o corpo nas revistas femininas
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o corpo nas revistas femininas
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI JULIANA REGINA DE ARAÚJO LIMA O CORPO NAS REVISTAS FEMININAS Um estudo comparativo das revistas Manequim e L’Officiel acerca do ideal de corpo no mundo contemporâneo São Paulo 2008 JULIANA REGINA DE ARAÚJO LIMA O CORPO NAS REVISTAS FEMININAS Um estudo comparativo das revistas Manequim e L’Officiel acerca do ideal de corpo no mundo contemporâneo Trabalho de Conclusão de curso apresentado para a obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo de Moda e Estilo de Vida da Universidade Anhembi Morumbi Orientador: Prof. Me. Geraldo Coelho Lima Júnior São Paulo 2008 JULIANA REGINA DE ARAÚJO LIMA O CORPO NAS REVISTAS FEMININAS Um estudo comparativo das revistas Manequim e L’Officiel acerca do ideal de corpo no mundo contemporâneo Trabalho de Conclusão de curso apresentado para a obtenção de título de Pós-Graduação em Jornalismo de Moda e Estilo de Vida da Universidade Anhembi Morumbi Aprovado em Prof. Me. Geraldo Coelho Lima Júnior Universidade Anhembi Morumbi Prof. Me. Tarcísio D’Almeida Prof. Mariana Raquel Dedico este trabalho a todos os que me ajudaram e apoiaram em minha longa caminhada. Ao meu pai, que sempre acreditou em mim. À minha mãe e meus irmãos, que torcem pelo meu sucesso. Ao Fernando, pelo amor incondicional. Aos meus amigos de sempre e aos que surgiram ao longo do caminho. Ao Geraldo, pela ajuda sem limites. A todos vocês, muito obrigada. Acreditem, tudo valeu a pena! “Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser. Sabe a arte de esconder-me e é de tal modo sagaz que a mim de mim me oculta”. Carlos Drummond de Andrade “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”. Paulo Leminski Resumo Este estudo propõe uma observação sobre o corpo mostrado nas revistas femininas com o objetivo de buscar identificar as possíveis diferenças existentes nas formas de abordagens em duas publicações da área de moda. As revistas Manequim e L'Officiel foram selecionadas como representantes deste segmento, e a partir delas é proposta uma investigação em relação ao padrão de corpo ideal suscitado pela cultura contemporânea e divulgado pela mídia. Este trabalho investiga a existência de um corpo perfeito proposto pelas revistas e questiona se tal fato pode ser considerado uma realidade ou apenas uma meta inalcançável. Além disto, pretende compreender até que ponto a mídia é capaz de influenciar o comportamento das mulheres que vêem a si próprias através das revistas e como esta mulher incorpora a moda traduzida por este meio de comunicação em seu próprio estilo. Estes questionamentos permeiam toda a pesquisa e auxiliam no estudo das relações entre o corpo, a sociedade e a moda. Palavras-Chave: Corpo; Moda; Sociedade; Mídia; Revistas Abstract This study intends to propose an observation about the body shown in the feminine magazines in order to identify the possible differences in the point-of-view from two publications about fashion. The magazines Manequim and L'Officiel were the ones selected and used to propose an investigation about the ideal body influenced by the contemporary culture and broadcasted by the media. This work investigates the existence of the perfect body proposed by the magazines and discusses whether it can be considered reality or an unreachable goal. Besides, it intends to find out the maximum influence of the media in the behavior of women who see theirselves through magazines and how they incorporate these magazines fashion language in their own style. These questions are discussed all over this text and they help in the body, society and fashion relationships studies. Key-words: Body, Fashion, Society, Media, Magazines LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Capa L’Officiel.......................................................................14 Figura 2 Capa Manequim....................................................................14 Figura 3 Tipos de corpos.....................................................................28 Figura 4: Rocker..................................................................................29 Figura 5 Roupas que Emagrecem.......................................................30 Figura 6 Primeira edição da Revista Manequim..................................47 Figura 7 Primeira edição da L’Officiel Paris.........................................51 Figura 8 Primeira edição da L’Officiel Brasil........................................52 Figura 9 Tendências de Inverno .........................................................56 Figura 10 Poesia de Contrastes..........................................................57 Figura 11 Xadrez.................................................................................59 Figura 12 Xadrez.................................................................................60 Figura 13 Volume................................................................................61 Figura 14 Volume................................................................................62 Figura 15 Conforto..............................................................................64 Figura 16 Naturais..............................................................................65 Figura 17 Cores e Estampas..............................................................66 Figura 18 Prints..................................................................................67 Figura 19 Cores..................................................................................68 Figura 20 Saia e Blusa........................................................................69 Figura 21 Cintura Marcada.................................................................70 Figura 22 Já Pegou............................................................................72 Figura 23 De Ocasião.........................................................................73 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................10 1 O CORPO NA CONTEMPORANEIDADE........................................13 1.1 O homem e seu corpo.......................................................................15 1.2 Construção social do corpo...............................................................17 1.3 Corpo, Moda e Comunicação............................................................20 2 O CORPO E A MODA.......................................................................23 2.1 O corpo ideal.....................................................................................26 2.2 A beleza sem padrões.......................................................................34 2.3 Corpo-Imagem x Corpo-Real.............................................................35 3 O CORPO NA MÍDIA.........................................................................41 3.1 O Jornalismo de Moda nas revistas femininas...................................43 3.2 Descrição dos objetos de estudo........................................................47 3.2.1 Revista Manequim...............................................................................47 3.2.2 Revista L’Officiel.................................................................................50 3.3 Estudo comparativo das matérias sobre tendências..........................54 3.3.1 Tendências..........................................................................................58 3.4 Estudo comparativo das seções “De ocasião” e “Já Pegou”...............71 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................77 ANEXOS........................................................................................................80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................87 10 Introdução Qual é o corpo que as revistas femininas trazem para as suas leitoras? Este corpo pode ser considerado ideal? Muitos foram os questionamentos que desencadearam a realização deste trabalho acerca da forma com a qual as revistas femininas encaram e traduzem a idéia de corpo no mundo contemporâneo. Pode-se dizer que os diferentes tratamentos que as publicações de moda concedem ao corpo são capazes de interferir e influenciar na formação da imagem pessoal da leitora, bem como na maneira com que elas se vêem e se mostram aos outros. Para auxiliar neste estudo, foram utilizadas como objeto de estudo as revistas Manequim e L’Officiel, que propõem diferentes enfoques aos mesmos assuntos referentes à moda, como a cobertura de desfiles e os lançamentos de produtos. E, além disso, têm olhares muito distintos quando se trata do corpo da mulher brasileira. Fundamentam este estudo sobre o corpo nas revistas de moda feminina autores de áreas da comunicação, como sociologia e antropologia, corpo, moda e cultura contemporânea. GARCIA (2005) explicita questões que problematizam a representação do corpo na mídia, a partir da idéia do trânsito do corpo no mundo contemporâneo, as “transcorporalidades”, que resultaram em impressões e abordagens acerca do indivíduo. O autor faz considerações sobre a relação do corpo com os meios de comunicação e também com a sociedade que habita, abordando também a imagem corporal que a cultura suscita e como a concepção de corpo ideal atua no corpo real do indivíduo e na sua interação social. VILLAÇA (2007) contribui para o presente estudo com sua pesquisa sobre o corpo como integrante de uma cultura contemporânea, que prioriza a estética e a beleza como características inatas do ser humano e indispensáveis para sua aceitação neste contexto. A autora fala sobre a aceitação do corpo recebido e de como as transformações e intervenções nesse corpo são capazes de modificar o ser humano na aparência e em sua própria essência. BARNARD (2003), que investiga as formas de comunicação do indivíduo através da moda e da indumentária e de como as mensagens transmitidas são absorvidas pelo outro, contribui também para a fundamentação desta pesquisa. O autor apresenta a moda, ao mesmo tempo, como uma frivolidade mas também como essencial para a construção do processo comunicacional nas sociedades. 11 O projeto sobre o corpo nas revistas femininas perpassará pelos estudos sobre o jornalismo e sobre a presença da moda na mídia como um todo, e para isso utilizará como referenciais os estudiosos sobre o tema Tarcísio D’Almeida e Eleni Kronka, com suas respectivas dissertações de mestrado. D’ALMEIDA (2006) discorre sobre a história do jornalismo de moda e as transformações ocorridas na imprensa desde a transformação do jornalismo informativo, do século XIX, até a consolidação do jornalismo diversional (de entretenimento), do século XXI, passando pelo jornalismo interpretativo do século XX. KRONKA (2006) fala sobre o surgimento da moda como assunto relevante nos jornais diários. O processo de reconhecimento da moda como fato jornalístico, passível de cobertura, contribui para a análise do enfoque e importância fornecidos pela imprensa ao tema em questão. O primeiro capítulo, dividido em três partes, contempla as relações do homem com o seu próprio corpo e com o ambiente que o circunda. Através da evolução das sociedades, o homem sofre diversas interferências e é influenciado a se modificar constantemente para se adequar aos padrões suscitados pela cultura na qual está inserido. Assim, o corpo se torna instrumento de interação social e se alia à vestimenta para produzir significação. Explicita-se, também, sobre como a relação do homem consigo mesmo e com a moda são capazes de estabelecer comunicação e constituir grupos, na medida em que se fazem presentes no mundo. No segundo capítulo, a moda, com todas as suas mudanças e evoluções, é colocada como fator que auxilia o indivíduo a interagir socialmente, ao mesmo tempo em que funciona como ditadora de padrões e modelos ideais a serem seguidos. A partir daí, questiona-se sobre a existência do corpo perfeito e sobre a busca desenfreada do homem por este corpo, o que faz com que ele se esqueça de si mesmo e passe a querer ser o outro, sem medir esforços e ultrapassando limites. Inicia-se aqui o estudo sobre as publicações Manequim e L’Officiel no que diz respeito às suas visões de corpo e na forma com a qual isto é transmitido para as suas leitoras. Questiona-se também a forma com que a preocupação com a aparência está em destaque na contemporaneidade e porque ela funciona como fator tanto de inclusão como de exclusão social, e como a mídia exerce poder neste processo. Em seguida, o corpo-real é colocado em xeque, pois o corpo-imagem está cada vez mais presente e as distinções entre eles vão ficando tênues. A multiplicidade das imagens causa a insatisfação humana por se mostrarem melhores do que o real que se apresenta, levando os homens a buscar se igualar ao 12 que está sendo padronizado pela cultura e divulgado pela mídia. E a moda, por também estabelecer certos padrões, exerce importante papel nas imagens que se tem e que se busca obter do corpo. O corpo ideal compete com o que está na moda vigente, que conseqüentemente disputa as atenções com o corpo-imagem que está sendo procurado, e assim o indivíduo se vê em meio a várias opções de escolha ao mesmo tempo em que se encontra acuado, sem saída alguma. Questiona-se, enfim, se o corpo ideal realmente existe ou faz parte somente do imaginário coletivo. No terceiro e último capítulo, aborda-se a presença do corpo na mídia e como esta influencia o homem na construção de sua imagem, através da intermediação das relações sociais a partir da propagação dos modelos que a cultura cria. Afinal, a mídia atua como fonte de informações ao colocar o homem a par dos acontecimentos mundiais, e é também o lugar no qual desejos são despertados e sonhos são realizados. A moda faz parte deste universo onírico e se torna assunto diário nos meios de comunicação, o que propicia que seus ditames cheguem a todas as pessoas, indefinidamente. Através do jornalismo, a moda se faz presente nas revistas femininas com a cobertura dos desfiles e o lançamento de produtos, que resultam em matérias que visam auxiliar as mulheres a se apresentarem visualmente. Esta questão se manifesta no momento em que se busca compreender o tipo de relação que as revistas Manequim e L’Officiel estabelecem com suas leitoras, através do estudo das matérias sobre as tendências lançadas pelos estilistas e grifes nos desfiles apresentados na 24ª edição da São Paulo Fashion Week – Inverno 2008, realizada em janeiro deste ano, e das seções “De Ocasião” e “Já Pegou”, das revistas L’Officiel (número 18) e Manequim (número 582), respectivamente, edições lançadas em março de 2008. Neste capítulo é feita também uma breve apresentação das duas publicações, que contribui para as conclusões da presente pesquisa. O trabalho realizado visa ser uma contribuição para os estudos acerca do corpo na contemporaneidade, nas suas relações com o próprio homem e com a sociedade, e também sobre a moda como fator desenvolvimento sócio-cultural e humano. indispensável para o 13 1 O CORPO NA CONTEMPORANEIDADE O corpo feminino é um assunto em voga no mundo contemporâneo, principalmente quando ligado às questões de moda e comportamento. Como primeiro instrumento de comunicação do homem se torna elemento principal de inclusão e interação social, atuando assim na construção de significados e identidades. A idéia de possuir um corpo ideal, baseada nos conceitos que a sociedade e a moda criam, ressalta a valorização física e a importância da aparência para estar em consonância com os padrões estéticos impostos por elas. As revistas femininas são determinantes neste processo por fazer chegar às mulheres a moda das passarelas, juntamente com as tendências lançadas pelos estilistas e principalmente, por tornar público todas as regras e ditames que a moda suscita. De acordo com os diferentes enfoques dados ao corpo nas revistas voltadas para o público feminino, foram escolhidas como objeto de estudo para o presente trabalho duas publicações nesse segmento: Manequim e L’Officiel. O motivo da escolha refere-se ao fato de ambas serem importantes e relevantes quanto à cobertura e abordagem de assuntos referentes à área de moda. Acerca do problema de pesquisa, algumas questões norteiam o estudo e foram levadas em conta para a realização do trabalho. Torna-se relevante pesquisar o modo como o corpo feminino é visto e traduzido pelas revistas de moda, ou seja, qual a silhueta é a mais adequada, se existe ou não um corpo ideal e qual é esse corpo divulgado pela mídia especializada, e a forma com a qual as leitoras se relacionam com as informações de moda contidas nas revistas femininas. É possível dizer que o tratamento que estas publicações concedem ao corpo da mulher brasileira interfere na formação de imagens identitárias e no modo com que as leitoras vêem a si próprias, encaram suas realidades corporais e constroem seus estilos pessoais. O foco da pesquisa será o estudo da Manequim e da L’Officiel, sob o ponto de vista da interpretação e da divulgação que elas concedem ao corpo feminino, através da investigação das matérias referentes ao lançamento de propostas para o outono/inverno 2008 nos desfiles apresentados na 24ª edição da São Paulo Fashion Week, em janeiro deste ano. Também se apresentam como objetos de estudo as 14 seções “De Ocasião” e “Já Pegou”, das revistas L’Officiel (número 18) e Manequim (número 582), respectivamente, edições lançadas em março de 2008. Figura 1: capa L’Officiel. Fonte: http://lofficielbrasil.uol.com.br Figura 2: capa Manequim. Fonte: http://manequim.abril.uol.com.br Esta pesquisa propõe estudar a relação das revistas com o seu público, no caso as mulheres, a fim de identificar como o corpo é mostrado pelas publicações apontadas. Pretende-se identificar os diferentes enfoques que os dois títulos dão ao mesmo assunto, tendo em vista a definição de corpo adotada por cada um deles. O tema em questão foi escolhido com o intuito de contribuir para os estudos sobre corpo e moda, que já vêm sendo realizados por alguns sociólogos, filósofos, semioticistas e pesquisadores de áreas afins. Como um campo ainda pouco investigado, apresenta poucos estudos que se debrucem sobre a presente proposta, o jornalismo de moda que diz respeito à influência que a informação fornecida pelas revistas exerce no comportamento das mulheres. A pesquisa se torna relevante por buscar entender os diferentes enfoques que a Manequim e a L’Officiel dão à cobertura dos desfiles e aos produtos da moda. Através do estudo das seções escolhidas, propõe-se observar as distintas 15 abordagens, bem como as formas de divulgação das tendências1 em função do tipo de corpo das leitoras que cada uma das revistas prioriza. 