bacia do Ródano

Transcrição

bacia do Ródano
bacia do Ródano
Rios,
climas
e homens
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Rios,
climas
e homens
O Ródano, rio reordenado
Denominado
Rotten na primeira
parte de seu curso,
o Ródano nasce do
derretimento
O trecho francês do Ródano,
de Genebra até o Rio Saône, atravessa
num curso sinuoso os maciços do Jura
e dos Pré-Alpes antes de desembocar
na planície do Rio Ain.
Em Lyon, o rio esbarra na barreira
rochosa do Maciço Central, que o obriga
a mudar a direção do curso, seguindo um
eixo Norte-Sul que manterá até o delta,
na Camarga. A bacia do Ródano é notável
pela diversidade dos climas - montanhoso,
da geleira de
oceânico, continental, mediterrâneo que afetam seu regime.
O Ródano é uma via de comunicação
importante, reordenada para otimizar
a sua navegação, já na primeira metade
do século XIX. A partir de 1934, foram
desenvolvidas a navegabilidade, a energia
hidrelétrica e o uso de águas para irrigação.
O Ródano é um rio ordenado, represado
e canalizado, cujo curso natural foi
desviado há muito tempo.
VOCÊ SABIA?
Furka no Cantão
do Valais, na
Suíça. Ele percorre
300 km antes
de chegar ao
Lago Léman.
ALEMANHA
BACIA
DO RÓDANO
Do
A geleira de Furka, como a maioria das outras geleiras
alpinas, regrediu fortemente nos últimos 150 anos por causa
da mudança climática.
OCEANO
ATLÂNTICO
CARTEIRA DE IDENTIDADE
s
ub
Nascente: geleira de Furka,
Alpes suíços
SUÍÇA
L
A in
Léman
ago
n
te
Sion
Foz: Mar Mediterrâneo
AN O
Genebra
Ro
t
S aôn e
Chalonsur-Saône
Mâcon
ÓD
Lyon
Isèr
R
Comprimento: 810 km
e
Grenoble
FRANÇA
ITÁLIA
Vazão na foz: 1.700 m3/s
Área da bacia hidrográfica:
0,1 milhão de km²
Verdo
n
ons
Dr ô m e
Avinhão
Arles
Du
ce
RÓ D A
NO
Valence
Ga
rd
Hoje, no Ródano francês, existem
22 usinas hidrelétricas, 16 reatores
nucleares e 19 eclusas permitindo
a navegação fluvial em quase 300 km.
ra n
MAR MEDITERRÂNEO
A “lône” é um braço abandonado
ou secundário do Ródano. A maioria
delas resulta principalmente
da desconexão artificial após obras
de correção do rio. Elas são
alimentadas com as águas do aquífero
aluvial ou diretamente pelo rio
na época das cheias.
Boca do Ródano no Lago Leman,
do lado suíço, carregado de sedimentos
glaciais.
Os rios Ain, Saône, Isère e Durance, os quatro principais
afluentes do Ródano, drenam 60% das águas da bacia. Confluência
do Ródano (à direita) e do Saône (à esquerda) em Lyon.
Países: Suíça, França
A temperatura do Ródano e de seus afluentes aumentou
significativamente nos últimos 40 anos. Essas alterações se devem
à mudança climática, à vazão menos intensa e à descarga de água
quente das centrais térmicas e nucleares.
O Ródano despeja 54 bilhões de m3 de água
por ano, ou seja 20% das contribuições
fluviais do Mediterrâneo
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Rios,
climas
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bacia do Ródano
Um rio
complexo
Os afluentes do Ródano apresentam fluxos
mensais muito variados. Alguns, alimentados
pelo derretimento da neve, têm uma forte
vazão no verão, outros, alimentados
principalmente pelas chuvas, têm um regime
importante no outono e no inverno.
Os aportes desses rios pesam diferentemente
no escoamento, nas cheias e nas secas do
Ródano, conforme a localização e a estação.
Diferentes cheias podem ocorrer na bacia
no inverno e no outono: as “oceânicas”, no
norte da bacia, as “montanhosas” (do maciço
dos Cévennes) e as “mediterrâneas
extensivas” no sul, estas últimas sendo
extremas e repentinas. Quando ocorrem
ao mesmo tempo ou com poucos dias
de diferença, ocorre uma cheia “generalizada”,
geralmente devastadora, como a de 2003.
Segundo os pesquisadores, é difícil avaliar
o impacto das mudanças climáticas na bacia
do Ródano. Distinguir essa influência de outros
fatores, como as atividades humanas e as
mudanças no meio ambiente, é complexo.
No entanto, observou-se que as temperaturas
estão subindo, a evaporação é mais forte
e o derretimento da neve mais precoce.
