Artigo Formato-PDF - Degeo - Departamento de Geologia
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Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Da Deriva dos Continentes a Teoria da Tectônica de Placas: uma abordagem epistemológica da construção do conhecimento geológico, suas contribuições e importância didática. Joil José Celino 1, Edna Cristina de Lucena Marques1, Osmário Rezende Leite1 1 Universidade Federal da Bahia Instituto de Geociências - DGGA Rua Barão de Geremoabo, s/no., SALA 308-C, Ondina Salvador - BAHIA - BRASIL CEP 40170-290 RESUMO A compreensão da evolução do conhecimento científico em Geociências pode ser enquadrada na epistemologia racionalista. Este trabalho é uma contribuição a estratégia para o trabalho didático da controvérsia entre a Deriva Continental versus a Tectônica de Placas, define as finalidades das controvérsias geológicas e incorpora os componentes da epistemologia e história da geologia no início do século vinte. Algumas implicações na relação ensino-aprendizagem das geociências são também abordadas. Palavras-chave: Deriva continental, Tectônica de placas, Conhecimento científico, Epistemologia, História da ciência. ABSTRACT Evolution of scientific knowledge in the Geoscience can best be understood taking the rationalist epistemologies as a frame reference. We present here a contribution to the strategy for the didactic work concerning the controversy between “Continental Drift” versus “Plate Tectonics”. The theme offers the oportunity for the re-creation of so important controversy in the history of Geology in the beginning of the twenty century. Educational implications namely those concerned with in service training are stressed. Keywords: continental drift, plate tectonics, scientific knowledge, epistemology, history of science 1 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr acontecerá no futuro. INTRODUÇÃO A Teoria da Tectônica de Placas, Cerca de 40 anos antes da Tectônica desenvolvida nos anos 60, sustenta que as de Placas, uma teoria semelhante foi maiores feições da superfície da Terra são rejeitada pela comunidade geológica. Em criadas pôr movimentos horizontais da 1912, o meteorologista e geofísico alemão litosfera. Tal teoria se destaca pela sua Alfred Wegener, propôs que os continentes simplicidade, elegância e habilidade para eram móveis, desenvolvendo suas idéias na explicar uma enorme gama de observações, "Teoria da Deriva Continental". Para um sendo rapidamente aceita (SENGÖR, 1990). geólogo moderno, o livro de Wegener, "The Em 1971, um autor de um livro de Geologia origin of continents and oceans", é um Introdutória afirmava: documento impressionante e presciente, Durante a ultima década, houve uma contendo muitos dos pontos essenciais da revolução nas Ciências da Terra, que Tectônica de Placas. Na Inglaterra esta resultou na aceitação de que os continentes teoria teve alguns adeptos, mas nos Estados se movimentam sobre a superfície da Terra Unidos ela foi inteiramente rejeitada e e que o assoalho oceânico se "espalha", ridicularizada. sendo continuamente criado e destruído. concordâncias entre as idéias de Wegener e Finalmente, nos últimos, dois ou três anos, as da Tectônica de Placas, por que a culminou com o aparecimento de uma teoria rejeição? Havendo tantas global, conhecida como "Tectônica de Placas". O sucesso da teoria das placas O DESENVOLVIMENTO DO tectônicas não se deu apenas porque ela PENSAMENTO CIENTÍFICO: explica as evidências geofísicas, mas também porque apresenta um modelo no Objetivos qual dados geológicos, acumulados durante Geólogos e historiadores, atribuem os últimos 200 anos se encaixam. Além essa rejeição à falta de um mecanismo disso conduziu as ciências da Terra causal adequado na teoria de Wegener até um estágio onde ela não apenas explica (HELLMAN, 1999). Porém, evidências o que aconteceu no passado, o que está históricas acontecendo no presente, mas também o que continental foi rejeitada apesar da existência demonstram que a deriva 2 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite de explicações plausíveis para os movimentos dos continentes, e que a ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr REFERENCIAL TEÓRICO DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO tectônica de placas foi aceita sem estas explicações. O objetivo deste texto é Um conhecimento de raiz empirista O conhecimento era passado por demonstrar que a principal diferença entre a deriva continental e a tectônica de placas não está nas teorias, mas na natureza das A compreensão da evolução do conhecimento científico nas Geociências pode ser enquadrada na epistemologia (MARQUES, 1996). comum. Desta forma, os pontos de vista de Kuhn, Popper e Lakatos podem ajudar a compreender a substituição que ocorreu na comunidade constituem mobilistas, hoje bem expressas na Teoria da Um outro ponto a ser debatido se refere ao enquadramento teórico para a de ao conhecimento Empirista a base e o objetivo do conceituada como uma sucessão de observações à partir das quais se alcançam os princípios gerais através do pensamento indutivo, que conduz a conhecimentos seguros (PRAIA, 1995). Com o desenvolvimento das ciências experimentais desembocou-se no positivismo lógico onde: a realidade surge Tectônica de Placas. relativas perspectiva conhecimento. Sendo assim a ciência é científica das perspectivas fixistas pelas interpretação Na Baconiana: a experiência e a técnica evidências usadas para demonstrá-las. racionalista rupturas com o conhecimento de senso situações concretas desenvolvimento em Geociências do com implicações consideradas relevantes para o dotada de exterioridade; o conhecimento científico é uma representação do real; existe a dualidade entre fatos e valores; existe um rechaço evidente da metafísica; e há uma preocupação real pela unificação da ciência (MARQUES,1996). Segundo SOUSA SANTOS (1989) ensino. Desta maneira, a dimensão epistemológica é útil aos professores, na medida em que permite estabelecer mais facilmente a ponte para a problematização do ensino e a aprendizagem das ciências. este positivismo lógico materializa dogmatização da ciência: um a aparato privilegiado da representação do mundo, sem outros fundamentos das proposições básicas sobre a coincidência entre a 3 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr a perspectiva intermediária. Sendo