DE 23 Outubro a 15 de Novembro
Transcrição
DE 23 Outubro a 15 de Novembro
DE 23 Outubro a 15 de Novembro GaleriaMunicipalArturBual 2 VASCO GRANJA Zooing! ! ! ! k m u a o ! l k h B c c i a i t cli Hu Kc la n g ppff f ! Na edição em que se comemoram os 20 anos do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, é com indisfarçável orgulho que recebemos na recém-renovada Galeria Municipal Artur Bual uma exposição de homenagem a Vasco Granja. Este amigo da Amadora e do FIBDA deixou-nos um importante e inestimável legado ao nível da divulgação da Nona Arte e do cinema de animação em Portugal. Mais. Apresentou-nos a pluralidade desta Arte e defendeu o estatuto próprio da animação e da sua linguagem autónoma. Foi com ele que todo um país acompanhou os mais de mil programas de “Cinema de Animação” e conheceu Bugs Bunny, a Pantera Cor-de-Rosa, sem esquecer as histórias dos bonecos de plasticina, as sombras chinesas ou ainda os ursos de peluche animados. Um visionário com uma história de vida riquíssima, que temos agora o prazer de revisitar. Aqui, na Amadora, a Cidade que vive o “mundo dos quadradinhos”. O Vereador da Cultura António Moreira 3 VASCO GRANJA Zooing! ! ! ! k m u a o ! l k h B c liiic Kcala c n Hup pfff g Olá Amigos! ! É uma tarefa um pouco ingrata escrever um breve texto acerca de um homem com a estatura de Vasco Granja. Não só por tudo aquilo que já se disse e escreveu mas, sobretudo, pelo muito que ainda ficou por conhecer acerca de alguém que fez da cultura e do saber uma filosofia de vida. Vasco Granja nasceu em Lisboa, no bairro de Campo de Ourique, em 10 de Julho de 1925, mas foi na Amadora que viveu a maior parte da sua vida. Nesta cidade habitualmente designada, como a capital da BD em Portugal, e onde Vasco Granja participou também na criação do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, iniciativa que cumpre agora a sua vigésima edição Grande animador e divulgador da BD e do Cinema de animação em Portugal, Vasco Granja fez de tudo um pouco. Em Novembro de 2002, Ana Vitória do Jornal de Notícias, perguntou-lhe se ele tinha sido um homem dos 7 ofícios. “Pois fui”, respondeu. Ajudou o pai alfaiate. Nos Armazéns do Chiado, desde os 18 anos, dava amostras de seda aos clientes. Passou depois para a secção de “Publicidade”, onde compôs cartazes. Seguiu-se a Foto Áurea, na Rua do Ouro, em Lisboa e, mais tarde, foi 2.º assistente de imagem de “A Noiva do Brasil”. Filme cuja única cópia acabou por desaparecer num incêndio. Dezasseis anos na Casa Travassos, no Rossio, sem ter vendido a sorte grande. Secretário de Fernando Namora, na Arcádia Editora. E, por fim a Bertrand. Onde trabalhou 29 anos e onde, como refere, “Comecei por fazer propaganda, e depois, tive a responsabilidade do sector de banda desenhada. Na última fase, cheguei mesmo a dirigir a revista Tintin. A Bertrand foi um dos melhores períodos da minha vida”. Foi precisamente na Bertrand da Venda Nova que conheci Vasco Granja. Não de imediato porque ele estava em prisão política. Lembro-me que se falava muito dele, a solidariedade dos colegas de trabalho era enorme e a administração, dizia-se, nunca faltou com o pagamento do ordenado mensal. Mas, se a memória não me falha, foi em 1973 que comecei a frequentar a redacção do Tintin, no 1.º andar das instalações principais da editora. Era um fartote de boa disposição e de aprendizagem. Ouvir Vasco Granja, António Ramos e Dinis Machado falar, ver José Ruy e Mário Correia desenhar, é uma memória a não perder. Mas, a minha melhor recordação de Vasco Granja foi exactamente no dia 25 de Abril de 1974, quando os responsáveis pela editora decidiram dispensar os funcionários, em virtude do que se estava a passar. Eu e o Ivo Almeida, aproveitámos a sua boleia e, fomos ver Abril. Para o Largo do Carmo. Inevitavelmente, só nos voltamos a ver dias depois Em 84 anos de vida, Vasco Granja dividiu-se entre a dedicação ao cinema de animação, a paixão pela banda desenhada, e a divulgação da literatura e da poesia. 4 VASCO GRANJA A sua disponibilidade, sobretudo para com os mais novos, traduzida nas conversas nas escolas, e ao longo dos dezasseis anos, em que produziu mil e quarenta programas para a RTP, marcaram várias gerações de portugueses e permitiram conhecer o que de melhor se fazia em cinema de animação em países tão distintos como o Canadá, os Estados Unidos da América e a então União Soviética e ainda a Checoslováquia. De recordar também as suas causas politicas enquanto militante do PCP e preso político, o seu empenho em questões ambientais, ainda hoje de grande pertinência, da sua intervenção cívica e produção escrita para jornais nacionais (República, o Diário Popular, o Diário de Lisboa, o Diário) e estrangeiros de referência, a colaboração com a revista Phénix e, evidentemente, a revista Tintin e Spirou. A sua vasta produção escrita em jornais e revistas é-nos descrita assim em entrevista concedida a Ilda de Castro em Animação Portuguesa: conversas com..., editado pela Câmara Municipal de Lisboa, “Escrevi muito, mas só artigos, em coisas de fundo só escrevi um livrinho. Fui sempre dado a todo o tipo de leituras, fui amigo de muitos poetas. E era pago para fazer esse trabalho? Não, fazia isso porque andava muito metido nos cineclubes” Este parágrafo, para lá