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DIREITO DO TRABALHO EFETIVO Homenagem aos 30 anos da AMATRA 12 1 Comissão Científica da obra organizada pela AMATRA12: Rodrigo Goldschmidt Andrea Maria Limongi Pasold Nelzeli Moreira da Silva Lopes José Carlos Külzer Clovis Demarchi Comissão Organizadora José Carlos Külzer Oscar Krost Marianna Coutinho Cavalieri Neiva Marcelle Hiller 2 RLUX Direito do Trabalho no Mundo Contemporâneo_Formato 17x24_2ª emenda_09.01.2013 JOSÉ CARLOS KÜLZER MARIANNA COUTINHO CAVALIERI NEIVA MARCELLE HILLER OSCAR KROST coordenadores DIREITO DO TRABALHO EFETIVO Homenagem aos 30 anos da AMATRA 12 3 RLUX Direito do Trabalho no Mundo Contemporâneo_Formato 17x24_2ª emenda_09.01.2013 R EDITORA LTDA. Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Março, 2013 Versão impressa - LTr 4766.2 - ISBN 978-85-361-2482-7 Versão digital - LTr 7530.6 - ISBN 978-85-361-2507-7 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Direito do trabalho efetivo : homenagem aos 30 anos da AMATRA 12 / (coordenadores) José Carlos Külzer...[et al.]. — São Paulo : LTr, 2013. Outros coordenadores: Marianna Coutinho Cavalieri, Neiva Marcelle Hiller, Oscar Krost Bibliografia. 1. Direito do trabalho 2. Direito do trabalho — Brasil I. Külzer, José Carlos. II. Cavalieri, Marianna Coutinho. III. Hiller, Neiva Marcelle. IV. Krost, Oscar. 13-01634 Índice para catálogo sistemático: 1. Direito do trabalho efetivo 34:331 CDU-34:331 SUMÁRIO Prefácio ...................................................................................................................... 7 1. O DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO Da cultura crescente de inefetivação dos direitos sociais e seus nefastos efeitos sobre a própria economia ........................................................................................................ 13 José Ernesto Manzi Direitos fundamentais sociais e o princípio da proibição de retrocesso social............... 30 Narbal Antônio de Mendonça Fileti Dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa: por uma “hermenêutica responsável” em resgate da tutela das normas trabalhistas ................... 71 Rodrigo Goldschmidt Oscar Krost A garantia contratual à incolumidade do empregado como contrapartida fordista na legislação brasileira: uma análise histórica ...................................................................... 94 Daniel Lisboa O desenvolvimento autofágico do capitalismo como obstáculo à realização do direito do trabalho: uma análise da exploração do trabalho imaterial ...................................... 114 Régis Trindade de Mello Luís Henrique Kohl Camargo 2. O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO O direito fundamental ao meio ambiente de trabalho equilibrado de forma plena, eficaz e efetiva ...................................................................................................................... 137 Leonardo Rodrigues Itacaramby Bessa A educação ambiental no combate aos acidentes de trabalho ..................................... 155 Neiva Marcelle Hiller Princípios ambientais e meio ambiente de (tele)trabalho: novas alternativas para a efetiva proteção jurídica do teletrabalhador ..................................................................... 171 Fernanda D’ Avila de Oliveira As doenças ocupacionais no meio ambiente de trabalho dos frigoríficos e o descumprimento dos direitos fundamentais sociais ...................................................................... 199 Karine Gleice Cristova Rodrigo Goldschmidt O meio ambiente do trabalho e a indenização devida pela síndrome do túnel do carpo .... 217 Sibeli D’Agostini 5 3. A DURAÇÃO DO TRABALHO A compensação de horários à luz da Constituição da República Federativa do Brasil. Banco de horas. Autonomia, heteronomia e efetividade do direito do trabalho ............ 243 Sebastião Tavares Pereira Banco de horas: a flexibilização da jornada e a efetividade dos direitos trabalhistas ..... 