Desenvolvimento Sustentável em Curtumes - PPGEQ
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Desenvolvimento Sustentável em Curtumes - PPGEQ
Desenvolvimento Sustentável em Curtumes Mariliz Gutterres Universidade Federal do Rio Grande do Sul Departamento de Engenharia Química, Laboratório de Estudos em Couro e Meio Ambiente Rua Luiz Englert s/nº CEP 90.040-040, Porto Alegre - RS Fone: +55 5133163954, Fax: +55 5133163277, e-mail: [email protected] Resumo O conceito do novo paradigma de desenvolvimento sustentável surgiu devido à necessidade de preservação do meio ambiente conjugada com a de melhoria das condições de vida das populações. Neste trabalho são revistos as causas, dimensões e efeitos dos problemas ambientais relevantes: crescimento populacional, perda de biodiversidade, produção de emissões de CO2 , esgotamento do ozônio estratosférico e ocorrência de chuvas ácidas. São apresentados os princípios que norteiam o desenvolvimento sustentável e os sistemas de gestão ambiental. Os sistemas de gestão ambiental requerem o desenvolvimento e emprego crescente de tecnologias limpas nos processos industriais e servem de base para a implantação e certificação ambiental. São abordados os usos gerais de água e energia, com ênfase na limitação existente para utilização dos recursos naturais disponíveis. Em especial, no caso de industrialização de couros, avaliam-se as necessidades do uso de água, energia e insumos químicos nos processos. A industrialização do couro, assim como ocorre em outras atividades industriais, para garantir seu alto grau de competitividade e aceitação, vem buscando progressivamente processos que sejam ambientalmente corretos. Assim, são enfatizadas as tendências e possibilidades de emprego de tecnologias limpas para se atingir o desenvolvimento sustentável em curtumes, bem como são listadas algumas substâncias consideradas prejudiciais ao meio ambiente com os seus substitutos alternativos sugeridos. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional da ABQTIC em Foz do Iguaçu, 2003 1. Introdução A produção de couros vem aumentado mundialmente, ao mesmo tempo que vem se verificando um deslocamento da base de produção dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento de maneira que tende a ser irreversível. Isto deve-se a uma combinação de fatores relacionados com disponibilidade de matéria-prima, mercado, custos de produção e menor rigorismo existente na legislação e no controle da poluição ambiental encontrado em países em desenvolvimento. Fato este que, todavia, merece atenção e responsabilização de todas as partes envolvidas na cadeia de produção de couro, insumos e artigos finais fabricados, mesmo porque neste ciclo de produção e consumo dos produtos são envolvidos tanto os países desenvolvidos como os em desenvolvimento. A tabela abaixo ilustra o crescimento do comércio mundial de couros e de artigos de couro. Tabela 1: Comércio mundial de couro e artigos de couro (Gupta, 2000) Ano 1972 1985 1992 2000 Bilhões de US$ 4,0 16,3 41,5 60,0 Segundo Gupta a contribuição de países desenvolvidos na produção de couro declinou de 74% para 47%, enquanto que a produção nos países em desenvolvimento aumentou de 26% para 53%, nas últimas três décadas do século XX. Historicamente o desenvolvimento industrial e o consumo de produtos em geral de forma descontrolada, tem levado à deterioração do meio ambiente em dimensões que afetam primeiramente áreas geográficas circunscritas e que progridem para regiões maiores com efeitos danosos para equilíbrio dos ecossistemas. É necessário controlar e reduzir o impacto ambiental através de adoção de ciclos produtivos 1 ecológicos, utilização de matérias de baixo impacto ambiental, economia energética e de tratamento ou prétratamento dos efluentes gasosos, líquidos e sólidos das indústrias. As motivações que podem incentivar a adoção de uma política empresarial ecológica dependem de razões econômicas, legislativas e ético sociais. 1.1. Questões ambientais relevantes Há questões ambientais de grande relevância que incluem uma variedade de condições que não são facilmente ligadas aos poluentes individuais ou às fontes de poluição. Estas condições são regidas por vários fatores que causam stress ao ambiente e levam ao desbalanceamento e a degradação potencial do meio. As mais impactantes são o crescimento populacional, a perda de biodiversidade, o aquecimento global da terra e o esgotamento de ozônio na estratosfera, estas de âmbito global, e ainda a ocorrência de chuvas ácidas, de âmbito regional. Em contraste com os riscos ambientais globais, há os riscos ambientais localizados associados com poluentes ambientais específicos e com uso de recursos naturais. Estes pode ser mais facilmente compreendidos e controlados. 1.1.1. Crescimento populacional e padrão de vida O crescimento rápido da população humana no último século é motivo de desequilíbrios no meio ambiente. Cada membro da população tem necessidades de alimento e proteção que só podem ser disponibilizados sob alguma expensa ao ambiente. O impacto ambiental da civilização humana depende das necessidades e dos anseios da população (padrão de vida) e da eficiência com que estas necessidades podem ser supridas. Reible (1999) apresenta a seguinte relação para o impacto ambiental: Impacto ambiental α (População) x ( ideal per capita resource usage) (Eficiência ambiental) A ideal per capita resource usage é a quantidade mínima de recursos e degradação ambiental requerida para atingir o padrão de vida. A eficiência ambiental mede a eficiência de transladar alteração ambiental e uso de recursos naturais no máximo padrão de vida possível. Mede-se a eficiência de esforços para o controle ambiental, e o impacto ambiental dos meios e tecnologias empregadas para atingir o padrão de vida desejado. Assim, o controle do crescimento da população (natalidade infantil) não é o único meio de controlar o impacto ambiental. O padrão de vida é também um fator significativo. Segundo o autor, os E.U.A. com 250 milhões de habitantes, em 1990, tinham menos de 5% da população mundial e contribuíam com 22 % do carbono liberado no mundo por combustíveis fósseis. A população mundial tem crescido de forma intensa, principalmente nas últimas décadas. Mota (1997) observa que enquanto a população mundial levou de 1850 a 1930, oitenta anos para duplicar, deverá duplicar em quarenta anos, de 1970 a 2010. O maior crescimento populacional acontece nos países em desenvolvimento (4,2 bilhões em 1990 e 4,9 bilhões no ano 2000), do que em países desenvolvidos (1,2 bilhões em 1990 e 1,2 bilhões no ano 2000). Assim, muito mais pessoas vivem onde são precárias as condições de habitação, alimentação, educação, emprego, saúde e saneamento. O autor alerta que cada vez mais é maior a população vivendo em áreas urbanas em cidades crescendo sem a necessária evolução de infra-estrutura básica. A população rural do Brasil, tem decrescido em percentagem e em número absoluto. A taxa total de crescimento também tem diminuído nas últimas décadas, com previsão de que a população do país se estabilize a partir do ano de 2.075, quando alcançará 265,5 milhões. A tabela 2 mostra que as taxas de crescimento populacional verificadas nas regiões do planeta têm apresentado uma diminuição. 