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Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Organização Jailton Oliveira Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 3 Revista História Sumário ISSN 1983-0831 www.revistahistoria.com.br Capa e Diagramação eletrônica Luciano Rocha Pinto Apresentação Luciano Rocha Pinto Editores Jailton Alves de Oliveira Luciano Rocha Pinto Verônica Maria Nascimento Tapajós Via pacifica ou via armada: os debates na esquerda revolucionária na década de 1960, através de duas organizações maoístas argentinas 6 Brenda Rupar Conselho Consultivo André Porto Ancona Lopez International Council of Archives (ICA, França) Universidade de Brasília (UNB) Antonio Filipe Pereira Caetano 4 Honra, tequila e pólvora: práticas alcoólicas e violência cotidiana na revolução mexicana 25 Bruno Cezar Rodrigues Thomaz Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Augusto da Silva Universidade Federal de Sergipe (UFS) Benair Alcaraz Fernandes Ribeiro Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Uma síntese da miséria: Mulheres encarceradas no Rio de Janeiro do século XIX (1870-1900) 43 Jailton Alves de Oliveira Carlos Augusto Lima Ferreira Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Cristiano Wellington Noberto Ramalho Universidade Federal de Sergipe (UFS) Duarcides Ferreira Mariosa Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp.) Edison Bariani Junior Faculdade Santa Rita (FASAR) / Faculdade de Itápolis-SP (FACITA) Eulalia Maria Aparecida de Moraes Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (FAFIPAR) Fabio Luiz da Silva Universidade Norte do Paraná (UNP) Hustana Maria Vargas Aspectos teóricos y la sensibilidad social en el infanticidio: el caso de maría soledad rojas (Mérida-Venezuela, 1845) 69 Jhoana Gregória Prana Merchán Violência e cotidiano policial na força pública de minas gerais: aproximações empíricas e teóricas 91 Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira A violência nos escritos do Partido Liberal Mexicano. Perspectivas sobre o crime, estado e a rebeldia em regeneración e revolución (1906-1911) 118 Marlon Rocha Universidade Federal Fluminense (UFF) Margarida Maria Dias de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Ozanan Vicente Carrara Universidade Federal Fluminense (UFF) A culpa é da “grande leva de imigrantes vadios”: a criminalidade e a imigração no serviço doméstico carioca (1870-1920) 140 Natalia Batista Peçanha Samira Adel Osman Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Sobre os autores 153 Vanessa dos Santos Bodstein Bivar Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMGS) Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 4 Apresentação inseto, Sansa desperta sentimentos diversos, até nos mais próximos, que o veem com ojeriza. Enquanto sua mãe cai por terra diante da sua anormalidade, seu Quando certa manhã Gregor Sansa despertou, depois de um sono intranquilo, achou-se em sua cama convertido em um monstruoso inseto. (...) A mãe olhou primeiro para Gregor, juntando as mãos, avançou depois de dois passos para ele e desmaiou (...). O pai ameaçou com o punho, com expressão hostil. Franz Kafka pai usa da violência para recompor a ordem. Kafka ocupa-se da singularidade, não da repetição. O extraordinário que provoca a aversão é a razão de ser de suas histórias onde a raridade e o singular são vistos como uma ameaça. O “estranhamento” em sua s histórias de Kafka são construção discursiva não é, de modo surpreendentes. Iniciam-se algum, a identificação de algo realmente com um fato, por vezes estranho, mas, é o despertar. O estranho bizarro, que estabelece uma ruptura no inseto monstruoso não é o desconhecido, cotidiano. Onde parecia haver ordem e antes, é o que deveria permanecer oculto, repetição, emerge um acontecimento que camuflado instaura da cotidiana. Seu despertar, o seu “vir para descontinuidade. Na prosa, o jovem fora”, é que é inquietante, pois, ao Sansa de mesmo tempo em que pensa sua posição, pesadelos. Curiosamente, a razão de ser repensa a disciplina e a ordem das coisas de sua intranquilidade está no cotidiano postas. Enquanto ocupava-se consigo ordeiro e disciplinado, onde predomina a mesmo e com seu mundo de obrigações, solidão, o trabalho e a docilidade. Este os dias se passavam como todos os sono intranquilo é a própria “realidade”. outros. Ao afirmar sua diferença e A outro desperta olhar: de o um mundo na rotina repetitiva e Em Kafka, o real não é obvio, repensar sua “realidade”, o monstruoso objetivo ou claro, mas o insuportável. A emerge em sua anormalidade e, com ele, opressão, animalidade, o despertar da violência e da opressão violência, dor... Parecem emergir do para recompor a aparente tranquilidade e medo a segurança. à preconceito, diferença e ao diferente. Metamorfoseado em um monstruoso Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 5 O sonho intranquilo de Gregor os demais colegas para publicar os textos Sansa está atravessado neste dossiê. São apresentados ao final do curso. Todo outras as personagens; diferentes os processo de organização foi realizado por cenários; e variados os tempos. No ele. entanto, a monstruosidade da diferença sinalizaram positivamente. Os demais continua estavam envolvidos com outros projetos. emergindo em cenas de violência e opressão. Abordagens da violência na América Dos doze participantes, sete Sem querer, então, retardar o Latina: prazer de sua leitura, quero afirmar a aproximações, debates e estudos de casos pertinência, a ousadia, a originalidade dos é inquietante por estabelecer rupturas e temas e a qualidade das pesquisas e dos provocar o estranhamento. Em cada pesquisadores a fim de estimular você a história, um acontecimento, metamorfose percorrer de novos processos. Em comum, o sono Espero, sinceramente, que este dossiê – intranquilo da banalização da vida e da assim como fez comigo – levante sensação do intolerável. Em cada página dúvidas, proponha questões, estimule a o convite para despertar da paralisia e do imaginação, adormecimento imposto pelos diversos proponha novos caminhos e o faça processos de produção subjetiva. despertar de seus sonos intranquilos. Abordagens da violência estas páginas relativize inquietantes. verdades, na América Latina reúne pesquisadores de instituições diversas que participavam do curso “Abordagens da Violência na Luciano Rocha Pinto Editor – Revista História Doutor em História (UERJ) Pós-doutorando em História (UFF) América Latina Moderna”, realizado no Programa de Pós-graduação em História Social da (PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ministrado por Marcos Luiz Bretas – professor associado de História do Brasil – entre agosto e dezembro de 2014. Após esses meses de discussões e aprendizado, Jailton Oliveira teve a ideia de convidar Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 6 Via pacifica ou via armada Os debates na esquerda revolucionária na década de 1960 através de duas organizações maoístas argentinas práticas daquelas organizações e partidos. Tentaremos repor tanto o que acontecia no Movimento Comunista Internacional com respeito às discussões da revolução, como o que acontecia na Argentina desses Brenda Rupar anos, para dar conta dos fundamentos que usaram os partidos maoístas que nos propomos estudar. O apresentar Considerações iniciais1 objetivo um emergência maoístas aspecto de na deste duas Argentina, o Partido chave é da organizações Vanguardia incremento das organizações Comunista guerrilheiras e armadas na Revolucionario, a partir das críticas que Argentina da década de 1970 fizeram ao Partido Socialista e ao Partido tem sido não só objeto de estudo e debate Comunista daquele país, e de como se no âmbito acadêmico, como também uma inseriram neste debate antes apresentado. O e artigo Comunista preocupação geral no momento de tentar compreender o passado recente. O objetivo do presente trabalho é apresentar Ubicação histórica da problemática o debate que teve lugar na esquerda revolucionária dos anos sessenta, com O período entre 1955 e 1976 tem- respeito ao caminho para o triunfo da se constituído como um campo específico revolução. O ponto de partida é o debate de pesquisa na historiografia argentina. A sobre as concepções da violência política instabilidade do sistema político, a de Hannah Arendt, usadas pela autora ilegitimidade do poder do Estado, as Claudia Hilb (2013) para invalidar as recorrentes crises econômicas e a acentuação da luta política e social, foram 1 Desejo salientar que as citações serão mantidas em espanhol para não alterar o significado das fontes. No caso dos textos e a bibliografia geral, as traduções têm sido feitas pela autora. características que chamaram a atenção dos historiadores e cientistas sociais sobre essa etapa iniciada com o golpe ao Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 7 segundo governo peronista, e fechada Paralelamente, dramaticamente com o início da última radicalizando tanto nas suas demandas, ditadura como na defesa de direitos que tinha militar na Argentina. Em o se conquistado nas organizações guerrilheiras que se (principalmente sob os governos de Juan conformaram desde metade da década de Domingo Perón). Podemos 1960 e ganharam protagonismo no confrontos permanentes no período com começo da década de 1970. A violência um salto qualitativo a partir de 1969, com política foi então assimilada por esse tipo o Cordobazo e outras mobilizações de existiram populares, e a (re) emergência do também grupos e partidos da esquerda classismo no movimento operário. 3 A revolucionária, que embora não tenham maioria das organizações do período - e adotado forma não só da esquerda já que a radicalização organizativa, teorizavam e se preparavam foi um processo que atravessou as para a conquista do poder político pela diferentes correntes e instituições - via armada. inclusive uma parte dentro da Igreja a Porém, guerrilha como Nesses 20 anos, com a proscrição Católica - tempos foi particular, a atenção tem-se concentrado organizações. nos povo anteriores observar apelou à ação direta para do peronismo na maioria do período, a conseguir alguma coisa ou se defender. sucessão democráticos Tomar as armas, significava para alguns, débeis e os recorrentes golpes de Estado2, a via para a volta de Perón ao governo, e grandes grupos da população foram se para colocando revolucionário - sobre o que havia de governos em uma crescente desconfiança do regime parlamentarista. outros, o início do caminho diferenças também. No caso argentino, uma das 2 Desde o Golpe ao governo do Perón, em 1955, houve ditadura da “Revolução Libertadora” (1955-1958 com dois chefes de Estado; primeiro Lonardi e depois Aramburu), governo de Arturo Frondizi (1958-1962), saída obrigada do Frondizi e governo de Guido (1962), Governo de Arturo Illia (1963-66), golpe da “Revolução Argentina” (1966-1973, com três períodos: Ongania, Levingston e Lanusse), governo do Héctor Cámpora (1973), governo do J. Domingo Perón (1973-1974), governo de Isabel Martínez de Perón (1974-1976), golpe de Estado em 1976 e ditadura até 1983. teorizações sobre a violência do período argentino foi elaborada pela doutora em Ciências Sociais, Claudia Hilb (2013). Em um artigo publicado, essa autora fez 3 Existe uma vasta bibliografia sobre isto. Cf. Balve, 1973; Brennan, 1996; Brennan, 2008; Nassif, 2012; Schneider, 2006; Tortti, 2009; Werner, 2009. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 8 uma análise a partir das ferramentas aprofunda nos atores e os motivos da conceituais mobilização. oferecidas por Hannah Com a divisão e a Arendt no seu “Sobre a revolução” deslegitimação da atuação no segundo (Arendt, 2006). Retoma principalmente a momento, ideia de que a violência tem duas formas responsabilizando as organizações pelo de se interpretar, ou seja, reativa ou Golpe de 1976. Para elem disso, a maior instrumentalizada. A primeira seria uma crítica que temos para com sua teoria é a resposta a uma situação intolerável, onde ideia da violência como antipolítica nem a palavra nem o espaço público – (Hilb, 2013: 20; Arendt, 2006: 19). Em para Hannah Arendt quase um sinônimo particular, as organizações de esquerda se de política – teriam peso para resolvê-la. nutriam dos escritos marxistas sobre o A segunda, pelo contrário, seria uma ação Estado e a violência e, concordemos ou premeditada com o objetivo de ocupar não com os postulados teóricos, um dos um determinado lugar. princípios que a balizam é a ideia herdada Voltando as lentes para o caso acaba de alguma forma do filósofo e militar alemã Carl Von argentino, Hilb (2013) dividiu os anos Clausewitz de que “a guerra - 1969-1976 em duas etapas, as quais violência, estariam vinculadas com esses tipos de simplesmente um ato politico, mas uma violência: a primeira se corresponderia verdadeira com o período 1969-1973 e a segunda continuação da atividade política, uma com o triênio 1973-1976. A divisão, realização embora não esteja explicitada, responde a (Clausewitz, 2002). Invalidar a priori o que em 1973 - e depois de muitos anos acionar delas, impede conhecê-las mais sem eleições ou eleições com proscrição profundamente no desenvolvimento que de candidatos - o peronismo começou o tiveram. Por isso achamos conveniente seu terceiro e uma parte fazer dialogar as concepções gerais com a importante da sociedade foi encaminhada própria elaboração que foram fazendo os novamente para a institucionalidade. partidos que nos propomos analisar. A governo ou a neste caso - não constitui ferramenta desta por política, outros uma meios” Entendo, no entanto, que essa proposta é estudar essas organizações na separação é pouco rica na análise dos lógica que propuseram no contexto no tipos de mobilização e luta, porque não qual atuaram. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 9 internacional do período e muito mais às A revolução em debate no Movimento Comunista Internacional organizações lutas e movimentos de libertação nacional e social ao longo do mundo acontecia no Movimento Comunista Internacional (MCI). Debate esse que teve por início o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) realizado em 19564, mas que se intensificou em começos da década de 1960 no que ficou conhecido como “debate sino-soviético”. Essa discussão, que opunha diferentes concepções da situação mundial e o que devia ser feito e como, levou à ruptura dos vínculos entre o PCUS e o Partido Comunista da China (PCCH). Apesar dos intentos de manter as diferenças em segredo enquanto se desenvolviam os intercâmbios, várias razões contribuíram para que se conhecesse no mundo todo. Por esse motivo, acabou atravessando a política y Um dos pontos da polêmica era o acordo, conhecido como “coexistência pacífica”, firmado entre a antiga URSS e os EEUU. Dado o grande prestigio que tinha o bloco socialista após a Segunda Guerra, e devido às possibilidades de uma nova guerra nuclear no marco da até então Guerra Fria, o PCUS afirmava que “la tarea primordial de los partidos comunistas consiste en cohesionar a todas las fuerzas amantes de la paz para preservar la paz y salvar a la Humanidad de la hecatombe nuclear” Com ele, começaram a se afirmar questões que discutiam com noções tradicionais da esquerda revolucionária: a coexistência pacífica entre os EEUU e a URSS, a divisão internacional do trabalho no campo socialista e a possibilidade de trânsito pacífico ao socialismo. 5 (Partido Comunista da União Soviética, 1963: 13). Nesse sentido, acordaram com os Estados Unidos um cessar-fogo que permitiria mostrar a superioridade do socialismo no terreno econômico. Assim, afirmavam que “la coexistencia pacífica no excluye, sino, al contrario, crea una situación favorable para revolucionarias enlentece 4 (Hilb Comunista da União Soviética, 1963). contexto convulsionado de Guerra Fria, do esquerda Slutzky, 1984; Tortti, 2009; Partido Na década de 1960, em um interior da el las en transformaciones la proceso sociedad, no revolucionario 5 Considerando que o espanhol não apresenta sérias dificuldades para o leitor do português, as citações serão mantidas em espanhol para não alterar o significado das fontes. No caso dos textos e a bibliografia geral, as traduções têm sido feitas pela autora. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 10 mundial, sino que contribuye a nacional e social que batessem no acelerarle” (Partido Comunista da União coração do próprio imperialismo (dos Soviética, 1963: 27). quais o pior, o mais agressivo, era o Pelo contrário, o Partido Comunista da norte-americano) e os obrigassem a China se opôs a essa resolução: praticar a paz para com eles. […] significa desorientar a la gente el no distinguir entre los enemigos, los amigos y los propios, y el confiar el destino de los pueblos, el destino de la humanidad, a la colaboración con el imperialismo norteamericano. […] Hemos considerado siempre que, con el propósito de denunciar y combatir la expansión armamentista y los preparativos bélicos del imperialismo, es necesario plantear la demanda de desarme universal. Por medio de la lucha conjunta de los países del campo socialista y de todos los pueblos del mundo, es posible obligar a los imperialistas a aceptar cierto tipo de acuerdo sobre el desarme. Si se considera el desarme general y completo como el camino fundamental de la lucha por la paz mundial, si se difunde la ilusión de que el imperialismo puede deponer voluntariamente las armas, y si se anula, so pretexto del desarme, la lucha revolucionaria de los pueblos y naciones oprimidos, esto significa engañar deliberadamente a los pueblos del mundo y ayudar a los imperialistas a aplicar su política de agresión y de guerra. (Partido Comunista da China, 1965: 27-28). Seguindo a fonte, para os Vinculado encontramos ao o ponto debate anterior, sobre a possibilidade da transição pacífica ao socialismo, como tinha afirmado a URSS: […] La misión de la clase obrera y de los partidos comunistas consiste en aprovechar al máximo las posibilidades existentes hoy día para seguir la vía pacífica, sin guerra civil, de la revolución socialista y, al mismo tiempo, estar preparados para la vía no pacífica, para aplastar con las armas la resistencia de la burguesía; la lucha democrática general es parte integrante indispensable de la lucha por el socialismo” [grifos meus]. (Partido Comunista da União Soviética, 1963: 13). Segundo eles, a superioridade do socialismo e a debilidade relativa do imperialismo permitiam pensar em um triunfo sem guerra civil, pelo que orientavam à luta parlamentaria como chineses, o Partido Comunista da União caminho Soviética, aos descartavam a luta armada, mas não a partidos e à esquerda quando chamava a colocavam como prioritária. Contra essa acreditar em possíveis acordos de paz orientação com países imperialistas. Pelo contrário, responderam propõem que a boa situação do campo preferirían siempre realizar la transición socialista para al socialismo por vía pacífica. Sin impulsionar e apoiar lutas de libertação embargo, ¿se puede […]? No, de ninguna estava devia confundindo se aproveitar para os avançar. chineses que “Los Claro, não rapidamente comunistas Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 11 manera.” (Partido Comunista da China, a La camarilla revisionista de Jruschov ha renunciado a la dictadura del proletariado bajo la pantalla de ‘Estado de todo el pueblo’, ha alterado el carácter proletario del PCUS bajo la pantalla de ‘partido de todo el pueblo’ y ha abierto el camino a la restauración del capitalismo bajo la pantalla de edificación del comunismo en todos los frentes. (Partido Comunista da China, 1965: 434). evitabilidade não só era negá-la, mas A partir desse momento, o bloco 1965:19). Adicionaram que as revoluções sociais ao longo da história têm leis objetivas, independentes da vontade do homem, descobertas e desenvolvidas pela teoria marxista também e desconhecer que postular que nenhuma socialista rompeu-se, gerando uma forte revolução socialista tinha triunfado por crise esse caminho (Partido Comunista da Internacional. consequência Movimento Comunista Na Argentina desses anos se China, 1965: 20-21). Como no desse conformaram diversas organizações que intercâmbio de acusações - e outras que fizeram eco dessa situação e, se fogem ao escopo deste artigo -, o Partido referenciando na Revolução Cubana e/ou Comunista da China acabou acusando ao nas críticas do Partido Comunista da Partido Comunista da União Soviética de China ao Partido Comunista da Unisão revisionista6 do marxismo leninismo e o Soviética adotaram a via armada como Partido Comunista da União Soviética de única via possível e legítima de fazer a esquerdista7 e nacionalista ao par chinês. revolução. Posteriormente, os chineses elaboraram que o revisionismo teórico e ideológico O papel da violência na teoria marxista da URSS tinha como fundamento a restauração do capitalismo ali8: 6 Termo usado principalmente na esquerda para criticar e acusar a quem abandona ou abre mão do caminho da Revolução. No contexto do debate, o PCCh e os maoístas vão utilizá-lo para se referir direta ou indiretamente ao PCUS. 7 Assim de chama dentro das organizações da esquerda a quem sem fazer uma leitura da situação concreta e o que tem que ser feito para avançar no caminho da revolução, diz que as condições são propícias para conquistar o poder. 8 Também os acusaram de “social-imperialistas”, mas excede ao nosso trabalho abordá-lo em profundidade. Nós fomos de fumo embriagados. Paz entre nós, guerra aos senhores. Façamos greve de soldados. Somos irmãos, trabalhadores. Se a raça vil, cheia de galas. Nos querem à força canibais. Logo verás que as nossas balas. São para os nossos generais. Internacional Comunista. A tradição de todas as gerações mortas. Oprimem como um pesadelo o cérebro dos vivos. (Marx, 2008: 18). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 12 Pode parecer um paradoxo que na & Engels, 2007: 46) e que os comunistas esquerda dos anos 1960 - e na cúspide do rejeitam dissimular as suas perspectivas e movimento socialista - estivesse em propósitos. Declaram abertamente que os debate se a via para a revolução era “seus fins só podem ser alcançados pelo armada ou parlamentarista. Mas as duas derrube violento de toda a ordem social grandes até aqui.” (Marx & Engels, 2007: 85). posições se baseavam nos clássicos do marxismo para justificar a Posteriormente, a Comuna de escolha, só que entre eles se acusavam de Paris (1871), a Primeira Guerra Mundial “dogmáticos” - que aplicam a linha sem (1914-1919) e a Revolução Russa (1917) estudar a situação concreta e/ou as se destacaram como eventos chave para o possíveis mudanças acontecidas - ou esboço “revisionistas” - que como já apontamos, Estado, o imperialismo e a conquista do acusa a alguma organização ou pessoa de poder por parte do proletariado. Os textos ter aberto mão da revolução. que mais sintetizaram a análise das Sendo testemunhas oculares do avanço da burguesia europeia da teoria revolucionária do causas do caráter do Estado burguês e a e inevitabilidade da luta armada foram o protagonistas da luta que começava a dar “Anti Dühring” de Federico Engels o incipiente proletariado, Marx e Engels (Engels, afirmaram desde cedo que as mudanças Revolução” de Lenin (Lenin, 2004). profundas, que Neste último texto, depois da afirmação implicaram e implicariam um cambio de de que “O Estado é o produto e a época, só se resolveriam através da manifestação violência. É famosa a frase deles que diz inconciliável das classes” embora de que que “a violência é a parteira da história”. se mostre como por cima e por fora, se Embora na afirma que “[…] a libertação da classe conceituação, nem em uma Teoria do oprimida só é possível por meio de uma Estado, desde o Manifesto Comunista revolução violenta e da supressão do (1848) escreveram que seria através de aparelho uma revolução aberta e franca que “[...] o classe dominante e que, pela sua própria proletariado, pelo derrube violento da existência, "se afasta" da sociedade” burguesia, funda a sua dominação” (Marx (Lenin, 2004:23). revolucionárias, não tenham avançado 2003) e o do governamental “Estado e a antagonismo criado pela Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 13 A teoria por eles formulada parte de que embora no início - da historia das sociedades “civilizadas” - para formular as táticas mais justas, em termos políticos, em cada momento.9 o poder É sobre este último tema, a político haja sido resposta à necessidade valoração do momento político, que da organização econômica e social, com existia uma forte discussão no MCI: para o tempo teria sido estabelecido para o Partido Comunista da União Soviética, oprimir da Partido Comunista da China não entende sociedade através da monopolização do que o socialismo deve pensar como aparato coercitivo - representado em ajudar ao triunfo do socialismo do modo última instância no Exército. Também, ” mais rápido e menos penoso” iludindo a que atualmente só funcionaria como trava real possibilidade da guerra termonuclear e instrumento de dominação. A violência com os Estados Unidos, e que revolucionária cumplir às classes seria produtoras uma violência su misión histórica “para los diferente, contestatária e superior à comunistas tienen que mantener fidelidad violência opressiva, em tanto que aquela inquebrantable al marxismo-leninismo está colocada em função da libertação da saber aplicar con sentido creador sus humanidade e do fim da exploração. principios Contraditoriamente, os homens teriam concreta.” (Partido Comunista da União sido colocados na situação de que pra se Soviética, 1963:3). E indirectamente libertar e acabar com a violência tem que falando opor outro tipo de violência (Engels, “circunstancias presentes el dogmatismo, 1964). el sectarismo, el aventurerismo y la Sendo o comunismo o fim da luta en la situación daqueles, fraseología dissem histórica que revolucionaria nas están do proletariado, o qual necessariamente convirtiéndose en un peligro cada día deveria passar por um Estado socialista, más evidente para el movimiento uma ditadura do proletariado - ou seja, um Estado de Novo Tipo onde o poder político e da violência estaria nas mãos de outra(s) classe(s) expressando à maioria da sociedade -, cada país e cada partido deveria analisar a própria situação 9 Assim, foi o próprio Lenin após a Revolução de Outubro que criticou o “esquerdismo” dos alemães ao tratarem de fazer a revolução sem forças revolucionarias. Os orientou a usar o Parlamento e a propaganda como forma de ganhar apoio e adeptos à causa para, depois sim, levar a cabo a insurreição armada. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 14 comunista.” (Partido Comunista da União Estados Unidos. E tinha triunfado não de Soviética, 1963:9) qualquer jeito, mas sim pela via armada Para o Partido Comunista da (Rupar, 2011; Rodrigues Sales, 2005). China, dizer que as novas condições de Apesar desse fato, ainda em 1961, luta (inclinadas no pós-segunda guerra a Ernesto “Che” Guevara voltou sobre a favor do campo socialista) permitiam ideia pensar no trânsito pacífico ao socialismo, acontecendo. No texto “Cuba, ¿excepción não significaria mais do que desconhecer histórica o vanguardia en la lucha contra e trair o marxismo-leninismo. Para eles, a el colonialismo?” escreveu: flexibilidade da aplicação da que falavam resultava irônica, pelo que El Partido Comunista de España se ve acosado, desde hace tiempo, por el terror blanco, no tiene ni la menor oportunidad de participar en las elecciones. Pero, los dirigentes de este partido, como Dolores Ibárruri, también siguen a Jruschov y predican la “transición pacífica” en España. Esto es absurdo y trágico. (Partido Comunista da China, 1965: 406) O debate sobre a via fez eco e às os debates que estavam Quando se fala em alcançar o poder pela via eleitoral, nossa pergunta é sempre a mesma: se um movimento popular ocupa o governo sustentado por ampla votação popular e resolve em consequência disto iniciar grandes transformações sociais que constituem o programa pelo qual se elegeu, não entrará imediatamente em choque com os interesses das classes reacionárias desse país? O Exército não tem sido um instrumento de opressão a serviço destas classes? Não será então lógico imaginar que o exército tomará partido por sua classe e entrará em conflito com o governo eleito? Em consequência pode ser derrubado por meio de um golpe de Estado e aí recomeça de novo a velha história. (Guevara, 1961). exemplificaram com o caso espanhol: atravessou e organizações, principalmente aquelas do movimento operário e popular e à esquerda. E, na Dentro da polémica descrita, a América Latina, as preocupações sobre a Revolução Cubana e as posições do revolução conjugaram-se com a situação “Che” própria de cada país e com a novidade entendidas como uma atualização de uma que significou o triunfo da Revolução teoria - a marxista - que até podia ser Cubana experiência criticada por alguns como antiga e O episodio estrangeira. e a primeira socialista do continente. Guevara Uma dentro grande dela, parte eram da entusiasmou aos jovens da época e juventude latino-americana abraçou essa mostrou para o mundo que o socialismo experiência e aos seus heróis, achando era possível, até mesmo na frente dos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 15 neles um modelo para as revoluções no conformaram continente. Argentina: Vanguardia Comunista e o Partido nesse Comunista período na Revolucionario. Apontar que são os maiores implica A crise na esquerda Argentina reconhecer que não foram os únicos. As simpatias pela Revolução Chinesa de Em um contexto mundial de radicalização, lutas e revoluções, na Argentina na década de 1960 se conformaram as chamadas organizações da “Nova Esquerda” que atuariam nos 1949 começaram antes, e influenciaram outras pessoas e organizações, só que não chegaram a ser o fundamento políticoideológico como aconteceu nestes casos que vamos tratar. anos seguintes. Nesses anos, produziramse as maiores rupturas dos Partidos Socialista (PSA) e Comunista (PCA) daquele país, e em ambos os casos - seja já no começo, ou mesmo depois de alguns anos - uma parte adotou o maoísmo como vertente teórico-político. O apoio às listas opositoras a Perón - ou a conformação de listas junto com partidos da direita local -, a ideia de que os trabalhadores peronistas sofriam de “falsa consciência”, as confusas autocríticas e Vanguardia Comunista (VC) foi o primeiro em se constituir como partido e adotar o maoísmo. Surgido do Partido Socialista Argentino de Vanguardia (PSAV) que tinha sido criado no ano 1961 do PSA pelas críticas que fez à direção pelo tratamento ao peronismo e o apoio ao Golpe de 1955, rapidamente encontrou os limites em um grupo que tinha se fundado basicamente pela oposição à direção anterior: a necessidade de “virar” à classe trabalhadora peronista até a participação direta ou indireta no – significa tentar dirigi-los - se confundiu Golpe de Estado de 1955, contribuíram a com o chamado “entrismo”, como se aprofundar outros grandes debates prévios ou novos - que acabaram influindo nas rupturas desses partidos nos anos 60s. Neste trabalho vamos nos concentrar nos dois maiores partidos marxistas-leninistas-maoístas que denominou à pratica de se inserir no Partido Justicialista ou nos agrupamentos que este fazia, sem nenhuma intenção de disputar a linha politica deles (Semán, 1964: 51). se Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 16 A crise manifestou-se em 1963 e para estudar as primeiras definições que no ano 1965, mais precisamente em abril, fazem, um grupo de alguns poucos militantes diferenças e debates com outros espaços começaram o caminho de formação de políticos. Mais ainda nestes casos, onde uma nova organização, adotando o nome os partidos resultaram de fraturas e de Vanguardia Comunista. desprendimentos de partidos maiores. É O Partido que geralmente incluem Comunista importante sinalar que no caso do VC, constituiu-se embora tenham saído do PSA, eles se produto da maior ruptura do Partido reconheceram como herdeiros da tradição Comunista Argentino no século XX. Uns que em algum momento soube ter o PCA. 4000 da Em um documento dos primeiros anos “Federación Juvenil Comunista (FJC)” e escreveram que “en la Argentina fueron o Partido resolveram, ao início de 1968 e los mejores militantes del movimento depois de vários meses de intenso obrero los que se reunieron en el Partido conflito interno, se constituírem como Comunista” (AAVV, 1965, p.123) e que, Comité Recuperación como parte da luta internacional contra o Revolucionaria del Partido Comunista “revisionismo”, eles deviam recuperar Argentino dele esse caminho. Assim, os dois partidos tentavam tensionar e aprofundar os vão disputar a linha, espaços e militantes debates políticos dentro do PCA. A do PCA. Revolucionario (PCR) militantes principalmente Nacional de (CNRR). Através última crise explodiu em 1966, quando Em função do anteriormente aconteceu o Golpe de Estado de Juan colocado, nos concentraremos na reflexão Carlos Onganía e um grupo acusou à e os postulados sobre a via da revolução direção do Partido de ter não só na Argentina. Considerando o grande embelecido o governo do radical Arturo debate que estava tendo lugar no MCI, é Illia (1963; 1966), como também de ter da maior importância olhar o que estes feito um jogo político com as direções partidos diziam a respeito. sindicais traidoras que favoreceram o Golpe. O caminho para a revolução na Argentina, Como se sabe, os primeiros anos das organizações conformadas são chave nas interpretações de Vanguardia Comunista e o Partido Comunista Revolucionário. A Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 17 explotadoras sobre las clases explotadas […]. (AAVV, 1964, s/d). Vanguarda Comunista definiu que desde o seu início: O caminho parlamentarista na Al incorporarnos a la lucha mundial contra el revisionismo ubicando el papel conductor del Partido Comunista Chino, refirmamos la necesidad de constituir el destacamento organizado de la clase obrera, su vanguardia, su Partido. (AAVV, 1964, s/d). Argentina mostrava-se incerto no período, tal como descrevemos acima. De fato, o desprendimento do PSAV do PSA, e posteriormente o do VC, aconteceu no contexto de um grande triunfo parlamentarista desse partido - a eleição do histórico dirigente Alfredo Essa definição foi feita conjuntamente com a adoção de varias Palácios para senador e posteriormente para deputado. das premissas que balizaram a revolução chinesa - algumas das quais criticaram Frente ao trânsito pacífico, Varguardista Comunista: 10 posteriormente - , mas também com um Cuando los revisionistas proclaman las formas de lucha pacíficas como las adecuadas para la toma del poder por el proletariado, están realizando una práctica que coincide con la idea burguesa del Estado y que, por lo tanto, es una práctica burguesa.[…] tanto el acceso al poder del proletariado no se resuelve a través de la lucha pacífica en la democracia, sino afirmando el poder de la clase obrera con el ejercicio de todas las formas de lucha, que en su desarrollo superior asumen la calidad de lucha armada. (AAVV, 1964: s/d). posicionamento dentro do debate que a China mantinha com a URSS. Em 1964, entre os primeiros documentos que fizeram no caminho à criação do Partido, encontramos revisionismo”, “Derrotemos um escrito no al qual denunciavam e criticavam as concepções tanto do PCUS como do PCA El revisionismo ha proclamado la existencia de dos formas del acceso al poder del proletariado, las que consistirían en las vías pacífica y no pacífica(…) No es posible sostener la concepción leninista del Estado y deducir las formas de lucha de la clase obrera contradictoriamente con esta concepción, ni tampoco es posible defender la tesis del tránsito pacífico al socialismo y mantener en pie una caracterización del Estado que denuncia su esencia en la violencia de las clases 10 Sobre este aspecto: Cf. RUPAR (2014) Elías Semán, um dos principais dirigentes de Varguadista Comunista, tinha viajado a Cuba para se aperfeiçoar na sua formação - sobretudo militar - 11 e ao regresso dele, as influências fizeram se 11 Muitas organizações dessa época enviavam militantes para ali. Muitas delas tinham lido a experiência cubana só como um triunfo armado a partir da formação de guerrilhas nas áreas rurais e viajaram a Cuba para se aperfeiçoar - algumas outras organizações misturaram formas e praticaram guerrilherismo urbano. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 18 sentir ao interior da organização. Sobre PCA à experiência guerrilheira que fazia qual foi o tipo de repercussão existem o Ejército Guerrillero del Pueblo (EGP) divergências: Semán em Salta, no noroeste da Argentina. publicou em 1964 “El Partido Marxista Segundo Semán, eles só a faziam desde a Leninista y el guerrillerismo”, um folheto defesa do pacifismo burguês. Nas suas onde avança na disputa com outras palavras: por um lado, correntes e em este caso o faz com os antirevisionistas que caem no esquerdismo. Entre eles estariam os guerrilheristas, termo depreciativo usado para aqueles que só “exaltan uma técnica”, “son aventureros” y “escinden los elementos objetivos y subjetivos para hacer una revolución [...] negando la teoria leninista del Partido” (Semán, 1964). Contudo, em escritos mais recentes dos Partidos que ainda disputam o legado de Vanguardista Comunista, se 12 fala que o debate não estava saldado e Dicha dirección [a do PCA], afectada de una incurable desviación derechista, sólo puede contestar las desviaciones de “izquierda” desde la derecha, con los métodos y la ideología de la burguesía. Así su crítica a la lucha armada librada por los compañeros de Salta, no es una crítica al guerrillerismo, sino una defensa de la vía pacífica para la toma del poder y una condena de la lucha armada para la toma revolucionaria del poder. (Semán, 1964:60) Embora “la negación de los caminos incorrectos es un momento en la afirmación del camino justo” (Semán, 1964:61), a crítica ao guerrilherismo devia ser desde posições certas, deixando de fora o “revisionismo”. 13 que apesar das críticas ao foquismo , o partido não conseguiu fazer nada alternativo. Sobre a coexistência pacífica, como forma de garantir a paz mundial, afirmavam que: Fica claro nesse documento, que estavam definindo uma linha teórica ao mesmo tempo em que disputavam com outras correntes e organizações políticas. Mais na frente no texto, também vão criticar o tipo de impugnação que fazia o 12 Referimos principalmente ao texto de Américo Soto (2004) 13 Isto é, a ideia de que um grupo isolado pode e deve ser o inicio do movimento revolucionário. La renuncia a la concepción leninista sobre el imperialismo y la paz, sobre el Estado y la revolución proletaria, definen los aspectos esenciales del revisionismo contemporáneo […] Los revisionistas contemporáneos, al igual que sus antecesores, subordinan la lucha por el socialismo a la lucha por la paz, desconociendo que el objetivo principal de la lucha del proletariado mundial consiste en socavar, debilitar y derrumbar el poder del imperialismo. […] pintan de bellos colores el pacifismo de los imperialistas. Así desarman políticamente a las masas en la Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 19 lucha contra el principal generador de la guerra y enemigo de la paz, para obtener, a cambio de esto, la coexistencia pacífica entre Estados al precio de la coexistencia de los pueblos oprimidos con la dominación imperialista […] Se trata de un precio demasiado oneroso, y a cambio de un objetivo -la paz mundial- cuya conquista no reside en la conversión de los imperialistas sometidos a la ley de la ganancia en defensores de la paz, sino en el poder del campo socialista y en la lucha de los pueblos oprimidos contra el imperialismo. (AAVV, 1964: s/d). Nesse sentido, uma das conclusões às que chegam e que balizam a sua formação é que “los revisionistas, con los actuales dirigentes del PCUS a la cabeza, son los principales enemigos infiltrados en las filas del proletariado mundial.” [grimos meus] (AAVV, 1964: s/d). O Aliás, como prova de que se trata PCR conformou-se de um caminho errado, trazem no principalmente com os militantes que documento os casos do Brasil e do Chile vinham da ruptura da FJC e do PC e para mostrar a impossibilidade de triunfar outras organizações e militantes. Segundo por essa via 14 . Isto seria assim, porque Otto Vargas - Secretário Geral do frente à possibilidade de mudanças Partido Comunista Revolucionário, PCR, profundas, as classes dominantes sempre desde os inícios -, era uma melánge. acabaram por se impor pela força. O Tinham quatro ou cinco pontos em desarme nestes casos tinha impedido que acordo, e o primeiro era a luta armada o povo defendesse as reformas pelas (Andrade, 2005:35). Para eles, a ruptura quais lutava. com o PC ia junto com os questionamentos que faziam ao Partido de confiar na burguesia para ser a direção “Mientras el imperialismo ha decidido transitoriamente la situación en Brasil y Chile, utilizando en el primer caso la vía violenta y en el segundo la vía pacífica, el revisionismo ha sido incapaz de preparar a las masas para enfrentar la violencia del imperialismo desarrollando la lucha armada, y ha sido incapaz de preparar a las masas para comprender el carácter de un proceso electoral controlado por el imperialismo. Por el contrario, ha sembrado ilusiones acerca de la posibilidad de tomar el poder pacíficamente, respetando los supuestos básicos del Estado y siendo respetados por éste. El proletariado y el pueblo de Brasil y Chile, pagan hoy el precio de estas ilusiones sembradas por el revisionismo.” (AAVV, 1964: s/d). 14 do movimento revolucionário. Essa crítica e a da adoção da via pacífica se entrelaçavam em um todo coerente: Claro que si no será nuestra clase [referese ao proletariado. Nota da autora] la que “abrirá las puertas” de la Revolución, o al menos intentaremos que lo haga, no hay apuros en definir problemas como el de las vías de la revolución. De allí que hayamos sido el único partido en América Latina que tomó literalmente la Declaración de 81 Partidos15 referente a 15 Em 1957, nos inícios do confronto no MCI, se fez uma Declaração dos Partidos Comunistas que Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 20 la vía de la revolución, que se refiere a las posibilidades mundiales que permitirían para el proletariado de ciertos países el acceso relativamente pacífico al poder, y la situación que obliga al de otros países a seguir la vía no pacífica […] Nuestro Partido la trasladó a su línea partidaria sin definir cuál de las vías (pacífica o no pacífica) es la nuestra, siendo claro que ese problema, desde el punto de vista estratégico, no es opcional. [grifos meus] (Partido Comunista Revolucionário, 2003: 7374). Congresso do PC da Tchecoslováquia disse “[...]nos proponemos marchar hacia ese objetivo por la vía pacífica[...] ” (Partido Comunista Revolucionário, 2003:74). No libro “El gordo Antonio” (2008), Pilar Sánchez relata a vida de César Gody Álvarez, um reconhecido militante do PC e do PCR após a ruptura. Mais na frente dirão que essa Resultado de materiais partidários e de aparente indefinição sobre a via no PCA entrevistas feitas a camaradas do Gody era usada pelos dirigentes para evitar as Álvarez, se soube que ele fazia parte do críticas ao interior, mas que as posições aparato militar do PC e que até tinha sido ficavam menos confusas ou ambíguas em enviado a Cuba entre 1963 e 1964. Ao instâncias regressar, e produto de uma discussão internacionais das quais participavam alguns deles (que pelo rol com que tinham no Partido eram as oficiais). despromovido das tarefas que tinha. Como exemplo, citam a Victorio PCA), quem no discurso que fez ante o XXIII Congresso do PCUS, declarou que “El lema de nuestro partido - o PCA - es: “por la acción de las masas, hacia a conquista del poder”. El camino a seguir pacífico o el no pacífico (Partido Comunista Revolucionário, 2003:73-74), mas umas semanas mais tarde, no direção, foi castigado e Los relatos también coinciden en que el castigo responde a diferencias políticas: Gody forma parte de los cuadros donde crece el malestar con la dirección y la línea oficial del PC, que va a terminar definitivamente la ruptura. Por otro lado, como rebote de la línea de “coexistencia pacífica”, el PC desguaza su aparato de autodefensa y el llamado frente militar. (Sanchez, 2008: 51). Codovilla (um dos máximos dirigentes do para conseguir este objetivo puede ser el a Os depoimentos dariam conta de que a despromoção tinha um duplo caráter: por um lado, tirar do meio a dirigentes que se opunham à direção; por outro, dava conta da subestimação da área. foi assinado por 81 Partidos. As definições foram amplias e permitiram que tanto ao PCUS como ao PCCh se referenciassem nele, defendendo os princípios que tinham acordado. Em outubro de 1968, elaboraram um texto preparatório para o XIII Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 21 Congresso do PCA 16 que afirmou o Chama atenção que, para discutir caminho que pensavam seguir, e que sobre a concepção da transição pela via sentou as bases e definições com as que pacífica, criticarão especificamente ao PC se constituíram em PCR, nome adotado e nada à URSS, da qual só vão trazer em março de 1969. Uma das principais exemplos de grandeza. Algo similar definições tem a ver com a reafirmação ocorre sobre a “coexistência pacífica”, da via armada através da insurreição quando criticam desvios à interpretação e “porque es la que permite mejor al o significado que realmente tem, mas não proletariado hegemonizar la revolución y falam do Partido Comunista da União llevarla al socialismo. Dado el carácter de Soviética nem apoiam a análise do la revolución se trata de una insurrección Partido Comunista da China; porém, armada de todo el pueblo hegemonizada como por el proletariado[…]” (Partido Comunista Revolucionário, 2003: 151). Mas nesse sentido, também esclarecem que lutam ideologicamente contra o foquismo, porquanto desenmarca la lucha armada de la lucha de clases, pretendiendo suplantar al Partido por el foco guerrillero. En las condiciones de nuestro país, esto supone subordinar al proletariado a capas no proletarias” e contra o terrorismo como estrategia, “que no permite la incorporación de las masas a la lucha armada ni resuelve la destrucción del aparato estatal burgués.” (Partido Comunista Revolucionário, 2003: 153). 