da referência aos seus artigos, aborda ainda outros dois momentos fundamentais da sua vida. A publicação pela Livros Horizonte do livro Dziga Vertov, e a questão do cineclubismo, actividade a que dedicou muitos anos da sua vida e que o levou a fundar o Cineclube Imagem, associação de carácter cultural. A partir de 1960, começa a frequentar os mais importantes festivais Annecy, Lucca, Angoulême, Gijón. Representante de Portugal para as áreas da BD e da animação desempenhava diversos papéis: conferencista, animador e impulsionador da presença de muitas personalidades nacionais: José Garcês, José Ruy, Geraldes Lino. Foi amigo pessoal dos mais destacados dirigentes dessas iniciativas, Rinaldo Traini, Luigi Volpicelli, Claude Moliterni, Giovanni Martinelli, Ernesto Laura. Dos artistas é conhecida a sua amizade com Hugo Pratt, Edgar Pierre Jacobs, Hergé, Muñoz, Breccia, Jesus Blasco, entre outros. Vasco Granja faleceu no dia 4 de Maio deste ano. Mas o seu legado é inestimável para a compreensão da história da banda desenhada e do cinema de animação do século XX. A totalidade do seu trabalho, reunido pela família e que conta com um conjunto impressionante de centenas de documentos - entre filmes, vídeos, fotografias, livros, e diários onde anotava as suas reflexões e os seus escritos - aguarda por inventário e tratamento adequado capaz de revelar, em toda a dimensão, a vida e a obra de Vasco Granja Esta homenagem foi concebida e realizada a partir de uma pequeníssima parte do valioso legado de Vasco Granja, pertença da sua família a quem, desde já, agradecemos o acolhimento e a disponibilidade. E se a vida de Vasco Granja se assemelhou a uma enciclopédia, na medida em que foi feita de um acumular de interesses e de entradas, este foi o modelo que aqui adoptamos para apresentar, ainda que de forma sucinta, o seu valioso legado. Miguel Ferreira 5 VASCO GRANJA desenho original de eugénio silva. 1979 6 VASCO GRANJA Zooing! ! ! k m u a o ! l k h B c tccliiiHu Kcala n g ppff f Banda Desenhada ! É determinante o papel desempenhado Vasco Granja por na divulgação da BD em Portugal. Esta entrada é assinada pelos amigos de sempre José Garcês e José Ruy, autores e criadores de reconhecido mérito nacional e internacional, duas personalidades que com ele privaram muito de perto e que nos deixam o seu testemunho para a posteridade. 7 VASCO GRANJA Vasco Granja, um Amigo Inesquecível Conheci pessoalmente o Vasco Granja no início dos anos 70 do séc.XX, quando ele me fez uma entrevista para o jornal “República” onde ele era então, com assiduidade, um importante colaborador. Foi o princípio de uma longa e fraternal amizade que só terminou com o seu desaparecimento terreno. Passei então a visitar o Vasco com regularidade, ou com longa conversas telefónicas, onde se Com José Garcês e Ricardo Neto falava de BD e de muitos outros assuntos de interesse comum, porque o Vasco era um homem inteligente, senhor de uma vasta cultura, adquirida ao longo de uma vida de estudo e de convívio com grandes nomes da literatura portuguesa. Um dia fui surpreendido com um convite do Vasco Granja para participar no programa de cinema de animação que ele mantinha na RTP. Propunha-me para eu apresentar um pequeno curso de iniciação à banda desenhada, experiência que eu já ensaiara em textos publicados, e em pequenas intervenções escolares. O resultado foi positivo, e a partir desse momento comecei a acompanhar o Vasco em diversas acções culturais em convites que lhe eram dirigidos por escolas e entidades por todo o país. Lembro-me de ir com ele a Ovar e Aveiro em 1977, onde fizemos a nossa primeira acção em conjunto. Ele falava do cinema de animação e BD, e eu demonstrava com desenhos como se trabalhava em banda desenhada. Dos locais mais importantes em que estivemos em actividade, talvez os de maior relevo tenham sido: a Gulbenkian, numa acção para professores, a Escola Superior de Belas Artes do Porto, iniciativa destinada a professores alunos, o 1 Festival de Banda Desenhada, que teve lugar na Feira Indústrias de Lisboa, em 1978 e na Câmara Municipal da Amadora, no âmbito do 1 Salão de BD. Nessa época realizava-se em Lucca, Itália, o mais importante festival de BD e cinema de animação da Europa, onde o Vasco era convidado a participar como representante de Portugal. Em 1978, no 13 Festival de Lucca, o Vasco Granja resolveu incluir-me na representação portuguesa de banda desenhada que iria a esse evento. Foi ele que, conhecedor do meu trabalho, promoveu a minha primeira viagem a Itália, onde me foi possível admirar todo o esplendor de Veneza, Florença, Piza e a inesquecível cidade de Lucca com a sua muralha medieval. De visita a Florença, avistei-me com o meu colega e amigo Eduardo Teixeira Coelho que não 8 VASCO GRANJA via desde os tempos de O Mosquito e que teve a amabilidade de me receber em sua casa. Foi com o Vasco que conheci os maiores nomes da BD mundial. Nunca esquecerei o meu encontro com o grande Burne Hogarth, aquele que tinha sido a minha primeira influência no mundo dos comics americanos, ao desenhar o Tarzan. Depois conheci autores de todos os países da Europa e das Américas, com destaque para o Brasil e Argentina. Foi com o Vasco Granja que convivi com esse grande mestre da BD, Hugo Pratt, com Möebius, Vítor La