universidade federal do rio de janeiro centro de letras e artes
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES FACULDADE DE LETRAS IMARA CECÍLIA DO NASCIMENTO SILVA SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL DO PASSADO IMPERFECTIVO NO ESPANHOL DA CIDADE DO MÉXICO 2015 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL DO PASSADO IMPERFECTIVO NO ESPANHOL DA CIDADE DO MÉXICO IMARA CECÍLIA DO NASCIMENTO SILVA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola) Orientadora: Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold RIO DE JANEIRO 2015 SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL DO PASSADO IMPERFECTIVO NO ESPANHOL DA CIDADE DO MÉXICO Imara Cecília do Nascimento Silva Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos mínimos para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola) Aprovada por: ____________________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold - UFRJ ____________________________________________________________ Profa. Doutora Virginia Sita Farias – UFRJ ____________________________________________________________ Prof. Doutor Leonardo Lennertz Marcotulio – UFRJ ____________________________________________________________ Profa. Doutora Marcia Mari Dámaso Vieira – UFRJ – Suplente ____________________________________________________________ Profa. Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro Lagorio – UFRJ – Suplente Rio de Janeiro Março de 2015 d586 s do Nascimento Silva, Imara Cecília Significação aspectual do Passado Imperfectivo no espanhol da Cidade do México / Imara Cecília do Nascimento Silva. -- Rio de Janeiro, 2015. 102 f. Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, 2015. 1. Aspecto. 2. Passado Imperfectivo. 3. Espanhol da Cidade do México. I. Riveiro Quintans Sebold, Maria Mercedes, orient. II. Título. Dedico esta dissertação a Deus, por ter colocado tantas oportunidades em minha vida, e a minha mãe, por ter me ensinado a nunca desistir e trabalhar duro, assim como ela fez e faz por mim todos os dias. AGRADECIMENTOS É difícil acreditar que cheguei tão longe. Nunca imaginei que estaria aqui e construiria uma carreira na UFRJ. Mas, em nenhuma trajetória, é possível alcançar nossos objetivos sem o carinho e a ajuda de pessoas queridas. Por isso, agradeço a Deus em primeiro lugar. Se não fosse por ele ter colocado amigos maravilhosos em minha vida, talvez não tivesse chegado até aqui. Da mesma forma, agradeço a minha mãe, Ionete. Ela me criou com muito esforço, amor e dedicação. Não deixou de trabalhar nenhum dia para que eu me tornasse uma pessoa digna e que tivesse a oportunidade de estudar mais do que ela mesma pode na sua juventude. Agradeço a minha madrinha, Antônia, que ajudou minha mãe em momentos difíceis da minha criação e é a melhor madrinha que alguém poderia ter. Agradeço ao meu marido, Jorge André. Com muita paciência e amor, ele me ajudou no que foi possível. Me ouviu nos momentos de maior tristeza, me abraçou nos momentos de desalento. Espero estar ao seu lado em muitos momentos de nossas vidas para ajudá-lo e ampará-lo sempre que necessário. Sou muito feliz com você. Com o Jorge, veio uma família que eu não esperava. Agradeço à minha sogra, Dona Neiva, que me acolheu como filha e me escuta também quando estou em desespero. Ao meu cunhado, Fernando, que é o rapaz mais perseverante nos estudos que eu conheço e, hoje, o considero um irmão. Que tenha muito sucesso em seu caminho. Agradeço à querida Elisa, que mesmo de longe, é uma pessoa maravilhosa, boa amiga e que está sempre pronta a ouvir. Agradeço a Seu Jorge, pai do meu marido. Quando o conheci já estava doente e pude ficar com ele até o fim de sua vida. Estar com ele em todos os momentos me fez entender o que é ser família, amadurecer e a importância de se desapegar dos interesses pessoais por uma pessoa que está precisando de ajuda. Agradeço aos amigos queridos com os quais pude estudar e trabalhar. À minha amiga Thaís Neves. Não sei dizer se ela me acompanhou ou eu a acompanhei, só sei que nos encontramos e não nos largamos mais. Fomos amigas de faculdade, de iniciação científica, de pós-graduação. Mas, no final disso tudo, somos mais que amigas. Somos irmãs. Agradeço à Renata Danielly. Se eu precisar contar as vezes que me ajudou nos trabalhos, na pesquisa e em tudo mais que estávamos sempre fazendo, fica difícil de contabilizar tudo. Trabalhamos muito juntas até tarde da noite, discutindo sobre nossas tarefas pela internet, e acredito que valeu cada minuto. Agradeço aos amigos que o CLAC e o alojamento da UFRJ me trouxeram. Minhas irmãs “gemelas”, Lays Gabrielle e Taiana Cristina. Eu morro de saudades de trabalhar com essas meninas. A gente não se cansava de montar cursos, materiais, reuniões do CLAC, etc, porque sempre nos divertíamos demais juntas. Agradeço a todos os monitores ADM do CLAC que são meus amigos: Sabrina, Flavinha, Jéssica, Ana Paula, Dudu e Júlio. Agradeço ao Ricardo, à Mônica e à Franciane também. Essas são pessoas maravilhosas que torcem todos os dias para o nosso sucesso como profissionais e nos ajudam ao máximo no que podem. Agradeço aos amigos do Alojamento: Flavia Cristiana, Ana Paula, Priscila Francisca, Josie, Rafael e sua esposa, Cássia. Como passamos várias noites estudando, dividindo comida, chorando por que não tivemos sucesso em alguma matéria da faculdade. Mas, principalmente, ajudamos uns aos outros a não desistir dos nossos propósitos. Aos meus professores, agradeço pelos ensinamentos dados com tanta dedicação. Especialmente, a minha orientadora, Mercedes, que me deu muitas oportunidades de crescer e me ajudou demais em toda a minha trajetória. E, hoje, é uma grande amiga. Às professoras Sonia, Tânia e Consuelo, obrigada por cada observação feita sobre meu projeto para melhorá-lo. Aos professores, Alessandro e Leonardo, agradeço por cada discussão que tivemos sobre meu tema e sobre propostas teóricas. Agradeço, por fim, à CAPES por financiar esta pesquisa e a todo o departamento de Letras Neolatinas da UFRJ por me darem a oportunidade de obter esse título. RESUMO SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL DO PASSADO IMPERFECTIVO NO ESPANHOL DA CIDADE DO MÉXICO Imara Cecília do Nascimento Silva Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola). O nosso objetivo principal é identificar os contextos de ocorrência da leitura aspectual do Passado Imperfectivo em sentenças com Pretérito Imperfeito (IMP) e com a perífrase “estar” + gerúndio (PPROG) no imperfeito, no espanhol da Cidade do México. Consideramos que essas duas formas verbais estão coocorrendo com valor de aspecto imperfectivo contínuo, quando o esperado seria somente o uso da perífrase para expressar tal aspecto. Nossa hipótese é de que fatores como verbos [+ dinâmicos], sujeitos agentivos, complementos verbais télicos e advérbios temporais mais delimitadores influenciam na significação aspectual contínua de IMP em contextos de PPROG. Para tanto, como corpus, selecionamos dez entrevistas transcritas do projeto PRESEEA – Ciudad de México. Tais entrevistas foram gravadas entre os anos 2000 e 2005, com informantes homens e mulheres, de nível superior, compreendendo a faixa etária entre 20 e 30 anos. Na seleção e tratamento dos dados, foram utilizados os programas WordSmith Tools 5.0 e GoldVarb X. Os resultados demonstram, de fato, uma preferência pelo uso do imperfeito como expressão do aspecto imperfectivo contínuo, pois observamos, dentre 93 ocorrências de contínuo, 62 em imperfeito contra 31 em perífrase. Dentre os fatores linguísticos pertinentes para a leitura imperfectiva, se mostraram relevantes os fatores tipo de verbo e tipo de advérbio temporal. Sentenças em que os verbos fossem [+ dinâmicos] propiciavam a alternância entre formas de aspecto contínuo. E sentenças sem advérbio de tempo ou com advérbios [+ pontuais], também direcionaram o uso de IMP e contextos de continuidade em que era esperado PPROG. Palavras-chave: aspecto, passado imperfectivo, espanhol da Cidade do México. Rio de Janeiro Março de 2015 RESUMEN SIGNIFICAÇÃO ASPECTUAL DO PASSADO IMPERFECTIVO NO ESPANHOL DA CIDADE DO MÉXICO Imara Cecília do Nascimento Silva Orientadora: Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola). Nuestro principal objetivo es verificar los contextos sintácticos en que ocurre el Pasado Imperfectivo en oraciones con Pretérito Imperfecto (IMP) y con la perífrasis “estar” + gerundio (PPROG) en imperfecto, en el español de la Ciudad de México. Consideramos que esas dos formas verbales pueden expresar valor imperfectivo contínuo. Sin embargo, lo esperado es el uso de la perífrasis para expresar dicho aspecto. Nuestra hipótesis es que factores como verbos [+ dinámicos], sujetos agentivos, complementos verbales télicos y adverbios temporales más delimitadores influencian en la significación aspectual contínua de IMP en contextos de PPROG. Para tanto, como corpus, seleccionamos diez entrevistas transcritas del proyecto PRESEEA – Ciudad de México. Las grabaciones de dichas entrevistas ocurrieron entre los años 2000 e 2005, con informantes hombres y mujeres, con enseñanza superior, entre 20 y 30 años. En la selección y tratamiento de los datos, utilizamos los programas WordSmith Tools 5.0 y GoldVarb X. Los resultados demuestran, de hecho, una preferencia por el uso del imperfecto como expresión del aspecto imperfectivo contínuo, pues observamos, entre 93 datos de contínuo, 62 en imperfecto contra 31 en perífrasis. Entre los factores lingüísticos pertinentes para la lectura imperfectiva, se mostraron relevantes los factores tipo de verbo y tipo de adverbio temporal. Oraciones en que los verbos fuesen [+ dinámicos] propiciaron la alternancia entre formas de aspecto contínuo. Y oraciones sin adverbio de tiempo o con adverbios [+ puntuales], también direccionaron el uso de IMP en contextos de continuidad en que se esperaba el uso de PPROG. Palabras clave: aspecto, pasado imperfectivo, español de la Ciudad de México. Rio de Janeiro Março de 2015 SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................... 1 1. Uma proposta mentalista de análise linguística – a Gramática Gerativa ................ 5 1.1 Inatismo e competência gramatical .................................................................. 5 1.2 Sobre o programa minimalista .......................................................................... 9 1.3 A variação entre as línguas..............................................................................14 2. Aspecto verbal – definições e discussões...............................................................20 2.1 O conceito de aspecto..........................................................................................20 2.2 Principais estudos.................................................................................................21 2.2.1 Nível de análise i – o predicado verbal..............................................................23 2.2.2 Nível de análise ii – a flexão e a informação aspectual.....................................28 2.2.3 Nível de análise iii – a oração............................................................................31 3. Estudos sobre estar (imp) + gerúndio e o pretérito imperfeito....................................................................................................................34 3.1 A alternância entre forma de Passado Imperfectivo – o caso do PB e do espanhol.....................................................................................................................34 3.2 O Passado Imperfectivo e a composicionalidade aspectual.................................38 4. Metodologia – corpus, ferramentas de análise.......................................................45 4.1 O corpus...............................................................................................................45 4.2 Os softwares wordsmith tolls e goldvarb x............................................................46 4.3 Os fatores controlados..........................................................................................47 5. Resultados e análise...............................................................................................50 5.1 Seleção e organização do recorte........................................................................50 5.2 Contextos de ocorrência do pretérito imperfeito e da perífrase de passado imperfectivo................................................................................................................53 5.3 A alternância da expressão do aspecto contínuo................................................73 5.4. Outros valores expressos pelo pretérito imperfecto............................................81 Considerações finais..................................................................................................83 Bibliografia..................................................................................................................89 INTRODUÇÃO Esta dissertação é parte importante de uma trajetória de pesquisa sobre Teoria e Análise Linguística, principalmente, em estudos descritivos do espanhol, Linguística Gerativa e aspecto verbal. As pesquisas feitas durante a iniciação científica se desenvolveram de forma a especificar cada vez mais o presente objeto de estudo: contextos sintáticos de alternância entre formas passadas de aspecto imperfectivo habitual (forma simples – dibujaba) e imperfectivo progressivo (forma perifrástica – estaba dibujando). Dentre os trabalhos de iniciação relativos à influência de determinados constituintes sentenciais na leitura aspectual, a partir da noção de composicionalidade do aspecto de Verkuyl (1993), se destaca Sebold & Silva (2013). Nesse artigo, observamos os contextos sintáticos de ocorrência das formas de imperfectivo em dois corpora – um do Português do Brasil (PB), retirado do projeto NURC/RJ e outro do espanhol, do projeto PRESEEA – Alcalá de Henares (Madrid). Nos dados referentes a cada língua, verificamos uma tendência à neutralidade do aspecto imperfectivo. Já apontada em Giorgi & Pianesi (2002) para o italiano e outras línguas românicas. Tal tendência indica que tanto a perífrase quanto a forma simples de Pretérito Imperfeito são aspectualmente neutras, logo seriam compatíveis com leituras mais delimitadas e menos delimitadas. Além de corroborar essa tendência à neutralidade do imperfectivo, os dados do PB e de Madri se destacaram também porque pudemos observar que houve uma preferência dos informantes pelas formas verbais de Imperfectivo habitual ao invés do durativo tanto no espanhol quanto no PB. Isso é significativo se considerarmos que, em algumas ocorrências do corpus, é possível encaixar como forma alternativa a perífrase estar + gerúndio no passado sem haver mudança de significado. Como em: (1) (y la tonta que lo dejó) trabajaba en la universidad// (2) (y la tonta que lo dejó) estaba trabajando en la universidad// No caso específico do PB, Freitag (2007) demonstra que as formas que expressam imperfectividade no passado podem se alternar em determinados contextos. De acordo com a autora, a função semântico-discursiva de passado imperfectivo pode ser expressa pela forma simples de pretérito imperfeito (IMP) e pela 1 forma composta, a perífrase estarIMP + Vndo, a qual chama passado progressivo (PPROG). A partir de dados do projeto VARSUL relativos à Florianópolis, Freitag (2007) verificou que tais estruturas poderiam ocorrer uma no contexto da outra sem haver mudança de significação aspectual, conforme abaixo: (3) Depois me aborreci, não era o tipo de serviço que eu estava querendo (queria), aí passei a ser funcionário do Banco Econômico, trabalhava (estava trabalhando) no setor de transporte de malote. Para a autora, as formas em negrito em (3) indicam uma situação passada continuativa e seria esperado somente o uso da perífrase progressiva de imperfectivo. A questão levantada, então, é a de que “se há um uso específico para cada forma, que razões haveria para que imperfeito (IMP) e passado progressivo (PPROG) se alternassem na expressão da mesma função semântico-discursiva de passado imperfectivo?” (p. 9). Freitag (op.cit) propõe que essas duas formas estariam disputando o estatuto de realização do aspecto durativo/continuativo. Em segundo lugar, conforme já mencionamos, a abordagem teórica na qual nos baseamos é a da Teoria Gerativa. É uma perspectiva importante considerando sua proposta metodológica para uma análise da linguagem. Chomsky (1992) entende que a linguagem é um fenômeno da mente humana. Um fenômeno inato à espécie. Isso significa que todos os seres humanos são predispostos geneticamente a desenvolver linguagem. As línguas naturais são a concretização das representações linguísticas mentais dos indivíduos. Mas a expressão fonética por si só não é suficiente para entender a organização dos sistemas linguísticos. É preciso que a fala seja insumo para tentar explicar os fenômenos que ocorrem nas línguas e não só descrevê-los. A essa discussão, Chomsky (1992) denomina tensão entre a adequação descritiva e a adequação explicativa. Uma teoria da linguagem, de acordo com o autor, não deve ser somente descritiva, pois a partir da explicação seria possível investigar mais profundamente a faculdade da linguagem. Seguindo a perspectiva apresentada no Programa Minimalista (PM) (Chomsky, 1995), assumimos que a faculdade da linguagem está organizada a partir de princípios de economia e simplicidade. Nesse sentido, cada elemento de uma língua está 2 constituído por um conjunto de traços que o caracteriza, que o configura. A línguas, nessa visão, se diferenciam pela seleção de traços existentes em cada uma. Nossa proposta aqui, portanto, é investigar uma categoria linguística, o aspecto verbal, considerando os pressupostos da Linguística Gerativa. Essa categoria é muito ampla e apresenta várias subcategorias. Mas o foco desta dissertação está nos aspectos imperfectivo habitual e imperfectivo contínuo. No pretérito, em espanhol, a habitualidade é expressa pelo pretérito imperfeito geralmente. Essa noção, segundo Comrie (1976), indica que um evento se dá ocorrendo sucessivamente, por repetições. Por outro lado, a expressão clássica do contínuo, no passado, por outro lado, é a perífrase estar (IMP) + gerúndio que indica o desenvolvimento de um evento único conforme o mesmo autor. Nosso objetivo específico, nesta dissertação, é identificar os contextos de ocorrência dos imperfectivos habitual e contínuo, ou seja, quais tipos de constituintes favoreceriam uma leitura ou outra e, após isso, verificar quais fatores permitiriam o uso da forma simples (habitual) em contextos da perífrase PPROG (contínuo): se seria o tipo de verbo, o sujeito oracional, os complementos verbais ou adjuntos da oração. Diante do exposto acima, serão analisadas ocorrências das formas de imperfectivo habitual e durativo, verificando os contextos sintáticos em que aparecem e observando quais os fatores que propiciam a alternância entre as duas formas. Serão usados dois softwares de análise linguística: o WordSmith Tools, para a seleção das ocorrências, e o Goldvarb X, para calcular a frequência total das ocorrências e o peso relativo, que identifica os fatores sintáticos mais proeminentes nos contextos. A análise proposta aqui será de um corpus com dados secundários, ou seja, coletados e documentados por terceiros. Neste caso, serão analisadas 10 entrevistas de um projeto de documentação linguística do espanhol, o Proyecto para el Estudio Sociolinguístico del Español de España y de América (PRESEEA). Por fim, devido à disponibilidade do material coletado na internet, escolhi trabalhar com entrevistas feitas com falantes nativos da Cidade do México. Esta dissertação está organizada da seguinte maneira: o capítulo 1 está direcionado aos pressupostos da Linguística Gerativa nos quais nos baseamos; no capítulo 2, esclarecemos a fundamentação teórica sobre a categoria de aspecto; o capítulo 3 se refere às discussões feitas sobre o fenômeno aqui estudado; o capítulo 3 4 apresenta as delimitações metodológicas; no capítulo 5, apresentamos a análise; e, por fim, apresentamos as considerações finais. 4 CAPÍTULO 1 UMA PROPOSTA MENTALISTA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA – A GRAMÁTICA GERATIVA Para começar as delimitações teóricas desta dissertação, faremos uma apresentação das noções mais relevantes presentes no programa da Linguística Gerativa. Aqui, comentaremos sobre a perspectiva de estudo da linguagem defendida nessa teoria, sobre a proposta de análise do Programa Minimalista (PM) e sobre o lugar da variação linguística nessa visão. 1.1 Inatismo e competência gramatical Se considerarmos as demandas físicas para produzir linguagem, poderemos enumerar algumas das competências cognitivas necessárias para que um falante de qualquer língua natural participe de uma situação de interação. Uma série de elementos precisa ser acionada, como a memória, a visão, a audição, o reconhecimento de intenções comunicativas, o sistema fonético-fonológico, o sistema linguístico, etc. Por exemplo, um falante pode julgar a adequação comunicativa do seguinte enunciado: a. Quero que você venha amanhã. A oração acima pode indicar um pedido, um desejo, ou ainda, uma ordem. Ordens podem ser bem empregadas caso esteja clara a posição de superioridade de um falante frente a outro no evento comunicativo, por exemplo. No entanto, a mesma ordem pode ser mal interpretada se encaixada numa situação em que não seja necessário constatar que alguém manda e outro obedece. Quando o falante consegue avaliar em que momentos é possível empregar tal frase, de acordo com critérios como os citados antes, está pondo em prática seu conhecimento pragmático. Em contrapartida, o mesmo falante sabe que (a) é uma oração perfeita de acordo com critérios formais: sua concretização fonética exprime um determinado significado, as posições sintáticas estão organizadas e ocupadas adequadamente de acordo com a ordem sentencial do português, entre outros aspectos. Esse falante consegue julgar que os elementos linguísticos usados na sentença estão alinhados com o seu saber para construir e interpretar mensagens, destacando seu conhecimento linguístico. 5 Essa competência está diretamente relacionada ao conhecimento linguístico tácito que um indivíduo possui sobre sua língua. O estudo dos fenômenos linguísticos, nessa concepção mais mentalista, encontra forte fundamentação teórica na Linguística Gerativa, elaborada por Noam Chomsky, o qual se destaca na década de 1950 no que se refere a pesquisas sobre aquisição e biologia da linguagem. O cerne dessa corrente teórica está na análise da linguagem humana como objeto natural da espécie, como um componente da mente. Nesse sentido, os focos de pesquisa são o sistema de conhecimento linguístico dos falantes individuais e a faculdade da linguagem, a capacidade específica de dominar e usar uma língua natural (Belletti & Rizzi, 2006, p.3). Levando em consideração os dois focos de pesquisa citados anteriormente, Chomsky (1992, p. 15) estabelece perguntas para a investigação do fenômeno da linguagem: (1) (i) O que é esse sistema de conhecimento linguístico? (ii) Como surge esse sistema de conhecimento na mente/cérebro? (iii) Como se utiliza tal conhecimento na fala (ou em sistemas secundários como a escrita)? (iv) Quais são os mecanismos físicos que servem de base a esse sistema de conhecimento e ao uso do mesmo? Encontramos respostas para cada uma dessas perguntas em Raposo (1992). A primeira pergunta se refere ao conhecimento que permite a um falante falar e compreender seu idioma. A segunda está relacionada ao estágio inicial da faculdade da linguagem, o qual é nomeado na teoria gerativista como Gramática Universal (GU). Especificamente, de que maneira os princípios da GU interagem com a experiência linguística para dar lugar a uma língua particular. A terceira pergunta, ainda conforme Raposo (1992), trata de uma distinção feita por Chomsky (1986) entre competência e desempenho. O conceito de competência se refere a um saber linguístico inato que um indivíduo possui de uma língua particular, ou seja, sua gramática internalizada. Já o conceito de desempenho se refere ao uso da linguagem em situações de fala concreta. Sobre a última pergunta, Raposo (op.cit) afirma que essa trata da relação língua e cérebro, especificamente, dos mecanismos físicos (neuronais) que servem de base ao conhecimento gramatical. 