assim, ao experiência e observação imediata, sem longo do texto será feita uma abordagem outros limites que não seja o resultado de central do pensamento de cada um deles. linguagem um unívoca estudo instrumentos do da ciência e desenvolvimento experimentais ou dos lógico- A TEORIA DE WEGENER dedutivo. Wegener apresentou sua teoria do deslocamento continental em 1912, no A perspectiva de natureza racionalista encontro Uma via entendimento da Sociedade Geológica de pós-moderna de Frankfurt. Ele propôs que os continentes construção do "derivam" da lentamente sobre as bacias o oceânicas, de vez em quando colidindo um referencial teórico prévio à observação; com outro e mais uma vez se separando. Em defender metodológico; 1915, Wegener apresentou estas idéias em mostrar que o avanço do conhecimento um livro, e em 1926, teve um resumo lido ocorre por rupturas e discontinuidades mais nos Estados Unidos, numa conferência do que vias lineares e acumulativas; patrocinada pela American Association of redimensionar o papel desempenhado pelas Petroleum Geologists (A.A.P.G.). Apesar de situações de erro; e destacar a importância vários outros geólogos terem proposto a que mobilidade continental (até um americano: conhecimento tem o o pretende: valorizar pluralismo consenso da comunidade científica para a validade do conhecimento. Frank Taylor), o tratamento dado por Os críticos ao empirismo apresentam Wegener foi o mais desenvolvido. A teoria também diferenças sensíveis quanto à de deslocamento de Wegener é facilmente evolução do conhecimento científico. Para sumariada (HELLMAN, 1999): Popper, os critérios definidores da evolução (por 1) Os continentes são constituídos de exemplo, lógico-racionais ou empíricos), material menos denso que o das bacias para outros como Kuhn, são eminentemente oceânicas. são exclusivamente internalistas externalistas (por exemplo, sociológicos). Finalmente, Lakatos manifesta uma 2) O material que compõe o assoalho oceânico também existe sob os continentes, 4 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr e a diferença de densidade entre eles permite dois últimos pontos continham realmente que os continentes "flutuem" em equilíbrio algo isostático sobre o substrato oceânico mais emprestado o termo Gondwanaland de denso. Suess; mas enquanto Suess dizia que parte novo, apesar de Wegener ter 3) Os continentes são capazes de se deste supercontinente já tinha "afundado", deslocar sobre o substrato porque este se Wegener argumentava que ele ainda estava comporta, no tempo geológico, como um entre nós, em pedaços. À luz de como se desenvolveria o líquido altamente viscoso. 4) As maiores feições geológicas da terra conhecimento científico, POPPER (1963) (cadeias de montanhas, rifts, arcos de ilhas supõe que os fundamentos teóricos das oceânicas) e fenômenos geológicos maiores Ciências da Terra estão baseados em (terremotos, vulcões) são causados pelo especulações sensatas avançadas com muita movimento horizontal e interação entre os criatividade continentes. Montanhas são formadas pôr conhecimento compressão nos bordos de continentes em susceptível de refutação do que confirmação movimento. e prova. e na qual científico o é próprio sempre 5) Originalmente, toda a Terra era coberta Assim como na ciência moderna, a pôr uma camada fina, contínua de material atividade de investigação se apresenta como continental, a qual gradualmente se quebrou um processo contínuo de aproximação em pedaços que foram se espessando por gradual "amontoamento". Durante o Mesozóico, independente do que podem ou não alcançar alguns dos maiores continentes estavam plenamente (LAKATOS, 1993). reunidos num grande supercontinente a seus grandes objetivos, O ponto-chave é que está em questão processos dinâmicos complexos e não uma chamado Gondwanaland. são simples adição de conhecimentos que supõe reafirmações da Teoria da Isostasia. O sua ordenação, preservação e difusão por terceiro ponto, o conceito de substrato repetição. Os dois primeiros pontos móvel, era um conceito geológico já estabelecido, mas não aplicado para explicar grandes movimentos horizontais. Apenas os 5 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite AS EVIDÊNCIAS DA DERIVA ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr do Norte à Europa, e a África com a Índia. Estes fatos podiam ser usados para Wegener construiu sua teoria para determinar a cronologia dos episódios de explicar porque alguns continentes se "junção" e "quebra" continentais, permitindo encaixavam. Os contornos da América do reconstruir a história da Terra. A Sul e África, e da Europa e América do idéia de Wegener explicava Norte eram muito semelhantes para ser também os dados paleontológicos. Em 1850, apenas uma coincidência. Wegener afirmava o zoólogo britânico Sclater, notou que a ilha que os continentes tinham estado unidos e se de Madagascar não possuía os animais mais separaram, resultando em formas que se comuns encaixam, geológicos girafas...), mas sim numerosas espécies de Discrepâncias lêmures, um animal comum também na menores resultariam de deformações durante Índia. Além disso, alguns lêmures de a ruptura e incertezas sobre os contornos das Madagascar eram quase idênticos a alguns plataformas continentais. (Wegener baseou dos tipos encontrados na Índia. Para explicar sua reconstrução nas bordas das plataformas este fato, Sclater postulou a existência de continentais, vez que é sabido que as linhas um continente afundado: a Lemúria. O de costa mudam devido a flutuações do advento da teoria da evolução de Darwin nível do mar e/ou erosão) (1860) alimentou esta idéia. Os lêmures em relativamente tempos recentes. O encaixe dos continentes foi notado da África (macacos, leões, eram muito similares para terem evoluído antes, mas Wegener encontrou argumentos independentemente. abundantes para sua idéia através de uma estabeleceram similaridades faunais em vasta pesquisa na literatura geológica. As continentes seqüências estratigráficas da América do Sul oceanos: Austrália e Índia, África e Brasil. e Africa eram muito similares durante o Estas similaridades foram usadas por Suess Mesozóico. Do mesmo modo, complexos como ígneos apresentavam continentes afundados, e o levaram a continuidade quando os continentes se postular a existência de um supercontinente encaixavam. anterior: o Gondwanaland. e estruturas Continuidades comparáveis Paleontólogos atualmente argumento para separados a idéia por dos eram observadas quando se unia a América 6 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite Wegener apontou também outras evidências que continentes estavam Glossopteris, distribuição indicavam répteis dos que juntos: alguns a flora Mesosaurideos, marsupiais, etc. a ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr entre os continentes. Os geofísicos, por seu turno, não concordavam "afundamento" de com o Aí se prova a continentes. configurava um dilema: A A teoria da isostasia distribuição certas espécies de minhocas impossibilidade de considerar o soalho parece ser bastante significante, vez que elas oceanico não nadam, nem voam, nem têm ovos afundados...