Em função
dos regimes
hidrológicos
contrastados
de suas várias
sub-bacias e dos
diferentes climas
PESQUISA
Órgãos científicos (Irstea, CNRS, Météo-France, as universidades
ou as grandes escolas) têm há anos uma parceria numa série
de programas para estudar o recurso água e o impacto das
mudanças climáticas. Esses projetos de modelagem hidroclimática,
desde o Gewex-Rhône ao programa atual “Modelização do Ródano”,
permitem demonstrar a sensibilidade do sistema às flutuações
de origem humana e natural.
que atravessa, o
Ródano é um rio
de escoamento
complexo,
que pode
Vazão média mensal
experimentar
períodos de cheias
ou de secas
Fonte: Banque Hydro
A bacia do Ródano recebe fortes precipitações, quase 1.100 mm
de média anual. Nos Alpes, observam-se precipitações superiores
a 3 m por ano, principalmente na forma de neve.
A partir de Valence, o Ródano e seus
afluentes são afetados pelo clima
mediterrâneo, as chuvas de outono sujeitas
a cheias frequentes, como aqui
nos Gardons.
O Rio Isère é um afluente alimentado pelo derretimento das neves
e geleiras, o Rio Saône é um curso d’água de regime estritamente pluvial.
A vazão de cada um desses rios é muito diferente em função das estações.
Os cais do Ródano em Lyon, em 2003.
Essa cheia generalizada causou danos
de mais de 1 bilhão de euros, tornando este
episódio uma das inundações mais
prejudiciais na França.
Os pesquisadores preveem um aumento
da temperatura do ar de 1 a 3 °C, uma evolução
incerta das precipitações no inverno
(-10 a + 10%) e uma diminuição de 5%
da pluviometria no verão. No entanto
não vislumbraram a uma clara tendência
da evolução das cheias.
em diversos
momentos
no ano.
A Camarga é extremamente
vulnerável às inundações do Ródano,
porque sua topografia é plana
e pouco elevada. Pode ser inundada
em caos de ruptura do dique,
como aqui em dezembro de 2003.
O rio atingiu uma vazão
excepcional de 11 500 m3/s
em dezembro de 2003
Photo trop petite
(ne peut pas être
agrandie plus
que ça)
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Rios,
climas
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Um rio
anestesiado
O material em movimento nos rios consiste
de limo e argila em suspensão, areia, cascalho
e seixos arrastados no fundo do leito. No caso
do Ródano, o transporte de sedimentos finos
em suspensão e areia foi reduzido no último
século, mas continua grande. O do cascalho
e dos seixos por arrasto quase já não existe.
Desta forma, somente a areia, o limo e a argila
dão forma à planície e chegam atualmente
à foz do Ródano.
Os ordenamentos “Girardon”, concebidos
para aumentar a profundidade do canal
navegável, bem como os grandes
reservatórios represados, retêm grande parte
dos sedimentos em suspensão e da areia.
Os aportes de seixos e cascalho pelos
afluentes são retidos pelas extrações maciças
de agregados. Com a escassez de aluviões
e sua canalização, o rio agora ficou inerte,
seu leito e suas margens não evoluem mais,
não se reconstroem mais.
Os administradores do rio trabalham
atualmente no desmantelamento
dos ordenamentos “Girardon” para limitar
o nível das cheias, estimular o transporte
de sedimentos e incentivar os ecossistemas,
recuperando os braços mortos do Ródano,
as “lônes” e os meios ribeirinhos terrestres.
PESQUISA
O Observatório dos sedimentos do Ródano (OSR) é uma plataforma
de pesquisa de parceria múltipla. Sua missão é produzir, a longo prazo,
conhecimentos científicos interdisciplinares para melhor compreender
a dinâmica do sistema e orientar os operadores públicos. Parceiros:
Zone Atelier Bassin du Rhône, OHM Vallée du Rhône, os administradores
do rio, os diversos serviços do Estado, a Agência da Água, a Compagnie
Nationale du Rhône, a EDF (companhia energética francesa), as regiões
ribeirinhas do rio, os institutos de pesquisa.
Digues basses longitudinales
Epis plongeants
Accumulation des galets
Depois de Lyon,
o Ródano foi objeto
de sucessivos
ordenamentos
para a proteção
contra inundações,
a navegação
e a energia
hidroelétrica.
Eles modificaram
o transporte
de sedimentos
do rio e, de modo
mais amplo,
sua geometria
Digue basse
A passagem de sedimento fino em Arles é estimada em 10 milhões de toneladas
por ano, em comparação com os 20 milhões de toneladas por ano na década de 1950
e talvez 30 milhões toneladas por ano, no final do século XIX.
