mundial de facilitar o acesso à informação e, ao mesmo tempo, contribuir para a economia de espaço no armazenamento de dados. 1 TCBC Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões Capítulo do Pará Chefe do Laboratório de Cirurgia Experimental do CCS/ UEPA Membro do Conselho Editorial da Revista Paraense de Medicina Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 7 7 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 8 miolo_DEF.pmd 8 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL EFFECTS OF BLOOD STORAGE IN GASOMETRIC ANALYSIS IN ARTERIAL BLOOD OF RABBITS 1 EFEITO DA ESTOCAGEM SANGÜÍNEA NAANÁLISE GASOMÉTRICA DE SANGUE ARTERIAL DE COELHOS Mauro José Pantoja FONTELLES2; Paulo Roberto Alves de AMORIM3; Raimundo Miranda de CARVALHO4; Marcelo Silveira D’OLIVEIRA5; Luana Maria Relvas D’OLIVEIRA6; André Vilarino MADEIRA7. SUMARY Objective: assess the effect of blood storage in gasometric values of arterial blood samples of rabbits submitted to controlled hemorrhagic shock. Method: fourteen male California rabbits were used for the present study, weighting 2000-2500 grams. Each animal was submitted to catheterization of right carotid artery, with posterior placement of a polyethylene catheter. It was obtained 1 ml of arterial blood from each rabbit and analyzed in three different periods: T0 – immediately; T30 – 30 minutes after withdrawal; T60 – 60 minutes after withdrawal. The samples were kept in thermal insulating recipient, between 26ºC. Values of pH, PaCO2, PaO2, SatO2, HCO3, SBE, sodium, potassium and glycemic concentrations were compared. Results: the variation of obtained means related to pH, PaCO2, SatO2, HCO3, SBE, sodium, potassium and glycemic concentrations didn’t have statistically significant difference (p<0,05), demonstrating that the storage was efficient for these parameters, but there was variation in PaO2 when compared T0 to T60 (p=0,04). Conclusion: storage for 30 and 60 minutes didn’t present statistically significant difference, except for PaO2 after 60 minutes. Keywords: Blood storage, gasometric analysis, rabbits. INTRODUCTION At clinical practice, the arterial gasometry is the main laboratorial exam to be chosen to evaluate the alterations of pulmonary gas exchanges of patients with cardiopulmonary dysfunction because they represent the best indicator for diagnosis of acid-base imbalance and allows the appropriate and immediate indication of reposition therapy, reaching the clinical control of the patient.1,2 However, the occurrence of important errors during collection, conservation and blood analysis may cause damages to the results, affecting the success of the established treatment.1 Many factors have been cited as capable to influence negatively on gasometric values, such as: the storage temperature, storage time and the syringe material which is, in general, plastic,3 being the storage time the most important factor to influence on the gas analysis, according to the literature, but the conclusions of several researches are conflicting, including the experimental studies.4 However, there is already the recognition of its influence.2 1 From the Multidisciplinary Unit of Experimental Medicine, Universidade Federal do Pará (UFPA), Brazil Ph.D., Trauma Surgery, Profesor of Human Anatomy, Universidade da Amazônia (UNAMA), Universidade Federal do Pará (UFPA) and Universidade do Estado do Pará (UEPA) 3 PhD in Medicine and Surgery, Gastrointestinal surgery, Profesor of Scientific Metodology, UFPA 4 Medicine doctor 5 Beginning researcher, Medicine course, UEPA 6 CNPq research scholarship holder, medicine course, UFPA 7 Beginning researcher, Medicine course, UFPA 2 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 9 9 13/08/09, 12:34:edson To assess the effect of blood storage period in the gasometric values of the arterial blood sample of rabbits submitted to controlled hemorrhagic shock, using a clinically-relevant experimental model for catheterization of right carotid artery and jugular vein. METHODS This study was performed at the Multidisciplinary Unit of Experimental Medicine, Surgery Department, Federal University of Pará (UFPA) - Brazil, and done in accordance with guidelines established by the Institutional Animal Care and Use Committee at the State University of Pará. Fourteen male California rabbits (2500-3000g), all proceeded from Zootecny Center of Rural Federal University of Amazon (UFRA), were used in all experiments, which were kept in, adjusted conditions of light and temperature, receiving standard diet ad libitum, except for 6 h before surgery when there was access to water only. All the animals were submitted to anesthesic and monitorization procedures previously to the surgery that was made for the same team, during the entire study, and were submitted to surgery in the same period of the day, avoiding any influence that the difference of the period could bring to the results. Rabbits were anesthetized with an intramuscular solution of ketamine (80mg/kg), xylazine (10mg/kg) and atropine (0.05 mg/kg). Oxygen was managed in the concentration of 2 L/min, using a plastic mask that was adapted to the face of the animal, protecting it partially. The characterization of the anesthesic plan was evaluated using parameters, such as: mustache and ears movements after stimulation (sedation); absence of tail and legs’ retraction after digital pressure (surgical anesthesia). Our preliminary studies had determined these procedures settings to maintain physiological blood gas concentration prior to the onset of hemorrhage. After anesthesic induction, it was made depilation of the neck, followed by apprehension of members in extension with plastic wires. Using aseptic technique, the right carotid artery was then dissected with placement of a polyethylene catheter (4mm gauge) for withdrawal of an arterial blood sample. Following a 5 min stabilization period, baseline (BL) measurements of mean arterial pressure (MAP), heart rate (HR), respiratory rate (RR) and rectal temperature (RT) were recorded, and, with utilization of a plastic syringe (Becton Dickinson - BD), 1 ml of blood sample was collected for analysis of the gasometric parameters, electrolytes (Na +, K +), glycemia, which were performed in three moments: immediately after the withdrawal, after a period of 30 min (T30) and 60 min (T60). The samples T30 and T60 were stored in a thermal insulating recipient with temperature between 2-6 ºC and the analysis were performed in Rapidlab 348 blood gas analyzer. Comparison of parameters between each of the three different periods of the experiment was performed using one-way analysis of variance (ANOVA) and Tukey test. Differences were considered significant at p < 0.05. All results are expressed as mean ± standard error of mean (SEM). RESULTS The obtained results are on the table 1, presented as mean± stantard error of mean, with their respective p-values: Table 1: Gasometric values in the three periods of analysis. T0: immediate analysis after withdrawal; T30: analysis after 30 minutes; T60: analysis after 60 minutes. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 10 miolo_DEF.pmd 10 13/08/09, 12:34:edson It was observed significant difference only related to PO2 when T0 was compared to T60 (p = 0,04). DISCUSSION On the literature, several studies about blood storage for gasometric analysis searched for appropriate methods in order to evaluate the effects of time storage, but there is still controversy among them. According to the National Committee for Clinical Laboratory Standarts5, the samples collected in plastic syringes shall not pass 30 minutes to be analyzed, being kept in room temperature because it is believed that, when conserved between 0-4ºC in this type of syringes, occurs the contraction of plastic molecules, opening larger pores for oxygen to diffuse through, but not large enough for the larger carbon dioxide molecule.6 On the other hand, the cooling of the samples, using ice, is considered a good process in order to induce the retardation of cellular metabolism because it causes minor oxygen consumption and carbon dioxide production by leukocytes and erythrocytes, but it is not perfect. 1,6 Thus, as it was observed in the present study, there was no alteration in the pH values of samples when T0, T30 and T60 were compared. Knowles et al6 concluded that there was no difference in T30, while Deane et al4 and Beaulieu et al7 didn’t find pH alteration in T60. According to Knowles et al6, the gasometric analysis of arterial blood samples in plastic syringes evidenced significant increase in PO2 when compared the analyzed samples in T0 to T30, not presenting differences between the temperature conservation (04ºC or 22ºC). Beaulieu et al7 and Mahoney et al8 also found increase in PO2 in iced samples that were analyzed after 30 minutes, presenting statistical difference. Deane et al4 evidenced PO2 elevation in samples after 60 minutes, suggesting that the oxygen diffusion through the plastic material is the main factor of this alteration.7 Smeenk et al3 found significant PO2 reductions in T30 and T60. This last finding is according to the present study. The present research didn’t show PCO 2 alteration in any period (T0, T30 or T60), according to the literature.4,6,7 The explanation is that carbon dioxide is four times more soluble than oxygen in polypropylene syringes and, being iced, its solubility raise, limiting the efflux of carbon dioxide.8 In relation to oxygen saturation, the present study didn’t demonstrate changes with statistical significance, according to Yen et al.2 SBE, HCO3, sodium, potassium and glycemic concentration values didn’t show alterations with significant difference. However, their analyses were not evaluated in any other research in the literature. Therefore, the authors of the present study suggest that other studies should be done in order to determine the effect of time conservation on their values. CONCLUSION In summary, the results indicate that the samples in plastic syringes, between 2-6ºC, must be analyzed in the first 30 minutes after the withdrawal without having damages in the gasometric parameters, including PO2. SUMÁRIO EFEITO DA ESTOCAGEM SANGÜÍNEA NA ANÁLISE GASOMÉTRICA DE SANGUE ARTERIAL DE COELHOS Fontelles, MJP; Amorim, PRA; Carvalho, RM; d’Oliveira, LMR; d’Oliveira, MS; Madeira AV Objetivo: analisar o efeito da estocagem sanguínea na análise gasométrica de sangue arterial de coelhos. Método: foram utilizados 14 coelhos California adultos, machos, com peso compreendido entre 2000 a 2500 gramas. Cada animal foi submetido à cateterização da artéria carótida para posterior obtenção de amostra sangüínea. Foi colhido, em seringas plásticas, 1 ml de sangue total de cada coelho e dosado em três tempos distintos: T0 – amostra no tempo considerado zero; T30 – amostra no tempo 30 minutos; T60 – amostra no tempo 60 minutos As amostras foram estocadas em recipiente isolante térmico, com temperatura mantida entre 2-6 ºC. Foram comparados os valores de pH, PaCO2, PaO2, HCO3, SatO2, SBE, concentrações de Na+ e K+ e glicemia. Resultados: a variação das médias obtidas em relação ao pH, PaCO2, SatO2,HCO3, SBE, concentrações de Na+ e K+ e glicemia não alcançou significância estatística Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 11 11 13/08/09, 12:34:edson (p>0,05), demonstrando que a estocagem foi eficaz para esses parâmetros, no entanto na PaO2 houve variação do grupo T60 para o grupo T0, com p = 0.04. Conclusão: a estocagem por 30 e 60 minutos não apresentou diferença estatisticamente significante, exceto a PaO2 após 60 minutos. Palavras-chave: estocagem, sangüínea, análise gasométrica, coelhos. REFERENCES: 1. American Association for Respiratory Care. AARC Clinical Practice Guideline: sampling for arterial blood gas analysis. Respir Care 1992; 37(8): 913-7. 2. Yen CC, Vargas FS, Cukier A, Terra Filho M, Romeiro Neto M. Influência da estocagem do sangue arterial nas dosagens gasométricas. Rev Bras Clin Ter 1985; 14(8): 271-4. 3. Smeenk F, Janssen J, Arends B, Harff G, van den Bosch J, Schonberger J et al. Effects of four different methods of sampling arterial blood and storage time on gas tensions and shunt calculation in the 100% oxygen partial pressures. Eur Respir J 1997; 10(4): 910-3. 4. Deane JC, Dagleish MP, Benamou AEM, Wolf BT, Marlin D. Effects of syringe material and temperature and duration of storage on the stability of equine arterial blood gas variables. Vet Anaesth Analg 2004; 31(4): 250-7. 5. NCCLS. Procedures for the collection of arterial blood specimens; approved standard. 4th Ed. Wayne. Pennsylvania: NCCLS: 2004. 6. Knowles TP; Mullin RA; Hunter JA; Douce FH. Effects of syringe material, sample storage time, and temperature on blood gases and oxygen saturation in arterialized human blood samples. Respir Care 2006; 51(7): 732-6. 7. Beaulieu M, Lapointe Y, Vinet B. Stability of PO2, PCO2 and pH in fresh blood samples stored in a plastic syringe with low heparin in relation to various blood-gas and hematological parameters. Clin Biochem 1999; 32(2): 101-7. 8. Mahoney JJ, Harvey JA, Wong RJ, van Kessel AL. Changes in oxygen measurements when whole blood is stored in iced plastic or glass syringes. Clin Chem 1991; 37(7): 1244-8. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 12 miolo_DEF.pmd 12 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL PREVALÊNCIA DA SOROPOSITIVIDADE PARA SÍFILIS E HIV EM GESTANTES DE UM HOSPITAL DE REFERÊNCIA MATERNO INFANTIL DO ESTADO DO PARÁ¹ SEROPOSITIVITY PREVALENCE OF SYPHILIS AND HIV IN PREGNANT WOMAN FROM A MATERNAL INFANTILE REFERENCE HOSPITAL IN STATE OF PARÁ Suely Miranda SANZ² e Ruth GUINSBURG³ RESUMO Objetivo: avaliar a freqüência da soropositividade para sífilis e para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a coexistência dessas infecções em gestantes admitidas de uma maternidade pública de nível terciário do Município de Belém, centro de referência materno infantil do Município e do Estado do Pará. Método: de agosto de 2000 a setembro de 2000, todas as gestantes admitidas na maternidade para a resolução ou para o diagnóstico e tratamento de intercorrências foram submetidas à coleta de sangue para a realização do Teste Rápido para o HIV (Determine™ HIV-1/2), ao teste não treponêmico quantitativo, o Veneral Disease Research Laboratory (VDRL) e a um questionário com dados referentes às suas características gerais, e comportamentos de risco para a aquisição de doenças sexualmente transmissíveis. Resultados: em 1151 gestantes, 44 (3,8%) apresentaram VDRL positivo; oito (0,7%) positivas no teste rápido para o HIV e a prevalência de soropositividade simultânea para sífilis e para HIV ocorreu em uma gestante (0,09% da população geral; 2,3% das soropositivas para sífilis e 12% das HIV positivas). De maneira geral, as gestantes soropositivas para sífilis e/ou HIV eram jovens, residentes na Grande Belém, de baixa escolaridade, estrato sócioeconômico desfavorecido, a maioria possuía um único parceiro sexual e não utilizava preservativos. O uso de drogas ilícitas foi relatado por 3% das pacientes HIV negativas e por 12% das HIV positivas. O pré-natal foi ausente ou incompleto em 50 a 70% e apenas 26% das mulheres soropositivas para sífilis tiveram esse diagnóstico durante a gestação. Considerações Finais: para intervir de forma eficaz no controle da sífilis congênita e da transmissão vertical do vírus HIV no Município de Belém e no Estado do Pará, serão necessárias condutas para evitar perdas de oportunidades de prevenção e tratamento precoce dessas infecções. DESCRITORES: AIDS, sífilis, gestante, transmissão perinatal do HIV. INTRODUÇÃO As doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) estão entre os problemas da Saúde Pública mais comuns em todo o mundo. A alta prevalência em adultos na idade fértil, mesmo em países mais desenvolvidos, a dificuldade da prevenção, diagnóstico e tratamento e a possibilidade de acometimento grave do feto e do recém-nascido, fazem de tais doenças um tema atual a ser abordado e discutido. Dentre todas as infecções que podem acometer o binômio mãe-concepto, duas merecem especial destaque, a sífilis e a AIDS. ¹ Tese (Mestrado) - Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-graduação em Pediatria. Estudo realizado na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará ² Professora Mestre do Departamento de Assistência Materno Infantil II-Pediatria da UFPA ³ Professora Livre Docente da UNIFESP-Escola Paulista de Medicina Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 13 13 13/08/09, 12:34:edson Tal destaque se deve ao fato de que a transmissão perinatal, em ambas as doenças, poder ser prevenida de forma bastante eficiente por meio de um atendimento pré-natal, do cuidado ao parto e de uma assistência ao recém-nascido adequados. Além disso, a possibilidade de tratamento da infecção estabelecida é uma realidade para a sífilis e para a AIDS de aquisição perinatal.1. Belém do Pará é uma cidade portuária para onde confluem habitantes de inúmeras pequenas cidades e onde o crescimento desordenado facilitou o crescimento da prostituição em mulheres jovens. No Estado do Pará, entre 1985 e 2000, foram notificados, no sexo masculino, 1236 casos de AIDS e 2591 pacientes soropositivos para sífilis. No sexo feminino, no mesmo período, foram notificados 383 casos de AIDS e 887 mulheres soropositivas para a infecção por Treponema pallidum2. Dentre as repercussões para o concepto, destacam-se o óbito fetal e neonatal, retardo de crescimento intra-uterino, prematuridade, sepse, pneumonite, hepatite, cardite e, principalmente meningite e encefalite.3 OBJETIVO Verificar a prevalência da soropositividade para sífilis e para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) em gestantes admitidas em uma maternidade pública de nível terciário da cidade de Belém, centro de referência materno infantil do Estado do Pará. MÉTODO Estudo transversal realizado no Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, centro de referência de assistência materno-infantil do Estado do Pará, localizado no município de Belém. Trata-se de maternidade pública, de nível terciário; referência do Sistema Único de Saúde para gestações de risco, que apresenta um movimento médio de 500 partos por mês com clientela predominantemente de baixo nível sócio-econômico, proveniente de zona urbana, rural e do interior do Estado. Estudo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/ Hospital São Paulo sob CEP Nº 745/01. A pesquisa consistiu na avaliação de todas as gestantes admitidas na referida maternidade de 01/09/2000 a 25/10/2000. O número total de inclusões foi de 1151 pacientes. Em todas as gestantes incluídas no estudo foi realizado o Teste Rápido para o HIV por punção digital (Determine™ HIV-1/2) produzido pelo laboratório Abbott. O teste laboratorial utilizado para a triagem de sífilis foi de acordo com as normas de Vigilância Epidemiológica para o Controle da Sífilis, elaboradas pelo Ministério da Saúde do Brasil e pela Secretaria de Saúde do Estado do Pará, em 1993. Empregou-se um teste não treponêmico quantitativo, o Veneral Disease Research Laboraratory (VDRL). Durante a permanência hospitalar, as pacientes foram submetidas a um questionário aplicado por alunos de graduação em Medicina com os seguintes dados: características gerais das gestantes, características da vida sexual e abuso de drogas pela gestante, características dos pais dos conceptos da gestação atual, características obstétricas e desfecho da gestação atual. O cálculo do tamanho da amostra foi realizado pela fórmula de Fletcher et al. 4 O tratamento estatístico foi puramente descritivo. Todas as variáveis categóricas foram descritas como número e percentual da presença ou ausência do evento em questão. As variáveis numéricas foram descritas como média e desvio padrão, relatandose, também, seus valores mínimo e máximo. RESULTADOS TABELA I: Características gerais da população de gestantes estudadas, classificadas de acordo com a positividade (+) ou negatividade (-) da sorologia para sífilis (VDRL) e para HIV no Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (HFSCMPA), período de agosto de 2000 a setembro de 2000. Fonte: Protocolo de pesquisa. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 14 miolo_DEF.pmd 14 13/08/09, 12:34:edson TABELA II: Características da vida sexual e do uso de drogas por parte da população de gestantes estudadas, classificadas de acordo com a positividade (+) ou negatividade (-) da sorologia para sífilis (VDRL) e para HIV no Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (HFSCMPA), período de agosto de 2000 a setembro de 2000. Fonte: Protocolo de pesquisa. TABELA III: História obstétrica da população de mulheres estudadas, classificadas de acordo com a positividade (+) ou negatividade (-) da sorologia para sífilis (VDRL) e para HIV no Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (HFSCMPA) , período de agosto de 2000 a setembro de 2000. Fonte: Protocolo de pesquisa. DISCUSSÃO A triagem sorológica para sífilis e para o HIV à admissão de mulheres na principal maternidade pública de Belém, no Pará, permite que se tenha idéia da prevalência dessas infecções nas gestantes e do risco de transmissão vertical das mesmas, lembrando-se que Belém é o principal centro urbano da região, pólo de grande migração, além de ser importante rota do mercado de drogas na América do Sul. 5 Esta pesquisa não visou diagnosticar a presença das referidas infecções na população de gestantes, mas apenas, tratou-se de um inquérito sorológico, com a realização de testes de triagem. Dessa maneira, a escolha desses testes deveu-se, principalmente, ao fato de o Ministério da Saúde do Brasil normatizar e disponibilizar ambos os testes para a triagem sorológica de sífilis e AIDS em gestantes.6,7 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 15 15 13/08/09, 12:34:edson Soroprevalência para sífilis Na população de gestantes estudadas, a prevalência de soropositividade para sífilis foi de 3,8% e encontra-se na faixa estimada pelo Ministério Saúde em 1993, no documento “Bases Técnicas para a Eliminação da Sífilis Congênita até o ano 2000”.6 Ou seja, exatamente no ano 2000, uma maternidade de referência estadual ainda apresenta a soroprevalência estimada sete anos antes. O resultado da pesquisa comparado com dados de Araújo et al realizado no mesmo Estado e na mesma instituição após a aplicação de três exames sorológicos (VDRL, FTA-Abs e ELISA IgM) em 361 puérperas e respectivos recém-nascidos resultou no diagnóstico de 33 (9,1%) casos de sífilis congênita.8 A diferença entre os dois resultados é difícil de ser explicada; acreditamos dever-se aos fatores de técnica da amostragem e exames laboratoriais empregados.8 Ao contrario deste estudo seqüencial; em relação à amostragem, Araújo ET al estudou 361 mulheres ao acaso. Talvez, essa estratégia metodológica tenha resultado em um poder estatístico menor do que o presente estudo para determinar a soropositividade real de sífilis nas gestantes da maternidade de referência de Belém. Por outro lado, a autora citada usou exames laboratoriais mais sofisticados, incluindo o ELISA IgM, o que pode ter aumentado a sensibilidade do diagnóstico de sífilis na gestante. De qualquer maneira, o VDRL empregado é o exame de triagem recomendado pelo Ministério da Saúde e identifica as gestantes que poderiam ser diagnosticadas para sífilis e tratadas, durante o pré-natal, em qualquer lugar de nosso país.6 Assim, mesmo que a prevalência de soropositividade para sífilis esteja subestimada neste estudo, a porcentagem de 3,8% representa, sem dúvida, a quantidade de gestantes nas quais a questão da prevenção da transmissão vertical da sífilis teria, obrigatoriamente, que ser abordada, qualquer que fosse a infra-estrutura do local em que essa população de mulheres tivesse recebido seu cuidado pré-natal. Ao observarmos a soroprevalência para sífilis no Pará e em outros estados brasileiros, observamos resultados ora um pouco mais elevados, ora um pouco mais baixos, mas que giram ao redor da prevalência de soropositividade para sífilis no Brasil, entre 2,5 e 3,0%.6 Em São Paulo um estudo realizado em 1991, em maternidade de nível secundário, observou 5,6% de gestantes com VDRL e hemaglutinação indireta positivas para sífilis.9 O Programa Estadual de DST/ AIDS da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo nos anos de 1996 e 1997 conduziu uma pesquisa de soroprevalência para sífilis em maternidade pública do município de São Paulo com 2.214 pacientes. O VDRL foi positivo em 1,71% da população estudada.10 Soroprevalência para HIV na gestante Encontrou-se uma soroprevalência de positividade para o vírus da imunodeficiência humana em gestantes atendidas na maternidade da Santa Casa de Belém do Pará de 0,7%, por meio da triagem laboratorial feita através do teste rápido. No estado do Pará, os únicos dados epidemiológicos disponíveis para a comparação de resultados são aqueles fornecidos pela Secretaria Executiva de Saúde e que compreendem o período de 1985 a 1999. Nesse período, foram notificados 1237 casos de AIDS no sexo masculino e 384 casos no feminino. O percentual de mulheres com AIDS em relação ao total de casos notificados vem aumentando gradativamente: 9,4% em 1995, 11,5% em 1996, 15,4% em 1997, 19% em 1998 e 17,2% em 1999. Nesse último ano foram notificados dois casos de AIDS em homens para cada mulher. 2 Ou seja, observa-se, nesse estado, a Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 16 miolo_DEF.pmd A soroprevalência encontrada em uma maternidade pública de Natal, referência para gestação de risco de todo o Estado do Rio Grande do Norte, foi 1,5%, em uma amostra de 2791 gestantes.11 A aplicação de testes treponêmicos e não treponêmicos em 1.000 parturientes e em seus respectivos conceptos em São Paulo, demonstrou 24 (2,4%) mães e 19 (1,9%) bebês com VDRL positivo.10 Em Curitiba, de março de 1999 a fevereiro de 2000, diagnosticou-se 2,1% de soropositivas para sífilis.13 Esses diversos trabalhos demonstram uma certa variação da soroprevalência de sífilis em gestante, que pode ser explicada, em parte, pelas diferentes metodologias empregadas, pela diversidade das populações, de suas condições socioeconômicas e de seu perfil epidemiológico. No entanto, é necessário levantar a hipótese de uma variação da positividade para sífilis decorrente de fatores técnicos relacionados à realização e à sensibilidade de lotes de VDRL. O Programa Estadual de DST/AIDS da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo conduziu uma pesquisa de soroprevalência de sífilis e HIV em uma maternidade pública do município de São Paulo em 1996 e 1997 na qual 1945 pacientes foram testadas com o VDRL, encontrandose positividade de 1,43%. Das 1945 mulheres, 1914 (98% das amostras) foram também testadas com a reagina plasmática rápida, sendo essa positiva em 2,71% das gestantes. 10 A discrepância entre os resultados do VDRL e do RPR contraria a literatura e levanta questões quanto às recomendações das Secretarias e Ministério da Saúde. Ou seja, apesar do VDRL ser mais facilmente disponível e de menor custo, se os resultados acima descritos forem reais, o seu emprego exclusivo pode comprometer a eficácia dos programas de erradicação da sífilis congênita.10 16 13/08/09, 12:34:edson tendência do aumento dos casos da doença em mulheres, à semelhança do descrito para a epidemia no Brasil e no mundo.14,15 No Brasil, dados de soroprevalência para HIV em populações variadas encontram taxas médias de 0,5.16 que são bastante próximas aos níveis de 0,7% encontrados no presente estudo. Em Campinas- SP um estudo de prevalência de soropositividade para o HIV em gestantes demonstrou valores de 0,4%.17 Já em Sorocaba - SP, 86% de 2.158 gestantes entre 11 e 46 anos foram submetidas ao teste rápido para o HIV à admissão na maternidade, observando-se 1,6% de soropositividade. 18 Outro levantamento no município de São Paulo relata 1,5% de soropositividade para o HIV.10 Em Minas Gerais, a pesquisa da soropositividade para o HIV em parturientes mostrou taxas de 0,97% para o HIV-1/ 2.19 enquanto em Curitiba, no período de março de 1999 a janeiro de 2000, observou-se taxa de 0,64% de soropositividade para o HIV em gestantes.13 Ou seja, diante desses resultados, pode-se reafirmar que a freqüência de soropositividade para o HIV encontrada nas gestantes analisadas no presente estudo é comparável à de outros estados brasileiros. Coinfecção: soropositividade para sífilis e HIV na gestante A soropositividade simultânea para sífilis e HIV no presente estudo ocorreu em uma gestante, dentre 1151 estudadas, ou seja, em 0,09% da população analisada. Observou-se, portanto, a copositividade para ambos os agentes em uma (2,3%) das 44 gestantes soropositivas para sífilis e em uma (12%) das oito mulheres soropositivas para HIV. Esse dado é inédito no Estado do Pará. A prevalência para sífilis e HIV, em 1000 gestantes atendidas em Maternidade Pública do Rio de Janeiro de abril a dezembro de 1998, foi de 7% para a sífilis e de 1% para o HIV; observando-se a coinfecção em 0,4% das gestantes, com uma associação significativa entre as duas infecções. A presença da infecção pelo HIV em gestantes com sífilis foi de 5,6% e, dentre as gestantes com HIV, 40% apresentaram sífilis. 