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Abordagens da violência na América Latina:
Aproximações, debates e estudos de casos
Organização
Jailton Oliveira
Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos
Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016
www.revistahistoria.com.br
Dossiê Abordagens da violência na América Latina: Aproximações, debates e estudos de casos
Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016
www.revistahistoria.com.br
REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 3
Revista História
Sumário
ISSN 1983-0831
www.revistahistoria.com.br
Capa e Diagramação eletrônica
Luciano Rocha Pinto
Apresentação
Luciano Rocha Pinto
Editores
Jailton Alves de Oliveira
Luciano Rocha Pinto
Verônica Maria Nascimento Tapajós
Via pacifica ou via armada: os debates na
esquerda revolucionária na década de 1960,
através de duas organizações maoístas
argentinas
6
Brenda Rupar
Conselho Consultivo
André Porto Ancona Lopez
International Council of Archives (ICA, França)
Universidade de Brasília (UNB)
Antonio Filipe Pereira Caetano
4
Honra, tequila e pólvora:
práticas
alcoólicas e violência cotidiana na
revolução mexicana
25
Bruno Cezar Rodrigues Thomaz
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Augusto da Silva
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Benair Alcaraz Fernandes Ribeiro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Uma síntese da miséria: Mulheres
encarceradas no Rio de Janeiro do século
XIX (1870-1900)
43
Jailton Alves de Oliveira
Carlos Augusto Lima Ferreira
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira Cristiano
Wellington Noberto Ramalho
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Duarcides Ferreira Mariosa Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp.)
Edison Bariani Junior
Faculdade Santa Rita (FASAR) / Faculdade de Itápolis-SP
(FACITA)
Eulalia Maria Aparecida de Moraes
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá
(FAFIPAR)
Fabio Luiz da Silva
Universidade Norte do Paraná (UNP)
Hustana Maria Vargas
Aspectos teóricos y la sensibilidad social
en el infanticidio: el caso de maría soledad
rojas (Mérida-Venezuela, 1845)
69
Jhoana Gregória Prana Merchán
Violência e cotidiano policial na força
pública de minas gerais: aproximações
empíricas e teóricas
91
Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira
A violência nos escritos do Partido Liberal
Mexicano. Perspectivas sobre o crime,
estado e a rebeldia em regeneración e
revolución (1906-1911)
118
Marlon Rocha
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Margarida Maria Dias de Oliveira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Ozanan Vicente Carrara
Universidade Federal Fluminense (UFF)
A culpa é da “grande leva de imigrantes
vadios”: a criminalidade e a imigração no
serviço doméstico carioca (1870-1920) 140
Natalia Batista Peçanha
Samira Adel Osman
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Sobre os autores
153
Vanessa dos Santos Bodstein Bivar
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMGS)
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Ano 7, Número 1, Volume 1, Edição 2016
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REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 4
Apresentação
inseto,
Sansa
desperta
sentimentos
diversos, até nos mais próximos, que o
veem com ojeriza. Enquanto sua mãe cai
por terra diante da sua anormalidade, seu
Quando certa manhã Gregor Sansa despertou,
depois de um sono intranquilo, achou-se em sua
cama convertido em um monstruoso inseto. (...) A
mãe olhou primeiro para Gregor, juntando as
mãos, avançou depois de dois passos para ele e
desmaiou (...). O pai ameaçou com o punho, com
expressão hostil.
Franz Kafka
pai usa da violência para recompor a
ordem. Kafka ocupa-se da singularidade,
não da repetição. O extraordinário que
provoca a aversão é a razão de ser de suas
histórias onde a raridade e o singular são
vistos como uma ameaça.
O
“estranhamento”
em
sua
s histórias de Kafka são
construção discursiva não é, de modo
surpreendentes.
Iniciam-se
algum, a identificação de algo realmente
com um fato, por vezes
estranho, mas, é o despertar. O estranho
bizarro, que estabelece uma ruptura no
inseto monstruoso não é o desconhecido,
cotidiano. Onde parecia haver ordem e
antes, é o que deveria permanecer oculto,
repetição, emerge um acontecimento que
camuflado
instaura
da
cotidiana. Seu despertar, o seu “vir para
descontinuidade. Na prosa, o jovem
fora”, é que é inquietante, pois, ao
Sansa
de
mesmo tempo em que pensa sua posição,
pesadelos. Curiosamente, a razão de ser
repensa a disciplina e a ordem das coisas
de sua intranquilidade está no cotidiano
postas. Enquanto ocupava-se consigo
ordeiro e disciplinado, onde predomina a
mesmo e com seu mundo de obrigações,
solidão, o trabalho e a docilidade. Este
os dias se passavam como todos os
sono intranquilo é a própria “realidade”.
outros. Ao afirmar sua diferença e
A
outro
desperta
olhar:
de
o
um
mundo
na
rotina
repetitiva
e
Em Kafka, o real não é obvio,
repensar sua “realidade”, o monstruoso
objetivo ou claro, mas o insuportável. A
emerge em sua anormalidade e, com ele,
opressão,
animalidade,
o despertar da violência e da opressão
violência, dor... Parecem emergir do
para recompor a aparente tranquilidade e
medo
a segurança.
à
preconceito,
diferença
e
ao
diferente.
Metamorfoseado em um monstruoso
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O sonho intranquilo de Gregor
os demais colegas para publicar os textos
Sansa está atravessado neste dossiê. São
apresentados ao final do curso. Todo
outras as personagens; diferentes os
processo de organização foi realizado por
cenários; e variados os tempos. No
ele.
entanto, a monstruosidade da diferença
sinalizaram positivamente. Os demais
continua
estavam envolvidos com outros projetos.
emergindo
em
cenas
de
violência e opressão. Abordagens da
violência
na
América
Dos
doze
participantes,
sete
Sem querer, então, retardar o
Latina:
prazer de sua leitura, quero afirmar a
aproximações, debates e estudos de casos
pertinência, a ousadia, a originalidade dos
é inquietante por estabelecer rupturas e
temas e a qualidade das pesquisas e dos
provocar o estranhamento. Em cada
pesquisadores a fim de estimular você a
história, um acontecimento, metamorfose
percorrer
de novos processos. Em comum, o sono
Espero, sinceramente, que este dossiê –
intranquilo da banalização da vida e da
assim como fez comigo – levante
sensação do intolerável. Em cada página
dúvidas, proponha questões, estimule a
o convite para despertar da paralisia e do
imaginação,
adormecimento imposto pelos diversos
proponha novos caminhos e o faça
processos de produção subjetiva.
despertar de seus sonos intranquilos.
Abordagens
da
violência
estas
páginas
relativize
inquietantes.
verdades,
na
América Latina reúne pesquisadores de
instituições diversas que participavam do
curso “Abordagens da Violência na
Luciano Rocha Pinto
Editor – Revista História
Doutor em História (UERJ)
Pós-doutorando em História (UFF)
América Latina Moderna”, realizado no
Programa de Pós-graduação em História
Social da (PPGHIS) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
ministrado por Marcos Luiz Bretas –
professor associado de História do Brasil
– entre agosto e dezembro de 2014. Após
esses meses de discussões e aprendizado,
Jailton Oliveira teve a ideia de convidar
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Via pacifica ou via armada
Os debates na esquerda revolucionária na
década de 1960 através de duas
organizações maoístas argentinas
práticas daquelas organizações e partidos.
Tentaremos repor tanto o que acontecia
no Movimento Comunista Internacional
com respeito às discussões da revolução,
como o que acontecia na Argentina
desses
Brenda Rupar
anos,
para
dar
conta
dos
fundamentos que usaram os partidos
maoístas que nos propomos estudar.
O
apresentar
Considerações iniciais1
objetivo
um
emergência
maoístas
aspecto
de
na
deste
duas
Argentina,
o
Partido
chave
é
da
organizações
Vanguardia
incremento das organizações
Comunista
guerrilheiras e armadas na
Revolucionario, a partir das críticas que
Argentina da década de 1970
fizeram ao Partido Socialista e ao Partido
tem sido não só objeto de estudo e debate
Comunista daquele país, e de como se
no âmbito acadêmico, como também uma
inseriram neste debate antes apresentado.
O
e
artigo
Comunista
preocupação geral no momento de tentar
compreender
o
passado
recente.
O
objetivo do presente trabalho é apresentar
Ubicação histórica da problemática
o debate que teve lugar na esquerda
revolucionária dos anos sessenta, com
O período entre 1955 e 1976 tem-
respeito ao caminho para o triunfo da
se constituído como um campo específico
revolução. O ponto de partida é o debate
de pesquisa na historiografia argentina. A
sobre as concepções da violência política
instabilidade do sistema político, a
de Hannah Arendt, usadas pela autora
ilegitimidade do poder do Estado, as
Claudia Hilb (2013) para invalidar as
recorrentes
crises
econômicas
e
a
acentuação da luta política e social, foram
1
Desejo salientar que as citações serão mantidas
em espanhol para não alterar o significado das
fontes. No caso dos textos e a bibliografia geral,
as traduções têm sido feitas pela autora.
características que chamaram a atenção
dos historiadores e cientistas sociais
sobre essa etapa iniciada com o golpe ao
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segundo governo peronista, e fechada
Paralelamente,
dramaticamente com o início da última
radicalizando tanto nas suas demandas,
ditadura
como na defesa de direitos que tinha
militar
na
Argentina.
Em
o
se
conquistado
nas organizações guerrilheiras que se
(principalmente sob os governos de Juan
conformaram desde metade da década de
Domingo Perón). Podemos
1960 e ganharam protagonismo no
confrontos permanentes no período com
começo da década de 1970. A violência
um salto qualitativo a partir de 1969, com
política foi então assimilada por esse tipo
o Cordobazo e outras mobilizações
de
existiram
populares, e a (re) emergência do
também grupos e partidos da esquerda
classismo no movimento operário. 3 A
revolucionária, que embora não tenham
maioria das organizações do período - e
adotado
forma
não só da esquerda já que a radicalização
organizativa, teorizavam e se preparavam
foi um processo que atravessou as
para a conquista do poder político pela
diferentes correntes e instituições -
via armada.
inclusive uma parte dentro da Igreja
a
Porém,
guerrilha
como
Nesses 20 anos, com a proscrição
Católica -
tempos
foi
particular, a atenção tem-se concentrado
organizações.
nos
povo
anteriores
observar
apelou à ação direta para
do peronismo na maioria do período, a
conseguir alguma coisa ou se defender.
sucessão
democráticos
Tomar as armas, significava para alguns,
débeis e os recorrentes golpes de Estado2,
a via para a volta de Perón ao governo, e
grandes grupos da população foram se
para
colocando
revolucionário - sobre o que havia
de
governos
em
uma
crescente
desconfiança do regime parlamentarista.
outros,
o
início
do
caminho
diferenças também.
No caso argentino, uma das
2
Desde o Golpe ao governo do Perón, em 1955,
houve ditadura da “Revolução Libertadora”
(1955-1958 com dois chefes de Estado; primeiro
Lonardi e depois Aramburu), governo de Arturo
Frondizi (1958-1962), saída obrigada do Frondizi
e governo de Guido (1962), Governo de Arturo
Illia (1963-66), golpe da “Revolução Argentina”
(1966-1973, com três períodos: Ongania,
Levingston e Lanusse), governo do Héctor
Cámpora (1973), governo do J. Domingo Perón
(1973-1974), governo de Isabel Martínez de
Perón (1974-1976), golpe de Estado em 1976 e
ditadura até 1983.
teorizações sobre a violência do período
argentino foi elaborada pela doutora em
Ciências Sociais, Claudia Hilb (2013).
Em um artigo publicado, essa autora fez
3
Existe uma vasta bibliografia sobre isto. Cf.
Balve, 1973; Brennan, 1996; Brennan, 2008;
Nassif, 2012; Schneider, 2006; Tortti, 2009;
Werner, 2009.
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uma análise a partir das ferramentas
aprofunda nos atores e os motivos da
conceituais
mobilização.
oferecidas
por
Hannah
Com
a
divisão
e
a
Arendt no seu “Sobre a revolução”
deslegitimação da atuação no segundo
(Arendt, 2006). Retoma principalmente a
momento,
ideia de que a violência tem duas formas
responsabilizando as organizações pelo
de se interpretar, ou seja, reativa ou
Golpe de 1976. Para elem disso, a maior
instrumentalizada. A primeira seria uma
crítica que temos para com sua teoria é a
resposta a uma situação intolerável, onde
ideia da violência como antipolítica
nem a palavra nem o espaço público –
(Hilb, 2013: 20; Arendt, 2006: 19). Em
para Hannah Arendt quase um sinônimo
particular, as organizações de esquerda se
de política – teriam peso para resolvê-la.
nutriam dos escritos marxistas sobre o
A segunda, pelo contrário, seria uma ação
Estado e a violência e, concordemos ou
premeditada com o objetivo de ocupar
não com os postulados teóricos, um dos
um determinado lugar.
princípios que a balizam é a ideia herdada
Voltando as lentes para o caso
acaba
de
alguma
forma
do filósofo e militar alemã Carl Von
argentino, Hilb (2013) dividiu os anos
Clausewitz de que “a guerra -
1969-1976 em duas etapas, as quais
violência,
estariam vinculadas com esses tipos de
simplesmente um ato politico, mas uma
violência: a primeira se corresponderia
verdadeira
com o período 1969-1973 e a segunda
continuação da atividade política, uma
com o triênio 1973-1976. A divisão,
realização
embora não esteja explicitada, responde a
(Clausewitz, 2002). Invalidar a priori o
que em 1973 - e depois de muitos anos
acionar delas, impede conhecê-las mais
sem eleições ou eleições com proscrição
profundamente no desenvolvimento que
de candidatos - o peronismo começou o
tiveram. Por isso achamos conveniente
seu terceiro
e uma parte
fazer dialogar as concepções gerais com a
importante da sociedade foi encaminhada
própria elaboração que foram fazendo os
novamente para a institucionalidade.
partidos que nos propomos analisar. A
governo
ou a
neste caso - não constitui
ferramenta
desta
por
política,
outros
uma
meios”
Entendo, no entanto, que essa
proposta é estudar essas organizações na
separação é pouco rica na análise dos
lógica que propuseram no contexto no
tipos de mobilização e luta, porque não
qual atuaram.
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internacional do período e muito mais às
A revolução em debate no Movimento
Comunista Internacional
organizações
lutas e movimentos de libertação nacional
e social ao longo do mundo acontecia no
Movimento
Comunista
Internacional (MCI). Debate esse que
teve por início o XX Congresso do
Partido Comunista da União Soviética
(PCUS) realizado em 19564, mas que se
intensificou em começos da década de
1960 no que ficou conhecido como
“debate sino-soviético”. Essa discussão,
que opunha diferentes concepções da
situação mundial e o que devia ser feito e
como, levou à ruptura dos vínculos entre
o PCUS e o Partido Comunista da China
(PCCH). Apesar dos intentos de manter
as diferenças em segredo enquanto se
desenvolviam os intercâmbios, várias
razões
contribuíram
para
que
se
conhecesse no mundo todo. Por esse
motivo, acabou atravessando a política
y
Um dos pontos da polêmica era o
acordo, conhecido como “coexistência
pacífica”, firmado entre a antiga URSS e
os EEUU. Dado o grande prestigio que
tinha o bloco socialista após a Segunda
Guerra, e devido às possibilidades de
uma nova guerra nuclear no marco da até
então Guerra Fria, o PCUS afirmava que
“la tarea primordial de los partidos
comunistas consiste en cohesionar a todas
las fuerzas amantes de la paz para
preservar la paz y salvar a la Humanidad
de la hecatombe nuclear”
Com ele, começaram a se afirmar questões que
discutiam com noções tradicionais da esquerda
revolucionária: a coexistência pacífica entre os
EEUU e a URSS, a divisão internacional do
trabalho no campo socialista e a possibilidade de
trânsito pacífico ao socialismo.
5
(Partido
Comunista da União Soviética, 1963: 13).
Nesse sentido, acordaram com os Estados
Unidos um cessar-fogo que permitiria
mostrar a superioridade do socialismo no
terreno econômico. Assim,
afirmavam
que “la coexistencia pacífica no excluye,
sino, al contrario, crea una situación
favorable
para
revolucionarias
enlentece
4
(Hilb
Comunista da União Soviética, 1963).
contexto convulsionado de Guerra Fria,
do
esquerda
Slutzky, 1984; Tortti, 2009; Partido
Na década de 1960, em um
interior
da
el
las
en
transformaciones
la
proceso
sociedad,
no
revolucionario
5
Considerando que o espanhol não apresenta
sérias dificuldades para o leitor do português, as
citações serão mantidas em espanhol para não
alterar o significado das fontes. No caso dos
textos e a bibliografia geral, as traduções têm sido
feitas pela autora.
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mundial,
sino
que
contribuye
a
nacional e social que batessem no
acelerarle” (Partido Comunista da União
coração do próprio imperialismo (dos
Soviética, 1963: 27).
quais o pior, o mais agressivo, era o
Pelo contrário, o Partido Comunista da
norte-americano) e os obrigassem a
China se opôs a essa resolução:
praticar a paz para com eles.
[…] significa desorientar a la gente el no
distinguir entre los enemigos, los amigos
y los propios, y el confiar el destino de
los pueblos, el destino de la humanidad,
a la colaboración con el imperialismo
norteamericano. […] Hemos considerado
siempre que, con el propósito de
denunciar y combatir la expansión
armamentista y los preparativos bélicos
del imperialismo, es necesario plantear la
demanda de desarme universal. Por
medio de la lucha conjunta de los países
del campo socialista y de todos los
pueblos del mundo, es posible obligar a
los imperialistas a aceptar cierto tipo de
acuerdo sobre el desarme.
Si se considera el desarme general y
completo como el camino fundamental
de la lucha por la paz mundial, si se
difunde la ilusión de que el imperialismo
puede deponer voluntariamente las
armas, y si se anula, so pretexto del
desarme, la lucha revolucionaria de los
pueblos y naciones oprimidos, esto
significa engañar deliberadamente a los
pueblos del mundo y ayudar a los
imperialistas a aplicar su política de
agresión y de guerra. (Partido Comunista
da China, 1965: 27-28).
Seguindo
a
fonte,
para
os
Vinculado
encontramos
ao
o
ponto
debate
anterior,
sobre
a
possibilidade da transição pacífica ao
socialismo, como
tinha afirmado a
URSS:
[…] La misión de la clase obrera y de los
partidos
comunistas
consiste
en
aprovechar al máximo las posibilidades
existentes hoy día para seguir la vía
pacífica, sin guerra civil, de la
revolución socialista y, al mismo tiempo,
estar preparados para la vía no pacífica,
para aplastar con las armas la resistencia
de la burguesía; la lucha democrática
general es parte integrante indispensable
de la lucha por el socialismo” [grifos
meus]. (Partido Comunista da União
Soviética, 1963: 13).
Segundo eles, a superioridade do
socialismo e a debilidade relativa do
imperialismo permitiam pensar em um
triunfo sem guerra civil, pelo que
orientavam à luta parlamentaria como
chineses, o Partido Comunista da União
caminho
Soviética,
aos
descartavam a luta armada, mas não a
partidos e à esquerda quando chamava a
colocavam como prioritária. Contra essa
acreditar em possíveis acordos de paz
orientação
com países imperialistas. Pelo contrário,
responderam
propõem que a boa situação do campo
preferirían siempre realizar la transición
socialista
para
al socialismo por vía pacífica. Sin
impulsionar e apoiar lutas de libertação
embargo, ¿se puede […]? No, de ninguna
estava
devia
confundindo
se
aproveitar
para
os
avançar.
chineses
que
“Los
Claro,
não
rapidamente
comunistas
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manera.” (Partido Comunista da China,
a
La camarilla revisionista de Jruschov ha
renunciado
a
la
dictadura
del
proletariado bajo la pantalla de ‘Estado
de todo el pueblo’, ha alterado el carácter
proletario del PCUS bajo la pantalla de
‘partido de todo el pueblo’ y ha abierto el
camino a la restauración del capitalismo
bajo la pantalla de edificación del
comunismo en todos los frentes. (Partido
Comunista da China, 1965: 434).
evitabilidade não só era negá-la, mas
A partir desse momento, o bloco
1965:19). Adicionaram que as revoluções
sociais ao longo da história têm leis
objetivas, independentes da vontade do
homem, descobertas e desenvolvidas pela
teoria
marxista
também
e
desconhecer
que
postular
que
nenhuma
socialista rompeu-se, gerando uma forte
revolução socialista tinha triunfado por
crise
esse caminho (Partido Comunista da
Internacional.
consequência
Movimento
Comunista
Na Argentina desses anos se
China, 1965: 20-21).
Como
no
desse
conformaram diversas organizações que
intercâmbio de acusações - e outras que
fizeram
eco
dessa
situação
e,
se
fogem ao escopo deste artigo -, o Partido
referenciando na Revolução Cubana e/ou
Comunista da China acabou acusando ao
nas críticas do Partido Comunista da
Partido Comunista da União Soviética de
China ao Partido Comunista da Unisão
revisionista6 do marxismo leninismo e o
Soviética adotaram a via armada como
Partido Comunista da União Soviética de
única via possível e legítima de fazer a
esquerdista7 e nacionalista ao par chinês.
revolução.
Posteriormente, os chineses elaboraram
que o revisionismo teórico e ideológico
O papel da violência na teoria marxista
da URSS tinha como fundamento a
restauração do capitalismo ali8:
6
Termo usado principalmente na esquerda para
criticar e acusar a quem abandona ou abre mão do
caminho da Revolução. No contexto do debate, o
PCCh e os maoístas vão utilizá-lo para se referir
direta ou indiretamente ao PCUS.
7
Assim de chama dentro das organizações da
esquerda a quem sem fazer uma leitura da
situação concreta e o que tem que ser feito para
avançar no caminho da revolução, diz que as
condições são propícias para conquistar o poder.
8
Também os acusaram de “social-imperialistas”,
mas excede ao nosso trabalho abordá-lo em
profundidade.
Nós fomos de fumo embriagados. Paz
entre nós, guerra aos senhores. Façamos
greve de soldados. Somos irmãos,
trabalhadores. Se a raça vil, cheia de
galas. Nos querem à força canibais.
Logo verás que as nossas balas. São para
os nossos generais. Internacional
Comunista. A tradição de todas as
gerações mortas. Oprimem como um
pesadelo o cérebro dos vivos. (Marx,
2008: 18).
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Pode parecer um paradoxo que na
& Engels, 2007: 46) e que os comunistas
esquerda dos anos 1960 - e na cúspide do
rejeitam dissimular as suas perspectivas e
movimento socialista - estivesse em
propósitos. Declaram abertamente que os
debate se a via para a revolução era
“seus fins só podem ser alcançados pelo
armada ou parlamentarista. Mas as duas
derrube violento de toda a ordem social
grandes
até aqui.” (Marx & Engels, 2007: 85).
posições
se
baseavam
nos
clássicos do marxismo para justificar a
Posteriormente, a Comuna de
escolha, só que entre eles se acusavam de
Paris (1871), a Primeira Guerra Mundial
“dogmáticos” - que aplicam a linha sem
(1914-1919) e a Revolução Russa (1917)
estudar a situação concreta e/ou as
se destacaram como eventos chave para o
possíveis mudanças acontecidas - ou
esboço
“revisionistas” - que como já apontamos,
Estado, o imperialismo e a conquista do
acusa a alguma organização ou pessoa de
poder por parte do proletariado. Os textos
ter aberto mão da revolução.
que mais sintetizaram a análise das
Sendo testemunhas oculares do
avanço
da
burguesia
europeia
da
teoria
revolucionária
do
causas do caráter do Estado burguês e a
e
inevitabilidade da luta armada foram o
protagonistas da luta que começava a dar
“Anti Dühring” de Federico Engels
o incipiente proletariado, Marx e Engels
(Engels,
afirmaram desde cedo que as mudanças
Revolução” de Lenin (Lenin, 2004).
profundas,
que
Neste último texto, depois da afirmação
implicaram e implicariam um cambio de
de que “O Estado é o produto e a
época, só se resolveriam através da
manifestação
violência. É famosa a frase deles que diz
inconciliável das classes” embora de que
que “a violência é a parteira da história”.
se mostre como por cima e por fora, se
Embora
na
afirma que “[…] a libertação da classe
conceituação, nem em uma Teoria do
oprimida só é possível por meio de uma
Estado, desde o Manifesto Comunista
revolução violenta e da supressão do
(1848) escreveram que seria através de
aparelho
uma revolução aberta e franca que “[...] o
classe dominante e que, pela sua própria
proletariado, pelo derrube violento da
existência, "se afasta" da sociedade”
burguesia, funda a sua dominação” (Marx
(Lenin, 2004:23).
revolucionárias,
não
tenham
avançado
2003)
e
o
do
governamental
“Estado
e
a
antagonismo
criado
pela
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A teoria por eles formulada parte
de que embora no início - da historia das
sociedades “civilizadas” -
para formular as táticas mais justas, em
termos políticos, em cada momento.9
o poder
É sobre este último tema, a
político haja sido resposta à necessidade
valoração do momento político, que
da organização econômica e social, com
existia uma forte discussão no MCI: para
o tempo teria sido estabelecido para
o Partido Comunista da União Soviética,
oprimir
da
Partido Comunista da China não entende
sociedade através da monopolização do
que o socialismo deve pensar como
aparato coercitivo - representado em
ajudar ao triunfo do socialismo do modo
última instância no Exército. Também,
” mais rápido e menos penoso” iludindo a
que atualmente só funcionaria como trava
real possibilidade da guerra termonuclear
e instrumento de dominação. A violência
com os Estados Unidos, e que
revolucionária
cumplir
às
classes
seria
produtoras
uma
violência
su
misión
histórica
“para
los
diferente, contestatária e superior à
comunistas tienen que mantener fidelidad
violência opressiva, em tanto que aquela
inquebrantable al marxismo-leninismo
está colocada em função da libertação da
saber aplicar con sentido creador sus
humanidade e do fim da exploração.
principios
Contraditoriamente, os homens teriam
concreta.” (Partido Comunista da União
sido colocados na situação de que pra se
Soviética, 1963:3). E indirectamente
libertar e acabar com a violência tem que
falando
opor outro tipo de violência (Engels,
“circunstancias presentes el dogmatismo,
1964).
el sectarismo, el aventurerismo y la
Sendo o comunismo o fim da luta
en
la
situación
daqueles,
fraseología
dissem
histórica
que
revolucionaria
nas
están
do proletariado, o qual necessariamente
convirtiéndose en un peligro cada día
deveria passar por um Estado socialista,
más
evidente
para
el
movimiento
uma ditadura do proletariado - ou seja,
um Estado de Novo Tipo onde o poder
político e da violência estaria nas mãos
de outra(s) classe(s) expressando à
maioria da sociedade -, cada país e cada
partido deveria analisar a própria situação
9
Assim, foi o próprio Lenin após a Revolução de
Outubro que criticou o “esquerdismo” dos
alemães ao tratarem de fazer a revolução sem
forças revolucionarias. Os orientou a usar o
Parlamento e a propaganda como forma de ganhar
apoio e adeptos à causa para, depois sim, levar a
cabo a insurreição armada.
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comunista.” (Partido Comunista da União
Estados Unidos. E tinha triunfado não de
Soviética, 1963:9)
qualquer jeito, mas sim pela via armada
Para o Partido Comunista da
(Rupar, 2011; Rodrigues Sales, 2005).
China, dizer que as novas condições de
Apesar desse fato, ainda em 1961,
luta (inclinadas no pós-segunda guerra a
Ernesto “Che” Guevara voltou sobre a
favor do campo socialista) permitiam
ideia
pensar no trânsito pacífico ao socialismo,
acontecendo. No texto “Cuba, ¿excepción
não significaria mais do que desconhecer
histórica o vanguardia en la lucha contra
e trair o marxismo-leninismo. Para eles, a
el colonialismo?” escreveu:
flexibilidade da aplicação da que falavam
resultava
irônica,
pelo
que
El Partido Comunista de España se ve
acosado, desde hace tiempo, por el terror
blanco, no tiene ni la menor oportunidad
de participar en las elecciones. Pero, los
dirigentes de este partido, como Dolores
Ibárruri, también siguen a Jruschov y
predican la “transición pacífica” en
España. Esto es absurdo y trágico.
(Partido Comunista da China, 1965: 406)
O debate sobre a via fez eco e
às
os
debates
que
estavam
Quando se fala em alcançar o poder pela
via eleitoral, nossa pergunta é sempre a
mesma: se um movimento popular ocupa
o governo sustentado por ampla votação
popular e resolve em consequência disto
iniciar grandes transformações sociais
que constituem o programa pelo qual se
elegeu, não entrará imediatamente em
choque com os interesses das classes
reacionárias desse país? O Exército não
tem sido um instrumento de opressão a
serviço destas classes? Não será então
lógico imaginar que o exército tomará
partido por sua classe e entrará em
conflito com o governo eleito? Em
consequência pode ser derrubado por
meio de um golpe de Estado e aí
recomeça de novo a velha história.
(Guevara, 1961).
exemplificaram com o caso espanhol:
atravessou
e
organizações,
principalmente aquelas do movimento
operário e popular e à esquerda. E, na
Dentro da polémica descrita, a
América Latina, as preocupações sobre a
Revolução Cubana e as posições do
revolução conjugaram-se com a situação
“Che”
própria de cada país e com a novidade
entendidas como uma atualização de uma
que significou o triunfo da Revolução
teoria - a marxista - que até podia ser
Cubana
experiência
criticada por alguns como antiga e
O episodio
estrangeira.
e
a
primeira
socialista do continente.
Guevara
Uma
dentro
grande
dela,
parte
eram
da
entusiasmou aos jovens da época e
juventude latino-americana abraçou essa
mostrou para o mundo que o socialismo
experiência e aos seus heróis, achando
era possível, até mesmo na frente dos
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neles um modelo para as revoluções no
conformaram
continente.
Argentina: Vanguardia Comunista e o
Partido
nesse
Comunista
período
na
Revolucionario.
Apontar que são os maiores implica
A crise na esquerda Argentina
reconhecer que não foram os únicos. As
simpatias pela Revolução Chinesa de
Em um contexto mundial de
radicalização, lutas e revoluções, na
Argentina
na
década
de
1960
se
conformaram as chamadas organizações
da “Nova Esquerda” que atuariam nos
1949 começaram antes, e influenciaram
outras pessoas e organizações, só que não
chegaram a ser o fundamento políticoideológico como aconteceu nestes casos
que vamos tratar.
anos seguintes. Nesses anos, produziramse as maiores rupturas dos Partidos
Socialista (PSA) e Comunista (PCA)
daquele país, e em ambos os casos - seja
já no começo, ou mesmo depois de
alguns anos -
uma parte adotou o
maoísmo como vertente teórico-político.
O apoio às listas opositoras a Perón - ou a
conformação de listas junto com partidos
da direita local -, a ideia de que os
trabalhadores peronistas sofriam de “falsa
consciência”, as confusas autocríticas e
Vanguardia Comunista (VC) foi o
primeiro em se constituir como partido e
adotar o maoísmo. Surgido do Partido
Socialista
Argentino
de
Vanguardia
(PSAV) que tinha sido criado no ano
1961 do PSA pelas críticas que fez à
direção pelo tratamento ao peronismo e o
apoio ao Golpe de 1955, rapidamente
encontrou os limites em um grupo que
tinha
se
fundado
basicamente
pela
oposição à direção anterior: a necessidade
de “virar” à classe trabalhadora peronista
até a participação direta ou indireta no
– significa tentar dirigi-los - se confundiu
Golpe de Estado de 1955, contribuíram a
com o chamado “entrismo”, como se
aprofundar outros grandes debates prévios ou novos - que acabaram
influindo nas rupturas desses partidos nos
anos 60s. Neste trabalho vamos nos
concentrar nos dois maiores partidos
marxistas-leninistas-maoístas
que
denominou à pratica de se inserir no
Partido Justicialista ou nos agrupamentos
que este fazia, sem nenhuma intenção de
disputar a linha politica deles (Semán,
1964: 51).
se
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A crise manifestou-se em 1963 e
para estudar as primeiras definições que
no ano 1965, mais precisamente em abril,
fazem,
um grupo de alguns poucos militantes
diferenças e debates com outros espaços
começaram o caminho de formação de
políticos. Mais ainda nestes casos, onde
uma nova organização, adotando o nome
os partidos resultaram de fraturas e
de Vanguardia Comunista.
desprendimentos de partidos maiores. É
O
Partido
que
geralmente
incluem
Comunista
importante sinalar que no caso do VC,
constituiu-se
embora tenham saído do PSA, eles se
produto da maior ruptura do Partido
reconheceram como herdeiros da tradição
Comunista Argentino no século XX. Uns
que em algum momento soube ter o PCA.
4000
da
Em um documento dos primeiros anos
“Federación Juvenil Comunista (FJC)” e
escreveram que “en la Argentina fueron
o Partido resolveram, ao início de 1968 e
los mejores militantes del movimento
depois de vários meses de intenso
obrero los que se reunieron en el Partido
conflito interno, se constituírem como
Comunista” (AAVV, 1965, p.123) e que,
Comité
Recuperación
como parte da luta internacional contra o
Revolucionaria del Partido Comunista
“revisionismo”, eles deviam recuperar
Argentino
dele
esse caminho. Assim, os dois partidos
tentavam tensionar e aprofundar os
vão disputar a linha, espaços e militantes
debates políticos dentro do PCA. A
do PCA.
Revolucionario
(PCR)
militantes
principalmente
Nacional
de
(CNRR).
Através
última crise explodiu em 1966, quando
Em
função
do
anteriormente
aconteceu o Golpe de Estado de Juan
colocado, nos concentraremos na reflexão
Carlos Onganía e um grupo acusou à
e os postulados sobre a via da revolução
direção do Partido de ter não só
na Argentina. Considerando o grande
embelecido o governo do radical Arturo
debate que estava tendo lugar no MCI, é
Illia (1963; 1966), como também de ter
da maior importância olhar o que estes
feito um jogo político com as direções
partidos diziam a respeito.
sindicais traidoras que favoreceram o
Golpe.
O caminho para a revolução na
Argentina,
Como se sabe, os primeiros anos
das organizações conformadas são chave
nas
interpretações
de
Vanguardia Comunista e o Partido
Comunista
Revolucionário.
A
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explotadoras sobre las clases explotadas
[…]. (AAVV, 1964, s/d).
Vanguarda Comunista definiu que desde
o seu início:
O caminho parlamentarista na
Al incorporarnos a la lucha
mundial contra el revisionismo
ubicando el papel conductor del
Partido
Comunista
Chino,
refirmamos la necesidad de
constituir
el
destacamento
organizado de la clase obrera, su
vanguardia, su Partido. (AAVV,
1964, s/d).
Argentina
mostrava-se
incerto
no
período, tal como descrevemos acima. De
fato, o desprendimento do PSAV do
PSA,
e
posteriormente
o
do
VC,
aconteceu no contexto de um grande
triunfo parlamentarista desse partido - a
eleição do histórico dirigente Alfredo
Essa
definição
foi
feita
conjuntamente com a adoção de varias
Palácios para senador e posteriormente
para deputado.
das premissas que balizaram a revolução
chinesa - algumas das quais criticaram
Frente
ao
trânsito
pacífico,
Varguardista Comunista:
10
posteriormente - , mas também com um
Cuando los revisionistas proclaman las
formas de lucha pacíficas como las
adecuadas para la toma del poder por el
proletariado, están realizando una
práctica que coincide con la idea
burguesa del Estado y que, por lo tanto,
es una práctica burguesa.[…] tanto el
acceso al poder del proletariado no se
resuelve a través de la lucha pacífica en
la democracia, sino afirmando el poder
de la clase obrera con el ejercicio de
todas las formas de lucha, que en su
desarrollo superior asumen la calidad de
lucha armada. (AAVV, 1964: s/d).
posicionamento dentro do debate que a
China mantinha com a URSS. Em 1964,
entre os primeiros documentos que
fizeram no caminho à criação do Partido,
encontramos
revisionismo”,
“Derrotemos
um
escrito
no
al
qual
denunciavam e criticavam as concepções
tanto do PCUS como do PCA
El revisionismo ha proclamado la
existencia de dos formas del acceso al
poder del proletariado, las que
consistirían en las vías pacífica y no
pacífica(…) No es posible sostener la
concepción leninista del Estado y
deducir las formas de lucha de la clase
obrera contradictoriamente con esta
concepción, ni tampoco es posible
defender la tesis del tránsito pacífico al
socialismo y mantener en pie una
caracterización del Estado que denuncia
su esencia en la violencia de las clases
10
Sobre este aspecto: Cf. RUPAR (2014)
Elías Semán, um dos principais
dirigentes de Varguadista Comunista,
tinha viajado a Cuba para se aperfeiçoar
na sua formação - sobretudo militar - 11 e
ao regresso dele, as influências fizeram se
11
Muitas organizações dessa época enviavam
militantes para ali. Muitas delas tinham lido a
experiência cubana só como um triunfo armado a
partir da formação de guerrilhas nas áreas rurais e
viajaram a Cuba para se aperfeiçoar - algumas
outras organizações misturaram formas e
praticaram guerrilherismo urbano.
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sentir ao interior da organização. Sobre
PCA à experiência guerrilheira que fazia
qual foi o tipo de repercussão existem
o Ejército Guerrillero del Pueblo (EGP)
divergências:
Semán
em Salta, no noroeste da Argentina.
publicou em 1964 “El Partido Marxista
Segundo Semán, eles só a faziam desde a
Leninista y el guerrillerismo”, um folheto
defesa do pacifismo burguês. Nas suas
onde avança na disputa com outras
palavras:
por
um
lado,
correntes e em este caso o faz com os
antirevisionistas
que
caem
no
esquerdismo. Entre eles estariam os
guerrilheristas, termo depreciativo usado
para aqueles que só “exaltan uma
técnica”, “son aventureros” y “escinden
los elementos objetivos y subjetivos para
hacer una revolución [...] negando la
teoria leninista del Partido” (Semán,
1964).
Contudo,
em
escritos
mais
recentes dos Partidos que ainda disputam
o legado de Vanguardista Comunista, se
12
fala que o debate não estava saldado e
Dicha dirección [a do PCA], afectada de
una incurable desviación derechista, sólo
puede contestar las desviaciones de
“izquierda” desde la derecha, con los
métodos y la ideología de la burguesía.
Así su crítica a la lucha armada librada
por los compañeros de Salta, no es una
crítica al guerrillerismo, sino una defensa
de la vía pacífica para la toma del poder
y una condena de la lucha armada para la
toma revolucionaria del poder. (Semán,
1964:60)
Embora “la negación de los
caminos incorrectos es un momento en la
afirmación del camino justo” (Semán,
1964:61), a crítica ao guerrilherismo
devia ser desde posições certas, deixando
de fora o “revisionismo”.
13
que apesar das críticas ao foquismo , o
partido
não
conseguiu
fazer
nada
alternativo.
Sobre a coexistência pacífica,
como forma de garantir a paz mundial,
afirmavam que:
Fica claro nesse documento, que
estavam definindo uma linha teórica ao
mesmo tempo em que disputavam com
outras correntes e organizações políticas.
Mais na frente no texto, também vão
criticar o tipo de impugnação que fazia o
12
Referimos principalmente ao texto de Américo
Soto (2004)
13
Isto é, a ideia de que um grupo isolado pode e
deve ser o inicio do movimento revolucionário.
La renuncia a la concepción leninista
sobre el imperialismo y la paz, sobre el
Estado y la revolución proletaria, definen
los aspectos esenciales del revisionismo
contemporáneo […] Los revisionistas
contemporáneos, al igual que sus
antecesores, subordinan la lucha por el
socialismo a la lucha por la paz,
desconociendo que el objetivo principal
de la lucha del proletariado mundial
consiste en socavar, debilitar y
derrumbar el poder del imperialismo.
[…]
pintan de bellos colores el
pacifismo de los imperialistas. Así
desarman políticamente a las masas en la
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lucha contra el principal generador de la
guerra y enemigo de la paz, para obtener,
a cambio de esto, la coexistencia pacífica
entre Estados al precio de la coexistencia
de los pueblos oprimidos con la
dominación imperialista […] Se trata de
un precio demasiado oneroso, y a cambio
de un objetivo -la paz mundial- cuya
conquista no reside en la conversión de
los imperialistas sometidos a la ley de la
ganancia en defensores de la paz, sino en
el poder del campo socialista y en la
lucha de los pueblos oprimidos contra el
imperialismo. (AAVV, 1964: s/d).
Nesse
sentido,
uma
das
conclusões às que chegam e que balizam
a sua formação é que “los revisionistas,
con los actuales dirigentes del PCUS a la
cabeza, son los principales enemigos
infiltrados en las filas del proletariado
mundial.” [grimos meus] (AAVV, 1964:
s/d).
O
Aliás, como prova de que se trata
PCR
conformou-se
de um caminho errado, trazem no
principalmente com os militantes que
documento os casos do Brasil e do Chile
vinham da ruptura da FJC e do PC e
para mostrar a impossibilidade de triunfar
outras organizações e militantes. Segundo
por essa via 14 . Isto seria assim, porque
Otto Vargas - Secretário Geral do
frente à possibilidade de mudanças
Partido Comunista Revolucionário, PCR,
profundas, as classes dominantes sempre
desde os inícios -, era uma melánge.
acabaram por se impor pela força. O
Tinham quatro ou cinco pontos em
desarme nestes casos tinha impedido que
acordo, e o primeiro era a luta armada
o povo defendesse as reformas pelas
(Andrade, 2005:35). Para eles, a ruptura
quais lutava.
com
o
PC
ia
junto
com
os
questionamentos que faziam ao Partido
de confiar na burguesia para ser a direção
“Mientras el imperialismo ha decidido
transitoriamente la situación en Brasil y Chile,
utilizando en el primer caso la vía violenta y en el
segundo la vía pacífica, el revisionismo ha sido
incapaz de preparar a las masas para enfrentar la
violencia del imperialismo desarrollando la lucha
armada, y ha sido incapaz de preparar a las masas
para comprender el carácter de un proceso
electoral controlado por el imperialismo. Por el
contrario, ha sembrado ilusiones acerca de la
posibilidad de tomar el poder pacíficamente,
respetando los supuestos básicos del Estado y
siendo respetados por éste. El proletariado y el
pueblo de Brasil y Chile, pagan hoy el precio de
estas ilusiones sembradas por el revisionismo.”
(AAVV, 1964: s/d).
14
do
movimento
revolucionário.
Essa
crítica e a da adoção da via pacífica se
entrelaçavam em um todo coerente:
Claro que si no será nuestra clase [referese ao proletariado. Nota da autora] la que
“abrirá las puertas” de la Revolución, o
al menos intentaremos que lo haga, no
hay apuros en definir problemas como el
de las vías de la revolución. De allí que
hayamos sido el único partido en
América Latina que tomó literalmente la
Declaración de 81 Partidos15 referente a
15
Em 1957, nos inícios do confronto no MCI, se
fez uma Declaração dos Partidos Comunistas que
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la vía de la revolución, que se refiere a
las
posibilidades
mundiales
que
permitirían para el proletariado de ciertos
países el acceso relativamente pacífico al
poder, y la situación que obliga al de
otros países a seguir la vía no pacífica
[…] Nuestro Partido la trasladó a su
línea partidaria sin definir cuál de las
vías (pacífica o no pacífica) es la nuestra,
siendo claro que ese problema, desde el
punto de vista estratégico, no es
opcional.
[grifos
meus]
(Partido
Comunista Revolucionário, 2003: 7374).
Congresso do PC da Tchecoslováquia
disse “[...]nos proponemos marchar hacia
ese objetivo por la vía pacífica[...] ”
(Partido
Comunista
Revolucionário,
2003:74).
No libro “El gordo Antonio”
(2008), Pilar Sánchez relata a vida de
César Gody Álvarez, um reconhecido
militante do PC e do PCR após a ruptura.
Mais na frente dirão que essa
Resultado de materiais partidários e de
aparente indefinição sobre a via no PCA
entrevistas feitas a camaradas do Gody
era usada pelos dirigentes para evitar as
Álvarez, se soube que ele fazia parte do
críticas ao interior, mas que as posições
aparato militar do PC e que até tinha sido
ficavam menos confusas ou ambíguas em
enviado a Cuba entre 1963 e 1964. Ao
instâncias
regressar, e produto de uma discussão
internacionais
das
quais
participavam alguns deles (que pelo rol
com
que tinham no Partido eram as oficiais).
despromovido das tarefas que tinha.
Como
exemplo,
citam
a
Victorio
PCA), quem no discurso que fez ante o
XXIII Congresso do PCUS, declarou que
“El lema de nuestro partido - o PCA - es:
“por la acción de las masas, hacia a
conquista del poder”. El camino a seguir
pacífico o el no pacífico (Partido
Comunista Revolucionário, 2003:73-74),
mas umas semanas mais tarde, no
direção,
foi
castigado
e
Los relatos también coinciden en que el
castigo responde a diferencias políticas:
Gody forma parte de los cuadros donde
crece el malestar con la dirección y la
línea oficial del PC, que va a terminar
definitivamente la ruptura. Por otro lado,
como rebote de la línea de “coexistencia
pacífica”, el PC desguaza su aparato de
autodefensa y el llamado frente militar.
(Sanchez, 2008: 51).
Codovilla (um dos máximos dirigentes do
para conseguir este objetivo puede ser el
a
Os depoimentos dariam conta de
que a despromoção tinha um duplo
caráter: por um lado, tirar do meio a
dirigentes que se opunham à direção; por
outro, dava conta da subestimação da
área.
foi assinado por 81 Partidos. As definições foram
amplias e permitiram que tanto ao PCUS como ao
PCCh se referenciassem nele, defendendo os
princípios que tinham acordado.
