Uma análise da imagem de David Bowie n
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Uma análise da imagem de David Bowie n
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ INSTITUTO DE CULTURA E ARTE CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO CAROLINA MAIA ESMERALDO BARRETO Don’t you wonder sometimes about sound and vision? – Uma análise da imagem de David Bowie na mídia FORTALEZA 2014 CAROLINA MAIA ESMERALDO BARRETO Don’t you wonder sometimes about sound and vision? – Uma análise da imagem de David Bowie na mídia Monografia apresentada no curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Jorge de Lucena Lucas. Fortaleza 2014 CAROLINA MAIA ESMERALDO BARRETO Don’t you wonder sometimes about sound and vision? – Uma análise da imagem de David Bowie na mídia Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel. A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que feita com as normas da ética científica. Aprovada em ___/___/____. Monografia apresentada à Banca Examinadora: Prof. Dr. Ricardo Jorge de Lucena Lucas (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC) Prof. Francisco Joaquim Cordeiro Neto Universidade Federal do Ceará (UFC) Profª. Soraya Madeira da Silva Universidade Federal do Ceará (UFC) Fortaleza 2014 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre patrocinaram os meus hábitos culturais, até mesmo quando eu caminhei pelas minhas próprias pernas. Valeu, mamasita e painho. AGRADECIMENTOS A Deus, acima de tudo. Ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Jorge, pelo acompanhamento, inspiração e paciência. Obrigada por me ajudar a tornar este trabalho possível. A minha mamasita, Neida, que mesmo não gostando de David “Bawnie”, foi de extrema importância para o estreitamento desta pesquisa. Obrigada por sempre acreditar em mim. Ao meu painho, Roberval, pelas incríveis lições de vida. O senhor é uma inspiração diária para mim. A minha madrasta, Tia Vivi, obrigada pelo carinho e apoio. A minha irmã, Clarissa, a seguinte frase: “Happiness can be found in the darkest of times, if one only remembers to turn on the light”. Você sempre se lembra de ligar a luz, inclusive a minha. A minha irmã, Juliana, o sincero agradecimento por sempre tornar as coisas um pouco mais leves com suas contribuições bem-humoradas. Aos meus irmãos Letícia e Davi, por me lembrarem a ser e perceber a vida com olhos de criança. Aos meus amigos de faculdade, obrigada por sempre ouvirem as crises monográficas e nem tão monográficas. Bele (e Roberto), Mikaela e Carol: obrigada pelo apoio. Aos meus amigos da vida, obrigada pela cumplicidade de sempre. Agradecimentos especiais à Marina, Brunna e Letícia, que sempre ouviram as minhas queixas e as alegrias das minhas conquistas. Finalmente, ao meu namorado Emanuel, meu incentivador oficial desde antes da faculdade. Este trabalho não teria sido possível sem os seus constantes incentivos. Muito obrigada, meu amor. Não sei quantas almas tenho/ Cada momento mudei/ Continuamente me estranho/ Nunca me vi nem achei/ De tanto ser, só tenho alma/ Quem tem alma não tem calma. (Fernando Pessoa) So I turned myself to face me/ But I've never caught a glimpse/ Of how the others must see the faker/ I'm much too fast to take that test. (David Bowie) RESUMO Este trabalho possui o intuito de analisar a maneira como o cantor britânico David Bowie se utilizou da autonomia de sua identidade como músico e artista para ascender no ramo musical, tornando-se mundialmente conhecido. Para tanto, esta análise se baseou em pensamentos de teorias sobre a construção da identidade – ou das identidades – na formação do “eu”, ressaltando o papel da cultura e da mídia como fornecedores substanciais de matéria prima para este processo, situado na pósmodernidade. Outro fundamento essencial para este processo são as relações sociais e a maneira como elas afetam os indivíduos, que se veem impelidos a apresentarem uma imagem do que são. A ideia de que as relações sociais são palco para uma performance, interpretada pelo indivíduo, que constrói personas, faz parte deste trabalho. O argumento defendido nesta dissertação é o de que, no meio artístico, é necessário romper barreiras impostas socialmente por meio de reações de choque. Essas barreiras também poder ser derrubadas com a maneira que se faz uso da moda. David Bowie conseguiu se tornar uma celebridade poderosa, não apenas presente com sua música, mas com todos os seus talentos combinados, quando percebeu que interpretar papeis o levaria ao estrelato. Estes papeis deveriam causar espanto. Foi por meio de sua androginia e a interpretação de papeis invariavelmente femininos que o artista conseguiu sedimentar a sua carreira. PALAVRAS-CHAVES: Identidade. Mídia. Relações sociais. David Bowie. ABSTRACT This paper aims to analyze the way how British singer David Bowie used the autonomy of his identity as a musician to ascend in the musical business, becoming worldwide known. To do so, this analysis was based on thoughts of theories about the construction of identity - or of identities - in the formation of the "I", emphasizing the role of culture and media as substantial providers of raw material for this process, situated in post modernity. Another essential groundwork for this process are the social relations and the way how they affect the individual, who see themselves impelled to present an image of what they are. The idea that social relations are a stage for a performance played by the individual who builds personas is a part of this paper. The argument defended in this paper is that, in the artistic community, it is necessary to break barriers imposed by society using reactions of shock. Those barriers can also be broken by the way one uses fashion. David Bowie achieved to become a powerful celebrity, not only active with his music, but with all his talents combined, when he realized that to interpret roles would lead him to stardom. Those roles were supposed to cause shock. It was through his androgyny and the invariably interpretation of women's roles that the artist managed to solidify his career. KEYWORDS: Identity. Media. Social relations. David Bowie. ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - David Jones (canto inferior direito) e a banda de subúrbio The Kon-Rads . 19 Figura 2 - David Bowie dando vida a Ziggy Stardust no palco ................................... 21 Figura 3 - O estilo de Little Richard ........................................................................... 24 Figura 4 - O glitter macabro de Alice Cooper ............................................................. 25 Figura 5 - O glamour de Marc Bolan .......................................................................... 26 Figura 6 - Bowie em papeis masculinos: as capas de Station to Station e Low ............ 29 Figura 7 - Assumindo um estilo masculino: a capa de Heroes e a de The Next Day .... 30 Figura 8 - Capa do álbum Let's Dance, lançado em 1983 ............................................ 30 Figura 9 - David simulando um ato sexual com a guitarra de Mick Ronson ............... 40 Figura 10 – Mick Ronson (de branco), Brian May (de vermelho) e David Bowie de azul no Estádio de Wembley ....................................................................................... 42 Figura 11 - David Bowie em roupa desenhada por Kansai Yamamoto ........................ 45 Figura 12 - David e Angie Bowie quebrando os padrões estéticos da família tradicional em retrato.................................................................................................................... 47 Figura 13 - David Bowie convencional nos discos lançados respectivamente em 1967 e 1969 ........................................................................................................................... 52 Figura 14 – Algumas capas de discos lançados entre 1970 e 1972, respectivamente: Rolling Stones, Led Zeppelin e Pink Floyd ................................................................ 53 Figura 15 – Álbuns de Gary Glitter e Roxy Music, ambos lançados em 1972 ............ 54 Figura 16 – Os álbuns A Beard of Stars (1970), Electric Warrior (1971) e The Slider, de T. Rex ................................................................................................................... 55 Figura 17 - Capa do disco The Man Who Sold The World ........................................... 55 Figura 18 – Em ordem: capas lançadas originalmente nos Estados Unidos (1970), na Alemanha (1971) e relançada mundialmente (1972) ................................................... 57 Figura 19 – Capa do disco Hunky Dory ...................................................................... 60 Figura 20 – A atriz suíça Greta Garbo ........................................................................ 62 Figura 21 – Capa do disco Pin Ups ............................................................................ 63 Figura 22 – Capa do disco Young Americans.............................................................. 66 Figura 23 – No sentido horário: Lodger (1979), Let’s Dance (1983), Earthling (1997) e Heathen (2002) ........................................................................................................... 69 Figura 24 – As diversas facetas de Bowie no videoclipe da música “Boys keep Swinging” ................................................................................................................... 69 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Ficha técnica do álbum The Man Who Sold The World ............................. 56 Tabela 2 - Ficha técnica do álbum Hunky Dory ......................................................... 60 Tabela 3 - Ficha técnica do álbum Pin Ups ................................................................ 64 Tabela 4 - Ficha técnica do álbum Young Americans ................................................. 66 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12 2. LADIES AND GENTLEMEN, MEET MR. DAVID BOWIE ........................... 16 2.1 Tornando-se Bowie .............................................................................................. 16 2.2 O Glam-Rock ....................................................................................................... 23 2.3 Negação do Glitter ............................................................................................... 28 3. FAME, WHAT YOU NEED YOU HAVE TO BORROW – DAVID BOWIE ESTÁ NA MÍDIA .................................................................................................... 32 3.1 A questão da identidade – fundamentos teóricos ................................................... 