16 Lembremos que ainda tentavam disputar dentro daquela organização podemos ler a continuação, coincidem quase totalmente com ele: […] asistimos a un enfrentamiento global de los pueblos con el imperialismo en el plano mundial.[...] El fortalecimiento del campo socialista, el cambio en la correlación de fuerzas, han impedido al imperialismo yanqui definir por medio de la guerra mundial la situación internacional […] El incremento de las luchas revolucionarias de los pueblos contra el imperialismo, una firme política de los países socialistas de ayuda y de rechazo de las agresiones, son las condiciones para derrotar al imperialismo, asegurar nuevas victorias revolucionarias […] y así disminuir también las posibilidades del imperialismo de desencadenar una guerra termonuclear. Por eso la concepción del internacionalismo […] es golpear al imperialismo, crearle dificultades en cada país […] Los países socialistas tienen una política tendiente a crear las condiciones para la coexistencia pacífica, cuyo objetivo es contribuir al éxito de la batalla por el socialismo en todo el mundo, sin guerra mundial.[…]Esta política dista tanto de las acciones aventureras […] como del acomodamiento al “statu quo” que anula la revolución. Es necesario combatir la Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 22 tendencia oportunista a subordinar la revolución a la coexistencia. La lucha por la revolución […] es el objetivo, la razón d ser de los partidos comunistas. […] El desarrollo de la lucha revolucionaria de los pueblos constituye el primer y fundamental elemento de la lucha por la paz, contra la guerra. (Partido Comunista Revolucionário, 2003: 137-139). conquistas operárias do período anterior, A diferença de VC, este partido trabalhadores. A opção de Perón pela não adotou o maoísmo no começo. Pelo variável tempo (nas vésperas do golpe de toparam com desenvolvimento um das grande organizações sindicais, posições políticas dos operários (peronistas, na sua maioria) e com uma crescente combatividade por parte dos han 1955, ele disse que “Entre la sangre y el desarrollado tendencias y prácticas ajenas tiempo elijo el tiempo, y si hemos tenido al dogmáticas, razón con seguridad volveremos”) não divisionistas, nacionalistas y oportunista poupou sangue no povo argentino, que de izquierda, que tienen su expresión más nos seguintes anos viria a confrontar-se acabada en la línea actual del Partido com a repressão, perseguições e mortes. Comunista de China” (Partido Comunista Contudo, a população continuou se Revolucionário, 2003: 142). Alguns anos organizando e lutando. Na ausência do depois começariam a se aproximar até líder que se encontrava exiliado, vários finalmente adotá-lo como fundamento dirigentes teórico no Congresso de 1974. direção do movimento (alguns desde contrario, acusavam “se se que marxismo-leninismo; começaram a disputar a dentro e outros desde outras vertentes e Considerações finais correntes políticas). Os tradicionais partidos socialista e comunista ainda “Métale a la marcha, métale al tambor, métale que traigo un pueblo en mi voz. Métale a la marcha, métale al tambor, métale que viene la revolución”. tinham dificuldades para lidar com o (Mercedes Sosa, “Hermano dame la mano”, 1973) compassando peronismo e os operários peronistas. Os erros e debates foram se aprofundando um mundo e uma Argentina que se radicalizava. Na Argentina, as tentativas que haviam levado a classes MCI com intensos debates de linha que dominantes, desde 1955, para flexibilizar repercutiram de um ou outro modo no ou interior de cada processo e organização diretamente cabo apagar as A década de 1960 encontrou ao algumas Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 23 política que tinha existência. Face à realidade, tida devia-se tomar adequadamente. como revolucionaria, posição e intervir No caso de VC e o PCR, os partidos que nós apresentamos, entenderam que o caminho que defendia o PC (baseado em princípios da URSS) não estava dando certo e que ia “degenerando” alguns marxismo-leninismo. princípios Foi do nessa conclusão, que mais cedo ou mais tarde, as duas se inclinaram por se alinhar com o PCCh. Cabe assinalar que, mesmo como eles ressaltam, a questão da via armada ou pacífica era uma das questões principais que os dividiu inicialmente das organizações mãe. Porém, as duas adotam via armada com mais ou menos ferramentas teóricas para distinguir entre tática e estratégia, de modo que nas eleições gerais obrigatórias no período estudado (até a ditadura de 1976), vão sempre chamar para o voto em branco ou nulo. Referências ARENDT, Hanna, Sobre la revolución. Alianza editorial, 2006. BALVE et al. Lucha de calles, lucha de clases. Buenos Aires: Ediciones La Rosa Blindada, 1973. BRENNAN, James. El Cordobazo. Buenos Aires: Ed. Sudamericana 1996. ______.; Mónica GORDILLO. Córdoba Rebelde: el Cordobazo, el clasismo y la movilización social, La Plata: Ed. De la Campana, 2008. CLAUSEWITZ, Karl. De la Guerra. Ed. Libro dot.com, 2002. Disponível em: <http://lahaine.org/amauta/b2img/Clausewitz%20Karl%20von%20%20De%guerra.pdf>. Acesso em: 10 mar 2015. ENGELS, Federic. 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Não se trata de um jogo. Qual é a diferença entre uma guerra civilizada e outra qualquer? Se você e eu brigamos numa cantina, não vamos tirar da algibeira um livrinho para ver o que dizem as regras. Diz-se aqui que não se pode usar balas de chumbo; não vejo por quê. Tem o mesmo efeito que as outras. (Reed, 1978: 119). Práticas alcoólicas e violência cotidiana na revolução mexicana Bruno Thomaz Segundo o historiador Paco Ignacio Taibo II, na biografia de Villa, o Violência revolucionária; violência na revolução episódio das “Regras de guerra” também está registrado no jornal El Paso Times. Durante a tomada de Juárez, a E m novembro 1913, Divisão do Norte fez cerca de 700 General prisioneiros de guerra, e houve certa Francisco Villa, a Divisão do comoção na imprensa e entre algumas Norte retomava a Ciudad Juárez para o outras lideranças constitucionalistas sobre lado Consitucionalista. os possíveis fuzilamentos e execuções Depois da reorganização pós-combate, o que poderiam vir por parte de Villa. estabelecimento da nova “capital do Porém, dentre as centenas de capturas, villismo” contaria com a legitimação da são decretados apenas o fuzilmento de 11 visita do prefeito de El Paso - cidade oficiais - 6 oficiais federais e 5 oficiais texana fronteiriça. E na sequência, o colorado. 17 reconhecimento viria de outra autoridade tempos estadunidense. Presente à cobertura da remoendo as “Regras de guerra” do Revolução, documento de Haia, justificava suas comandada do Exército o de pelo jornalista John Reed registrou o episódio assim: O General Hugo L. Scott, que comandava as forças americanas em Fort Bliss, remeteu a Villa um folhetim com as ‘Regras de guerra’ adotadas pela Conferência de Haia. Villa passou várias horas esquadrinhando o folheto, que o interessou e o divertiu muito. Disse:-Que é a Conferência de Haia? Havia algum Reed registra ainda que, depois, o general, ainda escolhas da seguinte forma: “[sobre os colorados] São peões como os 17 Colorados: originalmente, pelo Partido Liberal Mexicano, mas que, descontentes com a lentidão da causa agrária no governo de Madero, os batalhões mobilizados tomaram o lado dos antigos federais. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 26 seja um corrompido. [...] [e sobre os tipo de formación exigía confiar en el valor y la iniciativa del soldado individual, además de que también simplificaba el entrenamiento básico. (Salmerón, 2013: 7-8). federais] São homens educados e devem Salmerón revolucionários e nenhum peão deve estar contra a causa da liberdade, a menos que demonstra como a saber o que fazem.” (Reed, 1978: 119). natureza de formação dos exércitos Tal raciocínio não se aplicava as baixas revolucionários patentes, que na maioria das vezes eram superioridade sobre os corpos federais. anistiados, e até, em muitos casos, Hans Werner Tobler (1971), analisando o incorporados às filas da Divisão. exército revolucionário como insituição Para garantia certa a lógica da em si, apresenta outros aspectos; como as revolucionária, antes é contradições entre garantir as demandas necessário perceber a estratégia militar sociais e atender a interesses mais por trás dos revolucionários. Pedro imediatistas por exemplo. violência entender lhes Salmerón define: Cruzando La Revolución mexicana se libró cuando el paradigma dominante en el pensamiento militar concebía la guerra como acto de violencia para imponer la voluntad, mediante el máximo despliegue de fuerzas, lo que implicaba la total fuerza política, económica y militar de un Estado. Los objetivos de este despliegue de fuerza eran políticos en última instancia. Sobre esta concepción de la guerra hay una serie de tácticas generalmente aceptadas en víspera de la Primera Guerra Mundial, que derivan de la generalización del uso del fusil rayado de retrocarga, con tambor o revólver que permitía disparar seis u ocho balas antes de volver a cargar. Las armas usadas durante la Revolución mexicana, [...] tenían un alcance efectivo de hasta 3000 metros para el fusil máuser v7 mm de infantería y hasta 2 000 para la carabina 30-30, dominante en la caballería. Si a la eficacia del fusil le añadimos la introducción de la ametralladora, entenderemos la potencia de tropas de voluntarios irregulares y de la formación dispersa, sobre la infantería federal, cuyos mandos no terminaban de asimilar las nuevas realidades de la guerra. Este os dois autores, podemos concluir que os exércitos revolucionários, e seus membros, são forjados no próprio processo, não carregando uma lógica militar em si. E foram eles a instituição básica que garantiram a Revolução, antes que qualquer outra de cárater político. Dessa maneira, as lideranças militares revolucionárias também obedeceram a essa premissa; salvo uma ou outra exceção como o general Felipe Ángeles, ex-militar de carreira. A violência empregada durante e após as campanhas revolucionárias partiam de um modus operandi em formação. As condições conjunturais e os ransos com o regime porfirista eram os ponteiros principais a Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 27 determinar o que fazer com o inimigo. À medida que o tabuleiro revolucionário foi fraturado, esse processo Beber: prática apreciada, vício indesejado se complexificou; e esses procedimentos A formação do cenário etílico para lidar com a violência seguiram mexicano é anterior ao contato com o linhas distintas para cada facção. A fim mundo de batalhões europeus. Segundo Sonia Mancera, os constitucionalistas de Manuel Diéguez e usos do octli - nome do pulque em exemplificar, Francisco os 18 Múgica, os espanhóis, os geral, nahuatli - se dão em 3 dimensões: o uso soldados religioso, a embriaguez ritual (tlauana); adversários mesmo após a tomada da como bebida popular, o uso profano, e praça em questão; a Divisão do Norte de em muitos casos, condenado como abuso; Villa fez prisioneiros, mas por outro lado, e finalmente como bebida fatal. A autora tiveram expõe como há dois espaços de consumo exterminavam todos conduta em externo, os duríssima para os considerados traidores. da bebida: o pulque envelhecido, de alta Contudo, sem dúvida, a violência fermentação, destinado ao uso ritual, México, anos onde se entendia a borrachera como revolucionários, não se restringia entre os momento de possessão do corpo pelos grupos militares distintos, em combate, deuses; e o uso cotidiano do huitztli ou após ele. Em um cotidiano belicoso, e (nesse contando com milhares de homens fermentação) como complemento da armados, a violência também estava alimentação, presente no dia a dia, mesmo entre medicinal. A ingestão do pulque “ritual” aqueles que defendiam a mesma causa ou fora de situação é percebida como bandeira. de problemática não por conta da perda da violência entrarão em cena a partir da razão, mas sim pela transgressão da influência de fatores como o consumo norma. A sociedade azteca construía alcoólico e a defesa da honra e da socialmente os espaços de permissividade valentia. da embriaguez, seja religiosa – a Izcalli no durante Porém, outros os tipos caso o ou pulque mesmo de em baixa forma (festa do deus do fogo), seja profana – a 18 Os dois são protagonistas, no estudo de caso de Salmerón. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 28 Ixcozauhqui - bebedeira irrestrita dos “defeitos” dos indígenas: a “boa medida” dos europeus lhes permitia fazer (Mancera, 1991). Com conquista bom que se complementos da dieta, e até mesmo o conformaria colonialmente como Nova uso sagrado, como no caso do vinho Espanha, do representativo do sangue de Cristo; cristianismo católico ao “novo mundo”. enquanto que os nativos usavam-se das Segundo Alexandre Varella, chegando ao bebidas continente americano, os missionários embriaguez e festejo, e dessa forma, viram não só nas idolatrias e religiões como nativas a presença do diabo, mas também diabólica. Varella reforça esse aspecto as práticas embriagantes pareciam a eles distinguidor e avança na direção de que manifestações (Varella, os religiosos, no entanto, souberam Porém, sem dúvida houve um decantar as possibilidades de atribuição espanhola 2013). do a território vieram os catequistas demoníacas uso dos apenas fermentados como manifestação como forma da práticas de presença conflito - interno a suas concepções - de medicinal das alcoólicas e como lidar com a situação. Afinal, o alimentícias nativas, e perceberam e consumo do vinho era comum aos ressignificaram estas. Separando, desse espanhóis, e destacadamente entre os modo, quando da embriaguez puramente, religiosos. Estes ocupavam lugar na e quando da possibilidade de alguma produção das bebidas, e tinham nessas, finalidade útil à vida cristã. fontes importantes de nutrientes, tendo Avançando a outras dimensões em vista a dieta da época moderna, e as dessa relação, William Taylor (1979) restrições de jejum do mundo monástico. ressalta a centralidade do ato de beber nas Mancera destaca como a legitimação, e a sociedades indígenas no México pré- respectiva deslegitimação, do uso e hispânico. Para o período colonial, sua consumo de bebidas de tipo embriagante análise ressalta a inter-relação entre fez-se através da distinção racial. De bebida alcoólica - no caso, pulque - e religiosos violência, esta configurada em duas justificavam a diferença de relação dos formas: homicídio e revoltas camponesas. dois povos com as bebidas alcoólicas A cultura de consumo desta bebida está através das “qualidades” dos espanhóis e intimamente ligada à própria jornada de como os pensadores Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 29 trabalho em si. Sendo assim, os membros disparado a partir do consumo alcoólico, da família que se dispõe no trabalho excessivo ou não. Como demonstra cotidiano da agricultura são os que terão Taylor (1979), esse disparo se dá em duas a ingestão do pulque como rotina. Além direções: de ocupar uma função, em certa medida, sobretudo, em homicídios, vista a partir ritual, o pulque tem uma posição bem do olhar penalizador espanhol como delimitada na labuta diária do camponês oriunda dos excessos alcoólicos - a indígena do México central e do sul; é borrachera - dos indígenas; e a forma como dar relacional dos aborígenes com a bebida continuidade a jornada de trabalho. E amarrando o consumo desta com revoltas como sua produção é dada de maneira camponesas nas vilas bastante artesanal, muitas vezes, a sua mexicanas. Segundo o ingestão acontece em direção ou ao longo exaustivo levantamento documental, o do espaço de realização das tarefas alcoól consta como motivador de 26,7% campesinas. dos homicídios do México central em um estimulante para Uma vez posto os aspectos da dimensão demarcadas consumo produtiva as da suas como bebida, criminalidade, traduzida, coloniais autor, em meados do século XVIII. Porém, se se e amplia o olhar para crimes além do de homicídio, esse percentual pode subir a atividade 60%. Mesmo que em muitos casos o fronteiras uma a essencialmente masculina, dada a relação motivador atrelada a certas modalidades do mundo resvalar para outros aspectos, o álcool, tal do trabalho, podemos passar aos aspectos qual os seus excessos, está presente, do conflito para o México colonial. Para como no caso de cobrança de dívidas ou além do da rinha de galos, por exemplo. A dureza espanhol da vida colonial para o indígena comum das simbólico dispustas entre o no âmbito mundo da criminalidade estabelecido na colonização do território hiperdimensiona americano refúgio no alcoól como espaço do lazer e e os entendimentos cosmológicos nahuas e mayas do uso a possa possibilidade do desafogo de seus problemas. dessas bebidas, há, durante o período Para a esfera da revolta, George colonial, na Nova España, as dimensões Rudé (1991) nos demonstra que a lógica mais brutas e mais cruas do conflito especulativa, ou se quiser, a lógica do Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 30 armazenamento, é contra a lógica tradicional camponesa. E como dessa que disputam espaço pela permanência e sobrevivência dentro do mundo colonial. forma, esse encontro de lógicas distintas A dimensão conflitiva do pulque, de funcionamento e organização pode ser melhor dizendo, sua capacidade como um e, catalisador de conflitos, no entanto, não é sobremaneira, revoltas no mundo rural. Já exclusividade do período moderno, ou do Thompson o México colonial. No século XIX, o da México já independente ainda teria nas multidão, nos recorta como ocorre a práticas alcoólicas ligadas a esta bebida reação das populações camponesas às um espaço de disputa e embate. A fins do imposições externas, quer de taxações, século, passara a ser tema de preocupação quer de outras normas de ordenamento os altos índices de alcoolismo no alheios ao mundo camponês. Os dois perímetro urbano. Los científicos, grupo autores respectivamente, que dava suporte político e molde França e Inglaterra, no entanto são caros ideológico ao regime de Porfírio Díaz, a entender este contexto mexicano. O começam uma caça às pulquerías do levantamento do estudo de Taylor (1979) distrito federal. Tendo em vista uma somado a esses modelos analíticos da reforma sanitária que higienizasse a violência coletiva pode nos facilitar a capital mexicana, eles tinham em conta compreensão esses detonador conceito de (1991), de conflitos desenvolvendo “economia analisam, de como moral” a regulação espaços como antros da externa espanhola, quanto ao pulque e degeneração da raça mexicana. Segundo quanto a bebida de maneira geral, pode Claudia Agostoni, Julio Guerrero e outros ser na intelectuais da elite viam esses lugares em como obstáculos à civilização do México. protestar. É claro, que o protesto do A autora ainda levanta que, na virada camponês mexicano ao longo da época para o século XX, o número de colonial não se faz pelo simples fato de pulquerías por habitante é 30 vezes poder beber como melhor lhe aprouver. superior ao de padarias, por exemplo Mas esse se trata apenas de um indício (Agostoni, 2003). uma mobilização variável dos importante camponeses importante do choque dos modos de vida Como ressalta Agostoni (2003), entretanto, esse processo de Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 31 modernização e higienização da cidade bebidas produzidas localmente, embora do México se dá de maneira dual: uma prevalecessem como as bebidas mais cidade para as elites, e uma cidade para populares o pulque, a tequila e o mezcal. as classes populares. Tal qual a divisão Por outro lado, a cerveja, como a autora social do espaço urbano segundo a demonstra, condição de classe, as políticas quanto às consumidores mais abastados, uma vez práticas alcoólicas também encontravam que a produção local era artesanal e caminhos distintos por esse mesmo pequena, e a maior parcela do mercado preceito. As perseguições aos espaços de pertencesse às importadas de Estados embriaguez eram às pulquerías, o espaço Unidos, Alemanha e Grã Bretanha. O de socialização - e embriaguez, é claro - processo, no México, de substituição de dos populares. Por outra lado, a política importações, e de inversões de capitais de taxação, outra forma de coibir o nacionais, para o caso da indústria alcoolismo, igualmente recaía sobre o cervejeira, é justamente a fins do século pulque, a tequila e o mezcal, enquanto XIX e na primeira década do século XX. que percebida Além de várias pequenas e médias tributariamente na categoria de “não- cervejarias espalhadas pelo país, quando alcoólico”, por não superar a graduação do levante maderista em 1910, já existe alcoólica de 6% (Méndez Reyes, 2004). um barateamento do produto no mercado E nesse sentido, é importante lembrar local a partir da produção de grande porte que, somente ao longo da primeira das cervejarias Cuathemoc, Moctezuma, década do século, essa bebida passa a Toluca e Chihuahua. Com o acesso mais figurar dentre as práticas de consumo fácil ao produto, a cerveja ganha espaço alcoólicas das classes populares. Até a no gosto dos mexicanos, principalmente virada do século, o consumo da cerveja nos estados do norte (Recio, 2004). a cerveja era está restrito às elites. Conforme era reservada aos Sendo assim, durante os anos levantamento de revolucionários, além das três Gabriela Recio (2004), para as décadas tradicionais bebidas mexicanas, a cerveja anteriores à Revolução, havia um vasto se agrega no quadro de consumo. A dura rol de opções para as práticas de realidade das batalhas resguadará ao sociabilidades alcoólicas e dezenas de álcool como a mais acessível e barata Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 32 forma de prazer e descontração. Para do Norte, encontramos duas situações enfrentar exemplares dessas possibilidades. as longas jornadas dos deslocamentos de tropas e, muitas vezes, Um dos pontos perniciosos da o frio e a neve, algumas doses de tequila embriaguez de oficiais é que, oficiais ou aguardente eram provisão básica. No carregam informações especiais, e no entanto, pelos estado alterado, podem revelá-las a quem revolucionários não estava condicionado não interessa. Taibo II relata um ocorrido simplesmente por uma lógica utilitária. desse tipo. O major Rafael Mendoza, dos Podia ser um refúgio para as desolações Dorados, da campanha revolucionária ou mesmo revelou ao general inimigo a localização um vício de consumo. Os seus excessos da munição que Villa mantinha escondida não eram incomuns e, tal qual nos para usar na próxima campanha. Com a períodos revelação, foi libertado e fugiu para os o uso do anteriores, alcoól a embriaguez causava problemas. As lideranças 19 foi capturado bêbado, e Estados Unidos. O fato não seria tão das facções singular não fosse o antecedente. revolucionárias, não só tinham que Mendoza só obtivera tal informação, por orientar militarmente, como também ocasião de uma bebedeira com Martín tinham a López, membro do Estado-maior (Taibo integridade de seus combatentes. Porém, II, 2007). No entanto, se a entrega da quando se tratando dos abusos do alcoól, munição em muitos casos, o próprios generais exército adversário é um forte golpe para eram os protagonistas. Não são poucas as um grupo revolucionário, igualmente situações registradas pela imprensa, pela complicado é a perda de homens de literatura, e pelas memórias e biografias comando em véspera de batalha. outras preocupações com guardada em segredo ao de veteranos, onde os oficiais de alta Podem não ter sido poucas as patente estão envolvidos em bebedeiras, e vezes que generais se embebedaram nas suas respectivas consequências. Os prestes a combater. Porém, nenhum caso destemperos ébrios podiam resultar em é tão espetacular quanto o do general distintos efeitos negativos do ponto de Rodolfo Fierro. Um dos homens fortes do vista militar. Usando o caso da Divisão 19 Dorados: corpo da guarda pessoal do Gal. Francisco Villa. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 33 villismo, não só era um dos generais mais dos melhores relatos aparece em conto de fiéis, como também trata-se de uma das Rafael Muñoz: “Oro, caballo y hombre” mais importantes e eficientes lideranças (Taibo II, 2007: 535-536).20 militares da Divisão do Norte. Depois das Porém, essa versão não é consecutivas derrotas em El Bajío, e da unânime. O historiador Rubén Osorio 21 queda de Aguascalientes para o avanço discorda radicalmente. Para ele, Muñoz e, do Exército Constitucionalista, Villa sobretudo, a imprensa construiram um tentaria uma manobra deseperada em factóide baseado na imagem pública e salvar as forças da Convenção, atacar em nos antecedentes de Fierro. Segundo Sonora, a grande base da Divisão do Osorio, não se trata de absolvê-lo de seu Noroeste, de Obregón. A maior parte das alcoolismo, mas sim da seriedade de fatos tropas já se reunia no local marcado anteriores. Através do cruzamento de como concentração para a campanha. informações colhidas em pesquisa em Dentre os que faltavam, a brigada de história oral, sustenta que, pouco tempo cavalaria de Fierro. Fazia frio, e o general antes usava a tequila como substitutivo ao repreendido muito fortemente, e inclusive cobertor. Liderando a vanguarda da ameaçado brigada, alcançaram La Laguna de los irresponsáveis quando bêbado. da campanha, Fierro Villa por havia seus atos Morrones, e Fierro já embriagado não Esses são dois bons exemplos dos quisera dar a volta na laguna, mas cruzá- infortúnios que os excessos alcoólicos la. Meteu-se montado na água, a égua podiam afundou. Saiu nadando e pediu outra revolucionário - nesse caso, também ao montaria. Tentou uma vez mais e acabou exército federal. Essas ocasiões não eram afogado, bêbado e afogado. A Divisão do excepcionalidade da Divisão do Norte. O Norte perdera um de seus principais próprio Luis Herrera, aliado de primeira generais às vesperas de uma última época, e há muito considerado traidor, tentativa de reabilitar a Convenção. Não morrera embriagado em combate, por haveria momento pior. O evento está balas villistas. Contudo, tendo em conta registrado nas memórias de causar a um exército Adán Mantecón Pérez, dentre muitos outros que escreveram sobre a Revolução. Um 20 O autor realiza também um balanço dessas e outras fontes a respeito da morte de Fierro. 21 Entrevista concedida no dia 18 de março de 2015. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 34 esses prejuízos, medidas eram tomadas É provável que o alcance das leis para cessar ou remediar a embriaguez secas villistas não fosse total. Além do já dentre os revolucionários. Pancho Villa, mencionado Fierro, Tomás Urbina era apesar de abstêmio, não tinha nenhuma outro de seus generais mais próximos e, inclinação ou sua fidelidade a Villa era tão grande antialcoólica. Mas como líder militar, quanto a sua fidelidade ao alcoól. Assim conhecia bem os malefícios que o álcool como, em seu Estado-maior havia outros causava a seu exército. Portanto, em não alcoólatras. As proibições eram um raras vezes a proibição esteve presente controle e obstáculo aos excessos que em áreas do villismo. Assim como as causavam perdas humanas e, mais que suas penas, a amplitude de tais proibições isso, uma garantia de sobriedade em variava segundo a época e local. Em momentos-chave, do ponto de vista novembro de 1913, na retomada de militar. A conquista de uma cidade não Juárez, Villa ordenou a destruição de estava encerrada em si própria, havia de todas as bebidas embriagantes da cidade; se assegurar a sua manutenção enquanto os os reforços dos derrotados pudessem tentar a comerciantes e donos de bar. Na tomada sua retomada. Tal cual, as vésperas de de Torreón, em abril de 1914, édito que batalha prescindem de mais comentários. proibia ingestão de bebidas alcoólicas, Por outro lado, Pancho também sabia que com pena de morte a quem violasse. Em buscar a aplicação permanente destas julho de 1915, nova lei seca, pena de medidas seria o mesmo que desmobilizar morte a quem vendesse bebida alcoólica sua base social e, assim, seu exército. afetados moralista, foram religiosa basicamente em Durango e La Laguna, territórios que Da mesma forma que o consumo estava usando para reagrupar a Divisão alcoólico e a embriaguez não eram do Norte. Na conquista de Músquiz exclusividade da Divisão do Norte, as (Coahuila), já em dezembro de 1919, nos tentativas revolucionárias em controlá-los últimos suspiros da luta, foi ordenado o também não fôra. Nas palavras de Jesús fechamento dos bares e a pena de morte Méndez Reyes: aos soldados que se embebedassem (Taibo II, 2007: 216; 315; 518; 698). Entre los primeros revolucionarios que decretaron el cierre de expendios alcohólicos estuvo Salvador Alvarado en Yucatán, en diciembre de 1915, con su ‘guerra relámpago’ contra el peonaje, la Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 35 prostitución, el juego y el alcohol. Seguirían los gobernadores Plutarco Elías Calles en Sonora, Francisco Múgica en Tabasco y Venustiano Carranza en Veracruz y D.F., entre 1916 y 1919. (Reyes, 2004: 6). Múgica e Alvarado haviam participado da greve da Cananea - 1906, Baja Califórnia -, e atuaram junto ao Partido Liberal Mexicano e as influências do magonismo. Desse modo, carregavam as idéias do anti-alcoolismo do movimento proletário, que via no alcoól a degeneração da classe operária, e um aliado a continuidade da exploração de classe. Dentre as quatro leis secas mencionadas, todas se deram baixo a bandeira do Consitucionalismo de Carranza, no entanto, apenas a de Alvarado (Fallaw, 2002) encontrou ressonância para se extender no tempo, na qual foi central a participação do revolucionário local Felipe Carrillo Puerto. As proibições anti-alcoólicas, quer as temporárias, com o pragmatismo militar de Villa, quer as permanentes, como política social dos consitucionalistas, não tiveram êxito em lutar contra seculares. culturas de consumo Honra e alcoól: conflito perene O jornalista John Reed (1978), em outra passagem de México Rebelde, narra a ocasião de um duelo, por conta de uma disputa sexual. Na sua estadia em um povoado tomado por revolucionários, antes de retornar ao hotel, se deparou com o encontro de um capitão, em seu automóvel, e um jovem oficial, a cavalo, em uma rua, por onde os dois seguiam na mesma direção. Ao se reconhecerem, um pergunta ou outro o seu destino, e descobrem que ambos vão ao encontro da mesma María. discussão, a Após conclusão uma pequena óbvia: não poderiam os dois cumprir sua intenção, o capitão então sugere uma forma de solução da questão. O chofer iluminaria a rua usando os faróis do veículo, eles dariam 30 passos em sentidos contrários, e o próprio chofer contaria até três. O primeiro a acertar o chapéu do adversário com um tiro seria o vencedor. O capitão levou a melhor na disputa, e pôde ir ao encontro de María (Reed, 1978). A narrativa não deixa totalmente claro, mas o diálogo indica que havia alguma relação de camaradagem entre os dois. Para tanto, não precisavam se sujeitar a uma resolução mortal; o duelo tinha sido Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 36 uma saída razoável encontrada pelo maioria soldados voluntários à causa militar. revolucionária Os entreveros em torno 22 , antes de vencerem da alguma batalha, além do próprio esforço conquista de mulheres, aparentemente, do enfrentamento militar, enfrentavam estavam bastante presentes. Mariano largas jornadas de deslocamentos, muitas Azuela, na sua novela da revolução, Los vezes, longe das melhores condições. Ao de Abajo, passa algumas vezes por fim da mesma, ansiavam por algum episódios deste tipo ao longo da história. momento de prazer. Alguns tragos de Embora se trate de uma obra ficcional, a tequila ou mezcal, e afloravam as experiência de Azuela como médico de necessidades de provar quem era mais campanha nos batalhões do general Julián homem; conquistar a moça desejada, Medina, garante que a redação dos ainda que fosse preciso dar uns tiros. A personagens e cenários adquira traços presença do elemento etílico podia etnográficos. Diferentemente do caso potencializar o nível de violência dessas apresentado por Reed, na novela, assim pelejas. Contudo, tal potencialidade da como em vários contos, a tônica das embriaguez para suscitar a desonra e atos disputas não é tão singela. Em geral, o violentos é quase tão longeva quanto a momento pós-vitória em combate, além própria produção e consumo de bebidas do deleite aos butins mateirais, seria o alcoólicas. das diversões, dentre elas, o disfrute Segundo David Mandelbaum: sexual. Soma-se a isso o consumo de bebidas alcoólicas: tequila, There are a great many substances that men have learned to ingest in order to get special bodily sensations. Of them all, alcohol is culturally the most important by far. It was anciently the most widespread in use, the most widely valued as a ritual and societal artifact, the most deeply embedded in diverse culture. (Mandelbaum, 1965: 281). mezcal, cerveja, aguardente. O ponto de contato entre: a comemoração do sucesso militar, a embriaguez, e o afã sexual, é motivador de muitas brigas. Muitas vezes, até Desde as mais antigas sociedades mesmo entre membros de um mesmo grupo militar ou facção revolucionária. Em certos casos, terminando em morte. Há de se entender o que está por trás disso. Esses homens, na sua grande humanas sedentárias, a produção de 22 Salvo a exceção da Divisão do Noroeste - do estado de Sonora - do Exército Constitucionalista, que desde cedo criou um processo de profissionalização, havendo soldo regular para as tropas. Cf. Salmerón (2013); Tobler (1971). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 37 bebidas alcoólicas é e Por outro lado, na Odisséia, a registrada. Receitas e o próprio preparo embriaguez servirá como ferramenta a de formas rudimentares de cerveja estão Odisseu para retomar seu trono, sua grafadas no Código de Hamurábi, nas esposa e seu lar, após a longa jornada de pirâmides antigas retorno à Itaca. Chegando de volta à ilha, inscrições chinesas. E, tal qual, tão antiga o herói, punido pelos deuses por sua quanto, é a ritualização do consumo arrogância, destas bebidas, assim como as restrições irreconhecível para seus antigos súditos. a seus excessos. Porém, com a ajuda de Atena, lança mão egípcias A e conhecida em embriaguez como de um tem plano a para aparência expulsar os depreciadora da honra está construída pretendentes de sua casa: um desafio de alegoricamente em textos clássicos de precisão com o arco, onde o vencedor algumas das sociedades antigas. Os desposaria Penélope e assumiria o trono. hebreus usaram a bebedeira de Noé para Antes do desafio, ainda um outro apoio: redigir a maldição de Cam: seu filho oferece um banquete, com Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se, e se pôs nu dentro da sua tenta. Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então Sem e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre seus próprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos desviados, cobriram a nudez do pai, sem que a vissem. Despertando Noé do seu vinho, soube o que lhe fizera o filho mais moço, e disse: Maldito seja Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos. (Bíblia: Gênesis, cap.9, versículos 20-25). A desonra não está presente no muito vinho, aos pretendentes. Com todos embriagados, o único digno e capaz de executar a tarefa é o próprio Odisseu, um ignoto a todos até o momento do êxito. Assim, retoma a coroa, e expulsa seus rivais. Se avançarmos alguns séculos no tempo, e cruzamos ao outro lado do Atlântico, encontraremos outro exemplo emblemático em um dos mitos excesso alcoólico em si, pois Noé, uma fundadores vez nessa condição, se retirou a sua Quetzalcoatl, privacidade. Mas sim, na falta de zêlo de criação da humanidade, sofria com a Cam por um dos seus - no caso, seu inveja de outros deuses menos adorados. próprio pai - no estado de embriaguez. Por conta disso, em uma das principais da deus sociedade responsável azteca. pela festividades, Quetzalcoatl fôra enganado Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 38 e induzido a tomar pulque em excesso. só Uma vez embriagado, saiu nu pela imperante para tais situações. Contudo, cidade, e depois, se deitou com sua irmã. como destaca Pablo Piccato (1999), Ao enquanto instituição social, o duelo dia seguinte, envergonhado e no México, foi a modalidade desonrado perante sua grande criação – estaria de modernizador à européia. As elites vontade própria, os homens marcharam rumo ao exílio no leste. Partindo dessa ideia, passamos aqui por três exemplos onde sociedades abertamente com ideário Porfírio Díaz pôr o México no mapa do [...] aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. (Campbell, 1990: 6). conviviam no mexicanas, que viam seu mandatário Segundo Joseph Campbell: que embainhado o consumo alcoólico cotidiano, expressam através de suas mitologias a reprovação aos excessos etílicos, e a conseguinte causa da desonra. Estes mitos são histórias que servem para ensinar os homens que não há problema em tomar vinho - ou o pulque, no caso azteca -, no entanto, quando bebido de maneira desmedida, isso leva os homens a atitudes indignas, que os leva à desgraça perante mundo civilizado, miravam-se nos seus equivalentes franceses e alemães, e a partir de aí, a ânsia por ter uma forma ordenada e sóbria de resolver suas diferenças entre si, não abdicando da violência. Piccato aponta que os códigos do duelo estão partilhados, basicamente, entre militares, políticos e jornalistas. Porém, isso não quer dizer que somente os homens das elites têm honra. Embora tais códigos de conduta possam ser distintos, os homens das classes populares também têm razões pelas quais zelar, e, inclusive, usar da faca ou do tiro, se preciso, para defendê-las. Seja de qualquer um dos dois estratos, verifica-se que os elementos detonadores de um conflito, guiam-se por três eixos centrais: seus pares. A resolução violenta de conflitos pela manutenção da honra não é uma invenção da Revolução. Durante o século XIX e início do XX, o duelo, e isso não a virilidade, a imagem das mulheres do grupo familiar, e a posição social. Desde uma discussão no parlamento a um desentendimento entre bêbados numa cantina, alguma declaração que coloque Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 39 em xeque algum destes pontos, pode, e prática em Chihuahua. É provável que a deve, causar que o agredido defenda a aura do encontro de Aguascalientes desse integridade de sua honra pelas armas. E, um cárater mítico ao nascimento do ainda que não se trate de um pressuposto “jogo”; talvez um recurso literário de obrigatório, Muñoz. a presença de bebida Além disso, o veterano alcoólica é recorrente como agravante revolucionário Adán Mantecón Pérez, em nessas situações. Se voltarmos a Taylor, suas memórias, Recuerdos de un villista: veremos também, que já durante o mi campaña en la revolución, relata uma período colonial, o alcoól funcionava prática como catalisador do caminho que leva da variantes, os jogadores tomam diversas agressão à honra à agressão física - doses de bebidas alcoólicas até ficarem incluindo homicídios. “no ponto”, quando se Partindo toritos. Nessas colocavam ao redor de uma mesa, e um deles puxava esteja sua pistola engatilhada e a girava no dedo esgotada a existência do duelo, surgiria até que disparasse. Essa versão também uma original insituição da resolução de parece estar presente em toda área de conflitos, a chamada: “Loteria da morte”. jurisdição villista. embora o o período revolucionário, para parecida: não O cronista e memorialista chihuahuense Há ainda uma boa representação Ignacio Muñoz, em Verdad y Mito de la cinematográfica Revolución sua produção de 1936, Vámonos con Pancho criação na Convenção de Aguascalientes. Villa!, de Fernando de Fuentes. O filme Segundo o relato, nos momentos de é uma adaptação de uma novela de Rafael descontração e folga durante as reuniões Muñoz, autor, já antes mencionado, de da Convenção, Rodolfo Fierro e outros alguns dos contos mais ricos sobre a generais villistas tomavam cerveja, até o Revolução no norte do país. A cena trata momento que algum lançava a pistola da engatilhada para o alto e, na queda, o protagonistas em um grupo dos Dorados disparo escolhia o perdedor. Taibo II - a guarda pessoal de Villa -. Com a (2007) discorda de Muñoz sobre o incorporação dos novos membros, o momento de criação, segundo ele há grupo passa a somar 13 integrantes, e por registros de antecedentes da mesma superstição Mexicana, localiza incorporação de desses de alguns jogos parte na dos membros Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 40 anteriores, o número traria azar. A envolvidos, como apenas mais uma maneira de resolver a questão seria deixar forma de diversão, ao lado do baralho, que a sorte selecionasse o mais covarde das apostas, touradas e brigas de galo; era do grupo, para ser eliminado. Poderíamos central para sua adesão um desafio. Uma dizer que, a modalidade apresentada, vez seria uma mescla das duas citadas: loteria deviam provar sua macheza também fora da morte e toritos. No entanto, tampouco do campo de batalha. É como se devemos ver tais práticas de maneira tão houvesse formatada entre compartilhado cavalheiros na virada do século. O modus Aguascalientes operandi desses jogos mortais, segundo palavras, do centro à fronteira norte), que as análises dos registros existentes, é bem dissesse: a bala elege os covardes. Sendo mais adaptável segundo a situação e o assim, não se apresentar ao jogo era estado jogadores. demonstração de fraqueza, medo e Retomando a interpretação dada pelo desonra, perante seus colegas de armas. filme, os 13 dorados se abraçam a volta E, apesar do estado de embriaguez, o selo de uma mesa, de modo que não fique de nenhum vácuo entre eles, apaga-se a luz, negativamente na hora do combate. quanto ébrio um de duelo seus os revolucionários um tais alcoolizados, código entre a de honra eles, desde Juárez atributos (em poderia outra pesar e finalmente, um deles lança a pistola engatilhada ao ar. É interessante, como tal representação está bem fiel ao que se encontra nas fontes literárias Considerações finais e No memoriais. Igualmente, é importante salientar, como, tanto nessa reinterpretação, quanto em tais fontes, está presente, para descrever essas práticas, a bebedeira excessiva e a mais com a guerra revolucionária, durante a década de 1910, viveu-se um cenário de violência institucionalizada. Contudo, em uma sociedade com milhares de homens armados, e cheios de diferenças entre si, provação da valentia. Por México, que, em muitos momentos, a loteria da morte e o toritos figurassem para os seus participantes ali outras escaramuças podiam surgir, mesmo fora do campo de batalha. Quesitos como a provação da virilidade e Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 41 valentia, a conquista de concubinas e amantes, ou ainda, desavenças pela manutenção e ganho de posição social ou de comando, eram principais tópicos detonadores de conflitos. Duelos, as Loterias da morte, os Toritos, ou o simples saque da pistola para atirar no adversário eram os espaços onde estes desentendimentos ganhavam contornos finais. O consumo alcoólico amplamente difundido, assim como a embriaguez desregrada eram fortes detonadores dessas questões, e assim, traziam baixas extra-batalha às diversas facções revolucionárias. Pode-se dizer que a defesa pela manutenção da honra (em seus diversos sub-elementos), cruzada com os excessos etílicos, foi responsável por parte considerável da violência na Revolução, para além da violência revolucionária. 