6 Dentre as questões destacadas por Chomsky (1992), considerando a proposta gerativista, cujo teor de análise é mentalista em relação à linguagem, é importante ressaltar que, dentre as quatro questões propostas, a relação entre (1) e (2) é a pedrade-toque do gerativismo, conforme explicado em Raposo (1992): “[...] qualquer proposta relativa ao tipo de conhecimentos iniciais que a criança traz para o processo de aquisição tem de poder explicar adequadamente o caráter dos conhecimentos adquiridos relativamente a uma língua particular; e inversamente qualquer proposta quanto ao caráter dos conhecimentos sobre uma língua particular tem de ser compatível com os conhecimentos iniciais da criança e com o fato de a aquisição e o desenvolvimento dessa língua serem feitos a partir de conhecimentos iniciais.” (p.28) Essa relação direta entre o conhecimento linguístico inicial e o conhecimento de uma gramática particular enfoca um aspecto da Teoria Gerativa importante para o estudo das línguas particulares: (A) quais são os estágios do desenvolvimento linguístico e (B) os princípios que o regem seriam realmente invariantes, havendo compatibilidade entre o estágio inicial e o final? Quanto a (A), temos que retornar ao sistema inato de conhecimento linguístico que o falante possui. Para Chomsky (1986), todos os seres humanos possuem um órgão referente à linguagem situado no cérebro fisicamente. Essa área comporta um sistema mental responsável pela linguagem, a faculdade da linguagem. Segundo o autor, ao iniciar o processo de aquisição, essa faculdade está num estágio inicial, cuja representação é S0. Esse estágio inicial, a GU, é um conjunto de princípios inatos e biológicos, anterior a qualquer experiência. Considerando-se uma criança adquirindo sua língua materna, S0 passa a um estágio regular relativamente estável: SS. Ao alcançar esse estágio, o falante incorpora a gramática de uma língua particular, a qual Chomsky (op.cit) denomina Língua-I, isto é, a gramática regular internalizada de cada falante. Nesse sentido, ainda se trata do plano da representação mental. Já no plano da concretização, da produção linguística em si, Chomsky (op.cit) introduz o conceito de Língua-E ou língua externalizada. A Língua-E funcionaria como meio de acesso à Língua-I do falante. A produção linguística é o que dá indícios sobre como está organizado esse sistema que subjaz à língua externalizada. Quanto a (B), é importante recordar a última citação de Raposo (1992, p.28) segundo a qual o conhecimento inicial de um falante seria compatível com a gramática particular formada pós-aquisição e o inverso também ocorreria. Do ponto de vista teórico, isso significa que os princípios existentes na GU, tendo em conta a gama de 7 línguas naturais existentes no mundo, poderiam ser considerados universalmente válidos para todas. Tal pressuposto é o que chamamos de Universalidade Linguística. Esse conceito de universalidade ganha mais destaque na fase do gerativismo que se consolidou na década de 1980: a teoria de Princípios & Parâmetros (doravante P&P). Chomsky (1992), considerando a GU como o estágio inicial da Faculdade da Linguagem, estabelece que o processo de aquisição de uma língua envolve os princípios gerais desse componente universal e o input linguístico inicial a que um indivíduo tem acesso com a experiência, ou seja, os dados linguísticos primários (DLP). A combinação desses dois elementos promove a fixação do que chamamos de parâmetros, os quais diferem de acordo com as línguas naturais existentes. Especificamente, Chomsky (op. cit) afirma: “Dito com um termo técnico, os princípios da gramática universal têm certos parâmetros que podem ser fixados pela experiência de uma maneira ou de outra. Podemos imaginar a faculdade da linguagem como uma rede complexa e intrincada dotada de comutador consistente em uma série de interruptores que podem estar em uma de duas posições.” (p. 65, tradução nossa)1 Nesse momento da teoria, uma língua é caracterizada pela maneira como os valores de cada parâmetro podem ser fixados. Dependendo de como estejam, isso determinará se um falante está adquirindo espanhol, francês, alemão, etc. De forma mais simples, a metáfora dos interruptores, apresentada na citação, define melhor esse processo. Imaginemos uma série de interruptores elétricos. Dependendo da função que seja demandada para essa série, cada interruptor estará numa posição específica. No que tange à linguagem, os dados linguísticos projetam parâmetros de uma determinada língua. A combinatória dos dados e dos princípios da GU posicionam a “série de interruptores” para o russo, o mandarim ou o árabe. No entanto, ainda que esse processo pareça simples e efetivo, a fixação de parâmetros não parece ser suficientemente capaz de dar conta do fato de que as línguas naturais variam bastante. Conforme o próprio Chomsky (1992): “não existe uma relação simples entre o valor selecionado para um parâmetro e as consequências “Dicho con un término técnico, los principios de la gramática universal tienen ciertos parámetros que pueden ser fijados por la experiencia de una u otra manera. Podemos imaginar la facultad de lenguaje como una red compleja e intrincada dotada de un conmutador consistente en una serie de interruptores que pueden estar en una de dos posiciones.” (Chomsky, p.65, 1992) 1 8 desta seleção enquanto o processo de aquisição avança a través do intrincado sistema da gramática universal” (p. 66, tradução nossa)2. Isso significa que a mudança de um ou alguns parâmetros pode produzir uma nova língua particular diferente do idioma original, ou línguas que não têm nenhuma similaridade. Embora, de acordo com descrições históricas, existem idiomas que são bastante parecidos, indicando que alguns de seus parâmetros estejam fixados da mesma forma. Com isso, chegamos a uma assunção importante do Gerativismo: as línguas humanas são mais uniformes entre si do que dessemelhantes. A fim de dar materialidade a tal proposta, Chomsky (1992) propõe a metáfora do marciano. Esta metáfora consiste na seguinte suposição: se um cientista marciano que não conhecesse nada da linguagem humana chegasse à Terra, não teria problemas para inferir sobre seu funcionamento, pois os idiomas naturais apresentam em sua organização interna os mesmos princípios. Princípios esses pertencentes a um sistema linguístico inicial invariante e universal, isto é, a GU. Tal pressuposto é importante para esta dissertação porque ao longo da introdução pudemos observar dados de outros estudos sobre aspecto verbal que demonstram uma realização semelhante dessa categoria em línguas como o Português do Brasil e o Espanhol. Isso se aproxima bastante da análise chomskiana sobre língua e linguagem. Na próxima seção, veremos com mais detalhes os desdobramentos e refinamentos da visão até agora apresentada segundo conceitos de uma proposta de investigação mais recente na Línguística Gerativa, o Programa Minimalista. 1.2 Sobre o Programa Minimalista Desde a década de 1950, o modelo da Gramática Gerativa foi bastante modificado a partir de reflexões feitas em estudos do próprio Noam Chomsky e de pesquisadores que assumem a mesma perspectiva teórica. Cada fase do arcabouço gerativista tem suas próprias características; mas ainda provém de uma mesma visão: a linguagem é um objeto natural da espécie humana. “No hay una relación simple entre el valor seleccionado para un parámetro y las consecuencias de esta elección mientras avanza a través del intrincado sistema de la gramática universal.” (Chomsky, p.66, 1992) 2 9 Começamos com uma proposta conhecida como Gramática Transformacional ou modelo padrão, cuja elaboração é descrita em Aspects of the Theory of Syntax (Chomsky, 1965). Nesse momento, o autor retoma uma questão empírica da linguística moderna que já havia sido estabelecida: o problema de Platão. Essa questão se refere a como um indivíduo consegue adquirir linguagem se os dados que lhe são fornecidos pelo meio não são suficientes para explicar expressões linguísticas que as mesmas nunca ouviram, e produzir com qualidade. Levando em consideração esse problema de aquisição, o teórico propõe uma análise que seja adequada tanto para a descrição dos fatos da língua conhecidos pelos falantes quanto para a explicação sobre como esses elementos do conhecimento são adquiridos. Dar relevância à descrição significa alcançar uma adequação descritiva. Ressaltar a explicação se refere, além da descrição, à adequação explanatória, como comentam Belletti & Rizzi (2006): “A adequação explanatória é alcançada quando é possível demonstrar que um fragmento descritivamente adequado de uma gramática particular pode ser derivado de dois ingredientes: a Gramática Universal com sua estrutura interna, princípios analíticos etc., e uma certa trajetória de experiência, os fatos linguísticos que estão disponíveis para a criança aprender a linguagem durante o período de aquisição.” (p. 11) Embora tenha sido postulada essa preocupação com a explanação, de fato as pesquisas feitas, naquele momento da teoria, não pareciam demonstrar uma análise explicativa. Chomsky (1994) detalha que houve uma variedade de sistemas de regras referentes aos fenômenos de cada língua, ou seja, tais regras tornaram-se muito ricas e complexas. Consequentemente, o modelo padrão se afastava de sua adequação explicativa. Então, o modelo Princípios e Parâmetros (P&P) surge, no final da década de 1970, como possível solução para o problema da tensão entre a adequação explicativa (ou explanatória) e a descritiva segundo Chomsky (1994). Nele, conforme comentado na seção anterior, substituem-se as regras por princípios, pertencentes à GU, com um conjunto finito de opções para a aplicação de tais princípios, isto é, os parâmetros. Eliminando a noção de regra, é possível delinear uma teoria mais simples de análise linguística. O próprio conceito da existência de uma GU é abordado de uma maneira diferenciada. Nessa perspectiva, esse elemento passa a ser um componente integral dos sistemas das gramáticas particulares. Como discutem Belletti & Rizzi 10 (2006), adquirir uma língua é escolher, dentre as opções geradas pela mente, aquelas que se adequam à experiência e descartar as demais. Isso implica em observar as gramáticas particulares como derivadas imediatas da GU. Seguindo essa observação da linguagem de forma mais simples da teoria de P&P (se comparada à Gramática Transformacional), seu desdobramento se dá na década de 1990, com a apresentação do programa de investigação que ficou conhecido como Programa Minimalista (doravante PM). De acordo com essa perspectiva, Chomsky (1995) caracteriza o sistema linguístico a partir dos princípios de economia e simplicidade. Nesse sentido, se mantém a ideia de que a GU abarca os princípios linguísticos invariantes e o leque de variação permitido entre as línguas. Essas últimas, sob tal perspectiva, são constituídas por um léxico e um sistema computacional. O primeiro fornece itens que serão combinados pelo sistema computacional. A partir das combinações desses itens, esse último gera descrições estruturais (ou DE’s), que são as expressões de uma língua. Ainda segundo o autor, ao mesmo tempo que o léxico deve fornecer elementos para que o sistema computacional gere novas DE’s, tais itens lexicais devem satisfazer determinadas condições para que uma derivação seja aceitável: as condições de legibilidade dos níveis de interface com os sistemas de desempenho externos à faculdade da linguagem. Considerando que numa língua (língua-I) as expressões linguísticas são pareamentos de som e significado, Chomsky (1995) define que toda representação de som (π) deve ter propriedades legíveis para o sistema de desempenho articulatório-perceptual (ou A-P). Ao mesmo tempo, toda representação de significado (ʎ) deve ser interpretável, isto é, legível para o sistema conceitual-intencional (ou CI). Esses mesmos sistemas constituem os níveis de interface com o léxico. O primeiro nível seria a interface forma fonológica (ou PF) com o sistema A-P. O segundo, a interface forma lógica (ou LF) com o sistema C-I. Por conseguinte, a aquisição de uma língua é vista da seguinte forma: “Relativamente ao sistema computacional, pressupomos que S 0 (GU) é constituído por princípios invariantes; as opções restringem-se aos elementos funcionais e às propriedades gerais do léxico. Uma seleção Σ entre essas opções determina uma língua. Uma língua, por sua vez, determina uma série infinita de expressões linguísticas (DEs); cada DE é um par ( π, ʎ) que pertence aos níveis de interface (PF, LF), respectivamente. A aquisição de uma língua consiste numa ligação 11 particular de Σ; a gramática de uma língua descreve Σ e nada mais (…).” (Chomsky, 1995, p.247) A partir dessas definições, Chomsky (1995) afirma que uma expressão linguística (ou DE) é aceitável em PF se π, a propriedade de som, for legível nela; o mesmo se aplica a LF e ʎ, a propriedade semântica deve ser legível nessa interface. Uma computação (o processo operacional de geração de uma sentença) é finalizada se tiver propriedades condizentes com ambas as interfaces, ou seja, se convergir em PF e LF. Representações legítimas são aquelas que contenham somente objetos legíveis pelas interfaces correspondentes, o que chamamos de Princípio da Interpretação Plena. Do princípio anterior, obtemos o pressuposto cerne do minimalismo: todas as condições são condições nas interfaces; uma expressão linguística é uma realização ótima dessas condições nas interfaces (Chomsky, 1995). A proposta, no minimalismo, é que os itens lexicais fornecem ao sistema computacional, através de suas configurações (os traços), uma espécie de instrução sobre como devem ser vinculados quando a derivação de uma DE chegue à interface lógica. Especificamente, o que o sistema computacional faz é relacionar um conjunto de escolhas lexicais determinado com um par de som e significado (π, λ). Chomsky (1994) defende que esse conjunto, a partir de uma operação denominada numeração, deve indicar quais são os itens que vão participar da computação da derivação e quantas vezes ocorrem na mesma. Sendo assim, a computação é constituída exclusivamente de elementos presentes nos itens lexicais numerados para aquela operação, a derivação. Após essa seleção, a computação procede a partir desses itens, sem posterior acesso ao léxico. Por si só, compreender que a computação se dá com itens pré-selecionados pelo léxico indica uma abordagem que preza pela visualização do sistema linguístico como algo constituído em termos econômicos. Após o momento da seleção dos itens, a derivação prossegue com passos simples que envolvem a possibilidade ou não de movimento de um determinado item para outra posição na sentença. Chomsky (1994) indica que esses passos “são exprimíveis em termos de relações e propriedades naturais, com o contexto que as torna naturais “apagado” por operações posteriores e invisíveis nas representações para as quais a derivação converge” (p. 329). Isso significa que a derivação deve prosseguir com movimento de elementos para as posições sintáticas mais próximas quando necessário. 12 Sendo assim, os princípios de economia recaem sobre as descrições estruturais e sobre as representações linguísticas. Para que cada passo da derivação, ou computação, o autor aponta dois princípios básicos: procrastinar e o último recurso. Assumir teoricamente tais princípios significa eliminar o que não é necessário para a computação: (i) elementos supérfluos em representações e (ii) passos supérfluos em derivações. Ou seja, adiando etapas da derivação que não são essenciais. Tais etapas só serão cumpridas caso seja realmente necessário, o que chamamos de último recurso. Chomsky (1995) defende que derivações que respeitam procrastinar são mais econômicas e, portanto, preferíveis. Explica o seguinte: “A idéia intuitiva é que as operações em LF (forma lógica) são uma espécie de reflexo “conectado” (wired-in), operando mecanicamente para além de quaisquer efeitos diretamente observáveis. As operações em LF são menos caras do que as operações visíveis. O sistema tenta alcançar PF ‘tão depressa quanto possível’, minimizando a sintaxe visível” (p. 281). Quanto ao último recurso, descreve que uma etapa de uma derivação só é legível para os sistemas de interface se for necessária para que a derivação seja computada finalmente, isto é, converta, caso contrário tal etapa não ocorre. Um exemplo disso, segundo Belletti & Rizzi (2006), é o deslocamento de verbos para a camada flexional para que possam adquirir afixos de tempo, concordância, etc que não são palavras independentes. Esse deslocamento é a última operação que se dará na computação para que a derivação convirja. Nesse sentido, o deslocamento nunca é algo opcional mas uma operação de último recurso. Resumindo, qualquer computação linguística, sob uma ótica minimalista, deve respeitar os princípios básicos de economia descritos acima. Além disso, tal computação se utilizará da configuração dos itens lexicais selecionados previamente para prosseguir com as derivações até os níveis de interface. Uma pesquisa sobre aquisição de linguagem numa visão minimalista busca dar conta da aquisição dos traços linguísticos (das configurações dos itens lexicais) fornecidos por um inventário universal que a criança em processo de aquisição conhece tacitamente pois faz parte do seu aparato biológico. Em seguida, com a experiência linguística tais traços serão combinados e interpretados de acordo com as especificações de uma dada língua, através das operações do sistema computacional. Nesse sentido, o que a criança faz é selecionar 13 os subtipos de traços relevantes para a língua a ser adquirida e “descartar” ou “esquecer” os outros (Chomsky, 2000). Nesta dissertação, as noções de traço e de economia nas derivações são partes importantes da análise. De modo geral, porque uma língua, caracterizada nesses moldes, é insumo para o pressuposto da uniformidade translinguística, já que estabelece a origem das representações linguísticas e das computações na GU, o que reforça o universalismo previsto na teoria gerativa. De modo particular, porque assume o léxico como fornecedor de uma seleção de itens pré-determinados e de uma computação que elimina elementos supérfluos nas representações e nas derivações. Retomemos o objeto de investigação aqui apresentado: o uso de uma forma verbal simples (cantaba), cujo traço aspectual característico é a habitualidade, em contextos da forma perifrástica (estaba cantando), cujo traço aspectual característico é a duratividade. Em termos de economia, se o pretérito imperfeito também pode expressar duratividade, seria preferível selecionar e computar uma morfologia simples ao invés de uma perífrase que possui dois itens, o auxiliar com as informações de tempo, modo, aspecto, número e pessoa mais um gerúndio que traz informações semânticas e aspectuais da raiz do verbo e da morfologia –ndo. Essas são algumas reflexões que esta dissertação traz sob o ponto de vista minimalista e ao longo da análise buscaremos retomar com o auxílio dos resultados encontrados a fim de chegar a conclusões mais específicas sobre o fenômeno linguístico aqui explorado. 1.3 A variação entre as línguas Como já foi destacado em seções anteriores, a uniformidade translinguística é uma das noções fundamentais da Linguística Gerativa devido ao papel que se atribui ao componente GU no processo de aquisição. A GU será moldada à medida que os dados linguísticos primários (DLP) se combinem com as informações que disponibiliza. Nesse caso, se a GU é o elemento que possui todos os princípios universais das línguas e os traços específicos de cada língua, podemos pensar que todas possuem os mesmos princípios elementares. 14 Dessa forma, se assume que a sintaxe em si é essencialmente uniforme. Nesse caso, onde estaria a variação linguística que é visível para os falantes? De fato, a questão está em torno do vocábulo “visível”. Somente aquilo que pode ser visto nas sentenças de uma língua dá indícios de variação. Acontece que essa perspectiva vai passar por determinado refinamento à medida que a teoria avança. Comecemos destacando a noção de variação no modelo paramétrico (ou na versão da Teoria da Regência e Ligação) e, depois, no Programa Minimalista (PM). O modelo P&P define que a GU é um sistema de princípios e parâmetros. Esses últimos seriam princípios que possuem opções posteriormente fixadas de acordo com os dados linguísticos primários (DLP). Nessa perspectiva, as línguas variam quanto a sua marcação morfológica temporal, modal e aspectual dos verbos. Os elementos flexionais, quando combinados aos parâmetros, permitem a variação conforme propõem Belletti & Rizzi (2006). Para esses teóricos, um paradigma verbal mais complexo ou mais simples é que indicará valores de parâmetros para o componente sintático. No PM, essa noção se modifica bastante. Em Chomsky (1995), como já apresentamos, assume-se que as expressões linguísticas são um pareamento de som e significado que deve ser legível para os sistemas articulatório-perceptual e conceitual-intencional, ou seja, tanto na forma fonológica (PF) quanto na forma lógica (LF), se não a derivação não converge nesses níveis. Segundo Chomsky (2000), dentro dessa perspectiva, as computações se dão da seguinte maneira: a GU disponibiliza um conjunto de traços F, com propriedades linguísticas de som e significado. Fornece também operações (o procedimento computacional) que acessam tais traços para gerar as expressões da língua (ou DE’s). Uma língua relaciona esse conjunto F a um conjunto particular de expressões EXP. A aquisição, nesse momento, envolve, pelo menos, a seleção dos traços [F], a construção de itens lexicais LEX e um refinamento dos sistemas flexionais. No que diz respeito ao modelo de análise linguística, mais redução ainda pode ser feita. A computação para LF parece não acessar [F], mas somente o léxico. Ou seja, o mapeamento que o sistema computacional faz, segundo Chomsky (2000) seria de LEX para as LF’s das expressões linguísticas. Isso implica diretamente na computação, a qual só procede a partir desses itens lexicais selecionados, sem posterior acesso ao léxico. 15 Nessa perspectiva, se a escolha dos itens lexicais e a computação em LF são procedimentos que estão na sintaxe invisível, tais etapas não são visíveis para a criança. Portanto, defende-se que leque de variação possível deve estar visível nos dados linguísticos primários (os DLP), ocorrendo no componente fonológico e no léxico. Sendo assim, sob a ótica do Programa Minimalista (Chomsky, 1995, 2000 e 1994), esses traços dos itens lexicais – fonológicos, formais e semânticos – são suas unidades elementares e primitivas e as diferenças entre as línguas se dá por conta de diferenças nesses traços. Então, onde estariam as possíveis diferenças na expressão aspectual durativa em orações com Pretérito Imperfeito e perífrase “estar” + gerúndio no espanhol da Cidade do México? As formas de expressar os aspectos habitual e contínuo, no PB e no espanhol, são bastante semelhantes. As diferenças podem estar no caráter composicional (aspectual) do tipo de verbo e dos demais elementos da sentença, o que pode modificar numa língua e não em outra. É possível pensar que, se o léxico fornece os traços dos itens lexicais, essa variação estaria nas propriedades gerais desse componente. Seguindo a mesma linha de raciocínio, também é possível dizer que a variação translinguística é resultado da presença ou da ausência de traços formais nos itens do léxico. Isso implica em assumir que a variação é uma consequência de propriedades formais da GU. Porém, para alguns especialistas a questão da discussão sobre variação nos estudos gerativistas ainda necessita ser mais aprofundada. Recordemos que um dos propósitos da teoria gerativa é entender como a GU atua no sistema da Língua-I e na sua concretização, a Língua-E. Logo, a mesma deve ser adequada para considerar as gramáticas particulares e a diversidade existente entre as várias línguas. Raposo (1992) afirma que: A Gramática Universal tem de ser suficientemente flexível para acomodar a variação entre as diferentes línguas, mas tem ao mesmo tempo de possuir rigidez necessária para explicar as propriedades altamente específicas que caracterizam o conhecimento final dos falantes. (p. 17) Esses dois pressupostos apresentados pelo último autor sobre a GU perpassam os dois períodos mais importantes do gerativismo já comentados antes: a 16 teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1986) e o Programa Minimalista (Chomsky, 1995). E, apesar dos vários desdobramentos que o PM tem atualmente, alguns teóricos ainda questionam: como “conciliar a diversidade das línguas com o caminho rígido e altamente específico tomado pelo desenvolvimento das gramáticas individuais” (Raposo, 1992)? Uma proposta que busca responder a essa questão é a da Gramática em Competição. Tal perspectiva visa a entender como a variação e a mudança ocorrem nas línguas, considerando, inicialmente, que as mesmas variam dentro de seus próprios sistemas. A ideia é tentar explicar a variação sem perder o caráter explicativo da GU, evitando dar lugar somente à descrição das estruturas que compõem os sistemas gramaticais de cada língua. Segundo Pintzuk (2003), a competição ocorre quando duas opções gramaticais distintas variam em áreas da gramática que, não necessariamente, permitem haver alternância. O que se distingue na descrição e na análise das opções gramaticais em competição é o quadro teórico de estudo sintático assumido. Se for adotada a perspectiva de Princípios e Parâmetros, na qual a GU apresenta princípios universais, comuns a todas as línguas, e parâmetros que estão relacionados a esses princípios e que variam de língua para língua, “as opções gramaticais geralmente correspondem a configurações paramétricas contraditórias” (p. 516). Pintzuk (2003) dá como exemplo diferenças entre línguas: aquelas que possuem estruturas oracionais SVO versus línguas que possuem estruturas oracionais SOV, também chamadas de V3. Já no Programa Minimalista, Chomsky (1995) defende que o objetivo de uma teoria da linguagem deve ser “caracterizar o estágio inicial da faculdade da linguagem e demonstrar como ela mapeia a experiência até o estado alcançado” (p. 3). Uma análise desse estágio inicial deve dar lugar a um número cerceado de variações e as opções da GU devem ser altamente reduzidas. Daí, também, a redução dos parâmetros a traços que devem ser interpretados pelo sistema cognitivo e os sistemas de desempenho em conjunto. Com isso, a partir de um ponto de vista minimalista, “a competição entre opções gramaticais corresponde à força dos traços de seus núcleos funcionais, forte versus fraco” (Pintzuk, 2003, p. 516). Logo, a competição entre formas não estaria no âmbito de duas gramáticas separadamente, porém dentro de uma mesma gramática. 