Fontes Alternativas de Energia e Eficiência Energética
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Fontes Alternativas de Energia e Eficiência Energética
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Seminário Internacional Fontes Alternativas de Energia e Eficiência Energética – Opção para uma política energética sustentável no Brasil Espaço Cultural da Câmara dos Deputados, Brasília DF, 18-20 de junho de 2002 Organização: Fundação Heinrich Böll Coalizão Rios Vivos Apoio: Projeto Brasil Sustentável e Democrático Fundação CEBRAC Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados CONCLUSÕES O Seminário Internacional “Fontes Alternativas de Energia e Eficiência Energética – Opção para uma Política Energética Sustentável no Brasil”, reuniu mais de 150 representantes de ONGs, movimentos sociais, empresas, setores do Governo, parlamentares e pesquisadores, em debates sobre a experiência alemã no desenvolvimento das fontes alternativas de energia, a política energética brasileira, as propostas regulatórias e os projetos concretos em andamento no setor. O evento, ocorrido na Cãmara dos Deputados em Brasília, de 18 a 20 de junho de 2002, cumpriu seu objetivo de ampliar o diálogo e a troca de informações entre esses atores sociais para impulsionar de fato a incorporação de modelos alternativos, descentralizados e sustentáveis de utilização de fontes renováveis de energia no Brasil. O acesso à energia é base importante da existência humana, essencial à satisfação de necessidades básicas tais como alimentação, vestuário, habitação e também de mobilidade e de comunicação. Porém, a dependência mundial da queima de combustíveis fósseis para a geração de energia e suprimento de uma demanda sempre crescente, tanto nos paises industrializados como naqueles em desenvolvimento, já ameaça a estabilidade ecológica da Terra . Ao mesmo tempo, os conflitos pela distribuição das últimas reservas destes recursos não renováveis ameaçam a sociedade civil. Soma-se à espantosa velocidade em que a humanidade consome as fontes energéticas e à evidente devastação da natureza, uma distribuição desigual no consumo e no acesso à energia. Os países industrializados, apesar de abrigarem apenas 21% da população mundial, consomem 70% das fontes convencionais de energia e 75% da eletricidade, enquanto 2 bilhões de seres humanos vivem privados do acesso a energia no países em desenvolvimento. As fontes renováveis e de eficiência energética são viáveis e necessárias, especialmnete porque podem ser a chave para reduzir desperdícios e ampliar o acesso à energia e, desta forma, influir na inserção econômica e social de polulações excluídas, gerando emprego e renda com custos ambientais locais e globais reduzidos, em comparação às formas tradicionais e insustentáveis de geração e uso de energia. Concepções de uma política energética sustentável As políticas para as fontes sustentáveis na Alemanha foram desenvolvidas num contexto onde o atendimento seguro de energia é praticamente garantido à população, mesmo numa sociedade com altos padrões de consumo, mas com uma crescente conscientização dos problemas ambientais, impulsionada pelos processo de negociação do Protocolo de Quioto e de resitência à energia nuclear. Parte integrante da estratégia alemã de sustentabilidade é a meta voluntária de reduzir as emissões de dióxido de carbono em 25% até o ano de 2005, em comparação ao ano de 1990. O governo alemão almeja a duplicação da participação das fontes renováveis no consumo de energia primária e na geração de eletricidade até ao ano de 2010. Até o ano de 2050, 50% da demanda deverá ser obtida a partir de fontes renováveis. Na Alemanha, foi implementado todo um elenco de medidas e de decisões fundamentais - como p.ex. a descontinuação do uso da energia nuclear – até a criação de instrumentos legais e iniciativas de incentivo fiscal para o cumprimento das metas nacionais. Além dos novos instrumentos de incentivo, aplicados para viabilizar a introdução das novas tecnologias no mercado, busca-se ainda um direcionamento da política tributária no sentido de apoiar o desenvolvimento das fontes alternativas e ao mesmo tempo evitar distorções na competitividade. A aplicação desta medidas se dá num contexto onde o mercado é controlado por empresas privadas que operam sistemas desverticalizados de distribuição, geração e transmissão de energia. No Brasil, a produção de energia elétrica baseia-se atualmente em cerca de 90% na hidreletricidade. O restante provém principalmente de usinas térmicas, que operam com carvão, diesel e gás natural, e de usinas