32 3.2 Relações sociais na construção do “eu” ................................................................ 36 3.3 A moda como auto-afirmação ............................................................................... 43 4. CH-CH-CHANGES, JUST GONNA HAVE TO BE A DIFFERENT MAN – AS REINVENÇÕES DE DAVID BOWIE .................................................................... 48 4.1 A importância da imagem veiculada na mídia ....................................................... 48 4.2 Bowie e seus contemporâneos .............................................................................. 51 4.3 The Man Who Sold the World (1971) .................................................................... 55 4.4 Hunky Dory (1971) .............................................................................................. 60 4.5 Pin Ups (1973) ..................................................................................................... 63 4.6 Youngs Americans (1975) ..................................................................................... 66 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 71 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 74 12 1 INTRODUÇÃO Muitos esperam que a arte seja funcional, que ela seja um meio para formular um combate, desafiando a “ordem” e promovendo o caos. A necessidade de intrigar as pessoas, de tocar no mais profundo de sua existência com o intuito de despertar questionamentos também podem ser entendidos como uma sede de produzir arte, de estar no meio da sua criação. Porém, ela precisa ser leve, debochada, criativamente desprendida. Deve despertar a curiosidade de quem a encontra. É assim que David Bowie contribui para o mundo artístico: empresta os seus diversos dons para produzir músicas, papeis, imagens e personalidades que vão basicamente traduzir o sentimento de uma ou mais gerações. Foi a curiosidade despertada por este artista com veias camaleônicas que subsidiou a concepção deste trabalho. Desde já, adianto minhas desculpas se algumas vezes o sentimento de fã se sobressaiu ao de pesquisadora. David Bowie é várias pessoas ao mesmo tempo e, durante suas cinco décadas de carreira no showbusiness, metamorfoseou-se inúmeras vezes. Observando as personas que ele criava, podia-se deduzir uma série de fatores, como a necessidade de fazer sucesso, a nuance adquirida por meio de outras pessoas e o nível de choque que ele queria despertar. Armando-se desta faceta, Bowie pode ser considerado pioneiro em diversas facetas do ramo musical, como na questão de sua autopromoção, na maneira como se utilizou de recursos visuais e, claro, na criação de personas a serem representadas no palco. Este trabalho começou a ser pensado primeiramente em uma análise semiótica de apenas um disco, tendo como foco a suposta objetificação da mulher que era apresentada. O álbum era Diamond Dogs que, lançado em 1974, conta com uma pintura expressionista do artista belga Guy Peellaert. Nele, Bowie personifica uma criatura que é metade homem e metade cachorro. No fundo da imagem, vê-se duas criaturas femininas, porém apenas com a cabeça de mulher, o corpo era de cachorro. Um dos problemas que surgiram no caminho foi o fato de não ter realmente escutado o objeto. A capa do álbum era, de fato, chocante. A persona que Bowie assumiu era chocante e o contexto era intrigantemente macabro. A arte cumpriu o seu papel de despertar indagações. O que se descobriu – e que mudou inteiramente o rumo da pesquisa – foi o fato de Bowie constantemente assumir papeis femininos em seus discos, pelo menos nos do início da carreira. Por que ele precisava se transvestir de 13 mulher para conseguir ser conhecido pela mídia? Esta problemática guiou todo o processo de pesquisa para a conclusão deste trabalho, levando-nos a acreditar na hipótese de que ele se usava de suas feições femininas para conquistar o maior número de pessoas. Outros questionamentos também orientaram este trabalho, como a ideia de que a representação de uma persona transcendia os limites do palco. Em 1972, ser homo ou bissexual ainda causava espanto, admiração e, muitas vezes, rejeição por parte da sociedade. Sabendo disso, Bowie se assumiu homossexual em uma entrevista para a revista britânica Melody Maker, fato que o ajudou a alavancar o seu caminho rumo ao estrelato. As opções sexuais dele não serão questionadas neste trabalho, mas sim a maneira como ele as apresentava para a mídia, como ele as usou como artefato para a construção de suas personas e de sua carreira. Após pesquisas usando biografias de David Bowie, o ponto crucial, a pedra angular para entender como o artista conseguiu se tornar bem sucedido no mundo da música (e da imagem) passa pelo processo de compreensão da identidade. Como ela é formada, a sua relação com a sociedade e a possibilidade de uma pessoa ter múltiplas personalidades. Bowie exteriorizou as suas múltiplas facetas e, com isso, incentivava os seus fãs a fazerem o mesmo, a passarem a ver como as suas vidas poderiam ter diferentes pontos de vista. Esta pesquisa, portanto, tem a intenção de estudar a maneira como David Bowie se fez presente na mídia brincando com sua habilidade de se reinventar constantemente, principalmente criando facetas femininas. Para este propósito, o foco assumido foi a análise das capas dos discos The Man Who Sold the World, Hunky Dory, Pin Ups e Young Americans, uma vez que é nestes álbuns que Bowie se apresenta como mulher. Após 1975, que é o ano de lançamento do último álbum em que Bowie aparece claramente como mulher, os seus trabalhos são invariavelmente respaldados por características masculinas. A hipótese deste trabalho leva em consideração que a sexualidade do músico funciona como um elemento persuasivo em conjunto com os demais elementos que envolvem a sua androginia, como a esperta declaração de que era homossexual. A ideia é que Bowie se utilizou de sua orientação sexual como forma de se autopromover e viu na criação de identidades e personas um caminho ideal para este fim. Este, porém, não foi o seu único objetivo ao adotar as suas personas. Bowie também queria que a opção sexual de uma pessoa não fosse vista como uma aberração 14 pela sociedade. Uma maneira de justificar este ponto de vista é analisar a importância que o músico teve na revolução sexual na década de 1970. Este trabalho conta com mais três seções. O primeiro capítulo faz um apanhado biográfico de David Bowie com a intenção de apresentá-lo ao leitor. Praticamente, são estabelecidas as principais características que contribuíram para a transformação de David Jones em David Bowie, bem como o processo de que envolveu o lançamento de seus primeiros hits de sucesso. As influências que David adquiriu até transformá-las em produtos independentes também estão presentes nesta parte do trabalho. Conceitos sobre estilos musicais, como o glam-rock, também são levados em consideração, bem como os seus representantes. O objetivo deste capítulo é observar que o artista sempre fez uso de sua imagem para conquistar o maior número de fãs. O segundo capítulo fornece material teórico para embasar esta pesquisa. Mesmo que o conceito de “identidade” seja complexo e não se apresente num consenso por pesquisadores, ele será abordado na forma de citações de teóricos como Stuart Hall e Douglas Kellner. O modo como a identidade é entendida na pós-modernidade é essencial para se compreender a necessidade de David em se transformar constantemente, portanto, o processo de formação dela é tratado com veemência nesta seção. Outro tópico importante deste capítulo é embasado com a teoria de Erving Goffman de que as relações sociais diárias são um palco para a performance do “eu”. Alguns casos em que David agiu com atitudes calculadas em frente a uma plateia serão brevemente analisados, pondo a teoria à prova. Finalizando o capítulo, uma breve explanação sobre como a moda influenciou e contribuiu para o sucesso de Bowie e como ela funciona como uma extensão de seu corpo, com base na teoria de Marshall McLuhan. O terceiro capítulo, finalmente, traz uma análise das capas em que Bowie se apresenta como mulher. Antes da análise propriamente dita, uma breve explanação sobre a importância da imagem veiculada na mídia – no caso de David, principalmente na forma dos discos de vinil – tem espaço relevante. A ideia é que estas capas funcionam como um tipo de paratexto, termo criado pelo francês Gerard Genette. Para título de comparação, algumas capas do período de 1970 a 1972 de outros artistas serão brevemente analisadas. A intenção desta análise é fornecer ao leitor uma imagem da ousadia de David Bowie, que quebrou alguns paradigmas com suas ideias imagéticas. 15 Para finalizar, analisamos as capas que consideramos mais intrigantes no sentido de causar admiração e espanto, a um primeiro olhar. 16 2 LADIES AND GENTLEMEN, MEET MR. DAVID BOWIE O objetivo deste capítulo é estabelecer as principais características que contribuíram para David Bowie tornar-se o mito da música, o “famigerado” Camaleão do Rock, alcunha atribuída devido às suas diversas mudanças ao longo de mais de 30 anos musicais. Suas contribuições artísticas perpassam o mundo da música, tendo sido um dos heróis da revolução sexual e da música na década de 1970, tornando-se um ícone pop. A fim de cumprir esse desígnio, conheceremos um pouco sobre a história de Bowie, dando ênfase nos detalhes que o tornaram uma figura andrógina, mundialmente conhecida pelos fãs de música e cultura pop. 2.1 Tornando-se Bowie De nascimento, é David Robert Jones. De vida, pode cambiar entre David Bowie e vários personagens criados ao longo de mais de quatro décadas de vida artística. Bowie nasceu em janeiro de 1947 em Brixton, Londres. Preparou-se para a música na juventude para contemplar o seu ápice nas boas-vindas da década de 70. A carreira de David Bowie foi marcada pela presença de vários tipos de artes e, eventualmente, da combinação entre elas. Antes de escolher pela música, almejava ser pintor, além de já ter trabalhado em uma agência de publicidade e de ter tido experiência em um grupo de mímicos. Em entrevista concedida a Cameron Crowe em setembro de 1976 para a Revista Playboy, Bowie afirma que escolheu a música e, especialmente, o rock’n’roll porque estava “quebrado”: Cameron Crowe: How did you become a rock’n’roller, anyway? David Bowie: Truth? I was broke. I got into rock because it was enjoyable way of making money and taking four or five years to puzzle my next move out. I was a painter before that, studying commercial art at Bromley Technical High School. I tried advertising and that was just awful. The lowest. But I was well into my little saxophone, so I left advertising and thought, Let’s give rock a try. You can have a good time doing