261 Maria Eliza Espíndola Jornada de trabalho dos caminhoneiros: passos e descompassos da Lei n. 12.619/2012 ... 279 Rhiane Zeferino Goulart 4. ASPECTOS DIVERSOS DO DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO A proporcionalidade das revistas moderadas nas bolsas dos empregados .................... 307 Luis Fernando Silva de Carvalho Terceirização — leis tangentes, relações cogentes ........................................................ 338 Cesar Roberto Vargas Pergher Entre os novos e antigos desafios do direito do trabalho: a terceirização ..................... 357 Juliana Elise Doerlitz A responsabilidade do dono da obra nos acidentes de trabalho .................................. 372 Alessandro da Silva O contrato de estágio como meio de fraudar as leis trabalhistas .................................. 383 Vanessa Cunha da Silva Vieira 5. O DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO A pós-modernidade e a necessária redesignação do conceito de “acesso à justiça” ..... 413 Nelson Hamilton Leiria A (in)aplicabilidade do art. 475-J do CPC no processo trabalhista brasileiro ................. 433 Cláudia Rodrigues Coutinho Cavalieri Marianna Coutinho Cavalieri Da penhora de salário no processo do trabalho ........................................................... 455 Caroline Andrade Machado 6 PREFÁCIO No ano em que a Associação dos Magistrados do Trabalho do Estado de Santa Catarina — AMATRA12 — completa 30 anos de existência, pensou-se na elaboração de uma obra que marcasse esse importante e simbólico evento. Veio a lume, então, a ideia de publicar um livro que reunisse textos doutrinários produzidos por Juízes associados e alunos dos Cursos de Especialização oferecidos pela AMATRA12. Para alcançar tal objetivo, formaram-se duas Comissões, uma Organizadora, composta pelos Magistrados José Carlos Kulzer e Oscar Krost e pelas alunas Marianna Coutinho Cavalieri e Neiva Marcelle Hiller, e outra Científica, composta pelo Professor Clóvis Demarchi e os Magistrados Andrea Pasold, José Carlos Kulzer, Nelzeli Moreira da Silva Lopes e Rodrigo Goldschmidt. Aberto o Edital, com critérios específicos para o evento, foram apresentados vários trabalhos científicos, todos submetidos a criteriosa análise das Comissões mencionadas. O eixo temático do livro, escolhido pela AMATRA12 ante a relevância e atualidade, foi o “Direito do Trabalho Efetivo”. Em tempos paradoxais, como o contemporâneo, em que se vislumbra, de um lado, uma sociedade de consumo embalada por redes sociais, e de outro pessoas famintas e sem acesso aos meios básicos de vida, realmente, não é tarefa fácil preconizar um Direito do Trabalho Efetivo. A “fluidez”, para usar uma expressão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, das relações sociais e econômicas contribui para a formatação de um Direito do Trabalho também fluido e flexível, incapaz de se manter estável e efetivo na proteção do trabalhador. Por outro lado, a fome e a pobreza que afetam parcela ainda expressiva da nossa população, sequer permitem o acesso da pessoa ao trabalho regulado, ainda que fluido e flexível. Mas a sociedade, ao contrário do que muitos pensam, não assiste a esse quadro impassível. De fato, ainda que não na velocidade desejável, a sociedade vem se movimentando para construir e para reivindicar um Direito do Trabalho Efetivo. 