Em outubro de 1968, elaboraram
um texto preparatório para o XIII
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Congresso do PCA
16
que afirmou o
Chama atenção que, para discutir
caminho que pensavam seguir, e que
sobre a concepção da transição pela via
sentou as bases e definições com as que
pacífica, criticarão especificamente ao PC
se constituíram em PCR, nome adotado
e nada à URSS, da qual só vão trazer
em março de 1969. Uma das principais
exemplos de grandeza. Algo similar
definições tem a ver com a reafirmação
ocorre sobre a “coexistência pacífica”,
da via armada através da insurreição
quando criticam desvios à interpretação e
“porque es la que permite mejor al
o significado que realmente tem, mas não
proletariado hegemonizar la revolución y
falam do Partido Comunista da União
llevarla al socialismo. Dado el carácter de
Soviética nem apoiam a análise do
la revolución se trata de una insurrección
Partido Comunista da China; porém,
armada de todo el pueblo hegemonizada
como
por
el
proletariado[…]”
(Partido
Comunista Revolucionário, 2003: 151).
Mas
nesse
sentido,
também
esclarecem que lutam ideologicamente
contra o foquismo, porquanto desenmarca
la lucha armada de la lucha de clases,
pretendiendo suplantar al Partido por el
foco guerrillero. En las condiciones de
nuestro país, esto supone subordinar al
proletariado a capas no proletarias” e
contra o terrorismo como estrategia, “que
no permite la incorporación de las masas
a la lucha armada ni resuelve la
destrucción del aparato estatal burgués.”
(Partido
Comunista
Revolucionário,
2003: 153).
16
Lembremos que ainda tentavam disputar dentro
daquela organização
podemos
ler
a
continuação,
coincidem quase totalmente com ele:
[…] asistimos a un enfrentamiento
global de los pueblos
con el
imperialismo en el plano mundial.[...] El
fortalecimiento del campo socialista, el
cambio en la correlación de fuerzas, han
impedido al imperialismo yanqui definir
por medio de la guerra mundial la
situación
internacional
[…]
El
incremento de las luchas revolucionarias
de los pueblos contra el imperialismo,
una firme política de los países
socialistas de ayuda y de rechazo de las
agresiones, son las condiciones para
derrotar al imperialismo, asegurar nuevas
victorias revolucionarias […] y así
disminuir también las posibilidades del
imperialismo de
desencadenar una
guerra termonuclear.
Por
eso
la
concepción
del
internacionalismo […] es golpear al
imperialismo, crearle dificultades en
cada país […] Los países socialistas
tienen una política tendiente a crear las
condiciones para la coexistencia pacífica,
cuyo objetivo es contribuir al éxito de la
batalla por el socialismo en todo el
mundo, sin guerra mundial.[…]Esta
política dista tanto de las acciones
aventureras
[…]
como
del
acomodamiento al “statu quo” que anula
la revolución. Es necesario combatir la
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tendencia oportunista a subordinar la
revolución a la coexistencia. La lucha
por la revolución […] es el objetivo, la
razón d ser de los partidos comunistas.
[…] El desarrollo de la lucha
revolucionaria de los pueblos constituye
el primer y fundamental elemento de la
lucha por la paz, contra la guerra.
(Partido Comunista Revolucionário,
2003: 137-139).
conquistas operárias do período anterior,
A diferença de VC, este partido
trabalhadores. A opção de Perón pela
não adotou o maoísmo no começo. Pelo
variável tempo (nas vésperas do golpe de
toparam
com
desenvolvimento
um
das
grande
organizações
sindicais, posições políticas dos operários
(peronistas, na sua maioria) e com uma
crescente combatividade por parte dos
han
1955, ele disse que “Entre la sangre y el
desarrollado tendencias y prácticas ajenas
tiempo elijo el tiempo, y si hemos tenido
al
dogmáticas,
razón con seguridad volveremos”) não
divisionistas, nacionalistas y oportunista
poupou sangue no povo argentino, que
de izquierda, que tienen su expresión más
nos seguintes anos viria a confrontar-se
acabada en la línea actual del Partido
com a repressão, perseguições e mortes.
Comunista de China” (Partido Comunista
Contudo, a população continuou se
Revolucionário, 2003: 142). Alguns anos
organizando e lutando. Na ausência do
depois começariam a se aproximar até
líder que se encontrava exiliado, vários
finalmente adotá-lo como fundamento
dirigentes
teórico no Congresso de 1974.
direção do movimento (alguns desde
contrario,
acusavam
“se
se
que
marxismo-leninismo;
começaram
a
disputar
a
dentro e outros desde outras vertentes e
Considerações finais
correntes
políticas).
Os
tradicionais
partidos socialista e comunista ainda
“Métale a la marcha, métale al tambor, métale que
traigo un pueblo en mi voz. Métale a la marcha,
métale al tambor, métale que viene la
revolución”.
tinham dificuldades para lidar com o
(Mercedes Sosa, “Hermano dame la mano”, 1973)
compassando
peronismo e os operários peronistas. Os
erros e debates foram se aprofundando
um
mundo
e
uma
Argentina que se radicalizava.
Na Argentina, as tentativas que
haviam
levado
a
classes
MCI com intensos debates de linha que
dominantes, desde 1955, para flexibilizar
repercutiram de um ou outro modo no
ou
interior de cada processo e organização
diretamente
cabo
apagar
as
A década de 1960 encontrou ao
algumas
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política que tinha existência. Face à
realidade,
tida
devia-se
tomar
adequadamente.
como
revolucionaria,
posição
e
intervir
No caso de VC e o
PCR, os partidos que nós apresentamos,
entenderam que o caminho que defendia
o PC (baseado em princípios da URSS)
não estava dando certo e que ia
“degenerando”
alguns
marxismo-leninismo.
princípios
Foi
do
nessa
conclusão, que mais cedo ou mais tarde,
as duas se inclinaram por se alinhar com
o PCCh.
Cabe assinalar que, mesmo como
eles ressaltam, a questão da via armada
ou pacífica era uma das questões
principais que os dividiu inicialmente das
organizações
mãe.
Porém,
as
duas
adotam via armada com mais ou menos
ferramentas teóricas para distinguir entre
tática e estratégia, de modo que nas
eleições gerais obrigatórias no período
estudado (até a ditadura de 1976), vão
sempre chamar para o voto em branco ou
nulo.
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sempre a data de 2003, embora sejam artigos e
documentos dos anos 67 até 69)
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Honra, tequila e pólvora
representante do México lá? Alguém
estava
representando
os
consitucionalistas? Parece-me engraçado
fazer regras sobre a guerra. Não se trata
de um jogo. Qual é a diferença entre uma
guerra civilizada e outra qualquer? Se
você e eu brigamos numa cantina, não
vamos tirar da algibeira um livrinho para
ver o que dizem as regras. Diz-se aqui
que não se pode usar balas de chumbo;
não vejo por quê. Tem o mesmo efeito
que as outras. (Reed, 1978: 119).
Práticas alcoólicas e violência cotidiana
na revolução mexicana
Bruno Thomaz
Segundo
o
historiador
Paco
Ignacio Taibo II, na biografia de Villa, o
Violência revolucionária; violência na
revolução
episódio das “Regras de guerra” também
está registrado no jornal El Paso Times.
Durante a tomada de Juárez, a
E
m
novembro
1913,
Divisão do Norte fez cerca de 700
General
prisioneiros de guerra, e houve certa
Francisco Villa, a Divisão do
comoção na imprensa e entre algumas
Norte retomava a Ciudad Juárez para o
outras lideranças constitucionalistas sobre
lado
Consitucionalista.
os possíveis fuzilamentos e execuções
Depois da reorganização pós-combate, o
que poderiam vir por parte de Villa.
estabelecimento da nova “capital do
Porém, dentre as centenas de capturas,
villismo” contaria com a legitimação da
são decretados apenas o fuzilmento de 11
visita do prefeito de El Paso - cidade
oficiais - 6 oficiais federais e 5 oficiais
texana fronteiriça. E na sequência, o
colorado. 17
reconhecimento viria de outra autoridade
tempos
estadunidense. Presente à cobertura da
remoendo as “Regras de guerra” do
Revolução,
documento de Haia, justificava suas
comandada
do
Exército
o
de
pelo
jornalista
John
Reed
registrou o episódio assim:
O General Hugo L. Scott, que
comandava as forças americanas em Fort
Bliss, remeteu a Villa um folhetim com
as ‘Regras de guerra’ adotadas pela
Conferência de Haia. Villa passou várias
horas esquadrinhando o folheto, que o
interessou e o divertiu muito. Disse:-Que
é a Conferência de Haia? Havia algum
Reed registra ainda que,
depois,
o
general,
ainda
escolhas da seguinte forma: “[sobre os
colorados]
São
peões
como
os
17
Colorados: originalmente, pelo Partido Liberal
Mexicano, mas que, descontentes com a lentidão
da causa agrária no governo de Madero, os
batalhões mobilizados tomaram o lado dos
antigos federais.
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seja um corrompido. [...] [e sobre os
tipo de formación exigía confiar en el
valor y la iniciativa del soldado
individual, además de que también
simplificaba el entrenamiento básico.
(Salmerón, 2013: 7-8).
federais] São homens educados e devem
Salmerón
revolucionários e nenhum peão deve estar
contra a causa da liberdade, a menos que
demonstra
como
a
saber o que fazem.” (Reed, 1978: 119).
natureza de formação dos exércitos
Tal raciocínio não se aplicava as baixas
revolucionários
patentes, que na maioria das vezes eram
superioridade sobre os corpos federais.
anistiados, e até, em muitos casos,
Hans Werner Tobler (1971), analisando o
incorporados às filas da Divisão.
exército revolucionário como insituição
Para
garantia
certa
a
lógica
da
em si, apresenta outros aspectos; como as
revolucionária,
antes
é
contradições entre garantir as demandas
necessário perceber a estratégia militar
sociais e atender a interesses mais
por trás dos revolucionários. Pedro
imediatistas por exemplo.
violência
entender
lhes
Salmerón define:
Cruzando
La Revolución mexicana se libró cuando
el paradigma dominante en el
pensamiento militar concebía la guerra
como acto de violencia para imponer la
voluntad,
mediante
el
máximo
despliegue de fuerzas, lo que implicaba
la total fuerza política, económica y
militar de un Estado. Los objetivos de
este despliegue de fuerza eran políticos
en última instancia. Sobre esta
concepción de la guerra hay una serie de
tácticas generalmente aceptadas en
víspera de la Primera Guerra Mundial,
que derivan de la generalización del uso
del fusil rayado de retrocarga, con
tambor o revólver que permitía disparar
seis u ocho balas antes de volver a
cargar. Las armas usadas durante la
Revolución mexicana, [...] tenían un
alcance efectivo de hasta 3000 metros
para el fusil máuser v7 mm de infantería
y hasta 2 000 para la carabina 30-30,
dominante en la caballería. Si a la
eficacia del fusil le añadimos la
introducción de la ametralladora,
entenderemos la potencia de tropas de
voluntarios irregulares y de la formación
dispersa, sobre la infantería federal,
cuyos mandos no terminaban de asimilar
las nuevas realidades de la guerra. Este
os
dois
autores,
podemos concluir que os
exércitos
revolucionários, e seus membros, são
forjados
no
próprio
processo,
não
carregando uma lógica militar em si. E
foram eles a instituição básica que
garantiram
a Revolução, antes que
qualquer outra de cárater político. Dessa
maneira,
as
lideranças
militares
revolucionárias também obedeceram a
essa premissa; salvo uma ou outra
exceção como o general Felipe Ángeles,
ex-militar
de
carreira.
A
violência
empregada durante e após as campanhas
revolucionárias partiam de um modus
operandi em formação. As condições
conjunturais e os ransos com o regime
porfirista eram os ponteiros principais a
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determinar o que fazer com o inimigo. À
medida que o tabuleiro revolucionário foi
fraturado,
esse
processo
Beber: prática apreciada, vício indesejado
se
complexificou; e esses procedimentos
A formação do cenário etílico
para lidar com a violência seguiram
mexicano é anterior ao contato com o
linhas distintas para cada facção. A fim
mundo
de
batalhões
europeus. Segundo Sonia Mancera, os
constitucionalistas de Manuel Diéguez e
usos do octli - nome do pulque em
exemplificar,
Francisco
os
18
Múgica,
os
espanhóis,
os
geral,
nahuatli - se dão em 3 dimensões: o uso
soldados
religioso, a embriaguez ritual (tlauana);
adversários mesmo após a tomada da
como bebida popular, o uso profano, e
praça em questão; a Divisão do Norte de
em muitos casos, condenado como abuso;
Villa fez prisioneiros, mas por outro lado,
e finalmente como bebida fatal. A autora
tiveram
expõe como há dois espaços de consumo
exterminavam
todos
conduta
em
externo,
os
duríssima
para
os
considerados traidores.
da bebida: o pulque envelhecido, de alta
Contudo, sem dúvida, a violência
fermentação, destinado ao uso ritual,
México,
anos
onde se entendia a borrachera como
revolucionários, não se restringia entre os
momento de possessão do corpo pelos
grupos militares distintos, em combate,
deuses; e o uso cotidiano do huitztli
ou após ele. Em um cotidiano belicoso, e
(nesse
contando com milhares de homens
fermentação) como complemento da
armados, a violência também estava
alimentação,
presente no dia a dia, mesmo entre
medicinal. A ingestão do pulque “ritual”
aqueles que defendiam a mesma causa ou
fora de situação é percebida como
bandeira.
de
problemática não por conta da perda da
violência entrarão em cena a partir da
razão, mas sim pela transgressão da
influência de fatores como o consumo
norma. A sociedade azteca construía
alcoólico e a defesa da honra e da
socialmente os espaços de permissividade
valentia.
da embriaguez, seja religiosa – a Izcalli
no
durante
Porém,
outros
os
tipos
caso
o
ou
pulque
mesmo
de
em
baixa
forma
(festa do deus do fogo), seja profana – a
18
Os dois são protagonistas, no estudo de caso de
Salmerón.
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Ixcozauhqui
-
bebedeira
irrestrita
dos “defeitos” dos indígenas: a “boa
medida” dos europeus lhes permitia fazer
(Mancera, 1991).
Com
conquista
bom
que
se
complementos da dieta, e até mesmo o
conformaria colonialmente como Nova
uso sagrado, como no caso do vinho
Espanha,
do
representativo do sangue de Cristo;
cristianismo católico ao “novo mundo”.
enquanto que os nativos usavam-se das
Segundo Alexandre Varella, chegando ao
bebidas
continente americano, os missionários
embriaguez e festejo, e dessa forma,
viram não só nas idolatrias e religiões
como
nativas a presença do diabo, mas também
diabólica. Varella reforça esse aspecto
as práticas embriagantes pareciam a eles
distinguidor e avança na direção de que
manifestações
(Varella,
os religiosos, no entanto, souberam
Porém, sem dúvida houve um
decantar as possibilidades de atribuição
espanhola
2013).
do
a
território
vieram
os
catequistas
demoníacas
uso
dos
apenas
fermentados
como
manifestação
como
forma
da
práticas
de
presença
conflito - interno a suas concepções - de
medicinal das
alcoólicas
e
como lidar com a situação. Afinal, o
alimentícias nativas, e perceberam e
consumo do vinho era comum aos
ressignificaram estas. Separando, desse
espanhóis, e destacadamente entre os
modo, quando da embriaguez puramente,
religiosos. Estes ocupavam lugar na
e quando da possibilidade de alguma
produção das bebidas, e tinham nessas,
finalidade útil à vida cristã.
fontes importantes de nutrientes, tendo
Avançando a outras dimensões
em vista a dieta da época moderna, e as
dessa relação, William Taylor (1979)
restrições de jejum do mundo monástico.
ressalta a centralidade do ato de beber nas
Mancera destaca como a legitimação, e a
sociedades indígenas no México pré-
respectiva deslegitimação, do uso e
hispânico. Para o período colonial, sua
consumo de bebidas de tipo embriagante
análise ressalta a inter-relação entre
fez-se através da distinção racial.
De
bebida alcoólica - no caso, pulque - e
religiosos
violência, esta configurada em duas
justificavam a diferença de relação dos
formas: homicídio e revoltas camponesas.
dois povos com as bebidas alcoólicas
A cultura de consumo desta bebida está
através das “qualidades” dos espanhóis e
intimamente ligada à própria jornada de
como
os
pensadores
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trabalho em si. Sendo assim, os membros
disparado a partir do consumo alcoólico,
da família que se dispõe no trabalho
excessivo ou não. Como demonstra
cotidiano da agricultura são os que terão
Taylor (1979), esse disparo se dá em duas
a ingestão do pulque como rotina. Além
direções:
de ocupar uma função, em certa medida,
sobretudo, em homicídios, vista a partir
ritual, o pulque tem uma posição bem
do olhar penalizador espanhol como
delimitada na labuta diária do camponês
oriunda dos excessos alcoólicos - a
indígena do México central e do sul; é
borrachera - dos indígenas; e a forma
como
dar
relacional dos aborígenes com a bebida
continuidade a jornada de trabalho. E
amarrando o consumo desta com revoltas
como sua produção é dada de maneira
camponesas
nas
vilas
bastante artesanal, muitas vezes, a sua
mexicanas.
Segundo
o
ingestão acontece em direção ou ao longo
exaustivo levantamento documental, o
do espaço de realização das tarefas
alcoól consta como motivador de 26,7%
campesinas.
dos homicídios do México central em
um
estimulante
para
Uma vez posto os aspectos da
dimensão
demarcadas
consumo
produtiva
as
da
suas
como
bebida,
criminalidade,
traduzida,
coloniais
autor,
em
meados do século XVIII. Porém, se se
e
amplia o olhar para crimes além do
de
homicídio, esse percentual pode subir a
atividade
60%. Mesmo que em muitos casos o
fronteiras
uma
a
essencialmente masculina, dada a relação
motivador
atrelada a certas modalidades do mundo
resvalar para outros aspectos, o álcool, tal
do trabalho, podemos passar aos aspectos
qual os seus excessos, está presente,
do conflito para o México colonial. Para
como no caso de cobrança de dívidas ou
além
do
da rinha de galos, por exemplo. A dureza
espanhol
da vida colonial para o indígena comum
das
simbólico
dispustas
entre
o
no
âmbito
mundo
da
criminalidade
estabelecido na colonização do território
hiperdimensiona
americano
refúgio no alcoól como espaço do lazer e
e
os
entendimentos
cosmológicos nahuas e mayas do uso
a
possa
possibilidade
do
desafogo de seus problemas.
dessas bebidas, há, durante o período
Para a esfera da revolta, George
colonial, na Nova España, as dimensões
Rudé (1991) nos demonstra que a lógica
mais brutas e mais cruas do conflito
especulativa, ou se quiser, a lógica do
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armazenamento,
é
contra
a
lógica
tradicional camponesa. E como dessa
que disputam espaço pela permanência e
sobrevivência dentro do mundo colonial.
forma, esse encontro de lógicas distintas
A dimensão conflitiva do pulque,
de funcionamento e organização pode ser
melhor dizendo, sua capacidade como
um
e,
catalisador de conflitos, no entanto, não é
sobremaneira, revoltas no mundo rural. Já
exclusividade do período moderno, ou do
Thompson
o
México colonial. No século XIX, o
da
México já independente ainda teria nas
multidão, nos recorta como ocorre a
práticas alcoólicas ligadas a esta bebida
reação das populações camponesas às
um espaço de disputa e embate. A fins do
imposições externas, quer de taxações,
século, passara a ser tema de preocupação
quer de outras normas de ordenamento
os altos índices de alcoolismo no
alheios ao mundo camponês. Os dois
perímetro urbano. Los científicos, grupo
autores
respectivamente,
que dava suporte político e molde
França e Inglaterra, no entanto são caros
ideológico ao regime de Porfírio Díaz,
a entender este contexto mexicano. O
começam uma caça às pulquerías do
levantamento do estudo de Taylor (1979)
distrito federal. Tendo em vista uma
somado a esses modelos analíticos da
reforma sanitária que higienizasse a
violência coletiva pode nos facilitar a
capital mexicana, eles tinham em conta
compreensão
esses
detonador
conceito
de
(1991),
de
conflitos
desenvolvendo
“economia
analisam,
de
como
moral”
a
regulação
espaços
como
antros
da
externa espanhola, quanto ao pulque e
degeneração da raça mexicana. Segundo
quanto a bebida de maneira geral, pode
Claudia Agostoni, Julio Guerrero e outros
ser
na
intelectuais da elite viam esses lugares
em
como obstáculos à civilização do México.
protestar. É claro, que o protesto do
A autora ainda levanta que, na virada
camponês mexicano ao longo da época
para o século XX, o número de
colonial não se faz pelo simples fato de
pulquerías por habitante é 30 vezes
poder beber como melhor lhe aprouver.
superior ao de padarias, por exemplo
Mas esse se trata apenas de um indício
(Agostoni, 2003).
uma
mobilização
variável
dos
importante
camponeses
importante do choque dos modos de vida
Como ressalta Agostoni (2003),
entretanto,
esse
processo
de
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modernização e higienização da cidade
bebidas produzidas localmente, embora
do México se dá de maneira dual: uma
prevalecessem como as bebidas mais
cidade para as elites, e uma cidade para
populares o pulque, a tequila e o mezcal.
as classes populares. Tal qual a divisão
Por outro lado, a cerveja, como a autora
social do espaço urbano segundo a
demonstra,
condição de classe, as políticas quanto às
consumidores mais abastados, uma vez
práticas alcoólicas também encontravam
que a produção local era artesanal e
caminhos distintos por esse mesmo
pequena, e a maior parcela do mercado
preceito. As perseguições aos espaços de
pertencesse às importadas de Estados
embriaguez eram às pulquerías, o espaço
Unidos, Alemanha e Grã Bretanha. O
de socialização - e embriaguez, é claro -
processo, no México, de substituição de
dos populares. Por outra lado, a política
importações, e de inversões de capitais
de taxação, outra forma de coibir o
nacionais, para o caso da indústria
alcoolismo, igualmente recaía sobre o
cervejeira, é justamente a fins do século
pulque, a tequila e o mezcal, enquanto
XIX e na primeira década do século XX.
que
percebida
Além de várias pequenas e médias
tributariamente na categoria de “não-
cervejarias espalhadas pelo país, quando
alcoólico”, por não superar a graduação
do levante maderista em 1910, já existe
alcoólica de 6% (Méndez Reyes, 2004).
um barateamento do produto no mercado
E nesse sentido, é importante lembrar
local a partir da produção de grande porte
que, somente ao longo da primeira
das cervejarias Cuathemoc, Moctezuma,
década do século, essa bebida passa a
Toluca e Chihuahua. Com o acesso mais
figurar dentre as práticas de consumo
fácil ao produto, a cerveja ganha espaço
alcoólicas das classes populares. Até a
no gosto dos mexicanos, principalmente
virada do século, o consumo da cerveja
nos estados do norte (Recio, 2004).
a
cerveja
era
está restrito às elites.
Conforme
era
reservada
aos
Sendo assim, durante os anos
levantamento
de
revolucionários,
além
das
três
Gabriela Recio (2004), para as décadas
tradicionais bebidas mexicanas, a cerveja
anteriores à Revolução, havia um vasto
se agrega no quadro de consumo. A dura
rol de opções para as práticas de
realidade das batalhas resguadará ao
sociabilidades alcoólicas e dezenas de
álcool como a mais acessível e barata
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forma de prazer e descontração. Para
do Norte, encontramos duas situações
enfrentar
exemplares dessas possibilidades.
as
longas
jornadas
dos
deslocamentos de tropas e, muitas vezes,
Um dos pontos perniciosos da
o frio e a neve, algumas doses de tequila
embriaguez de oficiais é que, oficiais
ou aguardente eram provisão básica. No
carregam informações especiais, e no
entanto,
pelos
estado alterado, podem revelá-las a quem
revolucionários não estava condicionado
não interessa. Taibo II relata um ocorrido
simplesmente por uma lógica utilitária.
desse tipo. O major Rafael Mendoza, dos
Podia ser um refúgio para as desolações
Dorados,
da campanha revolucionária ou mesmo
revelou ao general inimigo a localização
um vício de consumo. Os seus excessos
da munição que Villa mantinha escondida
não eram incomuns e, tal qual nos
para usar na próxima campanha. Com a
períodos
revelação, foi libertado e fugiu para os
o
uso
do
anteriores,
alcoól
a
embriaguez
causava problemas.
As
lideranças
19
foi capturado bêbado, e
Estados Unidos. O fato não seria tão
das
facções
singular
não
fosse
o
antecedente.
revolucionárias, não só tinham que
Mendoza só obtivera tal informação, por
orientar militarmente, como também
ocasião de uma bebedeira com Martín
tinham
a
López, membro do Estado-maior (Taibo
integridade de seus combatentes. Porém,
II, 2007). No entanto, se a entrega da
quando se tratando dos abusos do alcoól,
munição
em muitos casos, o próprios generais
exército adversário é um forte golpe para
eram os protagonistas. Não são poucas as
um grupo revolucionário, igualmente
situações registradas pela imprensa, pela
complicado é a perda de homens de
literatura, e pelas memórias e biografias
comando em véspera de batalha.
outras
preocupações
com
guardada
em
segredo
ao
de veteranos, onde os oficiais de alta
Podem não ter sido poucas as
patente estão envolvidos em bebedeiras, e
vezes que generais se embebedaram
nas suas respectivas consequências. Os
prestes a combater. Porém, nenhum caso
destemperos ébrios podiam resultar em
é tão espetacular quanto o do general
distintos efeitos negativos do ponto de
Rodolfo Fierro. Um dos homens fortes do
vista militar. Usando o caso da Divisão
19
Dorados: corpo da guarda pessoal do Gal.
Francisco Villa.
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villismo, não só era um dos generais mais
dos melhores relatos aparece em conto de
fiéis, como também trata-se de uma das
Rafael Muñoz: “Oro, caballo y hombre”
mais importantes e eficientes lideranças
(Taibo II, 2007: 535-536).20
militares da Divisão do Norte. Depois das
Porém,
essa
versão
não
é
consecutivas derrotas em El Bajío, e da
unânime. O historiador Rubén Osorio 21
queda de Aguascalientes para o avanço
discorda radicalmente. Para ele, Muñoz e,
do Exército Constitucionalista, Villa
sobretudo, a imprensa construiram um
tentaria uma manobra deseperada em
factóide baseado na imagem pública e
salvar as forças da Convenção, atacar em
nos antecedentes de Fierro. Segundo
Sonora, a grande base da Divisão do
Osorio, não se trata de absolvê-lo de seu
Noroeste, de Obregón. A maior parte das
alcoolismo, mas sim da seriedade de fatos
tropas já se reunia no local marcado
anteriores. Através do cruzamento de
como concentração para a campanha.
informações colhidas em pesquisa em
Dentre os que faltavam, a brigada de
história oral, sustenta que, pouco tempo
cavalaria de Fierro. Fazia frio, e o general
antes
usava a tequila como substitutivo ao
repreendido muito fortemente, e inclusive
cobertor. Liderando a vanguarda da
ameaçado
brigada, alcançaram La Laguna de los
irresponsáveis quando bêbado.
da
campanha,
Fierro
Villa
por
havia
seus
atos
Morrones, e Fierro já embriagado não
Esses são dois bons exemplos dos
quisera dar a volta na laguna, mas cruzá-
infortúnios que os excessos alcoólicos
la. Meteu-se montado na água, a égua
podiam
afundou. Saiu nadando e pediu outra
revolucionário - nesse caso, também ao
montaria. Tentou uma vez mais e acabou
exército federal. Essas ocasiões não eram
afogado, bêbado e afogado. A Divisão do
excepcionalidade da Divisão do Norte. O
Norte perdera um de seus principais
próprio Luis Herrera, aliado de primeira
generais às vesperas de uma última
época, e há muito considerado traidor,
tentativa de reabilitar a Convenção. Não
morrera embriagado em combate, por
haveria momento pior. O evento está
balas villistas. Contudo, tendo em conta
registrado
nas
memórias
de
causar
a
um
exército
Adán
Mantecón Pérez, dentre muitos outros
que escreveram sobre a Revolução. Um
20
O autor realiza também um balanço dessas e
outras fontes a respeito da morte de Fierro.
21
Entrevista concedida no dia 18 de março de
2015.
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esses prejuízos, medidas eram tomadas
É provável que o alcance das leis
para cessar ou remediar a embriaguez
secas villistas não fosse total. Além do já
dentre os revolucionários. Pancho Villa,
mencionado Fierro, Tomás Urbina era
apesar de abstêmio, não tinha nenhuma
outro de seus generais mais próximos e,
inclinação
ou
sua fidelidade a Villa era tão grande
antialcoólica. Mas como líder militar,
quanto a sua fidelidade ao alcoól. Assim
conhecia bem os malefícios que o álcool
como, em seu Estado-maior havia outros
causava a seu exército. Portanto, em não
alcoólatras. As proibições eram um
raras vezes a proibição esteve presente
controle e obstáculo aos excessos que
em áreas do villismo. Assim como as
causavam perdas humanas e, mais que
suas penas, a amplitude de tais proibições
isso, uma garantia de sobriedade em
variava segundo a época e local. Em
momentos-chave, do ponto de vista
novembro de 1913, na retomada de
militar. A conquista de uma cidade não
Juárez, Villa ordenou a destruição de
estava encerrada em si própria, havia de
todas as bebidas embriagantes da cidade;
se assegurar a sua manutenção enquanto
os
os
reforços dos derrotados pudessem tentar a
comerciantes e donos de bar. Na tomada
sua retomada. Tal cual, as vésperas de
de Torreón, em abril de 1914, édito que
batalha prescindem de mais comentários.
proibia ingestão de bebidas alcoólicas,
Por outro lado, Pancho também sabia que
com pena de morte a quem violasse. Em
buscar a aplicação permanente destas
julho de 1915, nova lei seca, pena de
medidas seria o mesmo que desmobilizar
morte a quem vendesse bebida alcoólica
sua base social e, assim, seu exército.
afetados
moralista,
foram
religiosa
basicamente
em Durango e La Laguna, territórios que
Da mesma forma que o consumo
estava usando para reagrupar a Divisão
alcoólico e a embriaguez não eram
do Norte. Na conquista de Músquiz
exclusividade da Divisão do Norte, as
(Coahuila), já em dezembro de 1919, nos
tentativas revolucionárias em controlá-los
últimos suspiros da luta, foi ordenado o
também não fôra. Nas palavras de Jesús
fechamento dos bares e a pena de morte
Méndez Reyes:
aos soldados que se embebedassem
(Taibo II, 2007: 216; 315; 518; 698).
Entre los primeros revolucionarios que
decretaron el cierre de expendios
alcohólicos estuvo Salvador Alvarado en
Yucatán, en diciembre de 1915, con su
‘guerra relámpago’ contra el peonaje, la
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prostitución, el juego y el alcohol.
Seguirían los gobernadores Plutarco
Elías Calles en Sonora, Francisco
Múgica en Tabasco y Venustiano
Carranza en Veracruz y D.F., entre 1916
y 1919. (Reyes, 2004: 6).
Múgica e Alvarado haviam participado
da greve da Cananea - 1906, Baja
Califórnia -, e atuaram junto ao Partido
Liberal Mexicano e as influências do
magonismo. Desse modo, carregavam as
idéias do anti-alcoolismo do movimento
proletário,
que
via
no
alcoól
a
degeneração da classe operária, e um
aliado a continuidade da exploração de
classe. Dentre as quatro leis secas
mencionadas, todas se deram baixo a
bandeira
do
Consitucionalismo
de
Carranza, no entanto, apenas a de
Alvarado
(Fallaw,
2002)
encontrou
ressonância para se extender no tempo,
na qual foi central a participação do
revolucionário
local
Felipe
Carrillo
Puerto. As proibições anti-alcoólicas,
quer as temporárias, com o pragmatismo
militar de Villa, quer as permanentes,
como
política
social
dos
consitucionalistas, não tiveram êxito em
lutar
contra
seculares.
culturas
de
consumo
Honra e alcoól: conflito perene
O jornalista John Reed (1978), em
outra passagem de México Rebelde, narra
a ocasião de um duelo, por conta de uma
disputa sexual. Na sua estadia em um
povoado tomado por revolucionários,
antes de retornar ao hotel, se deparou
com o encontro de um capitão, em seu
automóvel, e um jovem oficial, a cavalo,
em uma rua, por onde os dois seguiam na
mesma direção. Ao se reconhecerem, um
pergunta ou outro o seu destino, e
descobrem que ambos vão ao encontro da
mesma
María.
discussão,
a
Após
conclusão
uma
pequena
óbvia:
não
poderiam os dois cumprir sua intenção, o
capitão então sugere uma forma de
solução da questão. O chofer iluminaria a
rua usando os faróis do veículo, eles
dariam 30 passos em sentidos contrários,
e o próprio chofer contaria até três. O
primeiro a acertar o chapéu do adversário
com um tiro seria o vencedor. O capitão
levou a melhor na disputa, e pôde ir ao
encontro de María (Reed, 1978).
A
narrativa não deixa totalmente claro, mas
o diálogo indica que havia alguma
relação de camaradagem entre os dois.
Para tanto, não precisavam se sujeitar a
uma resolução mortal; o duelo tinha sido
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uma saída razoável encontrada pelo
maioria soldados voluntários à causa
militar.
revolucionária
Os
entreveros
em
torno
22
, antes de vencerem
da
alguma batalha, além do próprio esforço
conquista de mulheres, aparentemente,
do enfrentamento militar, enfrentavam
estavam bastante presentes. Mariano
largas jornadas de deslocamentos, muitas
Azuela, na sua novela da revolução, Los
vezes, longe das melhores condições. Ao
de Abajo, passa algumas vezes por
fim da mesma, ansiavam por algum
episódios deste tipo ao longo da história.
momento de prazer. Alguns tragos de
Embora se trate de uma obra ficcional, a
tequila ou mezcal, e afloravam as
experiência de Azuela como médico de
necessidades de provar quem era mais
campanha nos batalhões do general Julián
homem; conquistar a moça desejada,
Medina, garante que a redação dos
ainda que fosse preciso dar uns tiros. A
personagens e cenários adquira traços
presença do elemento etílico podia
etnográficos. Diferentemente do caso
potencializar o nível de violência dessas
apresentado por Reed, na novela, assim
pelejas. Contudo, tal potencialidade da
como em vários contos, a tônica das
embriaguez para suscitar a desonra e atos
disputas não é tão singela. Em geral, o
violentos é quase tão longeva quanto a
momento pós-vitória em combate, além
própria produção e consumo de bebidas
do deleite aos butins mateirais, seria o
alcoólicas.
das diversões, dentre elas, o disfrute
Segundo David Mandelbaum:
sexual. Soma-se a isso o consumo de
bebidas
alcoólicas:
tequila,
There are a great many substances that
men have learned to ingest in order to get
special bodily sensations. Of them all,
alcohol is culturally the most important
by far. It was anciently the most widespread in use, the most widely valued as
a ritual and societal artifact, the most
deeply embedded in diverse culture.
(Mandelbaum, 1965: 281).
mezcal,
cerveja, aguardente. O ponto de contato
entre: a comemoração do sucesso militar,
a embriaguez, e o afã sexual, é motivador
de muitas brigas. Muitas vezes, até
Desde as mais antigas sociedades
mesmo entre membros de um mesmo
grupo militar ou facção revolucionária.
Em certos casos, terminando em morte.
Há de se entender o que está por trás
disso. Esses homens, na sua grande
humanas sedentárias, a produção de
22
Salvo a exceção da Divisão do Noroeste - do
estado de Sonora - do Exército Constitucionalista,
que desde cedo criou um processo de
profissionalização, havendo soldo regular para as
tropas. Cf. Salmerón (2013); Tobler (1971).
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bebidas
alcoólicas
é
e
Por outro lado, na Odisséia, a
registrada. Receitas e o próprio preparo
embriaguez servirá como ferramenta a
de formas rudimentares de cerveja estão
Odisseu para retomar seu trono, sua
grafadas no Código de Hamurábi, nas
esposa e seu lar, após a longa jornada de
pirâmides
antigas
retorno à Itaca. Chegando de volta à ilha,
inscrições chinesas. E, tal qual, tão antiga
o herói, punido pelos deuses por sua
quanto, é a ritualização do consumo
arrogância,
destas bebidas, assim como as restrições
irreconhecível para seus antigos súditos.
a seus excessos.
Porém, com a ajuda de Atena, lança mão
egípcias
A
e
conhecida
em
embriaguez
como
de
um
tem
plano
a
para
aparência
expulsar
os
depreciadora da honra está construída
pretendentes de sua casa: um desafio de
alegoricamente em textos clássicos de
precisão com o arco, onde o vencedor
algumas das sociedades antigas. Os
desposaria Penélope e assumiria o trono.
hebreus usaram a bebedeira de Noé para
Antes do desafio, ainda um outro apoio:
redigir a maldição de Cam:
seu filho oferece um banquete, com
Sendo Noé lavrador, passou a plantar
uma vinha. Bebendo do vinho,
embriagou-se, e se pôs nu dentro da sua
tenta. Cam, pai de Canaã, vendo a nudez
do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois
irmãos. Então Sem e Jafé tomaram uma
capa, puseram-na sobre seus próprios
ombros de ambos e, andando de costas,
rostos desviados, cobriram a nudez do
pai, sem que a vissem. Despertando Noé
do seu vinho, soube o que lhe fizera o
filho mais moço, e disse: Maldito seja
Canaã; seja servo dos servos a seus
irmãos.
(Bíblia:
Gênesis,
cap.9,
versículos 20-25).
A desonra não está presente no
muito vinho, aos pretendentes. Com
todos embriagados, o único digno e capaz
de executar a tarefa é o próprio Odisseu,
um ignoto a todos até o momento do
êxito. Assim, retoma a coroa, e expulsa
seus rivais.
Se avançarmos alguns séculos no
tempo, e cruzamos ao outro lado do
Atlântico, encontraremos outro exemplo
emblemático
em
um
dos
mitos
excesso alcoólico em si, pois Noé, uma
fundadores
vez nessa condição, se retirou a sua
Quetzalcoatl,
privacidade. Mas sim, na falta de zêlo de
criação da humanidade, sofria com a
Cam por um dos seus - no caso, seu
inveja de outros deuses menos adorados.
próprio pai - no estado de embriaguez.
Por conta disso, em uma das principais
da
deus
sociedade
responsável
azteca.
pela
festividades, Quetzalcoatl fôra enganado
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e induzido a tomar pulque em excesso.
só
Uma vez embriagado, saiu nu pela
imperante para tais situações. Contudo,
cidade, e depois, se deitou com sua irmã.
como destaca Pablo Piccato (1999),
Ao
enquanto instituição social, o duelo
dia
seguinte,
envergonhado
e
no
México,
foi
a
modalidade
desonrado perante sua grande criação –
estaria
de
modernizador à européia. As elites
vontade
própria,
os
homens
marcharam rumo ao exílio no leste.
Partindo dessa ideia, passamos
aqui por três exemplos onde sociedades
abertamente
com
ideário
Porfírio Díaz pôr o México no mapa do
[...] aquilo que os seres humanos têm em
comum se revela nos mitos. Mitos são
histórias de nossa busca da verdade, de
sentido, de significação, através dos
tempos. Todos nós precisamos contar
nossa história, compreender nossa
história. (Campbell, 1990: 6).
conviviam
no
mexicanas, que viam seu mandatário
Segundo Joseph Campbell:
que
embainhado
o
consumo alcoólico cotidiano, expressam
através de suas mitologias a reprovação
aos excessos etílicos, e a conseguinte
causa da desonra. Estes mitos são
histórias que servem para ensinar os
homens que não há problema em tomar
vinho - ou o pulque, no caso azteca -, no
entanto, quando bebido de maneira
desmedida, isso leva os homens a atitudes
indignas, que os leva à desgraça perante
mundo civilizado, miravam-se nos seus
equivalentes franceses e alemães, e a
partir de aí, a ânsia por ter uma forma
ordenada e sóbria de resolver suas
diferenças entre si, não abdicando da
violência. Piccato aponta que os códigos
do duelo estão partilhados, basicamente,
entre militares, políticos e jornalistas.
Porém, isso não quer dizer que somente
os homens das elites têm honra. Embora
tais códigos de conduta possam ser
distintos,
os
homens
das
classes
populares também têm razões pelas quais
zelar, e, inclusive, usar da faca ou do tiro,
se preciso, para defendê-las. Seja de
qualquer um dos dois estratos, verifica-se
que os elementos detonadores de um
conflito, guiam-se por três eixos centrais:
seus pares.
A resolução violenta de conflitos
pela manutenção da honra não é uma
invenção da Revolução. Durante o século
XIX e início do XX, o duelo, e isso não
a virilidade, a imagem das mulheres do
grupo familiar, e a posição social. Desde
uma discussão no parlamento a um
desentendimento entre bêbados numa
cantina, alguma declaração que coloque
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em xeque algum destes pontos, pode, e
prática em Chihuahua. É provável que a
deve, causar que o agredido defenda a
aura do encontro de Aguascalientes desse
integridade de sua honra pelas armas. E,
um cárater mítico ao nascimento do
ainda que não se trate de um pressuposto
“jogo”; talvez um recurso literário de
obrigatório,
Muñoz.
a
presença
de
bebida
Além
disso,
o
veterano
alcoólica é recorrente como agravante
revolucionário Adán Mantecón Pérez, em
nessas situações. Se voltarmos a Taylor,
suas memórias, Recuerdos de un villista:
veremos também, que já durante o
mi campaña en la revolución, relata uma
período colonial, o alcoól funcionava
prática
como catalisador do caminho que leva da
variantes, os jogadores tomam diversas
agressão à honra à agressão física -
doses de bebidas alcoólicas até ficarem
incluindo homicídios.
“no ponto”, quando se
Partindo
toritos.
Nessas
colocavam ao
redor de uma mesa, e um deles puxava
esteja
sua pistola engatilhada e a girava no dedo
esgotada a existência do duelo, surgiria
até que disparasse. Essa versão também
uma original insituição da resolução de
parece estar presente em toda área de
conflitos, a chamada: “Loteria da morte”.
jurisdição villista.
embora
o
o
período
revolucionário,
para
parecida:
não
O cronista e memorialista chihuahuense
Há ainda uma boa representação
Ignacio Muñoz, em Verdad y Mito de la
cinematográfica
Revolución
sua
produção de 1936, Vámonos con Pancho
criação na Convenção de Aguascalientes.
Villa!, de Fernando de Fuentes. O filme
Segundo o relato, nos momentos de
é uma adaptação de uma novela de Rafael
descontração e folga durante as reuniões
Muñoz, autor, já antes mencionado, de
da Convenção, Rodolfo Fierro e outros
alguns dos contos mais ricos sobre a
generais villistas tomavam cerveja, até o
Revolução no norte do país. A cena trata
momento que algum lançava a pistola
da
engatilhada para o alto e, na queda, o
protagonistas em um grupo dos Dorados
disparo escolhia o perdedor. Taibo II
- a guarda pessoal de Villa -. Com a
(2007) discorda de Muñoz sobre o
incorporação dos novos membros, o
momento de criação, segundo ele há
grupo passa a somar 13 integrantes, e por
registros de antecedentes da mesma
superstição
Mexicana,
localiza
incorporação
de
desses
de
alguns
jogos
parte
na
dos
membros
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anteriores, o número traria azar. A
envolvidos, como apenas mais uma
maneira de resolver a questão seria deixar
forma de diversão, ao lado do baralho,
que a sorte selecionasse o mais covarde
das apostas, touradas e brigas de galo; era
do grupo, para ser eliminado. Poderíamos
central para sua adesão um desafio. Uma
dizer que, a modalidade apresentada,
vez
seria uma mescla das duas citadas: loteria
deviam provar sua macheza também fora
da morte e toritos. No entanto, tampouco
do campo de batalha. É como se
devemos ver tais práticas de maneira tão
houvesse
formatada
entre
compartilhado
cavalheiros na virada do século. O modus
Aguascalientes
operandi desses jogos mortais, segundo
palavras, do centro à fronteira norte), que
as análises dos registros existentes, é bem
dissesse: a bala elege os covardes. Sendo
mais adaptável segundo a situação e o
assim, não se apresentar ao jogo era
estado
jogadores.
demonstração de fraqueza, medo e
Retomando a interpretação dada pelo
desonra, perante seus colegas de armas.
filme, os 13 dorados se abraçam a volta
E, apesar do estado de embriaguez, o selo
de uma mesa, de modo que não fique
de
nenhum vácuo entre eles, apaga-se a luz,
negativamente na hora do combate.
quanto
ébrio
um
de
duelo
seus
os
revolucionários
um
tais
alcoolizados,
código
entre
a
de
honra
eles,
desde
Juárez
atributos
(em
poderia
outra
pesar
e finalmente, um deles lança a pistola
engatilhada ao ar. É interessante, como
tal representação está bem fiel ao que se
encontra
nas
fontes
literárias
Considerações finais
e
No
memoriais. Igualmente, é importante
salientar,
como,
tanto
nessa
reinterpretação, quanto em tais fontes,
está
presente,
para
descrever
essas
práticas, a bebedeira excessiva e a
mais
com
a
guerra
revolucionária, durante a década de 1910,
viveu-se
um
cenário
de
violência
institucionalizada. Contudo, em uma
sociedade com milhares de homens
armados, e cheios de diferenças entre si,
provação da valentia.