(e) "a "teoria da Permanência" resistentes, mas são encontradas apenas nas nos parece a conclusão lógica, a partir do zonas costeiras de cada lado do Atlântico. nosso As associações fossilíferas sugerem atual como conhecimento continentes geofísico, sem considerar, é claro ... a distribuição dos que o clima da Europa era mais quente no organismos. início do Terciário que atualmente. Por espetáculo de duas teorias contraditórias outro lado, no Permiano, temos depósitos sobre a configuração pré-histórica da Terra glaciais na Africa do Sul, enquanto que na sendo sustentada simultaneamente - na Europa luxuriante Europa, uma adesão quase universal à idéia vegetação, indicando mudanças climáticas de Pontes Continentais; enquanto que na não explicadas pelas Teorias Fixistas. O América, todos aderiram à teoria da meteorologista Wegener sabia que existem permanência de bacias oceânicas e blocos várias causas possíveis para mudança de continentais. desenvolvia-se uma Respondendo, clima, mas argumenta que, sendo a latitude o controlador predominante do clima Então temos o Wegener estranho afirmava que os continentes atuais são os únicos que moderno, a deriva latitudinal seria a melhor sempre existiram, mas eles se explicação para estas mudanças. movimentaram horizontalmente. Com suas palavras (WEGENER, 1966): DERIVA versus PERMANÊNCIA "Este é o ponto de partida da Teoria da Deriva ou Movimento. A suposição Wegener ficou impressionado pela "básica óbvia" comum às teorias das pontes aparente unaminidade dos paleontólogos a continetais e da permanência - que a respeito das "antigas conexões" (pontes) posição relativa dos continentes, sem 7 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite considerar suas coberturas variáveis e ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr grandes cadeias de montanhas dobradas. Deriva águas rasas, nunca se alterou - deve estar continental, falhas e Os continentes devem ter se compressões, terremotos, vulcanismo, ciclos deslocado... Houveram "conexões de terra", transgressivos, deslocamento dos polos, mas formadas pelo contato entre blocos estão, sem dúvida, relacionados às mesmas atualmente separados, mas não por meio de causas. A intensificação destes fenômenos continentes que posteriormente afundaram; em certos períodos da história da Terra, há permanência, mas na área do oceano e mostra que isto é verdade. Mas, o que é a na área do continente como um todo, mas causa e o que é efeito, apenas o futuro irá não revelar (WEGENER, 1966)." errada. para oceanos ou continentes Diferentemente individuais" dos modelos de Wegener entendeu que ele estava Suess e de Dana, a teoria de Wegener podia propondo uma teoria de Tectônica, isto é, de explicar montanhas nas bordas de um movimentos da crosta terrestre, incluindo continente ou mesmo no interior dele. A de formação de montanhas. O livro de teoria da deriva previa que montanhas Wegener começa com um ataque à Teoria podiam se formar nas bordas de blocos de Contração da Terra. A descoberta do continentais, mas podiam ser encontradas calor radiogênico fê-lo assumir como falsa, dentro a antiga premissa de que a Terra estava amalgamento de dois blocos que colidiram. esfriando. Com uma fonte interna perpétua Conseqüentemente, as montanhas no interior de calor, a Terra estaria em equilíbrio dos continentes deviam ser mais antigas que térmico, ou talvez até se aquecendo. Assim, as das suas margens. A teoria também a contração termal não podia mais ser previa que as similaridades estratigráficas e considerada como "motor" da tectônica. fossilíferas estariam restritas às épocas Movimentos horizontais teriam que ocupar geológicas nas quais os continentes estavam este lugar. O que fosse que causava o reunidos, movimento relativamente dos continentes, formaria dele, e onde resultavam finalizariam, brusco, de quando do modo eles se separassem. também as montanhas: os Uma conseqüência imediata da teoria continentes são as mesmas que produzem as da deriva era que se os continentes se "As forças que deslocam 8 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr movimentaram no passado, eles devem estar formação de cadeias de montanhas. Mas se movimentando hoje. Wegener acreditava existem também diferenças: os continentes que teria evidências destes movimentos a se movimentavam independentemente da partir de medidas feitas por diferentes crosta oceânica; e a teoria da Deriva não observadores em expedições na Groenlândia explicava como era formada a crosta (1823, 1879 e 1907), que teriam revelado oceânica. um deslocamento ativo da ilha para oeste. O próprio Wegener calculou os seguintes A REJEIÇÃO DA DERIVA deslocamentos (WEGENER, 1966): de 1823 CONTINENTAL a 1870 - 420m (9m/ano); de 1870 a 1907 A 1190m (32m/ano) Ele utilizou o tempo de transmissão teoria da deriva continental apresentou uma possível solução para um os antigo problema geológico, a formação das deslocamentos, mas não discutiu as grandes cadeias de montanhas. Ao contrário da diferenças encontradas, nem a relativa teoria da contração, a Deriva Continental precisão dos dois métodos utilizados (a poderia conciliar as visões conflitantes dos velocidade das ondas de rádio dependem das geofísicos e paleontólogos, e unificar uma condições meteorológicas). Em 1930 ele vasta gama de observações estratigráficas e retornou para a Groenlândia para tentar paleoclimáticas. Além disso, a deriva não esclarecer estas ambigüidades e confirmar o estava relacionada a qualquer teoria de deslocamento origem da terra. Apesar disso, ela foi de ondas de rádio para horizontal, medir mas morreu rejeitada pela comunidade