nucleares. O uso da biomassa ocupa um lugar de importância, não tanto no seu aproveitamento na geração de energia elétrica, mas sob a forma de combustível biológico. Entretanto, representa ainda uma pequena parcela quando comparado ao uso dos combustíveis fósseis no sistema de transporte no país, que prioriza o sistema rodoviário e o uso de derivados de petróleo. Neste cenário, o maior desafio do setor energético no Brasil consiste na ampliação do acesso à energia, de modo a garantir o abastecimento de 20 milhões de pessoas que vivem preferencialmente no meio rural e em condições de pobreza. A recente crise energética, ao mesmo tempo que despertou o país para a possibilidade de economia e redução de impactos através de medidas de eficiência energética e para o potencial privilegiado do Brasil em termos de fontes renováveis alternativas de energia, fez crescer também a pressão de setores da sociedade para a execução de megaprojetos de geração de energia baseados nas fontes convencionais e para o aumento da participação da termeletricidade a carvão, petróleo, gás e nuclear . Apesar da fonte hidrelétrica ter sido por muito tempo considerada limpa, hoje seus impactos sociais e ambientais, inclusive no que tange às emissões de gasers de efeito estufa, são reconhecidos. As usinas hidrelétricas construídas até hoje no Brasil resultaram em mais de 34.000 km2 de terras inundadas para a formação dos reservatórios, e na expulsão - ou, "deslocamento compulsório" - de cerca de 200 mil famílias – aproximadamente 1 milhão de pessoas - diretamente atingidas. Os reais impactos decorrentes da perda de terras agricultáveis, de qualidade e disponibilidade de água doce, de biodiversidade e de recursos pesqueiros são difíceis de serem mensurados. Ainda assim, o aproveitamento futuro do potencial hidrelétrico em bacias como as dos rios Xingu, Tocantins, Araguaia e Tapajós é considerado estratégico no Brasil, ameaçando a sustentabilidade das poluações e cossitemas na região amazônica. Por outro lado, o Programa Prioritário de Termelétricas do Governo Federal, lançado em fevereiro de 2000, prevê a instalação de 49 usinas com capacidade total a ser instalada de 15.000 MW. Considerando um fator de capacidade de 80% para todas as usinas termelétricas previstas, estima-se um incremento na emissão de CO2 de 100,3 milhões de t anuais, ou cerca de 32% do total da quantidade de emissão líquida verificada no ano de 1999, proveniente da queima dos combustíveis fósseis, lenha e carvão vegetal. Ainda, em conjunto, seriam também responsáveis pela emissão de cerca de 50.900 t diárias de NOx (óxidos de nitrogênio), o principal poluente atmosférico de termoelétricas a gás natural. Num contexto em definição no Brasil, apresenta-se ainda uma dependência das grandes centrais geradaoras de energia, controladas pelo setor privado ou estatal, em sistemas desverticalizados ou não, com uma clara tendência de liberalização do mercado de enegia e, mais recentemente, com a possibilidade de operação de produtores independentes. Portanto, verifica-se um período de transição e a necessidade de uma urgente reorientação da política energética no Brasil, onde discuta-se o modelo econômico a regulatório a ser adotato e onde se busque o estabelecimento de metas para o aumento da participação das fontes alternativas renováveis de energia e de eficiência energética, as quais devem ter seu potencial prioritariamente aproveitado no caminho da construção de um futuro sustentável. Aspectos normativos e institucionais Em decorrência das metas estabelecidas pela União Européia para a redução das emissões de gases de efeito estufa, e como resultado da pressão histórica da sociedade civil na Alemanha, o país desenvolveu um importante processo político que resultou no avanço da legislação para energias renováveis e no compromisso de desativação das usinas nucleares até 2020. A Lei das Energias Renováveis, aprovada há dois anos, não estabelece qualquer subvenção pelo Estado, mas cria mecanismos, como p.ex. as compensações bastante elevadas pela alimentação da rede e a obrigatoriedade de compra de energia por parte das concessionárias, que geram condições estáveis para que as metas de 2010 e 2050 sejam alcançadas. Desta forma, o desenvolvimento das energias renováveis foi bastante acelerado naquele país. O Decreto da Biomassa, de 2001, também estabeleceu com clareza as disposições para geração de energia a partir de biomassa no setor do biogás, criando condições para a realização de investimentos com segurança. Com isto abriram-se oportunidades de desenvolvimento para a bioenergia. No