that and usually have at least enough money to live on. Especially then. It was the Mod days; nice clothes were half the battle. (BOWIE, 1976, p. 6)1 1 Cameron Crowe: Como é que você se tornou um roqueiro mesmo? David Bowie: Verdade? Eu estava quebrado. Eu entrei no rock porque era uma maneira agradável de fazer dinheiro e tirar quatro ou cinco anos para descobrir o meu próximo passo. Eu era um pintor antes disso, estudando arte comercial na Bromley Technical High School. Eu tentei propaganda e isso foi 17 Marc Spitz, autor de Bowie – A Biografia (Benvirá, 2010), porém, destrincha a trajetória do artista e constata que a música esteve presente desde muito cedo na vida dele, tempo demais para ser uma decisão motivada apenas por questões financeiras. A música, para Bowie, representava um sinônimo de ascensão social (Ele nasceu em Brixton, um bairro no sul de Londres), uma tentativa de alteração de status, o que ele pretendia que acontecesse rapidamente e com muita determinação. ‘Enquanto ainda estava na escola, eu ia a Londres todo sábado à noite para ouvir jazz em diversos clubes, e fazia isso tudo com meu irmão, quando eu estava numa idade bem impressionável’, David se lembra. [...] Em seguida, John Jones comprou na Furlong’s um sax-barítono branco de plástico para David, após um pouquinho de insistência do filho. Equipado com um instrumento, David decidiu acelerar seu caminho para ganhar traquejo no jazz. (SPITZ, 2010, P. 50-1). Os dons artísticos, em geral, sempre foram uma espécie de fortaleza para Bowie, assunto o qual ele não mede palavras para comentar, muitas vezes dando a impressão de ser uma pessoa arrogante. David transita entre diversos mundos ─ música, pintura, cinema, escrita ─ e tem certeza de que faz isso muito bem: When I started writing, I couldn’t put more than three or four words together. Now I think I write very well. I’m finding that if I just look at something and think, A man did that, I realize I can do it too. And probably better. I didn’t know anything about films, either. […] So I went out, got hold of a lot of the greatest films and worked it all out for myself. […] Now I have an excellent knowledge of the art. I became a bloody good actor, I’ll tell you. And I’ll be a superb filmmaker as well. (BOWIE, 1976, p. 6)2 O visual de Bowie também contribui para a caracterização de personagens criados por ele. Apelidado de “Camaleão do rock” pela mídia mundial, o mito David Bowie começou a se formar fisicamente quando ele era adolescente, com 14 anos. Nesta época, ele era apaixonado por uma garota de sua escola. O problema é que um de seus amigos próximos, George Underwood, também gostava da moça. David a seduziu e tornou a aproximação de Underwood complicada. Os dois, então, partiram para uma briga e George acertou o olho de Bowie. O golpe foi certeiro o simplesmente terrível. O pior. Mas eu era legal no meu saxofonezinho, então eu deixei a propaganda e pensei, Vamos dar uma chance ao rock. Você pode se divertir fazendo isso e, geralmente, tem dinheiro suficiente para viver. Especialmente naquela época. Era o tempo dos Mod; roupas boas já eram metade da batalha (Tradução nossa). 2 Quando eu comecei a escrever, eu não conseguia juntar mais de três ou quatro palavras. Agora eu acho que escrevo muito bem. Eu estou descobrindo que se eu olhar para alguma coisa e pensar, Um homem fez isso, eu me dou conta de que eu posso fazer isso também. E provavelmente melhor. Eu não sabia nada sobre filmes também. Então eu saí, peguei muitos dos grandes filmes e interpretei tudo. Agora eu tenho um excelente conhecimento da arte. Eu me tornei um super ator. E eu vou ser um ótimo cineasta também (Tradução nossa). 18 suficiente para não cegar, mas manejou uma característica marcante e que deixou Bowie em um hospital por quase oito meses: o olho esquerdo constantemente dilatado, que garantia uma feição peculiar e diferente no artista. A característica tornou-se um fator contribuinte para se destacar no show business, além de ser essencial para a construção de suas personagens. Ainda que alguns anos antes, o caminho de Bowie já estava seguindo para a transformação no “Homem das estrelas” que ele descreveu em sua música “Starman”, do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, lançado em 1972 pela gravadora RCA. Antes de se tornar, de fato, David Bowie, o artista caminhou em diversas experiências musicais, uma delas o Mod (uma abreviação de Modern). De acordo com Roy Shuker, autor do Vocabulário de Música Pop, o Mod foi “uma subcultura jovem que surgiu em Londres por volta de 1963, [...] constituído pelos membros da classe operária” (SHUKER, 1999, p.189-90). Com roupas muito alinhadas, provenientes da alfaiataria inglesa, os garotos mod procuravam tudo o que fosse voltado para o futuro, moderno, sendo, também, um apelo ao mundo do consumo. Este movimento parece ter caído como uma luva para o então adolescente David Bowie e a sua androginia, como afirma Spitz: O mod era um movimento feito sob medida para David Jones. As drogas estimulantes e as ambições consumistas, ambas sinônimos de mod (sem mencionar a sede idealista pelo “novo”) acertaram David bem quando se quer ser atingido por essas coisas: entre os quinze e dezesseis anos de idade. E ele aderiu fervorosamente. Os princípios do movimento também tinham muito a ver com a sua eterna compulsão por criatividade e sua busca por um novo estilo (SPITZ, 2010, p. 63). O mod foi, certamente, o começo da transformação visual de David, que começou a perceber, na prática, que a imagem era um dos meios mais eficazes de se promover um produto, inclusive se ele for musical. Nesta época, ele participou da banda The Kon-rads, que tocava em bailinhos e pequenos eventos, como casamentos e feiras de escolas locais e que também trazia em sua composição George Underwood. David, porém, ambicionava ser um completo astro do rock e percebeu que aquele pequeno grupo musical não o levaria a esse objetivo. 19 Figura 1 - David Jones (canto inferior direito) e a banda de subúrbio The Kon-Rads Após a sua experiência com os Kon-Rads, David se jogou em uma nova experiência e formou o grupo King Bees também com Underwood, assumindo o nome Davie Jones. Os rapazes da banda, com a exceção de David e Underwood, eram londrinos. Eles haviam se conhecido no cabeleireiro. Neste grupo, David achou que tinha uma chance concreta no meio da música. Os King Bees até conseguiram um contrato, mas a banda não deslanchou. Seu ápice está no show que realizaram para uma festa de casamento, quando a plateia não os recepcionou da maneira que o ego de David esperava. Foi com essa banda, entretanto, que o primeiro produto oficial de David foi lançado, o single de estreia “Liza Jane”, de Davie Jones and The King Bees. Já com seu lugar na música mais sedimentado, Bowie ouviu de seu agente que havia um programa de televisão em Londres com o nome Davy Jones e sugeriu que essa seria uma boa hora para adotar um nome artístico diferente e único. A inspiração veio de um coronel norte-americano: James Bowie, revolucionário texano do século XIX morto em uma batalha. “’Bowie’ também nomeia a famosa faca de lâmina curva, aquela que o coronel usara para estripar seu inimigo, o xerife Norris Wright, no famoso duelo de 1827 nas cercanias de Natchez, Mississipi” (SPITZ, 2010, p. 90-91). Tendo os olhos marcadamente diferentes, David também mudou seu nome comum, Jones, para um nome raro e com personalidade, Bowie, e se tornou uma das lendas do rock, tendo ascendido musicalmente nos idos da década de 1970. 20 O seu primeiro hit de sucesso veio a calhar numa época conturbada a proporções mundiais, com o impacto da tecnologia espacial e a aceitação da novidade pela sociedade. No meio da disputa, quando Estados Unidos e União Soviética competiam pela supremacia na exploração e tecnologia espacial, e com toda a espetacularização da mídia, Bowie nos apresenta Major Tom em Space Oddity (lançado em 1969). O astronauta é lançado à Lua numa viagem solitária e sem muitas chances de retorno. Na contramão da glamourização do personagem do astronauta cultuado e desenvolvido pela mídia, o Major Tom de Bowie apresenta a outra face da moeda. A música é uma descrição da chegada dele no espaço e suas primeiras impressões. Mostra, também, o sentimento de impotência se comparado à grandiosidade do mundo: “For here am I sitting in a tin can/ Far above the world/ Planet Earth is blue and there’s nothing I can do”. (BOWIE, 1969). Ground Control, ou a Torre de Controle, a conexão de Major Tom com a Terra, reporta que há um problema com o circuito do astronauta, que se perde no espaço. David Bowie resgata um de seus primeiros personagens, Major Tom, na música “Ashes to ashes”, do álbum Scary monsters...And Super Creeps, lançado em 1979, uma década após “Space Oddity”. Nos primeiros versos da faixa, Bowie nos pergunta se lembramos de um cara que estava em uma música do começo de sua carreira. Afirma que ouviu um rumor vindo de Ground Control3. Descobrimos, no refrão 4, que Major Tom havia se tornado um “junkie”, termo usado para definir uma pessoa que é viciada em drogas. O tema espacial, envolvendo alienígenas e a pergunta “Estamos sós no espaço?”, sempre exerceu muita influência em Bowie. Em Bromley, cidade em que ele passou grande parte de sua vida, ela já havia tido contato com ficções científicas e já sabia o impacto que o estilo tinha nas pessoas. A cidade também foi o berço do autor H. G. Wells, “o pai da ficção científica”. Assim como Bowie, Wells tinha um objetivo claro em mente: ascender socialmente e financeiramente e sair de Bromley. Ziggy Stardust, alter-ego de Bowie, foi o ápice da influência espacial em Bowie e, certamente, um dos personagens mais bem-sucedidos dele. O disco foi um enorme sucesso e conta a história de um alienígena que vem para a Terra com a função de avisar 3 “Do you remember a guy that’s been/ In such an early song/ I heard a rumour from Ground Control/ Oh, no, don’t say it’s true” (BOWIE, 1979). “Você se lembra de um cara que estava/ Emu ma canção do começo/ Oh, não, não diga que é verdade” (Tradução nossa). 4 “Ashes to ashes, funk to funky/ We know Major Tom’s a junkie/ Strung out on heaven’s high/ Hitting an all-time low” (BOWIE, 1979). “Das cinzas às cinzas/ Todos nós sabemos que o Major Tom é um viciado/ Estendido no alto do paraíso/ Atingindo uma super decadência” (Tradução nossa). 