20 Um estudo de soroprevalência de sífilis e HIV em gestantes do Município de São Paulo, nos anos de 1996 e 1997, observou-se, entre soropositivas para o HIV, 9% de soropositividade para sífilis e, entre soropositivas para sífilis, 1,7% de soropositividade para o HIV.10 Esses valores em São Paulo, aproximam-se bastante dos da presente pesquisa. Da mesma maneira, Nogueira verifica, no Rio de Janeiro que duas, dentre 13 adolescentes gestantes portadoras do vírus HIV, também eram soropositivas para sífilis, o que mostra um percentual de 15,3% de soropositividade para sífilis em gestantes HIV positivas.21 Outro levantamento, realizado com 262 mulheres presidiárias no Estado de São Paulo entre 1997 e 1998, demonstra incidência mais elevada das infecções: 14,5% de soropositividade para HIV e 5,7% de soropositividade para sífilis.22 Características demográficas das gestantes Observa-se que as gestantes estudadas, independentemente do seu estado sorológico, apresentavam, em média, idade próxima dos 25 anos, com ampla variação, desde adolescentes até idade próxima a 40 anos. Ou seja, na presente população a positividade para sífilis ou para HIV não recaiu apenas em adolescentes com pouca educação em saúde e comportamentos de risco associados à falta de proteção nas atividades sexuais, mas também mulheres com maior tempo de vida sexual ativa. Em 1996, Araújo et al encontrou 82% de gestantes soropositivas para sífilis na faixa etária entre 20 a 35 anos; ou seja, a soroprevalência da sífilis foi significativamente maior nas puérperas com 20 ou mais anos, sendo 15% do total adolescentes.8 Arrais, em 1999, no Município do Natal descreveu que 60% das mães de neonatos com sífilis congênita provável eram procedentes da área urbana de Natal, 62% entre 20 e 29 anos, 26% com idade igual ou maior que 30 e 12% menores de 19 anos. A média de idade foi 26 anos, com mínima de 15 e máxima de 42 anos.11 Um estudo retrospectivo de sífilis congênita, no Instituto Martagão GesteiraRJ entre 1993-1999, demonstrou idade média de 23anos com mínima de 16 e máxima de 41 anos.23 A sífilis associou-se à idade mais baixa em 1.000 gestantes atendidas em uma maternidade pública, em 1998 no município do Rio de Janeiro, correlacionandose com o início precoce da atividade sexual.20 Estudo de soroprevalência de sífilis e HIV em gestantes de São Paulo, em 1996-1997, das 22 pacientes soropositivas para HIV, 86% tinha entre 19 e 34 anos de idade10, demonstrando que a AIDS também vem avançando em grupos cada vez mais jovens. Em um serviço de referência para gestação de risco em Niterói em 44 gestantes soropositivas para HIV, a média de idade foi de 24 anos. A faixa etária de maior risco para a soropositividade para o vírus da imunodeficiência humana está entre 15 e 29 anos24 Esses resultados, inclusive os nossos, estão de acordo com os dados norte-americanos que demonstram um número maior de casos de sífilis em mulheres na faixa de 20 a 29 anos, mas há também, a partir do final da década de 80, um aumento da sífilis primária e secundária em adolescentes entre dez e 19 anos.25 O percentual de residentes na grande Belém foi de 86% entre as soropositivas para sífilis e em 100% das gestantes HIV positivas. Com relação à Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 17 17 13/08/09, 12:34:edson sífilis diversos autores descrevem sua maior incidência em grandes centros urbanos.26,27,28 Provavelmente, o fato de o estudo se concentrar em apenas uma maternidade da capital do estado e o universo amostral não ter sido calculado para refletir a procedência das pacientes soropositivas para sífilis e HIV explicam o fato de os resultados não mostrarem a interiorização da epidemia de AIDS, à semelhança dos dados epidemiológicos obtidos pelo Ministério da Saúde.14 De qualquer maneira, os resultados obtidos concordam com diversos estudos de que; quanto maior a densidade populacional da área urbana maior a freqüência das doenças sexualmente transmissíveis. Quanto à profissão, 58% das soronegativas para sífilis e HIV referiam ser donas de casa e entre as soropositivas para sífilis 51%. Somente 29% das soropositivas para HIV referiam como ocupação principal o trabalho no lar. A gestante VDRL e HIV positiva também disse ser dona de casa. Nota-se, portanto, uma tendência de gestantes soropositivas para sífilis e AIDS terem outra profissão que não os cuidados do lar, certamente por implicações do comportamento social. Em relação à escolaridade, 56% das mulheres soronegativas para ambas as infecções referiram escolaridade até 1º grau, ocorrendo o mesmo com cerca de 70% das soropositivas para sífilis e das HIV positivas. Esse achado concorda com diversas pesquisas que relatam o avanço das doenças sexualmente transmissíveis, incluindo sífilis e AIDS, em populações com menor grau de instrução.14,15 Mc Dermott et al 29 encontraram duas vezes mais analfabetas em gestantes com sífilis no Malawi. A baixa escolaridade também é referida por Salas et al 30 como um fator de risco para aquisição de sífilis por mulheres em idade fértil no México. Em Niterói-RJ, Gomes e colaboradores observaram em 44 gestantes soropositivas para HIV baixo grau de escolaridade: apenas 10% possuíam o primeiro grau completo e 7% o 2º grau completo 24 A renda familiar média dos grupos soronegativas para sífilis e AIDS e soropositivas para sífilis giraram em torno de R$ 460,00, observando-se um decréscimo dos valores referidos pelas soropositivas para HIV e, apesar de ser um dado isolado, a renda mais baixa foi a relatada pela paciente soropositiva para sífilis e HIV. Assim parece estar ocorrendo uma disseminação da sífilis e AIDS em populações de baixas condições sócio econômicas. O aumento do número de casos de sífilis em adolescentes foi observado em classes econômicas baixas por outros autores.21 A prevalência de sífilis em uma maternidade pública do Rio de Janeiro Características da vida sexual e do uso de drogas pelas gestantes Em torno de 70% das pacientes HIV negativas e apenas 57% das HIV positivas referiam ter parceiro fixo. A paciente soropositiva para sífilis e HIV não referiu parceiro fixo. O relacionamento com um único parceiro durante o período da gestação também foi referido por mais de dois terços das mulheres analisadas. Nota-se, com grande preocupação que a aproximadamente 70 a 80% de todas as gestantes estudadas não relatavam fazer uso regular de preservativos. Tal achado pode se relacionar ao desconhecimento, por parte das soropositivas para sífilis e/ou HIV, de seu status sorológico assim como o de seu parceiro em relação a doenças sexualmente transmissíveis e à confiança de que a relação é segura. Em São Paulo, entre as gestantes soropositivas para sífilis, 37% referiam parceiro único e 49% múltiplos parceiros Entre as soropositivas para HIV, apenas 9,5% referiram um único parceiro, 76% dois a cinco parceiros e 5% mais de cinco parceiros. 10 A sífilis associou-se significativamente ao início mais precoce da atividade sexual, ao maior número de parceiros e à história de parceiros promíscuos.20 Já em relação ao uso de preservativos, é significante o estudo de Hernandez et al, com mulheres portadoras do HIV no México, somente 18% referia haver utilizado preservativo nas relações sexuais nos últimos três meses e 11% das entrevistadas sabiam que algum de seus parceiros sexuais era portador do vírus da imunodeficiência humana.31 Com relação ao uso de drogas ilícitas, 36 (3%) gestantes HIV negativas, referiam fazer uso de cola de sapateiro e/ou maconha e/ou cocaína Essa porcentagem foi inferior à observada nas gestantes HIV positivas: uma (12%) em oito referiu usar cocaína. Esse dado está de acordo com a observação de inúmeros trabalhos que afirmam ser o uso de drogas um fator de risco para as doenças sexualmente transmissíveis e, em especial, o uso de drogas injetáveis ser um fator de risco para a aquisição de AIDS. 1,14,16 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 18 miolo_DEF.pmd associou-se à idade materna mais baixa, ausência de profissão definida e menor renda familiar.20 Nesse contexto, pode-se concluir serem as doenças sexualmente transmissíveis cada vez mais freqüentes em adolescentes grávidas, pobres, pouco informadas e assintomáticas, reforçando a necessidade do esclarecimento a respeito dessas doenças no atendimento pré-natal, e em especial estratégias na prevenção de transmissão vertical com realização de triagem sorológica para a sífilis e HI. 18 13/08/09, 12:34:edson Araújo et al, em 1996, na mesma maternidade em 361 puérperas, 34 gestantes, (12%) relatavam consumir drogas8. Outro estudo de soroprevalência de sífilis e HIV em gestantes de São Paulo, realizado em 1996 e 1997, refere que, dentre 116 soropositivas para sífilis, 13% relatavam o uso de drogas ilícitas e, dentre 22 soropositivas para o HIV, 19% diziam ser usuárias de droga 10 . Percebe-se sem dúvida a associação entre uso de drogas ilícitas e doenças sexualmente transmissíveis, mas são necessários estudos bem estruturados do ponto de vista metodológico para avaliar o impacto do uso de substâncias lícitas e ilícitas por mulheres na aquisição de doenças sexualmente transmissíveis e nas medidas preventivas relacionadas à transmissão vertical da sífilis e do HIV. Pré-natal das pacientes analisadas É interessante observar que 49% das gestantes soronegativas para HIV e sífilis passaram por quatro ou mais consultas no pré-natal, caindo esse percentual para 33% nas soropositivas para sífilis e para 29% nas soropositivas para HIV. Observou-se menos do que quatro consultas de pré-natal em, 30% das soronegativas para HIV e sífilis, em 42% das soropositivas para sífilis e em 57% das soropositivas para HIV. O pré-natal foi ausente em 22% soronegativas para HIV e sífilis, em 26% soropositivas para sífilis e em 14% das soropositivas para HIV. Ou seja o pré-natal foi ausente ou incompleto em cerca de 70% das mulheres soropositivas para sífilis ou HIV. Esse fato alerta para a possibilidade de que, na grande maioria das mulheres portadoras de infecções sexualmente transmissíveis em nosso estudo, ocorreram perdas de oportunidades para a prevenção e tratamento. No entanto, os percentuais de mulheres que compareceram a mais de quatro consultas de prénatal não são insignificantes: 33% e 29% respectivamente das soropositivas para sífilis e HIV. Nesse sentido, vale a questão: qual terá sido a qualidade da assistência prestada a essas gestantes? Sabe-se, em relação à transmissão vertical do HIV, que o pré-natal de qualidade, a disponibilidade e a oferta universal dos exames de triagem, a introdução de esquemas profiláticos adequados, a orientação quanto à via de parto e a contraindicação ao aleitamento materno são imprescindíveis, assim como o aprimoramento e atualização constantes da equipe de saúde em relação às estratégias para prevenir a transmissão vertical e a morbimortalidade decorrente.10 Quanto à sífilis congênita, a melhor prevenção da transmissão vertical inclue o tratamento adequado da gestante e de seu parceiro, o que implica a necessidade de uma boa assistência médica, garantir o acesso e freqüência indispensáveis ao pré-natal. Deve-se lembrar que a sífilis congênita é considerada um evento marcador da qualidade da assistência prénatal.6 Assim, a qualidade do pré-natal realizado pelas gestantes do presente estudo fica patente quando analisamos as informações referentes à realização do VDRL na gravidez atual. Os dados mostram que 70 a 80% das gestantes aqui analisadas não haviam sido triadas para sífilis ou, caso houvessem realizado o VDRL, não haviam sido informadas a respeito de seu significado, da sua importância e de seu resultado. Esse dado é dramático diante dos conhecimentos atuais. A triagem sorológica para a sífilis durante a gestação e o parto é o fator mais importante para a detecção e o tratamento precoces da forma congênita da doença. Ela apresenta uma relação custo-benefício positiva, mesmo quando a incidência de sífilis na população é de 0,005%.32 Em nosso estudo, somente 26% das mulheres soropositivas para sífilis tiveram o diagnóstico de sífilis durante a gestação, apontando novamente para as oportunidades perdidas em relação à prevenção e ao tratamento da sífilis congênita. Infelizmente, os nossos dados encontram semelhança com os resultados de outros estudos realizados em nosso meio. Em maternidade de nível secundário no Município de São Paulo, em 1991, 160 das 198 gestantes soropositivas para sífilis (81%) não receberam assistência pré-natal adequada.9 Araújo et al, em 1996 na mesma maternidade de Belém observou que cerca de 40% de 361 puérperas não haviam recebido cuidado pré-natal e a soropositividade para sífilis foi de 9,1%.8 Em gestantes do município de São Paulo das 116 soropositivas para sífilis 22 soropositivas para o HIV, ao redor de 25% não referia assistência pré-natal.10 No Rio de Janeiro, 93% das mães de recém-nascidos com diagnóstico de sífilis congênita provável procuraram assistência pré-natal, 50% iniciou até o terceiro mês de gestação, 42% compareceram a mais de seis consultas. Entretanto, apenas 39% sabia ter realizado o VDRL no pré-natal.23 Nesse contexto, ressalta-se novamente que a prevenção de sífilis e AIDS depende não somente do acesso ao pré-natal, mas também da qualidade deste a fim de evitar as oportunidades perdidas de prevenção e tratamento dessas doenças na mulher e no concepto. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados dessa pesquisa apontam fatos relevantes. Em primeiro lugar, as taxas de soropositividade para sífilis no universo de gestantes estudado encontram-se próximas aos valores estimados no início do projeto de erradicação da sífilis Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 19 19 13/08/09, 12:34:edson congênita, em 1993. Em segundo lugar, a soroprevalência para HIV se encontra próxima à média. Esses dados mostram que o Estado do Pará necessita da implantação imediata dos projetos existentes para a erradicação da sífilis congênita e para a redução da transmissão perinatal do HIV, com recursos para a sua concretização. No contexto desses projetos, é fundamental melhorar a assistência prénatal, garantindo a oferta de exames sorológicos ao início e final da gravidez. Dessa forma, pode ser possível tratar a sífilis da gestante e seu parceiro, evitando a infecção fetal e tratar a gestante HIV positiva, fazendo a profilaxia da transmissão vertical da infecção por meio da quimioterapia, escolha da melhor via de parto e contra-indicação do aleitamento materno. Portanto, alerta-se no sentido de que medidas preventivas não implementadas “ontem”, dificultam o “hoje”, no que se refere ao controle da cadeia epidemiológica das duas doenças, sífilis e AIDS. SUMMARY PREVALENCE OF SEROPOSITIVITY FOR SYPHILIS AND HIV IN PREGNANT WOMAN FROM A HOSPITAL OF REFERENCE MATERNAL INFANTILE IN STATE OF PARÁ. Suely Miranda SANZ, Ruth GUINSBURG Objective: this study was to evaluate the frequency of seropositivity for syphilis and the human immunodeficiency virus (HIV) and the coexistence of these infections among pregnant women admitted into a tertiary-level public maternity hospital in the Municipality of Belém that is a mother and child referral center for the municipality and for the State of Pará Method: for this, during the period of August to September 2000, all the pregnant women admitted into the maternity hospital for resolution or the diagnosis and treatment of intercurrences underwent blood collection to perform the Rapid HIV Test (Determine™ HIV-1/2) and a quantitative non-treponemal test, the Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) test. These pregnant women answered a questionnaire that sought data relating to their general characteristics, the existence of behavior carrying the risk of acquiring sexually transmittable diseases, and also their obstetric history and the progress and outcome of the present pregnancy . Results: during the study period, 1151 pregnant women were evaluated. Of these, 44 (3.8%) presented a positive VDRL test, eight (0.7%) were positive to the rapid HIV test, and one woman had simultaneous seropositivity for syphilis and HIV (0.09% of the general population; 2.3% of those seropositive for syphilis; 12% of those who were HIV-positive). The pregnant women who were seropositive for syphilis and/or HIV were generally young and resident in the Greater Belém area, with low education levels and from deprived socioeconomic strata. The majority of them, independent of their serological condition, had a single sexual partner and did not utilize contraceptives during intercourse. The use of illegal drugs was reported by 3% of the HIV-negative and 12% of the HIV-positive patients. Prenatal care had been totally lacking or incomplete for 50 to 70% of the women analyzed. Only 26% of the women who were seropositive for syphilis had received this diagnosis during the pregnancy Conclusion: it can be concluded that, in order to have efficacious interventions for the control of congenital syphilis and vertical transmission of the HIV virus in the Municipality of Belém and the State of Pará, effort will be needed to avoid the loss of opportunities for early prevention and treatment of these infections during pregnancy. KEY WORDS: AIDS, syphilis, vertical transmission, HIV, pregnant women. AGRADECIMENTO A Danillo dos Santos Francisco, graduando em Medicina da Universidade Federal do Pará, pela valiosa colaboração prestada na editoração dos dados. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS. Boletim Epidemiológico DST. Brasília. 1998a; 4 (2): 4-7. 2. Pará. Secretaria Executiva de Saúde do Estado do Pará. Programa Estadual de DST/AIDS, 2001. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 20 miolo_DEF.pmd 20 13/08/09, 12:34:edson 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. Gonzaga MA, Py EA. Doenças sexualmente transmissíveis na infância In: Farhat. CK., Carvalho ES., Carvalho LHFR, Succi RCM. Infectologia pediátrica. 2ª. ed. São Paulo: Atheneu; 1999; p.667-76. Fletcher R. Epidemiologia clínica. 1988. Magalhães M. O Narcotráfico. 1ª Edição. São Paulo: Publifolha; 2000. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Programa Nacional de Controle de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids. Brasília. Bases técnicas para eliminação da sífilis congênita. 1993; p.7-8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Estado da Saúde São Paulo. Programa DST/AIDS. Portaria Técnica. Boletim Epidemiológico Tendências da Epidemia II. 1997; 15 (2). Araújo EC, Moura EFA, Ramos FLP, Holanda VGDA. Sífilis congênita: Incidência em recém-nascidos. J Ped. 1999; 75(2): 119-25. Guinsburg R SAMN, Leal DV, Pacheco AABM, Okida KS, Trigueiro TC, Almeida MFB, Kopelman BI. Sorologia para sífilis no período neonaltal: prevalência em maternidade de nível secundário. Associação com fatores de risco maternos e com sorologia positiva para HIV-1. Rev assoc méd bras. 1993; 100-4. São Paulo. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Programa Estadual de DST/AIDS. Centro de Referência e Treinamento de DST/ AIDS. Divisão de Vigilância Epidemiológica. Estudo de soroprevalência de sífilis e HIV em uma maternidade pública do município de São Paulo 1996-1997. São Paulo; 1999. p.1-11. Arrais NMR. Freqüência de sífilis congênita e associação com fatores de risco maternos em maternidade pública no município do Natal. [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1999. Barsanti C, Diniz EMA, Succi RCM. Diagnóstico de sífilis congênita: comparação entre sorologia na mãe e no recémnascido. Rev Soc Bras Med Trop. 1999; 32: 1605-11. Thomal RA, Jimenez EJB. Programa mãe curitibana: atenção as infecções congênitas: HIV toxoplasmose e sífilis. In: XII Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica; 2000; Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2000. p.63. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS. Boletim Epidemiológico AIDS. Incidência de AIDS segundo sexo. Brasil. 1985 a 1998. Brasília. 1998b; 11(3): 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS. Boletim Epidemiológico AIDS. Mortalidade por AIDS segundo ano do óbito: Brasil. 1990 a 1997. Brasília.1999a; 1(1): 3-4,11,13. Brasil. Ministério da Saúde. AIDS. 27ª à 40ª Semanas Epidemiológicas. Boletim Epidemiológico. Brasília. 2001; 15(1): 7-58. Amaral E, Faúndes A, Gonçales NSL, Pellegrino Júnior J, Souza CA, Silva JLP. Prevalence of HIV and Treponema pallidum infections in pregnant women in Campinas and their association with socio-demographic factors. Medical Journal.1996; 114(2):1108-16. Anjos RMP, Karnakis T, Ferrel DT, Fregonezi RLH, Guilherme M. Vigilância do HIV em gestantes e crianças expostas: investigação sentinela no conjunto hospitalar de Sorocaba. In: 12º Congresso Brasileiro de Infectologia; 2001; Rio de Janeiro. The Brazilian Journal of Infectious Diseases. 2001;5(2): S102. Andrade VA, Martins MVL, Costa JO, Ribeiro DA, Andrade AMC, Gonçalves RC. Soroprevalência do HIV-1/2, HTLVI/II e hepatites B e C em parturientes da Maternidade Odete Valadares, Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev patol trop. 1999; 28(1): 41-8. Sztajnbok DCN, Nogueira SA, Rodrigues RMS, Lambert J. Prevalência da infecção pelo vírus da Imunodeficiência humana, vírus da hepatite B e Treponema pallidum em gestante atendidas em maternidade pública do Rio de Janeiro. In: XII Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica; 2000; Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2000. p.40. Nogueira SA, Abreu TF, Oliveira RH, Sápia MCC, Costa TP, Lambert JS, et al. Prevenção da transmissão vertical do HIV: resultados de um programa de assistência multidissiplinar. In: XII Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica, 2000; Rio de Janeiro. Lopes F. Prevalência de HIV, HPV e sífilis na Penitenciária Feminina da Capital, São Paulo, 1997-1998. São Paulo; s.n; 1999, 104p. Cardoso PSV, Leobons MBGP, Sampaio MG, Albuquerque ALMC, Abreu TF, Nogueira SA. Diagnóstico tardio de sífilis congênita em um hospital pediátrico de ensino, sem maternidade. In: XII Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica; 2000; Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Pediatria; 2000. p.40. Gomes IM, Ventura TCC, Santos ES, Brandão T, Martino M. Perfil epidemiológico das gestantes HIV positivo atendidas no ambulatório de pré-natal do HUAP. In: XII Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica, 2000; Rio de Janeiro. Centers for Disease Control. 1993. Sexually transmitted diseases treatment guidelines. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 1993; 42(RR-14): 40. Stoll BJ. Congenital syphilis: evaluation ant management of neonates born to monthers with reactive serologic tests for syphilis. Pediatr Infect Dis J, 1994; 13:845-5. Nakashima AK, Rolfs RT, Flock ML, Kilmarx P, Greenspan JR. Epidemiology of syphilis in the United Statess, 19411993. Sex. Transm Dis 1996; 23:16-23. Sánchez PJ, Wendel GD, Syphilis in pregnancy. Clin Perinatol 1997; 24:71-90. McDermott J, Steketee R, Laresen S, Wirima J,. Syphilis. Associated perinatal and infant mortality in rural malawi. Bull Wld Hlth Org 1993; 71:773-80. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 21 21 13/08/09, 12:34:edson 30. Salas-Uribe F, Rio-Chiriboga C, Conde-Glez CJ, Juárez-Figueroa L,Uribe-Zuñaga P, Calderón-Jaimes E, Hernádez-Avila M. Prevalence, incidence, and determinantes of syphilis in female commercial Sex workers in Mexico city. Sex Transm Dis 1996; 23:120-6. 31. Hernández GC, Uribe S F, Conde GC, Cruz VA, Juárez FL, Uribe ZP, et al. Seroprevalencias a diversos virus y características sociodemográficas en mujeres que buscan detectarse VIH. Rev invest Clin. 1997; 49(1): 5-13. 32. Stray-Pedersen B. Economic evaluation of maternal screening to prevent congenital syphilis. Sex Transm Dis 1983; 10:167-72. Endereço para correspondência Suely Miranda Sanz Rua Presidente Pernambuco, 219. Batista Campos, Belém-PA CEP: 66015-200 Telefone (0xx91) 32421060 E-mail: [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 22 miolo_DEF.pmd 22 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL OCORRÊNCIA E FATORES DE RISCO PARA CO-INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C (HCV) EM PACIENTES COM O VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV) EM MACEIÓ, BRASIL1 OCCURRENCE AND RISK FACTORS FOR COINFECTION OF HEPATITIS C VIRUS (HCV) IN PATIENTS WITH HUMAN IMMUNODEFICIENCY VIRUS (HIV) IN MACEIÓ, BRAZIL Erlon Oliveira dos SANTOS2, Maria Rosângela Cunha Duarte COÊLHO3,4, Tatiana Aguiar Santos VILELLA5 , Jéfferson Luis de Almeida SILVA6 e Edmundo Pessoa de Almeida Lopes NETO7 RESUMO Objetivo: determinar a prevalência e os fatores de risco para a co-infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) em pacientes com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). Método: estudo analítico; foram testadas 299 amostras de sangue de pacientes infectados pelo HIV, atendidos no Hospital Universitário de Maceió-AL, entre maio e novembro de 2005. Utilizou-se o teste imunoenzimático (ELISA) kit da Wierner Lab® (Rosário-Argentina) para a detecção do anti-HCV e a Reação em Cadeia da Polimerase (RT-PCR) para a pesquisa do HCV-RNA. Para a análise dos fatores de risco foi utilizado um questionário elaborado especificamente para o estudo. Resultados: das 299 amostras analisadas 10 (3,3%) foram positivas para o anti-HCV e destas 7 (2,3%) apresentaram também o HCV-RNA. Os fatores de risco que estiveram associados à co-infecção HIV/HCV foram antecedentes de hepatite/icterícia e uso de tatuagem/ piercing. Conclusão: a baixa prevalência da co-infecção HIV/HCV encontrada na pesquisa poderá estar relacionada com a pouca exposição parenteral, principalmente transfusão de sangue e uso de drogas injetáveis, dos pacientes infectados com o HIV em Maceió. Descritores: Hepatite C; HIV; AIDS; Fatores de risco. INTRODUÇÃO A infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) constitui importante problema de saúde pública, acometendo cerca de 170 milhões de pessoas no mundo1. No Brasil, estima-se que aproximadamente 1,7% da população esteja infectada pelo HCV o que corresponderia ao acometimento de mais ou menos 3 milhões de indivíduos2,3. A transmissão do HCV ocorre, predominantemente, por via hematogênica, tornando os politransfundidos e os usuários de drogas injetáveis indivíduos com alto risco, embora alguns estudos sugiram que outras vias, sobretudo a vertical e a sexual, possam também ter participação na disseminação do HCV4. 1 Trabalho realizado no Setor de Virologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 2 Mestre em Medicina Tropical da UFPE, Professor do Departamento de Imunologia e Virologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). 3 Professora Associado 1, Doutora; Departamento de Fisiologia e Farmacologia do Centro de Ciências Biológicas da UFPE. 4 Chefe do Setor de Virologia do LIKA - UFPE. 5 Biomédica, Farmacêutica e Mestre em Medicina Tropical da UFPE. 6 Biomédico e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical da UFPE. 7 Professor Adjunto, Doutor; Departamento de Medicina Clínica do Centro de Ciências da Saúde da UFPE. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 23 23 13/08/09, 12:34:edson O vírus da imunodeficiência humana (HIV) compartilha com o HCV as mesmas vias de transmissão, principalmente a parenteral, fazendo com que a co-infecção HIV/HCV ocorra de forma relativamente freqüente 5, 6 . Admite-se que o HIV acometa cerca de 40 milhões de pessoas no mundo e estima-se que no Brasil 0,25 a 1,16% dos indivíduos estejam infectados pelo HIV 7,8 . Nos Estados Unidos e na Europa a ocorrência da co-infecção HIV/HCV alcança cifras em torno de 35%9. No Brasil, os levantamentos sobre a coinfecção HIV/HCV revelam taxas que variam de 4,1% em Recife (PE)10, até 53,8% em Campinas (SP)11. Vale salientar, entretanto, que estas variações refletem características peculiares às regiões em relação às vias de transmissão dos dois vírus, sendo mais alta a taxa de co-infecção HIV/HCV nos locais onde ambos são transmitidos por via hematogênica. Ressalta-se que a co-infecção HIV/HCV pode levar a uma pior progressão tanto da fibrose hepática quanto dos eventos relacionados à AIDS. Alguns estudos mostram que o HCV pode ser um co-fator para a evolução da infecção ao se proliferarem no tecido hepático, podendo facilitar a replicação do HIV, especialmente, em pacientes com altos títulos de HCV4,6,7,. Contudo, após o uso da HAART, tem-se observado retardo das complicações decorrentes da imunodeficiência provocada pelo HIV e aumento das complicações da doença hepática desencadeada pelo HCV 12, 13,14. OBJETIVO Considerando a importância da do tema e pela escassez de dados no Estado de Alagoas, este estudo teve como objetivo avaliar a ocorrência e os fatores de risco da co-infecção pelo HCV em pacientes com portadores do HIV. MÉTODO Dos 580 pacientes com HIV/AIDS, acompanhados no Hospital Escola Dr. Hélvio Auto (HEHA), período de maio a novembro de 2005, foram incluídos 299, considerando o cálculo do tamanho da amostra baseado na prevalência da coinfecção HIV/HCV de 4,1%, em Recife (PE) 10. Os pacientes eram atendidos consecutivamente e aqueles que concordavam em participar da pesquisa, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para cada indivíduo foi aplicado questionário padronizado, contendo perguntas relativas a variáveis demográficas, sócio-econômicas e fatores de risco para as infecções pelo HCV e HIV. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 24 miolo_DEF.pmd As variáveis analisadas foram: sóciodemográficas (sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade, local de moradia), comportamento sexual (hetero ou homossexual, número de parceiros sexuais ao longo da vida (1, 2 ou mais), uso de preservativo (sim ou não), uso de drogas ilícitas (uso atual ou passado de drogas venosas ou de drogas inalatórias, como maconha ou cocaína), hemotransfusão, intervenção cirúrgica, u s o d e t a t u a g e n /p i e rc i n g , a n t e c e d e n t e d e hepatite/icterícia, antecedente de doenças sexualmente transmissíveis. O ambulatório do HEHA é referência em doenças infecciosas e parasitárias para todo o SUS/Alagoas e atende os indivíduos infectados, provenientes da capital e dos 102 municípios alagoanos. As consultas são previamente marcadas e realizadas diariamente por uma equipe multiprofissional constituída por enfermeiros, assistentes sociais, psicólogas e médicos infectologistas. As amostras de sangue foram coletadas e conservadas a -20o C e a -70o C até a realização dos testes. O anti-HCV foi pesquisado por ensaio imuno-enzimatico (ELISA) através de “kits” comerciais de terceira geração, seguindo-se as instruções do fabricante (Wiener Lab®). As amostras positivas para o anti-HCV, congeladas a -70 o C, foram encaminhadas para o Setor de Biologia Molecular do Laboratório Central de Alagoas (LACEN-AL) para a pesquisa do HCVRNA através da RT-PCR. A análise estatística permitiu estimar a prevalência da co-infecção HIV/HCV na população estudada e a associação entre a co-infecção e outras variáveis. A análise univariada foi realizada através do testes do qui-quadrado, do intervalo de confiança de 95% e cáluculo do odds ratio (OR). Posteriormente, a regressão logística múltipla permitiu ajustar cada variável pelas demais. Inicialmente o modelo foi saturado com a inclusão de todas as variáveis que havia apresentado associação estatisticamente significante com o desfecho após a análise univariada. Em seguida, testou-se a significância estatística da retirada de cada uma delas utilizando como ponto de corte o p > 0.10. Os programas utilizados para obtenção dos cálculos estatísticos foram SAS (Statistical Analysis System), versão 2.12, e o programa EPI-INFO 6.0 E SPSS PC, versão 8.0. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Universitária de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL (protocolo No 361), em maio de 2005. 24 13/08/09, 12:34:edson RESULTADOS A Tabela 1 mostra as características sóciodemográficas e sócio-econômicas da casuística, com predomínio de pacientes do sexo masculino (65,6%), com idade menor que 40 anos (62,5%), solteiros (49,2%), alfabetizados (77,6%) e residentes na capital de Alagoas (62,2%). Dos 299 pacientes portadores do HIV/AIDS, dez (3,3%) apresentaram o anti-HCV positivo, sendo que em sete (2,3%) deles também foi detectado o HCV-RNA. Considerando os 299 pacientes analisados, 51 (17,1%) apresentaram tatuagem/piercing, e 41 (13,7%) referiam antecedente de hepatite/icterícia. Entre aqueles 51 que apresentavam tatuagem/piercing, 9,8% destes eram anti-HCV positivo e entre os 248 que não apresentavam tatuagem/piercing apenas 2% tiveram a sorologia positiva (p = 0,015). Já entre os 41 que citaram o antecedente de hepatite/icterícia, 12,2% destes possuíam sorologia positiva, enquanto que entre os 258 que não citaram tal antecedente, somente 1,9% apresentava anti-HCV positivo (p = 0,005), conforme se observa na Tabela 2. Após a regressão logística múltipla, de todos os fatores de risco avaliados, que estão descritos na Tabela 2, apenas o antecedente de hepatite/icterícia (p= 0,004; OR= 7,145 e IC95%= 1,889 – 26,878) e o uso de tatuagem/piercing (p= 0,013; OR= 5,379 e IC95%= 1,431 – 20,214) continuaram apresentando significância estatística. Tabela I - Características sócio-demográficas de 299 pacientes infectados pelo HIV, atendidos no Hospital Escola Dr. Hélvio Auto, entre maio e novembro de 2005, e a positividade do anticorpo contra o vírus da hepatite C (anti-HCV). Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 25 25 13/08/09, 12:34:edson Tabela II – Fatores de risco de 299 pacientes infectados pelo HIV, atendidos no Hospital Escola Dr. Hélvio Auto, entre maio e novembro de 2005, e a positividade do anticorpo contra o vírus da hepatite C (anti-HCV). *N=58 DISCUSSÃO A taxa de 3,3% de co-infecção HIV/HCV encontrada em Maceió-AL foi próxima de 4,7% descrita em Recife-PE10. Estes percentuais podem ser considerados baixos, quando comparados às prevalências encontradas em outras regiões do país, como, por exemplo, 17,5% em Vitória (ES)15, 21,8% na Baixada Santista (SP)16, 36,2% em Santos (SP)17; Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 26 miolo_DEF.pmd 38,2% em Porto Alegre (RS)18 e 53,8% em Campinas (SP) 19 . Tais diferenças podem ser atribuídas às distintas formas de transmissão do HIV/HCV nas diferentes regiões do país. Altas taxas de co-infecção HIV/HCV sugerem que a transmissão dos vírus ocorre principalmente por via parenteral. Porém, no Nordeste 19, poucos pacientes adquirem o HIV 26 13/08/09, 12:34:edson através do uso de drogas injetáveis, diferente das regiões Sudeste e Sul. Portanto, a baixa ocorrência da co-infecção aqui encontrada reflete o padrão de transmissão do HIV, através da via sexual, o que diminui o risco de aquisição do HCV. Com efeito, analisando os fatores de risco para a co-infecção HIV/HCV no presente estudo, verifica-se que os antecedentes de uso de drogas injetáveis ou de transfusão sangüínea, não se mostraram estatisticamente significantes, apesar do consumo de drogas intravenosas ter sido identificado em níveis próximos aos da significância (p = 0,073). Entre os 10 pacientes co-infectados, dois (20%) referiam o uso de drogas intravenosas e três (30%) relatavam antecedentes de transfusão. Admite-se que possivelmente um maior número de pacientes poderia proporcionar dados mais expressivos em relação à transmissão parenteral. Outra limitação deste estudo diz respeito à pesquisa do HCV-RNA. Supõe-se que, se o HCVRNA tivesse sido pesquisado em todos os pacientes e não apenas nos casos com anti-HCV positivo, talvez maior número de co-infecção tivesse sido encontrado, na medida em que todos eram infectados pelo HIV e deveriam apresentar algum grau de imunodeficiência. Na Índia, contudo, pesquisandose os pacientes com HIV/AIDS e anti-HCV negativo, encontrou-se o HCV-RNA em apenas 0,6% dos casos23. Na Baixada Santista (SP), um estudo envolvendo pacientes co-infectados HIV/HCV revelou que 10% eram usuários de drogas ilícitas17. Já em Salvador, foram avaliados 65 pacientes coinfectados HIV/HCV e 68,3% deles referiam o consumo de drogas injetáveis 2. Da mesma forma, em Porto Alegre, 75,3% dos pacientes coinfectados HIV/HCV tinham como principal via de contaminação o uso de drogas por via venosa18. As variáveis comportamento homo/bissexual e o contato sexual com mais de dois parceiros, foram observadas nos pacientes com HIV/AIDS em 88,3% e 98,3% respectivamente. Contudo, após a análise univariada e a regressão logística não se observou significância estatística em relação à co-infecção pelo HCV. A análise multivariada apontou como fator de risco significativo para co-infecção HIV/HCV o uso de tatuagem/piercing e o antecedente de hepatite/icterícia. Foi observado que metade (50%) dos 10 pacientes anti-HCV positivo apresentavam antecedente de hepatite/icterícia. Nossos resultados corroboram dados de outros estudos que apontam o uso de tatuagem/piercing como principal fator de risco para co-infecção HIV/HCV9,10,17,18. CONCLUSÃO Os resultados desta pesquisa revelam baixa ocorrência da co-infecção pelo HCV em pacientes com HIV/AIDS, o que pode ser decorrente da pouca exposição parenteral, deste grupo de indivíduos, em Maceió, AL. Todavia, os principais fatores de risco relacionados à co-infecção HIV/HCV foram antecedentes de hepatite/icterícia e a presença de tatuagem/piercing. SUMMARY OCCURRENCE AND RISK FACTORS FOR COINFECTION OF HEPATITIS C VIRUS (HCV) IN PATIENTS WITH HUMAN IMMUNODEFICIENCY VIRUS (HIV) IN MACEIÓ, BRAZIL Erlon Oliveira dos SANTOS , Maria Rosângela Cunha Duarte COÊLHO, Tatiana de Aguiar Santos VILELLA , Jéfferson Luis de Almeida SILVA e Edmundo Pessoa de Almeida Lopes NETO Objective: the objective of the present study was to determine the prevalence and risk factors of the hepatitis C virus (HCV) in carriers of the human immunodeficiency virus (HIV). Methods: tests were carried out on 299 blood samples from HIV patients attending the University Hospital of Maceió in the state of Alagoas, from May to November, 2005. The enzyme linked immunosorbent assay (ELISA) of Wiener Lab® kit (Rosário-Argentina) was used to detect anti-HCV and polymerase chain reaction (RTPCR) so as to study the HCV-RNA. A questionnaire was created specifically for this study in order to analyze the risk factors. Results1: analysis of the 299 samples revealed that 10 (3.3%) samples were positive for anti-HCV and 7 (2.3%) presented HCV-RNA. The risk factors associated to HCV/HIV coinfection indicated a history of hepatitis/jaundice and tattooing/piercing. Conclusion: the low prevalence of HCV/HIV coinfection encountered during this investigation is probably due to a low incidence of Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 27 27 13/08/09, 12:34:edson parenteral exposure, mainly those of blood transfusions and the use of injected drugs in HIV infected patients in Maceió. Key-words: Hepatitis C; HIV; AIDS; Risk factors. REFERÊNCIAS 1. Theodore SY, Jamal, MM. Epidemiology of hepatitis C vírus (HCV) infection. Inst J Med Sci 2006; 3 (2): 41–46. 2. Braga EL, Lyra AC, Ney F, Shah K, Neto M, Silva A, et al. Clinical and epidemiological features of patients with chronic hepatitis C co-infected with HIV. Braz J Infect Dis 2006;10 (1):17-21. 3. Focaccia R, Conceição, O.; Sette. H.et al. Estimated prevalence of viral hepatitis in the general population of São Paulo, measured by a serologic survey of a stratified, randomized and residence-based population. Braz J Infect Dis 1998; 2 (6) : 269-284. 4. Alter MJ. Epidemiology of viral hepatitis and HIV co-infection. J Hepatol 2006; 44 (1 Suppl): S6-S9. 5. Liberto, MIM, Pereira, BCE; Cabral, MC. Hepatites virais. In: Santos, NS; Romanos, MTV; Wigg, MD. Introdução à Virologia Humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. 6. Vallet-Pichard, A; Stanislas, POL. Natural history and predictors of severity of chronic hepatitis C virus (HCV) and human immunodeficiency virus (HIV) co-infection. J Hepatol. 2006; 44: S28-S34. 7. Amaral, ISA; Almeida, ML, Alves, Móia, LJMP, Conde, SRSS. Epidemiologia de pacientes co-infectados HIV/HCV atendidos na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Rev. Para. Méd. 2007;V.21 (1) : 15-20 . 8. De Souza NC, Botelho CA, Honer MR. Retrospective study of a pioneer antenatal screening program with 8,477 pregnant women in Brazil. Clin Exp Obstet Gynecol 2004; 1(3):217-220. 9. Murphy MJ, Wilcox RD. Management of coinfected patient: Human immunodeficiency virus/hepatitis B and human immunodeficiency virus/hepatitis C. Am J Med 2004; 328(1): 26-36. 10. Carvalho FHP, Silva ANMR, MELO HRL, COÊLHO MRC. Prevalência do anti-HCV em pacientes soropositivos para o HIV. Rev. Para. Méd. (2006); V.20 (3):11-13. 11. Pavan MH, Aoki FH, Monteiro DT, Gonçales NS, Escanhoela CA, Gonçales Junior FL. Viral hepatitis in patients infected with Human Immunodeficiency Virus. Braz J Infect Dis 2003; 7(4): 253-261. 12. Marchesini, AM; Prá-Baldi, ZP; Mesquita, F; Bueno, R; Buchalla, CM. Hepatites B e C em usuários de drogas injetáveis vivendo com HIV em são Paulo, Brasil. Rev. de Saúde Pública 2007; Vol.41 (suppl 2). 13. Pineda JA, García Garcia JA, Aguilar-Guisado M, Ríos-Villegas MJ, Ruiz Morales J, Rivero A et al. .Clinical progression of hepatitis C virus-related chronic liver disease in human immunodeficiency virus-infected patients undergoing highly active antiretroviral therapy. Hepatology 2007; 46 (3): 611-614. 14. Puoti M, Bruno R, Maiocchi L, Patruno S, Carosi G, Filice G. Natural history of compensated viral cirrhosis in a cohort of patients with HIV infection. J Acquir Immune Defic Syndr 2007; 46 (3): 297-303. 15. Motta TQR, Tose S, Boni M, Gonçalves FL, Costa ML, Pereira FEL. Prevalência e fatores de risco para a infecção com o vírus da hepatite C em pacientes infectados com o HIV em Vitória, Espírito Santo. Rev Soc Bras Med Trop 2004; 37 (Suppl.1):069. 16. Caseiro MM, Braz IAN, Costa SOP, Ebner W . Prevalência de marcador para vírus da hepatite C (anti-HCV) em pacientes infectados pelo HIV-1 em 6 municípios da Baixada Santista, São Paulo. Rev Soc Bra Med Trop 2004; 37 (Suppl 1): 112. 17. Segurado AC, Braga P, Etzel A, Cardoso MR. Hepatitis C virus coinfection in a cohort of HIV-infected individuals from Santos, Brazil: seroprevalence and associated factors. AIDS Patient Care STDS; 2004, 18(3): 135-143. 18. Tovo CV, Santos DE, Mattos AZ, Almeida PRL, Mattos AA, Santos BR. Prevalência ambulatorial em um Hospital Geral de marcadores para hepatites B e C em pacientes com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. Arq Gastroenterol 2006; 43: 73-76. 19. Szwarcwald CL, Bastos FI, Esteves MA, Andrade CLT. A disseminação da epidemia da AIDS no Brasil, no período de 1987-1996: Uma análise espacial. Cad. Saúde Pública 2000; 16 (Suppl 1): 7-19. 20. Notaroberto S. Estudo epidemiológico coorte-transversal de portadores de infecção pelo vírus da hepatite C: uma análise de 700 casos. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004. 21. Haley, RW & Fischer, RP. Commercial tattooing as a potentially important source of hepatitis C infection. Clinical epidemiology of 626 consecutive patients unaware of their hepatitis C serologic status. Medicine (Baltimore) 2001; 80 (2): 134-151. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 28 miolo_DEF.pmd 28 13/08/09, 12:34:edson 22. Sampaio, AS. Marcadores sorológicos para os vírus da hepatite B e C em pacientes HIV-positivos atendidos no Hospital Universitário Oswaldo Cruz. [Dissertação de Mestrado]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2005. 23. Saravanan S, Velu V, Kumarasamy N, Nandakumar S, Murugavel KG, Balakrishnan P et al. Coinfection of hepatitis B and C virus in HIV-infected patients in south India. World J Gastroenterol. 2007; 13 (37): 5015-5020. Endereço para correspondência Maria Rosângela Cunha Duarte Coêlho Rua Manoel Lubambo, 118 Afogados, Recife – PE. CEP: 50850-040 Telefones: (81) 21268527, (81) 321262586 E-mail: [email protected] Recebido em 26.07.2008-Aprovado em 28.01.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 29 29 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 30 miolo_DEF.pmd 30 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL FATORES PROGNÓSTICOS DE LETALIDADE NAS MENINGITES BACTERIANAS EM CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS¹ PROGNOSTIC FACTORS OF LETHALITY IN THE BACTERIAL MENINGITIS IN CHILDREN UNDER TWO YEARS OF AGE Ana Cláudia Alves DAMASCENO² e Calil Kairalla FARHAT³ RESUMO Objetivo: analisar a taxa de letalidade e os fatores prognósticos, observados em até 24 horas da admissão hospitalar, relacionados ao óbito nas meningites bacterianas (MB), em crianças menores de dois anos. Método: estudo descritivo analítico, de série consecutiva de 437 casos de meningite bacteriana em crianças de um até vinte e quatro meses de idade - excluído o período neonatal, internados em hospital universitário de referência, localizado na Amazônia Oriental, Brasil. Vinte e dois prováveis fatores prognósticos de letalidade foram avaliados, inicialmente, através da análise univariada, seguida da análise multivariada – regressão logística múltipla método de “stepwise” com IC=95%. Foram utilizados programas de computação Microsoft Excel 2000 e SPSS 8.0. Resultados: a taxa de letalidade global no período foi de 14,6% e o agente etiológico que, individualmente, apresentou maior taxa de letalidade foi o Streptococcus pneumoniae (32,4%). A análise univariada identificou doze fatores, estatisticamente, significantes. A etapa final da regressão logística múltipla evidenciou por ordem decrescente de importância: choque séptico (p< 0,001; HRH”20), convulsão grave (p <0,001; HRH”18) e complicações neurológicas (p< 0,05; ORH”4), como as variáveis de maior poder preditivo. Conclusão: a taxa de letalidade foi de 14,6%; os fatores prognósticos de letalidade para MB em crianças menores de dois anos de maior poder preditivo foram choque séptico, convulsões graves e complicações neurológicas. DESCRITORES: Meningites bacterianas, prognóstico, letalidade, crianças, regressão logística. INTRODUÇÃO As meningites bacterianas (MB) em crianças são doenças graves, muitas vezes fatais, ainda constituem grande problema de saúde pública em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, onde são registradas as maiores taxas de letalidade quando comparadas às taxas de países desenvolvidos onde esses índices são menores.1,2,3,4 A faixa etária menor de dois anos registra as maiores taxas de letalidade superada, apenas, pelo período neonatal.4,5,6,7A maioria dos óbitos ocorrem nas primeiras 48 horas após a admissão hospitalar.5,7 Um considerável número de crianças com MB tem fatores prognósticos de morbidade e letalidade. É muito provável que alguns destes fatores sejam específicos para um determinado subgrupo de pacientes e seu reconhecimento pode ser muito importante para a adoção de medidas preventivas eficazes. 3,8,9,10 Os dados disponíveis justificam uma abordagem racional do paciente nas unidades de urgência, para tratar e identificar que elementos clínicos ou de laboratório se associam com algum tipo de lesão neurológica ou morte.3,10,11,12 1 Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM), para obtenção do Título de Mestre em Medicina / Pediatria – Infectologia Pediátrica. ² Professora Mestre Assistente III de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará. ³ Professor Livre-docente Titular pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo. Infectologista pediátrico. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 31 31 13/08/09, 12:34:edson O tratamento das doenças, em geral, vem se aprimorando muito em virtude de um melhor conhecimento dos fatores de risco que interferem na sua evolução. O desenvolvimento de métodos objetivos para a formulação de prognósticos tem permitido uma organização mais racional, no intuito de se controlar a intervenção de variáveis que determinam os riscos de morbidade e mortalidade em cada caso. 3,11,12 OBJETIVO Analisar a taxa de letalidade e os fatores prognósticos relacionados ao óbito nas MB em crianças menores de dois anos. MÉTODO Estudo descritivo analítico, baseado em registros de prontuários de série consecutiva de 437 casos de meningite bacteriana em crianças, de um até vinte e quatro meses de idade, internadas no Hospital Universitário João de Barros Barreto da Universidade Federal do Pará (HUJBB), localizado em Belém, Amazônia Oriental, Brasil. O HUJBB é referência para tratamento de doenças infectocontagiosas, dentre estas, as MB. Entre 1995 a 2008, o período de 1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2000, foi escolhido em virtude da equipe médica, padrão assistencial, e perfil epidemiológico quanto à etiologia das MBA em crianças (antes do impacto da vacina anti Hib), da referida instituição não ter sofrido variações no decorrer do mesmo. Critérios de inclusão 1) Casos confirmados de MB segundo definição de caso do Ministério da Saúde/ Funasa;3 2) Crianças até dois anos de idade (24 meses completos), excluído o 1º mês de vida, internadas no já mencionado período. Critérios de exclusão 1) Casos notificados inicialmente, como meningite bacteriana e que após evolução e resultados de exames foram compatíveis com outras etiologias; 2) Casos onde não houve possibilidade de obter amostra liquórica e, assim, o diagnóstico de meningite foi clínico e a etiologia bacteriana foi apenas presumida; 3) Casos de transferência onde o desfecho não pôde ser conhecido. 4) Prontuários não encontrados após pelo menos 5 tentativas. 2) Clínicas (observadas desde o início da doença até 24 horas após admissão hospitalar): desnutrição grave (peso < percentil 3 do National Center for Health Statistics, NCHS) 14 ; coma (alterações do nível de consciência); convulsão; convulsão grave (estado de mal epiléptico- EME15); ausência de sinais meníngeos; abaulamento de fontanela anterior; diátese hemorrágica (petéquias, equimoses e sangramentos); choque séptico; complicações neurológicas (edema cerebral, hipertenção intracraniana, síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, abcessos/coleções, ventriculite, herniação); sinais focais (paralisias, paresias, estrabismo); pneumonia. 3) Laboratoriais (relacionadas aos exames laboratoriais obtidos à admissão hospitalar): anemia (ponto de corte <11g/dL de Hemoglobina); hipoglicorraquia < 5g/dL de líquor; hiperproteinorraquia >200mg/dL de líquor; citometria liquórica. 4) Variáveis relacionadas à terapêutica: uso de antimicrobiano prévio ao diagnóstico de meningite; terapêutica inicial com cefalosporina de 3ª geração ou não (outro antimicrobiano). Variável dependente (desfecho): óbito. Estatística Inicialmente análise univariada para todos os possíveis fatores prognósticos, a seguir regressão logística múltipla (RLM), com intervalo de confiança de 95%, método de “stepwise” considerado significante o valor p <0,05. A RLM só inclui os casos sem valores de “missing” (viés de informação). Foram utilizados programas de computação Microsoft Excel 2000 e SPSS 8.0 (Statistical Package for Social Science). Aspectos Éticos Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM), parecer Nº 178/01. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 32 miolo_DEF.pmd Variáveis independentes 1) Epidemiológicas: faixa etária (1mês até 12 meses, > 12 meses até 24 meses); sexo; etiologia; tempo de doença até o início do tratamento (ponto de corte 48 horas). 32 13/08/09, 12:34:edson RESULTADOS Tabela I – Resultado da seleção de casos de MB em crianças menores de dois anos no HUJBB 1995-2000 Tabela II. Variáveis que apresentaram valores de “missing” (viés de informação) da amostra de 437 casos de MB em crianças menores de dois anos no HUJBB 1995-2000. Tabela III. Evolução dos casos de MB em crianças menores de dois anos de acordo com o agente etiológico e respectivas taxas de letalidade relativa, absoluta e taxa de letalidade global no HUJBB 1995-2000. Legenda:* Taxa de letalidade relativa por agente, ** taxa de letalidade global no período Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 33 Legenda:* Taxa de letalidade relativa por agente, ** taxa de letalidade global no período miolo_DEF.pmd 33 13/08/09, 12:34:edson Tabela IV. Fatores prognósticos de letalidade nas MB em crianças menores de dois anos no HUJBB 1995-2000. Resultado da análise univariada. Continua Continuação Tabela IV. Fatores prognósticos de letalidade nas MB em crianças menores de dois anos no HUJBB 1995-2000. Resultado da análise univariada. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 34 miolo_DEF.pmd 34 13/08/09, 12:34:edson Legenda: * significante, ** muito significante, N= número Tabela V. Fatores prognósticos de letalidade nas MB em crianças menores de dois anos no HUJBB 1995-2000. Resultado da etapa inicial da regressão logística múltipla. Obs: 423 casos válidos incluídos; demais casos excluídos devido a valores com “missing”. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 35 35 13/08/09, 12:34:edson Tabela VI. Fatores prognósticos de letalidade nas MB em crianças menores de dois anos no HUJBB 1995-2000. Resultado final da regressão logística múltipla método “Forwald stepwise” ** < 0,0000 * = 0,0021 Grau de liberdade (df) = 1 DISCUSSÃO Existem miríades de estudos publicados sobre MB, porém não muitos sobre fatores prognósticos, raros sobre fatores prognósticos exclusivamente de letalidade (a maioria sobre morbiletalidade). Poucos estudos têm sido publicados, especialmente, da população pediátrica. Muitos são estudos de um agente etiológico específico; séries que incluem, indiscriminadamente, adultos e crianças; natureza retrospectiva; a grande maioria estudos descritivos ou com a avaliação estatística exclusivamente pela análise univariada; permitindo assim viés de seleção, de informação e confundimento respectivamente. A taxa de letalidade global no período de 14,6% detectada neste estudo, a pesar de ainda alta, considerou-se satisfatória, pois mesmo sendo realizado em faixa etária onde se detectam uma das maiores taxas e a natureza da pesquisa ser retrospectiva, está abaixo da média das taxas nacionais (algo em torno de 20%) 13 e de outros países em desenvolvimento;16 em países africanos podem chegar a 50%.17,18 Atualmente nos EUA as taxas estão entre 2 a 5%. As taxas de letalidade em MB, geralmente, são maiores nos estudos retrospectivos e em países em desenvolvimento¹. As diferentes realidades justificam os estudos prognósticos de letalidade, principalmente, nos locais onde ainda há necessidade de redução destas taxas. Esses estudos possibilitariam nas primeiras horas da admissão hospitalar, a identificação dos fatores que estariam mais relacionados a um pior prognóstico, no sentido de reconhecimento e tratamento precoces; priorizando os recursos para os pacientes de maior risco3,4,8. Quanto à etiologia, o Hib foi o agente etiológico mais identificado, responsável pelo maior número absoluto de óbitos, lembra-se que somente a partir de 1999 a vacina anti-Hib foi introduzida no Pará.19 Este agente foi um flagelo nos locais do mundo antes da implantação da vacina.20 O pneumococo apresentou a maior taxa de letalidade quando avaliado individualmente. As MB devidas ao Streptococcus pneumoniae, sem dúvida, têm se revelado as mais graves e as de maior letalidade no mundo inteiro até os dias atuais.1,21,22,23 Neste estudo a análise univariada, identificou doze fatores prognósticos, estatisticamente significantes: etiologia identificada (destaque para o pneumococo); coma; convulsão; convulsão grave (EME); sinais focais (paresias, paralisias, estrabismo); complicações neurológicas (principalmente edema cerebral e hipertensão intracraniana associada à secreção inapropriada de hormônio anti—diurético); diátese hemorrágica (esta, relacionada sobretudo, à etiologia meningocóccica); choque séptico; pneumonia; hipoglicorraquia <5mg/ dL; hiperproteinorraquia > 200mg/dL; que coincidem com achados de outros estudos em diferentes populações. Cada estudo avaliando somente algumas destas variáveis.18,24,,25,26,27,28,29 Ressalta-se que este tipo de análise permite o viés de confundimento, que é parcialmente neutralizado pela regressão logística. Portanto, idealmente, deve-se comparar os achados deste estudo com pesquisas que avaliaram faixa etária semelhante, através da regressão logística múltipla para estabelecimento de variáveis preditoras independentes de óbito. CONCLUSÃO A taxa de letalidade intra-hospitalar, no referido período, na amostra estudada foi de 14,6%. Os fatores prognósticos de maior poder preditivo quanto à letalidade, que individualmente mantiveram sua relevância à etapa final da RLM, por ordem decrescente de importância, foram: choque séptico (HR=19,60 IC 8,25-46,58), convulsão grave (HR=17,94, IC=7,33-43,91) e as complicações neurológicas (HR=3,98, IC=1,65-9,59). Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 36 miolo_DEF.pmd Qui-quadrado= 10,1 36 13/08/09, 12:34:edson SUMMARY PROGNOSTIC FACTORS OF LETHALITY IN THE BACTERIAL MENINGITIS IN CHILDREN UNDER TWO YEARS OF AGE Ana Cláudia Alves DAMASCENO and Calil Kairalla FARHAT Purpose: to evaluate rate of lethality and prognostic factors of death in the bacterial meningitis in children under two years of age. Methods: study of analysis, from January 1995 to December 2000, 437 consecutive cases of confirmed diagnosis of bacterial meningitis at University Hospital João de Barros Barreto from Brazil - Amazonian Oriental, using computer program SPSS 8.0 for Windows, initially the variables epidemiological, laboratorial and clinical were evaluated by univariate analysis and after through multivariate analysis – logistic regression (stepwise) CI=95%. Results: rate of lethality from 14,6%; based on univariate analysis 12 variables were associated with the adverse outcome: etiology identificated (the pneumococcal presented poor rate of lethality - 32,4%), several malnutrish, coma, seizures, several seizures, focal signals, neurological complications, hemorragical diatesis, septical shock, pneumoniae, cerebrospinal fluid glucose level (<5mg/dL),cerebrospinal fluid protein level (> 200mg/ dL), initial antibiotic; to initial logistic regression (423 valid cases, excluded cases with missing valor) – several seizures, neurological complications, septic shock, cerebrospinal fluid protein level (>200mg/ dL), initial antibiotic (protection factor). Only three factors were independently associated with inhospital mortality. Conclusions: rate of lethality global from 14,6%; the factors of higher predictive power in lower order: shock (hazard ratio=19,60%, confidence interval 8.25-46.58), severe seizures (hazard ratio=17,95%, confidence interval 7.33-43.91) and neurological complications (hazard ratio=3,98%, confidence interval 1.65-9.59). Key words: bacterial meningitis, prognostic, children, logistic regression. REFERÊNCIAS 1. BARAFF, LJ; LEE, SI; SCHHRIGER, DL. Outcomes of bacterial meningitis in children a meta-analysis. Pediatr Infect Dis J 1993; 12:389-94 2. SAEZ-LLORENS, X; MCCRACKEN, GH. Bacterial meningitis in children. Lancet; 361(9375): 2139-48, 2003 Jun 21. 3. PEÑA, JA; JIMENEZ, L. Prognóstico de la meningitis bacteriana. Rev Neurol 1999; 29(4):311-5. 4. LUCENA, R; et al. Intra-hospital lethality among infants with pyogenic meningitis. Pediatr Neurol, 32(3):180-3, 2005. 5. THEODORIDOU, MN; VASILOPOULOU, VA; ATSALI, EE; PANGALIS, AM; MOSTROU, GJ; SYRIOPOULOU, VP; HADJICHRISTODOULOU, CS. Meningitis registry of hospitalized cases in children: epidemiological patterns of acute bacterial meningitis throughout a 32-year period. BMC Infect Dis; 7: 101, 2007. 6. FARIA, SM; FARHAT, CK. Meningites bacterianas- diagnóstico e conduta. J pediatr 1999; 75 (Supl.1): 46-56. 7. LUCENA, R; GOMES, I; MELO, A. Análise de sobrevida de meningite piogênica em crianças. Arq Neuropsiquiatr 1998; 56 (1): 88-92. 8. LUCENA, R; GOMES, I; CARDOSO, E; GOES, J; NUNES, L; CARDOSO, A; et al . Aspectos clínicos e laboratoriais de meningite piogênica em lactentes. Arq. Neuro-Psiquiatr. [serial on the Internet]. 2002 June [cited 2008 Dec 23] ; 60(2A): 281-284. 9. CHANG, CJ; et al. Bacterial meningitis in infants: the epidemiology, clinical features, and prognostic factors. Brain and Development 26 (3), 168-175, 2004. 10. SEE, KC; TAY, SK; LOW, PS. Diagnosing and prognosticating acute meningitis in young infants within 24 hours of admission. Ann Acad Med Singapure;30(5):503-9,2001. 11. SKARMETA, M; HERRERA, P. Factores pronósticos en meningitis bacteriana aguda en niños. Estudio caso-control. Rev Med Chil;126(11):1323-9,1998. 12. ZIMMERMAN, JE; WAGNER, DP; DRAPER, EA; WRIGTH, L; ALZOLA, C; KANAUS, WA. Evaluation of acute physiology and chronic health evaluation III predictions of hospital mortality in an independent database. Crit Care Med 1998; 26:1317-26. 13. BRASIL MINISTÉRIO DA SAÚDE/ FUNASA. Meningites em geral. Guia de vigilância epidemiológica [on line]. – [ citado em 21/08/01]. Disponível em URL: http://www.funasa.gov.br/pub/GVE/GVE0520D.htm 14. NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS. NCHS Growth Charts. 1976. Monthly Vital Stat Rep (Suppl) 1976 ; 25: 1-21. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 37 37 13/08/09, 12:34:edson 15. DE LORENZO, RJ; TOWNE, AR; PELLOCK, JM. Status epilepticus in children, adults, and the elderly. Epilepsia 1992; 33:15-25. 16. FRANCO-PAREDES, C; LAMMOGLIA, L; HERNANDEZ, I; SANTOS-PRECIADO, JI. Epidemiology and outcomes of bacterial meningitis in Mexican children: 10-year experience (1993-2003). Int J Infect Dis; 12(4): 380-6, 2008 Jul. 17. SIGAUQUE, B; et al. Acute bacterial meningitis among children, in Manhica, a rural area in Southern Mozambique. Acta Trop; 105(1): 21-7, 2008 Jan. 18. WEBER MW; et al. Clinical predictors of bacterial meningitis in infants and young children in The Gambia.Trop Med Int Health; 7(9): 722-31, 2002 Sep. 19. PARÁ Secretaria Especial de estado e Proteção Social/ Secretaria Executiva de Saúde Pública/ Núcleo Estadual de Epidemiologia/ Divisão de Imunização. Cobertura vacinal em menores de um ano, com a vacina contra Haemophilus b (Hib) no Pará – 1999 a setembro de 2001. 4p. [Informes Técnicos]. 20. MAKWANA, N; RIORDAN, FA. Bacterial meningitis: the impact of vaccination. CNS Drugs; 21(5): 355-66, 2007. 21. WASIER, AP; CHEVRET, L; ESSOURI, S; DURAND, P; CHEVRET, S; DEVICTOR D. Pneumococcal meningitis in a pediatric intensive care unit: prognostic factors in a series of 49 children. Pediatr Crit Care Med; 6(5):568-72, 2005 Sep. 22. ØSTERGAARD, C; KONRADSEN, HB; SAMUELSSON, S. Clinical presentation and prognostic factors of Streptococcus pneumoniae meningitis according to the focus of infection. BMC Infectious Diseases 2005, 5:93 doi:10.1186/14712334-5-93 23. CHAO, YN; CHIU, NC; HUANG, FY. Clinical features and prognostic factors in childhood pneumococcal meningitis. J Microbiol Immunol Infect .Volume: 41 Edição: 1 Páginas: 48-53 Data: 2008 Feb 24. LU, CH; CHANG, WN; CHANG, HW. Adult bacterial meningitis in southern Taiwan: epidemiologic trend and prognostic factors. J Neurol Sci 182 (2000), pp. 36–44. 25. OOSTENBRINK, R; MOONS, KG; DERKSEN-LUBSEN, G; GROOBEE, DE; MOLL, HA. Early prediction of neurological sequele or death after bacterial meningitis. Acta Paediatr 91 (4): 391-8, 2002. 26. JOHNSON, AW; ADEDOYIN, OT; ABDUL-KARIM, AA; OLANREWAJU, AW. Childhood pyogenic meningitis: clinical and investigative indicators of etiology and outcome. J Natl Med Assoc; 99(8): 937-47, 2007 Aug. 27. KIRIMI, E; et al. Prognostic factors in children whit purulent meningitis in Turkey. Acta Med. Okayama, 2003; 57(1):3944. 28. KAARESEN, PI; FLAEGSTAD, T. Prognostic factors in childhood bacterial meningitis. Acta Paediatr. 84 (8):873-8, Aug 1995 29. DAVENPORT, MC; DEL VALLE, MP; GALLEGOS, P; KANNEMANN, AL; BOKSER, VS. Meningitis bacteriana: factores de riesgo para el desarrollo de complicaciones agudas/ Bacterial meningitis: risk factors for development of acute complications. Arch Argent Pediatr; 105(5): 405-410, Oct.2007. tab, graf Endereço para correspondência Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará. Setor de Pediatria Praça Camilo Salgado Nº 1, bairro Umarizal. Belém-Pará-Brasil. Tel (91) 32016815; cel (91) 99881744 e-mail da autora: [email protected] Recebido em 20.10.2008-Aprovado em 27.02.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 38 miolo_DEF.pmd 38 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL INFECÇÕES EM PACIENTES COM HIV/ AIDS DE HOSPITAL REFERÊNCIA, EM BELÉM1 INFECTIONS IN PACIENTS WITH HIV/ AIDS FROM A REFERENCE HOSPITAL, IN BELÉM Maria Rita de Cassia Costa MONTEIRO2, Manoela Palmeira da Costa RODRIGUES 3, Mônica Caroline de Nazaré Buainain ROSSY 3, Tatiana Souza PELAES 3, Eriksen Alexandre Costa GONÇALVES ³ e Paulo Romeu de Freitas TURIEL ³ RESUMO Objetivo: investigar a freqüência de infecções oportunistas ou não, presentes nos portadores de infecção pelo HIV/Aids internados no Hospital Universitário João de Barros Barreto HUJBB, Belém – PA, de janeiro a dezembro de 2007, assim como, seus aspectos sócio-demográficos. Método: realizou-se um estudo tipo transversal, a partir dos dados obtidos pela revisão dos respectivos prontuários da Divisão de Arquivo Médico e Estatística do HUJBB. Nesse período foram internados 498 pacientes com diagnóstico de HIV/Aids, dos quais, 260 foram incluídos neste estudo. Resultados: do sexo masculino 68% (177/260) e 32% (83/260) do sexo feminino; 83,8% (218/260) já havia apresentado alguma infecção oportunista ou não, sendo mais prevalentes a candidíase oral (30,3%); tuberculose pulmonar (28,9%); pneumonia bacteriana (20,6%); neurotoxoplasmose (23,8%); candidíase esofagiana (15,59) e tuberculose extra-pulmonar (14,2%). Outras infecções estiveram presentes, como: herpes simples, pneumocistose, herpes zoster, isosporíase, neurocriptococose, criptosporidiose, histoplasmose e sarcoma de Kaposi. A média ponderada do período de internação foi de 14,05 dias. Conclusão: no grupo investigado foram mais freqüentes as infecções consideradas oportunistas. A tuberculose continua sendo um evento expressivo, seja na forma pulmonar, seja na extra-pulmonar, fato para o qual os profissionais de saúde devem estar sempre atentos. Palavras chave: HIV, aids, infecções oportunistas. I NTRODUÇÃO No Brasil, desde o início da década de 1980 até o final de junho de 2007 foram notificados 474.273 casos de aids, dos quais 3,4% (16.103) provenientes da região Norte. O diagnóstico de AIDS está relacionado à presença de infecções consideradas oportunistas que tendem a se manifestar em indivíduos imunossuprimidos, sendo feito com base em critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A freqüência com que elas acometem os indivíduos HIV positivos varia nos diferentes países e regiões, de acordo com a presença de determinados microorganismos no meio ambiente em questão. Diante da situação exposta, pode-se constatar que, apesar dos esforços para conter o avanço da AIDS, a epidemia continua em ascensão nos diferentes continentes e, mesmo com a instituição de novas terapias anti-retrovirais, as infecções oportunistas permanecem como as principais responsáveis pelo elevado número de internações relacionadas à aids. 1 Trabalho realizado no Hospital Universitário João de Barros Barreto/ Universidade Federal do Pará Professora Adjunta da Disciplina de Doenças Tropicais e Infecciosas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará UFPA 3 Graduandos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará UFPA 2 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 39 39 13/08/09, 12:34:edson OBJETIVO Investigar a freqüência de infecções oportunistas ou não, presentes nos portadores de HIV/Aids internados no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), Belém - PA, de janeiro a dezembro de 2007, assim como, seus aspectos sócio-demográficos e tempo de internação. MÈTODO Estudo tipo transversal, dos dados obtidos dos respectivos prontuários da Divisão de Arquivo Médico e Estatística (DAME), do Hospital Universitário João de Barros Barreto HUJBB, Belém, Pará, referência no atendimento de pacientes diagnosticados com doenças infecciosas na região, com destaque para a AIDS. Durante a coleta das informações foi utilizado um protocolo de pesquisa, para anotação das variáveis a serem investigadas: sexo, idade, estado civil, escolaridade, procedência, ocupação, presença de infecções oportunistas e tempo de internação. Os dados foram analisados utilizando o Microsoft Office Excel 2007 para cálculo de resultados. A editoração foi feita utilizando o Microsoft Office Word 2007. TABELA II - Distribuição do estado civil dos pacientes com HIV/Aids internados no HUJBB quanto ao gênero. Belém, PA, janeiro/2007 a dezembro/2007. Fonte: DAME, HUJBB, 2007. TABELA III - Distribuição do nível de escolaridade pacientes com HIV/Aids internados no HUJBB. Belém, PA, janeiro/2007 a dezembro/2007. RESULTADOS TABELA I - Distribuição da faixa etária dos pacientes acometidos com HIV/Aids internados no HUJBB, quanto ao gênero. Belém, PA, janeiro/2007 a dezembro/2007 Fonte: DAME, HUJBB, 2007. TABELA IV - Distribuição da procedência dos pacientes com HIV/Aids internados no HUJBB. Belém, PA, janeiro/ 2007 a dezembro/2007. Fonte: DAME, HUJBB, 2007 Fonte: DAME, HUJBB, 2007. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 40 miolo_DEF.pmd 40 13/08/09, 12:34:edson TABELA V - Distribuição da ocupação dos pacientes com HIV/Aids internados no HUJBB. Belém, PA, janeiro/2007 a dezembro/2007. Fonte: DAME, HUJBB, 2007. TABELA VI – Distribuição do tempo de internação dos pacientes com HIV/Aids internados no HUJBB. Belém, PA, janeiro/2007 a dezembro/2007. Fonte: DAME, HUJBB, 2007. TABELA VII - Distribuição das infecções oportunistas que acometeram os pacientes com HIV/AIDS internados no HUJBB. Belém, PA, janeiro/2007 a dezembro/2007. Fonte: DAME, HUJBB, 2007. DISCUSSÃO No Brasil, a partir de 1996, ano que se introduziu a terapêutica anti-retroviral de alta potência no tratamento dos portadores de aids, a incidência das doenças oportunistas e mesmo da taxa de letalidade entre esses doentes vem diminuindo. 1,2 No inicio da epidemia, nos anos 1980, houve um predomínio marcante de acometimento da população masculina, fato que vem sofrendo transformações no decorrer dos anos. Atualmente, em algumas regiões, a população feminina de algumas faixas etárias tem sido a grande refém da doença. 1,3 O estudo apresentou uma relação de 2,13 homens para cada mulher acometida pelo HIV/Aids. O crescimento heterogêneo da epidemia tornou a transmissão heterossexual responsável por uma significativa parcela das infecções por HIV, onde as mulheres agora somam 36% do total de pessoas soropositivas no Brasil, fazendo com que a proporção nacional de homens/mulheres, em 2007, tenha sido em torno de 1,4.1,3 Com relação ao estado civil, a maioria dos pacientes estudados, 73,7% (191/259), declarou-se solteiro (TABELA II). Na última década está bem descrito o crescimento das taxas de infecção pelo HIV/Aids na população jovem, sejam homens ou mulheres 3,4, fato também observado na presente investigação, em que houve predomínio de doentes na faixa de 20 a 39 anos de idade (TABELA I). Tal achado é compatível com dados publicados pelo Ministério da Saúde, onde os adultos jovens correspondem à grande maioria dos novos casos registrados em 2006 (60,3 para cada 100.00 habitantes).1 O início da atividade sexual ocorrendo em idades mais precoces e a disseminação do uso de drogas ilícitas entre adolescentes são situações que podem estar contribuindo para o aumento da infecção entre esses jovens. Possivelmente, a grande freqüência de indivíduos jovens nesta amostra justifique o encontro de grande percentual de solteiros. De modo geral, indivíduos que não mantém uma relação matrimonial estão mais propensos a ter maior número de parceiros sexuais e, conseqüentemente, mais sujeitos às doenças de transmissão sexual, especialmente quando não utilizam proteção com preservativo. Quando analisado o grau de escolaridade, 70,7% (172/243) da amostra apresentou menos de 7 anos de estudo (ensino fundamental incompleto). Um estudo realizado em Salvador, no ano de 2004, no qual foram avaliadas 82 mulheres com idade média de 32 ± 7,2 anos, 77,8% tinham nível de escolaridade entre o analfabetismo e o primeiro grau Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 41 41 13/08/09, 12:34:edson incompleto. 5 Certamente, a escolaridade não é o único item a definir condição sócio-econômica, entretanto, o número de anos estudados freqüentemente é menor nas classes menos favorecidas. No Brasil, na última década tem sido bem demonstrado o “empobrecimento da epidemia”. 2 É possível que esta conjunção esteja presente no grupo investigado, uma vez que dois terços desta amostra apresentaram menos de sete anos de estudo (ensino fundamental incompleto). O número de donas-de-casa portadoras de infecção pelo HIV/ Aids encontrado durante a análise da variável ocupação, correspondeu a 60,2% (50/ 83), fato este que merece destaque por representar mais da metade do grupo, indicando, assim como em outros estudos, a vulnerabilidade destas mulheres à infecção.1,5 Vários trabalhos evidenciam que muitas dessas mulheres são monogâmicas, demonstrando que, para esse grupo, a “suposta” exclusividade de parceiro sexual não garante segurança contra a aquisição de doenças de transmissão sexual, inclusive o HIV, reforçando a importância do uso de preservativo mesmo neste grupo.1 No Pará, embora de forma ainda não ideal, o acompanhamento e tratamento dos portadores de aids já se faz de forma mais descentralizada, o que possivelmente pode ser demonstrado quando se encontra na amostra analisada predomínio de indivíduos procedentes de Belém e região metropolitana (Ananindeua e Santa Izabel), 66,1% (171/260) (TABELA III). Assim, a pequena proporção de casos oriundos de municípios mais distantes da capital (Belém), pode não significar redução ou ausência da doença nesses locais, mas, sugerir que muitos desses portadores podem estar tendo acesso a serviços públicos de saúde mais próximos de suas residências, evitando, portanto, deslocamentos com custos pessoais e sócioeconômicos excessivos, considerando a grande dimensão territorial do Estado. A AIDS permanece como uma das principais causas de morte entre os indivíduos na faixa etária de 25 a 44 anos, ocorrendo, principalmente, em virtude de complicações de infecções oportunistas associadas. 1,6 Além dos custos sociais, a freqüência de doenças oportunistas também gera onerosos gastos públicos com medicamentos, assistência médica/ hospitalar, assim como um desgaste psicológico bastante nocivo para esses doentes. Mesmo com a utilização dos esquemas antiretrovirais de alta potência há mais de uma década, e o seu fornecimento na rede pública de saúde do Brasil, ainda se encontrou nesta amostra um percentual Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 42 miolo_DEF.pmd expressivo com história atual ou pregressa de doenças oportunistas (TABELA VI), demonstrando que, apesar da disponibilidade do tratamento específico, a doença ainda está atingindo um grau avançado de imunodeficiência, possibilitando, assim, o surgimento desses eventos. A tuberculose pulmonar e extra-pulmonar, candidíase oral e esofagiana, neurotoxoplasmose e pneumonia bacteriana foram as doenças oportunistas mais incidentes neste grupo. Estes dados podem sugerir um retardo no diagnóstico da infecção pelo HIV/Aids, ou mesmo uma aderência não muito adequada ao tratamento específico, possibilitando a emergência dessas doenças. Além do caráter endêmico da tuberculose na região, sua ocorrência maior é facilitada pelo estado de imunossupressão próprio da aids, predispondo à reativação de focos primários. O risco de reativação do Mycobacterium tuberculosis equivale a 0,07 a 0,1 casos para cada 100 indivíduos soronegativos, ao passo que nos soropositivos esses valores variam entre 9,7 a 10,4 casos para cada 100 pacientes. 7 Estima-se que mais de 25% das 39,5 milhões de pessoas com HIV/Aids no mundo apresentem co-infecção com a tuberculose, situação esta que representa uma das causas mais comuns de doença e morte em indivíduos HIV-positivos (11% de todas as mortes por aids) em países pouco ou em desenvolvimento.8 Outra patologia prevalente neste estudo foi a infecção por Candida albicans. Aproximadamente 28,9% dos pacientes apresentaram candidíase oral e 15,6% candidíase esofagiana. Praticamente todos os doentes com HIV/ Aids apresentam infecção por Candida sp em alguma fase da doença. Esta infecção é considerada um dos sinais cardinais da imunodeficiência quando as lesões são extensas e persistentes. 9, 10 Estudos mostram que o sarcoma de Kaposi (SK) é a neoplasia mais diagnosticada no paciente infectado pelo HIV, sendo mais freqüente entre homens que fazem sexo com homens.11,12 Poucos casos da doença foram evidenciados nesta amostra. Convém ressaltar que a investigação da orientação sexual dos participantes ficou inviabilizada, uma vez que esta informação não foi encontrada em mais da metade dos prontuários revisados. O HUJBB, onde foi realizada a investigação, não é referência em oncologia, o que não parece contribuir para a baixa ocorrência da doença, pois, indivíduos suspeitos ou portadores de infecção pelo HIV/Aids que necessitam internação quase sempre são referenciados a esse hospital. Outras questões 42 13/08/09, 12:34:edson devem ser investigadas para explicar a prevalência observada. CONSIDERAÇÕES FINAIS A amostra investigada foi marcada pelo predomínio de indivíduos do sexo masculino, solteiros, assim como, das faixas etárias correspondentes aos adultos jovens. A principal procedência identificada foi do município de Belém, PA, cidade na qual se localiza o hospital donde foi extraída a população de estudo e que é referência no atendimento de portadores do HIV/Aids. As infecções oportunistas mais freqüentes no grupo investigado foram a candidíase oral e esofagiana, a tuberculose pulmonar e extra-pulmonar e a neurotoxoplasmose. Também foi significativa a freqüência de pneumonia bacteriana. A tuberculose continua sendo um evento expressivo entre portadores de HIV/Aids, seja na forma pulmonar ou extra-pulmonar, fato para o qual os profissionais de saúde devem estar sempre atentos quando no atendimento desses indivíduos. O conhecimento das múltiplas características presentes em uma população com um evento definido, como a infecção pelo HIV/Aids, e que demanda um determinado local, no caso o Hospital Universitário João de Barros Barreto, certamente poderá contribuir para adequação dos serviços, inclusive na definição qualitativa e quantitativa de seus recursos materiais e humanos. SUMMARY INFECTIONS IN PACIENTS WITH HIV/ AIDS FROM A REFERENCE HOSPITAL, BELÉM, PARÁ. Maria Rita de Cássia Costa MONTEIRO, Manoela Palmeira da Costa RODRIGUES, Mônica Caroline de Nazaré Buainain ROSSY , Tatiana Souza PELAES , Eriksen Alexandre Costa GONÇALVES e Paulo Romeu de Freitas TURIEL ³ Objective: the aim of this study was to investigate the frequency of opportunist or not oportunist infections in the patients interned with HIV/Aids in the University Hospital João de Barros Barreto, Belém - PA, from january to december of 2007, as well as demographic-partner aspects. Methods: a transversal study based on prontuaries review of handbooks filed in the Hospital’s Division of Medical Archive and Statistic. During the studied period, 498 patients were admitted into the hospital with diagnose of HIV/ Aids, among whom 260 were included in the study. Results: 68% (177/260) were male and 32% (83/260) were female in the studied group; 83,8% (218/260) had already presented some opportunist or not oportunistic infection, being the most frequent ones the oral candidiasis (30,3%), pulmonary tuberculosis (28,9 %), bacterial pneumonia (20,6 %), neurotoxoplasmosis (23,8 %) and extra-pulmonary tuberculosis (19,2 %) Other infections were present as: esofagic cadidiasis, herpes simplex, Pneumocystis carinii pneumonia, herpes zoster, isosporiasis, neurocriptococosis, cryptosporidiosis, histoplasmosis, Kaposi’s sarcoma. The weigthed average found for the period of admission was equal to 14,05 days. Conclusion: in the investigated group the most frequent infections were the opportunists one. Tuberculosis remains as an expressive event, in the pulmonary form, as well as in the extra-pulmonary one, which deserves special attention from health professionals envolved. KEY-WORDS: HIV, aids, opportunistic infection. REFERÊNCIAS 01. BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico AIDS - Ano IV nº 1 - julho a dezembro de 2006/janeiro a junho de 2007. Disponível em: http://www.aids.gov.br/data/documents/stored Documents/%7BB8EF5DAF-23AE-4891-AD361903553A3174%7D/%7B721527B6-FE7A-40DF-91C4098BE8C704E0%7D /Boletim2007_internet090108.pdf. Acesso em: 02 de maio de 2008. 02. MASUR, H., KAPLAN, J.E., HOLMES, K.K. Guidelines for Preventing Opportunistic Infections among HIV-Infected Persons – 2002. Annals of Internal Medicine - Vol 137 - Number 5. September 2002. 03. UNAIDS. Aids Epidemic Update, 2006 United Nation Programme on HIV/aids. Disponível_em: http:// data.unaids.org/pub/EpiReport/2006/02Global_Summary_2006_EpiUpdate_eng.pdf. Acesso em: 15 de setembro de 2007. 04. BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Aids. Ano XIII Nº 01 – Semana Epidemiológica dezembro/ 1999 a junho/ 2000. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/166Boletim_epidem_aids_01_2000.pdf. Acesso em: 03 de dezembro de 2007. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 43 43 13/08/09, 12:34:edson 05. NUNES, C. L. X. et al. Clinical-epidemiological characteristics of a group of HIV/AIDS infected women in SalvadorBahia. Rev. Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 37, n. 6, 2004. 06. PEREIRA, C.C.A.; MACHADO, C.J.; RODRIGUES, R.N. Perfis de causas múltiplas de morte relacionadas ao HIV/ AIDS nos municípios de São Paulo e Santos, Brasil, 2001. Cad. Saúde Pública, 23(3):645-655. Rio de Janeiro, mar, 2007. 07. SONG, A. T. W. et al . Clinical and epidemiological features of AIDS/tuberculosis comorbidity. Rev. Hospital de Clinicas, São Paulo, v. 58, n. 4, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S004187812003000400004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 30 Nov 2007. 08. Tuberculosis Prevention and Care January, 2005. Centers for Disease Control and Prevention. Disponível em: http:/ /www.cdc.gov/nchstp/od/gap/pa_tb.htm#Tools. Acesso em: 09 de setembro de 2007. 09. GOMIDES, M.D.A. et al. Dermatoses em Pacientes com Aids: Estudo de 55 Casos. Uberlândia, MG, Brasil. Rev. Associação Medica Brasileira. Vol.48 No.1 São Paulo Jan./Mar. 2002. 10. FOCACCIA, R.; VERONESI, R. Aids. In: VERONESI, R. Tratado de Infectologia. Vol 1. São Paulo: Atheneu, 1999. 11. PARKER, R.; CAMARGO, K.R. JR.; Poverty and HIV/Aids: anthropological and sociological aspects. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro 2008. Disponível em: http://www.scielosp.org/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2000000700008&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 27 de agosto de 2008. 12. BRASIL. Ministério da Saúde. Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV. 2007/2008. Disponível em: http://www.saude.rio.rj.gov.br/media/dstaids_consenso_adulto_2008.pdf. Acesso em 27 de agosto de 2008. Endereço para correspondência Mônica Caroline de Nazaré Buainain Rossy Av. Serzedelo Correa, 244, apto 1401 66035-400 – Belém, Pará Telefones: (91)3222 7536/ (91)8123 1898 Endereço eletrônico: [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 44 miolo_DEF.pmd 44 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL DIÓXIDO DE ENXOFRE RESIDUAL EM CAMARÕES CONSUMIDOS EM BELÉM, PARÁ1 RESIDUAL SULPHUR DIOXIDE IN SHRIMPS FROM BELEM, PARA Bruna Rafaela dos Reis SILVA2, Glauciane Sales ROCHA2, Margareth Tavares Silva NASCIMENTO1, Luiz Carlos de Souza RODRIGUES3, José Luiz Fernandes VIEIRA2 e Andreza de Lourdes Souza GOMES3. RESUMO Objetivo: quantificar os teores de dióxido de enxofre residual em camarão-rosa, consumidos em Belém, no estado do Pará, a fim de verificar se as concentrações presentes encontram-se dentro dos valores recomendados pela legislação vigente. Método: estudo analítico dos teores de enxofre residual em camarões por titulação iodométrica a frio, após prévia dissolução das amostras em meio ácido. Resultados: a concentração média de dióxido de enxofre residual nas amostras de Farfantepenaeus subtilis com exoesqueleto foi 501 ±104 ppm e sem exoesqueleto de 538± 117 ppm. Não se observou diferença estatística signifcativa (p>0,05) entre os teores médios de dióxido de enxofre resídual em função do exoesqueleto. Conclusão: as amostras analisadas apresentaram teores de dióxido de enxofre residual acima do limite máximo recomendado na legislação, isto é, 100 ppm. Os resultados indicam a possibilidade da exposição humana ao dióxido de enxofre via ingestão de camarão-rosa. DESCRITORES: Farfantepenaeus subtilis, dióxido de enxofre, alergia. INTRODUÇÃO A comercialização do camarão-rosa (Farfantepenaeus subtilis) nos mercados interno e externo é depreciada pela melanose, resultante de reações enzimáticas oxidativas à custa da tirosinase, presente no hepatopâncreas e intestino deste crustáceo, que formam a melanina, responsável pelo escurecimento progressivo das junções e bases dos segmentos, urópodes, télsons e das lesões oriundas dos processos de pesca, transporte e armazenamento 1,2,3 . Dentre os diversos compostos antioxidantes inibidores destas reações, se destacam os sulfitos ou agentes sulfitantes, como o dióxido de enxofre gasoso e os sais de sódio, potássio e cálcio do sulfito de hidrogênio (dissulfito) e do dissulfito (metabissulfito de sódio). Este último, representa a maneira mais simples, econômica e eficiente para conservação dos crustáceos2,3. Entretanto, este composto ao entrar em contato com o oxigênio, libera dióxido de enxofre2, que está associado a reações adversas no homem, cujos sinais e sintomas são caracterizados por: urticária, angioedema, hipotensão arterial, distúrbios gastrintestinais, parestesias, broncoespasmo e choque anafilático4, 5. Neste sentido, foi estabelecido no Brasil, o valor de 0,01 grama de sulfito por 100 gramas de alimento destinado ao consumo humano6,7,8. OBJETIVO Estudo analítico dos teores de dióxido de enxofre residual em amostras de camarão-rosa, comercializadas na cidade de Belém, no estado do Pará, com vistas a avaliar se as concentrações presentes encontram-se dentro dos valores recomendados pela legislação vigente6,7,8. 1 Trabalho realizado nos laboratórios de Química e Toxicologia da Universidade Federal do Pará UFPA Farmacêuticos estagiários do Laboratório de Toxicologia da UFPA 3 Professores adjuntos da Universidade Federal do Pará 4 Bióloga e estagiária do Laboratório de Toxicologia da UFPA 2 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 45 45 13/08/09, 12:34:edson MÉTODO Material Selecionadas 20 amostras resfriadas de camarões-rosa, cada uma contendo 10 exemplares, coletadas dentre aquelas comercializadas na cidade de Belém, no estado do Pará, nos meses de setembro a dezembro de 2007. A seguir, acondicionadas em sacos plásticos, vedadas, identificadas e mantidas a baixa temperatura 9,10 . Posteriormente, foram transportadas para o Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal do Pará, em caixas térmicas de poliestireno expandido, devidamente lacradas. O tempo decorrido entre a coleta e análise das amostras foi de três dias9,10. Procedimentos a) Identificação dos exemplares: os camarões-rosa foram submetidos à classificação pelo Setor de Ictiologia do Departamento de Zoologia do Museu Paraense Emílio Goeldi, na cidade de Belém-PA. b) Preparação das amostras: Os camarõesrosa foram descongelados por cerca de 60 minutos, à temperatura ambiente, separadas de meneira apropriada a cabeça e a cauda e realizadas 02 pesagens diferenciadas, de aproximadamente 50g da mesma amostra, sendo uma com exoesqueleto e outra sem esta estrutura9,10,. Após adição de 100 mL de água desionizada, foram trituradas por 10 minutos em liquidificador industrial, até a formação de uma pasta homogênea que foi filtrada em tecido de algodão. Foram recolhidos 10mL do filtrado e transferidos para Erlenmeyer de 500mL, adicionado-se a seguir 150 mL de água deionizada, 2 mL de amido, 5mL de ácido clorídrico, 5 mL da solução padrão de iodo. 9,10 . O mesmo procedimento realizou-se para a amostra em branco, substituindo-se o filtrado por água desionziada 11,12. c) Determinação de dióxido de enxofre residual em amostras de camarão-rosa: utilizado o método de Ripper, com modificações11,12, que se baseia em uma titulação iodométrica a frio, no qual íons iodeto são adicionados a uma solução contendo agentes oxidantes, que reagirá, produzindo quantidade equivalente de iodo, a ser titulado com solução padronizada de tiossulfato de sódio. O mesmo procedimento foi realizado para a prova em branco 11,12. Análise estatística Empregado o teste T de Student, com auxílio do programa INSTAT® QUADRO I. Teores de dióxido de enxofre residual em amostras de camarão-rosa oriundas da cidade de Belém – Pará, no ano de 2007.] DISCUSSÁO O uso de conservantes e outros aditivos alimentares é uma prática necessária para atender a crescente demanda de alimentos pela população, entretanto o risco e o benefício deverão permear o emprego destes compostos, uma vez que diversos efeitos adversos têm sido associados a estes agentes, quando usados pelo homem02,13. Os dados constantes no Quadro I indicam que os teores médios de dióxido de enxofre residual se encontram acima do limite máximo recomendado para ingestão6,7,8, caracterizando assim, a exposição humana a este composto. Tal achado pode ser creditado a não obediência das precauções referentes ao tempo de imersão do crustáceo na solução conservante ou a preparação inadequada desta, já descritos por Goés (2005), que avaliou a interferência do tempo de imersão e da concentração da solução de metabissulfito de sódio nos teores de dióxido de enxofre residual em camarões14. Não são disponíveis na literatura dados que avaliem a ingestão diária de sulfitos pela população amazônida, particularmente naqueles indivíduos que utilizam com freqüência o camarão-rosa em sua dieta, bem como a redução dos teores deste composto no momento do consumo, uma vez que são esperadas perdas durante o processamento do crustáceo, entretanto alguns estudos demonstraram que mesmo após o processamento, a ingestão diária de dióxido de enxofre pode exceder o limite recomendado 14,15. Estudo realizado por Ogawa et al.(2003) com camarões da espécie Litopenaeus vannamei, cultivados em viveiros no estado do Ceará, também demonstrou teores excessivos deste composto em mais de 50% das amostras analisadas 15 . Dados semelhantes foram obtidos na Espanha por Hardisson et al. (2002), que verificaram que os teores de dióxido de enxofre residual estavam acima do limite de Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 46 miolo_DEF.pmd RESULTADOS 46 13/08/09, 12:34:edson aceitação naquele País em 40% das amostras de camarão analisadas 16. Não foi observada diferença estatística significativa nos teores de dióxido de enxofre residual ao se analisar as amostras com e sem exoesqueleto, indicando que este não interfere na absorção do composto. A ingestão de alimentos contendo sulfitos tem sido associada à broncoespasmo em cerca de 5 a 10% de adultos asmáticos, e tal cifra pode chegar a 35 a 65% em crianças com histórico de quadro clínico de asma severa, particularmente naquelas com deficiência da enzima sulfito oxidase17,18. Por outro lado, 30% deste achado clínico foi descrito em indivíduos não asmáticos19. Neste sentido, a avaliação dos quadros alérgicos associados à ingestão de camarão-rosa, deve considerar a possibilidade da participação do dióxido de enxofre como agente causador. O mecanismo pelo qual os sulfitos e seus derivados provocam broncoespasmo é controverso, e parece ser mediado pelos receptores subepiteliais colinérgicos aferentes e pelas taquicininas presentes nos brônquios17,18,19. CONCLUSÃO Os resultados apresentados neste estudo caracterizam a exposição humana ao dióxido de enxofre residual, bem como reforçam a necessidade da melhoria da fiscalização pelos órgãos regulamentadores e da qualidade da cadeia produtiva do camarão-rosa no Pará, particularmente no que se refere ao procedimento de conservação empregado. SUMMARY RESIDUAL SULPHUR DIOXIDE IN SHRIMPS FROM BELEM, PARA Bruna Rafaela dos Reis SILVA, Glauciane Sales ROCHA, Margareth Tavares Silva NASCIMENTO, Luiz Carlos de Souza RODRIGUES, José Luiz Fernandes VIEIRA, Andreza de Lourdes Souza GOMES . Objective: To determine the residual sulphur dioxide in Farfantepenaeus subtilis samples from BelémPará, and determine if the levels are in agreement with the official recomendations. Method: Analysis by cold iodometric titration after acid dissolution of samples. Results: The mean concentration of residual sulphur dioxide in Farfantepenaeus subtilis samples was 501 ±104 ppm. The samples analyzed presented residual sulphur dioxide above the limit recommended and characterize the human exposure to this compound. KEY WORDS: Farfantepenaeus subtilis, sulphur dioxide, alergic reaction REFERÊNCIAS 01. CINTRA, I.H.A.; OGAWA, N.B.P.; SOUZA, M. R.; DINIZ, F.M.; OGAWA, M. Decomposition of trimethylamine oxide related to the use of sulfites in shrimp. Ciência e Tecnologia de Alimentos 1999, 19(3): 314-317. 02. TAYLOR, S.L.; HIGLEY N.A.; BUSH, R.K. Sulfites in foods: uses, analytical methods, residues,fate, exposure, assessment, metabolism, toxicity, and hypersensitivity. Advances in Food Research 1986, 30:1-76. 03. GÓES, L.M.N.; MENDES, P.P.; MENDES, E.S.; RIBEIRO, C.M.F.; SILVA, R.P.P. Uso do metabissulfito de sódio no controle de microorganismos em camarões marinhos Litopenaeus vannamei (Boone, 1931). Acta Scientiarum Biological Sciene, 2006, 28( 2):153-157. 04. YANG, W. H.; PURCHASE, E.C.R. Adverse reactions to sulfites. Canadian Medical Association Journal 1985, 133(1):865867. 05. FAZIO, T.; WARNER, C. R. A. review of sulphites in foods: analyticalmethodology and reported findings. Food Additives andContaminants 1990, 7(4):433-454. 06. BRASIL, Ministério da Agricultura. Ofício Circular Nº 2.031/76 de 22.09.1976 comunica aprovação de Resolução Nº 14/ 76 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos em 31.05.1976. 07. BRASIL. Portaria nº 540, de 27 de outubro de 1997. Aprova o Regulamento Técnico: Aditivos Alimentares - definições, classificação e emprego. Diário Oficial da União; Brasília, DF, 28 de outubro de1997. 08. BRASIL. Resolução nº 4, de 24 de novembro de 1988. Aprova revisão das Tabelas I, III, IV e V referente a Aditivos Intencionais, bem como os anexos I, II, III e VII, todos do Decreto nº 55.871, de 26 de março de 1965. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 dezembro de 1988. 09. ABCC - Associação Brasileira de Criadores de Camarão. Projeto executivo para apoio político ao desenvolvimento do camarão cultivado. Recife, Janeiro de 2004. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 47 47 13/08/09, 12:34:edson 10. SÃO PAULO. Secretaria de Estado de Saúde. Normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz: métodos químicos e físicos para análise de alimentos. 3. ed. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz, 1985. 11. EMPAF. Controle de qualidade: método de determinação do resíduo de metabissulfito de sódio, Recife, 2003. p.1-2. 12. OUGH, C. S. Determination of sulfur dioxide in grapes and wines. Journal of the Association of Official Analytical Chemists 1986, 69(1):5-7. 13. MIDIO, A. F.; MARTINS, D. I. Toxicologia de alimentos. São Paulo: Varela, 2000. p.146-147 14. GÓES, LMNB. Uso do metabissulfito de sódio na pós-colheita do camarão marinho Litopenaeus vannamei (Boone,1931). Dissertação de mestrado em Recursos Pesqueiros e Aqüicultura – Universidade Federal Rural de Pernambuco, 83f, 2005. 15. OGAWA, N.B.P.; ARAÚJO, I. W. F.; LUCENA, L. H. L.; MAIA, E. L.; OGAWA, M. Teor residual de SO em camarões 2 congelados exportados pelo estado do Ceará. In: Boletim Técnico e Científico/IBAMA, Fortaleza 2003, (1):191-196. 16. HARDISSON, A.; RUBIO, C.; FRÍAS, I.; RODRÍGUEZ, I.; REGUERA, J.I. Content of sulphite in frozen prawns and shrimps.Food Control 2002, 13: 275-279. 17. ANIBARRO, B.; ; CABAL CABALLERO, T.; GARCIA-ARA, C. ; DIAZ-PENA JM ; OJEDA JA ;; DIAZ-PENA , J.M.; OJEDA, J.A.; .Asthma with sulfite intolerance in children: a blocking study with cyanocobalamin. Journal of Allergy and Clinical Immunology 1992, 90(1):103-109. 18. PERONI, D.G.; BONER, A.L. Sulfite sensitivity. Clinical and Experimental Allergy 1995, 25:680-681. 19. VALLY, H.; THOMPSON, P.J. Allergic and asthmatic reactions to alcoholic drinks. Addiction Biology 2003, 8:3-11. Endereço para correspondência: José Luiz Fernandes Vieira Universidade Federal do Pará, Curso de Farmácia, Laboratório de Toxicologia Rua Augusto Corrêa, n0 01 Guamá CEP: 66075-110 Belém-Pará Fone (091)32017733 E-mail: [email protected] Recebido em 11.12.2008- Aprovado em: 05.04.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 48 miolo_DEF.pmd 48 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL ESTUDO DE PACIENTES COM TRAUMA DE COLON EM UM HOSPITAL MUNICIPAL DE EMERGÊNCIA. STUDY OF PACIENTS WITH COLON TRAUMA IN AN EMERGENCY HOSPITAL. Acácio Augusto CENTENO NETO2, Alexandre Augusto Calado NOGUEIRA3, Michel Washington Calabria CARDOSO4, Felipe Soares RIBEIRO4, Daniel Souza da COSTA4 e Leandro Augusto Costa BAHIA4. RESUMO Objetivo: verificar quais as causas mais freqüentes de trauma de cólon no HPSM-MP e os tratamentos cirúrgicos propostos para estes pacientes, servindo de base para estudos de cunho analítico sobre traumas abdominais. Método: transversal analítico de prontuários do arquivo médico do Hospital Pronto Socorro Municipal – Mário Pinotti (HPSM-MP), dos pacientes com trauma de cólon submetidos à laparotomia exploradora, no segundo semestre de 2006. Foram verificados 444 prontuários referentes às laparotomias, dos quais 162 foram decorrentes de trauma abdominal e 21 envolveram o trauma de cólon. Resultados: o trauma de cólon foi observado com maior freqüência em indivíduos adultos jovens do sexo masculino; a principal causa foi ferimento por arma branca (52,5%); dentro da conduta cirúrgica, a sutura primária (57,1%) foi a mais adotada; o cólon transverso foi a porção mais frequentemente lesada, com 57,1% dos casos. Considerações finais: o trauma de cólon é observado com maior freqüência em indivíduos adultos jovens do sexo masculino, sendo a sua principal causa o ferimento por arma branca, uma realidade particular de Belém (PA,) e a conduta mais realizada a sutura primária. DESCRITORES: Traumatismos abdominais, cólon, ferimentos e traumatis INTRODUÇÃO O tratamento de pacientes com ferimentos do cólon, ao longo dos anos, vem sendo aprimorado devido a evolução das técnicas cirúrgicas e da contribuição que as terapias de suporte proporcionaram aos feridos1, 2, 3. Antes da primeira guerra mundial, o tratamento conservador proporcionava alta letalidade, superando 90%. Com o advento da sutura primária, houve redução para 60%. Na segunda guerra mundial, a letalidade diminuiu para 40% com a introdução da colostomia sistemática, proposta por Ogilvie em 1944. Nas guerras da Coréia e Vietnã, 1 2 3 4 com o aprimoramento dos meios de transporte e do acréscimo de meios mais sofisticados de suporte, sangue, hemoderivados, complemento nutricional e antibióticos, as taxas de letalidade passaram a oscilar entre 10 e 15%. De modo geral, nos ferimentos de guerra, a partir da segunda guerra mundial recomendou-se a exteriorização do ferimento ou a colostomia de proteção proximal ao ferimento suturado como medidas preferidas. Porém, os ferimentos civis não são tão graves quanto os produzidos por armas de guerra, pois seus projéteis possuem menor energia cinética e determinam menos lesão tecidual. Nestes casos, a colostomia em geral Trabalho realizado no Hospital de Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti em Bélem do Pará. Cirurgião do Aparelho Digestivo. Cirurgião Geral do HPSM-MP. Graduandos do curso de Medicina da Universidade Federal do Pará. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 49 49 13/08/09, 12:34:edson não é necessária, pois implica em acrescentar procedimento que, ele próprio, é objeto de morbidez1,3,4,5. Ao longo das três últimas décadas houve progressiva tendência a tratar-se dos ferimentos do cólon por sutura primária, existindo estudos prospectivos que asseguram o acerto dessa orientação. Por outro lado, além da orientação geral de praticar a sutura preferencialmente em detrimento da colostomia, há dúvidas sobre ressecções serem oportunas quando há lesões mais extensas ou múltiplas, bem como se os procedimentos ressectivos são mais ou menos seguros nas diversas localizações4, 6,7 . Buscou-se verificar quais as causas mais freqüentes e o tratamento cirúrgico proposto em pacientes atendidos com trauma de cólon no HPSM – MP, servindo de base para outros estudos de cunho analítico em relação aos traumas abdominais. Excel foi utilizado para compilação e tabulação dos resultados. RESULTADOS QUADRO I – Distribuição das laparotomias por trauma por sexo e faixa-etária Fonte: Protocolo de pesquisa QUADRO II – Distribuição do trauma de cólon por causa específica. OBJETIVO Verificar as principais causas de trauma de cólon e os procedimentos cirúrgicos realizados frente aos mesmos no HPSM-MP. MÉTODO Pesquisa aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB) em 16 de março de 2007. Fonte: Protocolo de pesquisa TABELA I – Distribuição dos procedimentos cirúrgicos no trauma de cólon Tipo de estudo Transversal analítico de prontuários do arquivo médico do Hospital Pronto Socorro Municipal – Mário Pinotti. Casuística Pacientes submetidos à laparotomia por trauma de cólon no segundo semestre de 2006 no Hospital Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti (HPSM-MP) em Belém do Pará. Verificados 444 prontuários referentes às laparotomias, dos quais 162 foram decorrentes de trauma abdominal, sendo que 21 envolveram o trauma de cólon. Os traumatismos decorreram por 11 ferimentos por arma branca (FAB), 8 ferimentos por arma de fogo (FAF) e 2 por trauma abdominal fechado. O programa Microsoft Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 50 miolo_DEF.pmd Fonte: Protocolo de pesquisa 50 13/08/09, 12:34:edson Figura 1 – Percentual de acometimento das diversas porções do cólon. Fonte: Protocolo de pesquisa Figura 2 - Complicações mais freqüentes no pósoperatório do trauma de cólon. Fonte: Protocolo de pesquisa Figura 3 – Percentual de órgãos lesados associados ao trauma de cólon. Fonte: Protocolo de pesquisa DISCUSSÃO O percentual de laparotomias realizadas por trauma de cólon aproxima-se do previsto pelo ATLS, em que 15% das laparotomias por FAB envolvem este tipo de lesão. O trauma de cólon foi observado com maior freqüência em indivíduos adultos jovens do sexo masculino (QUADRO I), sendo uma realidade que concorda com dados da literatura. Cerca de 90,3%, dos 432 casos da Santa Casa de São Paulo, numa análise comparativa de duas décadas distintas, envolve a mesma faixa etária e mostra um acometimento superior do sexo masculino 1 . Semelhantemente, no Hospital Geral João Alves Filho – Aracajú – SE, 50% dos casos incluem a terceira década de vida3. A principal causa do trauma de cólon foi o ferimento por arma branca (QUADRO II), sendo uma realidade que diverge da maior parte dos estados brasileiros, em que a principal causa é o ferimento por arma de fogo, como em São Paulo1. Porém, em Aracajú (SE), cerca de 60% dos casos são decorrentes de FAB4. Quanto à conduta cirúrgica mais utilizada, a sutura primária (TABELA I) concorda com dados de instituições de referência. Na Santa Casa de São Paulo, em mais de 80% das vítimas de trauma de cólon, esta é a conduta de preferência 1. No Hospital Geral João Alves Filho, 95% dos pacientes foram submetidos à sutura primária 4. A ressecção e anastomose, segunda conduta mais utilizada no HPSM-MP, concorda também com outros estudos. No Hospital de Caldas de Manizales (Espanha), a ressecção mais anastomose corresponde à tendência atual, já que a realização de colostomia mostra uma incidência considerável de complicações (deiscência, fístulas e infecção de parede) e pior evolução no pósoperatório 2. O cólon transverso foi a porção mais frequentemente lesada (Figura 1), também semelhante a outros estudos. No Hospital Geral João Alves Filho o cólon transverso foi atingido em 30% dos casos4. Nas séries de estudos da Santa Casa de São Paulo, foram mais freqüentes os ferimentos no cólon transverso e sigmóide, sendo que o transverso, por ser mais longo e móvel e projetar-se nas regiões centrais do abdome, foi o mais atingido1. O diafragma como principal órgão associado (Figura 03) discorda de estudos em outros estados brasileiros, que mostram a lesão em delgado como a mais freqüente8. No Hospital Geral João Alves Filho, as lesões em delgado e estômago foram as mais associadas 2. Já na Santa Casa de São Paulo, as lesões em fígado e delgado foram as mais incidentes, sendo as lesões de diafragma vistas em somente 6% dos casos2. De acordo com o ATLS, as lesões do diafragma são vistas em 20% nos casos de FAB, sendo o fígado e o delgado os mais acometidos (40% e 30% respectivamente). Em relação às complicações no pósoperatório (Figura 02), o óbito foi a mais freqüente, estando acima do encontrado na literatura. Na Santa Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 51 51 13/08/09, 12:34:edson Casa de São Paulo o óbito correspondeu a 5% dos casos 2. No Hospital Geral João Alves Filho, não houve melhoras no índice de letalidade devido a graves lesões associadas 1. Atribuem-se a este elevado índice de óbito as graves lesões associadas, como choque hemorrágico, lesões múltiplas e lesão hepática, além de uma menor casuística estudada 4, 6,9. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que o trauma de cólon corresponde a uma casuística importante dos pacientes que são submetidos à laparotomia exploradora no HPSM-MP, principalmente, decorrente de ferimento por arma branca. A conduta adotada pelos diferentes cirurgiões concorda com outros centros e, apesar do alto índice de complicações observado, a técnica cirúrgica não parece estar relacionada às graves lesões associadas. SUMMARY STUDY OF PACIENTS WITH COLON TRAUMA IN AN EMERGENCY HOSPITAL Acácio Augusto CENTENO NETO, Alexandre Augusto Calado NOGUEIRA, Michel Washington Calabria CARDOSO, Felipe Soares RIBEIRO, Daniel Souza da COSTA e Leandro Augusto Costa BAHIA Objective: check which causes of colon trauma occur more frequenlty and which surgical treatments are most done in these patients with colon trauma on HPSM-MP, serving as base for analytical studies about abdominal trauma. Method: transversal, cross-secondary source, with a reference population of the patients who underwent in laparotomy with colon trauma on HPSM-MP in the second semester of 2006. 444 cases of laparotomy were studied, of which 162 were due to abdominal trauma and 21 involved the trauma of the colon. Results: the trauma of the colon was observed more frequently in young adult males, the main cause of firearm injury was white (52.5%) in the surgical practice, the primary suture (57.1%) was the most used and the transverse colon was the most frequently injured portion, with 57.1% of cases. Final considerations: the colon trauma is observed more often in young adult males, being the main cause the white weapon injury, a particularly reality in Belém (PA), and the surgical conduct most use, was primary suture. KEYWORD: Abdominal injuries, colon, trauma and injuries REFERÊNCIAS 1. KLUG, WA, et al. Tratamento cirúrgico de ferimentos do cólon: Análise de 432 pacientes. Rev. Bras. Coloproct. 2003, 23(2). 2. MEZA, LF, MULETT, E, OSORIO, M, DEL RIO, JA. Trauma de cólon: tendência actual del tratamiento/Trauma of the colon: actual treatment. Rev. Colomb. Cir. 2001, 16(1): 21-25. 3. CASTRO, OAP, et al. Quando indicar o tratamento conservador do trauma abdominal fechado?. Rev. Assoc. Med. Bras. 2004, 50(4). 4. NETO, PFB, et al. Trauma Colorretal: Estudo retrospectivo. Rev. Bras Coloproct. 2002, 3 5. SIMÕES, MLPB, et al. Análise das complicações pós-operatórias em colostomias. Acta. Cir. Bras. 2000, 15(3). 6. STALHSCHMIDT, CMM, FORMIGHIERI, B; LUBACHEVSKI, FL. Controle de danos no trauma abdominal e lesões associadas: experiência de cinco anos em um serviço de emergência. Rev. Col. Bras. Cir. 2006, 33(4). 7. SIMÕES, MLPB, et al. Influência do tempo transcorrido entre a lesão do cólon e a síntese no processo de cicatrização. Acta Cir. Bras. 2000, 15(3). 8. CAMPOS, ACL, et al. Prevalência das estruturas atingidas no trauma abdominal. Rev. Med. Paraná. 2002, 60(1). 9. BAHTEN, LCV, et al. Trauma abdominal fechado: análise dos pacientes vítimas de trauma hepático em um Hospital Universitário de Curitiba. Rev. Col. Bras. Cir. 2005, 32(6). Endereço para correspondência Michel W. C. Cardoso Rua Mundurucus, 4752, Bl A, ap. 101 – E-mail: [email protected] Recebido em 23.07.2008-Aprovado em 8.04.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 52 miolo_DEF.pmd 52 13/08/09, 12:34:edson ARTIGO ORIGINAL ESTUDO CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICO DE PACIENTES COM ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO DE UM HOSPITAL PÚBLICO1 CLINIC-EPIDEMIOLOGIC STUDY OF PATIENTS WITH STROKE TREATED AT PUBLIC HOSPITAL Sérgio Alexandre Oliveira MALCHER1 , Carlos Alberto Mendonça MIRANDA2, Diego Cavaleiro de Macedo Lima D´ALBUQUERQUE2, Cláudio Galeno de Miranda SOARES2 e Fernando Otávio Quaresma CAVALCANTE3 RESUMO Objetivos: descrever o perfil clínico-epidemiológico de pacientes com o diagnóstico de AVE admitidos no Hospital Pronto Socorro Municipal “Mario Pinotti” Belém, PA. Método: realizou-se um estudo transversal analítico, por meio de questionário padronizado e consulta de prontuários médicos de 123 pacientes internados entre outubro de 2006 a março de 2007, com diagnóstico de AVE. A significância estatística definiu-se baseada no uso do software Epi Info versão 6.04 d. Resultados: dos 123 pacientes incluídos nos estudo, a maioria apresentou idade entre 70 e 79 anos (26,8%); sexo masculino (56,1%); procedência do município de Belém (45,5%); aposentados (52,0%); possuindo ensino fundamental incompleto (57,7%); renda mensal de um salário mínimo (48,8%); hipertensão arterial sistêmica (87%); diabetes mellitus (23,6%). A seqüela predominante foi a hemiparesia (86,2%), seguida de afasia (46,3%), tontura (43,1%). Conclusão: o perfil da população estudada não difere daquele, usualmente, encontrado na literatura; homens de baixa renda, idade avançada e hipertensos, constitui o maior grupo de risco para ocorrência do AVE. DESCRITORES: Acidente vascular encefálico, hipertensão, Diabetes Mellitus. INTRODUÇÃO O acidente vascular encefálico (AVE) ocupa o segundo lugar no ranking após a doença cardíaca isquêmica, como causa de incapacidade em países desenvolvidos e como causa de morte em todo o mundo. A sua incidência varia entre esses países e aumenta exponencialmente com a idade 1. O AVE pode ser hemorrágico (rotura de uma artéria) ou isquêmico (bloqueio de uma artéria). Cerca de 88% dos casos de AVE são por isquemia, seguido de 10% de hemorrágicos e intraparenquimatosos; 5% hemorrágicos subaracnóideos 2,3 O AVE isquêmico pode se manifestar como déficit neurológico focal e súbito que persiste por mais de 1 hora, estando confinado a uma área do 1 2 3 cérebro perfundida por uma artéria específica, diferente do ataque isquêmico transitório (AIT), definido como breve episódio de déficit neurológico causado por isquemia, com sintomas clínicos durando menos que 1 hora e sem evidência de infarto agudo em exames de imagem 2,4. Os fatores de risco para o AVE podem ser não modificáveis ou modificáveis. Dentre os primeiros fatores destacam-se a idade avançada (a partir dos 50 anos), sexo masculino, raça negra, histórico de AVE ou ataque isquêmico transitório, aumento do átrio direito e hereditariedade. Dentre os modificáveis, destacam-se a inatividade física, hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial, diabetes mellitus, tabagismo, alcoolismo, Trabalho de Conclusão do curso de graduação em Medicina do Instituto de Ciências da Saúde - Universidade Federal do Pará. Graduandos do curso de Medicina da UFPA. Professor adjunto da UFPA. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 53 53 13/08/09, 12:34:edson hiperdislipidemia, obesidade, teor de homocisteína elevada, elevado teor de proteína C reativa, contraceptivos orais e distúrbios hematológicos.2. Os sinais e sintomas que surgem com maior freqüência são hemiparesia, hemiparestesia, déficit sensorial, disartria, afasia e perda de consciência 5. Considerando o grande número de vítimas de AVE em todo o mundo, o sucesso no manejo terapêutico depende fundamentalmente da educação da população no sentido de reconhecer quais são os sintomas típicos que possam indicar ocorrência de AVE e assim, tomarem atitudes que contribuam para o diagnóstico precoce e pronto atendimento nos serviços médico de urgência e emergência. Com o objetivo de identificar as características clínico-epidemiológicas mais freqüentemente entre pacientes admitidos com AVE no Hospital Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, município de Belém, busca-se caracterizar os sinais e sintomas clínicos, bem como, os fatores de risco associados, condições socioeconômicas, freqüência dos tipos de AVE (isquêmico e hemorrágico), e a relação entre a ocorrência de AVE e hipertensão arterial sistêmica. MÉTODO Realizado um estudo transversal analítico, considerando as características clínicas e sóciodemográficas de 123 pacientes vitimas de AVE internados no Hospital Pronto Socorro Municipal Mario Pinottii, período de outubro de 2006 a março de 2007. Utilizou-se protocolo para a coleta de dados, por intermédio de entrevistas com pacientes e familiares e revisão dos prontuários dos pacientes. A análise dos dados foi realizada por meio do programa EPI INFO, versão 6.04d para a análise estatística, e o programa Excel versão 2.0, para a confecção de gráficos e tabelas. A formatação do texto realizou-se a partir do programa Word versão 2.0. A análise bivariada considerou o uso do teste do qui-quadrado e adotou, para a significância estatística os valores de p < 0,05, comparando-se os valores não corrigidos de p com aqueles obtidos pela correção de Yates, considerando-se o Teste de Fisher, quando necessário. Gráfico 1 Distribuição de pacientes com AVE segundo gênero. Tabela I – Distribuição dos pacientes acometidos por AVE* internados no HPSM** Mário Pinotti, segundo condições socioeconômicas. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Fonte: Protocolo de Pesquisa. *AVE: acidente vascular encefálico. **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. ***SM: salário mínimo. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 54 miolo_DEF.pmd RESULTADOS 54 13/08/09, 12:34:edson Tabela II – Distribuição dos pacientes acometidos por AVE* internados no HPSM** Mário Pinotti, segundo fatores de risco. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Tabela III– Distribuição dos pacientes acometidos por AVE* internados no HPSM** Mário Pinotti, segundo sinal/sintoma referido à instalação do AVE. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Fonte: Protocolo de Pesquisa *AVE: acidente vascular encefálico. **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. Tabela IV – Distribuição dos pacientes acometidos por AVE* internados no HPSM** Mário Pinotti, segundo manifestação conjunta de sinais e sintomas desde a instalação do AVE. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Fonte: Protocolo de Pesquisa. *AVE: Acidente Vascular Encefálico. **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. Fonte: Protocolo de Pesquisa. *AVC: Acidente Vascular Cerebral. **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 55 55 13/08/09, 12:34:edson Tabela VI – Pacientes com AVC* internados no HPSM**, segundo associação entre o tipo de AVC* e HAS ***. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Grafico 2 – Distribuição dos pacientes acometidos por AVC* internados no HPSM** Mário Pinotti, segundo tipo de AVC. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Fonte: Protocolo de Pesquisa. *AVC: acidente vascular cerebral. **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. Tabela V – Distribuição dos pacientes acometidos por AVC* internados no HPSM** Mário Pinotti, segundo a localização da lesão isquêmica ou hemorrágica no cérebro. Belém – PA, outubro de 2006 a março de 2007. Fonte: Protocolo de Pesquisa. *AVC: Acidente Vascular Cerebral. **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. DISCUSSÃO A ocorrência de AVE concentrou-se na faixa etária mais elevada (70 a 79 anos), concordando com Gagliardi et al. (2005, p. 589)6 e Silver (2006)2, os quais referem, respectivamente, que o risco de AVE dobra após os 55 anos de idade a cada década e que a idade avançada associada ao sexo masculino é um importante fator de risco para a ocorrência de AVE. A hipertensão alcançou percentual de 85,4% dos que sofreram AVE, concordando com a literatura. Já a raça negra ocupou o segundo lugar em freqüência neste estudo, atingindo 26,0% dos pacientes, enquanto pardos apresentaram-se com freqüência de 58,5%, contrastando com os dados relatados por Goldstein et al. (2006, p. 1589)7 e Silver (2006)2, os quais afirmam terem as pessoas de cor negra uma maior incidência de AVE. Este resultado provavelmente é devido a maior miscigenação racial em nossa região. Entretanto, indivíduos de cor negra apresentaram maior freqüência neste trabalho se comparados aos indivíduos de cor branca (15,4%), concordando com os autores citados. A predominância do tipo isquêmico, com freqüência de 80 (65%), em contraste com o tipo hemorrágico com freqüência de 43 (35%), se encontra de acordo com o referencial teórico adotado. A ocorrência de AVE prévio mostrou uma associação estatisticamente significativa com a variável hipertensão arterial sistêmica, de modo que todos os 35 (32,7%) pacientes que sofreram AVE prévio tinham hipertensão arterial sistêmica, enfatizando a grande importância do tratamento antihipertensivo para a prevenção da recorrência de um AVE. Somente um pequeno número de exames de tomografia computadorizada de crânio não demonstrou evidências de lesão isquêmica ou Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 56 miolo_DEF.pmd Fonte: Protocolo de Pesquisa. x² *AVC: Acidente Vascular Cerebral.. p < 0,05 (0,0433) **HPSM: Hospital do Pronto Socorro Municipal. ***HAS: Hipertensão Arterial Sistêmica. 56 13/08/09, 12:34:edson hemorrágica, (9,8%), provavelmente porque a maioria dos pacientes, 77 (62,6%) exatamente, foi submetida à realização do exame de tomografia computadorizada de crânio em um período maior que 24 horas a partir do início dos sintomas. Por outro lado, houve predomínio, no AVE hemorrágico, dos sintomas hemiparesia e cefaléia intensa e súbita, em 13 (30,23%) pacientes, enquanto, no tipo isquêmico, houve predomínio da hemiparesia, com freqüência de 31 pacientes (x² com p < 0,05 [0,00005]). Também, com uma associação estatisticamente significativa, a queixa vômitos, relatada pelo paciente, predominou (32,56%) entre os pacientes que sofreram AVE do tipo hemorrágico (x² corrigido com p < 0,05 [0,00810609]). A localização mais freqüente do AVE hemorrágico na região parietal (40%), observado em nosso estudo, corresponde ao que é encontrado na literatura (BOGOUSSLAVSKY, 1997, p. 11; COLLINS, 1998, p. 180)8,9. Do mesmo modo, os acidentes vasculares isquêmicos agudos resultam, mais freqüentemente, em lesões parietais uma vez que tais AVE ocorrem com maior freqüência no território de irrigação da artéria cerebral média, a qual distribui ramos que vascularizam a maior parte da face súpero-lateral de cada hemisfério (MACHADO, 1998, p. 92) 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os efeitos cumulativos da idade sobre o sistema cardiovascular e a natureza progressiva dos fatores de risco, durante longo período de tempo, aumentam o risco de AVE. As razões para a maior taxa de mortalidade por AVE recaem sobre os pacientes que apresentam co-morbidades, tais como: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, cardiopatias crônicas, obesidade e tabagismo. SUMMARY CLINIC-EPIDEMIOLOGIC PROFILE OF PATIENTS WITH STROKE TREATED AT PRONTO SOCORRO MUNICIPAL MÁRIO PINOTTI HOSPITAL, BELÉM, PA. Sérgio Alexandre Oliveira MALCHER, Carlos Alberto Mendonça MIRANDA, Diego Cavaleiro de Macedo Lima D´ALBUQUERQUE, Cláudio Galeno de Miranda SOARES e Fernando Otávio Quaresma CAVALCANTE. Objectives: Describe the clinic-epidemiologic profile of patients with stroke treated at the Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti Hospital, Belém, PA. Methods: was made a transversal descriptive study. Were used interviews, following a standardized questionnaire, and a reading of the medical record of 123 patients treated between 2006 October and 2007March, with the diagnostic of stroke. The statistical significance was defined using the Epi Info version 6.04 d. software. Results: from 123 patients included on the study, the majority had an age between 70 and 79 years (26,3%), with origin from Belém (45,0%), retired (52,0%), having incomplete primary education (57,7%), monthly income of a minimum wage (48,8%). Arterial systemic hypertension was identified in 85,4%, Diabetes Mellitus was observed in 23,6%. The major sequel observed in the cases of prior stroke was hemiparesis (57,7%). Conclusion: the profile of this described population doesn’t differ that usually found in the overall literature, men with low income, advanced age and with hypertension made the major group of risk to have a stroke. KEY WORDS: stroke, hypertension, diabetes mellitus. REFERÊNCIAS 1. VAN DER WORP, H. B.; VAN GIJN, J. Acute Ischemic Stroke. The New England Journal of Medicine. v. 357, n. 6, p. 572-579, 2007. 2. SILVER, B. Stroke. Medlink Neurology. EUA, 2006. Disponível em: http://www. Medlink.com/MedlinkContent.asp> Acesso em: 20 fevereiro de 2006. 3. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DOENÇAS CEREBROVASCULARES. Primeiro Consenso Brasileiro Para Trombólise no Acidente Vascular Cerebral Isquêmico Agudo. Arquivos de Neuro-psiquiatria, v.60, n.3-A, set. 2002. 4. TOOLE, J. F. Distúrbios Cerebrais de Origem Vascular. 5.ed. São Paulo: Santos, 2002. p. 60-80. 5. PIRES, S. L.; GAGLIARDI, R.J.; GORZONI, M.L. Estudo das freqüências dos principais fatores de risco para acidente vascular cerebral isquêmico em idosos. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v.62, n.3-b, set. 2004. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 57 57 13/08/09, 12:34:edson 6. GAGLIARDI, J. R. et al. Abordagem da Doença Carotídea na Fase Aguda do Acidente Vascular Cerebral. Arquivos de Neuro-psiquiatria, v.63, n.3-A, p. 710-712, set. 2005. 7. GOLDSTEIN, L. B. et al. Primary Prevention of Ischemic Stroke: A Guideline From the American Heart Association/ American Stroke Association Stroke Council: Cosponsored by the Atherosclerotic Peripheral Vascular Disease Interdisciplinary Working Group; Cardiovascular Nursing Council; Clinical Cardiology Council; Nutrition, Physical Activity, and Metabolism Council; and the Quality of Care and Outcomes Research Interdisciplinary Working Group: The American Academy of Neurology affirms the value of this guideline. Stroke. v. 37; p. 1583-1633, 2006. 8. BOGOUSSLAVSKY, J. Clinical Classification and Manifestations of Stroke. In: GUESRY, P.; HENNERICI, M.; SITZER, G. Nutrition and Stroke. Pennsylvania: Lippincott-Raven, 1997. p. 1-11. 9. COLLINS, R. C. Neurologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p. 173-181. 10. MACHADO, A. B. M. Neuroanatomia Funcional. 2ª ed. São Paulo: Atheneu, 1998. p. 92. Endereço eletrônico [email protected] Recebido em 18.06.2008- Aprovado em 03.04.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 58 miolo_DEF.pmd 58 13/08/09, 12:34:edson ATUALIZAÇÃO/REVISÃO DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITOS E VICISSITUDES PSYCHIATRIC DIAGNOSIS: HISTORICAL EVOLUTION, CONCEPTS AND VICISSITUDES Silvia Maués Santos RODRIGUES1, Airle Miranda de SOUZA2 e Janari da Silva PEDROSO3 RESUMO Objetivo: revisitar a temática do diagnóstico psiquiátrico, suas controvérsias e pressupostos teóricos nas classificações atuais a partir da evolução histórica do conceito. Método: pesquisa da literatura sobre o tema, destacando os principais marcos históricos e conceitos na construção do diagnóstico psiquiátrico que permitam seu entendimento na atualidade. Considerações Finais: o diagnóstico psiquiátrico intimamente ligado ao conceito de doença mental, se encontra em processo evolutivo em busca de uma linguagem comum, que permita melhor comunicação entre os profissionais e pesquisadores no campo da saúde mental. Descritores: diagnóstico psiquiátrico; transtornos mentais; nosologia psiquiátrica; classificação psiquiátrica INTRODUÇÃO A discussão sobre o preconceito social em relação aos transtornos mentais é necessária aos cursos de graduação em Medicina, pois, o modelo médico valoriza a tradição etiológica na busca de ações terapêuticas. Como isso não é possível para a grande maioria das entidades nosológicas de psiquiatria, o principiante na arte da Medicina, muitas vezes, se mostra confuso e resistente a identificar determinadas condições mórbidas relacionadas a elevado grau de sofrimento individual e social, levando pacientes a transitarem por múltiplos segmentos do sistema de saúde em busca de alívio para o seu sofrimento. As publicações sobre o tema têm merecido destaque nas últimas décadas na literatura especializada. Mas, também, a prática do ensino de graduação sugere uma retomada do assunto para destacar algumas peculiaridades do diagnóstico psiquiátrico na atualidade, à guisa de atualização. 1 2 3 A palavra diagnóstikós vem dos termos gregos dia – separar uma parte da outra – e gnosis – conhecimento, percepção. Designa, então, uma forma de ver por meio dos elementos que compõem as unidades subjacentes, permitindo descrever constructos humanos e explicar as alterações observadas na natureza. Construído a partir de sinais e sintomas, sua utilidade se dá não somente pelo reconhecimento de um conjunto de sintomas e indicação de condutas mais adequadas (investigação clínica, tratamentos), mas também por suas implicações legais, pesquisas científicas, hipóteses explicativas e prognóstico do paciente.1 O termo classificação pode ser definido como o procedimento para a construção de grupos ou categorias e designação das entidades (transtornos ou pessoas) para essas categorias, com base em seus atributos compartilhados ou relações. O produto desse procedimento consiste em uma série ordenada de categorias chamada de sistema de classificação. Médica Psiquiatra, Professora Assistente IV de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará Psicóloga, Doutora em Saúde Mental, Professora Adjunto da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará Psicólogo, Doutor em Ciências, Professor Adjunto da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 59 59 13/08/09, 12:34:edson O processo de designação de uma entidade que ainda não foi classificada para a sua categoria apropriada denomina-se identificação. Em situações clínicas, a identificação é referida como diagnóstico.1 O diagnóstico psiquiátrico assim como as classificações nosológicas têm evoluído desde a antiguidade, com avanços e retrocessos até a atualidade. OBJETIVO Revisitar a temática do diagnóstico psiquiátrico, suas controvérsias e pressupostos teóricos nas classificações atuais a partir da evolução histórica do conceito MÉTODO Pesquisa da literatura sobre o tema, destacando os principais marcos históricos e conceitos na construção do diagnóstico psiquiátrico que permitam seu entendimento na atualidade. EVOLUÇÃO HISTÓRICA Até o final do século XVIII, como ramo da Medicina, especialidade médica e disciplina acadêmica, a psiquiatria não estava solidificada; o diagnóstico das enfermidades psiquiátricas se confundia com os diagnósticos em geral, até porque a Medicina não se dividia em especialidades e sua prática era decorrente do diagnóstico médico, cuja história se confunde com a própria história da Medicina.2 O diagnóstico primitivo se baseava no paradigma da sobrenaturalidade; o pensamento mágico e pré-lógico do homem primitivo criava explicações sobrenaturais para tudo, daí a necessidade de ações médicas primitivas, realizadas por xamãs e feiticeiros, baseadas na crença de que eles pudessem interferir na causa das doenças.2 Com a evolução do pensamento humano, surgiram as primeiras tentativas de classificação das doenças, separando as de causas naturais daquelas de causas sobrenaturais.2 Na Antiguidade, Hipócrates (460-377 a.C.), tido como o pai da Medicina, considerava de causas naturais as enfermidades que hoje são definidas como psiquiátricas e reconhecia a sua origem cerebral. O diagnóstico hipocrático baseava-se essencialmente na exploração sensorial, na comunicação verbal e no raciocínio, com procedimentos cuidadosamente padronizados, caracterizando-se como um método de estrutura lógica e funcional.1,2,3 Na Idade Média, a Medicina e o diagnóstico médico sofreram um retrocesso, particularmente o diagnóstico das enfermidades psiquiátricas, cujos Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 60 miolo_DEF.pmd portadores não eram considerados enfermos, mas merecedores de castigo divino ou instrumentos de entidades diabólicas. Por conta disso, muitos foram torturados e queimados nas fogueiras da Inquisição.2,3 Com o Renascimento, houve grande progresso em várias áreas do conhecimento, com a instituição do modelo experimental de investigação científica e o surgimento de várias nosografias psiquiátricas. Assistiu-se a oposição pública à teoria demoníaca da doença psiquiátrica, realizada pela primeira vez pelo médico Jean Weyer (1515-1588), que provocou chamados freqüentes de médicos para depor sobre a sanidade de acusados de feitiçaria e salvá-los da Inquisição atestando sua insanidade – estabelecendo, assim, os alicerces da perícia psiquiátrica forense.2,4 Desse período, destacam-se a elaboração das nosografias psiquiátricas de Paracelso (1490-1541), Fernel (1486-1557), Platter (1536-1614) e Zachias (1584-1659), o surgimento do interesse pelo estudo da psicologia, bem como o primeiro estudo sistemático da consciência e da conduta, de Rudolf Goeckel – que publicou, em 1590, Psicologia, ou acerca do aperfeiçoamento do homem. 2 A partir do século XVII, outros avanços se deram com a nosografia de Boissier des Sauvages (1706-1716), o conceito de neuropatia de Flemying (1740), de doença nervosa de Robert Whit (1765) e de neurose de Cullen (1712-1792). Além disso, foram estabelecidos os fundamentos da concepção científica de medicina, psicologia e psiquiatria. Observa-se, então, um movimento para situar a psiquiatria, simultaneamente, no contexto da Medicina e da filosofia, promovendo uma transição entre as ciências biológicas e as ciências humanas.2 Até o século XVIII, o diagnóstico psiquiátrico era restrito às designações populares dos fenômenos que mais tarde foram classificados como psicopatológicos. Esse século foi também marcado por profundas mudanças sociais, alavancadas pela Revolução Francesa, que promoveu o declínio das oposições medievais à liberdade de investigação e de pensamento, bem como, por uma ebulição no conhecimento filosófico que norteou a obra de Pinel (1755-1826). Imortalizado pelo ato humanitário de libertar os doentes mentais de suas correntes no asilo de Bicêtre, Pinel publicou nesse período sua nosografia de caráter clínico descritivo da psicopatologia, colocando novamente em relevo as causas naturais para as doenças mentais, diferenciando-as das sobrenaturais, as quais influenciaram o diagnóstico psiquiátrico até o final do século XIX.2,5 60 13/08/09, 12:34:edson Foi, também, no século XIX que ocorreu a mudança paradigmática no diagnóstico psiquiátrico, deflagrada pela famosa tese de Antoine Bayle (1822). O autor descreveu a paralisia geral progressiva (PGP), até então tida como estado terminal, unindo, em diferentes estágios evolutivos da aracnoidite crônica, as três síndromes clássicas de Pinel (monomania, mania e demência) e promovendo uma verdadeira corrida dos alienistas e neuropsiquiatras em busca da etiologia das doenças mentais no cérebro. Seu trabalho é considerado pioneiro na classificação etiológica, com base no modelo médico. Inicialmente rejeitadas pela comunidade científica, suas idéias foram incrementadas após o isolamento realizado por Noguchi (1913) do Treponema pallidum no cérebro de pacientes com PGP.1,2,3,4 Na esteira das teorias de Bayle, surgiram as nosografias de Morel (1809-1873), Magnan (18351912) e Kahlbaum (1828-1899), entre outros autores, que buscaram classificar as enfermidades psiquiátricas utilizando o paradigma etiológicoanatômico.2 A euforia inicial pela busca do diagnóstico etiológico de Bayle, pouco tempo depois, frustrou seus adeptos e conduziu os psiquiatras do século XIX a um retorno aos critérios meramente clínicos, principalmente influenciados por Emil Kraepelin (1850-1926). Kraepelin alicerçou os fundamentos das classificações contemporâneas, que estavam baseadas, primordialmente, na evolução do paciente, estabelecendo categorias diagnósticas mutuamente excludentes. Nesse período houve uma tendência ao avanço da psicologia clínica como alternativa explicativa à anatomia patológica e a consolidação da psicopatologia como ciência, a partir das publicações de Karl Jaspers (1883-1969) e, posteriormente, a classificação etiológica de Kurt Schneider (1887-1967).2,3 Ao final do século XIX, com Sigmund Freud (1889-1905), a partir da criação da metapsicologia e da psicanálise, o diagnóstico psiquiátrico adquiriu uma dimensão dinâmica. Com o apagamento da fronteira entre o normal e o patológico, o diagnóstico passou a ser quantitativo e não qualitativo, ao contrário da nosologia kraepeliniana, categorizando as condições clínicas e psicopatológicas em três grandes grupos: as psicoses, as neuroses e as perversões. Estavam colocadas ao alvorecer do século XX duas grandes tendências: a nosologia somática-constitucionalista de Kraepelin e a nosologia reativo-psicologicista de Freud.2,6,7 A influência das idéias de Freud em Adolf Meyer – com seu conceito de doença mental – e sua introdução nos EUA originaram a publicação de uma classificação oficial de doenças mentais – o primeiro manual de diagnóstico americano –, inaugurando o nascimento das DSMs, com a DSMI, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual de diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais), da Associação Psiquiátrica Americana. Vários autores mostraram fortes reações ao estabelecimento de um conceito de doença mental. Thomas Szasz (1960), lançando mão do argumento de Virchow, propôs o abandono do conceito, argumentando que a “doença mental” não se caracterizava por uma lesão estrutural que sempre provocaria alterações fisiológicas, as quais resultariam em processo patológico.2,3,8 A discordância quanto ao diagnóstico psiquiátrico de vários autores foi evidenciada no trabalho de Cooper (1972), que comprovou que 60% dos diagnósticos dos pacientes internados em hospitais psiquiátricos de Nova York eram de esquizofrenia, enquanto em Londres esses pacientes representavam apenas 30%. Em contrapartida, 49% da população psiquiátrica hospitalar londrina revelavam diagnóstico de psicose depressiva, mania, neurose e distúrbios de personalidade; em Nova York, eles não representavam 10%.9,10 Essas discrepâncias originaram a necessidade de desenvolvimento de definições operacionais para as várias categorias diagnósticas, evidenciadas inicialmente pelo filósofo Hempel, no início da década de 1960. Uma das primeiras tentativas de formulação de critérios operacionais veio de um grupo de pesquisadores da Universidade de Washington, em St. Louis, que publicou critérios para o diagnóstico de quinze condições clínicas denominados de Critérios de Feighner. 