Brasil, as preocupações com o desenvolvimento de leis e regulmentos para a promoção de eficiência energética e para a ampliação das fontes alternativas de energia se fortaleceu a partir da recente crise no setor. Uma série de medidas e programas têm sido apresentados no âmbito da Secretaria de Energia do Ministerio de Minas e Energia. A ANEEL, desde a sua criação em 1997, estabelece normas e regulamentos para orientar os agentes no setor. Na Câmara e no Senado, diversos projetos de lei em tramitação ou recentemente aprovados devem beneficiar as iniciativas de investimento e o crecimento da indústria no Brasil. Entre estes estão, p.ex., as leis 4673/2001 que cria o Programa Prioritário de Desenvolvimento da Energia Eólica do Nordeste (PRODEENE), 10.295/2001 - que determina que o Poder Executivo estabelecerá níveis máximos de consumo de energia de máquinas e aparelhos consumidores de energia, e 10.438/2002 - que institui Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA) e deve ser ainda regulamentada. Entretanto, a falta de um marco normativo incial de caráter orientador, e as constantes mudanças e anúncios de novas normas e medidas provisórias, têm criado um ambiente de incerteza para os investidores e têm inibido a ampliação dos negócios em fontes alternativas de energia. Um exemplo é a recente mudança do valor normativo para a venda de energia às distribuidoras, antes fixado pela ANEEL para cada fonte de geração de forma diferenciada, e hoje unificado a um valor que favorece a energia hidrelétrica em detrimento das fontes renováveis alternativas, como a biomassa, eolica e solar, que têm custo de implementação mais caro, mas que podem acrescentar à capacidade instalada no curto prazo com menores impactos ambientais e, portanto, com benefícios a serem computados no longo prazo. Experiências, projetos e potencialidades das fontes alternativas Na Alemanha, a quantidade de energia gerada de forma distribuída que é injetada na rede triplicou num período de 4 anos, em especial a partir da aprovação da Lei das Energias Renováveis. Uma série de programas de incentivo à energia renovável têm sido implementada, tal como o programa dos 100.000 telhados, que favorece a introdução da tecnologia dos painéis solares no mercado, acelerando o desenvolvimento da energia solar fotovoltaica e a formação de uma eficiente indústria nesta área. Atualmente, 1/3 da eletricidade eólica do mundo é gerada na Alemanha. O número de turbinas eólicas já alcança 11.500 unidades, com uma potência instalada de mais de 9.000 MW. Somente com estas instalações eólicas foi possível gerar, em 2001, 12 bilhões de KW/h, o que representou uma economia de dez milhões de t de CO2. Isto já significa 10% da quantidade que se pretende economizar até 2005. Até o ano de 2005, a parcela de energia eólica no total de eletricidade consumida na Alemanha deve atingir os 25% - particularmente devido às instalações off-shore, cujas bases legais acabam de ser elaboradas. Até 2006, pretende-se obter 15% da energia consumida na Alemanha a partir de instalações eólicas em off-shore, tomando por base o ano de 1998, no intuito de diminuir a dependência de importação de energia e os impactos sobre o meio ambiente . De forma semelhante, a partir do Decreto da Biomassa, de 2001, também o número das usinas de biogás foi duplicado. Boa parte destas instalações são operadas por agricultores ou associações, que ganharam uma nova oportunidade de rendimentos, totalmente independente da política agrária da Uniao Européia. Na Alemanha, o faturamento com instalações e serviços na área de energia eólica, solar e bioenergia, já alcançou, em 1999, um volume de mercado de mais de 3,5 bilhões de Euros. Com isto, já foram criados ou consolidados nestes setores cerca de 100.000 empregos. Este desenvolvimento provavelmente persistirá no futuro, uma vez que a demanda tende a crescer vertiginosamente nas próximas décadas. No Brasil, as fontes alternativas de energia elétrica e combustíveis têm um enorme potencial para substituir as fontes convencionais, mesmo sem grandes avanços em tecnologia, e podem contribuir para a meta de universalização do atendimento a 20 milhões de brasileiros que hoje não têm acesso a energia elétrica de uma forma regular. As fontes alternativas trazem impactos ambientais e sociais muito menores que as fontes convencionais, e são melhores geradores de emprego, especialmente considerando-se a possibilidade do Brasil implantar a sua própria indústria, aproveitando processos internacionais de cooperação e transferência de tecnologias. Os custos são competitivos com as