geológica nos durante esta expedição. A teoria da Deriva Continental tem 3 anos 20 e 30. pontos em comum com a moderna tectônica A explicação usual para a rejeição de placas: 1) a premissa fundamental da foi resumida por Press & Siever (1974 apud mobilidade horizontal dos fragmentos da HALLAM, 1985): crosta terrestre; 2) reconhecimento das "O problema com a deriva foi que e seus proponentes não apresentaram nenhum oceânica; 3) suposição de uma relação de "motor" (ou mecanismo) plausivel para causa entre os movimentos horizontais e a explicar o movimento dos continentes". diferenças entre crosta continental 9 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Mas esta argumentação não resiste a uma suficiente. Este conceito era inerente análise muitos teoria da isostasia, desde que continentes só foram poderiam flutuar se o substrato no qual aceitos antes que suas causas fossem estavam apoiados se comportasse como um conhecidas. As glaciações, cavalgamentos fluido. No final do século 19, a isostasia foi alpinos e inversões do campo magnético, usada para explicar o levantamento da são exemplos disso. peninsula mais fenômenos profunda, científicos pois empíricos escandinava. Diante à disso Longwell (1920 apud HALLAM, Wegener argumentou que se os continentes 1985) argumentou que as evidências eram podem se movimentar verticalmente, eles convicentes, então "os geólogos deviam se também contentar em aceitar o fato do deslocamento, horizontalmente. Assim, o problema de e deixar a explicação para o futuro". Wegener não era se o substrato poderia se Exatamente o que aconteceu durante os anos comportar da maneira requerida, mas se as 60: "A aceitação popular da Tectônica de forças disponíveis eram suficientes para Placas não é baseada no conhecimento do impulsionar os continentes através dele. poderiam se movimentar Em seu livro, Wegener propôs que a mecanismo que movimenta as placas". Outros, acham que a falha estava na fricção ausência de uma adequada base mecanica: diferencial "a deriva foi rejeitada porque ninguém anomalias da forma da Terra, poderiam visualizava que causar os movimentos dos continentes. A permitisse aos continentes "deslizar" sobre a maioria dos geólogos consideravam estas crosta oceanica aparentemente sólida". forças muito fracas. Holmes (1929 apud um mecanismo físico tidal e efeitos resultantes de de gravidade pequenos A teoria de Wegener supôs um HALLAM, 1985), lança mão das idéias de mecanismo concebível, que já tinha sido Joly (1925 apud HALLAM, 1985) sobre invocado em outras circunstâncias. Ele fusões periódicas, e propõe um interessante argumentou que o substrato basáltico sobre modelo: o qual estão os continentes, poderia se "Por razões físicas (isostasia) é comportar como um líquido viscoso no impossível se afundar um continente, pelas tempo geológico, como o vidro pode fluir se mesmas razões que não se consegue afundar sujeito a pequenas tensões durante tempo um iceberg no oceano. Sabemos que locais 10 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Entre 1925 e 1933, Holmes publicou de áreas consideráveis no Atlântico e Indico massas uma série de artigos, desenvolvendo seus continentais, e desde que estas massas conceitos e integrando-os a uma teoria de continentais não estão mais lá, somos tectônica conduzidos a pensar que este material se 1999). Nesta teoria ele explicava diversos movimentou para o lado. Estruturas de fenômenos tais como a origem das bacias cavalgamento alpino também são evidências oceanicas e a formação de rochas de alta de movimentos laterais. ... Movendo-se de pressão, como os eclogitos. Ele escreveu: estavam antes ocupadas por e petrogenética (HELLMAN, volta os continentes nas direções indicadas Os locais onde correntes ascendentes pelas evidências, teremos a reconstrução de existem, se formariam bacias disruptivas um ao (resultantes de esforços distensivos). Nestes proposto por Wegener. Disto se conclui que locais a concentração de calor resultante do existem agora evidências convincentes de processo uma antiga deriva continental, numa escala "descarregada" através do desenvolvimento prevista por Wegener". de um novo soalho oceânico... Enquanto super-continente semelhante Muitos geólogos hesitam em aceitar esta inquestionável e consistente (de convecção) seria isso, a formação de montanhas estaria ocorrendo nas margens continentais ou em interpretação das rochas, porque não se locais onde antigos geossinclinais se acredita ser possível se descobrir qualquer desenvolveram... A compressão das partes força gravitacional adequada para mover mais móveis do substrato para formar fragmentos continentais... Admitindo que os magmas crustais é uma saída atraente que continentes se movimentaram, parece não abre novas perspectivas em petrogênese, e haver outra alternativa senão deduzir que para explicar a origem dos basaltos. correntes lentas mas poderosas devem ser Por volta de 1929, 3 poderosas originadas em subsuperficie, várias vezes teorias, a do "deslizamento gravitacional" de durante a história da Terra... estas correntes Daly, a da "Fusão subcrustal" de Joly, e a de convecção podem ser geradas nas "convecção sub-crustal" de Holmes foram camadas inferiores, como resultado de desenvolvidas para explicar a cinemática da aquecimento Deriva. Todas eram consistentes com as radioatividade. diferencial provocado por propriedades físicas conhecidas da Terra. 11 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Mas nenhuma destas teorias foi concebida modo despreocupado e sem as devidas como um ajuste/explicação para a teoria de precauções. Mas uma linguagem enfática Wegener. Os trabalhos de Joly não tinham caraterizou os dois lados das discussões, relação com a Deriva. O modelo de Daly como visava os Apalaches, enquanto que a teoria discussões sobre Tectônica de Placas, anos de Holmes derivou de estudos sobre a mais tarde. As contribuições de Wegener na radioatividade. Deriva Meteorologia e Geofísica eram largamente Continental não caiu por falta de um reconhecidas; sua morte foi registrada na mecanismo! revista Nature como uma "grande perda pra A Teoria da também iriam caracterizar as a ciência". A causa mais provável para a RAZÕES ALTERNATIVAS PARA A rejeição da deriva continental parece estar REJEIÇÃO DA DERIVA nas evidências colocadas para sustentá-la. Alguns dizem que a comunidade Esta possibilidade tem sido