Fuente, Alberto Breccia, Buzzeli, Palácios, Jesus Blasco e tantos outros. Seria ainda com o Vasco Granja que acompanharia anos mais tarde Hugo Pratt, numa visita a Lisboa, onde almoçamos os três e visitamos vários locais da cidade histórica. O programa que mantinha na RTP, colocava o Vasco Granja na posição da pessoa a quem se dirigiam para informações sobre a banda desenhada portuguesa e o cinema de animação. Assim, quando nos anos oitenta o conservador do Mosteiro da Batalha, Dr. Sérgio Guimarães de Andrade, iniciou a recuperação dos espaços que estavam devolutos, e conseguiu transformar esses locais em áreas visitáveis do museu, entendeu que a melhor forma de abrir a galeria dos frades ao imenso público seria com o apoio de uma exposição de banda desenhada. Para tal contactou o Vasco Granja que indicou o meu nome para esse trabalho que apresentou, com um enorme êxito, uma mostra de peças de alabastros ingleses sobre o tema da Paixão de Cristo. Como é do conhecimento geral, a minha colaboração com o Mosteiro da Batalha continuou nos anos seguintes sendo de destacar “A Música no Século XV”, que levei ao Festival de Lucca pouco depois. A minha participação com o Vasco neste festival durou até 1990, ano em que fui convidado de honra ao evento. Graças à grande amizade que me ligava ao Vasco Granja fui o único autor que o acompanhou sempre em todas as representações de Portugal em Lucca, desde 1978 até aquela data. Recordo aqui o ano de encontro com o colega Jayme Cortez, ao fim de vinte anos da sua saída para o Brasil, e que vinha na representação brasileira a Itália. Marcante o almoço onde eu e o Vasco estivemos com o Cortez, o ET Coelho e o incontornável Geraldes Lino. Com o passar dos anos fomos reduzindo as actividades culturais, mas não a nossa amizade e convívio. Mantive assim um pleno contacto com a família Granja (a esposa D. Inácia e a filha D. Cecilia, seu marido e filhas), em casa do Vasco onde fui sempre recebido como da família. O acaso de morarmos ambos na Damaia facilitava as minhas visitas a saber da sua saúde e acompanhar em amena conversa o amigo de tantos anos. A doença implacável que o atacou não destruiu o nome grande que conquistara nas várias aéreas da cultura. Por o ter conhecido, por ter trabalhado com ele, por ter a sua companhia em inúmeras viagens em Portugal e Itália, deixo aqui o meu agradecimento público a esse grande homem que tive o privilégio de ter como amigo e companheiro, o nosso inesquecível Vasco Granja. José Garcês. 9 VASCO GRANJA O Vasco Granja O Vasco Granja surgiu na minha vida profissional e nas minhas relações de amizade, quando entrei nos quadros da Bertrand para trabalhar na revista “TinTin”. Não foi por acaso, que na construção das imagens que criei no suplemento da revista, coloquei sempre o Vasco Granja no centro da composição, sobraçando pastas com revistas de BD franco belgas exclamando a sua frase habitual: Ora vivam! Era assim que fazia a sua aparição na sala da redacção, transmitindo o seu entusiasmo pelo trabalho que fazíamos. Ele trabalhava na secção de promoção e publicidade da empresa, mas a sua realização fazia-se na Banda “Desenhada”, como ele gostava de chamar às “Histórias Ilustradas”, e transformava-se no centro das atenções. Cheguei a colaborar em algumas das suas apresentações de BD em escolas e colectividades, mas o meu tempo foi sempre muito preenchido e não me permitia uma maior intervenção. Devido ao programa que manteve durante muitos anos na Rádio Televisão sobre Cinema de Animação, onde depois incluiu Banda Desenhada portuguesa, tornou-se o elo de ligação entre editores e organizações de festivais internacionais e os autores portugueses da especialidade. Por isso a sua aparição nas páginas do “TinTin” foi rapidamente reconhecida pelo público leitor. Há um caso curioso que demonstra Com José Ruy isso. Na Segunda-Feira de um dia de verão, o nosso Vasco Granja entrou eufórico na Redacção para contar uma novidade: Naquele fim-de-semana tinha ido à praia e perto encontrava-se uma criança que disse para a mãe: - Aquele é o Senhor do Tin Tin!Reconhecera-o pelos bonecos do suplemento. Naturalmente que essa associação, teria sido devido ao facto do Vasco Granja levar debaixo do braço um exemplar da revista. Mas isto mostra bem a sua popularidade. Os seus almoços eram extremamente frugais, compostos de frutos secos, mastigados uma centena de vezes à boa maneira macrobiótica; e eram ingeridos dando várias voltas ao quarteirão das instalações da Bertrand, na Venda Nova. Quando eu regressava do meu almoço, encontrava-o por vezes ainda nessa caminhada e aproveitava para conversar com ele algum assunto pendente, acompanhando-o na sua passada larga. Quando na Amadora se começou a pensar num salão de Banda Desenhada, homenageando António Cardoso Lopes, o “Tiotónio”, uma ideia de Eduardo Nascimento, este, acompanhado da Dra. Gabriela Xavier, responsável pelo Arquivo Histórico da Autarquia, procuraram-me para entrarem no “mundo da BD”. Essa pequena semente germinou e um ano mais tarde, em 1990, estava de pé o Salão de Banda Desenhada da Amadora. 