1.1 O homem e seu corpo Ao longo da história da humanidade, o corpo vem sofrendo diversas transformações, que se confundem com as mudanças ocorridas no mundo e na sociedade. Objeto de grande significado dentro do contexto social, o corpo é suscetível e propenso a todo o tipo de modificações, sejam elas físicas ou psicológicas, que acompanham a evolução e o desenvolvimento dos povos. “As mudanças no campo do vestuário (a roupa, propriamente dita), da indumentária (a roupa e seus complementos, ou mesmo os mais simples adornos), correspondem às mudanças do próprio homem ao longo dos séculos, sob forte influência social, econômica e cultural” (KRONKA, 2006, p. 16). No mundo contemporâneo, o corpo humano se mostra como palco para a aceitação e interação social, e nesse contexto estabelece uma relação confusa e problemática com o indivíduo. A relação do homem com o seu próprio corpo sempre foi complexa, pois é a partir dele que o indivíduo se apresenta e se coloca como parte de uma cultura (CASTILHO, 2004; VILLAÇA, 2007). Há uma relação problemática entre o homem e sua imagem, que existe desde o seu nascimento e se manifesta através dos diversos retoques realizados na estrutura corporal (VILLAÇA, 2007). VILLAÇA (ibidem, p. 60) afirma que “as tendências vanguardistas do inicio do século XX vão sublinhar diversas vertentes que marcam a desconstrução da figura humana. O corpo se torna estranho para si mesmo”. O corpo, definido como objeto de presença no mundo e de interação com o ambiente que o cerca, é determinado pela presença do outro e capaz de se articular e se adaptar a diferentes contextos. A necessidade de se retocar de várias maneiras 1 Entende-se por tendência todas as opções e sugestões que a moda fornece às pessoas, através das idéias, referências e criações apresentadas pelos desfiles. Para GARCIA e MIRANDA (2005, p. 39-40), “a tendência, permeada pela mudança, (...) busca estender seus tentáculos até ser substituída por novo modismo, estabelecendo um ciclo de vida de moda”. As autoras complementam dizendo que “o simulacro de estar em sintonia com o presente ou, em suma, de “estar na moda” sempre dependeu (...) do ritmo imposto pelas tendências” (ibidem, p. 40). 16 se coloca como uma das vertentes da complicada relação entre o ser humano e seu corpo, desde o instante em que ele toma consciência de seu ser e do importante papel que a linguagem visual representa na humanidade (CASTILHO, 2004). O corpo pode ser considerado um espaço textual, que vai sendo construído a partir das experiências e vivências proporcionadas pela interação sócio-cultural. A insatisfação humana com a aparência leva o indivíduo a uma busca constante por novas maneiras de modificar o próprio corpo, resultando assim na “transformação do ser biológico em ser cultural” (CASTILHO, 2001, p. 187) contaminado pelas modificações da sociedade e da cultura contemporânea. Este processo, que pode ser encarado como uma ressignificação, proporciona ao ser humano refazer-se e alterar sua imagem para si mesmo e perante a sociedade na qual está inserido. Afinal, o homem constrói sua imagem mais para o outro do que para si próprio, e a concepção de corpo é ao mesmo tempo individual e coletiva (CASTILHO, 2001). O corpo contemporâneo, como tradução das ressignificações sócio-culturais, é também considerado foco determinante para a instauração da identidade pósmoderna, funcionando tanto para a diferenciação como para a exclusão e depreciação. GARCIA (2005, p. 3) observa “que, desde os primórdios até os dias de hoje, o conceito de belo associa-se ao corpo perfeito, forte, saudável e jovem”, atuando assim como força material do consumo através da ditadura da boa forma. O ideal de corpo na atualidade é determinado pelos padrões estabelecidos culturalmente pela sociedade e exaustivamente bombardeados pela mídia. O avanço da humanidade e as conseqüentes transformações dos indivíduos resultam em uma realidade fragmentada, na qual tudo se mostra efêmero e parcial. ESPER e NEDER (2004) analisam essa idéia e ressaltam que “o mergulho contemporâneo nas mudanças maciças, pode levar a uma superexposição do sujeito e a perturbações em seu desempenho porque o indivíduo está, freqüentemente, exposto ao stress da decisão e da adaptabilidade”. As autoras afirmam também que vivemos em um “universo comandado por imagens e signos, ideologicamente veiculados pela mídia” (idem), onde o homem é “capturado imageticamente pela ideologia vigente de corpos perfeitos, jovens e saudáveis” (idem). Podemos observar, enfim, que a definição de corpo é frequentemente modificada, ou melhor, ampliada devido ao modo com que o mesmo se apresenta no mundo contemporâneo. A cada momento, o homem percebe a si mesmo de uma forma diferente e, a partir disso, sente que precisa se reconstruir, reformulando o 17 seu modo de ser e sua aparência. Isto se deve às mudanças constantes pelas quais a sociedade passa, suscitando que o indivíduo se adapte a seus padrões. O indivíduo, neste contexto, passa a ser influenciado e manipulado a buscar o corpo ideal e a imagem perfeita, modelos estes divulgados diariamente por todos os veículos da mídia. As transformações sofridas pelo corpo, propiciadas pelas ações e intervenções do homem, se mostram indispensáveis para si próprio e para o outro, que será quem irá avalizá-las proporcionando a existência de relacionamento entre ambas as partes. O corpo torna-se, assim, personagem principal da aceitação social responsável, conseqüentemente, pela interação entre os indivíduos. 1.2 Construção social do corpo “No contemporâneo, corpo e cultura dilatam a percepção humana em um espiral de infinita predisposição de dúvidas e incertezas” (GARCIA, 2005, p. 30). As palavras do autor traduzem a sensação de insegurança e medo que afligem os indivíduos diante das questões que são suscitadas diariamente no mundo moderno. Os valores da sociedade atual estão baseados em padrões estéticos e comportamentais que se tornaram indispensáveis para as relações sociais. Segundo o autor, “a conservação do corpo tenta demarcar um ideal de beleza e de juventude com valores fundamentais para as relações sociais contemporâneas” (ibidem, p. 25), que se baseiam principalmente no culto à aparência e ao corpo perfeito. As pessoas podem modificar a imagem pessoal todos os dias, mas a personalidade será a mesma, e por esse motivo a identidade cultural deve ser considerada para além dessa realidade aparente legitimada pelo corpo. A relação intrínseca do ser humano com o seu corpo e com o mundo que ele habita, juntamente com todas as funções que ele desempenha, nos leva a perceber que cada pessoa tem uma forma distinta de encarar o próprio corpo, reconhecendose assim como um ser sensível e passível de transformações, totalmente aberto ao exterior. O seu corpo é o que o coloca em contato com o outro por meio da superfície, a pele; “ele é o lugar onde nascem e se manifestam nossos desejos, nossas sensações e nossas emoções, é o meio pelo qual podemos demonstrar que tipo de seres mortais somos nós” (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 14). Os indivíduos são capazes de constituir uma sociedade a partir do momento em que conseguem estabelecer um processo de comunicação coerente entre as 18 partes. BARNARD (2003, p. 54) afirma que “a comunicação torna o indivíduo membro de uma comunidade” na medida em que funciona como uma forma de interação social, e através de variadas mensagens os coloca como membros de grupos culturais. O homem precisa, antes, estabelecer contato social com os membros do grupo por meio da aparência e da vestimenta, para depois fazer parte dele e não o contrário. Sobre a comunicação, BARNARD (idem) ressalta que Ela infere, em primeiro lugar, que a moda e indumentária possam ser usadas para dar sentido ao mundo e às coisas e pessoas nele inseridas. Infere, em segundo lugar, que o sistema estruturado de significados, uma cultura, permite aos indivíduos construir uma identidade por meio da comunicação. Neste contexto, considerando o corpo como objeto de interação social, mediada pela comunicação, PALOMINO (1999, p. 230 apud GARCIA, 2005, p. 70) propõe que Ao mesmo tempo em que se valoriza a personalidade, ressalta-se a sensação e a impressão de pertencer a um núcleo, a uma geração, a qualquer coisa. O objetivo é uma coletividade que, consciente ou inconscientemente, surge como mola propulsora para esses universos. O mundo da moda dita padrões estéticos que estão muito além do simples vestir ou da aparência em si, pois interferem diretamente na forma com a qual o indivíduo irá se apresentar perante a sociedade. Com isso, os seres humanos, na busca constante pela imagem dita ideal, submetem-se a estilos que não condizem com suas realidades, mas que estão, exaustivamente, sendo propostos pela mídia (BARATA, 2004 apud GARCIA, 2005). BARATA (ibidem, p. 391-392 apud GARCIA, ibidem, p. 72-73). diz ainda que Curiosamente, a necessidade de se expor em conformidade com os padrões corporais do momento, busca sua validação em representações de mitos televisivos e imagens que são efêmeras ao extremo, caracterizando assim a obsolescência do corpo, que passa a estar em constante necessidade de atualização. Essa corrida por padrões cada vez mais 19 distantes e inatingíveis gera um imenso vazio que potencializa a eterna insatisfação do homem moderno. O corpo, também por buscar estar em consonância com os padrões estabelecidos pela cultura em geral, se torna “sujeito e objeto das representações” (JEUDY, 2002, p. 20). Tudo o que sentimos, experimentamos e vivemos interfere de certa forma na maneira na qual eu me apresento ao mundo em forma de imagem. Dessa forma, o corpo pode ser considerado uma espécie de espelho por ser capaz de refletir e transmitir as vivências e experiências, através da linguagem visual expressa pela imagem de cada um. Os corpos são padronizados a partir do reforço de imagens veiculado pela mídia e pela suscitação de desejos e sonhos criados pela mesma. Assim, a imagem corporal de cada indivíduo será recriada e reinventada durante toda a sua vida, pois o ambiente externo, usado como critério de avaliação de si próprio, encontra-se em constante mudança e evolução. “As necessidades de ordem social ofuscam as necessidades individuais. Somos pressionados em numerosas circunstâncias a concretizar, em nosso corpo, o corpo ideal de nossa cultura” (Tavares, 2003 apud RUSSO, 2005). A construção de um corpo dito social será realizada através da imagem de corpo estabelecida pela cultura em questão, “e essas imagens se instituem como maneiras próprias de ver e de viver o corpo” (RUSSO, 2005). O corpo passa a ser um produto da cultura e nele se inscrevem idéias, valores e crenças, e este corpo será aceito ou rejeitado pelo grupo no qual deseja ser inserido baseado na imagem social de corpo que o mesmo prioriza. RUSSO (idem) diz ainda que O corpo tem que aprender a comportar-se conforme regras e técnicas estabelecidas pela sociedade e a beleza corporal também é definida por modelo estético padronizado comercialmente. Sabemos que estes padrões de beleza são modificados a cada época. Durante longo tempo, mulher bonita tinha forma arredondada sendo fonte de inspiração para muitos pintores renascentistas. Um choque muito grande para os padrões do final do século XX e início do século XXI. Na cultura ocidental atual, o conceito de beleza, (...) está associado à juventude, como se o belo fosse necessariamente igual a ser jovem. 20 Percebemos com tudo o que foi mencionado anteriormente que as mudanças aparentes não representam mudanças que atingem a personalidade de cada pessoa. A aparência e a vestimenta respondem pelo estabelecimento das relações sociais, pois são fatores essenciais na reconstrução do corpo. A interação entre os indivíduos e as mudanças contemporâneas resultam na insatisfação do homem com o seu próprio corpo, e isto o leva a querer ser o outro, à sua imagem e semelhança. Tal identificação é acentuada pela mídia, que divulga o modelo de corpo a ser seguido, levantando questionamentos acerca da realidade corporal do indivíduo e do conceito que ele tem de beleza. O que, na verdade, é ser belo e por que o corpo precisa se adequar aos padrões culturais para ser aceito? O corpo passa, então, a ser instrumento de idealização da cultura vigente, ao mesmo tempo em que funciona como uma espécie de espelho da sociedade, expressando o que vive e o que sente através de sua imagem identitária. E é a partir e através dele que o homem se comunica com o mundo exterior, se faz ver e entender, e se coloca como ator principal nas representações diárias. 1.3 Corpo, Moda e Comunicação Entende-se por comunicação “o processo e as técnicas de transmitir e receber mensagens, idéias, etc., com vistas a ministrar e trocar informação e conhecimento, formar opiniões, etc.” (AULETE, 2007, p. 244). O questionamento sobre a moda como forma de comunicação é feito por CIDREIRA (2005, p. 112), quando afirma que “afinal não se pode simplesmente entender comunicação como mero envio de mensagens e, conseqüentemente, a peça de roupa como um meio pelo qual uma pessoa manda uma mensagem a outra”. Portanto, a relação entre moda e comunicação é um pouco mais complexa do que se pensa, pois não reside simplesmente em comunicar algo, mas sim em dar um sentido mais amplo ao mundo e a tudo o que está inserido nele. A roupa passa a ser um instrumento de comunicação na medida em que auxilia na construção de significados e identidades, fazendo parte do corpo que a veste. As revistas femininas difundem a presença e atuação da moda nas diversas esferas sociais como personagem das transformações dos indivíduos. Esta questão 21 é levantada na entrevista utilizada como metodologia nesta pesquisa, na qual Silvana Holzmeister, editora-chefe da L’Officiel Brasil, afirma que A revista tem o objetivo de informar de maneira prazerosa. No caso de uma revista de moda como L’Officiel, buscamos mostrar o que há de melhor na moda e de forma positiva. Também buscamos mostrar que a Moda está inserida em um grande universo histórico-comportamental e sua importância como business. A incorporação da vestimenta ao corpo é um aspecto da moda. A roupa, ao se juntar ao corpo, se transforma numa espécie de segunda pele, sendo encarada então como uma extensão dos tecidos e da modelagem do próprio corpo que a possui, passando a fazer parte dele. Segundo MCLUHAN (1964, p. 140 apud CIDREIRA, 2005, p. 114), “o vestuário, como extensão da pele, pode ser visto como um mecanismo de controle térmico e como meio de definição do ser social”. O ato corriqueiro do vestir representa uma das múltiplas transformações a que o corpo é submetido, e a denominação de segunda pele para a roupa a coloca como participante do processo de transformações do corpo, que deixa de ser estático no momento em que se modifica (CIDREIRA, 2005). BARNARD (2003, p. 76) afirma que “moda e indumentária são culturais no sentido de que são algumas das maneiras pelas quais um grupo constrói e comunica sua identidade”. O autor complementa dizendo que Moda e indumentária são comunicativas na medida em que constituem modos não-verbais pelos quais se produzem e se trocam significados e valores. (...) As roupas se reúnem em algo como frases (...) fazendo a mesma espécie de coisas que a palavra escrita faz quando a usa(mos) em outros contextos (ibidem, p. 50 e 76). O corpo, colocado como ator das relações sociais, se transforma em linguagem, sendo assim responsável pela interação e relacionamento entre os integrantes de uma sociedade. E o que determinará tais relações é a imagem corporal, ou seja, a aparência, que no contemporâneo surge como peça principal e determina a forma como nos vemos e, muito mais, a forma com que somos vistos; 22 estamos vivenciando a era da imagem, participando diariamente de um “reality show” (GARCIA, 2005, p. 76). Somos observados por todos os lados e todas as nossas ações são socialmente manipuladas; desde o nascimento, buscamos estar em evidência, queremos nos fazer ver para justificar a existência e presença em coletividade, e a moda exerce papel fundamental nesse processo. O homem se comunica através da roupa a partir do momento em que a mesma passa a fazer parte dele, representando mais do que um simples adorno, pois se acopla para produzir significação, mostrando-se como extensão deste corpo e como fator influenciador de suas mudanças e transformações. Neste capítulo foram abordadas as formas de relacionamento do homem com o seu próprio corpo, com o outro e com a sociedade a qual pertence. Pode-se perceber que o corpo humano foi impulsionado a se modificar cada vez mais ao passar dos anos, na medida em que a humanidade evoluiu e exigiu que o corpo fosse adaptado aos padrões culturalmente estabelecidos. Aliada às transformações, a moda participa ativamente do processo de adaptação por auxiliar o indivíduo a estabelecer comunicação através da vestimenta, além de influenciar na construção de estilos pessoais. A padronização dos corpos causa a insatisfação humana por levar as pessoas a querer se modificar constantemente e mesmo assim não conseguir estar sempre em consonância com as exigências culturais. Os modelos de aparência suscitados pela sociedade e pela moda, divulgados diariamente pela mídia, fazem com que as pessoas busquem o corpo perfeito para que sejam aceitos como membros dos grupos sociais. A moda, por sua vez, se faz comunicar a partir do momento em que se acopla ao corpo para produzir significação e passa a fazer parte do mesmo. 