Por
México,
que,
em
muitos
momentos, a loteria da morte e o toritos
figurassem para os seus participantes ali
outras
escaramuças
podiam
surgir,
mesmo fora do campo de batalha.
Quesitos como a provação da virilidade e
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valentia, a conquista de concubinas e
amantes, ou ainda, desavenças pela
manutenção e ganho de posição social ou
de comando, eram principais tópicos
detonadores de conflitos. Duelos, as
Loterias da morte, os Toritos, ou o
simples saque da pistola para atirar no
adversário eram os espaços onde estes
desentendimentos ganhavam contornos
finais. O consumo alcoólico amplamente
difundido, assim como a embriaguez
desregrada
eram
fortes
detonadores
dessas questões, e assim, traziam baixas
extra-batalha
às
diversas
facções
revolucionárias. Pode-se dizer que a
defesa pela manutenção da honra (em
seus diversos sub-elementos), cruzada
com os excessos etílicos, foi responsável
por parte considerável da violência na
Revolução, para
além
da violência
revolucionária.
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Uma síntese da miséria
Mulheres encarceradas no Rio de Janeiro
do século XIX (1870-1900)
A modernidade trouxe consigo
mudanças
nos
contextos
sociais,
políticos, econômicos e culturais das
mulheres. Para Fraisse e Perrot (1991),
três fatores contribuíram para essas
Jailton Oliveira
mudanças.
Em
surgimento
de
primeiro
uma
lugar,
história
o
da
humanidade colocou em evidência a
Considerações iniciais
perspectiva de que a mulher teria também
uma história, que a sua condição de
D
e acordo com Georges Duby e
companheira do homem de reprodutora
Michelle
(1991),
da espécie é menos imutável do que
durante séculos, as mulheres
parece, que a sua essência aparentemente
foram deixadas às trevas pela história.
eterna de mulher pode ser submetida a
Porém,
da
múltiplas variações e destinada a uma
antropologia, a ênfase dada à família e a
vida nova. Em segundo, a revolução
afirmação da história das mentalidades
industrial - enquanto formação de espaço
contribuíram para fazer com que as
político
mesmas saíssem da escuridão. Além
mulheres tornarem-se semelhantes ao
disso,
indivíduo
o
o
Perrot
desenvolvimento
movimento
das
próprias
democrático
-
masculino,
permitiu
trabalhador
às
e
mulheres e as interrogações insinuadas,
cidadão. Assim, elas poderiam romper
dentro
universidades,
com a dependência econômica que as
contribuíram para que traços das suas
ligavam aos pais ou maridos. O terceiro
antepassadas
ponto
e
fora
das
fossem
descobertos
e,
discutido
pelas
autoras
está
sobretudo, para que compreendessem a
imbricado com a suposta igualdade entre
respeito das raízes da dominação que
os gêneros, proposta por uma noção
sofreram
liberal
através
do
tempo.
As
baseada em
absoluta,
uma identidade
investigações em torno da história das
humana
igualitária.
As
mulheres se tornaram temas relevantes na
discussões a respeito das representações
historiografia.
sobre os seus direitos permeavam em
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torno de circunscrevê-la ou não na coisa
diferentes
pública, ao espaço doméstico.
mulheres.
No
que
concerne
reservados
às
esfera
Isso posto, o presente artigo,
criminal, as mulheres também foram
fragmento da tese de doutorado, objetiva
consideras
aclamada
apresentar algumas tensões existentes
docilidade, muito menos capazes de
entre as mulheres e as prisões da cidade
cometer crimes do que os homens; e
do Rio de Janeiro no período aqui
quando os comete seria sempre sob a
proposto.
fruto
da
à
universos
tão
influência de um homem ou por motivos
Destaca-se que as discussões a
de paixão. Ao universo feminino não
respeito de gênero e/ou feminismo não
seria dado o direito à violência, somente
foram contempladas. A opção foi posta
podendo atingir seus fins maléficos com
mesmo
a malícia. Não lhes é permitido a prática
denunciam a interferência das “vozes”
de
femininas pelas masculinoas, em uma
condutas
que
demonstram
a
percebendo
que
fontes
capacidade de inverter o papel social de
sociedade
inferioridade que lhe é imposto. O uso da
discussão é encaminhada na tese em
violência por parte das mulheres choca,
desenvolvimento.
pois
demonstra,
equivalência
dos
em
verdade,
seres
na
Entretanto,
a
a
O artigo foi dividido em três
espécie
etapas. A partir da articulação entre as
humana.
observações encontradas em relatórios
No caso específico do Brasil,
sociólogos,
patriarcal.
as
educadores,
ministeriais e bibliografias, no primeiro
antropólogos, entre outros profissionais,
momento procura-se compreender um
têm estudado casos de mulheres chefes
pouco mais a respeito das condições das
de
prisões
família,
historiadores,
das comissões de visitas, relatórios
educadoras,
estudantes,
do país,
particularmente
as
prostitutas, lavadeiras, cozinheiras, entre
encontradas na cidade. No segundo, com
outras, envolvidas com a criminalidade.
o auxílio de livros de registros de presas,
Desta forma, se têm podido comprovar
se deseja constatar a presença feminina
que é impensável que houve apenas um
no interior das prisões da cidade, bem
modelo único de mulher ao longo dos
como as condições oferecidas. Por fim, a
séculos; que não houve tensões entre os
partir da análise de dois processos
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criminais, os casos de Minverviva e
Distanciadas por mais de cem
Thereza Cesaria são apresentados a fim
anos, as informações contidas nessa
de perceber um pouco a respeito das
epígrafe
mulheres que cometiam delitos, para
chocam pela longevidade e atualidade.
onde eram encaminhadas e como eram
Embora haja várias prisões femininas no
tratadas pela justiça do período.
país, as condições oferecidas às presas
demonstram
intrigas
que
não são favoráveis. Atualmente, o Brasil
Lugares para sepultar os vivos. As
prisões da cidade do Rio de Janeiro
oitocentista
dispõe de aproximadamente cinquenta e
três
penitenciárias
femininas,
porém
centenas de mulheres ainda encontram-se
mantidas em delegacias ou carceragens
[...] durante a Revisão Periódica
Universal do Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas, o Brasil
foi repreendido por desrespeitar os
direitos humanos em seu sistema
carcerário, especialmente por ignorar
questões de gênero. Ou seja, é
internacionalmente reconhecido que o
sistema penitenciário feminino brasileiro
é inadequado. O poder público parece
ignorar que está lidando com mulheres e
oferece um pacote padrão bastante
similar ao masculino, nos quais são
ignoradas a menstruação e maternidade
[...]. (Queiroz, 2015:2).
A comissão mandou em nome do
“Augusto Senhor,” que muito desejava
ver o quanto antes a melhora da sorte
desses infelizes presos [...] lugares a
sepultar os seus vivos [...] uma síntese da
miséria; um lugar de repulsa [...] deve
haver a separação entre mulheres,
homens e crianças [...] nesse ano de
1850, as mulheres foram finalmente
enviadas para um pavimento superior,
onde anteriormente funcionava um
depósito. Entretanto, esse lugar era
acanhado e sujo [...] as prisões da cidade
são horríveis masmorras [...] essas
instituições brasileiras excedem ao
desprezo. (Relatório da Comissão de
Visitas às Cadeias Públicas no Rio de
Janeiro, 1831; 1850; 1874, 1900: 1,
passim).
superlotadas. Há reclamações quanto ao
acesso à saúde e educação. Casos de
carcereiros que se recusam a levar
detentas em trabalho de parto para o
hospital;
médicos
que
prescrevem
remédios controlados a fim de tornar as
presas mais dóceis (Queiroz, 2015).
Para além desses problemas, nas
prisões, as mulheres são as principais
vítimas de abandono. No caso do Rio de
Janeiro, de acordo
com
dados
da
Secretaria de Administração Penitenciária
(SEAP), apenas trinta e quatro presas, das
duas mil cento e quatro, recebem visitas
íntimas.
Um
número
irrisório,
se
comparado aos dois mil cento e oitenta e
três homens, dos quarenta mil setecentos
e quarenta e seis, que recebem as suas
companheiras
nas
prisões.
(Queiroz,
2015).
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Segundo
Lemgruber
a
socióloga
(2000),
a
Julita
mulher
conseguiram elaborar um perfil das
detentas no estado daqueles anos.
transgressora representa tudo o que a
Nesses encontros, as cientistas
sociedade rejeita. Ela passa a não ser
ouviram queixas diversas, como maus
considerada digna de respeito e atenção.
tratos,
Isso é cultural. É um problema dos
ameaçadas de morte por parte de
cárceres do mundo inteiro. A expectativa
policiais; das péssimas condições desses
de uma sociedade machista e patriarcal é
lugares. Além disso, constataram que a
que a mulher seja dócil e respeite as
esmagadora maioria das presas eram
normas da família. Ao cometer um crime,
negras, analfabetas e moradoras das áreas
ela rompe com a sociedade duas vezes e é
mais
abandonada. Ela é castigada duplamente.
Ilgenfritz, 2002).
choques
carentes
elétricos,
do
Estado
estupros,
(Soares;
A fim de chamar a atenção para as
Se o sistema carcerário feminino
condições das mulheres encarceradas no
atual do estado do Rio de Janeiro é
estado do Rio de Janeiro, entre os anos de
inadequado, nas décadas finais do século
1999 e 2000, a socióloga e antropóloga
XIX sequer existia cárcere para mulheres.
Bárbara Soares e a advogada Iara
O primeiro só foi inaugurado no ano de
Ilgenfritz peregrinaram por diferentes
1942.24 Entretanto, seria um anacronismo
instituições
do
observar o Rio de Janeiro do final do
manicômio Heitor Carrilho e hospital
século XIX com os mesmos “olhos” do
psiquiátrico Roberto Medeiros. Desta
presente.
andança, com base em um questionário,
encarceradas
entrevistaram
experimentada
prisionais,
além
aproximadamente
quinhentas
e
encarceradas
23
vinte
e,
nesse
e
A
realidade
vivida
atuais
diferente
em
é
outros
pelas
da
tempos.
quatro
Segundo o historiador francês Marc
caminho,
Bloch (2001), a volta ao passado deve
significar o desejo por uma história que
23
No período havia em torno de seiscentas
mulheres presas em todo o estado. Segundo o
levantamento mais recente do Ministério da
Justiça, no ano de 2014, o Brasil já tinha a quinta
maior população de mulheres encarceradas do
mundo: 37.380. De 2000 a 2014, a taxa de
crescimento dessa população foi mais de duas
vezes superior à dos homens: 567% contra 220%
(Lemgruber, 2015).
consiga compreender as relações que se
deram
através
dos
fatos,
problematizações e contextos históricos.
24
No ano de 1942, a primeira penitenciária
feminina no Brasil, a Talavera Bruce, foi
inaugurada no Rio de Janeiro.
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Nesse trajeto, entretanto, não devemos
Homens, mulheres e crianças 25 (livres e
esquecer de aliar o passado com o
libertos),
presente, uma vez que as indagações do
correcionais dividiam, invariavelmente,
presente são o que fazem o historiador
os mesmos espaços nos interiores desses
voltar-se para o passado.
lugares.
Revisitar o passado e tentar
Os
escravos,
apenados
relatórios
e
ministeriais
encontrar as mulheres encarceradas nas
26
prisões da cidade do Rio de Janeiro, no
condições das prisões.
período proposto, é um esforço na
ministro da Justiça, Honório Hermeto,
tentativa de perceber especificidades
apresentou algumas inquietações quanto
daquela realidade. Nesse caminho, nos
às condições das prisões:
deixaram
pistas
a
respeito
das
Em 1832, o
deparamos com uma documentação, em
sua maioria, produzida por homens. Em
uma sociedade patriarcal, as “vozes” das
encarceradas
eram
invariavelmente
produzidas pelos discursos masculinos.
Para além disso, é tentar entender os
motivos que levaram a ministros, chefes
de polícia, delegados e diretores de
instituições prisionais relatarem descasos
quanto à situação das encarceradas sem
que resoluções práticas fossem postas em
evidência
como,
por
construção
de
uma
exemplo,
a
penitenciária
feminina.
Durante todo o século XIX, a
superlotação, sujeira, mistura de culpados
com inocentes e as precárias estruturas
das
diferentes
prisões
eram
uma
constante no cenário carcerário do país.
25
Este termo implica pautar o recolhimento de
sujeitos de idades entre dez e setenta anos. Não
está associado à afirmação jurídica de
menoridade.
26
Estes relatórios passaram a fazer parte do
cotidiano Imperial a partir do surgimento da
Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça,
criada pela lei de 23 de agosto de 1821, que
estabeleceu um órgão congênere em Portugal, a
partir do desmembramento dos negócios que
antes estavam sob a competência da Secretaria
de Estado dos Negócios do Reino. Com a
República, passou a denominar Ministério da
Justiça e Negócios Interiores. Esses relatórios
vigoraram entre os anos de 1821 e 1928.
Anualmente, os ministros encaminhavam esses
relatórios ao Imperador. Com o advento da
República, os mesmos passaram a ser
encaminhados ao presidente. Continham
informações a respeito da tranquilidade
pública; administração da justiça - civil,
comercial e criminal -; tribunais, juízes e
empregados da justiça – Supremo Tribunal
Federal, Relações, promotores públicos e
ofícios judiciais; polícia e força pública –
polícia, corpo policial e guarda nacional -;
prisões – Casas de Detenção e Correção,
carcereiros,
cadeias,
calabouço;
ofícios
policiais
diversos;
divisão
judiciária;
estatísticas, contabilidades e orçamentos
judiciários e policais. Além desses, havia os
anexos em que constavam os relatórios dos
diretores da Casa de Correção, chefes de
polícias e de outras autoridades.
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Em qualquer reforma convém muito
considerar que devendo predominar o
principio do código sobre o cumprimento
da pena [...] sendo raros e mal seguros os
estabelecimentos prisionais públicos em
que possam trabalhar os galés, torna-se
embaraçoso o destino destes presos [...]
Entretanto, o estado dos nossos edifícios
não permite as separações convenientes,
originando serias dificuldades práticas a
fiel execução do código penal e as boas
práticas [...]. (Relatório do Ministério da
Justiça, 1832: 133).
Quarenta e dois anos depois, no
relatório
apresentado
à
Assembléia
Legislativa do ano de 1874, referente ao
ano de 1873, o ministro da Justiça,
Manoel Antonio Duarte de Azevedo,
apresentou também as suas inquietações a
respeito das prisões:
É péssimo o estado de nossas cadeias.
Em geral são fracas, facilitando as
evasões; sem capacidade, não se
prestando ás divisões exigidas pela
Constituição; mal construídas, não
reunindo as condições de salubridade,
nem de asseio. A sua reforma prende-se
á reforma penitenciária. (Relatório do
Ministério da Justiça, 1874:56).
Sete anos depois, o ministro
Manoel da Silva Mafra sugeriu melhorias
urgentes nas prisões.
Clama-se
incessantemente
pelo
melhoramento das prisões, cujos estados
nada tem de lisonjeiros, com excepção
de mui poucas, que se acham em
condições menos desvantajosas. Não
pode haver aspiração razoável [...] nada
justifica a lentidão com que temos
procedido neste assumpto. (Relatório do
Ministério da Justiça, 1881:56).
Ao direcionar o foco para as
prisões da cidade do Rio de Janeiro, 27
podemos detectar uma situação não muito
diferente das apresentadas por esses
ministros. Os autos de visitas da época
ajudam a compor um panorama da
situação: as prisões eram “[...] escuras,
alagadas, fétidas, focos de doenças, frias
e condenadas a sepultar os seus vivos”
(Comissão de Visitas, 1831:12). 28 Até o
ano de 1856, quando foi inaugurada a
Casa de Detenção,29 a prisão do Aljube30
27
A partir da década de 1830, a cidade do Rio de
Janeiro passou a contar com três tipos de prisões:
eclesiásticas, militares – Fortes de Santa Bárbara
e Santa Cruz e os Navios Presigangas - e civis –
como o Calabouço, prisão da Ilha das Cobras e a
Prisão Municipal. Entretanto, no Brasil, a pena
privativa de liberdade passou a ser aplicada
apenas após a ruptura política de Portugal, com as
reformas penais e penitenciárias. As Ordenações
Filipinas, que estiveram em vigor no país até o
advento do Código Penal republicano, não
previam prisão com pena privativa de liberdade;
esse lugar servia para manter o delituoso sob
cautela ou custódia até a execução da sua
punição; garantir o julgamento dos réus
(Ordenações Filipinas, Livro V, Tít. cxxxix). Nos
raros acontecimentos em que havia pena de
prisão, esta nunca seria superior a quatro meses
(Karasch, 2000).
28
A Lei de 1º de outubro de 1828 estabeleceu a
criação de comissão para fiscalizar e apresentar
relatórios sobre as condições das prisões da
cidade do Rio de Janeiro.
29
A Casa de Detenção da Corte, atual
Penitenciária Milton Dias Moreira, foi criada
para substituir a prisão do Aljube. Embora
pudesse abrigar presos condenados, sua
principal função era manter detidos aqueles que
ainda não tivessem sido condenados ou
tivessem cometido pequenos delitos sem pena.
Portanto, um lugar de passagem. Entretanto,
houve distanciamento entre teoria e prática,
pois o lugar, idealizado para ser provisório,
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era
a
prisão
principal
da
cidade.
deveria deixar de punir o corpo para
Entretanto, a comissão julgou ser “[...]
atingir diretamente a alma do apenado,
uma síntese da miséria; um lugar de
reformá-lo por meio do dispositivo da
repulsa” (Comissão de Visitas, 1850: 2).
reclusão, proporcional ao delito. Nesse
Para o ministro da Justiça, José Thomaz
sentido, o país passou a seguir a forma de
Nabuco de Araújo, a prisão do Aljube
castigo moderno, baseado em promessas
afrontava, “[...] na capital do Império,
civilizatórias de ordem e progresso. A
sede dos Poderes Gerais e centro da nossa
pena privativa de liberdade articulava
civilização, os sentimentos humanitários
noções
que distinguem a população brasileira”
civilizatórias;
(Relatório do Ministério da Justiça, 1857:
conceito de prisão moderna expectativas
172).
das mais otimistas da agenda penal
Essas “denúncias”, entretanto, não
são
resultados
de
uma
demanda
de
castigo,
promessas
depositando
em
um
ilustrada.
Na
Constituição
imperial
puramente humanitária ou do progresso
encontram-se determinações para que as
que visava tirar o homem da "barbárie"
prisões fossem “[...] seguras, limpas, bem
das penas corporais, mas reflexo da
arejadas, havendo diversas casas para
mudança de paradigma efetuada pelo
separação dos
Estado moderno. Este, por sua vez,
circunstancias, e natureza dos seus
crimes.”
acabou por ser tornar em permanente. A partir
da década de 1850, o Rio de Janeiro passou a
contar com um complexo prisional composto
pelas casas de Correção e Detenção, bem como
o Calabouço. Inaugurada no ano de 1850, a
Casa de Correção servia para abrigar presos
apenados; a Detenção (1856) foi reservada para
presos correcionais, como mencionado. Por
fim, o Calabouço servia para escravos e
escravas. O complexo passou a funcionar na
Rua Conde D’Eu, 277 – atual Rua Frei Caneca.
(Oliveira, 2014).
30
Fundada no ano de 1732, essa prisão era uma
antiga masmorra eclesiástica construída no sopé
do morro da Conceição - Rua da Prainha, atual
Rua do Acre, centro do Rio de Janeiro -, para
onde eram enviadas as pessoas que incorriam em
pequenos delitos, como furto, desacato à
autoridade, vadiagem, embriaguês, entre outros
(Holloway, 2009).
réos,
(Constituição
conforme
suas
Política
do
Império do Brasil, 1824, tit. 8, art. 179,
xxi). No caso do Código Criminal do
Império havia recomendações para que as
penas fossem cumpridas em “prisões
publicas,
que
offerecerem
maior
commodidade, e segurança [...]” (Código
Criminal do Império do Brasil, 1830, tít.
II, cap. I, art. 48).
O Código Criminal determinava
que presos e presas deveriam cumprir
pena privativa de liberdade pelo “[...]
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mesmo tempo a prisão em lugar, e com
desconhecidas, produziram uma espécie
serviço analogo ao seu sexo (Código
de sombra a respeito dessa população.
Criminal do Império do Brasil, 1830, tít.
Embora houvesse recomendações para
II, cap.I, art. 45, 1º). O termo “análogo”
que
estava associado “a semelhança ou
diferentes
proporção”
atravessaram
(Pinto,
1832:
82)
ou
houvesse
separação
presos,
as
todo
entre
os
encarceradas
o
século
XIX
“semelhança; casos análogos” (Silva,
dividindo os espaços prisionais com
1789: 103). Termo similar ao que temos
outrem.
nos dias atuais, ou seja, “que tem
analogia;
equivalente,
Antes mesmo da inauguração da
semelhante,
Casa de Correção havia denúncias a
idêntico” (Dicionário Priberam da Língua
respeito de maus tratos às mulheres.
Portuguesa, 2013).
Vasculhando os documentos existentes
Como,
então,
encaminhar
as
na Biblioteca Nacional, deparei-me com
mulheres para um “lugar análogo” tendo
um
em vista a não existência de uma prisão
endereçada ao então jovem Imperador D.
específica para elas? Não houve esse
Pedro II. 31 O escritor ou escritora do
lugar.
foram
texto solitica ao jovem monarca que
contempladas nesses pronunciamentos,
ouvisse as confissões e súplicas relatadas.
com tentativas de recodificação do
Escrita em sete páginas, não
As
sistema
mulheres
prisional.
não
Embora
houvesse
manuscrito,
numeradas,
o
que
é
documento
uma
carta
apresenta
determinações para a construção de
questionamentos quanto às condições dos
prisões seguras, nenhuma prisão feminina
presos, o mau uso do dinheiro do
foi construída. Quatrocentos e quarenta e
Império, as obras prometidas e não
dois anos se passaram, desde a chegada
realizadas na instituição; os uniformes
dos europeus, para que a penitenciária
feminina
do
Talavera
Bruce
fosse
inaugurada.
As
políticas
carcerárias
oitocentistas identificaram a presença
feminina no interior das instituições
prisionais,
mas,
por
razões
ainda
31
Embora necessite de uma análise mais apurada,
esse documento revela que aqueles que o
escreveram tinham ciência dos inconvenientes
ocorridos nos espaços intramuros da primeira
penitenciária do país. Não houve como saber
quem o escreveu. Não há paginação. Teria sido
produzido por algum homem livre ou liberto? Um
escravo alfabetizado? Uma mulher? Um guarda?
Um visitante? Alguém teria feito chegar às mãos
do Monarca? Chegou de fato? Questões a serem
investigadas.
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desgraçadas para o Arsenal de Marinha,
pois ali reina outra humanidade do que
na casa de correção (Memórias da Casa
de Correção, 1865:7).
prometidos e não entregues, comidas
estragadas e servidas aos presos, entre
outros.
Por fim, há acusações a respeito
da
brutalidade
com
o
que
o
administrador 32 do complexo tratava as
presas
que,
nesse
momento,
eram
compostas majoritariamente por africanas
livres.
chama atenção pelo seu caráter anônimo
e por se chocar com as regras do
isolamento. Ao recorrerem à escrita, os
autores anônimos procuram romper a
rígida estratificação e os bloqueios na
forma de comunicação para a instituição.
Essas desgraçadas vivem, de noite e de
dia, domingos, dias santos, de serviços
trancadas. Dão-se barbarismo de
humilhação, de certo que o administrador
não trata os seus escravos com tanta
barbaridade como trata aos africanos. No
dia 16 do mês passado, foi huma preta
africana castigada rigorosamente. Basta
dizer o castigo foi de tal maneira, que
ficou com uma marca [...] assim mesmo
naquele mizero estado foi metida no
libambo [...] não sahiu senão no dia vinte
e sete, dia este que o administrador
pregou-se sobrevivência. Lhe passou
pella lembrança humildades, pois,
mandou tirar os ferrolhos [...] o qual
seria o crime cometido para sofrer tão
terrível sofrimento?[...] não consintirás
que continuem amargando desumanidade
em um império brasileiro [...]. Seus
corpos
eram
educados
pelos
encantadores de chicotes quando as
levavam para o libambo [...] Ali ficavam
suspensos do vintém, que a nação lhes
manda dar para comprarem os fumos [...]
que as africanas vão para o Arsenal da
Marinha [...] outra humanidade do que
na casa de correção. E os encantadores
de chicotes as levavam para o libambo.
Ali ficavam suspensos do vintém, que a
nação lhes manda dar para comprarem os
fumos. Monarca justiceiro levem as
32
O apelo ao “Monarca justiceiro”
Embora não haja referência ao seu nome, sabese que era Thomé Joaquim Torres, e que ficou no
cargo de fevereiro de 1835 a junho de 1850. Dos
quinze administradores que passaram pela
insituição, durante o século XIX, esse foi o que
mais tempo ficou no cargo.
Uma zona dizível, na qual aparece uma
espécie de negativo da prisão, com o
excesso
de
inadequada,
trabalho,
alimentação
doença,
desordem,
promiscuidade, isto é, múltiplas formas
de
violência;
o
que
suspende
a
representação positiva do encarceramento
e a educação como elemento da pena.
Para além disso, apresenta um lugar que
se distancia de tudo o que pudessse ser
aproximado de segurança ou limpeza
como
observado
na
Constituição
imperial.
Instalações precárias: As mulheres no
cumprimento das sentenças
Encontrar “vozes” femininas no
interior das prisões da cidade é uma
tarefa
complexa.
Essas
são
invariavelmente mediadas por aparato
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discursivos, científicos e institucionais.
abrigar às condenadas e menores, mas
No entanto, a despeito da aridez das
que
fontes relacionadas às encarceradas, sabe-
(Relatório do Ministério da Justiça,
se que frequentaram as prisões, cárceres e
1883). Essa providência não chegou a
penitenciárias do país. Foram registradas
ser executada, pois, no ano de 1905,
em relatórios ministeriais, comissões de
encontramos outro diretor reclamando
visitas, livros de registros de detentas e
das
por jornalistas. Vozes mediatizadas, mas
apresentar os inúmeros problemas da
que ajudam no caminhar por essa espécie
instituição
de silêncio e de omissão da experiência
fabricação de material cortante pelos
prisional sob o ponto de vista das
presos; jogos de azar; participação de
prisioneiras.
guardas nas fugas de presos, entre outros
No ano de 1865, o relatório da
comissão de visitas da Casa de Correção
da Corte anotou que o número de
mulheres condenadas era pequeno, mas
ainda assim não havia providências para
a construção de uma prisão feminina.
Pelas leis penais, prossegue o relatório,
elas estavam sujeitas ao mesmo sistema
punitivo dedicado aos homens, pois
muitas foram condenadas à prisão com
trabalho ou galés e encaminhadas para a
Casa de Correção. Lá estavam juntas a
homens e menores.
Em 1883, o relatório prestado
pelo diretor da Casa de Correção
33
apresentou considerações a respeito de
um edifício em construção, que deveria
as
obras
condições
-
estavam
das
fugas,
vagarosas
detentas.
motins,
Após
brigas;
problemas -, indicava as condições das
mulheres no interior da instituição.
Adaptação das 5 cellulas do antigo
manicômio á prisão de mulheres,
emquanto não se edifica um pavilhão
especial. As mulheres em cumprimento
da
sentença,
são
pessimamente
installadas na antiga prisão dos galés,
velho barracão ao rez do chão, sem
condição alguma de hygiene, construído
há muito annos com caracter provisório,
junto à muralha, exactamente da parte
que devia ser o portido da Casa de
Correção. Essas 5 cellulas foram
convenientemente assoalhadas com
taboas de peroba sobre barrotes de
massaranduba, previamente empedrado e
cimentado o solo (Relatório do
Ministério da justiça e Negócios
Interiores, 1905:10)
Essas complexidades ajudam a
compreender um pouco mais a respeito
das condições das prisioneiras a cidade
do Rio de Janeiro imperial e republicano.
Para além desses relatórios ministeriais,
33
O nome do diretor não consta na
documentação.
alguns relatos de profissionais, como os
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jornalistas
e
escritores,
diversos
jurídico da écpoca, como os chefes de
corroboram com as reclamações desses
polícia
e
os
diretores
dessas
diretores.
instituições. Há elogios quanto ao
Nas décadas finais do século XIX,
trabalho desses homens, estado de
as prisões passaram a receber uma
convervação das instituições, empenho
variedade de visitantes além dos já
da direção em manter a ordem e
tradicionais advogados e filantropos.
disciplina; que o lugar era propício para
Nesses lugares, os repórteres, cronistas,
abrigar os delinquentes. Por seu turno,
escritores, entre outros profissionais,
deixa supor que os presos trabalhadores
encontraram excelentes fontes para os
eram preguiçosos, que não gostavam de
seus artigos diários; iam em busca de
trabalhar.
notícias que ajudassem a desvendar os
Sobre
“mistérios” que se escondiam no interior
prisioneiros,
desses lugares, pois, no imaginário social,
seguinte:
as prisões eram lugares da “inocência
as
condições
Azevedo
considerou
dos
o
sentido, devemos entender que essas
Encontro ao lado de assassinos, gatunos,
crianças ingênuas, rapazes do comércio,
vendedores de jornais, uma enorme
quantidade de seres [...] trabalhadores e
humildes [...] juntos a ladrões e
assassinos [...] mulheres, homens e
menores dividindo os cubículos [...] é um
antro de perdição e de todas as perdições
e degenerescências. (Azevedo, 1877:
374).
informações prestadas por esses autores
Embora seus relatos não tragam
perdida;
da
mistura
em
assassinos
irreconciliáveis e trabalhadores; seres que
eram
biologicamente
e
socialmente
incuráveis” (Bretas, 2009: 200). Nesse
não
estão
percepções,
isentas
de
preconceitos
interesses,
e
retóricas
próprias do tempo em que viveram.
menção
específica
das
mulheres, essas informações ajudam na
omitidas
Manuel Duarte Moreira de Azevedo
transitaram
(1832-1902)
instituição
as
casos
suspeita de que as mulheres, embora
O escritor, jornalista e advogado
visitou
aos
casas
de
em
alguns
pelos
ao
lado
documentos,
corredores
de
homens
da
e
Correção e Detenção na década de
menores.
1870. No seu livro, o autor demonstra a
um
sua
com
preocupações e os desejos de haver
poder
prisões limpas e seguras e as práticas
aproximação
pessoas
envolvidas
e
amizade
com
o
Esses relatos apontam para
distanciamento
entre
as
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carcerárias.
Embora considerasse a
No dia 03 de setembro de 1905,
instituição um lugar amplo, limpo e
na Gazeta de Notícias, João do Rio
com asseio, relatava que a culpa pela
publicou o que supostamente vira no
desordem era da justiça imperial que,
interior
segundo ele, era lenta e desigual; que os
Correção:
processos não davam conta de tantos
pedidos de Habeas Corpus que as
Pretorias deixavam “dormir em paz [...]
enquanto na indolência dos cubículos,
no contato do crime, rapazes, dias antes
honestos, fazem o mais completo curso
de delitos e infâmias que há na
memória” (Azevedo, 1877: 332). Essas
pistas indicam que o descaso da justiça
contribuía muito para o velho caso de
superlotação das prisões da cidade.
Por
seu
turno,
os
trabalhos
realizados por João Paulo Alberto Coelho
Barreto, “João do Rio”, fez dele uma
“celebridade” em seu próprio tempo e
uma fonte favorita para os historiadores.
Em seus escritos, as prisões foram
perdendo suas “características de lugares
especiais onde havia criaturas especiais e,
em vez disso, se tornam parte da cidade“
(Bretas, 2009: 223). Segundo João do
Rio, as casas de Detenção e Correção da
das
casas
de
Detenção
e
O chão de pedra estava cheio de lama. A
água suja escorria da soleira da sala em
dois grossos fios e as mulheres, de saias
arregaçadas, com pulos estranhos, davam
gritinhos estridentes. Um cheiro especial,
esquisito, pairava naquela galeria batida
de sol, em que os metais reluziam [...] há
falta de lugares; a promiscuidade é
ignóbil
nesses
compartimentos
transformados em cubículos. A maioria
das mulheres, mulatas ou negras, fúfias
da última classe, são reincidentes,
alcoólicas e desordeiras [...] há caras
vivas de mulatinhas com olhos
libidinosos de macacos, há olhos
amortecidos de bode em faces balofas de
aguardente, há perfis esqueléticos de
antigas belezas de calçada, sorrisos
estúpidos navalhando bocas desdentadas,
rostos brancos de medo, beiços trêmulos;
e no meio dessa caricatura do abismo, as
cabeças oleosas das negras, os narizes
chatos, as carapinhas imundas das negras
alcoólicas. Alguns desses entes [...]
perdidas no jardim do crime. Essas
mulheres estão na detenção por coisas
fúteis; coisas que cometem diariamente.
São moradoras dos morros, ruelas
próximas, becos [...] Maria estava há
cinco naquela vida de horror; assim
como Carmem da Rua Morais e Vale; e
assim a Carmelina, com uma navalhada
na face, vibrada pela rival enquanto
dormia; e assim a velha Rosa Maria à
espera da liberdade apenas para
continuar fadada a voltar para a prisão.
Todas estão tatuadas, tatuadas nos seios,
ombros, tatuadas nos braços, pernas,
ventre [...]. (Rio, 2008:228).
Corte eram uma espécie de “hospedaria
A despeito do seu lugar de fala,
da infâmia [...] onde poderiam ser
jornalista, cronista e interessado em
encontradas até 19 pessoas dividindo a
ingressar na Academia Brasileira de
mesma cela” (Rio, 2008: 225).
Letras, feito realizado no ano de 1910, e
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seus preconceitos ao se referirem a essas
contar um pouco mais a respeito desse
criaturas, o autor parecia demonstrar que
intercâmbio entre homens, mulheres e
essas mulheres mereciam estar ali. Vidas
menores no interior dessas isntituições
infames e doentes, que precisavam da
prisionais.
prisão como um lugar de cura. O seu
Em função do estado físico da
lugar de fala parece demonstrar certo
documentação houve a possibilidade de
repúdio e preconceituoso a respeito das
computar a presença de setecentas e
detentas.
cinquenta pessoas,
36
em duzentas e
Outra forma de atestar a presença
cinquenta páginas. Cada página há
feminina nas cadeias da cidade era
espaços para anotações de três pessoas,
através dos registros dos presos. Nesse
onde podem ser observadas informações,
quesito, o que chega até nós são os Livros
como
de Matrículas de Detentas da Casa de
naturalidade,
Detenção da Corte34. A análise nos livros
instrução; filiação, ocupação, motivo da
de Matrículas de Detentas e Menores de
prisão, trajes, condição civil, como e por
21 anos da Casa de Detenção do Rio de
quem foi conduzida à prisão; sinais
Janeiro, 1889-1890, 35 contribuem para
característicos
unhas,
34
O sistema de composição de um saber sobre os
detentos da Casa de Detenção estava prescrito no
seu Regulamento, que determinava a confecção
de cinco tipos de livros: Entrada e Saída (para
homens, mulheres e escravos separadamente);
Óbitos; Inventário; Conta Corrente dos presos
sustentados pelo Estado e de Índice Alfabético. O
primeiro registrava dados dos detentos, como
nome, idade, sexo, estado civil, moradia, filiação,
profissão,
nacionalidade,
naturalidade,
vestimenta, data e motivo da prisão; se sabia ler e
escrever; sinais característicos visíveis (cor,
cabelo, bigode, barba, olhos, nariz, boca,
sobrancelhas e pele); quem e como foi conduzido
à prisão; entrada e saída da enfermaria e se usou
medicamentos; sinais adquiridos na prisão e dia
da soltura. Os dados mudavam conforme o tempo
e a condição do preso (Coleção de Leis do
Império do Brasil, 1856: 302-303).
35
A opção pelo período está imbricada com o
interesse do próprio pesquisador em perceber a
presença feminina nessa instituição prisional
durante os meses finais do regime imperial.
nome,
idade,
estado
nacionalidade,
civil,
(cor,
sobrancelhas,
grau
olhos,
altura,
de
cabelos,
rosto,
orelhas); marcas adquiridas na prisão;
entrada e saída da enfermaria; data
entrada e saída.
As
ocupações
identificadas
referem-se às cozinheiras, amas de
leite,
vendedoras,
lavadeiras
e
costureiras. A maioria foi arrolada
como analfabeta, brasileira, nascida no
Rio de Janeiro, moradora das áreas
Entretanto, esse período está sendo estendido para
o tempo proposto pela pesquisa.
36
Em outros casos, pode-se chegar a um total de
hum mil e duzentas detentas registradas.
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centrais da cidade e idade entre treze e
quantitativas, pois permite acompanhar
noventa anos de idade.
algumas informações sistemáticas sobre o
viam
A despeito do que os escrivães
grande número de variáveis ao longo do
ou
tempo” (Chalhoub, 2012: 229).
ouviam,
esses
registros
Nesse
apresentam algumas evidências do que
livro, as lacunas estão relacionadas aos
os discursos penitenciários valorizavam
inúmeros
em termos da estruturação e controle do
preenchidos. Há casos em que não se
crime.
consegue
Informações de quinhentas e dez
pessoas, em cento e setenta páginas,
campos
que
saber
a
não
foram
naturalidade,
nacionalidade, filiação, sinais no corpo e
ocupação das mulheres.
foram observadas. Duzentas e oitenta e
Para além de dados quantitativos,
três mulheres. Embora várias tivessem
a
sido
furto,
“reconhecimento” dos criminosos da
de
cidade. A polícia tinha à sua disposição
assassinato, cerca de sessenta e cinco por
um conhecimento formal das pessoas que
cento das encarceradas incorreram em
seriam perigosas à ordem. Marcado em
delitos previstos nos Artigos 295 e 296
“seu corpo, o liberto está sujeito pela sua
do Código Criminal do Império, que
situação penal à vigilância penal” (Perrot,
previa prisão com trabalho, entre oito a
2000: 65). A utilização de apelido e de
vinte e quatro dias, para todas as pessoas
vários nomes poderia denotar a intenção
que não tivessem ocupação certa ou
do detento ou detenta em não ser um
renda para se sustentarem. Dessa forma,
“personagem
boa parte dessas mulheres foi presa por
(Chazkel, 2009:31).
vadiagem,
embriaguês,
autora, ser um conhecido da polícia era
prática de atos imorais, gritarias e
uma forma não oficial, mas reconhecida
desacato à autoridade. Uma associação
da
entre crime e ociosidade.
dispositivos encontrados nos rituais de
presas
estelionato,
por
roubo
assassinato,
e
tentativa
ociosidade,
Apesar de algumas lacunas, os
Livros
de
Matrículas
da
Casa
de
Detenção se constituem em uma “série
documentação
contribuía
conhecido
criminalidade.
para
da
o
polícia”
Segundo essa
Através
dos
classificação e identificação dos detentos
e
das
informações
depositadas
nos
diferentes livros, por exemplo, a polícia
documental condizente com análises
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dispunha de um suposto conhecimento
poderiam
dos considerados perigosos à ordem.
estigmatizadas
Para reagir a esses mecanismos
controladores, e produtores de saber,
ajudá-las
a
não
como
serem
criminosas
conhecidas.
Outras mulheres adulterassem a
muitos se utilizavam de subterfúgios
condição
como o uso de apelidos, alteração e a
Conceição
troca do próprio nome com outro detento.
cozinheira, solteira foi presa no dia 10 de
Para Goffman (1999), ao receber uma
dezembro de 1879 por prática de “atos
marca prisional, o indivíduo perde o
imorais” 38 e “suspeita de ser escrava
direito de ser um elemento confiável na
fugida”. Faustina Luiza do “Espirito
sociedade civil.
Nesse microcosmo
Santo”, 42 anos, cozinheira, boca regular,
prisional, usar um nome de “guerra”, um
cabelos carapinhas, 1,51cm, sem moradia
cognome, representava a oportunidade de
certa, presa no dia 20 de dezembro de
não ser um suposto “conhecido” da
1879 por “suspeita de ser escrava
polícia. A partir da documentação pode-
fugida”. Delphina Thereza roza ou
se perceber que muitas mulheres usaram
“Rozalva”, 28 anos, lavadeira, rosto
cognomes,
“Jucélia,
como
civil.
ou
Thomazia
Nora
Rosa
da
Conceição,
vulgo
cumprido, cor fula, trajava vestido de
muringa”, que foi presa por vadiagem em
chita e chalé de lã, 1,50 cm, presa em 20
abril de 1879 e solta vinte e cinco dias
depois; “Thereza da Conceição vulgo
zezinha”,
presa
por
embriaguês
e
desordem pública em abril de 1879 e
solta dez dias depois; “Zezinha ou
fulaninha” presa por tentativa de furto em
maio de 1879 e condenada a oito meses
de prisão. (Livro de Matrículas de
Detentos Livres e Libertos, 1879: 1
passim).
37
37
Subterfúgios que, a priori,
A escrituração do sistema jurídico deve,
portanto, ser problematizado, seja isso que
registra, seja nas suas lacunas. Alguns outros
exemplos reforçam as polêmicas e limites desta
documentação.
38
As pessoas eram presas por cometerem “atos
impuros”. O que seriam esses atos? Nos
dicionários da época, encontramos significados,
tais como não puro; manchado de culpa; não
inocente; atos criminosos; quem não está puro;
que tem mistura; que não está inocente;
manchado de crime; torpe; obsceno (Bluteau,
1789; Pinto, 1832). Por seu turno, o Código
Criminal do Império (1830: parte VI, arts. 278 e
279) criminalizava quem ofendesse a moral
pública em papéis impressos, gravuras, pinturas e
litografias. A pena de prisão variava entre dois e
seis meses, além do confisco desse material. Pena
de prisão também para quem praticasse, em local
público, qualquer ação considerada pela opinião
pública como ofensiva à moral e os bons
costumes. A pena de prisão poderia chegar a
quarenta dias.
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de dezembro de 1879 também por
fugirem do alistamento militar, muitos
suspeita de ser escrava fugida.
homens livres foram inscritos nos livros
O que havia em comum entre as
destinados aos cativos. Muitas escravas,
três? A condição civil. Foram presas por
fugindo do estigma da escravidão, foram
desconfiança
arroladas em livros destinados para
de
serem
“escravas
fugidas”. No entanto, esse livro fora
destinado para pessoas livres e libertas e
não para escravas.
pessoas livres.
Este seria uma das respostas
possíveis para o fato de Faustina,
Segundo Chalhoub (2012: 230-
Thomazia e Delphina terem sido inscritas
231), durante o século XIX, a polícia do
nos livros de pessoas livres. Nesse
Rio de Janeiro prendia pessoas de cor sob
sentido, o escrivão talvez estivesse
“dupla suspeição: de que fossem escravas
envolvido
e de que estivessem fugidas”. Este fato
específico do complexo penitenciário da
parece demonstrar que havia falhas
Corte havia relações obscuras entre os
graves nas informações prestadas pelos
guardas e presos. No ano de 1888, por
escrivães porque nem sempre o escravo
exemplo, o diretor foi substituído pelo
era
a
oficial de polícia, que era o comandante
“escravos”. O mesmo acontecia com os
da força da guarnição, por ter sido
livros destinados às pessoas consideradas
acusado de convivência nas relações
livres, pois muitos fugidos ou suspeitos
entre seus comandados e os presos do
de fuga foram arrolados nesses livros. Em
complexo. Todos os guardas sob o seu
outro
comando
inscrito
sentido,
no
livro
pessoas
destinado
detidas
por
nessa
foram
trama.
No
dispensados
caso
sob
a
vadiagem foram encontradas em livros
acusação de estarem “negociando com os
destinados a escravos. Criou-se, dessa
detentos [...] e haverem auxiliado uma
forma, uma contradição, pois uma pessoa
tentativa
livre não poderia ser presa por estar
Ministério da Justiça, 1888: 56). Essa
“fugida”; em contrapartida, o escravo não
preocupação tinha fundamento, pois um
poderia ser preso por vadiagem, já que a
preso havia fugido dentro de um baú feito
condição de escravo vinculava a pessoa
de folhas de flandres. De acordo com o
de imediato à ideia de trabalho sob
chefe de polícia da Corte, como a
domínio de determinado senhor. Para
segurança era realizada por policiais
de
evasão”
(Relatório
do
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militares
nomeados
pelo
diretor,
Com
relação
à
criminalidade
certamente houve conivências e excessos
feminina, Candido Mendes reconhecia
entre todos. Dessa forma, a partir desses
que a situação era preocupante, pois as
apontamentos, devemos suspeitar das
mulheres se encontravam abandonadas
relações
escrivães,
nas prisões. Como exemplos, indicou a
guardas, diretoria. Algo que mereceria
Casa de Detenção do Distrito Federal,
investigações mais detalhadas.
onde as sentenciadas se misturavam às
entre
Nas
detentas,
primeiras
republicanas,
o
décadas
problema
que haviam cometido pequenos furtos.
das
Segundo esse presidente, uma das
encarceradas prosseguiu como tema de
soluções seria a construção de uma
discurso
A penitenciária
penitenciária agrícola, onde as mulheres
feminina não foi construída. O descuido e
pudessem ser reeducadas com as práticas
descaso
dos trabalhos rurais e agrícolas, como
somente.
continuaram
mesmo
na
República. No ano de 1928, ao apresentar
avicultura,
um trabalho a respeito da criminalidade
pequena lavoura e jardinagem. Visando
das mulheres no Brasil ao ministro da
um resultado econômico satisfatório, ao
Justiça, o então presidente do Conselho
lado dessa instituição, deveria ter uma
Penitenciário, Candido Mendes, advertia
colônia agrícola, dividida em lotes, para
as demais autoridades judiciárias a
onde as presas deveriam ser enviadas
respeito das dificuldades encontradas
após cumprirem a metade da pena. Presas
para
a
promoção
sericultura,
um
cadastro
no regime condicional, as mulheres
nacional.