7 Os programas de transferência de renda e outras políticas públicas integradas, v. g., vêm contribuindo nos últimos anos para alargar o acesso das pessoas menos favorecidas aos Direitos Fundamentais Sociais, como a educação, a saúde e o trabalho. De outro canto, a sociedade civil e os cidadãos individualmente, usando das mesmas redes sociais de comunicação, vêm fiscalizando e criticando a atuação dos entes públicos e privados, agregando as pessoas em torno de um ideal de conduta, mais inclusiva e protetiva, nomeadamente no mundo do trabalho. São os paradoxos do nosso tempo, que o tornam único e singular, e que nos conclamam para a reflexão e para as ações práticas, voltadas para a edificação de um Direito do Trabalho Efetivo, capaz de assegurar condições dignas e dignidade ao trabalhador. Esse é o norte da obra que ora prefacio. O livro se estrutura, para fins didáticos, de forma segmentada. O primeiro bloco de artigos problematiza o Direito do Trabalho no mundo contemporâneo. Inaugura com o texto do Desembargador Federal do Trabalho José Ernesto Manzi, que aborda a cultura da inefetivação dos Direitos Sociais e seus perversos efeitos sobre a Economia. Na sequência, o texto do Juiz do Trabalho Narbal Antônio de Mendonça Fileti, que trata dos Direitos Fundamentais Sociais e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social. Em seguida, o texto dos Juízes do Trabalho Substitutos Rodrigo Goldschmidt e Oscar Krost, que reflete sobre o exercício da hermenêutica responsável, fulcrada na tutela da dignidade do trabalhador e das condições dignas de trabalho. Ainda, o texto do Juiz do Trabalho Substituto Daniel Lisboa, que discorre sobre a garantia contratual à incolumidade do empregado como contrapartida fordista na legislação brasileira a partir de uma análise histórica. Por fim, a pesquisa do Juiz do Trabalho Substituto Regis Trindade de Mello e do Aluno Luis Henrique Kohl Camargo, tratando do desenvolvimento autofágico do capitalismo como obstáculo à realização do Direito do Trabalho, em especial, o trabalho imaterial. O segundo bloco de artigos versa sobre o tema do meio ambiente do trabalho. Inicia com o escrito do Juiz do Trabalho Substituto Leonardo Rodrigues Itacaramby Bessa sobre o Direito Fundamental ao meio ambiente de trabalho equilibrado. Adiante, a aluna Neiva Marcelle Hiller escreve sobre a importância da educação ambiental no combate aos acidentes de trabalho. Na sequência, a aluna Fernanda D’Avila de Oliveira aborda os Princípios Ambientais e o meio ambiente do (tele)trabalho, apontando alternativas de proteção jurídica do teletrabalhador. Ainda, o Juiz do Trabalho Substituto Rodrigo Goldschmidt e a aluna Karine Gleice Cristova contribuem com o texto que aborda a temática das doenças ocupacionais no meio ambiente de trabalho dos frigoríficos e o descumprimento dos Direitos 8 Fundamentais Sociais. Por fim, a aluna Sibeli D’Agostini agrega com o texto que foca o meio ambiente do trabalho e a indenização devida pela síndrome do túnel do carpo. O terceiro bloco aborda a temática da duração do trabalho. Inicia com o texto do Juiz do Trabalho Aposentado Sebastião Tavares Pereira, que fala sobre a compensação de horários à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, abordando a regulação autônoma e heterônoma desse instituto e a eficácia do Direito do Trabalho nesse segmento. Em seguida, a aluna Maria Eliza Espíndola trata da temática do banco de horas e da flexibilização da jornada de trabalho. Ao final, a aluna Rhiane Zeferino Goulart escreve sobre a jornada de trabalho dos caminhoneiros, abordando os passos e descompassos da Lei n. 12.619/2012. O quarto bloco trata de aspectos diversos do Direito Individual do Trabalho. Estreia com o artigo do Juiz do Trabalho Substituto Luiz Fernando Silva de Carvalho, que versa sobre a proporcionalidade da revista moderada nas bolsas dos empregados. Após, vem o texto do aluno Cesar Roberto Vargas Pergher que apresenta uma análise crítica da terceirização. Na sequência, o texto da aluna Juliana Elise Doerlitz, que aborda aspectos polêmicos da terceirização. Ainda, o texto do Juiz do Trabalho Substituto Alessandro da Silva, sobre a responsabilidade do dono da obra nos casos de acidente de trabalho. Finalizando, o texto da aluna Vanessa Cunha da Silva Vieira, acerca do uso do contrato de estágio como meio de fraudar as leis trabalhistas. O quinto e último bloco versa sobre Direito Processual do Trabalho. Abre com o texto do Juiz do Trabalho Nelson Hamilton Leiria, que discorre sobre a pós-modernidade e