23 2 O Corpo e a Moda Para começar a se pensar sobre a relação entre o corpo e a moda no contemporâneo, o conceito de moda faz-se necessário na medida em que auxiliará na compreensão de como esse processo se torna determinante nas relações sociais e na construção de identidades. O Dicionário Caldas Aulete da Língua Portuguesa (2007, p. 681) define moda como a “maneira, estilo de viver, vestir, falar, etc. predominante numa determinada época ou lugar”. D’ALMEIDA (2006, p. 23-24), por sua vez, diz que “a moda é, no entanto, símbolo emblemático da modernidade das sociedades através dos tempos históricos de sua vigência. (...) e ganha um conceito multiforme, ou seja, que existe primordialmente a partir de olhares interdisciplinares do pensamento”. A definição do termo é vista sob diversas óticas e linhas de pensamento e pode ser complementada a partir da evolução das sociedades e dos estudos que vão surgindo acerca do tema. SANTAELLA (2004, p. 115) reflete sobre o assunto, ressaltando que Poucos fenômenos exibem, tanto quanto a moda, o entrelaçamento indissolúvel das esferas do econômico, social, cultural, organizacional, técnico e estético. (...) Não há moda em um mundo em que as coisas duram, permanecem estáveis, envoltas na aura sagrada de um tempo que parece não passar. Assim, pode-se pensar na dinâmica do mundo, nas mudanças de comportamentos dos indivíduos e em todas as transformações sociais que contribuem para as engrenagens da moda como processo regulador e determinante das relações, tanto coletivas quanto individuais, o que implica pensar na relação de cada ser humano com o seu próprio corpo. SANTAELLA (ibidem, p. 118) coloca que A moda se aprofunda quando se torna encenação do próprio corpo, quando este se transforma em meio da moda. Vem daí a estreita afinidade entre a roupa e a moda, pois o jogo da roupa se desfaz diante do jogo do corpo, permitindo o desfrute da finalidade sem fim da moda. 24 Observa-se, portanto, que o corpo se torna o meio pelo qual a moda se faz presente no mundo, orquestrando gostos e fornecendo aos indivíduos a possibilidade de se transformar a cada instante. Nesse sentido, VEILLON (2003, p. 131) diz que “a moda não é mais monolítica, já que faz coexistir diferentes estilos”. Cabe aqui citar a definição de estilo, para que se entenda melhor a distinção existente com o conceito de moda, mas também para verificar que os termos se complementam de certa forma. Conceitua-se estilo como o “modo de ser ou de se expressar de uma pessoa, de um artista, de um grupo, de uma certa região, etc.” (AULETE, 2007, p. 445). “Uma forma delicada de pensar o corpo no contemporâneo é observar os caminhos que moda e estilo podem propor ao imbricar dinâmica e versatilidade” (GARCIA, 2005, p. 63). Nesse contexto, a moda, através dos desfiles, repercute tendências e é capaz de ditar regras e conselhos, respondendo ao chamado da mídia e ao poder que a mesma exerce na contemporaneidade. Para GARCIA (idem), estilo pode ser definido como “a maneira de ser – modo de se exprimir individualmente, (...) que pode inscrever o traço pessoal do sujeito ou do grupo ou, ainda, as qualidades inerentes a um conjunto de regras, nesse caso, da moda”. O corpo se mostra, portanto, instrumento de sustentação para a roupa, que por sua vez, ampara a moda como forma de comunicação e interação com o ambiente circundante. Esse pensamento é embasado por GARCIA (ibidem, p. 30-31), quando comenta que a relação de pertencimento existente entre o homem e a roupa “permite (re)pensar, estrategicamente, o corpo como instrumento poético de uma atividade performática espetacularizada, que o exibe como troféu, conquista, portanto, desejo”. O indivíduo passa a ser regulado pelo desejo de estar em consonância com os padrões estabelecidos pela sociedade e se vê na corrida em busca do corpo perfeito e da aparência dita ideal. VEILLON (2003, p. 124) ressalta que, mais do que um ideal a ser alcançado, a moda Se torna um modo de vida e encontra sua realização numa valorização de si, em que a liberdade e o bem-estar são vencedores. O vestuário, inseparável da imagem que se quer dar, serve como valorizador de quem o usa: traduz mais um comportamento, do que uma moda no sentido estético. 25 Além disso, a aparência funciona também como expressão da linguagem visual e instiga questionamentos sobre o lugar que a imagem ocupa na cultura contemporânea e a sua importância no que diz respeito à moda. Podemos afirmar que a moda é capaz de produzir significação somente através da roupa? Ou que ela somente complementa o que o indivíduo já possui, seu objeto inato, que consiste em seu próprio corpo? É possível dizer que estamos vivenciando uma época na qual a visualidade e o movimento são de extrema importância, e que se torna fato a importância da moda em relação a tudo o que se refere ao corpo. A moda passa a funcionar como estratégia para a expressão pessoal e propicia, através de suas constantes mudanças, que o corpo consiga se modificar ao ser afetado pelo mundo ao seu redor. Observando metaforicamente o relacionamento construído entre o ser humano e a indumentária, colocando a pele como o tecido natural que reveste o homem e a moda como tecido cultural, GARCIA (2005, p. 65) afirma que Ao regular forma ou modo de vestir, os matizes da moda provocam mudanças na maneira de pensar o corpo, periodicamente, como fenômeno sociocultural coercitivo. Nesse sentido, a (des)construção do corpo contemporâneo absorve a camada de tecido que reveste culturalmente a pele, que tenta ser substituída pelo tecido trabalhado ornamentalmente de forma cultural. Pele e tecido equacionam seus distintos lugares e, indiscutivelmente, um não substitui o outro de fato. Diferentes tipos de tecidos, diferentes estampas, diferentes recortes. A moda se faz mais que embalagem do corpo, enuncia e implementa o vestuário para além da dimensão utilitária e/ou primordial. Estilo e corpo, portanto tornam-se armadura visual concreta de diferentes experimentações da moda. É interessante pensarmos também na moda como palco para experimentações e transformações, possibilitando ao indivíduo certa liberdade de, simultaneamente, se desconstruir e se reconstruir sempre que se fizer necessário. Daí surge a idéia de multiplicidade; a cada troca de roupa, o homem se permite trocar de identidade, no campo subjetivo. A partir de seu conceito, vemos que a idéia de mudança da moda está presente desde os primórdios da humanidade fazendo parte dela como processo 26 cultural, imbricada no desenvolvimento e evolução das sociedades, mas só é entendida como tal a partir dos séculos XV e XVI. A moda participa como fator necessário para a integração social, na medida em que serve para produzir significação e auxilia na transmissão de mensagens. Nesse sentido, o conceito de estilo complementa a definição de moda e, atrelados, propiciam ao indivíduo se expressar individualmente ou no coletivo quando se torna membro de determinado grupo. Assim, moda e estilo passam a representar maneiras de comportamento e estratégias de expressão corporal, levando o homem a buscar sempre se reformular para estar em sintonia com os padrões pré-estabelecidos culturalmente. 2.1 O Corpo Ideal Existe, realmente, um corpo ideal? Essa pergunta não é fácil de ser respondida e permeia as relações sócio-culturais no mundo contemporâneo, além de mediar a relação do ser humano com o seu próprio corpo. A padronização do corpo, como já foi dito no capítulo anterior é, em partes, responsável tanto pela inclusão quanto pela exclusão nas esferas sociais e lança o indivíduo em uma busca constante pelo corpo dito perfeito. Tal assunto instiga diversos estudiosos e pesquisadores que colocam a moda como um dos principais fatores que desencadeiam a formação dos padrões estéticos gerados pela cultura contemporânea. Ocorre a transformação do corpo-rascunho em corpo-acessório, ou seja, o indivíduo pode e deve transformá-lo e aprimorá-lo, pois o corpo é um produto inacabado. Segundo BRETON (2003, p. 28), o corpo é um kit e “deixou de ser identidade de si, destino da pessoa, para se tornar (...) uma soma de partes eventualmente destacáveis à disposição de um indivíduo”. O corpo passa a ser um “acessório da presença” (ibidem, p. 10), que precisa, diariamente, se adaptar a diferentes contextos e situações e se mostra cada vez mais imperfeito e incompleto, como um “rascunho a ser corrigido” (idem). O próprio homem se enxerga como um suporte moldável, buscando sempre a perfeição. A insatisfação do ser humano conduz, segundo GARCIA (2005, p. 6), a “um esgotamento do corpo enquanto limite insuportável do desejo, quando a modernidade proporciona seu esvaziamento. A exaustão pela busca da imagem corporal perfeita converge a subjetividade da carne em artifício”. As pessoas não se atentam para o fato de que as transformações corporais, com o intuito de alcançar a 27 beleza ideal, podem levar ao desgaste físico e psicológico, bem como ao distanciamento da própria realidade corporal e diluição da identidade (GARCIA, 2005). BRETON (2003, p. 24 apud GARCIA, ibidem, p. 6) afirma que “o corpo é transformado em artefato, e até mesmo em carne da qual convém se livrar para ter, por fim, acesso a uma humanidade gloriosa. (...) A comunicação sem rosto – sem carne – favorece as identidades múltiplas”. Porque o homem entra em conflito com o seu próprio corpo e passa a não aceitá-lo como ele é? Até que ponto é capaz de transformá-lo aparente e estruturalmente? VILLAÇA (2007, p. 142) diz que Não se trata de ver apenas o corpo disciplinado, que permanece na obediência cega às regras do look, no sacrifício ascético em prol da manutenção da juventude e da bela forma. O corpo, com suas estratégias, (...) não é apenas veiculo de aparência enganosa, mas lugar de fascínio, sedução, criação de alianças, via pactos estéticos que celebram o prazer, a criatividade e o humor. As mutações realizadas pelos seres humanos em si próprios são acalentadas pela moda, que cria desejos e necessidades que são exaustivamente veiculadas pela mídia, especialmente pelas revistas femininas. Qual o papel destas publicações na formação de identidades e até que ponto elas são capazes de determinar comportamentos dos indivíduos na contemporaneidade? No referente estudo sobre o corpo nas revistas de moda, pode-se perceber as formas distintas com que a Manequim e a L’Officiel enxergam e traduzem a concepção de corpo ideal. No primeiro título, o corpo que se apresenta é indefinido, ou seja, consideram-se todos os diferentes tipos de estrutura corporal, o que pode ser observado nas roupas, nas propostas, nos editoriais e até mesmo na sua maneira jornalística de transmitir tudo isto às suas leitoras. Vale destacar que nas páginas iniciais de cada edição, a Manequim traz uma legenda, acompanhada do quadro abaixo, sugerindo que a leitora descubra em qual tipo de corpo ela se encaixa para que, ao longo da revista, possa identificar quais os looks se adaptam a ela. 28 Figura 3: Tipos de corpos. Fonte: http://manequim.abril.uol.com.br Já na L’Officiel, o corpo que se apresenta é o corpo das modelos, que surge das passarelas e se coloca como modelo ideal. Em nenhum momento, há referências sobre qualquer outro tipo de corpo como, por exemplo, o que está fora de forma, ou seja, das mulheres gordinhas. As fotos, os editoriais e até mesmo a linguagem utilizada pelos jornalistas nos leva a perceber qual a concepção de corpo considerada pela revista. MARZANO-PARISOLI (2004, p. 40) ressalta que “a beleza das modelos é uma beleza que proíbe às mulheres terem um corpo de formas cheias, pois seu corpo ideal não tolera nenhuma infração à regra da magreza”. 29 Figura 4: Rocker. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 Em contrapartida, na Manequim, existe uma seção denominada “Manequim G”, que se dedica a fornecer dicas e sugestões de como se vestir se você não é magra, além de outras referências a este assunto, como matérias e editoriais específicos. Adriana Marmo, editora de moda da revista, em entrevista concedida para este estudo, diz que a seção é essencial, pois a mulher que está acima do peso também tem o direito de se adequar à moda sem ter que usar roupas antiquadas e caretas, utilizando outras cores além do preto. A seção da Manequim destinada às mulheres que estão fora de forma funciona como forma de protesto à ditadura da magreza, refutando a idéia de que somente as mulheres magras podem estar em dia com a moda. Segundo MARZANO-PARISOLI (ibidem, p. 40), “ao contrário das mulheres magrinhas que suscitam admiração, as mulheres gordas suscitam indignação e hostilidade” por não serem capazes de “seguir as regras culturais e conformar-se aos modelos propostos” (idem). 30 Figura 5: Roupas que Emagrecem. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 Acerca desta idéia de corpo ideal na contemporaneidade, GARCIA (2005, p. 24-25) ressalta que “a conservação do corpo tenta demarcar um ideal de beleza e de juventude com valores fundamentais para as relações sociais contemporâneas”. O autor complementa dizendo que “admite-se todo o tempo que corpos bem construídos, com proporções equilibradas, devem ser obtidos por meio de muito esforço e objetividade” (idem). Na tentativa de se tornar belo, segundo os modelos pré-estabelecidos, o indivíduo foge aos seus próprios padrões e não consegue mais se ver como um ser individual, e sim como um ser que precisa estar em consonância com o coletivo. O problema está na própria sociedade, que causa tal insatisfação através da exclusão e da padronização de corpos. A mulher, cada vez menos, pode estar gorda, enrugada ou fora de forma; a beleza é adquirida a partir das necessidades estéticas de cada um, que é despertada pelas revistas femininas, pelos jornais e pela televisão, que por sua vez, lança modelos de beleza fantasiosos e inalcançáveis. Segundo VEILLON (2003, p. 128), A aparência corporal é o resultado de um sistema de obrigações e de estratégias. As imagens ideais do feminino se apóiam na esbelteza e na juventude. (...) A roupa desce de seu pedestal: não é mais o signo social 31 externo, separando aqueles que têm condições de se vestir sob medidas de massa, mas, uma revanche contra a vida. Para o homem, a valorização do corpo se assemelha à valorização de si mesmo, sendo que sua interação e aceitação social dependem da forma com a qual ele se apresenta e das mensagens que transmite através da imagem pessoal. A moda “personifica diferentes territórios das práticas da ordem da individualidade, através da confirmação dos estilos de cada pessoa e também da coletividade, via inserção nos grupos sociais” (D’ALMEIDA, 2006, p. 42). A moda toma o corpo como vítima de suas exigências, sugerindo a hipótese do extermínio do corpo, diariamente instigada pela mídia. VILLAÇA (2007, p. 152) destaca a morte do corpo “no sentido de que a moda, mais do que servir de complemento ao corpo, compete com ele”. Em cada época da história da civilização, um novo tipo de corpo é proposto e estabelecido como padrão. Sendo assim, os ideais vão se modificando e os corpos são constantemente modificados. No final dos anos 60, conforme relata VILLAÇA (ibidem, p. 187), “o novo ideal feminino é ser magérrima, ter os quadris marcados, mas sem gorduras, os seios devem ser altos e minúsculos e as pernas extremamente longas e torneadas”. A partir daí, o corpo da mulher brasileira passa a ser respeitado, valorizado e levado em conta pelos estilistas e criadores, sem deixar de estar em sintonia com os lançamentos mundiais. A autora (ibidem, p. 205) situa, então, a evolução da cultura corporal nas décadas seguintes: Se nos anos 70 a cultura do corpo foi rebelde, ligada a algum jogging e alimentação natural, a década de 80, com a sedimentação do mercado da moda, vai estabelecer uma relação mais sofisticada com o corpo. A comunicação e o marketing propõem corpos perfeitos, construídos em academias com exercícios aeróbicos e vestidos em lycra. O corpo/mercadoria consagra a sociedade de consumo, desfila nos shoppings. (...) Dos anos 80 em diante, tudo se torna signo, tudo anda mais rápido. É a década da indústria cultural na qual os desejos são implantados, produzidos e industrializados. A partir dos anos 90, a evolução dos meios de comunicação, bem como da publicidade, faz com que os modos de vida se modifiquem e as pessoas busquem se adaptar às mudanças incorporando novas necessidades e desejos ao cotidiano 32 (VILLAÇA, 2007). Isso contribui também para que as informações sobre a moda e seu funcionamento cheguem mais rápido às pessoas, influenciando diretamente o comportamento e a maneira de encarar as relações cotidianas. O vínculo do sujeito com a sociedade, mediado pela aparência, é também observado por MARZANO-PARISOLI (2004) quando aborda que, ao mesmo tempo em que o corpo pode ser livremente manipulado, construído e reparado, ele é um objeto inviolável em sua essência; “a relação corpo-pessoa pode ser classificada como uma relação de posse ontológica: uma relação interna e particular que significa que, entre as condições que fazem com que eu seja a pessoa que sou, verifica-se que sou constituído desse corpo e não de outro” (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 13). Portanto, apesar das possibilidades que temos de modificar a aparência e a estrutura corporal, não podemos trocar de corpo, nem ao menos sermos outra pessoa. Toda relação tem que passar pelo corpo e se estabelecer através dele, pois este é, ao mesmo tempo, o bem maior que a pessoa possui e o que ela realmente é. E é por se apresentar às vezes como um obstáculo que “a relação com a corporeidade de cada um pode dar resultados muito diferentes” (idem). Tal relação pode ser de dependência e identificação, ou também de querer livra-se do próprio corpo; estamos constantemente em conflito em relação à nossa existência, pois, concomitantemente, nos vemos ligados ao corpo e muito distante dele. Nas revistas esta relação se atenua, pois os corpos são expostos diferentemente por cada publicação, como é o caso da L’Officiel e da Manequim, que enxergam o modelo corporal considerado ideal de formas distintas. Ao mesmo tempo em que é mostrado que, para ser bela, precisa-se estar magra e longilínea, vê-se que não há problema algum em estar um pouco acima do peso, sendo que isto não significa que a mulher é feia ou que não pode estar em sintonia com a moda vigente. Um exemplo disto são os temas dos editoriais de cada uma das publicações traz nas edições estudadas. Na L’Officiel, os editoriais transmitem para as leitoras as tendências suscitadas pelos desfiles através de produções bastante conceituais. A Manequim, por sua vez, tenta traduzir em seus editoriais as propostas da estação propondo produções usáveis e para tipos de corpos variados. A imagem do corpo ideal na contemporaneidade oscila entre o modelo divulgado pelas modelos e manequins e o porte atlético dos esportistas; não adianta 33 mais ser somente magro, tem que ser forte, firme e sem nenhuma gordura fora do lugar. O ideal de corpo, sugerido pela mídia em geral, torna-se sonho a ser realizado e meta a ser atingida pelos indivíduos no mundo moderno. A cada dia, surgem novos métodos e artifícios para que essa transformação seja possível, que estão cada vez mais acessíveis a todas as pessoas, contribuindo para a democratização do padrão corporal. A imagem de cada um pode ser, portanto, regulada e mantida sob controle, e “o corpo é apresentado como um objeto a construir segundo a moda, como o revelador de nossa personalidade, como a imagem que os outros encontram e escolhem” (MARZANO-PARISOLI, 2004 p. 35). Contudo, a preocupação com a beleza foi ganhando força no decorrer do século XX e a supervalorização da aparência se transformou na busca frenética pela beleza a qualquer preço (SANTAELLA, 2004). Acerca do poder que o mundo exterior exerce sobre o interior do sujeito e em suas transformações, SANTAELLA (ibidem, p. 126) diz que É essa dominância do exterior sobre o interior que nos leva a compreender o poder que a glorificação e a exibição do corpo humano passaram a assumir no mundo contemporâneo, poder que é efetivado por meio das mais diversas formas de estimulação e exaltação do corpo, como se essa exaltação pudesse trazer como recompensa um renascimento identitário ou a restauração de eus danificados e identidades deterioradas. A idéia de corpo perfeito o transforma em representação da afirmação pessoal e social, pois as transformações se mostram necessárias para que o indivíduo se integre aos grupos, ao mesmo tempo em que funcionam para que as pessoas se sintam aparentemente melhores, mesmo que tais mudanças causem grandes desgastes físicos e psicológicos. As revistas femininas contribuem para este processo por influenciarem comportamentos humanos através da divulgação dos padrões estabelecidos pela sociedade. A beleza passa a ser determinante nas interações entre os indivíduos, juntamente com a preocupação com a estrutura corporal considerada ideal pela cultura contemporânea. 