17 Encontramos mais esclarecimentos sobre essa visão de análise na obra de David Lightfoot (1999). O autor defende que a ocorrência de novos usos das formas linguísticas se deve à exposição do indivíduo, durante o período de aquisição, a novos dados linguísticos primários (DLP) conforme haja contato entre o saber linguístico da criança e os dados da experiência. Essa proposta, portanto, parece se alinhar com o pressuposto minimalista de que a variação deve estar visível nos DLP. Para o autor, a natureza dos DLP constitui uma experiência detonadora, na qual novas “pistas” estarão presentes. Essas pistas estão associadas aos parâmetros (caso o estudo tenha como base o modelo P&P) ou traços (caso a análise se estabeleça no modelo PM) fixados nas gramáticas particulares, e, por esse motivo, não são universais, mas específicas a cada gramática em particular. Dependendo da configuração dos DLP pode ocorrer uma reanálise gramatical. Nesta dissertação, no que tange ao objeto de estudo aqui pesquisado, não é nossa pretensão afirmar que há de fato uma mudança na expressão do aspecto imperfectivo contínuo no espanhol da Cidade do México. Não analisaremos dados suficientemente efetivos para tal. No entanto, pudemos observar em Sebold et al (2013) que (a) houve menor frequência de formas de Passado Progressivo (estaba cantando – PPROG) se comparadas as formas de Pretérito Imperfeito (cantaba – IMP) por exemplo. Isso pode indicar um possível esvaziamento do seu valor temporal e uma persistência do seu valor aspectual, já que algumas formas de IMP também apresentavam o valor de contínuo, característico da forma perifrástica. Essa preferência dos falantes por uma forma que expresse os valores habitual e contínuo positivamente indica que o sistema gramatical do espanhol, na variedade mexicana, parece estar passando por uma competição entre as formas IMP e PPROG para a expressão do aspecto imperfectivo contínuo, tal como acontece no PB. E (b), retornando aos pressupostos do Programa Minimalista, podemos destacar dois aspectos importantes. Primeiramente, tendo em conta os princípios de economia, parece ser realmente mais simples optar por uma forma fonética que demande menos passos na derivação junto com as propriedades semânticas selecionadas, como no caso de pretérito imperfeito. Em segundo lugar, é importante lembrar que a variação, no que diz respeito ao PM, se encontra no que está visível para a criança em fase de aquisição, ou seja na 18 forma fonológica (PF) e no léxico, sob a perspectiva gerativista. De fato, nos dados obtidos em Sebold et al (2013), observamos que o valor de aspecto contínuo se manteve em algumas formas de Pretérito Imperfeito. Isso parece corroborar a ideia de que a variação está em PF e não no sistema computacional. Além disso, podemos recordar um pressuposto gerativista importante: a uniformidade translinguística. No estudo de Sebold et al (op.cit), comparamos o fenômeno aqui estudado em duas línguas: a variedade carioca do português do Brasil (PB) e o espanhol da Cidade do México. Verificamos que as duas línguas compartilham deste quadro de alternância entre formas IMP e PPROG em contextos de aspecto contínuo. Isso parece indicar uma uniformidade da expressão de passado imperfectivo, podendo sustentar a proposta de que as línguas são mais semelhantes entre si. Dessa forma, a ótica das gramáticas em competição, assumindo a proposta de Lightfoot (1999), nos auxilia a compreender o fenômeno da variação que ocorre visivelmente no espanhol. Em seguida, as noções de economia e simplicidade, de uniformidade translinguística e de variação nos DLP destacadas de forma específica no programa de investigação minimalista nos auxiliam na verificação de quais traços estão envolvidos nos contextos de ocorrência da expressão aspectual da duratividade (ou contínuo) no espanhol da Cidade México. 19 CAPÍTULO 2 ASPECTO VERBAL – DEFINIÇÕES E DISCUSSÕES 2.1. O conceito de aspecto Há línguas que apresentam morfologia verbal suficientemente capaz de expressar, além de traços de tempo, os de aspecto igualmente. Dois exemplos são o espanhol e o português conforme veremos aqui. Buscando distinguir conceitos e esclarecer definições importantes para esta dissertação, neste capítulo, traremos as discussões e as noções fundamentais ao estudar uma categoria linguística tão complexa e abstrata quanto aspecto. Entretanto, a gramática tradicional se estrutura na tríade básica no que concerne à categoria VERBO, ou seja, modo, tempo e voz. Inicialmente, é preciso compreender que as noções de aspecto e tempo não são iguais. Na verdade, há distinções cruciais entre as duas. Porém, antes de tratar de sua expressão linguística propriamente dita, existe uma relação diferenciada entre o mundo externo dos conceitos e cada uma das duas. Em Abbagnano (2000, verbete tempo), afirma-se que, na Antiguidade Clássica, podemos encontrar a concepção de tempo que se reflete na concepção científica moderna que obtemos atualmente. Aristóteles, conforme Abbagnano (2000), define tempo como algo cíclico, “é o número do movimento segundo um antes e um depois”. Essa definição, proveniente da Grécia Antiga, nos auxilia a entender que antes da produção linguística existe o processo de interação entre o tempo como agente externo e a decodificação que a mente humana faz desse conceito. Observemos a seguinte oração (exemplo nosso): (a) Eu trabalho com o João há anos. Nesta sentença, podemos destacar vários itens que compõem sua significação. Numa análise inicial, identificamos que a morfologia verbal é a de presente do indicativo. Rapidamente, associamos a referência morfológica à referência temporal cronológica. No entanto, a ação de “trabalhar com o João há anos”, obviamente, não pode ocorrer no presente. Mas sim, começou em algum ponto do passado e continua até o presente momento de fala. A partir dessa consideração, observamos quatro noções respectivamente: 20 (i) Tempo gramatical ou flexional (ii) Momento de fala ou enunciação3 (iii) Tempo da situação (iv) Aspecto Sabemos que a morfologia flexional indica presente do indicativo. Além disso, se o momento de fala ou enunciação é o presente, o momento em que o evento ocorre é o passado. Por fim, entendemos que essa ação continua ocorrendo até o presente momento de fala, portanto é durativa e não acabada, já que não há indicação de seu término. Interessa-nos, aqui, analisar essas noções de natureza aspectual. 2.2. Principais Estudos De modo geral, os autores concordam entre si no que tange à definição da categoria Aspecto. Destacamos, primeiramente, uma definição canônica desse conceito e a partir da qual outros autores desenvolvem sua própria classificação aspectual. Comrie (1976) apresenta essa definição geral do conceito para posteriormente dissertar sobre os tipos de aspecto, na verdade, sobre os tipos de aspecto gramatical, como veremos mais adiante. Sendo assim, Comrie (op.cit) estabelece que “aspecto envolve as diferentes maneiras de ver a constituição temporal interna de uma situação4”. Isto é, se a mesma é durativa, se se repete ou não, se é acabada ou não, entre outros tópicos. Há autores que definem aspecto a partir da contra-evidência da informação relativa a tempo. Travaglia (2006), por exemplo, afirma que tempo tem caráter dêitico, justamente por relacionar o momento da enunciação ao da situação. Nesse sentido, esse conceito se distingue do de aspecto, pois este último se refere à situação em si, à natureza da mesma e não ao ponto do presente, passado ou futuro em que se dá. 3 Como o objetivo desta dissertação não é tratar da organização dos tempos verbais, para aprofundar informações sobre a estruturação dos tempos, consultar Reichembach (1947). “Aspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situation”. (Comrie, p.3, 1976) 4 21 Esse teórico entende que o aspecto, sendo uma categoria não-dêitica, expressa informações sobre a duração de uma situação, a qual pode ser considerada sob três pontos de vista: o estágio de desenvolvimento da mesma, seu início, meio e fim; seu estágio de completamento, se a situação está completa ou não; e, por fim, o seu estágio de realização, isto é, se a situação está na iminência de começar, se começou mas não está acabada e se está acabada. Consideremos o exemplo (1). (1) Carmem pagou os impostos. Está explícito que a referência temporal, nessa oração, é o passado, tanto no que diz respeito à referência cronológica quando à flexão. Neste caso, o pretérito perfeito simples. Entretanto, o aspecto para Travaglia (op.cit) consiste em indicar que essa é uma ação cujo foco é o seu fim, está completa e, portanto, acabada. Desse feixe de informações, serão obtidas diferentes noções aspectuais. Por outro lado, autores como Castilho (2012) desenvolvem mais a noção de constituição temporal interna descrita em Comrie (op.cit), estabelecendo a noção de desenvolvimento ou fases de uma situação. Por conseguinte, Castilho (op.cit) define aspecto relacionando-o aos graus de desenvolvimento de uma situação, ou seja, essa categoria representa as fases que uma situação pode compreender. Vejamos a sentença abaixo: (2) Carmen paga seus impostos. Considerando uma análise de eventos nas suas fases, observamos em (2) a referência com o tempo presente tanto cronologicamente quanto na flexão. A questão é que a ação expressa por essa oração possui o foco numa fase intermediária. A ação de pagar impostos já iniciou e não sabemos se está acabada ou não, ou seja, o foco também não está numa fase final. Da mesma forma, pode-se interpretar que Carmen paga seus impostos com uma certa frequência. Não há espaço para uma interpretação singular, de que o pagamento foi efetuado somente uma vez. Portanto, é uma ação com ocorrência múltipla. Castilho (2012) compreende que da observação das fases de um evento e do número de ocorrências que possui é possível estabelecer uma classificação aspectual. O próprio autor propõe a sua classificação baseando-se nessa última 22 explicação. Todavia, nosso objetivo não é citar nomenclaturas aspectuais neste momento. É importante, neste ponto, distinguir os conceitos de tempo e aspecto. E demonstrar que, na significação das sentenças produzidas pelos falantes de diferentes línguas, existem informações mais complexas que estão além dos traços explícitos foneticamente nas línguas. Considerando esse conceito geral, precisamos entender o que constitui ou compõe a significação aspectual de uma sentença. Há níveis de análise aspectual conforme discutiremos adiante. 2.2.1 Nível de análise I – O predicado verbal Alguns teóricos propuseram uma análise desde o semantema (ou radical) dos verbos até a composição desses com seus argumentos internos e adjuntos adverbiais. Isso significa que as noções aspectuais estariam codificadas no radical verbal ou seriam ora modificadas ora reforçadas, dependendo da natureza dos adjuntos e complementos verbais. Cada verbo ou predicado apresentaria características intrínsecas, o que o agruparia em uma classe acional ou classe aspectual verbal, conforme detalharemos adiante. Utilizamos os dois termos em itálico considerando a proposta de teóricos que defendem a separação do domínio aspectual do domínio acional. Basso (2007), por exemplo, defende que as noções aspectuais dizem respeito às maneiras pelas quais um evento é apresentado, podendo estar ou não acabado: o aspecto perfectivo apresenta um evento como acabado, como não mais em curso, e o imperfectivo como ainda em curso ou simplesmente não acabado. O domínio acional (ou Aktionsarten), ao contrário, se refere às noções de duratividade, telicidade e estatividade. Basso (2007) distingue aspecto de acionalidade argumentando que eventos de qualquer classe acional podem ser apresentados em qualquer classe aspectual. Como em: (3) a. João nadou (atividade no perfectivo) ontem b. João nadava (atividade no imperfectivo) na infância. As noções discutidas em Basso (op.cit) foram apresentadas classificação de predicados verbais por Vendler (1967), o qual propôs quatro categorias de predicação 23 verbal: accomplishment (processo culminado); achievement (culminação); activities (atividade); e states (estados). Esse autor indica que essas categorias se dividem em função de três traços: dinamicidade, duratividade e telicidade. A noção de dinamicidade se refere à possibilidade do evento estar constituído por várias fases ou somente uma, se é heterogêneo ou homogêneo. Comparemos os seguintes verbos em (4): (4) a. Amar. b. Cozinhar. Se compararmos os dois, poderemos perceber que a situação cozinhar envolve etapas, fases no seu desenvolvimento. Já verbos como amar não são vistos em fases, mas de uma forma homogênea, inclusive por sua natureza psicológica. Para entender a noção de duratividade, comparemos os verbos em (5): (5) a. Saltar b. Costurar. A ação de saltar se dá exatamente no ato do movimento de elevar o corpo acima do chão e de forma rápida. Mas cozinhar envolve mais períodos de tempo para que ação ocorra. A duração, portanto, diz respeito ao fato de uma situação se prolongar por um certo período de tempo ou não. Por fim, a telicidade é um valor que se refere ao ponto final de uma ação qualquer. Vejamos: (6) a. Correr. b. Correr uma maratona. Sem a delimitação do complemento uma maratona, correr não apresenta um ponto final visível. Claro que nenhuma pessoa correrá indefinidamente, entretanto a diferença está no fato de que correr envolve uma pausa, mas pode voltar a se desenvolver a qualquer momento. Em contrapartida, correr uma maratona indica que ao acabar uma maratona a ação parou. No primeiro caso, obtemos uma ação que cessa, mas não para, diferentemente da segunda. A telicidade, nesse sentido, indica que o ponto final de uma situação está visível ou não, se lhe é intrínseco. 24 Esses traços definem uma grande sistematização dos predicados verbais. Sendo assim, apresentamos no quadro abaixo a distribuição dos traços de cada classe acional conforme a proposta vendleriana: Dinamicidade Telicidade Duratividade Estado: amar - - + Atividade: correr + - + Processo Culminado: + + + + + - correr uma maratona Culminação: saltar Quadro 1 – Classificação vendleriana Os verbos de Estado, segundo o quadro acima, são [- dinâmicos] e [- télicos] por não indicarem nem fases na sua composição nem um ponto visível para o término da ação. Mas são [+ durativos], devido a sua natureza homogênea e indefinida. Por não apresentarem essas delimitações, são marcados positivamente nesse traço. Os verbos de Atividade e de Processo culminado compartilham a marcação positiva em relação à duratividade e à dinamicidade. Obviamente, por envolverem etapas em seu desenvolvimento e por necessitarem de períodos de tempo mais alargados para ocorrerem. Distinguem-se quanto ao traço de telicidade. Os eventos com verbos de atividade são considerados [- télicos] por não terem sua delimitação sinalizada, não importa quanto tempo durem as mesmas. Já eventos com verbos de processos culminado necessitam da expressão desse ponto final ou de culminância do evento. Como já vimos, as Atividades cessam mas não param. Finalmente, o que diferencia todos os tipos de predicado daqueles com verbos de culminação é o traço de duração. Essa categoria é considerada [- durativa]. Isso se deve ao seu caráter instantâneo, pois esses eventos terminam no momento e que começam. Isso significa que sua delimitação inicial e final coincidem. É interessante compreender que, considerando a mesma categorização, há autores, como De Miguel (1999), que assumem essas categorias como aspecto lexical por se tratarem de noções codificadas na raiz do verbo, ao invés do rótulo de domínio acional. Outros utilizam nomenclaturas diferentes para os mesmos conceitos, mas entendendo-os como aspecto da mesma maneira. 25 É o caso de Smith (1991). Para a autora, a significação aspectual demanda informações de dois componentes também de mesma natureza: o aspecto do tipo de situação (type of situation aspect) e o aspecto de ponto de vista (viewpoint aspect). O primeiro é expresso pela composição VERBO + ARGUMENTOS + ADVÉRBIOS ao passo que o segundo por morfemas flexionais ou gramaticais. Ao tratar do tipo de situação, Smith (op.cit) também propõe sua classificação. Cada composição apresenta um traço de dinamicidade, duração ou telicidade marcado positivamente ou negativamente, assim como observamos em Vendler (1967). Interessante é a revisão feita pela autora desses três conceitos. A mesma compreende que há verbos estativos e eventivos. Consideremos os exemplos da própria teórica em (7): (7) a. Estar em Atenas b. Construir uma casa Em (7a), a estada em Atenas não enseja períodos de tempo diferenciados nem um ponto final intrínseco. Essas são características básicas dos predicados estativos. Entretanto, seu traço principal, que o contrapõe aos predicados eventivos, é a marcação [- dinamicidade]. Os eventos são [+ dinâmicos] pelo fato de demandarem agentividade, uma mudança de estado, mudanças de etapas ou fases até o seu fim, como é o caso de (7b). Seguindo a mesma linha de raciocínio de Smith (1991), se o traço de [+ dinamicidade] implica numa mudança de estado, uma informação a mais é interessante sobre o traço de telicidade, até então não tratado. Pensar assim, significa que, além de demonstrar que um evento pode ter ou não um ponto final intrínseco, o evento [+ télico] envolve o alcance de uma meta, desde a etapa inicial até sua última. O alcance dessa meta implica na completude do evento e numa posterior mudança de estado. Finalmente, no que se refere à duração, Smith (1991) não se distancia da definição de duratividade de Vendler (1967), afirmando que as situações podem ser durativas ou instantâneas conforme já observamos. Desta forma, a classificação de Smith (1991) apresenta os seguintes tipos de situação: 26 Dinamicidade Telicidade Duração Estado: estar em Atenas - - + Atividade: caminhar no + - + + + + + - - + + - parque Processo Culminado: construir uma casa Semelfactivo: bater à porta / tossir Culminação: ganhar a corrida Entender a telicidade da forma como explicamos antes, implica numa revisão das categorias de predicação verbal. É perceptível a presença de um tipo de situação não citado antes e Vendler (1967): os semelfactivos. Enquanto é mantida a mesma distribuição de traços feita por esse autor nos verbos de estado, atividade, processo culminado e culminação, os semelfactivos, em Smith (1991), são descritos como eventos instantâneos como os de culminação. O que distingue os dois tipos de situação é o seu traço de telicidade. Os semelfactivos são [- télicos], diferentemente desse último tipo citado. Vejamos o exemplo abaixo: (8) Bater à porta Para Smith (1991), bater uma única vez não implica que esse seja o ponto final da situação visto que pode ocorrer uma sequência de batidas. Seria uma composição de vários eventos com término indefinido, logo, [-télicos]. Considerando que a classificação da autora está baseada na de Vendler (1967), porém com a inserção de mais uma classe de verbos, assumiremos esta última classificação com a presença de verbos semelfactivos. Além disso, também assumimos que a informação do compósito radical verbal mais seus complementos e advérbios é de natureza aspectual. 27 2.2.2 Nível de Análise II – A flexão e a informação aspectual Nesta subseção, trataremos de outro nível de análise, o das propostas que visam a dar conta da combinação dos verbos com a flexão verbal e os verbos auxiliares, o que configura o chamado aspecto gramatical, conforme Comrie (1976) ou aspecto do ponto de vista, conforme Smith (1991). Comecemos retomando a definição de aspecto utilizada aqui, aquela estabelecida por Comrie (1976): “aspecto são as diferentes maneiras de enxergar a constituição temporal interna de uma situação” (p.3). Com o fim de tornar mais clara essa definição, retomamos também dois exemplos do inglês utilizados pelo próprio autor: (9) He was reading. Ele estava lendo. (10) He read. Ele leu / lia5 A significação de uma situação, seja estativa ou eventiva, depende também da flexão. Observamos, no inglês, que o auxiliar was e a forma irregular do verbo to read ensejam o tempo flexional pretérito. Apesar da leitura temporal ser a mesma, o desenvolvimento das duas ações se dá de forma distinta. A sentença (1) se refere a uma ação que está em curso em algum momento do passado. Já a sentença (2) pode ter duas leituras dependendo do contexto. Por um lado, expressa uma ação que começou e terminou num ponto desconhecido do passado (ele leu). Por outro, pode ensejar uma ação durativa no passado que se dava habitualmente (ele lia). Esses traços de início e término, acabado ou não-acabado, etc se inserem no domínio aspectual e não no temporal como já foi explicitado anteriormente. A partir disso, Comrie (op.cit) estabelece também classes aspectuais básicas, ou aspectos básicos, de acordo com a morfologia flexional. Veja-se no esquema abaixo: 5 Como em inglês, há uma forma verbal que pode ensejar tanto a leitura temporal com o pretérito perfeito simples quanto com o imperfeito, dependendo do contexto, destaco as duas traduções possíveis para o PB. 28 Figura 1 - Oposições aspectuais6 Conforme o exposto no parágrafo acima, o aspecto relacionado à natureza da morfologia agregada ao verbo é chamado gramatical. Pudemos observar que o inglês, assim como o PB e o espanhol, possui flexões verbais capazes de carregar informações aspectuais e temporais simultaneamente. Vejamos alguns exemplos a seguir a fim de compreender essa questão, no PB e no espanhol respectivamente: (11) Marta fez suas tarefas. (12) Marta hizo sus tareas. (13) Marta fazia suas tarefas. (14) Marta hacía sus tareas. (15) Marta está / estava fazendo suas tarefas (16) Marta está / estaba haciendo sus tareas. (17) Marta faz suas tarefas. (18) Marta hace sus tareas. As orações em (11) e (12) têm como núcleo uma flexão pretérito perfeito simples. Essa marca morfológica expressa o aspecto perfectivo. O mesmo enseja uma interpretação de uma situação, seja estativa ou eventiva, vista como um todo único, sem enfocar as partes que a constituem ou as várias instâncias em que a situação ocorre. 6 Esse esquema é semelhante ao que está na p.25 de Comrie (1976). 