2 Tabela 2: Taxa anual de crescimento populacional por regiões Taxa de crescimento (%) Região Total mundial África América do Norte América Latina Ásia Europa Oceania 1970-1975 1995-2000 2000-2005 1,96 2,56 1,10 2,44 2,27 0,60 2,09 1,49 2,66 0,90 1,67 1,55 0,08 1,42 1,37 2,56 0,81 1,50 1,38 0,00 1,31 1.1.2. Perda de biodiversidade A biodiversidade refere-se à variedade de plantas e de vida animal no planeta. Há três tipos de diversidade: diversidade genética, diversidade de espécies e diversidade de ecossistema. O desenvolvimento humano e o crescimento populacional tem resultado numa rápida extinção do número de plantas e espécies animais. As causas da perda de biodiversidade são muitas. Inclui-se entre elas o stress induzido em plantas e animais pelos poluentes ambientais. As causas mais importantes são as alterações físicas do meio. Existem muitas razões para preservar-se a diversidade biológica. As razões morais, éticas e estéticas são citadas para proteger e preservar a beleza dos ambientes naturais para as gerações presentes e futuras. Há um número de razões práticas para se trabalhar visando manter a biodiversidade. Estas incluem preservação e diversidade do pool. Um largo pool genético, provê uma fonte de traços característicos de plantas e animais que podem ser introduzidos em produtos agrícolas valiosos; e, a biodiversidade preserva traços que podem ser necessários para adaptação a trocas e condições ambientais. A retenção da biodiversidade garante que produtos importantes ainda não identificados venham a ser avaliados em termos de benefícios comerciais e médicos. A estabilidade do ecossistema depende de uma variedade de organismos interdependentes sobreviverem e prosperarem, uma vez que a eliminação de um dos organismos pode ameaçar a sobrevivência do ecossistema inteiro. Até 1995 foram descritas 1,7 milhões de espécies de plantas, animais e microrganismos no mundo inteiro, sendo que as estimativas do número total de espécies sobre a terra variam de 5 a 100 milhões ou inclusive mais, sendo 10 milhões uma estimativa moderada. Estima-se que atualmente estão se extinguindo espécies a razão de 30 a 300 por dia, ainda que isto é unicamente uma estimativa grosseira baseada em conjunturas, resultando na perda de 20.000 a 50.000 espécies por ano. 1.1.3. Emissões de CO2 A primeira mudança ambiental, em grande escala, que está ligada à atividade humana é o rápido aumento dos níveis de dióxido de carbono atmosféricos, que tem sido observados desde o começo da revolução industrial. Os níveis de dióxido de carbono flutuaram entre 180 e 300 ppm nos últimos 150.000 anos (Barnola et al., 1987). Enquanto em 1750 era de 280 ppm, os níveis aumentaram em 1990, para mais de 330 ppm no hemisfério sul e mais de 350 ppm no hemisfério norte. O CO2 é o produto natural da combustão de combustíveis fósseis. Em 1950, foram emitidos 6,4 bilhões de toneladas de CO2 e o nível no ambiente era de 306 ppm. Em 1975 as emissões triplicaram para cerca de 18 bilhões de toneladas e o nível de CO2 passou para quase 330 ppm. Estima-se que cerca de 50% do CO2 emitido por fontes antropogênicas permanece na atmosfera. O restante é presumivelmente absorvido nos oceanos ou incorporado à biosfera (Reible, 1999). De acordo com Daniels (2002-a), dos 25 bilhões de toneladas de dióxidos de carbono gerados a cada ano, apenas 50% permanecem na atmosfera, e é com base neste valor que é estimado o crescimento dos níveis de dióxido de carbono nos próximos anos. O aumento do CO2 atmosférico é, em parte, compensado por florestas existentes que contribuem para o seu decaimento, mas os efeitos atenuantes não são permanentes e podem ser agravados pelos desmatamentos. A preocupação quanto às crescentes emissões de dióxido de carbono está no efeito estufa resultante. O efeito estufa provem da habilidade dos gases atmosféricos em absorver energia radiante da terra, reduzindo as perdas de energia ao espaço e finalmente aumentando a temperatura da terra. Apesar do CO2 não ser um 3 absorvedor inerentemente forte, sua presença em concentrações relativamente altas, faz com que este gás contribua com mais da metade do efeito estufa total. As conseqüências do efeito estufa ainda são motivo de estudos e previsões, não podendo ser feitas estimativas com precisão, uma vez que são muitos e complexos os componentes do sistema climático. No entanto, alguns impactos desse fenômeno são apontados: elevação da temperatura, alterações nas precipitações pluviométricas e elevação do nível do mar. É aceito que o planeta aqueceu 0,3o C a 0,6o C entre 1865 e 1995. Este aquecimento pode ser devido às atividades humanas que aumentaram as concentrações dos gases do efeito estufa na atmosfera, ou isto reflete uma variação natural do clima global, como também se sugere. Os níveis de emissão de CO2 eram em 1990 de 21,1 bilhões de toneladas/ano. O protocolo de Kyoto de dezembro de 1997 acordado entre 138 países, obriga 38 países industrializados a cortar os níveis de emissões (do ano de 1990) em uma média de 5,2% para 2010 (Daniels, 2002-b) . 1.1.4. Esgotamento do ozônio estratosférico O esgotamento do ozônio estratosférico tem recebido atenção mundial, devido ao “buraco de ozônio” observado no polo sul, durante o verão e a primavera na Antártica. Em 1993, o tamanho máximo do buraco de ozônio cresceu mais de 20.106 km2 , aproximadamente o tamanho da América do Norte (Reible, 1999). O buraco de ozônio da Antártica no polo sul tem sido afetado por clorofluorcarbonetos (CFCs), originados predominantemente no hemisfério norte. A presença do ozônio na estratosfera, é benéfica, pois ele funciona como filtro, retendo a perigosa radiação ultravioleta. Na base da estratosfera entre 30 e 40 km acima da superfície da terra, a fração de ozônio atinge o máximo. A destruição da camada de ozônio permite o aumento da penetração das radiações ultravioletas à Terra, causando danos à saúde humana, danos às plantas e destruição do fitoplâncton, e tem impactos sobre a cadeia alimentar marinha. O ozônio é, todavia, incluído entre os gases responsáveis pelo efeito estufa. Isso ocorre quando o mesmo se encontra mais próximo do solo, originado da reação entre os hidrocarbonetos e os óxidos de nitrogênio. Nessa situação, em altas concentrações, ele pode causar danos à saúde do homem (doenças respiratórias, irritação nos olhos, tosse e inflamação). 