ignorada, pois geológica não estava preparada para aceitar consideramos as evidências levantadas por este tipo de modelo. A evidência histórica Wegener sugere o inverso. A queda da teoria da "corretas", porque elas foram validadas pela contração face à geração de calor pela teoria radioatividade, o conflito entre isostasia e as comparação dos anos 20 e os anos 60 revela "pontes continentais", e a controvérsia que a um fato importante: a Tectônica de Placas teoria de Wegener causou, mostram que já foi fundamentada a partir de evidências haviam condições para a aceitação de uma completamente nova teoria. utilizados para a Deriva. Isto sugere que a Outra possibilidade: a falha estaria e das diferença sua interpretação Placas essencial como Tectônicas. diferentes entre Uma daqueles Deriva e a no próprio Wegener, ou seja, que suas Tectônica de Placas não está nas teorias em deficiências como cientista resultaram no si, mas nas evidências usadas para sustentá- descrédito las. de sua teoria. Ele era constantemente criticado por sua falta de Muitas discussões foram centradas objetividade. Não há dúvidas de que na validade de homologias geológicas Wegener muitas vezes se expressava de (HALLAM, 1985). Evans, do Imperial 12 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr de evidências: os continentes não se encaixam de exatamente como peças de um quebra- formações geológicas em lados opostos dos cabeças, as reconstruções de Wegener oceanos". Wright colocou que a Deriva explicam os depósitos glaciais do hemisfério poderia explicar porque "uma comparação sul mas não alguns depósitos de tilito; a crítica das formações dos dois lados do flora Glossopteris não estava totalmente Atlântico notável reunida... Alguns ponderaram que "se os correspondência, tanto estratigráfica como continentes se moveram, muitas dificuldades paleontológica, desde o Arqueano até o desapareceriam". Um deles afirmou, com Cretáceo (HALLAM, 1985). A teoria evidente ambigüidade (HALLAM, 1985): College, confirmou "similaridades bem Norte a existência conhecidas mostra uma "Wegener fornece ainda "uma explicação simples para prestou um valioso problemas não resolvidos sobre a glaciação serviço, chamando a atenção ao fato de que permo-carbonífera". Apesar destes e de massas continentais podem ter se movido muitos ninguém em relação umas às outras. Ele não provou sugeriu ou afirmou que a teoria tinha sido que elas se moveram, e muito menos provada. As homologias eram descritas mostrou que elas se moveram do modo que como ele imagina. Ele sugeriu muito mas não outros depoimentos, "evidências melhores que as provou nada". esperadas.... Na reunião da AAPG, o problema Anos depois, em 1930, Joly e sobre o mecanismo da Deriva foi levantado Holmes responderam às objeções de Jeffreys por um participante, o geofísico Harold num simpósio da Royal Society sobre Jeffreys, que comentou que "a força paleoclimas. Eles concluíram que "grandes rotacional considerada para explicar os mudanças de temperatura média anual só movimentos dos continentes, era muito podem ser causadas por movimentos da pequena e insuficiente para produzir a crosta em relação aos pólos, do modo deformação das cadeias de montanhas do descrito por Wegener". Depois disso, a Pacifico". teoria Mas sua argumentação foi insuficiente para demover os geólogos. da Deriva parece ter sido progressivamente abandonada na Inglaterra. Alguns outros céticos levantaram Holmes continuou advogando a Deriva ambiguidades e contradições em relação às como uma hipótese altamente provável, mas 13 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr não provada. Muito pouco foi acrescentado preconizadas por Wegener, argumentando até o súbito desenvolvimento da ciência do que o encaixe dos continentes não era tão paleomagnetismo nos anos 50. bom quanto Wegener pretendia; outros, ao contrário, levantaram que falhamentos A RESPOSTA AMERICANA PARA AS durante a quebra/separação dos continentes EVIDÊNCIAS e erosão das costas teriam modificado consideravelmente os seus contornos (de Nos Estados Unidos a reação à teoria modo que o encaixe estaria bom demais). de Wegener foi quase totalmente negativa. Uma declaração de Schuchert é bem Durante um Simpósio promovido pela representativa desta corrente: Wegener...nos quer fazer acreditar A.A.P.G., ele foi criticado por motivos geológicos e metodológicos. Apenas alguns que poucos cientistas de origem européia, praticamente teriam conservado sua forma demonstraram simpatia pela geográfica original durante 120 milhões de objeção mais comum teoria. A levantada pelos americanos foi a ausência de um mecanismo anos. as linhas Existe de fratura algum originais geólogo que subscreveria esta surpreendente afirmação? adequado para explicar o movimento dos Enquanto os britânicos debatiam se continentes (daí se entende porque, tanto os os dados se encaixavam na teoria (e em geólogos como os historiadores deram tanta muitos casos isto aconteceu), os americanos enfase a esta objeção!). questionavam sobre qual o tipo de dados Foi argumentado que "continentes eram necessários. Uns procuravam rígidos se deslocando sobre um substrato similaridades dos contornos dos continentes, fluido deveriam deformar o substrato, e não outros procuravam diferenças. Enquanto os os continentes; então, não poderia ser este o britânicos discutiam se a teoria preenchia mecanismo de formação de cadeias de sua previsões, os americanos discutiam montanhas continentais". Daly respondeu a quais esta objeção lembrando que eram os americanos, as consequências da Deriva e as sedimentos adjacentes aos continentes que homologias geológicas (similaridades de eram deformados para formar as montanhas. padrões e formas baseados na observação Outros criticaram as reconstruções eram estas previsões. Para os direta das rochas no campo) eram temas de 14 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr controvérsia. Os britanicos consideravam a a ser considerado um fato objetivo. Se correspondência dos fósseis "tão boa quanto tivermos que acreditar na hipótese de podia se esperar", mas o quanto era este "tão Wegener, teremos de esquecer tudo o que boa"? Segundo Schuchert as similaridades tem sido aprendido nos ultimos 70 anos e faunais eram muito poucas para que se começar tudo de novo". Nos anos que se seguiram, as teorias afirmasse que os continentes estiveram unidos algum dia. Wegener