21 aos humanos que temos apenas mais cinco anos de vida. Ziggy, então, se apaixona pelo rock’n’roll e pela vida que vinha junto ao estilo musical. A última faixa do disco, “Rock’n’roll suicide”, apresenta o destino do alienígena, que é morto pelos seus fãs. Figura 2 - David Bowie dando vida a Ziggy Stardust no palco David Bowie interpretava Ziggy Stardust nos palcos. A caracterização ─ um Bowie muito branco, magro, cabelos vermelhos, os olhos claramente diferentes um do outro e sempre muito pintados, e até um terceiro na testa ─ contribuiu para que os fãs misturassem os personagens e tomassem Bowie por Ziggy e vice versa. Ziggy foi a armadura que Bowie encontrou para se proteger sua extrema timidez. Bowie comenta este traço de sua personalidade, como resgata Spitz: Numa entrevista de 1875 para Dinah Shore, ele admitiu: “A única coisa de que não gosto é de ser terrivelmente tímido. Sou uma pessoa incrivelmente tímida. Então exagerei tentando compensar. Pensei que, se eu tivesse um tipo alarmante de reputação, teria de aprender a me defender e a sair de mim mesmo” (SPITZ, 2010, p. 32-3). Entender a timidez de Bowie como uma mola propulsora de seu sucesso, é essencial para tentar compreendê-lo: Em vez de negação, muitos acreditam que a timidez é, na verdade, uma elevada maneira de egocentrismo. Isso é crucial para entender como David Bowie, rock star, nasceu de David Jones, um operário suburbano em potencial. Sem controle, uma preocupação exagerada consigo mesmo se manifesta como um desconforto social ou fobia, mas, quando examinada e adestrada [...] permite ao indivíduo, com sorte e tempo, se reinventar (SPITZ, 2010, p. 33). 22 Tendo deslanchado a carreira de Bowie, finalmente o levando para o sucesso, Ziggy cresceu exponencialmente. Na entrevista realizada por Crowe, Bowie afirma que estava se tornando um produto de sua criação e que isso o estava deixando um pouco perturbado, até esquizofrênico, sem saber onde terminava a sua criação e começava o David de verdade: I realized I had become a total product of my concept character Ziggy Stardust. So I set out on a very crusade to re-establish my own identity. I stripped myself down and took myself down and took myself apart, layer by layer. I used to sit in bed and pick on one thing that I either didn’t like or couldn’t understand. And during the course of the week, I’d try to kill it off (BOWIE, 1976, p. 6).5 Mesmo com a inclinação para ser ator, Bowie não conseguiu deixar os papeis totalmente de lado. Acabou se tornando o alienígena. Quando viu que os dois já estavam consistentemente imbricados em um corpo só, livrou-se de Ziggy. A necessidade de ter que se separar de sua maior criação até o momento não foi fácil: Bowie precisou de uma alta dose de reflexão e auto-conhecimento para arrancá-lo de sua vida, mesmo que soubesse que, se o papel ainda existisse por ainda uma década, seria bem-sucedido. Quando precisou seguir em frente, após a morte traumática de Ziggy, tanto no palco como sendo Bowie, ele lançou mais dois álbuns, Aladdin Sane e Pin Ups, ambos em 1973. Aladdin Sane, porém, ainda trazia em sua capa uma faceta de Ziggy. No total, o alienígena apareceu em quatro capas de discos de Bowie: The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (1972), Aladdin Sane (1973), Pin Ups (1973) e Diamond Dogs (1974). Os alienígenas, entretanto, não estavam apenas na área musical do artista. Bowie interpretou o alienígena humanoide Thomas Jerome Newton no filme O Homem que Caiu na Terra, dirigido por Nicolas Roeg e lançado em 1976. No filme, Thomas vinha à Terra em busca de água para o seu planeta, a fim de manter a sua família viva. Extremamente à vontade no papel do extraterrestre, Bowie não parecia estar interpretando, pois ele mesmo era o ser de outro planeta. O impacto do longa na carreira dele foi tão grande que a fotografia de duas cenas renderam as capas dos discos Station to Station (1976) e Low (1977). 5 Eu me dei conta de que eu tinha me tornado um total produto do meu personagem conceitual Ziggy Stardust. Então eu parti numa cruzada para restabelecer minha própria identidade. Eu me despi todo e me reservei, camada por camada. Eu costumava sentar na cama e escolher uma coisa que eu ou não gostava ou não conseguia entender. E no período de uma semana, eu tentaria acabar com isso (Tradução nossa). 23 2.2 O Glam-Rock É difícil falar de glam-rock e não ressaltar a importância de David Bowie ao movimento, assim como da importância do movimento para consolidar a carreira de Bowie. Com músicas sexualmente carregadas, roupas, sapatos, cabelos e maquiagens exageradas, o gênero fez parte de uma geração culturalmente preocupada com a afirmação de sua imagem, fosse ela qual fosse. Os artistas que participavam desse estilo se preocupavam em preparar performances para a plateia, que, geralmente, participava cantando e contribuindo visualmente ao imitar o estilo do ídolo em cima do palco. Roy Shuker define o gênero: Também chamado de glitter rock, o glam rock foi um estilo/gênero musical relacionado com uma subcultura do início dos anos 1970, especialmente no Reino Unido. Foi uma reação contra a seriedade do rock progressivo 6 e da contracultura do final dos anos de 1960, e também uma extensão desses movimentos. Caracterizou-se por um forte apelo visual tanto dos artistas como dos seus concertos, incluindo os cabelos vivamente coloridos, os trajes escandalosos, a maquiagem pesada e o ato de cuspir fogo (no caso do Kiss). No glam rock, a música estava atrelada ao desempenho cênico, enquanto a imagem do ídolo tornou-se parte da apresentação. (SHUKER, 1998, p. 145) Não é de se admirar que a carreira de Bowie tenha decolado com esse estilo, que tanto apreciava a imagem e toda a parafernalha visual que vinha tanto nas apresentações como nas imagens que acompanhavam os discos. A androginia dele fez toda a diferença, assim como a sua bissexualidade, muitas vezes afirmada em contextos ambíguos7. A preocupação com a imagem é vital para que o grupo seja reconhecido, além de sempre haver o cuidado em preparar verdadeiras performances em shows ao vivo e aparições em programas de televisão. Com o visual adotado para Ziggy, Bowie inspirou uma legião de fãs a adotarem o corte e a tonalidade do cabelo, as roupas muito coloridas e espalhafatosas, com brilho em todos os locais imagináveis. Embora o glam rock tenha surgido expressivamente na Inglaterra, um dos precursores do movimento foi o cantor, compositor e pianista Little Richard, também 6 Ainda de acordo com o Vocabulário de Música Pop, de Shuker, “O rock progressivo ‘é marcado, acima de tudo, por sua diversidade, uma diversidade mais sugestiva em relação a um balanço constelar do que a um balanço linear’ (Moore: 1993; pp. 101-2).Segundo Moore, da mesma forma que o art rock, o rock progressivo caracterizava-se pelo uso de imagens fantásticas e obscuras, misturando convenções de estilos incompatíveis. [...] Basicamente, o rock progressivo não é uma música dançante; desse modo, evita a batida (beat) padrão do rock, considerando o timbre e a textura mais importantes.” (SHUKER, 1998, p. 243-4) 7 As práticas de Bowie veiculadas pela mídia o tornavam bissexual, mesmo que ele tenha afirmado ser apenas homossexual. 24 inspiração pessoal de Bowie, que guarda até os dias de hoje um panfleto contendo uma imagem dele. Richard Wayne Penniman nasceu na Geórgia, nos Estados Unidos, numa família religiosa e que apreciava música. Natural seria que ele escolhesse o caminho artístico para a vida. Porém, não escolheu o caminho musical gospel logo no início de sua carreira, nas décadas de 1950 e 60, como era de se esperar. Em vez disso, decidiu caminhar pelas estradas do rock’n’roll, aplicando pitadas de funk 8. Little Richard também se importava com a apresentação de sua imagem. Em seus shows, aparecia sempre com as sobrancelhas feitas, finas, olhos sutilmente marcados e cabelos arrumados, geralmente num black power ondulado, não crespo. O bigode também era fino e milimetricamente organizado para cobrir apenas o lábio superior, como uma continuação dele. Além de também apresentar feições andróginas, uma de suas características marcantes era o uso de muito brilho em suas roupas, um ponto de encontro com as práticas glam. Figura 3 - O estilo de Little Richard Nascido em Detroit, nos Estados Unidos, Alice Cooper também seria reconhecido por sua contribuição ao glam rock. Conhecido por seus shows performáticos baseados em filmes de terror, com direito a cadeiras elétricas, guilhotinas, bonecos de voodoo e cobras vivas, Alice também fazia uso de características marcadamente glitter, porém de maneira macabra. A maquiagem era sempre muito marcante, com os olhos completamente pretos e sangue falso espalhado pelo corpo. A roupa, como regra para os adeptos ao estilo, era brilhosa ou cheia de detalhes, 8 “No ano de 1950, o termo foi empregado para descrever uma forma de jazz moderno, que se baseava no “swing” e no “soul” ─ este último sinônimo de autenticidade e sinceridade” (SHUKER, 1999, p. 137). 25 geralmente muito apertada. Os sapatos de plataforma obviamente faziam parte do visual. Cooper ainda adota referências ao estilo glam em seus shows, como visto em sua última turnê, realizada entre 2012 e 2013 . Figura 4 - O glitter macabro de Alice Cooper Alguns conterrâneos de Bowie também participaram do estilo musical, sendo, muitas vezes, encarados como rivais, numa competição saudável. É o caso de Marc Bolan, um rapaz andrógino baixo e com o cabelo esquisito, e a sua banda T-Rex. Bolan conseguiu ter sucesso antes de Bowie, o que garantiu, quando eles se conheceram, uma relação especial, como de um mentor e seu pupilo. Como afirma Spitz: Marc Bolan era pouco mais novo, mas muito menos introvertido do que David, por isso o influenciava como um irmão mais velho. Até David se tornar mais famoso do que ele, por volta de 1973, Marc, pode-se dizer, tinha a palavra final no relacionamento. [...] Bolan flertou primeiro com o som elétrico, o glam e a androginia, enquanto David ainda era folk. (SPITZ, 2010, p. 74) Marc Bolan, porém, diferentemente de Bowie não tinha a capacidade extrema de se reinventar quando fosse preciso. Após alguns hits de sucesso, como Children of the Revolution, ele parecia apenas reciclar suas composições e riffs de guitarra. Bowie vencera a guerra pela fama no início dos anos 70. A música que o tornou conhecido, mas não super famoso, “Space Oddity”, teve uma contribuição passiva especial de Bolan, que aconselhou Bowie a usar o Stylofone, uma espécie de sintetizador monofônico portátil que pode ser usado com uma pequena caneta. 