1.1.5. Chuvas ácidas O lançamento de gases na atmosfera, a partir de fontes poluidoras do ar, principalmente de dióxido de enxofre (SO2 ) e de óxidos de nitrogênio (NOx), contribui para aumentar a acidez das águas, formando chuvas ácidas. Esses compostos, na atmosfera, são transformados em sulfatos e nitratos e, por combinação com o vapor d`água, em ácidos sulfúrico e nítrico, os quais provocam as chuvas ácidas, assim entendidas aquelas cujo pH é inferior a 5,65. Outros gases também podem causar a acidificação das águas de chuvas, tais como o ácido clorídrico e o ácido fluorídrico. Os gases responsáveis pelas chuvas ácidas originam-se, principalmente, da queima de combustíveis fósseis e das atividades industriais. A acidificação é ou está se tornando um dos maiores problemas ecológicos de algumas regiões da Europa, dos EUA e do Canadá. Cerca de 5 a 10 milhões km2 (superfície quase igual à do território brasileiro) estão sendo afetados nesses locais. Problemas semelhantes podem surgir em qualquer região do mundo, sobretudo onde haja grandes aglomerações urbanas e/ou centros industriais. No Brasil, as grandes regiões industrializadas já começam a apresentar os sintomas iniciais do problema. Os principais efeitos das chuvas ácidas são: diminuição do pH das águas superficiais e subterrâneas, danos à vegetação, impactos sobre o solo e corrosão de materiais (Mota, 1997). 1.2. Recursos naturais Apesar da natureza ter capacidade de recuperação de seus recursos naturais e de manutenção de equilíbrio dos ecossistemas, esta capacidade não é ilimitada. O surgimento de problemas ambientais em diversos níveis de gravidade, tem levado o homem a procurar compreender melhor os fenômenos naturais e a entender que deve agir como parte integrante do sistema natural. À medida que se percebe a disponibilidade finita da utilização de recursos naturais essenciais como água, ar, solo, florestas, reservas fósseis e minerais, as atividades humanas passam a ser redirecionadas com vistas à preservação e utilização racional destes. O 4 posicionamento correto do homem deveria ser o de preservar os recursos disponíveis e não chegar tão próximo aos limites de riscos ambientais e escassez, como acontece muitas vezes. Será apresentado, a seguir, um breve panorama sobre as disponibilidades e usos de água e de energéticos. 1.2.1. Água Aproximadamente 97% do volume total da água existente no planeta está nos mares e 3% restante encontra-se na terra. Destes 3%, 77% encontra-se nas calotas polares, principalmente na Groenlândia e na Antártica e nos mares salinos situados nos continentes; 22% como água subterrânea e 1% em outras formas. Do total de águas no planeta, 2,5% é água doce. Estas águas doces não estão distribuídas uniformemente no planeta, o que traz problemas de desenvolvimento e tem repercussões econômicas e sociais. Países com grande escassez de água têm limitações enormes para o desenvolvimento agrícola e industrial com agravamento de problemas para a saúde de suas populações. Os recursos hídricos da superfície do planeta e as águas subterrâneas são permanentemente influenciados por todas as atividades humanas. Da mesma forma que a energia, a água é essencial para o desenvolvimento de todas as atividades humanas. O Brasil é um país privilegiado em recursos hídricos continentais e superficiais e, além disso, possui um grande potencial de águas subterrâneas, com reservas estimadas em 112.000 Km3 . O país detém 8% do potencial de toda a água do mundo, com no entanto, distribuição desigual. Cerca de 16% das águas doces no planeta estão localizadas no território brasileiro. Da água potável brasileira, 81% está na Bacia Amazônica onde se concentram 5% da população e 19% está no restante do país onde se encontram 95% da população brasileira (UFSM, 2002). 1.2.2. Energia O desenvolvimento tecnológico e as melhorias das condições de vida têm levado ao crescente aumento do uso da energia mundial, ainda que se verifiquem grandes diferenças de quantidades demandadas e emprego de energia para populações de diferentes países e regiões continentais. O emprego de energia primária verificado em países da Organization for Economic Cooperations and Development em 1994 foi assim distribuído: 31% para transportes e circulação, 33% para indústrias e 36% para usos domésticos, agricultura e setores restantes. As diferenças no consumo de energia por países são mostradas na tabela abaixo (Fischer Weltalmanach, 2000). Tabela 3: Gasto de energia por habitante (1 SKE = 29,3.106 J) Energia [kg SKE] País / Ano EUA Canadá Austrália Alemanha França Japão Coréia Espanha Argentina Tailândia Brasil Egito Índia Paquistão 1980 10381 10457 6222 6036 4507 3710 1349 2321 1739 371 762 512 202 195 1990 10751 10503 7529 6241 5139 4567 2779 2938 1882 752 788 650 316 283 1995 11312 10913 7879 5630 5309 5105 4142 3157 2214 1257 912 741 386 340 O suprimento energético mundial é feito predominantemente a partir de utilização de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão) cujas reservas disponíveis são limitadas. Por outro lado, a queima destes é responsável por emissões gasosas (CO2 , SO2 ). A partição de fontes energéticas para o consumo mundial total de 12065 t SKE em 1996 foi de: 34,8% de petróleo, 29,5% de carvão, 25,3% de gás natural e 5 biogás, 7,3% de energia nuclear e 3,1% de usinas hidráulicas e outras formas de energia. Fontes alternativas de energia renováveis vem ganhando crescente importância na matriz energética mundial. O aproveitamento da energia solar, hídrica, eólica, de biomassa e conversão térmica e fotovoltaica são alternativas que podem ser utilizadas dentro de um conceito de desenvolvimento sustentável. Nos últimos 50 anos, o Brasil sofreu mudanças em sua economia que passou de predominantemente rural a urbana e industrializada. Em 1940 a biomassa lenhosa era responsável por 77% do consumo de energia primária de uma população 70% rural. Hoje a situação está invertida, com mais de 75% da população vivendo em zonas urbanas com a biomassa perdendo seu status na matriz energética para a hidroeletricidade e os derivados do petróleo. 2. Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental A preocupação com a preservação do meio ambiente conjugada com a de melhoria das condições socio-econômicas da população fez surgir o conceito de ecodesenvolvimento, depois substituído pelo de desenvolvimento sustentável. Os movimentos ambientalistas colaboram ao produzir um conjunto de princípios em relação ao meio ambiente através dos protocolos e declarações emanados dos diversos fóruns e conferências mundiais e internacionais sobre o tema. Documentos internacionais, com destaque para a Agenda 21, são elaborados visando estabelecer medidas de ação global para se atingir o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, à medida que cresce a consciência ambiental nas empresas, cria-se o impulso necessário às organizações para adotar uma postura condizente com as exigências atuais. Dentro deste contexto surge o Sistema de Gestão Ambiental (SGA) que se constitui como uma estratégia com a qual a empresa dá início a um processo contínuo de melhorias através da implantação de políticas, objetivos e metas a serem alcançadas. 