responde que fixistas isto preservação insistiam nas "pontes continentais". Em incompleta do registro fossilífero. Este era muitas Universidades americanas a Deriva um argumento familiar na comunidade se tornou alvo de piadas de salas de aula, ou geológica, ao qual os britanicos aderiram considerada um "conto de fadas". Talvez baseados em sua experiência, mas os traduzindo um sentimento anti-germânico, americanos continuavam a debater. As existente entre as duas guerras. era consequência da continuaram em voga. Outros evidências homológicas, que os britanicos Porque os americanos eram mais achavam "praticamente requerer" a deriva, céticos que os ingleses em relação às não eram convincentes para os americanos, homologias, e muito mais preocupados com que as descartavam como "circunstanciais", argumentos geofísicos sobre a dinâmica e não constituindo uma "prova direta". cinemática da deriva? Quatro possibilidades Entre os freqüentes e emocionados se apresentam: ataques à metodologia e objetivo de 1) No início do século 20, os americanos Wegener, temos: estavam profundamente envolvidos numa "Minha principal objeção à hipotese rápida expansão da geofísica e na aplicação de Wegener está baseada no método do de técnicas instrumentais às geociências. A autor. Em minha opinião este método não é instrumentação tomou uma significante científico, mas toma o familiar caminho de porção das geociências americanas. uma 2) Os geólogos americanos tinham menos idéia evidências inicial, busca concordantes na seletiva de literatura, experiência em raciocínio envolvendo ignorando a maioria dos fatos que se opõem evidências geológicas tradicionais, que os à idéia, e terminando num estado de auto- ingleses. Nas universidades e entre os intoxicação, no qual a i$éia subjetiva passa "patrões" da ciência americanos, a História 15 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Natural era considerada inferior às ciências DA DERIVA DOS CONTINENTES A práticas. TEORIA DA TECTÔNICA DE 3) A maior parte das evidências PLACAS estratigráficas e paleontológicas resultaram de estudos de campo realizados na África, As primeiras idéias relacionadas com América do Sul e Índia. Por interesses da a Teoria da Tectônica de Placas remontam Coroa Britânica, os geólogos ingleses séculos conheciam estes lugares bem melhor que os aceitação na comunidade científica, onde americanos. várias controvérsias surgiram e persistiram A deriva foi quase que consolidação descobertas eram os dados paleontológicos e outras tecnológicos terem servido de apoio para a homologias geológicas. Mas a paleontologia TTP. Nas nunca foi valorizada nos Estados Unidos, baseada em HALLAM (1985), WYLLIE pelo (1995), SALGADO-LABORIAU (1996) e controvérsia. alvo de mesmo científicas após e 4) O principal problema para os americanos sempre XX, sua até era séc. de imediatamente aceita pelos ingleses contrário o antes e tantas avanços tabelas e nos textos a seguir, Hellman (1999), tem-se uma breve história de como esta teoria evoluiu até o momento atual. 16 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Tabela 1 – História das teorias e fatos científicos afins com a TTP; dados baseados em HALLAM (1989) e SALGADO-LABORIAU (1996). Autor Francis Bacon (1620) François Placet (1666) Alexander de Humboldt (1801) Dana (1846) Antonio SniderPellegrini (1858) Osmond Fisher (1879) Taylor (1910) Descobertas Em sua obra, Novum Organum, sugere um ajustamento da costa oriental da América do Sul com a costa ocidental da África. Em sua obra, La Corruption du gran et petit Monde, defendeu que, antes do Dilúvio bíblico, as terras deveriam estar unidas, separando-se a partir do momento em que houve o afundamento da Atlântida e um continente ocidental ergueu-se ou formou-se pela aglomeração de ilhas. Observou o mesmo ajuste dos continentes Africano e Sul-americano que Bacon já observara; concluiu que o oceano Atlântico correspondia a um extenso vale através do qual as águas oceânicas invadiram, sugerindo a separação dos continentes. Em suas observações sobre a ocorrência de sedimentos marinhos nos continentes, geralmente em suas bordas, Dana concluiu que estes seriam depositados durante inundações temporárias do mar sobre a terra, descartando a possibilidade de haver movimentos verticais dos continentes, cujo afundamento explicaria a ocorrência de tais sedimentos. Em sua obra, La création et sés mystères dévoilés, descreve que, quando a massa em fusão da Terra se esfriou e cristalizou, os continentes se concentraram em um só lado, criando uma instabilidade que só se equilibrou após o Dilúvio Bíblico, provocando extensas fraturas e separação das Américas em relação ao Velho Mundo. Nesta obra, ele acrescenta o ajustamento dos continentes Africano e Sul-americano. Em sua obra geofísica, Physics of the Earth’s crust, subsidiada pela idéia de Sir George H. Darwin afirma sobre a origem da lua a partir da Terra no início da sua história, resultando nesta uma gigantesca cicatriz no Pacífico; como conseqüência, a crosta continental resfriada, se fragmentaria e deslocaria lateralmente. O mecanismo de deslocamento seria um interior da Terra fluido cujas correntes de convecção ascendiam debaixo dos oceanos e desciam sobre os continentes. Em sua monografia, Taylor relatou diversas correlações de feições geológicas e geomorfológicas entre os continentes, descrevendo os possíveis movimentos que justificassem tais feições. O seu ponto de partida foi o trabalho de Suess sobre as cadeias de montanhas terciárias da Eurásia cuja origem estaria associada a compressões continentais e afundamentos oceânicos. Os principais fatos científicos que levaram a formulação e consolidação da Teoria da Tectônica de Placas, são relacionados na tabela a seguir: 17 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr Tabela 2 – Fatos científicos que fundamentaram a Teoria da Tectônica de Placas; dados de HALLAM (1985), WYLLIE (1995), SALGADO-LABORIAU (1996) e HELLMAN (1999). Período 1930 a 1950 1950 e 1960 Década 1960 1965 1968 a 1970 1967 e 1970 Evento Arthur Holmes propõe um modelo de estrutura interna da Terra mais condizente com as descobertas científicas da época, com auxílio do método radiométrico para datação de rochas que ele desenvolvera em 1911. O empenho de Holmes também se deu na investigação do mecanismo de movimentação dos continentes, retomando as correntes de convecção