10 VASCO GRANJA O testemunho foi entretanto passado ao Dr. Luís Vargas e ao jovem Nelson Dona que acabariam por realizar o evento. Contactaram o Vasco Granja para lhes fornecer contactos de gente da B. D., mas talvez por alguma má experiência tida anteriormente com autores, ele mantinha-se céptico em fornecer esses dados, não querendo ficar depois responsável por uma possível atitude menos correcta. Recorreram entretanto a mim, que não sabendo desse pormenor e com o meu espírito de que só arriscando podemos chegar ao fim do que iniciamos, forneci todos os contactos necessários dos meus colegas e amigos, bem como de divulgadores como o Geraldes Lino, o Jorge Magalhães e o Dr. José de Matos- Cruz; o Leonardo De Sá encontrava-se ainda em França nessa altura. A partir daí o Salão de homenagem ao Tiotónio começou a tomar forma e por coincidência o belga Morris, autor do Luky Luk encontrava-se em Portugal a lançar mais um seu livro, editado pela Meribérica, o que veio acrescentar uma maior importância ao evento. Ele foi verdadeiramente um padrinho valioso. Aconteceu então um caso incongruente. Na tarde do dia da inauguração do Salão, o Vasco Granja passou pela sala de exposições e encontrou quase todas as molduras onde se encontravam os originais e reproduções de B. D. alinhados ainda no chão, encostados às paredes. O Vasco entrou em pânico e declarou ao Presidente que se demarcava totalmente de qualquer responsabilidade no Salão, pois no estado em que os trabalhos se encontravam este não estaria pronto na hora da inauguração e seria um fiasco. Foi a primeira e única vez que vi o Vasco Granja tão fora de si, ele aparentemente sempre tão calmo e sereno. Claro que era também a primeira vez que ele observava um salão ou festival nos seus bastidores, porque depois das inaugurações nunca ninguém se apercebe da azáfama dos últimos momentos. Naturalmente que tudo correu bem, os quadros ficaram todos dependurados nos respectivos lugares a tempo e horas e o Salão da Amadora foi um verdadeiro êxito; tanto, que se transformou, logo a partir do ano seguinte, no Grande Festival que agora comemora a vigésima edição. No final, o Vasco Granja acabou por se orgulhar do evento, e logo a seguir quando se deslocou ao Festival de Lucca, em Itália, para onde foi sempre convidado, fez questão de afirmar ter participado num festival, em Portugal, montado apenas numa semana. Nessa altura, nem ele nem ninguém fazia ideia da dimensão que este evento viria a atingir. É hoje, não apenas um digno e brilhante acontecimento no mundo da B. D., mas essencialmente um ex-líbris da Amadora. Nestes festivais recordam-se os que se bateram por esta arte, que lutaram pela sua dignidade nem sempre reconhecida, e que lhe dedicaram o melhor da sua vida, como o Vasco Granja. Enquanto assim for, todos os que já partiram continuarão a viver entre nós. Para sempre. José Ruy 11 VASCO GRANJA Zooing! ! ! ! k m u o ick! aBla c la n g lii Hu K ppff f ! Com Morris no I salão de banda desenhada da amadora, na Galeria municipal artur bual 1990 12 VASCO GRANJA Desenho original de Victor Péon Com Maurício de Sousa Com Jesus Blasco 13 VASCO GRANJA Bertrand Foi sem quaisquer reticências a editora portuguesa que, nos anos setenta, mais contribuiu para o conhecimento e divulgação da banda desenhada em Portugal. Portuguesa e estrangeira. Com um catálogo de elevada qualidade, em diversos domínios das letras e das artes, na área da 9.º arte viu ser-lhe acrescentada a edição da Nos anos 60, com a equipa da secção editorial da Livraria Bertrand, na Amadora revista Tintin. Revista impressa numa esplendorosa (e bela) rotativa de oito cores, que em salão próprio das oficinas gráficas da editora se tornava um regalo para a vista quando laborava. A Bertrand, sempre ele o confirmou, foi o emprego da vida de Vasco Granja. Zo ! ! k u o ! k h c K c tccliiiH u Vasco Granja, António Ramos, Baptista-Bastos e Fernanda Laye, à porta da Bertrand do Chiado, em 1963. Desenho original de José Ruy, publicado na revista Tintin n. 13, p.3, 21.08.1971 14 VASCO GRANJA pp cineclubes / cineclubistas Vasco Granja diz a Ilda Castro, (v. Animação Portuguesa: conversas com...), que: “Fez parte do Cineclube Imagem nos anos 50? Esse foi o meu cineclube! Foi o cineclube português que proporcionou mais prisioneiros políticos. Era o cineclube de f maior o c Cartão do Cineclube Imagem o revolucionário. Éramos um número considerável e o cineclubismo foi uma coisa que teve uma enorme implantação política no país, muito embora uns núcleos fossem mais aguerridos do que outros, porque o fascismo era terrível.” Programa do Cineclube Imagem O cineclubismo foi uma das suas principais actividades culturais, cujo ponto mais elevado será a criação do Cineclube movimento que Imagem. proliferou Este nas décadas de 1960 e 1970, contribuiu para formar mentalidades e homens e mulheres mais cultos. ooing! ! m a l B Kcala n g pf Carta do Cineclube Imagem a solicitar autorização para a exibição de filmes. A Comissão de Censura riscou a vermelho, cinco dos seis filmes que não puderam ser apresentados. 