fontes tradicionais em alguns casos, principalmente quando se consideram os custos sociais e ambientais atualmente nãointernalizados. Mais de 4.000 MW em projetos de energia eólica já estão autorizados pela ANEEL para serem implementados no Brasil, mas hoje somente 22 MW estão em operação. O custo da energia eólica está entre U$900 e U$1.400 o KW instalado, e o custo de geração entre U$50 e U$95 o MWh. O potencial brasileiro para a energia eólica no Brasil acaba de ser estimado no Atlas Eólico lançado pela ANEEL e o Ministério de Minas e Energia em 143.000 MW, o dobro a atual capacidade instalada no país. Há também comprovada complementaridade sazonal entre as fontes eólica e hidráulica no Brasil, potencializando uma maior confiabilidade e estabilidade sazonal do Sistema Elétrico Brasileiro quanto ao atendimento da demanda, pelo aproveitamento otimizado da sinergia dos recursos naturais (eólico e hidrelétrico). Além da possibilidade de vender energia para o sistema interligado, pequenas geradoras eólicas servem para bombear água e abastecer domicílios e centros comunitários no meio rural e em comunidades isoladas. A barreira no curto prazo para o desenvolvimento da energia eólica no Brasil é o baixo valor normativo fixado pela ANEEL para a compra de energia pelas empresas distribuidoras. O Brasil tem uma vasta potência para desenvolver energia de biomassa para eletricidade e para combustíveis. Fontes possíveis de biomassa incluem bagaço e palha de cana de açucar, casca de arroz, restos de madeira de serrarias, óleo de dendê e resíduos de processamento de óleo de soja, além do biogás produzidos nos aterros de lixo urbano. Uma preocupação constatada é a tendência de cultivos das fontes agrícolas de biomassa em regime de monoculturas e com o uso intensivo de agrotóxicos. A sustentabilidade do aproveitamento da biomassa na matriz energetica brasileira passa, portanto, por medidas ambientalmente adequadas e socialmante justas no setor agrícola. A indústria sucro-alcooleira dispõe de bagaço de cana suficiente para gerar entre 950 MW – 3.000 MW de energia elétrica no curto prazo, mas faltam atrativos suficientes em termos de preço. Estima-se um custo de instalação de U$700 a U$1.000 o kW instalado e um custo de geração entre U$45 e U$105 o MWh. Com a melhoria da tecnologia utilizada para gerar energia de bagaço e palha de cana, existe um potencial de entre 10.000 – 18.000 MW a ser aproveitado no curto e médio prazos. Quanto ao uso da biomassa na produção de combustíveis renováveis alternativos, estima-se em 20 milhões de barris o potencial de combustíveis de biomassa cuja produção é viável no Brasil. Durante o programa PROÁCOOL, nos anos 80, mais de 90% dos carros vendidos no Brasil utilizavam álcool como combustível. A safra da cultura da cana de 2001-2002 foi de 270 milhões de toneladas, com uma produção de 13 bilhões de litros de etanol, majoritariamente usados na adição à gasolina. Esta adição atinge hoje 24% da composição da gasolina, mitigando mais de 40% do total de emissões provenientes do uso de combustíveis fósseis no sistema de transporte do país. A energia solar fotovoltaica é ainda considerada cara no Brasil, em termos estritamente econômicos. Não obstante, painéis fotovoltáicos têm sido utilizadas para trazer energia elétrica para comunidades fora da rede interligada, o que compensa os custos de construção de redes e das perdas de decorrentes da transmissão a longas distâncias. O programa PRODEEM do Governo Federal tinha como meta a instalação de painéis solares em 100.000 residências, escolas e centros comunitarios em regiões isoladas, mas não foi alcançada e, em alguns casos, as instalações foram desativadas. É absolutamente necessário para o sucesso destes programas uma maior capacitação de mão-de-obra em todo o país e o envolvimento efetivo das comunidades beneficiadas na gestão destes recursos para a manutenção dos sistemas instalados. Assim como na Alemanha, estes programas subsidiados deveriam servir também para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico da indústria nacional. Muitos sistemas solares térmicos foram instalados durante a época de racionamento e esta forma de aquecimento de agua, principalmente na susbtituição dos chuveiros elétricos, tem ainda um potencial enorme de alcance de redução do pico de demanda de energia no país e um custo acessível para a média da população, especialmente considerando a recuperação do investimento com a economia gerada na conta de eletricidade. A aplicação direta da energia solar para a substituição de 50.000 chuveiros elétricos, p. ex., pode