do manto, já propostas anteriormente por Fisher. O coroamento de todo trabalho de Holmes se deu com a sua publicação Principles of physical geology , em 1965. O geólogo sul-africano, Alexander Du Toit, ficou conhecido principalmente pela sua obra Our wandering continents, em 1937, tendo anteriormente, em 1927, sido fonte de dados para Wegener sobre as correlações entre a geologia Paleozóica e Mesozóica da África do Sul e do leste da América do Sul. Bullard e Elsaser elaboram teoria do campo geomagnético da Terra a qual funciona como um dínamo auto-induzido cuja fonte se deve ao conteúdo em ferro do seu núcleo. Cox, Tarling e McDougall contribuíram com a interpretação das inversões das polaridades geomagnéticas, descobertas por Vine e Matthews, em 1963. Heezen, Swallos e Ewing, entre outros, mapearam através de métodos sísmicos e gravimétricos, a topografia e a geologia do assoalho oceânico, descobrindo feições importantes que registravam a movimentação dos continentes. Mohorovicic e Gutenberg identificaram descontinuidades entre as camadas internas da Terra (crosta, manto e núcleo) através de métodos sísmicos, delimitando-as com maior precisão. Uma hipótese sobre a Expansão do Assoalho Oceânico é proposta por Dietz, publicada em 1961, na Nature, onde a idéia de uma crosta oceânica se reciclando justificaria os dados geológicos e geofísicos encontrados até o momento. Mas coube a Hess cujo trabalho se mostrou mais amplo e melhor articulado, a fama pela hipótese. As anomalias de gravimétricas negativas encontradas nas fossas oceânicas por Meinesz, despertaram a curiosidade de Hess, levando-o a propor tal hipótese. Com a contribuição de Vine, Matthews, Cox e outros, sobre a inversão de polaridade das anomalias magnéticas associadas às cadeias mesoceânicas e com dados geocronológicos, Hess conseguiu resolver alguns problemas pendentes do trabalho que realizou. J. Tuzo Wilson publicou um artigo na Nature, no qual estabeleceu que os movimentos dos continentes se orientavam de acordo com grandes estruturas da crosta, tais como cadeias de montanhas, as cordilheiras mesoceânicas e falhas. Estas últimas foram alvo especial de estudo, onde Wilson conceituou as chamadas falhas transformantes que cortam transversalmente as cordilheiras mesoceânicas. Wilson define o termo placas relativo ao movimento dos continentes. Com o financiamento da Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos, cumprindo um programa denominado Joint Oceanographic Institutes Deep Earth Sampling Programme (J.O.I.D.E.S.), um navio contendo equipamento de perfuração, o Glomar Challenger, iniciou uma série de expedições multinacionais. Cada um dos vários dados obtido, veio a corroborar com a hipótese de Hess, sobre a Expansão do Assoalho Oceânico, passando a ser considerada como teoria. A Teoria da Tectônica de Placas é apresentada num encontro da American Geophysical Union por Jason Morgan com auxílio de Vine e é aceita na comunidade científica. 18 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr De acordo com ANGUITA (1996), a isostáticos e da tectônica das placas existe Tectônica de Placas auxiliou de forma mas não como uma camada contínua e recíproca, na melhor definição da estrutura uniforme como era descrita a astenosfera e interna da Terra, onde os dados geofísicos sim, como diferenciadas áreas mantélicas estabeleceram que a movimentação se dava com profundidades diferentes e podendo ter entre uma camada externa denominada influência do calor gerado pelo núcleo. litosfera, constituída de crosta mais a porção Assim, definiu-se mais tarde, as chamadas superior do manto e a astenosfera, camada plumas térmicas que não mostram relação imediatamente inferior e localizada no com as correntes de convecção mas com manto. A litosfera é composta por placas calor do núcleo e material ejetado da base como num mosaico que se articulam de do manto, gerando os pontos quentes (hot acordo spots). com os tipos de interação: construtivas, onde crosta oceânica se forma Estes questionamentos se estenderam nas dorsais; destrutivas, nas zonas de também para convergência das placas, havendo choque de mesoceânicas placas, com subducção de uma destas, isto é, geométrica e geofísica, observou-se que as afundamento de uma placa sob outra; correntes conservadora, que é o tipo de interação onde sustentariam os movimentos de expansão as placas deslizam uma em relação à outra associados às falhas transformantes. Este através de falhas transformantes. seria o caso das placas Sul-americana e de as zonas onde por convecção das dorsais uma questão também não Não existe dúvida para os geofísicos, Africana onde as porções litosféricas de de que o manto possui algum tipo de natureza oceânica não são subducionadas circulação térmica do tipo convectiva. sob as porções de natureza continental, Através de um grande projeto da geofísica categorizando tais limites continentais como européia recente, o Geotransversal Europeu, margem continental passiva; alega-se então que consistiu num perfil tomográfico desde que os movimentos são gerados pelo o Cabo Norte até o Mediterrâneo, tendo a processo de advecção, isto é, por geração de região da Escandinávia como exemplo, calor adiabático quando a crosta se fratura, concluiu-se plástica rebaixando a pressão e causando a fusão necessária para sustentar os movimentos parcial a uns 60 a 80 km de profundidade. que a tal zona 19 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite Uma outra visão ortodoxa na Teoria da Tectônica de Placas estava na questão de resultados ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr obtidos pela investigação científica em diversas áreas. que a porção continental da placa litosférica A Teoria da Deriva dos Continentes não se subducionava por constituir de congrega grande número de conhecimentos material menos denso do que o seu substrato relativos a isostasia e a radioatividade, indo mantélico. Observando a mineralogia de ao encontro de soluções para diversos algumas rochas localizadas em orógenos problemas (por exemplo, nos Alpes), encontrou-se apresentando a possibilidade de poderiam se minerais confirmar no futuro (POPPER, 1992). que para se formarem, ainda não resolvidos e necessitariam de altíssimas pressões só Uma "nova era" da geologia se disponíveis em profundidades da ordem dos anunciava, não pela elucidação da causa do 100 km. Assim, o