29 As sentenças (13) e (14), por sua vez, indicam o imperfectivo com marca de habitualidade, que pode ser expresso nas duas línguas pela morfologia de pretérito imperfeito. O imperfectivo, em si, está relacionado à estrutura temporal interna de uma situação, vendo-a de dentro. Isso significa que, na sua interpretação, há espaço para suas fases desenvolvimento. E o habitual seria a sucessiva recorrência de várias instâncias de uma dada situação durante todo um período de tempo. No par (15 – 16), temos formas de expressão de imperfectivo durativo ou contínuo, tanto com a flexão de presente quanto com a de passado. A duratividade descreve uma situação que é característica de um determinado período de tempo. A diferença entre (15 – 16) e (17 – 18), a partir da explicação de Comrie (1976), estaria na morfologia, ou seja, no fato de haver um indicador expresso de progressividade no primeiro par e nas duas últimas não. O progressivo seria indicado pela partícula -ndo no PB e por -(y)iendo / -ndo7 em espanhol. Smith (1991), por outro lado, apresenta o aspecto de ponto de vista ou viewpoint aspect. A classificação é semelhante; mas não tão detalhista e esquematizada visualmente como em Comrie (1976). A primeira autora defende que o ponto de vista está codificado na morfologia gramatical. Mas ao invés de dois aspectos somente, Smith (1991) propõe três categorias: - o perfectivo: designa uma situação que é vista como um todo fechado, focando ou o início ou o fim de uma ação. - o imperfectivo: indica uma situação que é vista por partes ou estágios, sem informação sobre seu início ou fim. - o neutro: envolve uma ação que foca seu ponto inicial e pelo menos um dos estágios de desenvolvimento da mesma. Com exemplos do inglês, a autora demonstra como podem ser expressos esses aspectos nessa língua: (19) The King reigned for thirty years. (20) O rei governou por trinta anos. (21) The sea was calm. (22) O mar estava calmo. (23) John will sing when Mary will enter the office. 7 -(y)iendo para 2ª e 3ª conjugação verbal: construyendo e haciendo; -ndo para a 1ª conjugação: cantando. 30 (24) John vai cantar quando Mary entrar no escritório. Percebemos que em (19 – 20) a situação está completa, não temos conhecimento ou indicações dos estágios do reinado daquele rei. Mas sabemos que terminou após trinta anos. Daí sua classificação perfectiva. As sentenças (21 – 22) não apresentam uma interpretação da qual possamos compreender quando o mar começou a ficar calmo, nem quando deixou de estar calmo. Mas temos uma visão parcial de uma de suas fases sem limites definidos. Por isso, a interpretação imperfectiva. As orações (23 – 24) apresentariam uma interpretação aspectual vaga, segundo Smith (1991). Por não estarem marcadas positivamente nem para o perfectivo nem para o imperfectivo, sua morfologia seria classificada como a expressão de um ponto de vista neutro. A autora sugere essa denominação porque o ponto de vista neutro é mais fraco que o perfectivo uma vez que permite leituras abertas. Por outro lado, é mais forte que o imperfectivo já que permite leitura fechadas.8 Diante das classificações de aspecto gramatical propostas por Comrie (1976) e Smith (op.cit), nesta dissertação, assumimos a primeira. Não por discordar da categorização da segunda autora, mas pelo fato da primeira proposta estar mais detalhada e por lidar com matizes aspectuais que não foram explicitadas suficientemente pela última proposta, como a habitualidade e a duratividade. 2.2.3 Nível de análise III – A oração Até a última seção, já apresentados os principais conceitos e discussões sobre o campo aspectual. Desta forma, entendemos que o aspecto é uma categoria linguística que pode estar codificada desde a parte mais interna de um verbo, o seu radical, ou em outros elementos, por exemplo, o determinante de um dado complemento direto. Justamente por considerarmos e termos demonstrado com os exemplos, ao longo deste capítulo, que matizes aspectuais são encontradas em diferentes elementos numa sentença, é interessante explicitar o nível mais externo de análise “The neutral viewpoint is weaker than the perfective because it allows open readings. It is stronger than the imperfective because it allows closed readings.” (Smith, 1991, p.120) 8 31 nos estudos aspectuais: a sentença. Se assumimos que um determinante ou um verbo possui uma carga aspectual, o que ocorre com a mesma quando tais elementos estão combinados numa oração? Um autor, em especial, se dedicou a essa questão. Verkuyl (1993) compreende que o aspecto é entendido numa sentença de forma composicional, sendo possível fazer uma leitura aspectual da mesma. O conceito, ou princípio da composicionalidade, permeia vários ramos da ciência, como a matemática e a computação. É conhecido como o princípio de Frege ou fregeano. Esse foi um filósofo e matemático alemão, cuja notoriedade é expressiva no fim Século XIX, e que transitou por essas duas áreas da ciência sendo considerado um dos principais pensadores da lógica matemática moderna. Para Frege (1892), analisar expressões compostas, é preciso compreender que o significado da mesma é uma função do significado de suas partes e da regra sintática pela qual se combinam. Entendamos, aqui, o termo sintaxe fora dos sentidos da gramática ou da linguística em si. Sintaxe, aqui, é compreendida como qualquer operação que combine elementos de qualquer natureza. Desse pensamento, Verkuyl (1993) desenvolve sua argumentação em favor do caráter composicional do aspecto nas sentenças. Nesse sentido, à medida que outros elementos são agregados à sentença em seu processo gerador, como o argumento interno do verbo (complementos direto e indireto), os adjuntos (modificadores adverbiais, etc) e o argumento externo (sujeito), os valores aspectuais da morfologia verbal bem como os valores acionais da raiz podem ser mantidos ou neutralizados, modificando completamente a leitura de uma oração. Se assim ocorre, quais valores cada elemento, dentre os citados acima, apresenta para que quando conjugados a outros ensejem uma ou outra leitura. Em sua argumentação, Verkuyl (op.cit) apresenta uma proposta de descrição traços definidores dos valores semânticos para verbos e para nomes. Os verbos possuem o traço additive to que pode ser positivo ou negativo – [±Addto]. Um verbo [+Addto], como comer, que é [+dinâmico], denota uma mudança de estado num dado período de tempo, como caminhar. Em contrapartida, um verbo [-Addto], o qual também é [dinâmico], não enseja tal mudança. Por exemplo, odiar. No caso dos sintagmas nominais (SN’s), um SN possui o traço specified quantified of A, o qual também pode ser positivo ou negativo – [±SQA]. Tal traço determina a quantidade especificada de A, sendo A qualquer SN. SN’s do tipo três 32 milhas são [+SQA] enquanto milhas, pois apresentam na sua formação a inserção de um numeral. Quando não há qualquer determinante ou outro especificador, esse SN é considerado [-SQA]. Esses traços nominais quando conjugados a um verbo numa frase, devido a sua marcação tornam o evento [± terminativo]. Vejamos (25): (25) a. María anduvo kilómetros. b. María anduvo tres kilómetros. Repare-se que os verbos estão conjugados no mesmo tempo, o pretérito perfeito simples ou Pretérito Indefinido. Esse tempo, conforme já discutimos, é uma expressão do aspecto perfectivo. Portanto, a interpretação que temos da sentença é de uma ação vista como um todo acabado. Observamos também que o complemento em (25a) é um SN sem determinantes, flexionado no plural. Como já foi explicitado, isso caracteriza um traço [-SQA]. Devido a esse traço o evento se torna [-terminativo] e, logo, [+ durativo]. Notese que não é possível interpretar até quando Maria andou. Por outro lado, na frase (25b), o SN complemento está especificado pelo numeral tres, caracterizando-o [+SQA]. Isso torna o evento [+terminativo]. Sabemos que a ação de andar terminou assim que Maria alcançou os três quilômetros. Assumindo que os traços dos constituintes da sentença e as operações sintáticas que a constituem podem reforçar ou modificar uma leitura aspectual. Recordemos que, nesta dissertação, nos interessa investigar o que permite que uma forma canônica de aspecto imperfectivo habitual tenha começado a ocorrer em contextos nos quais seria usada a perífrase estar + gerúndio, devido ao seu caráter durativo e progressivo. Sendo assim, a pergunta que propomos é: devido às propriedades dos traços dos elementos, haveria a possibilidade de tais traços influenciarem a ponto de ocorrer a substituição da perífrase pela forma simples de imperfectivo passado? Quais seriam os traços com força suficiente para desencadear tal operação? Discutiremos sobre esse fenômeno com mais detalhes no próximo capítulo 33 CAPÍTULO 3 ESTUDOS SOBRE ESTAR (IMP) + GERÚNDIO E O PRETÉRITO IMPERFEITO No capítulo anterior, esclarecemos as noções básicas sobre a categoria Aspecto que nos interessam nesta dissertação. Tais conceitos serão retomados, neste capítulo, a fim de nortear as discussões sobre o fenômeno linguístico aqui pesquisado: a coocorrência da forma verbal imperfectiva habitual (caminaba) em contextos canônicos de progressividade (estaba caminando). 3.1 A alternância entre forma de Passado Imperfectivo – O caso do PB e do Espanhol Para começar, recordemos a tipologia aspectual de Comrie (1976), que propõe para o imperfectivo dois valores: a habitualidade e a continuidade ou duratividade. Este último pode ser expresso por uma morfologia de progressivo explícita na forma verbal e em outros casos sem uma marca linguística presente, o que denomina de progressivo e não-progressivo respectivamente9. Da mesma forma, Comrie (op.cit) entende que a habitualidade pode ser combinável com outros valores aspectuais desde que a estrutura formal de uma determinada língua permita conjugar marcas linguísticas explícitas dos mesmos. Isso significa que uma mesma morfologia pode ensejar diferentes valores aspectuais. Portanto, consideramos que há formas linguísticas que ensejam habitualidade, mas também outras noções aspectuais. No caso do progressivo e do não-progressivo, por exemplo, Comrie (op.cit) observa que o uso de uma forma não-progressiva não exclui o fato da mesma poder expressar progressividade. Conforme o teórico, o espanhol é uma língua em que isso ocorre. Nessa língua, é possível substituir uma forma progressiva por uma nãoprogressiva sem comprometer sua significação original. O espanhol, portanto, dispõe de duas formas verbais possíveis para expressar a progressividade, independentemente do tempo gramatical em que o verbo esteja conjugado: 9 Para esclarecer possíveis dúvidas em relação às oposições aspectuais estabelecidas por Comrie (1976), rever a figura 1 do capítulo 2 desta dissertação. 34 a) Marcada explicitamente: Juan está cantando – forma progressiva – significado aspectual progressivo. b) Sem marcação: Juan canta – forma não-progressiva – significado aspectual progressivo. No italiano, isso também parece ocorrer. Para Giorgio & Pianesi (2002), tanto a perífrase estar (IMP) + gerúndio quanto a forma simples de Pretérito Imperfeito são aspectualmente neutras. Isso significa que essas formas seriam compatíveis com leituras mais delimitadas e menos delimitadas devido ao caráter menos limitador da morfologia de imperfeito apresentada tanto pelo verbo auxiliar quanto por outro verbo conjugado nesse tempo do indicativo. Estudos sobre o Português do Brasil (PB), nesse âmbito, também parecem reveladores. Estudos importantes para esta dissertação, nesse sentido, são os de Freitag (2007, 2011). Observemos os exemplos abaixo da própria autora: (26) Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava de um apoio, foi quando a minha mãe morreu. (27) Aí também foi na época que a gente voltou, a gente estava precisando economizar pra começar nossa vida. Na sentença (26), o verbo em destaque está no pretérito imperfeito (IMP), expressão do aspecto imperfectivo habitual, ao passo que, em (27), a perífrase está em destaque e expressa o aspecto imperfectivo durativo, conforme observamos no capítulo anterior. Freitag (2007), no entanto, defende que a forma em negrito em (26) indica uma situação passada durativa (continuativa) e seria esperado o uso da perífrase de passado progressivo (PPROG), como em (27). Esses dados e outros encontrados pela autora são da variedade de Florianópolis do PB, retirados do corpus do projeto VARSUL. Analisando o que foi verificado, Freitag (op. cit) argumenta que existem duas formas verbais que expressam o imperfectivo no passado as quais, apesar de canonicamente possuírem valores aspectuais diferentes, podem ser intercambiáveis em determinados contextos sem causar mudança de significado, portanto seriam equivalentes semanticamente. Dessa forma, a pesquisadora suscita a seguinte questão: “se há um uso específico para cada forma, que razões haveria para que IMP e PPROG se 35 alternassem na expressão da mesma função semântico-discursiva de passado imperfectivo?” (p. 9). Em sua discussão, Freitag (2007) propõe que IMP e PPROG estariam disputando o estatuto de realização do aspecto imperfectivo durativo/continuativo no PB. Essa disputa teria como cerne um traço linguístico que desencadearia o fenômeno descrito acima. Já apresentamos duas propostas de classificação dos tipos de predicados verbais: a de Vendler (1967) e a de Smith (1991). Para esses dois autores, os predicados verbais se compunham de três traços: a duratividade, a telicidade e a dinamicidade. Este último, em particular, quando marcado positivamente, indica que um predicado está composto por várias fases. Predicados [- dinâmicos], pelo contrário, são menos heterogêneos. Freitag (2007, 2011) afirma que o valor aspectual [± dinamicidade] inerente ao predicado verbal configura uma situação de distribuição complementar no passado imperfectivo. Isso significa que haveria uma relação direta de PPROG com o traço [+ dinâmico], e IMP, associado com o traço [- dinâmico]. Logo, o traço [dinamismo] do verbo faz com que a escolha entre essas duas formas seja direcionada. Considerando essa distribuição, e assumindo que, em determinados contextos, a forma imperfectiva simples de passado pode ocorrer no lugar da perífrase progressiva estar + gerúndio no passado, mantendo o mesmo valor aspectual, para a pesquisadora, o contexto favorecedor para o uso da forma simples de imperfectivo depende do caráter [± dinâmico] do verbo. Verbos [+ dinâmicos] tendem a ser compatíveis com as duas formas, mantendo a mesma leitura durativa e progressiva. Conforme observamos, a descrição desses dados parece bem pertinente no que diz respeito ao PB. Mas em relação ao espanhol, haveria um quadro semelhante? Givón (2001) argumenta que existem dois imperfectivos passados no espanhol: (i) o imperfecto e (ii) o progressivo. Cada um deles, ao se combinar com um tipo de verbo diferente promoverá uma interpretação distinta da situação. Vejamos: (28) La pelota, el niño la tiraba. A bola, o menino a jogava (lançava). (29) La pelota, el niño la estaba tirando. A bola, o menino a estava jogando (lançando) 36 O verbo tirar, marcado em negrito, pode ser considerado um verbo de culminação. Lembremos que esses verbos são aqueles que não possuem duração, indicam uma ação instantânea. De fato a ação de jogar a bola acontece no mesmo instante em que a bola é lançada. Não devemos esquecer das características dos aspectos gramaticais de cada morfologia em (28) e (29). A morfologia –ba, preferencialmente, permite uma interpretação habitual da situação e o gerúndio, uma interpretação contínua de uma situação que se desenvolve durante um período de tempo. Para Givón (op. cit), com verbos de culminação, o imperfecto pode indicar uma repetição da ação ou que a mesma costumava acontecer muitas vezes. Já na perífrase, a interpretação que obtemos é a de o menino jogava a bola, costumeiramente, várias vezes. Obviamente, podemos pensar em outras interpretações, mas essas dependeriam da presença de um advérbio por exemplo. Analisemos só o verbo por enquanto. Observemos os demais exemplos abaixo (30) Carlos caminaba / estaba caminando. Carlos caminhava / estava caminhando. (31) Carlos caminaba / estaba caminando dos kilómetros. Carlos caminhava / estava caminhando dois quilômetros. Na oração (30) o verbo em negrito é classificado como uma atividade. Visto que é durativo, mas não há a presença de um telos, ou seja, de um término que lhe seja intrínseco. Já em (31), o predicado verbal é um processo culminado que tem um fim previsto. Assim que sejam alcançados os dois quilômetros terminou a ação. Em (30), a interpretação da primeira opção em destaque é a de habitualidade. Mas com a segunda opção, só é possível compreender que Carlos estava caminhando, continuamente, em um período de tempo desconhecido. São exemplos clássicos da oposição habitual e contínuo de Comrie (1976). Em (31), novamente com a primeira opção, podemos observar uma leitura habitual no passado. Mas, com a segunda, podemos perceber duas leituras: a durativa (ou contínua), que já foi vista em (30); ou a habitual também. Carlos estava caminhando dois quilômetros habitualmente. Givón (2001) entende que, com verbos de processo culminado, a interpretação de habitual e contínuo não é bem marcada, mas sim flutuante. São possíveis as duas leituras. Isso é extremamente interessante 37 para nós, pois demonstra que aquele panorama apresentado em Freitag (2007, 2011) para o PB também parece pertinente para o espanhol. Por fim, vejamos um exemplo com verbos de estado: (32) Ella no sabía / estaba sabiendo quién es el nuevo vecino. Ela não sabia / estava sabendo quem é o novo vizinho. Como todo verbo de estado, saber não apresenta fases no desenvolvimento da ação e demonstra uma natureza psicológica. Geralmente verbos desse tipo são caracterizados como estados por sua falta de dinamismo. Segundo Givón (2001), no que tange o exemplo (32), percebemos que o verbo estativo mantém sua aspectualidade inerente no imperfeito. Um aspecto não marcado no passado. No entanto, ao ser conjugado na forma durativa progressiva, o verbo não assume essa significação de fato. A descrição acima parece indicar que o que guia o uso da forma simples ou perifrástica do imperfectivo passado, no espanhol, é a natureza do verbo. Entretanto, não parece pertinente atribuir a ocorrência da alternância entre as formas de passado imperfectivo somente a um traço do verbo. É o que discutiremos adiante. 3.2 O Passado Imperfectivo e a composicionalidade aspectual. Com a proposta de Verkuyl (1993), explorada, no último capítulo, verificamos que uma leitura aspectual é dada pela interação dos traços de cada elemento da sentença. Uma combinação de traços pode reforçar uma interpretação ou modificá-la completamente. Discutimos na seção acima que, no caso da análise do tipo de verbos, um traço se mostra favorecedor da alternância entre formas de Passado Imperfectivo. Verbos [+ dinâmicos] permitem o uso das duas formas sem que haja alteração na leitura da sentença. Pudemos ver isso com Givón (2001) e Freitag (2007) com os verbos de processo culminado que apresentam uma marcação positiva para o traço dinamismo, seja na forma simples conjugada, seja no verbo principal da perífrase. Há autores, em contrapartida, que atribuem esse fenômeno a outras informações dos constituintes da sentença como: (a) a natureza do auxiliar da 38 perífrase, (b) o caráter do complemento do verbo, (c) a natureza do sujeito e (d) a da expressão adverbial de tempo ou advérbio temporal. Para analisar cada um desses elementos observemos os exemplos a seguir: (33) El director estaba administrando dos hospitales. O diretor estava administrando dois hospitais. Wachowicz (2006) assume que o auxiliar estar é um elemento aspectualizador. Esse verbo já apresentaria, fundamentalmente, um caráter mais durativo e mais homogêneo. O que se adequa a sua posição na classificação vendleriana de predicados verbais como verbo estativo. A questão é que quando tal auxiliar está conjugado em diferentes tempos, a informação aspectual compartilhada pela morfologia flexional também carrega outros traços. Recordemos que o imperfeito é uma realização do imperfectivo, o qual indica uma ação não conclusa, vista pelo seu desenvolvimento, e não pelo início ou fim 10. Isso significa que ao combinar o auxiliar estar com essa morfologia, agregamos um traço a mais, o imperfectivo. Se a ação é contínua, habitual ou iterativa, para Wachowicz (2006), essas noções estrão configuradas no léxico do verbo principal. A partir disso é possível discutir que o auxiliar, nessa forma da perífrase, reforça a imperfectividade cuja interpretação é mais aberta e sem delimitações definidas. Então, poderíamos deduzir que a opção de usar a expressão verbal simples proporcionaria uma leitura aspectual tão aberta quanto a perifrástica devido à natureza da forma simples. Com isso, ainda há outros valores agregados à raiz do verbo, como já discutimos anteriormente. Nesse sentido, o imperfectivo do auxiliar influencia na leitura aspectual, mas não parece ser um fator determinante devido as demais informações presentes no verbo principal da perífrase. Ainda no âmbito do sintagma verbal, observamos os complementos. Verkuyl (1993) e De Miguel (1999) coincidem no que se refere à configuração de SN’s complemento. Um SN pode delimitar um evento, atribuindo-lhe um telos, ou deixá-lo sem limite algum, tornando-o atélico. Vejamos (33) reorganizada abaixo em (34) e (35): (34) El director estaba administrando dos hospitales. O diretor estava administrando dois hospitais. 10 Comrie (1976); Smith (1991). 39 (35) El director estaba administrando varios hospitales. O diretor estava administrando vários hospitais. O fato de, em (34), o complemento estar definido por um numeral indica que o limite da ação de administrar hospitais é de dois hospitais. Quando o diretor pare de administrar os dois, finaliza-se a ação. Mas em (35), o escopo semântico é bem mais aberto. O complemento marcado com “vários” não indica um telos, pelo contrário, deixa o evento atélico e [+ durativo]. Nesse sentido, qual seria relação entre os imperfectivos habitual e contínuo com complementos télicos e atélicos? Lessa et al (2008), ao fazer uma análise dessas possíveis correlações, no PB e no espanhol, verificaram que existe uma correlação positiva entre habitualidade e atelicidade (exemplo (36)). E também há uma correlação positiva entre duratividade e telicidade (exemplo (37))11. (36) Eu sempre vendia sanduíches para ajudar nos gastos. (Imperfeito + complemento atélico) (37) Naquele exato momento, eu estava desenhando um coração. (Perífrase + complemento télico) Entretanto, para o espanhol do México, numa análise preliminar de duas entrevistas do recorte selecionado para esta dissertação, em Silva (2014a), encontramos um quadro diferente. Sabemos que o imperfeito permite uma leitura do evento visto de dentro, sem indicar delimitação do seu começo ou fim. Portanto, era esperado que os complementos fossem menos delimitadores, atélicos. No recorte analisado, entretanto, foi verificada uma maior ocorrência de imperfeito (IMP) com complementos [+ télicos]. Isso poderia indicar dois quadros: (i) a configuração de IMP pode estar se modificando; (ii) é possível que IMP esteja ocorrendo em contextos fora da habitualidade. Em contextos de continuidade (ou duratividade) por exemplo. Os argumentos externos dos verbos, ou seja, o sujeito, também apresentam características que parece influenciar na configuração do passado imperfectivo. De Miguel (1999) define que os SN’s que ocupam essa posição podem ser [± agentivos], como abaixo: 11 Os exemplos (36) e (37) são de Lessa et al (2008). 