34 2.2 A beleza sem padrões A beleza de um corpo não pode se sujeitar a pesos e medidas; o controle e a manipulação sem limites da aparência podem levar a um narcisismo excessivo ou até mesmo à loucura. O indivíduo fica cego e essa obediência pode causar sérias conseqüências, tanto físicas quanto psicológicas. Até porque o que uma pessoa considera belo, pode não ser para a outra e essas concepções se tornam obsessivas na medida em que se fazem necessárias para o convívio social. É nesse sentido que a moda pode ser encarada como uma forma de corromper o ser humano e, segundo BAUDRILLARD (1996, p. 122 apud SANTAELLA, 2004, p. 117), a radicalidade da moda encontra-se Além do racional e do irracional, para além do bonito e do feio, do útil e do inútil, é essa imoralidade tocante a todos os critérios, essa frivolidade que dá à moda por vezes a sua força subversiva. (...) Ao contrário da linguagem, que visa à comunicação, ela joga com a significação, faz dela o contexto sem fim de uma significação sem mensagem. Donde seu prazer estético, que não tem nenhuma relação com a beleza nem com a feiúra. Concluindo a reflexão sobre a imagem de corpo ideal para a moda, MARZANO-PARISOLI (2004, p. 49) atesta que De fato, ainda que a retórica contemporânea nos apresente o corpo como um simples objeto que a pessoa pode, livremente e de maneira autônoma, utilizar para realizar seus objetivos ou seus sonhos, convém lembrar que a imagem ideal do corpo que se procura em geral atingir muitas vezes não é nada mais do que a imaginação cultural que supostamente queremos aceitar. Nesse contexto, os indivíduos não são mais absolutamente livres e autônomos. A cultura e a sociedade criam um modelo de corpo ideal, e para se adequar o homem parte em uma busca acelerada por mudanças e retoques com o objetivo de ser aceito pelo mundo exterior, fazendo parte da harmonia social. O corpo se mostra imperfeito e passível a todo e qualquer tipo de transformação, que vai além da realidade do homem que o tem como instrumento. A partir daí, os indivíduos perdem a noção de como são realmente e têm como objetivo ter o corpo que não lhe 35 pertence, o que se apresenta para ele como perfeito, causando um desgaste físico e psicológico sem limites. O desejo de se refazer é, em grande parte, despertado pela moda exaustivamente divulgada pela mídia, principalmente pelas revistas femininas. A Manequim prioriza todos os tipos de corpos, indefinidamente. A L’Officiel, por sua vez, coloca como ideal o corpo que vem das passarelas, magro, alto e longilíneo. Apesar disso, admite-se, cada vez menos, que a mulher esteja fora de forma, pois acredita-se que assim não possa se adequar às tendências suscitadas pela moda. As pessoas vão perdendo, enfim, a sua identidade, pra não dizer o seu próprio corpo, vitimada pelas exigências da moda e da sociedade como um todo. Só não podemos esquecer que o homem pode se modificar constantemente, todos os dias se necessário, mas a sua essência será sempre a mesma. 2.3 Corpo-Imagem x Corpo-Real O que caracteriza e distingue o corpo-real do corpo-imagem? Essa pergunta pode ser respondida baseando-se, em princípio, nos estudos de SANTAELLA (2004) e JEUDY (2002). O corpo considerado real é o que se constitui de carne e ossos, o corpo físico e palpável que se faz presente no mundo e intermedeia as relações sociais. Para SANTAELLA (2004, p. 146), O corpo real é o corpo pulsional. Pulsão significa, como bem o demonstrou Freud, que nenhum objeto de nenhuma necessidade jamais poderá trazer satisfação ao corpo do humano, porque a natureza da pulsão é dar intermináveis voltas em círculos, um movimento cujo verdadeiro objetivo coincide com o seu próprio caminho rumo a uma meta inalcançável. O corpo-imagem, portanto, pode ser definido como aquele que é construído a partir das imagens que se faz do corpo real e pode ser denominado também como um corpo imaginário. O corpo-imagem é, em resumo, o produto criado pelas imagens do corpo e funciona como uma representação que se tem do corpo que se mostra real e que é o próprio homem, que se apresenta fisicamente ao mundo. A imagem, porém, não é o corpo em si, apesar de representá-lo perante os outros indivíduos, podendo ser até mesmo uma idealização do que se quer ou se busca ser. Para a pergunta que se faz a respeito do “que se transforma essa corporeidade 36 quando o corpo nada mais é do que uma imagem?”, JEUDY (2002, p. 152) observa que As imagens corporais (...) transformam o próprio corpo em imagem. (...) As tecnologias do visual introduziram uma ruptura em nossos modos de percepção corporal, invertendo a relação entre o corpo e a imagem: é com base na imagem já realizada que circulam e se difundem nossas imagens corporais, e não mais nesse sentido que vai da irrupção inesperada das imagens corporais à produção de nosso corpo como imagem. O corpo-imagem nada mais é do que a representação do corpo-real através das imagens corporais, mas esse corpo imagético coincide realmente com o verdadeiro? Ou tenta se colocar no lugar dele, apresentando-se como o modelo ideal a ser atingido? MARZANO-PARISOLI (2004) busca respostas para as questões acerca do corpo na contemporaneidade, sobre o qual se convergem interesses sociais e econômicos e no qual se acumulam uma série de práticas e discursos. A autora afirma que, “na realidade, o objeto corpo dos discursos socioculturais contemporâneos é, cada vez mais, um fetiche e uma abstração” (ibidem, p. 24). O corpo torna-se objeto na medida em que necessita incorporar os padrões sócio-culturais, deixando para trás sua essência através das transformações e intervenções que nele são realizadas. “Um corpo que equivale a não ter odor, salvo aquele de algum perfume que está na moda, nem medidas, salvo aquelas controladas pela ginástica e pelos regimes alimentares; um corpo do qual não se fala a não ser que ele manifeste desejos e necessidades aceitos e codificados pela sociedade” (idem). O ideal de corpo que os indivíduos tencionam ter não corresponde com o corpo que é real e que é o que ele realmente tem, que o acompanha desde o seu nascimento e que é, de uma forma ou de outra, verdadeiramente único. Como é possível que exista um corpo perfeito se os homens são essencialmente imperfeitos e estão em constante crescimento e evolução? Apesar de todo o universo de imagens que tentam representar o corpo, este não perde a real materialidade, continua sendo a matéria-prima do homem e, não simplesmente, um produto construído e moldado pela cultura de uma sociedade. O corpo humano é real e não uma imagem que vai sendo construída e manipulada pela sociedade, que tem que se adaptar a seus padrões referentes à aparência e ao 37 comportamento. E é a partir deste corpo que as pessoas conseguirão estabelecer contato e se comunicar no ambiente social do qual fazem parte (MARZANOPARISOLI, 2004). A multiplicidade das imagens no mundo atual é um dos fatores que desencadeiam a insatisfação do indivíduo consigo mesmo, fazendo com que ele busque, a todo o momento, se modificar para se adequar aos padrões culturais exigidos. Para MALISSE (2002, p. 68), “atualmente, a fronteira que separa o corpo da sua própria imagem parece prejudicar a apreensão das realidades corporais”. O autor destaca ainda que “a imagem em si é uma ficção cultural, uma realidade revelada, que obedece mais a subjetividade do que a objetividade do real (MALISSE, 2002, p. 71-72)”. O corpo-imagem é resultante do imaginário, a percepção do sujeito acerca de seu próprio corpo é determinada pela imagem que o outro faz dele, sendo que ele se vê através do seu próximo e o coloca como espelho de si. O outro não é somente o seu semelhante, mas tudo o que o cerca e que fará com que o indivíduo se perceba exteriormente (DROGUETT, 2002). Nesse sentido, a imagem do corpo não é o corpo em si; “o Eu se forma, portanto, inevitavelmente através da imagem do outro, é o outro que possui a sua imagem, com a qual se rivalizará. (...) e se constitui pelo não reconhecimento do que está em si, vendo-se do lado de fora” (SANTAELLA, 2004, p. 145). GARCIA (2005, p. 16) discorre sobre a existência de uma “dimensão extrasensorial”, que consiste em tudo o que “pode ser captado pelo instigante universo do imaginário” (idem). A imaginação é capaz de levar o sujeito a uma dimensão à parte do mundo real que ele habita e pode ser suscitada através das imagens veiculadas pela mídia, grande responsável pela divulgação dos modelos padronizados pela cultura. Segundo afirma MARZANO-PARISOLI (2004, p. 52-53), A lógica das imagens culturais não é a lógica do enunciado e da prova, mas antes a do conto de fadas e da adesão sem limites. (...) O conto que aprendemos é o conto do sucesso e da felicidade que podemos atingir se temos e construímos um corpo perfeito. Entretanto, o corpo perfeito não existe; a idéia de que haja corpos mais perfeitos do que outros só é aceitável na medida em que se admite, a priori, a existência e o valor do modelo perfeito proposto; mas, ainda e sobretudo, é ilusório acreditar que a felicidade e o pleno desabrochar dependem do aspecto físico e da imagem 38 externa do corpo; (...) a mídia procura convencer-nos de que sendo sensatos e obedientes, isto é, domesticando nosso corpo, poderemos obter nossos presentes que são o sucesso, o poder, o amor, a felicidade. Infelizmente, no caso da historia do corpo perfeito, o presente-felicidade não chega nunca, porque o corpo perfeito não existe. Ainda neste contexto, JEUDY (2002, p. 16) atenta para a diferença existente entre o universo imaginário e o simbólico, dizendo que “as imagens correspondem ao imaginário; as representações do corpo, mais elaboradas quanto ao seu senso e à sua finalidade, concernem ao simbolismo”. A instabilidade imagética resulta em certa confusão do sujeito na sua relação com a aparência, bem como na construção de sua identidade corporal. As pessoas precisam moldar-se sem usar como referência as modelos e manequins; esta pressão causada pela identificação com tais padrões ditos ideais transforma o corpo em um objeto obsoleto e irreal. A moda exerce um papel fundamental na transformação do corpo-real em corpo-imagem por também ditar modelos e padrões, verdadeiros ideais a serem atingidos. Por mais que as mulheres sejam diferentes, os padrões de beleza são tão cegamente obedecidos que os corpos passam a se parecer. Roupas parecidas, a mesma forma de se maquiar, intervenções cirúrgicas, aplicações de botox; todas as transformações têm o mesmo objetivo: adequar-se aos padrões que a sociedade e a moda suscitam e alcançar, enfim, o corpo perfeito. A imagem perfeita é homogeneizada e, “em lugar do corpo pulsional, assombrado pelo desejo, pululam, por todos os lados, esses corpos semi-urgidos, estruturalizados, teatralizados” (SANTAELLA, 2004, p. 129). A autora (ibidem, p. 130-131) ressalta que A percepção do corpo em geral e do próprio corpo em particular fica assim dominada pelas telas das imagens encenadas. Os videoclipes, as publicidades, as bancas de revistas destituem de sentido não apenas todas as aparências que não se enquadram nos seus moldes, mas, mais do que isso, todos aqueles que ficam na sombra, à margem das luzes gloriosas do exibicionismo. Em se tratando da relação das mulheres com a moda e com a mídia, no caso as revistas, que ainda será abordada no próximo capítulo, a moda propõe três 39 formas para que as leitoras consigam resolver o problema da passagem do corpo abstrato para o corpo real. Segundo BARTHES (1970, p. 286-87), “a primeira solução consiste em propor um corpo ideal encarnado; é o do manequim”. A imagem corporal que a mídia divulga é a que surge das passarelas, das atrizes da novela, das cirurgias plásticas. A segunda opção, conforme afirma o autor, consiste “em decretar o corpo certo para cada época, o corpo que está na moda” (idem). Afinal, a cada estação as tendências são renovadas ou recicladas e, conseqüentemente, os padrões são substituídos. O autor complementa dizendo que “a terceira solução consiste em acomodar o vestuário de tal modo que transforme o corpo real e consiga que ele signifique o corpo ideal da moda” (idem). Na verdade, o corpo-imagem sugere o ideal corporal que deve ser buscado para a aceitação social. Porém, não são dadas ao indivíduo opções de escolha, ou seja, o padrão perfeito criado pela cultura é ditado pela moda e divulgado pela mídia, deixando-o totalmente acuado e predestinado a se encaixar neste modelo. Não há possibilidade de escolhas quando não existem alternativas; na medida em que os padrões são obedecidos, a sociedade se torna, de certa maneira, homogênea e uniforme. Ao se padronizar, o indivíduo é aceito como membro de determinados grupos e da sociedade como um todo, pois se iguala ao modelo ideal imposto pela cultura. Na verdade, a aceitação e interação sociais estão condicionadas à escolha ilusória de se encaixar ou não a tais padrões (MARZANO-PARISOLI, 2004). A submissão ao modelo de corpo perfeito conduz o ser humano a uma perda da sua autonomia, pois ele abandona a sua essência para se tornar outra pessoa, mesmo que essa transformação não seja, em tese, real. “A mulher é atraída porque as imagens do corpo ideal fazem reluzir diante de seus olhos grandes miríficos. (...) Entretanto, o corpo real jamais estará à altura deste modelo, mesmo que lhe sejam impostas as regras mais tirânicas, porque o corpo perfeito, na realidade, jamais pode existir” (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 50-51). Podemos perceber que o corpo-imagem não substitui o corpo que é real e que se faz presente no mundo. O corpo ideal, que é constantemente buscado e idolatrado, na verdade não passa de um modelo ilusório e irreal, que termina por levar o indivíduo a querer ser perfeito para que seja aceito socialmente. As imagens captadas pelos olhos adquirem significados na medida em que são absorvidas por todos os sentidos humanos e são o que movem as pessoas a percorrer os caminhos rumo à perfeição. Mas qual é o corpo perfeito? O corpo dito 40 perfeito não existe, o que existem são diferentes maneiras de se encarar a realidade corporal de cada um. O modelo ideal de corpo traduz somente os valores da sociedade contemporânea, homogeneizando gostos e preferências, deixando o indivíduo sem escolhas e eternamente insatisfeito. 41 3 O Corpo na Mídia Como já foi dito anteriormente na reflexão sobre o corpo e suas relações com o mundo exterior, este é o primeiro instrumento de comunicação do homem que aqui podemos conceituar como mídia primária, ou seja, que estabelece o ato comunicacional através e por si só, não necessitando de aparatos para isso. Dois outros diferentes tipos de mídia contribuem para o processo: a mídia secundária, que se utiliza de algum aparato acoplado à primária, como as roupas e a fotografia, e a mídia terciária, que além das mídias já citadas, necessita de outros aparatos para mediar a transmissão e recepção de dados, como acontece na televisão e na internet (GARCIA e MIRANDA, 2005). A mídia primária, então, dá início ao processo de comunicação que, por sua vez, acaba quando chega novamente ao corpo, alvo da recepção das informações. A mídia, no entanto, apropria-se do corpo e o transforma em imagem, para assim conseguir divulgar o que considera como ideal ou padrão; um corpo que, segundo GARCIA (2005, p. 31-32), é “ressaltado de plasticidade, mas comum, para todos (...) e contém diferentes saberes a respeito do homem e do mundo”. Por constituir-se objeto de presença, o corpo é constantemente transformado e modificado com o objetivo de alcançar os ideais culturais propostos e se torna imagem na medida em que é tomado pela mídia como instrumento de padronização e, conseqüentemente, de aceitação social. A mídia participa ativamente na formação da imagem identitária do indivíduo, que se baseia no que ela veicula e transmite para criar certos parâmetros acerca de si próprio e da sua relação com o outro. A cultura midiática funciona como intermediadora entre o indivíduo e a sociedade na qual está inserido ao divulgar e padronizar atitudes e comportamentos, que se tornam indispensáveis para a interação e aceitação sociais. VILLAÇA (2007, p. 140) ratifica que “a mídia reforçou a participação do corpo físico na constituição da subjetividade, (...) e a corrida pela posse do corpo midiático, o corpo-espetáculo, desviou a atenção do sujeito da vida sentimental para a vida física”. Nesse sentido, o papel da mídia dentro da realidade contemporânea se mostra forte e capaz de transformar o modo de pensar das pessoas, pois neste espaço são construídos estilos de vida perfeitos, nos quais todas as pessoas são lindas, felizes e realizadas, modelo que se torna extremamente almejado pelos 42 indivíduos e os faz viver buscando uma realidade que, na verdade, é simplesmente um sonho ideal, mas totalmente irreal. SANTAELLA (2004, p. 126) comenta que “as representações nas mídias e na publicidade têm o mais profundo efeito sobre as experiências do corpo”. A autora completa dizendo que “são elas (a publicidade e as mídias) que nos levam a imaginar, a diagramar, a fantasiar determinadas existências corporais, nas formas de sonhar e de desejar o que propõem” (idem). Não podemos esquecer que a função da mídia é, acima de tudo, ser fonte de informações. É através dos veículos midiáticos que as informações chegam até as pessoas, ultrapassando os limites regionais e mundiais e fazendo com que os acontecimentos sejam globalizados e vivenciados por todos. Segundo LIPOVETSKY (1989, p. 230-37), “o maior papel da informação no processo de socialização e de individualização não é separável de seu registro espetacular e superficial. (...) A mídia (...) participa na civilização do conflito ideológico e social”. Assim, ao mesmo tempo em que são considerados recursos de manipulação e alienação dos indivíduos, os meios de comunicação se mostram essenciais para o desenvolvimento sócio-cultural, considerando-se, dentre outros fatores, que “a humanidade privilegia o olhar como porta de entrada das sensações e do próprio conhecimento” (GARCIA e MIRANDA, 2005, p. 79). As representações do corpo nos veículos da mídia estão diretamente ligadas à moda, pois a roupa veste o indivíduo que, a partir dela, vai construir significados para, enfim, transmitir suas mensagens ao mundo e ao outro. A aderência ao corpo mais evidente é certamente a roupa: embalagem que vela e desvela, simula e dissimula. (...) Na sua verdade, a roupa decide o que mostrar ou esconder e fixa, simbolicamente, certas partes anatômicas. O corpo é protegido por esta camada intermediária entre ele e o mundo, carapaça maleável que o solidifica e amortece o choque das agressões (VILLAÇA, 2007, p. 142). A moda se faz presente diariamente nas mídias e, segundo VILLAÇA (2007, p. 217-19), “o fluxo de informação dos anos 90 foi um fator decisivo para a moda. (...) e são os veículos de comunicação, mais do que nunca, que se encarregam de traduzir a linguagem da moda”. A partir daí, os desfiles, as tendências e as novidades do setor são lançadas na sociedade pelas revistas, pela televisão, pela internet, etc. para serem vistas, absorvidas e seguidas pelas pessoas, consciente ou 43 inconscientemente. “O corpo sempre jovem, saudável, magro e definido é vendido como a embalagem ideal para a mulher moderna do novo milênio (idem)”. GARCIA e MIRANDA (2005, p. 77) observam “que a comunicação vai dar suporte à moda que se cria e que se coloca sobre o corpo, a qual ganha passarelas, vitrines, páginas de revistas e jornais, programas de televisão e sites na internet para então ser admitida e aclamada nas ruas”. Quando chega às ruas, o sujeito junta corpo e moda para se comunicar e se fazer ver, e tal junção passa a constituir a sua identidade visual, ou seja, sua aparência que, por sua vez, o torna membro ou não de determinados grupos. 