26 Figura 5 - O glamour de Marc Bolan Neste estilo musical, David Bowie ocupa um lugar importante, sendo citado sempre quando o assunto é glamour e glitter, quase como se Glam-Rock e David Bowie fossem sinônimos. A ascensão do estilo coincidiu com a da televisão, quando a maioria dos lares ingleses possuía um aparelho. Sendo assim, a legião de jovens podia não apenas ouvir seus cantores preferidos e comprar os discos, mas vê-los em performances cada vez mais diferentes, inusitadas e, claro, cheias de brilho. De acordo com Jon Stratton, professor de Estudos Culturais da Curtin University, na Austrália, participar do Glam-rock era um momento transcendental entre a realidade e a fantasia personificada pela imagem, que geralmente levava a estratégias de marketing em contrapartida ao movimento hippie: Whereas for the hippies music was a lived adjunct to their life-style, for glam rockers music was the site of performance, the moment of interaction between image and the individual, fantasy and the reality of everyday life. In its rejection of the sincerity of the hippie subculture as a genuine alternative form the youth — both middle-class and working-class — who became glam rockers, chose the insincerity of production and image. This lack of sincerity, a rejection of those ultra-individualist positions held by the middle-class hippies, led to an espousal of the authenticity of the false. A change of 27 position which was replicated in the acceptance of commercial marketing strategies (STRATTON, 1986, p. 3)9. Enquanto músicas hippies falavam de questões políticas e temas “pesados”, o glam era um hino ao individualismo. A música era feita para dançar, para liberar as sensações. Não necessariamente precisava significar alguma coisa ou estar engajada em alguma causa social. Essa característica pode ser perfeitamente notada no álbum Diamond Dogs, lançado em 1974. Para compor a maioria das músicas do álbum, o artista usou um método baseado no escritor William S. Burroughs, o “cut up”, uma técnica aleatória em que corta as frases de um texto e as rearranja para formar outro 10. No documentário da BBC Cracked Actor, também de 1974, Bowie demonstra essa técnica. Tendo basicamente a androginia e a bissexualidade como pré-requisitos, o movimento Glam-Rock foi responsável, também, por liberalizar relações de gênero. Homens vestiam roupas curtas, coladas no corpo e, geralmente, acessórios femininos, como saltos altos. Como todo o processo de conquista do público estava ligado à imagem, era preciso saber chocar a audiência. Nada mais concreto do que homens usando roupas de mulheres e maquiagens nos idos da década de 70, quando a homossexualidade ainda era vista como tabu. As músicas hiper-sexualizadas de Bowie foram bem recebidas pelo movimento glamouroso. A faixa “Rebel Rebel”, do disco Diamond Dogs, parece ser um hino em apologia ao Glam-Rock, uma vez que seu protagonista transcende a barreira homem/mulher. O sentido de fazer parte do gênero era poder falar e agir abertamente sobre os conflitos e a descoberta sexual que a juventude passa, como afirma Stratton: “In glam-rock, [...] the subversive emphasis was shifted away from class and youth onto sexuality and gender-typing (1979:61-2).” (STRATTON, 1986, p. 1). Como a bissexualidade de Bowie fazia parte de suas performances (e de sua publicidade), ele, com certeza, seria bem sucedido nesse gênero. 9 Enquanto para os hippies a música era um complemento ao seu estilo de vida, para os roqueiros glam, a música era o espaço de performance, o momento de interação entre imagem e indivíduo, fantasia e realidade de cada dia. Na sua rejeição à sinceridade da subcultura hippie como uma forma genuína alternativa, os jovens - tanto de classe média quanto de classe trabalhadora - que se tornaram roqueiros glam escolheram a insinceridade da produção e imagem. Essa falta de sinceridade, uma rejeição das posições ultra-individualistas mantidas pelos hippies de classe média, levaram a uma nupcial autenticidade do falso. Uma mudança de posicionamento que foi replicada na aceitação de estratégias de marketing comercial. 10 No documentário da BBC, Bowie afirma que usava textos de antigos diários para produzir suas músicas com essa técnica. Ele cortava as palavras ou sentenças e as usava para dar a partida inicial em sua criatividade e produzir uma música. Um dos exemplos de música em que Bowie usa a técnica é “Sweet Thing”, do álbum Diamond Dogs. 28 Mesmo com declarações controversas, Bowie sempre usou a sua própria sexualidade como uma forma de se auto-promover, despertar a curiosidade alheia, conquistar mais fãs e, consequentemente, mais renome no meio musical. Utilizando e ressaltando as suas feições andróginas com muita maquiagem e caracterização, encarnar os personagens com total liberdade estava além de ser homem ou ser mulher. Para ele, definir um gênero era uma limitação. O que ele queria era simplesmente chocar a sociedade da época e galgar para si um espaço privilegiado no mundo do rock’n’roll, tanto a ponto de ser considerado um ícone da música e um dos precursores da performance no palco do rock. 2.3 Negação do Glitter Bowie começou a se desfazer do glitter quando assumiu a parte masculina de suas feições, o que aconteceu no álbum seguinte ao Young Americans, de 1975. Os próximos discos de Bowie o apresentam em papeis invariavelmente masculinos. Station to Station, de 1976, traz o alienígena Thomas Jerome Newton adentrando em sua nave espacial, do filme The Man Who Fell to Earth. Os conflitos de gênero não se fazem presentes no filme e nem na capa, com Bowie vestindo uma camisa branca e o cabelo ruivo, penteado para trás com gel de modelar formando um topete elegante. O disco Low, de 1977, também capta uma cena de The Man Who Fell to Earth. A imagem é um Bowie num casaco preto com uma gola frouxa, caindo pelo pescoço. A gola forma uma linha paralela ao nariz muito afilado de Bowie. Uma mecha do cabelo avermelhado cai da orelha; claramente o gel não cumpre mais o seu papel de segurar as madeixas de Bowie. O plano de fundo é da cor do cabelo, dando a impressão de nos mostrar Bowie em uma atmosfera particularmente fora da Terra. Em Marte, talvez. 29 Figura 6 - Bowie em papeis masculinos: as capas de Station to Station e Low A overdose de glitter resultante da época do Glam Rock parece não exercer mais efeito em Bowie quando o disco Heroes é lançado em 1977. A ambiguidade em se afirmar como homem ou mulher não existe mais quando o disco chega às lojas. A capa é uma das mais singulares de Bowie e uma das que ele mais aparenta ser “machão”. As cores do glitter são trocadas pela sobriedade da combinação entre preto e branco. O cabelo é um pouco bagunçado, como se ele tivesse acabado de passar os dedos. A expressão é séria, quase como se estivesse prendendo a respiração para deixar as mãos imóveis e com o ar um tanto robótico. O que deixa a capa com um appeal extremamente másculo é o casaco de couro, abotoado até o pescoço. Esse tipo de casaco é mundialmente usado quando se quer representar uma banda tradicional de rock’n’roll. A ausência completa de maquiagem ─ mesmo no olhos, que ele gosta tanto de ressaltar ─ mostra que os dias de brilho são parte do passado. O olho danificado de Bowie aparece encoberto por uma sombra, tornando-o aparentemente normal. Para completar, ele agora apresenta sobrancelhas. Finas e delineadas, porém existentes. Prova de que o maior símbolo de sua época glam, Ziggy, estava morto e enterrado. A capa de Heroes é uma imagem feita por um dos fotógrafos preferidos de Bowie, o japonês Masayoshi Sukita. A importância dela é tanta que Bowie a utilizou em seu mais novo álbum, que quebrou um silêncio de uma década. A única adição que o álbum The Next Day (2013) apresenta é um quadrado branco cobrindo o rosto de Bowie, mas não a imagem toda, com o nome do disco. 30 Figura 7 - Assumindo um estilo masculino: a capa de Heroes e a de The Next Day Cedendo aos encantos da dance music 11, Bowie solidifica a sua imagem masculina no álbum lançado em 1983, Let’s Dance. Na imagem, vemos David sem camisa, com luvas de boxe e o semblante com uma expressão ameaçadora, convidando os fãs para uma luta. O cabelo já não traz mais nenhuma mecha vermelha. Pelo contrário, está muito loiro e ondulado, mas curto. Figura 8 - Capa do álbum Let's Dance, lançado em 1983 11 De acordo com Roy Shuker, “A dance music tornou-se uma expressão ampla, que abrange todos os gêneros de música tocados para dançar. Portanto, pode ser considerada um metagênero, que inclui diversos estilos e gêneros, principalmente disco, funk, soul, motown, ska, hard rock e tecno” (SHUKER, 1999, p. 89). 31 Como pudemos perceber, David Bowie, ao longo de sua carreira, sempre fez questão de usar a sua imagem para conquistar o maior número de pessoas para o seu séquito de fãs. Para isso, a imagem que passou para a mídia e as personas que adotou em seus álbuns são de extrema importância para tentar compreender o fenômeno chamado David Bowie. No próximo capítulo, faremos uma análise detalhada sobre a maneira como Bowie usou a mídia para a criação de sua imagem e de sua identidade. 32 3 FAME, WHAT YOU NEED YOU HAVE TO BORROW – DAVID BOWIE ESTÁ NA MÍDIA Grande parte do sucesso de David Bowie está atrelado ao fato de como ele utilizou a sua imagem para chocar e abrir caminho como um rock star, quebrando padrões que antes eram impossíveis de se conceber em algumas sociedades conservadoras, como a questão de sua esperta bissexualidade misturada ao estilo do glam-rock. Este capítulo pretende analisar a conquista de David Bowie da mídia mundial e a maneira como a sua imagem foi formada de acordo com este meio. 3.1 A questão da identidade – fundamentos teóricos Se nas sociedades mais antigas, ela era vista como uma proposição secundária, como afirma Stuart Hall, nas sociedades modernas e pós-modernas, a questão da identidade (ou das identidades) é extremamente importante para a afirmação do “eu” e consequente inserção na sociedade. Atualmente, é difícil conceber um indivíduo completamente fechado em apenas uma característica concernente a sua identidade e as suas escolhas. A construção do seu eu é uma junção de diversos fragmentos apanhados no dia a dia, que resultam numa personalidade modelada e com a pretensão de ser única. A facilidade de poder se definir apenas com um adjetivo pátrio ou com a insígnia de uma profissão parece não mais fazer efeito. É preciso afirmar de que tipo de música se gosta, de que autor se tem mais livros, quais os lugares que têm as festas mais interessantes, qual a orientação sexual adotada, a religião que se escolhe, a cor da pele, além de inúmeros outros fatores responsáveis pela criação de grupos de identificação na sociedade. Muito embora o conceito de identidade não seja um consenso entre os pesquisadores12, o que se tem notado é que elas estão, cada vez mais, passando por um processo de fragmentação, deixando de lado toda a estabilidade que se acreditava ter. Este conceito é explorado e explicado por Hall: 12 Stuart Hall, em seu livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, pontua que o conceito de “’identidade’ é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova”. (HALL, 2006, p. 8). 