40 (38) El presidente limitó el poder de los jueces. O presidente limitou o poder dos juízes. (39) La balla limitó el prado. A cerca limitou o campo No exemplo (38), o presidente é um SN definido por um ser mais animado e mais agentivo12. Em (39), a cerca é um SN menos animado e menos agentivo, conforme a autora. Considerando esses traços, para Freitag (2011), a agentividade do sujeito mantém uma correlação positiva com o traço [+ dinâmico] do verbo. Haveria uma compatibilidade entre a agentividade do sujeito e a predicação do imperfectivo durativo progressivo. Sujeitos [+ agentivos] seriam mais compatíveis com a perífrase. No entanto, Castilho (2012) argumenta que o imperfectivo apresenta uma predicação dinâmica de sujeito de um modo geral. Diante disso, podemos considerar que a agentividade, na maior parte dos casos, está associada ao imperfectivo como um todo. Por fim, tratemos dos adjuntos. Especificamente, dos temporais. Existem advérbios que podem apresentar um caráter [+ delimitado] do evento, outros uma natureza [- delimitada]. De Miguel (1999) afirma que aqueles que dão um limite à situação são pontuais, os que não o fazem são denominados durativos: (40) Carmen hacía las compras de Navidad en tres horas. Carmen fazia as compras de Natal em três horas. (41) Carmen hacía las compras de Navidad durante los fines de semana. Carmen fazia as compras de Natal durante os fins de semana. Advérbios como o destacado em (40) são um exemplo clássico de expressão de pontualidade, encabeçado pela preposição em. O contrário acontece com adjuntos temporais iniciados pelas preposições durante ou por. Essas conferem ao advérbio e à própria oração uma leitura menos delimitada, ou seja, mais durativa. O escopo semântico dos primeiros adjuntos é menos alargado, o escopo desses últimos é mais. 12 É importante aqui não confundir o papel temático do sujeito oracional com o traço de agentividade do SN sujeito. Um nome pode ocupar a posição de sujeito e ser [+ agentivo] mas possuir papel temático de experienciador, por exemplo. Grade temática e agentividade são conceitos distintos. 41 Quando se trata da perífrase estar + gerúndio e do imperfeito no espanhol numa combinação com esses advérbios, em especial, uma autora discute esse ponto. Sobre a perífrase em si, Yllera (1999) esclarece que é preciso assumir uma perspectiva composicional ao tratar dos sentidos que estar + gerúndio possui. Em sua discussão, afirma que essa forma é mais frequente com verbos do tipo atividade e processo culminado, apresentando uma ação vista em um certo momento de seu desenvolvimento. Em contrapartida, com esses verbos a forma simples, o imperfecto, expressa ações habituais em geral. Interessante, no entanto, é a especificidade com que trata do uso do imperfeito e da forma perifrástica para o espanhol. Yllera (op.cit) defende que em tempos verbais que também carregam o valor imperfectivo, estar (IMP) + gerúndio é recorrente com advérbios ou complementos de tempo como “ahora, en ese momento, en esos días, en aquel momento, entonces, etc”. Recordemos que tais advérbios possuem escopo semântico menos alargado e, portanto, são mais pontuais. Para Yllera (1999), quando houver advérbios dessa natureza, numa sentença de estar (IMP) + gerúndio, a forma perifrástica pode ser substituída pela forma simples. Da mesma maneira isso ocorrerá caso não haja advérbio temporal algum. Observemos os exemplos a seguir: (42) La banda y yo tocábamos en un bar cuando llegó la policía13. (43) La banda y yo estábamos tocando en un bar cuando llegó la policía. A banda e eu tocávamos/estávamos tocando em um bar quando chegou a polícia. Nos exemplos acima, verificamos que há a mesma marcação adverbial. Temos uma oração que atribui uma noção temporal específica ao evento. Tal elemento em destaque apresenta um caráter [+ pontual] por ser delimitador. A ação estava em andamento no momento em que chegou a polícia. Observemos também que tanto os verbos sublinhados em (42) quanto em (43) mantêm uma leitura contínua do evento, uma ação em desenvolvimento. Esses exemplos indicam que esse tipo de advérbio parece realmente favorecer o uso do Imperfecto em contextos de duratividade. Para verificar tal proposta em dados concretos de língua, fizemos uma análise preliminar de duas entrevistas do 13 (42) e (43) são exemplos encontrados em Givón (2001). 42 corpus selecionado para esta dissertação. Em Silva (2014b), o objetivo era verificar quais eram os contextos de ocorrência desses imperfectivos com expressões adverbiais de tempo (EAT’s) e verificar se a proposta de Yllera (1999) realmente era produtiva em fala espontânea. Em relação ao contexto de ocorrência das formas em imperfeito, os dados indicaram uma tendência à ocorrência dessa forma sem a presença de advérbios de tempo. No entanto, quando acompanhados de algum desses elementos, ocorreram com advérbios de tempo durativos preferencialmente. Isso já era esperado, devido ao caráter menos delimitado do imperfectivo. Quanto à forma perifrástica de passado progressivo, os dados demonstraram que houve uma preferência pelo uso dessa forma também sem a presença de marcadores temporais. Mas, quando essa apareceu, verificamos apenas uma ocorrência de uma expressão pontual e nenhuma de durativa. Apresentamos tal ocorrência a seguir: (42) 902 I: entonces este// él me estaba platicando precisamente que// ¿cuándo fue?// la semana que hubo el operativo este último 903 E: mh 904 I: hace creo una semana o dos semanas 905 E: mh 906 I: vino Dolores Padierna/ aquí al barrio 902 I: Então// ele estava me falando precisamente que// quando foi?// na semana que houve o este último operativo 903 E: hum 904 I: acho que faz uma semana ou duas 905 E: hum 906: a Dolores Padierna veio/ aquí no bairro Em negrito, destacamos a perífrase e sublinhada está a expressão de tempo. Essa expressão sublinhada não dá margem para uma interpretação durativa, mas sim pontual. O momento em que alguém estava comentando com o informante que havia algumas semanas que Dolores Padierna havia visitado o bairro. Se substituirmos o verbo em negrito por sua forma simples equivalente, me platicaba, percebemos que não há mudança na leitura aspectual da sentença na presença da EAT pontual. Cabe salientar que os autores apresentados dão indicações do que pode ocorrer em relação a esse fenômeno, mas não visam a dar respostas delimitadas. Todavia, são suas descrições e análises que norteiam esta dissertação, no sentido de organizar a metodologia usada e nossa análise qualitativa. 43 Sendo assim, assumimos que a forma simples de passado imperfectivo, está coocorrendo em contextos de duratividade, expandindo seu valor habitual original. Na variedade do espanhol supracitada e considerando a hipótese anterior, delimitamos como fatores favorecedores da alternância da perífrase estar (IMP) + gerúndio com o imperfeito os seguintes elementos sentenciais: verbos [+ dinâmicos], complementos verbais [+ télicos], sujeitos [+ agentivos] e advérbios temporais [+ pontuais]. No próximo capítulo, detalharemos as características do corpus escolhido para análise, as ferramentas utilizadas e os fatores controlados na análise quantitativa. 44 CAPÍTULO 4 METODOLOGIA – CORPUS, FERRAMENTAS DE ANÁLISE 4.1 O CORPUS Nesta dissertação, apresentamos um estudo de uma variedade específica do espanhol, a da Cidade do México, capital do país que a nomeia. Existe um projeto de mapeamento sociolinguístico do espanhol presente em quase todos os países da América e quase toda Espanha, denominado Proyecto para el Estudio Sociolinguístico del Español de España y de América (PRESEEA). Abarca mais de 39 regiões nos locais citados. A escolha das regiões que compreendem comunidades de fala possíveis de serem mapeadas no projeto depende basicamente de três critérios: que a localidade seja um núcleo urbano hispano falante; que sua população, pelo menos em parte, tenha sido assentada de forma tradicional no lugar; e que essa população apresente certa heterogeneidade sociológica. Para controlar essas informações, o PRESEEA utiliza três variáveis sociais para organizar as amostras: o gênero dos informantes, suas faixas etárias e seu grau de instrução escolar. Aqui utilizaremos as amostras em formato de entrevistas transcritas de temas específicos como a família, a história de uma cidade ou bairro, profissão, costumes, etc. Além disso, o tempo de gravação mínimo de cada amostra é de 45 minutos, tendo sido feitas em ambientes familiares aos participantes (trabalho, casa, faculdade). As entrevistas analisadas nesta pesquisa são relativas à Cidade do México e estão disponíveis na Internet na página do projeto (http://lef.colmex.mx/Sociolinguistica/CSCM/Corpus.htm). Ali disponibilizam tanto amostras de informantes com Ensino Superior quanto com Fundamental. Para esta dissertação, selecionamos entrevistas com informantes do primeiro grupo. Por fim, as transcrições das gravações são feitas de acordo com o padrão do sistema SGML (Standard Generalizes Markup Language) e as normas internacionais da TEI (Text Encoding Initiative). Além de selecionar um grupo com o mesmo de nível de escolaridade, optamos por selecionar entrevistas com informantes da mesma faixa etária e com número 45 equiparado de participantes em função do gênero. Escolhemos 10 transcrições de gravações com informantes da Cidade do México; cinco mulheres e cinco homens, todos na faixa de 20 a 30 anos. As entrevistas foram gravadas entre os anos 2000 e 2005. Fizemos essa organização do recorte a fim de deixá-lo o mais equiparado possível. Abaixo há um quadro com a descrição básica de cada entrevista: INFORMANTE ENTREVISTA SEXO IDADE TEMA DA ENTREVISTA 1 2 Homem 25 Estilo de vida e trabalho 2 3 Homem 30 Estudos e trabalho 3 4 Homem 26 Educação e projetos para o futuro 4 5 Homem 26 Estudos e política 5 6 Homem 29 Trabalho e família 6 8 Mulher 29 História e costumes 7 9 Mulher 30 Família e vida acadêmica 8 10 Mulher 30 Vida escolar e experiências profissionais 9 11 Mulher 21 Universidade e trabalho 10 12 Mulher 21 Trabalho e futuro Em seguida, fizemos uma análise quantitativa das ocorrências dos presentes objetos de estudo como o auxílio de dois softwares bastante utilizados em pesquisa linguística. Essa análise foi direcionada em função de alguns fatores linguísticos controlados. 4.2 Os softwares WordSmith Tolls e Goldvarb X O programa WordSmith Tools é bastante conhecido por pesquisadores da área da Linguística de Corpus. Mas devido a sua capacidade de fazer levantamentos detalhados em amostras extensas, seu uso vem aumentando como ferramenta de trabalho em outras áreas da linguística também. Desenvolvido na Universidade de Liverpool, esse é um programa de análise lexical. Isso significa, que o mesmo explora ocorrências em corpora de dados linguísticos autênticos. 46 A versão do software utilizada aqui é a WordSmith Tools (versão 5.0). O mesmo apresenta três ferramentas básicas: Wordlist, Concord, Keywords. Wordlist: é um gerador de listas de palavras em ordem alfabética e em ordem de freqüência, e de estatísticas dos textos; Concord: é a fermenta fundamental para análise lexical. Dentre suas funções, é uma criadora de concordâncias das palavras de busca (listas de palavras em contexto). Além de gerar listas de listas das palavras que ocorrem à esquerda e à direita da palavra de busca selecionada, em ordem de frequência; listas de padrões de frases comuns, listas de agrupamentos lexicais, etc; Keywords: gera uma lista palavras-chave de um dado texto através de comparações entre listas de palavras de arquivos diferentes quanto à sua freqüência relativa. Das três ferramentas, a mais útil para esta dissertação foi a segunda, por mostrar as ocorrências de Imperfectivo Habitual e Durativo em contextos ampliados. Assim, podemos analisar, mais facilmente, as combinações de sujeito, complemento e adjuntos com os verbos. Em segundo lugar, o programa Goldvarb X foi utilizado tanto para uma análise quantitativa quanto qualitativa. Esse programa fornece as estatísticas necessárias de frequência de ocorrências de elementos linguísticos, bem como seu peso relativo em função dos fatores escolhidos para a análise, ou seja indica quais fatores foram de maior e menor relevância para a mesma. O pesquisador fornece ao programa uma lista de fatores codificados com rótulo que o primeiro nomeia e dá como resultado uma grade com as frequências e pesos relativos respectivo para cada fator. Também foi fundamental por fornecer os dados estatísticos já organizados e por facilitar a análise qualitativa e assegurar sua credibilidade. 4.3 Os fatores controlados A pesquisa sobre um fenômeno linguístico depende do estudo do mesmo em função das condições que permitem que esse ocorra. Vimos nos dois últimos capítulos que uma leitura aspectual é composicional, por isso, se dá pela combinação de traços diferentes de distintos elementos da sentença. 47 Observamos também que a ocorrência do Imperfectivo Habitual e da perífrase de Imperfectivo Durativo já predispõe de combinações específicas com um tipo de complemento, um tipo de sujeito, um tipo de verbo e um tipo de adjunto adverbial de tempo. Levando isso em consideração, os contextos de ocorrência dos dois aspectos serão analisados segundo: 1) O tipo de predicado verbal, de acordo com a classificação de Smith (1991) como cinco classes: estados, atividades, processos culminados, culminações e semelfactivos. 2) O tipo de complemento verbal, conforme apresentado em De Miguel (1999) de complementos télicos e complementos atélicos. 3) O tipo de sujeito oracional, também conforme descrito em De Miguel (1999): agentivos e não agentivos. 4) O tipo de expressão adverbial de tempo (EAT), as quais podem ser durativas ou pontuais, conforme De Miguel (1999). E ainda consideramos um último fator dentro desse que é a ausência desse adjunto. Em função desses quatro fatores, analisaremos suas combinações com o Pretérito Imperfecto (habitual) e com a perífrase de gerúndio no passado, o Passado Progressivo (contínuo ou durativo). Após isso, analisaremos em quais e quantas ocorrências a forma simples está conjugada em um contexto clássico de duratividade a fim de identificar o que permite que isso ocorra nas sentenças. Sendo assim a lista de fatores se apresenta da seguinte forma: 1) TIPO DE IMPERFECTIVO H Habitual P Contínuo / Durativo 2) TIPO DE VERBO 1 Estado 2 Atividade 3 Processo Culminado 4 Culminação 5 Semelfactivo 3) TIPO DE COMPLEMENTO t Télico a Atélico 48 4) TIPO DE EAT 1 Durativa 2 Pontual 3 Zero 5) TIPO DE SUJEITO SENTENCIAL A Agentivo N Não-agentivo / Não se aplica Cada letra ou número ao lado dos fatores são usados como código para decodificação do GoldVarbX, já predeterminados pelo pesquisador. Especificamente, no último fator, optamos por um terceiro item – a barra (/) referente a não se aplica – caso o constituinte eu ocupe a posição de sujeito seja uma oração subordinada. Nesse caso, não há como atribuir [± agentividade] pois esse traço se aplica somente a SN’s. Finalmente, considerando às ferramentas apresentadas, os fatores selecionados e o grupo de informantes, no próximo capítulo, iniciaremos a apresentação dos resultados e da análise. 49 CAPÍTULO 5 RESULTADOS E ANÁLISE Neste capítulo, apresentaremos os resultados referentes à análise feita do corpus PRESEEA – Ciudad de México com o auxílio das ferramentas WordSmith Tolls e GoldVarbX. As seções seguintes estão organizadas da seguinte forma: 5.1 – seleção do recorte, revisões necessárias nos grupos de fatores; 5.2 – contextos de ocorrências dos aspectos imperfectivo habitual e contínuo de acordo com o recorte feito; 5.3 – a alternância da expressão do aspecto contínuo; 5.4 – Observações sobre outros valores expressos pelo Pretérito Imperfecto. 5.1 Seleção e organização do recorte No capítulo de metodologia, elencamos os grupos de fatores escolhidos para a análise do fenômeno em questão conforme trabalhos anteriores e observações dos teóricos apresentados da fundamentação teórica. Havíamos selecionado: Fatores Linguísticos de Análise Tipo de Imperfectivo habitual (H); contínuo (C) Tipo de Verbo estado (1), atividade (2), processo culminado (3), culminação (4) e semelfactivo (5) Tipo de Complemento Verbal télico (t), atélico (a), não se aplica (/) Tipo de Expressão Adverbial de Tempo durativa (1); pontual (2); ausente (3) (EAT) Tipo de Sujeito agentivo (A), Não-agentivo (N); não se aplica (/) No entanto, ao analisar as ocorrências selecionadas das entrevistas, percebemos que alguns fatores seriam mais funcionais para a análise se amalgamados, ou seja, conjugados. Enquanto outros poderiam ser mais divididos. Portanto, quanto ao tipo de imperfectivo, no que se refere a valores aspectuais em si, observamos algumas ocorrências de pretérito imperfeito que não se encaixavam na oposição habitual x contínuo. Por exemplo: 50 (43) “y resulta que al final/ faltaban como dos semanas para entregar radiografías/ y a nosotras todavía nos faltaba// entonces/ le comentamos/ que si nos daba (Oi3a3Af3a) permiso de entrar otros días al laboratorio para tomarlas/ y nos dijo que no// que a ver cómo le hacíamos (Oi2z3Af3a) / que era nuestro problema/ y a nosotros se nos cerró el mundo” Observemos que as ocorrências em destaque estão conjugadas em imperfeito. Porém os dois verbos ensejam uma possibilidade. A informante fala sobre um episódio em que perguntou a uma professora de sua faculdade se ela daria permissão para usar o laboratório. A professora negou, informando que era problema dela e seu grupo de estudos decidiria como fazer para cumprir sua tarefa. Essa interpretação de condicional e de possibilidade foge do foco dos aspectos aqui estudados. Das 375 ocorrências de imperfeito e perífrase encontradas, 20 se encaixam nesse tipo. Posteriormente, essas vinte foram desconsideradas para esta análise, totalizando 355 ocorrências em 10 entrevistas. Quanto ao tipo de verbo, encontramos somente 1 ocorrência de verbo semelfactivo em 8 entrevistas. Por isso, esse fator foi amalgamado com os verbos de culminação, os quais mais se aproximam de seus traços. Vejamos: (44) “/ y ya la acomodé/ no pues yo estaba di-/ temblando (Cp5z3Af3a) 147 E: (risa) 148 I: ya le / para tomarle la radiografía” O verbo temblar se encaixa na definição de Smith (1991) para semelfactivos. São eventos instantâneos que envolvem uma sequência de ocorrências sem término definido, sendo considerados [- télicos]. Tremer uma vez não implica no término da ação, mas pode ocorrer continuamente num período curto de tempo. Entretanto, houve somente essa ocorrência e optamos por amalgamar tal fator. Quanto ao tipo de complemento, verificamos ocorrências de verbos de ligação ou verbos intransitivos. Esses verbos não projetam complementos mas não poderiam ser descartados da análise devido ao seu valor aspectual. Além das ocorrências de verbos transitivos indiretos, os quais possuem complementos que não podem ser classificados como télicos ou atélicos, devido ao fato da preposição que o acompanha não permitir especificação do substantivo presente no objeto indireto. Esses casos, 51 por serem relevantes na análise, tiveram seu código modificado para a letra z ao invés de não se aplica. O grupo tipo de EAT não sofreu nenhuma modificação. Já o grupo tipo de sujeito contava com sujeito agentivo, não-agentivo e não se aplica, para casos de orações subordinadas em posição sintática de sujeito. Nesse último caso, sujeitos dessa natureza foram poucos. Por isso, foram amalgamados com os não-agentivos, visto que orações não possuem agentividade como os substantivos. E, por último, para facilitar a análise optamos por inserir um fator a mais: a forma de imperfectivo, no pretérito imperfeito ou na forma perifrástica. Dessa maneira, o quadro reorganizado de fatores é o seguinte: Fatores Linguísticos de Análise – Reorganizado Forma de Imperfectivo imperfeito (i); perífrase (p) Tipo de Imperfectivo habitual (H); contínuo (C) Tipo de Verbo estado (1), atividade (2), processo culminado (3), culminação (4) Tipo de Complemento Verbal télico (t), atélico (a), sem projeção de complemento direto (z) Tipo de Expressão Adverbial de Tempo durativa (1); pontual (2); ausente (3) (EAT) Tipo de Sujeito agentivo (A), não-agentivo (N) Quanto aos fatores sociais, selecionamos 10 entrevistas do corpus do projeto PRESEEA. Todos os informantes pertencem à mesma faixa etária (21 a 30 anos). Além disso, todos possuem ensino superior. Logo a codificação permaneceria a mesma em todas as ocorrências. Quando não há outra possibilidade nas variáveis e somente um código é atribuído ao longo da análise, o programa GoldVarbX rastreia um singleton. Isso significa que não há possibilidade de outra variável, o que impossibilita a análise de pesos relativos, por exemplo. Para evitar tal resultado, eliminamos esses fatores, já que em todas as ocorrências permaneceriam iguais. No que se refere ao fator sexo, a escolha das transcrições foi equiparada: cinco com informantes homens e as outras cinco com mulheres. Na análise quantitativa, as diferenças de resultados entre um e outro foi 52 pequena e o próprio GoldVarbX não considerou esse grupo como significativo para a análise conforme veremos adiante. Finalmente, no que concerne à seleção das ocorrências, utilizamos o software WordSmith Tolls (versão 6.0). O programa selecionou, pela ferramenta concord, toda e qualquer ocorrência que apresentasse uma sílaba igual à finalização do pretérito imperito do espanhol (1ª conjugação – BA; 2ª e 3ª conjugações – ÍA). Essas desinências dão conta desse tempo verbal e também da perífrase, já que o auxiliar em questão é conjugado no mesmo pretérito. Analisadas separadamente para a codificação, foram descartadas as ocorrências em que o verbo não ensejasse as leituras habitual ou contínuo e expressões idiomáticas que já possuem um significado próprio. Por exemplo: (45) “I: sí// entonces ellos me/ me empezaron a o sea// al principio me empezaron a buscar mucho/ “no/ un día vamos a hacer una fiesta/ este nos vemos allá”/ “¡sí!”/ yo les daba el avión/ “sí/ allá nos vemos”/ ¡sácate que!/ yo no iba//” Nessa sentença, dar el avión significa fugir de alguém, marcar um encontro e não ir. O informante estava comentando sobre os inúmeros convites que um casal de amigos lhe fazia, mas ele nunca comparecia. Essa expressão já possui um sentido próprio, ou seja, cristalizado. O informante não estava, de fato, dando um avião. Ocorrências como essa foram desconsideradas ainda na codificação. Tendo esclarecido essas observações, na próxima sessão, apresentamos os primeiros resultados. 5.2 Contextos de ocorrência do Pretérito Imperfeito e da perífrase de Passado Imperfectivo Para começar a análise quantitativa, consideramos todos os fatores. Como fator de aplicação, foi escolhido o tipo de aspecto imperfectivo ensejado pelo sintagma verbal. A primeira rodada foi geral, ou seja, com o uso de todos os demais fatores. Devido ao primeiro grupo de resultados, foi necessário fazer uma segunda rodada ocultando um fator da lista conforme será explicitado mais a diante. Além do que já foi esclarecido, é importante ressaltar que os exemplos de ocorrências encontradas estão transcritos de acordo com a seleção do programa 53 WordSmith Tools para manter a análise a mais fidedigna possível. Tendo isso em vista, a tabela 1 abaixo apresenta os resultados relativos à combinação forma de imperfectivo (se em imperfeito ou perífrase de passado progressivo) e valor aspectual de imperfectivo. TABELA 1 – TIPO DE IMPERFECTIVO x FORMA DE IMPERFECTIVO (IMPERFECTO; PASSADO PROGRESSIVO) IMP (%) PPROG (%) HABITUAL 262 80,8 0 0,0 CONTÍNUO 62 19,2 31 100 TOTAIS 324 100 31 100 No que se refere à expressão do aspecto imperfectivo, observamos uma totalidade de ocorrências do tipo habitual em pretérito imperfeito. As 31 ocorrências de perífrase PPROG ensejam o contínuo. Essas frequências parecem indicar mudanças interessantes no paradigma aspectual do espanhol. Já detalhamos o que significa dizer que uma situação expressa por um sintagma verbal possui uma leitura habitual ou contínua. Retomando Comrie (1976), que esclarece tais noções, observamos que a diferença de um valor para o outro está no fato da primeira indicar repetições, a sucessiva ocorrência, de um evento num dado período de tempo, enquanto a última enseja o andamento (ou o progresso, a continuidade) de um evento num intervalo temporal. Apresentamos seus respectivos exemplos a seguir: (46) cil] 46 I: si yo voy a Coyoacán// Iztapalapa o sea / a mí pues se me hace// lejísimos 47 E: claro 48 I: pero por ejemplo// yo/ antes de terminar la universidad/ yo trabajaba y estudiaba// y trabajaba/ en las mañanas// en Iztapalapa y luego/ después ya me venía aquí a estudiar/// y te acostumbras/ me aventaba yo como dos horas 49 E: ay qué pérdida de tiempo/ ¿no?// debería ser como que todo debería estar cerca 50 I: ah/ pues claro/ es lo óptimo/ ¿no?