representar um economia no setor residencial de aproximadamente 27.000 MWh. As Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, definidas pela ANEEL como tendo até 30 MW de capacidade instalada, e reservatório de até 3 km2, apresentam um potencial entre 7.000 e 14.000 MW no Brasil. Foi constatada, entretanto, a importância de considerar a implantação das usinas PCHs em consulta com a comunidade, analisando os impactos cumulativos dos empreendimentos no nível de bacia, para evitar impactos multiplicadores de diversos represamentos. Experiências interessantes de gestão de energia gerada por PCHs em cooperativas no meio rural, em sistemas interligados a rede ou não, já estão em curso no Brasil. Eficiência energética O uso racional de energia deve ser sempre entendido em combinação com as energias renováveis. Em todas as regiões do mundo ainda há grande potencial para evitar as mudanças climáticas e preservar os recursos naturais. O tema do uso racional de energia também pressupõe mudanças no setor de transportes, que passam pela expansão dos transportes públicos até as mudanças, a longo prazo, da estrutura dos assentamentos humanos. Na Alemanha, para atingir-se metas de eficiência, prevê-se a otimização de processos de produção, a introduçao de aparelhos elétricos de baixo consumo, como lâmpadas que usem a energia de forma racional e sistemas de calefação e refrigeração eficientes, além do isolamento ideal dos prédios para melhorar a eficiência energética das edificações. Desde a crise energética no Brasil, os programas de eficiência têm sido prioritariamente direcionados para o setor residencial, seguido dos setores públicos e industrial, com ênfase na substituição de aparelhos consumidores de energia. Entretanto, o sistema elétrico no Brasil opera com perdas técnicas de 15% (54 bilhões de kWh/ano) que vão da geração à distribuição, bem acima do padrão internacional de 6%. É urgente a adoção de medidas para reduzir essas perdas, as quais podem ser estipuladas pela ANEEL como metas obrigatórias nos processos de concessão de operação de companhias distribuidoras e de transmissão. As empresas devem ser obrigadas a investir parte da sua renda em eficiência energética, assim como atingir compulsoriamente metas de universalização de acesso e patamares de obrigatoriedade de compra de energia gerada de forma distriubuída. A repotencialização das usinas hidrelétricas com mais de 20 anos também representa uma grande contribuição à quantidade de energia disponível no sistema. Existem barragens já construidas que têm potencial de instalação de capacidade adicional sem alterar o sistema operacional. O acréscimo de potência é da ordem de 6.800 a 8.000 MW, resultante da reabilitação, reconstrução ou reparos nas usinas hidrelétricas existentes. Um fato impressionante apresentando pelo Ministério de Minas e Energia é que o Brasil é o terceiro exportador de motores no mundo. Como os países importadores têm padrões de eficiência energética, o Brasil acaba exportando motores eficientes, enquanto só 5% dos motores utilizados dentro do país são considerados eficientes (motores consomem 30% de toda a energia elétrica no Brasil). A Lei 10.295/2001, que apresenta metas para eficiência energética em máquinas e aparelhos consumidores de energia, deve incentivar a substituição de 90.000 unidades por motores eficientes em 2 anos, contribuindo para a alteração deste quadro. Um exemplo de uma politica energética equivocada que não prioriza a eficiência energética é a forma de utilização do gás natural planejada para o Brasil. A importação de gás natural boliviano para gerar energia elétrica, usada posteriormente em chuveiros elétricos, que consomem 22% de toda a energia utilizada por residências, ou para gerar energia elétrica para indústrias, posteriormente transformada em energia mecânica ou térmica, vai contra os princípios da eficiência. O uso mais eficiente do gás natural seria na co-geração para produção simultânea de vapor e eletricidade no setor industrial e nas grandes unidades de comércio e serviços (shoppings); em sistemas de gás canalizado, substituindo o GLP para a cocção de alimentos e os chuveiros elétricos por sistemas de aquecimento de agua mais eficientes; e substituindo o uso de derivados de petróleo nos veículos automotores, para atenuação da poluição nos grandes centros urbanos. Finalmente, um problema relacionado à implantação de medidas de eficiência e de ampliação das fontes alternativas e sistemas descentralizados de energia como meta de sustentabilidade é a concentração no uso de energia. No Brasil, 26,9% da energia elétrica