uma verso brasileira do natal, segundo flvia savary

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uma verso brasileira do natal, segundo flvia savary
www.interletras.com.br – v.1, n.5 - jul./dez. 2006
UMA VERSÃO BRASILEIRA DO NATAL, SEGUNDO FLÁVIA
SAVARY
Marina João Bernardes de Oliveirai
O presente texto visa tecer alguns comentários acerca da obra 25
sinos de acordar Natal, publicada em 2001 pela editora Salesiana1, de
Flávia Savary Jaguaribe do Nascimento, mais conhecida como Flávia
Savary. Poeta, ficcionista, ilustradora, programadora visual e
jornalista, Flávia Savary nasceu em 11 de setembro de 1956, no Rio
de Janeiro, filha do cartunista Jaguar e da poeta Olga Savary.
Flávia Savary formou-se em Letras (Português-Inglês, pela UFRJ) e
começou como ilustradora de livros infantis. Em 1978, estreou como
programadora visual na área de teatro e, paralelamente aos
trabalhos com imagens, também vem produzindo poemas e contos.
Com seu primeiro livro individual, Oitavo aniversário, primeiro amor2 ,
conquistou dois prêmios: O Cruz e Sousa, de Santa Catarina e o da
União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro, em 1996. A partir
daí, somam-se mais de 40 prêmios literários. No que se refere a 25
sinos de acordar Natal, Savary foi premiada pelos contos: Silvestre
Natal, Noite escura e Doce de Teresa, este último o mais reconhecido
(8 prêmios).
O livro em pauta é composto por vinte e cinco contos, ilustrados pela
própria autora, que buscam ressaltar o encanto, a poesia e a fé que a
comemoração do nascimento de Jesus Cristo propõe; porém, como a
própria autora intencionou fazer, por meio de um Natal “em
brasileiro”, ou seja, misturando o bom humor e a reflexão sobre as
várias conotações desta data voltadas para uma realidade bem
brasileira.
Desse modo, os contos abordam problemas bem específicos do Brasil
como a desigualdade social, a ditadura militar, o preconceito racial num de seus contos premiados: Noite escura - a violência dos
grandes centros urbanos, a imigração nordestina e, até mesmo, uma
referência à burocracia e à lentidão do funcionamento de órgãos
públicos.
Além disso, é possível encontrar textos com protagonistas infantis
como em: “Troço trocado”, “Silvestre Natal”, “Carta ao Papai Noel”,
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“Manjedoura interior” e “Coração azul”, no entanto, todos eles com
uma proposta de rever o significado da data em questão, deixando o
consumismo de lado e priorizando o calor humano, a vida e o amor.
“Carta ao Papai Noel” é um exemplo de tal proposta, porque retrata
uma menina rica, Tatiana, que escreve uma carta ao Papai Noel,
pedindo não um bem material, mas apenas chuva para que o pai e
outros parentes da amiga pobre voltem para casa, uma vez que
foram para São Paulo tentar uma vida melhor.
Outro texto que merece destaque é “Carta da prisão” em que Savary
expõe o trecho de uma carta escrita por seu pai (Jaguar) na prisão da
Vila Militar, em 25 de dezembro de 1970. Jaguar faz algumas
observações acerca de uma carta que sua filha tinha escrito para ele
e já afirma que ela tem futuro como escritora, pois tem um jeito
fluente de escrever com humor e com um agudo senso de
observação. Ele também a aconselha a ler bons livros para assimilar
truques dos escritores profissionais como Twain, Dostoievski, e
outros. Em “Mensagens para Prudêncio”, também há a presença do
gênero epistolar, uma vez que o leitor conhece o personagem título
do texto apenas por meio das mensagens dos cartões de natal
enviados a ele.
Vale ainda enfatizar que a maior parte dos contos apresenta
protagonistas solitários, tanto homens quanto mulheres, que passam
a ver a vida de outra forma e deixam de ser solitários a partir do
momento em que descobrem o verdadeiro significado do Natal.
Apenas “Tem papagaio no presépio” apresenta um protagonista não
humano, no caso o papagaio, que busca saber o que é o Natal, mas
as pessoas estão ocupadas demais e materialistas demais para
conseguirem, de fato, explicar para ele o que representa esta data.
Quanto ao aspecto formal dos textos, podemos verificar a existência,
segundo a designação de Forster3, de personagens planas como seu
Mendes de “Edição especial”, e esféricas como Teresa, de “Doce de
Teresa”. No que diz respeito ao foco narrativo, verificamos que dentre
os vinte e cinco contos podemos encontrar exemplos, de acordo com
a tipologia de Norman Friedman4, de narrador onisciente intruso,
como em “Silvestre Natal”, narrador onisciente neutro como em
“Sonho feliz”, narrador protagonista como em “Passado a limpo” e
onisciência seletiva como em “Doce de Teresa”.
Por meio do uso de uma linguagem simples e da abordagem de um
tema tão cativante quanto o Natal - ainda mais quando voltado à
realidade brasileira - Flávia Savary consegue despertar no leitor o
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prazer, não só proporcionado pelo próprio ato da leitura de um bom
texto, mas também o prazer de rever e de repensar tal data de uma
maneira diferente, distante da idéia do consumismo, porém sem
explorar um sentimentalismo apelativo. Não é por acaso que 25 sinos
de acordar Natal foi a obra escolhida para representar o Brasil na 39ª
Feira de Bolonha, Itália, em 2002, e obteve o primeiro lugar no
Prêmio Murilo Rubião para livros de contos da União Brasileira de
Escritores.
i
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras: Identidades, Fronteiras &
Gêneros (IFG) da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Assis.
1
SAVARY, Flávia. 25 sinos de acordar Natal. São Paulo: Salesiana, 2001.
Composto por 25 textos em que realidade e ficção se misturam em relação ao
Natal, dentro de contextos bem brasileiros.
2
_____ . Oitavo aniversário, primeiro amor. Florianópolis: Fundação
Catarinense de Cultura, 1996.
Obra que busca retratar os valores familiares, mas em especial a descoberta do
amor por parte de Otávio, o aniversariante.
3
CANDIDO, Antonio. A personagem do romance. In:______. A personagem de
ficção. São Paulo: Perspectiva, 1976. p.53-80
Para analisar as personagens, foi utilizada a designação de E. M. Forster, citada
neste texto de Candido. Forster adota como personagem plana a que foi construída
em torno de uma única idéia ou qualidade. Já a personagem redonda apresenta
complexidade suficiente para constituir uma personalidade bem vincada.
4
CHIAPPINI, Ligia. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 1985.
Segundo a tipologia de Norman Friedman, que se encontra nesta obra de Chiappini,
o narrador onisciente intruso é aquele que narra com liberdade, predominando seus
pensamentos e palavras, além de se intrometer nas ações. Já o narrador onisciente
neutro é o oposto do primeiro caso, pois narra sem intrusão. O narrador
protagonista relata os fatos dos quais também participa. E, por último, a onisciência
seletiva mostra o que se passa na mente de um único personagem.