Os
continuariam trabalhando, da mesma
estabelecimentos prisionais não eram
forma que na prisão, e se beneficiariam
organizados,
às
com os lucros adquiridos pelos esforços
conformidades mínimas exigidas e, dessa
empregados. Para isso teriam o apoio e
forma, impediam a organização do
proteção dos órgãos penitenciários que
cadastro. Diante dessas anomalias e
assegurariam a assistência e aquisição de
impasses,
material
penitenciário
não
o
de
apicultura,
obedeciam
presidente
resolveu
de
trabalho
- ferramentas,
direcionar as suas atenções para as
insumos, plantas, etc. Nesses termos, o
mulheres.
projeto alcançaria êxito, evitando-se, com
isso, o desânimo das condicionais. Por
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fim, entendia que a regeneração das
Nesse mesmo jornal, as notícias
criminosas exigia cuidados. Dessa forma,
do dia treze davam conta da incoerência e
a
incapacidade
sociedade
poderia
se
defender,
existentes
no
regime
“evitando a reincidência das que se
penitenciário do país. Segundo essas
acostumaram com a vida fácil da prisão”
informações,
(Conselho
penitenciárias equipadas, mas faltava
Penitenciário
do
Distrito
Federal, 1928: 13).
o
país
contava
com
uma interlocução entre as instituições,
No mês de março do mesmo ano,
diretores e sistema judicial. A realidade
o editorial do Jornal do Comércio,
do país não correspondia mais ao estado
Gazetinha,
das prisões.
apresentou
várias
considerações a respeito das condições
das prisões do país.
A questão penitenciária no Brasil está
exigindo atenção dos poderes públicos.
Temos algumas penitenciárias com os
elementos reclamados pela ciência
moderna, mas a maior parte de nossas
prisões não corresponde mais ao que é
preciso fazer para corrigir os criminosos
e restituí-los recuperados ao convívio útil
da sociedade. (Jornal do Comércio,
09/03/1928).
Quanto às condições das mulheres
encarceradas, especificamente no Distrito
Federal, a Gazetinha denunciava que as
condenadas não iram para a Casa de
Correção porque ficavam depositavas em
um departamento da Casa de Detenção.
Corroborando com as ideias proposas por
Candido
Mendes,
as
informações
prestadas pelo jornal asseguravam que o
problema do encarceramento feminino
era “um grande problema fácil de
resolver”
(Jornal
do
Caricaturas do abismo: Thereza Cesaria e
Minervina
Na
documentação
arquivista
relacionado ao Judiciário, disponível para
consulta
no
Arquivo
Nacional,
encontram-se inúmeros casos de pedidos
de Habeas Corpus feitos por mulheres
que pediam imediata soltura em função
de se considerarem inocentes. Em vários
momentos,
reclamavam
que
a
morosidade judicial era a principal
responsável pela permanência na prisão,
pois os casos demoravam a ser julgados
ou sequer eram julgados. Solicitavam
também a revisão dos seus casos.
Negavam participação em roubos, furtos
e
assassinatos.
Embora
presas
por
Comércio,
09/03/1928).
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motivos como prostituição ou adultério,
após o depoimento, ela passou à noite na
muitas negaram essas condições.
delegacia, entre três horas da manhã e
O processo de número novecentos
três da tarde, e tendo sido encaminhada,
e sessenta diz respeito à Minervina
na sequência, para a Casa de Detenção.
Correa Pinto, 33 anos, cozinheira e
Como se pode notar, algumas práticas
analfabeta. Consta que na madrugada do
judiciárias
dia vinte sete de janeiro de 1897, foi
teorias e dos seus protocolos gerais.
presa na Rua Princesa Isabel, Rio de
O
distanciavam-se
advogado
de
das
suas
Minervina,
Janeiro, e enviada para a Casa de
Aristides Menezes Lima, insistia em
Detenção sob acusação de ter atirado e
relatar a respeito da “fragilidade da
causado ferimentos no seu companheiro
justiça”
Camilo Lopes. A ré foi incluída nos
Federal, 1897: nº 960).
artigos 13 e 294 do Código Penal dos
somente após doze dias de prisão,
Estados Unidos do Brasil, 1890, que
conseguiu uma audiência com o Juiz de
previa pena de prisão celular, entre doze
Paz a fim de que a sua cliente fosse
e trinta anos de prisão, quando houvesse
ouvida. Além do juiz, um promotor e
tentativa de crime ou para quem matasse
escrivão acompanharam o depoimento da
outra pessoa (Fundo Supremo Tribunal
ré.
Federal, 1897: nº 960).
(Fundo
Supremo
Tribunal
Dessa forma,
Diante desses representantes da
Após o incidente, a ré teria ido
normatização
instituída,
Minervina
espontaneamente à 13ª delegacia da
declarou que atirou porque, embora
cidade
ocorrido.
residisse há mais de três anos com o seu
Seguindo o protocolo burocrático da
companheiro, vinha sofrendo maus tratos,
época, ela foi ouvida pelo delegado,
como pontapés, bofetadas e ofensas
detida e as informações devidas anotadas
morais. Inclusive, foi obrigada a entregar
no livro de ocorrência da delegacia.
o valor do aluguel de outra casa para ele.
Segundo o Código Criminal vigente
Na noite do conflito, Camilo havia
(1890), a pessoa só poderia ficar presa
entrado na casa, aos berros e a maltratou.
caso fosse pega em flagrante delito; o que
Dessa forma, não aquentou a humilhação.
não foi o caso, visto que a ré fora
Apanhou um revólver e disparou duas
espontaneamente à delegacia. Entretanto,
vezes contra ele. Em seguida, disse ter
onde
confessou
o
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corrido para a rua, indo diretamente para
mulher “acuada, cansada de brigar,
a 13ª delegacia a fim se contar o ocorrido
alucinada, com a face quente pelas
ao delegado ou qualquer outro policial.
bofetadas” (Fundo Supremo Tribunal
Minervina declarou, diante desses
Federal, 1897: nº 960). Entretanto, as
fatos, que a sua prisão era injusta, já que
perspectivas lombrosianas parecem ter
havia ido à delegacia após o ocorrido, o
sustentado a tese do advogado quando
que não caracterizava flagrante delito. Ao
atestou que a sua cliente agiu porque
lado disto, nenhum mandado havia sido
também era uma mulher “frágil, cansada
impetrado contra ela e, a despeito desses
e que agiu por amor, paixão, e não por
elementos, foi detida. Foi na Casa de
raiva do companheiro” (Fundo Supremo
Detenção que tomou conhecimento de
Tribunal Federal, 1897: nº 960).
que
o
seu
companheiro
estava
No emaranhado da documentação
hospitalizado. Acrescentou que, alguns
não houve como saber se a ré foi
dias após a sua prisão, Camilo a visitou.
efetivamente condenada. Até onde foi
Nesse encontro constatou que as lesões
possível observar, Minervina permaneceu
não haviam sido graves.
mais de trinta dias detida na Casa de
De acordo com Hilb (2013), em
Detenção sem que o seu caso tivesse sido
determinados momentos, a ação violenta
julgado, o que, contraria a reorganização
pode representar a única reação possível
do saber judicial que determinava a
ante uma situação em que as palavras não
soltura imediata da pessoa caso sua
têm
o
prisão não tivesse sido formalizada.
respectivo juízo da racionalidade dessa
Como visto anteriormente, a ré conseguiu
violência ativa só pode ser, a posteriori,
uma audiência com o juiz porque foi
pela posição de um expectador imparcial,
detida sem mandato judicial; não haviam
que julgará a medida da prudência
apresentado a Nota de Culpa e sequer
daquela reação, bem como as suas
houve uma acusação formal.39
mais
peso.
consequências.
Nesse
sentido,
Para o seu advogado,
Minervina havia atirado para ferir o seu
companheiro,
mas
somente
após
cessarem todas as chances de diálogo. A
atitude da sua cliente teria sido de uma
39
De acordo com a Lei Sayão, 1871, todo preso
deveria ser acompanhado de mandato judicial e
Nota de Culpa. Nenhum carcereiro poderia
receber um preso sem essa documentação. Isso
não aconteceu na prisão de Minervina. Esse
procedimento foi uma tônica durante todo o
período do Brasil oitocentista. Nos processos
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O delegado, que ouviu a primeira
confissão de Minervina, manifestou a
assassinato. Maria foi enquadrada nos
mesmos artigos de Minervina.
Aristides Menezes Lima, advogado de
Segundo o depoimento da vítima,
Minvervina, que a prisão era injusta
Ederaldo Ignacio, lavrador, analfabeto,
mesmo, mas não poderia fazer nada sem
38 anos, ele havia ido ao estabelecimento
que as devidas providências fossem
comercial do marido da ré, Paulo Barreto,
tomadas. Essas “providências” estavam
a fim de cobrar uma dívida relacionada a
relacionadas,
à
algumas galinhas que havia vendido,
morosidade da justiça. Segundo Corrêa
mas, segundo a sua versão, não haviam
(1983: 35,36), “todo inquérito policial,
sido pagas. Ao chegar ao local se deparou
enviado depois para a justiça com
com Paulo à porta do estabelecimento,
relatório final do delegado, incorporando
onde a discussão foi iniciada. Após
fatos e extraindo outros, dá assim uma
alguns minutos, a companheira de Paulo,
primeira feição ao fato acontecido”.
Maria, se intrometeu e tentou finalizar o
Nesse
conflito. Entretanto, como sua tentativa
provavelmente,
sentido,
essa
declaração
do
delegado denotaria o seu distanciamento
fracassara,
das
ordenações
ao
interior
do
e,
por
estabelecimento, retornou com uma arma
interferência
no
e efetuou dois disparos contra o depoente.
processo na medida em que os agentes
Um dos projéteis acertou o seu braço
policiais ordenam e selecionam “quem
esquerdo. Ferido, fugiu do local. Após o
estará presente nos autos [...] e o que
ocorrido, antes mesmos de averiguar o
deve ou não constar como prova nos
ferimento, Ederaldo afirma ter ido direto
autos”.
para a delegacia.
conseguinte,
judiciais
foi
sua
O outro caso aconteceu na região
Findo o depoimento, o delegado
de Valença, Rio de Janeiro. Esse se refere
enviou uma diligência - supostamente,
à Maria Thereza Cesaria, ou Cesalvia, 29
uma carroça guiada por um soldado - até
anos, cozinheira, analfabeta, presa no dia
à casa do casal. Entretanto, ninguém foi
cinco de dezembro de mil oitocentos e
encontrado. Após a notícia ter sido
noventa
divulgada
e
sete
por
tentativa
de
criminais analisados encontram-se inúmeros casos
de pessoas que foram encaminhadas às prisões
sem esses documentos. Cf. Oliveira, 2014.
rapidamente
entre
os
moradores, alguém acabou por divulgar
onde o casal se encontrava.
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Acompanhados pelo advogado da
do
companheiro
ré
conduzido à delegacia por dois policiais.
testemunhado contra Maria. Para essas
Diante do delegado, o casal informou que
“vozes” masculinas, Maria não era
não haviam fugido. Tomando a palavra, o
vítima, coitada, afável, boa mãe e
advogado relatou que a sua cliente não
cuidadora do lar. Antes, afirmaram que
era um foragida, mas sim uma pessoa
ela atirou para matar Ederaldo.
aproxima das representações criadas a
respeito da mulher brasileira oitocentista,
ou seja, “[...] mãe de família, doce,
afável, boa esposa, mulher exemplar e
que era cercada pelos filhos menores”
(Soihet, 1989; Leite, 1984). Perspectivas
que aparecem na defesa da ré: “Maria
agiu por paixão, emoção, calor do
momento [...] amava seu companheiro e
por isso não poderia deixá-lo sozinho na
confusão [...]” (Fundo Supremo Tribunal
Percebe-se que as testemunhas
todas
do
gênero
Antonio
Fernandes,
lavrador, 38 anos, analfabeto alegou que:
[...] estava na porta da venda, e que
houve uma questão forte entre o preto
Ederaldo Ignácio e Paulo Barreto [...]
que Maria foi ao interior da casa e voltou
armada de um revólver. Na intenção de
ferir, apontou contra Ederaldo [...] depois
do disparo, ela voltou e escondeu a arma
entre as vestes. (Fundo Supremo
Tribunal Federal, 1898: nº 1139).
Benjamim Pereira Barbosa, 30
anos, lavrador, analfabeto informou que
estava no lugar, entre quatro e cinco
horas da tarde, quando a ré interveio na
discussão munida de uma “arma de fogo
de pequena dimensão e disparou [...]
Federal, 1898: nº 1139).
eram
terem
Maria Thereza parecia fadada à
condenação.
A tese apresentada pela defesa se
de
a
questionar
na casa de parentes.
motivos
ajudam
ré, Manoel Godofredo, o casal foi
enferma e que estava recebendo cuidados
os
da
masculino,
frequentadores do bar e, por certo,
imbuídos das representações criadas para
as mulheres naquela sociedade. Portanto,
a “voz” da Maria foi mediada por um
conjunto de “vozes” masculinas.
O fato de terem declarado não
depois escondeu a arma entre as vestes”
(Fundo Supremo Tribunal Federal, 1898:
nº1139).
José
Bernardo
Guimarães,
lavrador, 65 anos, alfabetizado afirmou
estar no local e que “[...] não foi dado tiro
para o ar [...] ela atirou na direção do
preto e depois escondeu o revolver no
serem amigos da vítima e muito menos
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vestido”
(Fundo
Supremo
Tribunal
Federal, 1898: nº1139).
eram
casadas
formalmente
como
determinado para as mulheres. Como
Antonio Claudino Oliveira, 38
observado nos depoimentos, os homens
anos lavrador, analfabeto parece ter mais
eram os seus companheiros. Segundo
detalhes sobre o caso. No depoimento,
Fonseca (1997: 517), “muitos casais
declarou que estava no local quando:
dispensavam o casamento legal [...] em
[...] os dois se atracaram. A mulher veio
de casa, com a arma na mão, não sei se
era garrucha ou revolver, apontou para
Ederaldo e atirou. O tiro acertou o braço,
mas não matou. Só não pegou porque
Paulo Barreto bateu na mão dela. E ela
escondeu a arma entre as pernas. (Fundo
Supremo Tribunal Federal, 1898:
nº1139).
Por
fim,
Antonio
Fernandes
Bahia, lavrador esclarece que esteve no
lugar, entre quatro e cinco horas da tarde,
e que Thereza estava sentada na porta do
comércio quando começou a confusão.
Correu para dentro, apanhou uma pistola
certos contextos, menos da metade da
população adulta passava diante do padre
para formalizar sua união conjugal [...]”.
Por seu turno, ao analisar processos
criminais da cidade de Franca, São Paulo,
entre o final do Império e as primeiras
décadas da República, Caleiro (2002)
observou que algumas mulheres, presas
por vadiagem ou embriaguês, não eram
casadas. Para a autora, esse fato poderia
denotar um preconceito, pois a presença
masculina em casa significava símbolo de
“[...] e apontou e disparou contra o negro
estabilização social. Por seu turno, outras
Ederaldo” (Fundo Supremo Tribunal
mulheres que informaram trabalharem
nos serviços da casa não eram presas por
Federal, 1898: nº 1139).
A última notícia encontrada sobre
o caso foi a de que no dia vinte e seis de
novembro de mil oitocentos e noventa e
oito, a ré foi declarada culpada e
sentenciada, não tendo sido possível
identificar os termos da sentença, o tipo e
perceber
havia sinais claros de embriaguês. A
mulher circunscrita no âmbito privado do
lar dificilmente seria qualificada como
vadia ou ébria. Os delitos circunscritos à
esfera criminal, via de regra, ficavam
invisibilizados,
duração da pena.
Esses
esses mesmos motivos, mesmo quando
dois
também
casos
o
ajudam
modus
a
vivendi
resistente dessas duas mulheres. Elas não
pois
alguns
não
se
chocavam com as estruturas formais do
poder jurídico-policial, como nos dois
casos arrolados.
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A
estatísticas
nenhuma providência ter sido tomanda no
criminais, no início do século XX,
sentido de construir um lugar especial
estudiosos brasileiros questionavam a
para as encarceradas. Por que não se
assertiva de que as mulheres eram menos
construiu um presídio feminino no século
propensas às ações criminosas do que os
XIX? Por que o primeiro só foi
homens. Afrânio Peixoto (1933) afirmava
inaugurado em 1942?
que
despeito
existiam
das
crimes
próprios
das
No
período
proposto,
relativa
ao
a
mulheres, tais quais os infanticídios,
domentação
abortos e envenenamentos, que ficaram
prisional,
sempre impunes por serem ignorados ou
exclusivamente pelo “mundo” masculino,
desconhecidos. Esse autor ressaltou que
parece
as mulheres, mais presentes na esfera
femininas.
doméstica, acabavam praticando crimes
apresente a participação de mulheres na
que quase nunca eram detectados. Apesar
vida para além dos espaços privados da
de tentativas de estudar a mulher
casa, isso se torna ainda complexo
criminosa, o grande foco dos estudos
quando direcionamos as lentes para os
criminológicos incide sobre o homem,
espaços prisionais. Ainda há muitoo que
deixando a mulher como uma exceção à
se
personalidade voltada para o delito.
escancarceradas, em momentos diferentes
produzida
tentar
quase
camuflar
Embora
pesquisar
movimento
a
a
as
que
“vozes”
historiografia
respeito
das
da história.
Considerações finais
Os casos apresentados são apenas
uma ínfima parcela dos casos em que as
Essas
“considerações
finais”
terão um caráter muito mais interrogativo
do que explicativo. Como observado, até
o
momento,
denunciam
as
diversos
condições
documentos
precárias
vivenciadas pelas mulheres no interior
das
também
instalações
prisionais
deficientes da cidade do Rio de Janeiro.
Entretanto, o que mais intriga é o fato de
mulheres
participaram
do
mundo
criminal-prisional da cidade. Os casos de
Minervina e Thereza Cesaria corroboram
com a ideia de que as mulheres também
cometiam delitos, eram submetidas aos
entraves burocráticos judiciais e presas
em alguma prisão da cidade. O que cabe
apreender é analisar as formas com que
essas instituições prisionais tratavam os
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corpos dessas encarceradas. No caso da
pesquisa em desenvolvimento, procuro
entender como esse procedimento se dava
no interior do complexo penitenciário do
Rio de Janeiro imperial.
Por
fim,
essa
documentação
narra uma intriga que choca por sua
longevidade e atualidade.
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REVISTA HISTÓRIA / ISSN 1983-0831 - 69
Aspectos teóricos y la
sensibilidad social
en el infanticídio
El caso de maría soledad rojas (MéridaVenezuela, 1845)
civilizada. Al mismo tiempo, los estudios
sobre honra femenina y honra sexual
también
han
explorados,
sido
al
ampliamente
punto
de
dejar
significativas contribuciones sobre cómo
se ejerció un tipo de violencia hacia la
mujer, con estudios de crímenes sexuales
como el adulterio, la violencia conyugal y
el estupro donde se deja claro la
Jhoana Gregoria Prada Merchán
trascendencia de la noción de honor en
relación a la sexualidad femenina en los
Introducción
L
espacios
destacándose
a relación entre el estudio de la
violencia y el honor ha sido
ampliamente estudiada tanto en
Europa
como
en
América
republicano,
fundamentalmente
desde
haciéndose
la
óptica
masculina del honor, es decir, de la
identificación de la valentía, el coraje y la
defensa de los valores morales y sexuales
como símbolo de honra varonil. En este
sentido, los estudios sobre injurias, riñas
y duelos han dado importantes aportes a
la historiografía internacional, al mostrar
un tipo de violencia que llegó a
ampararse y respetarse en la ley e incluso
a ritualizarse como un tipo de violencia
sobre
y
todo
privado
y
cómo
la
desviación de los cánones impuestos
buscaba
algún
tipo
de
reparación,
llegando incluso a la justicia.
Sin embargo, ante la eminente
Latina,
especialmente durante el período colonial
y
públicos
riqueza de estos trabajos, existe algún
tipo de vacío en cuanto al estudio de la
violencia ejercida por las mujeres, en
donde no se entienda a la mujer como
víctima, sino como protagonista que
ejerce
la
violencia.
Ciertas
investigaciones han acompañado esta
perspectiva, por ejemplo, aquellas que
denotan diversos crímenes cometidos por
mujeres que llegaban a la prisión y eran
juzgadas por delitos como la embriaguez,
prostitución, homicidio y vagancia. Por
su parte, el infanticidio, es en todo caso
un tipo de crimen que demuestra
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claramente un tipo de violencia femenina
consiste en verificar sí el discurso
especial;
actúa
iluminista de mediados del siglo XVIII
violentamente contra su propio hijo para
donde se comienzan a tipificar los delitos
salvaguardarse de otro tipo de violencia:
en función de su móvil, es decir, el
la discriminación social y la ilegitimidad.
infanticidio honoris causa tuvo algún tipo
Justamente, el análisis de casos de
de influencia en las prerrogativas de las
infanticidio puede ser extremamente
autoridades de la Mérida de mediados del
valioso para el estudio de este tipo de
siglo XIX.
donde
la
madre
situaciones en donde se envuelve la
conexión violencia-honra e ilegitimidad.
A partir de la observación de procesos
criminales en donde se juzgan a las
infanticidas,
se
puede
lograr
una
aproximación al entendimiento de la
I parte: Aspectos teóricos y sensibilidad
social en el infanticidio
Infanticidio: un crimen violento
mecánica surgida cuando la violencia es
El infanticidio es un tipo de
la única alternativa que encuentra una
madre soltera para evitar el rechazo
social. Con una exploración de las
perspectivas histórica-social e históricajurídica, ciertas piezas del rompecabezas
de una contravención tan contradictoria
pueden
dar
respuestas
bastante
crimen que ha motivado repulsión en la
mayoría de las sociedades debido a esa
especial condición
donde la madre
fecundada de forma ilegítima da muerte
al fruto de su ser. Tratándose de un niño,
recién nacido o de pocos días de vida, un
ser que no puede defenderse, y que sea la
racionales.
Este trabajo, tiene por lo tanto, la
finalidad de realizar un vínculo entre la
sensibilidad social ante el infanticidio y
la aplicación de esos criterios en los
juzgados. Se estudiará, precisamente un
caso bastante interesante que revela la
forma de castigo en el infanticidio en
Mérida-Venezuela para 1845. La idea,
madre
quien
lo
asesine
de
forma
premeditada y con intensión, hace que la
sensibilidad de las personas se ponga a
flor de piel. Por lo tanto, el infanticidio se
define como la muerte causada con
violencia 40 a un niño, sobre todo sí es
40
Atiéndase a los diversos significados jurídicos
que Guillermo CABANELLAS otorga a la
palabra violencia: Ejecución forzosa de algo, con
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recién nacido o está próximo a nacer. La
En este sentido, Octavio González
muerte debe ser ocasionada de forma
Roura en el año 1925 expresa que debe
especial al mismo, particularmente por la
tipificarse como infanticídio:
A la muerte del feto o recién nacido,
efectuada por la madre o cierto parientes
con el objeto de ocultar la deshonra de la
primera […] tres son pues, las
condiciones específicas de esta figura de
delito contra la vida; a saber: el tiempo,
el móvil, la calidad de las personas.
Material el primero y moral los últimos
[…] lo mismo puede acontecer
infanticidio por acción y por omisión,
como si se omitiere de propósito adoptar
las diligencias necesarias para que viva
el recién nacido [...]. (García y Basile,
1990: 36).
madre o los ascendentes maternos para
ocultar la deshonra. (Goldstein, 1978:
426). El infanticidio consiste en ultimar a
una criatura; acción que es cometida,
durante el nacimiento o bajo la influencia
del estado puerperal41.
independencia de su legalidad o ilicitud/ Presión
moral/ Fuerza/ Todo acto contra justicia y razón/
Proceder contra normalidad y naturaleza.
(Cabanellas, 2006: 940).
41
El puerperio se define como “[…] el período
que se inicia después del alumbramiento, y se
extiende hasta el momento en el cual el
organismo recobra nuevamente su aptitud para
concebir. Constituye para la mujer una etapa de
convalecencia, durante la cual, por una parte,
desaparecen todas las modificaciones gravídicas,
y se instala una nueva función: la lactancia. El
límite clínico del puerperio por lo general es la
reaparición de la menstruación, y cuando esta no
aparece, se fija el límite entre 40 ó 50 días.
Igualmente el puerperio se subdivide en tres
etapas: 1. puerperio mediato, que empieza
después del alumbramiento, y dura 24 horas; 2.
puerperio propiamente dicho, o primera
convalecencia, que comprende la primera semana;
y 3. puerperio alejado, o segunda convalecencia
del puerperio, que se extiende hasta la reaparición
menstrual o hasta los 40 ó 50 días.” (Fébres,
1962, p. 110). Sin embargo, la influencia del
estado puerperal ha dado lugar a polémicas en lo
que a su determinación temporal se refiere y al
criterio que debe adoptarse en cuanto a los
trastornos que constituyen sus secuelas, dos
perspectivas discrepan al respecto; el fisiológico
que considera el conjunto de trastornos o
anomalías físicas y morales que generan el
embarazo y el parto; y el psicológico que solo
toma en cuenta los motivos que pueden impulsar
a la madre a cometer el delito. (Goldstein, 1978:
426 – 427).
El infanticidio es un tipo de delito
que tiene características particulares,
entre ellas es necesario que la criatura
haya nacido viva, o sea, que haya
respirado fuera del vientre materno. Para
confirmar tal hecho, se recurre a la
técnica
de
la
docimasia
pulmonar
hidrostática, mediante la cual se extraen
los pulmones de la criatura muerta y se
sumergen en agua; sí ha respirado, ellos
flotan, es decir que nació vivo, por el
contrario, sí se hunden, significa que
absorbieron oxígeno y, por lo tanto, se
considera que la criatura no había nacido.
(Cabanellas, 2003: 376).
Al mismo tiempo, el infanticidio
se tipifica por un móvil primordial que es
el honor o honoris causa. El móvil del
ocultamiento del honor (por Honoris
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Causa) transforma el filicidio (homicidio
Europa y América Latina- al castigar el
calificado) en infanticidio, por lo que éste
infanticidio se inspiran en un criterio
debe suponer que la infanticida se haya
rigorista
tenido por honrada en su vida anterior, y
correspondientes al asesinato, cuando el
así se excluye de esta consideración a la
infanticidio lo comete un extraño, y al
mujer que la tiene por perdida; es decir,
parricidio-filicidio cuando lo ejecuta el
que sí ella se reconoce como deshonesta
padre o cualquier otro ascendente. Tal
o impúdica y ha hecho de su embarazo y
principio general, tiene, no obstante una
posterior parto algo público, ya no tiene
excepción que se refiere al caso de la
por qué guardar las apariencias ante una
muerte de un recién nacido dada por la
situación
y
madre que trata de ocultar su deshonra, o
conocimiento de los demás. Igualmente,
por los parientes cercanos, con la misma
se debe tomar en cuenta que el honor es
intensión. Precisamente, el infanticidio es
una excusa como atenuación ante la ley.
un homicidio castigado con pena menos
La vergüenza social que conlleva la
severa en razón a su móvil. Podría
ilegitimidad, donde el cristianismo ha
estimarse como un homicidio atenuado
impuesto una alta valoración a la
penalmente, no por la causa, sino tal vez
procreación, el embarazo, el parto y la
por la emoción violenta que puede
existencia del niño en esas condiciones,
derivarse del hecho de encontrarse la
son esas las que lesionan el aspecto
madre obsesionada por haber dado a luz
externo de la reputación de la mujer y su
un hijo en determinadas circunstancias
consideración social.
(Cabanellas, 2003: 377).
que
es
de
dominio
señalando
las
penas
En consecuencia, el infanticidio
De manera que el infanticidio
es un delito, un homicidio, el asesinato de
constituye indudablemente un tipo de
un niño o niña, porque es la muerte
crimen violento que se tipifica así
violenta que se da a una criatura,
precisamente
ejecutada voluntariamente, en la que
especiales que concurren en él: la madre,
concurre siempre la circunstancia de
su hijo recién nacido y la necesidad de
alevosía. Por eso, las leyes penales desde
salvaguardar la honra. A la par, existen
finales del siglo XIX –con la creación de
otros principios que hacen percibir este
Códigos
Penales,
especialmente
por
los
elementos
en
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delito como especialmente cruel: la
sobre los impulsos. Pero, ¿qué significa
sensibilidad, el honor y la ilegitimidad.
una sociedad civilizada? ¿Tal vez aquella
que ha podido controlar y disciplinar la
Sensibilidad: una construcción social
violencia? y ¿cómo y a través de qué
medios lo hace?
Para Elías, la pregunta sería
La sensibilidad social refiere en
gran medida a los aspectos culturalespsíquicos que determinada sociedad tiene
para aceptar de forma más permisiva o no
la violencia y la manera en cómo debe ser
castigada. David Garland (1999: 195196) en su trabajo Castigo y Sociedad
Moderna explica claramente cómo la
evolución del castigo no puede ser
interpretada
concretamente
perspectiva
foucaultiana,
desde
es
la
decir,
entender el castigo como mero ejercicio
del poder o de forma solamente racional.
(Foucault, 2008). Por ejemplo, Norbert
Elías (1994: 141-152) en su proceso de
civilización,
manifiesta
sociedades
van
que
las
evolucionado
culturalmente hasta llegar a un estado de
civilización,
lo
que
significa,
una
transformación de la conducta humana.
¿cómo se puede vivir tan pacíficamente?
(ELÍAS, 1994: 141-152), en un mundo,
donde tal vez la violencia sea innata a la
naturaleza humana, ¿por qué hay tanta
resistencia
transformado la conducta y las emociones
de los pueblos occidentales desde la Edad
vivir
bajo
un
canon
civilizador?, ¿cómo y por qué se ejerce y
se controla la violencia? La pacificación
de la violencia se ha institucionalizado a
través de una invención humana, donde
ésta puede ser ejercida y controlada a
través de ciertos medios considerados
legítimos, como la policía, por ejemplo.
Eso significa un arma de doble filo
porque esa pacificación llega al interior
de
cada
individuo
condicionando
su
moviendo
estructura
y
interna,
encasillándolo a ciertos códigos, valores
y actitudes, características únicas para
cada sociedad.
En este sentido, es indudable que
De acuerdo con este autor, ese proceso
refiere a cambios prolongados que han
a
los rasgos culturales y la sensibilidad
influyen de forma directa y decisiva en la
manera de castigar42 y ejercer el derecho
Media hasta el presente. Es decir, una
42
refinación de las costumbres y un control
Para nociones y experiencias de castigos y
formas de punición modernas en América Latina
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penal. La noción de justicia, por ejemplo,
social tuvo mucho que ver con el impulso
en la época moderna es más o menos
de llevar la violencia a espacios privados
permisiva con los tipos de castigos que
o institucionalizados donde se ejercía de
son tolerables o no. (Garland, 1999: 195-
una manera más discreta y segura, lo cual
196). Como explica Garland, en cuanto a
no significa que ésta disminuyera o que
la construcción social de la sensibilidad;
desapareciera, sino que funcionó como
el organismo humano no se encuentra
una forma de controlarla y vigilarla.
completamente vacío para recibir todos
En
consecuencia,
siendo
el
los elementos culturales, por lo tanto, las
infanticidio un tipo de crimen violento,
motivaciones
se
experimentó diversas fases de percepción
desarrollan de forma desigual y se
y sensibilidad, donde la única intensión
adecuan a las distintas formas de
era justificar cómo y porqué se debía
socialización, así que, se puede pensar
castigar. Es lógico, entonces, que la
que la naturaleza humana no es una
sensibilidad
disposición universal, sino la consecución
infanticidio fuese entendido y penalizado
histórica de cómo la cultura interviene en
de forma distinta de acuerdo al contexto,
la naturaleza. (Garland, 1999: 249).
espacio y al tiempo. En función de esto,
y
las
emociones
Precisamente, los individuos se
social
hizo
que
el
varios teóricos han creado una especie de
domestican y se ajustan para mantener
clasificación
divida
por
períodos
convencionalismos sociales que con el
históricos para comprender cómo ha sido
tiempo suelen ser más demandantes,
la evolución penal de este delito. Para el
exigiendo más o menos tolerancia o más
jurista argentino Irureta Goyena existen
o menos sensibilidad. Una muestra de
cuatro fases:
ello lo representa la exhibición de la
La primera etapa, a la que el autor
violencia en espacios abiertos, que
denomina de Impunidad se caracterizó
funcionó durante mucho tiempo como
precisamente por una indiferencia ante el
una demostración ejemplarizante del
infanticidio,
castigo. Poco a poco, la sensibilidad
primitivos este delito fue admitido de
pues
para
los
pueblos
forma normal y no se aplicaba pena
véase los interesantes trabajos de Aguirre, 2002;
Durham, 2005; Fessler, 2012; Caimari In. Gayol y
Kessler, 2002; Salvatore In. Aguirre y Gilbert,
2005.
alguna;
las
económicas,
razones
culturales
podían
o
ser
militares.
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(Mendoza,
1948:
143-144).
Beccaria (1754) concebía la pena en su
Posteriormente, siguió un periodo de
sentido utilitario, es decir, como un bien
Rigorismo
castigó
social. Para él, el infanticidio era un tipo
severamente este crimen. Después, un
de delito donde la pena debía ser impune
período
de
y se justificaba por la benevolencia que
Asimilación donde muchas legislaciones
despertaba la madre desesperada ante una
equipararon el infanticidio al homicidio
situación de vergüenza era impulsada a
voluntario simple, separando de este
eliminar al fruto de alguna debilidad o
modo el infanticidio del parricidio y
violencia. Para éste autor era preferible la
finalmente, un período de Benignidad
muerte material de un ser que era incapaz
Penal, donde la madre ilegítima merece
de sentir su vida a la muerte moral de la
protección, por lo que el infanticidio se
infamia que rodearía a la mujer. (Stampa,
consideró
como
1953: 50).
privilegiado
o
Penal
donde
denominado
sosteniéndose
provenientes
homicidio
menos
atenuado,
En este mismo orden de ideas,
diversos
criterios
Bentham pensaba que la gravedad de los
de
delitos debía medirse en función del daño
algunos pensadores seguidores de la
que le hacían a la sociedad. Este autor
filosofía iluminista de mediados del siglo
consideraba
XVIII.
causaba mal en primer grado, es decir, a
Para
de
Sistema
un
al
en
se
las
estos
discusiones
infanticidio
no
la víctima, ya que era imposible causarle
necesario determinar cuál era la sanción
daño a una persona que ha dejado de
más adecuada y eficaz para punir el
existir antes de conocer su propia
infanticidio, por esta razón, intervinieron
existencia,
en su consolidación dos órdenes de
alarma, ya que las únicas personas
consideraciones;
humanitaria
susceptibles a su pérdida lo habrían
comprensión de la aturdida conducta de
consentido o consumado. (Stampa, 1953:
la madre, que asesina a su hijo para
51-52). Sin embargo, contrariamente a
salvaguardar su honra; y la otra utilitaria
Beccaria, Bentham no consideraba la
preocupación de elegir una pena eficiente
impunidad en el infanticidio, porque aún
que lograra reprimir estos impulsos.
estando
(Stampa,
representaba un síntoma de la tendencia
la
49).
se
el
hizo
1953:
teóricos,
que
Precisamente,
tampoco
desprovisto
causa
de
temor
o
maldad
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criminal de quien lo cometió y exponía el
códigos penales de América Latina a lo
carácter de los mismos.
largo del siglo XIX. Estos principios
Para
el
italiano
Romagnosi
humanitarios beneficiaron profundamente
(1791), la cualidad de la pena debía
al
determinarse en consonancia con los
conllevaron a una dulcificación de su
apetitos criminales que se reflejan o
pena, llevándolo a un proceso de
concurren dentro del delito. El aporte de
reconocimiento como delictum exceptum.
este pensador se destaca por haber sido el
Este paso de una vieja a una
primero en separar del impulso criminal
nueva concepción en el infanticidio no se
el móvil del honor; de esta forma, la
realizó de forma drástica, sino que se
infanticida que alegase honor y aunque
ejecutó en dos etapas: la primera, estuvo
este sentimiento fuese más acentuado que
representada por los primeros Códigos
los económicos, por ejemplo, no actuaba
creados a inicios del siglo XIX, donde se
criminalmente, ya que el pudor y la honra
adoptó un criterio intermediario que
que
elementos
intentó ajustar la antigua concepción del
integrantes de su acción, le impedían que
delito con las nuevas ideas, a decir, se
se le otorgase el calificativo de homicida.
continuó tipificando como la muerte de
(Stampa, 1953: 54). Finalmente, el
un recién nacido por cualquier persona,
criminalista y filósofo alemán Feuerbach
es decir, un parricidio, pero con la
(1810) transformó en categorías técnicas
excepción de que cuando fuese la madre
la
infanticidio;
quien lo cometiese por motivos de honor
conceptualizándolo como la muerte del
se atenuaba de forma específica. Ya
hijo recién nacido, ilegítimo y viable
durante la segunda etapa, se establece el
causada por la madre, con previa
concepto vigente hasta hoy donde se
ocultación del embarazo. (Stampa, 1953:
delimita como un delictum exceptum.
son
los
definición
principales
de
56).
infanticidio,
Para
el
podría
caso
decirse
específico
que
de
La influencia de estos filósofos
Venezuela, la legislación procesal se
fue recogida casi sin refutación en la
inició con la República, mientras que la
mayoría de las llamadas legislaciones
reglamentación propiamente penal tardó
modernas de Europa que a su vez
más de setenta años en codificarse. Por lo
influenciaron la creación de los primeros
tanto, siguió aplicándose el derecho
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castellano heredado de la colonia como
contextos históricos, culturales y sociales
las Siete Partidas y las Leyes de la
que le rodean, por lo que resulta
Recopilación de Indias hasta la entrada
impreciso otorgar una definición única y
en vigencia del primer Código Penal y
universal del término. A pesar de ello, se
Código de Procedimiento Criminal bajo
pueden
la dictadura del Gral. José Antonio Páez
coincidencias
(1863) con una validez efímera hasta
determinaciones,
encontrar
entre
por
importantes
unas
y
ejemplo,
otras
el
finalizar la Guerra Federal cuando fueron
derogados por Juan Crisóstomo Falcón
(Rangel y Rodríguez, 1996: 91-93). Este
primer Código Penal toma como base el
Código Penal Español de 1848, siendo
una copia fiel del mismo, en donde se
tipifica al infanticidio como una figura
destacada en razón del
móvil
del
ocultamiento del honor con pena menor a
la del homicidio.
Las dos caras de la moneda: honra e
ilegitimidad
La noción de honor 43 ha variado
en las sociedades de acuerdo a los
43
Algunos trabajos referenciales sobre el honor
tanto en Europa como en América Latina son:
BÜSCHGES, Christian. “Las Leyes del Honor”.
Honor y Estratificación Social en el Distrito de la
Audiencia de Quito (Siglo XVIII). En: Revista de
Indias. Vol. LVII, # 209, 1997. p. 55-83; PITTRIVERS, Julián y J.G. PERISTIANY (eds.).
Honor y Gracia. Editorial Alianza D.L. Madrid,
España. 1993; PELLICER, Luis Felipe. La
Vivencia del Honor en la Provincia de Venezuela
1774-1809. Estudio de Casos. Fundación Polar.
Caracas, Venezuela. 1996; PITT-RIVERS, Julián.
Antropología del Honor o Política de los Sexos:
Ensayos
de
Antropología
Mediterránea.
(Traducción de Carlos Manzano). Editorial
Crítica. Barcelona, España. 1979; RAMÍREZ
MÉNDEZ, Luis A. Amor, Honor y Desamor en la
Mérida Colonial. En: Revista Electrónica Otras
Miradas. Vol. 4, # 2, Diciembre 2004; ____. Los
Amantes Consénsuales en Mérida Colonial. En:
Revista Electrónica Procesos. Revista de
Historia, Arte y Ciencias Sociales. Año I, # I,
Enero 2002; SEED, Patricia. Social Dimension of
Race: México City 1753. En: Hispanic American
Historical Review. Vol. 64, # 4, November, 1982.
p. 600 – 640; ____. Social Dimension of Race:
México City 1753. En: Hispanic American
Historical Review. Vol. 64, # 4, November, 1982.
pp. 600 – 640;____. Amar, Honrar y Obedecer
en el México Colonial. Consejo Nacional para la
cultura y las Artes. México. 1991; TWINAM,
Ann. Honor, Sexualidad e Ilegitimidad en la
Hispanoamérica Colonial. En: Asunción Lavrin:
(Coord.) Sexualidad y Matrimonio en América
Hispánica Siglos XVI – XVIII. México (Colección
los Noventa # 67) Grijalbo, 1991. p. 127 -172;
____. Vidas Públicas, Secretos Privados. Género,
Honor y Sexualidad en la Hispanoamérica
Colonial. Primera Edición. Fondo de Cultura
Económica. (Traducción de Cecilia Inés
Restrepo). Buenos Aires, Argentina. 2009;
PUTMAN, Lara Sarah Chambers and Sueann
Caulfield. Introduction. Transformations in
Honor, Status, Law over Long Nineteenth
Century. En: Honor, Status and Law in Modern
Latin America. Sueann Caulfield, Sarah
Chambers and Lara Putmam (Editoras). Duke
University Press. Durham & London. 2005. p. 123; Ruggiero, Kristin. Not Guilty: Abortion and
Infanticide in Nineteenth-Century Argentina. En:
Reconstructing Criminality in Latin America.
Carlos Aguirre and Robert Buffington. Jaguar
Books on Latin America (Number 19: 149-166)..
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Diccionario de Autoridades en 1726 lo
honor se vio como algo intrínseco de la
define como “[…] honra con esplendor y
persona, de su comportamiento de sí era
publicidad […] se toma muchas veces
bueno o malo según la Ley y en América
por reputación y lustre de alguna familia
fue el signo de una estirpe; es decir, de
[…] significa también la honestidad y
ser o no de una buena familia, no
recato en las mugéres.” (Real Academia
importaban lo que en el interior fuese el
Española, 1990: 173).
individuo,
sí
fuese
malvado,
lo
Por lo tanto el honor forma parte
importante era lo que su condición
de la ética del individuo, quien se
representaba ante los demás. De modo
contempla así mismo a través de los
que se puede afirmar que el honor tenía
demás.
mecanismos
Éste
se
relaciona
con
la
de
represión
social
y
reputación, la respetabilidad o la gloria,
jurídicos diferentes, donde podían operar
valores que se obtiene por medio del
los dos al mismo tiempo, y donde lo
juicio de terceros dentro de los cuales se
fundamental era evitar la censura social,
pretende ejercer una posición superior,
por ello resulta importante enfatizar que
pues se establece una lucha de poder
cuando los vicios privados se hacían
mientras se cuestiona sí los demás son
públicos, se activaban los mecanismos
merecedores de la misma integridad.
del deshonor y en el caso específico del
Precisamente, la pérdida del honor
infanticidio, el crimen sólo se justificaba
constituye un conflicto entre lo privado y
por el honor perdido de la mujer, donde
lo público, en donde la mujer forma parte
cualquier
de lo primero y el hombre de lo segundo.
preservarlo.
El honor pertenece y se maneja en el
dominio
de
lo
privado,
ya
maniobra
servía
para
El centro de tales cuestiones tenía
sea
que ver con el nacimiento de un hijo
internamente en el individuo, de su casa y
ilegítimo, el ser madre no era sinónimo
familia pero se pone en evidencia en lo
de pecado, por el contrario se entendía
público.
que ese hecho honraba a la mujer, pero,
Diversos estudios han demostrado
la concepción de un hijo ilegítimo
una diferencia básica entre la concepción
implicaba mancillar el linaje y con ello se
del honor en Europa y América Latina.
ponía de manifiesto las consecuencias
Justamente, en el Viejo Continente el
sociales, lo que acarreaba la censura a la
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que se veía expuesta tanto la madre como
causar el mayor escándalo, porque en
el futuro hijo ilegítimamente concebido.