único mecanismo para a movimento dos continentes, nem pelo formação destes minerais nos orógenos mecanismo pelo qual ele ocorre, mas pela seria, anteriormente, haver subducção de disponibilidade parte da crosta continental, tendo sido evidência. "Um passo básico em todo soerguido mais tarde pelo efeito do próprio trabalho científico, mas raramente discutido, choque no processo de convergência. é o processo de remover o discurso do nível de um novo tipo de pessoal para chegar a conclusões que não variem CONSIDERAÇÕES FINAIS em função do indivíduo que observa". Qualquer um que tenha feito Do fixismo a Teoria da Deriva dos trabalhos de campo em Geologia ou tentou descrever um fóssil, sabe como é difícil Continentes chegar a uma descrição que não "dependa do A falta de uma perspectiva integrada observador". Apelar para instrumentos é (visão holística da natureza) e o predomínio uma tentativa de se remover as opiniões de uma visão setorial limitada à certas áreas pessoais. Assim, a rejeição da Deriva particulares Terra Continental foi uma rejeição de evidências alimentaram esta discussão. A Teoria da dependentes-do-observador, apesar da força Deriva dessas evidências. A rápida aceitação da dos das Ciências Continentes da não antecedentes e estava de acordo com os tinha Tectônica de Placas foi uma afirmação de 20 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite um tipo de dado despersonalizado, o qual, ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr continentes (THOMPSON, 1991). porém, conduziu ao mesmo resultado que as evidências rejeitadas. (b) Relevância das Relações Pessoais Se é verdade que as teorias se desenvolvem Contribuições das controvérsias segundo "programas de investigação", também vale a pena ressaltar À luz de uma epistemologia o importante papel desempenhado pela racionalista, contribuem para a construção cooperação entre grupos de pesquisadores. do conhecimento um conjunto diversificado Isto mostra a forte conotação social para a de aspectos internalistas e externalistas, os construção quais poderiam ser citados (MARQUES, KUHN (1970). do conhecimento científico 1996): (a) Discussão Interdisciplinar: (c) Papel Relevante do Desenvolvimento Durante este amplo período da Tecnológico controvérsia sobre a Deriva, dois pontos O aparecimento "tardio" da Teoria da foram importantes no que diz respeito às Tectônica diferentes relacionado ao desenvolvimento tecnológico áreas de conhecimento de Placas está diretamente envolvidas: de: metodologias de trabalho de campo para (1) os geólogos estavam preocupados com o estudo dos fundos oceânicos; da melhoria da conhecimento local (interpretados à luz do sensibilidade Uniformitarismo) e menos interessados em magnetômetros, explicações globais (WINDLEY, 1993) o aperfeiçoamento do registro das ondas que criava conflito com especialistas de sísmicas; das novas técnicas radiométricas outros domínios e entre eles próprios; e (K-Ar); (2) os geólogos estavam "competindo" com (isótopos) mais precisos e da construção de geofísicos e paleontólogos argumentando uma escala de tempo magnética. de dos gravímetros, sismógrafos espectrômetros de com massa com especialistas de geologia estrutural. Por exemplo, no começo do século, os geofísicos apesar de apoiar a isostasia, não concordavam com o deslocamento dos (d) Importância da Linguagem e Significado da Comunicação Desenvolver hábitos de comunicação 21 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr cientista. lugar onde se aprende ciência", mas sim "o Wegener escreveu em alemão, o que lugar onde se transforma o sistema cognitivo constituiu e para poder aprender ciência". Superar esse interpretação dos seus pontos de vista. obstáculo requer conhecer bem a ciência que Quando se recorda da visão Kuhniana de se ensina e, também, conhecer sua história. é importante um para qualquer obstáculo a difusão "revolução científica", aceita-se que novas e Para definir os conteúdos dos cursos: velhas teorias exigem uma “tradução” das um ensino fundamentado nos conceitos suas estruturais reduz os temas a ensinar e “linguagens” usadas para serem comparadas (KUHN, 1970). permite dedicar mais tempo ao desenvolvimento da capacidade dos alunos. Os A Importância Didática conceitos estruturais devem ser determinados a partir da análise das teorias Como ferramenta para determinação científicas atuais e de sua história, que de obstáculos epistemológicos : significa permite visualizar sua transformação, a terminar com a repetição de informações elaboração de novas teorias, a utilização de que não podem ser compreendidas pelo novos aluno, permitindo a realização de um conceituais. trabalho os "descobrem novos problemas a resolver" obstáculos da aprendizagem (CELINO, quando constroem certos conceitos e esses 1994). problemas os motivam a seguir aprendendo cognitivo Quais? para Os superar obstáculos lógicos (psicologia genética), obstáculos derivados métodos e novos Desta forma, instrumentos os alunos (CELINO, 1997). de problemas afetivos ou psicológicos, Utilizando a história da (Geo)Ciência desvalorização do aluno (psicanálise) e os e a ciência da Epistemologia: isso permite obstáculos derivados da estrutura do sistema introduzir na classe a discussão sobre a cognitivo ou obstáculo epistemológico, ou produção, a apropriação e o controle dos seja, a incapacidade de construir um novo conhecimentos (CELINO, 2000). Então, não conhecimento e necessariamente lógica, será afetiva e epistemológica, pois não se pode instrumento para compreender a sociedade separar esses tres níveis. humana, os mecanismos de produção e de A escola/universidade já não é "o mais um conteúdo e sim um reprodução social e individual de 22 Geo.br 1 (2003) 1-23 J. J. Celino, E. C. de Lucena Marques, O. R. Leite conhecimentos e técnicas de transformação da natureza. Desenvolve-se, assim, a relação aluno - aluno, aluno - sociedade, ... É importante que os alunos tomem consciência de que reproduzem conhecimento já elaborado socialmente, porém num processo de reconstrução. É nesse sentido que a história da ciência e a Epistemologia permitem ver as diferenças entre os processos institucionais de individuais e construção ISSN1519-5708 http//:www.degeo.ufop.br/geobr KUHN, T.S. The Structure of Scientific Revolution. University of Chicago Press. 280p. (1970). LAKATOS, I. 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