“BIENAVENTURADOS LOS POBRES” (Lc 6,20)
Transcrição
“BIENAVENTURADOS LOS POBRES” (Lc 6,20)
A Misericórdia na Vida Comunitária Comunidade vem do latim com-munus. Munus significa o ofício, o cargo, a obrigação que uma pessoa desempenha; e também o dom, a doação de uns aos outros. As pessoas que vivem em comum são chamadas a fazer da própria vida uma contínua dádiva. Abílio Pina Ribeiro Dar e receber. A comunidade configura-se, deste modo, à imagem da Família Trinitária. «Família congregada em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» é a sua definição. Como se traduz a doação recíproca? Que temos de dar e receber? Cada irmão pode precisar de dinheiro, coisas, meios de trabalho… Precisa, com certeza, de confiança, atenção, reconhecimento, respeito, afetos, ideias, serviços e, muito em particular, da fé e do amor dos outros. Escutar e dar a palavra O dom mais significativo e agradável que posso fazer a uma pessoa é escutá-la. «Estou aqui, sou todo ouvidos.» A escuta é o alimento imprescindível duma relação saudável e plena. Escutando o irmão, faço vir ao de cima a sua personalidade, confesso querer interagir com ele, considerá-lo. Numa comunidade pode haver pessoas que ninguém ouve, ninguém cuida. O irmão precisa que lhe dê o meu tempo. Dar-lhe tempo significa que ele conta, é importante para mim. «Quando não temos tempo, é sempre Deus que fica sem ele» – dizia alguém para notar que não Lhe concedemos um verdadeiro primado. «Ninguém tem tempo» – queixava-se um Irmão que precisava de ajuda. Dar a palavra é outro ato fundante da vida fraterna. A arte de falar ao irmão e deixar que ele fale. Sem ceder à tentação de impor a própria palavra; ou sem o medo de tomar a palavra na altura própria. Liberdade e compreensão A Fraternidade supõe um clima de liberdade, para dizer, objetar, dissentir, perguntar, etc. «Jesus sentou-se à vontade» antes de iniciar os formandos com os mestres. Os jovens com os idosos. À vontade uns com os outros. Precisamos de mútua compreensão. Porque viver em comum é estar sujeitos à contínua exposição das próprias limitações, feridas e negatividades. «Levar os pesos uns dos outros» (Gl 6,2). Converter a comunidade em lugar de cura, em caminho de libertação, em processo de dilatação das capacidades. O lugar do perdão A vida comunitária, enfim, é o lugar do perdão. Fazemos uma verdadeira experiência de misericórdia, quando nos sentimos ‘misericordiados’ por Deus e pelos irmãos. E quando somos misericordiosos para com os demais tornamo-nos realmente parecidos a Deus (Lc 3,36). Por isso, os Doutores da Igreja consideravam o perdão o critério decisivo para aferir a perfeição cristã. Tendemos a reduzir as pessoas que cometeram um erro ou um pecado ao ato que realizou. Perdoar significa que a pessoa é maior e mais nobre do que o seu erro ou pecado. Perdoar é dizer que a ofensa pertence ao passado e não interfere mais nas relações entre nós, no presente ou no futuro. A Comunidade cresce e mantém-se coesa, graças ao «santo poder do coração» – dizia Karl Rahner. Sentir-se em segurança Para ser feliz na Comunidade é preciso sentir-se em segurança. Uma pessoa sente-se tranquila, serena, quando há transparência, jogo limpo; isto é, quando uma pessoa tem a certeza de que ninguém a incensará pela frente e a picará pelas costas. Santa Teresa considerava-se uma guarda-costas das Irmãs. Na presença dela, ninguém se atrevia a falar mal das irmãs ausentes. Dar e receber, para que haja comunidade, com-munio, intercâmbio de dons. A comunidade religiosa é um conjunto de pessoas que aprenderam a somar. Ideais. Sonhos. Afetos. Alegrias. Esperanças. Neste barco, ou nos salvamos todos como irmãos ou perecemos todos como imbecis. _________________________ PONTOS DE REFLEXÃO Examina-te, a sós e em grupo, à luz do texto do artigo. «Há mais alegria em dar do que em receber» (At 20,28.35). «Cada um de nós está ligado a Deus com uma corda. Quando cometes uma falta, a corda parte-se; mas, logo que te arrependes, Deus faz um nó e a corda encurta-se: tu aproximas-te um pouco mais de Ele. Assim, de falta em falta, de nó em nó, aproximamo-nos cada vez mais de Deus, e chegamos mais depressa ao seu coração.» (História rabínica)