15 VASCO GRANJA cinema Vasco Granja é uma figura incontornável da cinematografia em Portugal. Com ele foi possível vermos a diversidade e a pluralidade do que de melhor se produzia no Canadá, nos Estados Unidos da América, e na então União Soviética e Checoslováquia. Colocou no mesmo paralelo realidades tão diferentes nos meridianos. Pode por isso afirmar-se que antes da democracia, democratizou o cinema no nosso país. E como isso foi importante e fundamental. A homenagem nesta entrada é de José Matos-Cruz, uma referência no estudo da história do cinema em Portugal. Vasco Granja entre as Imagens Em termos gerais, Vasco Granja teve uma fundamental, intervenção nas páginas das revistas ou no pequeno ecrã, para a divulgação e conhecimento, quer da Banda Desenhada quer do Cinema de Animação, para várias gerações de jovens, potenciando Cartaz do filme A Noiva do Brasil o culto com as perspectivas critica, didáctica e cultural. Desde logo, desvendou que, para além de um produto de consumo ou de entretenimento, existe um fenómeno com expressão artística e criativa. O Vasco revelou e testemunhou os autores, definiu as escolas e as narrativas, sublinhou as técnicas e a estética, historiou os movimentos e as linguagens universais. 16 VASCO GRANJA Tudo isso foi logrado sem preconceitos nem chatezas com um inimitável estilo lúdico e dinâmico. (...) A ausência de preconceitos académicos, ou de uma ostensiva erudição por parte de Vasco Granja, deriva, porventura, da sua própria aprendizagem livre, de acordo com os estímulos pessoais de apreço e uma ânsia de conhecimento, aspectos que se enquadrariam privilegiadamente através da formação cineclubista. O anseio de saber e o estímulo de contactos que desde cedo foi estabelecendo, a nível internacional, marcaram o itinerário, tal como estabeleceram uma carreira que o Vasco foi trilhando, em contacto com os maiores vultos promotores das artes sétima (no elã da animação) e nona (sobre a Figuração Narrativa). (...) Sobre o Vasco Granja, temos a sensação de que tudo é para continuar, por gosto e por gozo. A par com uma interminável herança civilizacional que nos advém de Toda a Memória do Mundo, como sem preconceitos anotou Alain Resnais. O resto é a fraterna solidariedade, que se renova num imenso abraço. José de Matos-Cruz excerto de texto de josé matos-cruz realizado para livro de homenagem a Vasco Granja, uma Vida Mil Imagens, coordenado por Jorge Magalhães e Maria José Pereira e editado pela Asa em 2003. t Z ! ! k k c u i i o i K l h c H c u Equipa do filme A Noiva do Brasil e Vasco Granja, 2.º Assistente de Imagem 17 VASCO GRANJA p cinema de Animação “ Quais eram as suas séries preferidas? Muitas. Gostava bastante dos soviéticos, levei muita bordoada por mostrar filmes soviéticos, mas eu compensava, mostrava um filme inglês ou americano e depois mostrava um filme soviético” É decisivo o papel cultural e a influência de Vasco Granja em diferentes gerações. Era muito confrontado com o seu gosto pelo cinema de animação vindo do leste da Europa. Gostava particularmente do cinema que se fazia, sobretudo na URSS e na Checoslováquia, mas apresentava também o que vinha de Inglaterra e dos Estados Unidos da América para que os espectadores tivessem oportunidade de ver o contraditório. E, também, por opções ideológicas, que nunca escondeu. foi pela sua mão que ficámos a conhecer melhor, entre muitos outros nomes, as obras de Alexandre Alexeieff, Jiri Traka, John Halas, Karel Zeman, e Tex Avery, entre tantos outros. A palavra desenhada a Artur Correia, que tão bem soube quem foi Vasco Granja. Zooing! ! ! ! k m u o ick! aBla c ii H K l upp a n g fff ! 18 VASCO GRANJA Prancha de artur correia realizada para livro de homenagem a Vasco Granja, uma Vida Mil Imagens, coordenado por Jorge Magalhães e Maria José Pereira e editado pela Asa em 2003. 19 VASCO GRANJA Festivais A primeira saída de Vasco Granja ao estrangeiro foi em 1960, exactamente para participar no primeiro festival internacional de cinema de animação de Annecy, tornando-se a partir daí um espectador assíduo e, fundamentalmente, atento. É o princípio de uma vida intensa de participações em certames nacionais de que são exemplo o Cinanima, em Espinho ou o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora - e internacionais onde se podem destacar Annecy (França), Lucca (Itália), Angoulême (França), Gijón (Espanha), entre outros. O trabalho que desenvolveu, a intervenção pública, e os júris de integrou, valeram-lhe diversas homenagens e distinções. Vasco Granja privou com nomes fundamentais e determinantes para a historiografia da banda desenhada e do cinema de embaixador animação. cultural Verdadeiro ainda hoje é recordada a sua capacidade de fazer amigos e a excelente e valiosa carteira de contactos. O testemunho de Geraldes Lino, seu amigo de sempre, é esclarecedor. Zooing! ! k!!! m a l k B c K a c la n g H Capa do Catálogo da primeira exposição de BD realizada no Museu do Louvre em 1967, Paris 20 VASCO GRANJA k u o ! k h B c c i a i t cli Hu Kc la ppff Vasco Granja e a sua bipolaridade cultural: Banda Desenhada e Cinema de Animação Tanto quanto sei, o interesse de Vasco Granja pela banda desenhada começou a tornar-se visível no decurso da década de 1960, devido a artigos que escrevia no jornal República. E tornar-se-ia notória também no numeroso meio dos apreciadores das histórias aos quadradinhos expressão pela populares qual então eram narrativas desenhadas designadas aquelas , pelo facto de ter começado a editar um fanzine, o Quadrinhos, cujo número zero tinha data de Abril de 1972, ano I do fanzinato português, iniciado meses antes, em Janeiro, pelo Argon, por alunos do Liceu Gil