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Em surgimento de primeiro uma lugar, história o da humanidade colocou em evidência a Considerações iniciais perspectiva de que a mulher teria também uma história, que a sua condição de D e acordo com Georges Duby e companheira do homem de reprodutora Michelle (1991), da espécie é menos imutável do que durante séculos, as mulheres parece, que a sua essência aparentemente foram deixadas às trevas pela história. eterna de mulher pode ser submetida a Porém, da múltiplas variações e destinada a uma antropologia, a ênfase dada à família e a vida nova. Em segundo, a revolução afirmação da história das mentalidades industrial - enquanto formação de espaço contribuíram para fazer com que as político mesmas saíssem da escuridão. Além mulheres tornarem-se semelhantes ao disso, indivíduo o o Perrot desenvolvimento movimento das próprias democrático - masculino, permitiu trabalhador às e mulheres e as interrogações insinuadas, cidadão. Assim, elas poderiam romper dentro universidades, com a dependência econômica que as contribuíram para que traços das suas ligavam aos pais ou maridos. O terceiro antepassadas ponto e fora das fossem descobertos e, discutido pelas autoras está sobretudo, para que compreendessem a imbricado com a suposta igualdade entre respeito das raízes da dominação que os gêneros, proposta por uma noção sofreram liberal através do tempo. As baseada em absoluta, uma identidade investigações em torno da história das humana igualitária. As mulheres se tornaram temas relevantes na discussões a respeito das representações historiografia. sobre os seus direitos permeavam em Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 44 torno de circunscrevê-la ou não na coisa diferentes pública, ao espaço doméstico. mulheres. No que concerne reservados às esfera Isso posto, o presente artigo, criminal, as mulheres também foram fragmento da tese de doutorado, objetiva consideras aclamada apresentar algumas tensões existentes docilidade, muito menos capazes de entre as mulheres e as prisões da cidade cometer crimes do que os homens; e do Rio de Janeiro no período aqui quando os comete seria sempre sob a proposto. fruto da à universos tão influência de um homem ou por motivos Destaca-se que as discussões a de paixão. Ao universo feminino não respeito de gênero e/ou feminismo não seria dado o direito à violência, somente foram contempladas. A opção foi posta podendo atingir seus fins maléficos com mesmo a malícia. Não lhes é permitido a prática denunciam a interferência das “vozes” de femininas pelas masculinoas, em uma condutas que demonstram a percebendo que fontes capacidade de inverter o papel social de sociedade inferioridade que lhe é imposto. O uso da discussão é encaminhada na tese em violência por parte das mulheres choca, desenvolvimento. pois demonstra, equivalência dos em verdade, seres na Entretanto, a a O artigo foi dividido em três espécie etapas. A partir da articulação entre as humana. observações encontradas em relatórios No caso específico do Brasil, sociólogos, patriarcal. as educadores, ministeriais e bibliografias, no primeiro antropólogos, entre outros profissionais, momento procura-se compreender um têm estudado casos de mulheres chefes pouco mais a respeito das condições das de prisões família, historiadores, das comissões de visitas, relatórios educadoras, estudantes, do país, particularmente as prostitutas, lavadeiras, cozinheiras, entre encontradas na cidade. No segundo, com outras, envolvidas com a criminalidade. o auxílio de livros de registros de presas, Desta forma, se têm podido comprovar se deseja constatar a presença feminina que é impensável que houve apenas um no interior das prisões da cidade, bem modelo único de mulher ao longo dos como as condições oferecidas. Por fim, a séculos; que não houve tensões entre os partir da análise de dois processos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 45 criminais, os casos de Minverviva e Distanciadas por mais de cem Thereza Cesaria são apresentados a fim anos, as informações contidas nessa de perceber um pouco a respeito das epígrafe mulheres que cometiam delitos, para chocam pela longevidade e atualidade. onde eram encaminhadas e como eram Embora haja várias prisões femininas no tratadas pela justiça do período. país, as condições oferecidas às presas demonstram intrigas que não são favoráveis. Atualmente, o Brasil Lugares para sepultar os vivos. As prisões da cidade do Rio de Janeiro oitocentista dispõe de aproximadamente cinquenta e três penitenciárias femininas, porém centenas de mulheres ainda encontram-se mantidas em delegacias ou carceragens [...] durante a Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Brasil foi repreendido por desrespeitar os direitos humanos em seu sistema carcerário, especialmente por ignorar questões de gênero. Ou seja, é internacionalmente reconhecido que o sistema penitenciário feminino brasileiro é inadequado. O poder público parece ignorar que está lidando com mulheres e oferece um pacote padrão bastante similar ao masculino, nos quais são ignoradas a menstruação e maternidade [...]. (Queiroz, 2015:2). A comissão mandou em nome do “Augusto Senhor,” que muito desejava ver o quanto antes a melhora da sorte desses infelizes presos [...] lugares a sepultar os seus vivos [...] uma síntese da miséria; um lugar de repulsa [...] deve haver a separação entre mulheres, homens e crianças [...] nesse ano de 1850, as mulheres foram finalmente enviadas para um pavimento superior, onde anteriormente funcionava um depósito. Entretanto, esse lugar era acanhado e sujo [...] as prisões da cidade são horríveis masmorras [...] essas instituições brasileiras excedem ao desprezo. (Relatório da Comissão de Visitas às Cadeias Públicas no Rio de Janeiro, 1831; 1850; 1874, 1900: 1, passim). superlotadas. Há reclamações quanto ao acesso à saúde e educação. Casos de carcereiros que se recusam a levar detentas em trabalho de parto para o hospital; médicos que prescrevem remédios controlados a fim de tornar as presas mais dóceis (Queiroz, 2015). Para além desses problemas, nas prisões, as mulheres são as principais vítimas de abandono. No caso do Rio de Janeiro, de acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), apenas trinta e quatro presas, das duas mil cento e quatro, recebem visitas íntimas. Um número irrisório, se comparado aos dois mil cento e oitenta e três homens, dos quarenta mil setecentos e quarenta e seis, que recebem as suas companheiras nas prisões. (Queiroz, 2015). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 46 Segundo Lemgruber a socióloga (2000), a Julita mulher conseguiram elaborar um perfil das detentas no estado daqueles anos. transgressora representa tudo o que a Nesses encontros, as cientistas sociedade rejeita. Ela passa a não ser ouviram queixas diversas, como maus considerada digna de respeito e atenção. tratos, Isso é cultural. É um problema dos ameaçadas de morte por parte de cárceres do mundo inteiro. A expectativa policiais; das péssimas condições desses de uma sociedade machista e patriarcal é lugares. Além disso, constataram que a que a mulher seja dócil e respeite as esmagadora maioria das presas eram normas da família. Ao cometer um crime, negras, analfabetas e moradoras das áreas ela rompe com a sociedade duas vezes e é mais abandonada. Ela é castigada duplamente. Ilgenfritz, 2002). choques carentes elétricos, do Estado estupros, (Soares; A fim de chamar a atenção para as Se o sistema carcerário feminino condições das mulheres encarceradas no atual do estado do Rio de Janeiro é estado do Rio de Janeiro, entre os anos de inadequado, nas décadas finais do século 1999 e 2000, a socióloga e antropóloga XIX sequer existia cárcere para mulheres. Bárbara Soares e a advogada Iara O primeiro só foi inaugurado no ano de Ilgenfritz peregrinaram por diferentes 1942.24 Entretanto, seria um anacronismo instituições do observar o Rio de Janeiro do final do manicômio Heitor Carrilho e hospital século XIX com os mesmos “olhos” do psiquiátrico Roberto Medeiros. Desta presente. andança, com base em um questionário, encarceradas entrevistaram experimentada prisionais, além aproximadamente quinhentas e encarceradas 23 vinte e, nesse e A realidade vivida atuais diferente em é outros pelas da tempos. quatro Segundo o historiador francês Marc caminho, Bloch (2001), a volta ao passado deve significar o desejo por uma história que 23 No período havia em torno de seiscentas mulheres presas em todo o estado. Segundo o levantamento mais recente do Ministério da Justiça, no ano de 2014, o Brasil já tinha a quinta maior população de mulheres encarceradas do mundo: 37.380. De 2000 a 2014, a taxa de crescimento dessa população foi mais de duas vezes superior à dos homens: 567% contra 220% (Lemgruber, 2015). consiga compreender as relações que se deram através dos fatos, problematizações e contextos históricos. 24 No ano de 1942, a primeira penitenciária feminina no Brasil, a Talavera Bruce, foi inaugurada no Rio de Janeiro. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 47 Nesse trajeto, entretanto, não devemos Homens, mulheres e crianças 25 (livres e esquecer de aliar o passado com o libertos), presente, uma vez que as indagações do correcionais dividiam, invariavelmente, presente são o que fazem o historiador os mesmos espaços nos interiores desses voltar-se para o passado. lugares. Revisitar o passado e tentar Os escravos, apenados relatórios e ministeriais encontrar as mulheres encarceradas nas 26 prisões da cidade do Rio de Janeiro, no condições das prisões. período proposto, é um esforço na ministro da Justiça, Honório Hermeto, tentativa de perceber especificidades apresentou algumas inquietações quanto daquela realidade. Nesse caminho, nos às condições das prisões: deixaram pistas a respeito das Em 1832, o deparamos com uma documentação, em sua maioria, produzida por homens. Em uma sociedade patriarcal, as “vozes” das encarceradas eram invariavelmente produzidas pelos discursos masculinos. Para além disso, é tentar entender os motivos que levaram a ministros, chefes de polícia, delegados e diretores de instituições prisionais relatarem descasos quanto à situação das encarceradas sem que resoluções práticas fossem postas em evidência como, por construção de uma exemplo, a penitenciária feminina. Durante todo o século XIX, a superlotação, sujeira, mistura de culpados com inocentes e as precárias estruturas das diferentes prisões eram uma constante no cenário carcerário do país. 25 Este termo implica pautar o recolhimento de sujeitos de idades entre dez e setenta anos. Não está associado à afirmação jurídica de menoridade. 26 Estes relatórios passaram a fazer parte do cotidiano Imperial a partir do surgimento da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, criada pela lei de 23 de agosto de 1821, que estabeleceu um órgão congênere em Portugal, a partir do desmembramento dos negócios que antes estavam sob a competência da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. Com a República, passou a denominar Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Esses relatórios vigoraram entre os anos de 1821 e 1928. Anualmente, os ministros encaminhavam esses relatórios ao Imperador. Com o advento da República, os mesmos passaram a ser encaminhados ao presidente. Continham informações a respeito da tranquilidade pública; administração da justiça - civil, comercial e criminal -; tribunais, juízes e empregados da justiça – Supremo Tribunal Federal, Relações, promotores públicos e ofícios judiciais; polícia e força pública – polícia, corpo policial e guarda nacional -; prisões – Casas de Detenção e Correção, carcereiros, cadeias, calabouço; ofícios policiais diversos; divisão judiciária; estatísticas, contabilidades e orçamentos judiciários e policais. Além desses, havia os anexos em que constavam os relatórios dos diretores da Casa de Correção, chefes de polícias e de outras autoridades. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 48 Em qualquer reforma convém muito considerar que devendo predominar o principio do código sobre o cumprimento da pena [...] sendo raros e mal seguros os estabelecimentos prisionais públicos em que possam trabalhar os galés, torna-se embaraçoso o destino destes presos [...] Entretanto, o estado dos nossos edifícios não permite as separações convenientes, originando serias dificuldades práticas a fiel execução do código penal e as boas práticas [...]. (Relatório do Ministério da Justiça, 1832: 133). Quarenta e dois anos depois, no relatório apresentado à Assembléia Legislativa do ano de 1874, referente ao ano de 1873, o ministro da Justiça, Manoel Antonio Duarte de Azevedo, apresentou também as suas inquietações a respeito das prisões: É péssimo o estado de nossas cadeias. Em geral são fracas, facilitando as evasões; sem capacidade, não se prestando ás divisões exigidas pela Constituição; mal construídas, não reunindo as condições de salubridade, nem de asseio. A sua reforma prende-se á reforma penitenciária. (Relatório do Ministério da Justiça, 1874:56). Sete anos depois, o ministro Manoel da Silva Mafra sugeriu melhorias urgentes nas prisões. Clama-se incessantemente pelo melhoramento das prisões, cujos estados nada tem de lisonjeiros, com excepção de mui poucas, que se acham em condições menos desvantajosas. Não pode haver aspiração razoável [...] nada justifica a lentidão com que temos procedido neste assumpto. (Relatório do Ministério da Justiça, 1881:56). Ao direcionar o foco para as prisões da cidade do Rio de Janeiro, 27 podemos detectar uma situação não muito diferente das apresentadas por esses ministros. Os autos de visitas da época ajudam a compor um panorama da situação: as prisões eram “[...] escuras, alagadas, fétidas, focos de doenças, frias e condenadas a sepultar os seus vivos” (Comissão de Visitas, 1831:12). 28 Até o ano de 1856, quando foi inaugurada a Casa de Detenção,29 a prisão do Aljube30 27 A partir da década de 1830, a cidade do Rio de Janeiro passou a contar com três tipos de prisões: eclesiásticas, militares – Fortes de Santa Bárbara e Santa Cruz e os Navios Presigangas - e civis – como o Calabouço, prisão da Ilha das Cobras e a Prisão Municipal. Entretanto, no Brasil, a pena privativa de liberdade passou a ser aplicada apenas após a ruptura política de Portugal, com as reformas penais e penitenciárias. As Ordenações Filipinas, que estiveram em vigor no país até o advento do Código Penal republicano, não previam prisão com pena privativa de liberdade; esse lugar servia para manter o delituoso sob cautela ou custódia até a execução da sua punição; garantir o julgamento dos réus (Ordenações Filipinas, Livro V, Tít. cxxxix). Nos raros acontecimentos em que havia pena de prisão, esta nunca seria superior a quatro meses (Karasch, 2000). 28 A Lei de 1º de outubro de 1828 estabeleceu a criação de comissão para fiscalizar e apresentar relatórios sobre as condições das prisões da cidade do Rio de Janeiro. 29 A Casa de Detenção da Corte, atual Penitenciária Milton Dias Moreira, foi criada para substituir a prisão do Aljube. Embora pudesse abrigar presos condenados, sua principal função era manter detidos aqueles que ainda não tivessem sido condenados ou tivessem cometido pequenos delitos sem pena. Portanto, um lugar de passagem. Entretanto, houve distanciamento entre teoria e prática, pois o lugar, idealizado para ser provisório, Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 49 era a prisão principal da cidade. deveria deixar de punir o corpo para Entretanto, a comissão julgou ser “[...] atingir diretamente a alma do apenado, uma síntese da miséria; um lugar de reformá-lo por meio do dispositivo da repulsa” (Comissão de Visitas, 1850: 2). reclusão, proporcional ao delito. Nesse Para o ministro da Justiça, José Thomaz sentido, o país passou a seguir a forma de Nabuco de Araújo, a prisão do Aljube castigo moderno, baseado em promessas afrontava, “[...] na capital do Império, civilizatórias de ordem e progresso. A sede dos Poderes Gerais e centro da nossa pena privativa de liberdade articulava civilização, os sentimentos humanitários noções que distinguem a população brasileira” civilizatórias; (Relatório do Ministério da Justiça, 1857: conceito de prisão moderna expectativas 172). das mais otimistas da agenda penal Essas “denúncias”, entretanto, não são resultados de uma demanda de castigo, promessas depositando em um ilustrada. Na Constituição imperial puramente humanitária ou do progresso encontram-se determinações para que as que visava tirar o homem da "barbárie" prisões fossem “[...] seguras, limpas, bem das penas corporais, mas reflexo da arejadas, havendo diversas casas para mudança de paradigma efetuada pelo separação dos Estado moderno. Este, por sua vez, circunstancias, e natureza dos seus crimes.” acabou por ser tornar em permanente. A partir da década de 1850, o Rio de Janeiro passou a contar com um complexo prisional composto pelas casas de Correção e Detenção, bem como o Calabouço. Inaugurada no ano de 1850, a Casa de Correção servia para abrigar presos apenados; a Detenção (1856) foi reservada para presos correcionais, como mencionado. Por fim, o Calabouço servia para escravos e escravas. O complexo passou a funcionar na Rua Conde D’Eu, 277 – atual Rua Frei Caneca. (Oliveira, 2014). 30 Fundada no ano de 1732, essa prisão era uma antiga masmorra eclesiástica construída no sopé do morro da Conceição - Rua da Prainha, atual Rua do Acre, centro do Rio de Janeiro -, para onde eram enviadas as pessoas que incorriam em pequenos delitos, como furto, desacato à autoridade, vadiagem, embriaguês, entre outros (Holloway, 2009). réos, (Constituição conforme suas Política do Império do Brasil, 1824, tit. 8, art. 179, xxi). No caso do Código Criminal do Império havia recomendações para que as penas fossem cumpridas em “prisões publicas, que offerecerem maior commodidade, e segurança [...]” (Código Criminal do Império do Brasil, 1830, tít. II, cap. I, art. 48). O Código Criminal determinava que presos e presas deveriam cumprir pena privativa de liberdade pelo “[...] Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 50 mesmo tempo a prisão em lugar, e com desconhecidas, produziram uma espécie serviço analogo ao seu sexo (Código de sombra a respeito dessa população. Criminal do Império do Brasil, 1830, tít. Embora houvesse recomendações para II, cap.I, art. 45, 1º). O termo “análogo” que estava associado “a semelhança ou diferentes proporção” atravessaram (Pinto, 1832: 82) ou houvesse separação presos, as todo entre os encarceradas o século XIX “semelhança; casos análogos” (Silva, dividindo os espaços prisionais com 1789: 103). Termo similar ao que temos outrem. nos dias atuais, ou seja, “que tem analogia; equivalente, Antes mesmo da inauguração da semelhante, Casa de Correção havia denúncias a idêntico” (Dicionário Priberam da Língua respeito de maus tratos às mulheres. Portuguesa, 2013). Vasculhando os documentos existentes Como, então, encaminhar as na Biblioteca Nacional, deparei-me com mulheres para um “lugar análogo” tendo um em vista a não existência de uma prisão endereçada ao então jovem Imperador D. específica para elas? Não houve esse Pedro II. 31 O escritor ou escritora do lugar. foram texto solitica ao jovem monarca que contempladas nesses pronunciamentos, ouvisse as confissões e súplicas relatadas. com tentativas de recodificação do Escrita em sete páginas, não As sistema mulheres prisional. não Embora houvesse manuscrito, numeradas, o que é documento uma carta apresenta determinações para a construção de questionamentos quanto às condições dos prisões seguras, nenhuma prisão feminina presos, o mau uso do dinheiro do foi construída. Quatrocentos e quarenta e Império, as obras prometidas e não dois anos se passaram, desde a chegada realizadas na instituição; os uniformes dos europeus, para que a penitenciária feminina do Talavera Bruce fosse inaugurada. As políticas carcerárias oitocentistas identificaram a presença feminina no interior das instituições prisionais, mas, por razões ainda 31 Embora necessite de uma análise mais apurada, esse documento revela que aqueles que o escreveram tinham ciência dos inconvenientes ocorridos nos espaços intramuros da primeira penitenciária do país. Não houve como saber quem o escreveu. Não há paginação. Teria sido produzido por algum homem livre ou liberto? Um escravo alfabetizado? Uma mulher? Um guarda? Um visitante? Alguém teria feito chegar às mãos do Monarca? Chegou de fato? Questões a serem investigadas. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 51 desgraçadas para o Arsenal de Marinha, pois ali reina outra humanidade do que na casa de correção (Memórias da Casa de Correção, 1865:7). prometidos e não entregues, comidas estragadas e servidas aos presos, entre outros. Por fim, há acusações a respeito da brutalidade com o que o administrador 32 do complexo tratava as presas que, nesse momento, eram compostas majoritariamente por africanas livres. chama atenção pelo seu caráter anônimo e por se chocar com as regras do isolamento. Ao recorrerem à escrita, os autores anônimos procuram romper a rígida estratificação e os bloqueios na forma de comunicação para a instituição. Essas desgraçadas vivem, de noite e de dia, domingos, dias santos, de serviços trancadas. Dão-se barbarismo de humilhação, de certo que o administrador não trata os seus escravos com tanta barbaridade como trata aos africanos. No dia 16 do mês passado, foi huma preta africana castigada rigorosamente. Basta dizer o castigo foi de tal maneira, que ficou com uma marca [...] assim mesmo naquele mizero estado foi metida no libambo [...] não sahiu senão no dia vinte e sete, dia este que o administrador pregou-se sobrevivência. Lhe passou pella lembrança humildades, pois, mandou tirar os ferrolhos [...] o qual seria o crime cometido para sofrer tão terrível sofrimento?[...] não consintirás que continuem amargando desumanidade em um império brasileiro [...]. Seus corpos eram educados pelos encantadores de chicotes quando as levavam para o libambo [...] Ali ficavam suspensos do vintém, que a nação lhes manda dar para comprarem os fumos [...] que as africanas vão para o Arsenal da Marinha [...] outra humanidade do que na casa de correção. E os encantadores de chicotes as levavam para o libambo. Ali ficavam suspensos do vintém, que a nação lhes manda dar para comprarem os fumos. Monarca justiceiro levem as 32 O apelo ao “Monarca justiceiro” Embora não haja referência ao seu nome, sabese que era Thomé Joaquim Torres, e que ficou no cargo de fevereiro de 1835 a junho de 1850. Dos quinze administradores que passaram pela insituição, durante o século XIX, esse foi o que mais tempo ficou no cargo. Uma zona dizível, na qual aparece uma espécie de negativo da prisão, com o excesso de inadequada, trabalho, alimentação doença, desordem, promiscuidade, isto é, múltiplas formas de violência; o que suspende a representação positiva do encarceramento e a educação como elemento da pena. Para além disso, apresenta um lugar que se distancia de tudo o que pudessse ser aproximado de segurança ou limpeza como observado na Constituição imperial. Instalações precárias: As mulheres no cumprimento das sentenças Encontrar “vozes” femininas no interior das prisões da cidade é uma tarefa complexa. Essas são invariavelmente mediadas por aparato Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 52 discursivos, científicos e institucionais. abrigar às condenadas e menores, mas No entanto, a despeito da aridez das que fontes relacionadas às encarceradas, sabe- (Relatório do Ministério da Justiça, se que frequentaram as prisões, cárceres e 1883). Essa providência não chegou a penitenciárias do país. Foram registradas ser executada, pois, no ano de 1905, em relatórios ministeriais, comissões de encontramos outro diretor reclamando visitas, livros de registros de detentas e das por jornalistas. Vozes mediatizadas, mas apresentar os inúmeros problemas da que ajudam no caminhar por essa espécie instituição de silêncio e de omissão da experiência fabricação de material cortante pelos prisional sob o ponto de vista das presos; jogos de azar; participação de prisioneiras. guardas nas fugas de presos, entre outros No ano de 1865, o relatório da comissão de visitas da Casa de Correção da Corte anotou que o número de mulheres condenadas era pequeno, mas ainda assim não havia providências para a construção de uma prisão feminina. Pelas leis penais, prossegue o relatório, elas estavam sujeitas ao mesmo sistema punitivo dedicado aos homens, pois muitas foram condenadas à prisão com trabalho ou galés e encaminhadas para a Casa de Correção. Lá estavam juntas a homens e menores. Em 1883, o relatório prestado pelo diretor da Casa de Correção 33 apresentou considerações a respeito de um edifício em construção, que deveria as obras condições - estavam das fugas, vagarosas detentas. motins, Após brigas; problemas -, indicava as condições das mulheres no interior da instituição. Adaptação das 5 cellulas do antigo manicômio á prisão de mulheres, emquanto não se edifica um pavilhão especial. As mulheres em cumprimento da sentença, são pessimamente installadas na antiga prisão dos galés, velho barracão ao rez do chão, sem condição alguma de hygiene, construído há muito annos com caracter provisório, junto à muralha, exactamente da parte que devia ser o portido da Casa de Correção. Essas 5 cellulas foram convenientemente assoalhadas com taboas de peroba sobre barrotes de massaranduba, previamente empedrado e cimentado o solo (Relatório do Ministério da justiça e Negócios Interiores, 1905:10) Essas complexidades ajudam a compreender um pouco mais a respeito das condições das prisioneiras a cidade do Rio de Janeiro imperial e republicano. Para além desses relatórios ministeriais, 33 O nome do diretor não consta na documentação. alguns relatos de profissionais, como os Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 53 jornalistas e escritores, diversos jurídico da écpoca, como os chefes de corroboram com as reclamações desses polícia e os diretores dessas diretores. instituições. Há elogios quanto ao Nas décadas finais do século XIX, trabalho desses homens, estado de as prisões passaram a receber uma convervação das instituições, empenho variedade de visitantes além dos já da direção em manter a ordem e tradicionais advogados e filantropos. disciplina; que o lugar era propício para Nesses lugares, os repórteres, cronistas, abrigar os delinquentes. Por seu turno, escritores, entre outros profissionais, deixa supor que os presos trabalhadores encontraram excelentes fontes para os eram preguiçosos, que não gostavam de seus artigos diários; iam em busca de trabalhar. notícias que ajudassem a desvendar os Sobre “mistérios” que se escondiam no interior prisioneiros, desses lugares, pois, no imaginário social, seguinte: as prisões eram lugares da “inocência as condições Azevedo considerou dos o sentido, devemos entender que essas Encontro ao lado de assassinos, gatunos, crianças ingênuas, rapazes do comércio, vendedores de jornais, uma enorme quantidade de seres [...] trabalhadores e humildes [...] juntos a ladrões e assassinos [...] mulheres, homens e menores dividindo os cubículos [...] é um antro de perdição e de todas as perdições e degenerescências. (Azevedo, 1877: 374). informações prestadas por esses autores Embora seus relatos não tragam perdida; da mistura em assassinos irreconciliáveis e trabalhadores; seres que eram biologicamente e socialmente incuráveis” (Bretas, 2009: 200). Nesse não estão percepções, isentas de preconceitos interesses, e retóricas próprias do tempo em que viveram. menção específica das mulheres, essas informações ajudam na omitidas Manuel Duarte Moreira de Azevedo transitaram (1832-1902) instituição as casos suspeita de que as mulheres, embora O escritor, jornalista e advogado visitou aos casas de em alguns pelos ao lado documentos, corredores de homens da e Correção e Detenção na década de menores. 1870. No seu livro, o autor demonstra a um sua com preocupações e os desejos de haver poder prisões limpas e seguras e as práticas aproximação pessoas envolvidas e amizade com o Esses relatos apontam para distanciamento entre as Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 54 carcerárias. Embora considerasse a No dia 03 de setembro de 1905, instituição um lugar amplo, limpo e na Gazeta de Notícias, João do Rio com asseio, relatava que a culpa pela publicou o que supostamente vira no desordem era da justiça imperial que, interior segundo ele, era lenta e desigual; que os Correção: processos não davam conta de tantos pedidos de Habeas Corpus que as Pretorias deixavam “dormir em paz [...] enquanto na indolência dos cubículos, no contato do crime, rapazes, dias antes honestos, fazem o mais completo curso de delitos e infâmias que há na memória” (Azevedo, 1877: 332). Essas pistas indicam que o descaso da justiça contribuía muito para o velho caso de superlotação das prisões da cidade. Por seu turno, os trabalhos realizados por João Paulo Alberto Coelho Barreto, “João do Rio”, fez dele uma “celebridade” em seu próprio tempo e uma fonte favorita para os historiadores. Em seus escritos, as prisões foram perdendo suas “características de lugares especiais onde havia criaturas especiais e, em vez disso, se tornam parte da cidade“ (Bretas, 2009: 223). Segundo João do Rio, as casas de Detenção e Correção da das casas de Detenção e O chão de pedra estava cheio de lama. A água suja escorria da soleira da sala em dois grossos fios e as mulheres, de saias arregaçadas, com pulos estranhos, davam gritinhos estridentes. Um cheiro especial, esquisito, pairava naquela galeria batida de sol, em que os metais reluziam [...] há falta de lugares; a promiscuidade é ignóbil nesses compartimentos transformados em cubículos. A maioria das mulheres, mulatas ou negras, fúfias da última classe, são reincidentes, alcoólicas e desordeiras [...] há caras vivas de mulatinhas com olhos libidinosos de macacos, há olhos amortecidos de bode em faces balofas de aguardente, há perfis esqueléticos de antigas belezas de calçada, sorrisos estúpidos navalhando bocas desdentadas, rostos brancos de medo, beiços trêmulos; e no meio dessa caricatura do abismo, as cabeças oleosas das negras, os narizes chatos, as carapinhas imundas das negras alcoólicas. Alguns desses entes [...] perdidas no jardim do crime. Essas mulheres estão na detenção por coisas fúteis; coisas que cometem diariamente. São moradoras dos morros, ruelas próximas, becos [...] Maria estava há cinco naquela vida de horror; assim como Carmem da Rua Morais e Vale; e assim a Carmelina, com uma navalhada na face, vibrada pela rival enquanto dormia; e assim a velha Rosa Maria à espera da liberdade apenas para continuar fadada a voltar para a prisão. Todas estão tatuadas, tatuadas nos seios, ombros, tatuadas nos braços, pernas, ventre [...]. (Rio, 2008:228). Corte eram uma espécie de “hospedaria A despeito do seu lugar de fala, da infâmia [...] onde poderiam ser jornalista, cronista e interessado em encontradas até 19 pessoas dividindo a ingressar na Academia Brasileira de mesma cela” (Rio, 2008: 225). Letras, feito realizado no ano de 1910, e Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 55 seus preconceitos ao se referirem a essas contar um pouco mais a respeito desse criaturas, o autor parecia demonstrar que intercâmbio entre homens, mulheres e essas mulheres mereciam estar ali. Vidas menores no interior dessas isntituições infames e doentes, que precisavam da prisionais. prisão como um lugar de cura. O seu Em função do estado físico da lugar de fala parece demonstrar certo documentação houve a possibilidade de repúdio e preconceituoso a respeito das computar a presença de setecentas e detentas. cinquenta pessoas, 36 em duzentas e Outra forma de atestar a presença cinquenta páginas. Cada página há feminina nas cadeias da cidade era espaços para anotações de três pessoas, através dos registros dos presos. Nesse onde podem ser observadas informações, quesito, o que chega até nós são os Livros como de Matrículas de Detentas da Casa de naturalidade, Detenção da Corte34. A análise nos livros instrução; filiação, ocupação, motivo da de Matrículas de Detentas e Menores de prisão, trajes, condição civil, como e por 21 anos da Casa de Detenção do Rio de quem foi conduzida à prisão; sinais Janeiro, 1889-1890, 35 contribuem para característicos unhas, 34 O sistema de composição de um saber sobre os detentos da Casa de Detenção estava prescrito no seu Regulamento, que determinava a confecção de cinco tipos de livros: Entrada e Saída (para homens, mulheres e escravos separadamente); Óbitos; Inventário; Conta Corrente dos presos sustentados pelo Estado e de Índice Alfabético. O primeiro registrava dados dos detentos, como nome, idade, sexo, estado civil, moradia, filiação, profissão, nacionalidade, naturalidade, vestimenta, data e motivo da prisão; se sabia ler e escrever; sinais característicos visíveis (cor, cabelo, bigode, barba, olhos, nariz, boca, sobrancelhas e pele); quem e como foi conduzido à prisão; entrada e saída da enfermaria e se usou medicamentos; sinais adquiridos na prisão e dia da soltura. Os dados mudavam conforme o tempo e a condição do preso (Coleção de Leis do Império do Brasil, 1856: 302-303). 35 A opção pelo período está imbricada com o interesse do próprio pesquisador em perceber a presença feminina nessa instituição prisional durante os meses finais do regime imperial. nome, idade, estado nacionalidade, civil, (cor, sobrancelhas, grau olhos, altura, de cabelos, rosto, orelhas); marcas adquiridas na prisão; entrada e saída da enfermaria; data entrada e saída. As ocupações identificadas referem-se às cozinheiras, amas de leite, vendedoras, lavadeiras e costureiras. A maioria foi arrolada como analfabeta, brasileira, nascida no Rio de Janeiro, moradora das áreas Entretanto, esse período está sendo estendido para o tempo proposto pela pesquisa. 36 Em outros casos, pode-se chegar a um total de hum mil e duzentas detentas registradas. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 56 centrais da cidade e idade entre treze e quantitativas, pois permite acompanhar noventa anos de idade. algumas informações sistemáticas sobre o viam A despeito do que os escrivães grande número de variáveis ao longo do ou tempo” (Chalhoub, 2012: 229). ouviam, esses registros Nesse apresentam algumas evidências do que livro, as lacunas estão relacionadas aos os discursos penitenciários valorizavam inúmeros em termos da estruturação e controle do preenchidos. Há casos em que não se crime. consegue Informações de quinhentas e dez pessoas, em cento e setenta páginas, campos que saber a não foram naturalidade, nacionalidade, filiação, sinais no corpo e ocupação das mulheres. foram observadas. Duzentas e oitenta e Para além de dados quantitativos, três mulheres. Embora várias tivessem a sido furto, “reconhecimento” dos criminosos da de cidade. A polícia tinha à sua disposição assassinato, cerca de sessenta e cinco por um conhecimento formal das pessoas que cento das encarceradas incorreram em seriam perigosas à ordem. Marcado em delitos previstos nos Artigos 295 e 296 “seu corpo, o liberto está sujeito pela sua do Código Criminal do Império, que situação penal à vigilância penal” (Perrot, previa prisão com trabalho, entre oito a 2000: 65). A utilização de apelido e de vinte e quatro dias, para todas as pessoas vários nomes poderia denotar a intenção que não tivessem ocupação certa ou do detento ou detenta em não ser um renda para se sustentarem. Dessa forma, “personagem boa parte dessas mulheres foi presa por (Chazkel, 2009:31). vadiagem, embriaguês, autora, ser um conhecido da polícia era prática de atos imorais, gritarias e uma forma não oficial, mas reconhecida desacato à autoridade. Uma associação da entre crime e ociosidade. dispositivos encontrados nos rituais de presas estelionato, por roubo assassinato, e tentativa ociosidade, Apesar de algumas lacunas, os Livros de Matrículas da Casa de Detenção se constituem em uma “série documentação contribuía conhecido criminalidade. para da o polícia” Segundo essa Através dos classificação e identificação dos detentos e das informações depositadas nos diferentes livros, por exemplo, a polícia documental condizente com análises Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 57 dispunha de um suposto conhecimento poderiam dos considerados perigosos à ordem. estigmatizadas Para reagir a esses mecanismos controladores, e produtores de saber, ajudá-las a não como serem criminosas conhecidas. Outras mulheres adulterassem a muitos se utilizavam de subterfúgios condição como o uso de apelidos, alteração e a Conceição troca do próprio nome com outro detento. cozinheira, solteira foi presa no dia 10 de Para Goffman (1999), ao receber uma dezembro de 1879 por prática de “atos marca prisional, o indivíduo perde o imorais” 38 e “suspeita de ser escrava direito de ser um elemento confiável na fugida”. Faustina Luiza do “Espirito sociedade civil. Nesse microcosmo Santo”, 42 anos, cozinheira, boca regular, prisional, usar um nome de “guerra”, um cabelos carapinhas, 1,51cm, sem moradia cognome, representava a oportunidade de certa, presa no dia 20 de dezembro de não ser um suposto “conhecido” da 1879 por “suspeita de ser escrava polícia. A partir da documentação pode- fugida”. Delphina Thereza roza ou se perceber que muitas mulheres usaram “Rozalva”, 28 anos, lavadeira, rosto cognomes, “Jucélia, como civil. ou Thomazia Nora Rosa da Conceição, vulgo cumprido, cor fula, trajava vestido de muringa”, que foi presa por vadiagem em chita e chalé de lã, 1,50 cm, presa em 20 abril de 1879 e solta vinte e cinco dias depois; “Thereza da Conceição vulgo zezinha”, presa por embriaguês e desordem pública em abril de 1879 e solta dez dias depois; “Zezinha ou fulaninha” presa por tentativa de furto em maio de 1879 e condenada a oito meses de prisão. (Livro de Matrículas de Detentos Livres e Libertos, 1879: 1 passim). 37 37 Subterfúgios que, a priori, A escrituração do sistema jurídico deve, portanto, ser problematizado, seja isso que registra, seja nas suas lacunas. Alguns outros exemplos reforçam as polêmicas e limites desta documentação. 38 As pessoas eram presas por cometerem “atos impuros”. O que seriam esses atos? Nos dicionários da época, encontramos significados, tais como não puro; manchado de culpa; não inocente; atos criminosos; quem não está puro; que tem mistura; que não está inocente; manchado de crime; torpe; obsceno (Bluteau, 1789; Pinto, 1832). Por seu turno, o Código Criminal do Império (1830: parte VI, arts. 278 e 279) criminalizava quem ofendesse a moral pública em papéis impressos, gravuras, pinturas e litografias. A pena de prisão variava entre dois e seis meses, além do confisco desse material. Pena de prisão também para quem praticasse, em local público, qualquer ação considerada pela opinião pública como ofensiva à moral e os bons costumes. A pena de prisão poderia chegar a quarenta dias. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 58 de dezembro de 1879 também por fugirem do alistamento militar, muitos suspeita de ser escrava fugida. homens livres foram inscritos nos livros O que havia em comum entre as destinados aos cativos. Muitas escravas, três? A condição civil. Foram presas por fugindo do estigma da escravidão, foram desconfiança arroladas em livros destinados para de serem “escravas fugidas”. No entanto, esse livro fora destinado para pessoas livres e libertas e não para escravas. pessoas livres. Este seria uma das respostas possíveis para o fato de Faustina, Segundo Chalhoub (2012: 230- Thomazia e Delphina terem sido inscritas 231), durante o século XIX, a polícia do nos livros de pessoas livres. Nesse Rio de Janeiro prendia pessoas de cor sob sentido, o escrivão talvez estivesse “dupla suspeição: de que fossem escravas envolvido e de que estivessem fugidas”. Este fato específico do complexo penitenciário da parece demonstrar que havia falhas Corte havia relações obscuras entre os graves nas informações prestadas pelos guardas e presos. No ano de 1888, por escrivães porque nem sempre o escravo exemplo, o diretor foi substituído pelo era a oficial de polícia, que era o comandante “escravos”. O mesmo acontecia com os da força da guarnição, por ter sido livros destinados às pessoas consideradas acusado de convivência nas relações livres, pois muitos fugidos ou suspeitos entre seus comandados e os presos do de fuga foram arrolados nesses livros. Em complexo. Todos os guardas sob o seu outro comando inscrito sentido, no livro pessoas destinado detidas por nessa foram trama. No dispensados caso sob a vadiagem foram encontradas em livros acusação de estarem “negociando com os destinados a escravos. Criou-se, dessa detentos [...] e haverem auxiliado uma forma, uma contradição, pois uma pessoa tentativa livre não poderia ser presa por estar Ministério da Justiça, 1888: 56). Essa “fugida”; em contrapartida, o escravo não preocupação tinha fundamento, pois um poderia ser preso por vadiagem, já que a preso havia fugido dentro de um baú feito condição de escravo vinculava a pessoa de folhas de flandres. De acordo com o de imediato à ideia de trabalho sob chefe de polícia da Corte, como a domínio de determinado senhor. Para segurança era realizada por policiais de evasão” (Relatório do Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 59 militares nomeados pelo diretor, Com relação à criminalidade certamente houve conivências e excessos feminina, Candido Mendes reconhecia entre todos. Dessa forma, a partir desses que a situação era preocupante, pois as apontamentos, devemos suspeitar das mulheres se encontravam abandonadas relações escrivães, nas prisões. Como exemplos, indicou a guardas, diretoria. Algo que mereceria Casa de Detenção do Distrito Federal, investigações mais detalhadas. onde as sentenciadas se misturavam às entre Nas detentas, primeiras republicanas, o décadas problema que haviam cometido pequenos furtos. das Segundo esse presidente, uma das encarceradas prosseguiu como tema de soluções seria a construção de uma discurso A penitenciária penitenciária agrícola, onde as mulheres feminina não foi construída. O descuido e pudessem ser reeducadas com as práticas descaso dos trabalhos rurais e agrícolas, como somente. continuaram mesmo na República. No ano de 1928, ao apresentar avicultura, um trabalho a respeito da criminalidade pequena lavoura e jardinagem. Visando das mulheres no Brasil ao ministro da um resultado econômico satisfatório, ao Justiça, o então presidente do Conselho lado dessa instituição, deveria ter uma Penitenciário, Candido Mendes, advertia colônia agrícola, dividida em lotes, para as demais autoridades judiciárias a onde as presas deveriam ser enviadas respeito das dificuldades encontradas após cumprirem a metade da pena. Presas para a promoção sericultura, um cadastro no regime condicional, as mulheres nacional. Os continuariam trabalhando, da mesma estabelecimentos prisionais não eram forma que na prisão, e se beneficiariam organizados, às com os lucros adquiridos pelos esforços conformidades mínimas exigidas e, dessa empregados. Para isso teriam o apoio e forma, impediam a organização do proteção dos órgãos penitenciários que cadastro. Diante dessas anomalias e assegurariam a assistência e aquisição de impasses, material penitenciário não o de apicultura, obedeciam presidente resolveu de trabalho - ferramentas, direcionar as suas atenções para as insumos, plantas, etc. Nesses termos, o mulheres. projeto alcançaria êxito, evitando-se, com isso, o desânimo das condicionais. Por Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 60 fim, entendia que a regeneração das Nesse mesmo jornal, as notícias criminosas exigia cuidados. Dessa forma, do dia treze davam conta da incoerência e a incapacidade sociedade poderia se defender, existentes no regime “evitando a reincidência das que se penitenciário do país. Segundo essas acostumaram com a vida fácil da prisão” informações, (Conselho penitenciárias equipadas, mas faltava Penitenciário do Distrito Federal, 1928: 13). o país contava com uma interlocução entre as instituições, No mês de março do mesmo ano, diretores e sistema judicial. A realidade o editorial do Jornal do Comércio, do país não correspondia mais ao estado Gazetinha, das prisões. apresentou várias considerações a respeito das condições das prisões do país. A questão penitenciária no Brasil está exigindo atenção dos poderes públicos. Temos algumas penitenciárias com os elementos reclamados pela ciência moderna, mas a maior parte de nossas prisões não corresponde mais ao que é preciso fazer para corrigir os criminosos e restituí-los recuperados ao convívio útil da sociedade. (Jornal do Comércio, 09/03/1928). Quanto às condições das mulheres encarceradas, especificamente no Distrito Federal, a Gazetinha denunciava que as condenadas não iram para a Casa de Correção porque ficavam depositavas em um departamento da Casa de Detenção. Corroborando com as ideias proposas por Candido Mendes, as informações prestadas pelo jornal asseguravam que o problema do encarceramento feminino era “um grande problema fácil de resolver” (Jornal do Caricaturas do abismo: Thereza Cesaria e Minervina Na documentação arquivista relacionado ao Judiciário, disponível para consulta no Arquivo Nacional, encontram-se inúmeros casos de pedidos de Habeas Corpus feitos por mulheres que pediam imediata soltura em função de se considerarem inocentes. Em vários momentos, reclamavam que a morosidade judicial era a principal responsável pela permanência na prisão, pois os casos demoravam a ser julgados ou sequer eram julgados. Solicitavam também a revisão dos seus casos. Negavam participação em roubos, furtos e assassinatos. Embora presas por Comércio, 09/03/1928). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 61 motivos como prostituição ou adultério, após o depoimento, ela passou à noite na muitas negaram essas condições. delegacia, entre três horas da manhã e O processo de número novecentos três da tarde, e tendo sido encaminhada, e sessenta diz respeito à Minervina na sequência, para a Casa de Detenção. Correa Pinto, 33 anos, cozinheira e Como se pode notar, algumas práticas analfabeta. Consta que na madrugada do judiciárias dia vinte sete de janeiro de 1897, foi teorias e dos seus protocolos gerais. presa na Rua Princesa Isabel, Rio de O distanciavam-se advogado de das suas Minervina, Janeiro, e enviada para a Casa de Aristides Menezes Lima, insistia em Detenção sob acusação de ter atirado e relatar a respeito da “fragilidade da causado ferimentos no seu companheiro justiça” Camilo Lopes. A ré foi incluída nos Federal, 1897: nº 960). artigos 13 e 294 do Código Penal dos somente após doze dias de prisão, Estados Unidos do Brasil, 1890, que conseguiu uma audiência com o Juiz de previa pena de prisão celular, entre doze Paz a fim de que a sua cliente fosse e trinta anos de prisão, quando houvesse ouvida. Além do juiz, um promotor e tentativa de crime ou para quem matasse escrivão acompanharam o depoimento da outra pessoa (Fundo Supremo Tribunal ré. Federal, 1897: nº 960). (Fundo Supremo Tribunal Dessa forma, Diante desses representantes da Após o incidente, a ré teria ido normatização instituída, Minervina espontaneamente à 13ª delegacia da declarou que atirou porque, embora cidade ocorrido. residisse há mais de três anos com o seu Seguindo o protocolo burocrático da companheiro, vinha sofrendo maus tratos, época, ela foi ouvida pelo delegado, como pontapés, bofetadas e ofensas detida e as informações devidas anotadas morais. Inclusive, foi obrigada a entregar no livro de ocorrência da delegacia. o valor do aluguel de outra casa para ele. Segundo o Código Criminal vigente Na noite do conflito, Camilo havia (1890), a pessoa só poderia ficar presa entrado na casa, aos berros e a maltratou. caso fosse pega em flagrante delito; o que Dessa forma, não aquentou a humilhação. não foi o caso, visto que a ré fora Apanhou um revólver e disparou duas espontaneamente à delegacia. Entretanto, vezes contra ele. Em seguida, disse ter onde confessou o Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 62 corrido para a rua, indo diretamente para mulher “acuada, cansada de brigar, a 13ª delegacia a fim se contar o ocorrido alucinada, com a face quente pelas ao delegado ou qualquer outro policial. bofetadas” (Fundo Supremo Tribunal Minervina declarou, diante desses Federal, 1897: nº 960). Entretanto, as fatos, que a sua prisão era injusta, já que perspectivas lombrosianas parecem ter havia ido à delegacia após o ocorrido, o sustentado a tese do advogado quando que não caracterizava flagrante delito. Ao atestou que a sua cliente agiu porque lado disto, nenhum mandado havia sido também era uma mulher “frágil, cansada impetrado contra ela e, a despeito desses e que agiu por amor, paixão, e não por elementos, foi detida. Foi na Casa de raiva do companheiro” (Fundo Supremo Detenção que tomou conhecimento de Tribunal Federal, 1897: nº 960). que o seu companheiro estava No emaranhado da documentação hospitalizado. Acrescentou que, alguns não houve como saber se a ré foi dias após a sua prisão, Camilo a visitou. efetivamente condenada. Até onde foi Nesse encontro constatou que as lesões possível observar, Minervina permaneceu não haviam sido graves. mais de trinta dias detida na Casa de De acordo com Hilb (2013), em Detenção sem que o seu caso tivesse sido determinados momentos, a ação violenta julgado, o que, contraria a reorganização pode representar a única reação possível do saber judicial que determinava a ante uma situação em que as palavras não soltura imediata da pessoa caso sua têm o prisão não tivesse sido formalizada. respectivo juízo da racionalidade dessa Como visto anteriormente, a ré conseguiu violência ativa só pode ser, a posteriori, uma audiência com o juiz porque foi pela posição de um expectador imparcial, detida sem mandato judicial; não haviam que julgará a medida da prudência apresentado a Nota de Culpa e sequer daquela reação, bem como as suas houve uma acusação formal.39 mais peso. consequências. Nesse sentido, Para o seu advogado, Minervina havia atirado para ferir o seu companheiro, mas somente após cessarem todas as chances de diálogo. A atitude da sua cliente teria sido de uma 39 De acordo com a Lei Sayão, 1871, todo preso deveria ser acompanhado de mandato judicial e Nota de Culpa. Nenhum carcereiro poderia receber um preso sem essa documentação. Isso não aconteceu na prisão de Minervina. Esse procedimento foi uma tônica durante todo o período do Brasil oitocentista. Nos processos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 63 O delegado, que ouviu a primeira confissão de Minervina, manifestou a assassinato. Maria foi enquadrada nos mesmos artigos de Minervina. Aristides Menezes Lima, advogado de Segundo o depoimento da vítima, Minvervina, que a prisão era injusta Ederaldo Ignacio, lavrador, analfabeto, mesmo, mas não poderia fazer nada sem 38 anos, ele havia ido ao estabelecimento que as devidas providências fossem comercial do marido da ré, Paulo Barreto, tomadas. Essas “providências” estavam a fim de cobrar uma dívida relacionada a relacionadas, à algumas galinhas que havia vendido, morosidade da justiça. Segundo Corrêa mas, segundo a sua versão, não haviam (1983: 35,36), “todo inquérito policial, sido pagas. Ao chegar ao local se deparou enviado depois para a justiça com com Paulo à porta do estabelecimento, relatório final do delegado, incorporando onde a discussão foi iniciada. Após fatos e extraindo outros, dá assim uma alguns minutos, a companheira de Paulo, primeira feição ao fato acontecido”. Maria, se intrometeu e tentou finalizar o Nesse conflito. Entretanto, como sua tentativa provavelmente, sentido, essa declaração do delegado denotaria o seu distanciamento fracassara, das ordenações ao interior do e, por estabelecimento, retornou com uma arma interferência no e efetuou dois disparos contra o depoente. processo na medida em que os agentes Um dos projéteis acertou o seu braço policiais ordenam e selecionam “quem esquerdo. Ferido, fugiu do local. Após o estará presente nos autos [...] e o que ocorrido, antes mesmos de averiguar o deve ou não constar como prova nos ferimento, Ederaldo afirma ter ido direto autos”. para a delegacia. conseguinte, judiciais foi sua O outro caso aconteceu na região Findo o depoimento, o delegado de Valença, Rio de Janeiro. Esse se refere enviou uma diligência - supostamente, à Maria Thereza Cesaria, ou Cesalvia, 29 uma carroça guiada por um soldado - até anos, cozinheira, analfabeta, presa no dia à casa do casal. Entretanto, ninguém foi cinco de dezembro de mil oitocentos e encontrado. Após a notícia ter sido noventa divulgada e sete por tentativa de criminais analisados encontram-se inúmeros casos de pessoas que foram encaminhadas às prisões sem esses documentos. Cf. Oliveira, 2014. rapidamente entre os moradores, alguém acabou por divulgar onde o casal se encontrava. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 64 Acompanhados pelo advogado da do companheiro ré conduzido à delegacia por dois policiais. testemunhado contra Maria. Para essas Diante do delegado, o casal informou que “vozes” masculinas, Maria não era não haviam fugido. Tomando a palavra, o vítima, coitada, afável, boa mãe e advogado relatou que a sua cliente não cuidadora do lar. Antes, afirmaram que era um foragida, mas sim uma pessoa ela atirou para matar Ederaldo. aproxima das representações criadas a respeito da mulher brasileira oitocentista, ou seja, “[...] mãe de família, doce, afável, boa esposa, mulher exemplar e que era cercada pelos filhos menores” (Soihet, 1989; Leite, 1984). Perspectivas que aparecem na defesa da ré: “Maria agiu por paixão, emoção, calor do momento [...] amava seu companheiro e por isso não poderia deixá-lo sozinho na confusão [...]” (Fundo Supremo Tribunal Percebe-se que as testemunhas todas do gênero Antonio Fernandes, lavrador, 38 anos, analfabeto alegou que: [...] estava na porta da venda, e que houve uma questão forte entre o preto Ederaldo Ignácio e Paulo Barreto [...] que Maria foi ao interior da casa e voltou armada de um revólver. Na intenção de ferir, apontou contra Ederaldo [...] depois do disparo, ela voltou e escondeu a arma entre as vestes. (Fundo Supremo Tribunal Federal, 1898: nº 1139). Benjamim Pereira Barbosa, 30 anos, lavrador, analfabeto informou que estava no lugar, entre quatro e cinco horas da tarde, quando a ré interveio na discussão munida de uma “arma de fogo de pequena dimensão e disparou [...] Federal, 1898: nº 1139). eram terem Maria Thereza parecia fadada à condenação. A tese apresentada pela defesa se de a questionar na casa de parentes. motivos ajudam ré, Manoel Godofredo, o casal foi enferma e que estava recebendo cuidados os da masculino, frequentadores do bar e, por certo, imbuídos das representações criadas para as mulheres naquela sociedade. Portanto, a “voz” da Maria foi mediada por um conjunto de “vozes” masculinas. O fato de terem declarado não depois escondeu a arma entre as vestes” (Fundo Supremo Tribunal Federal, 1898: nº1139). José Bernardo Guimarães, lavrador, 65 anos, alfabetizado afirmou estar no local e que “[...] não foi dado tiro para o ar [...] ela atirou na direção do preto e depois escondeu o revolver no serem amigos da vítima e muito menos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 65 vestido” (Fundo Supremo Tribunal Federal, 1898: nº1139). eram casadas formalmente como determinado para as mulheres. Como Antonio Claudino Oliveira, 38 observado nos depoimentos, os homens anos lavrador, analfabeto parece ter mais eram os seus companheiros. Segundo detalhes sobre o caso. No depoimento, Fonseca (1997: 517), “muitos casais declarou que estava no local quando: dispensavam o casamento legal [...] em [...] os dois se atracaram. A mulher veio de casa, com a arma na mão, não sei se era garrucha ou revolver, apontou para Ederaldo e atirou. O tiro acertou o braço, mas não matou. Só não pegou porque Paulo Barreto bateu na mão dela. E ela escondeu a arma entre as pernas. (Fundo Supremo Tribunal Federal, 1898: nº1139). Por fim, Antonio Fernandes Bahia, lavrador esclarece que esteve no lugar, entre quatro e cinco horas da tarde, e que Thereza estava sentada na porta do comércio quando começou a confusão. Correu para dentro, apanhou uma pistola certos contextos, menos da metade da população adulta passava diante do padre para formalizar sua união conjugal [...]”. Por seu turno, ao analisar processos criminais da cidade de Franca, São Paulo, entre o final do Império e as primeiras décadas da República, Caleiro (2002) observou que algumas mulheres, presas por vadiagem ou embriaguês, não eram casadas. Para a autora, esse fato poderia denotar um preconceito, pois a presença masculina em casa significava símbolo de “[...] e apontou e disparou contra o negro estabilização social. Por seu turno, outras Ederaldo” (Fundo Supremo Tribunal mulheres que informaram trabalharem nos serviços da casa não eram presas por Federal, 1898: nº 1139). A última notícia encontrada sobre o caso foi a de que no dia vinte e seis de novembro de mil oitocentos e noventa e oito, a ré foi declarada culpada e sentenciada, não tendo sido possível identificar os termos da sentença, o tipo e perceber havia sinais claros de embriaguês. A mulher circunscrita no âmbito privado do lar dificilmente seria qualificada como vadia ou ébria. Os delitos circunscritos à esfera criminal, via de regra, ficavam invisibilizados, duração da pena. Esses esses mesmos motivos, mesmo quando dois também casos o ajudam modus a vivendi resistente dessas duas mulheres. Elas não pois alguns não se chocavam com as estruturas formais do poder jurídico-policial, como nos dois casos arrolados. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 66 A estatísticas nenhuma providência ter sido tomanda no criminais, no início do século XX, sentido de construir um lugar especial estudiosos brasileiros questionavam a para as encarceradas. Por que não se assertiva de que as mulheres eram menos construiu um presídio feminino no século propensas às ações criminosas do que os XIX? Por que o primeiro só foi homens. Afrânio Peixoto (1933) afirmava inaugurado em 1942? que despeito existiam das crimes próprios das No período proposto, relativa ao a mulheres, tais quais os infanticídios, domentação abortos e envenenamentos, que ficaram prisional, sempre impunes por serem ignorados ou exclusivamente pelo “mundo” masculino, desconhecidos. Esse autor ressaltou que parece as mulheres, mais presentes na esfera femininas. doméstica, acabavam praticando crimes apresente a participação de mulheres na que quase nunca eram detectados. Apesar vida para além dos espaços privados da de tentativas de estudar a mulher casa, isso se torna ainda complexo criminosa, o grande foco dos estudos quando direcionamos as lentes para os criminológicos incide sobre o homem, espaços prisionais. Ainda há muitoo que deixando a mulher como uma exceção à se personalidade voltada para o delito. escancarceradas, em momentos diferentes produzida tentar quase camuflar Embora pesquisar movimento a a as que “vozes” historiografia respeito das da história. Considerações finais Os casos apresentados são apenas uma ínfima parcela dos casos em que as Essas “considerações finais” terão um caráter muito mais interrogativo do que explicativo. Como observado, até o momento, denunciam as diversos condições documentos precárias vivenciadas pelas mulheres no interior das também instalações prisionais deficientes da cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, o que mais intriga é o fato de mulheres participaram do mundo criminal-prisional da cidade. Os casos de Minervina e Thereza Cesaria corroboram com a ideia de que as mulheres também cometiam delitos, eram submetidas aos entraves burocráticos judiciais e presas em alguma prisão da cidade. O que cabe apreender é analisar as formas com que essas instituições prisionais tratavam os Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 67 corpos dessas encarceradas. No caso da pesquisa em desenvolvimento, procuro entender como esse procedimento se dava no interior do complexo penitenciário do Rio de Janeiro imperial. Por fim, essa documentação narra uma intriga que choca por sua longevidade e atualidade. Referências bibliográficas AZEVEDO, Manuel Duarte Moreira de. Rio de Janeiro: Sua história, monumentos, homens notáveis, usos e curiosidades. Biblioteca Garnier, 1877. BLOCH, Marc. Apologia da história ou ofício do historiador. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2001. BLUTEAU, R A F A E L. Diccionario da Língua Portuguesa. Reformado e acrescentado por Antônio de Moraes e Silva. Tomo primeiro. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789. BRETAS, Marcos Luiz. O que os olhos não veem: história das prisões no Rio de Janeiro. In. CALEIRO, Regina Célia Lima. História e Crime. Quando a mulher é a ré – Franca, 1890-1940. Montes Claros: Ed. Uniimontes, 2002. CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão. Ilegalidade e costume no Brasil Oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. CHAZKEL, Amy. Uma perigosíssima lição: a Casa de Detenção do Rio de Janeiro na primeira república. In. 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Acesso em: 30 set. 2015 Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 69 Aspectos teóricos y la sensibilidad social en el infanticídio El caso de maría soledad rojas (MéridaVenezuela, 1845) civilizada. Al mismo tiempo, los estudios sobre honra femenina y honra sexual también han explorados, sido al ampliamente punto de dejar significativas contribuciones sobre cómo se ejerció un tipo de violencia hacia la mujer, con estudios de crímenes sexuales como el adulterio, la violencia conyugal y el estupro donde se deja claro la Jhoana Gregoria Prada Merchán trascendencia de la noción de honor en relación a la sexualidad femenina en los Introducción L espacios destacándose a relación entre el estudio de la violencia y el honor ha sido ampliamente estudiada tanto en Europa como en América republicano, fundamentalmente desde haciéndose la óptica masculina del honor, es decir, de la identificación de la valentía, el coraje y la defensa de los valores morales y sexuales como símbolo de honra varonil. En este sentido, los estudios sobre injurias, riñas y duelos han dado importantes aportes a la historiografía internacional, al mostrar un tipo de violencia que llegó a ampararse y respetarse en la ley e incluso a ritualizarse como un tipo de violencia sobre y todo privado y cómo la desviación de los cánones impuestos buscaba algún tipo de reparación, llegando incluso a la justicia. Sin embargo, ante la eminente Latina, especialmente durante el período colonial y públicos riqueza de estos trabajos, existe algún tipo de vacío en cuanto al estudio de la violencia ejercida por las mujeres, en donde no se entienda a la mujer como víctima, sino como protagonista que ejerce la violencia. Ciertas investigaciones han acompañado esta perspectiva, por ejemplo, aquellas que denotan diversos crímenes cometidos por mujeres que llegaban a la prisión y eran juzgadas por delitos como la embriaguez, prostitución, homicidio y vagancia. Por su parte, el infanticidio, es en todo caso un tipo de crimen que demuestra Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 70 claramente un tipo de violencia femenina consiste en verificar sí el discurso especial; actúa iluminista de mediados del siglo XVIII violentamente contra su propio hijo para donde se comienzan a tipificar los delitos salvaguardarse de otro tipo de violencia: en función de su móvil, es decir, el la discriminación social y la ilegitimidad. infanticidio honoris causa tuvo algún tipo Justamente, el análisis de casos de de influencia en las prerrogativas de las infanticidio puede ser extremamente autoridades de la Mérida de mediados del valioso para el estudio de este tipo de siglo XIX. donde la madre situaciones en donde se envuelve la conexión violencia-honra e ilegitimidad. A partir de la observación de procesos criminales en donde se juzgan a las infanticidas, se puede lograr una aproximación al entendimiento de la I parte: Aspectos teóricos y sensibilidad social en el infanticidio Infanticidio: un crimen violento mecánica surgida cuando la violencia es El infanticidio es un tipo de la única alternativa que encuentra una madre soltera para evitar el rechazo social. Con una exploración de las perspectivas histórica-social e históricajurídica, ciertas piezas del rompecabezas de una contravención tan contradictoria pueden dar respuestas bastante crimen que ha motivado repulsión en la mayoría de las sociedades debido a esa especial condición donde la madre fecundada de forma ilegítima da muerte al fruto de su ser. Tratándose de un niño, recién nacido o de pocos días de vida, un ser que no puede defenderse, y que sea la racionales. Este trabajo, tiene por lo tanto, la finalidad de realizar un vínculo entre la sensibilidad social ante el infanticidio y la aplicación de esos criterios en los juzgados. Se estudiará, precisamente un caso bastante interesante que revela la forma de castigo en el infanticidio en Mérida-Venezuela para 1845. La idea, madre quien lo asesine de forma premeditada y con intensión, hace que la sensibilidad de las personas se ponga a flor de piel. Por lo tanto, el infanticidio se define como la muerte causada con violencia 40 a un niño, sobre todo sí es 40 Atiéndase a los diversos significados jurídicos que Guillermo CABANELLAS otorga a la palabra violencia: Ejecución forzosa de algo, con Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 71 recién nacido o está próximo a nacer. La En este sentido, Octavio González muerte debe ser ocasionada de forma Roura en el año 1925 expresa que debe especial al mismo, particularmente por la tipificarse como infanticídio: A la muerte del feto o recién nacido, efectuada por la madre o cierto parientes con el objeto de ocultar la deshonra de la primera […] tres son pues, las condiciones específicas de esta figura de delito contra la vida; a saber: el tiempo, el móvil, la calidad de las personas. Material el primero y moral los últimos […] lo mismo puede acontecer infanticidio por acción y por omisión, como si se omitiere de propósito adoptar las diligencias necesarias para que viva el recién nacido [...]. (García y Basile, 1990: 36). madre o los ascendentes maternos para ocultar la deshonra. (Goldstein, 1978: 426). El infanticidio consiste en ultimar a una criatura; acción que es cometida, durante el nacimiento o bajo la influencia del estado puerperal41. independencia de su legalidad o ilicitud/ Presión moral/ Fuerza/ Todo acto contra justicia y razón/ Proceder contra normalidad y naturaleza. (Cabanellas, 2006: 940). 41 El puerperio se define como “[…] el período que se inicia después del alumbramiento, y se extiende hasta el momento en el cual el organismo recobra nuevamente su aptitud para concebir. Constituye para la mujer una etapa de convalecencia, durante la cual, por una parte, desaparecen todas las modificaciones gravídicas, y se instala una nueva función: la lactancia. El límite clínico del puerperio por lo general es la reaparición de la menstruación, y cuando esta no aparece, se fija el límite entre 40 ó 50 días. Igualmente el puerperio se subdivide en tres etapas: 1. puerperio mediato, que empieza después del alumbramiento, y dura 24 horas; 2. puerperio propiamente dicho, o primera convalecencia, que comprende la primera semana; y 3. puerperio alejado, o segunda convalecencia del puerperio, que se extiende hasta la reaparición menstrual o hasta los 40 ó 50 días.” (Fébres, 1962, p. 110). Sin embargo, la influencia del estado puerperal ha dado lugar a polémicas en lo que a su determinación temporal se refiere y al criterio que debe adoptarse en cuanto a los trastornos que constituyen sus secuelas, dos perspectivas discrepan al respecto; el fisiológico que considera el conjunto de trastornos o anomalías físicas y morales que generan el embarazo y el parto; y el psicológico que solo toma en cuenta los motivos que pueden impulsar a la madre a cometer el delito. (Goldstein, 1978: 426 – 427). El infanticidio es un tipo de delito que tiene características particulares, entre ellas es necesario que la criatura haya nacido viva, o sea, que haya respirado fuera del vientre materno. Para confirmar tal hecho, se recurre a la técnica de la docimasia pulmonar hidrostática, mediante la cual se extraen los pulmones de la criatura muerta y se sumergen en agua; sí ha respirado, ellos flotan, es decir que nació vivo, por el contrario, sí se hunden, significa que absorbieron oxígeno y, por lo tanto, se considera que la criatura no había nacido. (Cabanellas, 2003: 376). Al mismo tiempo, el infanticidio se tipifica por un móvil primordial que es el honor o honoris causa. El móvil del ocultamiento del honor (por Honoris Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 72 Causa) transforma el filicidio (homicidio Europa y América Latina- al castigar el calificado) en infanticidio, por lo que éste infanticidio se inspiran en un criterio debe suponer que la infanticida se haya rigorista tenido por honrada en su vida anterior, y correspondientes al asesinato, cuando el así se excluye de esta consideración a la infanticidio lo comete un extraño, y al mujer que la tiene por perdida; es decir, parricidio-filicidio cuando lo ejecuta el que sí ella se reconoce como deshonesta padre o cualquier otro ascendente. Tal o impúdica y ha hecho de su embarazo y principio general, tiene, no obstante una posterior parto algo público, ya no tiene excepción que se refiere al caso de la por qué guardar las apariencias ante una muerte de un recién nacido dada por la situación y madre que trata de ocultar su deshonra, o conocimiento de los demás. Igualmente, por los parientes cercanos, con la misma se debe tomar en cuenta que el honor es intensión. Precisamente, el infanticidio es una excusa como atenuación ante la ley. un homicidio castigado con pena menos La vergüenza social que conlleva la severa en razón a su móvil. Podría ilegitimidad, donde el cristianismo ha estimarse como un homicidio atenuado impuesto una alta valoración a la penalmente, no por la causa, sino tal vez procreación, el embarazo, el parto y la por la emoción violenta que puede existencia del niño en esas condiciones, derivarse del hecho de encontrarse la son esas las que lesionan el aspecto madre obsesionada por haber dado a luz externo de la reputación de la mujer y su un hijo en determinadas circunstancias consideración social. (Cabanellas, 2003: 377). que es de dominio señalando las penas En consecuencia, el infanticidio De manera que el infanticidio es un delito, un homicidio, el asesinato de constituye indudablemente un tipo de un niño o niña, porque es la muerte crimen violento que se tipifica así violenta que se da a una criatura, precisamente ejecutada voluntariamente, en la que especiales que concurren en él: la madre, concurre siempre la circunstancia de su hijo recién nacido y la necesidad de alevosía. Por eso, las leyes penales desde salvaguardar la honra. A la par, existen finales del siglo XIX –con la creación de otros principios que hacen percibir este Códigos Penales, especialmente por los elementos en Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 73 delito como especialmente cruel: la sobre los impulsos. Pero, ¿qué significa sensibilidad, el honor y la ilegitimidad. una sociedad civilizada? ¿Tal vez aquella que ha podido controlar y disciplinar la Sensibilidad: una construcción social violencia? y ¿cómo y a través de qué medios lo hace? Para Elías, la pregunta sería La sensibilidad social refiere en gran medida a los aspectos culturalespsíquicos que determinada sociedad tiene para aceptar de forma más permisiva o no la violencia y la manera en cómo debe ser castigada. David Garland (1999: 195196) en su trabajo Castigo y Sociedad Moderna explica claramente cómo la evolución del castigo no puede ser interpretada concretamente perspectiva foucaultiana, desde es la decir, entender el castigo como mero ejercicio del poder o de forma solamente racional. (Foucault, 2008). Por ejemplo, Norbert Elías (1994: 141-152) en su proceso de civilización, manifiesta sociedades van que las evolucionado culturalmente hasta llegar a un estado de civilización, lo que significa, una transformación de la conducta humana. ¿cómo se puede vivir tan pacíficamente? (ELÍAS, 1994: 141-152), en un mundo, donde tal vez la violencia sea innata a la naturaleza humana, ¿por qué hay tanta resistencia transformado la conducta y las emociones de los pueblos occidentales desde la Edad vivir bajo un canon civilizador?, ¿cómo y por qué se ejerce y se controla la violencia? La pacificación de la violencia se ha institucionalizado a través de una invención humana, donde ésta puede ser ejercida y controlada a través de ciertos medios considerados legítimos, como la policía, por ejemplo. Eso significa un arma de doble filo porque esa pacificación llega al interior de cada individuo condicionando su moviendo estructura y interna, encasillándolo a ciertos códigos, valores y actitudes, características únicas para cada sociedad. En este sentido, es indudable que De acuerdo con este autor, ese proceso refiere a cambios prolongados que han a los rasgos culturales y la sensibilidad influyen de forma directa y decisiva en la manera de castigar42 y ejercer el derecho Media hasta el presente. Es decir, una 42 refinación de las costumbres y un control Para nociones y experiencias de castigos y formas de punición modernas en América Latina Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 74 penal. La noción de justicia, por ejemplo, social tuvo mucho que ver con el impulso en la época moderna es más o menos de llevar la violencia a espacios privados permisiva con los tipos de castigos que o institucionalizados donde se ejercía de son tolerables o no. (Garland, 1999: 195- una manera más discreta y segura, lo cual 196). Como explica Garland, en cuanto a no significa que ésta disminuyera o que la construcción social de la sensibilidad; desapareciera, sino que funcionó como el organismo humano no se encuentra una forma de controlarla y vigilarla. completamente vacío para recibir todos En consecuencia, siendo el los elementos culturales, por lo tanto, las infanticidio un tipo de crimen violento, motivaciones se experimentó diversas fases de percepción desarrollan de forma desigual y se y sensibilidad, donde la única intensión adecuan a las distintas formas de era justificar cómo y porqué se debía socialización, así que, se puede pensar castigar. Es lógico, entonces, que la que la naturaleza humana no es una sensibilidad disposición universal, sino la consecución infanticidio fuese entendido y penalizado histórica de cómo la cultura interviene en de forma distinta de acuerdo al contexto, la naturaleza. (Garland, 1999: 249). espacio y al tiempo. En función de esto, y las emociones Precisamente, los individuos se social hizo que el varios teóricos han creado una especie de domestican y se ajustan para mantener clasificación divida por períodos convencionalismos sociales que con el históricos para comprender cómo ha sido tiempo suelen ser más demandantes, la evolución penal de este delito. Para el exigiendo más o menos tolerancia o más jurista argentino Irureta Goyena existen o menos sensibilidad. Una muestra de cuatro fases: ello lo representa la exhibición de la La primera etapa, a la que el autor violencia en espacios abiertos, que denomina de Impunidad se caracterizó funcionó durante mucho tiempo como precisamente por una indiferencia ante el una demostración ejemplarizante del infanticidio, castigo. Poco a poco, la sensibilidad primitivos este delito fue admitido de pues para los pueblos forma normal y no se aplicaba pena véase los interesantes trabajos de Aguirre, 2002; Durham, 2005; Fessler, 2012; Caimari In. Gayol y Kessler, 2002; Salvatore In. Aguirre y Gilbert, 2005. alguna; las económicas, razones culturales podían o ser militares. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 75 (Mendoza, 1948: 143-144). Beccaria (1754) concebía la pena en su Posteriormente, siguió un periodo de sentido utilitario, es decir, como un bien Rigorismo castigó social. Para él, el infanticidio era un tipo severamente este crimen. Después, un de delito donde la pena debía ser impune período de y se justificaba por la benevolencia que Asimilación donde muchas legislaciones despertaba la madre desesperada ante una equipararon el infanticidio al homicidio situación de vergüenza era impulsada a voluntario simple, separando de este eliminar al fruto de alguna debilidad o modo el infanticidio del parricidio y violencia. Para éste autor era preferible la finalmente, un período de Benignidad muerte material de un ser que era incapaz Penal, donde la madre ilegítima merece de sentir su vida a la muerte moral de la protección, por lo que el infanticidio se infamia que rodearía a la mujer. (Stampa, consideró como 1953: 50). privilegiado o Penal donde denominado sosteniéndose provenientes homicidio menos atenuado, En este mismo orden de ideas, diversos criterios Bentham pensaba que la gravedad de los de delitos debía medirse en función del daño algunos pensadores seguidores de la que le hacían a la sociedad. Este autor filosofía iluminista de mediados del siglo consideraba XVIII. causaba mal en primer grado, es decir, a Para de Sistema un al en se las estos discusiones infanticidio no la víctima, ya que era imposible causarle necesario determinar cuál era la sanción daño a una persona que ha dejado de más adecuada y eficaz para punir el existir antes de conocer su propia infanticidio, por esta razón, intervinieron existencia, en su consolidación dos órdenes de alarma, ya que las únicas personas consideraciones; humanitaria susceptibles a su pérdida lo habrían comprensión de la aturdida conducta de consentido o consumado. (Stampa, 1953: la madre, que asesina a su hijo para 51-52). Sin embargo, contrariamente a salvaguardar su honra; y la otra utilitaria Beccaria, Bentham no consideraba la preocupación de elegir una pena eficiente impunidad en el infanticidio, porque aún que lograra reprimir estos impulsos. estando (Stampa, representaba un síntoma de la tendencia la 49). se el hizo 1953: teóricos, que Precisamente, tampoco desprovisto causa de temor o maldad Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 76 criminal de quien lo cometió y exponía el códigos penales de América Latina a lo carácter de los mismos. largo del siglo XIX. Estos principios Para el italiano Romagnosi humanitarios beneficiaron profundamente (1791), la cualidad de la pena debía al determinarse en consonancia con los conllevaron a una dulcificación de su apetitos criminales que se reflejan o pena, llevándolo a un proceso de concurren dentro del delito. El aporte de reconocimiento como delictum exceptum. este pensador se destaca por haber sido el Este paso de una vieja a una primero en separar del impulso criminal nueva concepción en el infanticidio no se el móvil del honor; de esta forma, la realizó de forma drástica, sino que se infanticida que alegase honor y aunque ejecutó en dos etapas: la primera, estuvo este sentimiento fuese más acentuado que representada por los primeros Códigos los económicos, por ejemplo, no actuaba creados a inicios del siglo XIX, donde se criminalmente, ya que el pudor y la honra adoptó un criterio intermediario que que elementos intentó ajustar la antigua concepción del integrantes de su acción, le impedían que delito con las nuevas ideas, a decir, se se le otorgase el calificativo de homicida. continuó tipificando como la muerte de (Stampa, 1953: 54). Finalmente, el un recién nacido por cualquier persona, criminalista y filósofo alemán Feuerbach es decir, un parricidio, pero con la (1810) transformó en categorías técnicas excepción de que cuando fuese la madre la infanticidio; quien lo cometiese por motivos de honor conceptualizándolo como la muerte del se atenuaba de forma específica. Ya hijo recién nacido, ilegítimo y viable durante la segunda etapa, se establece el causada por la madre, con previa concepto vigente hasta hoy donde se ocultación del embarazo. (Stampa, 1953: delimita como un delictum exceptum. son los definición principales de 56). infanticidio, Para el podría caso decirse específico que de La influencia de estos filósofos Venezuela, la legislación procesal se fue recogida casi sin refutación en la inició con la República, mientras que la mayoría de las llamadas legislaciones reglamentación propiamente penal tardó modernas de Europa que a su vez más de setenta años en codificarse. Por lo influenciaron la creación de los primeros tanto, siguió aplicándose el derecho Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 77 castellano heredado de la colonia como contextos históricos, culturales y sociales las Siete Partidas y las Leyes de la que le rodean, por lo que resulta Recopilación de Indias hasta la entrada impreciso otorgar una definición única y en vigencia del primer Código Penal y universal del término. A pesar de ello, se Código de Procedimiento Criminal bajo pueden la dictadura del Gral. José Antonio Páez coincidencias (1863) con una validez efímera hasta determinaciones, encontrar entre por importantes unas y ejemplo, otras el finalizar la Guerra Federal cuando fueron derogados por Juan Crisóstomo Falcón (Rangel y Rodríguez, 1996: 91-93). Este primer Código Penal toma como base el Código Penal Español de 1848, siendo una copia fiel del mismo, en donde se tipifica al infanticidio como una figura destacada en razón del móvil del ocultamiento del honor con pena menor a la del homicidio. Las dos caras de la moneda: honra e ilegitimidad La noción de honor 43 ha variado en las sociedades de acuerdo a los 43 Algunos trabajos referenciales sobre el honor tanto en Europa como en América Latina son: BÜSCHGES, Christian. “Las Leyes del Honor”. Honor y Estratificación Social en el Distrito de la Audiencia de Quito (Siglo XVIII). En: Revista de Indias. Vol. LVII, # 209, 1997. p. 55-83; PITTRIVERS, Julián y J.G. PERISTIANY (eds.). Honor y Gracia. Editorial Alianza D.L. Madrid, España. 1993; PELLICER, Luis Felipe. La Vivencia del Honor en la Provincia de Venezuela 1774-1809. Estudio de Casos. Fundación Polar. Caracas, Venezuela. 1996; PITT-RIVERS, Julián. Antropología del Honor o Política de los Sexos: Ensayos de Antropología Mediterránea. (Traducción de Carlos Manzano). Editorial Crítica. Barcelona, España. 1979; RAMÍREZ MÉNDEZ, Luis A. Amor, Honor y Desamor en la Mérida Colonial. En: Revista Electrónica Otras Miradas. Vol. 4, # 2, Diciembre 2004; ____. Los Amantes Consénsuales en Mérida Colonial. En: Revista Electrónica Procesos. Revista de Historia, Arte y Ciencias Sociales. Año I, # I, Enero 2002; SEED, Patricia. Social Dimension of Race: México City 1753. En: Hispanic American Historical Review. Vol. 64, # 4, November, 1982. p. 600 – 640; ____. Social Dimension of Race: México City 1753. En: Hispanic American Historical Review. Vol. 64, # 4, November, 1982. pp. 600 – 640;____. Amar, Honrar y Obedecer en el México Colonial. Consejo Nacional para la cultura y las Artes. México. 1991; TWINAM, Ann. Honor, Sexualidad e Ilegitimidad en la Hispanoamérica Colonial. En: Asunción Lavrin: (Coord.) Sexualidad y Matrimonio en América Hispánica Siglos XVI – XVIII. México (Colección los Noventa # 67) Grijalbo, 1991. p. 127 -172; ____. Vidas Públicas, Secretos Privados. Género, Honor y Sexualidad en la Hispanoamérica Colonial. Primera Edición. Fondo de Cultura Económica. (Traducción de Cecilia Inés Restrepo). Buenos Aires, Argentina. 2009; PUTMAN, Lara Sarah Chambers and Sueann Caulfield. Introduction. Transformations in Honor, Status, Law over Long Nineteenth Century. En: Honor, Status and Law in Modern Latin America. Sueann Caulfield, Sarah Chambers and Lara Putmam (Editoras). Duke University Press. Durham & London. 2005. p. 123; Ruggiero, Kristin. Not Guilty: Abortion and Infanticide in Nineteenth-Century Argentina. En: Reconstructing Criminality in Latin America. Carlos Aguirre and Robert Buffington. Jaguar Books on Latin America (Number 19: 149-166).. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 78 Diccionario de Autoridades en 1726 lo honor se vio como algo intrínseco de la define como “[…] honra con esplendor y persona, de su comportamiento de sí era publicidad […] se toma muchas veces bueno o malo según la Ley y en América por reputación y lustre de alguna familia fue el signo de una estirpe; es decir, de […] significa también la honestidad y ser o no de una buena familia, no recato en las mugéres.” (Real Academia importaban lo que en el interior fuese el Española, 1990: 173). individuo, sí fuese malvado, lo Por lo tanto el honor forma parte importante era lo que su condición de la ética del individuo, quien se representaba ante los demás. De modo contempla así mismo a través de los que se puede afirmar que el honor tenía demás. mecanismos Éste se relaciona con la de represión social y reputación, la respetabilidad o la gloria, jurídicos diferentes, donde podían operar valores que se obtiene por medio del los dos al mismo tiempo, y donde lo juicio de terceros dentro de los cuales se fundamental era evitar la censura social, pretende ejercer una posición superior, por ello resulta importante enfatizar que pues se establece una lucha de poder cuando los vicios privados se hacían mientras se cuestiona sí los demás son públicos, se activaban los mecanismos merecedores de la misma integridad. del deshonor y en el caso específico del Precisamente, la pérdida del honor infanticidio, el crimen sólo se justificaba constituye un conflicto entre lo privado y por el honor perdido de la mujer, donde lo público, en donde la mujer forma parte cualquier de lo primero y el hombre de lo segundo. preservarlo. El honor pertenece y se maneja en el dominio de lo privado, ya maniobra servía para El centro de tales cuestiones tenía sea que ver con el nacimiento de un hijo internamente en el individuo, de su casa y ilegítimo, el ser madre no era sinónimo familia pero se pone en evidencia en lo de pecado, por el contrario se entendía público. que ese hecho honraba a la mujer, pero, Diversos estudios han demostrado la concepción de un hijo ilegítimo una diferencia básica entre la concepción implicaba mancillar el linaje y con ello se del honor en Europa y América Latina. ponía de manifiesto las consecuencias Justamente, en el Viejo Continente el sociales, lo que acarreaba la censura a la Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 79 que se veía expuesta tanto la madre como causar el mayor escándalo, porque en el futuro hijo ilegítimamente concebido. última instancia el pecado dependía de la Precisamente, resulta pertinente aclarar publicidad con que se ejecutase. La que todas las clases tomaban como contradicción que existía entre la letra de modelo de comportamiento a las élites, la ley y las conductas infractoras, se por ponía lo que buscaban seguir sus en evidencia cuando no se expresiones, así, el honor permeó a todos encubría, disfrazaba u ocultaba; es decir, los miembros de dichas calidades, claro cuando la conducta marchaba en contra está que los mecanismos para defenderlo del consenso general de la opinión de lo o recuperarlo eran distintos44, y en el caso correcto o de la actitud colectiva. particular de las sociedades coloniales y (Pellicer, 1996: 125). decimonónicas de Latinoamérica no se Equitativamente, el honor puede olvidar el peso que tuvo la Iglesia femenino, cimentado en el honor sexual, Católica sustentando que el sexo era tenía sus criterios primordiales en la pecado y que un hijo concebido fuera del virginidad matrimonio era la representación viviente mantener toda mujer para considerarse de la transgresión de la madre. meritoria de honor, pues sus faltas o y la pureza que debía Por esa razón, el honor dependió pecados implicaban gran ignominia, no de las apariencias, de su carácter público sólo para ella, sino también para su y por tanto del disimulo u ocultación de familia. Sí la pérdida de tales valores su transgresión; los que lo defendían traía consigo consecuencias, era delicado, necesitaban reponerlo acudiendo a la pues tal acto la delataría y dejaría justicia, que por su parte debió intervenir entredicho su fama y prestigio. La futura para restablecer el orden, haciéndolo sin madre acorralada y desesperada por una situación tan irregular como lo era un 44 María Alejandra Fernández explica que el honor atravesó los límites de clase y raza, señalándose la importancia que tuvo la defensa de la honra por parte de sectores medios, indígenas y negros, pues gracias a ello podían adquirir otro tipo de jerarquías en función del buen nombre y el respeto. Otra forma de entender esta importancia es a través de los mecanismos de defensa que algunos grupos sociales aplicaban para defender su honor, por ejemplo, recurrir a la justicia en busca de reparación. (Fernández, 2008: 147-172). embarazo ilegítimo, estaba en aprietos, porque la condena social se hacía inevitable, su estado no se podía ocultar por mucho tiempo y en caso de que lo hiciera debía valerse de múltiples recursos para lograr su cometido. Pero Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 80 sus apuros no terminan aquí, pues aproximarse hacia el tipo de violencia inevitablemente daría a luz a un hijo, ejercida por las mujeres, no contra las quien que mujeres, evaluar los tipos de crímenes cometió un pecado amoroso, el problema donde la mujer es protagonista al es él ahora, es por ello que a pesar de su momento de ejercer la violencia. Uno de instinto los tipos de delitos donde es posible la delataría, maternal, testificando una madre por salvaguardar su honra y evitar castigos y apreciar vergüenzas puede llegar a convertirse en infanticidio, donde la madre fecundada una criminal. procede con violencia al asesinar el fruto La interpretación de la violencia como un acto de de la vergüenza que la evidencia. que destacar en esa conexión entre esa violencia, honra e ilegitimidad, es cómo interpretación podía llegar a ser más o la interpretación del honor sirvió para menos aceptable en los diversos grupos pretender el orden social, moralizar y sociales. En ciertos casos, la violencia se modernizar a través de la intervención interpretó de del Estado en asuntos privados como el honorabilidad y se relacionó bastante con interés social de la familia y el papel la actitud masculina que debía estar bien ejercido por las mujeres, sobre todo en la provista de coraje y defensa aunque fuese fundación de las primeras Repúblicas física, en ese sentido, resulta interesante Latinoamericanas del siglo XIX. Las observar situaciones mujeres fueron encasilladas en una violentas pudieron llegar a ritualizarse y redefinición del modelo de feminidad, aceptarse legalmente, como el caso de los entendido ahora como sinónimo de buena sin duelos 45 como cómo de casos las autoridades, discurso los Otro punto interesante que hay del es son una característica criminal esto embargo, un ciertas símbolo . No obstante, es llamativo madre-educadora para los hijos de la República. El hecho más importante que 45 Para un interesante trabajo sobre duelos veáse los trabajos de CHASTEEN, John Charles. Violence for Show. Knife Dueling on a Ninettenth- Century Cattle Fronteir. En: The Problem of Order in Changing Societies. Enssays on Crime and Policing in Argentina and Uruguay. JOHNSON, Lyman L. (Edtr). University of New Mexico Press. Albuquerque. 