3.1 O Jornalismo de Moda nas Revistas Femininas As relações entre corpo e moda estão diariamente presentes em todos os veículos da mídia e se mostram relevantes para um melhor entendimento e estudo do ser humano como um todo. O presente trabalho se limita ao estudo do tratamento dado ao corpo nas revistas de moda feminina Manequim e L’Officiel, especificamente referindo-se às diferentes maneiras de ver e divulgar o corpo da mulher brasileira no que diz respeito à suas formas e dimensões. Busca-se demonstrar, através do estudo de seções escolhidas, que a Manequim privilegia todos os tipos de corpos, ou seja, a mulher real que pode ser magra ou gorda, alta ou baixa, em detrimento da mulher apresentada pela L’Officiel, que tem a estrutura corporal das modelos de passarela. O jornalismo de moda pode ser visto como um produto cultural das sociedades, e sua consolidação se dá com o lançamento de revistas e jornais dedicados ao universo feminino, em Paris e Londres, no século XIX. Nesse período, o tipo de jornalismo vigente é o denominado informacional, que se limitava somente à informação propriamente dita, atendendo assim à demanda dos consumidores. O crescimento acelerado do consumo e das populações faz com que seja necessária a transformação desse jornalismo informativo em um estilo de jornalismo caracterizado pela interpretação dos fatos (D’ALMEIDA, 2006). Surge então, já no século XX, o jornalismo interpretativo, no qual são aceitas opiniões e questionamentos acerca dos acontecimentos cotidianos, inclusive sobre o universo da moda e sua democratização. Naquele momento, o surgimento da moda prêt-à-porter, em contrapartida ao modelo vigente da alta-costura, suscita, entre 44 outros fatores, o surgimento de um jornalismo que se dedica a todos os assuntos referentes à moda, desde a criação até os lançamentos de tendências, e que amplia o universo feminino. Assim, o jornalismo dito interpretativo transforma-se no jornalismo diversional ou de entretenimento, no início do século XXI (D’ALMEIDA, 2006). A mídia funciona, ao mesmo tempo, como instrumento de informação e como divulgadora da cultura das sociedades, bem como de seus padrões de interação, aceitação e também comportamentais. Dentre os padrões sociais, estão o de beleza e o de corpo, que já foram abordados anteriormente na pesquisa, e segundo SANTAELLA (2004, p. 127), “a mídia constitui-se num dos principais meios de difusão e capitalização do culto ao corpo como tendência de comportamento”. Com a expansão dos meios de comunicação, a informação ganha uma amplitude maior e o acesso das pessoas é facilitado devido ao alcance que tal expansão proporciona. Com isso, “a moda deixa de ser um feudo inacessível para tornar-se tema de conversa no dia-a-dia das pessoas de todas as classes sociais” (KRONKA, 2006, p. 28). As revistas femininas contribuem neste processo por levarem às pessoas os acontecimentos do mundo fashion, bem como seus desfiles, seus lançamentos, suas tendências e seus produtos, fazendo com que este universo possa ser seguido por todos e incorporado na vida de cada um. Para estabelecer contato direto com as leitoras as revistas utilizam, além de uma linguagem ligada aos termos da moda, imagens e ilustrações que compõem uma identidade visual específica para o segmento. No jornalismo de moda, são utilizadas as linguagens verbal e não-verbal, ou seja, é essencial que os textos sejam devidamente intercalados e ilustrados por imagens, pois será esta combinação que atrairá a atenção das leitoras. Assim, se não houver texto ou este for insuficiente para que se transmita a informação, o leitor não terá a compreensão necessária para o entendimento do fato relatado. E, quando uma matéria sobre moda não contém fotos, não desperta o interesse das leitoras e não tem o mesmo efeito visual de uma matéria ilustrada (KRONKA, 2006). Além disso, segundo destaca D’ALMEIDA (2006, p. 41), “estamos na era da imagem por excelência. E a moda não abre mão do signo imagético no enlace que desempenha nas passarelas dos grandes desfiles”. Em se tratando do jornalismo de moda, o autor ratifica também que “alinham-se ao texto, ou seja, o signo verbal a 45 força que uma imagem forte pode gerar na página de um jornal ou revista para seduzir visualmente a leitura” (idem). Um detalhe importante a ser destacado é a forma na qual as publicações apresentam geralmente as roupas para os indivíduos, ou seja, as peças são colocadas em manequins ou em corpos reais, e não desenhadas ou somente fotografadas, para que se aproximem da realidade de seus leitores. Com isso, ressalta-se que é “a roupa (que) decide o que mostrar ou esconder e fixa, simbolicamente, certas partes anatômicas. O corpo é protegido por esta camada intermediária entre ele e o mundo, carapaça maleável que o solidifica e amortece o choque das agressões” (VILLAÇA, 2007, p. 142). Na medida em que isso é feito pelos jornalistas, conseguimos definir qual o tipo de corpo cada uma das revistas privilegia e, ainda, a qual tipo de mulher é destinada, no que diz respeito ao nível de informação, idade e classe social. Desde o tipo de linguagem utilizada e as imagens escolhidas até os tamanhos e as formas de todo o vestuário ofertado, os produtos oferecidos e os referidos preços, pode-se chegar a uma classificação do estilo da revista e do seu público-alvo. Em relação aos tipos de vestuário presentes nas publicações, BARTHES (1970, p. 15-18) coloca “que se trata aqui (na revista) de dois tipos de vestuário diferentes”. O autor complementa sua afirmação dizendo que “o primeiro é o que me apresenta fotografado ou desenhado, é um vestuário-imagem. O segundo é o mesmo vestuário, mas escrito, transformado em linguagem” (idem). Ainda para BARTHES (idem), “a primeira estrutura é plástica, a segunda é verbal (...), e estes dois vestuários reencontram uma identidade a nível do vestuário real que parecem representar”. Conclui-se, então, que a mensagem só se mostra completa e totalmente inteligível quando se alia texto e imagem que, juntos, são capazes de transmitir as informações. Os veículos da mídia que abordam o assunto moda, geralmente, têm o desfile como o mote da cobertura jornalística, pois é este acontecimento que desencadeia os demais lançamentos de produtos no mercado a cada estação. Com as revistas não podia ser diferente. A cada semana de moda, são dedicadas páginas e páginas à cobertura dos eventos e, a partir daí, surgem as matérias acerca das tendências e as sugestões de itens considerados peças-chaves das coleções ou aqueles que se referenciam de alguma forma à moda vigente. 46 Na revista Manequim, por exemplo, as matérias sobre os desfiles são produzidas a partir das anotações de cada jornalista que assistiu às apresentações, que são reunidas e analisadas em uma reunião de pauta, na qual decidem o que de mais interessante saiu das coleções e, mais importante, o que está de acordo com o que as leitoras da revista vão usar (MARMO, 2008). Na L’Officiel, há também uma triagem de tudo o que foi visto nos desfiles e desta seleção são escolhidas as tendências mais fortes, que serão trabalhadas pela revista durante toda a estação (HOLZMEISTER, 2008). O desfile funciona como a matéria essencial para o jornalismo de moda. Caracteriza-se, neste sentido, a moda e, conseqüentemente, o jornalismo dedicado a esse segmento como extremamente dinâmicos e efêmeros, pois a cada temporada, em tese, tudo se modifica, e o que foi lançado anteriormente se perde em meio ao que está sendo proposto, mesmo que algumas referências não se modifiquem. É exatamente essa difusão de moda realizada pelos jornalistas de moda que desperta a necessidade de se estar sempre informado sobre a última tendência, mesmo que esta negue por completo sua antecessora próxima, mas que retome elementos de sua antecessora mais longínqua (D’ALMEIDA, 2005, p. 76). Em se tratando do texto da reportagem, o jornalista responsável necessita de certo conhecimento histórico sobre o assunto, para poder embasar o que está produzindo e também para que o leitor se sinta mais confiante no que está lendo, além de contribuir assim para um melhor entendimento e absorção da mensagem. O texto jornalístico, no que diz respeito aos eventos e lançamentos do mundo fashion, podem ser imparciais quando se trata de simplesmente noticiar um fato ou quando se constrói um texto que conte a história da moda em si ou de algum estilista ou alguém que se fez importante neste mercado. Mas, geralmente, quando se fala de desfiles e coleções, o que se escreve é uma crítica, ou seja, é a opinião expressa de quem está escrevendo, abertamente, ou até mesmo a posição do veículo em relação ao fato. “De certa forma, os jornalistas acabam desempenhando um papel de formador de opinião que transforma o privado em público (...). O 47 jornalista de moda é, portanto, sujeito de observação do objeto de criação da moda” (D'ALMEIDA, 2006, p. 76 e 79). 3.2 Descrição dos objetos de estudo 3.2.1 Revista Manequim Um dos veículos de comunicação que se apresenta como objeto de estudo do presente trabalho é a revista de moda feminina Manequim. Lançada em julho de 1959, foi a primeira revista direcionada para o mercado da moda lançada pela Editora Abril e também a primeira a conter moldes de corte e costura inclusos. Nos últimos 50 anos, suas edições foram produzidas com a intenção de traduzir as mudanças ocorridas no universo feminino nestas cinco décadas, inaugurando muitas técnicas que auxiliaram na evolução do fazer jornalístico na moda, como a produção de matérias que privilegiam a mulher brasileira em detrimento da moda vigente em culturas estrangeiras (http://www.abril.com.br). Figura 6: Capa da primeira edição da Revista Manequim,1959. Fonte: http://msn.bolsademulher.com 48 Na época de seu lançamento, a revista tinha o propósito de aproximar a moda dos grandes estilistas europeus às mulheres de classe média. Atualmente, poucas são as referências feitas à moda internacional. Segundo MARMO (2008), a publicação vem sofrendo uma grande revitalização há três anos; a Manequim passou a querer educar sua leitora, informando e ensinando qual é o tipo de corpo que ela tem e o que ela pode usar para que se sinta melhor. A mudança se mostrou necessária a partir do momento em que se pôde perceber novas necessidades e prioridades da mulher brasileira. A moda internacional passou a ser vista sob um novo olhar; os jornalistas da revista buscam contextualizar os acontecimentos mundiais para que possam ser vistos sob a ótica da moda brasileira, sem deixar de lado as tendências que são suscitadas pelo mundo afora. O que é lançado mundialmente é transmitido para as leitoras da Manequim de tal forma que possa ser incorporado e traduzido de variadas maneiras no visual de cada uma delas, priorizando os elementos de beleza e os atributos das roupas que valorizam a mulher brasileira. Desde a primeira edição, a Manequim coloca à disposição de suas leitoras as tendências da moda, para que cada uma delas possa escolher o que melhor se adapta ao seu corpo e ao seu estilo. Segundo VILLAÇA (2007, p. 173-174), a revista surge “com o intuito de acompanhar o crescimento da indústria nacional e apresentar a moda dentro do estilo brasileiro, baseado em modelos europeus”. A autora completa dizendo que, “pela primeira vez, as pessoas comuns podem ter acesso às criações da moda sintonizadas com as tendências do momento” (idem). MARMO (2008) diz que a linha-mestra seguida pela Manequim é fazer sempre uma revista destinada à mulher real e a todos os tipos de corpo que essa leitora possa ter. VILLAÇA (2007, p. 184) recorre à primeira edição da revista, observando que a publicação “surgiu numa época em que as mulheres da classe média viviam um momento de transição. A praticidade e o conforto começam a enraizar seus hábitos. O glamour da alta-costura é substituído pela nova proposta do prêt-à-porter. Surge, então, a mulher moderna”. A autora faz uma citação que se faz importante nesse estudo, que constava no primeiro número de Manequim que explicita a posição da revista em relação à moda da época, mas que se encaixa também em seus padrões atuais e na forma com a qual ela encara o universo fashion: 49 Ah, a moda! Essa tirana deliciosa, exigente, que torna a vida tão encantadora! Ela manda, ordena na realidade, e todos obedecem. Tem uma imaginação fabulosa. Quando se pensa que não há mais novidade que possa surgir, a moda mostra-nos uma linha inédita, estranha às vezes, mas que sempre tem a sua beleza. Abaixa a cintura, levanta-a; faz desaparecer a cintura, fá-la surgir novamente; alarga a linha das modelos, ajusta-a; encurta saias, encomprida-as; diminui as golas, aumenta-as, elimina-as... enfim a moda faz tanta coisa! Mas sempre deixando que permaneça evidente, sempre vitoriosa nessa versatilidade cheia de fantasia, o encanto feminino, sempre exaltando a elegância da mulher. E a todas essas reviravoltas que a moda executa, a mulher está atenta. Com seu gênio inventivo e bom gosto, adapta-a, modifica-a e faz dela uma criação que se harmoniza com a sua personalidade e tipo. É aí que os papeis se invertem, a mulher passa a ser rainha e a moda sua serva, pois é ela que se desdobra em atenções, em fantasias para agradar e para ser acolhida. E a mulher faz dela o que quer, faz dela, principalmente, a aliada mais importante para impor seu encanto e atração, amoldando à sua personalidade (Revista Manequim, Ano. 1, n. 1, agosto de 1959, p. 3 apud idem). O público-alvo da Manequim, segundo os dados do Instituto Ipsos Marplan, de pesquisas no período de janeiro a dezembro/2007, é composto quase que totalmente por mulheres (90%), com idade superior a 20 anos (88%) pertencentes às classes A, B e C, sendo 19%, 34% e 35%, respectivamente, em um universo de 1.005.000 leitores (http://www.abril.com.br). A publicação é destinada à leitora que considera a moda um assunto importante, mas desde que ela esteja dentro dos padrões reais; é uma mulher que valoriza o seu espaço, tem a família no centro de sua vida e não abre mão de viver sempre com segurança. MARMO (2008) diz que, antigamente, a revista era destinada às costureiras e agora este foco mudou. Como o comportamento das leitoras foi sendo modificado ao passar dos anos, a linguagem da Manequim foi adaptada para que conseguisse atingir todas as mulheres: a que costura, a que manda fazer roupas e a que compra as peças prontas. Por este motivo, os moldes estão anexados a todas as edições, trazendo os modelos das roupas que são apresentadas, o que na opinião da editora, funciona como resposta às questões de quem lê. Além disso, um nicho que se mostra importante é o dos estudantes de moda, que se interessam bastante pelo conteúdo que a revista traz. 50 Manequim possui seções fixas, ou seja, que constam em todas as edições e tratam de assuntos referentes à beleza, saúde, casa, decoração, lazer e trabalho, construindo assim um leque de temas que respondem aos interesses de suas leitoras. A revista busca, através da cobertura de desfiles, do lançamento de tendências e da sugestão de produtos, orientar as mulheres a utilizar a moda a seu favor, além de trazer moldes que dão a elas o direito de escolher entre comprar as peças da estação ou mandar fazê-las em costureiras. Assim, a revista consegue propor uma moda para diferentes tipos de corpos, e transmite as informações e imagens de maneira tal que consiga atingir variados tipos de mulheres, indefinidamente. É uma revista que tenta se aproximar da leitora através da sua maneira de enfocar o universo fashion em geral, com uma linguagem de fácil entendimento e bastante abrangente. MANEQUIM é o guia de moda da mulher brasileira. Traduz e ensina a leitora a usá-la a seu favor, de acordo com cada ocasião, estilo e tipo de corpo, levando em conta os diversos climas do Brasil (http://publicidade.abril.com.br). Para a Manequim, não importa se a mulher é magra ou gorda, não importam os regimes e as regras, os padrões e os modelos, mas sim a leitora como um todo, que faz parte da diversidade brasileira e que se encontram diariamente presentes nas ruas (MARMO, 2008). 