Vicente. Não foi muito longa a vida do seu fanzine, duraria apenas até ao número oito, publicado em Novembro de 1974. Mas seria suficiente para colocar Cartaz do Festival de Zagreb, 1978 o faneditor no restrito grupo de activistas que se atrevia a defender, publicamente, com alguns artigos seus e muitos outros traduzidos, a Figuração Narrativa que em Abril de 1967 tinha tido direito a exposição no Musée des Arts Décoratifs/Palais du Louvre , para ela reivindicando alguns intelectuais franceses a classificação de Neuvième Art, com base nas suas específicas características de forma de expressão verbo-icónica. Talvez sentindo a conotação algo infantilizada da expressão portuguesa tradicional, Granja preferia usar o vocábulo “quadrinhos”, como se depreende pelo título do seu fanzine, e até constava ter sido ele a aportuguesar a expressão francesa bande dessinée, algo forçadamente, para banda desenhada. Conheci pessoalmente Vasco Granja graças ao Clube Português de Banda Desenhada, que fora fundado em Junho de 1976, e de que eu me tornara sócio-fundador. Vários membros da direcção do CPBD tinham o hábito de ir a casa dele, na Damaia (nascera em Lisboa, mas era lá que residia desde 1967), para comprarem revistas e álbuns estrangeiros. Isto porque ele foi, provavelmente, o 21 VASCO GRANJA Desenho original de Jacobs primeiro importador de BD em Portugal, e até chegou a abrir, em 1978, a livraria “O Mundo da Banda Desenhada” em Lisboa, nas escadinhas do Duque, outra inovação sua. Evidentemente que comecei a acompanhar os que já o conheciam, nas idas à Damaia, aos sábados, após a reunião do clube, a adquirir o material estrangeiro, revistas e álbuns, que lhe encomendávamos, ou que ele importava por sua iniciativa, o que permitiu criar-se entre nós um bom nível de convivialidade, com Dona Maria Inácia, sua esposa, a oferecer-me, não raro, bolinhos e chá. Vasco Granja era já funcionário da Livraria Bertrand, grande editora de BD na época, e colaborava com textos dispersos e rubricas fixas (como exemplo, o correio dos leitores, que se intitulava “Tu escreves: tintin responde“) na edição portuguesa da revista Desenho original de Morris Tintin, de que chegaria a ser director. Esses dois factos conjugados justificariam a sua participação como representante de Portugal, no pioneiro evento bedéfilo Salone Internazionale dei Comics, del Cinema Com Eduardo Teixeira Coelho d’Animazione e dell’Illustrazione, que se realizava na histórica cidade italiana de Lucca. A partir de 1978, e ao longo de um meia dúzia de anos, tive o privilégio de participar, conjuntamente com várias personalidades ligadas à Banda Desenhada (José Garcês, Zé Paulo, Carlos Barradas, António Sena, António Alfaiate, Carlos Gonçalves, José Sobral, Eduardo Nobre) e ao Cartoon (neste caso o conceituado Sam), nas suas idas à importante mostra bedística em Itália. Por vezes andávamos, e até, esporadicamente, almoçávamos juntos, o que me Com Morris proporcionava conhecer pessoalmente autores famosos - Hugo Pratt, Moebius, Alberto Breccia, Burne Hogarth, entre outros - e ao mesmo tempo aperceber-me que tratavam Vasco Granja com amizade e consideração evidentes, tal como, anos depois, em situações semelhantes, voltaria a acontecer em França, no evento similar de Angoulême, criado à imagem do de Lucca. 22 VASCO GRANJA c K ala c tccliiiH ng u ppff f! Era compreensível essa atitude demonstrada para com ele: a sua permanente boa Lucca, 1974. Com Hugo Pratt, disposição e fácil comunicabilidade, a posição Rinaldo Traini, Max Garnier e o presidente da Câmara de Lucca privilegiada que tinha como funcionário de uma grande Desenho original de Fred editora de banda desenhada, e a implícita situação de representante da BD portuguesa que anualmente divulgava com apresentações públicas através de diapositivos, as suas credenciais abrangiam ainda a actividade bem conhecida que desempenhava na t e l e v i s ã o p o r t u g u e s a , e n q u a n t o apresentador de filmes de desenhos a n i m a d o s , maioritariamente de países do Leste, mas também de origem Com Hergé em Lucca, 1972 americana e canadiana. Com Jacques Martin em Angoulême, 1990 Esta bipolaridade cultural constitui algo de invulgar entre nós até hoje, e garante a Vasco Granja um lugar ímpar como simultâneo divulgador de banda desenhada e cinema de animação em Portugal. Geraldes Lino Com Eduard Nazarov (cineasta soviético) em entrevista para o programa Animação, da RTP, Cinanima, 1984 Entrevista René Laloux para a RTP, Anos 70 23 VASCO GRANJA Homenagens Por um currículo de qualidade entusiasmo e dedicação, Vasco Granja foi alvo de inúmeras homenagens, que têm a necessária componente tridimensional nesta exposição. Iniciam-se na década de 70, e continuam a título póstumo. Constituem exemplo disso mesmo as últimas que tiveram lugar em 2009, ano do seu desaparecimento. Em Maio, foi distinguido com o Prémio Pró-Autor, da Sociedade Portuguesa de Autores, em Julho a Cinemateca Portuguesa- Museu do Cinema, organizou um ciclo de cinema de animação In Memorian Vasco Granja, e em Setembro, foi a vez da Festa do Avante recordar a sua obra com a apresentação da Homenagem a Vasco Granja- animação infantil. História de uma homenagem - Vasco Granja ou o Panda da minha geração Parece que o estou a ver. Em vez de chegar