1990. p. 47- 64; GAYOL, Sandra. Exigir y dar Satisfacción: un Privilegio de las elites finiseculares. En: Sociabilidades, justiças e violências: práticas e representações culturais no Cone Sul (Séculos XIX e XX). PESAVENTO, Sandra Jatahy y Sandra GAYOL (Organizadoras). Universidad Nacional de General Sarmiento. UFRGS. 2008. p. 109-146. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 81 se puede recalcar es que la noción de años y cristiana, asesinó a su hijo recién honra dejó de ser estrictamente entendida nacido el 30 de Junio de 1845 en la como patriarcal-familiar para convertirse localidad de Acequias a unos 40km de la en un valor más individual. Sin embargo, ciudad de Mérida. Soledad vivía con su los vestigios dejados por la herencia madre Gabriela Rojas y trabajaba en colonial siempre estuvieron presentes en labores de la tierra en la casa de su tío las leyes, Códigos Penales-Civiles y Pedro Rojas que se ubicaba en la convencionalismos sociales. (Caulfield, hacienda de Mucurandá, propiedad de la 2000: 51-56). Sra. María Rosario Dávila. De acuerdo Sin duda alguna, los crímenes que con el expediente, ella quedó envolvían la honra sexual femenina como embarazada de un hombre desconocido, el estupro y el infanticidio, por ejemplo, que la abandonó y por el temor que le lograron atraer la atención de médicos, tenía de su madre decidió estrangular y jueces, abogados, y teóricos que a través romper la boca de su hijo con el fin de de la influencia positivista del uso de la eliminar la prueba que la incriminaba ciencia para entender, separar, clasificar y como madre soltera. condenar a los criminales y al mismo María Soledad parió a su hijo en tiempo se preocupó bastante por las solitario un lunes por la tarde actuando nociones y tipificaciones del infanticidio, con mucha violencia contra el pequeño, en cuestiones como el estado puerperal pues le ocasionó varias heridas con el fin de la mujer y los exámenes médicos- de que no sobreviviera y posteriormente patológicos de la víctima recién nacida. lo enterró en un hueco poco profundo boca abajo cubriéndolo con mucha II parte: la infanticida María Soledad Rojas basura y tierra. Para sorpresa de ella, fue descubierta inmediatamente por una esclava que cuidaba la propiedad de nombre La acusada: maría soledad rojas Agustina Quintero que la sorprendió y la obligó a decir qué había hecho con el recién nacido. María Soledad Rojas, una indígena soltera mayor de veinticinco Cuando Soledad se vio acorralada, pues la esclava la amenazó Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 82 con denunciarla a las autoridades le declaraciones de los primeros testigos y confesó que lo había enterrado porque de quedar claro que María Soledad Rojas estaba muerto. Inmediatamente, amabas había cometido el asesinato y era la fueron al local del crimen que era una madre legítima de la víctima es detenida especie donde y enviada junto con el sumario al Juez de guardaban las cosechas de trigo, allí 1ª Instancia del 1er Circuito Criminal de descubrieron que la criatura aún estaba la viva, la sacaron, lavaron y llamaron al interrogada y juzgada en el Tribunal de Sr. Francisco Rojas para que lo bautizara Justicia de Catedral. de casa solitaria Provincia de Mérida para ser rápidamente ya que el niño estaba muy maltratado y no tenía apariencia de José Pablo Ignacio sobrevivir, y efectivamente, murió tres días después. Ese fue el nombre que se le dio a Con la muerte del niño, se hace una denuncia formal contra la criatura en su bautismo antes de morir. María El pequeño no logró sobrevivir debido a Soledad Rojas ante el Juez 1º de Paz de las múltiples heridas que le propinó su la Parroquia de Acequias Juan Pablo madre, en su declaración del 19 de Julio Pérez el día 4 de Julio de 1845. En esa de 1845, confesó: acusación se describen claramente los hechos del infanticidio y por esta razón el Juez decide abrir la investigación, hacer el reconocimiento del cadáver por personas comunes que tenían por profesión labradores por no contar en la […] que ella misma con sus manos le rajó la boca metiendole el dedo para rajársela[…] porque tenia miedo á su madre[…] le rajó la boca a su hijo Pablo Ignasio, para que no mamara que esto lo hacia por su mala cabeza, entendida de que no era pecado, y ofrece que será esto lo primero y lo ultimo que no lo volvera ahacer […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 190v). localidad con un especialista, es decir, un médico que hiciera una validación completa del niño y finalmente citar e interrogar a los diversos testigos. El 10 de Julio de 1845, después de la denuncia, del reconocimiento de las heridas del recién nacido, de las Continúa Soledad, diciendo: […] que al nacer fue que le rajó la boca y que entonces lo metio embojotado en un trapo de lana en una casa de trigo y despues le echo una poca de tierra ensima, creyendolo muerto para lo cual apreto la misma tierra […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 190v). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 83 De acuerdo con el examen ocular Parroquia de Acequias Sebastián que hicieron José Ignasio Moreno y Fernández Peña como consta en acta Alonso Rojas, el recién nacido parecía agregada al sumario. Esto indica la ser un niño de nueve meses de gestación, importancia que se tenía de bautizar a los que nació vivo y que murió debido a la recién nacidos y de dar un funeral violencia que la madre le infirió después apropiado para que su alma descara en de nacido. Las heridas eran varias y paz. fueron descritas cuidadosamente: […] una hendidura en la cabeza que le parecio hecho con la uña: que tenia tambien desollada la boca del lado derecho hasta la oreja y reventado el huezo de la quijada del mismo lado: que del mismo modo tenía desollada un poco la boca del lado izquierdo: que por consiguiente tenia en el pescueso de haberlo ahorcado con las manos, pues se le distuinguian los dedos, y que no duda que esto le causaria la muerte […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: fls. 184v-185r). La madre declaró que el niño murió tres días después, que fue velado y enterrado: Los testimonios La trascendencia de los testigos en cualquier proceso criminal es de suma importancia y en este caso no es la excepción. Considerando que el infanticidio es un tipo de crimen violento que causa repulsión al medio social, las personas que se veían envueltas en este tipo de circunstancias solían estar atentas al caso y a colaborar con las autoridades […] que el chiquito se mantubo vivo hasta el jueves […] manteniendose en todo este tiempo con guarapito que chupaba y algunos pequeños tragos de leche que podia pasar: que despues que murió lo velaron hasta el sábado que lo llevaron a la parroquia de Asequias donde se enterro […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 190v). Efectivamente, el niño fue bautizado de forma privada, no de forma oficial como declaran los testigos por no tener tiempo. A pesar de esto, sí recibió con el fin de esclarecer y punir. El caso de María Soledad Rojas fue especial porque la madre fue descubierta infraganti inmediatamente después de asesinar y enterrar a su hijo recién nacido creyéndolo muerto, la madre, se vio aún más acorralada que por su vergüenza social y no tuvo otra opción más que confesar su crimen. El problema estaba ahora en justificar su acción violenta y el un entierro católico el día 4 de Julio de 1845 por parte del Presbítero de la Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 84 por qué de un acto considerado por hace ninguna mención considerando que muchos como horroroso. vivían juntas y era su pariente más Los testigos de este caso fueron próxima. En este sentido, parecen las personas envueltas directamente con muchos vacíos y ciertas incongruencias el hecho, es decir, los familiares de en las fechas de los hechos, cosa que el Soledad, la persona que bautizó a la juez no reparó o no tomó en cuenta. criatura y los reconocedores del cadáver. Igualmente, en el caso de la declaración Testificaron a lo largo de unos dos meses de la esclava Agustina Quintero quien un total de ocho individuos que en su era una testigo principal, pues fue ella mayoría no mostraron contradicciones al quien descubrió a Soledad en su crimen, momento de esclarecer el suceso. Ellos no se toma desde el principio su fueron: Salvador Rojas (comandante de testimonio simplemente porque la propia la policía), Juan Francisco Rojas (quien Agustina realizó el bautismo), Alonso Rojas entendimiento y no es persona suficiente (vecino), Agustina Quintero (esclava que para declarar, cosa que es aceptada con desenterró a la criatura), Pablo Rojas facilidad por las autoridades e incluso al (vecino) y Gabriela Rojas, la madre de final del expediente se llega a desestimar Soledad. su testimonio por supuestamente no ser Todos aportaron datos importantes, claro está en la medida de lo dice que ella no tiene relevante para el caso. que sabían o habían escuchado. Un punto interesante es que no se observó que La acusación y su defensa interrogaran a los testigos explícitamente sobre la fama u honra de la acusada, pero sí se indagaba sí había tenido hijos antes, con quién vivía y qué hacía. es que Alvarado, quien revisando el expediente el 24 de Julio de 1845 hace una acusación Otra cosa que no se notó en los interrogatorios, El Fiscal de la causa, Dr. Rafael en ningún y pide para la encausada María Soledad Rojas el siguiente castigo: momento se pregunta sobre el embarazo de Soledad, es decir, sí era o no del conocimiento de los demás, incluso en el interrogatorio de Gabriela Rojas no se […] no quedan dudas algunas de que la procesada ha dado muerte a su hijo José Pablo Ignasio, que estaba gravida, que tuvo lugar el parto, que la criatura murió, que el parto no fue dificil i que Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 85 hubo violencia por virtud de la cual el párvulo dejo de existir, se deduce de la lectura de la causa sin contradiccion alguna, pues la misma reo en estas circunstancias esta confesa; propone pues formal acusacion contra ella por el crimen de infanticidio que ha perpetrado olvidando los sentimientos naturales i haciendo morir violentamente, pero con meditacion i calma á su hijo José P. Ignacio, para que oportunamente tenga lugar en la persona de la encausada la pena que establece i con que se castiga este delito la lei 12 tit 8 part 7ª […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 193r). [...] se le reconvino haciendole cargo del escandalo y grave delito que ha cometido, maltratando y dando la muerte a su hijo propio, delito contra la naturaleza misma; pues esta enseña que hasta las fieras aman, quieren y cuidan a sus hijos? Contestó: que el temor á su madre y su misma ignorancia la precipitaron y la obligaron á cometer semejante ecceso […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 194r). Precisamente, esa ignorancia será la estrategia usada por el Dr. Rafael Alvarado para proteger a Soledad: Por lo tanto, se deduce que el a la madre de Soledad, c) que los Jueces […] comence á preguntarle sobre el hecho, y ella no podia responderme porque dando a reir y reir y mas reir no tenia lugar de articular palabra alguna. Le hice ver que el negocio era serio y que su delito no era para celebrarse de ese modo, preguntandole en seguida que testigos podiamos presentar en su defensa[…] cual era el estado en que se hallaba si de embriagues o de sanidad al tiempo de su parto… solo respondia “nada se doctor” […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 204r). de Paz de Acequias indiquen la distancia La supuesta estupidez de Soledad habida entre la casa donde vivía Soledad le sirvió a la defensa para afirmar que ella hasta el lugar donde mató y enterró a su había cometido su delito en función del hijo, d) que se amplíe la confesión de la desconocimiento que tenía y de no saber procesada y e) que se agregase al lo que estaba haciendo o sí era bueno o expediente el certificado de entierro del malo: Fiscal considera que la confesión de Soledad es clave para aplicarle la pena de muerte. No obstante, éste pide esclarecer ciertos hechos antes de establecer la sentencia definitiva: a) que se interrogue a Agustina Quintero, b) que se interrogue niño José Pablo Ignacio. Con esto, el Fiscal quería rectificar ciertas omisiones que se hicieron en el proceso desde el principio y tener certeza de la culpabilidad de la acusada. En la declaración ampliada de Soledad Rojas del 26 de Julio de 1845 se le inquirió lo siguiente: […] la muger no respondia otra cosa que “ignorante yo, mi mala cabeza, pero yo estoy arrimada a San Antonio y a Nuestro Señor para no volverlo á hacer mas nunca”[…] vinimos á descubrir que la india es sumamente estúpida, verdad que se desprende de sus espresiones y que puede asegurarse que ha cometido el infanticidio por pura estupidez […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845, f. 204r) […] no teniendo pues que promover en favor de mi cliente con respecto al infanticidio que no prestando Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 86 la menor instrucción, tocame probar su demasiada estupidez, porque de ello espero por lo menos la atenuación de la pena del delito […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: fls. 204v-205r). De manera que, ante esto, el Juez de la causa nombra a los Doctores Nicolás Escobar y Juan José Cosme Gimenez para una evaluación de la acusada, evaluación probablemente psicológica. Precisamente, el 4 de Agosto de 1845, el Dr. Juan José Cosme Gimenez descarta la teoría de la defensa al exponer: […] que ella no tiene ningun defecto en su organizacion; que en todas las facultades intelectuales se encuentra aquel grado de desarroyo que es comun con las personas de su descuidada educación; que conoce en este mismo grado la [ilegible] de las [ilegible] y que en este concepto sobre el mal que hizo en la destrucción de la vida de su hijo segun confiesa [ilegible]; ella habla con exactitud respecto á su familia, país, haberes y la relación de la [ilegible] consecuencia que esta en su entero y sano juicio y que el infanticidio ha sido el resultado de una especie de venganza que quiso imponer en el hijo consecuente [de] los disgustos que habia tenido con el padre de su pequeñito que negaba que fuese su hijo […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: fls. 206r-206v). La sentencia de 1ª Instancia del 1er Circuito de la Provincia de Mérida Agustín Chipía de causa criminal contra María Soledad Rojas, expuso lo siguiente: […] se [ilegible]con no saber lo que hizo, circunstancia que en nada la favorece; como tampoco la estupidez que le atribuye el defensor, apareciendo lo contrario de los términos con que se explican los Doctores Nicolas Escobar i Juan José Cosme Gimenez… resulta, pues, bastante comprobado el hecho materia de este proceso, i que la autora de tan horrendo crimen fue Soledad Rojas___ Por tanto, administrando justicia por autoridad de la Ley (4ª Título 23 R.C. il [ilegible] Título 8º Partida 7ª) se condena á Soledad Rojas á sufrir la pena de ultimo suplicio como lo disponga V.E. la Corte Superior del Distrito, a quien se remitirá […] consulta de esta determinación […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: fls. 214r-214v). La Corte Superior del 5º Distrito Judicial de Maracaibo confirma la sentencia el 10 de Septiembre de 1845: [...] la Corte encuentra plenamente comprobado el delito atribuido […] y las actas no dejan dudas que la misma Rojas fue la causa eficiente de la muerte que sobrevino a su hijo […] no queda duda que Soledad Rojas ha cometido el delito de parricidio, y que se ha hecho acreedora á la pena que se le ha impuesto en 1ª instancia […] se confirma la sentencia apelada con el impuesto para gastos de justicia […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: fls. 217r-218v). La Suprema Corte de Justica en El 26 de Agosto de 1845, el Juez después declaraciones y el proceso general de la haber analizado las Caracas reforma drásticamente la sentencia confirmada en 1ª y 2ª Instancia, dos cosas jugaron a favor de esta decisión: Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 87 […] la acusacion suministra una perfecta probanza de que la enjuiciada, usando sus propias manos ejerció violencias criminales sobre su hijo acabado de nacer; mas como a ellas sobrevivió el niño un dia por lo menos es preciso un exámen mas exahustivo de la criatura […] en semejante oscuridad, faltan los datos indispensables para establecer que hubo la consumacion del infanticidio, i que la Rojas merece sufrir el ultimo suplicio […] ella sin embargo, es responsable por las violencias que ejerció sobre su propio hijo con intención de quitarle la vida, i siendo graves i criminales bajo todos aspectos, exijen la imposición de un castigo tambien de gravedad= En consecuencia administrando justicia por autoridad de la Ley, se reforma la sentencia de la Corte Superior, i se condena a Soledad Rojas a ocho años de servicio, á racion i sin sueldo, en el hospital de caridad de Maracaibo, ó en el de Valencia […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: fls. 221v-222r). Segundo elemento que favoreció la sentencia de Soledad Rojas: […] la comisión de este hecho, con tales circunstancias principalmente en una mujer que tenía poderosos motivos para encubrir su fragilidad, constituye un verdadero delito de infanticidio que ha sido enteramente consumado por su autora en cuanto estuvo de su parte, pues aunque la criatura sobrevivió á este acontecimiento no fue por los oficios de su propia madre que lo habia dejado por muerto y si por otras personas que ocurrieron al lugar donde lo habia depositado […] con el objeto de economisar la pena de muerte; i teniendo en consideración la debilidad y la fragilidad del sexo, la ignorancia e idiotismo que manifiesta la encausada y que tal vez pueden ser ciertos los motivos de temor a su madre que alega y dice la impulsaron a cometer semejante atrocidad […]. (Archivo General del Estado Mérida, 1845: f. 223r). Finalmente el 2 de enero de 1846, se le informa de la sentencia a María Soledad Rojas y se le imputan el cobro de 50 pesos que pasarán a la lista de insolventes por estar la acusada asistida por las rentas de la municipalidad. El 5 de ese mismo mes se procede a llevar a Soledad a Maracaibo con el fin de que cumpliera con su castigo. Lo que se desprende de la sentencia inicial y su reforma posterior es que los jueces ante la duda y la deficiencia en las pruebas sobre la inocencia de Soledad prefirieron aplicar una pena más leve que la de la muerte, pues para llevar a una mujer a semejante castigo tenían que tener la certeza absoluta de su culpabilidad. Como se puede notar hubo insuficiencias en el reconocimiento del cadáver del niño, incluso atendiendo a que fueron dos personas sin experiencia o sin licencia para ejercer la medicina, el examen fue ocular y bastante vago. Sin la comprobación de ciertas circunstancias como que la criatura murió directamente por la violencia que le ejerció su madre y el hecho de haber sobrevivido llevaba a la indeterminación de la intención de la culpable. Soledad estaba siendo juzgada básicamente por el delito de parricidio, es Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 88 decir, un homicidio sin atenuante que se identidad o el desprestigio y la muerte castigaba con la muerte, sin embargo, en social de la madre. el discurso de las autoridades hay No cabe duda, que la sensibilidad ambivalencias sobre su conocimiento se hace evidente en este tipo de sobre la tipificación del infanticidio, ya situaciones; que la estupidez, la locura y el posible irracional?, ¿cómo y por qué justificarlo?, miedo a su progenitora jugaron como ¿se condena pero se tolera a la vez?, ¿por elementos decisivos en la reforma de la qué la madre que asesina al fruto de su sentencia inicial. ser para salvaguardar su honor merece más ¿cómo compasión?. racionalizar Anteriormente lo se explicó cómo y por qué el infanticidio Reflexiones finales llegó a tipificarse en la mayoría de las legislaciones europeas y latinoamericanas Indiscutiblemente el infanticidio, constituye un tipo de crimen violento en donde la madre fecundada de forma ilegítima asesina a su hijo para sobrellevar las cargas de su vergüenza. Esas características que tipifican a este delito, hacen que el infanticidio sea un homicidio difícil de descubrir y mucho más problemático de juzgar y castigar. La irracionalidad de una mujer que atenta contra la vida de su propio hijo recién nacido es incompatible con el sentimiento maternal que toda madre debería despertar después de dar a luz. Es allí, justamente en donde radica su contradicción; el valor de la vida de un ser inocente que se considera aún sin como un tipo delictum exceptum, separándolo del parricidio y atenuándolo en razón de su móvil. Estos principios iluministas de finales del siglo XVIII, no se evidencian en el caso de María Soledad Rojas, pues ella termina siendo juzgada y castigada por parricidio, es decir, por un homicidio calificado. Las contrariedades y carencias en el proceso llevado en su contra son varias, ya que en sus discursos los jueces y abogados se contradicen en cuanto al móvil y a la forma de punir el asesinato. Surgen así, teorías de defensa como la locura o la estupidez de la acusada, que en nada se relacionaron con un posible estado puerperal de la madre, y por otro lado, se justifica el crimen con el miedo Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 89 que aquella tenía de su progenitora ante su situación de madre soltera. Los vacíos también se demuestran en las declaraciones de los testigos y en el interrogatorio de la acusada, ya que cosas relevantes como la ocultación de su embarazo fueron obviadas o ignoradas. No obstante, se destaca la celeridad del proceso, que fue continuo y rápido, con interés de resolución. Tomando en cuenta la época y las distancias, la comunicación y la organización del expediente criminal fue bastante eficaz. Por otra parte, se pueden atribuir aquellas debilidades en el reconocimiento médico-legal del cadáver del recién nacido a estas circunstancias de lejanía y la falta de profesionales calificados. Por lo tanto, la influencia de esos nuevos preceptos sobre el infanticidio para la mitad del siglo XIX en Mérida no habían permeado aún, ya que se nota el desconocimiento y confusión de los jueces para tipificar y sentenciar este crimen. Referências bibliográficas AGUIRRE, Carlos. The Criminals of Lima and their worlds: the prison experience. 1850-1935. Durham. Duke University Press. 2005; FESSLER, Daniel. Derecho Penal y Castigo en Uruguay (1878-1907). Montevideo. Universidad de La República. 2012. BÜSCHGES, Christian. “Las Leyes del Honor”. Honor y Estratificación Social en el Distrito de la Audiencia de Quito (Siglo XVIII). En: Revista de Indias. Vol. LVII, # 209, 1997. p. 55-83. CABANELLAS, Guillermo. Diccionario de Derecho Usual. 4ª Edición. Editorial Bibliográfica Ameba. 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Assim, o imaginário social, 46 juntamente com o lugar social de onde se emite os discursos, que já eram aspectos Lucas Carvalho S. de Aguiar Pereira fundamentais para compreensão dos fenômenos sociais, como um todo, ganham uma importância particular para Justaposições iniciais o estudo da violência, pois permitem observar as formas e as bases das A definição conceitual do divisões sociais (Bourdieu, 1982; 2006). fenômeno da violência não é Uma inflexão no pensamento tarefa simples. Apesar da sociológico do século XX, que encontrou familiaridade que todos temos com suas repercussão significativa no final da manifestações, podemos interroga-la a década partir trabalhos de Norbert Elias sobre o de diferentes aproximações de teóricas, metodológicas ou institucionais. processo Tradicionalmente, experiências a violência é 1960, encontra-se civilizador. da Para nos ele, violência as física, caracterizada a partir dos impactos físicos observadas causados nos sujeitos individualmente ou duração, teria diminuído na Europa desde em grupo. Mas, há pelo menos um o período medieval. A sociedade de corte século, da seria o marco do estabelecimento de um violência entrou no campo de discussão processo de autocontrole da violência, das ciências sociais, que se interessaram que passaria cada vez mais do âmbito pelas formas de exclusão, as dinâmicas externo – via força pública – ao âmbito de desvalorização e valorização de interno – via aquisição de valores e grupos sociais. Esse processo facilitou o sentimentos contrários à violência física. desenvolvimento de perspectivas que A civilização seria, assim, um processo 46 de transformação das sensibilidades, no a dimensão simbólica Agradeço aos colegas da disciplina Abordagens da Violência e ao Prof. Marco Bretas pelas discussões profícuas sobre tema tão espinhoso. em processo de longa qual a polidez se desenvolveria e a Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 92 espontaneidade se retrairia, diminuindo, de capital cultural. A violência simbólica assim, os índices de violência (Elias, tornou-se uma chave analítica para 1994: 239-249).47 Mas isso não significa compreensão que outras relações de poder deixaram de dominação e das relações assimétricas em ser exercidas por e sobre os sujeitos na diferentes escalas, sendo mobilizados em contemporaneidade. A diminuição da estudos históricos sobre questões de violência física e o aumento do controle gênero, raça e classe social. Entre os afetivo no contexto da Europa ocidental objetos desses esforços analíticos, a seria educação, uma tendência do processo na dos mais processos ampla de acepção, civilizador e não uma lei, de espírito também surgiu como um problema hegeliano, historiográfico crucial para a discussão da imposta às organizações violência sentido, é preciso admitir que a violência negativa – exercida sobre os corpos e física papel mentes (Soihet, 1997; Vigarello, 2005) e significativo nas relações estabelecidas a dimensão pedagógica do poder passou a entre os indivíduos e entre esses e o ser preocupação das ciências sociais estado. (Soares, 2005). A violência é, portanto, continua exercendo simbólica – sociais (Spierenburg, 2001: 100). Nesse positiva ou Pierre Bourdieu (1982; 2006), em uma seara analítica tanto espinhosa diferentes obras, chamou a atenção para a quanto produtiva para as ciências sociais. violência simbólica que permeia os Não se trata de um conceito ou fenômeno processos de legitimação da ordem social que se pode tomar em definitivo, pois seu e política, produzindo diferenciações núcleo duro é maleável, tornando-se uma sociais na distribuição, acesso e acúmulo noção trans-histórica.48 Partindo desse pano de fundo 47 Para o historiador Peter Spierenburg (2001), por exemplo, o número de homicídios entre 1300 e 1900 teria diminuído consideravelmente, comprovando as hipóteses eliasianas. Empírica e teoricamente essas perspectivas são notáveis e poderiam ser complementadas com análises sobre os avanços tecnológicos e científicos, como a invenção da anestesia e outros artefatos de assepsia hospitalar, que contribuíram consideravelmente para a redução do número de mortes por ferimentos decorrentes de eventos violentos. Sobre corpo, dor e violência: Cf. Corbin, 2009. teórico o presente artigo investiga o lugar da violência no cotidiano de uma instituição policial e militar do estado de Minas Gerais, a Força Pública, no período que vai entre o final do século 48 Na condução da disciplina, essa perspectiva foi adotada pelo Professor Marcos, de quem tomo emprestado. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 93 XIX e meados dos XX. Não se pretende produzir uma crítica genealógica da violência exercida pelas instituições A força pública: para além do braço armado do estado policiais em contato com a população. As Trata-se de um esforço de compreensão análises da dinâmica do papel da violência em um mundo organizacional das forças públicas no eminentemente rural – mas intercortado Brasil pela urbanidade –, 49 cujo exercício do pressuposto, poder e da autoridade esteve presente, documentação legal, de que essas forças muitas vezes, nas relações estabelecidas se constituíram como pequenos exércitos entre oficiais e inferiores da força policial estaduais a serem mobilizados pelos e entre esses sujeitos e a população das governadores a seu bel prazer (Cotta, comunidades locais. É no cruzamento 2006; Dellari, 1976; Fernandes, 1976). dessas relações que pretendo dirigir meu De fato, no papel e em situações de olhar e meus questionamentos, sem a desequilíbrios pretensão de esgotar o assunto. O texto é mobilizações operárias e movimentos dividido da políticos de oposição, as forças públicas situação historiográfica a respeito das foram mobilizadas pelos seus respectivos forças policiais militares brasileiras e em governadores, para defesa da ordem Minas, seguido de duas seções sobre estadual e federativa, lançando mão da diferentes formas de força bruta e bélica. Mas essa constatação envolvendo policiais. Finalizo em uma apresentação violência têm sido pautadas presente políticos, em tais pelo farta como com presente em grande parte da bibliografia apontamentos iniciais sobre os estreitos e tradicional sobre o tema, por si só, não complexos vínculos entre violência e o explica a atuação cotidiana dos sujeitos cotidiano policial no cenário mineiro. que ocuparam o lugar de soldado ou oficial das forças policiais militares do estado. Ignorando-se, então, o papel da Força Pública na dinâmica sócio-política 49 Sobre a questão da urbanização das Minas relacionada com os aparatos estatais, desde o Século XIX, pode ser encontrada em Vellasco (2004); Cunha, 2009; e Saes et ali, 2012. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 94 em Minas Gerais e o seu lugar na história público e privado. Nesse sentido, é social e cultural no estado.50 forçoso reconhecer que o tipo de tarefas Por um lado, a pequena produção efetuadas pelas polícias no Brasil, assim nessa perspectiva indica que o tema da como em outros estados, “provavelmente história da polícia, especialmente a conduziu muitos historiadores sociais à vertente militar, não possui grande cautela em reconhecer o policial como relevância um trabalhador, muito menos explorar a entre os pesquisadores acadêmicos contemporâneos do estado mineiro, apesar do questão” (Emsley, 2000: 110). posicionamento Algumas abordagens público de vários historiadores sobre o historiográficas assunto. Por outro lado, é preciso institucionalização das polícias no Brasil, considerar que o tema passou um que foram organizadas provincialmente e processo controverso de legitimação no assim Brasil, devido, em grande medida, à republicano, focaram-se nas funções ascensão de uma história social, a partir exercidas pela polícia, como a de manter da buscava a ordem e a obediência entre as massas compreender a formação e a experiência dos trabalhadores escravos e homens dos trabalhadores brasileiros, marcadas pobres livres, enfatizando a função de por inúmeros conflitos, perseguições e repressão/dominação tensões com órgãos policiais de caráter policiais e dividindo o espaço do Rio de 50 década de 1970, que Na verdade, inclusive os estudos de cientistas sociais e historiadores sobre as forças policiais militares de outros estados são escassos, apesar da crescente atenção dada ao tema por pesquisas recentes. Estudos resultantes em teses, dissertações e artigos tratando de forças policiais militares têm sido desenvolvidos em estados como do Rio Grande do Sul, São Paulo, Pará, Pernambuco, Goiás e Ceará. Vale lembrar que há uma vasta produção memorialística e historiográfica de cunho oficial ou na perspectiva institucional, cujo mapeamento e análise ainda precisam de melhor cuidado historiográfico. Um estudo inicial permite observar que a bibliografia referente à polícia militar em Minas foi um importante instrumento de luta pela legitimação dos papéis desempenhados pela instituição e importante elemento da formação de uma cultura policial no estado. do processo permaneceram no de período exercida pelos Janeiro em um mundo da ordem e outro da desordem (Holloway, 1997). 51 Rosemberg (2010: 48-58), estudando as duas últimas décadas do Império, observa duas linhagens policiais existentes em São Paulo, uma ligada ao chefe de polícia, e outra referente às forças responsáveis pelo policiamento administrativo ou 51 Para essa análise da historiografia sobre o crime e a polícia ver Bretas, 1991. Um balanço recente e atualizado pode ser visto em: Bretas; Rosemberg, 2013. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 95 ostensivo. A chefia de polícia era a com jurisdição nas cidades do interior.52 linhagem de convergência de todas as A presença dessas autoridades militares e atribulações da sua participação na resolução de conflitos província, recebendo as mais diversas relativos à ordem pública e captura de reclamações da população. A ela estavam criminosos, parece ter sido bem intensa e ligados os delegados e subdelegados, teve sentidos variados ao longo do tempo enquanto em diferentes localidades mineiras. Esses da à vida segunda cotidiana linhagem se conectavam os batalhões militares ou o são civil. capilaridade Em Minas Gerais, indícios de do que existia uma poder muito mais alguns complexa do que a mera caracterização trabalhos vêm permitindo direta ou da polícia como força particular do indiretamente produzir uma releitura governador, pois permitem propor a sobre a hipótese da força policial como hipótese de que as relações de poder mero instrumento político nas mãos dos estabelecidas entre as autoridades nas governadores. Estudos vêm indicando localidades e os habitantes não eram que no período imperial, o comando das insignificantes para as dinâmicas tropas ficou sob a responsabilidade de militares de alta patente até 1841, quando passou oficialmente para o chefe de polícia, num organização lento de processo sua de estrutura administrativa (Vellasco, 2007: 245). No período republicano percebe-se uma constante troca do posto do comando das forças militarizadas do estado, ora sob a chancela de uma autoridade militar, ora sob o comando de um civil na pasta da Chefia de Polícia (Baggio, 1979). Além disso, observa-se uma forte presença de oficiais da Brigada Policial e da Força Pública nos cargos de delegados especiais, 52 Isso pode ser observado, por exemplo, nos livros de ajuda de custo onde se encerram, também, nomeações e dispensas de tenentes de capitães para o cargo de “delegado especial” em diversos municípios mineiros. Ver, por exemplo APM – SI 117; APM – POL 360; APM – POL 359. O cargo de delegado militar também é encontrado no mesmo período em outros estados, como o Ceará, e estava incumbido de importantes atribuições administrativas e judiciais nas cidades do interior. Ver Fonteles Neto, 2005: n.. 36 e 39. Entre as décadas de 1920 e 1930, alguns delegados e chefes do Serviço de Investigações reivindicavam uma polícia de carreira e a exigência de delegados especializados qualificados para o serviço. Isso, para eles, poderia minimizar o problema das relações de apadrinhamento político, que vigoravam entre os delegados nos municípios mineiros e que atrapalhava algumas atribuições dessa função pública. Ver Pereira, 2012: 113-115. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 96 políticas estabelecidas em âmbito local, principais centros urbanizados, “onde as regional ou estadual.53 configurações Para André Rosemberg (2011: 15), atualmente, “apesar do aumento de policiais são muito diversas” (Bretas; Rosemberg, 2013: 170171). interesse, não passam de uma vintena a O estudo desses ambientes rurais produção acadêmica” especificamente e cidades do interior mineiro vem voltada para o estudo da história da contribuir polícia no Brasil. Mas o crescimento compreensão da relação entre policiais e desse interesse tem sido fundamental para população no período republicano. É o debate público e para compreensão preciso ressaltar, contudo, que entre o histórica desse objeto complexo, mas urbano e rural há uma vasta área ocupada cada vez menos opaco. A historiografia por pequenas cidades que, vez ou outra, da polícia brasileira vem demonstrando, se tornaram importantes “centros para a por exemplo, que os aparatos policiais, sociedade rural”, pontos de encontro especialmente a vertente militarizada, especialmente por possuírem “mercados adquiriram ao longo dos dois últimos e feiras”, mas também importantes séculos “uma ampliação do espaço de pontos de apoio para circulação de autonomia funcional” do policial, o que mercadorias para os centros políticos e teria provocado um distanciamento entre econômicos as práticas policiais e os interesses dos (Emsley, 1987: 87). Em Minas Gerais a administradores políticos, por um lado, e difusão, desde os períodos colonial e uma aproximação dos policiais das imperial, das pequenas cidades, dos “questiúnculas invisíveis do dia a dia pequenos distritos com suas vendas, rural”. E ainda há, no entanto, uma praças, caminhos e outros espaços de defasagem na historiografia em relação troca, como os mercados, foi crucial para ao estudo de áreas mais afastadas dos a formação das redes sociais em que os para regionais avançar e o nessa nacional policiais militares estiveram envolvidos, 53 Não se nega o caráter político e instrumental das instituições policiais no sentido de defesa dos interesses estatais. O que se pretende é superar essa explicação, refinando-a, problematizando-a, pois ela não dá conta da complexidade da vida social e política que os arquivos policiais incessantemente têm nos indicado em diferentes pesquisas. pois antecipou a “ordenação social sob o controle do estado” (Vellasco, 2004: 19). Constantemente transferidos e realocados entre as companhias que formavam os Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 97 batalhões, deslocados de uma diligência a estado brasileiro são permeadas por longa outra, ligados e desligados de uma tradição de violência no campo e em jurisdição como delegados especiais, as pequenas praças e os oficiais dessas polícias questões políticas locais ou nacionais, militares criaram vínculos interpessoais bem como as autoridades responsáveis tanto dispersos como localistas, tornando- pelo policiamento. 55 A vida política e se importante foco de análise para social em Minas Gerais, por exemplo, história social da polícia.54 teria sido marcada por uma estreita Em estudo dedicado aos relação localidades, entre coronéis envolvendo e bandidos, “bobbies” britânicos, modelo de policial “alicerçadas ora pelo “pistoleirismo” – difundido desde o período vitoriano, defesa da propriedade agrária, ora pelas Clive Emsley (2010, p. 143) argumenta formas de vingança”, conformando uma que entre 1860 e 1914 difundiu-se a ideia “cultura política do mandonismo” (Silva; de que eram necessários homens muito Dias, 2011: 25-26). Foi em meio a um fortes para exercer o policiamento dos sistema social complexo, no qual gestos, indivíduos violentos que se ocupavam de crenças e valores culturais atuavam como eventos da importantes referências para coesão de organização operária na Grã-Bretanha. É determinados grupos sociais em Minas interessante observar semelhanças no Gerais, que os policiais militares de linha desenvolvimento de um modelo de de frente e designados como autoridades masculinidade e virilidade presente em locais tiveram que atuar. políticos, de crimes e outras forças policiais municipais e Na Primeira República, boa parte estaduais (Klein, 2010; Mauch, 2011). A do Brasil guardava uma forte faceta do historiografia vem demonstrando que as mundo rural, escravocrata e patriarcal, formações históricas da sociedade e do presente 54 Vínculos dispersos seriam aqueles estabelecidos em um amplo território com um número relativamente pequeno de indivíduos em cada localidade, sem estabelecer vínculos tão fortes com a comunidade. Já os vínculos localistas dizem respeitos aos laços de solidariedade, afetividade e reciprocidade estabelecidos no seio de uma comunidade local, com vários indivíduos daquele espaço social. Sobre os conceitos: Ver Savage, 2000. na formação do estado brasileiro. Minas Gerais era um estado economicamente fragmentado e possuía fortes tendências de isolamento e autossuficiência (Martins Filho, 2009: 55 Uma boa amostragem dessas perspectivas pode ser encontrada em Franco, 1974; Corrêa, 1983; Lara, 1988; Bretas, 1997; Rosemberg, 2010. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 98 113). Entretanto, “a base da economia nos espaços do sertão, ao mesmo tempo mineira”, nesse período, se localizava em em que contribuíram para a fundação uma “intricada rede de fazendinhas, discursiva oficinas estruturas 2006).56 As elites políticas e econômicas agroindustriais, espalhadas por todo o mineiras também passaram por diversos estado, produzindo uma infinidade de momentos de tensões na definição das itens para mercados locais e regionais” áreas de atuação do estado mineiro. Os (Martins Filho, 2009: 101). As ferrovias conflitos na definição da nova capital, o tinham evento de separação e reanexarão do e pequenas importância crucial para desses território Triângulo e Zona da Mata (Lima, 2003), derramamento de sangue no combate ao criando e banditismo nas fronteiras oeste e norte, as comunicação de pessoas, mercadorias e lutas pela sucessão do poder no âmbito hábitos. Havia maior integração entre as do PRM e das disputas locais de coronéis regiões da Mata e Sul, principais centros de diferentes tendências políticas, são econômicos do período, caracterizada, exemplos especialmente, por uma política de redefinição política e econômica do abertura de vias de comunicação. Isso se estado. Para John Wirth (1982), Minas dava em detrimento das outras regiões, Gerais teria sido uma espécie reduzida de como as do Norte, onde o transporte um sistema federal, cuja administração ordinário das diferenças regionais foi feita pelas de ainda era, transporte basicamente, Sul desses Minas, momentos de gestões 1982: 33). impedir a desagregação do estado em Minas assistiu um processo de governadores, o realizado por tração animal (Resende, Naquele período, o estado de dos de (Gomes, integração de regiões, como o Sul, canais do espaços buscando pequenas unidades territoriais. Teria essa especificidade do cenário político redefinição e legitimação das fronteiras, mineiro uma relação com a atuação do processo delegado no interior? para o qual a produção cartográfica da Comissão Geográfica e 56 Geológica de Minas Gerais foi fundamental. Os discursos científicos passaram a buscar soluções para intervir O espaço como construção social é uma noção crucial para o presente estudo, uma vez que permite compreender a circulação dos sujeitos em uma larga área territorial, tecendo suas redes ao longo desses trajetos. Sobre o tema: Ver Savage, 2000. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 99 As pesquisas arquivos de suas redes de sociabilidades na mineiros têm ajudado a confirmar as experiência e na formação da própria hipóteses preliminares de que o comando instituição policial tem se revelado como de diligências, quartéis e delegacias no importante desdobramento das hipóteses interior Gerais, da historiografia mineira. E a violência, recorrentemente, ficaram a cargo de em seus múltiplos sentidos, tem se praças e oficiais de baixa e alta patente tornado tema recorrente na leitura dos entre as décadas de 1890 e 1930. Nessas registros produzidos pelos oficiais e ações, praças. de a nos Minas presença desses sujeitos evidencia uma importante função dos oficiais da Brigada Policial e da Força Pública no exercício cotidiano de suas tarefas profissionais, que se deram para Violência: questões políticas, sociais e culturais além da atuação nos conflitos políticos de trabalos A violência física exercida por historiográficos sobre a polícia minteira policiais em exercício, em momentos de grandes vultos, como os Assim, a chefia de lazer ou de descanso é tema recorrente polícia parece ter lançado mão, pelo em jornais e em narrativas literárias as menos até a década de 1940, dos mais diversas em diferentes partes do soldados e oficiais da Força Pública para mundo. Entre o último quartel do século as diligências e resoluções de conflitos XIX e as primeiras décadas do século XX civis, mas também políticos, por serem os escritos sobre o mundo do crime, e ora os únicos, ora o maior contingente sobre a polícia ideal, tiveram grande disponível A impacto na cultura urbana em geral. As dos crônicas policiais com “seu repertório de trabalhadores policiais mineiros e o lugar ferramentas gráficas e escritas, fictícias e argumentaram. investigação 57 para essas do funções. cotidiano documentais, 57 Vale lembrar que a organização de uma polícia civil de caráter investigativo no âmbito estadual em Minas Gerais não deu frutos mais significativos antes da década de 1920, apesar de interesses e investimento em polícias investigativas existirem desde o início da república, concentrando-se na capital. compõem sinfonias cacofônicas que alimentam o sentimento de confusão e pequenez de quem navega sobre elas” (Caimari, 2012: 61). Em relação às ações policiais em Minas Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 100 Estado de Minas, 05/06/1928, p. 1, grifos meus).58 Gerais, mais especificamente as da capital Belo Horizonte, essas narrativas chegaram a se consolidar entre 1920 e 1933 em colunas diárias dos jornais Diário de Minas (do Partido Republicano Mineiro) e O Estado de Minas (órgão liberal, criado em 1928). No dia 05 de junho de 1928, este último estampava em sua capa, a seguinte matéria “Continuam as violências das autoridades policiais em serviço no interior do Estado”, cobrando “providências enérgicas” para resolução das ações de violência perpetradas por policiais durante o exercício de suas atividades. O incorporado o apesar discurso de da ter Aliança Liberal e da “revolução” na década de 1930, não tinha vínculos partidários consolidados naquele período e, não raro, se posicionava diante dos abusos de autoridade por parte dos servidores e agentes públicos no exercício de suas tarefas. Era uma folha que, ao menos entre 1928 e 1934, promoveu debates sobre as ações e arbitrariedades da polícia em Minas e na capital. É interessante notar a denúncia de uma agressão promovida Ainda há pouco, em Abre Campo, o engenheiro Antonio Lobato, agredido por um delegado militar, esteve em risco de perder a vida. Agora, em Paraisópolis, um outro engenheiro, o Sr. [Alacrino] Monteiro, que se encontra naquela cidade a serviço de comissão Geológica do Estado, foi desacatado pelo delegado militar daquele município tendo, ainda, sido presos vários dos seus empregados. (...) Tendo alguns empregados do engenheiro [Alacrino] Monteiro adquirido, como é comum no interior, alguns objetos a um soldado da polícia, foram depois procurados por um outro soldado que exigiu-lhes a devolução desses objetos. Atendido pelo engenheiro Monteiro, este se prontificou a fazer a devolução pedida, caso os seus empregados fossem indenizados, com o que não concordou o soldado, que insultou o engenheiro, conduzindo presos os seus empregados, que sofreram violências na polícia. Informado da ocorrência, o delegado militar daquele município mostrou-se solidário com o soldado arbitrário. (O jornal, por outro delegado na abertura da nota, como indício de uma situação corriqueira, uma normalidade que deveria cessar. Além disso, a violência é representada como uma função sistêmica e hierárquica: ela foi exercida desde o mais baixo escalão até a alta autoridade local. No interior, a presença dos delegados seria indigesta? Àrbitro alienígena que desestabilizava as relações exacerbar políticas conflitos locais, capaz iminentes, de antes adormecidos? 58 A grafia das palavras das citações foi corrigida para o português atual, porém, mantive as formas sintáticas das narrativas, respeitando o universo linguístico do período. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 101 posteriormente, área da boemia, ganhou presentes não passava de uma simples brincadeira de Fernando, que não tinha, efetivamente, nenhum intuito agressivo contra o seu assassino. Em dado momento, José Raymundo enfureceu-se e, sacando-se, de uma pistola, disparou-a contra o infeliz soldado, que tombou ao solo, já sem vida, varado por uma bala. (Diário de Minas 21-09-1930: 3). (Grifos meus). cada vez mais espaço nas colunas A contenda entre dois soldados é Além de abusos de poder, a capital também protagonizou situações de violência policial em diferentes contextos. O bairro Lagoinha, localidade transformada em bairro operário e, policiais como local predileto das narrada a partir de uma estrutura muito histórias de crimes, concorrendo com a conhecida tradicional zona boêmia da região da R. Speckman Guaicurus Navalhadas, analisando narrativas de cordéis sobre espancamentos, prisões, algazarras e crimes passionais no México da virada do batidas são eventos recorrentes nos século XIX para o XX, observa um enredos das crônicas. As praças da Força padrão em relação às representações Pública, responsáveis pelo policiamento masculinas. Os homens são tidos “como das seres cheios de paixões e prontos a reagir desde zonas 1930. suburbanas, estavam pela historiografia. Guerra (2007: de 214), frequentemente envolvidos nessas cenas, impulsivamente e nem sempre como mantenedores da situação, sobretudo quando se colocava ordem. em dúvida sua masculinidade”. Em (...) Fernando Alves de Oliveira, [é] soldado do regimento de Cavalaria, de cor morena, com 28 anos de idade. O criminoso José Raymundo [ex-soldado 1º batalhão] foi excluído recentemente do quadro da Força Pública, logo que foram reconhecidas as suas péssimas qualidades de caráter e, sobretudo, porque ele ingressara numa quadrilha de larápios, com sede na Pedreira Prado Lopes, que trouxe em sobressalto a nossa população. (...) Foi justamente nessa época que se gerou uma certa antipatia entre o soldado Fernando Alves de Oliveira, a vítima, e o soldado José Raymundo, o criminoso, que até então pertencia ao 1º batalhão da Força Pública. (...) Este último, pilheriando, ameaçava, com um cano de borracha na mão, a José Raymundo, dizendo que desejava dar-lhe uma “sova”. Segundo afirmou as pessoas diante Elisa qualquer estudo da realidade fronteiriça da região cisplatina, na primeira metade do XIX, John Chasteen, argumenta que os duelos de facas eram uma violência de expressão e não instrumental, compreendidas como e devem parte de ser um determinado sistema de honra em que “homens viviam os papéis prescritos da melhor forma, e sua honra, a partir do julgamento do grupo, era uma medida do sucesso nesse intuito” (Chasteen, 1990: 61). Sandra Gayol (2008: 145), em Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 102 investigação sobre entre de espaços de diversão, como os cabarés, homens da elite argentina do final do tanto no mundo urbano como no rural, XIX, observa uma profunda e complexa eram espaços costumeiros do início ou dinâmica que desfecho desses processos violentos, implicava as relações estabelecidas na atrelados ao consumo de álcool (Chasteen, comunidade de duelistas. O duelo estava 1990). social os e duelos simbólica, correlacionado a um código de honra das elites que “ensinava um conjunto de comportamentos e valores para a vida” e que, nesse sentido, produzia critérios de Na polícia e nas ruas. Soldados perigosos assassinato de Fernando Oliveira por José O guarda civil n. 351, de plantão à esquina das ruas Guaicurus com São Paulo, prendeu, ontem, auxiliado por vários colegas, às 3,5 horas dois soldados do esquadrão de cavalar da Força Pública, que, naquele local, bastante embriagados, procuravam espancar e mesmo matar as mundanas Maria da Conceição e Maira da Silva. Na ocasião em eu os “mantenedores da ordem”, conduziam para o 2º distrito os dois “valentes”, um deles conseguiu fugir, de modo que o xadrez recebeu apenas um hóspede. A polícia está a procura do evadido, para com certeza, deixa-lo fugir outra vez... (O Estado de Minas 11-01-1929 p. 6). (Grifos meus). Raymundo. Mas é difícil deixar de A violência exercida por soldados julgamento e classificação social. Obviamente não se tratam do mesmo tipo de acontecimento, mas é interessante observar a semelhança das representações masculinas em culturas e períodos tão distantes. A honra talvez não seja o conceito mais adequado a ser observado nessas relações, como a do perceber traços significativos da e outras praças em momentos de lazer é violência traduzida, por Maria Sylvia de um tema recorrente nas colunas “Policia” Carvalho Franco (1974: 20-59), na noção do Diário de Minas e “Na polícia e nas de “código do sertão”, sob o qual homens ruas” d’O Estado de Minas. E as brigas, pobres e livres do mundo rural paulista se ameaças, matavam por pequenas desavenças, frutos envolvendo mulheres também se fizeram de relações que se estabelecem a partir de presentes nesses registros. “proximidade espacial”, das “condições comuns” da vida e do “parentesco” (Franco, 1974: 25). Vendas, restaurantes, locais de trabalho e interiores de casas e pancadarias e assassinatos Crime hediondo - Uma mulher degolada por um soldado A nossa crônica policial, geralmente tão desprovida de fatos sensacionais, registrou anteontem um crime hediondo pelas circunstâncias de que se revestiu. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 103 Esse drama, que teve como protagonista um soldado do 1º batalhão da Força Pública [Antonio Rodrigues da Silva] e como vítima uma decaída de nome Maria Rosa, residente no Barro Preto, desenrolou-se num vassoral, nas proximidades do grupo escolar “Francisco Salles”. (...) Procedidas as investigações, veio a confirmar a suspeita, sendo detido o indiciado, que confessou, com revoltante cinismo, e detalhes reveladores de grande perversidade, ter sido autor do crime que lhe imputavam. Das declarações, depreendeu-se que, depois de ter atraído a sua vítima a um sítio para fins libidinosos, com ela alterou por motivo de pagamento. Foi nessa altura que lhe vibrou a primeira navalhada, prostrando a vítima por terra com a garganta completamente decepada. Como, porém, Maria Rosa ainda desse demonstrações de vida, o monstro acabou a sua obra sinistra desfechando-lhe outra navalhada com a frieza própria dos degenerados inferiores. (Diário de Minas 14-081924:2). (Grifos meus). muito simples, porém crucial para as relações entre homens e mulheres pobre do período: Antonio da Silva se “alterou por motivo de pagamento”. Entendo, nesse sentido, que as ações dos policiais no espaço público não estariam tão distantes das relações de sociabilidade experimentadas pelas classes trabalhadoras, tal como analisadas pela história social em diferentes regiões no Brasil, nas quais a violência teve lugar importante (Chalhoub, 2001; Pesavento, 2001). Nesse período, a brutalidade dos assassinatos fascinava os contemporâneos Os relatos sobre os crimes não e as narrativas de crime ocupavam-se da pouparam os policiais quando cometiam performance do criminoso, explorando os ou eram acusados de perpetrar algum estímulos dos sentidos. Em Buenos Aires, crime. imagens de por exemplo, as imagens dos criminosos “monstruosidade” e no início do século XX alimentavam uma “anormalidade” que eram mobilizadas cultura da celebridade: as performances para descrever dos transgressores importavam mais do As recorrentes “perversidade”, os crimes bárbaros, recorrentemente ganhavam um tom de que perplexidade. O assassinato de Maria criminológica (Caimari, 2012: 75). Na Rosa é descrito como um ato ininteligível, capital mineira, no entanto, o tom das uma atitude cuja explicação racional é a interpelações morais ainda era forte e o criação de recurso à celebração do criminoso como elementos próximos à loucura. Mas se estratégia narrativa sobre os crimes não observarmos atentamente a explicação foi o principal instrumento mobilizado dada pelo repórter, percebemos que a nos grandes jornais pelo menos até a desavença teria se dado por um elemento década de 1930. As notícias, as crônicas, da figura do monstro, a sua história clínica ou Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 104 o folhetim e os romances ficcionais de observar as experiências dos policiais no crime produziram narrativas tidas, muitas interior vezes, como descartáveis, imediatas, mas ampliar a perspectiva sobre o papel da que, na realidade, que interessavam os violência em variadas dimensões da vida contemporâneos, policial. seduzidos pelo melodrama as histórias de crime. Ana da As corporação, agressões e permitindo abusos que Porto argumenta ter existido uma forte atingiam os corpos dos policiais são relação entre os escritores e a imprensa tópicos recorrentes das experiências dos naquele período, o que favoreceu a policiais com a violência, assim como a produção de um gênero textual como o relação entre saúde e atividades laborais naturalismo, da dos membros da Força Pública. As longas realidade era pungente. A formação de rotas traçadas a pé, em lombo de burros um público leitor, a consolidação de ou formas e métodos narrativos sobre o frequentemente impostas a praças e crime e a difusão de impressos em oficiais inferiores, destacados ou em diversos formatos permitiram a criação e diligências especiais. Algumas vezes, o ampliação dos espaços de circulação e trajeto se tornava maior do que o divulgação de narrativas sobre o crime e esperado, seja por conta de intempéries os criminosos e as ações policiais, desde como a chuva ou a falta dela, seja por o século XIX (Galeano, 2009; Porto, desvios causados por “erradas” no meio 2009). do caminho, como argumentou o 2º cuja aproximação por meio de trens, eram A violência policial é, nesse sargento Constantino Pinto Ribeiro que sentido, velha conhecida do público leitor comandava 10 praças saindo de Juiz de mineiro, que acompanhava notícias as Fora com destino a Jacuí em maio de mais diversas sobre abusos, assassinatos 1893. O pé inchado de um dos soldados entre outros conflitos na lide dos policiais desse destacamento pode ter contribuído com o público em geral. Longe da vista para sua prisão no quartel local (Arquivo desses leitores, no entanto, circulava outra gama cotidiano de narrativas policial. A sobre o documentação produzida pela polícia abre caminho para Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 105 Público Mineiro, SI 5, cx. 5, pc 12, doc. O exame do tenente Pedro Martins 3).59 Pereira de 53 anos, casado, indicou que O corpo recebia uma atenção ele tinha uma “cicatriz antiga com perda autoridades de substância da região tibial esquerda”, administrativas e políticas em relação aos concluindo que ele “não pode fazer regulamentos da força policial. Tanto é exercícios e evoluções militares devido que, afora o tempo mínimo de 10 anos de ao defeito físico da perna esquerda por serviço para vencimentos proporcionais e isto é considerado inválido” (Arquivo o tempo de 30 anos para vencimentos Público Mineiro, SI 2358). Já o soldado integrais, a reforma era avaliada por uma Belchior de Souza e Silva, em 26 de junta médica e concedida em casos de novembro de 1911, considerável pelas invalidez. 60 Uma análise preliminar de um conjunto de processos de reforma permite observar grande recorrência doenças ligadas ao coração com homens entre 40 e 55 anos na maioria dos casos.61 Problemas em relação aos membros inferiores, incapacitando-os de realizar funções policiais e militares, também apareceram como causas dos pedidos. 62 Indo de Itapecerica a Barbacena, levando duas loucas para serem internadas na Assistência daquela cidade, chegando a Estação Gonçalves Ferreira, e dirigindose ao agente da mesma estação para informar se era necessário mudar de trem, e, ao tomar novamente o trem que se achava em movimento, foi o mesmo soldado vítima de um desastre por ter sido apanhado por uma das rodas do carro, esmagando-lhe o pé direito, ficando aleijado, em consequência de lhe ter sido amputada a perna no hospital de Oliveira, no terço inferior. (Arquivo Público Mineiro, SI – 2346). (Grifos meus). O responsável pela análise do 59 Sobre o papel da caminhada no cotidiano policial: Ver Klein, 2010: 43-46; Sphayer-Makov, 2002: 132-134. 60 Sobre a legislação regulamentando a reforma do período: Ver: Lei 500, 21 de setembro de 1909; Lei 580, 28 de agosto de 1912. 61 Esses dados referem-se aos tomos SI 2358 e SI 2346 contendo reformas de oficiais e praças entre 1912 e 1913. 62 Acredito que o número pode ser bem maior, uma vez que as exigências físicas eram muitas, no entanto, praças com menos qualificação e de origens sociais mais baixas frequentemente davam baixa ou simplesmente abandonavam suas funções – entendido como deserção pelas autoridades. Essa pode ser uma explicação da pouca incidência desse tipo de caso. Ademais, como dito na nota anterior, é preciso evitar caso na 3ª seção da Secretaria do Interior não julgava o ocorrido como um “ato de bravura e ou abnegação”, conforme a legislação. O parecerista entendia que “considerando como tais os atos normais ou comuns da função ou profissão, ter-seia deturpado o pensamento do legislador grandes generalizações a esse respeito. Mesmos assim, há indícios de que os pés são elementos importantes nas atividades de trabalho da Força Pública e merece maior atenção. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 106 e premiado como um lance de heroísmo”. também é uma dimensão da violência que E, seguia argumentando, que a invalidez atingia foi ocasionada por “um ato imprudente e trabalhadores da linha de frente da só no administração pública do estado. Doenças, requerente” (Arquivo Público Mineiro, SI invalidez, lesões e outros impedimentos – 2346). A argumentação é forte e físicos causados pelo ou em serviço virulenta, do também eram alvo de disputas simbólicas anspeçada. Mas essa luta simbólica na construção de verdades sobre as pendeu para Belchior Silva, que em ato condições que produziram tais embaraços. de 30 de outubro de 1913, teve a reforma Não parece ter ocorrido um acidentalmente produzido rebaixando a figura concedida pelo presidente do estado. o cotidiano dos policiais, problema que gerou tantos embaraços Acidentes e doenças fizeram parte quanto o da distribuição e gestão dos do cotidiano de muitos policiais, como se recursos financeiros da Força Pública. pode observar das suas fés de ofício. O Não se pode ignorar as fortes evidências número de praças atendidos em hospitais relacionadas às precariedades materiais, em Minas, por questões as mais diversas, vivenciadas pelos oficiais e praças da também se mostrava elevado, segundo os Força Pública. Estes, como se observa em relatórios policiais. Segundo Claudia outras forças policiais, também passaram Viscardi, por privações de diferentes sentidos no analisando os boletins referentes ao 2º batalhão, instalado em exercício de suas Juiz de Fora, as principais causas de cotidiano de suas vidas (Rosemberg, baixa 2008: da Força Pública estavam 2010). atividades e no Atrasos dos soldos, calçados de péssima relacionadas a incapacitação física. A fardamento e autora argumenta que a maior causa qualidade, endividamentos, desse tipo de baixa seria a sífilis, além enfermidades em geral são algumas das exclusões relativas a problemas dessas privações que afetaram física e visuais e cardiopatias, que poderiam, simbolicamente os militares mineiros. também, ser decorrentes “da própria Percebe-se sífilis” (Viscardi, 1995: 60). A exaustão discrepância entre a grande importância das atividades policiais, presente em política que se dá à instituição e aos diversas polícias espalhadas pelo mundo, baixos uma fome persistência investimentos e da financeiros Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 107 referentes ao capital humano e às condições materiais de trabalho.63 Além disso, os pagamentos também contribuíram para problemas relativos ao fardamento, pois havia 63 Os gastos do estado mineiro com a força pública entre 1891 e 1930, segundo análise do relatório da evolução administrativa da Fundação João Pinheiro, foram em média de 15,03%. Mas esse valor foi decrescente nos decênios do período, iniciando em 17,01%, 13,44%, 11,04%, e chegando a 10,48% entre 1921 e 1930. Esses números, porém, referem-se a despesas com pessoal, “forragem para animais, ajuda de custo a oficiais, aquartelamento e luzes, tratamento e enterramento de praças, etapa, fardamento, compra de animais, equipamento, armamento e munição, movimento de forças, bombeiro (a partir do orçamento de 1912) e guarda municipal (aparece apenas no orçamento de 1915)” (Minas Gerais, 1994: 59,60). A compilação dos dados orçamentários do stado permite observar a diminuição de investimentos relativos à força pública e um crescimento em relação aos gastos com o que foi chamado de “polícia judiciária”, que envolviam as atividades de “diligências policiais, repartições de polícia, carcereiros, colônias correcionais agrícolas, expediente de júri, pessoal de penitenciárias, secretaria de Polícia e estatística criminal” (FJP, 1994, p. 60). Essa divisão dos gastos orçamentários acarreta dois tipos de problemas analíticos. O primeiro é que a noção de “polícia judiciária”, tal como expressa nos gráficos da pesquisa da Fundação, engloba funções que também eram exercidas no período supracitado pelas praças e oficiais da força pública como diligências policiais e, por vezes, funções de carcereiro. O segundo problema é que o gasto efetivo com o pessoal, que estaria diretamente ligado ao acesso a alimentos, por exemplo, não pode ser discriminado minuciosamente. E não podemos observar, por exemplo, como era feita a distribuição e destinação do dinheiro diante das inúmeras funções elencadas e exercidas pela Força Pública. Vale lembrar que a situação de pobreza material era um elemento comum em Minas Gerais desde tempos coloniais, incluindo os setores da administração pública. A sociedade mineira tinha como marca, já no século XIX, uma consolidada hierarquização social baseada em fatores econômicos e a carestia não era algo incomum (Chaves, 2014). Com a proclamação da República até os anos 1930 e 1940, a economia mineira teria passado por um processo de “isolamento e autossuficiência” caracterizado “pela exigências de apresentação impecável em paradas, revistas e a serviço, o que nem sempre era possível de ser atendido pelas praças e oficiais nos sertões mineiros. Em 1906, o chefe de polícia Olavo Andrade, argumentava que os fardamentos e os calçados fornecidos à Brigada, aos batalhões e aos quartéis eram de péssima qualidade. Os coturnos, confeccionados com curtumes muito duros, machucavam os pés dos soldados e estragavam nos primeiros usos, não suportando nem mesmo pequenas diligências, ou desmontando logo na tentativa de calçálo pela primeira vez. Segundo seu relatório, eles eram responsáveis por “causar moléstias na maioria das praças que, ou baixam ao hospital ou pedem licença a fim de poderem melhorar os pés chagados”. Já sobre o fardamento, entendia que não era sensato investir em material inferior em detrimento dos serviços diários, simplesmente por serem “de preço menor e [que] tal prática tem fragmentação, diversificação e introversão da economia mineira durante a Primeira república”, que não deixou incólume o próprio desenvolvimento da máquina pública (Martins Filho, 2009: 113). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 108 trazido grandes inconvenientes qual o de não fizeram despesa alguma “pois que, duração insuficiente a exigida na tabela durante o tempo que ali estava em vigente e como consequência ficarem às diligência praças em sua maioria desfardada ou comando, foram sustentados pelo povo maltrapilhos, sujeitando-se a tirarem do lugar tendo além disto levado etapas outro fardamento para desconto nos suficientes que serviram somente para as minguados vencimentos que percebem” diligências que fez fora do Arraial” (Arquivo Público Mineiro, PM- SI 1, cx. (Arquivo Público Mineiro, Pol 5, cx 5, pc. 1, pc 38, doc 01, f. 27-29). 5, docs. 04, 05). Mais uma vez, é possível com as praças sob seu A vida dos oficiais e praças observar que os reveses e da vida dos destacados em diligência, realmente, trabalhadores comuns, neste caso da parece ter sido marcada por grandes população rural, assemelham-se aos dos privações, como expressas em exemplos policiais militares destacados no interior anteriores. Mas também foram marcadas mineiro. A troca de objetos e mercadorias por e as (possíveis) atuações em atividades complexas envolvendo relações diferentes sociais, estratégias de agrícolas informais, parecem ter sido sobrevivência junto com a comunidade uma opção definidora para não se local. No final do ano de 1892, o submeter delegado de polícia da cidade de Ubá inconvenientes do ofício.64 à fome e aos demais concedeu licença para duas praças que O “Relatório da Brigada Policial estavam destacadas no distrito de Sapé de Minas” escrito pelo chefe de Polícia “buscar roupas” na cidade de Juiz de Fora, Olavo liberando passes de estrada de ferro. O secretário do Interior, de 1906, é um cabo de esquadra Antonio José Pereira, documento interessante para o acesso aos “comandante da escolta que esteve em problemas diligencia no arraial de Sapé”, ao ser impactavam o cotidiano, mas também, os indagado pelo Capitão Fiscal do 2º vencimentos batalhão sobre o assunto revela elementos Andrade argumentava sobre os baixos interessantes vencimentos do pessoal da Brigada, das relações de um destacamento com os habitantes das vilas. Antonio Pereira declarou que as praças Andrade e apresentado administrativos das praças e ao que oficiais. 64 Outra interpretação possível seria da coerção e imposição do medo e violência à população de Sapé. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 109 comparando-os aos do Distrito Federal, envolvem a produção do roubo, como São Janeiro, argumenta Daniel Palma, “nos permitem demonstrando, por exemplo, que “um reconstruir uma trama que é particular e soldado na força Federal ganha tanto de geral, ao mesmo tempo, que abarca soldo quanto um 2º sargento da nossa experiências e representações sociais, e Brigada”. polícia, que traduz o tipo de sociedade que se expunha construiu” (Palma Alvarado, 2011: 19). Paulo e O argumentando Rio chefe que de de não novidades, entendia que os oficiais No lutavam “com as maiores dificuldades frequentemente agravadas pela obrigação permanente de analistas e, o que nos interessa, pelos decentemente”. fardarem-se A entanto, as causas são econômicas evocadas por perpetrantes desses delitos. valorização do oficial seria uma tomada Em 1910, o alferes Izidoro Corrêa de posição ante as reclamações dos Lima, protagonista dos assassinatos no mesmos, mas também, diante do papel Fórum de Passos (Grilo, 2012), passou administrativo exercido pelo pessoal da por um processo administrativo por ter Brigada (Arquivo Público Mineiro, PM - cometido o “crime de fraude”. O SI 1, cx, 01, pc. 38, doc 1, f. 34-39 e conselho da justiça militar resolveu anexo a). A questão das baixas condições retirar a pronúncia, pois, apesar de econômicas dos membros da Força provada a fraude, ela não se enquadrava Pública, nesse sentido, era percebida “nas condições exigidas no artigo 497 do como um problema até mesmo pelas altas Regulamento em vigor, porque nas autoridades da polícia em Minas. circunstâncias do crime não se verificou a As condições materiais da vida má fé do indiciado”, sob a condição, no e entanto, de indenizar “o Estado da historiograficamente, com uma dimensão importância de um conto novecentos e da violência que é material, mas também vinte e seis mil e duzentos reis” (Arquivo simbólica: o roubo. Delitos envolvendo Público Mineiro, SI 2296, f.179- 179, v; roubos, furtos, desvios de verbas ou f. 223). Os argumentos de Izidoro Lima crimes do colarinho não podem ser envolveram a proteção da família diante explicados questão de ameaças e inconsistência de sua econômica. As redes e tramas que autoridade, na condição de delegado relacionam-se, histórica somente pela Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 110 especial em Passos durante 1909. Ele se Mineiro, SI 2296, f.19, v- 24 v). O pautou na segurança da sua família, que Capitão foi acusado de realizar “saques teria sido recomendada a devolver o de adiantamentos dinheiro na Secretaria do Interior, após diversas coletorias e no período de 1902 a recolher o prêmio do seguro de vida feito 1909, deixando de recolher algumas em seu nome, quando falecesse. Além prestações a que se obrigou” (Arquivo disso, o alferes escancara uma situação de Público Mineiro, SI 2296, f.24). Essas instabilidade vivenciada pelos oficiais e acusações, de acordo com a sentença, não praças durante aquele período, uma vez foram provadas e, por isso, foi absolvido que, apesar da demanda, a Força Pública de crime militar, no entanto, o presidente não possuía uma caixa ou fundos Julio Bueno Brandão decidiu obrigar o beneficentes, o que ocorreria somente a capitão partir de 1911. O argumento de Izidoro “descontos mensais de um terço de seus frisava a falta de regulamentação do vencimentos” na “quantia de cinco contos amparo institucional aos herdeiros dos quatrocentos e trinta mil réis […] policiais, como a possibilidade da fruição conforme se verifica a demonstração de pensão por parte da família do oficial anexa aos presentes autos” (Arquivo ou soldado morto em exercício. Público Mineiro, SI 2296, f. 99 v). Na posição de delegado especial, a em indenizar Esses dois duplicata em o Estado últimos por casos o Capitão Paulo Ferreira da Cunha envolveram oficiais que também atuavam também foi processado em 1910 por ter de forma violenta em outras instâncias de sacado indevidamente importâncias em seus cotidianos. O alferes, como vimos, nomes de praças que não mais estavam protagonizou as cenas de morte e destacados no seu quartel ou que já ferimentos de civis em Passos. Já o haviam recebido seus vencimentos em capitão Cunha envolvia-se em discussões diferentes localidades. Sua fé de ofício e confusões diversas. “Em um Bordel de consta várias repreensões, prisões e uma prostituta” na cidade de Uberaba, auditorias relativas a abuso da autoridade teria “procedido de modo inconveniente, para desvio de verbas ou concessões travando indevidas de benefícios, que ficaram camaradas, da qual podia ter dado constantes desde 1903 (Arquivo Público consequências a se lamentar”. O uso do forte discussão com seus Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 111 álcool animava ainda mais os ânimos de A figura do soldado da força policial Paulo Cunha, segundo sua fé de ofício, o mineira foi, por vezes, desenhada pelos que jornais era considerado “altamente de grande circulação como reprovável e vexatório”, uma vez que homens ignorantes, fracos e incapazes. “não pode[ria] revelar procedimentos de Os soldados do exército desde o império tal ordem” em público (Arquivo Público já sentiam na pela o estigma de sua Mineiro, SI 2296, f. 23v). O interessante ocupação, sendo, inclusive, motivos de nesses dois casos não é o fato das duas tensões entre eles e praças da polícia acusações de fraude terem sido perdoadas, (Rosemberg, condicionadas das parecem ter razões distintas, uma vez que importâncias aos cofres públicos, mas a “desclassificação” do soldado do que ambos demonstraram que suas ações, exército tem fortes relações com o caráter em graus diferentes, se deram em relação punitivo aos seus interesses econômicos imediatos, nacional (Beattie, 2012: 195-196). A relacionados a possíveis dívidas ou ao origem social dos policiais de linha de conforto dos herdeiros. Seria essa trama, frente, em diferentes polícias brasileiras, talvez, um reflexo da violência simbólica frequentemente recaiu sobre as classes que permeava não só o exercício da mais autoridade policial – oficiais e praças Rosemberg, 2010; Mauch, 2011). O inclusos – mas, também, as condições, perfil das praças inferiores de Minas formas e organizações da sociabilidade Gerais também seguiu essa tendência, no qual pois eram recrutados nas fileiras da sua população pobre e contavam com salários posição sócio-política, foram capazes de muito baixos. A pecha de ignorante e de identificar e mobilizá-las em brutos seguia na imprensa como ataque território determinados ao ressarcimento mineiro, indivíduos, sobre pela favor próprio? 2008). do Esses engajamento despossuídas estigmas na (Al-lam, força 2008; às instituições ou mesmo às lideranças As relações dos policiais com o republicanas, contribuindo com a falta de público é tema fundamental da literatura autoridade especializada. Abordaremos, finalmente, população. dos policiais diante da dos A “Revista Militar”, publicação soldados produzida pela opinião pública. quinzenal dos oficiais da Força Pública a questão das representações Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 112 no ano de 1911, assim como a revista desclassificados, a elementosfísica, étnica produzida em comemoração aos 10 anos e do 5º Batalhão, datada de 1932, revelava, imprestáveis e indignos” (Revista Militar, mesmo que indiretamente, os problemas nº 1: 5-6). Já na edição nº 4, um que consolidação interlocutor, que entendia a polícia como profissional da força pública, dentre eles o quarto poder que dava sustentação aos a educação. 65 A revista, obra tomada à outros três, apontava questões mais sérias frente pelo Tenente-Coronel Christiano a serem levadas em conta pelo comando. envolviam a Alves Pinto, se colocava como uma o conhecimento e se posicionando em defesa dos interesses da Força Pública.66 No primeiro número, o intelectual e figura pública importante no cenário mineiro do período, Nelson de Senna, se posicionava a favor do soldado, defendendo a religião, instrução moral, intelectual e física do soldado, que já não estaria mais “abandonado a péssima orientação de outrora” (Revista Militar, nº 1: 5-6). Congratulava o comandante geral e orientava, ainda, a “recusar praça a 65 indivíduos desconhecidos, a Minas Gerais, Revista Militar. Publicação quinzenal da biblioteca Militar da Brigada Policial do Estado de Minas Gerais, 1911; BN, 2,028,02,27. Minas Gerais, 1932. Esses problemas assemelham-se aos observados na revista policial da Força Pública do Rio de Janeiro, publicada em 1903 (Bretas, 2009). 66 A revista fez circular abundantemente as discussões em defesa da Caixa Beneficente, demanda desde o início da república, e que acabou sendo criada no segundo semestre de 1911. condenados como Releva notar que, do principal escopo da polícia moderna nunca se cuidou, que é a par do preparo militar – o policial, propriamente dito[...] Ninguém ignora que nunca se cuidou da instrução teórica ou prática dos nossos oficiais e praças, acerca da missão policial, que é serviço deles, exigido a todo momento, e, para que negá-lo?, militarmente muito pouco se há feito. [...] Exigir de uma praça, de cultivo medíocre, que saiba o que deve fazer em determinado serviço que, por força de circunstâncias, tenha de agir fora da presença de autoridade, é pretender o impossível. (Revista Militar, nº 4: 41). (Grifos meus). contribuição para a Biblioteca Militar, cultivando moralmente O soldado, assim como parte significativa da população, é entendido como um ser incapaz de compreender obrigações, leis e ordens superiores. Ser humano naturalmente inferior, mas que pode agir e cumprir com suas missões, desde que bem-educado, tutelado pelos seus superiores e autoridades a serviço do estado. O chefe de polícia Olavo Andrade já argumentava em 1906 a conveniência da criação de escolas regimentais, ministrando o primário, para leitura e escrita, técnicas e teorias do saber policial, Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 113 uma vez que “a maioria das praças apresentando soluções para saná-las, as mesmo as mais graduadas, ignoram os autoridades principais da somente colonizando e reforçando uma Constituição e Código Penal, porém os dominação classista por meio do controle do próprio Regulamento da Brigada”. E, do conhecimento legítimo. Elas também finalmente, para ele o “soldado de polícia estariam interessadas em construir um moderno, na frase do ilustre comandante corpo institucional, em promover a in- da Força Policial Federal, deve ser um corpo-ração dos valores militares e agente perspicaz, inteligente, ativo e estaduais. A imagem dócil do soldado obsequioso, ao mesmo tempo em que vinha a calhar com a imagem da Força enérgico e firme em suas resoluções”. Pública como defensora do povo mineiro. (Arquivo Público Mineiro, SI 1, cx 01, pc, Quando atacados como “mal-educados” 38, doc 01, f. 11).67 por um articulista do Diário de Minas, artigos não direi policiais não estavam A educação formal, desde o um colaborador da revista, argumentou século XIX, exerce uma dupla função, a que, apesar da falta de instrução militar e de produzir sujeitos aptos a determinadas da falta de disciplina, o soldado não pode atividades e a de definir a legitimidade ser denominado como “mal-educado” dos saberes e práticas. É um processo de pois “ele é o tipo perfeito e acabado dos violência simbólica que atravessa os nossos sertanejos, refletindo com os seus corpos sujeitos, vícios e virtudes todas as qualidades do individuais, povo mineiro”. (Revista Militar, nº 11: e as almas dos construindo subjetivações mas coletivamente amparadas. 68 Ao 125). (Grifos meus). reconhecer os problemas relativos aos saberes formais dos soldados, Considerações finais 67 Esses argumentos não parecem ter surgido efeito positivo junto à autoridade responsável, uma vez que os trechos dessas propostas no manuscrito do seu relatório encontram-se rasurados de vermelho, provavelmente pelo encarregado da 3ª seção a mando do Secretário do Interior. 68 Uma boa discussão sobre o papel da educação na formação de subjetividades. Ver: Monarcha, 2009. Sobre o problema da modernidade e da sociedade educativa: Ver: Noguera-Ramirez, 2011. As experiências dos sujeitos policiais foram marcadas por constantes lutas em torno da legitimidade de seus comportamentos em face às prescrições ditadas pela hierarquia e pelo sonho disciplinar. Os corpos, tidos como dóceis Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 114 eram, antes de tudo, violentos, ébrios, Por mais que as tarefas mais importantes embebidos de paixões e desejos sexuais e e ordinárias dos policiais não seja a de carregavam valores sociais que não se combater o crime ou o criminoso, restringiam às normas internas. As tampouco fazer uso da força física violências vivenciadas pelas praças e (Monjardet, 2012: 25-27), a violência oficiais da Força Pública, evidenciam, deixava suas marcas nos sujeitos que também, a importância das relações de constituíam a instituição policial militar sociabilidades mantidas pelos membros em diferentes aspectos. Mesmo correndo daquela a o risco de uma análise apressada, entendo de que a violência teve um lugar importante solidariedade e das tensões vividas no inclusive na consolidação dos sentidos cotidiano das praças e oficiais precisa ser positivos do ser policial. As relações, no mais bem analisada, problematizada e entanto, entre a consolidação, legitimação esclarecida. A documentação analisada e incorporação de uma cultura policial e o neste estudo permite a interposição de exercício da violência física ou simbólica, importantes estão, ainda, por ser explicadas mais instituição. importância Contudo, desses vínculos perguntas a serem desenvolvidas no decorrer da pesquisa: como se constituiu, nas forças policiais profundamente. Os entrelaçamentos entre militares em Minas Gerais, o sentimento violência e cotidiano tem se mostrado de pertencimento à corporação? Como mais complexos do que inicialmente se praças e oficiais de alta e baixa patente imaginava. incorporaram a instituição policial e em significados desse fenômeno permite que medida deram (seu) corpo a essa explorar as rupturas, continuidades e instituição, a partir de suas próprias inovações experiências? desenvolvimento de ações e práticas Os indícios encontrados nos culturais A que multiplicidade se baseadas dos relacionaram ao na violência. ofensas físicas, arquivos têm indicado uma pluralidade da Assassinatos, representação e das experiências do ser discriminações, policial, mas uma característica tem se conquistas de direitos seriam alguns dos mantido constante: o lugar da violência, resultados fundados nas relações sociais física ou simbólica, no dia-a-dia policial. estabelecidas pelos policiais no exercício mobilizações e Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 115 de suas atividades. Além disso, uma explicação possível se encontraria na análise dos seus vínculos e afinidades políticas e temperamentos. sociabilidades sociais As e por seus redes de estabelecidas pelos policiais militares em Minas Gerais nas primeiras décadas republicanas foram permeadas por tensões, negociações, disputas e transações provisórias. Essas experiências informaram a construção de um repertório coletivo de percepções, apreciações, ações e apreensões do mundo social. Referências BAGGIO, Sheila Brandão. “A força pública de Minas na Primeira República”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 49, julho de 1979. BEATTIE, Peter M. Tributo de sangue: exército, honra, raça e nação no Brasil (1864-1945). São Paulo: EdUSP, 2009. BOURDIEU, Pierre. Ce que parler veut dire: l'économie des échanges linguistiques. Paris: Fayard, 1982. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. BRETAS, Marcos Luiz. 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Impressos – periódicos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 118 A violência nos escritos do partido liberal mexicano Perspectivas sobre o crime, o estado e a rebeldia em regeneración e revolución (1906-1911) modernizador - buscavam construir o país como uma “nação civilizada”. É no bojo dessa disputa pela modernidade mexicana que emerge o Partido liberal Mexicano, na primeira década do século XX, com um projeto de oposição ao regime porfirista. Diante do crescente processo de radicalização da oposição ao regime Marlon Rocha ao longo da primeira década, a violência vai ocupar um lugar privilegiado no discurso dos opositores, que defenderam Considerações iniciais o emprego da violência rebelde até 1910, quando estoura, de fato, o processo O presente ensaio tem como revolucionário. objetivo analisar a inserção da Nesse caminho, este ensaio é uma violência na pauta política da breve análise do discurso sobre a sociedade mexicana na primeira década violência nos periódicos Regeneración do século XX, mais especificamente no (1900-1918) e Revolución (1907-1908). discurso do Partido Liberal Mexicano. Tais jornais, no recorte temporal deste Com a evolução das tecnologias de poder trabalho iniciada México imprensa política da Junta Organizadora oitocentista, a violência se torna um do Partido Liberal Mexicano (PLM). importante tema do debate político, na Embora a Junta tenha surgido em 1905, o medida em que começa a ser considerada movimento liberal que deu origem a ela e pelos mais diversos grupos como uma ao PLM se inicia anos antes. no alvorecer do (1905-1911), consistiam na eficaz estratégia de dominação e de Ao longo do século XIX, houve implantação de seus projetos políticos. algumas tentativas de oposição liberal ao No regime porfirista, que ascende na regime porfirista69 - como o periódico El segunda metade do século XIX, fica Demócrata -, mas que não conseguiram evidente a importante função da violência 69 para implantação de seu projeto Como é habitualmente chamado o regime político presidido por Porfírio Díaz, que governou o México de 1884 a 1911. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 119 se enraizar em nenhum setor da sociedade mexicana. Só a partir de 1901 republicanas, foi se tornando uma oposição ao regime porfirista. que podemos observar a emergência de O periódico Regeneración tem uma oposição liberal sistemática, em que suas primeiras publicações já neste indivíduos de classe média começaram a primeiro período, em 1900, antes mesmo organizar diversos clubes e periódicos de da fundação da Junta. Nesta fase, combate ao regime vigente. Podemos denunciava as arbitrariedades de juízes, observar um processo de radicalização no governadores e legisladores do regime movimento liberal em seus primeiros porfirista. Pouco depois, mas ainda nesta anos possível primeira etapa, começou a classificar o diferenciar duas fases do que Cockcroft regime como uma ditadura e criticar o chamou de “giro à esquerda”: uma monopólio primeira de 1900 a 1903, quando os defendendo a “regeneração” dos ideais da liberais incorporaram “questões sociais” Reforma70. de atividade, sendo em seu discurso; e outra de 1904 a 1906, do mercado mexicano, Desde o começo, os militantes do quando os militantes optam pela via movimento liberal revolucionária para transformação da prisões, sociedade mexicana e estreitam laços ilegalidade de sua ação política. A dura com o anarquismo estadunidense. repressão que eles sofreram neste início exílios, conviveram assassinatos com e a O primeiro momento se inicia de atuação serviu “para acelerar, mais com a Invitación al Partido Liberal, de que para impedir, a radicalização do Camilo Arriaga, como uma reação às movimento” (Cockcroft, 1978: 97). Em declarações da Igreja Católica em San 1902, surgiram dois periódicos - El Luis Potosí. Tratava-se de um conflito Demófilo e El Hijo Del Ahuizote71 - que local entre a Igreja e os liberais que se expandiu nos seguintes diversos estados. Este anos para crescente movimento, que no início consistia em uma crítica ao espaço que o clero mexicano conquistava nas instituições 70 Tal período transcorreu de 1855 até a Revolução de Tuxtepec (1876), quando Porfírio Díaz ascende ao poder. Os intelectuais e estadistas liberais desta etapa histórica foram responsáveis pela difusão do constitucionalismo e de outros princípios políticos modernizantes no México, cuja herança os liberais do começo do século XX reivindicavam. 71 Existia uma série de outros periódicos liberais neste período, mas estes dois foram destacados por terem sido redigidos e editados pelos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 120 já classificavam o regime de Díaz como denunciavam o monopólio da terra e das autoritário e exclusivista. O lançamento fábricas, do manifesto do clube liberal Ponciano socioeconômicas. Arriaga – diretor dos outros clubes – em confronto ideológico foi alto, na medida 1903 marca o “clímax da radicalização” em que alguns liberais foram exilados em neste primeiro momento. Tal documento 1904. já demonstrava uma O reformas custo deste do Neste momento, há outra fase do “anticlericalismo tradicional” para um “giro à esquerda”. Alguns dos militantes discurso exilados nos Estados Unidos entraram em ancorado na transição exigindo denuncia de “injustiças sociais e econômicas e na contato necessidade de uma reforma radical” anarquistas. Em 1905, os liberais que se (Cockcroft, 1978: 105). A crítica ao aproximaram dos anarquistas fundam a regime uma Junta Organizadora do Partido Liberal, preocupação com as condições desiguais que funcionou como um centro diretor do em PLM nos anos seguintes. Na fundação do porfirista que carregava viviam capitalistas e trabalhadores. indivíduos e grupos órgão estavam Ricardo e Enrique Flores Há igualdade em nosso país? Não. O capitalista, o frade e o alto funcionário, seja civil ou militar, não são tratados no México igual que o operário humilde ou qualquer outro membro do povo, obscuro na sociedade, mas brilhante nas epopéias da Nação. Os trabalhadores arrastam uma vida de humilhação e miséria. Os privilégios e os foros em vigor tem nos enchido de uma classe de inúteis e viciosos, que podemos chamar os zangões do conjunto social. (Manifesto, 1903). O com discurso destes opositores Magón, Juan e Manuel Sarabia, Antonio I. Villarreal, Rosalio Bustamante e Librado Rivera. Posteriormente integraram a Junta Anselmo Figueroa, Praxedis Guerrero e Modesto Díaz. Em 1906, quando se formaliza o Partido Liberal Mexicano, os integrantes da Junta já estavam comprometidos com a luta rebelde, defendendo a via armada como comportava tanto um conteúdo político – caminho reivindicavam liberdades democráticas porfirista. Neste momento, os integrantes que teriam sido “usurpadas” pelo regime começam a buscar base social para seu – projeto quanto um caráter social – para derrubar político em o regime sindicatos, comunidades indígenas e movimentos intelectuais que fundariam posteriormente a Junta Organizadora. populares. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 121 Esta segunda fase da A radicalização do radicalização, que ocorre entre 1904 e republicanismo dos integrantes da Junta 1906 acarretou uma cisão entre os do PLM e a assimilação de princípios do integrantes da Junta Organizadora. Se a socialismo libertário tiveram grandes defesa da via revolucionária já era implicações na abordagem dos periódicos unanimidade entre estes, havia diferenças sobre a violência. Os ideais republicanos acerca do sentido desta revolução. Por dos primeiros anos de atuação, neste um lado, alguns militantes como Juan momento, se desdobram na necessidade Sarabia, Manuel Sarabia e Antonio de uma luta rebelde para queda de Díaz. Villlarreal se mantiveram propagando Em ideais republicanos e liberais semelhantes sindicalismo estadunidense, neste período aos dos primeiros anos de atividade também começaram a figurar nos jornais (1901/1904). Por outro lado, militantes diversos elementos da crítica anarquista como Ricardo e Enrique Flores Magón, ao Estado e ao capitalismo. Rosalio Bustamante, Librado Rivera e Praxédis Guerrero levaram vista da aproximação com o A convivência entre liberais e a anarquistas na Junta Organizadora durou aproximação com os anarquistas às até 1911, quando o PLM se torna uma ultimas conseqüências, tornando o PLM organização declaradamente anarquista e uma organização anarquista em 1911 - o os liberais saem do partido. De todo 72 modo, a partir de 1906, os periódicos que causou a saída dos liberais. (Cockcroft, 1978: 112-127). Regeneración e Revolución continuavam classificando o regime porfirista como uma ditadura que beneficiava poucos 72 Embora seja difícil precisar o exato momento em que uma parte dos integrantes da Junta se torna anarquista, pela correspondência pessoal fica claro que, em 1908, alguns integrantes já haviam aderido ao anarquismo – enquanto outros permaneceram liberais. No entanto, eles decidem manter o nome do partido como liberal por tática de luta, pois tinham receio de que houvesse uma recepção negativa por parte de outros dirigentes e da massa que compunha a base do partido. (Fuentes, 1955: 253-254). Sobre isto, Cf. Correspondência pessoal de Ricardo Flores Magón, ano de 1908, disponível em: <www.archivomagon.net>. grupos – que estariam monopolizando a terra e as indústrias -, mas incorporando em seu discurso a propaganda da via armada para queda de Díaz. Este processo de radicalização do discurso dos integrantes da Junta – seja pela transformação do republicanismo, seja pela incorporação de elementos da crítica Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 122 anarquista – que ocorre desde os importância que o tema adquiriu na primeiros anos do movimento liberal sociedade mexicana ao longo do século influiu claramente sobre a abordagem da XIX. O tema do crime - ou a definição de violência. determinados atos violentos como Para compreensão histórica do criminosos e, portanto, passíveis de discurso pelemista sobre a violência, será punição e correção -, assim como o uso feita duas das prisões, foram dois importantes dimensões - convenientes para tratar o elementos de coesão do projeto de tema da violência na primeira década do modernização que a administração de século XX. Num primeiro momento, será Díaz buscou implantar no México. uma interpretação em analisado o que os integrantes da Junta pensavam violentos prisões e a classificação de atos violentos definidos como “crime” pela escola de como criminosos puderam “vir-a-ser” direito penal – que vinha se afirmando no elementos de coesão do regime porfirista, México desde fins do século XVIII. é Após, dos compreendidos nos termos do processo pelemistas ao regime porfirista, que de evolução das tecnologias de poder consideravam uma ditadura – um regime descrita por Michel Foucault. Trata-se da excessiva e arbitrariamente violento - ascensão, no século XVIII, do poder analisada conjuntamente à defesa da disciplinar - direcionado ao indivíduo- violência rebelde - na medida em que os corpo - e do surgimento, no século XIX, integrantes da Junta acreditavam que a do poder-regulamentador – (ou biopoder) queda de Díaz só seria possível pela via - uma tomada de poder direcionada ao armada. homem enquanto espécie, a “massa será sobre os exposta atos Para entender como o uso das a crítica conveniente que ambos sejam populacional”. 73 Ambos os poderes não só coexistiam como se atravessavam, O crime: caso de polícia ou de política? pois se davam em âmbitos diferentes e, por vezes, complementares. Foucault Num primeiro momento, cabe defende que eles não são opostos analisar algumas abordagens pelemistas da criminalidade por conta da 73 Sobre esta evolução das tecnologias de poder Cf. Foucault,1999: 2005. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 123 [...] porque as disciplinas sempre tendem, de fato, a ultrapassar o âmbito institucional e local em que são consideradas. E, depois, elas adquirem facilmente uma dimensão estatal em certos aparelhos como a política, por exemplo, que é a um só tempo um aparelho de disciplina e um aparelho de Estado (o que prova que a disciplina nem sempre é institucional). E, da mesma forma, essas grandes regulações globais que proliferam ao longo do século XIX, nós as encontramos, é claro, no nível estatal, mas também abaixo do nível estatal, com toda uma série de instituições subestatais, como as instituições médicas, as caixas de auxílio, os seguros, etc. (Foucault, 2005: 298-299) em grande parte, nas proposições de Por conta da disseminação do transgressores; e produziu categórica e positivismo no México a partir da metade epistemologicamente os delinqüentes – do século XIX, cabe aqui o destaque para há grande afirmação, no período, de dois desse juristas e criminologistas que buscavam processo. Em primeiro lugar, há uma definir a transgressão e delinear suas transformação causas. Esta delinqüência produzida pelo elementos característicos própria do poder Jeremy Bentham. (Buffignton, 2000: 8992) Estas diversas medidas, que tinham como objetivo disseminar e implantar a prisão como forma adequada - moderna - de castigo, tiveram como conseqüência a “fabricação” da delinqüência em dois sentidos: criou condições propícias para reincidência – estigmatizava e desqualificava os disciplinar: a execução pública e o surgimento patíbulo substituídos, disciplinares foi bastante útil como respectivamente, pelo encarceramento e a estratégia de dominação política, pois prisão. Este processo se inicia ainda em servia para separar o crime da política, fins do século XVIII, quando surgem aumentar o temor a prisão e garantir a algumas propostas de juristas e políticos autoridade. (Garland, 2006: 180-181) são por estabelecer na Nueva España formas 74 de novas técnicas O regime porifirista fez largo uso de castigo moderno. Ao longo do século das XIX ocorreram diversos congressos, delinquência por serem técnicas de poder workshops, aprovação de leis e outras que permitiam a implantação de seu iniciativas que visavam reformar o projeto político. Em vista da efetivação sistema prisional mexicano baseando-se, de um novo código penal, escrito por 74 Martínez de Castro, Buffignton (2000: A atuação de Manuel de Lardizábal y Uribe, em seu clássico Discurso sobre las penas, publicado em 1792, foi de grande importância. prisões e da produção da 93) afirma que depois de anos de Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 124 país precisa primeiro avançar economicamente. Desenvolvimento econômico, científicos defendiam, era impossível sem um longo período de estabilidade política. Em uma reveladora distorção do lema original do francês positivista Augusto Comte “amor, ordem e progresso”, a administração de Díaz escolheu substituir “amor” pelo menos ambicioso “paz”. (Buffignton, 2000: 94). debilitante guerra civil, o México tinha rapidamente emergido como nação civilizada com um inovador código penal e planos para uma moderna penitenciária que simbolizava seu compromisso com o futuro. A partir do ano de 1876, com a Foi com o objetivo de assegurar ascensão de Díaz na vida política do “paz, ordem e progresso” para todo o México, os científicos e os funcionários México que as novas tecnologias de do regime porfirista atribuíram para si a poder se fizeram necessárias. Para os tarefa de modernizar a nação, construir o períodos país como uma nação civilizada, em que administração houvesse o respeito à lei e à propriedade estruturação estatal - como no caso do privada. As investidas neste sentido México de fins do século XIX e começo denotam a herança do republicanismo do XX -, “os bandidos embaçam a que já se afirmava no país desde anos unidade da imagem e atacam à nação anteriores – a partir de 1821, no primeiro imaginária, de modo que necessitam ser, império. Porém, os intelectuais porfiristas se não integrados, ao menos eliminados.” assimilam um elemento que começa sua Desta forma, “a bandidagem por si carreira no México só décadas depois, a mesmo põe abaixo a imagem de paz partir de 1855, com o período de social e consenso nacional tão vital para Reforma: o positivismo. A partir da um débil projeto nacional em vias de assimilação de aspectos do positivismo construção”. 75 (Vanderwood, 1994: 130- francês, a administração porfirista vai 131) em que leva uma a determinada cabo uma tomar como foco central a ordem social e Este processo é comum também a o desenvolvimento econômico. Como outros países da América Latina em fins atesta Buffignton: do século XIX. Neste contexto, o Justo sierra, um proeminente científico, notou em um ensaio de 1889 que “o estado moral e social das sociedades humanas dependem de seu estado econômico.” Para o México alcançar “liberdade” e “direitos individuais” o 75 O coportamento criminoso contradiz as normas correntes, ou seja, apresenta-se como indisciplinado e fora do eixo comportamental regulamentado pelo “biopoder”. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 125 bandido, mais do que um simples para baixar a morbidade e aumentar a contraventor, passa a ser duração da vida – o “fazer viver” que se [...] uma fórmula de profundo impacto cultural que ia além da tentativa de distinguir o legal do ilegal. Ela procurava, também, identificar aqueles que se haviam inclinado à desordem em uma sociedade que carecia de contornos definidos, embora se buscasse cristalizar um horizonte de respeito à propriedade privada e ao império da Lei do Estado. Sem dúvida, a identificação do bandido reunia condições para produzir poderosas representações. (Rafart, 2011:118) No caso dos funcionários do opõe ao “fazer morrer” da soberania real. 76 Diante disto, Foucault interroga: “como um poder como este pode matar, se é verdade que se trata essencialmente de aumentar a vida, de prolongar sua duração, de multiplicar suas possibilidades, de desviar seus acidentes, ou então de compensar suas regime porfirista, o bandido tinha um deficiências?” O autor argumenta, então, lugar social determinado. Os científicos que é neste nível que intervém o racismo, apresentavam a pois é a partir da emergência do biopoder criminalidade como privativa dos setores que ele é inserido nos mecanismos do populares... [o que servia para] justificar Estado, embora já existisse antes do sua eliminação do padrão eleitoral, assim século XIX. a “[...] tendência como sustentar a superioridade da facção Tal racismo é, por um lado, uma dominante e seu direito de governar.” forma de criar uma segregação entre (Guerra, 2007: 243). Aqui fica evidente grupos sociais, fragmentar o “contínuo o emprego de outro mecanismo de poder biológico que é o homem-espécie” que emerge com o poder regulamentador: (Foucault, 2005: 30 passim). Por outro o racismo de Estado. lado, permite uma relação positiva, da De acordo com Foucault (2005: criação de inimigos que são nocivos a 303-304), quando surge a biopolítica, há “duração da vida” - para que eu viva mais também o aparecimento da população - e melhor é necessário que “o outro” ou, mais precisamente, a emergência da morra. De todo modo, como isso população como problema político e acarretou, por exemplo, um vínculo da científico. Começam a proliferar, ao teoria longo regulamentador. No discurso do regime do século XIX, diversos mecanismos de previdência - estimativas estatísticas, previsões, medições globais – biológica com o poder 76 Foucault se refere ao direito de vida e morte do rei soberano que, significava o direito de “fazer morrer”. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 126 porfirista, “[...] o determinismo biológico porfirista pelos atos de violência. Porém, e há diversos traços de diálogo com as cultural eximia o governo de responsabilidade sobre o problema da perspectivas delinqüência, pois ao interpretar como porfiristas, os quais integravam a escola uma patologia própria do individuo liberal de direito moderno, o que atenta delinquente ou de seu grupo, negava a para uma forma complexa de relação influência das condições econômicas e entre os textos pelemistas e o cenário sociais” (Guerra, 2007: 243). mexicano. Importantes vozes juristas Não era como o advogado Julio Guerrero e Carlos publicação em Roumagnac pobres Revolución de artigos com abordagens urbanos como alcoólicos, promíscuos, sobre o crime. A relutância em abarcar o mal tema educados e os potencialmente da muito por regime destacavam do veiculadas comum Regeneración criminalidade pode a e ser criminosos. Como principal causa social compreendida, em primeiro lugar, pela do crime estavam o abandono e o condição de rebeldes dos pelemistas, que alcoolismo. (Buffignton, 2000: 95). Esse fazia com que os juristas do regime diagnóstico de tom determinista era fruto porfirista do sistema de dominação, que não previa vezes, como criminosos. No entanto, a uma articulação imediata para setores escassez de artigos que tratassem do populares – analfabetos e indígenas -, assunto pois as mazelas do presente só seriam políticas, que pode ser observada em dois resolvidas (raros) textos sobre crime publicados no permanentemente com o desenvolvimento industrial que, por sua classificassem-nos, também tinha muitas motivações periódico. vez, necessitava de uma ordem social. Em Interview con un bandido, Era na contramão deste discurso Francisco Pi y Arsuaga expõe um diálogo que os pelemistas buscavam construir sua que travou com juanillones77 quando eles abordagem violentos o abrigaram ao se perder no meio dos classificados como criminosos. Neste montes em um dia de caça. Quando sentido, destacavam todas as condições interrogados sobre o porquê de sua sociais e políticas da bandidagem, com 77 sobre atos intenção de responsabilizar o regime Como eram popularmente chamados os bandoleiros na Espanha, terra natal de Arsuaga, em referência às lendas das montanhas de Toledo. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 127 escolha em viver fora da lei, os qualidade de vida. Fica clara que se trata bandoleiros, da condição de “escravidão material” de travam uma longa explicação.78 Dizem que: que os pelemistas tanto falavam, que Antes de ser o que somos, trabalhávamos. O patrão nos arrebatava a maior parte do produto de nosso trabalho. Produzíamos por dez e cobrávamos por um. Nosso trabalho lhe permitia comprar carros, luzir jóias, habitar palácios; a nós só comer mal e viver pior. Mas, ai!, não era só o patrão; vinha logo o fisco, que nos exigia a força de contribuições; que pesavam sobre nós todos. Havia o tendero que as pagava, mas em realidade saiam de nosso bolso. Nosso alimento, nosso vestido, valia por dois [...] nós é que pagávamos tudo. Pagávamos tudo para vestir pior que ninguém, para comer pior que ninguém, para viver pior que ninguém. Perseguidos, não estávamos menos que ninguém. (Regeneración, 1910: 3). Neste sentido, a condição a que estavam submetidos antes de se tornarem bandoleiros era de trabalhadores com péssimas condições de vida. É importante perceber que o discurso do bandido no diálogo carrega capitalismo - uma crítica ao recém-implantado no México -, pois quando estavam “dentro da lei”, os bandoleiros eram explorados pelo seu patrão e pelo Estado (através do fisco), pagando caro proprietários para ter 78 a outros uma péssima Não é possível saber se o diálogo foi do exato modo como está exposto, sem invenções, adições etc. Porém, independente da veracidade do relato, o ato de publicação em Regeneración, pela natureza do periódico, indica que se trata de um reflexo da perspectiva de um ou mais integrantes da Junta Organizadora, pois esta dirigiu todas as edições. implicava diretamente em uma submissão política. Por não dar o voto na época eleitoral a um candidato amigo do amo se nos deixou sem jornal muitas vezes, por pedir trabalho, por declararmos greve, por manifestarmo-nos coletivamente, se nos espancava sempre, quando não nos prendiam ou disparavam contra nós a guarda civil. Estávamos mais dentro da lei que agora? Tão fora dela então como hoje, arrastávamos uma vida de servidão que nenhuma satisfação compensava. De pais a filhos herdávamos a degeneração e o envilecimento. (Regeneración, 1910: 3). Logo, também eram alijados de seus direitos de organização e manifestação, ou seja, não tinham sua liberdade política. Só lhes restava, então, a opção do mundo do crime, pois já seriam indivíduos “fora da lei” quando eram ainda trabalhadores. Viviam em péssimas condições de trabalho ameaçados, dentre outras, sob a “mais terrível das penas” caso se manifestassem: “a morte pela fome”. Era desta forma que o bandido explicava, no diálogo com o militante do PLM, sua escolha por viver à margem da lei. Fica evidente, então, que os juanillones de Interview con un bandido optam de forma deliberada e consciente por seu Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 128 não sabem da virtude suprema do vocábulo nem compreendem que a folha impressa leva ao germe das grandes comoções sociais; os que só vêem ao esbirro que os atropela, ao funcionário que os rouba, ao governo que os trata como bestas, confundirão com a dinamite seu ódio desesperado, mas justo, e e jogarão simplesmente uma bomba contra o mais próximo de seus opressores. (Regeneración, 1906: 4) caminho. Neste sentido, a perspectiva dos pelemistas coincidia com as abordagens que Ao explicar o ato criminoso [...] concordam com a proposta da escola liberal de direito penal, que se levantava sobre o principio do livre arbítrio. Neste caso, entram parte das publicações redatadas pela elite e as revistas dos grupos católicos ou das associações filantrópicas, pois todas elas coincidiram em que o indivíduo podia eleger de forma livre e consciente o caminho a seguir [...]. (Guerra, 2007: 244). No entanto, podemos observar A dinamite seria fruto de um “ódio desesperado” decorrente da falta de ilustração. Neste caso, o discurso pelemista traz fatores para criminalidade outra fórmula para explicação do ato semelhantes criminoso nos escritos dos militantes da associações filantrópicas. Estes seguiam Junta Organizadora, em que o individuo “a que cometia o delito agia por um impulso partindo emocional. Ao tratar das explosões de falavam, por exemplo, de deficiências na dinamite em locais públicos perpetradas educação ou ingestão de álcool.” Por em Campeche e Yucatán, o autor outro lado, colocar o ato violento como (anônimo) faz uma distinção das formas fruto de um “desespero” era típico da de agir diante da situação de injustiça a literatura popular que, em contraposição que o povo estava submetido - uma à idéia do livre arbítrio – do indivíduo diferenciação entre as formas que os racional e capaz de autocontrole -, opta homens por “seres passionais e impulsivos e que “traduzem em fatos suas acariciadas idéias”. Para o intelectual, Nem todos os temperamentos, nem todas as inteligencias, nem todas as vontades são iguais, e varios homens podem manifestar um mesmo sentimento de modos muito diversos. Os inimigos da tirania podem combatê-la com distintos procedimentos: os homens cultos, observadores e pacientes, tomarão a pluma, expressarão em sua palavra seu ódio e pela imprensa e pelo livro farão estalar o fogo de seu verbo ao passo dos tiranos; os homens sem ilustração, os que a proposta da alguns dos teóricos legisladores, herança e pois ilustrada [...], delinqüiam sem ter a possibilidade de discernir sobre o caráter e as conseqüências de seus atos.” (Guerra, 2007: 244). Em ambos os casos - dos bandoleiros e dos atentados de dinamite os indivíduos haviam optado pelo ato ou caminho de violência por conta da sua Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 129 condição socioeconômica e pela sua discurso pelemista com os escritos da exclusão da vida política. No caso dos elite bandoleiros, os pelemistas se desviavam criminalidade a fatores internos do de outras interpretações correntes quando individuo e não a apresentavam como um privilegiavam a imagem do “bandido problema derivado da injustiça social ou social”, indivíduo proveniente de setores da falta de oportunidades” (Guerra, 2007: subalternos que optava por tal caminho a 244). partir de sua condição de miséria (Rafart, 2011: 118). O bandido, quando ainda política: estes “atribuíam a Não era o indivíduo o julgado pelo problema, mas o regime trabalhador, via-se sem opção de fuga à socioeconômico e político que originava sua situação de miséria e injustiça. Desta os atos de violência. Estes deveriam ser forma, o bandoleiro diz em seu diálogo entendidos com Arsuaga que “não mata senão por consistirem em expressões de falhas na necessidade” e vive como “fora da lei” organização social - que possibilitavam para fugir de sua condição de miséria. Já que alguns indivíduos e grupos fossem os que promovem os atentados com oprimidos por outros. Como defendem: dinamite têm um “ódio desesperado, mas como naturais por malfeitores galoneados.” (Regeneración, […] em certas sociedades e em certas épocas, os estalos de bombas são tão naturais e inevitáveis como os desarranjos físicos em um organismo enfermo. Nas sociedades como na natureza, todos os fenômenos tem sua razão de ser, e pedir aos Governos que suprimam os atos de desespero e de represália em uma sociedade oprimida é tão estúpido quanto implorar dos deuses que suspendam a erupção de um vulcão em plena atividade. Já passou o tempo em que os Governos eram infalíveis e os deuses eram milagrosos. (Regeneración, 1906: 4) 1906: 4) A sociedade mexicana sob regime justo”, porque seu desespero é fruto de uma injustiça social, são homens que “[...] não podem suportar com calma nem a condição miserável a que eles mesmos se encontram submetidos, nem o espetáculo pungente e vergonhoso de um povo ajoelhado diante de uns quantos Nas duas fórmulas de bandido – o porfirista reunia, para os pelemistas, as desesperado e o racional -, o indivíduo condições próprias de uma sociedade que comete o ato violento o fazia devido oprimida e, portanto, a violência deveria a uma situação de injustiças sociais. Há, ser encarada naturalmente. Em 1911, em ainda, outra diferença elementar do Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 130 que o partido lança um radical manifesto, porfirista eles defendem que: responsável pela manutenção de um O roubo, a prostituição, o assassinato, o incendiarismo, a estafa, produtos são do sistema que coloca ao homem e a mulher em condições em que para não morrer de fome, se vêem obrigados a prostituir-se [...] Irritado o pobre pela injustiça de que é objeto; colérico ante o luxo insultante que ostentam os que nada fazem; espancado nas ruas como clandestino pelo delito de ser pobre; obrigado a vender seus braços em trabalhos que não são de seu agrado; mal retribuídos, depreciados por todos os que sabem mais que ele ou pelos que por dinheiro se vêem como superiores aos que nada tem; ante a expectativa de uma velhice triste e de uma morte de animal tirado da quadra por inútil; inquieto diante da possibilidade de ficar sem trabalho de um dia para o outro [...] é natural que nestas circunstancias se desenvolvam no ser humano instintos anti-sociais e seja o crime, a prostituição, a deslealdades, os naturais frutos do vejo e odioso sistema, que querermos destruir até em suas mais profundas raízes [...] (Regeneración, set.1911:1) Os instintos anti-sociais eram provenientes, então, do “sistema” levado que, por sua vez, seria sistema econômico e político excludente. Criminoso é o Estado: crítica ao poder estatal e a defesa da violência rebelde Em vista do projeto da administração porfirista de construção de uma nação moderna – já mencionado acima -, a sociedade mexicana assistiu um processo de endurecimento do regime político que visava assegurar a ordem social. A violência empregada pelas autoridades para manutenção da ordem era interpretada pelos pelemistas nos termos da fórmula que maniveram para o Estado durante o período: criminoso, geralmente arbitrário e composto por homens “desonrados”. a cabo pelo regime porfirista. Neste caso, Dentre todas as facetas do “Estado como veremos mais à frente, os maiores bárbaro” que os pelemistas destacavam, a responsáveis pelos crimes e atos de violência que apareciam nos escritos do PLM não eram quem os cometia, mas o Estado e os “exploradores do povo”. A criminalidade – a violência aos direitos de vida e propriedade - se tornava, no repressão da oposição e das manifestações era a mais freqüentemente mencionada. Villarreal alertava sobre a “conduta de ultrajes e violências seguida pelos sicários do Poder” diante do movimento político antireelecionista 79 discurso pelemista, uma “questão social” a ser resolvida com a abolição do regime 79 A partir de 1908 começa a crescer um poderoso movimento de oposição eleitoral ao regime Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 131 quando este ainda era pacífico, as prisões O governo porfirista tinha, então, de opositores que fizeram campanha uma polícia que “golpeia com seus sabres eleitoral contra Díaz, os operários que tudo o que tem adiante, não importando eram presos ao tentarem fazer valer seus sexo nem idade”. O Centenário da direitos as Independência assistia as “manifestações foram pacíficas” serem recebidas com uma forte dispersas a tiros (Regeneración, set.1910: repressão. O destaque a estas situações 1) era parte do que eles classificavam como constitucionais manifestações pacíficas e que Podemos observar outro destaque “terror de Díaz”: um regime político à repressão estatal desmedida do regime cruel e sanguinário que impunha, de porfirista quando Guerrero trata dos forma extremamente autoritária, suas “sucessos determinações. sangrentos” no ano de centenário de independência, em que a imprensa destacou: [...] as dissoluções de manifestações pacíficas com cavalaria, encarceramentos em massa, assassinatos de homens indefesos e mulheres inermes, crianças errando pelos bosques, cheios de fome e de temor; casas abandonadas, frias, desertas porque nelas penetrou a terrível escova do terror oficial; bandas de rurais entrando aos povos surpresos com o galope dos cavalos disparando suas armas sobre o tendero que conversava tranqüilamente a porta de sua tienda [...] Tudo em pleno Centenário da Independência. A polícia da capital pisoteia aos manifestantes, golpeia com seus sabres tudo o que tem adiante, não importan o sexo nem a idade; prende no cárcere a mulheres e homens, joga brutalmente para fora dos lugares aristocráticos ao povo maltrapilho. A soldadesca de Tlaxcala semeia a morte e à desolação, sacrificando na matança a homens, mulheres e crianças. (Regeneración, out.1910: 2) porfirista. Há alguns eventos isolados no primeiro ano, mas a partir de 1909 a contraposição ao governo se generaliza por todo o México. Desta forma, para os pelemistas, os próprios funcionários do Estado frequentemente transpassavam os limites da barbárie. Isto pode ser visto na crítica dos integrantes da Junta Organizadora ao sistema prisional, que, segundo eles, tinha mais aspecto de calabouço do que da casa de correção que defendiam os porfiristas que tentavam operar uma reforma carcerária. Buffignton (2000: 98) destaca que “o Porfiriato viu a construção de uma tão esperada penitenciária do Distrito Federal e uma nova colônia penal na Costa do Pacífico – o resultado de 50 anos de luta para trazer instituições penais modernas para o México”. Os anseios por construção de um sistema penitenciário que reabilitasse o criminoso atravessaram Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 132 hipocrisia na reforma prisional, acusando enquanto que as paredes ressumbravam um fluido espesso que impedia secar as expectorações que negligentemente haviam expelido os incontáveis e descuidados ocupantes anteriores. Do teto pendiam enormes teias de aranha, das quais espreitavam enormes, negras e horríveis aranhas. Em um canto aberto no esgoto, havia um buraco... Era este um dos calabouços em que o déspota acostumava prender seus opositores com a esperança de quebrantar seus espíritos [...]. (Magón, 1906 apud Herzog, 1995: 65-66). Díaz de tratar as prisões como sua Na crítica ao Estado porfirista, no toda primeira metade do século XIX, sendo cristalizados na penitenciaria construída em 1900 que, ainda segundo Buffignton, era a realização do panóptico de Bentham. Diversos opositores do regime, no entanto, administração porfirista atacavam por a sua propriedade pessoal. São entanto, havia diversos aspectos próprios muitos Regeneración e os artigos Revolución de das tecnologias de poder que os que intelectuais e funcionários do regime denunciam as prisões arbitrárias de freqüentemente empregavam. Um destes periodistas e as precárias condições elementos era a apropriação da categoria carcerárias. Tratando da vida de Juan honra Sarabia na prisão, Villarreal, que já havia Quando da pena capital aplicada a três também sido preso, diz: suspeitos de homicídio em Cohauila, os Ao fim do dia o cativo da tenebrosa caverna não prova os alimentos, nem o seguinte dia, nem o outro, nem o outro [...] uma semana sem comer, dois ..., delira, depois cala, agoniza, já não tem forças para tossir [...] O rumor de sua agonia circula; os “piedosos” demônios acudem a ajudá-lo em seus últimos momentos; vão conduzilo ao hospital que em quase todas as prisões é a ante-sala da morte e não lugar para aliviar as dolências; em uma maca o sacam da mansão das trevas [...] (Regeneración, out.1910:1) E assim também Magón descrevia a prisão como: Um calabouço escuro, tão escuro que impedia de ver as mãos. O calabouço carecia de pavimento e o piso era constituído de uma capa de lama de três ou quatro polegadas de espessura, para integrantes julgamento da Junta de outrem. Organizadora contestam de forma veemente a resolução da Comissão de Justiça e de seu mentor, David Cerna. Diziam eles que: Se um homem honrado condena ou reprova os vícios ou os crimes de outro homem, nada estranho nem sobrenatural se vê nisso; mas quando quem condena ou reprova o vicio ou o crime é um malvado que usurpa as funções da honradez, o estupendo do caso provoca explosões de cólera, porque é inícuo que o crime predique a virtude e se advogue faculdades que somente compete aos homens honrados. Nós homens honrados não podemos ver com tranqüilidade que nos julguem homens manchados; nós homens honrados vemos em tais administradores da justiça uma ameaça eterna a nossas Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 133 cabeças. Que princípios de equidade podem aplicar homens que tem vivido e medrado por meio do crime? (Regeneración, fev.1906: 3) A “honra” desempenhou um papel crucial após a independência, pois mediava os compromissos da ideologia liberal com a igualdade individual e a ordem social. Estas foram exitosamente instituídas pelos liberais latino- americanos antes mesmo da lei como princípio jurídico básico no século XX. Este sucesso liberal, no entanto, não acabou com hierarquias sociais baseadas em diferenças biológicas, nem práticas legais e sociais de discriminação, pois “aqueles que não eram aptos a exibir as marcas da extremamente honra... difícil achavam defender reputação de um homem, segundo tais critérios, era julgada a partir de sua conduta honesta na economia e em negócios públicos (Chambers, 2005:16). Como oposição ao regime, os pelemistas empregavam o termo para leitura do comportamento dos próprios funcionários do Estado, chamando a atenção para o insucesso dos mesmos em desempenhar “homens desonrados”, acusados de serem coniventes da tirania de Díaz. Neste sentido, defendem que: […] privar de liberdade à um povo é um crime, o maior crime que pode cometer os homens, e tão criminoso é o alto funcionário que oprime como os subalternos que, como Cerna, servem de apoio a tirania. Para homens assim é para quem fizeram as forcas e as guilhotinas, e é de lamentar-se que não tenha chegado a hora de levantar patíbulos para os opressores do povo mexicano. (Regeneración, fev.1906:3). Desta forma, tratou-se de uma das técnicas disciplinares que objetivavam delinear um horizonte de respeito a propriedade e ao Estado mexicano. O manipulação de um mecanismo de poder do período. Nas primeiras décadas do século XX, o julgamento de outrem na sociedade de homicídio são apresentados, então, como (Chambers, 2005:2). a social decretaram a execução dos suspeitos de direitos diante da polícia ou das cortes” evidencia papel “homens”. Os agentes do Estado que seus emprego desta noção pelos pelemistas seu A categoria crime, também ligada a emergência disciplinares, das não novas deixava técnicas de ser empregada pelos integrantes da Junta. No entanto, nem o bandolerismo, nem os atentados em praça pública, classificado mexicana passava, grande parte das como “maior crime que pode cometer os vezes, pelos critérios da honra. A homens” era um tipo de violência Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 134 perpetrada por funcionários do Estado – principais de privação da liberdade do povo -, sendo valorização para estes “criminosos” que a guilhotina interpretação da situação dos bandoleiros e a forca foram feitas. É curioso como os e dos atentados de Campeche e Yucatán. a racionalidade, pode ser vista cuja na pelemistas relutavam em empregar a Os integrantes da Junta julgavam categoria “crime” para classificar atos de que os indivíduos que cometeram os violência âmbito atentados não conheciam “a virtude interpessoal – caso dos juanillones e dos suprema do vocábulo nem compreendiam atentados de Campeche e Yucatán -, mas que a folha impressa [periodismo] leva ao a usavam amplamente para classificarem germe de grandes comoções sociais.” os atos de violência do Estado, referindo- Este juízo dos integrantes da Junta é se ao governo, freqüentemente, como semelhante “... a idéia de que o indivíduo “[...] integrado por indivíduos para os devia controlar suas emoções e impulsos quais não tem significado algum os e atuar com base em considerações preceitos penais, um governo de bandidos racionais...”, presente em algumas obras [...]” teóricas, revistas do corpo de polícia, de que ocorriam (Regeneración, no 1906, ep.3 num.8:.3). agrupações católicas e de associações Desta forma, no discurso pelemista a violência de Estado figurava filantrópicas (Guerra, 2007: 246). Esta valorização do crivo da como um entrave ao “progresso” do povo racionalidade, mexicano. A crítica ao poder estatal bandoleiros é acompanhada de uma apontava, então, para a necessidade de crítica ao Estado e ao capitalismo. Toda reconfiguração do cenário político no pergunta que Arsuaga faz é acompanhada país, que só poderia ser operado pela via de uma resposta bem elaborada do armada. bandido que, ao final, deixa claro que sua Este método de luta que no diálogo com os Junta opção tem “uma finalidade”, “um ideal”: também a confere um status político, não mover-se dentro da sociedade de classes, como estratégia de dominação, mas como sobrepondo-se às injustiças sociais a que forma de resistência ao projeto político estava submetido antes de se tornar um vigente. Esta violência é de um tipo bem bandoleiro. defendiam os integrantes da definido, que tinha como um dos aspectos Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 135 No entanto, a violência defendida pelos integrantes da Junta destoava destes tipos, pois tinha finalidades estritamente políticas, tratando-se de uma estratégia para transformação da realidade. Neste sentido, consistia em uma “violência instrumentalizada” que, como nos atenta Claudia Hilb (2013: 23): [...] se propõe como substituto da política, e não como reação diante da impossibilidade da política: se podemos pensar a ação política como a intervenção, por meio da exposição pública em uma cena compartilhada, nos assuntos comuns, e a cena política precisamente como aquela em que se desfaz a tensão entre modos de fazer e opinar sobre o comum, como a cena em que a interação daqueles modos de fazer e opinar se resolve, sempre de modo provisório, em políticas, então a ação violenta instrumental [ou racionalizada] se nos aparece como uma maneira extrapolítica de intervir no comum [...]. Os pelemistas buscavam essa via extrapolítica porque seu ideal de “nação moderna” destoava significativamente dos científicos. Esta divergência pode ser vista, em primeiro lugar, na denúncia dos monopolizado do regime porfirista. No discurso dos integrantes da Junta, A prosperidade das nações está em razão direta do bem-estar e da ilustração e seus filhos. Não necessitamos argumentar sobre esta verdade que por si só se impõe com a força de um axioma, e que unicamente poderá negar os que estejam interessados em que às classes proletárias não cheguem o bem-estar que dá alento e estimula, nem penetre um raio de luz nas legiões do trabalho tão infortunadas e tão sofridas. O patriotismo não consiste em lançar vivas desafinados à Pátria e a seus heróis em nossos grandes dias, mas em buscar o melhoramento comum, a elevação da raça por meio da justiça e da liberdade, dentro das quais unicamente podem prosperar as atividades honradas e os nobres esforços. (Regeneración, mar.1906: 2) Para explicar porque o México não era próspero, os integrantes da Junta empregavam o argumento da alienação da produção através da apropriação da terra – entendida como “usurpação” - por parte de “monopolizadores da riqueza”. Sem terras, restava aos trabalhadores vender sua força de trabalho. Dirigindose aos trabalhadores, Magón diz: crimes e arbitrariedades do poder estatal expostas acima, a idéia de um “Estado criminoso” que impossibilitava a liberdade na cena política. Em segundo lugar, os pelemistas uniam a esta perspectiva uma crítica à sociedade de classes, ao mercado profundamente Tenham em conta, operários, que sois os únicos produtores da riqueza. Casas, palácios, ferrovias, barcos, fábricas, campos cultivados, tudo, absolutamente tudo foi feito por vossas mãos criadoras, e, ainda assim, de tudo careceis. Teces as telas e andam quase nus; colhem o grão e apenas tens um miserável pão dormido para levar à família; edificam casas e palácios e habitam covas e desvãos. (Regeneración, set.1910:2) Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 136 dos então, uma dupla exclusão – política e lado, econômica – de direitos, pois uma “casta produziam a riqueza, mas, por outro, de privilegiados” e o governo porfirista careciam de diversos elementos básicos a se apropriavam da Pátria sem levar em existência, os conta o “povo trabalhador”, que era pelemistas destacarem a ausência de oprimido pelo regime. Diante deste liberdade também quadro, seria impossível a transformação desembocava diretamente na crítica a social por meio dos aparelhos do Estado, ausência reunião, sendo necessário o recurso da violência organização, manifestação etc. Magón para queda do regime porfirista como prossegue em seu argumento defendendo primeiro que problemas do país. Esta contradição trabalhadores que, não só por servia econômica, de um mas direitos de para [...] os metais que arrancais da terra só servem para fazer mais poderosos a vossos amos, e, por isso, mais pesada e mais dura vossa cadeia. Quanto mais produzes, mais pobres sois e menos livres pela simples razão de que fazeis a vossos amos senhores mais ricos e mais livres, porque a liberdade política só aproveitam os ricos [...]