9,11 Houve um salto da negação do diagnóstico psiquiátrico para a sua revalorização nas últimas décadas do século XX, com a criação de critérios operacionais como o RDC (Research Diagnostic Criteria), DSM-III da Associação Psiquiátrica Americana (1980) e suas sucessivas revisões (DSM-III-R, DSM-IV, DSM-IV-TR), que foram, extensamente, adotadas pela comunidade acadêmica internacional, ao final do século, apesar de críticas e ressalvas. 1,4,9 CONCEITOS E VICISSITUDES Nas cinco últimas décadas, os pesquisadores desenvolveram crescente interesse acerca do diagnóstico psiquiátrico, como destacado por Loreto, sobretudo por influência de psicólogos clínicos. As preocupações com o diagnóstico estão relacionadas, principalmente, a confiabilidade e validade.9 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 61 61 13/08/09, 12:34:edson A validade se refere à capacidade de, por determinado procedimento diagnosticador, conseguir captar ou medir aquilo que se propõe a identificar; a confiabilidade, por sua vez, está relacionada à validade na medida em que determinado procedimento diagnosticador pode reproduzir o mesmo diagnóstico para um mesmo sujeito ou para pacientes de um mesmo grupo, em diferentes momentos, tendo sido realizado por diferentes examinadores.7 O procedimento diagnosticador se baseia em uma teoria de base, que influencia desde o estabelecimento dos critérios empregados, completando-se com o enquadramento em um sistema nosológico ou nosográfico e incluindo, desse modo, uma teoria geral sobre enfermidade e uma teoria específica sobre aquela enfermidade em particular.2 Para Loreto, o diagnóstico psiquiátrico é criticado como desnecessário ou prejudicial, pela fragilidade do apoio em dados psicopatológicos, que estão sujeitos a certo grau de subjetividade do examinador. Para o autor, a grande deficiência da maior parte das nosologias psiquiátricas é a sua fundamentação em critérios mistos, ao mesmo tempo sindrômicos e etiopatogênicos, já que, em uma parcela importante de casos, a valorização do fator etiológico depende muito mais da posição doutrinária do médico do que de alguma evidência retirada do exame clínico. Essa mistura de critérios impossibilita uma rotulação uniforme e coerente dos mesmos. Impõe-se a necessidade de se atingir, antes de tudo, um consenso amplo acerca das categorias puramente sindrômicas.9 Quanto à legitimidade do diagnóstico psiquiátrico, considera-se a perspectiva de aprofundar o conhecimento tanto do indivíduo em particular quanto das entidades nosológicas utilizadas, permitindo, assim, o avanço da ciência, a antevisão do prognóstico e o estabelecimento de ações terapêuticas e preventivas mais eficazes, além de uma comunicação mais precisa entre profissionais e pesquisadores.7 Em suas posições teóricas, tanto o DSM, atualmente, em sua quarta edição, com texto revisado – DSM-IV-TR, quanto a CID-10 optaram por dividir suas classes diagnósticas (baseadas no modelo categorial, de inspiração kraepeliniana, que procura estabelecer distinções qualitativas entre as classes), a partir de critérios homogêneos de inclusão e exclusão. Desse modo, se contrapõem ao modelo dimensional, que visa avaliar diferenças quantitativas Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 62 miolo_DEF.pmd entre os indivíduos com relação a determinada variável, as quais possivelmente estariam dispostas ao longo de um continuum.4 Por não atender os critérios necessários para o diagnóstico de doença, as modernas classificações optaram pelo uso da terminologia transtornos mentais, tentando a uniformização diagnóstica e a fuga das controvérsias em torno do termo doença, que depende básicamente de concepções teóricas de quem faz o diagnóstico. Apesar da grande aceitação pela comunidade científica das classificações atuais, há várias críticas quanto à validade de diagnóstico e de fronteiras entre entidades nosológicas. O conceito de psicose e as entidades que podem ser agrupadas sob esse mesmo rótulo têm sido questionados. Outrossim, a classificação das psicoses continua sendo um tema de debate caloroso, desde a sua concepção, em 1896, por Emil Kraepelin, com a formulação dos conceitos de doença, de demência precoce e insanidade maníaco-depressiva e sua posterior codificação para as entidades nosológicas de esquizofrenia e doença bipolar. Discute-se se as duas condições são distintas ou são doenças relacionadas e potencialmente sobrepostas.12 Abordagens categóricas como as do DSMIV e CID-10 se mostram úteis na prática clínica, mas, deixam muitos pacientes fora do sistema de diagnóstico, com a frustrante subcategoria “nãoespecificadas de outra forma” – evidenciando o problema da sobreposição sintomática, que causa grande número de comorbidades – ou submetidos à criação de categorias intermediárias, tais como “transtorno esquizoafetivo”. Para as pesquisas, as abordagens dimensionais parecem muito mais úteis, mas são, claramente, menos práticas sob condições clínicas rotineiras.12 O número de classes diagnósticas cresceu de maneira desconcertante nas sucessivas revisões do DSM e da CID, atingindo cerca de 292 classes na DSM-IV e de 329 na CID-10. Algumas condições clínicas recebem a nomenclatura de “categoria diagnóstica”, apesar de serem pouco mais do que sintomas isolados.4,13,14 O maior perigo dos diagnósticos operacionais da atualidade está relacionado com a possibilidade de serem erroneamente percebidos como entidades naturais bem estabelecidas e produzirem um empobrecimento no exame clínico assim como nas pesquisas. Esses e outros aspectos são discutidos com preocupações relacionadas às agendas de elaboração para o DSM-V e CID-11, visando o debate sobre as limitações presentes nas classificações atuais.15,16,17 62 13/08/09, 12:34:edson CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão do diagnóstico psiquiátrico intimamente relacionado ao conceito de doença mental, se encontra em processo evolutivo, em busca de uma linguagem comum que permita melhor comunicação entre os profissionais da área e pesquisadores no campo da saúde mental. SUMMARY PSYCHIATRIC DIAGNOSIS: HISTORICAL EVOLUTION, CONCEPTS AND VICISSITUDES Silvia Maués Santos RODRIGUES, Airle Miranda de SOUZA e Janari da Silva PEDROSO Objectives: to review the topic of psychiatric diagnosis, its controversies and theoretical assumptions in current classifications from the historical evolution of the concept.. Method: a literature review was conducted on this topic to identify the most relevant historical milestones and concepts in the formulation of psychiatric diagnosis to enable their understanding in the present. Final Considerations: psychiatric diagnosis is intimately connected to the concept of mental illness; it is in an evolutionary process in search of a standard terminology that can provide better communication between researchers and professionals in the field of mental health. Key-Words: psychiatric diagnosis; mental disorders; psychiatric nosology; psychiatric classification REFERÊNCIAS 1. WANG YP, HUMES EC, ANDRADE LHSG. Diagnóstico e Classificação em Psiquiatria. In: LOUZà NETO MR, ELKIS H (Org). Psiquiatria Básica. 2 ed. Porto Alegre:Artmed, 2007. p 32-48. 2. MIRANDA-SA JR, LS. Sinopse de Psiquiatria: O Diagnóstico psiquiátrico. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1993. 216f. 3. WANG YP, LOUZà NETO MR, ELKIS H.História da Psiquiatria. In: LOUZà NETO MR, ELKIS H (Org). Psiquiatria Básica. 2 ed. Porto Alegre:Artmed, 2007. p 21-31. 4. DEL PORTO, JÁ. Diagnóstico em Psiquiatria. In: BRASIL MAA, BOTEGA NJ, HETEM LA(Editors). PEC Programa de Educação Continuada: Textos de aulas: Título de Especialista em Psiquiatria: Provas 2004-2005.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan : ABP, 2006. p 37-58. 5. PEDROSO, JS. Loucura e assistência psiquiátrica no Pará (1833 a 1984). Dissertação de Mestrado. NAEA/UFPA: Belém, 1999. p 26. 6. JORGE MR. Nosologia Psiquiátrica. In: BRASIL MAA, BOTEGA NJ, HETEM LA(Org). PEC Programa de Educação Continuada: Textos de aulas: Título de Especialista em Psiquiatria: Provas 2004-2005.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan : ABP, 2006. p 74-86. 7. DALGALARRONDO P. Ordenação dos fenômenos em psicopatologia: princípios gerais do diagnóstico. In: Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p 31-35. 8. SZASZ, TS. The myth of mental illness. American Psychologist. 1960;15:113-118 9. LORETO G. Diagnóstico em Psiquiatria. Neurobiologia. 1984; 47(3) :141-152. 10. COOPER JE. Psychiatric Diagnosis in New York and London: A Comparative Study of Mental Hospital Admissions. Oxford University Press, 1972. 152 p 11. FEIGHNER JP, ROBINS E, GUZE SB, WOODRUFF RA JR, WINOKUR G, MUNOZ R. Diagnostic criteria for use in psychiatric research. Arch Gen Psychiatry. 1972;26(1):57-63. 12. VIETA E, PHILLIPS ML. Deconstructing Bipolar Disorder: A Critical Review of its Diagnostic Validity and a Proposal for DSM-V and ICD-11. Schizophrenia Bulletin.2007;33(4):886-892. 13. DSM-IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais; trad. Dayse Batista; - 4.ed. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 14. Classificação dos Transtornos Mentais e do Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas – Coord. Organiz.Mund. da Saúde; trad. Dorgival Caetano. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 15. ANGST J. Psychiatric diagnoses: the weak component of modern research. World Psychiatry. 2007; 6(2):94-95. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 63 63 13/08/09, 12:34:edson 16. O’BRIEN CP, VOLKOW N, LI T-K. What’s in a Word? Addiction Versus Dependence in DSM-V. Am J Psychiatry.2006 163(5):764-765. 17. COTTLER LB, GRANT BF. Characteristics of nosologically informative data sets that address key diagnostic issues facing the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, fifth edition (DSM-V) and International Classification of Diseases, eleventh edition (ICD-11) substance use disorders workgroups. Addiction. 2006;101(Suppl. 1): 161–169. ______________________ Endereço para correspondência: Silvia Maués Santos Rodrigues Av. Gov. José Malcher, 1716/101 – Nazaré CEP 66060-230 Belém – PA e-mail: [email protected] Recebido em: 03.09.2008- Aprovado em: 28.01.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 64 miolo_DEF.pmd 64 13/08/09, 12:34:edson RELATO DE CASO DOENÇA DE PAGET ÓSSEA EM PACIENTE JOVEM: RELATO DE CASO¹ PAGET´S DISEASE OF BONE IN YOUNG PATIENT: A CASE REPORT Luciana Dias ALVARES², Mauro José FONTELLES³ e Paula Souza MOURA4 RESUMO Objetivo: relatar o caso de um paciente de 22 anos com Doença de Paget óssea. Relato do caso: homem de 22 anos, atendido na Clínica Odontológica da UFPA, referindo a perda de elementos dentais e com sinais físicos característicos; solicitados exames laboratoriais, histopatológico e imaginológicos, que confirmaram a suspeita de um caso raro de Doença de Paget óssea em um paciente jovem . Considerações finais: o caso relatado é considerado raro em razão do paciente acometido pela doença apresentar idade inferior à faixa etária comumente descrita na literatura. DESCRITORES: Doença de Paget, osteíte deformante, doença óssea. INTRODUÇÃO A Doença de Paget, uma desordem osteometabólica, é caracterizada pelo desorganizado aumento da remodelação óssea que leva à hipertrofia dos ossos acometidos, além de eventuais deformidades e dor. No processo normal de remodelação de um osso ocorre uma dupla resposta metabólica, sendo a primeira representada pela ação dos osteoblastos que participam da formação do tecido ósseo e, a segunda, pela ação dos osteoclastos, responsáveis pelo processo de reabsorção. Entretanto, na Doença de Paget esse balanço apresenta-se alterado, com uma fase inicial de intensa reabsorção osteoclástica seguida por uma fase de formação, sendo o osso neoformado, mais frágil, de aspecto hipertrófico, menos compacto, mais vascularizado e mais suscetível a fraturas e a deformidades, quando comparado ao osso normal1,2,3,4. De evolução tipicamente crônica, esta doença é mais comum em homens e afeta pacientes com idade mais avançada, geralmente a partir dos 50 anos de idade, sendo, raramente, diagnosticada em pacientes com idade inferior a 45 anos, com uma prevalência que aumenta, consideravelmente, com o avançar da idade2,3,5. O diagnóstico é, usualmente, obtido por intermédio dos marcadores bioquímicos da remodelação óssea, aliados à cintilografia óssea e aos exames radiológicos, cujas imagens são características da doença. OBJETIVO Relatar um caso de Doença de Paget óssea em paciente com 22 anos de idade, atendido na Clínica Odontológica da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará. ¹ Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). ² Cirurgiã Dentista, Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia & Estomatologia pela Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic de Campinas-SP e aluna do Mestrado em Odontologia da Universidade Federal do Pará–UFPA. ³ TCBC - Doutor em Cirurgia do Trauma. Coordenador do Núcleo de Assessoria em Bioestatística e superintendente de pesquisa da Universidade da Amazônia – UNAMA. Professor de Anatomia Topográfica do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA. 4 Cirurgiã Dentista, Especialista em Radiologia Odontológica e Imaginologia pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, USP-Bauru e aluna do Mestrado em Odontologia da Universidade Federal do Pará-UFPA. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 65 65 13/08/09, 12:34:edson RELATO DE CASO Anamnese Homem de 22 anos procurou a Clínica Odontológica da Universidade Federal do Pará em busca de reabilitação protética. Referiu a perda de elementos dentais, aparentemente sem motivo conhecido, há cerca de cinco anos. Na primeira consulta, foi solicitada a extração dos elementos remanescentes para que fosse confeccionada uma prótese total inferior, sendo que o mesmo já era usuário de prótese total superior. Relatou sentir fortes dores osteoarticulares difusamente localizadas, há cerca de 2 a 3 anos, além da ocorrência de fratura no antebraço direito, aos oito anos de idade, durante uma brincadeira com crianças. Exame físico Ao exame intra-bucal, constatou-se aumento de volume, de consistência endurecida dos rebordos alveolares, que se apresentavam recobertos por mucosa de cor e superfície normais (figura 1). Ao exame extra-bucal, verificou-se aumento de volume difuso na região posterior do corpo da mandíbula, além de deformidades variadas afetando outros ossos do corpo, entre eles os do crânio, maxilas, mandíbula, ossos da pelve e fêmures. Apresentava um acentuado arqueamento dos membros inferiores, levando-o ao uso de muletas para locomoção. Significativo grau de deficiência auditiva foi observado, sinal, posteriormente, interpretado como uma conseqüência do comprometimento do nervo auditivo, possivelmente, devido à aposição óssea nos forames auditivos externos. Exames laboratoriais QUADRO I. Resultados dos exames hematoquímicos em paciente com Doença de Paget. Fonte: Laboratório Paulo C. Azevedo / Hospital Porto Dias Exame histopatológico Os cortes histológicos revelaram fragmento de tecido ósseo descalcificado, exibindo trabéculas ósseas imaturas e interligadas, formando um padrão em “quebra-cabeça” (figura 2). Linhas basofílicas de reversão foram também observadas. Na periferia das trabéculas ósseas foi observada a presença, ora de osteoblastos, ora de osteoclastos. Tecidos conjuntivos frouxos com fibras colágenas dispostas em várias direções e grande quantidade de vasos sanguíneos de variados calibres permearam as trabéculas ósseas. Áreas focais de hemorragia completaram o quadro histológico. O exame atestou a presença de tecido ósseo com atividade osteoblástica e osteoclástica. Figura 1. Aspecto bucal de paciente de 22 anos com Doença de Paget. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 66 miolo_DEF.pmd 66 13/08/09, 12:34:edson articulação do quadril esquerdo e articulação do tornozelo esquerdo, compatíveis com atividade osteoblástica aumentada, podendo corresponder a processos osteometabólicos; alterações morfológicas simétricas do gradil costal e dos fêmures. Figura 2. Osso normal (A) e osso pagético (B) mostrados sob luz polarizada. O osso pagético é pobremente organizado e apresenta estrutura caótica que dá origem a um aspecto em “mosaico.” Fonte: Roodman & Windle, 2005. Radiografia de crânio AP-Perfil Crânio assimétrico e disforme, alterações escleróticas intercaladas com lesões osteolíticas, comprometendo, difusamente, o crânio e a face; mandíbula espessada e esclerótica (figura 3); alargamento da díploe, com algumas densidades de aspecto algodonoso; platibasia com invaginação basilar; seios esfenoidal e mastóideos permeáveis. Figura 3. Radiografia ântero-posterior de paciente com Doença de Paget. Cintilografia óssea de corpo inteiro com MDP99MTC Distribuição heterogênea do traçador à custa de hiperconcentrações em projeções da articulação do ombro esquerdo, articulações dos joelhos, CONDUTA E EVOLUÇÃO O paciente foi submetido a três cirurgias para extrações dos elementos dentais remanescentes (35, 37, 46 e 47). A primeira tinha como objetivo extrair os elementos 35 e 37. O elemento 35 encontrava-se “flutuante” no rebordo alveolar, tendo a sua extração facilitada. Quanto ao elemento 37, a extração ocorreu com certa dificuldade em razão do acentuado aumento de volume da raiz, associado à atípica deformidade radicular. Este elemento, juntamente com seu apêndice amorfo, foi enviado para exame histopatológico para diagnóstico do tecido ósseo coletado. A segunda cirurgia objetivou a excisão dos elementos 46 e 47, e a terceira, a retirada do excesso de tecido mole que recobria o rebordo alveolar, o qual se tornou mais aparente em razão da escassez de osso alveolar. Foram prescritos dois gramas de amoxicilina, como antibioticoterapia profilática, cerca de duas horas antes das cirurgias. No pós-cirúrgico foram prescritos 50 miligramas de diclofenaco sódico, a cada oito horas, durante cinco dias. Não foram observados seqüestros ósseos e a cicatrização foi satisfatória. DISCUSSÃO A Doença de Paget é uma condição incomum em pacientes com idade inferior a 40 anos, sendo geralmente encontrada naqueles com mais de 50 anos. Na literatura consultada, o paciente mais jovem diagnosticado com a doença tinha 44 anos de idade6. Outros casos relatados são de pacientes com idade superior a esta7,8,9,10. Portanto, o paciente cujo caso é relatado, com 22 anos de idade, constitui um achado, consideravelmente, raro. Quanto ao gênero, masculino, o caso é condizente com a prevalência relatada pela literatura2,3,6,7. Na maioria dos casos, o diagnóstico da Doença de Paget pode ser feito através da combinação dos achados clínicos, radiográficos e bioquímicos. Os exames de imagem recomendados são a cintilografia óssea e as radiografias. Os aspectos radiográficos encontrados neste paciente são compatíveis com o que relata a literatura, incluindo a aparência de “flocos de algodão”, visualizada nas radiografias de crânio1,2,8,9. Quanto aos exames laboratoriais, o valor da fosfatase alcalina foi de 2382 UI/L, sendo que o Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 67 67 13/08/09, 12:34:edson padrão de normalidade está entre 65 e 300 UI/L, em adultos, estando o valor encontrado, aproximadamente, oito vezes maior do que o valor máximo considerado normal, com o exame repetido e confirmado. A maior atividade desta enzima tem sido reconhecida como uma característica marcante da Doença de Paget, podendo estar elevada a limites extremos, sendo reflexo de um aumento da renovação óssea9,10,11. Do mesmo modo, os exames radiográficos demonstraram um quadro compatível com a Doença de Paget, além do exame de cintilografia óssea que constatou atividade osteoblástica aumentada, compatível com processos osteometabólicos. Ao exame histopatológico, o osso pagético apresenta áreas de intensa atividade osteoblástica e osteoclástica; o que caracteriza o padrão em “mosaico”, com linhas de reversão irregulares, basófilas. Essas linhas reversas representam a alternância entre as fases de formação e reabsorção que, quando ocorrem repetidamente, conferem ao osso um aspecto de “quebra-cabeça”12, encontrado na amostra enviada para a histopatologia. CONSIDERAÇÕES FINAIS O caso relatado foi consonante com o que disserta a literatura sobre a Doença de Paget óssea, no que se refere aos achados clínicos, imaginológicos, laboratoriais e histopatológico. No entanto, a idade do paciente constituiu um fator relevante para a raridade do caso. SUMMARY PAGET´S DISEASE OF BONE IN YOUNG PATIENT: A CASE REPORT Luciana Dias ALVARES, Mauro José FONTELLES e Paula Souza MOURA Objective: to report an uncommon case of a 22 years old patient affected by Paget´s disease of bone. Case Report: a 22 years old man, that reported the loss of dental elements, was evaluated at the UFPA’s Dental Clinic showing typical physical signs that made the staff responsible for his care request laboratory, imaging and histopathology tests, which confirmed the suspicion that this was a rare case of Paget’s disease of bone in a young patient. Final considerations: the case reported is considered uncommon due to the fact that the patient’s age was below that the age group reported in the literature as the most affected by this disease. Keywords: Paget’s disease, osteitis deformans, bone disease. REFERÊNCIAS 1. SANNOMIYA EK, FUSUKAWA S, MORAES LC. Aspectos radiográficos da Doença de Paget – Relato de dois casos clínicos em pacientes de origem nipônica. Rev Pós Grad. 2000; 7(4):376-381. 2. KLINE MJ. Paget Disease, 2007. Disponível em http://www.emedicine.com/radio/topic514.htm. Acessado em 14 de março de 2008. 3. CHOW D, SLIPMAN CW, BRAVERMAN D. Paget disease, 2007. Disponível em http://www.emedicine.com/pmr/ TOPIC98.HTM. Acessado em 14 de março de 2008. 4. GRIZ L, COLARES V, BANDEIRA F. Tratamento da Doença de Paget Óssea: importância do ácido zoledrônico. Arq Bras Edocrinol Metab. 2006; 50(5):845-851. 5. PAPAPOULOS SE. Metastatic Bone Disease and Paget´s Disease of Bone, 2001. Disponível em http:// www.medscape.com/viewarticle/420876. Acessado em 15 de março de 2008. 6. CARBONE LD, BARROW K, LOHR KM, NAVARRO MJ. Paget Disease, 2007. Disponível em http://www.emedicine.com/ med/TOPIC2998.HTM. Acessado em 14 de março de 2008. 7. IRVING K, JAWAD ASM. Paget´s disease of bone in non-caucasians in East London: a report of eight cases and a review of the literature. Grand Rounds. 2005;5:23-25. 8. SPINA LDC, CARVALHO FCR, EKSTERMAN LF, TORRES SR, JANINI MER, FARIAS MLF. Doença de Paget com manifestação nos maxilares. Arq Bras Endocrinol Metab. 2000; 44(3):266-272. 9. GRANDI G, SANTOS MES, BORGES HOI, SANT´ANA FILHO M. Doença de Paget: Relato de casos em relação ao diagnóstico diferencial. Rev. Cir. Traumatol. Buco-Maxilo-Fac. 2005; 5(3):27-34. 10. GRIZ L, CALDAS G, BANDEIRA C, ASSUNÇÃO V, BANDEIRA F. Paget´s Disease of bone. Arq. Bras. Edocrinol. Metab. 2006; 50(4):814-822. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 68 miolo_DEF.pmd 68 13/08/09, 12:34:edson 11. REGEZI JA, SCIUBBA JJ. Patologia Bucal: Correlações clínicopatológicas. 3a ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan; 2000. 12. SILVA SS, CERRI A, BORDINI PJ, VASCONCELOS EM. Doença de Paget do osso: Revisão da literatura. Rev ABO Nac. 2001; 9(2):169-175. 13. ROODMAN GD, WINDLE JJ. Paget disease of bone, 2005. Disponível em http://www.jci.org/cgi/content/full/115/2/ 200#F2. Acessado em 10 de maio de 2008. Endereço para correspondência Mauro José Fontelles. Rua Antônio Barreto, 983/1502 – Umarizal. CEP: 66055-050. Belém-Pará-Brasil. Telefone: (91)3225-1850. E-mail: [email protected]. Recebido em 19.05.2008-Aprovado em 04.05.2009 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 69 69 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 70 miolo_DEF.pmd 70 13/08/09, 12:34:edson RELATO DE CASO MEGAESÔFAGO IDIOPÁTICO NÃO AVANÇADO: RELATO DE CASO1. NOT ADVANCED ESOPHAGEAL IDIOPATHIC ACHALASIA: CASE REPORT. Acácio Augusto CENTENO NETO2, Alexandre Augusto Calado NOGUEIRA3, Manoela Palmeira da Costa RODRIGUES4, Michel Washington Calabria CARDOSO4, Eriksen Alexandre Costa GONÇALVES4 e Paulo Romeu de Freitas TURIEL4. RESUMO Objetivo: relatar um caso de megaesôfago idiopático grau II, tratado pela técnica videolaparoscópica, em um paciente de 32 anos, sexo masculino. Relato de caso: foram realizados manometria, endoscopia digestiva alta com biópsia e análise histopatológica e esofagograma, como métodos diagnósticos auxiliares. Em janeiro de 2007, o paciente foi submetido a tratamento cirúrgico pela técnica de HellerPinotti por videolaparoscopia, evoluindo com melhora clínica posterior, devido ao procedimento, com episódios reduzidos de disfagia e sem demais intercorrências. Considerações Finais: casos não avançados de megaesôfago devem ser tratados preferencialmente pela técnica de Heller-Pinotti por via laparoscópica, mostrando excelentes resultados. Os casos de etiologia idiopática não necessitam de qualquer outro tratamento adicional. DESCRITORES: Acalásia esofágica, disfagia, esofagograma INTRODUÇÃO A primeira descrição do megaesôfago foi feita por Sir Thomas Willis em 1674, quando o mesmo sugeriu tratar-se de uma doença em que era perdida a inibição do esôfago distal. Von Mikulicz em 1882 e Einhorn em 1888 acreditavam que a doença ocorria devido à falta de abertura do cárdia ou cardioespasmo1. Atualmente, sabe-se que o megaesôfago é uma condição causada pela destruição ou ausência dos plexos nervosos intramurais do esôfago (acalásia), determinando ausência de peristaltismo, além de hipertonia do esfíncter inferior do esôfago (EIE). Existe uma dificuldade de passagem do alimento pela transição esofagogástrica sem que haja uma verdadeira estenose orgânica ou compressão extrínseca2,3. As principais causas desta afecção são de origem secundária, como o carcinoma gástrico infiltrativo do esôfago, a gastrenterite eosinofílica e, sobretudo, a Doença de Chagas, onde há destruição das células ganglionares do plexo de Auerbach. Entretanto, o megaesôfago pode ser também de etiologia idiopática ou primária, este sendo pouco freqüente em regiões subdesenvolvidas e/ou em desenvolvimento e mais comum em países desenvolvidos, com prevalência estimada de 7 a 13 casos para cada 100.000 habitantes3,4. Há evidências de que o megaesôfago primário tenha como origem distúrbios auto-imunes, genéticos e infecções virais5. O espectro de sintomas é amplo, variando desde regurgitação, dor torácica, odinofagia, pirose, disfagia e até pneumonias aspirativas de repetição. Por esses motivos, muitas vezes a doença é 1 Trabalho Realizado no serviço de cirurgia digestiva da Clínica ProctoGastro. Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (TCBC) e Doutor, Professor Adjunto da UEPA. 3 Cirurgião Geral do Hospital Saúde da Mulher (HSM). 4 Graduandos de Medicina da Universidade Federal do Pará UFPA 2 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 71 71 13/08/09, 12:34:edson confundida com Doença do Refluxo Gastroesofageano (DRGE), retardando seu diagnóstico4,6. O exame contrastado do esôfago, bem como a esofagomanometria, permitem a elucidação do diagnóstico e avaliação do grau de comprometimento do órgão. É importante a realização da endoscopia digestiva alta (EDA) para verificar se há doenças associadas à patologia, ou ainda excluir outras formas de estenose e/ou possíveis agravos orgânicos e funcionais7,8. O tratamento através da cirurgia de HellerPinotti por videolaparoscopia tem se mostrado a técnica menos traumática e com maiores benefícios no pós-operatório, principalmente em casos grau II segundo a classificação de Ferreira Santos 8. revelou infiltração linfocitária e diminuição de células ganglionares do plexo mioentérico, além de desconsiderar a possibilidade de gastrenterite eosinofílica. O esofagograma mostrou, segundo a classificação de Ferreira-Santos, megaesôfago grau II (figura 1). A manometria esofágica revelou 100% de contrações esofágicas aperistálticas e a impossibilidade da sonda ultrapassar o EIE. O teste de ELISA para Trypanosoma cruzi foi negativo. OBJETIVO Relatar um caso de megaesôfago idiopático grau II tratado pela técnica de Heller-Pinotti por videolaparoscopia. Evolução Pós-operatório sem alterações, iniciando dieta oral no 3º dia; alta no 5º dia. Atualmente, encontra-se em acompanhamento ambulatorial, com disfagia reduzida e sem intercorrências, além de redução do estreitamento da porção distal do esôfago, comprovada com exame contrastado pósoperatório (figura 2). RELATO DE CASO O paciente permitiu este relato, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido. Anamnese Paciente JNSM, 32 anos, casado, funcionário do Corpo de Bombeiros, natural e residente em Belém-PA. Referia disfagia há trinta dias, sendo necessária a ingestão de líquidos para facilitar a deglutição dos alimentos, associada a episódios de regurgitação. Relatou perda ponderal, aproximadamente 22 Kg, nos últimos quatro meses. Nega história de hipertensão arterial, diabetes mellitus e outras doenças, assim como etilismo, tabagismo e consumo de drogas ilícitas. Exame Físico Observou-se normalidade quanto ao fácies, pele, mucosas, pressão arterial, auscultas cardíaca e pulmonar. Peso: 72 Kg. Abdome plano, normotenso, indolor à palpação superficial, presença de leve desconforto à palpação profunda em região epigástrica, sem visceromegalias, com ruídos hidroaéreos presentes. Exames subsidiários Submetido à EDA com biópsia, que evidenciou estase líquida esofágica e megaesôfago, além de excluir carcinoma gástrico infiltrativo na região do cárdia. O estudo anátomo-patológico DISCUSSÃO O megaesôfago é um distúrbio motor esofagiano, no qual é observado a perda no plexo mioentérico de neurônios inibitórios, que contém polipeptídio intestinal vasoativo e óxido nítrico sintetase. Ambas as substâncias, descritas na literatura, são liberadas por ativação dos neurônios inibitórios, do sistema nervoso entérico e podem causar, simultaneamente, uma resposta elétrica de hiperpolarização – o potencial de junção inibitório (IJP) – e uma resposta mecânica de inibição que se constitui no relaxamento da musculatura lisa do EIE. Sendo este mecanismo fisiológico não observado em pacientes com acalásia9. A doença caracteriza-se basicamente por dilatação e aumento do órgão, ausência de peristaltismo, presença de contrações terciárias e o não relaxamento total ou parcial do esfíncter inferior. Essas alterações podem ocasionar diversos sintomas, especialmente disfagia, que pode comprometer o estado nutricional do paciente e seus hábitos alimentares normais10. ‘As radiografias contrastadas podem revelar imagem sugestiva de esôfago intratorácico dilatado - parâmetro utilizado para classificar o grau de avanço da patologia - esvaziamento deficiente e afilamento gradual do segmento distal do órgão. A EDA tem Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 72 miolo_DEF.pmd Conduta terapêutica O paciente submetido a tratamento cirúrgico através da técnica de Heller-Pinotti por videolaparoscopia, sendo realizada a cardiomiectomia com extensão aproximada de 6 cm acima e 3 cm abaixo da transição esofagogástrica, seguida da confecção de válvula anti-refluxo. 