3.2.2 Revista L’Officiel O outro objeto de estudo utilizado é a L’Officiel Brasil. Ela foi lançada em 1921 em Paris, com o intuito de evidenciar o talento dos grandes costureiros e tornar públicas as suas criações, com o luxo e a elegância da cultura francesa. Desde então, a publicação é referência mundial para os profissionais da área devido à sua abordagem e seu conteúdo embasado pela história da moda. A versão brasileira de L’Officiel chegou muitos anos depois no país, em outubro de 2006, com o mesmo glamour da edição francesa. Direcionada a todas as pessoas que trabalham ou pertencem de alguma forma ao mundo fashion e também a quem se interessa pelo assunto, a revista busca, através do acompanhamento dos 51 acontecimentos, eventos e da dinâmica do mercado, apreender e disponibilizar as tendências mundiais, sendo que segundo o site da revista, é a única que se dedica exclusivamente à cobertura e transmissão dos lançamentos internacionais (http:// www.lofficielbrasil.com.br). Figura 7: Primeira edição da L’Officiel Paris – 1921. Fonte: http://patrimoine.jalougallery.com A L’Officiel Brasil valoriza a boa qualidade gráfica e editorial de suas edições e busca estar em consonância com a tradição de luxo e elegância da marca, com o objetivo de atrair e atender as necessidades de um público exigente, tratando a moda também no sentido comportamental e não somente no que diz respeito às tendências. A publicação está atenta à internacionalização da moda brasileira, sem deixar de valorizar o que vem de fora, e traz também, a cada edição, reportagens sobre comportamento, beleza, cultura, gastronomia, arte, turismo, decoração e design (www.lofficielbrasil.com.br). 52 Figura 8: Primeira edição da L’Officiel Brasil – 2006. Fonte: http://photos1.blogger.com A percepção que se tem da vestimenta varia de acordo com a forma com a qual o indivíduo enxerga o seu próprio corpo, e não é de se estranhar que esses modos de percepção sejam diferentes em cada cultura, em cada sociedade, em cada país. O fato da matriz da publicação estar localizada na França, onde as mulheres têm corpos mais definidos, a magreza é sinônimo de elegância e onde o corpo não é extremante cultuado e valorizado como no Brasil, deve ser levado em conta quando falamos sobre a versão brasileira de L’Officiel. O corpo representa, na cultura brasileira, um fator de inclusão e interação social, assim como sua aparência física, e precisa obedecer a padrões estabelecidos para que possa ser considerado ideal. A preocupação nacional com a beleza já se tornou obsessão, influenciando da mesma forma todas as classes sociais e parecendo estar ao alcance de todos, o que não pode ser totalmente verdade quando se leva em consideração a condição econômico-social na qual o país se encontra e o abismo existente entre as classes. Deste modo, questiona-se nesse estudo se as visíveis diferenças de corpos entre as mulheres da França, país de origem da publicação, e as mulheres 53 brasileiras são consideradas. HOLZMEISTER (2008) afirma que “L’Officiel Brasil é a produção brasileira de um título francês. Como tal, foi adaptado em formato e conteúdo para atender o público brasileiro”. A globalização da moda e as influências externas no mercado nacional também são abordadas pela editora, quando observa que “as mesmas informações estão disponíveis no mundo todo. O que acontece é que os estilistas brasileiros buscam adaptar algumas tendências para o gosto da brasileira. (...) Seja pelo corpo da brasileira ou simplesmente por uma questão de gosto” (idem). O título brasileiro também faz referências constantes, praticamente em todas as suas edições, à moda internacional e a tudo o que ela desencadeia na moda brasileira. A intenção disso é aproximar a leitora da moda como um todo ou tornar a revista ainda mais elitizada? Pois ao mesmo tempo em que divulgam as tendências que surgem nas coleções estrangeiras, sugere a todo o momento roupas, sapatos e acessórios diversos para o consumo do público brasileiro. HOLZMEISTER (2008) foi questionada a respeito deste assunto e afirmou que, “ao ampliarmos (os jornalistas da revista) o leque, queremos oferecer à leitora a informação completa, para que também ela possa entender esse imenso universo de referências. E isso não significa depreciar o produto nacional”. Por ser relativamente recente no mercado brasileiro, as informações sobre o público-alvo, bem como pesquisas sobre o perfil do leitor de L’Officiel Brasil, são escassas. HOLZMEISTER (2008) informa que a publicação nacional possui como público principal pessoas das classes AA, A e B, com grau de escolaridade de nível superior ou maior, e que a revista é pensada para atender às demandas de um público exigente, que busca se informar cada vez mais. Complementando esses dados, consta no site da revista que a L’Officiel Paris tem como público, em sua maioria, mulheres das classes AB (84%), com idade entre 25 e 49 anos, que somam 69% do universo de, aproximadamente, 500 mil leitores (www.lofficielbrasil.com.br). Baseando-se no estudo realizado com as revistas, que ainda será explicitado no presente trabalho, pode-se concluir, a princípio, que as leitoras da versão brasileira são modernas, cultas, possuem alta renda e alto grau de consumo. O estudo da revista em questão contempla a matéria sobre as tendências lançadas pelos estilistas e grifes nas coleções apresentadas na última São Paulo Fashion Week – Inverno 2008, realizada no mês de janeiro; e da seção “De ocasião”, que apresenta sugestões de produtos que estão em sintonia com tais 54 lançamentos. Sendo assim, pode-se observar que a L’Officiel restringe o seu público, principalmente no que diz respeito ao tipo de corpo ao qual se refere, ao nível de cultura de moda e à posição social que tais leitores ocupam. O foco principal deste trabalho consiste no estudo de como as revistas de moda encaram o corpo de suas leitoras, e como elas transmitem e divulgam o tipo de corpo que priorizam. Neste sentido, supõe-se que o modelo vendido pela L’Officiel é o corpo ideal, a silhueta que surge das passarelas e se transforma em um padrão a ser seguido. Em contrapartida, quando questionada sobre como a revista imagina ser o corpo de suas leitoras, HOLZMEISTER (2008) responde que a publicação “é dirigida às pessoas que amam moda, independente de seus corpos, sexo ou cor”. Em seguida, é levantada a questão sobre como a L’Officiel trata o corpo da mulher brasileira em função desta definição de corpo ideal, advinda das passarelas e exaustivamente divulgada pela mídia. HOLZMEISTER (2008), por sua vez, atribui a este questionamento a mesma resposta, ou seja, diz que a publicação é feita para todas as pessoas, sem discriminações, dando a impressão de ignorar a diferença existente entre as duas perguntas, que requerem respostas distintas e mais esclarecedoras. Por ser uma revista direcionada a um público mais elitizado, formadores de opinião e profissionais da área, utiliza uma linguagem mais específica. A moda é transmitida para pessoas que possuem, de antemão, certa cultura sobre o segmento e que poderão absorver o conteúdo proposto e incorporá-lo ao seu modo de vida. Questionada acerca da linguagem utilizada como fator de restrição de público, HOLZMEISTER (2008) afirma que “cada revista se dirige a um público específico, por isso não se trata de restringir o público leitor”. A diferenciação vai além da linguagem utilizada, pois pode ser percebida desde os anunciantes presentes na revista até as imagens trazidas pelos editoriais. 3.3 Estudo comparativo das matérias sobre tendências O mote central de toda a cobertura de moda realizada pelos veículos da mídia é o desfile, principal acontecimento desse segmento que suscita e lança o que será usado em cada estação. Roupas, sapatos e acessórios são apresentados aos convidados e à imprensa que, por sua vez, documenta, fotografa e noticia à 55 sociedade tudo o que se passou e tudo o que se viu em cada uma das coleções. E para isso, cada meio de comunicação se utiliza de uma linguagem que já o caracteriza, juntamente com a sua identidade visual. E com as revistas Manequim e L’Officiel não poderia ser diferente. Mesmo tendo curta duração, o desfile precisa trazer os elementos que confirmem as idéias e referências do estilista traduzidas em suas criações para que fique registrado na memória das pessoas e signifique, de certa forma, fator desencadeador de mudanças. GARCIA (2005, p. 64) ratifica que esta apresentação “é um evento midiático (...), e torna-se importante estar bem preparado, sintonizado, globalizado. O alcance massivo da audiência é fundamental (...) e o desfile sobrevive muito para além dessa refutação”. O desfile, que pode ser considerado o espetáculo essencial da moda, o verdadeiro show, é preparado para que cause impacto e seja marcante, para não dizer inesquecível. As roupas apresentadas, personagens principais do evento, são complementadas pela beleza, acessórios, música, luz e som, conjunto com o qual o corpo se sintoniza, funcionando como suporte para as criações. O desfile como um todo faz com que os espectadores se transportem para um universo paralelo e adentrem na atmosfera que está sendo proposta. Neste momento, serão estudadas as matérias de cada uma das publicações relativas ao lançamento de tendências nos desfiles de inverno da 24ª edição da São Paulo Fashion Week, ocorridos entre os dias 16 e 21 de janeiro de 2008, no prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera. Cada reportagem tem suas particularidades e, a partir deste estudo, se buscará entender a maneira com que as revistas captam e traduzem o que foi lançado em função do tipo de corpo de suas leitoras ou do corpo que imaginam e priorizam que estas mulheres tenham. A comparação será realizada através das tendências que se encontram, simultaneamente, na Manequim e na L’Officiel, partindo dos títulos das matérias, passando pelos textos introdutórios, informações de moda, legendas, dicas, sugestões de produtos e terminando na observação das imagens ilustrativas. São das semanas de moda mundiais que surgem as referências que irão reger a estação seguinte. E o papel das revistas de moda é apresentar tudo o que foi desfilado e proposto pelos estilistas. As duas revistas dão um enfoque muito diferente para o assunto, tanto nas imagens quanto nos textos e nas informações que julgam relevantes. Além de ser importante fonte de informação para a 56 sociedade, a cobertura jornalística dos desfiles serve para elucidar que a moda faz parte da vida dos indivíduos e participa ativamente na formação da imagem identitária e da construção dos relacionamentos sociais. MARMO (2008) afirma que as tendências lançadas a cada semana de moda funcionam como uma espécie de ferramenta que norteia a produção das matérias. Segundo a editora, os jornalistas da Manequim buscam traduzir as propostas advindas dos desfiles para a leitora de forma tal que a mesma consiga adaptar estas tendências a todos os tipos de situações de acordo com o seu corpo. Na L’Officiel, HOLZMEISTER (2008) diz que os jornalistas procuram “linkar tendências mais arriscadas com o corpo ideal, mas é escolha da leitora o que usar no dia-a-dia”. A editora ressalta que “a revista é pautada por tendências, tanto em escala micro como macro. O que procuramos é levar a essa leitora a melhor informação de moda entre as revistas deste setor” (idem). Quando se colocam as revistas lado a lado, o que chama atenção, primeiramente, são os títulos, que vêm destacados por letras grandes e diferenciadas em relação ao restante do texto. Na Manequim, o título “Tendências de Inverno” está todo com letras em caixa alta, em fonte grossa e na cor roxa, ganhando destaque na página. Já na L’Officiel, “Poesia de Contrastes” é a chamada da matéria e se mostra também com a fonte em caixa alta, porém mais fina e está na cor preta, a mesma do texto que se segue. Figura 9: Tendências de Inverno. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 57 Figura 10: Poesia de Contrastes. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 As diferenças entre os tipos de fonte, a diagramação das páginas e as cores utilizadas são visíveis em todas as páginas e relevantes para demonstrar que as duas publicações privilegiam e valorizam elementos distintos, confirmando a hipótese de que possuem enfoques divergentes. Ainda referindo-se aos títulos, não se pode esquecer a linguagem usada em cada um deles, que já antecipa o que será visto nas demais páginas. Na Manequim, a forma de se escrever é comum e direta traduzindo o conteúdo da reportagem. Em geral, cada foto da matéria tem uma legenda com comentários sobre as modelagens, referências históricas ou dicas de uso. Segundo afirma MARMO (2008), a função destas legendas é aproximar a revista de suas leitoras, fornecendo a elas a certeza de que estarão sempre em sintonia com a moda. L’Officiel, por sua vez, utiliza uma linguagem mais elaborada, repleta de palavras e expressões que conferem um toque de elegância ao texto. Outro detalhe importante é que nesta revista, há um texto de duas páginas que introduz a 58 reportagem em si e faz um resumo de todos os desfiles, fato que não acontece na revista Manequim, que apresenta apenas o título e um resumo de três linhas sobre o que será visto e lido. 3.3.1 Tendências Antes de falar sobre as tendências, cabe destacar a diferença entre os espaços destinados a cada matéria nas revistas estudadas. A L’Officiel reserva uma página inteira para cada lançamento que enfoca, diagrama a página de modo que as fotos não se misturam umas com as outras e não tirem a importância do texto introdutório. HOLZMEISTER (2008) diz que fatores como elegância, modernidade e clareza são essenciais na construção visual das páginas. Na Manequim, algumas tendências são colocadas em página inteira e outras são dispostas duas a duas; além disso, a disposição das fotos é um pouco confusa, devido ao volume de informações contidas em cada página e por se misturarem umas com as outras através de recortes, legendas e textos. Em contrapartida, MARMO (2008) comenta que as páginas são diagramadas de forma a facilitar a leitura e colocar as peças em destaque. Para a editora, a revista tem que ter um aspecto bonito, transmitindo clara e diretamente as informações, além de proporcionar uma leitura prazerosa. Percebe-se, assim, que a preocupação maior da Manequim, além de mostrar as roupas, é evidenciar os textos e legendas que fornecem um caminho a ser seguido por suas leitoras para que se sintam sempre seguras ao se vestir. No caso da L’Officiel, mostra-se relevante destacar as imagens e as propostas contidas na mesmas devido aos fatores que as leitoras da revista julgam importantes. O primeiro item semelhante, proposto pelas duas publicações, é o que se refere aos tecidos e estampas em padronagem xadrez, cujos títulos são iguais em ambas as edições e estão devidamente destacados, dentro do padrão tipográfico característico de cada revista. Na Manequim, as três imagens de desfiles contidas na página inteira trazem looks soltos e que não marcam o corpo, em produções e combinações que podem ser usadas a qualquer hora e em qualquer dia. Evidenciando, com isso, a abordagem da revista em relação ao que suas leitoras valorizam e aos tipos de corpos das mesmas. “É de cada um a liberdade para vestir 59 longo ou curto, a qualquer hora do dia ou da noite: tudo é possível, tudo é permitido” (VEILLON, 2003, p. 131). Figura 11: Xadrez. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 Em cada uma das tendências, são sugeridos produtos que estão em sintonia com o que está sendo usado, juntamente com a marca, o preço e uma dica de utilização. Ao determinar a tendência em questão, o xadrez, a jornalista coloca um texto explicando-a e acrescenta os tipos de tecido nos quais ela pode ser usada, sugere modelos de roupas e uma dica de uso, além de, neste caso, indicar o site da revista no qual se encontram exemplos do que está sendo sugerido. Conforme disse MARMO (2008), a leitora precisa ter certeza de que estará bem-vestida em todas as situações e por isso a revista se preocupa em fazer sugestões de uso como forma de dizer à leitora o que se encaixa perfeitamente em seu perfil e estilo. Com relação ao mesmo item, a L’Officiel apresenta sete imagens com produções ousadas e criativas, justas e soltas, que só possuem o nome da marca 60 desfilada em cada foto sem informações adicionais de uso ou dicas, o que leva a entender que são destinadas a um público que dispensa apresentações deste tipo. A mulher retratada nas imagens deseja e consegue incorporar ao seu guarda-roupa peças que não só ditam tendências, mas que são a própria tendência. O nome da proposta também está acompanhado de um texto, porém mais elaborado dentro da linguagem que o veículo propõe. A revista atinge um público mais exigente e que possui informação de moda, como disse HOLZMEISTER (2008). Figura 12: Xadrez. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 A partir do conteúdo das duas matérias consegue-se perceber que a diferença existente entre os corpos é extremamente relevante para o direcionamento e a abordagem que as duas publicações utilizam. O corpo trazido pela L’Officiel se torna claro através das imagens escolhidas para a matéria; o corpo magro e esguio é valorizado nas produções apresentadas e a silhueta aparece demarcada nas fotos. A Manequim, mesmo utilizando também imagens de desfiles, consegue transmitir, 61 através dos textos e até mesmo dos looks apresentados, que não restringe os tipos de corpos, ou seja, procura se destinar às todas as mulheres indefinidamente. O próximo item comparado é o volume, denominado também de “Maxi” pela L’Officiel, que aborda a modelagem em dois momentos. Começando por essa revista, as duas páginas trazem, cada uma, seis fotos com looks conceituais que são capazes de atrair a atenção de suas leitoras aficionadas por moda. O que, para a maioria das leitoras da Manequim, seria no mínimo um tanto quanto absurdo ou esquisito. O pequeno texto de cada tendência, em geral, tem as mesmas características ao longo da revista. Figura 13: Volume. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 Na Manequim, as três fotos mostram peças amplas e neutras, sem muitos enfeites ou detalhes, acompanhadas por legendas de fácil entendimento como os demais textos da revista. No que se refere ao volume propriamente dito, a jornalista fala sobre a tendência, em qual mulher ela fica melhor, os “prós e contras” do uso e uma dica, que também indica, na mesma edição, a página em que a leitora irá 62 encontrar sugestões de utilização para valorizar os diferentes tipos de corpos. A leitora da Manequim requer textos mais objetivos e didáticos, e por isso a revista se preocupa em ser bastante explícita e direta em todos os seus textos. Figura 14: Volume. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 Para MARMO (2008), a tendência traduzida pela Manequim precisa ser usável e as produções conceituais criadas pelos estilistas têm que ser interpretadas para que possam fazer parte das produções reais no corpo da mulher brasileira, que é variado e miscigenado. HOLZMEISTER (2008), por sua vez, afirma que a L’Officiel prioriza as propostas mais arriscadas e deixa a cargo da leitora escolher o que melhor se adapta ao seu estilo, não tendo a intenção de impor ou induzir o uso de determinada tendência. Para conseguir transformar o corpo em imagem, a mídia o toma como propriedade para tornar público os modelos estabelecidos pela cultura contemporânea, participando ativamente das transformações dos indivíduos a fim de se encaixar nos padrões sociais e se integrar aos grupos. A mídia se mostra então como fator determinante na mutação do corpo-real em corpo-imagem, pois é em seu 63 universo em que são construídos estilos de vida perfeitos, que se tornam almejados e fantasiados pelas pessoas. CAMARGO e HOFF (2002, apud GARCIA, 2005, p. 31-32) afirmam que O corpo veiculado nos meios de comunicação de massa não é o corpo de natureza, nem exatamente o de cultura na sua dimensão de expressão de corpo humano: é imagem, texto não-verbal que representa um ideal. É o que denominamos corpo-mídia: construído na mídia para significar e ganhar significados nas relações midiáticas. A terceira proposta estudada é denominada “Conforto” pela Manequim e na L’Officiel é chamada de “Naturais”, fazendo referência aos tecidos que irão conferir conforto e aconchego ao usuário. Na primeira publicação, o texto principal, que sucede o título, consiste na habitual explicação ou pincelada sobre a tendência, tipos de tecidos que conferem conforto e definições de estilos. Acima do texto, estão três fotos pequenas com looks clássicos, sem nenhuma em destaque e duas legendas em linguagem corriqueira, com expressões como “roupas moles” e “vestidões dos 1970”. 64 Figura 15: Conforto. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 Já a L’Officiel apresenta sete fotos, sendo que três estão destacadas em tamanho maior; as produções também são diferenciadas, com peças em modelagens ousadas, quase sempre com a cintura marcada e o corpo delineado. Aliado às imagens, está a legenda que traz palavras em inglês, características das expressões e jargões da moda, falando também sobre os tecidos tecnológicos – high tech – que inclusive é outra tendência que a revista aborda que nem ao menos é citada pela Manequim. 65 Figura 16: Naturais. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 A moda se comunica pela roupa que, ao se acoplar ao corpo, o auxilia na construção de significado e para que se faça ver e ser compreendido através da aparência. A vestimenta passa a ser uma extensão do corpo que lhe serve de suporte, e o vestir é em si uma forma de transformação corporal (CIDREIRA, 2005). Além e através do corpo, a moda se faz comunicar e é uma “mass media no sentido em que ela é ao mesmo tempo espaço de comunicação e meio de mediação entre indivíduos, grupos sociais e culturais, entre civilizações inteiras” (ibidem, p. 114). Na página inteira destinada à tendência denominada “Cores e Estampas” pela Manequim, constam cinco fotos de desfile, sendo que uma coloca um par de sapatos em destaque e a imagem de uma bolsa, com marca e preço. Três legendas foram dispostas sobre as fotos, sendo que uma delas se refere à bolsa sugerida. Todos os looks em destaque são soltos e não marcam a silhueta, além de serem sutilmente discretos, pois a revista também não pode deixar de dar umas pinceladas sobre as ousadias e inovações da moda para que sua leitora fique ciente e, quem 66 sabe, incorpore alguma referência em suas produções. Um detalhe relevante é que, mesmo as duas revistas colocando vários elementos na mesma página, as da Manequim sempre contêm mais textos e informações. Figura 17: Cores e Estampas. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 As mesmas tendências, na L’Officiel, estão dispostas em páginas separadas, como aconteceu com todas as tendências, ressaltando que a parte dedicada às estampas é intitulada de “Prints”, mais um jargão específico da moda. A página de estampas traz seis imagens, duas em destaque e estampas totalmente grandes, originais e um tanto quanto chamativas, mas em total consonância com o que as seguidoras da moda irão gostar de ver e ter. 67 Figura 18: Prints. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 A roupa, ao se acoplar ao corpo, o coloca como suporte e o auxilia na sua interação com o outro. Os padrões criados pela sociedade lançam o homem na busca pelo modelo ideal de aparência, e a partir do sonho de se transformar em um indivíduo perfeito, se torna o próprio desejo e o espelho das aspirações da cultura vigente (GARCIA, 2005). Na parte intitulada “Cores”, não muda muito a maneira de ilustrar as tendências; são sete fotos, com três em destaque e com produções autênticas e criativas que vão de encontro aos desejos e aspirações inusitadas das leitoras aficionadas por moda. Até mesmo as cores que as duas revistas enfocam têm lá suas diferenças, seja no tom, na mistura ou na utilização nas peças. Na Manequim, tudo é mais sério, simples e comportado; na L’Officiel vale tudo, de preferência o que for mais diferente e chamativo. As legendas traduzem o espírito das fotos: nada de timidez, ou seja, use e apareça. Isto comprova a questão de estarmos vivendo em uma sociedade na qual a visão é privilegiada e a moda é 68 colocada como capaz de propiciar as mudanças nas quais o corpo é submetido para se sintonizar com a padronização exigida culturalmente. Figura 19: Cores. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 Além disto, L’Officiel utiliza imagens nas quais as modelos estão com cabelos e maquiagens pouco usuais, o que está fora dos padrões da mulher que lê a Manequim. MARMO (2008) coloca que tudo o que é proposto para a leitora de Manequim precisa ser usável para que possa fazer parte das produções diárias da mulher a qual se destina e se adequar a qualquer tipo de corpo. A moda instiga e aceita experimentações de todos os tipos, como se desse a liberdade ao indivíduo de ser o que quiser ou ser diferente a cada momento. VILLAÇA (2007, p. 146, 150151) destaca que Ela (a moda) oferece estratégias ao corpo para sua expressão/liberação e, por outro lado, os mecanismos de controle do corpo embutidos nas imagens do mundo fashion. Os recursos estéticos da moda e o acesso ao 69 consumo podem funcionar tanto como elementos de cidadania, democratização e comunicação, tanto como de exclusão elitista, via códigos, simultaneamente rígidos e sutis, que se tornam verdadeiros fetiches mais importantes que o corpo. A quarta tendência, que a Manequim chama de “Cintura Marcada”, a L’Officiel denomina “Saia e Blusa” e pode-se fazer esta comparação levando em consideração as fotos utilizadas por cada uma. Na primeira, vê-se o usual texto que pode ser até considerado didático, além das cinco imagens de moda e uma foto de produto sugerido. Isto pode ser confirmado pela fala de MARMO (2008), quando diz que um dos objetivos da Manequim é educar a leitora, informando e ensinando qual é o tipo de corpo que ela tem e o que ela pode usar para que se sinta melhor. Já na L’Officiel, os textos são produzidos para pessoas que não precisam ser educadas sobre moda, pois já trazem um conhecimento prévio, uma bagagem considerável sobre o assunto. Figura 20: Saia e Blusa. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 70 Figura 21: Cintura Marcada. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 Nas fotos que ilustram a matéria da Manequim, mesmo exemplificando looks que destacam a cintura, as peças apresentadas não marcam a silhueta, ou seja, são mais soltas e fluidas. A L’Officiel, por sua vez, traz imagens nas quais a cintura é bastante marcada ressaltando as formas corporais. Percebe-se, nesta comparação, que a magreza “é o verdadeiro símbolo da feminilidade” (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 39); atualmente, valoriza-se corpos magros e sem imperfeições, ao contrário do passado, onde “a beleza feminina foi (...) associada a um corpo de formas cheias” (idem). A autora diz ainda que O modelo de corpo ideal tem a pretensão de impor-se aos agentes morais que, deste modo, se tornam escravos do ideal. Eles não agem mais de modo autônomo, mas são antes agidos pelo ideal, pois os julgamentos morais ligados às imagens culturais contemporâneas os impedem de desprender-se realmente desse ideal. Existe, pois, um verdadeiro sistema de normas sociais que se impõem aos indivíduos para convencê-los de que 71 não podem ter valor a não ser que tenham um corpo esbelto, tonificado, musculoso, jovem, sem imperfeição (ibidem, p. 49). Considerando agora as matérias como um todo, chega-se a conclusões que confirmam as várias diferenças existentes quando se compara as publicações, em relação ao enfoque dado ao corpo e percebendo quais fatores ou itens cada uma delas prioriza. A revista Manequim lista em sua reportagem nove diferentes tendências em oito páginas. Já a L’Officiel apresenta dezenove tipos de tendências em vinte e uma páginas, sendo que a matéria completa possui mais duas páginas que trazem o texto introdutório. Conclui-se, portanto, que a importância e a abordagem dada ao tema por cada uma das publicações são muito distintas, evidenciando também o tipo de interesse do público-alvo de cada uma delas. A leitora da L’Officiel, que possui certa cultura de moda, se interessa muito mais na cobertura dos desfiles e em tudo o que as semanas de moda representam. Para HOLZMEISTER (2008), “L’Officiel está localizada em um patamar onde estão leitores exigentes, que já possuem certa cultura de moda”. Portanto a publicação, por se dirigir às pessoas que estão inseridas no mundo da moda, acrescenta um número maior de tendências e, através delas, faz menção a outros aspectos relacionados à moda, como as referências ao passado, as influências da história da moda nas criações e também os avanços tecnológicos do setor têxtil. O público da revista Manequim se interessa, na verdade, por tudo aquilo que estes lançamentos e estas tendências irão desencadear em relação àquilo que está ao alcance delas, em todos os sentidos, e que podem realmente fazer parte de seus universos particulares. Por este motivo, a revista busca traduzir as propostas dos estilistas de forma que suas leitoras possam incorporá-las em seu vestir corriqueiro e real, e também aos múltiplos tipos de corpos da mulher brasileira (MARMO, 2008). 3.4 Estudo comparativo das seções “De ocasião” e “Já Pegou” Investigam-se, neste momento, as seções “De Ocasião” e “Já Pegou”, das revistas L’Officiel (número 18) e Manequim (número 582), respectivamente, edições lançadas em março de 2008, com o intuito de complementar o presente estudo e buscar as diferentes abordagens que cada uma delas fornece ao mesmo assunto, ou especificamente, à mesma tendência quando se trata da sugestão de produtos a 72 serem consumidos. SANTAELLA (2004, p. 127) diz que “a imprensa escrita vem se consolidando como espaço privilegiado não só para a divulgação de informações relativas ao corpo, mas também para a inculcação de padrões de beleza e de comportamento”. A primeira impressão que se tem, quando colocamos as duas matérias lado a lado, é a diagramação das páginas e a maneira na qual as fotos estão dispostas. Na seção “Já Pegou”, a forma de diagramar polui o visual da página, pois todas as fotos estão bem próximas e em diferentes tamanhos. A foto do desfile se mistura com a foto da camiseta estilo regata, que também é invadida pela foto do sapato, em tamanho grande. Além disso, as legendas estão espalhadas disputando atenção com as peças apresentadas. Figura 22: Já Pegou. Fonte: Revista Manequim, n. 582, mar./2008 Na “De Ocasião”, existe uma maior área de respiração entre as imagens e as legendas estão concentradas no rodapé, alinhadas e devidamente numeradas no 73 lado esquerdo da página. As fotos estão em tamanhos aparentemente semelhantes e organizadas ao redor do título e da imagem do desfile. Figura 23: De Ocasião. Fonte: Revista L’Officiel, n. 18, mar./2008 Acerca da informação visual que as revistas utilizam para se fazer entender, KRONKA (2006, p. 57) destaca que A estética vem em primeiro lugar, sugerindo nova tipologia gráfica, fotos bem tomadas e muitos espaços em branco. Prevalece, mais do que nunca, a máxima: “Uma foto vale mais do que mil palavras”. O projeto gráfico, no caso da moda, com perfeita harmonia entre imagens, formas e cores, passa a constituir um dado importante do conjunto “informação de moda”. A diferenciação lingüística dos títulos é evidente também: na revista Manequim, o título da matéria é “Pele de Bicho”, acompanhado pelo subtítulo 74 “Zebra, onça e cobra servem de inspiração para roupas e acessórios de vários estilos e texturas”. Já na L’Officiel, a matéria intitula-se “Onça Chique”, e o referido subtítulo é “O felino mais amado pelas mulheres empresta suas pintas para verdadeiros objetos de desejo”. Devido ao público ao qual cada publicação se destina, a linguagem se adapta às informações de moda e ao conhecimento sócio-cultural das leitoras. Percebe-se um ar de sofisticação no título dado pela L’Officiel, justamente com a intenção de glamourizar os produtos sugeridos. Apesar dos textos mais elaborados, HOLZMEISTER (2008) afirma que, pelo fato de cada revista se dirigir a um determinado tipo de público, a linguagem utilizada não tem como objetivo restringir o leitor. Na Manequim, a linguagem utilizada tem como meta aproximar ao máximo a leitora do universo em questão, o que também pode ser visto nas legendas de cada produto. Nesta revista, a legenda, além de trazer a marca e, na maioria das vezes, o preço do item, acrescenta uma observação da jornalista que funciona como uma sugestão de uso ou para que tipo de pessoa ou de corpo ele é indicado. MARMO (2008) confirma que o objetivo da revista, ao fornecer explicações e dicas de utilização das tendências, é ganhar a confiança e a fidelidade da leitora, além de se aproximar da mesma através de textos simplificados, diretos e de fácil entendimento. Além disso, os jornalistas da Manequim, conforme diz MARMO (2008), redigem suas matérias a partir de certo embasamento teórico para que os textos consigam transmitir às leitoras a segurança de que, se seguirem as dicas propostas, estarão fazendo a escolha certa em relação aos seus looks. Conforme afirma D’ALMEIDA (2005, p. 67), O trabalho jornalístico de moda consiste, então, em mesclar o ponto-devista de quem escreve, isto é, o autor do texto, como um conhecimento prévio sobre o que se escreve, isto é, todos os elementos-personagens que habitam o universo da moda. Outro detalhe a ser observado é a questão das marcas e dos preços de cada um dos itens, que também vai de encontro ao perfil do público-alvo de cada veículo. Com leitoras pertencentes às classes AA, A e B (HOLZMEISTER, 2008), a L’Officiel traz marcas que, naturalmente, agregam valores aos produtos e que são conhecidas 75 e reconhecidas internacionalmente pelo mundo fashion. Isso pode ser comprovado desde a imagem de desfile, no caso, da coleção da Christian Dior, até os altos preços nas legendas. Tudo isso faz sentido nesta revista justamente pelo alto poder aquisitivo e de tudo o que a leitora conhece e valoriza na moda. Já na Manequim, que tem um público menos específico, pertencente às classes ABC, as diferenças são gritantes em relação às marcas e preços. O que realmente importa para suas leitoras não são as marcas, muitas vezes anônimas ou pouco conhecidas, mas sim o produto em si e, em maior escala, o valor que ela terá que desembolsar para adquiri-lo. MARMO (2008) diz que a mudança de comportamento das mulheres ao passar dos anos define bastante a maneira com que a Manequim se dirige a elas. A imagem de moda de cada matéria que está em destaque é outro ponto relevante para essa comparação, começando pelo designer escolhido por cada revista. Por todas as suas características já citadas, e mais, pela importância que dá ao luxo, ao glamour e também aos corpos esguios e longilíneos, a L’Officiel escolhe uma foto do desfile de uma grife clássica e determinante na história da moda, a Dior. Na imagem, a modelo está com uma produção extremamente requintada; uma maquiagem forte e marcante, característica dos desfiles-espetáculo da marca, além do corpo delineado pelo vestido que ressalta o estereótipo de corpo perfeito. O ideal contemporâneo é o ideal de um corpo completamente enxuto, compacto, firme, jovem e musculoso: um corpo protegido dos sinais do tempo e no qual os processos internos são controlados pelos regimes alimentares, pelo exercício físico e pela cirurgia estética. O principal inimigo é a gordura, a flacidez, a falta de tônus muscular. Por isso, a gordura deve ser sempre queimada, a barriga eliminada, o tônus muscular recuperado e a flacidez corrigida. (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 31). L’Officiel busca divulgar o que há de melhor na moda mundial, inserindo-a na vida das pessoas e mostrando que faz parte da história das sociedades e do comportamento dos indivíduos. A revista é pautada pelas tendências globais para que possa transmitir às leitoras informações completas sobre o mercado da moda nacional e internacional (HOLZMEISTER, 2008). Na Manequim, a foto em destaque é referente a um desfile da estilista brasileira Juliana Jabour e traz uma produção clássica de calça e blusa soltas que 76 direcionam, de alguma forma, para o tipo de corpo que a revista privilegia, ou seja, indefinido. A marca, neste caso, é dispensável, pois a foto vem como simples ilustração da tendência mostrando para a leitora que o que está sendo proposto foi lançado por alguém, ou literalmente e em linguagem popular, “está na moda”. MARMO (2008) diz que a revista é feita para mulheres reais, com tipos de corpos variados; tudo na Manequim é pensado para que não restrinja, de maneira alguma, o perfil da leitora no que diz respeito ao estilo ou à sua forma física, pois é feita para toda mulher real que não pode e não quer errar e que precisa se adaptar a todo e qualquer tipo de ocasião, estando sempre em sintonia com a moda da estação. 