. A liberdade política requer a concorência de outra liberdade para ser efetiva: essa liberdade é a econômica. Os ricos gozam de liberdade econômica e é por isso que são os únicos que se beneficiam com a liberdade política. (Regeneración, set.1910: 2) Desta forma, a falta de liberdade política do “povo trabalhador” era explicada, em ultima instancia, pela ausência de liberdade econômica. Os setores populares do México80 sofreriam, passo para solução dos O discurso sobre a violência rebelde era, então, parte de um projeto de modernidade dos pelemistas para o México que visava substituir a ordem social instaurada com o regime porfirista e seu respectivo projeto de modernização. Por este vinculo a uma idéia de nação moderna, a caracterização da via armada – entendida ora como rebeldia, ora como revolução – carregava diversos aspectos do processo de evolução das tecnologias de poder no século XIX. Um primeiro elemento importante do discurso pelemista sobre a rebeldia é observado quando Guerrero faz uma distinção entre “revolução” e “guerra”, 80 Importante pontuar que os pelemistas também defendem que não se trata de algo exclusivo do México. No próprio artigo Rusia en Mexico, é feita uma comparação com a Rússia, que teria os mesmos problemas de violência pelos mesmos motivos políticos e socioeconômicos. defendendo que tal comparação era um: [...] erro que a luz de extraviados critérios faz parecer como barbárie o supremo recurso dos oprimidos. A guerra Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 137 tem as invariáveis características do ódio e as ambições nacionais ou pessoais; dela sai um benefício relativo para um indivíduo ou grupo, pago com o sangue e o sacrifício das massas. A revolução é o sacudimento brusco da tendência humana até o melhoramento, quando uma parte mais ou menos numerosa da humanidade é submetida pela violência um estado incompatível com suas necessidades e aspirações. (Regeneración, set.1910: 2) Neste sentido, tratava-se de um recurso político voltado para as massas, para o “melhoramento” do homemespécie – da “humanidade.” Ou seja, uma preocupação que surge com a emergência do biopoder ao longo do século XIX, que tira seu foco do indivíduo para se preocupar com fenômenos próprios da vida coletiva. Neste sentido, a rebeldia se tratava de uma violência impessoal, que não tinha como objetivo a execução de faria como o cachorro quando morde a pedra inconsciente de que se fere, sem adivinhar nem compreender o impulso de onde vem [...]. A tirania é o resultado lógico de uma enfermidade social, cujo remédio atual é a Revolução, já que a resistência pacífica da doutrina tolstoiana só produziria nestes tempos o aniquilamento dos poucos que entenderam sua simplicidade e a praticaram. (Regeneración, set.1910:2) A revolução como remédio para uma enfermidade social (que, por sua vez, possibilitava a tirania) simboliza bem a passagem do “fazer morrer” da soberania monárquica para o “fazer viver” da biopolítica no século XIX – processo que teve grande contribuição do discurso médico, implicando na disseminação de seu vocabulário. A rebelião, nestes termos, assume a característica de assegurar a vida. Para Magón, um indivíduo específico, mas à derrubada do regime político vigente – ou, mais O direito de rebelião é sagrado porque seu exercício é indispensável para romper os obstáculos que se opõem ao direito de viver. Rebeldia, grita a mariposa ao romper o casulo que a aprisiona; rebeldia, grita a gema ao quebrar a forte casca que impede seu passo [...] rebeldia, grita o povo quando se põe de pé para esmagar à tiranos e exploradores. precisamente, do Estado e da econômica de mercado vigentes no México. Guerrero deixa isto claro quando defende que seu objetivo é a queda da tirania, ao invés da morte do tirano. Por que, se queres a liberdade, não matas ao tirano e evitas desse modo os horrores de uma contenda fratricida? Por que não assassina ao désposta que oprime ao povo e pôs preço a tua cabeça? – me tem perguntado várias vezes. Porque não sou inimigo do tirano, tenho contestado; porque se matasse ao homem deixaria em pé a tirania e é a esta que combato; porque se me lançasse cegamente a ele, A rebeldia é a vida, a submissão é a morte. Existem rebeldes em um povo? A vida é assegurada e asseguradas estão também a arte, ciência e indústria. De Prometeu a Kropotkin, os rebeldes tem feito avançar à humanidade. (Regeneración, set.1910: 1) Como grande parte dos discursos do período afetados pelas novas Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 138 tecnologias do poder regulamentador, os revolucionário para derrubar o regime pelemistas vinculam sua abordagem da porfirista. violência revolucionária com o evolucionismo, na medida em que a rebelião, ao invés de ser entendida como Considerações finais “caos” ou “retrocesso”, consistia em um fenômeno evolutivo. Para os pelemistas, nos oferecem abordagens da violência […] a evolução não excluí a revolução, pelo contrário, se vale dela para efetuarse quando em seu desenvolvimento progressivo tropeça com forças que é necessário destruir, sob pena de deter-se e morrer. A história da humanidade é a história da evolução e de sua inseparável companheira a revolução que, juntas até se confundirem, tem operado até alcançar o grau de civilização que ostentam as modernas sociedades. (Revolución, 1907: 1). Neste sentido, os pelemistas se “verdadeiros consideravam Desta forma, os escritos do PLM que evidenciam um confronto de idéias com o regime porfirista. Procuraram desviar das abordagens deterministas e individualizantes do crime e do bandido, que serviam como estratégias de dominação política no período – uma conveniente produção categórica da delinqüência. Ao mesmo passo, também se opôs ao projeto de modernização dos científicos, que tinha como foco o evolucionistas”, na medida em que desenvolvimento industrial e a ordem estavam dispostos a empregar a violência social, postergando liberdades políticas contra tudo que se opõe à evolução do de reunião, associação, oposição etc. Foi povo os a partir da construção de uma dura a resistência que empregaram a violência mexicano. integrantes da Sendo Junta assim, entendiam violência rebelde como uma resposta para derrubada do regime. adequada e necessária aos outros tipos de Por outro lado, podemos observar violência, a saber, do “Estado criminoso” também o emprego de saberes e idéias e da condição de “escravidão material” que eram próprios da evolução das do povo mexicano. Ou seja, defendiam tecnologias de poder de que o próprio um ideal de “prosperidade” e “progresso” regime porfirista se apropriou para que deveria incluir as classes populares e, implementar seu projeto modernizador. para implantar tal projeto de sociedade, Neste ponto, o PLM se apresenta como seria fruto de seu contexto, ou seja, como um necessário um processo Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 139 grupo de indivíduos que estabeleciam uma relação dialógica com os atores políticos de seu tempo. É a partir disto que podemos observar empregarem fórmulas de compreensão do criminoso como o “desesperado” e o “racional”; a ampla preocupação com o mercado e o RAFART, Gabriel. Violência rural e bandoleirismo na Patagônia, Revista Topoi, vol. 12, n. 22, Rio de Janeiro, jan.-jun. 2011 GUERRA, Elisa Speckman. 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Buenos Aires: Siglo XXI, 2013 Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 140 A culpa é da “grande leva de imigrantes vadios” mesmo metal para peito de camisa, com uma pérola, cinco berloques de prata e um relógio despertador. Tudo avaliado em 500$000. Comunicado o roubo à policia do 9º Distrito, esta prendeu a Carmen,que confessou, sendo as jóias retiradas do esconderijo. A criminalidade e a imigração no serviço doméstico carioca (1870-1920) (Archivo Vermelho, n.5, 16 de março de 1918 – As criadinhas muito boas: Quem não as conhecer que as compre).81 A notícia intitulada As criadinhas Natália Batista Peçanha muito boas: Quem não as conhece que as compre, impressa no periódico Archivo A s famílias brasileiras têm um hábito muito mau de admitir empregadas cujos antecedentes desconhecem. Não raro dão guarida em sua casa de ladras muito cínicas, que causam às vezes grandes prejuízos. Mas não devemos culpar somente as vítimas dessa facilidade. A polícia e a Prefeitura têm maior culpa, porque não organizam o registro obrigatório da criadagem, para que da sua caderneta conste o abono da sua conduta. Enquanto não se fizer isso teremos a repetição de fatos como este. *** Há dias o Sr. Manuel Lopes do Amaral, residente à rua S. Leopoldo n. 267, admitiu em sua casa a criada Carmem Rosalina Pires, parda, que passou a mão nas seguintes jóias, que escondeu atrás de um quadro na sala de visitas: um relógio-pulseira de ouro, com 13 brilhantes; duas medalhas de ouro, com retratos; um cordão do mesmo metal, com uma libra esterlina; um alfinete de ouro para gravata, com duas pedras; uma aliança e um broche do mesmo metal, tendo este último três pérolas; um par de brincos, também de ouro; um botão do Proposta para o estabelecimento de uma Empresa Municipal de Serviço Doméstico, por Evaristo de Morais, aos membros da Intendência Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de 1892. Cf. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, notação 48-4-56. Vermelho, era uma das muitas representações que a esfera pública, de forma geral, possuía e disseminava em torno da figura das pessoas que trabalhavam no serviço doméstico. O Archivo Vermelho, que era um periódico criminal que possuía entre seus colaboradores Evaristo de Moraes, foi mais um material impresso a dar destaque a chamada “crise dos criados.” 82 “Crise”, esta que gerava preocupações desde final da década de 1870, quando 81 O Archivo Vermelho era uma revista criminal que se dedicava a registrar os crimes que ocorriam no Rio de Janeiro, nos Estados e no exterior. Tinha como diretor Silva Paranhos, além de colaboradores como Evaristo de Moraes, ilustradores como Julião, Raul, Calixto, Luiz, Amaro, Fritz e Guerreiro. Cf. Plataforma Memória da Biblioteca Nacional. 82 Era uma expressão muito utilizada pela impressa carioca e que acabou se tornando o tema de uma crônica de João do Rio intitulada “As 96 – carta sobre um suplício moderno e carioca”, publicado no jornal “A Notícia,” em 12-12-1909. Cf. Souza, 2014. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 141 processos de regulamentações para o Os servidores domésticos, serviço doméstico começaram a tramitar portanto, se inseriam perfeitamente em na Câmara Municipal da Corte.83 um grupo do mundo do trabalho que era Em fins do e alvo constante de preocupações em torno princípios do XX, ser um trabalhador da honra e da idoneidade de seus pobre, por si só já acarretava a tal trabalhadores que, por conseguinte, viam individuo o peso das desconfianças e das sua atividade sendo discutida, tanto na tentativas de vigilâncias. Desordeiros, imprensa e na literatura, quanto nos vagabundos, era órgãos de poder, como uma atividade que algumas das insígnias atribuídas aos deveria ser regulamentada, a fim de trabalhadores que constantemente se afastar qualquer perigo do lar da elite viam na necessidade de criar estratégias carioca.86 “classe século XIX perigosa” para se desvencilhar do peso de ser um Assim, questões como a trabalhador pobre do Rio de Janeiro. 84 rotatividade desses serviçais nos lares, Peso este que era muito maior quando se bem como possíveis acordos entre donos tratava de uma trabalhadora do sexo de agências de locação e seus criados em feminino.85 prejuízo daqueles que se aventuravam a contratar criados pelos anúncios de 83 De acordo com Flávia Fernandes de Souza, no período imperial, na Câmara Municipal da Corte, foi tramitado cerca de 10 projetos para estabelecer normas para a regulamentação do serviço de criados de servir. Já no período republicano, nos primeiros meses de 1890, um projeto chegou a ser aprovado, porém ocorreram vários eventos de resistências à regulamentação, por parte de criados e pessoas que defendiam os interesses desses trabalhadores. Cf. Souza, 2014: 2-3. 84 Sobre o processo de vigilância à classe trabalhadora no período da Belle Époque Cf. Chalhoub, 2001. 85 O serviço doméstico é uma atividade em que a associação com a honra é bastante importante, visto que esta atividade se remete a idéia de privado, de familiaridade, do compartilhamento da intimidade. Sendo, portanto uma atividade desempenhada, sobretudo por mulheres, as mesmas se tornavam mais ainda alvos de controle de sua honra, sobretudo, porque são essas mulheres que vão conviver com as donas de casa respeitáveis e suas filhas. Essas criadas, por serem mulheres, pobres, muitas vezes saírem às ruas jornais, eram levantadas algumas por das parlamentares pautas e até sozinhas e morarem em cortiços, acabavam sentindo na pele o peso dos preconceitos sociais, de raça e gênero. Ter que estar disponível ao seu patrão “para todo o serviço” era uma associação comumente feita do papel da criada, que não deveria se restringir apenas às atividades domésticas, mas, por não ter “honra” deveria estar disponível à satisfazer seu patrão não só profissionalmente, mas também sexualmente. Sobre a noção de honra Cf. Caulfield, 2000; Putnam (et.tal), 2005. 86 Essa preocupação acerca da idoneidade dos criados e à necessidade de se regular o serviço doméstico era uma preocupação que não ficou restrita ao Rio de Janeiro. Sobre os processos de regulamentação do serviço doméstico em outros estados brasileiros cf. Matos In: Bruschini; Sorj (Org.). 1994; Marcus J. M, 2003: 41-78; Bakos, 1984. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 142 mesmo donos de agências de locação que A partir desta afirmação podemos se preocupavam em criar uma espécie de depreender dois pontos para as nossas ordenação para tal atividade. Uma dessas análises. Primeiro, há que se pensar na propostas, e que nos chamou bastante criminalidade atrelada à figura dos/as atenção, foi a criada pelo então rábula criados/as. criminalista Evaristo de Moraes. Nela ele numa amostragem de matrículas de afirmava que a culpa para tal “crise”, presos da Casa de Detenção da Corte e do dentre outras coisas, residia nas “grandes Distrito Federal, no qual selecionamos os levas de imigrantes vadios, vindos da dados República da Argentina, em grande parte, afirmavam ter como ocupação alguma e existentes aqui na Capital, onde se atividade ligada ao serviço doméstico. entregam Selecionamos à vida mais aventurosa 88 Para isto, nos debruçamos pertencentes um àqueles mês de que registro aladroando enquanto podem.” (Arquivo referente aos anos de 1870, 1880, 1890, Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 1902, 1910 e 1920. No primeiro e último códice 48-4-56).87 ano selecionados, possuímos o registro de criadas presas por diversos motivos. 87 Proposta para o estabelecimento de uma Empreza Municipal de Serviço Doméstico, por Evaristo de Morais aos membros da Intendência Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de 1892. Esta proposta de Evaristo de Moraes não foi aprovada pelo advogado da Intendência Municipal, o Dr. Bandeira de Mello. O Dr. Bandeira de Mello afirmava que a proposta de Evaristo era inconcebível, dentre outras coisas, pois “importaria a violação do § 24 do art. 72 da Constituição Federal ´- é garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial -” e “não caber ao poder municipal a atribuição de regulamentar o exercício de uma profissão qualquer de modo a excluir uma classe do regime contratual comum”. (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, notação 48-4-56. Dr. Bandeira de Mello Advogado da Intendência Municipal, em 03 de setembro de 1892. Segundo Souza (2014), várias vezes foram colocadas a questão da constitucionalidade dos projetos para regulamentação do serviço doméstico. Ainda segundo a autora, o “principal problema apontado era se os regulamentos propostos não violariam direitos garantidos na Constituição - tanto no Império, quanto na República. As dúvidas nesse sentido envolviam especialmente a questão da Entretanto, entre os anos de 1880 e 1910 encontramos registros do gênero masculino somente. Dato interessante, visto que as últimas pesquisas dedicadas ao tema do serviço doméstico tendem a privilegiar, sobremaneira, a participação garantia da liberdade individual no que concerne ao âmbito do trabalho, a possibilidade de desconsideração de preceitos estabelecidos nas Ordenações Filipinas, que ainda regulava as questões de ordem civil no país, bem como as atribuições do poder municipal, que não envolviam matérias de contratos.” (Souza, 2014: 4-5). 88 No pós-abolição a associação entre criadagem e criminalidade era algo bastante comum e ratificado pela imprensa e pela intelectualidade da época, o que justificava as várias tentativas para se regulamentar o serviço doméstico. (SOUZA, 2014: 7-8). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 143 feminina em tal atividade 89. Ressalta-se, eram quaisquer criados. A afirmação, ou no entanto, que operamos com ocupações melhor, a preocupação de Evaristo de majoritariamente Moraes negligenciar femininas, a porém, importância destinava-se aos servidores da imigrantes que se avolumavam na então participação masculina em tais encargos, Capital Federal. Isto, no contexto da possibilitaria simplificar as relações entre chamada “grande imigração”, período em domesticidade e feminilidade, como se que milhares de europeus chegavam ao ambas fossem dissóciáveis.90 continente com a esperança de, uma vez Em segundo lugar, ao relermos a afirmação de Evaristo de Moraes, fica se instalando em solo americano, tentar “fazer a América” (Fausto, 2000: 577). evidente a preocupação deste advogado Visibiliando o serviço doméstico quanto à entrada de imigrantes vindos de masculino, não esquecendo a importância portos, Aires. da mão-de-obra feminina como mola Estamos, portanto, pronunciando casos mestra dessa atividade, o presente artigo de se é uma tentativa de, analisar a participação entregavam à vida do crime, mas que não dos imigrantes europeus no serviço como criados o de Buenos que participaram doméstico carioca e, sobretudo, pensar a 89 Trabalhos sobre o serviço doméstico no Brasil até falam sobre a participação masculina, todavia não dão tanta visibilidade a esses personagens. Cf. Graham, 1992; Souza, 2010; Carvalho, 2003: 41-78; Silva, 2013. 90 Valdemir Zamparoni sobre o serviço doméstico na cidade de Lourenço Marques, em Moçambique, no qual promoveu um questionamento muito importante acerca dessa atividade que ficou silenciada por Graham – a questão da domesticidade ligada a somente a feminilidade. Zamparoni e Olívia Maria Gomes da Cunha apontaram em suas pesquisas que a domesticidade pode ocultar fronteiras simbólicas, como aspectos sociais, raciais e de status, mais do que especificamente aos de gênero. Ao trazer o caso da cidade de Lourenço Marques, Zamparoni demonstrou que em cidades coloniais ou que já vivenciaram esta condição, questões como a cor de pele e a moralidade sexual podiam determinar a escolha dos criados. Tanto que na região analisada, o serviço doméstico era desempenhado majoritariamente por homens e nem por isso a masculinidade desses serviçais era questionada. Cf. Zamparoni, 2007; Cunha In. Cunha, O. M G da; Gomes (Org), 2007. questão da criminalidade no interior dessa esfera do mundo do trabalho. No dia 19 de março de 1892, a Intendência Municipal do Rio de Janeiro recebeu proposta para o estabelecimento de uma “Empreza Municipal de Serviço Doméstico que venha regularizar tão importante dependência da vida particular.” (Códice – notação 48-4-56).91 Como causas principais, as irregularidades que acometem o serviço doméstico carioca são apontados dois 91 Proposta realizada por Evaristo de Morais aos membros da Intendência Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de 1892. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 144 motivos: as “grandes levas de imigrantes E mais uma vez o que encontramos é vadios vindos da República Argentina, uma crítica a entrada de “certos” em grande parte” (Códice – notação 48- imigrantes em solo brasileiro. De acordo 4-56) com Júlia, apesar de muitas criadas terem ponto este anteriormente; e, já as mencionado “agências origem européia, estas intermediarias que sem responsabilidade [...] emigram das aldeias esfomeadas e de povoações do interior, bandos de criaturas só habituadas ao plantio das vinhas ou à colheita do trigo. As das cidades, já desbastadas da crosta nativa e mais ou menos educadas essas deixam se ficar gozando nos poucos intervalos da sua vida trabalhosa, os gozos das capitais. Porque lá da se esta anomalia: Quem trabalha não é a dona da casa, é a criada!. (Almeida, 1906: 18-19) alguma introduzem nos seios das famílias esses péssimos elementos de dissolução e de latrocínio. (Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, notação 48-4-56). Como esta, muitas outras propostas foram tramitadas na Intendência Essa visão negativa a respeito das Municipal e todas elas com um ponto em comum: a visão negativa em torno das pessoas que desempenhavam atividades domésticas. Visão compartilhada pela imprensa e pelos literatos da época. Júlia Lopes de Almeida (1906: 18-19), por exemplo, em dois textos – um romance e criadas estrangeiras é ratificada em um trecho do romance A Intrusa, onde o personagem Caldas previne o personagem Argemiro acerca da contratação de criadas por anúncios de jornais: um manual dedicado às futuras donas de menina e tendo um bom relacionamento Olha que essas madamas trazem anzóis nas saias [...] Quando menos pensares [...] estás fisgado [...] E tu que és bom peixe! É uma raça abominável, a das governantas [...] Verás amanhã que afluência de francesas velhas à tua porta! Feia ou bonita, a mulher é sempre perigosa. Eu deixar-me-ia ficar sossegadinho nos braços do Feliciano. (Almeida, 1994:10). com seu marido, achada morta com um Essas afirmações e representações casa, esboçou a imagem que parte da sociedade tinha dessa atividade. Ao narrar a história fictícia de D. Amanda: mulher honesta, casada, mãe de uma tiro de garrucha no peito e um bilhete que em revelava - “Morro porque não posso estrangeiros (as) nos faz questionar uma suportar empregados”; Júlia Lopes de idéia de que havia um consenso em Almeida começa a discorrer sobre a relação “realidade” do serviço doméstico carioca. construção de uma ética do trabalho torno ao dos papel (as) do criados imigrante (as) na Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 145 construída de um liberto, que uma vez para casa de familia para ensiinar meninas, sabendo allemão, inglez, portuguez e piano, não faz questão de ordenado, mas exige bom tratamento. Carta a E. 13, no Allens Hotel, Rua Humaytá. (Grifo meu). (Jornal do Comércio, 1897). com a posse de sua liberdade não No (Chalhoub, 2000). Uma imagem de que o imigrante é bem visto e desejado como um trabalhador ideal frente à imagem desejaria trabalhar. acima, o que Trabalhos verificamos é uma imigrante alemã se recentes vêm nos mostrando que essa ofertando como uma governanta que fala posse da “liberdade” pelos libertos não e ensina alemão, inglês, português e deve total piano e que, além disso, não faz questão afastamento de sua vida pré-manumissão. do ordenado. Esta característica nos é Na cidade de Desterro, Henrique Espada bastante Lima afirmava que muitos libertos falando de uma mulher livre, que nunca realizavam contratos de trabalhos para, esteve na condição de escrava, mas que dentre outras coisas, trocarem dívidas pretende se lançar a uma relação de pelo ficar trabalho em que o salário é trocado pelo trabalhando “como se fora sua cativa por “bom tratamento”, ou seja, a ausência do períodos que podiam ultrapassar os 20 salário, neste caso, não determina a anos” (Lima, 2005: 289-326). inserção desta mulher em uma relação de ser mais anúncio pensada como comprometimento um de Esses contratos de trabalho nos permitem perceber que a “transição” do trabalho escravo para o trabalho livre não estabeleceu um corte seco separando essas duas condições. (Lima, 2005: 296). Os próprios anúncios de aluguéis de criados (as), presentes no Jornal do Commércio, nos permitem verificar essa “precariedade” da noção de trabalho livre em fins do século XIX e princípios do significativa, pois estamos trabalho escravo. Somado ao que foi mencionado anteriormente, outro ponto que merece ser destacado é a idéia de um consenso em relação ao imigrante europeu como um trabalhador ideal. Se pensarmos na fala de Evaristo de Moraes ou nos romances de Júlia de Lopes de Almeida, só para dar um exemplo, fica claro que nem todo imigrante europeu era uma figura unanimemente desejável para o XX. serviço doméstico. Peguemos o caso dos Governante - Uma moça allemã, de boa educação, chegada há pouco, offerece-se portugueses. De acordo com Gladys Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 146 Sabina Ribeiro (1987:10), os portugueses não representavam europeu identificar uma variedade de pessoas, “civilizado” por excelência, todavia, era nacionalidades variadas, desempenhando portador do elemento ordenador da o serviço doméstico. Europeus de vários sociedade: o trabalho, fator capaz de países, orientais, africanos, entre outros, levar à que ajudavam a engrossar as fileiras do anúncios serviço doméstico carioca. Todavia, se presentes no Jornal do Commercio observamos bem, a nacionalidade que realizamos um levantamento de 1699 mais se destacava era a portuguesa, que anúncios demandando se justifica, é claro, pelo volume de criados/as, dos quais 159 eram imigrantes imigrantes portugueses residentes no Rio de sobretudo, de Janeiro. Em 1890, por exemplo, havia portuguesa, como pode ser veridicado nas 106.461 portugueses na cidade, dentre os próximas tabelas. quais 77.954 homens e 28.507 mulheres. a cidade modernidade. várias ao o As tabelas anexadas ajudam a progresso Analisando ofertando ou nacionalidades, e Os homens correspondiam a 50% da Tabela - 1: Quantidade de referências a estrangeiros do sexo feminino presentes em anúncios do Jornal do Comércio (1867-1917)* população estrangeira e as mulheres a 18%, ambos somando 68% dos estrangeiros. 107 Por mais que seja visível a presença de doméstico, imigrantes com no destaque serviço para os portugueses, não podemos generalizar a idéia de que esses trabalhadores eram Tabela – 2: Quantidade de referências a estrangeiros do sexo feminino presentes em anúncios do Jornal do Comércio (1867-1917)* considerados exemplos de bons trabalhadores. (Ribeiro, 1987: 10). O mau desempenho das atividades contratadas ou os crimes cometidos por esses estrangeiros reforçava ainda mais os estigmas criados em torno das pessoas que desempenhavam alguma atividade doméstica. Pois, se os/as próprios/as Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 147 criados/as estrangeiros/as contradizem a 164 imagem imigrantes e 50 portugueses.93 de morigerados, bons trabalhadores e honrados, que lhes são homens, Esses dos dados quais nos 84 eram permitem atribuídos, o que se irá esperar dos verificar alguns aspectos importantes libertos? Assim, partindo da afirmação de sobre o serviço doméstico carioca e a Evaristo de Moraes, de que os imigrantes imigração. Além disso, apesar de não vêm aladroar, estarmos verificando processos criminais, realizamos um levantamento da presença nos quais poderíamos ter acesso às vozes de servidores domésticos registrados nos dessas livros de matrículas da Casa de Detenção permitem, mais do que verificar os 92 crimes cometidos, revelar o perfil social Analisando esses livros, verificamos em desses criados/as detidos por ordem de quais atividades esses imigrantes presos fiscalizações se enquadravam e quais crimes eram período estudado: a média de idade mais comuns, dentre outros dados que dessas pessoas; o estado civil; a cor; a vão nos permitir traçar um perfil dos nacionalidade; dentre outros aspectos que imigrantes europeus que rompiam com o nos permite avaliar o impacto destes modelo dados na “crise” do serviço doméstico ao Rio de Janeiro da Corte e do Distrito Federal. ideal do “trabalhador morigerado”. Assim, realizamos o levantamento de referências a 248 pessoas, e essas fichas criminalizações nos no carioca. criminosos que afirmavam ter como ocupação alguma atividade ligada ao serviço doméstico, 84 eram mulheres e 92 Para isso selecionamos de forma aleatória um mês de cada ano analisado, ou seja, 1870, 1880, 1890, 1900, 1910 e 1920. Tão somente, desejamos ter uma ideia qual servidor doméstico estava sendo preso e quais os crimes sprincipais. As observações a essas fontes, todavia, contribuem para a realização de um levantamento menos espaçado, a fim de que possamos observar, detidamente, se houve alterações no perfil desses criminosos e nos crimes cometidos ao longo dos anos. Para a pesquisa em desenvolvimento, estamos lançando mão dos dados coletados nesse material apresentado. 93 Sobre a participação dos estrangeiros no serviço doméstico, de acordo com os censos de 1870 e 1920, cerca de 20% a 26% dos criados (as) do Rio de Janeiro eram estrangeiros. Sendo este um dos principais espaços de trabalho para as mulheres estrangeiras que se afixavam na cidade. Cf. Souza, 2014. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 148 Tabela 3 que obtinham seu meio de subsistência por meio de ocupações proibidas em lei, ou que ofendiam a moral e os bons costumes. O que nos faz supor que, talvez, uma parte dessas mulheres presas que se diziam criadas, pudesse, na verdade, desempenhar outra atividade que não a do serviço doméstico – a Assim, podemos destacar em um primeiro momento um dado interessante. No mês de maio do ano de 1920, por exemplo, somente mulheres, incluindo as provenientes da imigração, estavam detidas. Como característica principal dessas detentas, há o fato de das mesmas não terem profissão desempenharem declarada alguma ou atividade doméstica. Além disso, em sua grande maioria se enquadravam no Penal da época: podemos verificar, o presente artigo penalizava as pessoas que não exerciam ofício, mas também aqueles exemplo. Ou que o Dr. Lassance Cunha chamava de, “prostituição clandestina”, que era aquela exercida por mulheres com outras ocupações, não vivendo exclusivamente da prostituição – como o caso das domésticas, sobretudo quando escravas. (Lassance Cunha, 1845 Apud Soares, 1992: 28-29).94 De uma maneira mais geral, as idades dessaas encarceradas estavam em torno Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes. Pena de prisão celular por quinze a trinta dias. (Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, 1890). por simplesmente poderiam fazer parte do artigo trezentos de noventa e nove do Código Como prostituição, dos vinte anos majoritamente, brasileiras de 95 idade; e solteiras que afirmavam desempenhar atividades como doméstica, cozinheiras, lavadeiras, amas secas ou costureiras. Tanto no ano de 1920, quanto nos anos de 1870 e 1880, essas mulheres presas seguiam o padrão 94 Cf. também Schettini, 2006. No ano de 1920, do total de 36 presas, 32 foram anotadas como brasileiras; 1 como espanhola. Em três casos, no entanto, não houve a possibilidade de identificação da nacionalidade. 95 Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 149 mencionado. Em 1920, das 36 presas, 32 cometidos eram nacionais, 1 era espanhola e 3 não cozinheiros, 1 por cocheiro e 1 por foi possível identificar a nacionalidade. jardineiro. Esta característica já muda um por copeiros, Desses portugueses, 5 gatunos, eram 4 5 por eram brasileiros, 1 pouco se pensarmos nos homens presos. argentino, 1 italiano e 1 espanhol. É evidente que o número de nacionais é Geralmente, esses homens eram solteiros, maior do que o de estrangeiros, porém o na casa dos 20 anos e quando brasileiro, número na maioria das vezes ou era da cor preta de sobretudo, criminosos portugueses, estrangeiros, espanhóis e italianos é bem significativo. Dos 164 ou parda, assim ocorre também para o caso feminino. homens detidos, 83 eram brasileiros, 46 Esses dados nos revelam mais portugueses, 5 italianos, 17 espanhóis e uma coisa: uma é a variedade de os 13 restantes eram de nacionalidades nacionalidades que entravam pelo Porto como Prússia, EUA, Bélgica, países do do Rio de Janeiro. Analisando algumas continente africano, Chile, Argentina, e fichas de vapores que atracaram no porto Suíça. do Rio de Janeiro, verificamos alguns As profissões mais comuns desses criminosos eram as de cocheiros, vindos do Porto de Buenos Aires e Rio da Prata, como por exemplo, o vapor francês 96 cozinheiros e copeiros, profissões essas, Béarn procedente de Rio da Prata. realmente bastante ocupadas por homens. Neste vapor foram embarcados, em Os crimes cometidos por essas pessoas Buenos geralmente se enquadravam no artigo 399 seguintes nacionalidades: 6 espanhóis, 27 do código penal, ligado à vadiagem, além italianos, 2 alemães, 2 ingleses, 1 da desordem e da embriaguez. Os crimes australiano e 3 franceses. Em 07 de abril de gatunagem ou furto, geralmente eram de 1876, o vapor Minho, procedente de cometidos por aquelas profissionais que Buenos Aires possuía 10 passageiros, desempenham suas funções dentro das sendo 1 brasileiro, 1 argentino (sendo Aires, 41 passageiros das casas dos patrões, como a função de copeiro e a de cozinheiro. Para termos uma ideia, no ano de 1902 houve 13 crimes de gatunagem ou furto, sendo 7 96 Vapor francês Béarn procedente do Rio da Prata. Entrado em 11 de junho de 1896. Disponível em: <www.an.gov.br/sian/principal/pesquisa>. Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 150 este camareiro), 2 espanhóis, 3 ingleses e da Argentina talvez esteja relacionada a 3 italianos. essa idéia de “criminalidade viajante”. Ao encontrarmos estrangeiros De acordo com o literato brasileiro Elysio domésticos cometendo crimes, como o de de Carvalho: “Somos hospitaleiros até a gatunagem, logo nos veio à mente a fala imprudência, e por isso mesmo, e porque de Evaristo de Moraes, que mencionamos a vida é fácil, a vigilância pequena e a no início, ou seja, que um dos motivos tolerância excessiva, o Rio vai se para que o serviço doméstico estivesse tornando um refúgio de criminosos em uma condição problemática era o fato escorraçados de todas as partes do de muitos gatunos estrangeiros estavam mundo” (Carvalho, 1913: 222-223 Apud entrando no Rio de Janeiro, sobretudo Galeano, 2012: 72) Esse medo dos pela República da Argentina. criminosos Esses exemplos vêem viajantes estava bastante nos inserido em uma preocupação do fim do mostrar que provavelmente os portos século, dos efeitos nocivos da imigração argentinos servissem como um ponto de descontrolada. (Galeano, 2012: 72). De parada daqueles navios que traziam as acordo com Diego Galeano: levas de imigrantes europeus, visto que a Argentina era um grande receptor de estrangeiros na América Latina. (Fausto, 2000). Mas, também poderiam servir para aqueles imigrantes que não estavam satisfeitos com sua condição na Argentina, tentassem melhorar de vida imigrando para o Rio de Janeiro. Essa grande leva de pessoas chegando diariamente nas Américas começou a gerar no fim do século XIX, um medo de que junto com esses trabalhadores chegassem também criminosos. Portanto, a desconfiança de Nas últimas décadas do século XIX, foi tomando força um discurso que associava o aumento da população estrangeira com a presença de uma criminalidade nova e a cada dia mais robusta. Esta idéia circulou – com diferentes nuances – desde Buenos Aires até o Rio de Janeiro, abrangendo, obviamente, São Paulo. No Brasil, desde os primeiros anos republicanos já se ouviam vozes de advertência sobre os efeitos da imigração no crime urbano. A construção de estatísticas criminais que desagregava as taxas por nacionalidade era um sintoma desta preocupação. (Galeano, 2012: 72-75). Como estamos falando de um jovem rábula, que depois virá a ser um importante jurista brasileiro, talvez o que a afirmação de Evaristo de Moraes esteja refletindo é um discurso compartilhado Evaristo de Moraes aos imigrantes vindo Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 151 entre seus pares, no qual via essa imigração desenfreada como algo maléfico e que ao atingir o serviço doméstico atingiria, por conseguinte a base da sociedade que era a família. Além disso, uma vez esse imigrante contrariando a imagem idealizada de morigerado e exemplo de bom trabalhador, ao se jogar a vida da gatunagem, ele acabava contribuindo para uma servidores imagem pejorativa domésticos, Referências bibliográficas que dos era disseminada por diversos meios de comunicação, além de contribuir como mais uma justificativa para a regulação e vigilância dessa atividade. Uma vez, que se até aqueles criados/as que deveriam ser honrados e bons trabalhadores não estavam sendo, o que se pensar dos escravos e libertos? Se o Brasil lutava para se tornar uma nação moderna, precisava, portanto, proteger a honra da família, nada melhor do que vigiar os servidores domésticos – membros da “classe perigosa” que estavam em contato direto com ela. (Caulfield, 2000: 109). ALMEIDA, Julia Lopes. A Intrusa. Introdução e estabelecimento do texto por Elódia Xavier, da UFRJ. Rio de Janeiro: Edições do Departamento Nacional do Livro. Fundação Biblioteca Nacional, 1994. ______. 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Junto ao Núcleo de seu interesse de pesquisa concentra-se em Estudos Contemporâneos (NEC-UFF), averiguar o consumo e produção de desenvolve pesquisa a respeito das bebidas origens da corrente maoísta na Argentina Mexicana. Para além disso, interessa-se na década de 1960. A partir deste campo também pela discussão de temas relativos de interesse, a autora possui publicações à questão agrária, narcotráfico e futebol. em revistas científicas. Atualmente, é Integra candidata pela Contemporâneos (NEC- UFF). Participa Universidade de Buenos Aires. Junto à do Grupo Eduardo Galeano (Estudos Universidade Sociais e Políticos na América Latina). Argentina, ao doutoramento Nacional participa do de Quilmes, "Grupo de alcoólicas o Núcleo na Revolução de Estudos Tem experiência na área de História, com Estudios sobre acumulación, conflictos y ênfase em História Latino-Americana. hegemonía" E-mail: [email protected] e Investigaciones Sociedad do sobre en são Economía la Contemporánea". interesse "Centro de y Argentina Os seus temas de a História Latino- Americana Contemporânea, debates na Jailton Alves de Oliveira É professor, historiador, doutorando em esquerda e o movimento operário e Educação pelo Programa de Pós- popular e as abordagens sobre gênero e Graduação em Educação da Universidade Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 154 do Estado do Rio de Janeiro (PROPED- Corte UERJ). Integra o grupo de historiadores Buenos Aires como espaços educativos do Laboratório de Estudos sobre as (1856-1889), 2014 e O Último Livro da Diferenças Sociais Casa de Detenção da Corte: a disciplina (LEDDES), que faz parte do Programa de no final do Império do Brasil (1880- Pós-Graduação em do 1889), Departamento de da História e Memória: novos olhares sobre Universidade do Estado do Rio de temas variados, 2012. Integrou o grupo Janeiro (PPGH-UERJ). Seus interesses se de pesquisadores que reorganizou todo o voltarm para estudos a respeito da acervo do Fundo Casa de Detenção do educação, prisão e mulheres e crianças Rio de Janeiro junto ao Arquivo Público encarceradas na América Latina do do Estado do Rio de Jaeiro (APERJ). século XIX. Possuiu artigos e resenhas Email: [email protected] publicados e em Desigualdades História livros e História e de Penitenciária 2012. Nacional Organizador do de livro revistas científicas. É mestre em Educação pelo Programa e Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PROPED-UERJ). É pósgraduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e graduado em História pela faculdade Gama Filho (RJ). Participou do projeto “Circulação de modelos pedagógicos, sujeitos e objetos entre Brasil e Argentina (séculos XIX e XX)”, que envolveu o Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade de Campinas (UNICAMP) e o Doutorado em Educação da Universidad Nacional de Rosário (Argentina), 2012. É autor dos livros: Escolas de todas as perdições e degenerescências: Casa de Detenção da Jhoana Gregoria Prada Merchán Venezolana. Licenciada en Historia por la Universidad de Los Andes (2006), Mérida-Venezuela y Licenciada en Educación Mención Ciencias Sociales por la misma Universidad (2009). Magíster en Historia Comparada Pasado y Presente de las Relaciones Sociales, Familiares y de Género en Europa y América Latina de la Universidad de Murcia, España (2010). Estudiante de Doctoranda del Programa de Pos- Graduación en Historia Social de la Universidad Federal de Río de Janeiro, Brasil. Ponente Sudamericano de en III Historia Congreso (2007). Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 155 Perteneciente al Grupo de Investigación 1930)” no livro Histórias da Educação: Conversatorio de Mujeres y Género~ Instâncias Conversações sobre Mulheres e Género instituições e cultura material (2015). (Murcia, España) y Miembro del Consejo Membro de Redacción de la Revista Procesos Interdisciplinar de Pesquisa em Educação Históricos- Revista de Historia y Ciencias e Tecnologias (GIPET – IFMG), atuando Sociales de la Universidad de Los Andes, na Mérida-Venezuela. Docente a nivel de interdisciplinares e ensino tecnológico”. Educación Media General. Actualmente Membro estudante do grupo História do desarrollando trabajos de investigación Crime e da Polícia e da Justiça Criminal en el área de Historia Social, Historia de (UFRJ) atuando na linha de pesquisa Género História do crime e da polícia. e Historia de la Mujer. Especialista en temas como honor, infanticidio, familia, matrimonio linha educativas: pesquisador de pesquisa políticas, do Grupo “Ferramentas E-mail: [email protected] y situación social de la mujer en Venezuela durante el siglo XIX y XX. Marlon Rocha Email: [email protected] É historiador, mestrando no Programa de Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHIS-UFRJ). Atualmente, seu campo É historiador, professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e doutorando em História Social pelo Pograma de Pós- Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PGHIS/UFRJ). É mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Autor de “Ação Policial como prática de uma educação moral: polícia de costumes e o meretrício em de interesse está envolto em pesquisas relacionadas ao discurso político do Partido Liberal Mexicano através dos periódicos Regeneración e Revolución nas primeiras décadas do século XX. Atua na área de estudos políticos e históricos da América Latina e história do México na passagem do século XIX para o XX. Email: [email protected] Belo Horizonte (décadas de 1920 e Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 156 Natália Batista Peçanha É historiadora, doutoranda em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Atualmente, com apoio CAPES, seu campo de interesse imbrica-se transnacional do com serviço a análise doméstico carioca e portenho no final do século XIX e início do XX. É mestre em História pela mesma instituição de ensino, onde desenvolveu pesquisas relacionadas ao Estado e as múltiplas relações de poder. Como bolsista de Iniciação Científica (CNPQ/BALCÃO), fez parte do grupo de pesquisadores no Arquivo de Memória Operário do Rio de Janeiro (AMORJ). Participou do projeto de pesquisa Carta do Potencial Arqueológico do Rio de Janeiro (CPARJ), que foi organizado pela Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional (IPHAN). E-mail: [email protected] Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016 www.revistahistoria.com.br