da Amadora, chegava do interior das minhas recordações mais vivas. Onde sempre esteve. Nítido como um girassol. Mais curvado, é certo, mas com o mesmo sorriso benévolo com que nos anunciava a Pantera Cor-de-Rosa. A minha preferida. Foi devido à sua clara e intermitente presença nas minhas recordações que me lembrei de o homenagear. Há memórias que nos fazem bem, que nos fazem situar, pertencer a um grupo, a uma sociedade, a um tempo. Memórias que nos fazem felizes. Ou contentes. Aos 33 anos, dei conta de que o Vasco Granja me fazia sorrir, de quando em quando, mesmo que a preto-e-branco, primeiro, a cores, depois. O Vasco Granja, “o pai adoptivo da Pantera Cor-de-Rosa”, como lhe chamei, é uma das figuras ternas que acorda a minha infância. E acorda-a sempre bem disposta. Lembro-me como se fosse hoje. Trabalhava-se nas actividades paralelas da Publimeeting - Feira Ibérica da Publicidade, Comunicação e Imagem, que decorreu na Exponor, Feira Internacional do Porto, entre os dias 15 e 18 de Maio de 2003. O meu director, depois de me ouvir, disse: “Avance. Se conseguir, avance”. Deu-me carta branca e eu povoei-a de desenhos. Animados, obviamente. E foi assim que, no Porto, na Exponor, durante o salão de banda desenhada que decorria paralelamente à Publimeeting, se homenageou o Vasco Granja. Em vida. Foi uma ideia minha, mas foi uma vontade colectiva. Primeiro, demos conhecimento ao Vasco Granja da nossa intenção de homenagem. Aceitou. Depois, como a ASA estava presente no salão de banda desenhada, colocamos-lhe a possibilidade de aderirem à iniciativa, editando um livro. O Senhor Américo Augusto reuniu a sua equipa e foi assim que deu à estampa o livro “VASCO GRANJA: uma vida mil imagens”. A coordenação da obra é de Jorge Magalhães e de Maria José Pereira. E, assim, durante o evento, tivemos a honra de lançar esta biografia com a presença do biografado. Vieram muitos para o ver, para lhe pedir um autógrafo, para lhe falar. Para além das imagens que povoam a minha memória, desse tempo em que o Vasco Granja vivia dentro da televisão, ele e a bonecada de todo o mundo, agora, também guardo a imagem de um Vasco Granja de carne e osso, que me autografou um livro, que sorriu diante de mim, sem nenhum écran pelo meio e me disse obrigado, como se a agradecida, a eterna agradecida, não fosse eu. Eu e tantos como eu, que o temos como ícone, símbolo da minha e de outras gerações cuja figura convoca memórias. Uma 24 VASCO GRANJA “assembleia” de memórias não só pessoais mas também colectivas que nos ajudam a situar. Quer dentro, quer fora das emoções. De acordo com Maurice Halbwachs, um dos sociólogos que primeiro abordou o carácter social da memória -qualquer lembrança, por mais pessoal que seja [...] mesmo a de sentimentos que não chegamos a expressar, encontra-se relacionada com todo um conjunto de noções que muitos de nós possuem, com pessoas, lugares, datas e formas de linguagem, com raciocínios e ideias, quer dizer, com toda a vida material e moral das sociedades de que fazemos ou de que fizemos parte . É assim: Vasco Granja passou por aqui, pelo mundo real, para nos abrir algumas portas e janelas sobre um mundo muito especial. Para nos ensinar, para se converter em recordação, para ser decalque de uma sociedade sempre em mutação. Agora, tenho a certeza: ele passeia-se por aí, numa infinita prancha de Banda Desenhada, ora de braço dado com a pantera cor-de-rosa, ora com aqueles estranhos bonecos de Leste. Não importa. Ele veio para nos ensinar a dizer BD e nos fazer acreditar que de vez em quando podemos ir ter com ele e com a bonecada toda que vive com ele, num planeta aqui do lado, chamado imaginação. Sim, porque os desenhos animados não morrem. Nem eles, nem as pessoas que lhe dão vida, nem as que os apresentam à nossa vida. Como fez Vasco Granja, durante tantos anos, através de um único canal: a RTP. Ele era magro, esguio, calvo. Mas era o PANDA perfeito. O nosso canal Panda, o nosso Disney Channel. O canal para dias memoráveis. Os desenhos animados não morrem nunca. Sei-o bem, agora. Muito menos morrem os da nossa infância. Marta Vaz antropóloga Troféu Honra “Zé Pacóvio e Grilinho ,1996, da Câmara Municipal da Amadora Sociedade Portuguesa de Autores (a titulo póstumo) Lisboa, Maio, 2009 25 VASCO GRANJA Livro Dziga, é um vocábulo ucraniano que significa toupeira, mas também pode significar movimento perpétuo ou roda que gira sem parar. Pode também significar cigano. Vertov, pertence ao verbo russo vertet que traduzido, significa girar, dar voltas em torno de um eixo. Vasco Granja escreve que uma das facetas que mais o fascinou neste cineasta, foi a constante preocupação em apresentar os acontecimentos vividos em cima da hora (p.34), porque não queria que o tempo tivesse qualquer influência no processo histórico que captava. Foi um realizador sempre muito apaixonado pelo que filmava, fossem máquinas, fossem pessoas. A leitura e a escrita dominaram a vida de Vasco Granja. Leitor compulsivo a escrita foi uma das formas mais felizes que encontrou para expressar e transmitir tudo o que aprendera. E se Dzega Vertov foi o único livro que escreveu a sua participação em jornais, revistas e fanzines é tão extensa que se torna impossível a totalidade do seu conhecimento. O livro Dziga Vertov e os