última instancia el pecado dependía de la
Precisamente, resulta pertinente aclarar
publicidad con que se ejecutase. La
que todas las clases tomaban como
contradicción que existía entre la letra de
modelo de comportamiento a las élites,
la ley y las conductas infractoras, se
por
ponía
lo
que
buscaban
seguir
sus
en
evidencia
cuando
no
se
expresiones, así, el honor permeó a todos
encubría, disfrazaba u ocultaba; es decir,
los miembros de dichas calidades, claro
cuando la conducta marchaba en contra
está que los mecanismos para defenderlo
del consenso general de la opinión de lo
o recuperarlo eran distintos44, y en el caso
correcto o de la actitud colectiva.
particular de las sociedades coloniales y
(Pellicer, 1996: 125).
decimonónicas de Latinoamérica no se
Equitativamente,
el
honor
puede olvidar el peso que tuvo la Iglesia
femenino, cimentado en el honor sexual,
Católica sustentando que el sexo era
tenía sus criterios primordiales en la
pecado y que un hijo concebido fuera del
virginidad
matrimonio era la representación viviente
mantener toda mujer para considerarse
de la transgresión de la madre.
meritoria de honor, pues sus faltas o
y
la
pureza
que
debía
Por esa razón, el honor dependió
pecados implicaban gran ignominia, no
de las apariencias, de su carácter público
sólo para ella, sino también para su
y por tanto del disimulo u ocultación de
familia. Sí la pérdida de tales valores
su transgresión; los que lo defendían
traía consigo consecuencias, era delicado,
necesitaban reponerlo acudiendo a la
pues tal acto la delataría y dejaría
justicia, que por su parte debió intervenir
entredicho su fama y prestigio. La futura
para restablecer el orden, haciéndolo sin
madre acorralada y desesperada por una
situación tan irregular como lo era un
44
María Alejandra Fernández explica que el
honor atravesó los límites de clase y raza,
señalándose la importancia que tuvo la defensa de
la honra por parte de sectores medios, indígenas y
negros, pues gracias a ello podían adquirir otro
tipo de jerarquías en función del buen nombre y el
respeto. Otra forma de entender esta importancia
es a través de los mecanismos de defensa que
algunos grupos sociales aplicaban para defender
su honor, por ejemplo, recurrir a la justicia en
busca de reparación. (Fernández, 2008: 147-172).
embarazo ilegítimo, estaba en aprietos,
porque la condena social se hacía
inevitable, su estado no se podía ocultar
por mucho tiempo y en caso de que lo
hiciera
debía
valerse
de
múltiples
recursos para lograr su cometido. Pero
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sus apuros no terminan aquí, pues
aproximarse hacia el tipo de violencia
inevitablemente daría a luz a un hijo,
ejercida por las mujeres, no contra las
quien
que
mujeres, evaluar los tipos de crímenes
cometió un pecado amoroso, el problema
donde la mujer es protagonista al
es él ahora, es por ello que a pesar de su
momento de ejercer la violencia. Uno de
instinto
los tipos de delitos donde es posible
la
delataría,
maternal,
testificando
una
madre
por
salvaguardar su honra y evitar castigos y
apreciar
vergüenzas puede llegar a convertirse en
infanticidio, donde la madre fecundada
una criminal.
procede con violencia al asesinar el fruto
La interpretación de la violencia
como
un
acto
de
de la vergüenza que la evidencia.
que destacar en esa conexión entre
esa
violencia, honra e ilegitimidad, es cómo
interpretación podía llegar a ser más o
la interpretación del honor sirvió para
menos aceptable en los diversos grupos
pretender el orden social, moralizar y
sociales. En ciertos casos, la violencia se
modernizar a través de la intervención
interpretó
de
del Estado en asuntos privados como el
honorabilidad y se relacionó bastante con
interés social de la familia y el papel
la actitud masculina que debía estar bien
ejercido por las mujeres, sobre todo en la
provista de coraje y defensa aunque fuese
fundación de las primeras Repúblicas
física, en ese sentido, resulta interesante
Latinoamericanas del siglo XIX. Las
observar
situaciones
mujeres fueron encasilladas en una
violentas pudieron llegar a ritualizarse y
redefinición del modelo de feminidad,
aceptarse legalmente, como el caso de los
entendido ahora como sinónimo de buena
sin
duelos
45
como
cómo
de
casos
las
autoridades,
discurso
los
Otro punto interesante que hay
del
es
son
una
característica
criminal
esto
embargo,
un
ciertas
símbolo
. No obstante, es llamativo
madre-educadora para los hijos de la
República. El hecho más importante que
45
Para un interesante trabajo sobre duelos veáse
los trabajos de CHASTEEN, John Charles.
Violence for Show. Knife Dueling on a
Ninettenth- Century Cattle Fronteir. En: The
Problem of Order in Changing Societies. Enssays
on Crime and Policing in Argentina and
Uruguay.
JOHNSON, Lyman L. (Edtr).
University of New Mexico Press. Albuquerque.
1990. p. 47- 64; GAYOL, Sandra. Exigir y dar
Satisfacción: un Privilegio de las elites
finiseculares. En: Sociabilidades, justiças e
violências: práticas e representações culturais no
Cone Sul (Séculos XIX e XX). PESAVENTO,
Sandra Jatahy y Sandra GAYOL (Organizadoras).
Universidad Nacional de General Sarmiento.
UFRGS. 2008. p. 109-146.
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se puede recalcar es que la noción de
años y cristiana, asesinó a su hijo recién
honra dejó de ser estrictamente entendida
nacido el 30 de Junio de 1845 en la
como patriarcal-familiar para convertirse
localidad de Acequias a unos 40km de la
en un valor más individual. Sin embargo,
ciudad de Mérida. Soledad vivía con su
los vestigios dejados por la herencia
madre Gabriela Rojas y trabajaba en
colonial siempre estuvieron presentes en
labores de la tierra en la casa de su tío
las leyes, Códigos Penales-Civiles y
Pedro Rojas que se ubicaba en la
convencionalismos sociales. (Caulfield,
hacienda de Mucurandá, propiedad de la
2000: 51-56).
Sra. María Rosario Dávila. De acuerdo
Sin duda alguna, los crímenes que
con
el
expediente,
ella
quedó
envolvían la honra sexual femenina como
embarazada de un hombre desconocido,
el estupro y el infanticidio, por ejemplo,
que la abandonó y por el temor que le
lograron atraer la atención de médicos,
tenía de su madre decidió estrangular y
jueces, abogados, y teóricos que a través
romper la boca de su hijo con el fin de
de la influencia positivista del uso de la
eliminar la prueba que la incriminaba
ciencia para entender, separar, clasificar y
como madre soltera.
condenar a los criminales y al mismo
María Soledad parió a su hijo en
tiempo se preocupó bastante por las
solitario un lunes por la tarde actuando
nociones y tipificaciones del infanticidio,
con mucha violencia contra el pequeño,
en cuestiones como el estado puerperal
pues le ocasionó varias heridas con el fin
de la mujer y los exámenes médicos-
de que no sobreviviera y posteriormente
patológicos de la víctima recién nacida.
lo enterró en un hueco poco profundo
boca abajo cubriéndolo con mucha
II parte: la infanticida María
Soledad Rojas
basura y tierra. Para sorpresa de ella, fue
descubierta inmediatamente por una
esclava que cuidaba la propiedad de
nombre
La acusada: maría soledad rojas
Agustina
Quintero
que
la
sorprendió y la obligó a decir qué había
hecho con el recién nacido.
María
Soledad
Rojas,
una
indígena soltera mayor de veinticinco
Cuando
Soledad
se
vio
acorralada, pues la esclava la amenazó
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con denunciarla a las autoridades le
declaraciones de los primeros testigos y
confesó que lo había enterrado porque
de quedar claro que María Soledad Rojas
estaba muerto. Inmediatamente, amabas
había cometido el asesinato y era la
fueron al local del crimen que era una
madre legítima de la víctima es detenida
especie
donde
y enviada junto con el sumario al Juez de
guardaban las cosechas de trigo, allí
1ª Instancia del 1er Circuito Criminal de
descubrieron que la criatura aún estaba
la
viva, la sacaron, lavaron y llamaron al
interrogada y juzgada en el Tribunal de
Sr. Francisco Rojas para que lo bautizara
Justicia de Catedral.
de
casa
solitaria
Provincia
de
Mérida
para
ser
rápidamente ya que el niño estaba muy
maltratado y no tenía apariencia de
José Pablo Ignacio
sobrevivir, y efectivamente, murió tres
días después.
Ese fue el nombre que se le dio a
Con la muerte del niño, se hace
una denuncia formal
contra
la criatura en su bautismo antes de morir.
María
El pequeño no logró sobrevivir debido a
Soledad Rojas ante el Juez 1º de Paz de
las múltiples heridas que le propinó su
la Parroquia de Acequias Juan Pablo
madre, en su declaración del 19 de Julio
Pérez el día 4 de Julio de 1845. En esa
de 1845, confesó:
acusación se describen claramente los
hechos del infanticidio y por esta razón
el Juez decide abrir la investigación,
hacer el reconocimiento del cadáver por
personas
comunes
que
tenían
por
profesión labradores por no contar en la
[…] que ella misma con sus manos le
rajó la boca metiendole el dedo para
rajársela[…] porque tenia miedo á su
madre[…] le rajó la boca a su hijo Pablo
Ignasio, para que no mamara que esto lo
hacia por su mala cabeza, entendida de
que no era pecado, y ofrece que será
esto lo primero y lo ultimo que no lo
volvera ahacer […]. (Archivo General
del Estado Mérida, 1845: f. 190v).
localidad con un especialista, es decir, un
médico que hiciera una validación
completa del niño y finalmente citar e
interrogar a los diversos testigos.
El 10 de Julio de 1845, después
de la denuncia, del reconocimiento de las
heridas
del
recién
nacido,
de
las
Continúa Soledad, diciendo:
[…] que al nacer fue que le rajó la boca
y que entonces lo metio embojotado en
un trapo de lana en una casa de trigo y
despues le echo una poca de tierra
ensima, creyendolo muerto para lo cual
apreto la misma tierra […]. (Archivo
General del Estado Mérida, 1845: f.
190v).
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De acuerdo con el examen ocular
Parroquia
de
Acequias
Sebastián
que hicieron José Ignasio Moreno y
Fernández Peña como consta en acta
Alonso Rojas, el recién nacido parecía
agregada al sumario. Esto indica la
ser un niño de nueve meses de gestación,
importancia que se tenía de bautizar a los
que nació vivo y que murió debido a la
recién nacidos y de dar un funeral
violencia que la madre le infirió después
apropiado para que su alma descara en
de nacido. Las heridas eran varias y
paz.
fueron descritas cuidadosamente:
[…] una hendidura en la cabeza que le
parecio hecho con la uña: que tenia
tambien desollada la boca del lado
derecho hasta la oreja y reventado el
huezo de la quijada del mismo lado: que
del mismo modo tenía desollada un poco
la boca del lado izquierdo: que por
consiguiente tenia en el pescueso de
haberlo ahorcado con las manos, pues se
le distuinguian los dedos, y que no duda
que esto le causaria la muerte […].
(Archivo General del Estado Mérida,
1845: fls. 184v-185r).
La madre declaró que el niño
murió tres días después, que fue velado y
enterrado:
Los testimonios
La trascendencia de los testigos
en cualquier proceso criminal es de suma
importancia y en este caso no es la
excepción.
Considerando
que
el
infanticidio es un tipo de crimen violento
que causa repulsión al medio social, las
personas que se veían envueltas en este
tipo de circunstancias solían estar atentas
al caso y a colaborar con las autoridades
[…] que el chiquito se mantubo vivo
hasta el jueves […] manteniendose en
todo este tiempo con guarapito que
chupaba y algunos pequeños tragos de
leche que podia pasar: que despues que
murió lo velaron hasta el sábado que lo
llevaron a la parroquia de Asequias
donde se enterro […]. (Archivo General
del Estado Mérida, 1845: f. 190v).
Efectivamente,
el
niño
fue
bautizado de forma privada, no de forma
oficial como declaran los testigos por no
tener tiempo. A pesar de esto, sí recibió
con el fin de esclarecer y punir. El caso
de María Soledad Rojas fue especial
porque
la
madre
fue
descubierta
infraganti inmediatamente después de
asesinar y enterrar a su hijo recién nacido
creyéndolo muerto, la madre, se vio aún
más acorralada que por su vergüenza
social y no tuvo otra opción más que
confesar su crimen. El problema estaba
ahora en justificar su acción violenta y el
un entierro católico el día 4 de Julio de
1845 por parte del Presbítero de la
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por qué de un acto considerado por
hace ninguna mención considerando que
muchos como horroroso.
vivían juntas y era su pariente más
Los testigos de este caso fueron
próxima.
En este sentido, parecen
las personas envueltas directamente con
muchos vacíos y ciertas incongruencias
el hecho, es decir, los familiares de
en las fechas de los hechos, cosa que el
Soledad, la persona que bautizó a la
juez no reparó o no tomó en cuenta.
criatura y los reconocedores del cadáver.
Igualmente, en el caso de la declaración
Testificaron a lo largo de unos dos meses
de la esclava Agustina Quintero quien
un total de ocho individuos que en su
era una testigo principal, pues fue ella
mayoría no mostraron contradicciones al
quien descubrió a Soledad en su crimen,
momento de esclarecer el suceso. Ellos
no se toma desde el principio su
fueron: Salvador Rojas (comandante de
testimonio simplemente porque la propia
la policía), Juan Francisco Rojas (quien
Agustina
realizó el bautismo), Alonso Rojas
entendimiento y no es persona suficiente
(vecino), Agustina Quintero (esclava que
para declarar, cosa que es aceptada con
desenterró a la criatura), Pablo Rojas
facilidad por las autoridades e incluso al
(vecino) y Gabriela Rojas, la madre de
final del expediente se llega a desestimar
Soledad.
su testimonio por supuestamente no ser
Todos
aportaron
datos
importantes, claro está en la medida de lo
dice
que
ella
no
tiene
relevante para el caso.
que sabían o habían escuchado. Un punto
interesante es que no se observó que
La acusación y su defensa
interrogaran a los testigos explícitamente
sobre la fama u honra de la acusada, pero
sí se indagaba sí había tenido hijos antes,
con quién vivía y qué hacía.
es
que
Alvarado, quien revisando el expediente
el 24 de Julio de 1845 hace una acusación
Otra cosa que no se notó en los
interrogatorios,
El Fiscal de la causa, Dr. Rafael
en
ningún
y pide para la encausada María Soledad
Rojas el siguiente castigo:
momento se pregunta sobre el embarazo
de Soledad, es decir, sí era o no del
conocimiento de los demás, incluso en el
interrogatorio de Gabriela Rojas no se
[…] no quedan dudas algunas de que la
procesada ha dado muerte a su hijo José
Pablo Ignasio, que estaba gravida, que
tuvo lugar el parto, que la criatura
murió, que el parto no fue dificil i que
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hubo violencia por virtud de la cual el
párvulo dejo de existir, se deduce de la
lectura de la causa sin contradiccion
alguna, pues la misma reo en estas
circunstancias esta confesa; propone
pues formal acusacion contra ella por el
crimen de infanticidio que ha perpetrado
olvidando los sentimientos naturales i
haciendo morir violentamente, pero con
meditacion i calma á su hijo José P.
Ignacio, para que oportunamente tenga
lugar en la persona de la encausada la
pena que establece i con que se castiga
este delito la lei 12 tit 8 part 7ª […].
(Archivo General del Estado Mérida,
1845: f. 193r).
[...] se le reconvino haciendole cargo del
escandalo y grave delito que ha
cometido, maltratando y dando la muerte
a su hijo propio, delito contra la
naturaleza misma; pues esta enseña que
hasta las fieras aman, quieren y cuidan a
sus hijos? Contestó: que el temor á su
madre y su misma ignorancia la
precipitaron y la obligaron á cometer
semejante ecceso […]. (Archivo General
del Estado Mérida, 1845: f. 194r).
Precisamente, esa ignorancia será
la estrategia usada por el Dr. Rafael
Alvarado para proteger a Soledad:
Por lo tanto, se deduce que el
a la madre de Soledad, c) que los Jueces
[…] comence á preguntarle sobre el
hecho, y ella no podia responderme
porque dando a reir y reir y mas reir no
tenia lugar de articular palabra alguna.
Le hice ver que el negocio era serio y
que su delito no era para celebrarse de
ese modo, preguntandole en seguida que
testigos podiamos presentar en su
defensa[…] cual era el estado en que se
hallaba si de embriagues o de sanidad al
tiempo de su parto… solo respondia
“nada se doctor” […]. (Archivo General
del Estado Mérida, 1845: f. 204r).
de Paz de Acequias indiquen la distancia
La supuesta estupidez de Soledad
habida entre la casa donde vivía Soledad
le sirvió a la defensa para afirmar que ella
hasta el lugar donde mató y enterró a su
había cometido su delito en función del
hijo, d) que se amplíe la confesión de la
desconocimiento que tenía y de no saber
procesada y e) que se agregase al
lo que estaba haciendo o sí era bueno o
expediente el certificado de entierro del
malo:
Fiscal considera que la confesión de
Soledad es clave para aplicarle la pena de
muerte. No obstante, éste pide esclarecer
ciertos hechos antes de establecer la
sentencia definitiva: a) que se interrogue
a Agustina Quintero, b) que se interrogue
niño José Pablo Ignacio. Con esto, el
Fiscal quería rectificar ciertas omisiones
que se hicieron en el proceso desde el
principio
y
tener
certeza
de
la
culpabilidad de la acusada.
En la declaración ampliada de
Soledad Rojas del 26 de Julio de 1845 se
le inquirió lo siguiente:
[…] la muger no respondia otra cosa que
“ignorante yo, mi mala cabeza, pero yo
estoy arrimada a San Antonio y a
Nuestro Señor para no volverlo á hacer
mas nunca”[…] vinimos á descubrir que
la india es sumamente estúpida, verdad
que se desprende de sus espresiones y
que puede asegurarse que ha cometido el
infanticidio por pura estupidez […].
(Archivo General del Estado Mérida,
1845, f. 204r) […] no teniendo pues que
promover en favor de mi cliente con
respecto al infanticidio que no prestando
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la menor instrucción, tocame probar su
demasiada estupidez, porque de ello
espero por lo menos la atenuación de la
pena del delito […]. (Archivo General
del Estado Mérida, 1845: fls. 204v-205r).
De manera que, ante esto, el Juez
de la causa nombra a los Doctores
Nicolás Escobar y Juan José Cosme
Gimenez para una evaluación de la
acusada,
evaluación
probablemente
psicológica. Precisamente, el 4 de Agosto
de 1845, el Dr. Juan José Cosme
Gimenez descarta la teoría de la defensa
al exponer:
[…] que ella no tiene ningun defecto en
su organizacion; que en todas las
facultades intelectuales se encuentra
aquel grado de desarroyo que es comun
con las personas de su descuidada
educación; que conoce en este mismo
grado la [ilegible] de las [ilegible] y que
en este concepto sobre el mal que hizo en
la destrucción de la vida de su hijo segun
confiesa [ilegible]; ella habla con
exactitud respecto á su familia, país,
haberes y la relación de la [ilegible]
consecuencia que esta en su entero y
sano juicio y que el infanticidio ha sido
el resultado de una especie de venganza
que quiso imponer en el hijo consecuente
[de] los disgustos que habia tenido con el
padre de su pequeñito que negaba que
fuese su hijo […]. (Archivo General del
Estado Mérida, 1845: fls. 206r-206v).
La sentencia
de 1ª Instancia del 1er Circuito de la
Provincia de Mérida Agustín Chipía
de
causa criminal contra María Soledad
Rojas, expuso lo siguiente:
[…] se [ilegible]con no saber lo que
hizo, circunstancia que en nada la
favorece; como tampoco la estupidez que
le atribuye el defensor, apareciendo lo
contrario de los términos con que se
explican los Doctores Nicolas Escobar i
Juan José Cosme Gimenez… resulta,
pues, bastante comprobado el hecho
materia de este proceso, i que la autora
de tan horrendo crimen fue Soledad
Rojas___ Por tanto, administrando
justicia por autoridad de la Ley (4ª Título
23 R.C. il [ilegible] Título 8º Partida 7ª)
se condena á Soledad Rojas á sufrir la
pena de ultimo suplicio como lo
disponga V.E. la Corte Superior del
Distrito, a quien se remitirá […] consulta
de esta determinación […]. (Archivo
General del Estado Mérida, 1845: fls.
214r-214v).
La Corte Superior del 5º Distrito
Judicial
de
Maracaibo
confirma
la
sentencia el 10 de Septiembre de 1845:
[...] la Corte encuentra plenamente
comprobado el delito atribuido […] y las
actas no dejan dudas que la misma Rojas
fue la causa eficiente de la muerte que
sobrevino a su hijo […] no queda duda
que Soledad Rojas ha cometido el delito
de parricidio, y que se ha hecho
acreedora á la pena que se le ha impuesto
en 1ª instancia […] se confirma la
sentencia apelada con el impuesto para
gastos de justicia […]. (Archivo General
del Estado Mérida, 1845: fls. 217r-218v).
La Suprema Corte de Justica en
El 26 de Agosto de 1845, el Juez
después
declaraciones y el proceso general de la
haber
analizado
las
Caracas
reforma
drásticamente
la
sentencia confirmada en 1ª y 2ª Instancia,
dos cosas jugaron a favor de esta
decisión:
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[…] la acusacion suministra una perfecta
probanza de que la enjuiciada, usando
sus propias manos ejerció violencias
criminales sobre su hijo acabado de
nacer; mas como a ellas sobrevivió el
niño un dia por lo menos es preciso un
exámen mas exahustivo de la criatura
[…] en semejante oscuridad, faltan los
datos indispensables para establecer que
hubo la consumacion del infanticidio, i
que la Rojas merece sufrir el ultimo
suplicio […] ella sin embargo, es
responsable por las violencias que
ejerció sobre su propio hijo con intención
de quitarle la vida, i siendo graves i
criminales bajo todos aspectos, exijen la
imposición de un castigo tambien de
gravedad=
En
consecuencia
administrando justicia por autoridad de
la Ley, se reforma la sentencia de la
Corte Superior, i se condena a Soledad
Rojas a ocho años de servicio, á racion i
sin sueldo, en el hospital de caridad de
Maracaibo, ó en el de Valencia […].
(Archivo General del Estado Mérida,
1845: fls. 221v-222r).
Segundo elemento que favoreció
la sentencia de Soledad Rojas:
[…] la comisión de este hecho, con tales
circunstancias principalmente en una
mujer que tenía poderosos motivos para
encubrir su fragilidad, constituye un
verdadero delito de infanticidio que ha
sido enteramente consumado por su
autora en cuanto estuvo de su parte, pues
aunque la criatura sobrevivió á este
acontecimiento no fue por los oficios de
su propia madre que lo habia dejado por
muerto y si por otras personas que
ocurrieron al lugar donde lo habia
depositado […] con el objeto de
economisar la pena de muerte; i teniendo
en consideración la debilidad y la
fragilidad del sexo, la ignorancia e
idiotismo que manifiesta la encausada y
que tal vez pueden ser ciertos los
motivos de temor a su madre que alega y
dice la impulsaron a cometer semejante
atrocidad […]. (Archivo General del
Estado Mérida, 1845: f. 223r).
Finalmente el 2 de enero de 1846,
se le informa de la sentencia a María
Soledad Rojas y se le imputan el cobro de
50 pesos que pasarán a la lista de
insolventes por estar la acusada asistida
por las rentas de la municipalidad. El 5 de
ese mismo mes se procede a llevar a
Soledad a Maracaibo con el fin de que
cumpliera con su castigo.
Lo que se desprende de la
sentencia inicial y su reforma posterior es
que los jueces ante la duda y la
deficiencia en las pruebas sobre la
inocencia de Soledad prefirieron aplicar
una pena más leve que la de la muerte,
pues para llevar a una mujer a semejante
castigo tenían que tener la certeza
absoluta de su culpabilidad. Como se
puede notar hubo insuficiencias en el
reconocimiento del cadáver del niño,
incluso atendiendo a que fueron dos
personas sin experiencia o sin licencia
para ejercer la medicina, el examen fue
ocular
y
bastante
vago.
Sin
la
comprobación de ciertas circunstancias
como que la criatura murió directamente
por la violencia que le ejerció su madre y
el hecho de haber sobrevivido llevaba a la
indeterminación de la intención de la
culpable. Soledad estaba siendo juzgada
básicamente por el delito de parricidio, es
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decir, un homicidio sin atenuante que se
identidad o el desprestigio y la muerte
castigaba con la muerte, sin embargo, en
social de la madre.
el discurso de las autoridades hay
No cabe duda, que la sensibilidad
ambivalencias sobre su conocimiento
se hace evidente en este tipo de
sobre la tipificación del infanticidio, ya
situaciones;
que la estupidez, la locura y el posible
irracional?, ¿cómo y por qué justificarlo?,
miedo a su progenitora jugaron como
¿se condena pero se tolera a la vez?, ¿por
elementos decisivos en la reforma de la
qué la madre que asesina al fruto de su
sentencia inicial.
ser para salvaguardar su honor merece
más
¿cómo
compasión?.
racionalizar
Anteriormente
lo
se
explicó cómo y por qué el infanticidio
Reflexiones finales
llegó a tipificarse en la mayoría de las
legislaciones europeas y latinoamericanas
Indiscutiblemente el infanticidio,
constituye un tipo de crimen violento en
donde la madre fecundada de forma
ilegítima
asesina
a
su
hijo
para
sobrellevar las cargas de su vergüenza.
Esas características que tipifican a este
delito, hacen que el infanticidio sea un
homicidio difícil de descubrir y mucho
más problemático de juzgar y castigar. La
irracionalidad de una mujer que atenta
contra la vida de su propio hijo recién
nacido es incompatible con el sentimiento
maternal
que
toda
madre
debería
despertar después de dar a luz. Es allí,
justamente
en
donde
radica
su
contradicción; el valor de la vida de un
ser inocente que se considera aún sin
como
un
tipo
delictum
exceptum,
separándolo del parricidio y atenuándolo
en razón de su móvil.
Estos principios iluministas de
finales del siglo XVIII, no se evidencian
en el caso de María Soledad Rojas, pues
ella termina siendo juzgada y castigada
por parricidio, es decir, por un homicidio
calificado. Las contrariedades y carencias
en el proceso llevado en su contra son
varias, ya que en sus discursos los jueces
y abogados se contradicen en cuanto al
móvil y a la forma de punir el asesinato.
Surgen así, teorías de defensa como la
locura o la estupidez de la acusada, que
en nada se relacionaron con un posible
estado puerperal de la madre, y por otro
lado, se justifica el crimen con el miedo
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que aquella tenía de su progenitora ante
su situación de madre soltera.
Los vacíos también se demuestran
en las declaraciones de los testigos y en
el interrogatorio de la acusada, ya que
cosas relevantes como la ocultación de su
embarazo fueron obviadas o ignoradas.
No obstante, se destaca la celeridad del
proceso, que fue continuo y rápido, con
interés de resolución. Tomando en cuenta
la época y las distancias, la comunicación
y la organización del expediente criminal
fue bastante eficaz. Por otra parte, se
pueden atribuir aquellas debilidades en el
reconocimiento médico-legal del cadáver
del recién nacido a estas circunstancias
de lejanía y la falta de profesionales
calificados. Por lo tanto, la influencia de
esos
nuevos
preceptos
sobre
el
infanticidio para la mitad del siglo XIX
en Mérida no habían permeado aún, ya
que se nota el desconocimiento y
confusión de los jueces para tipificar y
sentenciar este crimen.
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A violência na força
pública de Minas Gerais
Questões teóricas e empíricas
trataram a violência como um fenômeno
situacional, que seria experimentado de
forma diferente por sujeitos diferentes
(Elias, 1994). Assim, o imaginário social,
46
juntamente com o lugar social de onde se
emite os discursos, que já eram aspectos
Lucas Carvalho S. de Aguiar Pereira
fundamentais
para
compreensão
dos
fenômenos sociais, como um todo,
ganham uma importância particular para
Justaposições iniciais
o estudo da violência, pois permitem
observar as formas e as bases das
A
definição
conceitual
do
divisões sociais (Bourdieu, 1982; 2006).
fenômeno da violência não é
Uma inflexão no pensamento
tarefa simples. Apesar da
sociológico do século XX, que encontrou
familiaridade que todos temos com suas
repercussão significativa no final da
manifestações, podemos interroga-la a
década
partir
trabalhos de Norbert Elias sobre o
de
diferentes
aproximações
de
teóricas, metodológicas ou institucionais.
processo
Tradicionalmente,
experiências
a
violência
é
1960,
encontra-se
civilizador.
da
Para
nos
ele,
violência
as
física,
caracterizada a partir dos impactos físicos
observadas
causados nos sujeitos individualmente ou
duração, teria diminuído na Europa desde
em grupo. Mas, há pelo menos um
o período medieval. A sociedade de corte
século,
da
seria o marco do estabelecimento de um
violência entrou no campo de discussão
processo de autocontrole da violência,
das ciências sociais, que se interessaram
que passaria cada vez mais do âmbito
pelas formas de exclusão, as dinâmicas
externo – via força pública – ao âmbito
de desvalorização e valorização de
interno – via aquisição de valores e
grupos sociais. Esse processo facilitou o
sentimentos contrários à violência física.
desenvolvimento de perspectivas que
A civilização seria, assim, um processo
46
de transformação das sensibilidades, no
a
dimensão
simbólica
Agradeço aos colegas da disciplina Abordagens
da Violência e ao Prof. Marco Bretas pelas
discussões profícuas sobre tema tão espinhoso.
em
processo
de
longa
qual a polidez se desenvolveria e a
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espontaneidade se retrairia, diminuindo,
de capital cultural. A violência simbólica
assim, os índices de violência (Elias,
tornou-se uma chave analítica para
1994: 239-249).47 Mas isso não significa
compreensão
que outras relações de poder deixaram de
dominação e das relações assimétricas em
ser exercidas por e sobre os sujeitos na
diferentes escalas, sendo mobilizados em
contemporaneidade. A diminuição da
estudos históricos sobre questões de
violência física e o aumento do controle
gênero, raça e classe social. Entre os
afetivo no contexto da Europa ocidental
objetos desses esforços analíticos, a
seria
educação,
uma
tendência
do
processo
na
dos
mais
processos
ampla
de
acepção,
civilizador e não uma lei, de espírito
também surgiu como um problema
hegeliano,
historiográfico crucial para a discussão da
imposta
às
organizações
violência
sentido, é preciso admitir que a violência
negativa – exercida sobre os corpos e
física
papel
mentes (Soihet, 1997; Vigarello, 2005) e
significativo nas relações estabelecidas
a dimensão pedagógica do poder passou a
entre os indivíduos e entre esses e o
ser preocupação das ciências sociais
estado.
(Soares, 2005). A violência é, portanto,
continua
exercendo
simbólica
–
sociais (Spierenburg, 2001: 100). Nesse
positiva
ou
Pierre Bourdieu (1982; 2006), em
uma seara analítica tanto espinhosa
diferentes obras, chamou a atenção para a
quanto produtiva para as ciências sociais.
violência simbólica que permeia os
Não se trata de um conceito ou fenômeno
processos de legitimação da ordem social
que se pode tomar em definitivo, pois seu
e política, produzindo diferenciações
núcleo duro é maleável, tornando-se uma
sociais na distribuição, acesso e acúmulo
noção trans-histórica.48
Partindo desse pano de fundo
47
Para o historiador Peter Spierenburg (2001),
por exemplo, o número de homicídios entre 1300
e 1900 teria diminuído consideravelmente,
comprovando as hipóteses eliasianas. Empírica e
teoricamente essas perspectivas são notáveis e
poderiam ser complementadas com análises sobre
os avanços tecnológicos e científicos, como a
invenção da anestesia e outros artefatos de
assepsia
hospitalar,
que
contribuíram
consideravelmente para a redução do número de
mortes por ferimentos decorrentes de eventos
violentos. Sobre corpo, dor e violência: Cf.
Corbin, 2009.
teórico o presente artigo investiga o lugar
da violência no cotidiano de uma
instituição policial e militar do estado de
Minas Gerais, a Força Pública, no
período que vai entre o final do século
48
Na condução da disciplina, essa perspectiva foi
adotada pelo Professor Marcos, de quem tomo
emprestado.
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XIX e meados dos XX. Não se pretende
produzir uma crítica genealógica da
violência
exercida
pelas
instituições
A força pública: para além do braço
armado do estado
policiais em contato com a população.
As
Trata-se de um esforço de compreensão
análises
da
dinâmica
do papel da violência em um mundo
organizacional das forças públicas no
eminentemente rural – mas intercortado
Brasil
pela urbanidade –, 49 cujo exercício do
pressuposto,
poder e da autoridade esteve presente,
documentação legal, de que essas forças
muitas vezes, nas relações estabelecidas
se constituíram como pequenos exércitos
entre oficiais e inferiores da força policial
estaduais a serem mobilizados pelos
e entre esses sujeitos e a população das
governadores a seu bel prazer (Cotta,
comunidades locais. É no cruzamento
2006; Dellari, 1976; Fernandes, 1976).
dessas relações que pretendo dirigir meu
De fato, no papel e em situações de
olhar e meus questionamentos, sem a
desequilíbrios
pretensão de esgotar o assunto. O texto é
mobilizações operárias e movimentos
dividido
da
políticos de oposição, as forças públicas
situação historiográfica a respeito das
foram mobilizadas pelos seus respectivos
forças policiais militares brasileiras e em
governadores, para defesa da ordem
Minas, seguido de duas seções sobre
estadual e federativa, lançando mão da
diferentes
formas
de
força bruta e bélica. Mas essa constatação
envolvendo
policiais.
Finalizo
em
uma
apresentação
violência
têm
sido
pautadas
presente
políticos,
em
tais
pelo
farta
como
com
presente em grande parte da bibliografia
apontamentos iniciais sobre os estreitos e
tradicional sobre o tema, por si só, não
complexos vínculos entre violência e o
explica a atuação cotidiana dos sujeitos
cotidiano policial no cenário mineiro.
que ocuparam o lugar de soldado ou
oficial das forças policiais militares do
estado. Ignorando-se, então, o papel da
Força Pública na dinâmica sócio-política
49
Sobre a questão da urbanização das Minas
relacionada com os aparatos estatais, desde o
Século XIX, pode ser encontrada em Vellasco
(2004); Cunha, 2009; e Saes et ali, 2012.
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em Minas Gerais e o seu lugar na história
público e privado. Nesse sentido, é
social e cultural no estado.50
forçoso reconhecer que o tipo de tarefas
Por um lado, a pequena produção
efetuadas pelas polícias no Brasil, assim
nessa perspectiva indica que o tema da
como em outros estados, “provavelmente
história da polícia, especialmente a
conduziu muitos historiadores sociais à
vertente militar, não possui grande
cautela em reconhecer o policial como
relevância
um trabalhador, muito menos explorar a
entre
os
pesquisadores
acadêmicos contemporâneos do estado
mineiro,
apesar
do
questão” (Emsley, 2000: 110).
posicionamento
Algumas
abordagens
público de vários historiadores sobre o
historiográficas
assunto. Por outro lado, é preciso
institucionalização das polícias no Brasil,
considerar que o tema passou um
que foram organizadas provincialmente e
processo controverso de legitimação no
assim
Brasil, devido, em grande medida, à
republicano, focaram-se nas funções
ascensão de uma história social, a partir
exercidas pela polícia, como a de manter
da
buscava
a ordem e a obediência entre as massas
compreender a formação e a experiência
dos trabalhadores escravos e homens
dos trabalhadores brasileiros, marcadas
pobres livres, enfatizando a função de
por inúmeros conflitos, perseguições e
repressão/dominação
tensões com órgãos policiais de caráter
policiais e dividindo o espaço do Rio de
50
década
de
1970,
que
Na verdade, inclusive os estudos de cientistas
sociais e historiadores sobre as forças policiais
militares de outros estados são escassos, apesar da
crescente atenção dada ao tema por pesquisas
recentes. Estudos resultantes em teses,
dissertações e artigos tratando de forças policiais
militares têm sido desenvolvidos em estados
como do Rio Grande do Sul, São Paulo, Pará,
Pernambuco, Goiás e Ceará. Vale lembrar que há
uma
vasta
produção
memorialística
e
historiográfica de cunho oficial ou na perspectiva
institucional, cujo mapeamento e análise ainda
precisam de melhor cuidado historiográfico. Um
estudo inicial permite observar que a bibliografia
referente à polícia militar em Minas foi um
importante instrumento de luta pela legitimação
dos papéis desempenhados pela instituição e
importante elemento da formação de uma cultura
policial no estado.
do
processo
permaneceram
no
de
período
exercida
pelos
Janeiro em um mundo da ordem e outro
da
desordem
(Holloway,
1997).
51
Rosemberg (2010: 48-58), estudando as
duas últimas décadas do Império, observa
duas linhagens policiais existentes em
São Paulo, uma ligada ao chefe de polícia,
e outra referente às forças responsáveis
pelo
policiamento
administrativo
ou
51
Para essa análise da historiografia sobre o crime
e a polícia ver Bretas, 1991. Um balanço recente e
atualizado pode ser visto em: Bretas; Rosemberg,
2013.
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ostensivo. A chefia de polícia era a
com jurisdição nas cidades do interior.52
linhagem de convergência de todas as
A presença dessas autoridades militares e
atribulações
da
sua participação na resolução de conflitos
província, recebendo as mais diversas
relativos à ordem pública e captura de
reclamações da população. A ela estavam
criminosos, parece ter sido bem intensa e
ligados os delegados e subdelegados,
teve sentidos variados ao longo do tempo
enquanto
em diferentes localidades mineiras. Esses
da
à
vida
segunda
cotidiana
linhagem
se
conectavam os batalhões militares ou o
são
civil.
capilaridade
Em
Minas
Gerais,
indícios
de
do
que
existia
uma
poder
muito
mais
alguns
complexa do que a mera caracterização
trabalhos vêm permitindo direta ou
da polícia como força particular do
indiretamente produzir uma releitura
governador, pois permitem propor a
sobre a hipótese da força policial como
hipótese de que as relações de poder
mero instrumento político nas mãos dos
estabelecidas entre as autoridades nas
governadores. Estudos vêm indicando
localidades e os habitantes não eram
que no período imperial, o comando das
insignificantes
para
as
dinâmicas
tropas ficou sob a responsabilidade de
militares de alta patente até 1841, quando
passou oficialmente para o chefe de
polícia,
num
organização
lento
de
processo
sua
de
estrutura
administrativa (Vellasco, 2007: 245). No
período
republicano
percebe-se
uma
constante troca do posto do comando das
forças militarizadas do estado, ora sob a
chancela de uma autoridade militar, ora
sob o comando de um civil na pasta da
Chefia de Polícia (Baggio, 1979). Além
disso, observa-se uma forte presença de
oficiais da Brigada Policial e da Força
Pública nos cargos de delegados especiais,
52
Isso pode ser observado, por exemplo, nos
livros de ajuda de custo onde se encerram,
também, nomeações e dispensas de tenentes de
capitães para o cargo de “delegado especial” em
diversos municípios mineiros. Ver, por exemplo
APM – SI 117; APM – POL 360; APM – POL
359. O cargo de delegado militar também é
encontrado no mesmo período em outros estados,
como o Ceará, e estava incumbido de importantes
atribuições administrativas e judiciais nas cidades
do interior. Ver Fonteles Neto, 2005: n.. 36 e 39.
Entre as décadas de 1920 e 1930, alguns
delegados e chefes do Serviço de Investigações
reivindicavam uma polícia de carreira e a
exigência
de
delegados
especializados
qualificados para o serviço. Isso, para eles,
poderia minimizar o problema das relações de
apadrinhamento político, que vigoravam entre os
delegados nos municípios mineiros e que
atrapalhava algumas atribuições dessa função
pública. Ver Pereira, 2012: 113-115.
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políticas estabelecidas em âmbito local,
principais centros urbanizados, “onde as
regional ou estadual.53
configurações
Para André Rosemberg (2011:
15), atualmente, “apesar do aumento de
policiais
são
muito
diversas” (Bretas; Rosemberg, 2013: 170171).
interesse, não passam de uma vintena a
O estudo desses ambientes rurais
produção acadêmica” especificamente
e cidades do interior mineiro vem
voltada para o estudo da história da
contribuir
polícia no Brasil. Mas o crescimento
compreensão da relação entre policiais e
desse interesse tem sido fundamental para
população no período republicano. É
o debate público e para compreensão
preciso ressaltar, contudo, que entre o
histórica desse objeto complexo, mas
urbano e rural há uma vasta área ocupada
cada vez menos opaco. A historiografia
por pequenas cidades que, vez ou outra,
da polícia brasileira vem demonstrando,
se tornaram importantes “centros para a
por exemplo, que os aparatos policiais,
sociedade rural”, pontos de encontro
especialmente a vertente militarizada,
especialmente por possuírem “mercados
adquiriram ao longo dos dois últimos
e feiras”, mas também importantes
séculos “uma ampliação do espaço de
pontos de apoio para circulação de
autonomia funcional” do policial, o que
mercadorias para os centros políticos e
teria provocado um distanciamento entre
econômicos
as práticas policiais e os interesses dos
(Emsley, 1987: 87). Em Minas Gerais a
administradores políticos, por um lado, e
difusão, desde os períodos colonial e
uma aproximação dos policiais das
imperial, das pequenas cidades, dos
“questiúnculas invisíveis do dia a dia
pequenos distritos com suas vendas,
rural”. E ainda há, no entanto, uma
praças, caminhos e outros espaços de
defasagem na historiografia em relação
troca, como os mercados, foi crucial para
ao estudo de áreas mais afastadas dos
a formação das redes sociais em que os
para
regionais
avançar
e
o
nessa
nacional
policiais militares estiveram envolvidos,
53
Não se nega o caráter político e instrumental
das instituições policiais no sentido de defesa dos
interesses estatais. O que se pretende é superar
essa explicação, refinando-a, problematizando-a,
pois ela não dá conta da complexidade da vida
social e política que os arquivos policiais
incessantemente têm nos indicado em diferentes
pesquisas.
pois antecipou a “ordenação social sob o
controle do estado” (Vellasco, 2004: 19).
Constantemente transferidos e realocados
entre as companhias que formavam os
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batalhões, deslocados de uma diligência a
estado brasileiro são permeadas por longa
outra, ligados e desligados de uma
tradição de violência no campo e em
jurisdição como delegados especiais, as
pequenas
praças e os oficiais dessas polícias
questões políticas locais ou nacionais,
militares criaram vínculos interpessoais
bem como as autoridades responsáveis
tanto dispersos como localistas, tornando-
pelo policiamento. 55 A vida política e
se importante foco de análise para
social em Minas Gerais, por exemplo,
história social da polícia.54
teria sido marcada por uma estreita
Em
estudo
dedicado
aos
relação
localidades,
entre
coronéis
envolvendo
e
bandidos,
“bobbies” britânicos, modelo de policial
“alicerçadas ora pelo “pistoleirismo” –
difundido desde o período vitoriano,
defesa da propriedade agrária, ora pelas
Clive Emsley (2010, p. 143) argumenta
formas de vingança”, conformando uma
que entre 1860 e 1914 difundiu-se a ideia
“cultura política do mandonismo” (Silva;
de que eram necessários homens muito
Dias, 2011: 25-26). Foi em meio a um
fortes para exercer o policiamento dos
sistema social complexo, no qual gestos,
indivíduos violentos que se ocupavam de
crenças e valores culturais atuavam como
eventos
da
importantes referências para coesão de
organização operária na Grã-Bretanha. É
determinados grupos sociais em Minas
interessante observar semelhanças no
Gerais, que os policiais militares de linha
desenvolvimento de um modelo de
de frente e designados como autoridades
masculinidade e virilidade presente em
locais tiveram que atuar.
políticos,
de
crimes
e
outras forças policiais municipais e
Na Primeira República, boa parte
estaduais (Klein, 2010; Mauch, 2011). A
do Brasil guardava uma forte faceta do
historiografia vem demonstrando que as
mundo rural, escravocrata e patriarcal,
formações históricas da sociedade e do
presente
54
Vínculos
dispersos
seriam
aqueles
estabelecidos em um amplo território com um
número relativamente pequeno de indivíduos em
cada localidade, sem estabelecer vínculos tão
fortes com a comunidade. Já os vínculos localistas
dizem respeitos aos laços de solidariedade,
afetividade e reciprocidade estabelecidos no seio
de uma comunidade local, com vários indivíduos
daquele espaço social. Sobre os conceitos: Ver
Savage, 2000.
na
formação
do
estado
brasileiro. Minas Gerais era um estado
economicamente fragmentado e possuía
fortes
tendências
de
isolamento
e
autossuficiência (Martins Filho, 2009:
55
Uma boa amostragem dessas perspectivas pode
ser encontrada em Franco, 1974; Corrêa, 1983;
Lara, 1988; Bretas, 1997; Rosemberg, 2010.
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113). Entretanto, “a base da economia
nos espaços do sertão, ao mesmo tempo
mineira”, nesse período, se localizava em
em que contribuíram para a fundação
uma “intricada rede de fazendinhas,
discursiva
oficinas
estruturas
2006).56 As elites políticas e econômicas
agroindustriais, espalhadas por todo o
mineiras também passaram por diversos
estado, produzindo uma infinidade de
momentos de tensões na definição das
itens para mercados locais e regionais”
áreas de atuação do estado mineiro. Os
(Martins Filho, 2009: 101). As ferrovias
conflitos na definição da nova capital, o
tinham
evento de separação e reanexarão do
e
pequenas
importância
crucial
para
desses
território
Triângulo e Zona da Mata (Lima, 2003),
derramamento de sangue no combate ao
criando
e
banditismo nas fronteiras oeste e norte, as
comunicação de pessoas, mercadorias e
lutas pela sucessão do poder no âmbito
hábitos. Havia maior integração entre as
do PRM e das disputas locais de coronéis
regiões da Mata e Sul, principais centros
de diferentes tendências políticas, são
econômicos do período, caracterizada,
exemplos
especialmente, por uma política de
redefinição política e econômica do
abertura de vias de comunicação. Isso se
estado. Para John Wirth (1982), Minas
dava em detrimento das outras regiões,
Gerais teria sido uma espécie reduzida de
como as do Norte, onde o transporte
um sistema federal, cuja administração
ordinário
das diferenças regionais foi feita pelas
de
ainda
era,
transporte
basicamente,
Sul
desses
Minas,
momentos
de
gestões
1982: 33).
impedir a desagregação do estado em
Minas
assistiu
um
processo
de
governadores,
o
realizado por tração animal (Resende,
Naquele período, o estado de
dos
de
(Gomes,
integração de regiões, como o Sul,
canais
do
espaços
buscando
pequenas unidades territoriais. Teria essa
especificidade
do
cenário
político
redefinição e legitimação das fronteiras,
mineiro uma relação com a atuação do
processo
delegado no interior?
para
o
qual
a
produção
cartográfica da Comissão Geográfica e
56
Geológica
de
Minas
Gerais
foi
fundamental. Os discursos científicos
passaram a buscar soluções para intervir
O espaço como construção social é uma noção
crucial para o presente estudo, uma vez que
permite compreender a circulação dos sujeitos em
uma larga área territorial, tecendo suas redes ao
longo desses trajetos. Sobre o tema: Ver Savage,
2000.