/ pero// o sea así es/ de hecho// sí co-/ ahora sí que/ ahorita que/ estoy en lo laboral// conoces a mucha gente que viene de muy lejos// por ejemplo Em (46), o informante comenta sobre o tempo que levava para chegar à cidade na qual trabalhava, enquanto estudava também. É possível perceber que os verbos 54 em negrito indicam que as ações de trabalhar, estudar, e demorar duas horas para chegar ao trabalho possuem um traço de habitualidade explícito. Durante um período específico, cada um desses eventos ocorria com uma cert frequência, cessando e voltando a ocorrer. Esses seriam exemplos da expressão canônica de imperfectivo habitual. É importante salientar que, segundo as frequências totais apresentadas, o habitual só foi encontrado em forma de pretérito imperfeito. A perífrase só enseja, no recorte selecionado, aspecto contínuo. Esse quadro já estava previsto pelo fato da partícula de gerúndio, conforme verificamos, significar progressividade, o desenvolvimento de uma situação. Portanto, o gerúndio seria incompatível com uma leitura habitual. Em contrapartida, o contínuo ocorreu nas duas formas verbais investigadas: a perífrase PPROG e o pretérito imperfeito. Encontramos 61 ocorrências na forma simples frente a 31 na forma perífrástica. Vejamos os exemplos abaixo: (47) muy mal pagado aquí el diseño gráfico 235 E: ¿ah/ sí? 236 I: [muy muy mal pa-] 237 E: [yo pensaría que]/ era al contrario 238 I: no/ de hecho/ bueno/ de hecho una vez estuve platicando/ apenas hace/ una semana// el viernes que/ fui a una fiesta// estuve con una chava que es abogada 239 E: mh 240 I: estábamos comentando acerca de eso que este/ yo le decía/ “¿sabes qué?/ yo me quiero ir a Italia 241 E: ajá 242 I: entonces / aprender inglés/ aprender italiano 243 E: mh 244 I: y me largo// dos tres años/ es mi plan”/// ella / me comentó/ que este/ por ejemplo/ ella trabaja/ eh/ tiene su propio (48) odo eso 741 E: no chingar nada/ [¿no?] 742 I: [ajá]/ entonces es más difícil/ es la única perforación// difícil que se me hace con ese método/ pero todos las demás// son igual 743 E: con todas las demás/ [cualquiera de los dos] 744 I: [vale]/ [sí sí sí] 745 E: [órale] 746 I: y también/ pues como tú/ mencionabas/ de/ la/ pistola 747 E: ajá 748 I: eso/ no es recomendable 749 E: ¿no?/ ni para… 750 I: no porque una/ pistola/ no se puede esterilizar 751 E: mm 752 I: entonces// pues por eso/ pues te pueden pa-/ contagiar de una hepatitis/ a/ hasta una hepatitis be/ no sé 753 E: claro 754 I: igual ha 55 A oração (47) apresenta ocorrências de aspecto contínuo na sua forma clássica com gerúndio (estábamos comentando). Mas, analisando o segundo verbo em negrito (decía), percebemos que o falante está relembrando uma fala sua durante algum momento do passado. Não é possível entender que “decía”, nesse contexto, expressa a sucessiva ocorrência, ou a repetição periódica do ato de dizer. Porém entendemos que, num certo momento, o informante estava dizendo. Portanto, a leitura aspectual produzida é contínua. O caso de (48) é semelhante ao anterior. Se substituirmos “mencionabas” por “estabas mencionando”, observamos que a sentença permanece com o mesmo sentido. Nesse caso, mencionar também possui uma significação contínua. Mais uma vez, obtemos o pretérito imperfeito ensejando uma leitura diferente da que está prevista. Essa possibilidade da co-ocorrência de duas morfologias verbais que descrevem um mesmo valor aspectual já havia sido discutida em Comrie (1976), o qual assumia que um aspecto pode ser expresso por mais de uma forma verbal desde que a língua, de fato, apresente tal possibilidade, ou seja, pela fonética. No caso do espanhol, especificamente, Givón (2001) defende a existência de dois imperfectivos passados no quadro aspectual desse idioma: (i) o imperfecto e (ii) o progressivo. Quando conjugados a tipos de verbos diferentes, esses valores tomam interpretações diferenciadas. Do ponto de vista descritivo, tais explanações são pertinentes mas nos levam a outra pergunta de viés mais explicativo: considerando que haja dois imperfectivos no espanhol, qual seria a motivação para que houvesse o dobro de ocorrências de contínuo na forma imperfeito, quando o esperado seria a expressão progressiva por perífrase? Nesse caso, o quadro teórico da Linguística Gerativa pode auxiliar. No primeiro capítulo desta dissertação, apresentamos algumas considerações sobre o processo de geração de frases segundo propostas de Chomsky (1995) no Programa Minimalista (PM). O autor argumenta que uma sentença de qualquer língua só é gerada totalmente se foi legível para os sistemas de desempenho que tem interface com a faculdade da linguagem. Entretanto, não basta ser legível, ou seja, interpretável por tais sistemas. Existem algumas condições, especificamente assumidas no PM, que são 56 fundamentais também. Para Chomsky (1995), a aquisição de uma língua se dá pelo processamento dos traços linguísticos (das configurações dos itens lexicais) fornecidos pela Gramática Universal conjugados aos traços presentes nos Dados Linguísticos Primários, fornecidos pela experiência. Por outro lado, no mesmo quadro teórico, a Faculdade da Linguagem está formada em termos econômicos. Isso significa que, ao começar a computação de uma nova sentença, antes de começarem as primeiras operações na sintaxe, existem condições que eliminam qualquer passo ou representação linguística que seja supérflua para a derivação de uma sentença. No capítulo 1, observamos que antes de qualquer operação da sintaxe em si, existe uma pré-seleção de itens do léxico que participarão de uma determinada derivação, isto é, a computação que gerará uma nova sentença. Essa operação se chama numeração. Além disso, durante a computação existem condições de economia que são aplicadas a fim de que a sintaxe trabalhe da forma mais eficiente possível: procrastinar e último recurso. A primeira indica que qualquer etapa na derivação, que não seja importante, será adiada o máximo possível. Se tal passo realmente precisa ocorrer, o mesmo é aplicado como último recurso para que a sentença seja bem formada. Considerando tais pressupostos e o fenômeno pesquisado, a escolha dos informantes pela forma simples ao invés da perífrase parece plausível. Pensemos que para gerar uma sentença como (48), por exemplo, caso fosse empregada a forma perifrástica, a derivação levaria mais passos. No verbo principal, teriam que ser checados os traços aspectuais da raiz verbal, quantos argumentos possíveis possui, suas posições na sentença. Além disso, no auxiliar, ainda é preciso checar os traços de tempo, número, pessoa, modo e aspecto. Mas, se existe a possibilidade de que um mesmo elemento carregue essas informações, a checagem dos mesmos traços parece ser mais simples. É preciso lembrar também que, antes de checar qualquer traço, esses itens serão concatenados e daí serão formados os sintagmas da oração. Essa operação inicial é denominada merge (concatenar) em Chomsky (1995). A partir da concatenação de dois itens x e y quaisquer é formado um sintagma cujas características principais provém no núcleo desse sintagma. É preciso recordar que 57 para que a sintaxe seja eficiente, é preciso que a mesma opere sob condições de economia, sem operações ou passos redundantes. Dessa forma, analisando o conceito de merge e o fenômeno linguístico abordado aqui, parece ser mais econômica se merge opere com menos itens para concatenar. Observando o caso do Passado Imperfectivo na forma de perífrase, primeiramente, os traços da raiz do verbo devem ser conjugados com o progressivo. E como o gerúndio não oferece traços de concordância, tempo, modo e aspecto, é necessário que haja outro item na numeração que possa carregá-los. O auxiliar estar assume essa função nesse momento. E, assim é preciso concatenar mais itens. Levando em consideração as condições de economia citadas, parece bem mais interessante para a derivação sintática um merge a partir do mesmo item lexical. Nesse sentido, a forma simples de imperfeito demonstra ser preferível. Outros fatores, relativos à natureza dos constituintes da oração, também podem favorecer o uso do habitual ou do contínuo, dependendo do contexto. Porém, antes de prosseguir a análise, é preciso informar os passos seguintes na análise estatística pelo programa GoldVarb X. A primeira tabela foi feita seguindo a primeira rodada. Mas, como pudemos verificar, não houve ocorrências do aspecto imperfectivo habitual com PPROG (perífrase). Quando há uma frequência de 0%-100%, o software utilizado rastreia um Knockout. Isso não permite que haja uma análise dos pesos relativos dos fatores que foram relevantes para a análise aspectual. Para evitar tal ocorrência, fizemos uma segunda análise, eliminando fator tipo de imperfectivo. Assim os resultados dos demais fatores da segunda rodada não foram prejudicados ou modificados e foi possível calcular o peso relativo. Esclarecido esse segundo passo, prosseguimos com análise da combinação tipo de verbo e tipo de imperfectivo. Na tabela 2, apresentamos as frequências totais para cada categoria verbal conforme a classificação de Smith (1991): TABELA 2 – TIPO DE IMPERFECTIVO x TIPO DE VERBO P. CULMINADO ESTADO (%) ATIVIDADE (%) (%) CULMINAÇÃO (%) HABITUAL 191 86 11 10,7 52 54,7 8 72,7 CONTÍNUO 31 14 16 59,3 43 45,3 3 27,3 TOTAIS 222 100 27 100 95 100 11 100 58 Na tabela acima, primeiramente, destacamos o contexto favorecedor do aspecto imperfectivo habitual. O tipo de verbo que ocorreu com valor habitual foi o de Estado, lembrando que todos os habituais verificados estão na forma do imperfeito. Na sequência, os que mais ocorreram foram os de processo culminado, atividade e culminação. Os exemplos a seguir apresentam ocorrências de valores aspectuais distintos em trechos mais longos. É preciso considerar apenas os elementos que estiverem em destaque. Vejamos os exemplos de cada um abaixo: (49) í/ y también/ dice/ pues / “no/ eso no es invierno”/ dice/ [“aquí no hace frío”] 806 E: [(risa)] 807 I: pues no/ realmente no/ no hace frío// y este/ y por ejemplo/ y lo que sí le hartaba (ESTADO) era el calor// sí se abochornaba (ESTADO) mucho con el calor 808 E: pues sí 809 I: decía / “¡ay ya/ el calor!” 810 E: [se hartaba/ ¿no?] 811 I: []// se desesperaba (ESTADO) 812 E: sí/ es que luego sí es hartante/ ¿no?// [y bueno a-/ aquí es-] 813 I: [pues sí y luego peor] si no estás acostumbrado ¿no?/ [vienes de otra cultura/ ¿no?] 814 E: [aquí está bien tranquilo]// pero no sé/ en Veracruz/ en 815 I: fíjate que/ a ellos/ nos Nessa sequência, o informante comenta sobre um período de extremo calor em sua cidade. Classificamos os verbos “hartar”, “aborchonarse” e “desesperarse” como estados devido a seu caráter [- dinâmico]. No capítulo 2, comentamos que essa categoria compreende verbos que são [+durativos], [- télicos] e [-dinâmicos]. Isso significa que se prolongam durante um período de tempo, não é possível ver um ponto final intrínseco à situação e a mesma não apresenta fases, como um processo culminado por exemplo. Como observamos em Comrie (1976), o pretérito imperfeito, por expressar o imperfectivo, apresenta uma situação no seu desenvolvimento, ou seja, o foco não está no início ou no término da mesma. Os verbos de estado também apresentam essa característica devido a sua menor telicidade. Além disso, o imperfectivo tem maior duração justamente por não focar os limites dos eventos. Para Givón (2001), o pretérito imperfeito se adequa mais aos verbos estativos por manter sua aspectualidade inerente, sendo compatível com seus traços [dinâmico], [- télico] e [+ durativo]. Quando a mesma classe verbal é encontrada na forma de perífrase, devido à presença do gerúndio com seu traço de progressividade 59 e, portanto, [+ dinamicidade], a interpretação inerente do verbo estativo é modificada. Vejamos (50): (50) o que llorar para que/ para convencerlo/ ¿no?// que me deje hacer lo que quiero hacer”// o “él me tiene que rogar para que / lo deje hacer lo que a él le gusta hacer”/ no/ no no he tenido que/ hacerlo/ yo creo que no lo haría y espero que sigan las cosas así// mh 161 E: oye y con respecto a / bueno/ estaba pensando (ESTADO) en eso de/ cómo hacer que/ cómo lograr que una persona/ un niño/ sea/ o más bien una persona sea independiente a/ a/ tan corta edad// cómo crees tú que 162 I: ¿sería mejor [hacerlo?] 163 E: [que tendrías tú] que// sí/ ¿cuál es tú idea?/ ¿cómo es que podrías lograr eso? 164 I: ¿que f Nesse exemplo, destacamos a fala do entrevistador. O mesmo pergunta ao participante da entrevista como ensinar crianças a serem mais independentes, considerando sua pouca idade. O entrevistador utiliza um verbo psicológico e canônicamente estativo: “pensar”, que é [- dinâmico]. Porém, ao conjugá-lo com a partícula de gerúndio e um auxiliar numa perífrase, parece perder um pouco da sua aspectualidade original devido ao caráter progressivo da morfologia –ndo. Além disso, observamos na tabela 2 uma correlação negativa do aspecto habitual com a sequência de verbos [+ dinâmicos]. As classes atividade, processo culminado e culminação contemplam verbos que tem uma interpretação heterogênea, justamente porque é possível interpretar sua constituição em etapas. (51) os que te estoy diciendo/ no es// pero// creo que el/ en vez del dj / era un chavo que hacía graffiti (ATIVIDADE)// o que bailaba (ATIVIDADE) break / o que hacía (ATIVIDADE) hip-hop/ algo así/ no me acuerdo bien// pero bueno/ eran diferentes/ chavos más o menos de la misma edad/ pero// pues con diferentes ideologías ¿no?/ o gustos// y estaba muy bueno el libro/ me gustó mucho/ lo presté y// una chava que estaba haciendo un trabajo sobre/ cuando hice mi servicio social// se lo presté a una chava/ que estaba haciendo un trabajo sobre tribus urbanas// yo le dije que igual había ahí unas entrevistas y// se lo pasé/ Em (51), verificamos três ocorrências de verbos de atividade. Essa categoria, conforme Vendler (1967), se difere dos verbos de processo e culminação por ser [télica]. As atividades não param totalmente, podem cessar e voltar a ocorrer. Na 60 sentença acima, o informante comenta sobre um rapaz que fazia grafite, ou dançava, ou fazia hip-hop. Esses eventos não apresentam um ponto final intrínseco, dançar ou fazer grafite era recorrente para o rapaz. Desse ponto de vista, essas ações cessam mas não param, considerando a referência temporal no passado. Por isso, estão classificadas como atividades. O panorama encontrado se aproxima daquele descrito por Givón (2001) para as interpretações do imperfectivo de acordo com o tipo de verbo. O autor defende que, no caso das atividades, a leitura resultante é a de um evento que ocorre habitualmente, conforme observamos em (51). Para o caso dos processos culminados e culminações o quadro é outro. Segundo Givón (2001), com o primeiro tipo de verbo a significação de habitual e contínuo do imperfeito é flutuante. O pretérito imperfeito pode apresentar as duas leituras, dependendo do contexto. Já quando combinado com verbos da última classe, o imperfeito pode indicar que a ação ocorreu muitas vezes. Vejamos em (52): (52) año pasado sí hubo una/ una buena temporada donde// llegaron muchas 1417 E: ¿ah sí? 1418 I: como // ¿cómo se llama?// muchas teiboleras 1419 E: mm 1420 I: a perforarse genitales 1421 E: órale 1422 I: pero extranjeras/ no/ no de aquí 1423 E: ah/ ya ya 1424 I: y más que nada una le decía (PROCESSO CULMINADO) a la otra y ya llegaban (CULMINAÇÃO) así como en grupito/ [¿no?] 1425 E: [ah] 1426 I: sí 1427 E: ¿muchas gringas o/ de dónde? 1428 I: eh/ canadienses/// de Holanda/ Alemania y todo eso 1429 E: mh/ órale 1430 I: sí variados 1431 E: sí allá como que está mucho menos/ prejuiciado/ ¿no? 1432 I: [mh] 1433E: [toda] esta onda// en N O verbo “decir” e “llegar” foram classificados, respectivamente, como processo culminado e culminação. “Decir” é um verbo que, inicialmente, envolve um processo psicológico até que algo seja pronunciado. Mas, para que a situação ocorra completamente, é preciso que haja a articulação dos sons e uma dada frase seja dita. Nesse sentido, é uma ação que não é somente psicológica, do contrário seria como o verbo “pensar” ou “saber”. A sentença (52) foi retirada de uma entrevista cujo tema era trabalho, tatuagens e costumes. O informante conta que tatuava quando mais jovem e, nesse trecho específico, comenta sobre uma fase em que muitas dançarinas começaram a visitar 61 seu local de trabalho para colocar piercing. Uma contava a outra e elas iam em grupo ao estúdio. A leitura de “decía”, nesse caso, é claramente habitual. Num certo período de tempo, uma dançarina contava a outra sobre a ida ao estúdio, portanto, isso se repetia sucessivamente. A partir do momento que uma das participantes do evento termina de contar sobre a ida ao estúdio, o evento também atinge seu telos. Desse ponto de vista, o verbo apresenta [+ telicidade] e duração limitada. De acordo com isso, verbos como “comentar”, “decir”, “informar” e “platicar” (contar, comentar) foram classificados como processos e não atividades. Por outro lado, “llegar” é um verbo cuja ação ocorre instantaneamente. O ato de chegar ocorre no exato momento em que algo ou alguém chega. Mas observamos que, quando conjugado com a morfologia de imperfeito, esse evento toma uma interpretação de uma situação que se repete e não é instantânea e pontual em algum momento do tempo. Os comentários acima se referem ao aspecto habitual. O caso do imperfectivo contínuo é um pouco diferente. Primeiramente, porque esse aspecto pode ser expresso de duas formas, como já verificamos. Entretanto, quando está na sua forma clássica também pode apresentar diferentes leituras de um evento dependendo do tipo de verbo. No caso dos verbos estativos em forma progressiva, já discutimos que o gerúndio permite uma leitura [+ dinâmica] da situação, anulando o traço original do verbo. Abaixo apresentamos considerações sobre as outras categorias verbais na forma progressiva em (53) e (54): (53) pero no/ finalmente// o sea/ i-/ inconscientemente quizá lo traje/ que era para mi bien/ porque me estaba enseñando (PROCESSO CULMINADO) a hacer bien las cosas// porque haz de cuenta/mandaba a tomar una radiografía// y/ y se la daba y/ “no/ no sirve/ tómala otra vez”/ o sea mientras sí servía la radiografía/ o sea/ estaba bien tomada// y me decía / “vela a tomar otra vez”/ y yo así “¡bu!” 143 E: (risa) 144 I: bueno/ una/ en una ocasión/ me dice / “doctora”/ yo estaba trabajando (ATIVIDADE) // estaba cubriendo (PROCESSO CULMINADO) a una doctora// y me dice “doctora/ quiero que/ le tomes una radiografía a una niña”// y yo/ “pero es que estoy trabajando”/ y yo volteé a ver/ y las fresas/ ¡pues estaban paradas/ sin hacer 62 nada!// y yo/ “no le puede decir…”/ “no/ es que la quiero que la tomes tú”// y yo así/ “per (54) ra/ en poder tomarle/ una radiografía// y yo así/ ¡verde!// pues ya/ me dice una amiga/ “¿te ayudo?”/ y él/ “¡no!/ ella lo tiene que hacer sola”/ y yo así/ “¡¡ah!!”/ y pues ya la señora me abrió/ ayudó a abrirle su boca// le pusimos unos abatelenguas/ para que no cerrara/ y ya la acomodé/ no pues yo estaba di-/ temblando (CULMINAÇÃO) 147 E: (risa) 148 I: ya le / para tomarle la radiografía/ ya/ se la revelé/ y se la llevo/ y me dice/ (clic) “está mal”// y yo así “¡¡ah!!”// pero estaba bien/ [o sea] 149 E: [ajá] 150 I: nos había salido bien/ me dice// pero me dice/ “está mal/ te faltó un poco de revelado”// Em (53), há três ocorrências de perífrase com os verbos “enseñar” (no sentido de demonstrar), “trabajar” e “cubrir” (no sentido de substituir alguém no trabalho). Todos são verbos que apresentam [+ dinamicidade]. No entanto, o primeiro e o último apresentam um ponto final da ação, sem dar indicação de que a mesma possa ocorrer novamente em que quanto tempo ocorrerá mais uma vez. O ato de demonstrar termina a partir do momento em que termina a demonstração. E o evento de substituir um colega numa ocasião acaba quando o turno acabar. Diferentemente, do verbo “trabalhar” que apresenta uma pausa mas não um telos. Daí sua classificação como atividade. Quando a forma perifrástica possui como verbo principal o tipo processo culminado ou atividade, mantém sua leitura contínua e progressiva, conforme já discutimos a partir de Givón (2001). No caso de (54), percebemos que apesar do caráter instantâneo do verbo “tremer”, na forma perifrástica, esse item apresenta uma leitura cursiva. O informante estava tremendo enquanto tirava a radiografia de uma paciente no hospital onde estagiava. O mesmo quadro também foi descrito para o PB em Freitag (2007), apresentado no capítulo 3. Isso parece indicar uma semelhança no esquema sintático da expressão aspectual dessa língua e do espanhol. Neste caso específico, o espanhol da Cidade do México. Na próxima tabela, apresentamos as frequências totais da combinação tipo de imperfectivo e o tipo de complemento. Em seguida, fornecemos as devidas explicações com exemplos. 63 TABELA 3 – TIPO DE IMPERFECTIVO x TIPO DE COMPLEMENTO S/ PROJEÇÃO DE COMPLEMENTO (%) TÉLICO (%) ATÉLICO (%) HABITUAL 180 74,7 31 68,9 51 73,9 CONTÍNUO 61 25,3 14 31,1 18 26,1 TOTAIS 241 100 45 100 69 100 Com a tabela 3, observamos que o contexto que mais favoreceu a ocorrência dos aspectos imperfectivo habitual e contínua foi a de verbos que não projetaram complemento. Para analisar a telicidade do complemento direto é preciso que esse constituinte esteja expresso foneticamente ou pelo menos retomado por um pronome para analisarmos o referente. Esses casos foram de verbos intransitivos que, na sua configuração, não projetam posição de argumento interno. O segundo caso foi de verbos sem referência alguma ao complemento direto. Como observamos a partir de Verkuyl (1993) um objeto direto, especificado ou não por um determinante, pode delimitar ou não o evento. Os três primeiros itens destacados são desse caso. (55) cil] 46 I: si yo voy a Coyoacán// Iztapalapa o sea / a mí pues se me hace// lejísimos 47 E: claro 48 I: pero por ejemplo// yo/ antes de terminar la universidad/ yo trabajaba y estudiaba// y trabajaba/ en las mañanas// en Iztapalapa y luego/ después ya me venía aquí a estudiar/// y te acostumbras/ me aventaba yo como dos horas (TÉLICO) 49 E: ay qué pérdida de tiempo/ ¿no?// debería ser como que todo debería estar cerca 50 I: ah/ pues claro/ es lo óptimo/ ¿no?/ pero// o sea así es/ de hecho// sí co-/ ahora sí que/ ahorita que/ estoy en lo laboral// conoces a mucha gente que viene de muy lejos// por ejemplo Em (55), “trabajar” e “estudiar” não projetam argumento interno. Porém, no caso de “aventaba” (demorava duas horas), a especificação da quantidade de tempo delimita o evento. No caso de (56), obtemos um caso de complemento atélico. “Tatuajes”, somente no plural, não indica quantas tatuagens foram feitas. Na verdade a leitura desse sintagma é a evento de “fazer tatuagens” ocorre sem um ponto final definido. Era uma atividade habitual no passado. 64 (56) cuántos años tienes? 432 I: yo tengo veintiséis 433 E: y cinco en esto/ ¿no? 434 I: sí 435 E: ¿me dijiste? 436 I: sísísí 437 E: órale// ¿y nunca te/ metiste a hacer tatuajes? 438 I: antes/ antes de// en la secundaria/ yo hacía tatuajes (ATÉLICO) 439 E: ¿hac- hacías?/ ¿a poco? 440 I: pues sí 441 E: órale/ pues estabas muy chaval/ ¿no? 442 I: sí/ pero// o sea/ con máquina// de/ no de/ no así profesional ni nada/ ¿no? 443 E: ah órale 444 I: o sea/ yo mis máquinas 445 E: ¿ah sí?/ ¿tú te las echabas?// órale 446 I: pero sí/ no hice muchos/ pero sí m-/ sí m-/ sí hice una temporada 447 E: ¿y ya no te latió? 44 O caso de (57) é semelhante ao de (55). O informante menciona que tinha um estúdio de desenho enquanto estudava sociologia e direito. O sintagma nominal “un taller” está específicado e também torna o evento mais delimitado. (57) de un Bachilleres 482 E: ajá 483 I: y yo quería primero derecho 484 E: mm 485 I: pero como no sabía qué onda/ pues ya después me fui a trabajar// estudié unas materias en el Bachilleres de derecho/ [sociología] 486 E: [mm] 487 I: y todo eso 488 E: estuviste un rato [así] 489 I: [ajá]/ pero también llevaba un taller de dibujo (TÉLICO) 490 E: mm 491 I: y entonces pues después me metí a trabajar en este/ en un despacho arquitectónico 492 E: [(clic) ¿a poco?] 493 I: [y ahí] fue cuando ya 494 E: pues sí/ te latió 495 I: entonces ahí te das cuenta/ ves// no sé/ toda la/ la gama [de] 496 E: [órale] 497 Apesar da maioria das ocorrências terem aparecido sem projeção de complemento, quando verificamos a presença do complemento direto, o contexto de ocorrência do habitual foi com complementos atélicos. Isso poderia ser explicado pelo fato do imperfeito implicar numa sucessiva ocorrência de um mesmo evento durante um período de tempo. Seu foco está no desenvolvimento da situação e não nos limites inicial ou final. Se há um complemento especificado por um determinante, esse elemento traria uma leitura delimitada pouco compatível com a forma verbal simples. Lessa et al (2008) já discutiram sobre a correlação entre o aspecto e os tipos de complemento télico e atélico. No caso do habitual, verificaram uma correlação com complementos atélicos; no caso do contínuo, observaram uma correlação entre o esse aspecto e complemento télicos. Entretanto, os dados selecionados, nesta dissertação, demonstraram um quadro não esperado para a composição deste último aspecto. Ou 65 seja, foi encontrado um grande número de ocorrências de aspecto contínuo com complementos atélicos. Os exemplos seguintes demonstram a combinação da forma perifrástica PPROG com os mesmos tipos de complemento. No capítulo 2, explicitamos que a tendência mais pertinente, no que se refere aos complementos, é a combinação contínuo – complementos télicos (mais delimitadores). Entretanto, nesse recorte, o quadro encontrado foi a preferência por complementos atélicos. A seguir, apresentamos alguns exemplos: (58) ella [y otra chica que] 262 E: [ajá] 263 I: no sé si se fue a otro// a la [Unam] 264 E: [mh] 265 I: o no sé a/ [a qué otra se fue] 266 E: [que tengan eso] 267 I: ajá// que las mandaron y se vinieron para acá 268 E: sí pues ahí en Turquía/ quién va a dar 269 I: sí y fíjate que dice que/ pues como te estaba dici-/ platicando (SEM COMPLEMENTO)/ ¿no?