O litoral da Camarga regride porque
o aporte de material sólido do rio flui
diretamente para o mar pelos braços
exteriores do delta, deixando a Camarga
represada e isolada.
e seu regime.
Implementado entre 1880 e 1920, o sistema Girardon,
constituído de respigas, travessas e diques baixos,
reduz a largura do rio, aprofundando-o. Esses
ordenamentos resultaram no aumento do período
de navegação mas também cavar significativamente
o leito, reduzir a diversidade do fundo, favorecer
o depósito de limo e areia nas margens, agravar
o efeito das cheias a jusante e isolar os afluentes
secundários do Ródano.
Os aportes sólidos dos afluentes foram
reduzidos em 5 vezes devido principalmente
à retirada de agregados, particularmente
na foz, a alguns ordenamentos hidrelétricos
e à redução da vazão, que limita a capacidade
de transporte.
Em Saintes-Maries de la Mer, na Camarga,
o blockhaus alemão construído originalmente
no alto da praia, está atualmente submerso,
o que permite avaliar o recuo da costa.
A represa de Génissiat
retém mais de 12 milhões de m3
de sedimentos diversos
Photo trop petite
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que ça)
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Rios,
climas
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De volta às origens
Com mais de um século de ordenamentos,
o Ródano passou de um sistema com vários
canais para um rio canalizado. Os desafios
da restauração são múltiplos: reintroduzir
e melhorar o transporte dos sedimentos
grossos, reconectar os braços abandonados
(“lônes”) e abastecê-los de água, aumentar
a vazão nos trechos retificados, recuperar
os habitats fluviais e restaurar os eixos
de migração dos peixes.
As “lônes”, postas à margem da dinâmica
fluvial pelos diques e a regulação da vazão,
se enchem de areia e limo, levando à formação
de lagoas isoladas, poças e fossos.
Drenar o leito e suprimir parcialmente
os diques favorece o escoamento, recriando
uma diversidade de habitats típica das
planícies aluviais.
Outros braços do leito histórico, ou “Velho
Ródano”, recebiam apenas uma fração
de sua vazão inicial. A vazão nesses trechos
retificados aumentou a fim de melhorar
o funcionamento ecológico e recuperar
um rio “intenso e caudaloso”. Estas
medidas contribuem para restabelecer uma
continuidade ecológica e incentiva o acesso
dos peixes na parte maior da bacia.
É essencial acompanhar e analisar os efeitos
da restauração para estendê-la a outras regiões
da bacia do Ródano, sempre levando em
conta o impacto das atividades humanas e das
mudanças climáticas nesses novos habitats.
PESQUISA
O RhônEco (acompanhamento científico da restauração do Ródano)
é um programa executado pela ZABR (Zone Atelier Bassin du Rhône)
dentro do âmbito do plano do Ródano. O RhônEco está focado
no acompanhamento ecológico do Velho Ródano e seus anexos
restaurados. É um programa de pesquisa a longo prazo cujos
objetivos são de analisar os efeitos ecológicos da restauração, avaliar
a capacidade de prevê-los e, portanto, contribuir para a definição
do potencial ecológico do rio.
Antes
Desde 1995,
está sendo
implantado
um programa
de restauração
hidráulica
e ecológica, para
recriar os
habitats e tentar
recuperar uma
biodiversidade
característica
dos grandes
rios europeus
(Reno, Ródano
Depois
Depois do aumento da vazão reservada de 10 para 100 m3/s, em 2000,
no Velho Ródano de Pierre-Bénite, a abundância relativa de certas
espécies de peixes (alburnete, boga, leucisco) aumentou
significativamente (42% em média).
A vazão do Velho Ródano foi reduzida
(de 80 a 98%) para alimentar usinas
hidrelétricas por um canal de desvio.
Velho Ródano de Chautagne à direita
e canal à esquerda.
e Danúbio).
As “lônes” são restauradas por limpeza dos sedimentos e por
abertura a jusante e algumas vezes a montante. Restauração antes
e depois da “lône” Ciselande no setor de Pierre Bénite, ao sul de Lyon.
Os ordenamentos e barragens no rio
fragmentaram o espaço aquático.
Os deslocamentos dos peixes migradores
foram limitados, como é o caso da savelha
do Ródano. O plano de gestão dos peixes
migradores implementado em 1993
permite a reabertura progressiva dos eixos
de migrações.
O zingel do Ródano, única espécie endêmica
da bacia, não é mais recenseada no Ródano
e só está presente hoje em alguns afluentes.
A recuperação do Velho Ródano
contribui para a preservação de centenas
de outras espécies animais e vegetais
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