2.1. Desenvolvimento Sustentável A construção do conceito de ecodesenvolvimento se contrapõe à visão economicista e ao desenvolvimentismo, denunciados como reducionismo econômico e como responsáveis pela geração dos problemas sociais e ambientais. A visão unilateral economicista da realidade não considera as demais dimensões desta realidade, enfocando somente a produção e a produtividade econômica. O antropocentrismo vigorante nas escolas econômicas caracterizou-se em tomar o homem como única referência (“O homem como a medida de todas as coisas”). Segundo Montibeller-Filho (2001), o antropocentrismo e o cálculo econômico levam ao resultado social da fetichização da taxa de crescimento econômico: elevação desta taxa sendo tomada pelo que efetivamente não é, ou seja, como equivalente à melhoria das condições de vida a sociedade. Em função desta fetichização tem-se o culto ao crescimento da produção - quantificada no conceito de produto interno bruto (PIB) que representa o valor da produção obtida ao longo do ano -, mesmo que para isto degrade o meio ambiente e comprometa as possibilidades de produção futuras. O termo ecodesenvolvimento (Conferência de Estocolmo, 1972) significa o desenvolvimento de um país ou região, baseado em suas próprias potencialidades, portanto endógeno, sem criar dependência externa, tendo por finalidade “responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio”. A partir da década de 1980 difunde-se o termo desenvolvimento sustentável. É uma expressão de influência anglo-saxônica, utilizada primeiramente pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN). Na conferência mundial sobre a conservação e o desenvolvimento da IUCN (Otawa, Canadá, 1986), o conceito de desenvolvimento sustentável e eqüitativo foi colocado como um novo paradigma, tendo como princípios: - integrar conservação da natureza e desenvolvimento; - satisfazer as necessidades humanas e fundamentais; - perseguir eqüidade e justiça social; - buscar a autodeterminação social e respeitar a diversidade cultural; - manter a integridade ecológica. O Relatório Brundtland, de 1987, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, retoma o conceito de desenvolvimento sustentável, dando-lhe a seguinte definição: “desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Pode-se considerar, portanto, desenvolvimento sustentável como o 6 desenvolvimento que tratando de forma interligada e interdependente as variáveis econômica, social e ambiental é estável e equilibrado garantindo melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. Sachs elabora o que denomina “cinco dimensões de sustentabilidade do ecodesenvolvimento”: sustentabilidade social; econômica; ecológica; espacial; e sustentabilidade cultural. Com base nos princípios e requisitos de sustentabilidade apresentados é elaborado o quadro (tabela 4) com os componentes e objetivos das cinco dimensões do desenvolvimento sustentável. Costa (2003) sugere o conceito dos três pilares do desenvolvimento sustentável: crescimento econômico, equilíbrio ecológico e progresso social; ou, numa formulação alternativa, competitividade, ambiente e desenvolvimento social. Esta trilogia corresponde afinal à interação dos grandes grupos de atores em presença, as empresas, a administração pública e a sociedade civil. A base do direito ambiental internacional de diversos países, como o direito ambiental brasileiro associa a proteção do meio ambiente ao desenvolvimento socioeconômico. A legislação brasileira é ilustrativa a respeito: “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico (...)” (Lei 6.938, art. 2, de 31 de agosto de 1981). O desenvolvimento sustentável somente é possível com a participação efetiva dos importantes atores em cooperação mútua e com os mesmos objetivos: as organizações não-governamentais (ONG), os Estados, a coletividade, o empresariado e poderes judiciários. Tabela 4: Cinco dimensões do desenvolvimento sustentável (Sachs em Montibeller-Filho, 2001) Dimensão Componentes Objetivos Sustentabilidade social - Criação de postos de trabalho que permitam a obtenção de renda individual adequada (à melhor condição de vida, à maior qualificação profissional). - Produção de bens dirigida prioritariamente às necessidades básicas sociais. Redução das desigualdades sociais Sustentabilidade econômica - Fluxo permanente de investimentos públicos e privados (estes últimos com especial destaque para o cooperativismo). - Manejo eficiente dos recursos. - Absorção, pela empresa, dos custos ambientais. - Endogeneização: contar com suas próprias forças. Aumento da produção e da riqueza social, sem dependência externa Sustentabilidade ecológica - Produzir respeitando os ciclos ecológicos dos ecossistemas. - Prudência no uso de recursos naturais não renováveis. - Prioridade à produção de biomassa e à industrialização de insumos naturais renováveis. - Redução da intensidade energética e aumento da conservação de energia. - Tecnologias e processos produtivos de baixo índice de resíduos. - Cuidados ambientais. Melhoria da qualidade do meio ambiente e preservação das fontes de recursos energéticos e naturais para as próximas gerações Sustentabilidade espacial/geográfica - Desconcentração espacial (de atividades; de população). Evitar excesso de aglomerações Sustentabilidade cultural - Soluções adaptadas a cada ecossistema. - Respeito à formação cultural comunitária. Evitar conflitos culturais com potencial progressivo 2.2. Gestão Ambiental e ISO 14000 O Sistema de Gestão Ambiental constitui-se como uma estratégia adotada por uma empresa para implementação de um processo contínuo de melhorias através da implantação de políticas, objetivos e metas estabelecidos para atender requisitos e exigências ambientais. Esse sistema serve de base para a implantação e certificação da norma ISO 14000, série ISO 14001, pois fornece as diretrizes que dão consistência aos 7 procedimentos adotados. Nesta preocupação está a busca por processos industriais com melhor aproveitamento das matérias-primas, energia, ar e água, sempre visando à minimização, não-geração e/ou reciclagem dos resíduos oriundos do processo produtivo. Este é o foco do que se chama atualmente de tecnologia limpa, ou seja, uma integração dos objetivos ambientais aos processos produtivos, diferenciandoos da tecnologias tradicionais que se dedicam principalmente ao tratamento de resíduos e emissões gerados pelo processo. O princípio da prevenção da poluição determina que a geração de resíduos perigosos seja evitada na fonte, a partir de reorientação do processo e do produto, de técnicas de reutilização, de reciclagem e de reaproveitamento dos