33 Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto em seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. (HALL, 2006. p.9) Com o processo de descentração ou deslocamento de identidade, a ideia de que a modernidade também está passando por mudanças tornou-se um dos pontos chaves para a discussão do tema. Para entender como estamos inseridos na pós-modernidade, Hall faz uma retrospectiva e levanta três tipos de identidade e suas respectivas características para melhor compreensão do processo. O primeiro a ser analisado é o sujeito do Iluminismo, extremamente individualista, que acreditava na sua identidade como um processo de crescimento interior (o seu núcleo), permanecendo a mesma ao longo de sua existência, não importando as suas experiências sociais. O sujeito sociológico já reflete a ação do mundo moderno na formação do indivíduo, levando em consideração as relações sociais experimentadas. O núcleo interior ainda permanece, mas vai sendo moldado conforme vai se relacionando com as pessoas ao redor, dando importância às suas opiniões, não sendo mais “autônomo e auto-suficiente” (HALL, 2006. P. 11). Com esse processo de descoberta da importância das relações exteriores para a formação da identidade, surge a ideia do sujeito pósmoderno: “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas” (HALL, 2006, p. 12). O conceito de sujeito pós-moderno é de substancial importância para analisar a identidade de David Bowie, uma vez que o mesmo não apresenta uma identidade fixa e imutável, sendo, na verdade, o extremo oposto disto. Hall atribui a mudança na modernidade como uma consequência da globalização, quando áreas diferentes do mundo são conectadas, gerando um intercâmbio cultural intenso. Esta ideia toca num ponto crucial: o fato da cultura ter grande peso na formação do “eu”. A mídia, neste caso, ocupa um papel importante de disseminadora cultural: A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de nós e eles. [...] As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global. (KELLNER, 2001, p. 9). 34 Essa cultura pode ser disseminada de diversas maneiras, como por meio do rádio e da televisão. O fenômeno da globalização permite que o indivíduo tenha contato com um grande número de produtos culturais, que acabam sendo pormenorizados, adaptados e transformados ou não em pequenos pedaços de nossas identidades. Quanto mais expressões culturais se recebe, mais vasta se torna a gama de possibilidades para modelar uma personalidade. A cultura da mídia “molda a vida diária, influenciando o modo como as pessoas pensam e se comportam, como se vêem e vêem os outros e como constroem a própria identidade” (KELLNER, 2001, p. 10). Perceber o outro como parte essencial do “eu” ajuda a democratizar a criação da identidade, rompendo de vez com o arcaico sujeito do Iluminismo, tão cercado em seu próprio núcleo interior. Paradoxalmente, o sujeito pós-moderno está muito mais preocupado em ser único, na sua individualidade como fator constituinte de sua personalidade. Ele quer ser incomparável, mesmo que esteja usando referências que garimpou por meio da televisão ou de seus artistas preferidos: A identidade na modernidade também foi ligada à individualidade, ao desenvolvimento de um eu individual único. Enquanto, tradicionalmente, a identidade era função da tribo, do grupo, era algo coletivo, na modernidade ela é função da criação de uma individualidade particular. [...] É como se cada um tivesse de ter um jeito, um estilo e uma imagem particulares para ter identidade [...]. (KELLNER, 2001, p. 297). Esta afirmação mostra a importância da cultura de massa para a formação da personalidade. É interessante notar que as imagens reproduzidas na televisão, por exemplo, atingem milhares de indivíduos em suas respectivas práticas culturais, e todos eles desejam formar uma personalidade única, serem donos de uma identidade própria que não seja possuída por mais ninguém, mesmo que as referências visuais sejam as mesmas. É aí que entra o poder de criatividade para adaptar a cultura recebida. É significativo perceber que o lazer, na sociedade pós-moderna, ocupa papel de grande importância. É nesse período em que se assiste televisão, vê-se um filme ou escuta-se uma música, produtos da cultura de massa, que, invariavelmente, farão parte da identidade de uma pessoa. Kellner explica: À medida que a importância do trabalho declina, o lazer e a cultura ocupam cada vez mais o foco da vida cotidiana e assumem um lugar significativo. Evidentemente, devemos trabalhar para auferir os benefícios da sociedade de consumo (ou para herdar riquezas suficientes), mas supõe-se que o trabalho esteja declinando em importância numa era em que, segundo se alega, os indivíduos obtém mais satisfação do consumo de bens e das atividades de lazer do que das atividades laboriosas. (KELLNER, 2001, p. 29) 35 O trabalho, neste caso, não ocupa mais o lugar de definição de personalidade, como era de se esperar para o típico sujeito do Iluminismo. O indivíduo se relaciona muito mais com o que consume culturalmente do que com o que faz para poder consumir. O trabalho acaba se tornando um meio (modo de conseguir dinheiro) para a obtenção de um fim (saciar sua sede de cultura). É a forma de a cultura refletir a sua importância na economia, quando “as formas culturais modelam a demanda dos consumidores, produzem necessidades e moldam um eu-mercadoria com valores consumistas” (KELLNER, 2001, p. 29). Esta interação acontece, atualmente, a nível global: Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL, 2006, p. 74) À medida que o sujeito vai se relacionando com a sociedade e com seus produtos culturais ao longo da vida, sua identidade vai sendo formada. É um processo constantemente ativo, tornando a identidade sempre incompleta, porém não negativa. E se sempre estamos nos relacionando, a nossa identidade só vai estar completa quando morremos. Hall sugere trocar o conceito de identidade pelo de identificação: [...] em vez de falar de identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2006, p. 39) Muito embora a identidade seja um processo, como mencionado acima, é certo que sempre a vivenciamos como se já estivéssemos completos, como se não fôssemos mais mudar com a ação do tempo. Antigamente, a maior parte da referência de identidade para um indivíduo era a sua nação e os costumes que lhe foram repassados por sua família. Hoje, nos apossamos dessa base, até porque “sem um sentimento de identificação nacional o sujeito moderno experimentaria um profundo sentimento de perda subjetiva” (HALL, 2006, p. 48), mas ela não se torna definitiva. Essa é uma das contribuições da modernidade para o sujeito: As transformações associadas à modernidade libertam o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas 36 eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto a mudanças fundamentais. (HALL, 2006, P. 25). Uma vez libertos da rigidez de suas tradições, os indivíduos se veem livres para explorar as relações sociais e culturais para formar a sua identidade. O sentimento de identificação nacional continua, já que formam a base e uma das primeiras noções identitárias as quais o indivíduo tem contato. Ele se torna, porém, mais do que apenas ser de um determinado local. E isso ele consegue por meio das relações sociais e por meio da cultura, como já foi dito neste tópico. A desvantagem de se poder mudar de identidade com facilidade é a provável ligação da personalidade de uma pessoa com base apenas em sua imagem, que é construída por meio de aquisições financeiras. O indivíduo acaba se tornando a sua imagem, que é apresentada para a sociedade: [...] constituir uma identidade substancial é trabalho que exige vontade, ação, compromisso, inteligência e criatividade, e muitas das identidades pósmodernas construídas com material fornecido pela mídia e pela cultura consumista carecem dessas características, sendo pouco mais do que um jogo, uma pose, um estilo e uma aparência que amanhã mesmo podemos trocar: identidades descartáveis e facilmente substituíveis no carnaval pósmoderno (KELLNER, 2001, P. 334). A cultura da mídia consumista se regozija com essa nova faceta da construção da identidade, já que a imagem vem dela e as pessoas compram artefatos também baseados em seus produtos. A fragilidade das identidades abre espaço a novos produtos, bombardeados pela mídia, levando à ideia de que “o próprio capital é o demiurgo da alegada fragmentação pós-moderna, da dispersão de identidades, da mudança e da mobilidade” (KELLNER, 2001, p. 329). A ideia de possuir determinado artefato comercial para a formação da identidade nos leva ao fato de estarmos sempre nos preocupando com a imagem que passamos para os outros por meio de nossas interações sociais. 3.2 Relações sociais na construção do “eu” Desde a popularização dos meios de comunicação de massa, a imagem vem ocupando um lugar excepcional na sociedade. Seja transmitida a cores ou em preto e branco, fixa ou móvel, sua função ultrapassa a necessidade de informação ou entretenimento. Um dos exemplos mais marcantes da força da imagem está no filme A 37 Chegada do Trem na Estação, filme francês de 1895, gravado pelos irmãos Louis e Auguste Lumière. O filme de apenas um minuto foi responsável pela confusão gerada pela plateia, que não estava acostumada e nem estava esperando tamanha precisão de imagem vinda da tela do cinema. A reação geral foi, portanto, correr, gritar e sair do caminho que o trem provavelmente faria se saísse da tela. Este momento, na história do cinema, serve como exemplo para o argumento de que a imagem, seja ela uma representação ou real, tem grande importância na vida do sujeito moderno e pós moderno. Assim, chegamos ao fato de que, para participar de uma sociedade, apresentamo-nos como uma imagem do que somos. Cultivamos uma verdadeira representação do que somos ou, muitas vezes, do que queremos ser, de modo que consigamos atrair a atenção das pessoas que queremos interagir. Essa identidade, como uma faceta do sujeito pós-moderno, está constantemente em mudança, como aponta Joanne Finkelstein: To participate in society we cultivate a public persona, a manner of being in the world that works to sustain our engagements with others. Much of the training for this dual and divided mentality is delivered through popular culture […]. Identity is continuously re-styled invented to suit the circumstances but, at the same time, it supposedly emanates from an inner quality that universalizes the human condition. (FINKELSTEIN, 2007, P. 23)13 Esta persona pode ou não ser uma realidade, mas, segundo a autora, suas características partem de uma qualidade interior do próprio criador. O fato é que esta persona é utilizada nas relações sociais do dia-a-dia, nos levando à ideia de que a interação social é uma performance, “all the activity of na individual which occurs during a period marked by his continuous presence before a particular set of observers and which has some influence on the observers” (GOFFMAN, 1956, p. 13)14. Tratar o mundo como um palco não é uma concepção particularmente nova. Na peça As You Like It, Shakespeare trabalhou este conceito e ainda o de assumir personas para conseguir o que se deseja. Na história, Rosalind e sua prima Celia são banidas para a floresta de Arden, onde se vestem de homens para se protegerem. Na sétima cena do 13 Para participar da sociedade, nós cultivamos uma persona pública, uma maneira de ser no mundo que funciona para mantermos nossas relações com os outros. Muito do treinamento para essa mentalidade dual e dividida vem por meio da cultura popular. [...] A Identidade é continuamente reestilizada e criada para servir às circuntâncias mas, ao mesmo tempo, ela supostamente emana de uma qualidade interior que universaliza a condição humana. (Tradução nossa) 14 Toda a atividade de um indivíduo que ocorre num período marcado pela sua contínua presença diante de um determinado conjunto de observadores e que exerce alguma influência neles. (Tradução nossa). 