a necessária redesignação do conceito de “acesso à justiça”. Após, com o escrito da Servidora Federal Cláudia Rodrigues Coutinho Cavalieri e da aluna Marianna Coutinho Cavalieri sobre a (in)aplicabilidade do art. 475-J do CPC no Processo Trabalhista Brasileiro. E, finalizando, o texto da aluna Caroline Machado, a respeito da penhora de salário no Processo do Trabalho. Diz a sabedoria popular que o mais feliz não é aquele que recebe, mas sim aquele que dá o presente. Nesse sentido é que a AMATRA12, no seu aniversário de 30 anos, quer presentear a Sociedade com essa obra, que reúne textos atuais, provocativos e bem fundamentados, elaborados na fé e no desejo lídimo de contribuir para a construção de um Direito do Trabalho Efetivo. Dr. Rodrigo Goldschmidt Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 12ª Região Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina 9 10 1. O DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO Da cultura crescente de inefetivação dos direitos sociais e seus nefastos efeitos sobre a própria economia José Ernesto Manzi Direitos fundamentais sociais e princípio da proibição de retrocesso social Narbal Antônio de Mendonça Fileti Dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa: por uma “hermenêutica responsável” em resgate da tutela das normas trabalhistas Rodrigo Goldschmidt; Oscar Krost A garantia contratual à incolumidade do empregado como contrapartida fordista na legislação brasileira: uma análise histórica Daniel Lisboa O desenvolvimento autofágico do capitalismo como obstáculo à realização do direito do trabalho: uma análise da exploração do trabalho imaterial Régis Trindade de Mello; Luís Henrique Kohl Camargo 11 12 DA CULTURA CRESCENTE DE INEFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E SEUS NEFASTOS EFEITOS SOBRE A PRÓPRIA ECONOMIA José Ernesto Manzi(*) RESUMO O artigo defende a tese de que o Direito do Trabalho vem sendo visto como o vilão das crises econômicas, quando, na verdade, ele é o grande protagonista. A economia não cresce em proporção inversa à redução dos direitos sociais, mas em proporção direta. Sustenta ainda que os grandes desconstrutores do Direito do Trabalho são os próprios operadores jurídicos trabalhistas, que encantados por uma visão cada vez mais econômica do Direito, caminham desfocados de sua condição de Direito Social por excelência, e mais, logram ser mais contratualistas e conservadores do que os próprios civilistas (a quem a tutela do hipossuficiente é, a cada dia, mais cara). Palavras-chave: Economia. Direito. Processo do Trabalho. CONSIDERAÇÕES INICIAIS As revoluções jurídicas seguem a reboque das revoluções industriais e tecnológicas, mas num passo muito menor. A realidade muda o Direito, embora sempre tenhamos a ilusão de que o Direito possa alterar a realidade (no Brasil, mais que alhures, os decretos determinam o banimento do analfabetismo, da discriminação, da pobreza, da doença e da incompetência). O que pretendo meditar nestas breves linhas, é acerca da desconstrução do Direito do Trabalho que não apenas caminha a passos largos, mas é colocada, surpreendentemente, como condição senão para a evolução econômica, comercial e industrial, como sacrifício a ser aceito para a manutenção mínima da estabilidade e que, não obstante o caráter falacioso desse argumento (de terrorismo), ele vem ganhando adeptos a passos largos. (*) Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza — Roma), Processos Constitucionais (UCLM — Toledo — España), Processo Civil (Unoesc — Chapecó — SC — Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI — Itajaí — SC — Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM — Ciudad Real — España). Bacharelando em Filosofia (UFSC — Florianópolis — SC — Brasil). 