materiais e dos co-produtos, da extensão da vida útil, do retorno garantido de embalagens e de produtos ao final de sua vida útil e outras estratégias. As tecnologias limpas são aquelas que reúnem as seguintes características: utilizam compostos não agressivos e de baixo custo, exigem menor consumo de reagentes, produzem pouco ou nenhum resíduo e permitem controle mais simples e eficiente de sua eliminação. Assim sendo, o princípio democrático cria o direito de acesso público às informações sobre segurança e risco de processos e produtos, manejo de matérias-primas, consumo de água e energia, processo de destinação de resíduos e restos de produtos. A ISO série 14000 constitui um conjunto de normas para a implementação, pelas empresas, de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA), formuladas pela International Organization for Standartization (ISO). A ISO elabora e avalia normas através de vários comitês técnicos compostos por representantes de diversos países. A ISO tem sede em Genebra, Suiça, e é uma federação não governamental que congrega organismos nacionais de normalização, sendo composta por mais de cem países. A série de normas ISO 14000 abrange seis áreas bem definidas: - Sistemas de Gestão Ambiental; auditorias ambientais; - avaliação de desempenho ambiental; - rotulagem ambiental; - aspectos ambientais nas normas e produtos; - análise de ciclo de vida do produto. A série ISO 14000 vem ao encontro da necessidade das empresas em adotarem práticas gerenciais adequadas às exigências de mercado, universalizando os princípios e procedimentos que permitirão uma expressão consistente da qualidade ambiental. Com a implementação dessas normas, pelas empresas, conseguir-se-á uma melhor relação entre os processos produtivos e o meio ambiente, obtendo-se: produtos e processos mais limpos; a conservação dos recursos naturais; a destinação adequada dos resíduos industriais; o uso racional da energia; o controle da poluição ambiental. Tudo isso resultará em uma melhor qualidade de vida para a população (Mota, 1997). Segundo Cristófoli (2003), o número de certificados ISO 14000 emitidos no Brasil era de 350 em dezembro de 2001, passando para 600 em novembro de 2002. 2.3. Agenda 21 Após a realização da Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, ocorreu uma verdadeira globalização das questões ambientais gerando uma preocupação crescente com a degradação experimentada pelo desenvolvimento industrial. A agenda 21 foi editada na referida conferência e lançou diretrizes para o desenvolvimento sustentável. A agenda 21 é um documento elaborado pelas Nações Unidas, estabelecendo um projeto de ação global visando o desenvolvimento sustentável, o qual foi adotado por chefes de Estado de 179 países participantes da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. A agenda 21 com seus 40 capítulos e 800 páginas, constitui um guia para as ações dos indivíduos, empresas e governos, no sentido de alcançar um desenvolvimento sustentável no próximos século, garantindo-se a qualidade ambiental e as condições econômicas necessárias a todos os povos do mundo. Mota (1997) resume a agenda 21 a qual é composta de quatro seções: Seção I - Dimensões sociais e econômicas; Seção II – Conservação e Gerenciamento dos Recursos para Desenvolvimento; Seção III – Fortalecimento do Papel dos Grupos Principais e Seção IV – Meios de Implementação. 3. Insumos para industrialização de couros A industrialização de couros em curtumes demanda recursos materiais e serviços. A estrutura de custos é distribuída pelas necessidades de matéria-prima (peles), insumos químicos, mão-de-obra, energia, manutenção, finança, marketing e despesas gerais. Os custos relativos à matéria-prima essencial, pele, são 8 elevados, e podem representar, segundo Wachsmann (1995), 50% dos custos totais. Aspectos relacionados a demanda de água, gastos energéticos e insumos químicos para produção de couros são abordados a seguir. 3.1. Consumo energético Os curtumes consomem energia elétrica e térmica. A energia elétrica é usada para acionamento de máquinas e motores seguida de outras demandas gerais. A energia térmica é empregada para o aquecimento de água usada no tratamento do couro, para secagem dos couros e para aquecimento de máquinas. Em um levantamento para avaliação dos consumos energéticos de curtumes do estado do Rio Grande do Sul, Gutterres et al. (2003) e Schneider et al. (2003) verificaram que os curtumes visitados mantêm um mesmo padrão energético. A demanda elétrica diária dos curtumes é suprida por energia comprada da concessionária e por geração própria em grupos geradores que consomem óleo diesel, os quais operam nos horários de sobre-tarifação (auto-produção das 18 às 21h). A produção de energia térmica parte de caldeiras gerando vapor saturado, cujo insumo energético grandemente empregado é a lenha. Os dados colhidos nas visitas aos curtumes, apresentados na tabela 5, dão uma visão geral da repartição de energia. Tabela 5: Quadro resumo com os dados de consumo de energia elétrica e térmica de 9 curtumes (Gutterres et al., 2003) Consumo de energia Curtume Tipo* 1 A 2 B 3 B 4 C 5 C 6 C 7 C 8 C 9 C Média Desvio Padrão Elétrica ** [MWh] (1) 118,34 122,87 92,77 121,19 130,89 294,12 138,16 135,23 209,47 151,45 62,10 Térmica *** [MWh] (2) 416,53 941,00 260,33 520,67 913,05 403,52 903,00 781,00 520,67 628,86 257,77 Total [MWh] (3 = 1+2) 534,87 1.063,87 353,10 641,86 1.043,94 697,64 1.041,16 916,23 730,14 780,31 251,92 Elétrica / Total [%] (1/3) 22,12 11,56 26,27 18,88 12,54 42,16 13,27 14,76 28,69 21,14 10,00 Térmica / Total [%] (2/3) 77,88 88,44 73,73 81,12 87,46 57,84 86,73 85,24 71,31 78,86 10,00 * Curtume tipo A: completo com operações de ribeira, curtimento, recutimento e acabamento Curtume tipo B: operacões de ribeira e curtimento Curtume tipo C: operações de recurtimento e acabamento ** Valor total de energia elétrica (fora de pico + pico + autoprodução) *** A energia térmica foi tomada a partir de dados de operação A leitura da tabela permite verificar que a energia elétrica representa sempre menos da metade da demanda total, ficando em cerca de 20 % com uma dispersão de 10 %, para os curtumes visitados. A parcela térmica representa os 80 % restantes da energia consumida, mas é necessário que se saliente que há um desperdício de energia, verificado em todas as instalações visitadas. O desperdício vem de duas formas: a) Falhas de isolamento, perdas de vapor nas canalizações, fuga em acessórios, etc., que podem ser diminuídos com um bom programa de manutenção e poucos investimentos. Essa parcela de desperdício não é a mais importante. b) Geração de vapor em excesso, que é empregado em alguns processos que exigem sua presença, mas que não necessitaria ser distribuído para todo o curtume. Existem vários casos onde a necessidade de calor é apenas para o aquecimento de banhos a