/ [que ahorita] 270 E: [ajá] 271 I: es así como que la novedad y todos así/ “¿qué onda?/ ¿qué están pensando/ allá?/ ¿qué han escrito?” 272 E: ándale 273 I: o sea/ todo/ ¿no?/ la cultura// por ejemplo/ ella/ nos decía que/ le daba mucha risa que por ejemplo aquí toda O exemplo (58) demonstra uma ocorrência de perífrase PPROG com um verbo que não projetou qualquer complemento realizado. Há uma leitura continua e progressiva, porém não há qualquer complemento que modifique ou ratifique essa interpretação aspectual. No caso de (59), o entrevistador comenta sobre a atividade de grafiteiro mencionada pelo informante. Há a perífrase com o verbo “echar” com sentido de “fazer um grafite”. Nesse sentido, o complemento “un graffiti” delimita aquele trabalho de grafitagem específico. Ao passo que, em (60), o sintagma “estaba robando comida” não está delimitado pelo fato do complemento não estar especificado. Não se sabe até quando houve roubo de comida nem a quantidade roubada. Isso torna o evento [delimitado]. (59) [claro] 1106 I: la cuestión de los policías 1107 E: ¿y qué/ se/ de repente se vieron así en la calle/ estaban echando un/ un graffiti (TÉLICO)? 1108 I: ajá/ [como/ com-/ lle-/ lle-] 1109 E: [y se pusieron a ] 1110 I: y/ bueno/ casi todos nos conocemos 1111 E: ah/ órale 1112 I: los que grafiteamos pues // yo estaba con un cigarro que llevó él y así 1113 E: mm 1114 I: nos empezó a dar esto// y luego llegó a 66 trabajar a// al est- al otro estudio donde estaba yo 1115 E: ya 1116 I: y pues ya también ahí 1117 E: pues ya/ se hicieron [cuates/ ¿no?] 1118 I: [mh] 1119 E: ¿y quiénes se van a/ Noruega? 1120I: yo (60) a/ porque les dieron algo/ y el edificio se está cayendo”// pero pues ahí vivimos y/// nos acomodamos bien/ también el presidente nos// contactó con una señora/ para que nos [cocinara] 91 E: [mh] 92 I: pero al final la señora/ [nos] 93 E: [ah qué bien] 94 I: ay/ no/ ni tan bien 95 E: ¿no? 96 I: nos/ estaba robando comida (ATÉLICO) 97 E: mmhh 98 I: y además// el presidente municipal/ nos había dicho// “bueno/ yo les/ doy/ el alojamiento/ que es el edificio/ con agua/ con/ este/ gas/ o sea con todo/ para que ustedes// este/ pues puedan vivir bien un mes// y/ les/ consigo una persona que les cocine”// [ent Retomando a tabela 3, verificamos 18 ocorrências de complementos atélicos com aspecto contínuo frente a 10 ocorrências do mesmo aspecto com complementos télicos. A diferença entre as duas frequências é pequena e parece ser pouco significativa. Como veremos mais adiante esse fator não foi considerado como relevante para a leitura aspectual nessa rodada. Talvez pela maioria de ocorrências sem complementos verbais. A tabela seguinte indica os resultados da combinação tipo de imperfectivo e tipo de advérbio temporal. TABELA 4 – TIPO DE IMPERFECTIVO x TIPO DE EXPRESSÃO ADVERBIAL DE TEMPO (EAT) DURATIVO (%) PONTUAL (%) SEM EAT (%) HABITUAL 8 61,5 10 35,7 244 77,7 CONTÍNUO 5 38,5 18 64,4 70 22,3 TOTAIS 13 100 28 100 314 100 A tabela 4 indica que a combinação com maior frequência, tanto para o habitual quanto para o contínuo, foi a ausência de expressão adverbial de tempo. De acordo com as hipóteses estabelecidas, observamos o que já era esperado: a maior compatibilidade de expressões adverbiais pontuais com a perífrase e a maior compatibilidade de expressões durativas com o imperfeito. 67 Com a tabela, observamos números bastante significativos. De 262 ocorrências de habitual, 244 foram sem EAT. No caso do contínuo, de 93 ocorrências, 70 foram sem EAT. Esse quadro já era esperado por dois motivos: (i) os advérbios não são argumentos dos verbos, funcionam como adjunto e sua natureza é facultativa; (ii) quando ocorrem, aparecem para que o informante dê uma sequência na pergunta do entrevistador ou quando escolhe realmente indicar o período de tempo em que a ação ocorre. Além disso, o corpus transcrição de entrevistas é controlado em certa medida, na formulação do questionário em si. Mas, por apresentados dados de fala espontânea não há controle da produção de um elemento linguístico ou outro. Os exemplos (61) e (62) representam esse caso com o aspecto habitual e contínuo respectivamente. (61) bien/ aquí// lo disfruté// y por es-/ es una de las cosas por las que no me arrepiento de haber estudiado diseño 413 E: no/ pues no/ ¿y los maestros qué tal?/ ¿cómo ? 414 I: este/ sí/ los metíamos/ bueno yo/ era de los que/ metían a los maestros a/ a la onda// por ejemplo/ yo a la mayoría yo no les hablaba de usted/ sino l- los tuteaba// “oye A/ ¿qué onda qué pasó con esto?/ explícame esto” o// los invitábamos a fiestas 415 E: mh 416 I: que no jalaban era otra cosa y está bien/ porque tienen que dar su lugar (sic)/ siempre debe haber/ es este/ pues esa barrerita ¿no?/ del respeto/ no la deben (62) ¡No nos traiga las otras dos! nada más una” 235 E: (risa) 236 I: ¡ya nada más con esta!”/ fue/ me acuerdo que pedimos un chocolate/ pues// una como bacinica (risa)/ así redondísima/ y nosotros// ¡ihh!/ “¡verde!/ esto parecen dos litros de agua o de/ leche/ o qué onda”/ ¡no hombre!/// divertido// ahí estábamos andábamos con la hija de uno de los doctores/ con una japonesa// y súper bien// luego de ahí ya/ nos fuimos/ terminamos en/ Toronto/ pero antes de llegar a Toronto/ visitamos el Niágara// las cataratas// padrísimo/ igual// pero/ como/ a-/ estaba acabando lo del deshielo 237 E: mm 238 I: ya no pudim Na sequência, a tabela 4 demonstra que houve uma preferência pela combinação, tanto do habitual quanto do contínuo, com EAT’s de caráter pontual. Conforme o exposto acima, no entanto, a combinação esperada era a de EAT’s pontuais somente com a perífrase, mas não com o imperfeito. A forma simples, por 68 apresentar uma interpretação menos delimitada, não parece ser compatível com esse tipo de EAT. Vejamos as sentenças abaixo: (63) ese libro// creo que se llama/ Esto es el futuro/// y/ bueno/ no es un libro/ es una como entrevista// es una recopilación de cinco seis entrevistas// a jóvenes este/ españoles// pero // pues con diferentes perfiles ¿no?// hay un chavo que es insumiso/ que no/ mm/ todavía cuando escribieron el libro/ estaba// lo del servicio militar a fuerzas/ en España/ ahora ya no/ hace unos años lo cambiaron// pero en ese tiempo todavía estaba/ y la gente l-// pues los chavos que se// que/ no iban/ a presentar el servicio/ militar// les llaman/ les llamaban insumisos// y en ese libro/ hacen una entrevista/ (64) I: y el punk// hardcore 243 E: ¿tú nunca has hecho música? 244 I: sí 245 E: ¿sí también?/ ¿tocas algún instrumento? 246 I: ah/ sí/ el saxofón y el/ y trompeta 247 E: ah órale qué chido/ ¿y practicas con/ con otros chavos? [con alguna banda] 248 I: [no ahori-]/ ahorita/ ahorita ya no/ pero antes sí// tocaba en/ toqué en varios/ varios grupos 249 E: ya/ órale súper bien 250 I: pero pues hace mucho// bueno no hace mucho/ hace como unos/// cinco/ seis años 251 E: y ahorita sigues practicando/ ¿no?/ [o ya] 252 I: [no] más que nada/ ahorita ya 253 E: ¿ya leve? 254 I: ya/ menos que antes 255 E: sí/ a As formas verbais destacadas nas duas orações acima expressam aspecto habitual. É perceptível uma leitura que indica a repetição das situações em “estar”, “llamar” e “tocar”. Entretanto, cada um desses verbos é modificado por advérbios de tempo de natureza distinta. Em (63), “en ese tiempo” por estar emcabeçada pela preposição “em” possui uma interpretação mais pontual e delimitada do que “antes” em (64). Podemos sugerir que esse advérbio tem um escopo semântico mais alargado, proporcionando uma leitura [+ durativa] nesse último exemplo. No caso de (65), apresentamos um exemplo com a perífrase PPROG combinado com uma expressão de tempo em forma de oração subordinada que está em negrito. Consideramos esse tipo de advérbio como durativo pelo seu caráter semântico. Ao introduzir um evento dentro da EAT há uma interpretação [- pontual], compreendendo-se a duração do evento. Ao contrário de (66), que apresenta uma EAT como “ahorita” que parece ser bem mais delimitadora e [+ pontual]. 69 (65) os que te estoy diciendo/ no es// pero// creo que el/ en vez del dj / era un chavo que hacía graffiti// o que bailaba break / o que hacía hip-hop/ algo así/ no me acuerdo bien// pero bueno/ eran diferentes/ chavos más o menos de la misma edad/ pero// pues con diferentes ideologías ¿no?/ o gustos// y estaba muy bueno el libro/ me gustó mucho/ lo presté y// una chava que estaba haciendo un trabajo sobre/ cuando hacía mi servicio social// se lo presté a una chava/ que estaba haciendo un trabajo sobre tribus urbanas// yo le dije que igual había ahí unas entrevistas y// se lo pasé/ y ya nunca me lo (66) güey/ acuérdate/ Michoacán”/ y yo “ah/ neta/ ya nos había pasado” (risa)// pues así/ ojete/ la impotencia// a eso te refieres/ ¿no? 181 E: pues sí// ¿o sea/ con con/ [con ese tipo de relatos?] 182 I: [pero es raro/ eso que dices] 183 E: ¿o cómo? 184 I: sí sí sí/ no/ esa/// como ahorita ¿no?/ que te estaba describiendo más o menos lo que siento/ [de querer romper algo/ de querer] 185 E: [ajá/ ajá sí] 186 I: desquitar eso// es lo que tú decías/ ¿no?/ o sea que te hierva la sangre o que te 187 E: [sí sí sí] 188 I: [esa/ esa]// no sé/ ese tipo de descripciones 189 E: sí/ sobre todo extremas/ así Conforme descrevemos a partir de Yllera (1999), a perífrase progressiva no passado é mais compatível com advérbios de tempo de natureza pontual. A forma progressiva, por indicar um evento que está em curso, é esperado que haja um limite para que a ação termine. O advérbio pontual daria essa dimensão terminativa ao evento. No caso, do habitual houve algo inesperado, ainda que com número pouco expressivos. Pelo caráter [+ durativo] do imperfeito e pouco delimitador, era esperada a combinação do habitual com advérbios durativos, cujo escopo semântico é mais alargado. A diferença, em números, é pequena: 10 expressões pontuais x 8 expressões durativas. Como o contexto de entrevista é pouco controlado, seria interessante investigar essa composição a partir de outra metodologia. Finalmente, a tabela seguinte se refere à combinação do tipo de imperfectivo com o último fator linguístico, o tipo de sujeito. 70 TABELA 5 – TIPO DE IMPERFECTIVO x TIPO DE SUJEITO AGENTIVO (%) NÃO AGENTIVO (%) HABITUAL 231 88,2 84 90,3 CONTÍNUO 31 11,8 9 9,7 TOTAIS 262 100 93 100 A tabela 5 indica uma frequência maior de sujeitos de natureza agentiva tanto com o imperfectivo habitual quanto com o imperfectivo contínuo. Esse quadro distribucional já era esperado. Para recordar, assumimos para tipos de sujeito em que aqueles com caráter [+ animado] (a professora, o cachorro) possuem um traço [+ agentivo]. Enquanto os sujeitos [- agentivos] são aqueles de caráter [- animado] (o degelo, a torneira). Em (67), há exemplos de sujeitos agentivos: (67) sea/ es que sí/ cuando te vas/ y por tanto tiempo/ es es entrar en una dinámica de vida/ totalmente diferente 86 I: la gente allá en/ en el pueblo/ o sea nunca nos lo dijeron/ pero oíamos (AGENTIVO) // y decían (AGENTIVO) que era el Big Brother 87 E: (risa) 88 I: porque éramos quince monitos// que no teníamos/ o sea sí platicábamos (AGENTIVO) con el señor de la tienda/ o el de la papelería// pero en sí// no teníamos con quién más hablar// más que con nosotros// y si nos peleábamos (AGENTIVO) // pues / te tenías que contentar/ o por lo menos hacerte el desentendido/ porque// porque/ no te podías estar un mes peleado// ni haciéndole cara Na sentença (67), o informante comenta sobre sua vida na cidade em que vivia antes de ir à capital para trabalhar e estudar. Todos os verbos em negrito estão conjugados em 2ª e 3ª pessoas do plural. Nesses contextos, implica na ação de uma entidade [+ humana], portante [+ agentiva] e [+ animada]. Já em (68), abaixo, verificamos um sujeito seguido de uma oração subordinada relativa. A referência de sujeito do verbo “parecer” é o termo “gris” (a cor cinza). Uma cor não é [+ animada] portanto se encaixa na categoria de sujeito não agentivo. (68) es el logotipo que yo hice que/ que él quiso copiar/ y no/ le quedó mal o sea// de hecho yo/ yo lo eh como es metal/ yo lo qui-/ yo lo hice con grises para/ [te digo] 561 E: [claro] 562 I: hacerle este/ volumen y todo/ brillo/// y él le puso un/ un gris (NÃO AGENTIVO) / que parecía una/ plasta/ no sé de qué// o sea estaba mal hecho/ 71 estaba mal hecho// quedó mal hecho entonces 563 E: ay/ qué gacho 564 I: yo nada más lo vi y// dije/ “bueno/ pues en tu pecado// [llevaste tu penitencia”] 565 E: [qué gacho]/ [sí] 566 I: [lo mejor] lo mejor no lo hubieras puesto/ lo hubiera dejado [tal como lo tenía yo por dentro] A seguir, apresentamos exemplos dos dois tipos de sujeito quando combinados com a forma perifrástica de imperfectivo. Em (69), o sujeito “lo de deshielo”, assim como em “un gris” de (68) também não possui um caráter [+ agentivo]. Porém, no exemplo (70), o argumento externo do verbo “comentar” é um pronome “nosotros” não realizado foneticamente. Mas é possível inentificar sua agentividade. (69) no nos traiga las otras dos! nada más una” 235 E: (risa) 236 I: ¡ya nada más con esta!”/ fue/ me acuerdo que pedimos un chocolate/ pues// una como bacinica (risa)/ así redondísima/ y nosotros// ¡ihh!/ “¡verde!/ esto parecen dos litros de agua o de/ leche/ o qué onda”/ ¡no hombre!/// divertido// ahí andábamos con la hija de uno de los doctores/ con una japonesa// y súper bien// luego de ahí ya/ nos fuimos/ terminamos en/ Toronto/ pero antes de llegar a Toronto/ visitamos el Niágara// las cataratas// padrísimo/ igual// pero/ como/ a-/ estaba acabando lo del deshielo 237 E: mm 238 I: ya no pudim (70) // una [ciudad] 201 E: [sí] 202 I: viva// en cambio Teotihuacan// a excepción de Wal Mart (risa)// no hay tanta// no hay tanta construcción// entonces o sea/ y también por// eh/ por el tipo de// de información/ y todo lo que puedes sacar/ que todavía no se sabe/ porque/ por ejemplo/ en en una clase/ estábamos comentando// que// no se sabía// dónde los teotihuacanos// iban al baño/// así/ o sea/ algo tan// tan simple/ y tan cotidiano// y que a fuerza/ o sea no era de que/ “ay/ es que a lo mejor ellos no”/ (risa) tenían que hacer a fuerzas/ porque/ porque somos humanos/ ¿no?// entonces este/ cos Uma explicação possível para o uso da perífrase de contínuo com sujeitos agentivos é que, devido a sua natureza progressiva é necessário um sujeito que implique alguma dinamicidade ao evento. Os sujeitos agentivos são aqueles que se adequam a essa condição, conforme Freitag (2011). No entanto, no caso do habitual encontramos o mesmo quadro. 72 Outra motivação, mais geral, para esse panorama encontrado no recorte analisado é a natureza do corpus. Por ser um contexto de entrevistas com temas como costumes, descrição de pessoas e fatos passados, o uso de sujeito não agentivo se torna mais restrito, visto que, discursivamente, são tópicos que envolvem eventos produzidos por pessoas preferencialmente. Após essa segunda rodada com frequências totais, calculamos os pesos relativos dos fatores relacionados à leitura aspectual a fim de identificar qual ou quais fator(es) são mais relevantes na análise. Obtivemos os seguintes dados conforme a tabela 6. TABELA 6 – Peso relativo dos fatores mais relevantes para a leitura aspectual RUN #8 GRUPO 1 1: 0.655 GRUPO 3 3: 0.277 3: 0.536 4: 0.403 1: 0.567 2: 0.152 2: 0.150 Do ponto de vista estatístico, nessa rodada binomial, o software indicou como fatores mais relevantes o grupo 1 (tipo de verbo) e o grupo 3 (tipo de expressão adverbial). Como demonstramos até aqui, o grupo 2 (tipo de complemento) apresentou números altos em relação a ocorrência de verbos sem projeção de complemento e o grupo 4 (tipo de sujeito) apresentou uma frequência alta de sujeitos agentivos. Quanto às frequências do grupo 5 (sexo), não foram apresentadas porque como escolhemos um número equiparado de informantes homens (4) e mulheres (4), as ocorrências também foram dessa forma e o software não considerou como um fator relevante. Levando isso em consideração, fizemos uma quarta rodada com o cruzamento dos fatores das duas formas de imperfectivo contínuo (IMP e PPROG) com o tipo de verbo e a expressão adverbial de tempo. Isso foi necessário para identificar os contextos em que o imperfeito ocorre com significação contínua nesse recorte. A seguir, apresentaremos os resultados encontrados. 5.3 – A alternância da expressão do aspecto contínuo Nesta seção, apresentaremos os resultados das ocorrências de Pretérito Imperfeito e Passado Progressivo com significação contínua. É importante esclarecer 73 que o foco dessa seção não são as formas perifrásticas. As mesmas apresentam valor contínuo progressivo como já observamos em exemplos da seção anterior. A perífrase seria a expressão canônica desse aspecto. Nossa intenção é identificar o que favoreceria o uso da forma simples com valor aspectual de continuidade, além do de habitualidade. Mas aqui, faremos a sequência inversa da seção anterior. Em 5.2, apresentamos os dados estatísticos e, posteriormente, discutíamos os exemplos. Nesse momento, é importante analisar cada exemplo selecionado para compreender adequadamente os dados da tabela. Comecemos com (71): (71) 692 I: (risa) sí sí sí pero/ no no no// me/ me dolieron más otras perforaciones 693 E: ¿ah sí? 694 I: sí 695 E: órale 696 I: esas son las que// o sea al igual y/ al instante sí/ sí es así como/// como que/ sientes// un impacto así// eh/ no así muy doloroso pero sí dices “ay”/ o sea no es// como te imaginabas (estabas imaginando) y también// pues más bien// eh // es soportable// ¿no? 697 E: ¿es más leve que el dolor de los tatuajes// el de las perforaciones? 698 I: eh / pues depende// un tatuaje pues chiquito/ no duele/ bueno/ sí duele pero no como una perforación// si te haces una pieza grande/ y en una sesión No trecho acima, o participante da entrevista comenta sobre as ocasiões em que colocou piercing e sobre a dor que sentiu. A ocorrência destacada está na forma de imperfeito e parece, inicialmente, expressar uma noção de habitualidade. O verbo “imaginar” tem um traço [- dinâmico] e por isso é um verbo de estado. Nessa sequência, também não identificamos nenhum advérbio de tempo, ou seja, está sem especificação pela ausência de um adjunto. Mas, se for empregada uma perífrase passado com o mesmo verbo, percebemos que a frase mantém seu sentido. Ao utilizar “imaginabas” é possível duas interpretações: (i) o falante imaginava como seria aplicar um piercing com recorrência; (ii) o mesmo falante estava pensando continuamente num período de tempo específico. Vejamos o caso de (72): (72) é// pues eso/ ¿no?/ el ateísmo y// y // vas/ en parte el proceso y// pues sueles criticar a la gente/ ¿no?/ que/ ya sea que// religiosa o/ no sé// pasas por ese proceso/ por el proceso de que// ves a gente más grande que tú/ no sé/ mi caso/ mi hermano/ que ya había terminado la escuela/ trabajaba (estaba trabajando)/ y llevaba una vida de rutina/ y yo decía que puf/ que qué /// pues mal/ ¿no?/ por su vida/ 74 ¿no?/ ya n-/ ya con una rutina/ un horario establecido/ oficina y todo eso/ y este// solía criticarlo/ no de forma// mala onda/ ¿no?// pero sí llegué/ a hablar con él varias veces de eso/ ¿no?// pero/ no sé// n Em (72), destacamos o verbo “trabajar”. O informante está comentando sobre um irmão que já tinha terminado os estudos e trabalhava e tinha uma rotina. O verbo em negrito, conforme a classificação verbal na qual nos baseamos, apresenta uma dinamicidade mas não um telos. Nesse caso, é classificado como uma atividade. Assim como (71), também não apresenta nenhuma expressão de tempo. Esse sintagma também pode apresentar duas noções aspectuais: (i) ou irmão do informante trabalhava repetidamente, com frequência; (ii) ou seu irmão já estava trabalhando após terminar os estudos, ou seja, uma leitura contínua. Abaixo apresentamos a análise da sequência (73): (73) de segunda clase// nosotros “pues bueno/ o sea igual/ va a ir gente parada/ pero nosotros con nuestros lugares”/ ¡pues no / era mentira eso!// y andaestuvimos parados un rato/ ¿no?/ como dos horas// no fue mucho/ pero / igual y/ J y yo/ porque nos regresamos él y yo/ porque mis amigos con quien iba/ se quedaron/ más tiempo// pero yo me regresé con él// y pinche impotencia igual/ bien cabrón/ y ayer (PONTUAL) le decía (estaba diciendo) a/ a J/ le decía (estaba diciendo) “güey/ es que esta impotencia no la había sentido”/ dice “sí/ güey/ acuérdate/ Michoacán”/ y yo “ah/ neta/ ya nos había pasado” (risa)// pues así/ ojete/ la impotencia No caso de (73), destacamos o verbo “decir” e o advérbio “ayer”. Como já explicitamos, classificamos esse verbo como processo culminado por envolver dinamicidade para que o evento ocorra. Além disso, no contexto da sentença, assim que o falante termine de pronunciar a frase que segue entre aspas, terminou o evento. Quanto ao advérbio temporal, o informante emprega “ayer” (ontem), cuja característica principal é o traço [+ pontual]. Com a presença do advérbio, está delimitado o momento em que a ação acontecia. Nesse caso, “decía” enseja uma leitura contínua. O evento estava em andamento no dia anterior. Esse exemplo é outro caso em que o uso da perífrase seria possível justamente por esse contexto não ser de habitualidade mas de continuidade. 75 Em (74), também observamos o mesmo tipo de interpretação de (73), contudo sem uma expressão adverbial de tempo: (74) odo eso 741 E: no chingar nada/ [¿no?] 742 I: [ajá]/ entonces es más difícil/ es la única perforación// difícil que se me hace con ese método/ pero todos las demás// son igual 743 E: con todas las demás/ [cualquiera de los dos] 744 I: [vale]/ [sí sí sí] 745 E: [órale] 746 I: y también/ pues como tú/ mencionabas (estabas mencionando) / de/ la/ pistola 747 E: ajá 748 I: eso/ no es recomendable 749 E: ¿no?/ ni para… 750 I: no porque una/ pistola/ no se puede esterilizar 751 E: mm 752 I: entonces// pues por eso/ pues te pueden pa-/ contagiar de una hepatitis/ a/ hasta una hepatitis be/ no sé 753 E: claro 754 I: igual ha O exemplo (75) indica ocorrências com interpretações flutuantes. Como já analisamos em exemplos anteriores, os verbos “trabajar” e “estudiar” são [+ dinâmicos]. Por não serem instantâneos, não podem ser considerados culminações. O participante menciona que já trabalhava e estudava antes de terminar a faculdade na cidade. Esse marcador encabeçado por “antes” possui um caráter durativo. Inclusive porque o sintagma preposicional que o segue não fornece uma leitura de um momento específico no passado, mas sim um período não delimitado. No contexto dessa sequência, os eventos de “trabajar” e “estudiar” terminam a partir do momento em que terminou o período de tempo da faculdade, apresentando um telos. Por isso, nesse contexto, são categorizados como processo culminado. Essas ocorrências podem apresentar duas leituras: (i) ou os eventos ocorriam sucessivamente naquele período de tempo ou (ii) são eventos únicos e contínuos no mesmo período. Analisando as sequências abaixo, as duas opções são possíveis: (75) 14 cil] 46 I: si yo voy a Coyoacán// Iztapalapa o sea / a mí pues se me hace// lejísimos 47 E: claro 48 I: pero por ejemplo// yo/ antes de terminar la universidad (DURATIVO) / yo trabajaba (estaba trabajando) y estudiaba (estaba estudiando) // y trabajaba/ en las mañanas// en Iztapalapa y luego/ después ya me venía aquí a estudiar/// y te acostumbras/ me aventaba yo como dos horas 49 E: ay qué pérdida de tiempo/ ¿no?// debería ser como que todo debería estar cerca 50 I: ah/ pues claro/ es lo óptimo/ ¿no?