é consumida por indústrias pesadas, e 8% somente pela indústria de alumínio, o que coloca o atual modelo industrial no centro da discussão sobre o desenvolvimento de uma política energética sustentável para o país. RECOMENDACÕES Quanto aos aspectos a serem incorporadas na formulação de políticas públicas • Formalizar a cooperação bilateral entre Brasil e Alemania sobre energias renováveis alternativas, buscando um consenso a respeito das bases e princípios, os quais devem incluir metas de universalização de acesso à energia gerada de formas sustentáveis de produção de energia, de geração de empregos, de transferência tecnológica nos moldes de implementação conjunta, fortalecendo as instituições de pesquisa, os centros de referência, a cooperação internacional entre orgãos de governo, empresas e universidades, e criando espaço para o desenvolvimento da indústria nacional • Tais acordos, assim como a implantação de qualquer projeto de energia, deve respeitar os principios consensuados por diversas organizações da sociedade cicvil no Tratado sobre Energia firmado há dez anos na ECO'92: da ética, equidade e participação nas tomadas de decisão • Dar continuidade a programas e campanhas de eficiência energética, os quais devem incluir não apenas o que as pessoas podem fazer em seus domicílios, mas também metas para que os edifícios públicos (a nivel nacional, estadual, local) implementem politicas de economia e eficiência e prestem conta a sociedade sobre seus progressos, e que atinja outros setores como indústria, comércio, hospitais e transporte • Concentrar esforços na minimização de perdas técnicas e efetivar a repotenciação de usinas que estão operando com equipamentos obsoletos • Revisar os contratos de concessão já estabelecidos e exigir mecanismos para implementar metas de eficiência energética (que não se limitem apenas à substituição de lâmpadas por outras de baixo consumo), de universalização do acesso e de obrigatoriedade de conexão à rede e compra da energia gerada de forma distribuída por fontes alternativas • Somar às ações no parlamento, criando grupo multisetorial e multidisciplinar que busque analisar e juntar os aspectos normativos e leis para fontes alternativas de energia sob um mesmo marco regulatório, às semelhanca do que foi feito para as legislações ambiental, de residuos solidos, etc., e discutir conjuntamente a regulamentacao da Lei Nº 10.438/2002, que institui o PROINFA • Elaborar uma política energética para o sistema isolado, considerando as tecnologias mais aplicáveis aos ambientes sistêmico e sócio-econômico de cada região e que busque a compatibilização da política de ampliação das energias renováveis com a política de universalização do serviço de energia elétrica • Fortalecer as regulamentações que viabilizem a venda de energia limpa gerada por pequenos produtores • Fortalecer os critérios e condicionantes para a autorização de empreendimentos de PCHs, o qual considere os multiplos impactos das PCHs e tenha a bacia como unidade de planejamento • Considerar os múltiplos usos da água e estabalecer compensações pelo uso da água para a geração de eletricidade Prioridades para a sustentabilidade e justica social • Rechaçar a energia nuclear no Brasil como opção energética e portanto fortalecer a oposição à Angra III, à continução do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, ao estabelecimento de plantas de reprocessamento de resíduos nucleares e ao transporte destes resíduos na América Latina • Reforçar o processo de resistência ao Complexo Hidrelétrico de Belo Monte no rio Xingu • Contrariar qualquer projeto que não respeite o meio ambiente e que não considere o aspecto social – entendendo-se por sociedade o povo, e não as grandes empresas nacionais e multinacionais • • • • • • • • • Incentivar medidas para que as comunidades sejam autônomas energeticamente Priorizar as energias alternativas além dos projetos de grande escala, buscando a melhoria da qualidade de vida com tecnologias simples e disponíveis, como p. ex. a instalação de moinhos para extração de água subterrânea, a utilização de energia eólica ou solar para refrigeração da produção de de pescadores artesanais, etc Desenvolver lutas concretas e amplas capazes de levar a mensagem de sustentabilidade social e ambiental a toda apopulação, criando um movimento que una os trabalhadores e sindicatos com MAB, ONGs ambientalistas e outros setores da sociedade civil Realizar um mapeamento das companhias multinacionais que estão forçando o atual modelo energético insustentável e fazer campanhas com organizações dos países