13 Se é verdade que o direito não pode ser insensível às transformações sociais, seu maior compromisso de sensibilidade é para com o próprio homem, que é a razão de sua existência e deveria ser, a razão primeira — senão única — do ordenar juridicamente. Como esse trabalho é fruto da observação no exercício da magistratura e não de pesquisa bibliográfica, eventuais citações estarão restritas às notas de rodapé, sendo a bibliografia, aposta ao final, a recomendada para o aprofundamento sobre o tema, ainda que possa, em algum momento, ter inspirado alguma das reflexões aqui postas. 1. DIREITO E TECNOLOGIA Vivemos em um mundo em transformação e as mudanças acabam também nos mudando, em algum grau, quer queiramos ou não, quer sejamos ávidos por novidades ou a elas avessos. A ciência e a tecnologia buscam substituir o esforço físico, aumentar o conforto, reduzir as distâncias, combater as doenças, aumentar os lucros (para alguns, pelo menos), daí por que nem sempre são acompanhadas de suficiente preocupação com as implicações sociais e humanas. No que busca aumentar o ter, em detrimento do ser, o prejuízo social é considerado mero efeito colateral, principalmente quando afeta os que têm pouca possibilidade de influir no “modus vivendi” e na economia, ainda que sejam os mais afetados nesses bens, pelas decisões alheias. A adição de novas tecnologias, a automação de determinadas tarefas, a criação de novas demandas e o desaparecimento de antigas necessidades sempre implicam em reengenharia, em reestruturação empresarial, para aumentar a eficiência, reduzindo a ociosidade dos seus quadros, seja pela readaptação, seja, simplesmente, pelo desligamento. Os jovens têm uma maior conectividade/interatividade com as novas tecnologias, que para eles é algo natural. Para seus pais, ou até para seus irmãos mais velhos (pela precocidade cibernética das crianças), os novos implementos tecnológicos são motivo de perplexidade, principalmente quanto à celeridade e à dimensão com que ocorre sua (re)criação, dando a impressão de que a evolução científica e tecnológica cresce geometricamente nas últimas décadas, enquanto cresceu apenas aritmeticamente em todos os outros milênios da história humana. Enquanto nos perdemos em tentar encontrar o índice dos manuais dos fabricantes dos aparelhos novos, recém-desembalados, nossos filhos já estão usando os novos aparatos, como antigos brinquedos, em todo o seu potencial. O homem é o princípio e o fim de toda ciência e de todo invento humano, mas nem toda tecnologia acresce bem-estar social ou serve para que o homem enxergue o seu semelhante como tal, ao invés de ensimesmar-se. A tecnologia, 14 hoje, em muitos casos, aproxima os distantes, mas afasta os que estão próximos, colocando-os no mesmo patamar. Quando perdemos a identidade com os demais sujeitos, perdemos também a sensibilidade para com suas angústias, como se fôssemos impermeáveis às suas causas. 2. DESUMANIZAÇÃO TECNOLÓGICA Isolamo-nos em nossos fones de ouvidos e perdemos, a cada dia, a capacidade de conversar, de olhar no olho, de tentar intuir as angústias dos que nos circundam e passamos a nos angustiar nós mesmos, porque os vazios não preenchidos tornamse depressão e angústia e a introspecção pode, em muitos casos, ser causa de questionamentos angustiantes. Jovens passam madrugadas conversando pelos teclados de seus computadores e “tablets”, mas, quando se encontram, se emudecem, como se suas almas dependessem de um circuito fechado para aflorar. Os dedos rápidos nos teclados tornam-se monossílabos e monocórdios, quando a distância dispensa a tecnologia. Não sabemos mais o nome dos nossos vizinhos; aliás, fazemos o máximo para que eles também nada saibam de nós. Olhamos para os monitores e não para as janelas, com um respeito quase sagrado e o tempo passou a correr tão rápido, que milésimos de segundo passaram a nos angustiar. O direito de estar só (intimidade), tornou-se quiçá um dos mais almejados, quiçá além mesmo do direito ao convívio humano. Muitas das novas tecnologias aumentaram os abismos entre os patamares sociais, principalmente porque concedem aos que as acessam a primazia da informação, a permitir que se