menos de 60º C. Mesmo assim, o vapor é gerado, transportado e depois condensado, resultando numa redução da eficiência energética da instalação. Essa parcela de desperdício é a mais importante. O levantamento energético dos curtumes foi feito como parte inicial de um estudo de viabilidade técnica de implantação de sistemas de co-geração a partir de gás natural, para atender demandas elétricas e térmicas de curtumes. Schneider et al. (2003) usaram simulação computacional para avaliar várias alternativas 9 de configuração de co-geração, baseadas respectivamente em motores a gás, turbinas a gás e geradores de vapor a gás. 3.2. Água A indústria do couro caracteriza-se por empregar grandes quantidades de água nos processos, devido ao fato principal de que muitas etapas de tratamento da pele se realizam em fase aquosa e em regime de bateladas. Segundo Rao (2003), a indústria do couro emprega cerca de 30- 40 L água / kg de pele processada. As operações de pré-curtimento consomem aproximadamente 15-22 L água / kg de pele processada, a operação de curtimento consome 1-2 L e o pós-curtimento 2-4 L água / kg de pele processada. As lavagens contribuem com 11,5 a 13 L da água usada para processamento. Consumos maiores de água, de 50 L água / kg de pele processada, podem ocorrer devido ao uso ineficiente da água. De acordo com Buljan (2003), progressos importantes vêm sendo atingidos na redução de gasto de água. Em uma região de curtumes na Itália o gasto de água caiu a cerca de um terço passando para 10 a 15 L / kg (de pele bruta até wet-blue e respectivamente crust), de 20 a 25 L / kg da pele bruta até couro acabado e de 5 a 10 L / kg de wet-blue até crust ou couro acabado. Hauber e Schröer (2002) observam que o gasto de água de 40-50 m3 para processar 1 tonelada de pele bovina pode ser reduzido para 12-30 m3 . Quanto à concentração das águas residuárias de curtumes, Stoop (2003) apresenta valores de equivalente populacional para águas residuárias de curtumes de 4970-7210 m3 / tonelada da matéria-prima, para operações de ribeira e curtimento, e de 220-380 m3 / tonelada da matéria-prima, para operações de póscurtimento. A economia de água pode ser aumentada através de várias possibilidades. O sistema de lavagem continua com água, onde os couros são rodados em fulão com a tampa de grade e com a válvula de água, totalmente aberta, é uma das principais operações que resultam em uso extensivo de água. Medidas práticas para economizar água no processamento de couro são: a introdução de lavagens em regime de batelada (controlando-se as lavagens contínuas ou enxágües), o emprego de banhos curtos (pequenos volumes de água) e o uso de reciclos de banhos ao máximo possível. 3.3. Insumos químicos As peles são submetidas a diversos tratamentos químicos em meios aquosos realizados em seqüência. São adicionados, dependendo de cada fase de tratamento, ácidos, bases, sais, curtentes, tensoativos, engraxantes, corantes, recurtentes, agentes auxiliares e outros produtos. Além disso, outra série de produtos químicos é empregada nos processos de acabamento. Os insumos químicos são disponíveis no mercado na forma de preparados comerciais. Existe uma grande diversidade nas características almejadas e propriedades finais exigidas dos couros produzidos. Com base nisto, são selecionados os insumos químicos a aplicar em cada processo. Buljan, Reich e Ludvik (1999) analisaram a eficiência do aproveitamento das matérias-primas do processamento de couro mediante um balanço de massa. Os autores estimaram a eficiência da utilização de alguns materiais importantes, tais como taninos orgânicos, engraxantes e corantes, agregados juntamente com o colagênio e o cromo. Dos 452 Kg de produtos químicos usados nos processos tradicionais, somente 72 Kg são retidos no interior e na superfície do couro e 380 Kg são perdidos e descartados de várias formas. A utilização efetiva dos produtos químicos destes processos é de, somente, cerca de 15 %, implicando que 85 % destes entram nas correntes de efluentes residuais. Segundo Wachsmann (1995), para a produção de 36 kg de couro (cabedal + raspa) são adicionados nos processos de produção 35,4 Kg de produtos químicos. 4. Tendências para o Desenvolvimento Sustentável em Curtumes O desafio de produzir dentro de um conceito de desenvolvimento sustentável é importante para a indústria de curtume, a fim de que se mantenha vital e competitiva. Cabe identificar quais são os caminhos e soluções técnicas que atendem à demanda do mercado internacional, inclusive sob o perfil do respeito ecológico. As novas normativas ambientais (Eco-Audit e ISO 14000) exigem do exportador a sua conformidade com padrões de “qualidade ecológica”. As certificações ambientais tendem a se tornar um importante fator de marketing e podem trazer benefícios econômicos para aqueles curtumes que realizaram severos investimentos para reduzir os impactos ambientais. 10 A experiência vem demonstrando que para se obter sucesso em uma produção ambientalmente correta é necessário trabalhar no próprio processo produtivo industrial através de uma utilização mais cuidadosa da água e dos produtos químicos e de uso de tecnologias e produtos alternativos menos poluentes, antes de se recorrer às tecnologias de depuração de efluentes. Wolf e Wittlinger (2002) destacam uma peça fundamental para análise de eficiência ecológica, a ecoeficiência, ou ecobalanço apresentado pela norma ISO 14040. O método completo para análise da ecoeficiência foi avaliado recentemente pelo TÜV Berlin e aprovado positivamente. Na análise da contaminação ambiental do processo são examinadas cinco categorias ambientais: gasto de matéria-prima, gasto de energia, emissões, potencial de toxicidade e potencial de risco. A contaminação (carga) ambiental é combinada com os custos para se obter a ecoeficiência. Os autores apresentam um caso aplicado para avaliar aspectos econômicos e ecológicos de produção de couros por meio de curtimentos com sal de cromo e pré-curtimentos wet-white. No Memorando “Melhores Técnicas Disponíveis para Curtimento de peles” da união européia (Besten verfügbaren Techniken für die Gerbung von Häuten und Fellen- BVT) são apresentados os procedimentos corretos necessários para manejo e armazenamento de produtos químicos, de tal forma a não ocorrerem riscos mesmo em caso de derramamentos e acidentes. O documento apresenta uma lista (tabela 6) de substâncias prejudiciais ao meio ambiente, as quais são usadas como agentes e auxiliares em processos em curtumes, e que devem ser substituídas por outras substâncias menos prejudiciais. Vários autores como Buljan (2003) e Gupta (2000) apresentam tendências de tecnologias limpas para a produção de couros em curtumes. Na tabela 7 é apresentada uma listagem de alternativas de tecnologias limpas e de tendências para uma produção sustentável em curtumes. Tabela 6: Indicações