72 13/08/09, 12:34:edson grande valia diagnóstica para exclusão de outras causas de estreitamento (e.g. neoplasia de fundo gástrico), além de servir como via para biópsia da mucosa esofágica. A esofagomanometria tem como achados característicos a ausência do relaxamento do EIE, associada a aumento de sua pressão basal e aperistalse do corpo esofagiano11. A destruição dos plexos nervosos intramurais do esôfago é irreversível, de tal forma que qualquer tratamento conservador será meramente paliativo visando apenas o alívio dos sintomas2,3. A cirurgia de Heller-Pinotti por via laparoscópica vem sendo utilizada amplamente para o tratamento de megaesôfago grau II. A extensão da esofagocardiomiotomia, no tratamento da acalasia esofagiana, deve ser suficiente para seccionar todas as fibras da camada muscular dos seis centímetros distais do esôfago e dos três centímetros proximais do estômago, de modo a ser eliminado por inteiro o obstáculo intrínseco da junção esôfago-gástrica à progressão do bolo alimentar7. Tal incisão suprime por completo uma importante barreira anti-refluxo: o mecanismo esfincteriano intrínseco do esôfago inferior. Associado à técnica, a não realização de válvula anti-refluxo ainda é muito controversa, pois muitos estudos já indicam um melhor resultado mediante confecção da mesma associada à miotomia, já que esta promove a destruição da barreira esfincteriana, permitindo livre refluxo de conteúdo gástrico para o esôfago, com chance de ocorrência de graves esofagites. As vantagens de se realizar válvula anti-refluxo são a diminuição da incidência de esofagite de refluxo no pós-operatório, mantendo os bordos da miotomia afastados e protegendo a mucosa esofágica contra microperfurações12. Um estudo realizado no Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo, mostra que os resultados a longo prazo dependem principalmente da devida cicatrização pós-operatória da região cruenta. Os mesmos autores mostraram que do total de 83 pacientes submetidos à cirurgia de Heller, 55,4% não apresentaram mais sintomas e cerca de 34,9% apresentaram disfagia esporádica13. O paciente estudado, no 3º PO, aceitou dieta líquida, referindo redução significativa da disfagia. Ao longo das consultas ambulatoriais de acompanhamento, relatou boa aceitação de dieta livre e diminuição da intensidade dos sintomas iniciais. Espera-se que a melhora progressiva seja mantida, proporcionando ausência de sintomatologia ou apenas leve incômodo residual ao paciente, devido a cirurgia de Heller-Pinotti por via laparoscópica ocasionar agressão mínima em relação a outros métodos e apresentar maior possibilidade de resultados promissores6. Figura 1 – Esofagograma pré-operatório mostrando estreitamento da junção esofagogástrica (círculo vermelho) no megaesôfago grau II (dilatação superior a 4 cm). Figura 2 - Esofagograma no 30º PO, mostrando redução do estreitamento da junção esofagogástrica e maior fluxo de contraste para o estômago. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 73 73 13/08/09, 12:34:edson CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma vez excluídas as etiologias de megaesôfago secundário, o tratamento destinouse exclusivamente à melhora da acalasia, sem necessidade de outras terapêuticas destinadas à erradicação de uma possível causa base. Casos não avançados de megaesôfago devem ser tratados preferencialmente pela técnica de Heller-Pinotti por via laparoscópica, associada à confecção de válvula anti-refluxo, visto que, os resultados satisfatórios que esse procedimento vem proporcionando, ao melhorar os sintomas dispépticos, disfágicos e a qualidade de vida dos pacientes. SUMMARY NOT ADVANCED ESOPHAGEAL IDIOPATHIC ACHALASIA: CASE REPORT. Acácio Augusto CENTENO NETO, Alexandre Augusto Calado NOGUEIRA, Manoela Palmeira da Costa RODRIGUES, Michel Washington Calabria CARDOSO, Eriksen Alexandre Costa GONÇALVES, Paulo Romeu de Freitas TURIEL. Objective: report a case of esophageal achalasia idiopathic stage II of a male 32 years old patient, treated by videolaparoscopic technique. Report case: manometry, esophagogastroduodenoscopy and esophagogram were performed as auxiliary diagnostic methods. On January 2007, the patient went to surgical treatment through the technique of Heller-Pinotti by videolaparoscopy. After that, the patient had a clinical improvement with reduced episodes of dysphagia and without other complications. Final considerations: cases not advanced of esophageal achalasia should be treated preferentially by the technique of Heller-Pinotti by laparoscopy, which has shown excellent result. The idiopathic cases do not need additional treatment. KEYWORDS: Esophageal achalasia, dysphagia, esophagogram. REFERÊNCIAS 1. HIRANO I. Pathophysiology of achalasia. Curr Gastroenterol Rep 1999. 1:198-202 2. PINOTTI HW, DOMENE CE, CECCONELLO I, et al. - Megaesôfago chagásico. In: COELHO - Aparelho digestivo — Clínica e cirurgia, Vol. 1. São Paulo. Medsi, pp. 201-220, 1996. 3. DANTAS, RO. Comparação entre acalasia idiopática e acalasia conseqüente à Doença de Chagas: revisão de publicações sobre o tema, Arq Gastroenterol, 2003. 40(2): 126-127. 4. BRAGA, NS, LOPES, LR. Avaliação dos portadores de megaesôfago não avançado submetidos à cirurgia de HellerPinotti por videolaparoscopia e laparotomia, 2007. 20f. Monografia apresentada no XV Congresso de Iniciação científica – Universidade de Campinas, Campinas, 2007. 5. CACCHIONE, RN, TRAN, DN, RHODEN, DH. Laparoscopic Heller myotomy for achalasia. Am J Surg, 2005. 190(2): 191-5. 6. HERBELLA, FAM, DEL GRANDE, JC, LOURENÇO, LG, MANSUR, NS, HADDAD, CM. Resultados tardios da operação de Heller associada à fundoplicatura no tratamento do megaesôfago: análise de 83 casos, Rev Ass Med Brasil, 1999. 45(4): 317-22 7. FERNANDEZ, PM, LUCIO, LAG, POLLACHI, F. Acalasia de esôfago de causa desconhecida na infância, J Pediatr, 2004. 80(6): 523. 8. DOMINGUES, GR, LEME, EMO. Diagnóstico diferencial dos distúrbios motores esofagianos pelas características da disfagia, Arq Gastroenterol, 2001. 38(1): 15. 9. MATSUDA, NM, DANTAS, RO. Mecanismos intracelulares dos mediadores inibitórios não adrenérgicos e não colinérgicos no trato gastrointestinal. Rev. Bras. de Biociências, 2008. 6(4): 315-320. 10. CREMA, E, RIBEIRO, LB, TERRA, JA Jr, SILVA, AA. Laparoscopic transhiatal subtotal esophagectomy for the treatment of advanced megaesophagus. Ann Thorac Surg, 2005. 80(4): 1196-201. 11. FARNOOSH F, VAEZI M. Idiophatic (primary) achalasia. Orphanet Journal of Rare Diseases, 2007. 2:38-48. 12. AZEVEDO, JLMC, KOZU, FO, AZEVEDO, O, PAIVA, VC, SILVA, CEP, SIMÕES, MJ. Cicatrização de miotomia de Heller por acesso videolaparoscópico com e sem fundocardioplastia de dor associada, em porco, Rev. Col. Bras. Cir, 2004. 31(6): 349 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 74 miolo_DEF.pmd 74 13/08/09, 12:34:edson 13. VALEZI, AC, MALI JÚNIOR, J, MARSON, AC, BRITO, EM, SOUZA, JCL. Tratamento do megaesôfago chagásico grau II por laparoscopia: experiência em 12 casos, Rev. Col. Bras. Cir, 2004. 31(3): 151. Endereço para correspondência Michel Washington Calabria Cardoso. Rua Mundurucus, nº 4752, apt. 101A - Guamá CEP: 66050-380. Belém – Pará Fone: (91) 3259-3222/ (91) 88454513/ (91) 84123774 E-mail: [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 75 75 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 76 miolo_DEF.pmd 76 13/08/09, 12:34:edson INICIAÇÃO CIENTÍFICA CARACTERIZAÇÃO DOS ACIDENTES DOMÉSTICOS ENVOLVENDO CRIANÇAS DA COMUNIDADE ÁGUA CRISTAL, BELÉM PA CHARACTERIZATION OF THE ACCIDENTS INVOLVING CHILDREN REGISTERED AT THE UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA ÁGUA CRISTAL Évila Fernanda Lameira de Melo SODRÉ, Heliana Freitas de Oliveira GÓES, Luís Paulo de Miranda Araújo SOARES, Natércia Neves MARQUES, Rafael Trindade de OLIVEIRA Introdução: os acidentes constituem um problema de saúde com implicações sociais de relevância cada vez maior para a saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde, no ano de 2004, de 5902 crianças menores de 14 anos morreram por causas externas, 292 mortes foram por quedas, 387 por queimaduras e 109 por intoxicações. Objetivo: caracterizar os acidentes domésticos predominantes, envolvendo crianças menores de 12 anos da comunidade Água Cristal. Método: pesquisa transversal, realizada no período de setembro a outubro de 2007. Considerando um universo de 900 crianças, faixa etária de zero a doze anos incompletos, matriculadas na Unidade de Saúde da Família Água Cristal, calculou-se uma casuística de 277 crianças que sofreram um ou mais acidentes domésticos, período de janeiro de 2005 a outubro de 2007. Para cada criança da amostra, preenchido um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e um protocolo com as informações referentes ao(s) acidente(s) doméstico(s) sofrido(s) pela criança, especificando os tipos de ferimentos por instrumentos (contundente, cortante e perfurante), queimaduras (física, elétrica e química), intoxicação exógena (medicamentos, materiais de limpeza e outros), ferimentos por animais (gato ou cachorro) e quedas (própria altura, cama, escada, rede e outros), este relacionado ainda com a presença de desnível no assoalho. Resultados: os acidentes predominantes foram quedas, seguidas por lesões por instrumentos e queimaduras. Quanto aos tipos das quedas, prevaleceram as de maior altura (37,76%), seguidas por quedas da cama 23,08%. Além disso, observou-se que havia desnível no assoalho em 70,77% das residências onde ocorreram quedas. Entre as lesões por instrumentos, 54,17% foram causadas por instrumentos cortantes, 32,29% por contundentes e 13,54% por perfurantes. Nos acidentes provocados por queimaduras, os agentes físicos foram os principais causadores de lesões (86,79%), sendo raramente ocasionadas por agentes químicos ou elétricos. Conclusão: O tipo de queda mais incidente foi a de maior altura, havendo estreita relação com o desnível do assoalho. A lesão por instrumento cortante foi a mais freqüente e, entre as queimaduras, a física foi a mais incidente. DESCRITORES: crianças, acidentes domésticos, caracterização CASA FAMÍLIA ÁGUA CRISTAL, BELÉM-PA Trabalho apresentado na VII Jornada de Trabalho Científico do Curso de Medicina/UEPA, em 7/12/2007 Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 77 77 13/08/09, 12:34:edson PREVALÊNCIA DO CONHECIMENTO E PRÁTICA DO AUTO-EXAME DAS MAMAS, ENTRE AS MULHERES ASSISTIDAS NA URE-DIPE NO PERÍODO DE SETEMBRO/2006 A NOVEMBRO/2006 PREVALENCE OF THE KNOWLEDGE AND PRACTICE OF THE BREAST SELF-EXAMINATION AMONG THE WOMEN COMMISSIONED ON URE - DIPE INTO THE PERIOD OF SEPTEMBER/2006 UNTIL NOVEMBER /2006 Ronaldo Costa MONTEIRO, Edgar de Brito SOBRINHO, Giancarlo Martorano PRIANTE, Kleison Resende SANTANA, Marcio Silva GOMES e Rachid Marwan Pinheiro SOUSA. Introdução: o câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais freqüente no mundo, com 1,05 milhão de novos casos no ano 2000, significando 22% de todos os casos de câncer e, apesar do aumento da sobrevida decorrente do diagnóstico da doença em estágios clínicos iniciais e dos modernos métodos terapêuticos, mais de um terço das pacientes irá morrer em decorrência de metástases. As formas mais eficazes para detecção precoce do câncer de mama são: o auto-exame das mamas (AEM), o exame clínico e a mamografia. Embora o conhecimento das vantagens do AEM seja bastante divulgado, diversos estudos demonstram que o índice de prática é incipiente em diversas partes do mundo. Objetivo: verificar a prevalência do conhecimento da prática do AEM, bem como os motivos da não realização desse exame, no grupo de mulheres assistidas na Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias (URE-DIPE) Método: realizado um estudo analítico mediante protocolos a 136 pacientes, com idade superior a 15 anos, devidamente matriculadas que freqüentaram a unidade no período de setembro de 2006 a novembro de 2006. Conforme a natureza das variáveis foi aplicada análise estatística descritiva sendo informados os valores percentuais dos dados analisados. Resultados: a maioria (98,53%) das pacientes já ouviu falar do AEM e praticava esse exame (57,46%), no entanto não o realizavam por falta de interesse (40,35%). Das que encontraram anormalidades durante a realização do exame, grande parte procurava assistência médica (94,12%). Por outro lado, o desconhecimento e a falta de interesse foram os principais motivos para a não realização desse exame (40,65%). Conclusão: concluiu-se que a quase totalidade das pacientes entrevistadas conhecia o AEM e a metade era adepta da realização desse exame. DESCRITORES: auto-exame das mamas, mulheres grávidas, câncer de mama. Trabalho realizado como Conclusão de Estágio no Curso de Graduação de Medicina, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade do Estado do Pará-UEPA. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 78 miolo_DEF.pmd 78 13/08/09, 12:34:edson IMAGEM EM DESTAQUE ADENOMIOMATOSE DE VESÍCULA BILIAR (COLECISTITE GLANDULAR PROLIFERANTE) GALLBLADDER ADENOMYOMATOSIS (CHOLECYSTITIS GLANDULARIS PROLIFERANS) André Luiz Santos Rodrigues1, Renato Marcelus Bordalo Pantoja1 e Lucas Crociati Meguins2 Mulher, 46 anos, realizou ultra-sonografia devido à vaga queixa dispéptica que mostrou lesão hipoecoica de aproximadamente 2,5cm adjacente à vesícula biliar. As provas inflamatórias de função hepática e alfa-fetoproteina normais e sorologias para hepatite B e C negativas. A tomografia computadorizada evidenciou lesão nodular hipodensa com alo hiperdenso em segmento V do fígado (figura 1). Optou-se pela realização de nodulectomia hepática. No entanto, o achado intra-operatório evidenciou espessamento anular localizado no fundo da vesícula biliar e ausência de lesão nodular hepática. Procedeu-se então a colecistectomia (figura 2). O exame anatomopatológico evidenciou adenomiomatose de vesícula biliar. Figura 1: Corte tomográfico mostrando lesão nodular hipodensa em segmento hepático V (seta). 1 2 Figura 2: Aspecto macroscópico da adenomiomatose de vesícula biliar. Notar espessamento da camada muscular característico da moléstia. Cirurgião do Serviço de Clínica Cirúrgica. Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna Graduando de Medicina. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Pará e-mail: [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 79 79 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 80 miolo_DEF.pmd 80 13/08/09, 12:34:edson IMAGEM EM DESTAQUE HIPERPLASIA NODULAR FOCAL FOCAL NODULAR HYPERPLASIA André Luiz Santos Rodrigues1 e Lucas Crociati Meguins2 Homem, 32 anos, assintomático, realizou ultra-sonografia abdominal que evidenciou imagem hiperecogênica em lobo hepático direito. Na investigação propedêutica, as provas inflamatórias de função hepáticas e alfafetoproteína estavam normais e sorologias para hepatite B e C negativas. A tomografia computadorizada evidenciou lesão nodular isodensa sem cicatriz central no segmento V, adjacente ao leito da vesícula biliar, de cerca de 3,0 cm. A ressonância magnética revelou lesão com isossinal em relação ao parênquima hepático em imagem ponderada em T2 (Figura 1). O paciente foi submetido à nodulectomia com margem cirúrgica de 1,0 cm mais colecistectomia. A macroscopia da lesão ao corte evidenciou cicatriz central com prolongamentos radiados centrífugos sugestivos de hiperplasia nodular focal (Figura 2). O exame anatomopatológico revelou tratar-se de hiperplasia nodular focal. Figura 1: Imagem de RM do abdome ponderada em T2 evidenciando nódulo com hipossinal (seta). 1 2 Figura 2: Aspecto macrosópico do nódulo hepático ressecado. Notar cicatriz central característica de HNF. Cirurgião do aparelho digestivo Graduando de Medicina da Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Pará. e-mail: [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 81 81 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 82 miolo_DEF.pmd 82 13/08/09, 12:34:edson QUESTÕES DE LINGUAGEM MÉDICA Sigilo ou segredo médico? Simônides Bacelar Médico, pesquisador em Língua Portuguesa, Instituto de Letras, Universidade de Brasília. Nos dicionários, segredo e sigilo são sinônimos. O Aurélio (1), o Houaiss (2) e outros dicionários de valor registram sigilo profissional e segredo profissional como expressões equivalentes. Convém ressaltar que, segundo bons lingüistas, não há sinônimos perfeitos. Para Câmara Júnior, “em matéria de sinonímia, é preciso, antes de tudo, ressalvar que não há a rigor o que muitas gramáticas chamam os sinônimos perfeitos: eles só existem como tais nas listas dessas gramáticas. Todos decorrem das significações diversas que adquire uma mesma coisa, de acordo com os diversos interesses que tem para nós; um conceito ‘neutro ’ se concretiza em duas ou mais denominações, segundo valores específicos, e é assim que a palavra construção, que nos faz ver o conjunto arquitetônico, cede lugar a prédio para objetivar o bem imóvel. É o interesse, e também a incerteza das apreciações, que explica o fato de nos parecer haver muitas vezes à nossa escolha duas palavras sinônimas, como justo e equitativo ou castigar e punir para qualificar uma ação ou um procedimento” (3). Pode-se afirmar que, em um determinado contexto, um mesmo sentido pode ser expresso com dois ou mais termos. No sentido de conjunto de palavras de um idioma, por exemplo, vocabulário e léxico têm o mesmo sentido. Nesse contexto, são literalmente sinônimos, isto é, são nomes com a mesma ação semântica. De acordo com J. Dubois e colaboradores, “em teoria semântica moderna, duas unidades (léxicas) não são sinônimas a não ser que tenham o mesmo sentido estrutural definido por meio de uma análise rigorosa” (4). Em redações como as jurídicas, normativas, científicas, documentais e similares, é imprescindível expressar sentidos por meio de nomes que não possam expressar outros sentidos. É importante selecionar termos que não permitam senão expressar os significados que o autor pretende transmitir ao leitor ou ao consulente. Por essa razão e para evitar obscuridades e ambigüidades, indica-se estudar as distinções semânticas que possa trazer clareza no uso desses termos, para correto entendimento e efeito de aplicação prática, fatos exigíveis, sobretudo em relatos legais, oficiais, científicos e outros estilos em que a linguagem deva ser clara. Nesse sentido, é mister separar os significados de sigilo e segredo, conforme as considerações expostas adiante. Pode-se dizer que segredo é simplesmente um fato reservado ao conhecimento de uma ou de poucas pessoas, portanto, de sentido restritivo. Sigilo é o segredo protegido por norma ou por lei. Assim, sigilo médico é o termo mais adequado como expressão jurídica ou normativa, de sentido mais amplo. Para justificar esses enunciados, é necessário expor os conceitos etimológicos, médicos, legais, gramaticais e jurídicos que levam a questionamentos sobre segredo ser o mesmo que sigilo. Etimologia Do ponto de vista etimológico, vislumbramse algumas diferenças entre os termos em questão. Do latim secretum, lugar isolado, secreto, veio segredo em português, no sentido de algo em separado, isolado que apenas uma ou poucas pessoas têm conhecimento. Sigilo provém de sigillo, estatueta, sinete, ou diminutivo de signum, sinal, selo. Em rigor, significa sinalzinho, daí, selinho, forma de lacre de correspondência muito comum antigamente, para mantê-la inviolável, pois em geral tratava de assunto confidencial. De Plácido e Silva (5) registra sigilo como o que está sob selo ou sinete (do francês signet, carimbo gravado em relevo com as armas ou iniciais do usuário). O dicionário Larousse Cultural (6) consigna sigilo como forma antiga de selo, de sinete para lacrar documentos. Daí, por extensão, sigilo passou a significar segredo, ou vice-versa, no uso geral. No sentido original, o Aulete (7) registra sigilo Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 83 83 13/08/09, 12:34:edson de correspondência, como o mantido entre o remetente e destinatário. O artigo 326 do Código Penal proíbe “revelar o sigilo de proposta de correspondência pública ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo”, o artigo 5.o da Constituição Federal estatui: “é inviolável o sigilo da correspondência”. Do Houaiss (2): sigilo advém do latim sigìllum, marca pequena, sinalzinho; estatueta, objeto de relevo; sinete, selo, sigilo, diminutivo de signum, signo, marca distintiva, sinal, selo; divergente erudito de selo; formas históricas: 1561 sigillo, 1813 segelos, sinete, selo, 1623 segelho, 1676 sigillo, segredo. Segredo procede do latim secrétum, lugar isolado, solidão, secreto, pensamentos, falas secretas, substantivação de secrétus, do radical de secrétum, supino de secernère, pôr à parte, separar, extremar, discernir, distinguir; pôr de parte, escolher; guardar, destinar; formas históricas: século XV sacretos, século XV sagrego, século XV secreto. Assim, para se referir à coisa secreta, o termo segredo é mais coerente com o étimo, e sigilo como um segredo sob alguma forma de proteção no sentido figurado ou objetivo indicado por selo ou lacre. Tornam-se, assim, opções de base erudita. Conceitos legais Nas formas legais, em geral, aparecem indiscriminadamente sigilo e segredo, sigilo profissional e segredo profissional, segredo médico profissional e sigilo médico profissional, com significados idênticos, em que é preciso reconhecer e considerar a legitimidade da sinonimia. Contudo, há dispositivos legais que trazem sigilo na condição de segredo sob proteção legal: Código Penal, inciso III, artigo 19: a obrigação ao sigilo profissional pode ser dispensada em relação a médicos militares, médicos sanitaristas, peritos, em cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito. Código de Processo Civil artigo 347: a parte não é obrigada a depor de fatos: (...) II – a cujo respeito, por estado ou profissão deva guardar sigilo. Resolução n.º 1605/2000, Conselho Federal de Medicina, nos considerandos: o sigilo médico é instituído em favor do paciente. Outros instrumentos legais trazem segredo no sentido de fato cujo conhecimento é privado. Novo Código Civil, Lei n.º 10.406/2002, art. 229: Ninguém será obrigado a depor sobre fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo. Código Penal, art. 154: revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função... Código Penal (de Portugal), art. 195, livro II, titulo I, capítulo VII: “Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de quem tenha tomado Conceito médico Entre os médicos, segundo G. França (8) conceituam-se: segredo como um fato conhecido por alguém ou por um número limitado de pessoas interessadas em sua inviolabilidade às quais a divulgação poderia causar certos desserviços; sigilo médico é o silêncio que o profissional da medicina está obrigado a manter sobre fatos de que tomou conhecimento em face de sua profissão, com ressalvas feitas em casos especiais. Conceito gramatical Há interpretação semântica: A. L. Sacconi (9) também notifica diferenças: segredo é aquilo que não se diz ou não se deve revelar; é o silêncio que nos impõe a obrigação ou a necessidade: segredo de justiça, segredo profissional; sigilo é o segredo absoluto, ligado à ética, o qual não deve ser revelado nem veiculado em nenhuma hipótese: sigilo confessional, sigilo bancário, sigilo profissional. Por essa via de entendimento, segredo médico torna-se uma afirmação questionável, pois o segredo, de fato não é do médico, pois é de fato e exatamente um segredo do paciente transmitido ao médico, e que depois pode passar a ser conhecido por qualquer outro membro da equipe assistencial que não seja médico. Sigilo médico torna-se mais compreensível, já que o médico se resguarda eticamente e juridicamente dentro de um direito e de um dever incorporado em um só termo – o sigilo profissional, mais especificamente aplicável ao terapeuta – o sigilo médico. Acrescentase aqui, que o termo sigilo do doente se tornaria incongruente nesse contexto, pois este não é obrigado a guardá-lo ou respeitá-lo. Conceitos jurídicos No propósito jurídico, segredo é a coisa que está sob reserva ou oculto, e sigilo é o segredo que não deve ser violado. O sigilo traduz, com maior rigor, o segredo que não pode nem deve ser violado; o contrário importa em quebra de dever imposto à pessoa, geralmente em razão de sua profissão (5). Em Horcaio, também há diferenciação: segredo é fato de conhecimento restrito a número reduzido de pessoas e sigilo é reserva, a não- Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 84 miolo_DEF.pmd conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias” Código de Processo Penal, art. 207: são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho. 84 13/08/09, 12:34:edson revelação de fatos (10). Em Acquaviva (11) a diferença está bem explicitada: “Antes de mais nada, uma distinção, pouco observada, entre sigilo e segredo. Enquanto o segredo vem a ser um fato que se deseja ocultar, o sigilo é simplesmente o meio utilizado para preservar, proteger o segredo. A própria etimologia de sigilo revela que tal palavra vem do latim sigillum, selo, diminutivo de signum, sinal, carimbo, marca. Então sigilo nada mais é que lacre, selo, invólucro protetor”. Essa visão jurídica estima que a expressão segredo sigiloso não constitui redundância, mas um termo técnico que explicita a figura de um segredo cuja guarda ou manutenção é assegurada por norma ou por lei, isto é, um sigilo. Por esses termos, são questionáveis expressões como “confessar um sigilo”, “vou lhe contar um sigilo”, “O sigilo pertence ao paciente”, “muitos fenômenos da natureza são sigilos a serem desvendados”, “revelar o sigilo profissional”. Nesses casos, segredo seria o nome mais apropriado. Por sua vez, ficam sob questionamento expressões dos tipos: “Ficar sujeito ao segredo profissional”, “descumprir o segredo profissional”, “obrigatoriedade do segredo profissional”, “O segredo profissional protegerá o menor”, “O segredo médico tem de ser formal”. Nesses casos, sigilo profissional poderia ser de uso mais consistente. De fato, algumas expressões são mais usadas com o termo segredo em que se infere um fato: segredo de Estado, segredo militar, segredo do coração, segredo de polichinelo; outras, com sigilo, em que se indica uma obrigação normativa ou legal: sigilo médico, sigilo profissional, sigilo de correspondência, sigilo sacramental, sigilo telefônico, sigilo de confissão, sigilo bancário, sigilo fiscal, sigilo processual. Segundo O. Sidou (12) sigilo bancário é o “comportamento ético exigido de todas as instituições financeiras, no sentido de preservarem de terceiros, salvo motivo legal, os dados de que disponham relativos aos seus clientes”. Comentário final Pelo que se expôs, segredo e sigilo são sinônimos, e segredo profissional ou sigilo profissional são termos equivalentes, por seu amplo uso e consagração na linguagem geral. Pelo sentido essencial guardado, historicamente, no âmago do termo desde sua origem, segredo essencialmente indica o que é secreto, um forte sentido de algo cuidadosamente guardado, e sigilo, no mesmo contexto, indica um selo que protege um segredo. Essa analogia pode ser considerada quando se procura uma distinção de significados. Tendo em vista as diversificações esmiuçadas no campo jurídico, convém, no mesmo passo, diferençar esse uso nos textos normativos adstritos à ética médica e demais documentos ou relatos de efeito oficial ou científico ou em que seja exigida linguagem exata ou mais bem delineada, sem obscuridades ou ambiguidades. Assim, propõe-se sigilo profissional como figura normativa que expressa um segredo como um fato a ser guardado à parte sob proteção de lei ou de norma, no caso, norma ética, por esse termo expressar com mais rigor e adequação esse princípio ético profissional. Referências 1. Ferreira ABH, Ferreira MB, Anjos M. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 3.ª ed. atualizada, 1.ª impressão, Curitiba: Ed. Positivo; 2004. 2. Houaiss A, Salles VM, Franco FMM. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1.a ed., Rio de Janeiro: Objetiva; 2001. 3. Câmara Jr. JM. Manual de expressão oral e escrita. Rio de Janeiro: J. Ozon; 1961. 4. Dubois J, Giacomo M, Guespin L, Marcellesi C, Marcellesi JB, Mevel JP. Dicionário de lingüística, São Paulo: Cultrix; 1998. 5. Silva, DP, Slaibi Filho N, Carvalho G. Vocabulário jurídico, 27.a ed., Rio de Janeiro: Editora Forense; 2008. 6. Larousse Cultural. Dicionário da Língua portuguesa. São Paulo: Nova Cultural; 1992. 7. AULETE, Caldas, GARCIA, H., NASCENTES, A. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 3.a ed., Rio de Janeiro: Delta; 1980. 8. França GV. Comentários ao Código de Ética Médica, 4.a ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; s. d. 9. Sacconi LA. Dicionário de dúvidas, dificuldades e curiosidades da língua portuguesa, 1.a ed. São Paulo: Harbra; 2005. 10. Horcaio I. Dicionário jurídico, 1.a ed., São Paulo: Primeira Impressão; 200 11. Acquaviva MC. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva, 12.a ed., São Paulo: Editora Jurídica Brasileira; 2004. 12. Sidou OJM. Dicionário jurídico da academia brasileira de letras jurídicas. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1990. Endereço p/correspondência: Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília UnB Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 85 85 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 86 miolo_DEF.pmd 86 13/08/09, 12:34:edson ARTIGOS ESPECIAIS A MEDALHA DE CARIDADE AO DR. JOSÉ PAES DE CARVALHO, BELÉM, 1895. UMA CONTRIBUIÇÃO À MEMÓRIA DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DO PARÁ E À HISTORIOGRAFIA DA MEDALHÍSTICA PARAENSE Habib FRAIHA NETO1 e Márcio Couto HENRIQUE2 Em sessão ordinária de Assembléia Geral realizada em 24 de dezembro de 1895, a Associação de Caridade Santa Casa de Misericórdia do Pará aprovou por unanimidade a concessão do título de sócio benemérito ao Dr. José Paes de Carvalho, em reconhecimento “pelos bons e reais serviços que a ela tem prestado não só como médico do Hospital de Caridade, como ainda no caráter de Provedor que foi”. 1 De acordo com os Estatutos da entidade, em suas Disposições Gerais, artigos 71 e 72, o título seria conferido a pessoa que houvesse prestado serviços relevantes ou feito donativo importante à associação, ou prestado assinalados serviços por ocasião de calamidade pública na capital. Deveria vir acompanhado de uma medalha de ouro e do respectivo diploma.2 A entrega do título e da medalha ao Dr. Paes de Carvalho ocorreria somente mais de dezesseis meses depois, tempo certamente necessário para as providências de encomenda dos serviços, elaboração do anteprojeto medalhístico, modelagem, cunhagem da peça e, finalmente, ao agendamento de nova sessão, agora na dependência da disponibilidade do homenageado, já então Governador do Estado, recentemente empossado em 1º de fevereiro de 1897. A solenidade de entrega realizou-se na manhã de 16 de maio de 1897, em sessão extraordinária da Assembléia Geral no Salão Nobre do hospital, engalanado, a que compareceram autoridades e a mais alta sociedade paraense. Segundo os termos da Ata da sessão3 e relato da imprensa local4, o ato foi soleníssimo, presidido pelo próprio Governador, tendo à sua direita o Vice-Governador Antonio Baena. Falou primeiro o Provedor da Santa Casa, Dr. Pedro Leite Chermont, justificando a honraria como recompensa aos relevantes serviços prestados pelo homenageado durante cerca de vinte anos, quer como médico e primeiro cirurgião do hospital, quer como provedor em 1891, e como tributo de gratidão por importantíssimos donativos pecuniários por ele feitos à instituição em várias épocas. Discursou em seguida o orador oficial, Dr. Antonio Firmo Dias Cardoso Junior, seguido ainda de dois outros oradores. Por último, falou o Dr. Paes de Carvalho. Comovido, com a voz grave e compassada, agradeceu a honra que lhe conferiam, tendo sido ao final, uma vez mais, calorosamente aplaudido pelo auditório. Após execução do Hino Nacional, a cargo de duas bandas de música postadas à entrada do prédio, o Dr. Pedro Chermont levantou-se e declarou encerrada a sessão. 1. Professor Adjunto do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará, Membro titular da Academia de Medicina do Pará e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES-PA). 