adiantem, senão em prejuízo dos demais, pelas vantagens que concedem(1). A competitividade e a necessidade de respostas rápidas, bem como o crescente descompromisso com as relações humanas, levam muitos empresários a preferir dispensar os antigos colaboradores e substituí-los por novos, como se estivessem comprando novas tecnologias, ou melhor, os braços e mentes que as operarão, ainda que as substituições futuras sejam completas (máquinas e operadores, ao mesmo tempo). Nossos avós faziam a barba com a mesma navalha por 50 anos e tinham amizades com a mesma duração. Nossas amizades são tão descartáveis quanto nossos aparelhos de barbear. (1) E isso vai da educação à informação econômica que permite uma compra vantajosa de ações, passando pelo próprio exercício da cidadania (poucos exercem o direito de petição, nem tanto por conta do acesso, cada vez maior, mas por não saberem ser titulares de determinados direitos). 15 Já são muito poucos os que ingressam e saem do mercado de trabalho com um único emprego, após várias décadas, como são poucos ainda os que mantêm relacionamentos afetivos perenes. Até a religião, o caráter e a moral são postos como relativos, e mais, em muitos casos, incompatíveis com a necessidade de adaptação a um meio em transformação(2). Toda essa competitividade acompanhada de ausência de vínculos duradouros, conduz ao fato de que, cada vez mais, se quer produzir mais, com cada vez menos recursos, sejam eles humanos, sejam eles materiais, num desafio invencível, sucessivo e infindável, no qual a satisfação é momentânea e seguida, sempre, imediatamente, de novos almejares. Tudo isso influenciou o Direito do Trabalho, taxado não apenas de retrógrado, mas como impeditivo do próprio progresso, quiçá porque é ele que ainda resiste contra a relativização da dignidade do homem, enquanto travestido de trabalhador. Curiosamente, as grandes corporações vêm apregoando o contrário, qual seja, que quanto menos protetivo for o Direito do Trabalho, mais desenvolvido será um país, e citam estatísticas de países desenvolvidos onde há menos direitos trabalhistas, olvidando-se tanto que os salários nesses lugares são muito maiores e o custo de vida menor (basta ir a um supermercado na Europa para descobrir que nossos preços são estratosféricos e nossos salários ridículos(3)). 3. INTENSIDADE E TEMPO O tempo passa a ser medido a conta-gotas quando se trata de exigir dedicação, mas, quando o direito afirma que os lapsos temporais não podem ser desconsiderados, para a apuração da remuneração, fora dos limites legais, afirma-se que o direito não deve se importar com ninharias. Olvida-se que é no desprezo de lapsos que se inicia a supressão de postos de trabalho (uma fábrica com 350 pessoas, que consiga o desprezo de 10 minutos diários, que é o limite legal, obtém, apenas com isso, o trabalho mensal gratuito de 15,9 trabalhadores, ou seja, a capacidade de empregar de várias microempresas). Dá-se a impressão, assim, que o desprezo de lapsos trabalhados é uma questão menor que afeta minimamente um trabalhador, quando, na realidade, afeta direitos difusos (de todos os potenciais trabalhadores), além de causar enriquecimento ilícito de empregadores(4), principalmente na atividade industrial. (2) Uma moral maleável às necessidades e aos avanços, restrita a alguns pontos mais ordinários (não matar e não roubar), uma religião substituída por uma religiosidade não comprometida, não apologética, para não ser chata e, preferivelmente, oculta como um elemento da intimidade. (3) Tive a impressão, confirmada pelos meses em que vivi na Espanha, que, se é verdade que lá comer fora pode ser mais caro (no mesmo nível não é), a verdade é que comprar víveres para cozinhar em casa, de muito melhor qualidade, fica uns 30% mais barato. (4) Nos frigoríficos, por exemplo, onde os trabalhadores executam de 80 a 120 movimentos por minuto, no corte de carnes, dá para imaginar a quantidade de trabalho obtido gratuitamente no 16