para substituição de produtos químicos (BVT-Merkblatt em Hauber e Schröer, 2002) Substância Substituto Biocidas Produtos com o mais baixo prejuízo ambiental e a mais baixa toxicidade e aplicado na mais baixa dose, ex. dimetil-tiocarbamato de potássio ou sódio. Compostos organo-halogenados Podem ser substituídos em quase todos casos. Incluem produtos para remolho, desengraxe, engraxe, corantes e recurtentes especiais. Exceção: Limpeza de peles ovinas Merino Solventes orgânicos (não halogenados) de uso principal em acabamento e desengraxe de peles ovinas Acabamento: - sistemas aquosos. Exceção: quando são colocadas altas exigências no topcoat com relação à resistência à fricção, à flexão úmida e à passagem de água. - sistema de acabamento com baixo conteúdo em solventes orgânicos; - baixo conteúdo em aromáticos. Desengraxe de peles de ovelha: - uso de um único solvente orgânico, ao invés de uma mistura, para possibilitar sua recuperação após destilação. Umectante: Exemplo nonilfenol-etoxilado Exemplo álcool etoxilado, onde possível. Agente complexante EDTA e nitrilotriacetato Etilenodiamina-disuccinato ou metilglicina-diacetato onde possível. Desencalante contendo amônia Substituição parcial por CO2 e/ou ácidos orgânicos fracos. Curtentes - cromo - sintanos e resinas - 20-35% do cromo adicionado pode ser substituídos por cromo recuperado; - produto com baixo conteúdo em formaldeído, fenol e 11 monômeros de ácido acrílico; Corantes - corantes líquidos ou pobres em pó; - corantes de alto esgotamento com baixo conteúdo de sal; - substituição de amoníaco por agente auxiliar como penetrantes de corantes; - substituição de corantes halogenados por corantes vinilsulforeativos. Licker de engraxe - Licker de engraxe livre de organo-halogenados adsorvíveis (AOX). Exceção: couro waterproof - Utilização em produtos livres de solventes ou, quando não for possível, pobre em solvente. - Engraxe da alto esgotamento, para reduzir o DQO tanto quanto possível. Substâncias de acabamento para topcoats, binder (resinas) e reticulantes - Binder à base e emulsão polimérica com baixo conteúdo em monômero; - Sistema de acabamento e pigmento livre de cádmio e chumbo. Outros: - Repelentes de água - Protetor de chama contendo bromo e antimônio - Livres de organo-halogenados adsorvíveis (AOX); Exceções: couro waterproof - Utilização em produto livre de solvente ou, quando não for possível, pobre em solvente; - Livre de sais metálicos; Exceção: couro waterproof - Protetor de chama à base de fosfato. Tabela 7: Alternativas de tecnologias limpas e tendências para produção de couros Item Alternativas de tecnologias limpas e tendências Matérias-primas Cuidados e controles rigorosos para melhorar a qualidade da matéria-prima. Uso de microprocessadores implantados nas peles de animais jovens para obter um relatório de saúde e crescimento animal com leitura à distância. Conservação Os métodos de conservação com sal devem retroceder. Alternativas: conservação com biocidas, resfriamento ou secagem. Processamento de peles verdes Remoção mecânica de sal das peles e aproveitamento do sal Remolho Uso de biotecnologia Depilação e Caleiro Substituição parcial ou total de sulfetos. Redução da carga orgânica no banho residual ao promover processos de depilação e caleiro com recuperação de pêlos. Alternativas: - depilação sem destruição do pêlo, uso de enzimas, aminas e produtos químicos redutores; - afrouxamento da estrutura dérmica da pele por meio de utilização de novos tipos de substâncias agentes de superfície e produtos biocidas, e por meio de retirada seletiva de componentes não colagenosos da matriz; - uso de tecnologia pela qual o pêlo pode ser removido com rapidez por meio de uma solução concentrada de sulfeto, seguido de neutralização da ação alcalina e oxidação dos sulfetos e sem causar inchamento da flor; - reciclagem parcial do sulfeto. (A depilação com preservação do pelo pode ser economicamente questionável, 12 quando não existir possibilidade de aproveitamento dos pêlos.) Desencalagem Substituição ou eliminação dos sais de amônio. Redução do teor de nitrogênio do efluentes. Alternativas: - uso de CO2 e ácidos de sais orgânicos. (Na possibilidade de eliminar o cal na depilação, pode ser suprimida a desencalagem. Processos eficazes de purga com enzimas eficientes e recuperação de produtos poderão ser usados.) Desengraxe Otimização do desengraxe úmido utilizando agentes umectantes com ou sem emprego de solventes orgânicos. Utilização de máquinas fechadas com possibilidades reduzidas de contaminação do ar e da água, quando for utilizado solvente orgânico para desengraxe seco. Píquel Diminuição ou eliminação do uso de sal. Alternativas: - produtos não inchantes, banhos curtos, sistemas wet-white; - reutilização de banho de píquel. Curtimento Aumento da eficiência dos processos de curtimento por rígido controle das variáveis pH, temperatura, volume de banho, tempo e velocidade do fulão, em combinação com a recuperação de cromo. Pesquisa para detalhamento da química do curtimento e das interações de curtentes com o colagênio e desenvolvimento de processos melhorados de curtimento. Alternativas para curtimento ao cromo: - substituição parcial do cromo, curtimento com pouca oferta de cromo, curtimento de elevado esgotamento e reciclagem do cromo. Alternativas para curtimento vegetal: - maximização do esgotamento do curtimento vegetal pelo princípio de contracorrente em tanque ou por reciclo em curtimento em fulão; - combinação de curtimento mineral e vegetal para obtenção de elevada estabilidade hidrotérmica. - diminuição e/ou tratamento de sais neutros oriundos tanto do conteúdo de sal do extrato como do pré-tratamento da pele. (O consumo de cromo pela indústria do couro é de cerca de 85000 a 90000 t / ano, o que representa 2,5% do consumo total mundial de cromo. O consumo atual de tanino vegetal é de 250 000 t /ano. Para uma substituição total de cromo por tanino vegetal, o consumo passaria para 2 a 3 milhões t / ano, o que não é realístico.) Acabamento molhado Recurtimento, tingimento e engraxe de alto esgotamento. Alternativas para recurtimento: combinações de recurtentes para obter melhor esgotamento, recurtimento suavizado. Alternativas para tingimento: com pouco ou isento de sal, agentes de penetração de tingimento (no lugar de amônia). Alternativas para engraxe: licores de engraxe isentos de AOX, emprego de produtos de alto esgotamento e ofertas adequadas. Acabamento Substituição de produtos em formulações e redução de perdas de produtos. Alternativas de formulações: acabamento isento de solvente ou com solvente não tóxico, sistemas aquosos de acabamento. Emprego de pigmentos não tóxicos. Alternativas à aplicação com pistolas: máquinas rotativas, cortina, sistema airless. Águas de processos Segregação das correntes de águas usadas nas etapas individuais para tratamento e