2. Historiador do Museu/Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia do Pará, Doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Pará. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 87 87 13/08/09, 12:34:edson Descrição da medalha Figura 1: A medalha de caridade concedida ao Dr. José Paes de Carvalho. Medalha de formato circular, cunhada em bronze dourado, medindo 65 mm de diâmetro e pesando 90 g. Anv.: Na orla, a legenda semicircular: ASSOCIACÃO DE CARIDADE SANTA CASA DE MIZERICORDIA DO PARA´. No exergo, uma estrela de seis pontas. No campo, a inscrição em sete linhas horizontais: MEDALHA / DE / CARIDADE / Concedida ao Socio Benemerito / o EXMO SNR. DR. / JOSÉ PAES DE CARVALHO / 1895. Abaixo, pequeno ornato clássico fitomorfo, em volutas. Rev.: Alegoria representando a caridade aos desvalidos, vendo-se ao fundo imponente edifício de três pavimentos, em estilo neoclássico. Na peça não figura o nome do gravador. Referência em catálogo PROBER, Kurt. Catálogo das Medalhas da República. Rio de Janeiro: Banco Econômico da Bahia, 1965, p.31, reg.1895 no16 BD.5 Comentários Não foi possível resgatar informe sobre o local de cunhagem da peça. A julgar, entretanto, pelo estilo do artista modelador e pela grafia de certas palavras, como ASSOCIACÃO (sem a cedilha e com o til deslocado), parece haver sido ela executada em país europeu de língua não portuguesa, com o qual o Pará mantivesse estreita relação cultural e Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 88 miolo_DEF.pmd comercial, muito provavelmente a França. Não é de todo impossível, porém, sua origem italiana. O prédio, visto ao fundo, na alegoria do reverso guarda certa semelhança com o do Hospital do Senhor Bom Jesus dos Pobres (Figura 3), erigido entre 1785 e 1787, por D. Frei Caetano Brandão no Largo da Sé, originalmente pertencente ao acervo da Confraria da Caridade, incorporado em 1807 aos bens da Misericórdia Paraense 6 e impunemente demolido durante a década de 60.. Apenas o gravador usou de certa liberdade artística, modificando as proporções (a volumetria), talvez com o intuito de acomodar a ilustração ao espaço disponível, e simplificando as aberturas. De qualquer modo, tratase de uma figuração alusiva à natureza hospitalar da instituição. Jussara Derenji observa ainda o barrete frígio, nítido propósito de associar a filantropia ao regime republicano. Mero enaltecimento ao novo regime, certamente muito agradável a Paes de Carvalho, um dos mais ardorosos defensores do pensamento republicano em nosso país. Essa alusão não faz, entretanto, o menor sentido, pois tanto a Confraria da Caridade quanto a Misericórdia Paraense tiveram suas origens em plena vigência do regime monárquico. A medalha constitui, decerto, uma das peças mais belas, raras e preciosas da medalhística paraense. O catálogo Prober não faz referência à 88 13/08/09, 12:34:edson quantidade cunhada, mas é provável que constitua peça única e corresponda ao exemplar integrante do acervo H. Fraiha de medalhas do Pará, cuja foto ilustra este artigo. Foi adquirida, entre outras, a 7 de abril de 1992, do amigo Dr. Domingos Costa Junior, também médico, quando decidiu ele desfazer-se de sua magnífica coleção de medalhas em favor de outro gênero de colecionismo. A peça faz parte do acervo já formalmente oferecido em duas diferentes ocasiões em doação ao Governo do Estado e que permanece ainda à espera de um espaço de museu. Informação complementar Paes de Carvalho (Figura 2) foi o primeiro agraciado com o título de benemérito da instituição. Outras personalidades têm sido assim distinguidas ao longo dos anos ulteriores. Eis a relação, talvez ainda incompleta e não necessariamente em ordem cronológica: Antonio José de Lemos, Cipriano José dos Santos, José Júlio de Andrade, Dionysio Ausier Bentes, Manoel de Mello Cardoso Barata, Justus H. Nelson, Cecília Baena Nogueira, Pe. Antonio Cândido da Rocha, Antonio de Almeida Faciola, Guilherme Paiva, Oscar Pereira de Miranda, José Gutierrez Garcia Filho, Getúlio Dornelles Vargas, José Leite Chermont, Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, Guaraciaba Quaresma da Gama, Flávio Guy da Silva Moreira, Jarbas Gonçalves Passarinho e Alacid da Silva Nunes. Se o título lhes foi conferido também acompanhado de medalha de ouro, não temos notícia. Agradecimentos À Sra. Oneide Carvalho, responsável pelo acervo documental da Santa Casa de Misericórdia do Pará em décadas passadas. Ao Dr. Domingos Costa Jr., a quem cabe o mérito de haver impedido a evasão de tão preciosa medalha, quando corríamos o risco de vê-la negociada para fora do estado. Ressalte-se-lhe, ainda, a generosidade com que mais tarde no-la disponibilizou à venda. Ao exGovernador Alacid da Silva Nunes e seu Secretário de Estado, Prof. Georgenor de Souza Franco, pelo inestimável apoio às nossas pesquisas sobre a Medalhística Paraense, em janeiro de 1969. À Dra. Maria de Nazareth Salles Neves, a Dra. Nanete, pela generosa doação da obra de Arthur Vianna sobre a Santa Casa, em sua edição original, que tantas vezes nos tem subsidiado no estudo da historiografia médica paraense. Às Sras. Dulce Ludolf e Eliane Rose Vaz Cabral Nery, Chefes do Departamento de Numismática do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, pela simpática acolhida em dois momentos distintos em que buscamos orientação para a descrição de peças da numária paraense. À arquiteta e crítica de arte Jussara Derenji, pelas observações tão pertinentes acerca da alegoria do reverso da medalha. Figura 2: O Dr. José Paes de Carvalho. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 89 89 13/08/09, 12:34:edson Figura 3: O Hospital do Senhor Bom Jesus dos Pobres (reproduzido de Arthur Vianna, opus cit., entre as páginas 80 e 81). Referências 1. Associação de Caridade Santa Casa de Misericórdia do Pará. Livro de Actas; 1893-1933. Sessão Ordinária em 24 de Dezembro de 1895. p.4b-5a. 2. Estatutos da Associação de Caridade Santa Casa da Misericordia. Belém: A Provincia do Pará, 1891. 3. Associação de Caridade Santa Casa de Misericórdia do Pará. Livro de Actas; 1893-1933. Sessão solemne extraordinaria em 16 de Maio de 1897. p.5b-6b. 4. A Província do Pará, ano 22, n.6.316, 17 de maio de 1897, p.2. 5. PROBER, K. Catálogo das Medalhas da República. Rio de Janeiro: Banco Econômico da Bahia, 1965. 211p. [Monografias numismáticas, Kurt Prober, v.11]. 6. Vianna, Arthur. A Santa Casa da Misericordia Paraense; noticia historica 1650-1902. Belém: Alfredo Augusto Silva, 1902. 386 p. Endereço para correspondência Habib Fraiha Neto Av. Generalíssimo Deodoro, 805, ap.602- Umarizal 66050-160 Belém PA - E-mail: [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 90 miolo_DEF.pmd 90 13/08/09, 12:34:edson ARTIGOS ESPECIAIS O PROBLEMA DO ESTATUTO ONTO-AXIOLÓGICO DO FETO E O SEU LUGAR NA COMUNIDADE MORAL. Marconi José Pimentel Pequeno1 A questão acerca do direito do feto, além de nos remeter aos dilemas gerados pelos experimentos com embriões, transplante de tecidos fetais ou coleta de material genético embrionário para fins de reprodução, nos coloca em face do problema referente ao aborto deliberadamente provocado. A discussão acerca do aborto, por sua vez, tende a gravitar em torno de algumas questões: o embrião humano ainda invisível e inerte se constitui como um membro da comunidade moral? Que tipo de ser é um feto? Seria ele um sujeito de direitos? Ou ainda: qual a nossa obrigação moral face às gerações futuras inexistentes? As pessoas chamadas a opinar sobre este tema são muitas vezes conduzidas por intuições ou por visões obscuras e preconceituosas do fenômeno. A maior parte das respostas se traduz sob a forma de posições liberais, conservadoras e moderadas a respeito do estatuto do feto, dos seus direitos e das obrigações morais que teríamos ou não em relação aos mesmos. Tal questão, porém, pressupõe uma outra: qual o estatuto onto-axiológico do feto e como a sua condição de ser é capaz de engendrar um dever-ser, ou seja, um compromisso moral dos membros efetivos da comunidade moral? As respostas a tais questões quase sempre se afiguram incompletas ou eivadas de paradoxos. A vertente liberal, ao afirmar o inalienável direito do homem à propriedade, considera natural o fato de o indivíduo exercer um controle sobre seu corpo e sobre seus atos. O direito à propriedade, nesse caso, se afigura como absoluto, sendo os demais direitos derivados deste. Disso resulta que a mulher, titular de um direito absoluto sobre seu corpo, poderia conceber o feto como um intruso ou como um apêndice que lhe está aderido. Com base nesses pressupostos, nenhum ser humano teria o direito de impor a um outro um gesto positivo em seu favor se 1 este não for livremente consentido. Significa dizer que o destino do embrião e, mais tardiamente, do feto, poderia ser decidido pela progenitora em qualquer momento da gravidez. No entanto, tal concepção suscita alguns problemas. Ora, ninguém duvida que o feto situa-se no interior do corpo da mulher, porém, parece exagerado compará-lo a um de seus órgãos. Com efeito, no momento da fecundação, dois gametas haplóides fusionam-se para dar origem a um zigoto diplóide. Assim, do ponto de vista genético, e levandose em conta as vias tradicionais de fecundação (copulação homem-mulher), o feto é, em sua metade, produto ou genuíno herdeiro do patrimônio genético do pai. Se se aceita que o ser humano é legitimamente possuidor disto que ele elaborou ou transformou, a situação fica ainda mais complexa, posto que o homem tornar-se-ia também proprietário do ser que se aloja no ventre da mulher. Por outro lado, se se parte do pressuposto de que o feto é desde sempre um ser humano, as dificuldades ampliam-se consideravelmente, pois o feto e a mucosa uterina participam conjuntamente da formação da placenta e isto o tornaria, pelo menos em parte, possuidor da mesma. O aborto provocado o privaria, assim, de uma propriedade que poderíamos reputar, a partir de então, como sendo legítima. Eis alguns impasses enfrentados pelas teorias liberais que fazem do direito de propriedade a base dos demais direitos. Por outro lado, as concepções de tendência conservadora, notadamente contrárias às práticas abortivas, afirmam que existe no zigoto já constituído a identidade biológica de um novo indivíduo humano e, por conseguinte, de uma pessoa. Mas isto também não contribui para superar o impasse. Primeiramente porque a idéia segundo a qual ser humano, personalidade e individualidade biológica se Pós-doutorado em Filosofia pelo Centre de Recherche em Éthique da Université de Montreal, Canadá. Professor associado II na Universidade Federal da Paraíba. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 91 91 13/08/09, 12:34:edson identificam desde o instante da concepção se mostra insuficiente. Além disso, a noção de identidade, quando aplicada aos elementos do processo biológico, vai de encontro ao sentido mesmo da idéia de evolução, cujo percurso é sujeito a intempéries e recuos, isto é, sofre reveses e vicissitudes imprevisíveis. Noutra direção, pode-se abordar o problema do feto em termos de pessoa ou, mais particularmente, em termos de pessoa em potencial, mas, para tanto, seria necessário definir o que se entende por ser humano e pessoa. O temo pessoa não está livre de equívocos: a pessoa (entidade dotada de valor e fim em si mesma) opõe-se evidentemente à coisa (aquilo do qual podemos dispor). Do ponto de vista jurídico, uma pessoa é um ser titular de direitos e de obrigações que tem, por isso mesmo, um papel juridicamente reconhecido (uma pessoa pode ser proprietária de um bem, assinar um contrato, recorrer à justiça, etc.). Também sabemos que grupos de pessoas podem ter uma personalidade jurídica: os seres humanos podem ser pessoas jurídicas, mas nem toda pessoa jurídica é um ser humano (por exemplo: uma empresa, o Estado, um clube social.). Com efeito, se às pessoas podemos atribuir direitos plenos, a partir de quais critérios podemos julgar se um feto é pessoa? Considera-se pessoa todo ser capaz de perceber, sentir, ter conhecimento do mundo exterior, raciocinar, agir de maneira independente, se comunicar e ter consciência de si. Enfim, trata-se de qualidades pertinentes àqueles indivíduos que podemos chamar de agentes. Nesse sentido, a posse em potencial dos sinais característicos do ser pessoa, não confere ao feto um direito à vida. A possessão em potencial dessas capacidades faria dele apenas um titular potencial de direitos. Mas direitos potenciais, ao que parece, não criam obrigações efetivas. Poder-se-ia afirmar, com base nessas considerações, que o feto não é uma pessoa, nem, tampouco, faz parte da comunidade moral. Porém, seria correto pensar que outros seres humanos que carecem de tais atributos como os velhos senis, os doentes em estado de coma, os deficientes mentais agudos, os altistas, são também destituídos de pessoalidade? A resposta é não, posto que os indivíduos acima mencionados ainda gozem do estatuto de membros da comunidade moral, o que lhes garante direitos jurídicos e prerrogativas inquestionáveis. Por outro lado, se a esta noção de pessoa forem acrescentadas outras qualidades, como, por exemplo, a racionalidade, o poder criativo e a autonomia de escolha e decisão, tornar-se-ia mais Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 92 miolo_DEF.pmd difícil encontrar exemplares na espécie que façam jus à designação de pessoas detentoras de direito. Em razão de tais dificuldades, a maioria dos autores que insistem sobre a idéia de que o feto é uma nãopessoa considera que é somente com o nascimento que o mesmo adquire seu estatuto de membro da comunidade moral. Mas por que o nascimento constitui um fato crucial ao tratamento deste problema? Sabe-se que existe uma diferença, moralmente, significativa entre um feto momentos antes de vir ao mundo e um recém-nascido pouco depois de nele surgir. Raciocinar deste modo significa também reconhecer o princípio de justiça que garante ao recém-nascido prematuro, apesar de seu surgimento precoce, um estatuto de membro da comunidade moral, titular do direito à vida. Todavia, um feto, mesmo que plenamente desenvolvido, mas ainda alojado no útero materno, não tem existência assegurada, já que continua à mercê de um aborto espontâneo tardio ou mesmo da morte súbita da progenitora. Eis por que, depois do nascimento, a mãe, assim como os demais membros da comunidade moral, não têm o direito de suprimir sua existência. Ademais, quando se elege o ser humano adulto como paradigma de pessoa, surge inevitavelmente a questão do infanticídio, pois dificilmente podemos dizer que o recém-nascido manifesta o comportamento de uma pessoa. Ora, se o aborto é, em certas situações e culturas, moralmente admitido sob o argumento de que o feto não é uma pessoa, por que o infanticídio não seria também moralmente permitido? Não obstante o mal-estar causado por esta indagação, ela parece-nos suficiente para demonstrar as dificuldades enfrentadas pelas teorias que pensam o direito à vida a partir da idéia de pessoa. Tais dificuldades continuam a ser embaladas pelo problema fundamental que resta, para muitos, irresolúvel: quando o ser humano começa a viver? Sobre este assunto, a ciência tem muito a dizer e pouco a nos convencer. Mesmo considerando a gravidez um processo contínuo, há definições reputadas arbitrárias que tentam determinar o ponto considerado como o mais significativo para elucidar esse enigma. Segundo se confere maior ou menor importância ao enraizamento biológico da pessoa, ou, ao contrário, ao seu reconhecimento social, pode-se instituir como origem da vida humana: a nidação do blastocisto, a aparição da linha primitiva no plano mediano da face dorsal do disco embrionário, o início da atividade cerebral do feto, os primeiros movimentos do mesmo quando perceptíveis pela mulher gestante, à viabilidade, a completude do seu ser, etc. 92 13/08/09, 12:34:edson Desconsiderando este fato, outras concepções, não menos problemáticas, alegam, a partir do argumento de pertinência específica, que o feto deve ser respeitado e protegido por se tratar de uma criatura cuja natureza é ser racional, ou seja, pelo fato de o mesmo pertencer a uma espécie natural cujos membros são agentes tipicamente racionais. Há ainda, é claro, os argumentos de caráter teológico que defendem a inexorabilidade da vida por ser esta resultado da vontade de uma evidência absoluta. A vida é uma dádiva divina que a ninguém compete eliminar. Outros postulados assentam-se sobre o terreno do probabilismo: se existe a perspectiva de uma vida no futuro, esta vida deve ser preservada. Mas aqui somos também confrontados à evidência de que, como nos havia mostrado Mendel ao indicar que as variações genéticas são aleatórias, bruscas, descontínuas, imprevisíveis, o feto pode ser a garantia necessária, mas não suficiente de que um ser humano vivo vingará. A previsibilidade, nesse caso, não basta para fundar um direito, até porque o princípio da possessão potencial como gerador de direitos é bastante simplista para dar conta da complexidade do problema. Próximo a esta idéia, tem-se o utilitarismo hedonista que postula o direito à proteção do feto em função de sua vulnerabilidade ou fragilidade. Mas não se sabe ainda de que modo este princípio fundamentaria algum direito e se este geraria um mais essencial, como é o caso do direito à vida. Ao lado de tais teorias, existem também aquelas particularmente conhecidas por sua moderação. Estas consideram que o feto adquire apenas gradualmente um direito à vida. Esta é uma idéia defendida por Callahan (1970), para quem devemos respeitar o direito à vida, sem, no entanto, negligenciar o direito das mulheres à autodeterminação em matéria de procriação. Com isso, Callahan confere às mulheres gestantes o poder de formular as regras que irão arbitrar tais conflitos de acordo com sua consciência. Nessa mesma direção, J. English (1978) destaca o princípio de autodefesa para afirmar que, mesmo não sendo o feto uma pessoa, não se deve julgar o aborto como moralmente permitido. Com isso, ela recorre aos sentimentos morais gerados pela simpatia, compaixão e culpabilidade para garantir o direito de decisão das gestantes. Trata-se, segundo a autora, de deixar que tais sentimentos possam reger as decisões, pois a relação mulher-gestante-feto é mais importante para a questão do aborto do que a discussão sobre o estatuto do feto. Esta visão tem sido adotada, com variações ou nuanças pouco significativas, pela maior parte dos países que adotaram uma legislação permitindo certos tipos de interrupção de gravidez. Todavia, ao que parece, tais legisladores raciocinam mais em termos de saúde pública do que em termos, por assim dizer, morais. Trata-se quase sempre de limitar a prática de abortos clandestinos suscetíveis de colocar em perigo a vida das mulheres. É certo que tais leis podem chocar ou desagradar tanto os liberais quanto os conservadores. Mas é, sem dúvida, o contingente conservador que reage com mais virulência contra tais dispositivos legais, como demonstram os comandos anti-aborto nos países da Europa ou ainda alguns fundamentalistas religiosos que destilam um ódio mortal contra os profissionais que atuam nas clínicas abortivas. Quem considera aceitável que uma mulher possa recorrer ao aborto, talvez choque a consciência dos seus concidadãos, mas não é essa reprovação que irá persuadir ou induzir alguém à interrupção da gravidez. Quem pensa que uma mulher não deve jamais poder recorrer ao aborto pode ser tentado a impor, pela força, sua concepção de vida boa a alguém que a recusa. Para muitos, é melhor apostar numa posição liberal, ainda que esta seja eivada de dilemas deônticos e dramas psicológicos, do que deixar tudo sob a égide do que eles chamam de conservadorismo obtuso. Foi isso que fez uma parte dos países que legalizaram certas práticas abortivas como forma de assegurar o direito das mulheres à autodeterminação. E essa decisão pode ser melhor assegurada porque, na outra ponta, a questão referente ao direito do feto permanece confusa, polêmica e de difícil solução. Um dos argumentos utilizados baseia-se no princípio de que o feto ainda não possui as condições suficientes para se tornar uma pessoa de direito. Uma outra alegação apresentada pelos defensores da interrupção da gravidez sugere que o utilitarismo, ao defender o interesse e a vantagem que representaria a continuação da existência para o feto, também se mostra insuficiente. Assim, tanto o princípio de potencialidade se mostra duvidoso quanto o critério de otimização em matéria de política populacional se afigura questionável para a defesa do direito inalienável do feto à vida. Da mesma forma, sabe-se que o direito retroativo aplicado a uma situação pré-natal não pode ser invocado a não ser depois do nascimento. O direito legal do feto à assistência pré-natal somente poderia ser legalmente instituído se o feto fosse considerado uma pessoa, o que não é o caso. Disso se conclui que o problema concernente aos interesses de pessoas em potencial concerne não apenas à genética, mas também à ética. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 93 93 13/08/09, 12:34:edson De fato, em torno da questão do aborto orbitam dois fenômenos cruciais: o que significa nascer e morrer? Por isso, antes de tudo, convém indagar: como afirmar a necessidade da existência se, como nos lembra Sartre (1943), o nascimento é contingente e a morte é nossa condição de ser-no-mundo? Sendo o homem um ser que nasce sem que sua vontade tenha concorrido para isso, só nos resta aceitar o veredicto do filósofo francês: nascemos sem razão, existimos por fraqueza e somos susceptíveis de morrer por acaso. Ademais, a morte do ser vivo, como afirma François Jacob (1970), já está biologicamente inscrita em seu patrimônio genético. A biologia, enfim, alia-se à filosofia para confirmar uma das suspeitas fundamentais da nossa época: a questão da existência envolve também a liberdade que temos de afirmá-la ou negá-la. Disso se infere que a genética pode aliar-se à ética para tornar-se menos cega ou vazia. REFERÊNCIAS 1. CALLAHAN, David. L’éthique biomédicale aujourd’hui, in Éthique et biologie, Cahiers STS, Paris, p, 46 a 59, 1970. 2. FEINBERG, J. The child’s right to an open future. In: AIKEN, W.; LAFOLLETTE, H. Whose child? Children’s rights, parental authority, and State power. New Jersey: Rowman & Littlefield, 1980, p. 124-153. 3. ENGLISH, J. O aborto e o conceito de pessoa, Porto: Rés Editora, 1978. 4. HARE, Richard. Essays on Bioethics, Oxford : Claredon Press, 1996. 5. HUME, David. Treatise of Human Natures (1739-1741), Oxford University Press, Book III, 1967. 6. JACOB, François. La logique du vivant. Une histoire de l´hérédité, Paris : Gallimard, 1970. 7. KEMP, Peter. Éthique et médicine, Paris : Éditions Tierce, 1987. 8. MOORE, George. Principia Ethica (1903), Cambridge University Press, 1993. 9. SARTRE, Jean-Paul. L’ être et le néant, Paris: Gallimard, 1943. 10. SÈVE, Lucien. Pour une critique de la raison bioéthique, Paris : Odile Jacob, 1987. Endereço eletrônico [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 94 miolo_DEF.pmd 94 13/08/09, 12:34:edson NORMAS DE PUBLICAÇÃO INFORMAÇÕES GERAIS A REVISTA PARAENSE DE MEDICINA (RPM) é o periódico bio-médico tri-mestral, editado pelo Núcleo Cultural da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP). Registro oficial nº22, livro B do 2º Ofício de Títulos, Documentos e Registro Civil de Pessoas Jurídicas, do Cartório Vale Chermont, em Belém-Pa, 1997. A RPM da FSCMP é indexada nas Bases de Dados LILACS-BIREME-OPAS e níveis A/B Nacional pela CAPES/MEC. Os artigos publicados na Revista Paraense de Medicina seguem os requisitos uniformes recomendados pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (WWW.icmje.org) e são submetidos a avaliação pelo seu conselho editorial e científico que é composta por especialistas da área da saúde, que recebem os textos e decidem por sua publicação. A RPM e tem o propósito de publicar contribuições originais sob temas científico-culturais e da área interdisciplinar de saúde, sob forma de: Artigo original ; Atualização/Revisão; Relato de caso; Iniciação científica; Imagem em destaque; Nota prévia; Artigos especiais; Sobre linguagem médica e Carta ao editor. O artigo enviado para análise não poderá ter sido submetido simultaneamente para publicação em outras revistas e nem publicado anteriormente. Na seleção do manuscrito para publicação, avalia-se a originalidade, a relevância do tema, e a qualidade da metodologia utilizada, além da adequação às normas editoriais adotadas pela revista. Os manuscritos aceitos condicionalmente serão devolvidos para os autores para sejam efetuadas as modificações e para que os mesmos tomem conhecimento das alterações a serem introduzidas para que o trabalho seja publicado. A Revista cumpre a resolução do CFM nº 1596/ 2000, que veda artigos, mensagens e matérias promocionais de produtos ou equipamentos de uso na área médica. Os autores são responsáveis pelos conceitos emitidos e devem atentar à seriedade e qualidade dos trabalhos, cujos dados devem receber tratamento estatístico, sempre que indicados, assim como, a tradução do SUMÁRIO para SUMMARY. Encaminhar aos editores da RPM, os artigos com carta de encaminhamento assinada por todos os autores. Na carta deve ficar explícito a concordância com as normas editoriais, o processo de revisão e com a transferência dos diretos de publicação para revista, passando a ser propriedade da Revista Paraense de Medicina. Todo trabalho com investigação humana deve ser acompanhado da aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição onde se realizou o trabalho, e relatar no texto a utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomenda a Declaração de Helsinki (de 1975 e revisada em 1983) a Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde-Ministério da Saúde. Quando realizada pesquisa em animal de experimentação, este deverá acompanhar a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Animal, seguindo as Normas Internacionais de Proteção aos Animais. FORMA E ESTILO Os artigos devem ser envidados em CD-RW Rewritable 1X-12X 700 MB ou disquete 3 ½ polegadas, com dois textos originais, impressos em papel A4, digitados no Windows 98 e Microsoft Word versão 2007 XP, com espaço simples, fonte TNR11 e duas colunas. O SUMMARY, fonte 11 e referências fonte 10, em uma coluna. As tabelas incluídas no texto, devem possuir legenda na parte superior, fonte TNR 10 , identificados com números arábicos, indicando o que, onde e quando do tema, com nota de rodapé TNR 9, indicando o nível de significância (P) e entre parênteses o método estatístico aplicado, quando necessário. Os quadros, gráficos, fotos, esquemas, etc. são considerados como figuras, recebendo identificação inferior, TNR 10, seqüencial único em algarismo arábico . Fotografias deverão ser enviadas em tamanho 9x13cm, preto e branco com boa qualidade e com as estruturas a serem identificadas. As figuras de anatomia, histopatologia e endoscopia poderão ser coloridas. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 95 95 13/08/09, 12:34:edson FORMATAÇÃO DOS ARTIGOS EditorialÉ o artigo inicial de um periódico. Comenta assunto atual de interesse à área de saúde, editoração, metodologia científica ou temas afins. Artigo originalAborda temas de pesquisa observacional ou experimental, transversal (incidência ou prevalência), horizontal ou longitudinal (retrospectiva ou prospectiva), estudo randomizado ou duplo cego, máximo de 6 a 10 laudas. A pesquisa bibliográfica acompanha todo trabalho bio-médico. 1) Título e subtítulo (se houver), em português, TNR fonte 11, negrito e tradução para o inglês, fonte 10, não negrito, centralizados e em caixa alta. 2) Nomes completos dos autores, máximo de 6, com sobrenome em letras maiúsculas, TNR 10, também, centralizados. 3) No rodapé da 1ª página, citar a instituição onde foi realizado o trabalho e titulação dos autores, TNR 10, numerada conforme a seqüência dos autores. 4) Resumo deve ter no máximo 250 palavras, ser escrito em parágrafo único, TNR 11, itálico, contendo: objetivo, método (casuística e procedimento), resultados (somente os significantes) e conclusão ou considerações finais. 5) Descritores: citar no mínimo 3 e no máximo 5, em ordem de importância para o trabalho, devendo constar do DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) criado pela BIREME e disponível em http://decs.bvs.br. O desenvolvimento do texto é TNR 11, espaço simples. 6) Introdução: mostra a hipótese formulada, atualiza o leitor na relevância do tema sem divagação e termina com o objetivo do trabalho. 7) Método: Citar a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição com aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, quando necessário, descrever a casuística, amostra ou material e procedimentos utilizados para o trabalho. Descreva também, os métodos estatísticos empregados e as comparações as quais cada teste foi empregado, assim como o nível de significância. 8) Resultados: constituído por, no máximo, 6 tabelas numeradas, com legenda superior (TNR 10) e fonte de informação abaixo (TNR 9), acompanhadas ou não de gráficos. Não fazer As qualidades básicas da redação científica são: concisão, coerência, objetividade, linguagem correta e clareza. Atualização/revisãoObedece o mesmo padrão do artigo original, dispensando o item RESULTADOS, máximo de 5 a 6 laudas. Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 96 miolo_DEF.pmd comentários, reservando-os para o item Discussão. 9) Discussão: compara os resultados da pesquisa com os da literatura referenciada, de maneira clara e sucinta. 10) Conclusões ou considerações finais sobre os resultados da pesquisa ou estudo, de forma concisa e coerente com o tema. 11) Summary: versão do resumo do trabalho para a língua inglesa, TNR 11, itálico. Deve constar o título, nomes dos autores e os itens superpostos. 12) Key words: segundo o DECS e na língua inglesa. 13)Agradecimentos: Devem ser feito as pessoas que tenham colaborado intelectualmente, mas cuja contribuição não justifique co-autoria, ou para os que tenham dado apoio material. 14) Referências: Devem ser predominantemente de trabalhos publicados nos últimos 5 anos, (TNR 10), obedecendo os requisitos uniformes recomendados pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (WWW.icmje.org), em ordem numérica conforme a citação no texto, máximo de 30 citações. Evite citações de difícil acesso como resumo de trabalhos apresentados em congresso ou publicações de circulação restrita. Para todas as referências citar todos os autores até o sexto. Caso haja mais de seis autores acrescentar a expressão et al. Exemplificando Artigos: Teixeira JRM.- Efeitos analgésicos da Maytenus guianensis: estudo experimental. Rev. Par. Med. 200;15(1): 17-21 Livro e monografia: Couser WG – Distúrbios glomerulares. In:CECIL – Tratado de Medicina Interna, 19 ed. Rio de Janeiro : Ed. Guanabara, 477-560, 1993 Internet: Mokaddem A (e colaboradores). Pacemaker infections, 2002. Disponível em http:/ www.pubmed.com.br – Acessado em .... 96 13/08/09, 12:34:edson Relato de casoDeve ter relevância científica, conciso, máximo de 3 laudas, esquemático e didático; o método é o próprio relato do caso e dispensa resultados. . Nota préviaDescrição de pesquisa inédita ou de inovação técnica, de maneira sucinta e objetiva, máximo de 2 laudas. Iniciação científica São os resumos com o item introdução dos autores que iniciam a produção científica. Não devem ultrapassar mais de uma lauda, TNR 11. No formato do resumo dos artigos originais, contendo os descritores. No rodapé, citar o local onde foi elaborado o estudo. Imagens em Destaque Deve conter o título, o nome dos autores como no formato dos demais artigos. Fazer uma descrição prévia do caso clínico, seguido das fotos denominadas de Figuras com o número arábico. No rodapé a citar a instituição e autores. No máximo 1 lauda. Solicitamos aos autores e colaboradores da RPM que sigam as normas referidas e encaminhem os artigos após revisão e correção gramatical, inclusive o CD-RW. No final de cada artigo, anotar o endereço completo com CEP, telefone para contato e endereço eletrônico (e-mail), do autor principal. TNR 10. Endereço para correspondência : REVISTA PARAENSE DE MEDICINA Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará Rua Oliveira Bello, 395 – Umarizal CEP: 66.050-380 Belém – Pará Fone: (0xx91) 4009-2213 Fax: (0xx91) 4009-2299 e-mail: [email protected] [email protected] Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 miolo_DEF.pmd 97 97 13/08/09, 12:34:edson Revista Paraense de Medicina V.22 (3) julho-setembro 2008 98 miolo_DEF.pmd 98 13/08/09, 12:34:edson