DIA A DIA DO SERINGUEIRO NA FLORESTA O barracão do
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DIA A DIA DO SERINGUEIRO NA FLORESTA O barracão do
DIA A DIA DO SERINGUEIRO NA FLORESTA O barracão do seringalista era o centro da vida do seringal e o banco das dívidas do seringueiro. Ali era o lugar de encontro dos seringueiros, onde se juntavam para partilhar seus problemas, suores e tristezas. Ali se concentrava o fruto do seu suor, o branco látex, que não servia nem para pagar as dívidas contraídas desde o dia da chegada. Porque, já naquele primeiro dia, o seringueiro recebia do patrão a espingarda e cartuchos para matar animais e índios. Os animais eram só para se defender, pois a alimentação devia ser comprada ao preço colocado pelo dono do barracão. Também o custo da viagem do Nordeste ao Acre, já ficava como dívida do seringueiro ao patrão. Ali, a borracha produzida era trocada por tudo quanto precisasse para viver e trabalhar: utensílios de cozinha, rede para dormir, mantimentos de importação europeia, bacia, faca, terçado, tigela. No seringal, como no Nordeste, o patrão era chamado de “coronel”. Ele também tinha seus capangas para dominar seus fregueses, impedindo a fuga ou o comércio clandestino com os regatões turcos ou sírio-libaneses. O povo contava, às escondidas, como o seringalista matava o seringueiro na tocaia, depois dele receber o saldo e se aprontar para a viagem de volta. “Ao lado do barracão, a barraca com a “loja” onde os seringueiros compravam. Ali havia de tudo, facilitado pelas casas avitualhadoras de Belém e Manaus, que, à sua vez, negociavam com a borracha: comida, sal, licores, produtos europeus. Tudo o que necessitava o seringueiro para sobreviver, inclusive coisas que só tinham a missão de alegrar a pobre paisagem da barraca. Sob o olhar atento de seus carcereiros, que não o amarravam com mais correntes que os números de seus livros, que não o prendiam mais que com os rabiscos de uma assinatura ou uma cruz sobre um papel que não sabia muitas vezes ler, o seringueiro se endividava com mercadorias pelas quais lhe cobravam preços exorbitantes. Como moeda de troco, tinha que responder com bolas de borracha. Se as coisas não iam bem, mal poderia pagar o que tinha necessitado para viver e se endividaria ainda mais, escravo dos homens, mais que da floresta”.1 E aquele dinheirinho conseguido era fruto de um suor muito sofrido. O homem preparava o cafezinho e tomava logo em seguida, quando eram as três 1 Alfonso Domingo. La estrella solitária. Editorial Algaida. Salamanca. Pág. 139. (Tradução do autor) da madrugada. E saia do pobre barraco, com os sapatos de borracha, rifle ao tiracolo, poronga na cabeça para clarear, terçado no cinturão e faca na mão. Partia o seringueiro para mais um dia de trabalho. Meio dia estava de volta, mas só tinha cumprido a metade da tarefa. O que ele fazia, na verdade, era dar uma volta completa pela floresta, cortando as seringueiras que encontrava. Faltava-lhe, na segunda metade do dia, recolher as tigelinhas que deixou enfiadas em cada árvore onde devia cair o látex. Chegando de novo em casa, acendia o fogo na defumadeira para coagular o látex até formar a preciosa bola. Eram já dezoito horas. Só lhe faltava tomar banho no igarapé e preparar a janta. Quinze horas de trabalho por dia. Se o seringueiro tinha a sorte de morar perto do barracão, o domingo se tornava um dia de diversão, pois na sede do seringal se encontrava com os seus colegas. Caso alguém tivesse uma viola havia quem dançasse homem com homem, pois mulher ainda não existia no seringal. Cada um contando histórias de onças e de cobras. Cada um fazendo previsões sobre o futuro saldo e depois comprando seus mantimentos, pois roçado era proibido plantar na colocação. “Atingido em sua mente por uma verdadeira neurose de solidão, o homem extrativista da floresta fala sozinho ou com frequência passa a conversar com o gato, ou com o cão que costuma possuir como companheiros, únicos seres que parecem compreender o seu drama e entendê-lo em sua magnitude. Açoitado pela vontade imperiosa de ver e falar com alguém sai à cata daquela satisfação em visitas longínquas, para uma simples conversa, às vezes sem sentido certo ou objetivos definidos, ou à procura de uma ‘festa’ puxada à sanfona ou tocada à pife de taboca, acompanhado no ritmo pelas colheres e o tambor feito de lata de banha de dois quilos, cujo fundo foi substituído por uma ‘capa de borracha de fundo de bacia de defumar’, esticada e mantida em tensão por uma ‘liga de sernambi’, passada em várias voltas na circunferência da lata”.2 O seringueiro morava longe do barracão, em geral, e periodicamente recebia a visita de um comboio mandado desde o barracão. Vinha charque, farinha de mandioca, café, rapadura, açúcar, medicamentos, querosene, cartuchos, conservas, e até doce, queijo, e... mulher, considerada mercadoria de luxo. O preço desses gêneros, artificialmente elevados, nunca podia ser pago. “Sobre o seringueiro, o freguês, o operário... que se pode acrescentar? Dizer seringueiro era dizer solidão, isolamento, viver só para trabalhar, doze, quatorze horas ao dia e produzir borracha. Somente algum descanso em algum 2 Mário Maia. Rios e barrancos do Acre. Pág.37-38. domingo marcado, alguma festa quando chegava o padre. Isso, se ele sabia contar e não perdia a noção de tudo naquela viagem solitária. Porque o seringueiro navegava naquele oceano verde. Não era estranho ficar louco naquelas solidões. Havia quem assegurava ouvir vozes dentro da cabeça e se convertiam em ingovernáveis, loucos perigosos que podiam matar se a selva não os matava antes. A maioria, com o consolo da cachaça, trabalhava durante os seis meses de verão, para tirar milhares de quilos de borracha com que pagar as dívidas e ter saldo para a temporada seguinte”.3 Assim, "O barracão se tornava a alma da empresa seringalista, ou em termos mais crus, o sistema pelo qual se dava a exploração, a mais criminosa organização do trabalho que ainda engenhou o mais desaçaimado egoísmo. O seringueiro realiza uma tremenda anomalia: é um homem que trabalha para escravizar-se". (Euclides da Cunha) 3 Alfonso Domingo. La estrella solitária. Editorial Algaida. Salamanca. Pág. 140-141.
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