reciclo. Alternativas: - recuperação dos banhos de depilação/caleiro para reduzir o consumo de insumos químicos e diminuir a carga orgânica e tóxica no efluente; - reciclo de banhos de curtimento para reduzir as concentrações residuais de cromo e 13 sais; - reciclo das águas de lavagem; - implementação de meios de tratamentos especiais das águas por filtração e processos de separação por membranas para reutilização em sistema de circuito fechado. Controle da qualidade da água (ex. pH, dureza, alcalinidade) de acordo com as exigências pertinentes às etapas (ex. tingimento e engraxe) Uso da água reciclada para lavagem de pisos. Nitrificação e desnitrificação dos efluentes. Introdução de sistemas avançados de tratamento dos efluentes. Equipamentos e plantas industriais Controle e otimização dos processos de descarne, divisão, rebaixamanto e outros para diminuir as quantidades de resíduos sólidos. Otimização do deságüe mecânico antes da secagem, e melhoramento de projeto e instalação de secadores. Uso racional de energia, utilização de fontes energéticas alternativas nos curtumes, emprego de co-geração. Modernização de lay-out dos curtumes. Uso de ar comprimido a pressão ótima e aquecimento da água à temperatura demandada (não superiores às necessidades de trabalho). Desenvolvimento, simulação e controle de processos Sistemas de produção integrados para realização de dosagens ótimas de produtos químicos nos processos molhados e de acabamento com base no controle das características e das propriedades do couro. Desenvolvimento de novos métodos analíticos químicos e físicos não destrutivos instantâneos. Acompanhamento on-line das concentrações de produtos químicos nos processos molhados para que o ponto final de uma etapa de processo seja função das concentrações das substâncias e não do tempo. Introdução de medidores apropriados (vazão, temperatura, pH, condutividade, massa específica) e de dispositivos de acionamentos automáticos. Automação da produção. Emprego de métodos analíticos instrumentais para estudo das transformações da pele. Análise de processo por meio de balanço de massa. Emprego de métodos computacionais para estudos e cálculos do comportamento da estrutura dérmica até nível molecular. Simulação de reações e das interações químicas. Estratégias de produção e eliminação de estoques de materiais. Integração mássica e energética do sistema de produção. Introdução de processos molhados contínuos. Além do emprego das tecnologias limpas apresentadas na tabela, processos avançados de tratamento de águas podem ser introduzidos em curtumes, assim como vem sendo aplicados em muitos ramos industriais. Desde os anos 70 as facilidades de tratamento avançado de águas residuárias tem tido grande evolução. Estes tratamentos são empregados para se efetuarem remoções adicionais de substâncias suspensas e dissolvidas remanescentes após o tratamento secundário de efluentes, mas também são introduzidos dentro dos processos industriais para purificação da água e de soluções. Este métodos de tratamento avançados são: remoção de nutrientes (nitrogênio e fósforo) por processos biológicos ou químicos, adsorção em carvão ativado, oxidação química, precipitação química, troca iônica e processos de separação por membranas (microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração, osmose reversa e eletrodiálise). O tratamento avançado pode ser aplicado tanto para o tratamento adicional do efluente final tratado por sistemas depuradores convencionais, visando a sua adequação para descarte em corpos receptores de águas, como para possibilitar o reciclo ou reutilização de correntes parciais ou totais das água tratadas. 5. Conclusões No trabalho, foram apresentados alguns conceitos, elementos e diretrizes úteis para se trabalhar em curtumes dentro de princípios de desenvolvimento sustentável. Os dados sobre a utilização de insumos energéticos, água e insumos químicos indicam que desperdícios evitáveis vem sendo praticados. Nesse 14 sentido é importante fazer uma avaliação detalhada dos itens, água, energia e insumos químicos e outros de importância (como contaminação do ar e solo) para casos específicos particulares ou regionalizados de curtumes. Foram apresentadas diversas propostas de tecnologias limpas viáveis tecnicamente, ainda que nem sempre vantajosas economicamente, e que requerem adequações tecnológicas e operacionais de maior ou menor grau e adaptações, inclusive em equipamentos industriais, para se tornarem realidade. Muitas das alternativas encontram, hoje, aplicação industrial, outras não mereceram, ainda, a devida importância. Outros trabalhos por meio de pesquisas científicas e de desenvolvimentos tecnológicos aplicados irão trazer novidades, já que de um modo geral, têm havido muita mobilização e esforços para viabilizar modos de produção de couro ambientalmente corretos. As exigências mercadológicas tendem a acelerar este processo devido aos requisitos de certificação ambiental para as indústrias e as restrições impostas para que os couros sejam isentos de substâncias tóxicas ou que sejam tratados com produtos que não agridam o meio ambiente. Vale observar que não existe um produto totalmente ecológico e que qualquer sistema de certificação ambiental deverá considerar quais são as tecnologias e produtos menos poluentes presentes no mercado. O aumento do conhecimento científico sobre os contaminantes encontrados na água e a disponibilidade de uma base expandida de informações derivadas dos estudos de monitoramento ambiental fazem com que os requerimentos permitidos para descarga de efluentes tratados sejam cada vez mais estreitos. Por outro lado, a taxação anunciada para a captação de água de abastecimento vai impor o seu uso racional. Neste sentido, entre outras medidas, os processos avançados de tratamento de águas mostram-se promissores. No trabalho não foi dada ênfase ao tema pertinente ao rendimento quantitativo da matéria-prima pele que gera produto final couro ou artigos fabricados, nem às questões envolvidas com o tratamento e destino de resíduos sólidos gerados, o que não indica que este assunto não mereça um tratamento de igual relevância. 6. Referências bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. GUPTA, P. K. Achieving Production Effectiveness and Increasing Business Competitiveness trough Cleaner Production, 2000. http://www.unescap.org/itid/publication. REIBLE, D.D. Fundamentals of Environmental Engineering. Boca Raton. Springer, Lewis Publishers, 1999, 526p, p. 22, 28. MOTA, S. Introdução à Engenharia Ambiental. Rio de Janeiro, 1997, 280 p, p. 74-76, 267, 269, 271. BARNOLA, J.M., D. RAYNAUD, Y.S. KOROTKEVICH, and C. LORIUS (1987). Vostok ice core provides 160000 year record of atmospheric CO2 . Nature, 329, 1 October. DANIELS, R. Carbon catastrophe or forests for the future. 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