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As
pesquisas
arquivos
de suas redes de sociabilidades na
mineiros têm ajudado a confirmar as
experiência e na formação da própria
hipóteses preliminares de que o comando
instituição policial tem se revelado como
de diligências, quartéis e delegacias no
importante desdobramento das hipóteses
interior
Gerais,
da historiografia mineira. E a violência,
recorrentemente, ficaram a cargo de
em seus múltiplos sentidos, tem se
praças e oficiais de baixa e alta patente
tornado tema recorrente na leitura dos
entre as décadas de 1890 e 1930. Nessas
registros produzidos pelos oficiais e
ações,
praças.
de
a
nos
Minas
presença
desses
sujeitos
evidencia uma importante função dos
oficiais da Brigada Policial e da Força
Pública no exercício cotidiano de suas
tarefas profissionais, que se deram para
Violência: questões políticas, sociais e
culturais
além da atuação nos conflitos políticos de
trabalos
A violência física exercida por
historiográficos sobre a polícia minteira
policiais em exercício, em momentos de
grandes
vultos,
como
os
Assim, a chefia de
lazer ou de descanso é tema recorrente
polícia parece ter lançado mão, pelo
em jornais e em narrativas literárias as
menos até a década de 1940, dos
mais diversas em diferentes partes do
soldados e oficiais da Força Pública para
mundo. Entre o último quartel do século
as diligências e resoluções de conflitos
XIX e as primeiras décadas do século XX
civis, mas também políticos, por serem
os escritos sobre o mundo do crime, e
ora os únicos, ora o maior contingente
sobre a polícia ideal, tiveram grande
disponível
A
impacto na cultura urbana em geral. As
dos
crônicas policiais com “seu repertório de
trabalhadores policiais mineiros e o lugar
ferramentas gráficas e escritas, fictícias e
argumentaram.
investigação
57
para
essas
do
funções.
cotidiano
documentais,
57
Vale lembrar que a organização de uma polícia
civil de caráter investigativo no âmbito estadual
em Minas Gerais não deu frutos mais
significativos antes da década de 1920, apesar de
interesses
e
investimento
em
polícias
investigativas existirem desde o início da
república, concentrando-se na capital.
compõem
sinfonias
cacofônicas que alimentam o sentimento
de confusão e pequenez de quem navega
sobre elas” (Caimari, 2012: 61). Em
relação às ações policiais em Minas
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Estado de Minas, 05/06/1928, p. 1, grifos
meus).58
Gerais, mais especificamente as da
capital Belo Horizonte, essas narrativas
chegaram a se consolidar entre 1920 e
1933 em colunas diárias dos jornais
Diário de Minas (do Partido Republicano
Mineiro) e O Estado de Minas (órgão
liberal, criado em 1928). No dia 05 de
junho de 1928, este último estampava em
sua capa, a seguinte matéria “Continuam
as violências das autoridades policiais em
serviço no interior do Estado”, cobrando
“providências enérgicas” para resolução
das ações de violência perpetradas por
policiais durante o exercício de suas
atividades.
O
incorporado
o
apesar
discurso
de
da
ter
Aliança
Liberal e da “revolução” na década de
1930, não tinha vínculos partidários
consolidados naquele período e, não raro,
se posicionava diante dos abusos de
autoridade por parte dos servidores e
agentes públicos no exercício de suas
tarefas. Era uma folha que, ao menos
entre 1928 e 1934, promoveu debates
sobre as ações e arbitrariedades da polícia
em Minas e na capital. É interessante
notar a denúncia de uma agressão
promovida
Ainda há pouco, em Abre Campo, o
engenheiro Antonio Lobato, agredido
por um delegado militar, esteve em risco
de perder a vida. Agora, em Paraisópolis,
um outro engenheiro, o Sr. [Alacrino]
Monteiro, que se encontra naquela
cidade a serviço de comissão Geológica
do Estado, foi desacatado pelo delegado
militar daquele município tendo, ainda,
sido presos vários dos seus empregados.
(...) Tendo alguns empregados do
engenheiro
[Alacrino]
Monteiro
adquirido, como é comum no interior,
alguns objetos a um soldado da polícia,
foram depois procurados por um outro
soldado que exigiu-lhes a devolução
desses objetos. Atendido pelo engenheiro
Monteiro, este se prontificou a fazer a
devolução pedida, caso os seus
empregados fossem indenizados, com o
que não concordou o soldado, que
insultou o engenheiro, conduzindo
presos os seus empregados, que
sofreram
violências
na
polícia.
Informado da ocorrência, o delegado
militar daquele município mostrou-se
solidário com o soldado arbitrário. (O
jornal,
por
outro
delegado
na
abertura da nota, como indício de uma
situação corriqueira, uma normalidade
que deveria cessar. Além disso, a
violência é representada como uma
função sistêmica e hierárquica: ela foi
exercida desde o mais baixo escalão até a
alta autoridade local. No interior, a
presença dos delegados seria indigesta?
Àrbitro alienígena que desestabilizava as
relações
exacerbar
políticas
conflitos
locais,
capaz
iminentes,
de
antes
adormecidos?
58
A grafia das palavras das citações foi corrigida
para o português atual, porém, mantive as formas
sintáticas das narrativas, respeitando o universo
linguístico do período.
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posteriormente, área da boemia, ganhou
presentes não passava de uma simples
brincadeira de Fernando, que não tinha,
efetivamente, nenhum intuito agressivo
contra o seu assassino. Em dado
momento, José Raymundo enfureceu-se e,
sacando-se, de uma pistola, disparou-a
contra o infeliz soldado, que tombou ao
solo, já sem vida, varado por uma bala.
(Diário de Minas 21-09-1930: 3). (Grifos
meus).
cada vez mais espaço nas colunas
A contenda entre dois soldados é
Além de abusos de poder, a
capital também protagonizou situações de
violência
policial
em
diferentes
contextos. O bairro Lagoinha, localidade
transformada em bairro operário e,
policiais
como
local
predileto
das
narrada a partir de uma estrutura muito
histórias de crimes, concorrendo com a
conhecida
tradicional zona boêmia da região da R.
Speckman
Guaicurus
Navalhadas,
analisando narrativas de cordéis sobre
espancamentos, prisões, algazarras e
crimes passionais no México da virada do
batidas são eventos recorrentes nos
século XIX para o XX, observa um
enredos das crônicas. As praças da Força
padrão em relação às representações
Pública, responsáveis pelo policiamento
masculinas. Os homens são tidos “como
das
seres cheios de paixões e prontos a reagir
desde
zonas
1930.
suburbanas,
estavam
pela
historiografia.
Guerra
(2007:
de
214),
frequentemente envolvidos nessas cenas,
impulsivamente
e nem sempre como mantenedores da
situação, sobretudo quando se colocava
ordem.
em dúvida sua masculinidade”. Em
(...) Fernando Alves de Oliveira, [é]
soldado do regimento de Cavalaria, de
cor morena, com 28 anos de idade. O
criminoso José Raymundo [ex-soldado 1º
batalhão] foi excluído recentemente do
quadro da Força Pública, logo que foram
reconhecidas
as
suas
péssimas
qualidades de caráter e, sobretudo,
porque ele ingressara numa quadrilha
de larápios, com sede na Pedreira Prado
Lopes, que trouxe em sobressalto a nossa
população. (...) Foi justamente nessa
época que se gerou uma certa antipatia
entre o soldado Fernando Alves de
Oliveira, a vítima, e o soldado José
Raymundo, o criminoso, que até então
pertencia ao 1º batalhão da Força Pública.
(...) Este último, pilheriando, ameaçava,
com um cano de borracha na mão, a José
Raymundo, dizendo que desejava dar-lhe
uma “sova”. Segundo afirmou as pessoas
diante
Elisa
qualquer
estudo da realidade fronteiriça da região
cisplatina, na primeira metade do XIX,
John Chasteen, argumenta que os duelos
de facas eram uma violência de expressão
e
não
instrumental,
compreendidas
como
e
devem
parte
de
ser
um
determinado sistema de honra em que
“homens viviam os papéis prescritos da
melhor forma, e sua honra, a partir do
julgamento do grupo, era uma medida do
sucesso nesse intuito” (Chasteen, 1990:
61). Sandra Gayol (2008: 145), em
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investigação
sobre
entre
de espaços de diversão, como os cabarés,
homens da elite argentina do final do
tanto no mundo urbano como no rural,
XIX, observa uma profunda e complexa
eram espaços costumeiros do início ou
dinâmica
que
desfecho desses processos violentos,
implicava as relações estabelecidas na
atrelados ao consumo de álcool (Chasteen,
comunidade de duelistas. O duelo estava
1990).
social
os
e
duelos
simbólica,
correlacionado a um código de honra das
elites que “ensinava um conjunto de
comportamentos e valores para a vida” e
que, nesse sentido, produzia critérios de
Na polícia e nas ruas. Soldados perigosos
assassinato de Fernando Oliveira por José
O guarda civil n. 351, de plantão à
esquina das ruas Guaicurus com São
Paulo, prendeu, ontem, auxiliado por
vários colegas, às 3,5 horas dois soldados
do esquadrão de cavalar da Força Pública,
que, naquele local, bastante embriagados,
procuravam espancar e mesmo matar as
mundanas Maria da Conceição e Maira
da Silva. Na ocasião em eu os
“mantenedores da ordem”, conduziam
para o 2º distrito os dois “valentes”, um
deles conseguiu fugir, de modo que o
xadrez recebeu apenas um hóspede. A
polícia está a procura do evadido, para
com certeza, deixa-lo fugir outra vez...
(O Estado de Minas 11-01-1929 p. 6).
(Grifos meus).
Raymundo. Mas é difícil deixar de
A violência exercida por soldados
julgamento e classificação social.
Obviamente não se tratam do
mesmo tipo de acontecimento, mas é
interessante observar a semelhança das
representações masculinas em culturas e
períodos tão distantes. A honra talvez não
seja o conceito mais adequado a ser
observado nessas relações, como a do
perceber
traços
significativos
da
e outras praças em momentos de lazer é
violência traduzida, por Maria Sylvia de
um tema recorrente nas colunas “Policia”
Carvalho Franco (1974: 20-59), na noção
do Diário de Minas e “Na polícia e nas
de “código do sertão”, sob o qual homens
ruas” d’O Estado de Minas. E as brigas,
pobres e livres do mundo rural paulista se
ameaças,
matavam por pequenas desavenças, frutos
envolvendo mulheres também se fizeram
de relações que se estabelecem a partir de
presentes nesses registros.
“proximidade espacial”, das “condições
comuns” da vida e do “parentesco”
(Franco, 1974: 25). Vendas, restaurantes,
locais de trabalho e interiores de casas e
pancadarias
e
assassinatos
Crime hediondo - Uma mulher degolada
por um soldado
A nossa crônica policial, geralmente tão
desprovida de fatos sensacionais,
registrou anteontem um crime hediondo
pelas circunstâncias de que se revestiu.
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Esse drama, que teve como protagonista
um soldado do 1º batalhão da Força
Pública [Antonio Rodrigues da Silva] e
como vítima uma decaída de nome Maria
Rosa, residente no Barro Preto,
desenrolou-se num vassoral, nas
proximidades
do
grupo
escolar
“Francisco Salles”. (...) Procedidas as
investigações, veio a confirmar a
suspeita, sendo detido o indiciado, que
confessou, com revoltante cinismo, e
detalhes
reveladores
de
grande
perversidade, ter sido autor do crime que
lhe imputavam. Das declarações,
depreendeu-se que, depois de ter atraído
a sua vítima a um sítio para fins
libidinosos, com ela alterou por motivo
de pagamento. Foi nessa altura que lhe
vibrou a primeira navalhada, prostrando
a vítima por terra com a garganta
completamente decepada. Como, porém,
Maria Rosa ainda desse demonstrações
de vida, o monstro acabou a sua obra
sinistra desfechando-lhe outra navalhada
com a frieza própria dos degenerados
inferiores. (Diário de Minas 14-081924:2). (Grifos meus).
muito simples, porém crucial para as
relações entre homens e mulheres pobre
do período: Antonio da Silva se “alterou
por motivo de pagamento”. Entendo,
nesse sentido, que as ações dos policiais
no espaço público não estariam tão
distantes das relações de sociabilidade
experimentadas
pelas
classes
trabalhadoras, tal como analisadas pela
história social em diferentes regiões no
Brasil, nas quais a violência teve lugar
importante (Chalhoub, 2001; Pesavento,
2001).
Nesse período, a brutalidade dos
assassinatos fascinava os contemporâneos
Os relatos sobre os crimes não
e as narrativas de crime ocupavam-se da
pouparam os policiais quando cometiam
performance do criminoso, explorando os
ou eram acusados de perpetrar algum
estímulos dos sentidos. Em Buenos Aires,
crime.
imagens
de
por exemplo, as imagens dos criminosos
“monstruosidade”
e
no início do século XX alimentavam uma
“anormalidade” que eram mobilizadas
cultura da celebridade: as performances
para descrever
dos transgressores importavam mais do
As
recorrentes
“perversidade”,
os
crimes
bárbaros,
recorrentemente ganhavam um tom de
que
perplexidade. O assassinato de Maria
criminológica (Caimari, 2012: 75). Na
Rosa é descrito como um ato ininteligível,
capital mineira, no entanto, o tom das
uma atitude cuja explicação racional é a
interpelações morais ainda era forte e o
criação
de
recurso à celebração do criminoso como
elementos próximos à loucura. Mas se
estratégia narrativa sobre os crimes não
observarmos atentamente a explicação
foi o principal instrumento mobilizado
dada pelo repórter, percebemos que a
nos grandes jornais pelo menos até a
desavença teria se dado por um elemento
década de 1930. As notícias, as crônicas,
da
figura
do
monstro,
a
sua
história
clínica
ou
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o folhetim e os romances ficcionais de
observar as experiências dos policiais no
crime produziram narrativas tidas, muitas
interior
vezes, como descartáveis, imediatas, mas
ampliar a perspectiva sobre o papel da
que, na realidade, que interessavam os
violência em variadas dimensões da vida
contemporâneos,
policial.
seduzidos
pelo
melodrama as histórias de crime. Ana
da
As
corporação,
agressões
e
permitindo
abusos
que
Porto argumenta ter existido uma forte
atingiam os corpos dos policiais são
relação entre os escritores e a imprensa
tópicos recorrentes das experiências dos
naquele período, o que favoreceu a
policiais com a violência, assim como a
produção de um gênero textual como o
relação entre saúde e atividades laborais
naturalismo,
da
dos membros da Força Pública. As longas
realidade era pungente. A formação de
rotas traçadas a pé, em lombo de burros
um público leitor, a consolidação de
ou
formas e métodos narrativos sobre o
frequentemente impostas a praças e
crime e a difusão de impressos em
oficiais inferiores, destacados ou em
diversos formatos permitiram a criação e
diligências especiais. Algumas vezes, o
ampliação dos espaços de circulação e
trajeto se tornava maior do que o
divulgação de narrativas sobre o crime e
esperado, seja por conta de intempéries
os criminosos e as ações policiais, desde
como a chuva ou a falta dela, seja por
o século XIX (Galeano, 2009; Porto,
desvios causados por “erradas” no meio
2009).
do caminho, como argumentou o 2º
cuja
aproximação
por
meio
de
trens,
eram
A violência policial é, nesse
sargento Constantino Pinto Ribeiro que
sentido, velha conhecida do público leitor
comandava 10 praças saindo de Juiz de
mineiro, que acompanhava notícias as
Fora com destino a Jacuí em maio de
mais diversas sobre abusos, assassinatos
1893. O pé inchado de um dos soldados
entre outros conflitos na lide dos policiais
desse destacamento pode ter contribuído
com o público em geral. Longe da vista
para sua prisão no quartel local (Arquivo
desses leitores, no entanto, circulava
outra
gama
cotidiano
de
narrativas
policial.
A
sobre
o
documentação
produzida pela polícia abre caminho para
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Público Mineiro, SI 5, cx. 5, pc 12, doc.
O exame do tenente Pedro Martins
3).59
Pereira de 53 anos, casado, indicou que
O corpo recebia uma atenção
ele tinha uma “cicatriz antiga com perda
autoridades
de substância da região tibial esquerda”,
administrativas e políticas em relação aos
concluindo que ele “não pode fazer
regulamentos da força policial. Tanto é
exercícios e evoluções militares devido
que, afora o tempo mínimo de 10 anos de
ao defeito físico da perna esquerda por
serviço para vencimentos proporcionais e
isto é considerado inválido” (Arquivo
o tempo de 30 anos para vencimentos
Público Mineiro, SI 2358). Já o soldado
integrais, a reforma era avaliada por uma
Belchior de Souza e Silva, em 26 de
junta médica e concedida em casos de
novembro de 1911,
considerável
pelas
invalidez. 60 Uma análise preliminar de
um conjunto de processos de reforma
permite
observar
grande
recorrência
doenças ligadas ao coração com homens
entre 40 e 55 anos na maioria dos casos.61
Problemas em relação aos membros
inferiores, incapacitando-os de realizar
funções policiais e militares, também
apareceram como causas dos pedidos. 62
Indo de Itapecerica a Barbacena, levando
duas loucas para serem internadas na
Assistência daquela cidade, chegando a
Estação Gonçalves Ferreira, e dirigindose ao agente da mesma estação para
informar se era necessário mudar de trem,
e, ao tomar novamente o trem que se
achava em movimento, foi o mesmo
soldado vítima de um desastre por ter
sido apanhado por uma das rodas do
carro, esmagando-lhe o pé direito,
ficando aleijado, em consequência de lhe
ter sido amputada a perna no hospital de
Oliveira, no terço inferior. (Arquivo
Público Mineiro, SI – 2346). (Grifos
meus).
O responsável pela análise do
59
Sobre o papel da caminhada no cotidiano
policial: Ver Klein, 2010: 43-46; Sphayer-Makov,
2002: 132-134.
60
Sobre a legislação regulamentando a reforma
do período: Ver: Lei 500, 21 de setembro de 1909;
Lei 580, 28 de agosto de 1912.
61
Esses dados referem-se aos tomos SI 2358 e SI
2346 contendo reformas de oficiais e praças entre
1912 e 1913.
62
Acredito que o número pode ser bem maior,
uma vez que as exigências físicas eram muitas, no
entanto, praças com menos qualificação e de
origens sociais mais baixas frequentemente
davam baixa ou simplesmente abandonavam suas
funções – entendido como deserção pelas
autoridades. Essa pode ser uma explicação da
pouca incidência desse tipo de caso. Ademais,
como dito na nota anterior, é preciso evitar
caso na 3ª seção da Secretaria do Interior
não julgava o ocorrido como um “ato de
bravura e ou abnegação”, conforme a
legislação. O parecerista entendia que
“considerando como tais os atos normais
ou comuns da função ou profissão, ter-seia deturpado o pensamento do legislador
grandes generalizações a esse respeito. Mesmos
assim, há indícios de que os pés são elementos
importantes nas atividades de trabalho da Força
Pública e merece maior atenção.
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e premiado como um lance de heroísmo”.
também é uma dimensão da violência que
E, seguia argumentando, que a invalidez
atingia
foi ocasionada por “um ato imprudente e
trabalhadores da linha de frente da
só
no
administração pública do estado. Doenças,
requerente” (Arquivo Público Mineiro, SI
invalidez, lesões e outros impedimentos
– 2346). A argumentação é forte e
físicos causados pelo ou em serviço
virulenta,
do
também eram alvo de disputas simbólicas
anspeçada. Mas essa luta simbólica
na construção de verdades sobre as
pendeu para Belchior Silva, que em ato
condições que produziram tais embaraços.
de 30 de outubro de 1913, teve a reforma
Não parece ter ocorrido um
acidentalmente
produzido
rebaixando
a
figura
concedida pelo presidente do estado.
o
cotidiano
dos
policiais,
problema que gerou tantos embaraços
Acidentes e doenças fizeram parte
quanto o da distribuição e gestão dos
do cotidiano de muitos policiais, como se
recursos financeiros da Força Pública.
pode observar das suas fés de ofício. O
Não se pode ignorar as fortes evidências
número de praças atendidos em hospitais
relacionadas às precariedades materiais,
em Minas, por questões as mais diversas,
vivenciadas pelos oficiais e praças da
também se mostrava elevado, segundo os
Força Pública. Estes, como se observa em
relatórios policiais. Segundo Claudia
outras forças policiais, também passaram
Viscardi,
por privações de diferentes sentidos no
analisando
os
boletins
referentes ao 2º batalhão, instalado em
exercício de suas
Juiz de Fora, as principais causas de
cotidiano de suas vidas (Rosemberg,
baixa
2008:
da
Força
Pública
estavam
2010).
atividades
e no
Atrasos
dos
soldos,
calçados
de
péssima
relacionadas a incapacitação física. A
fardamento
e
autora argumenta que a maior causa
qualidade,
endividamentos,
desse tipo de baixa seria a sífilis, além
enfermidades em geral são algumas
das exclusões relativas a problemas
dessas privações que afetaram física e
visuais e cardiopatias, que poderiam,
simbolicamente os militares mineiros.
também, ser decorrentes “da própria
Percebe-se
sífilis” (Viscardi, 1995: 60). A exaustão
discrepância entre a grande importância
das atividades policiais, presente em
política que se dá à instituição e aos
diversas polícias espalhadas pelo mundo,
baixos
uma
fome
persistência
investimentos
e
da
financeiros
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referentes ao capital humano e às
condições materiais de trabalho.63
Além
disso,
os
pagamentos
também contribuíram para problemas
relativos ao fardamento, pois havia
63
Os gastos do estado mineiro com a força
pública entre 1891 e 1930, segundo análise do
relatório da evolução administrativa da Fundação
João Pinheiro, foram em média de 15,03%. Mas
esse valor foi decrescente nos decênios do
período, iniciando em 17,01%, 13,44%, 11,04%,
e chegando a 10,48% entre 1921 e 1930. Esses
números, porém, referem-se a despesas com
pessoal, “forragem para animais, ajuda de custo a
oficiais, aquartelamento e luzes, tratamento e
enterramento de praças, etapa, fardamento,
compra de animais, equipamento, armamento e
munição, movimento de forças, bombeiro (a partir
do orçamento de 1912) e guarda municipal
(aparece apenas no orçamento de 1915)” (Minas
Gerais, 1994: 59,60). A compilação dos dados
orçamentários do stado permite observar a
diminuição de investimentos relativos à força
pública e um crescimento em relação aos gastos
com o que foi chamado de “polícia judiciária”,
que envolviam as atividades de “diligências
policiais, repartições de polícia, carcereiros,
colônias correcionais agrícolas, expediente de júri,
pessoal de penitenciárias, secretaria de Polícia e
estatística criminal” (FJP, 1994, p. 60). Essa
divisão dos gastos orçamentários acarreta dois
tipos de problemas analíticos. O primeiro é que a
noção de “polícia judiciária”, tal como expressa
nos gráficos da pesquisa da Fundação, engloba
funções que também eram exercidas no período
supracitado pelas praças e oficiais da força
pública como diligências policiais e, por vezes,
funções de carcereiro. O segundo problema é que
o gasto efetivo com o pessoal, que estaria
diretamente ligado ao acesso a alimentos, por
exemplo,
não
pode
ser
discriminado
minuciosamente. E não podemos observar, por
exemplo, como era feita a distribuição e
destinação do dinheiro diante das inúmeras
funções elencadas e exercidas pela Força Pública.
Vale lembrar que a situação de pobreza material
era um elemento comum em Minas Gerais desde
tempos coloniais, incluindo os setores da
administração pública. A sociedade mineira tinha
como marca, já no século XIX, uma consolidada
hierarquização social baseada em fatores
econômicos e a carestia não era algo incomum
(Chaves, 2014). Com a proclamação da República
até os anos 1930 e 1940, a economia mineira teria
passado por um processo de “isolamento e
autossuficiência”
caracterizado
“pela
exigências de apresentação impecável em
paradas, revistas e a serviço, o que nem
sempre era possível de ser atendido pelas
praças e oficiais nos sertões mineiros. Em
1906, o chefe de polícia Olavo Andrade,
argumentava que os fardamentos e os
calçados fornecidos à Brigada, aos
batalhões e aos quartéis eram de péssima
qualidade. Os coturnos, confeccionados
com curtumes muito duros, machucavam
os pés dos soldados e estragavam nos
primeiros usos, não suportando nem
mesmo
pequenas
diligências,
ou
desmontando logo na tentativa de calçálo pela primeira vez. Segundo seu
relatório, eles eram responsáveis por
“causar moléstias na maioria das praças
que, ou baixam ao hospital ou pedem
licença a fim de poderem melhorar os pés
chagados”.
Já
sobre
o
fardamento,
entendia que não era sensato investir em
material inferior em detrimento dos
serviços diários, simplesmente por serem
“de preço menor e [que] tal prática tem
fragmentação, diversificação e introversão da
economia mineira durante a Primeira república”,
que não deixou incólume o próprio
desenvolvimento da máquina pública (Martins
Filho, 2009: 113).
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trazido grandes inconvenientes qual o de
não fizeram despesa alguma “pois que,
duração insuficiente a exigida na tabela
durante o tempo que ali estava em
vigente e como consequência ficarem às
diligência
praças em sua maioria desfardada ou
comando, foram sustentados pelo povo
maltrapilhos, sujeitando-se a tirarem
do lugar tendo além disto levado etapas
outro fardamento para desconto nos
suficientes que serviram somente para as
minguados vencimentos que percebem”
diligências que fez fora do Arraial”
(Arquivo Público Mineiro, PM- SI 1, cx.
(Arquivo Público Mineiro, Pol 5, cx 5, pc.
1, pc 38, doc 01, f. 27-29).
5, docs. 04, 05). Mais uma vez, é possível
com
as
praças
sob
seu
A vida dos oficiais e praças
observar que os reveses e da vida dos
destacados em diligência, realmente,
trabalhadores comuns, neste caso da
parece ter sido marcada por grandes
população rural, assemelham-se aos dos
privações, como expressas em exemplos
policiais militares destacados no interior
anteriores. Mas também foram marcadas
mineiro. A troca de objetos e mercadorias
por
e as (possíveis) atuações em atividades
complexas
envolvendo
relações
diferentes
sociais,
estratégias
de
agrícolas informais,
parecem ter sido
sobrevivência junto com a comunidade
uma opção definidora para não se
local. No final do ano de 1892, o
submeter
delegado de polícia da cidade de Ubá
inconvenientes do ofício.64
à
fome
e
aos
demais
concedeu licença para duas praças que
O “Relatório da Brigada Policial
estavam destacadas no distrito de Sapé
de Minas” escrito pelo chefe de Polícia
“buscar roupas” na cidade de Juiz de Fora,
Olavo
liberando passes de estrada de ferro. O
secretário do Interior, de 1906, é um
cabo de esquadra Antonio José Pereira,
documento interessante para o acesso aos
“comandante da escolta que esteve em
problemas
diligencia no arraial de Sapé”, ao ser
impactavam o cotidiano, mas também, os
indagado pelo Capitão Fiscal do 2º
vencimentos
batalhão sobre o assunto revela elementos
Andrade argumentava sobre os baixos
interessantes
vencimentos do pessoal da Brigada,
das
relações
de
um
destacamento com os habitantes das vilas.
Antonio Pereira declarou que as praças
Andrade
e
apresentado
administrativos
das
praças
e
ao
que
oficiais.
64
Outra interpretação possível seria da coerção e
imposição do medo e violência à população de
Sapé.
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comparando-os aos do Distrito Federal,
envolvem a produção do roubo, como
São
Janeiro,
argumenta Daniel Palma, “nos permitem
demonstrando, por exemplo, que “um
reconstruir uma trama que é particular e
soldado na força Federal ganha tanto de
geral, ao mesmo tempo, que abarca
soldo quanto um 2º sargento da nossa
experiências e representações sociais, e
Brigada”.
polícia,
que traduz o tipo de sociedade que se
expunha
construiu” (Palma Alvarado, 2011: 19).
Paulo
e
O
argumentando
Rio
chefe
que
de
de
não
novidades, entendia que os oficiais
No
lutavam “com as maiores dificuldades
frequentemente
agravadas pela obrigação permanente de
analistas e, o que nos interessa, pelos
decentemente”.
fardarem-se
A
entanto,
as
causas
são
econômicas
evocadas
por
perpetrantes desses delitos.
valorização do oficial seria uma tomada
Em 1910, o alferes Izidoro Corrêa
de posição ante as reclamações dos
Lima, protagonista dos assassinatos no
mesmos, mas também, diante do papel
Fórum de Passos (Grilo, 2012), passou
administrativo exercido pelo pessoal da
por um processo administrativo por ter
Brigada (Arquivo Público Mineiro, PM -
cometido o “crime de fraude”. O
SI 1, cx, 01, pc. 38, doc 1, f. 34-39 e
conselho da justiça militar resolveu
anexo a). A questão das baixas condições
retirar a pronúncia, pois, apesar de
econômicas dos membros da Força
provada a fraude, ela não se enquadrava
Pública, nesse sentido, era percebida
“nas condições exigidas no artigo 497 do
como um problema até mesmo pelas altas
Regulamento em vigor, porque nas
autoridades da polícia em Minas.
circunstâncias do crime não se verificou a
As condições materiais da vida
má fé do indiciado”, sob a condição, no
e
entanto, de indenizar “o Estado da
historiograficamente, com uma dimensão
importância de um conto novecentos e
da violência que é material, mas também
vinte e seis mil e duzentos reis” (Arquivo
simbólica: o roubo. Delitos envolvendo
Público Mineiro, SI 2296, f.179- 179, v;
roubos, furtos, desvios de verbas ou
f. 223). Os argumentos de Izidoro Lima
crimes do colarinho não podem ser
envolveram a proteção da família diante
explicados
questão
de ameaças e inconsistência de sua
econômica. As redes e tramas que
autoridade, na condição de delegado
relacionam-se,
histórica
somente
pela
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especial em Passos durante 1909. Ele se
Mineiro, SI 2296, f.19, v- 24 v). O
pautou na segurança da sua família, que
Capitão foi acusado de realizar “saques
teria sido recomendada a devolver o
de adiantamentos
dinheiro na Secretaria do Interior, após
diversas coletorias e no período de 1902 a
recolher o prêmio do seguro de vida feito
1909, deixando de recolher algumas
em seu nome, quando falecesse. Além
prestações a que se obrigou” (Arquivo
disso, o alferes escancara uma situação de
Público Mineiro, SI 2296, f.24). Essas
instabilidade vivenciada pelos oficiais e
acusações, de acordo com a sentença, não
praças durante aquele período, uma vez
foram provadas e, por isso, foi absolvido
que, apesar da demanda, a Força Pública
de crime militar, no entanto, o presidente
não possuía uma caixa ou fundos
Julio Bueno Brandão decidiu obrigar o
beneficentes, o que ocorreria somente a
capitão
partir de 1911. O argumento de Izidoro
“descontos mensais de um terço de seus
frisava a falta de regulamentação do
vencimentos” na “quantia de cinco contos
amparo institucional aos herdeiros dos
quatrocentos e trinta mil réis […]
policiais, como a possibilidade da fruição
conforme se verifica a demonstração
de pensão por parte da família do oficial
anexa aos presentes autos” (Arquivo
ou soldado morto em exercício.
Público Mineiro, SI 2296, f. 99 v).
Na posição de delegado especial,
a
em
indenizar
Esses
dois
duplicata em
o
Estado
últimos
por
casos
o Capitão Paulo Ferreira da Cunha
envolveram oficiais que também atuavam
também foi processado em 1910 por ter
de forma violenta em outras instâncias de
sacado indevidamente importâncias em
seus cotidianos. O alferes, como vimos,
nomes de praças que não mais estavam
protagonizou as cenas de morte e
destacados no seu quartel ou que já
ferimentos de civis em Passos. Já o
haviam recebido seus vencimentos em
capitão Cunha envolvia-se em discussões
diferentes localidades. Sua fé de ofício
e confusões diversas. “Em um Bordel de
consta várias repreensões, prisões e
uma prostituta” na cidade de Uberaba,
auditorias relativas a abuso da autoridade
teria “procedido de modo inconveniente,
para desvio de verbas ou concessões
travando
indevidas de benefícios, que ficaram
camaradas, da qual podia ter dado
constantes desde 1903 (Arquivo Público
consequências a se lamentar”. O uso do
forte
discussão
com
seus
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álcool animava ainda mais os ânimos de
A figura do soldado da força policial
Paulo Cunha, segundo sua fé de ofício, o
mineira foi, por vezes, desenhada pelos
que
jornais
era
considerado
“altamente
de
grande
circulação
como
reprovável e vexatório”, uma vez que
homens ignorantes, fracos e incapazes.
“não pode[ria] revelar procedimentos de
Os soldados do exército desde o império
tal ordem” em público (Arquivo Público
já sentiam na pela o estigma de sua
Mineiro, SI 2296, f. 23v). O interessante
ocupação, sendo, inclusive, motivos de
nesses dois casos não é o fato das duas
tensões entre eles e praças da polícia
acusações de fraude terem sido perdoadas,
(Rosemberg,
condicionadas
das
parecem ter razões distintas, uma vez que
importâncias aos cofres públicos, mas
a “desclassificação” do soldado do
que ambos demonstraram que suas ações,
exército tem fortes relações com o caráter
em graus diferentes, se deram em relação
punitivo
aos seus interesses econômicos imediatos,
nacional (Beattie, 2012: 195-196). A
relacionados a possíveis dívidas ou ao
origem social dos policiais de linha de
conforto dos herdeiros. Seria essa trama,
frente, em diferentes polícias brasileiras,
talvez, um reflexo da violência simbólica
frequentemente recaiu sobre as classes
que permeava não só o exercício da
mais
autoridade policial – oficiais e praças
Rosemberg, 2010; Mauch, 2011). O
inclusos – mas, também, as condições,
perfil das praças inferiores de Minas
formas e organizações da sociabilidade
Gerais também seguiu essa tendência,
no
qual
pois eram recrutados nas fileiras da
sua
população pobre e contavam com salários
posição sócio-política, foram capazes de
muito baixos. A pecha de ignorante e de
identificar e mobilizá-las em
brutos seguia na imprensa como ataque
território
determinados
ao
ressarcimento
mineiro,
indivíduos,
sobre
pela
favor
próprio?
2008).
do
Esses
engajamento
despossuídas
estigmas
na
(Al-lam,
força
2008;
às instituições ou mesmo às lideranças
As relações dos policiais com o
republicanas, contribuindo com a falta de
público é tema fundamental da literatura
autoridade
especializada. Abordaremos, finalmente,
população.
dos
policiais
diante
da
dos
A “Revista Militar”, publicação
soldados produzida pela opinião pública.
quinzenal dos oficiais da Força Pública
a
questão
das
representações
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no ano de 1911, assim como a revista
desclassificados, a elementosfísica, étnica
produzida em comemoração aos 10 anos
e
do 5º Batalhão, datada de 1932, revelava,
imprestáveis e indignos” (Revista Militar,
mesmo que indiretamente, os problemas
nº 1: 5-6). Já na edição nº 4, um
que
consolidação
interlocutor, que entendia a polícia como
profissional da força pública, dentre eles
o quarto poder que dava sustentação aos
a educação. 65 A revista, obra tomada à
outros três, apontava questões mais sérias
frente pelo Tenente-Coronel Christiano
a serem levadas em conta pelo comando.
envolviam
a
Alves Pinto, se colocava como uma
o
conhecimento
e
se
posicionando em defesa dos interesses da
Força Pública.66
No primeiro número, o intelectual
e figura pública importante no cenário
mineiro do período, Nelson de Senna, se
posicionava
a
favor
do
soldado,
defendendo a religião, instrução moral,
intelectual e física do soldado, que já não
estaria mais “abandonado a péssima
orientação de outrora” (Revista Militar,
nº 1: 5-6). Congratulava o comandante
geral e orientava, ainda, a “recusar praça
a
65
indivíduos
desconhecidos,
a
Minas Gerais, Revista Militar. Publicação
quinzenal da biblioteca Militar da Brigada
Policial do Estado de Minas Gerais, 1911; BN,
2,028,02,27. Minas Gerais, 1932. Esses
problemas assemelham-se aos observados na
revista policial da Força Pública do Rio de Janeiro,
publicada em 1903 (Bretas, 2009).
66
A revista fez circular abundantemente as
discussões em defesa da Caixa Beneficente,
demanda desde o início da república, e que
acabou sendo criada no segundo semestre de
1911.
condenados
como
Releva notar que, do principal escopo da
polícia moderna nunca se cuidou, que é a par do preparo militar – o policial,
propriamente dito[...] Ninguém ignora
que nunca se cuidou da instrução teórica
ou prática dos nossos oficiais e praças,
acerca da missão policial, que é serviço
deles, exigido a todo momento, e, para
que negá-lo?, militarmente muito pouco
se há feito. [...] Exigir de uma praça, de
cultivo medíocre, que saiba o que deve
fazer em determinado serviço que, por
força de circunstâncias, tenha de agir
fora da presença de autoridade, é
pretender o impossível. (Revista Militar,
nº 4: 41). (Grifos meus).
contribuição para a Biblioteca Militar,
cultivando
moralmente
O soldado, assim como parte
significativa da população, é entendido
como um ser incapaz de compreender
obrigações, leis e ordens superiores. Ser
humano naturalmente inferior, mas que
pode agir e cumprir com suas missões,
desde que bem-educado, tutelado pelos
seus superiores e autoridades a serviço do
estado. O chefe de polícia Olavo Andrade
já argumentava em 1906 a conveniência
da
criação
de
escolas
regimentais,
ministrando o primário, para leitura e
escrita, técnicas e teorias do saber policial,
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uma vez que “a maioria das praças
apresentando soluções para saná-las, as
mesmo as mais graduadas, ignoram os
autoridades
principais
da
somente colonizando e reforçando uma
Constituição e Código Penal, porém os
dominação classista por meio do controle
do próprio Regulamento da Brigada”. E,
do conhecimento legítimo. Elas também
finalmente, para ele o “soldado de polícia
estariam interessadas em construir um
moderno, na frase do ilustre comandante
corpo institucional, em promover a in-
da Força Policial Federal, deve ser um
corpo-ração dos valores militares e
agente perspicaz, inteligente, ativo e
estaduais. A imagem dócil do soldado
obsequioso, ao mesmo tempo em que
vinha a calhar com a imagem da Força
enérgico e firme em suas resoluções”.
Pública como defensora do povo mineiro.
(Arquivo Público Mineiro, SI 1, cx 01, pc,
Quando atacados como “mal-educados”
38, doc 01, f. 11).67
por um articulista do Diário de Minas,
artigos
não
direi
policiais
não
estavam
A educação formal, desde o
um colaborador da revista, argumentou
século XIX, exerce uma dupla função, a
que, apesar da falta de instrução militar e
de produzir sujeitos aptos a determinadas
da falta de disciplina, o soldado não pode
atividades e a de definir a legitimidade
ser denominado como “mal-educado”
dos saberes e práticas. É um processo de
pois “ele é o tipo perfeito e acabado dos
violência simbólica que atravessa os
nossos sertanejos, refletindo com os seus
corpos
sujeitos,
vícios e virtudes todas as qualidades do
individuais,
povo mineiro”. (Revista Militar, nº 11:
e
as
almas
dos
construindo subjetivações
mas coletivamente amparadas.
68
Ao
125). (Grifos meus).
reconhecer os problemas relativos aos
saberes
formais
dos
soldados,
Considerações finais
67
Esses argumentos não parecem ter surgido
efeito positivo junto à autoridade responsável,
uma vez que os trechos dessas propostas no
manuscrito do seu relatório encontram-se
rasurados de vermelho, provavelmente pelo
encarregado da 3ª seção a mando do Secretário do
Interior.
68
Uma boa discussão sobre o papel da educação
na formação de subjetividades. Ver: Monarcha,
2009. Sobre o problema da modernidade e da
sociedade educativa: Ver: Noguera-Ramirez,
2011.
As
experiências
dos
sujeitos
policiais foram marcadas por constantes
lutas em torno da legitimidade de seus
comportamentos em face às prescrições
ditadas pela hierarquia e pelo sonho
disciplinar. Os corpos, tidos como dóceis
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eram, antes de tudo, violentos, ébrios,
Por mais que as tarefas mais importantes
embebidos de paixões e desejos sexuais e
e ordinárias dos policiais não seja a de
carregavam valores sociais que não se
combater o crime ou o criminoso,
restringiam às normas internas. As
tampouco fazer uso da força física
violências vivenciadas pelas praças e
(Monjardet, 2012: 25-27), a violência
oficiais da Força Pública, evidenciam,
deixava suas marcas nos sujeitos que
também, a importância das relações de
constituíam a instituição policial militar
sociabilidades mantidas pelos membros
em diferentes aspectos. Mesmo correndo
daquela
a
o risco de uma análise apressada, entendo
de
que a violência teve um lugar importante
solidariedade e das tensões vividas no
inclusive na consolidação dos sentidos
cotidiano das praças e oficiais precisa ser
positivos do ser policial. As relações, no
mais bem analisada, problematizada e
entanto, entre a consolidação, legitimação
esclarecida. A documentação analisada
e incorporação de uma cultura policial e o
neste estudo permite a interposição de
exercício da violência física ou simbólica,
importantes
estão, ainda, por ser explicadas mais
instituição.
importância
Contudo,
desses
vínculos
perguntas
a
serem
desenvolvidas no decorrer da pesquisa:
como se constituiu, nas forças policiais
profundamente.
Os
entrelaçamentos
entre
militares em Minas Gerais, o sentimento
violência e cotidiano tem se mostrado
de pertencimento à corporação? Como
mais complexos do que inicialmente se
praças e oficiais de alta e baixa patente
imaginava.
incorporaram a instituição policial e em
significados desse fenômeno permite
que medida deram (seu) corpo a essa
explorar as rupturas, continuidades e
instituição, a partir de suas próprias
inovações
experiências?
desenvolvimento de ações e práticas
Os
indícios
encontrados
nos
culturais
A
que
multiplicidade
se
baseadas
dos
relacionaram
ao
na
violência.
ofensas
físicas,
arquivos têm indicado uma pluralidade da
Assassinatos,
representação e das experiências do ser
discriminações,
policial, mas uma característica tem se
conquistas de direitos seriam alguns dos
mantido constante: o lugar da violência,
resultados fundados nas relações sociais
física ou simbólica, no dia-a-dia policial.
estabelecidas pelos policiais no exercício
mobilizações
e
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de suas atividades. Além disso, uma
explicação possível se encontraria na
análise dos seus vínculos e afinidades
políticas
e
temperamentos.
sociabilidades
sociais
As
e
por
seus
redes
de
estabelecidas
pelos
policiais militares em Minas Gerais nas
primeiras décadas republicanas foram
permeadas por tensões, negociações,
disputas e transações provisórias. Essas
experiências informaram a construção de
um repertório coletivo de percepções,
apreciações, ações e apreensões do
mundo social.
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A violência nos escritos do
partido liberal mexicano
Perspectivas sobre o crime, o estado e a
rebeldia em regeneración e revolución
(1906-1911)
modernizador - buscavam construir o país
como uma “nação civilizada”. É no bojo
dessa disputa pela modernidade mexicana
que emerge o Partido liberal Mexicano,
na primeira década do século XX, com
um projeto de oposição ao regime
porfirista. Diante do crescente processo
de radicalização da oposição ao regime
Marlon Rocha
ao longo da primeira década, a violência
vai ocupar um lugar privilegiado no
discurso dos opositores, que defenderam
Considerações iniciais
o emprego da violência rebelde até 1910,
quando estoura, de fato, o processo
O
presente ensaio tem como
revolucionário.
objetivo analisar a inserção da
Nesse caminho, este ensaio é uma
violência na pauta política da
breve análise do discurso sobre a
sociedade mexicana na primeira década
violência nos periódicos Regeneración
do século XX, mais especificamente no
(1900-1918) e Revolución (1907-1908).
discurso do Partido Liberal Mexicano.
Tais jornais, no recorte temporal deste
Com a evolução das tecnologias de poder
trabalho
iniciada
México
imprensa política da Junta Organizadora
oitocentista, a violência se torna um
do Partido Liberal Mexicano (PLM).
importante tema do debate político, na
Embora a Junta tenha surgido em 1905, o
medida em que começa a ser considerada
movimento liberal que deu origem a ela e
pelos mais diversos grupos como uma
ao PLM se inicia anos antes.
no
alvorecer
do
(1905-1911),
consistiam
na
eficaz estratégia de dominação e de
Ao longo do século XIX, houve
implantação de seus projetos políticos.
algumas tentativas de oposição liberal ao
No regime porfirista, que ascende na
regime porfirista69 - como o periódico El
segunda metade do século XIX, fica
Demócrata -, mas que não conseguiram
evidente a importante função da violência
69
para
implantação
de
seu
projeto
Como é habitualmente chamado o regime
político presidido por Porfírio Díaz, que governou
o México de 1884 a 1911.