38 segundo ato, Shakespeare nos mostra, de maneira simples, que estamos no mundo representando um papel, que evolui à medida que o personagem vai envelhecendo e passando pelas várias fases de sua vida: JAQUES: All the world’s stage, And all the men and women, merely Players; They have their exits and their entrances, And one man in his time play many parts, His acts being seven ages. (SHAKESPEARE, 1994, P.58)15 A maneira como uma pessoa age em sua casa, quando ninguém está vendo, é diferente daquela que assume quando está no trabalho. Em uma relação direta com as pessoas, é claro observar que um indivíduo não vai falar com um amigo de longa data da mesma forma que falaria com a Rainha da Inglaterra. Outros fatores como tradição e respeito estão em jogo, mas isso não abstém o fato de que estamos representando um papel ─ na mais otimista das hipóteses ─ proveniente de características interiores. Quando começamos a interagir com uma pessoa, uma série de decisões são feitas para que possamos despertar não só simpatia, mas uma série de sentimentos que desejamos fazer surgir. Atuar para o outro revela uma necessidade de enaltecer ou de esconder determinadas características próprias, as quais serão ou não vantajosas para mostrar. Esse fato é facilmente percebido em, por exemplo, uma entrevista de emprego, como aponta Finkelstein: We accept the necessity to enact ourselves, say, at a job interview or in a business meeting, on public transport, at the tennis club or the shopping mall. Our compliance with these tacit expectations builds a double consciousness and we learn to see social interactions as replete with moments when we need to conceal truths about our selves and also to exaggerate claims, such as when we are trying to impress others. (FINKELSTEIN, 2007, P. 13)16 Quando o indivíduo se encontra em uma situação em que está conhecendo pessoas novas, ele precisa se sentir no controle da situação, não só na apresentação de sua pessoa, mas, geralmente, sendo o centro da atenção. Finkelstein afirma que “experimentamos um senso visceral de poder” (FINKELSTEIN, 2007, p. 99) quando se 15 O mundo é um palco, E todos os homens e mulheres, apenas Atores; Eles têm suas saídas e entradas, E um homem em seu tempo interpreta vários papeis, Seus atos sendo sete eras. (Tradução nossa) 16 Nós aceitamos a necessidae de representar a nós mesmos, digamos, em uma entrevista de emprego ou em uma reunião de negócios, num transporte público, no clube de tênis ou no shopping. Nosso cumprimento dessas expectativas tácitas constroi uma dupla consciência e nós aprendemos a ver interações sociais como repleta de momentos quando precisamos esconder verdades sobre nós e também exagerar feitos, como quando estamos tentando impressionar outros. (Tradução nossa). 39 consegue captar a atenção de um ou mais interlocutores, além do fato de que “toda a vida social envolve uma luta para controlar a opinião dos outros e determinar cuja narrativa ou ponto de vista vai prevalecer” (FINKELSTEIN, 2007, p. 139). A necessidade de representar um papel está imbricada na sociedade, recebendo o seu reforço por meio da cultura popular. A importância que damos às aparências visuais é produto da nossa fixação pelas imagens que nos são apresentadas pela mídia. Para um adolescente, por exemplo, é indispensável participar de grupos, sentir-se parte de um conjunto que o entenda e faça basicamente as mesmas escolhas, mesmo que sejam visuais. Tudo isso pode ser conseguido por meio da mídia, reprodutora da cultura popular, que reforça “the importance we place on physical appearance as indicative of identity” (FINKELSTEIN, 2007, p. 13)17. Sendo a aparência física vista como um sinônimo de identidade, é crucial sua importância quando se quer quebrar alguma tradição ou apenas chocar determinado grupo de conservadores. Tocar nos pontos mais sensíveis da sociedade, como sexo, sexualidade, raça e classe é o que os artistas de rock ─ principalmente os da década de 1960 e 1970 ─ pretendiam fazer. E David Bowie certamente estava neste grupo. Como um exemplo para a ideia de invenção própria do “eu” e de uma atitude representada para uma plateia, calculada com a finalidade de chocar, temos uma clássica imagem de Bowie e o guitarrista Mick Ronson, em show no Hammersmith Odeon (Londres, 1973). No auge do glamour, Bowie se abaixa e começa a tocar a guitarra de Ronson. O diferencial está no fato de ele tocá-la com os dentes, apoiando-se no corpo de Ronson: 17 a importância que damos à aparência visual como indicativo de identidade (Tradução nossa). 40 Figura 9 - David simulando um ato sexual com a guitarra de Mick Ronson Com essa representação, a plateia deve ter ido à loucura. Confusos e assustados com aquela representação extremamente sexualizada, os fãs que estavam assistindo ao show devem ter ficado surpresos. Era uma novidade, mesmo para os padrões de Bowie e do glam rock, que valorizavam atitudes deste escalão. Neste momento, o centro máximo de atenção no momento era David, com suas pernas arqueadas e sua mão delicadamente apoiada na coxa de Ronson. O momento estava controlado; Bowie conseguira a atenção. O poder estava em suas mãos. Este momento aconteceu quando Bowie ainda estava encarnando a sua persona mais conhecida, o alien Ziggy. Mesmo sendo declaradamente uma criação de David, Ziggy era, em parte, ele próprio. No documentário Cracked Actor, produzido pela BBC, ele desenvolve esse pensamento quando o entrevistador pergunta se incorporar e representar personagens não é uma coisa perigosa: Well, I didn’t know. One doesn’t know. That mixed up. […] One half of me is putting up a concept for and the other half is trying to sort out my own emotions. And a lot of my space creations are in fact facets of me, I have now since discovered. […] Ziggy would be something and would relate to me, now I find. And Major Tom in Space Oddity was something, Aladdin Sane… They are all facets of me. And I got lost in one point. I couldn’t decide whether I was writing characters or were they writing me or whether we were all one in the same. (BOWIE, 1974)18 18 Bem, eu não sabia. A pessoa não sabe. Isso se misturou. [...] Uma metade minha está colocando um conceito e a outra está tentando entender minhas próprias emoções. E muitas das minhas criações espaciais são, na verdade, facetas minhas; eu descobri agora.[...] Ziggy seria alguma coisa e se relacionaria a mim, agora sei. E Major Tom em Space Oddity era alguma coisa, Aladdin Sane... Eles são todos facetas minhas. E eu me perdi em um ponto. Eu não conseguia decidir se eu estava escrevendo personagens, ou eles estavam me escrevendo ou se nós éramos a mesma coisa. (Tradução nossa). 41 Reconhecer que Ziggy era uma faceta de David Bowie nos leva de volta ao conceito da performance e como o performer pode perigosamente acreditar na veracidade de seus atos. Uma vez que se acredita nisso, resta à plateia confirmar este sentimento, o que realmente aconteceu com a relação Bowie/Ziggy. Goffman fala sobre isso: At one extreme, we find that the performer can be fully taken in by his own act; he can be sincerely convinced that the impression of reality which he stages is the real reality. When his audience is also convinced in this way about the show he puts on – and this seems to be the typical case – then for the moment, anyway, only the sociologist or the socially disgruntled will have any doubts about the ‘realness’ of what is presented. (GOFFMAN, 1956, p. 10)19. Além de ser uma faceta de Bowie, Ziggy era também uma extensão dele. O conceito vem de Marshall McLuhan, e, para exemplificar, o autor utiliza-se do mito grego de Narciso, que tomou o seu reflexo na água como se fosse uma outra pessoa. A extensão de seu ser estava no espelho proporcionado pela água, entorpecendo-o. Ziggy envolveu Bowie em um estado de torpor. De acordo com McLuhan, “os homens logo se tornam fascinados por qualquer extensão de si mesmos em qualquer material que não seja o deles próprios” (MCLUHAN, 1964, p. 59). Ziggy é um caso à parte, uma vez que tomava forma no próprio corpo de Bowie, ou seja, em sua própria extensão. Este fato, porém, não o isenta de ser considerado uma extensão de seu criador e uma tentativa de estabelecer um determinado equilíbrio entre os impulsos nervosos do mundo exterior e seus próprios sentimentos. McLuhan explica: Fisiologicamente, sobram razões para que uma extensão de nós mesmos nos mergulhe num estado de entorpecimento. Pesquisas médicas [...] sustentam que todas as extensões de nós mesmos, na doença ou na saúde, não são senão tentativas de manter o equilíbrio (MCLUHAN, 1964, p. 60). Nesta época, Bowie realmente encarnou Ziggy e se deixou envolver por ele. As pessoas começavam a tratá-lo como sua criação, e ele próprio aparecia em público como Ziggy. Por isso, foi tão difícil se apartar de seu personagem. Mesmo que seu sucesso ainda pudesse funcionar comercialmente por mais alguns anos, Bowie decidiu que a 19 Em um extremo, vemos que o performer pode ser totalmente levado por seu próprio ato; ele pode estar sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a realidade real. Quando o seu público também está convencido dessa maneira sobre o show que ele encena - e este parece ser o caso típico -, então, por enquanto, de qualquer maneira, somente o sociólogo ou o socialmente descontente terão dúvidas sobre o "realismo" do que é apresentado (Tradução nossa). 