/ pero// o sea así es/ de hecho// sí co-/ ahora sí que/ ahorita que/ estoy en lo laboral// conoces a mucha gente que viene de muy lejos// por ejemplo 76 A sequência (76) tem como destaque o advérbio “en ese momento”, cuja natureza é pontual, e o verbo estativo “necesitar”. Como não tem uma interpretação por etapas ou fases, esse verbo se adequa à classe dos estativos por ser mais homogêneo, isto é, [- dinâmico]. Porém, com a presença do advérbio, “necesitaba” não tem uma leitura habitual. A informante comenta que, num dado momento de sua juventude, precisou amadurecer mais rápido. A leitura obtida é a de que, naquele momento, ela estava precisando amadurecer. Não há espaço para uma leitura habitual, mas sim para uma interpretação contínua, conforme apresentado abaixo: (76) 9 mh 44 I: como que siempre me tocó// y nadie me las/// impuso/ nadie me dijo/ “tú tienes que cocinar/ tú tienes que// ser tutora de tus hermanos/ tú tienes que ayudarme con tu abuelita”/ o lo que fuera/ ¿no?/ nadie nadie/ o sea yo lo hice porque consideré que era lo correcto/ porque en ese momento (PONTUAL) se necesitaba (estaba necesitando) // de por sí maduré/ muy chica 45 E: mm 46 I: y luego con eso/ me enfrenté a/ situaciones fuertes/ me hizo/ como que madurar también en ese aspecto// entonces/ como que/ la responsabilidad hacia un hijo/ no me asustaría/ ni el tener que levantarme más temprano/ el tener que trabajar doble A partir desses exemplos, pudemos verificar que tanto verbos estativos quanto eventivos parecem permitir a coocorrência do imperfeito e da perífrase de passado progressivo em contextos de continuidade ou duratividade. Entretanto, algumas categorias propiciam tal fenômeno preferencialmente. A seguir, apresentaremos os dados quantitativos relativos à combinação (a) do fator expressão do aspecto contínuo e tipo de verbo; e (b) do fator expressão do aspecto contínuo e tipo de expressão adverbial de tempo. Após as devidas descrições, discutiremos algumas implicações teóricas. TABELA 7 – IMPERFECTIVO CONTÍNUO x TIPO DE VERBO P. CULMINADO ESTADO (%) ATIVIDADE (%) (%) CULMINAÇÃO (%) IMP 23 76,7 14 87,5 24 54,5 0 0.0 PPROG 7 23,3 2 12,5 20 45,5 2 100 TOTAIS 30 100 16 100 44 100 2 100 77 Na primeira coluna da tabela 7, apresentamos as frequências do imperfectivo contínuo na forma de pretérito imperfeito. Quando tal aspecto está expresso na forma simples, houve uma preferência pelos verbos de processo culminado. No caso da perífrase, também é verificado o mesmo quadro. Esse último resultado já era esperado e acompanha a descrição de Freitag (2007, 2011), a qual argumenta que haveria uma relação positiva entre PPROG com o traço [+ dinâmico]. Isso ocorreria tanto no PB, quanto em línguas como o italiano e o espanhol. Da mesma forma, considerando essa distribuição da progressividade relacionada a [+ dinamicidade], verificamos que a categoria verbal de processo culminado se mostrou favorecedora na ocorrência de IMP com valor contínuo (exemplos (73), (74) e (75)). Givón (2001) aponta que, com verbos dessa categoria, a interpretação do imperfectivo habitual e contínuo é flutuante, sendo possíveis as duas interpretações. Dessa maneira, o caráter [± dinâmico] do verbo parece direcionar essa distribuição nos dois valores aspectuais. Conforme Freitag (2007, 2011), verbos [+ dinâmicos] tendem a ser compatíveis com as duas formas, mantendo a mesma leitura contínua e progressiva. Nesse sentido, os resultados encontrados coadunam com a descrição feita pela autora já para o PB. Do ponto de vista do gerativismo, esse quadro aspectual semelhante indica insumos importantes. No capítulo 1, assumimos um pressuposto fundamental do Gerativismo. Sob essa ótica, existe um conjunto de princípios linguísticos que compreendem todas as línguas naturais, denominado Gramática Universal (GU), num estágio inicial de aquisição da linguagem. Levando isso em consideração, numa perspectiva minimalista (Chomsky, 1995), a criança seleciona os traços dos dados linguísticos primários (DLP) respectivos ao idioma a que está exposta, e descartar os outros. Se é necessário que haja essa interação entre os DLP e os princípios da GU de uma língua, entende-se que tais princípios, diante da gama de línguas naturais existentes no mundo, poderiam ser universalmente válidos para todas. Conforme Raposo (1992), as gramáticas particulares dos falantes seriam compatíveis com o conhecimento linguístico que possuem no início do processo de aquisição. Esse pressuposto, já apresentado, é o que se denomina de Universalidade Linguística. A distribuição das formas de imperfectivo contínuo e habitual apresentada 78 para o espanhol da Cidade do México se aproxima àquele descrito por Freitag (2007, 2011) para o PB. Isso parece indicar que, no que se refere ao quadro aspectual para o imperfectivo, as duas línguas se mostram bastante semelhantes. Como exemplo, a ocorrência em (76), reescrita em (77), é parecida com os exemplos fornecidos pela última autora para o PB, reescritos em (78) e (79): (77) o sea yo lo hice porque consideré que era lo correcto/ porque en ese momento (PONTUAL) se necesitaba (estaba necesitando) // de por sí maduré/ muy chica. (78) Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava de um apoio, foi quando a minha mãe morreu. (79) Aí também foi na época que a gente voltou, a gente estava precisando economizar pra começar nossa vida. Por fim, na tabela 8, indicamos os resultados relativos à combinação das formas de imperfectivo contínuo com os tipos de expressão de tempo. TABELA 8 – IMPERFECTIVO CONTÍNUO x TIPO DE EAT DURATIVO (%) PONTUAL (%) SEM EAT (%) IMP 3 60 11 61,1 48 68,6 PPROG 2 40 7 38,9 22 31,4 TOTAIS 5 100 18 100 70 100 Verificamos que o contexto de ocorrência do contínuo, tanto expresso por imperfeito quanto pela perífrase PPROG, é a ausência de advérbio temporal. Discutimos que isso poderia ocorrer tanto pela natureza facultativa do adjunto de tempo, quanto pelo tipo de registro linguístico do corpus, entrevistas transcritas, que não permitem controlar a produção de determinados itens no discurso. No entanto, de acordo com a tabela acima, pode-se observar que as expressões adverbiais pontuais são mais compatíveis com PPROG e IMP, caso o valor que expressem seja imperfectivo contínuo. Analisando especificamente a forma IMP, é importante retomar Yllera (1999) para o espanhol. A autora defende que, quando houver advérbios de natureza pontual (ahora, en ese momento, en esos días), a forma simples de imperfectivo passado pode ocupar a posição da perífrase (exemplos (73) e (76)). Isso também pode ocorrer caso não haja advérbio temporal 79 algum (exemplos (71), (72) e (74)). Na análise feita para esta dissertação, encontramos essa mesma distribuição proposta por Yllera (1999). É importante relembrar que, nesta pesquisa, não há o objetivo de afirmar que a organização aspectual do espanhol da Cidade do México está em mudança. Os dados que servem de base para a análise apresentada, nesta dissertação, são insuficientes para isso. As entrevistas selecionadas foram feitas de 2000 a 2005 e não seria possível afirmar qualquer posição sem um estudo comparativo mais rico. No entanto, um conjunto de dados sempre permite algumas considerações sobre os fenômenos linguísticos. De fato, observamos que há uma coocorrência entre as formas IMP e PPROG no que diz respeito à expressão do imperfectivo contínuo, segundo o que está descrito na tabela 1 e nos exemplos. Ao longo desta seção, também identificamos que os verbos de processo culminado, a ausência de EAT’s e, quando houver expressão temporal, EAT’s pontuais, favorecem essa co-ocorrência. Neste caso, os dados parecem indicar um pareamento na significação aspectual das duas formas de aspecto imperfectivo contínuo (IMP e PPROG) devido ao traço [+ dinâmico] de verbos como os de processo culminado e [-durativo] das expressões adverbiais. Diante disso, podemos retornar à argumentação de Lightfoot (1999). Para o autor, os novos usos das formas linguísticas se devem à exposição do indivíduo a dados linguísticos primários (DLP) diferentes dos já adquiridos por indivíduos de gerações anteriores. Assumimos que a natureza dos DLP funciona como uma experiência detonadora, a partir da qual novos traços e configurações podem provocar uma reanálise gramatical. As gramáticas particulares fixadas após a aquisição teriam uma organização diferenciada. O que a análise parece sugerir é que o traço de aspecto imperfectivo contínuo em si está preservads nos seus respectivos contextos. No entanto, o pretérito imperfeito parece ser um tempo verbal com significações aspectuais múltiplas, permitindo outras leituras dependendo do contexto em que apareça. E, retomando as condições de boa formação de sentenças na computação linguística (seção 5.2), parece ser mais interessante empregar uma forma que possa representar noções aspectuais múltiplas. 80 Na seção 5.4, comentaremos sobre outros valores do pretérito imperfeito que não foram considerados, porém demonstram as possíveis interpretações que esse tempo verbal pode apresentar. 5.4. Outros valores expressos pelo Pretérito Imperfecto Os exemplos a seguir foram encontrados no recorte selecionado, mas apesar da conjugação em pretérito imperfeito, não apresentam uma leitura habitual nem contínua. São casos bem diferentes. Vejamos: (80) I: entonces/ yo le di-/ yo le/ le dije/ “¿sabes qué?/ mira/ ya te lo hice”// pero bueno/ desde el inicio/ ¿no?// hablé con él/ “no/ mira quiero hacer esto y esto para tu taller// nada más quiero ver qué haces/ quiero tomar fotografías de tu taller” 519 E: mh 520 I: y con la propuesta de que si le gustaba (gustara) / (siseo) pues a ver si había un arreglo y me lo podía (podría) comprar 521 E: mh 522 I: me dijo que// que sí/ “sí/ sí/ va/ este/ tú me lo muestras/ si me gusta/ pues / podemos llegar a algo”/ “cámara” 523 E: mh 524 I: ya llegué/ le enseñé el logotipo/ o sea/ se lo enseñé// No exemplo acima, “gustaba” e “podía” não compartilham de uma leitura habitual. A situação de gostar não era recorrente no passado, tampouco a de poder. Da mesma forma, não é possivel uma interpretação contínua. Observemos que, antes do primeiro verbo destacado, há a partícula de condição “si”. Na verdade, esses dois verbos apresentam uma interpretação de algo que poderia acontecer caso o informante gostasse. Nesse caso, o imperfeito assume os valores do imperfeito do subjuntivo e do futuro do pretérito (o condicional). (81) asaste en la universidad?// yo me la pasé muy/ digo/ yo me la estoy pasando muy bien (risa) este// aprendo y (silencio) 4 I: pues// diría que bien// bien/ lo que pasa es de que// como yo fui en vocacional// por ahí había problemillas/ en cuestión de porros y todo eso 5 E: mh 6 I: y luego el ambiente estaba un // pesado/ y era/ un poquito difícil/ y/ vivir con la tensión/ y// no sé/ no podías (podrías)/ llevar walkman o/ cosas así porque/ te robaban (robarían)/ Em (81), o verbo poder possui a mesma interpretação do condicional assim como em (82). Já “robaban” pode ter duas leituras: (i) a ação de roubar pode ocorrer 81 sucessivamente num dado período de tempo, com valor de habitualidade, ou (ii) há uma leitura condicional (roubariam). Essas ocorrências são interessantes porque, no PB, há autores que também discutem o uso do imperfeito no subjuntivo ou no condicional. Domingos (2004), por exemplo, defende que, no PB, haveria uma variação entre as formas verbais pretérito imperfeito do indicativo, futuro do pretérito e pretérito imperfeito do subjuntivo. O imperfeito, tempo do modo indicativo, poderia ser inserido em contextos do subjuntivo que expressa incerteza, dúvida. Seria o contexto do irrealis. Ou ainda no contexto condicional, também pertinente ao irrealis. É interessante que também no espanhol, o imperfeito apresente, não só uma distribuição aspectual múltipla, com uma organização modal da mesma natureza. Por fim, tendo em vista o que foi discutido neste capítulo, no próximo retomaremos as hipóteses previstas para a análise do fenômeno em questão e concluiremos as propostas feitas nesta pesquisa. 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta dissertação é a finalização de um ciclo de pesquisas em Linguística Gerativa e Aspecto Verbal em diferentes variedades do espanhol. Para a versão final da dissertação, optamos por estudar a distribuição do aspecto imperfectivo na variedade do espanhol da Cidade do México. A justificativa pelo interesse por essa variedade se deveu em parte pela facilidade de acesso ao corpus, devido à divulgação das transcrições do Projeto PRESEEA – Ciudad de México pela Internet. Mas também pela ausência de trabalhos descritivos sobre essa variedade. E, ao analisar as entrevistas, percebemos que nossa escolha foi bastante produtiva. Para começar nossas considerações finais, é preciso retomar o fenômeno investigado, o objetivo desta pesquisa e os pressupostos teóricos que nortearam a análise. A motivação para estudar o aspecto imperfectivo surgiu da leitura de um artigo de Giorgi & Pianesi (2002), no qual os autores descreviam as distintas significações que o Imperfeito do Indicativo pode apresentar no Italiano. Os mesmos apontavam que, nessa língua, seria possível utilizar o tempo verbal citado em contextos de progressividade, apesar de sua morfologia não apresentar marca de progressivo. Para os autores, o Imperfeito seria aspectualmente neutro, se encaixando em leituras aspectuais diferentes. Então, pesquisando outros autores que falassem sobre o tema, encontramos a tese de doutorado de Freitag (2007) que se dedicou a investigar os usos do imperfeito e perífrase estar (IMP) + gerúndio no PB. Conforme o que foi explicitado no capítulo 3 da fundamentação teórica, a pesquisadora defende que a forma simples de passado (imperfeito) poderia ser usada em contextos que seriam próprios da forma perifrástica. A proposta de Freitag (op. cit) é de que as duas formas estariam disputando o estatuto de realização do aspecto contínuo no PB. Diante das descrições feitas para o PB e o Italiano, nosso primeiro objetivo era verificar se, no espanhol, tal uso do imperfeito também seria possível. Tanto Giorgi & Pianesi (2002) quanto Freitag (2007) já apontavam que o mesmo quadro seria encontrado em outras línguas românicas. Então, em Sebold & Silva (2013), ao investigar as mesmas formas verbais no espanhol de Madri, verificamos uma preferência pelo uso do imperfeito em contextos que não indicavam um evento habitual. A partir disso, as perguntas que surgiram e nortearam esta dissertação 83 foram: (i) que contextos são esses? (ii) aspectualmente, como estão configurados? (iii) haveria algum elemento sentencial que influenciaria nesse uso? Primeiramente, é preciso relembrar que a morfologia verbal pode exprimir tempo, concordância, modo e também aspecto. A morfologia carrega traços que estão relacionados a esses valores. Observamos, a partir de Comrie (1976), que o pretérito imperfeito e a perífrase de passado progressivo (PPROG), no espanhol, são expressões do aspecto imperfectivo habitual e do imperfectivo contínuo respectivamente. O imperfeito seria capaz de indicar a sucessiva ocorrência de uma situação num certo período de tempo, especificamente, no passado. Já a perífrase, devido ao caráter progressivo do gerúndio, indica o desenvolvimento da mesma situação no mesmo período de tempo, sem repetições. Levando isso em consideração, os objetivos delimitados para esta pesquisa foram: (a) identificar os contextos de ocorrência dos imperfectivos habitual e contínuo, ou seja, quais tipos de constituintes favoreceriam uma leitura ou outra e, após isso, (b) verificar quais fatores permitiriam o uso da forma simples (habitual) em contextos da perífrase PPROG (contínuo). Nosso pressuposto era o de que, no espanhol da Cidade do México, o pretérito imperfeito estaria expandindo seu valor habitual original e ocorrendo também em contextos de aspecto contínuo. Com a análise dos dados, observamos que o aspecto contínuo é expresso pela perífrase mas também pelo imperfeito. Inclusive, o número de ocorrências desse aspecto na forma simples foi o dobro da frequência com a perífrase. Essa preferência por IMP poderia ser explicado pelo caráter neutro dessa forma, o que permitiria a interpretação de distintos valores aspectuais diferenciados. Também delimitamos nossas hipóteses a partir das características composicionais dos dois aspectos, analisando quais fatores favoreceriam a alternância entre formas de passado imperfectivo. Destacamos que verbos [+ dinâmicos] seriam mais compatíveis com a perífrase estar + gerúndio. Por isso, para que o imperfeito se adequasse aos contextos de continuidade, esse mesmo tipo de verbo deveria ser empregado. De fato, isso ocorreu. Verificamos, na seção 5.3 do capítulo anterior, que o imperfeito com interpretação durativa teve uma frequência maior com verbos de processo culminado. Esses verbos, segundo Vendler (1967), são caracterizados por 84 apresentarem os eventos em fases, mantendo uma configuração heterogênea. E, diante do que foi encontrado na análise, esse fator se mostrou favorecedor. Além disso, pelo fato de PPROG, conforme Freitag (2007, 2011), ser compatível com verbos [+ dinâmicos] que reforçam seu caráter progressivo, é plausível que o imperfeito ocorra com esse mesmo tipo de verbo para ensejar continuidade Em seguida, afirmamos que a natureza do complemento verbal também pode influenciar na leitura aspectual. Seguindo a proposta de Verkuyl (1993) e Lessa et al (2008), um complemento pode delimitar ou não um evento caso esteja especificado por um determinante ou não. Para Lessa et al (2008), complementos télicos delimitariam mais o evento e, por isso, seriam mais compatíveis com uma leitura contínua. Os complementos atélicos, não especificados por determinantes, permitiriam uma interpretação menos terminativa desse evento e, portanto, seriam mais compatíveis com uma leitura habitual. Nesta dissertação, isso não pode ser verificado, uma vez que o contexto favorecedor tanto do contínuo quanto do habitual foi com verbos que não projetaram complemento direto. Inclusive, na análise de pesos relativos, observamos que o tipo de complemento não se mostrou relevante para a leitura aspectual. O mesmo ocorreu com o fator tipo de sujeito. Assumimos a proposta de Freitag (2011) de que a perífrase estar + gerúndio, por ensejar leituras [+ dinâmicas] e progressivas, teria uma relação direta com a agentividade do sujeito. Realmente, de acordo com os dados, os sujeitos de tipo agentivo foram mais compatíveis tanto com o habitual quanto com o contínuo. Mas, é preciso considerar que a natureza do corpus pode ter favorecido o emprego desse tipo de sujeito em função de serem entrevistas, conforme explicamos no capítulo 5. Talvez seja interessante, em passos futuros, aplicar outro tipo de metodologia que permita controlar melhor esses fatores. Por exemplo, com testes de elisão de lacunas. Por fim, analisamos as expressões adverbiais de tempo (EAT’s). Consideramos que existem dois grupos de EAT’s: as pontuais e as durativas. As pontuais, assim como os complementos télicos, dariam limite ao evento. As durativas, assim como os complementos atélicos, permitiriam uma leitura aberta da duração do evento e do seu limite. De acordo com Yllera (1999), com tempos verbais que expressam o valor imperfectivo, estar (IMP) + gerúndio é compatível com advérbios mais pontuais, os 85 quais possuem escopo semântico menos alargado. E, ainda, quando há advérbios pontuais, numa sentença de estar (IMP) + gerúndio, a forma simples de imperfeito pode substituir a perífrase. Isso também ocorre se não houver advérbio temporal algum. A análise dos dados demonstrou que nossa hipótese foi parcialmente refutada no que tange às EAT’s. Afirmamos que o tipo de advérbio favorecedor do uso do imperfeito com valor contínuo eram as EAT’s pontuais. No entanto, o contexto mais recorrente com o contínuo foram ocorrências sem expressão adverbial alguma. Em contrapartida, analisando os casos em que havia advérbio, de fato, verificamos que os advérbios pontuais foram mais frequentes com o pretérito imperfeito expressando aspecto imperfectivo contínuo, corroborando a proposta de Yllera (1999). Dessa forma, os dois fatores que foram considerados mais relevantes, portanto favorecedores, para a significação aspectual do passado imperfectivo foram o tipo de verbo e o tipo de expressão adverbial de tempo. Neste caso, os verbos [+ dinâmicos], os advérbios temporais pontuais, ou ainda a ausência de EAT’s. Do ponto de vista da análise aspectual, é fundamental destacar a proposta de Verkuyl (1993). Esse autor defende que uma leitura aspectual é formada composicionalmente pela interação dos traços de todos os constituintes da sentença. De fato, no recorte selecionado, identificamos constituintes que, devido aos seus traços aspectuais, podem direcionar uma interpretação como contínua ou habitual. A análise dos pesos relativos foi relevante por indicar que mais de um constituinte da oração, além da morfologia flexional, influenciam na distribuição aspectual. No caso, a classe verbal e a natureza do advérbio temporal. E, por fim, também verificamos que o pretérito imperfeito pode ensejar outros valores. Como noções modais, ao ocorrer em contextos de pretérito do subjuntivo. Ou apresentando o mesmo valor do condicional do indicativo. A frequência de ocorrências com esses valores foi pequena. Mas, proporciona um caminho para um estudo sobre as noções aspectuais e modais que o imperfeito pode assumir no espanhol, Tal como já se pode encontrar no PB. Do ponto de vista Teoria Linguística, essa análise se mostra bastante relevante pelas indicações que fornece sobre a organização da realização da categoria aspectual no espanhol. Assumimos uma visão gerativista de língua segundo a 86 perspectiva do Programa Minimalista (Chomsky, 1995). Salientamos alguns pressupostos importantes da teoria para basear esta pesquisa. De modo mais geral, o conceito principal da Teoria Gerativa é o caráter tácito do conhecimento linguístico na espécie humana. Os seres humanos já seriam programados, biologicamente, para desenvolver linguagem. Sob uma ótica minimalista, a aquisição de uma língua se dá pela interação dos traços linguísticos fornecido pela Gramática Universal (GU) do indivíduo e pelos traços dos dados linguísticos primários (DLP), vindos da experiência. A criança só selecionará os traços que forem relevantes em função dos DLP que acessa. No capítulo 1, discutimos que a Faculdade da Linguagem, nesse sentido, está formada de acordo com princípios econômicos. A própria sintaxe trabalha com condições de boa geração de sentenças. Para Chomsky (1995), qualquer passo desnecessário na formação de uma frase deve ser dispensado. Uma derivação que necessite de menos passos e seja legível para os sistemas de desempenho que possuem interface com a linguagem. Os resultados apresentados parecem corroborar, empiricamente, para o modelo teórico do Programa Minimalista. A escolha dos falantes por uma forma verbal simples, ao invés da perifrástica, para expressar o mesmo valor aspectual, se mostra plausível, considerando que uma derivação com traços que possam ser checados no mesmo elemento parece mais favorável ao invés de uma derivação com traços para serem checados no auxiliar e no verbo principal. Da mesma forma, é preciso ressaltar que o panorama encontrado no corpus é semelhante ao descrito por Freitag (2007, 2011) para o PB. Nessa língua, os verbos que mais favorecem o emprego do imperfeito, substituindo o passado progressivo, também são aqueles com traço [+ dinâmico] na sua configuração. Além disso, o mesmo fenômeno identificado no PB também pode ser descrito para o espanhol. Isso também corrobora a proposta gerativista da universalidade linguística de que as línguas naturais são mais semelhantes do que diferentes entre si. Esperamos que as considerações feitas possam auxiliar em trabalhos futuros, não só sobre a categoria de aspecto em si, mas em Linguística Gerativa principalmente. Durante a pesquisa para organizar a revisão bibliográfica, observamos que há muitos estudos descritivos sobre aspecto verbal, porém há poucos que conjuguem essas descrições com a perspectiva gerativista. Igualmente, essa 87 investigação visa a contribuir para os estudos sobre variedades do espanhol, ampliando o mapeamento linguístico desse idioma, que muitos pesquisadores já promovem. 88 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BASSO, Renato Miguel. Telicidade e Detelicização. Revista Letras (Curitiba), v. 72, p. 215-232, 2007. BELLETTI. Andrea & RIZZI, Luigi. 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