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se
enraizar
em
nenhum
setor
da
sociedade mexicana. Só a partir de 1901
republicanas,
foi
se
tornando
uma
oposição ao regime porfirista.
que podemos observar a emergência de
O periódico Regeneración tem
uma oposição liberal sistemática, em que
suas primeiras publicações já neste
indivíduos de classe média começaram a
primeiro período, em 1900, antes mesmo
organizar diversos clubes e periódicos de
da fundação da Junta. Nesta fase,
combate ao regime vigente. Podemos
denunciava as arbitrariedades de juízes,
observar um processo de radicalização no
governadores e legisladores do regime
movimento liberal em seus primeiros
porfirista. Pouco depois, mas ainda nesta
anos
possível
primeira etapa, começou a classificar o
diferenciar duas fases do que Cockcroft
regime como uma ditadura e criticar o
chamou de “giro à esquerda”: uma
monopólio
primeira de 1900 a 1903, quando os
defendendo a “regeneração” dos ideais da
liberais incorporaram “questões sociais”
Reforma70.
de
atividade,
sendo
em seu discurso; e outra de 1904 a 1906,
do
mercado
mexicano,
Desde o começo, os militantes do
quando os militantes optam pela via
movimento
liberal
revolucionária para transformação da
prisões,
sociedade mexicana e estreitam laços
ilegalidade de sua ação política. A dura
com o anarquismo estadunidense.
repressão que eles sofreram neste início
exílios,
conviveram
assassinatos
com
e
a
O primeiro momento se inicia
de atuação serviu “para acelerar, mais
com a Invitación al Partido Liberal, de
que para impedir, a radicalização do
Camilo Arriaga, como uma reação às
movimento” (Cockcroft, 1978: 97). Em
declarações da Igreja Católica em San
1902, surgiram dois periódicos - El
Luis Potosí. Tratava-se de um conflito
Demófilo e El Hijo Del Ahuizote71 - que
local entre a Igreja e os liberais que se
expandiu
nos
seguintes
diversos
estados.
Este
anos
para
crescente
movimento, que no início consistia em
uma crítica ao espaço que o clero
mexicano conquistava nas instituições
70
Tal período transcorreu de 1855 até a
Revolução de Tuxtepec (1876), quando Porfírio
Díaz ascende ao poder. Os intelectuais e
estadistas liberais desta etapa histórica foram
responsáveis pela difusão do constitucionalismo e
de outros princípios políticos modernizantes no
México, cuja herança os liberais do começo do
século XX reivindicavam.
71
Existia uma série de outros periódicos liberais
neste período, mas estes dois foram destacados
por terem sido redigidos e editados pelos
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já classificavam o regime de Díaz como
denunciavam o monopólio da terra e das
autoritário e exclusivista. O lançamento
fábricas,
do manifesto do clube liberal Ponciano
socioeconômicas.
Arriaga – diretor dos outros clubes – em
confronto ideológico foi alto, na medida
1903 marca o “clímax da radicalização”
em que alguns liberais foram exilados em
neste primeiro momento. Tal documento
1904.
já
demonstrava
uma
O
reformas
custo
deste
do
Neste momento, há outra fase do
“anticlericalismo tradicional” para um
“giro à esquerda”. Alguns dos militantes
discurso
exilados nos Estados Unidos entraram em
ancorado
na
transição
exigindo
denuncia
de
“injustiças sociais e econômicas e na
contato
necessidade de uma reforma radical”
anarquistas. Em 1905, os liberais que se
(Cockcroft, 1978: 105). A crítica ao
aproximaram dos anarquistas fundam a
regime
uma
Junta Organizadora do Partido Liberal,
preocupação com as condições desiguais
que funcionou como um centro diretor do
em
PLM nos anos seguintes. Na fundação do
porfirista
que
carregava
viviam
capitalistas
e
trabalhadores.
indivíduos
e
grupos
órgão estavam Ricardo e Enrique Flores
Há igualdade em nosso país? Não. O
capitalista, o frade e o alto funcionário,
seja civil ou militar, não são tratados no
México igual que o operário humilde ou
qualquer outro membro do povo, obscuro
na sociedade, mas brilhante nas epopéias
da Nação. Os trabalhadores arrastam
uma vida de humilhação e miséria. Os
privilégios e os foros em vigor tem nos
enchido de uma classe de inúteis e
viciosos, que podemos chamar os
zangões do conjunto social. (Manifesto,
1903).
O
com
discurso
destes
opositores
Magón, Juan e Manuel Sarabia, Antonio
I. Villarreal, Rosalio Bustamante e
Librado
Rivera.
Posteriormente
integraram a Junta Anselmo Figueroa,
Praxedis Guerrero e Modesto Díaz. Em
1906, quando se formaliza o Partido
Liberal Mexicano, os integrantes da Junta
já estavam comprometidos com a luta
rebelde, defendendo a via armada como
comportava tanto um conteúdo político –
caminho
reivindicavam liberdades democráticas
porfirista. Neste momento, os integrantes
que teriam sido “usurpadas” pelo regime
começam a buscar base social para seu
–
projeto
quanto
um
caráter
social
–
para
derrubar
político
em
o
regime
sindicatos,
comunidades indígenas e movimentos
intelectuais que fundariam posteriormente a Junta
Organizadora.
populares.
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Esta
segunda
fase
da
A
radicalização
do
radicalização, que ocorre entre 1904 e
republicanismo dos integrantes da Junta
1906 acarretou uma cisão entre os
do PLM e a assimilação de princípios do
integrantes da Junta Organizadora. Se a
socialismo libertário tiveram grandes
defesa da via revolucionária já era
implicações na abordagem dos periódicos
unanimidade entre estes, havia diferenças
sobre a violência. Os ideais republicanos
acerca do sentido desta revolução. Por
dos primeiros anos de atuação, neste
um lado, alguns militantes como Juan
momento, se desdobram na necessidade
Sarabia, Manuel Sarabia e Antonio
de uma luta rebelde para queda de Díaz.
Villlarreal se mantiveram propagando
Em
ideais republicanos e liberais semelhantes
sindicalismo estadunidense, neste período
aos dos primeiros anos de atividade
também começaram a figurar nos jornais
(1901/1904). Por outro lado, militantes
diversos elementos da crítica anarquista
como Ricardo e Enrique Flores Magón,
ao Estado e ao capitalismo.
Rosalio Bustamante, Librado Rivera e
Praxédis
Guerrero
levaram
vista
da
aproximação
com
o
A convivência entre liberais e
a
anarquistas na Junta Organizadora durou
aproximação com os anarquistas às
até 1911, quando o PLM se torna uma
ultimas conseqüências, tornando o PLM
organização declaradamente anarquista e
uma organização anarquista em 1911 - o
os liberais saem do partido. De todo
72
modo, a partir de 1906, os periódicos
que causou a saída dos liberais.
(Cockcroft, 1978: 112-127).
Regeneración e Revolución continuavam
classificando o regime porfirista como
uma ditadura que beneficiava poucos
72
Embora seja difícil precisar o exato momento
em que uma parte dos integrantes da Junta se
torna anarquista, pela correspondência pessoal
fica claro que, em 1908, alguns integrantes já
haviam aderido ao anarquismo – enquanto outros
permaneceram liberais. No entanto, eles decidem
manter o nome do partido como liberal por tática
de luta, pois tinham receio de que houvesse uma
recepção negativa por parte de outros dirigentes e
da massa que compunha a base do partido.
(Fuentes, 1955: 253-254). Sobre isto, Cf.
Correspondência pessoal de Ricardo Flores
Magón, ano de 1908, disponível em:
<www.archivomagon.net>.
grupos – que estariam monopolizando a
terra e as indústrias -, mas incorporando
em seu discurso a propaganda da via
armada para queda de Díaz. Este
processo de radicalização do discurso dos
integrantes
da
Junta
–
seja
pela
transformação do republicanismo, seja
pela incorporação de elementos da crítica
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anarquista
–
que
ocorre
desde
os
importância que o tema adquiriu na
primeiros anos do movimento liberal
sociedade mexicana ao longo do século
influiu claramente sobre a abordagem da
XIX. O tema do crime - ou a definição de
violência.
determinados
atos
violentos
como
Para compreensão histórica do
criminosos e, portanto, passíveis de
discurso pelemista sobre a violência, será
punição e correção -, assim como o uso
feita
duas
das prisões, foram dois importantes
dimensões - convenientes para tratar o
elementos de coesão do projeto de
tema da violência na primeira década do
modernização que a administração de
século XX. Num primeiro momento, será
Díaz buscou implantar no México.
uma
interpretação
em
analisado o que os integrantes da Junta
pensavam
violentos
prisões e a classificação de atos violentos
definidos como “crime” pela escola de
como criminosos puderam “vir-a-ser”
direito penal – que vinha se afirmando no
elementos de coesão do regime porfirista,
México desde fins do século XVIII.
é
Após,
dos
compreendidos nos termos do processo
pelemistas ao regime porfirista, que
de evolução das tecnologias de poder
consideravam uma ditadura – um regime
descrita por Michel Foucault. Trata-se da
excessiva e arbitrariamente violento -
ascensão, no século XVIII, do poder
analisada conjuntamente à defesa da
disciplinar - direcionado ao indivíduo-
violência rebelde - na medida em que os
corpo - e do surgimento, no século XIX,
integrantes da Junta acreditavam que a
do poder-regulamentador – (ou biopoder)
queda de Díaz só seria possível pela via
- uma tomada de poder direcionada ao
armada.
homem enquanto espécie, a “massa
será
sobre
os
exposta
atos
Para entender como o uso das
a
crítica
conveniente
que
ambos
sejam
populacional”. 73 Ambos os poderes não
só coexistiam como se atravessavam,
O crime: caso de polícia ou de política?
pois se davam em âmbitos diferentes e,
por vezes, complementares. Foucault
Num primeiro momento, cabe
defende que eles não são opostos
analisar algumas abordagens pelemistas
da
criminalidade
por
conta
da
73
Sobre esta evolução das tecnologias de poder
Cf. Foucault,1999: 2005.
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[...] porque as disciplinas sempre
tendem, de fato, a ultrapassar o âmbito
institucional e local em que são
consideradas. E, depois, elas adquirem
facilmente uma dimensão estatal em
certos aparelhos como a política, por
exemplo, que é a um só tempo um
aparelho de disciplina e um aparelho de
Estado (o que prova que a disciplina nem
sempre é institucional). E, da mesma
forma, essas grandes regulações globais
que proliferam ao longo do século XIX,
nós as encontramos, é claro, no nível
estatal, mas também abaixo do nível
estatal, com toda uma série de
instituições subestatais, como as
instituições médicas, as caixas de
auxílio, os seguros, etc. (Foucault, 2005:
298-299)
em grande parte, nas proposições de
Por conta da disseminação do
transgressores; e produziu categórica e
positivismo no México a partir da metade
epistemologicamente os delinqüentes –
do século XIX, cabe aqui o destaque para
há grande afirmação, no período, de
dois
desse
juristas e criminologistas que buscavam
processo. Em primeiro lugar, há uma
definir a transgressão e delinear suas
transformação
causas. Esta delinqüência produzida pelo
elementos
característicos
própria
do
poder
Jeremy Bentham. (Buffignton, 2000: 8992)
Estas
diversas
medidas,
que
tinham como objetivo disseminar e
implantar a prisão como forma adequada
- moderna - de castigo, tiveram como
conseqüência
a
“fabricação”
da
delinqüência em dois sentidos: criou
condições propícias para reincidência –
estigmatizava
e
desqualificava
os
disciplinar: a execução pública e o
surgimento
patíbulo
substituídos,
disciplinares foi bastante útil como
respectivamente, pelo encarceramento e a
estratégia de dominação política, pois
prisão. Este processo se inicia ainda em
servia para separar o crime da política,
fins do século XVIII, quando surgem
aumentar o temor a prisão e garantir a
algumas propostas de juristas e políticos
autoridade. (Garland, 2006: 180-181)
são
por estabelecer na Nueva España formas
74
de
novas
técnicas
O regime porifirista fez largo uso
de castigo moderno. Ao longo do século
das
XIX ocorreram diversos congressos,
delinquência por serem técnicas de poder
workshops, aprovação de leis e outras
que permitiam a implantação de seu
iniciativas que visavam reformar o
projeto político. Em vista da efetivação
sistema prisional mexicano baseando-se,
de um novo código penal, escrito por
74
Martínez de Castro, Buffignton (2000:
A atuação de Manuel de Lardizábal y Uribe, em
seu clássico Discurso sobre las penas, publicado
em 1792, foi de grande importância.
prisões
e
da
produção
da
93) afirma que depois de anos de
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país
precisa
primeiro
avançar
economicamente.
Desenvolvimento
econômico, científicos defendiam, era
impossível sem um longo período de
estabilidade política. Em uma reveladora
distorção do lema original do francês
positivista Augusto Comte “amor, ordem
e progresso”, a administração de Díaz
escolheu substituir “amor” pelo menos
ambicioso “paz”. (Buffignton, 2000: 94).
debilitante guerra civil, o México tinha
rapidamente
emergido
como
nação
civilizada com um inovador código penal
e planos para uma moderna penitenciária
que simbolizava seu compromisso com o
futuro.
A partir do ano de 1876, com a
Foi com o objetivo de assegurar
ascensão de Díaz na vida política do
“paz, ordem e progresso” para todo o
México, os científicos e os funcionários
México que as novas tecnologias de
do regime porfirista atribuíram para si a
poder se fizeram necessárias. Para os
tarefa de modernizar a nação, construir o
períodos
país como uma nação civilizada, em que
administração
houvesse o respeito à lei e à propriedade
estruturação estatal - como no caso do
privada. As investidas neste sentido
México de fins do século XIX e começo
denotam a herança do republicanismo
do XX -, “os bandidos embaçam a
que já se afirmava no país desde anos
unidade da imagem e atacam à nação
anteriores – a partir de 1821, no primeiro
imaginária, de modo que necessitam ser,
império. Porém, os intelectuais porfiristas
se não integrados, ao menos eliminados.”
assimilam um elemento que começa sua
Desta forma, “a bandidagem por si
carreira no México só décadas depois, a
mesmo põe abaixo a imagem de paz
partir de 1855, com o período de
social e consenso nacional tão vital para
Reforma: o positivismo. A partir da
um débil projeto nacional em vias de
assimilação de aspectos do positivismo
construção”. 75 (Vanderwood, 1994: 130-
francês, a administração porfirista vai
131)
em
que
leva
uma
a
determinada
cabo
uma
tomar como foco central a ordem social e
Este processo é comum também a
o desenvolvimento econômico. Como
outros países da América Latina em fins
atesta Buffignton:
do século XIX. Neste contexto, o
Justo sierra, um proeminente científico,
notou em um ensaio de 1889 que “o
estado moral e social das sociedades
humanas dependem de seu estado
econômico.” Para o México alcançar
“liberdade” e “direitos individuais” o
75
O coportamento criminoso contradiz as normas
correntes,
ou
seja,
apresenta-se
como
indisciplinado e fora do eixo comportamental
regulamentado pelo “biopoder”.
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bandido, mais do que um simples
para baixar a morbidade e aumentar a
contraventor, passa a ser
duração da vida – o “fazer viver” que se
[...] uma fórmula de profundo impacto
cultural que ia além da tentativa de
distinguir o legal do ilegal. Ela
procurava, também, identificar aqueles
que se haviam inclinado à desordem em
uma sociedade que carecia de contornos
definidos, embora se buscasse cristalizar
um horizonte de respeito à propriedade
privada e ao império da Lei do Estado.
Sem dúvida, a identificação do bandido
reunia condições para produzir poderosas
representações. (Rafart, 2011:118)
No caso dos funcionários do
opõe ao “fazer morrer” da soberania
real. 76 Diante disto, Foucault interroga:
“como um poder como este pode matar,
se é verdade que se trata essencialmente
de aumentar a vida, de prolongar sua
duração,
de
multiplicar
suas
possibilidades, de desviar seus acidentes,
ou
então
de
compensar
suas
regime porfirista, o bandido tinha um
deficiências?” O autor argumenta, então,
lugar social determinado. Os científicos
que é neste nível que intervém o racismo,
apresentavam
a
pois é a partir da emergência do biopoder
criminalidade como privativa dos setores
que ele é inserido nos mecanismos do
populares... [o que servia para] justificar
Estado, embora já existisse antes do
sua eliminação do padrão eleitoral, assim
século XIX.
a
“[...]
tendência
como sustentar a superioridade da facção
Tal racismo é, por um lado, uma
dominante e seu direito de governar.”
forma de criar uma segregação entre
(Guerra, 2007: 243). Aqui fica evidente
grupos sociais, fragmentar o “contínuo
o emprego de outro mecanismo de poder
biológico que é o homem-espécie”
que emerge com o poder regulamentador:
(Foucault, 2005: 30 passim). Por outro
o racismo de Estado.
lado, permite uma relação positiva, da
De acordo com Foucault (2005:
criação de inimigos que são nocivos a
303-304), quando surge a biopolítica, há
“duração da vida” - para que eu viva mais
também o aparecimento da população -
e melhor é necessário que “o outro”
ou, mais precisamente, a emergência da
morra. De todo modo, como isso
população como problema político e
acarretou, por exemplo, um vínculo da
científico. Começam a proliferar, ao
teoria
longo
regulamentador. No discurso do regime
do
século
XIX,
diversos
mecanismos de previdência - estimativas
estatísticas, previsões, medições globais –
biológica
com
o
poder
76
Foucault se refere ao direito de vida e morte do
rei soberano que, significava o direito de “fazer
morrer”.
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porfirista, “[...] o determinismo biológico
porfirista pelos atos de violência. Porém,
e
há diversos traços de diálogo com as
cultural
eximia
o
governo
de
responsabilidade sobre o problema da
perspectivas
delinqüência, pois ao interpretar como
porfiristas, os quais integravam a escola
uma patologia própria do individuo
liberal de direito moderno, o que atenta
delinquente ou de seu grupo, negava a
para uma forma complexa de relação
influência das condições econômicas e
entre os textos pelemistas e o cenário
sociais” (Guerra, 2007: 243).
mexicano.
Importantes
vozes
juristas
Não
era
como o advogado Julio Guerrero e Carlos
publicação
em
Roumagnac
pobres
Revolución de artigos com abordagens
urbanos como alcoólicos, promíscuos,
sobre o crime. A relutância em abarcar o
mal
tema
educados
e
os
potencialmente
da
muito
por
regime
destacavam
do
veiculadas
comum
Regeneración
criminalidade
pode
a
e
ser
criminosos. Como principal causa social
compreendida, em primeiro lugar, pela
do crime estavam o abandono e o
condição de rebeldes dos pelemistas, que
alcoolismo. (Buffignton, 2000: 95). Esse
fazia com que os juristas do regime
diagnóstico de tom determinista era fruto
porfirista
do sistema de dominação, que não previa
vezes, como criminosos. No entanto, a
uma articulação imediata para setores
escassez de artigos que tratassem do
populares – analfabetos e indígenas -,
assunto
pois as mazelas do presente só seriam
políticas, que pode ser observada em dois
resolvidas
(raros) textos sobre crime publicados no
permanentemente
com
o
desenvolvimento industrial que, por sua
classificassem-nos,
também
tinha
muitas
motivações
periódico.
vez, necessitava de uma ordem social.
Em Interview con un bandido,
Era na contramão deste discurso
Francisco Pi y Arsuaga expõe um diálogo
que os pelemistas buscavam construir sua
que travou com juanillones77 quando eles
abordagem
violentos
o abrigaram ao se perder no meio dos
classificados como criminosos. Neste
montes em um dia de caça. Quando
sentido, destacavam todas as condições
interrogados sobre o porquê de sua
sociais e políticas da bandidagem, com
77
sobre
atos
intenção de responsabilizar o regime
Como eram popularmente chamados os
bandoleiros na Espanha, terra natal de Arsuaga,
em referência às lendas das montanhas de Toledo.
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escolha em viver fora da lei, os
qualidade de vida. Fica clara que se trata
bandoleiros,
da condição de “escravidão material” de
travam
uma
longa
explicação.78 Dizem que:
que os pelemistas tanto falavam, que
Antes de ser o que somos,
trabalhávamos. O patrão nos arrebatava a
maior parte do produto de nosso
trabalho. Produzíamos por dez e
cobrávamos por um. Nosso trabalho lhe
permitia comprar carros, luzir jóias,
habitar palácios; a nós só comer mal e
viver pior. Mas, ai!, não era só o patrão;
vinha logo o fisco, que nos exigia a força
de contribuições; que pesavam sobre nós
todos. Havia o tendero que as pagava,
mas em realidade saiam de nosso bolso.
Nosso alimento, nosso vestido, valia por
dois [...] nós é que pagávamos tudo.
Pagávamos tudo para vestir pior que
ninguém, para comer pior que ninguém,
para
viver
pior
que
ninguém.
Perseguidos, não estávamos menos que
ninguém. (Regeneración, 1910: 3).
Neste sentido, a condição a que
estavam submetidos antes de se tornarem
bandoleiros era de trabalhadores com
péssimas condições de vida. É importante
perceber que o discurso do bandido no
diálogo
carrega
capitalismo
-
uma
crítica
ao
recém-implantado
no
México -, pois quando estavam “dentro
da lei”, os bandoleiros eram explorados
pelo seu patrão e pelo Estado (através do
fisco),
pagando
caro
proprietários para ter
78
a
outros
uma péssima
Não é possível saber se o diálogo foi do exato
modo como está exposto, sem invenções, adições
etc. Porém, independente da veracidade do relato,
o ato de publicação em Regeneración, pela
natureza do periódico, indica que se trata de um
reflexo da perspectiva de um ou mais integrantes
da Junta Organizadora, pois esta dirigiu todas as
edições.
implicava diretamente em uma submissão
política.
Por não dar o voto na época eleitoral a
um candidato amigo do amo se nos
deixou sem jornal muitas vezes, por
pedir trabalho, por declararmos greve,
por manifestarmo-nos coletivamente, se
nos espancava sempre, quando não nos
prendiam ou disparavam contra nós a
guarda civil.
Estávamos mais dentro da lei que agora?
Tão fora dela então como hoje,
arrastávamos uma vida de servidão que
nenhuma satisfação compensava. De pais
a filhos herdávamos a degeneração e o
envilecimento. (Regeneración, 1910: 3).
Logo, também eram alijados de
seus
direitos
de
organização
e
manifestação, ou seja, não tinham sua
liberdade política. Só lhes restava, então,
a opção do mundo do crime, pois já
seriam indivíduos “fora da lei” quando
eram ainda trabalhadores. Viviam em
péssimas
condições
de
trabalho
ameaçados, dentre outras, sob a “mais
terrível
das
penas”
caso
se
manifestassem: “a morte pela fome”. Era
desta forma que o bandido explicava, no
diálogo com o militante do PLM, sua
escolha por viver à margem da lei. Fica
evidente, então, que os juanillones de
Interview con un bandido optam de
forma deliberada e consciente por seu
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não sabem da virtude suprema do
vocábulo nem compreendem que a folha
impressa leva ao germe das grandes
comoções sociais; os que só vêem ao
esbirro que os atropela, ao funcionário
que os rouba, ao governo que os trata
como bestas, confundirão com a
dinamite seu ódio desesperado, mas
justo, e e jogarão simplesmente uma
bomba contra o mais próximo de seus
opressores. (Regeneración, 1906: 4)
caminho. Neste sentido, a perspectiva dos
pelemistas coincidia com as abordagens
que
Ao explicar o ato criminoso [...]
concordam com a proposta da escola
liberal de direito penal, que se levantava
sobre o principio do livre arbítrio. Neste
caso, entram parte das publicações
redatadas pela elite e as revistas dos
grupos católicos ou das associações
filantrópicas, pois todas elas coincidiram
em que o indivíduo podia eleger de
forma livre e consciente o caminho a
seguir [...]. (Guerra, 2007: 244).
No entanto, podemos observar
A dinamite seria fruto de um
“ódio desesperado” decorrente da falta de
ilustração.
Neste
caso,
o
discurso
pelemista traz fatores para criminalidade
outra fórmula para explicação do ato
semelhantes
criminoso nos escritos dos militantes da
associações filantrópicas. Estes seguiam
Junta Organizadora, em que o individuo
“a
que cometia o delito agia por um impulso
partindo
emocional. Ao tratar das explosões de
falavam, por exemplo, de deficiências na
dinamite em locais públicos perpetradas
educação ou ingestão de álcool.” Por
em Campeche e Yucatán, o autor
outro lado, colocar o ato violento como
(anônimo) faz uma distinção das formas
fruto de um “desespero” era típico da
de agir diante da situação de injustiça a
literatura popular que, em contraposição
que o povo estava submetido - uma
à idéia do livre arbítrio – do indivíduo
diferenciação entre as formas que os
racional e capaz de autocontrole -, opta
homens
por “seres passionais e impulsivos e que
“traduzem
em
fatos
suas
acariciadas idéias”. Para o intelectual,
Nem todos os temperamentos, nem todas
as inteligencias, nem todas as vontades
são iguais, e varios homens podem
manifestar um mesmo sentimento de
modos muito diversos. Os inimigos da
tirania podem combatê-la com distintos
procedimentos: os homens cultos,
observadores e pacientes, tomarão a
pluma, expressarão em sua palavra seu
ódio e pela imprensa e pelo livro farão
estalar o fogo de seu verbo ao passo dos
tiranos; os homens sem ilustração, os que
a
proposta
da
alguns
dos
teóricos
legisladores,
herança
e
pois
ilustrada
[...],
delinqüiam sem ter a possibilidade de
discernir
sobre
o
caráter
e
as
conseqüências de seus atos.” (Guerra,
2007: 244).
Em
ambos
os
casos
-
dos
bandoleiros e dos atentados de dinamite os indivíduos haviam optado pelo ato ou
caminho de violência por conta da sua
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condição socioeconômica e pela sua
discurso pelemista com os escritos da
exclusão da vida política. No caso dos
elite
bandoleiros, os pelemistas se desviavam
criminalidade a fatores internos do
de outras interpretações correntes quando
individuo e não a apresentavam como um
privilegiavam a imagem do “bandido
problema derivado da injustiça social ou
social”, indivíduo proveniente de setores
da falta de oportunidades” (Guerra, 2007:
subalternos que optava por tal caminho a
244).
partir de sua condição de miséria (Rafart,
2011: 118).
O bandido, quando ainda
política:
estes
“atribuíam
a
Não era o indivíduo o julgado
pelo
problema,
mas
o
regime
trabalhador, via-se sem opção de fuga à
socioeconômico e político que originava
sua situação de miséria e injustiça. Desta
os atos de violência. Estes deveriam ser
forma, o bandoleiro diz em seu diálogo
entendidos
com Arsuaga que “não mata senão por
consistirem em expressões de falhas na
necessidade” e vive como “fora da lei”
organização social - que possibilitavam
para fugir de sua condição de miséria. Já
que alguns indivíduos e grupos fossem
os que promovem os atentados com
oprimidos por outros. Como defendem:
dinamite têm um “ódio desesperado, mas
como
naturais
por
malfeitores galoneados.” (Regeneración,
[…] em certas sociedades e em certas
épocas, os estalos de bombas são tão
naturais e inevitáveis como os
desarranjos físicos em um organismo
enfermo. Nas sociedades como na
natureza, todos os fenômenos tem sua
razão de ser, e pedir aos Governos que
suprimam os atos de desespero e de
represália em uma sociedade oprimida é
tão estúpido quanto implorar dos deuses
que suspendam a erupção de um vulcão
em plena atividade. Já passou o tempo
em que os Governos eram infalíveis e os
deuses eram milagrosos. (Regeneración,
1906: 4)
1906: 4)
A sociedade mexicana sob regime
justo”, porque seu desespero é fruto de
uma injustiça social, são homens que
“[...] não podem suportar com calma nem
a condição miserável a que eles mesmos
se
encontram
submetidos,
nem
o
espetáculo pungente e vergonhoso de um
povo ajoelhado diante de uns quantos
Nas duas fórmulas de bandido – o
porfirista reunia, para os pelemistas, as
desesperado e o racional -, o indivíduo
condições próprias de uma sociedade
que comete o ato violento o fazia devido
oprimida e, portanto, a violência deveria
a uma situação de injustiças sociais. Há,
ser encarada naturalmente. Em 1911, em
ainda, outra diferença elementar do
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que o partido lança um radical manifesto,
porfirista
eles defendem que:
responsável pela manutenção de um
O roubo, a prostituição, o assassinato, o
incendiarismo, a estafa, produtos são do
sistema que coloca ao homem e a mulher
em condições em que para não morrer de
fome, se vêem obrigados a prostituir-se
[...]
Irritado o pobre pela injustiça de que é
objeto; colérico ante o luxo insultante
que ostentam os que nada fazem;
espancado nas ruas como clandestino
pelo delito de ser pobre; obrigado a
vender seus braços em trabalhos que não
são de seu agrado; mal retribuídos,
depreciados por todos os que sabem mais
que ele ou pelos que por dinheiro se
vêem como superiores aos que nada tem;
ante a expectativa de uma velhice triste e
de uma morte de animal tirado da quadra
por
inútil;
inquieto
diante
da
possibilidade de ficar sem trabalho de
um dia para o outro [...] é natural que
nestas circunstancias se desenvolvam no
ser humano instintos anti-sociais e seja o
crime, a prostituição, a deslealdades, os
naturais frutos do vejo e odioso sistema,
que querermos destruir até em suas mais
profundas raízes [...] (Regeneración,
set.1911:1)
Os instintos anti-sociais eram
provenientes, então, do “sistema” levado
que,
por
sua
vez,
seria
sistema econômico e político excludente.
Criminoso é o Estado: crítica ao poder
estatal e a defesa da violência rebelde
Em
vista
do
projeto
da
administração porfirista de construção de
uma nação moderna – já mencionado
acima -, a sociedade mexicana assistiu
um processo de endurecimento do regime
político que visava assegurar a ordem
social. A violência empregada pelas
autoridades para manutenção da ordem
era interpretada pelos pelemistas nos
termos da fórmula que maniveram para o
Estado durante o período: criminoso,
geralmente arbitrário e composto por
homens “desonrados”.
a cabo pelo regime porfirista. Neste caso,
Dentre todas as facetas do “Estado
como veremos mais à frente, os maiores
bárbaro” que os pelemistas destacavam, a
responsáveis pelos crimes e atos de
violência que apareciam nos escritos do
PLM não eram quem os cometia, mas o
Estado e os “exploradores do povo”. A
criminalidade – a violência aos direitos
de vida e propriedade - se tornava, no
repressão
da
oposição
e
das
manifestações era a mais freqüentemente
mencionada. Villarreal alertava sobre a
“conduta de ultrajes e violências seguida
pelos sicários do Poder” diante do
movimento político antireelecionista
79
discurso pelemista, uma “questão social”
a ser resolvida com a abolição do regime
79
A partir de 1908 começa a crescer um poderoso
movimento de oposição eleitoral ao regime
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quando este ainda era pacífico, as prisões
O governo porfirista tinha, então,
de opositores que fizeram campanha
uma polícia que “golpeia com seus sabres
eleitoral contra Díaz, os operários que
tudo o que tem adiante, não importando
eram presos ao tentarem fazer valer seus
sexo nem idade”. O Centenário da
direitos
as
Independência assistia as “manifestações
foram
pacíficas” serem recebidas com uma forte
dispersas a tiros (Regeneración, set.1910:
repressão. O destaque a estas situações
1)
era parte do que eles classificavam como
constitucionais
manifestações
pacíficas
e
que
Podemos observar outro destaque
“terror de Díaz”: um regime político
à repressão estatal desmedida do regime
cruel e sanguinário que impunha, de
porfirista quando Guerrero trata dos
forma extremamente autoritária, suas
“sucessos
determinações.
sangrentos”
no
ano
de
centenário de independência, em que a
imprensa destacou:
[...] as dissoluções de manifestações
pacíficas com cavalaria, encarceramentos
em massa, assassinatos de homens
indefesos e mulheres inermes, crianças
errando pelos bosques, cheios de fome e
de temor; casas abandonadas, frias,
desertas porque nelas penetrou a terrível
escova do terror oficial; bandas de rurais
entrando aos povos surpresos com o
galope dos cavalos disparando suas
armas sobre o tendero que conversava
tranqüilamente a porta de sua tienda [...]
Tudo em pleno Centenário da
Independência.
A polícia da capital pisoteia aos
manifestantes, golpeia com seus sabres
tudo o que tem adiante, não importan o
sexo nem a idade; prende no cárcere a
mulheres e homens, joga brutalmente
para fora dos lugares aristocráticos ao
povo maltrapilho. A soldadesca de
Tlaxcala semeia a morte e à desolação,
sacrificando na matança a homens,
mulheres e crianças. (Regeneración,
out.1910: 2)
porfirista. Há alguns eventos isolados no primeiro
ano, mas a partir de 1909 a contraposição ao
governo se generaliza por todo o México.
Desta forma, para os pelemistas,
os próprios funcionários do Estado
frequentemente transpassavam os limites
da barbárie. Isto pode ser visto na crítica
dos integrantes da Junta Organizadora ao
sistema prisional, que, segundo eles,
tinha mais aspecto de calabouço do que
da casa de correção que defendiam os
porfiristas que tentavam operar uma
reforma carcerária.
Buffignton (2000: 98) destaca que
“o Porfiriato viu a construção de uma tão
esperada penitenciária do Distrito Federal
e uma nova colônia penal na Costa do
Pacífico – o resultado de 50 anos de luta
para trazer instituições penais modernas
para
o
México”.
Os
anseios
por
construção de um sistema penitenciário
que reabilitasse o criminoso atravessaram
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hipocrisia na reforma prisional, acusando
enquanto que as paredes ressumbravam
um fluido espesso que impedia secar as
expectorações que negligentemente
haviam expelido os incontáveis e
descuidados ocupantes anteriores. Do
teto pendiam enormes teias de aranha,
das quais espreitavam enormes, negras e
horríveis aranhas. Em um canto aberto
no esgoto, havia um buraco... Era este
um dos calabouços em que o déspota
acostumava prender seus opositores com
a esperança de quebrantar seus espíritos
[...]. (Magón, 1906 apud Herzog, 1995:
65-66).
Díaz de tratar as prisões como sua
Na crítica ao Estado porfirista, no
toda primeira metade do século XIX,
sendo
cristalizados
na
penitenciaria
construída em 1900 que, ainda segundo
Buffignton, era a realização do panóptico
de Bentham. Diversos opositores do
regime,
no
entanto,
administração
porfirista
atacavam
por
a
sua
propriedade pessoal.
São
entanto, havia diversos aspectos próprios
muitos
Regeneración
e
os
artigos
Revolución
de
das
tecnologias
de
poder
que
os
que
intelectuais e funcionários do regime
denunciam as prisões arbitrárias de
freqüentemente empregavam. Um destes
periodistas e as precárias condições
elementos era a apropriação da categoria
carcerárias. Tratando da vida de Juan
honra
Sarabia na prisão, Villarreal, que já havia
Quando da pena capital aplicada a três
também sido preso, diz:
suspeitos de homicídio em Cohauila, os
Ao fim do dia o cativo da tenebrosa
caverna não prova os alimentos, nem o
seguinte dia, nem o outro, nem o outro
[...] uma semana sem comer, dois ...,
delira, depois cala, agoniza, já não tem
forças para tossir [...]
O rumor de sua agonia circula; os
“piedosos” demônios acudem a ajudá-lo
em seus últimos momentos; vão conduzilo ao hospital que em quase todas as
prisões é a ante-sala da morte e não lugar
para aliviar as dolências; em uma maca o
sacam da mansão das trevas [...]
(Regeneración, out.1910:1)
E assim também Magón descrevia
a prisão como:
Um calabouço escuro, tão escuro que
impedia de ver as mãos. O calabouço
carecia de pavimento e o piso era
constituído de uma capa de lama de três
ou quatro polegadas de espessura,
para
integrantes
julgamento
da
Junta
de
outrem.
Organizadora
contestam de forma veemente a resolução
da Comissão de Justiça e de seu mentor,
David Cerna. Diziam eles que:
Se um homem honrado condena ou
reprova os vícios ou os crimes de outro
homem, nada estranho nem sobrenatural
se vê nisso; mas quando quem condena
ou reprova o vicio ou o crime é um
malvado que usurpa as funções da
honradez, o estupendo do caso provoca
explosões de cólera, porque é inícuo que
o crime predique a virtude e se advogue
faculdades que somente compete aos
homens honrados.
Nós homens honrados não podemos ver
com tranqüilidade que nos julguem
homens manchados; nós homens
honrados vemos em tais administradores
da justiça uma ameaça eterna a nossas
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cabeças. Que princípios de equidade
podem aplicar homens que tem vivido e
medrado
por
meio
do
crime?
(Regeneración, fev.1906: 3)
A “honra” desempenhou um papel
crucial
após
a
independência,
pois
mediava os compromissos da ideologia
liberal com a igualdade individual e a
ordem social. Estas foram exitosamente
instituídas
pelos
liberais
latino-
americanos antes mesmo da lei como
princípio jurídico básico no século XX.
Este sucesso liberal, no entanto, não
acabou com hierarquias sociais baseadas
em diferenças biológicas, nem práticas
legais e sociais de discriminação, pois
“aqueles que não eram aptos a exibir as
marcas
da
extremamente
honra...
difícil
achavam
defender
reputação de um homem, segundo tais
critérios, era julgada a partir de sua
conduta honesta na economia e em
negócios públicos (Chambers, 2005:16).
Como oposição ao regime, os
pelemistas empregavam o termo para
leitura do comportamento dos próprios
funcionários do Estado, chamando a
atenção para o insucesso dos mesmos em
desempenhar
“homens desonrados”, acusados de serem
coniventes da tirania de Díaz. Neste
sentido, defendem que:
[…] privar de liberdade à um povo é um
crime, o maior crime que pode cometer
os homens, e tão criminoso é o alto
funcionário que oprime como os
subalternos que, como Cerna, servem de
apoio a tirania. Para homens assim é para
quem fizeram as forcas e as guilhotinas,
e é de lamentar-se que não tenha
chegado a hora de levantar patíbulos para
os opressores do povo mexicano.
(Regeneración, fev.1906:3).
Desta forma, tratou-se de uma das
técnicas disciplinares que objetivavam
delinear um horizonte de respeito a
propriedade e ao Estado mexicano. O
manipulação
de
um
mecanismo de poder do período. Nas
primeiras décadas do século XX, o
julgamento de outrem na sociedade
de
homicídio são apresentados, então, como
(Chambers, 2005:2).
a
social
decretaram a execução dos suspeitos de
direitos diante da polícia ou das cortes”
evidencia
papel
“homens”. Os agentes do Estado que
seus
emprego desta noção pelos pelemistas
seu
A categoria crime, também ligada
a
emergência
disciplinares,
das
não
novas
deixava
técnicas
de
ser
empregada pelos integrantes da Junta. No
entanto, nem o bandolerismo, nem os
atentados em praça pública, classificado
mexicana passava, grande parte das
como “maior crime que pode cometer os
vezes, pelos critérios da honra. A
homens” era um tipo de violência
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perpetrada por funcionários do Estado –
principais
de privação da liberdade do povo -, sendo
valorização
para estes “criminosos” que a guilhotina
interpretação da situação dos bandoleiros
e a forca foram feitas. É curioso como os
e dos atentados de Campeche e Yucatán.
a
racionalidade,
pode
ser
vista
cuja
na
pelemistas relutavam em empregar a
Os integrantes da Junta julgavam
categoria “crime” para classificar atos de
que os indivíduos que cometeram os
violência
âmbito
atentados não conheciam “a virtude
interpessoal – caso dos juanillones e dos
suprema do vocábulo nem compreendiam
atentados de Campeche e Yucatán -, mas
que a folha impressa [periodismo] leva ao
a usavam amplamente para classificarem
germe de grandes comoções sociais.”
os atos de violência do Estado, referindo-
Este juízo dos integrantes da Junta é
se ao governo, freqüentemente, como
semelhante “... a idéia de que o indivíduo
“[...] integrado por indivíduos para os
devia controlar suas emoções e impulsos
quais não tem significado algum os
e atuar com base em considerações
preceitos penais, um governo de bandidos
racionais...”, presente em algumas obras
[...]”
teóricas, revistas do corpo de polícia, de
que
ocorriam
(Regeneración,
no
1906,
ep.3
num.8:.3).
agrupações católicas e de associações
Desta
forma,
no
discurso
pelemista a violência de Estado figurava
filantrópicas (Guerra, 2007: 246).
Esta valorização do crivo da
como um entrave ao “progresso” do povo
racionalidade,
mexicano. A crítica ao poder estatal
bandoleiros é acompanhada de uma
apontava, então, para a necessidade de
crítica ao Estado e ao capitalismo. Toda
reconfiguração do cenário político no
pergunta que Arsuaga faz é acompanhada
país, que só poderia ser operado pela via
de uma resposta bem elaborada do
armada.
bandido que, ao final, deixa claro que sua
Este método
de luta que
no
diálogo
com
os
Junta
opção tem “uma finalidade”, “um ideal”:
também a confere um status político, não
mover-se dentro da sociedade de classes,
como estratégia de dominação, mas como
sobrepondo-se às injustiças sociais a que
forma de resistência ao projeto político
estava submetido antes de se tornar um
vigente. Esta violência é de um tipo bem
bandoleiro.
defendiam
os
integrantes
da
definido, que tinha como um dos aspectos
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No entanto, a violência defendida
pelos integrantes da Junta destoava destes
tipos, pois tinha finalidades estritamente
políticas, tratando-se de uma estratégia
para transformação da realidade. Neste
sentido, consistia em uma “violência
instrumentalizada” que, como nos atenta
Claudia Hilb (2013: 23):
[...] se propõe como substituto da
política, e não como reação diante da
impossibilidade da política: se podemos
pensar a ação política como a
intervenção, por meio da exposição
pública em uma cena compartilhada, nos
assuntos comuns, e a cena política
precisamente como aquela em que se
desfaz a tensão entre modos de fazer e
opinar sobre o comum, como a cena em
que a interação daqueles modos de fazer
e opinar se resolve, sempre de modo
provisório, em políticas, então a ação
violenta instrumental [ou racionalizada]
se nos aparece como uma maneira
extrapolítica de intervir no comum [...].
Os pelemistas buscavam essa via
extrapolítica porque seu ideal de “nação
moderna” destoava significativamente
dos científicos. Esta divergência pode ser
vista, em primeiro lugar, na denúncia dos
monopolizado do regime porfirista. No
discurso dos integrantes da Junta,
A prosperidade das nações está em razão
direta do bem-estar e da ilustração e seus
filhos. Não necessitamos argumentar
sobre esta verdade que por si só se impõe
com a força de um axioma, e que
unicamente poderá negar os que estejam
interessados em que às classes
proletárias não cheguem o bem-estar que
dá alento e estimula, nem penetre um
raio de luz nas legiões do trabalho tão
infortunadas e tão sofridas. O patriotismo
não consiste em lançar vivas desafinados
à Pátria e a seus heróis em nossos
grandes dias, mas em buscar o
melhoramento comum, a elevação da
raça por meio da justiça e da liberdade,
dentro das quais unicamente podem
prosperar as atividades honradas e os
nobres
esforços.
(Regeneración,
mar.1906: 2)
Para explicar porque o México
não era próspero, os integrantes da Junta
empregavam o argumento da alienação
da produção através da apropriação da
terra – entendida como “usurpação” - por
parte de “monopolizadores da riqueza”.
Sem terras, restava aos trabalhadores
vender sua força de trabalho. Dirigindose aos trabalhadores, Magón diz:
crimes e arbitrariedades do poder estatal
expostas acima, a idéia de um “Estado
criminoso”
que
impossibilitava
a
liberdade na cena política. Em segundo
lugar, os pelemistas uniam a esta
perspectiva uma crítica à sociedade de
classes,
ao
mercado
profundamente
Tenham em conta, operários, que sois os
únicos produtores da riqueza. Casas,
palácios, ferrovias, barcos, fábricas,
campos cultivados, tudo, absolutamente
tudo foi feito por vossas mãos criadoras,
e, ainda assim, de tudo careceis. Teces as
telas e andam quase nus; colhem o grão e
apenas tens um miserável pão dormido
para levar à família; edificam casas e
palácios e habitam covas e desvãos.
(Regeneración, set.1910:2)
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dos
então, uma dupla exclusão – política e
lado,
econômica – de direitos, pois uma “casta
produziam a riqueza, mas, por outro,
de privilegiados” e o governo porfirista
careciam de diversos elementos básicos a
se apropriavam da Pátria sem levar em
existência,
os
conta o “povo trabalhador”, que era
pelemistas destacarem a ausência de
oprimido pelo regime. Diante deste
liberdade
também
quadro, seria impossível a transformação
desembocava diretamente na crítica a
social por meio dos aparelhos do Estado,
ausência
reunião,
sendo necessário o recurso da violência
organização, manifestação etc. Magón
para queda do regime porfirista como
prossegue em seu argumento defendendo
primeiro
que
problemas do país.
Esta
contradição
trabalhadores
que,
não
só
por
servia
econômica,
de
um
mas
direitos
de
para
[...] os metais que arrancais da terra só
servem para fazer mais poderosos a
vossos amos, e, por isso, mais pesada e
mais dura vossa cadeia. Quanto mais
produzes, mais pobres sois e menos
livres pela simples razão de que fazeis a
vossos amos senhores mais ricos e mais
livres, porque a liberdade política só
aproveitam os ricos [...]. A liberdade
política requer a concorência de outra
liberdade para ser efetiva: essa liberdade
é a econômica. Os ricos gozam de
liberdade econômica e é por isso que são
os únicos que se beneficiam com a
liberdade
política.