fanzines Quadrinhos 26 VASCO GRANJA Militância “Estive preso por duas vezes (primeiro em 1954 e depois em 1963). Da primeira, foram seis meses, mas da segunda já foram dois anos.” A forma como detiveram vasco granja foi algo caricata. Não fosse a gravidade do que se passou e o facto de corresponder a um período muito, muito negro da nossa história contemporânea, diríamos que a prisão de Vasco Granja assumiu contornos de filme de animação. “Foram dois pides buscar-me a pé. Que coisa tão cómica! (...) Já imaginou? Eu passava com eles, um de cada lado, e até cumprimentava as pessoas conhecidas que encontrava na rua. Dizialhes que ia para a António Maria Cardoso, que era onde funcionava a sede da PIDE.” (v. Jornal de Notícias, 02.11.02) A militância no Partido Comunista Cartas da prisão de Caxias, visadas pela censura, 1964 Português começa no início dos anos cinquenta, e a actividade cívica e politica que desenvolve não escapa aos olhares da PIDE. As cartas das prisões, de Caxias e do Aljube, gentilmente cedidas pela sua família, são testemunhos de lucidez, afecto e esperança que revelam um homem determinado a prosseguir com o seu trabalho, não obstante a adversidade e as circunstâncias de privação de liberdade em que se encontrava. 27 VASCO GRANJA Estes documentos são ainda fundamentais para conhecer um período tenebroso da nossa história recente em que as cartas dos presos eram lidas e censuradas e, muitas delas, nunca chegariam às mãos dos seus entes queridos. Recorte de um jornal brasileiro, de Ribeirão Preto dando conta da prisão de Vasco Granja, 1964 28 VASCO GRANJA Radiotelevisão Portuguesa Em 1974, Vasco Granja deu inicio na RTP a um mítico programa semanal, denominado Cinema de Animação, que iria prolongar-se, para nosso deleite, durante 16 anos e 1040 programas. O jornalista Fernando Marques, (Notícias da Tarde, Porto) fez uma excelente entrevista a Vasco Granja, Estou sob o fogo da opinião pública, publicada na edição de 21 de Novembro, de 1983. Particularmente sobre ‘Filmes para todos’, procurarei a partir de Janeiro, apresentar Na RTP películas para a infância cuja intenção será promover o estético e reduzir o mais possível a violência. Terei sobretudo a preocupação de não aborrecer os pequenos nem pregar um falso didatismo. Além disso, vou tentar que o programa seja útil ás escolas. Isto proporcione é, que entre os alunos da pré-primária, da primária e preparatório respectivos do ciclo e os professores uma discussão saudável. É um documento esclarecedor de inegável valor histórico, pedagógico e preocupado. Filmagens para a RTP 29 VASCO GRANJA Realizadores preferidos Em todas as entrevistas ou mesmo em conversas (quase) privadas, nomes há que Vasco Granja considera marcantes para o seu próprio percurso e também como referências enquanto realizadores, cujo contributo para o cinema de animação foi crucial. Entre outros, são marcantes, Alexandre Alexeieff, Tex Avery, John Halas, Jiri Trnka, Karel Zeman! E, sobretudo Norman McLaren, com quem manteve um relação de grande amizade e de grande cumplicidade. Desenho original de Norman McLaren 30 VASCO GRANJA Tintin em 1970 inicia-se a sua colaboração na revista Tintin. Traduziu textos, escreveu inúmeros artigos técnicos e científicos e, enquanto Tintin, respondeu a centenas de leitores, dos 7 aos 77 anos, na secção “Correio dos Leitores”, que era da sua responsabilidade. José Ruy, autor do original em exposição, faz o retrato de toda a equipa da revista Tintin que durante 15 anos lhe deu vida própria. Vasco Granja é facilmente identificável. Tal como o são Dinis Machado, Mário Correia e o próprio José Ruy. Zoo ! ! k u o ! k h tccliiic Kca Hup p 31 VASCO GRANJA Z ! ! k u o ! k h c tccliiiHu K p Desenho original de José Ruy, 1972 32 VASCO GRANJA Zooing! ! ! m a l B a Kc la n g ppff f ! Desenho original de ervin, 1974 33 VASCO GRANJA Zooing! ! ! ! k m u a o ! l k h B c c i a i t cli Hu Kc la n g ppff f ! GaleriaMunicipalArturBual Organização: Câmara Municipal da Amadora, Galeria Municipal Artur Bual Direcção: Eduardo Nascimento Secretariado: Vítor Pereira Av. Movimento das Forças Armadas, 1 - 2700-961 Amadora (Paços do Concelho) Telf .: 214 912 695 / Fax: 214 369 065 E-mail: [email protected] Terça a Sexta-feira / das 10.00h às 12.30h e das 14.00h às 18.00h Sábados, Domingos e Feriados / 15.00h / 18.00h Encerra às Segundas-Feiras www.cm-amadora.pt Ficha Técnica da exposição e catálogo XX festival internacional de banda desenhada da amadora, 23 de outubro a 8 de novembro comissariado: cristina gouveia e miguel ferreira Design Gráfico: Miguel Brás Colaboração: António Fogaça e Susana Brissos documentos e Fotografias: gentilmente cedidos pela família granja Impressão e Acabamento: GIRP / Oficinas Gráficas / Câmara Municipal da Amadora Agradecimentos A todos aqueles que com a sua generosidade e disponibilidade contribuíram para a concretização desta exposição aqui fica expresso o público reconhecimento a: Adriana Granja, Artur Correia, Cecilia Granja, Direcção do PCP, Geraldes Lino, José Garcês, José de Matos-Cruz, José Ruy, Marta Vaz e pedro mota. Um agradecimento especial a D. Inácia Granja que, com a sua disponibilidade e memória, tornou possível este projecto. www.amadorabd.com 34 VASCO GRANJA 35 VASCO GRANJA Câmara Municipal da Amadora