77 Considerações Finais O estudo sobre o corpo nas revistas femininas se mostrou interessante a partir do momento em que se percebeu que a preocupação das mulheres com a forma física cresce a cada dia devido, em grande parte, à influência que a mídia exerce na vida contemporânea. No início, questionava-se a maneira com que as pessoas, especificamente as mulheres, enxergam a si próprias e não aceitam, na maioria das vezes, o corpo como ele naturalmente se apresenta. A sociedade, impulsionada pela cultura vigente, busca um padrão de corpo que seja ideal e que esteja em consonância com tudo o que se espera que as pessoas sejam aparentemente. Deste questionamento, surgiu a preocupação com o que a padronização dos corpos é capaz de causar, pessoal e socialmente, e em todas as conseqüências que tal processo acarreta. E a forma escolhida para se trabalhar o assunto foi buscar entender a relação da mulher com o seu próprio corpo, através das imagens que a mídia cria e divulga. E para isto, as revistas se mostraram relevantes por serem um veículo da mídia que, juntamente com a televisão, tem um alcance de público e acessibilidade relativamente grandes, atingindo classes sociais diversas. Manequim e L’Officiel foram escolhidas como objetos de estudo por apresentarem enfoques e abordagens divergentes sobre o conceito de corpo perfeito e ideal. O corpo magro e longilíneo, que advém das passarelas e dos veículos da mídia, é privilegiado pela L’Officiel, que por ter um público que possui de antemão certa cultura de moda, utiliza uma linguagem específica e elaborada, acompanhada por imagens que destacam e valorizam a silhueta. A Manequim, por sua vez, é a favor de todos os tipos de corpo, e coloca a moda à disposição da leitora para que ela mesma decida a melhor maneira de se sentir bem, independente de sua estrutura corporal. O estudo contempla também a situação do corpo dentro do contexto contemporâneo, sua presença no mundo da moda e nos terrenos da mídia, bem como o lugar que ocupa no jornalismo de moda. Perpassou-se por todos estes caminhos para que se chegasse ao estudo das revistas, no qual podemos perceber que o corpo-real está perdendo espaço para o corpo-imagem, que pode ser definido como uma espécie de espelho dos sonhos e desejos dos indivíduos perante os padrões estabelecidos pela cultura. O corpo-imagem é o que será aceito como 78 membro de grupos sociais, pois é o que propicia a interação entre os indivíduos e faz com que os mesmos se relacionem. E a moda faz parte do processo relacional. A moda, que se manifesta através da indumentária, é um dos fatores capazes de desencadear relacionamentos e proporcionar a aceitação social por conseguir estabelecer contato entre os indivíduos a partir da aparência. As revistas femininas se mostram importantes por levarem às pessoas a moda que surge das passarelas, e tentar traduzi-la de tal maneira que possa ser incorporada e passar a fazer parte do universo particular de cada um. Porém, a mídia, ao divulgar modelos padronizados, lança os indivíduos em uma busca constante pela perfeição do corpo e da aparência, que resulta na total insatisfação com o que realmente são por quererem ser melhores a cada momento. O corpo é um exemplar único, e mesmo sendo constantemente modificado, não se torna outro. A idéia de ter um corpo ideal é ilusória porque este corpo não é real, ele não existe verdadeiramente. A busca pela perfeição será eterna por não constituir um objetivo realizável e palpável. O corpo da moda não é o corpo natural, é simplesmente uma imagem, que se torna a cada dia obscura e inalcançável. O corpo-imagem traduz somente os valores impostos culturalmente pela sociedade, não permitindo, portanto, que os indivíduos tenham possibilidades de escolha, sendo que a padronização é o único caminho que se mostra viável. Podemos concluir que o corpo-real não pode ser substituído em sua essência; transformações e mutações são possíveis, mas são somente mudanças físicas. A estandardização torna a sociedade cada vez mais homogênea e uniforme, não permitindo que as pessoas sejam livres para serem como quiserem. Através do estudo realizado com as revistas femininas, podemos perceber que o conjunto de fatores, ou seja, a combinação entre linguagem, imagens e diagramação, é capaz de demonstrar os diferentes modos das duas publicações de enxergar e traduzir a moda e o corpo para suas leitoras. A L'Officiel utiliza em seus textos uma linguagem específica da área de moda, com palavras estrangeiras e jargões; traz fotos com looks elaborados e luxuosos, com as tendências da estação muito evidentes. A Manequim usa a linguagem simples e direta para atingir sua leitora e se fazer entender em tudo o que diz; as imagens trazem composições usáveis e que podem se adequar a todos os tipos de corpo, além de legendas explicativas e sugestões de uso que dão às suas leitoras a 79 certeza de que estarão sempre bem-vestidas e em sintonia com os últimos lançamentos, isto sem abandonar o estilo pessoal de cada uma. As diferenças encontradas a partir da comparação realizada entre a duas publicações confirmam a hipótese de que a Manequim é feita e destinada para a leitora real, que possui corpos heterogêneos e miscigenados; é produzida visando a verdadeira mulher brasileira. A L'Officiel, por sua vez, busca atingir as pessoas que têm informação de moda, e se baseia na definição de corpo perfeito, ou seja, alto e magro e que esteja em sintonia com o padrão requerido pela moda. Conclui-se, portanto, que é possível que a moda seja usada por todos, indefinidamente, e que os rótulos e padrões são dispensáveis. A mulher real não obedece padrões, pois ela é naturalmente bela em sua essência. O ideal de corpo que se busca é, na verdade, repleto de diversidade, e se multiplica e se modifica a cada estação, a cada lançamento, a cada instante. 80 ANEXO A Entrevista com Adriana Marmo – Editora de Moda da Manequim 09/05/2008 – por telefone Adriana Marmo, editora de moda da Manequim, inicia a nossa conversa dizendo que o foco da publicação, a linha-mestra a ser seguida, é fazer sempre uma revista destinada à mulher real e a todos os tipos de corpo que essa leitora possa ter. Para ela, as tendências funcionam como uma espécie de ferramenta que norteia a produção das matérias, e que busca ser traduzida para a leitora de forma tal que ela consiga adaptar estas propostas a todos os tipos de situações, de acordo com o seu corpo. A tendência precisa ser usável, e as produções conceituais criadas pelos estilistas são interpretadas para que possam fazer parte das produções reais no corpo da mulher brasileira, que é variado e miscigenado. O tipo de corpo mais comum e predominante, segundo Adriana, é o denominado Pêra, no qual a cintura e os ombros são mais estreitos do que o quadril, mas isso não quer dizer que seja o único. Existem mulheres magérrimas e gordas, passando pelas “mignons”, e a Manequim é feita para todas elas; cada palavra, cada foto, cada matéria, tudo é pensado sempre para todos os tipos de corpos, desde o penteado até o sapato. Um detalhe interessante citado por Adriana é que os jornalistas analisam muito os tipos de sapato que serão sugeridos, pois o tamanho dos pés está diretamente ligado com o tipo de corpo em que a leitora se encaixa. Leva-se em consideração o que cada peça pode oferecer a cada mulher, em diversas situações, pois a mulher real não pode e não quer errar; ela quer chegar aos lugares e ver que está dentro do que foi pedido em relação ao traje, ela quer se sentir bem estando em sintonia com a moda. Entra aí o objetivo da revista em ter embasamento em tudo o que diz, pois assim consegue passar para a mulher a certeza de que, através das dicas e sugestões, ela terá feito a escolha correta. Esta é a função das legendas, segundo Adriana, fornecerem às leitoras a certeza de que elas estão sempre bem vestidas; e assim a revista ganha a confiança e a fidelidade de quem a lê. Quando questionada sobre a mudança de abordagem da revista, desde o seu lançamento, que tinha o propósito de aproximar a moda dos grandes estilistas 81 europeus às mulheres de classe média, e que hoje são poucas as referências à moda internacional, a editora diz que, há três anos, a Manequim vem sofrendo uma revitalização. Buscando rejuvenescer a publicação, a diretora de redação Ana Célia Aschenbach implantou o jornalismo de moda, focado no que está sendo usado ao longo do ano, especificamente, que fale com a mulher que tem os pés no chão e ela escute e entenda o que está sendo dito através das roupas. A revista passou a querer educar esta leitora, informando e ensinando qual é o tipo de corpo que ela tem, e o que ela pode usar para que se sinta melhor. A mudança se mostrou necessária a partir do momento em que se percebe que a mulher mudou, que ela tem outras necessidades e prioridades, e passou a valorizar, por exemplo, os pequenos detalhes como os acessórios. Sobre a moda internacional, Adriana conta que ela está presente, mas de uma outra forma; os jornalistas da revista buscam contextualizar os acontecimentos mundiais para que possam ser vistos sob a ótica da moda brasileira, sem deixar de lado as tendências que são suscitadas pelo mundo afora. A editora cita o exemplo da aposentadoria do estilista Valentino, um acontecimento de grande importância para o mundo da moda. A Manequim publicou uma matéria contando a história completa do estilista e de sua maison, que foi seguida por editoriais inspirados em suas coleções e na cor vermelha, a preferida de Valentino. Os editoriais priorizavam os elementos de beleza e os atributos das roupas que valorizavam a mulher brasileira, traduzindo as coleções conceituais do estilista para os corpos das mulheres reais, ou seja, para os cinco tipos de corpos definidos pela revista: pêra, ampulheta, retângulo, triângulo invertido e oval. Baseado nestes cinco tipos de estruturas corporais, Adriana é questionada sobre o objetivo da seção que a revista denomina Manequim G, e responde que essa seção está em todas as edições porque a mulher gordinha tem os mesmos direitos que as outras, e a função da revista é mostrar como esta mulher pode também se adequar à moda, sem usar roupas antiquadas e caretas, e mais, usando outras cores além do preto. Ela complementa dizendo que é bastante difícil escolher os produtos para esta seção, devido às marcas que produzem roupas nesse segmento não estarem em consonância com as tendências atuais da moda, ou seja, serem bastante ultrapassadas. Em relação ao público-alvo, Adriana diz que, antigamente, a revista era destinada às costureiras, e agora este foco mudou; o comportamento das leitoras é 82 outro, a linguagem da Manequim foi adaptada para que atingisse todas as mulheres: a que costura, a que manda fazer roupas e a que compra as peças prontas. Por este motivo, os moldes estão anexados a todas as edições, trazendo os modelos das roupas que são apresentadas, o que na opinião da editora, funciona como resposta às questões de quem lê. Além disso, um nicho que se mostra importante é o dos estudantes de moda, que se interessam bastante pelo conteúdo que a revista traz. Para realizar as matérias sobre os desfiles, os jornalistas vão às apresentações, se reúnem posteriormente com suas devidas anotações e, juntos, decidem o que de mais interessante saiu das coleções e, mais importante, o que está de acordo com o que as leitoras da revista vão usar. Outro ponto destacado por Adriana é a presença fundamental das novelas, juntamente com seus personagens e figurinos, que explicitam os desejos das leitoras pelo o que está sendo divulgado pela mídia. A função da revista, neste caso, é explicar para as mulheres quem pode ou não usar o que está sendo vestido por determinado personagem de acordo com cada tipo de corpo, e como quem não pode usar adapta isso ao seu próprio corpo. Segundo a editora, as páginas são diagramadas buscando sempre facilitar a leitura, sendo que a roupa tem que estar sempre em evidência. No caso dos editorais, não adianta a foto ser linda, se a roupa está sendo escondida, em alguma parte; nas seções, o foco é a tendência, que não precisa ser a mais forte ou a principal das semanas de moda, e os produtos neste tema precisam ser destacados. Além disso, a página tem que ter um aspecto bonito, prazeroso, estando bem claro e direto o que quer ser dito. Terminando a conversa, Adriana diz que, para a Manequim, não importa se a mulher é magra ou gorda, não importam os regimes e as regras, os padrões e os modelos, mas sim a leitora como um todo, que faz parte da diversidade brasileira, que se encontram diariamente presente nas ruas. 83 ANEXO B Entrevista com Silvana Holzmeister – Editora-Chefe da L’Officiel 29/04/2008 – por e-mail - Qual o público-alvo da revista? Pessoas de maneira geral interessadas em moda e luxo. E também profissionais e estudantes de moda. - Qual o perfil sócio-econômico e cultural das leitoras da revista? Qual a influencia desses dados para a publicação? Como esses dados se relacionam com os produtos e marcas que serão sugeridos e/ou oferecidos em cada edição? Nosso público-alvo é formado pelas classes AA, A e B, nível superior ou maior. O conteúdo da revista é pensado tendo em mente um leitor informado ou que deseja se tonar mais bem informado e exigente. - Qual o papel da mídia – no caso do veículo revista - na formação de identidades e até que ponto ela é capaz de determinar comportamentos dos indivíduos na contemporaneidade? A revista tem o objetivo de informar de maneira prazerosa. No caso de uma revista de moda como L´Officiel, buscamos mostrar o que há de melhor na moda e de forma positiva. Também buscamos mostrar que a Moda está inserida em um grande universo histórico-comportamental e sua importância como business. Para tanto, moda para nós é comportamental e não somente tendências. - Como é pensada a linguagem visual da revista? Tendo em mente os mesmos aspectos citados na resposta anterior. - Qual a posição da revista sobre a relação estabelecida entre o corpo e a roupa? O corpo está totalmente relacionado com a roupa. Penso que o corpo funciona como uma tela em branco. Montar um look é exercício de criatividade e informação de moda. 84 - Como é o corpo desta mulher - brasileira - que se atualiza, em relação à moda e comportamento, nas páginas da revista? O corpo da brasileira é eclético. O corpo da modelo é um corpo profissional. - Qual a relação estabelecida pelas revistas com o ideal de corpo proposto pela moda? Qual o enfoque/foco? A qual tipo de corpo a sua revista se dirige? Qual o tipo de corpo a sua revista “vende”? Resposta na questão anterior. - Qual a importância e a relevância das tendências das coleções dos estilistas e grifes para a leitora de sua revista, de acordo com a classe social e com o tipo de corpo? Sempre procuramos linkar tendências mais arriscadas com o corpo ideal, mas é escolha da leitora o que usar no dia-a-dia. A revista é pautada por tendências, tanto em escala micro como macro. O que procuramos é levar a essa leitora a melhor informação de moda entre as revistas deste setor. L´Officiel não procura impor ou induzir o uso de determinada tendência. - Baseadas no tipo de corpo do target feminino ao qual elas se dirigem, o que jornalistas de moda levam em conta ao escrever uma matéria sobre tendências? Quais os critérios para a escolha e definição das imagens de moda que ilustrarão essas matérias? O critério é de atualidade da tendência. Também buscamos a abrangência de temas. - Como a revista imagina ser a definição de corpo de suas leitoras? L´Officiel é dirigida às pessoas que amam moda, independente de seus corpos, sexo ou cor. - Como as informações de moda são interpretadas e transmitidas às leitoras? Um dos objetivos das revistas de moda é seduzir e atrair a atenção do públicoalvo em função das propostas de cada estação. Como as matérias e dicas são 85 selecionadas para que se tornem relevantes, contribuindo para a formação da identidade visual e estilo das mulheres? Após cada semana de moda, fazemos a triagem das tendências e selecionamos o que será trabalhado durante a estação. Começamos pelas mais “quentes” e depois as que estão ganhando força durante a estação. - Como a revista trabalha a questão do corpo? No que diz respeito à definição de “corpo ideal”, ou seja, a silhueta esguia e longilínea que advém das passarelas, como é trabalhada a diversidade presente entre os corpos da mulher brasileira? Questão já respondida anteriormente. - Em relação à diagramação das páginas, quais são os fatores essenciais e/ou normas e regras que devem ser seguidas, e que padronizam a sua revista? Clean, elegância e modernidade. - A matriz da L’Officiel está localizada na França. Como acontece o controle por parte da matriz francesa, e como a revista trabalha as diferenças do corpo da mulher francesa em relação ao corpo da mulher brasileira? A moda está globalizada, portanto, as mesmas informações estão disponíveis no mundo. O que acontece é que os estilistas brasileiros buscam adaptar algumas tendências para o gosto da brasileira. Naturalmente ocorre de algumas tendências “pegarem” mais no exterior do que no Brasil. Seja pelo corpo da brasileira ou simplesmente por uma questão de gosto. L´Officiel Brasil é a produção brasileira de um título francês. Como tal, foi adaptado em formato e conteúdo para atender o público brasileiro. - A linguagem utilizada pela revista é bastante específica e direcionada às pessoas que já possuem certa cultura de moda. O objetivo, com isso, é selecionar e restringir o público-leitor? Cada revista se dirige a um público específico, por isso não se trata de restringir o público leitor. L´Officiel está localizada em um patamar onde estão leitores exigentes, que já possuem certa cultura de moda, como vc observou, mas também nos dirigimos 86 àqueles que simplesmente têm interesse pelo assunto e querem se aprofundar nisso. - Qual a intenção da publicação ao fazer referências constantes à moda internacional? E como isso contribui para a formação do estilo e identidade da leitora? Como foi dito, a moda está globalizada. Estilistas locais buscam informações no exterior e vice-versa. Sim, o Brasil também está na mira dos designers internacionais. Ao ampliarmos o leque, queremos oferecer à leitora a informação completa, para que também ela possa entender esse imenso universo de referências. E isso não significa depreciar o produto nacional! 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 – LIVROS: AULETE, Caldas. Dicionário Caldas Aulete da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon Editora Digital, 2007. BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Tradução: Lúcia Olinto. 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