(Regeneración,
set.1910: 2)
Desta forma, a falta de liberdade
política
do
“povo
trabalhador”
era
explicada, em ultima instancia, pela
ausência de liberdade econômica. Os
setores populares do México80 sofreriam,
passo
para
solução
dos
O discurso sobre a violência
rebelde era, então, parte de um projeto de
modernidade dos pelemistas para o
México que visava substituir a ordem
social instaurada com o regime porfirista
e seu respectivo projeto de modernização.
Por este vinculo a uma idéia de nação
moderna, a caracterização da via armada
– entendida ora como rebeldia, ora como
revolução – carregava diversos aspectos
do processo de evolução das tecnologias
de poder no século XIX.
Um primeiro elemento importante
do discurso pelemista sobre a rebeldia é
observado quando Guerrero faz uma
distinção entre “revolução” e “guerra”,
80
Importante pontuar que os pelemistas também
defendem que não se trata de algo exclusivo do
México. No próprio artigo Rusia en Mexico, é
feita uma comparação com a Rússia, que teria os
mesmos problemas de violência pelos mesmos
motivos políticos e socioeconômicos.
defendendo que tal comparação era um:
[...] erro que a luz de extraviados
critérios faz parecer como barbárie o
supremo recurso dos oprimidos. A guerra
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tem as invariáveis características do ódio
e as ambições nacionais ou pessoais; dela
sai um benefício relativo para um
indivíduo ou grupo, pago com o sangue e
o sacrifício das massas. A revolução é o
sacudimento brusco da tendência
humana até o melhoramento, quando
uma parte mais ou menos numerosa da
humanidade é submetida pela violência
um estado incompatível com suas
necessidades
e
aspirações.
(Regeneración, set.1910: 2)
Neste sentido, tratava-se de um
recurso político voltado para as massas,
para o “melhoramento” do homemespécie – da “humanidade.” Ou seja, uma
preocupação que surge com a emergência
do biopoder ao longo do século XIX, que
tira seu foco do indivíduo para se
preocupar com fenômenos próprios da
vida coletiva. Neste sentido, a rebeldia se
tratava de uma violência impessoal, que
não tinha como objetivo a execução de
faria como o cachorro quando morde a
pedra inconsciente de que se fere, sem
adivinhar nem compreender o impulso
de onde vem [...]. A tirania é o resultado
lógico de uma enfermidade social, cujo
remédio atual é a Revolução, já que a
resistência pacífica da doutrina tolstoiana
só produziria nestes tempos o
aniquilamento
dos
poucos
que
entenderam sua simplicidade e a
praticaram. (Regeneración, set.1910:2)
A revolução como remédio para
uma enfermidade social (que, por sua
vez, possibilitava a tirania) simboliza
bem a passagem do “fazer morrer” da
soberania monárquica para o “fazer
viver” da biopolítica no século XIX –
processo que teve grande contribuição do
discurso
médico,
implicando
na
disseminação de seu vocabulário. A
rebelião,
nestes
termos,
assume
a
característica de assegurar a vida. Para
Magón,
um indivíduo específico, mas à derrubada
do regime político vigente – ou, mais
O direito de rebelião é sagrado porque
seu exercício é indispensável para
romper os obstáculos que se opõem ao
direito de viver. Rebeldia, grita a
mariposa ao romper o casulo que a
aprisiona; rebeldia, grita a gema ao
quebrar a forte casca que impede seu
passo [...] rebeldia, grita o povo quando
se põe de pé para esmagar à tiranos e
exploradores.
precisamente, do Estado e da econômica
de
mercado
vigentes
no
México.
Guerrero deixa isto claro quando defende
que seu objetivo é a queda da tirania, ao
invés da morte do tirano.
Por que, se queres a liberdade, não matas
ao tirano e evitas desse modo os horrores
de uma contenda fratricida? Por que não
assassina ao désposta que oprime ao
povo e pôs preço a tua cabeça? – me tem
perguntado várias vezes. Porque não sou
inimigo do tirano, tenho contestado;
porque se matasse ao homem deixaria
em pé a tirania e é a esta que combato;
porque se me lançasse cegamente a ele,
A rebeldia é a vida, a submissão é a
morte. Existem rebeldes em um povo? A
vida é assegurada e asseguradas estão
também a arte, ciência e indústria. De
Prometeu a Kropotkin, os rebeldes tem
feito
avançar
à
humanidade.
(Regeneración, set.1910: 1)
Como grande parte dos discursos
do
período
afetados
pelas
novas
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tecnologias do poder regulamentador, os
revolucionário para derrubar o regime
pelemistas vinculam sua abordagem da
porfirista.
violência
revolucionária
com
o
evolucionismo, na medida em que a
rebelião, ao invés de ser entendida como
Considerações finais
“caos” ou “retrocesso”, consistia em um
fenômeno evolutivo. Para os pelemistas,
nos oferecem abordagens da violência
[…] a evolução não excluí a revolução,
pelo contrário, se vale dela para efetuarse quando em seu desenvolvimento
progressivo tropeça com forças que é
necessário destruir, sob pena de deter-se
e morrer.
A história da humanidade é a história da
evolução e de sua inseparável
companheira a revolução que, juntas até
se confundirem, tem operado até
alcançar o grau de civilização que
ostentam as modernas sociedades.
(Revolución, 1907: 1).
Neste sentido, os pelemistas se
“verdadeiros
consideravam
Desta forma, os escritos do PLM
que evidenciam um confronto de idéias
com o regime porfirista. Procuraram
desviar das abordagens deterministas e
individualizantes do crime e do bandido,
que
serviam
como
estratégias
de
dominação política no período – uma
conveniente
produção
categórica
da
delinqüência. Ao mesmo passo, também
se opôs ao projeto de modernização dos
científicos, que tinha como foco o
evolucionistas”, na medida em que
desenvolvimento industrial e a ordem
estavam dispostos a empregar a violência
social, postergando liberdades políticas
contra tudo que se opõe à evolução do
de reunião, associação, oposição etc. Foi
povo
os
a partir da construção de uma dura
a
resistência que empregaram a violência
mexicano.
integrantes
da
Sendo
Junta
assim,
entendiam
violência rebelde como uma resposta
para derrubada do regime.
adequada e necessária aos outros tipos de
Por outro lado, podemos observar
violência, a saber, do “Estado criminoso”
também o emprego de saberes e idéias
e da condição de “escravidão material”
que eram próprios da evolução das
do povo mexicano. Ou seja, defendiam
tecnologias de poder de que o próprio
um ideal de “prosperidade” e “progresso”
regime porfirista se apropriou para
que deveria incluir as classes populares e,
implementar seu projeto modernizador.
para implantar tal projeto de sociedade,
Neste ponto, o PLM se apresenta como
seria
fruto de seu contexto, ou seja, como um
necessário
um
processo
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grupo de indivíduos que estabeleciam
uma relação dialógica com os atores
políticos de seu tempo. É a partir disto
que
podemos
observar
empregarem
fórmulas de compreensão do criminoso
como o “desesperado” e o “racional”; a
ampla preocupação com o mercado e o
RAFART,
Gabriel.
Violência
rural
e
bandoleirismo na Patagônia, Revista Topoi, vol.
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A culpa é da “grande leva de
imigrantes vadios”
mesmo metal para peito de camisa, com
uma pérola, cinco berloques de prata e
um relógio despertador.
Tudo avaliado em 500$000.
Comunicado o roubo à policia do 9º
Distrito, esta prendeu a Carmen,que
confessou, sendo as jóias retiradas do
esconderijo.

A criminalidade e a imigração no serviço
doméstico carioca (1870-1920)
(Archivo Vermelho, n.5, 16 de março de
1918 – As criadinhas muito boas: Quem
não as conhecer que as compre).81
A notícia intitulada As criadinhas
Natália Batista Peçanha
muito boas: Quem não as conhece que as
compre, impressa no periódico Archivo
A
s famílias brasileiras têm um
hábito muito mau de admitir
empregadas cujos antecedentes
desconhecem.
Não raro dão guarida em sua casa de
ladras muito cínicas, que causam às
vezes grandes prejuízos. Mas não
devemos culpar somente as vítimas dessa
facilidade. A polícia e a Prefeitura têm
maior culpa, porque não organizam o
registro obrigatório da criadagem, para
que da sua caderneta conste o abono da
sua conduta.
Enquanto não se fizer isso teremos a
repetição de fatos como este.
***
Há dias o Sr. Manuel Lopes do Amaral,
residente à rua S. Leopoldo n. 267,
admitiu em sua casa a criada Carmem
Rosalina Pires, parda, que passou a mão
nas seguintes jóias, que escondeu atrás
de um quadro na sala de visitas: um
relógio-pulseira de ouro, com 13
brilhantes; duas medalhas de ouro, com
retratos; um cordão do mesmo metal,
com uma libra esterlina; um alfinete de
ouro para gravata, com duas pedras; uma
aliança e um broche do mesmo metal,
tendo este último três pérolas; um par de
brincos, também de ouro; um botão do

Proposta para o estabelecimento de uma
Empresa Municipal de Serviço Doméstico, por
Evaristo de Morais, aos membros da Intendência
Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de
1892. Cf. Arquivo Geral da Cidade do Rio de
Janeiro, notação 48-4-56.
Vermelho,
era
uma
das
muitas
representações que a esfera pública, de
forma geral, possuía e disseminava em
torno
da
figura
das
pessoas
que
trabalhavam no serviço doméstico. O
Archivo Vermelho, que era um periódico
criminal
que
possuía
entre
seus
colaboradores Evaristo de Moraes, foi
mais um material impresso a dar destaque
a chamada “crise dos
criados.”
82
“Crise”, esta que gerava preocupações
desde final da década de 1870, quando
81
O Archivo Vermelho era uma revista criminal
que se dedicava a registrar os crimes que
ocorriam no Rio de Janeiro, nos Estados e no
exterior. Tinha como diretor Silva Paranhos, além
de colaboradores como Evaristo de Moraes,
ilustradores como Julião, Raul, Calixto, Luiz,
Amaro, Fritz e Guerreiro. Cf. Plataforma
Memória da Biblioteca Nacional.
82
Era uma expressão muito utilizada pela
impressa carioca e que acabou se tornando o tema
de uma crônica de João do Rio intitulada “As 96 –
carta sobre um suplício moderno e carioca”,
publicado no jornal “A Notícia,” em 12-12-1909.
Cf. Souza, 2014.
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processos de regulamentações para o
Os
servidores
domésticos,
serviço doméstico começaram a tramitar
portanto, se inseriam perfeitamente em
na Câmara Municipal da Corte.83
um grupo do mundo do trabalho que era
Em
fins
do
e
alvo constante de preocupações em torno
princípios do XX, ser um trabalhador
da honra e da idoneidade de seus
pobre, por si só já acarretava a tal
trabalhadores que, por conseguinte, viam
individuo o peso das desconfianças e das
sua atividade sendo discutida, tanto na
tentativas de vigilâncias. Desordeiros,
imprensa e na literatura, quanto nos
vagabundos,
era
órgãos de poder, como uma atividade que
algumas das insígnias atribuídas aos
deveria ser regulamentada, a fim de
trabalhadores que constantemente se
afastar qualquer perigo do lar da elite
viam na necessidade de criar estratégias
carioca.86
“classe
século
XIX
perigosa”
para se desvencilhar do peso de ser um
Assim,
questões
como
a
trabalhador pobre do Rio de Janeiro. 84
rotatividade desses serviçais nos lares,
Peso este que era muito maior quando se
bem como possíveis acordos entre donos
tratava de uma trabalhadora do sexo
de agências de locação e seus criados em
feminino.85
prejuízo daqueles que se aventuravam a
contratar criados pelos anúncios de
83
De acordo com Flávia Fernandes de Souza, no
período imperial, na Câmara Municipal da Corte,
foi tramitado cerca de 10 projetos para estabelecer
normas para a regulamentação do serviço de
criados de servir. Já no período republicano, nos
primeiros meses de 1890, um projeto chegou a ser
aprovado, porém ocorreram vários eventos de
resistências à regulamentação, por parte de
criados e pessoas que defendiam os interesses
desses trabalhadores. Cf. Souza, 2014: 2-3.
84
Sobre o processo de vigilância à classe
trabalhadora no período da Belle Époque Cf.
Chalhoub, 2001.
85
O serviço doméstico é uma atividade em que a
associação com a honra é bastante importante,
visto que esta atividade se remete a idéia de
privado, de familiaridade, do compartilhamento
da intimidade. Sendo, portanto uma atividade
desempenhada, sobretudo por mulheres, as
mesmas se tornavam mais ainda alvos de controle
de sua honra, sobretudo, porque são essas
mulheres que vão conviver com as donas de casa
respeitáveis e suas filhas. Essas criadas, por serem
mulheres, pobres, muitas vezes saírem às ruas
jornais,
eram
levantadas
algumas
por
das
parlamentares
pautas
e
até
sozinhas e morarem em cortiços, acabavam
sentindo na pele o peso dos preconceitos sociais,
de raça e gênero. Ter que estar disponível ao seu
patrão “para todo o serviço” era uma associação
comumente feita do papel da criada, que não
deveria se restringir apenas às atividades
domésticas, mas, por não ter “honra” deveria estar
disponível à satisfazer seu patrão não só
profissionalmente, mas também sexualmente.
Sobre a noção de honra Cf. Caulfield, 2000;
Putnam (et.tal), 2005.
86
Essa preocupação acerca da idoneidade dos
criados e à necessidade de se regular o serviço
doméstico era uma preocupação que não ficou
restrita ao Rio de Janeiro. Sobre os processos de
regulamentação do serviço doméstico em outros
estados brasileiros cf. Matos In: Bruschini; Sorj
(Org.). 1994; Marcus J. M, 2003: 41-78; Bakos,
1984.
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mesmo donos de agências de locação que
A partir desta afirmação podemos
se preocupavam em criar uma espécie de
depreender dois pontos para as nossas
ordenação para tal atividade. Uma dessas
análises. Primeiro, há que se pensar na
propostas, e que nos chamou bastante
criminalidade atrelada à figura dos/as
atenção, foi a criada pelo então rábula
criados/as.
criminalista Evaristo de Moraes. Nela ele
numa amostragem de matrículas de
afirmava que a culpa para tal “crise”,
presos da Casa de Detenção da Corte e do
dentre outras coisas, residia nas “grandes
Distrito Federal, no qual selecionamos os
levas de imigrantes vadios, vindos da
dados
República da Argentina, em grande parte,
afirmavam ter como ocupação alguma
e existentes aqui na Capital, onde se
atividade ligada ao serviço doméstico.
entregam
Selecionamos
à
vida
mais
aventurosa
88
Para isto, nos debruçamos
pertencentes
um
àqueles
mês
de
que
registro
aladroando enquanto podem.” (Arquivo
referente aos anos de 1870, 1880, 1890,
Geral da Cidade do Rio de Janeiro,
1902, 1910 e 1920. No primeiro e último
códice 48-4-56).87
ano selecionados, possuímos o registro de
criadas presas por diversos motivos.
87
Proposta para o estabelecimento de uma
Empreza Municipal de Serviço Doméstico, por
Evaristo de Morais aos membros da Intendência
Municipal do Rio de Janeiro, em 19 de março de
1892. Esta proposta de Evaristo de Moraes não
foi aprovada pelo advogado da Intendência
Municipal, o Dr. Bandeira de Mello. O Dr.
Bandeira de Mello afirmava que a proposta de
Evaristo era inconcebível, dentre outras coisas,
pois “importaria a violação do § 24 do art. 72 da
Constituição Federal ´- é garantido o livre
exercício de qualquer profissão moral, intelectual
e industrial -” e “não caber ao poder municipal a
atribuição de regulamentar o exercício de uma
profissão qualquer de modo a excluir uma classe
do regime contratual comum”. (Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro, notação 48-4-56. Dr.
Bandeira de Mello Advogado da Intendência
Municipal, em 03 de setembro de 1892. Segundo
Souza (2014), várias vezes foram colocadas a
questão da constitucionalidade dos projetos para
regulamentação do serviço doméstico. Ainda
segundo a autora, o “principal problema apontado
era se os regulamentos propostos não violariam
direitos garantidos na Constituição - tanto no
Império, quanto na República. As dúvidas nesse
sentido envolviam especialmente a questão da
Entretanto, entre os anos de 1880 e 1910
encontramos
registros
do
gênero
masculino somente. Dato interessante,
visto que as últimas pesquisas dedicadas
ao tema do serviço doméstico tendem a
privilegiar, sobremaneira, a participação
garantia da liberdade individual no que concerne
ao âmbito do trabalho, a possibilidade de
desconsideração de preceitos estabelecidos nas
Ordenações Filipinas, que ainda regulava as
questões de ordem civil no país, bem como as
atribuições do poder municipal, que não
envolviam matérias de contratos.” (Souza, 2014:
4-5).
88
No pós-abolição a associação entre criadagem e
criminalidade era algo bastante comum e
ratificado pela imprensa e pela intelectualidade da
época, o que justificava as várias tentativas para
se regulamentar o serviço doméstico. (SOUZA,
2014: 7-8).
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feminina em tal atividade 89. Ressalta-se,
eram quaisquer criados. A afirmação, ou
no entanto, que operamos com ocupações
melhor, a preocupação de Evaristo de
majoritariamente
Moraes
negligenciar
femininas,
a
porém,
importância
destinava-se
aos
servidores
da
imigrantes que se avolumavam na então
participação masculina em tais encargos,
Capital Federal. Isto, no contexto da
possibilitaria simplificar as relações entre
chamada “grande imigração”, período em
domesticidade e feminilidade, como se
que milhares de europeus chegavam ao
ambas fossem dissóciáveis.90
continente com a esperança de, uma vez
Em segundo lugar, ao relermos a
afirmação de Evaristo de Moraes, fica
se instalando em solo americano, tentar
“fazer a América” (Fausto, 2000: 577).
evidente a preocupação deste advogado
Visibiliando o serviço doméstico
quanto à entrada de imigrantes vindos de
masculino, não esquecendo a importância
portos,
Aires.
da mão-de-obra feminina como mola
Estamos, portanto, pronunciando casos
mestra dessa atividade, o presente artigo
de
se
é uma tentativa de, analisar a participação
entregavam à vida do crime, mas que não
dos imigrantes europeus no serviço
como
criados
o de Buenos
que
participaram
doméstico carioca e, sobretudo, pensar a
89
Trabalhos sobre o serviço doméstico no Brasil
até falam sobre a participação masculina, todavia
não dão tanta visibilidade a esses personagens.
Cf. Graham, 1992; Souza, 2010; Carvalho, 2003:
41-78; Silva, 2013.
90
Valdemir Zamparoni sobre o serviço doméstico
na cidade de Lourenço Marques, em
Moçambique,
no
qual
promoveu
um
questionamento muito importante acerca dessa
atividade que ficou silenciada por Graham – a
questão da domesticidade ligada a somente a
feminilidade. Zamparoni e Olívia Maria Gomes
da Cunha apontaram em suas pesquisas que a
domesticidade pode ocultar fronteiras simbólicas,
como aspectos sociais, raciais e de status, mais do
que especificamente aos de gênero. Ao trazer o
caso da cidade de Lourenço Marques, Zamparoni
demonstrou que em cidades coloniais ou que já
vivenciaram esta condição, questões como a cor
de pele e a moralidade sexual podiam determinar
a escolha dos criados. Tanto que na região
analisada, o serviço doméstico era desempenhado
majoritariamente por homens e nem por isso a
masculinidade desses serviçais era questionada.
Cf. Zamparoni, 2007; Cunha In. Cunha, O. M G
da; Gomes (Org), 2007.
questão da criminalidade no interior
dessa esfera do mundo do trabalho.
No dia 19 de março de 1892, a
Intendência Municipal do Rio de Janeiro
recebeu proposta para o estabelecimento
de uma “Empreza Municipal de Serviço
Doméstico que venha regularizar tão
importante
dependência
da
vida
particular.” (Códice – notação 48-4-56).91
Como
causas
principais,
as
irregularidades que acometem o serviço
doméstico carioca são apontados dois
91
Proposta realizada por Evaristo de Morais aos
membros da Intendência Municipal do Rio de
Janeiro, em 19 de março de 1892.
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motivos: as “grandes levas de imigrantes
E mais uma vez o que encontramos é
vadios vindos da República Argentina,
uma crítica a entrada de “certos”
em grande parte” (Códice – notação 48-
imigrantes em solo brasileiro. De acordo
4-56)
com Júlia, apesar de muitas criadas terem
ponto
este
anteriormente;
e,
já
as
mencionado
“agências
origem européia, estas
intermediarias que sem responsabilidade
[...] emigram das aldeias esfomeadas e
de povoações do interior, bandos de
criaturas só habituadas ao plantio das
vinhas ou à colheita do trigo. As das
cidades, já desbastadas da crosta nativa e
mais ou menos educadas essas deixam se
ficar gozando nos poucos intervalos da
sua vida trabalhosa, os gozos das
capitais. Porque lá da se esta anomalia:
Quem trabalha não é a dona da casa, é a
criada!. (Almeida, 1906: 18-19)
alguma introduzem nos seios das famílias
esses péssimos elementos de dissolução e
de latrocínio. (Arquivo Geral da Cidade
do Rio de Janeiro, notação 48-4-56).
Como esta, muitas outras propostas
foram
tramitadas
na
Intendência
Essa visão negativa a respeito das
Municipal e todas elas com um ponto em
comum: a visão negativa em torno das
pessoas que desempenhavam atividades
domésticas. Visão compartilhada pela
imprensa e pelos literatos da época. Júlia
Lopes de Almeida (1906: 18-19), por
exemplo, em dois textos – um romance e
criadas estrangeiras é ratificada em um
trecho do romance A Intrusa, onde o
personagem
Caldas
previne
o
personagem
Argemiro
acerca
da
contratação de criadas por anúncios de
jornais:
um manual dedicado às futuras donas de
menina e tendo um bom relacionamento
Olha que essas madamas trazem anzóis
nas saias [...] Quando menos pensares
[...] estás fisgado [...] E tu que és bom
peixe! É uma raça abominável, a das
governantas [...] Verás amanhã que
afluência de francesas velhas à tua porta!
Feia ou bonita, a mulher é sempre
perigosa.
Eu
deixar-me-ia
ficar
sossegadinho nos braços do Feliciano.
(Almeida, 1994:10).
com seu marido, achada morta com um
Essas afirmações e representações
casa, esboçou a imagem que parte da
sociedade tinha dessa atividade. Ao
narrar a história fictícia de D. Amanda:
mulher honesta, casada, mãe de uma
tiro de garrucha no peito e um bilhete que
em
revelava - “Morro porque não posso
estrangeiros (as) nos faz questionar uma
suportar empregados”; Júlia Lopes de
idéia de que havia um consenso em
Almeida começa a discorrer sobre a
relação
“realidade” do serviço doméstico carioca.
construção de uma ética do trabalho
torno
ao
dos
papel
(as)
do
criados
imigrante
(as)
na
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construída de um liberto, que uma vez
para casa de familia para ensiinar
meninas, sabendo allemão, inglez,
portuguez e piano, não faz questão de
ordenado, mas exige bom tratamento.
Carta a E. 13, no Allens Hotel, Rua
Humaytá. (Grifo meu). (Jornal do
Comércio, 1897).
com a posse de sua liberdade não
No
(Chalhoub, 2000). Uma imagem de que o
imigrante é bem visto e desejado como
um trabalhador ideal frente à imagem
desejaria
trabalhar.
acima,
o
que
Trabalhos
verificamos é uma imigrante alemã se
recentes vêm nos mostrando que essa
ofertando como uma governanta que fala
posse da “liberdade” pelos libertos não
e ensina alemão, inglês, português e
deve
total
piano e que, além disso, não faz questão
afastamento de sua vida pré-manumissão.
do ordenado. Esta característica nos é
Na cidade de Desterro, Henrique Espada
bastante
Lima afirmava que muitos libertos
falando de uma mulher livre, que nunca
realizavam contratos de trabalhos para,
esteve na condição de escrava, mas que
dentre outras coisas, trocarem dívidas
pretende se lançar a uma relação de
pelo
ficar
trabalho em que o salário é trocado pelo
trabalhando “como se fora sua cativa por
“bom tratamento”, ou seja, a ausência do
períodos que podiam ultrapassar os 20
salário, neste caso, não determina a
anos” (Lima, 2005: 289-326).
inserção desta mulher em uma relação de
ser
mais
anúncio
pensada
como
comprometimento
um
de
Esses contratos de trabalho nos permitem
perceber que a “transição” do trabalho
escravo para o trabalho
livre não
estabeleceu um corte seco separando
essas duas condições. (Lima, 2005: 296).
Os próprios anúncios de aluguéis de
criados (as), presentes no Jornal do
Commércio, nos permitem verificar essa
“precariedade” da noção de trabalho livre
em fins do século XIX e princípios do
significativa,
pois
estamos
trabalho escravo.
Somado ao que foi mencionado
anteriormente, outro ponto que merece
ser destacado é a idéia de um consenso
em relação ao imigrante europeu como
um trabalhador ideal. Se pensarmos na
fala de Evaristo de Moraes ou nos
romances de Júlia de Lopes de Almeida,
só para dar um exemplo, fica claro que
nem todo imigrante europeu era uma
figura unanimemente desejável para o
XX.
serviço doméstico. Peguemos o caso dos
Governante - Uma moça allemã, de boa
educação, chegada há pouco, offerece-se
portugueses. De acordo com Gladys
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Sabina Ribeiro (1987:10), os portugueses
não
representavam
europeu
identificar uma variedade de pessoas,
“civilizado” por excelência, todavia, era
nacionalidades variadas, desempenhando
portador do elemento ordenador da
o serviço doméstico. Europeus de vários
sociedade: o trabalho, fator capaz de
países, orientais, africanos, entre outros,
levar
à
que ajudavam a engrossar as fileiras do
anúncios
serviço doméstico carioca. Todavia, se
presentes no Jornal do Commercio
observamos bem, a nacionalidade que
realizamos um levantamento de 1699
mais se destacava era a portuguesa, que
anúncios
demandando
se justifica, é claro, pelo volume de
criados/as, dos quais 159 eram imigrantes
imigrantes portugueses residentes no Rio
de
sobretudo,
de Janeiro. Em 1890, por exemplo, havia
portuguesa, como pode ser veridicado nas
106.461 portugueses na cidade, dentre os
próximas tabelas.
quais 77.954 homens e 28.507 mulheres.
a
cidade
modernidade.
várias
ao
o
As tabelas anexadas ajudam a
progresso
Analisando
ofertando
ou
nacionalidades,
e
Os homens correspondiam a 50% da
Tabela - 1: Quantidade de referências a
estrangeiros do sexo feminino presentes em
anúncios do Jornal do Comércio (1867-1917)*
população estrangeira e as mulheres a
18%,
ambos
somando
68%
dos
estrangeiros. 107
Por mais que seja visível a
presença
de
doméstico,
imigrantes
com
no
destaque
serviço
para
os
portugueses, não podemos generalizar a
idéia de que esses trabalhadores eram
Tabela – 2: Quantidade de referências a
estrangeiros do sexo feminino presentes em
anúncios do Jornal do Comércio (1867-1917)*
considerados
exemplos
de
bons
trabalhadores. (Ribeiro, 1987: 10). O mau
desempenho das atividades contratadas
ou os crimes cometidos por esses
estrangeiros reforçava ainda mais os
estigmas criados em torno das pessoas
que desempenhavam alguma atividade
doméstica. Pois, se os/as próprios/as
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criados/as estrangeiros/as contradizem a
164
imagem
imigrantes e 50 portugueses.93
de
morigerados,
bons
trabalhadores e honrados, que lhes são
homens,
Esses
dos
dados
quais
nos
84
eram
permitem
atribuídos, o que se irá esperar dos
verificar alguns aspectos importantes
libertos? Assim, partindo da afirmação de
sobre o serviço doméstico carioca e a
Evaristo de Moraes, de que os imigrantes
imigração. Além disso, apesar de não
vêm
aladroar,
estarmos verificando processos criminais,
realizamos um levantamento da presença
nos quais poderíamos ter acesso às vozes
de servidores domésticos registrados nos
dessas
livros de matrículas da Casa de Detenção
permitem, mais do que verificar os
92
crimes cometidos, revelar o perfil social
Analisando esses livros, verificamos em
desses criados/as detidos por ordem de
quais atividades esses imigrantes presos
fiscalizações
se enquadravam e quais crimes eram
período estudado: a média de idade
mais comuns, dentre outros dados que
dessas pessoas; o estado civil; a cor; a
vão nos permitir traçar um perfil dos
nacionalidade; dentre outros aspectos que
imigrantes europeus que rompiam com o
nos permite avaliar o impacto destes
modelo
dados na “crise” do serviço doméstico
ao
Rio
de
Janeiro
da Corte e do Distrito Federal.
ideal
do
“trabalhador
morigerado”.
Assim,
realizamos
o
levantamento
de
referências
a
248
pessoas,
e
essas
fichas
criminalizações
nos
no
carioca.
criminosos que afirmavam ter como
ocupação alguma atividade ligada ao
serviço doméstico, 84 eram mulheres e
92
Para isso selecionamos de forma aleatória um
mês de cada ano analisado, ou seja, 1870, 1880,
1890, 1900, 1910 e 1920. Tão somente,
desejamos ter uma ideia qual servidor doméstico
estava sendo preso e quais os crimes sprincipais.
As observações a essas fontes, todavia,
contribuem para a realização de um levantamento
menos espaçado, a fim de que possamos observar,
detidamente, se houve alterações no perfil desses
criminosos e nos crimes cometidos ao longo dos
anos. Para a pesquisa em desenvolvimento,
estamos lançando mão dos dados coletados nesse
material apresentado.
93
Sobre a participação dos estrangeiros no
serviço doméstico, de acordo com os censos de
1870 e 1920, cerca de 20% a 26% dos criados (as)
do Rio de Janeiro eram estrangeiros. Sendo este
um dos principais espaços de trabalho para as
mulheres estrangeiras que se afixavam na cidade.
Cf. Souza, 2014.
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Tabela 3
que obtinham seu meio de subsistência
por meio de ocupações proibidas em lei,
ou que ofendiam a moral e os bons
costumes. O que nos faz supor que,
talvez, uma parte dessas mulheres presas
que se diziam criadas, pudesse, na
verdade, desempenhar outra atividade
que não a do serviço doméstico – a
Assim, podemos destacar em um
primeiro momento um dado interessante.
No mês de maio do ano de 1920, por
exemplo, somente mulheres, incluindo as
provenientes
da
imigração,
estavam
detidas. Como característica principal
dessas detentas, há o fato de das mesmas
não
terem
profissão
desempenharem
declarada
alguma
ou
atividade
doméstica. Além disso, em sua grande
maioria
se
enquadravam
no
Penal da época:
podemos
verificar,
o
presente artigo penalizava as pessoas que
não exerciam ofício, mas também aqueles
exemplo.
Ou
que o Dr. Lassance Cunha chamava de,
“prostituição clandestina”, que era aquela
exercida
por
mulheres
com
outras
ocupações, não vivendo exclusivamente
da prostituição – como o caso das
domésticas, sobretudo quando escravas.
(Lassance Cunha, 1845 Apud Soares,
1992: 28-29).94
De uma maneira mais geral, as
idades dessaas encarceradas estavam em
torno
Deixar de exercitar profissão, ofício,
ou qualquer mister em que ganhe a
vida, não possuindo meios de
subsistência e domicílio certo em que
habite; prover a subsistência por
meio de ocupação proibida por lei,
ou manifestamente ofensiva da moral
e dos bons costumes. Pena de prisão
celular por quinze a trinta dias.
(Código Penal dos Estados Unidos
do Brasil, 1890).
por
simplesmente poderiam fazer parte do
artigo
trezentos de noventa e nove do Código
Como
prostituição,
dos
vinte
anos
majoritamente, brasileiras
de
95
idade;
e solteiras
que afirmavam desempenhar atividades
como doméstica, cozinheiras, lavadeiras,
amas secas ou costureiras. Tanto no ano
de 1920, quanto nos anos de 1870 e 1880,
essas mulheres presas seguiam o padrão
94
Cf. também Schettini, 2006.
No ano de 1920, do total de 36 presas, 32 foram
anotadas como brasileiras; 1 como espanhola. Em
três casos, no entanto, não houve a possibilidade
de identificação da nacionalidade.
95
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mencionado. Em 1920, das 36 presas, 32
cometidos
eram nacionais, 1 era espanhola e 3 não
cozinheiros, 1 por cocheiro e 1 por
foi possível identificar a nacionalidade.
jardineiro.
Esta característica já muda um
por
copeiros,
Desses
portugueses,
5
gatunos,
eram
4
5
por
eram
brasileiros,
1
pouco se pensarmos nos homens presos.
argentino, 1 italiano e 1 espanhol.
É evidente que o número de nacionais é
Geralmente, esses homens eram solteiros,
maior do que o de estrangeiros, porém o
na casa dos 20 anos e quando brasileiro,
número
na maioria das vezes ou era da cor preta
de
sobretudo,
criminosos
portugueses,
estrangeiros,
espanhóis
e
italianos é bem significativo. Dos 164
ou parda, assim ocorre também para o
caso feminino.
homens detidos, 83 eram brasileiros, 46
Esses dados nos revelam mais
portugueses, 5 italianos, 17 espanhóis e
uma coisa: uma é a variedade de
os 13 restantes eram de nacionalidades
nacionalidades que entravam pelo Porto
como Prússia, EUA, Bélgica, países do
do Rio de Janeiro. Analisando algumas
continente africano, Chile, Argentina, e
fichas de vapores que atracaram no porto
Suíça.
do Rio de Janeiro, verificamos alguns
As profissões mais comuns desses
criminosos
eram
as
de
cocheiros,
vindos do Porto de Buenos Aires e Rio da
Prata, como por exemplo, o vapor francês
96
cozinheiros e copeiros, profissões essas,
Béarn procedente de Rio da Prata.
realmente bastante ocupadas por homens.
Neste vapor foram embarcados, em
Os crimes cometidos por essas pessoas
Buenos
geralmente se enquadravam no artigo 399
seguintes nacionalidades: 6 espanhóis, 27
do código penal, ligado à vadiagem, além
italianos, 2 alemães, 2 ingleses, 1
da desordem e da embriaguez. Os crimes
australiano e 3 franceses. Em 07 de abril
de gatunagem ou furto, geralmente eram
de 1876, o vapor Minho, procedente de
cometidos por aquelas profissionais que
Buenos Aires possuía 10 passageiros,
desempenham suas funções dentro das
sendo 1 brasileiro, 1 argentino (sendo
Aires,
41
passageiros
das
casas dos patrões, como a função de
copeiro e a de cozinheiro. Para termos
uma ideia, no ano de 1902 houve 13
crimes de gatunagem ou furto, sendo 7
96
Vapor francês Béarn procedente do Rio da
Prata. Entrado em 11 de junho de 1896.
Disponível
em:
<www.an.gov.br/sian/principal/pesquisa>.
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este camareiro), 2 espanhóis, 3 ingleses e
da Argentina talvez esteja relacionada a
3 italianos.
essa idéia de “criminalidade viajante”.
Ao encontrarmos estrangeiros
De acordo com o literato brasileiro Elysio
domésticos cometendo crimes, como o de
de Carvalho: “Somos hospitaleiros até a
gatunagem, logo nos veio à mente a fala
imprudência, e por isso mesmo, e porque
de Evaristo de Moraes, que mencionamos
a vida é fácil, a vigilância pequena e a
no início, ou seja, que um dos motivos
tolerância excessiva, o Rio vai se
para que o serviço doméstico estivesse
tornando um refúgio de criminosos
em uma condição problemática era o fato
escorraçados de todas as partes do
de muitos gatunos estrangeiros estavam
mundo” (Carvalho, 1913: 222-223 Apud
entrando no Rio de Janeiro, sobretudo
Galeano, 2012: 72) Esse medo dos
pela República da Argentina.
criminosos
Esses
exemplos
vêem
viajantes
estava
bastante
nos
inserido em uma preocupação do fim do
mostrar que provavelmente os portos
século, dos efeitos nocivos da imigração
argentinos servissem como um ponto de
descontrolada. (Galeano, 2012: 72). De
parada daqueles navios que traziam as
acordo com Diego Galeano:
levas de imigrantes europeus, visto que a
Argentina era um grande receptor de
estrangeiros na América Latina. (Fausto,
2000). Mas, também poderiam servir para
aqueles imigrantes que não estavam
satisfeitos
com
sua
condição
na
Argentina, tentassem melhorar de vida
imigrando para o Rio de Janeiro.
Essa grande leva de pessoas
chegando
diariamente
nas
Américas
começou a gerar no fim do século XIX,
um medo de que junto com esses
trabalhadores
chegassem
também
criminosos. Portanto, a desconfiança de
Nas últimas décadas do século XIX, foi
tomando força um discurso que
associava o aumento da população
estrangeira com a presença de uma
criminalidade nova e a cada dia mais
robusta. Esta idéia circulou – com
diferentes nuances – desde Buenos Aires
até o Rio de Janeiro, abrangendo,
obviamente, São Paulo. No Brasil, desde
os primeiros anos republicanos já se
ouviam vozes de advertência sobre os
efeitos da imigração no crime urbano. A
construção de estatísticas criminais que
desagregava as taxas por nacionalidade
era um sintoma desta preocupação.
(Galeano, 2012: 72-75).
Como estamos falando de um
jovem rábula, que depois virá a ser um
importante jurista brasileiro, talvez o que
a afirmação de Evaristo de Moraes esteja
refletindo é um discurso compartilhado
Evaristo de Moraes aos imigrantes vindo
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entre seus pares, no qual via essa
imigração
desenfreada
como
algo
maléfico e que ao atingir o serviço
doméstico atingiria, por conseguinte a
base da sociedade que era a família.
Além disso, uma vez esse imigrante
contrariando a imagem idealizada de
morigerado
e
exemplo
de
bom
trabalhador, ao se jogar a vida da
gatunagem, ele acabava contribuindo
para
uma
servidores
imagem
pejorativa
domésticos,
Referências bibliográficas
que
dos
era
disseminada por diversos meios de
comunicação, além de contribuir como
mais uma justificativa para a regulação e
vigilância dessa atividade. Uma vez, que
se até aqueles criados/as que deveriam
ser honrados e bons trabalhadores não
estavam sendo, o que se pensar dos
escravos e libertos? Se o Brasil lutava
para se tornar uma nação moderna,
precisava, portanto, proteger a honra da
família, nada melhor do que vigiar os
servidores domésticos – membros da
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Sobre os autores
violência de gênero. É bolsista PAECOEA-GCUB.
E-mail: [email protected]
Brenda Rupar
Bruno Cesar Rodrigues Thomaz
É
É
argentina, professora, historiadora e
historiador, mestrando em História
mestranda em História junto ao Programa
pelo Programa de Pós-Graduação em
de
História
Pós-Graduação
em
História
da
da
Universidade
Federal
Universidade
Federal
Fluminense
Fluminense (PPGH-UFF). Atualmente, o
(PPGH-UFF).
Junto ao Núcleo de
seu interesse de pesquisa concentra-se em
Estudos Contemporâneos (NEC-UFF),
averiguar o consumo e produção de
desenvolve pesquisa a respeito das
bebidas
origens da corrente maoísta na Argentina
Mexicana. Para além disso, interessa-se
na década de 1960. A partir deste campo
também pela discussão de temas relativos
de interesse, a autora possui publicações
à questão agrária, narcotráfico e futebol.
em revistas científicas. Atualmente, é
Integra
candidata
pela
Contemporâneos (NEC- UFF). Participa
Universidade de Buenos Aires. Junto à
do Grupo Eduardo Galeano (Estudos
Universidade
Sociais e Políticos na América Latina).
Argentina,
ao
doutoramento
Nacional
participa
do
de
Quilmes,
"Grupo
de
alcoólicas
o
Núcleo
na
Revolução
de
Estudos
Tem experiência na área de História, com
Estudios sobre acumulación, conflictos y
ênfase em História Latino-Americana.
hegemonía"
E-mail: [email protected]
e
Investigaciones
Sociedad
do
sobre
en
são
Economía
la
Contemporánea".
interesse
"Centro
de
y
Argentina
Os seus temas de
a
História
Latino-
Americana Contemporânea, debates na
Jailton Alves de Oliveira
É professor, historiador, doutorando em
esquerda e o movimento operário e
Educação
pelo
Programa
de
Pós-
popular e as abordagens sobre gênero e
Graduação em Educação da Universidade
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do Estado do Rio de Janeiro (PROPED-
Corte
UERJ). Integra o grupo de historiadores
Buenos Aires como espaços educativos
do Laboratório de Estudos sobre as
(1856-1889), 2014 e O Último Livro da
Diferenças
Sociais
Casa de Detenção da Corte: a disciplina
(LEDDES), que faz parte do Programa de
no final do Império do Brasil (1880-
Pós-Graduação
em
do
1889),
Departamento
de
da
História e Memória: novos olhares sobre
Universidade do Estado do Rio de
temas variados, 2012. Integrou o grupo
Janeiro (PPGH-UERJ). Seus interesses se
de pesquisadores que reorganizou todo o
voltarm para estudos a respeito da
acervo do Fundo Casa de Detenção do
educação, prisão e mulheres e crianças
Rio de Janeiro junto ao Arquivo Público
encarceradas na América Latina do
do Estado do Rio de Jaeiro (APERJ).
século XIX. Possuiu artigos e resenhas
Email: [email protected]
publicados
e
em
Desigualdades
História
livros
e
História
e
de
Penitenciária
2012.
Nacional
Organizador
do
de
livro
revistas
científicas. É mestre em Educação pelo
Programa
e
Pós-Graduação
em
Educação da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (PROPED-UERJ). É pósgraduado em História pela Universidade
Federal Fluminense (UFF) e graduado em
História pela faculdade Gama Filho (RJ).
Participou do projeto “Circulação de
modelos pedagógicos, sujeitos e objetos
entre Brasil e Argentina (séculos XIX e
XX)”, que envolveu o Programa de Pósgraduação em Educação da Universidade
de Campinas (UNICAMP) e o Doutorado
em Educação da Universidad Nacional de
Rosário (Argentina), 2012. É autor dos
livros: Escolas de todas as perdições e
degenerescências: Casa de Detenção da
Jhoana Gregoria Prada Merchán
Venezolana. Licenciada en Historia por
la Universidad de Los Andes (2006),
Mérida-Venezuela
y
Licenciada
en
Educación Mención Ciencias Sociales
por
la
misma
Universidad
(2009).
Magíster en Historia Comparada Pasado
y Presente de las Relaciones Sociales,
Familiares y de Género en Europa y
América Latina de la Universidad de
Murcia, España (2010). Estudiante de
Doctoranda
del
Programa
de
Pos-
Graduación en Historia Social de la
Universidad Federal de Río de Janeiro,
Brasil.
Ponente
Sudamericano
de
en
III
Historia
Congreso
(2007).
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Perteneciente al Grupo de Investigación
1930)” no livro Histórias da Educação:
Conversatorio de Mujeres y Género~
Instâncias
Conversações sobre Mulheres e Género
instituições e cultura material (2015).
(Murcia, España) y Miembro del Consejo
Membro
de Redacción de la Revista Procesos
Interdisciplinar de Pesquisa em Educação
Históricos- Revista de Historia y Ciencias
e Tecnologias (GIPET – IFMG), atuando
Sociales de la Universidad de Los Andes,
na
Mérida-Venezuela. Docente a nivel de
interdisciplinares e ensino tecnológico”.
Educación Media General. Actualmente
Membro estudante do grupo História do
desarrollando trabajos de investigación
Crime e da Polícia e da Justiça Criminal
en el área de Historia Social, Historia de
(UFRJ) atuando na linha de pesquisa
Género
História do crime e da polícia.
e
Historia
de
la
Mujer.
Especialista en temas como honor,
infanticidio,
familia,
matrimonio
linha
educativas:
pesquisador
de
pesquisa
políticas,
do
Grupo
“Ferramentas
E-mail: [email protected]
y
situación social de la mujer en Venezuela
durante el siglo XIX y XX.
Marlon Rocha
Email: [email protected]
É historiador, mestrando no Programa de
Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira
Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGHIS-UFRJ). Atualmente, seu campo
É historiador, professor do Instituto
Federal de Minas Gerais (IFMG) e
doutorando em História Social pelo
Pograma de Pós- Graduação em História
Social da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (PGHIS/UFRJ). É mestre em
Educação pela Universidade Federal de
Minas Gerais. Autor de “Ação Policial
como prática de uma educação moral:
polícia de costumes e o meretrício em
de interesse está envolto em pesquisas
relacionadas ao discurso político do
Partido Liberal Mexicano através dos
periódicos Regeneración e Revolución
nas primeiras décadas do século XX.
Atua na área de estudos políticos e
históricos da América Latina e história do
México na passagem do século XIX para
o XX.
Email: [email protected]
Belo Horizonte (décadas de 1920 e
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Natália Batista Peçanha
É historiadora, doutoranda em História
pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro (UFRRJ). Atualmente,
com apoio CAPES, seu campo de
interesse
imbrica-se
transnacional
do
com
serviço
a
análise
doméstico
carioca e portenho no final do século XIX
e início do XX. É mestre em História
pela mesma instituição de ensino, onde
desenvolveu pesquisas relacionadas ao
Estado e as múltiplas relações de poder.
Como bolsista de Iniciação Científica
(CNPQ/BALCÃO), fez parte do grupo de
pesquisadores no Arquivo de Memória
Operário do Rio de Janeiro (AMORJ).
Participou do projeto de pesquisa Carta
do Potencial Arqueológico do Rio de
Janeiro (CPARJ), que foi organizado pela
Superintendência
do
Instituto
do
Patrimônio Histórico e Artistico Nacional
(IPHAN).
E-mail: [email protected]
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