de origem destas empresas, aproveitando o espaço do FSM para esta articulação Realizar estudos comparativos com dados sobre investimentos e geração de energia, emprego e renda por fontes convencionais e alternativas, e promover seminários maiores direcionados aos trabalhadores, trazendo respostas concretas a estas questões, visando a inserção dos trabalhadores e movimentos populares no movimento pela sustentabilidade ambiental Difundir estudos em andamento sobre quantificação da exportação de energia nas exportações brasileiras, como forma de fundamentar as críticas ao modelo industrial que prioriza as industrais eletrointensivas e influi na previsão de aumento insustentável da demanda de energia nacional em 5% ao ano Fortalecer uma visão integrada e regional do problema da energia, o qual é similar no Brasil como em países como Argentina e Chile, tanto em termos de esgotamento de recursos, impactos ambientais e hegemonia de coorporações transnacionais, convencendo a nossos governantes da necessidade de uma mudança do modelo atual e aproveitando a posição de liderança do Brasil nas negociações do Mercosul para a discussão de um modelo de integração regional sustentável e sólido, que deve se concentrar num processo de resistência regional e propositivo frente a ALCA Monitorar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, para que este não se transforme em um mecanismo de “colonialismo verde” Analizar as políticas macroeconomicas e buscar um maior controle social da energia, o que passa por um aprofundamento da discussão e da resistência aos processos de privatização Ações de seguimento às recomendações do evento • Implementar um sistema de discussão por lista eletrônica sobre sistemas disponíveis de fontes de energia alternativas • Publicar um livro com os textos e resultados do Seminário • Publicar uma versão mas didática que resuma os principais aspectos para difundir em escolas, sindicatos, comunidades rurais, etc. e contenha explicações simples de como funcionam e quais são as diferentes alternativas, além de desenhos e fichas técnicas com dados e contatos de ONGs, empresas, setores de Governo e sites na internet onde as pessoas interesadas possam buscar maiores informações • Establecer uma "cultura de energias limpas", em escolas, universidades, sindicatos rurais, e nas organizações da sociedade civil • Difundir as experiências já em curso, com uma compilação e sitematização de projetos existentes de aplicação de energias alternativas, como ferramenta para as comunidades que resistem a projetos de alto impacto ambiental e que possam propor alternativas sustentáveis • Buscar financiamento para projetos demostrativos, alternativos, participativos e democráticos, tantos em termos de fontes de geração como de gestão dos recursos pelas comunidades • • • • • • Trabalhar para a construção de núcleos demosntrativos sobre uso eficiente de energia e de produção de energias alternativas, onde uma comunidade possa informar-se ou mesmo alimentar-se da energia gerada, potencilizando empreendimentos produtivos para a comunidade Viabilizar os programas de acesso à energia às regiões isoladas com o envolvimento efetivo das comunidades (o que deve incluir seu entendimento sobre os benefícios da energia para o desenvolvimento de novas formas de produção de renda e inserção social, além dos benefícios ambientais) para a manutencão e o desenvolvimento de longo prazo dos projetos de energias renováveis e que incluam tambem o equilíbrio de gênero desde os processo de tomada de decisão como no gerenciamento e distribuição da energia Aprofundar estudos sobre a viabilidade de gerar energia a partir de biomasa onde se esteja realizando extração de madeira de modo sustentável Acompanhar a formulação de políticas governamentais e das intituições financeiras multilateriais, incluindo as estratégias dos bancos para o setor energético na América Latina e qualificar a sociedade civil para a apresentação de propostas sobre formulação de políticas energéticas. Levar o debate aos formadores de opinião e tornar pauta nacional o debate sobre Energia e Modelo de Desenvolvimento Buscar ampla participação no encontro de Bacias Hidrográficas da Amazônia em 2003 sobre os impactos e alternativas ao aproveitamento hidrelétrico da região que detém mais de 60% do potencial hidrelétrico do Brasil Texto final: Lúcia Schild Ortiz – Núcleo Amigos da Terra Brasil / Coalizão Rios Vivos Coolaboração: Elba Stancich – Taller Ecologista Argentina / Coalizão Rios Vivos Glenn Switkes – International Rivers Network / Coalizão Rios Vivos Contato: [email protected]