42 vida do alien na Terra já tinha cumprido o seu objetivo: o de tornar seu criador mundialmente conhecido. David Bowie é uma enciclopédia de atitudes calculadas. A maneira como ele choca as pessoas – mesmo que pareçam ou sejam espontâneas – fazem parte do “eu” criado pelo artista para lidar com o público. Outro exemplo da encarnação dessa persona chocante foi no show de 1992 em tributo a Freddie Mercury, que havia falecido no ano anterior por causa de uma doença causada pela AIDS. O show aconteceu no Estádio de Wembley, em Londres, e reuniu diversas bandas. Bowie se reunira com Mick Ronson, guitarrista do Spiders From Mars, sua antiga banda. Ao final da canção “Heroes”, Bowie faz um pequeno discurso sobre as vítimas da terrível doença e, como uma forma de homenagem, coloca-se de joelhos e reza um Pai-Nosso. A plateia, mais uma vez, ficou chocada. Nunca se esperaria uma atitude dessas de David Bowie. Até a banda ficou chocada. “’Eu me lembro de ter pensado que seria bom se ele tivesse nos avisado’, May 20 disse depois” (SPITZ, 2010, p. 372). Figura 10 - Mick Ronson (de branco), Brian May (de vermelho) e David Bowie de azul no Estádio de Wembley Por que se apresentar como um personagem? Bowie criou Ziggy para ajudá-lo com a sua timidez inveterada de garoto londrino. Para abrir o seu caminho no show business, uma pessoa tímida ou igual a todas as outras não consegue ir muito longe. Por isso a necessidade de chocar, de se apresentar com estilo próprio (mesmo que tenha 20 Brian May, guitarrista do Queen. 43 surgido como uma montagem do estilo de outras pessoas). Quanto mais diferente, mais as pessoas ficam intrigadas e querendo conhecê-lo. Finkelstein apresenta um ponto de vista sobre as aparências convencionais e as diferentes: A stylish appearance may liberate us from the sctrictures of conventional roles, or in reverse – if we play by rules – a conventional appearance can conceal what we do not want to reveal. […] The paradox of fashioning ourselves is that it reveals by concealing. Thus the art of deception carries the surprising truth of Oscar Wilde’s quip that appearances are important, that the true ‘mystery of the world is the visible, not the invisible’. (FINKELSTEIN, 2007, p. 130)21. A imagem, portanto, é a grande responsável pela impressão que se deseja incutir numa pessoa ou grupo. Ela não significa tudo, obviamente. Por outro lado, para o ator social, é imprescindível que ela esteja de acordo com o que ele deseja, como no caso de David Bowie. Para se conseguir uma imagem no mínimo chocante, muitos artistas se utilizam da moda e da maneira como ela é capaz de modelar a personalidade. É deste assunto que o próximo tópico falará. 3.3 A moda como auto-afirmação Muito do que se apreende socialmente está relacionado à maneira de se vestir, de se apresentar em público. A indumentária pode resumir grande parte das ideologias de uma pessoa, que são facilmente deduzidas pela maneira como estão ornando no corpo. Mesmo que o indivíduo aparentemente não ligue para o seu visual, essa mensagem é passada para o espectador. Enquanto nas sociedades tradicionais a maneira de se vestir era uma afirmação da classe social, status e profissão, no mundo moderno essas conclusões não são tão simplórias. Para McLuhan, o vestuário como uma extensão da pele “pode ser visto como um mecanismo de controle térmico e como um meio de definição social” (MCLUHAN, 1964, p. 140). A moda define, na sociedade moderna, a maneira como ela é vista e aceita em diversos grupos. A identidade e a formação da personalidade passam pela moda, ganhando bastante representação: 21 Uma aparência estilosa pode nos libertar das contenções de papeis convencionais, ou o contrário - se jogamos pelas regras - uma aparência convencional pode esconder o que não queremos revelar. [...] O paradoxo de moldarmos a nós mesmos é que ele revela escondendo. Assim, a arte de enganar carrega a verdade surpreendente da ironia de Oscar Wilde de que as aparências são importantes, que o verdadeiro "mistério do mundo é o visível, não o invisível". (Tradução nossa) 44 A moda perpetua a personalidade inquieta e moderna, sempre à procura daquilo que é novo e admirado, enquanto foge do que é velho e ultrapassado. Moda e identidade aliam-se para produzir personalidades modernas à cata de identidade em constante renovações e atualizações de roupas, aparência, atitudes e estilos, com medo de estar desatualizadas e fora de moda. (KELLNER, 2001, p. 337). Essa busca constante pelo novo, pela modernidade é extremamente conveniente ao artista, que, segundo McLuhan, “apanha a mensagem do desafio cultural e tecnológico décadas antes que ocorra seu impacto transformador” (MCLUHAN, 1969, p. 84). Os artistas conseguem, portanto, prever (ou ditar) modas que são aceitas pela sociedade. David Bowie foi capaz de fazer isso com base na sua constante observação do mundo que o envolvia, tendo atenção até mesmo aos mínimos detalhes. Com a extrema capacidade de transformação, a moda consegue tornar as atividades diárias de um indivíduo em verdadeiras e complexas afirmações de personalidades e estilos. Como diz Finkelstein, “fashion is also a process that transforms the mundane activities of everyday life into more elaborate and complex aesthetics activities by altering the emotional investment surrounding the display” (FINKELSTEIN, 2007, p. 195)22. A moda também é um terreno promissor para a rebeldia, a transgressão dos códigos conservadores. Essa ideia teve o seu boom na década de 1960, quando algumas sociedades, principalmente as influenciadas pelo rock’n’roll, viram-se na necessidade de criar um estilo que fosse capaz de representá-la. Fosse negando completamente o código cultural vigente ou criando seus próprios costumes com base nele, a sociedade se viu em um processo de mudança cultural visual, quando suas roupas, assim como seus atos, atestavam suas crenças. A moda, portanto, pode ser considerada como um artefato na luta pelos ideais: [...] a moda e a identidade social fazem parte de um processo de luta e conflito social entre modelos e ideologias opostas. Os conservadores têm seus próprios modelos e estilos tanto quanto os rebeldes culturais. Portanto, as lutas políticas são travadas em parte no campo da moda, tanto quanto nas eleições e nos debates políticos. (KELLNER, 2001, p. 339) Foi na moda que Bowie conseguiu dar vazão à sua alma transgressora, principalmente quando relacionada a códigos sexuais. Embebido na liberdade do glam rock, Bowie pôde servir de corpo para questionar a ordem vigente. Quem disse que 22 Moda também é um processo que transforma as atividades rotineiras da vida diária em mais elaboradas e complexas atividades de estética, alterando o investimento emocional que rodeia o corpo. 45 homens não podem usar salto e maquiagem? Por que os costumes são tão severamente estruturados? Para David, a pessoa poderia ser quem quisesse, usar o que quisesse e o que pudesse despertar algum tipo de prazer ou, até mesmo, choque. O sucesso visual de Bowie era tão grande, que uma legião de fãs começou a imitá-lo. Nos shows, jovens com os cabelos e roupas multicores achavam-se em casa. No documentário da BBC, Cracked Actor, Bowie comenta este assunto com um sentimento lisonjeiro: Over the last year os so it’s changing in as much as they are finding things maybe nothing to do with me, but the idea of finding another character within themselves. I mean, if I’ve been at all responsible for people finding more characters in themselves than they originally thought they had than I’m pleased because that’s something I felt very strongly about: that one isn’t totally what one is being conditioned to think. There are many facets of the personality which a lot of us have trouble finding and some of us do find too quickly. (BOWIE, 1974)23 Encontrar personas dentro de si mesmo era um dos grandes objetivos de Bowie. Em cada disco ou show, ele fazia questão de se apresentar como um novo e usava o artifício da moda com destreza. O artista também é conhecido por sua parceria com estilistas, como o japonês Kansai Yamamoto e o britânico Alexander McQueen. A questão é que David Bowie era um excelente modelo, pois nunca tinha medo de ousar. Justamente por isso, a criatividade dos estilistas podia correr solta e para várias direções. Figura 11 - David Bowie em roupa desenhada por Kansai Yamamoto 23 Ao longo do último ano, está mudando no sentido de que eles estão achando coisas talvez nada a ver comigo, mas com a ideia de acharem outra personalidade neles mesmos. Quer dizer, se eu tiver sido responsável de alguma maneira pelas pessoas achando mais personalidades nelas do que elas originalmente achavam que tinham, então estou satisfeito porque é uma coisa que eu sinto muito fortemente: que um indivíduo não é totalmente o que ele foi condicionado a pensar. Existem muitas facetas da personalidade as quais alguns de nós têm problemas para encontrar e outros acham muito rápido (Tradução nossa). 46 Uma das vantagens de se adotar a moda é a capacidade que ela permite de poder brincar com as estruturas conservadoras, inclusive as regras de gênero. Com toda a sua androginia, Bowie gostava de subverter a ordem. Finkelstein comenta essa “resistência brincalhona”: The opportunity to play with these visual distinctions (for example, allowing women to wear trousers) is a feature of social freedom in egalitarian societies where appearances are much less constrained by rules and ironically, as a result, appearances become much more ambiguous. […] Underscoring this association of identity with appearance is a cultural anxiety about knowing who it is we are encountering. Using coded items of clothing to make such categorizations more visible also makes them a site for playful resistance. (FINKELSTEIN, 2007, P. 128)24 David sabe muito bem brincar com as regras da sociedade. Em uma fotografia de meados dos anos 1970, Bowie foi flagrado passeando com seu filho, Zowie, e a esposa, Angie. Acontece que não era uma imagem da tradicional família. Não havia um “macho alfa” na foto. Na verdade, o que parecia eram duas mulheres. Bowie está com calças pantalonas com boca de sino, mais parecendo uma saia longa. A blusa é de mangas compridas, frouxas, mas apertadas nos punhos. Ela está por dentro da calça, dando a impressão de a vestimenta ser uma só. Os cabelos caem pelo ombro, ornamentados com um chapéu de abas grandes. Angie está vestindo uma calça de alfaiataria preta com uma blusa quadriculada e um casaco de pele por cima. Os cabelos são médios, mas menores do que os do marido. A expressão em sua face é desafiadora, como se perguntasse ao fotógrafo se havia algum problema com aquela imagem. Angie está claramente representando o tradicional papel de homem da relação, enquanto Bowie se esconde em roupas femininas. 24 A oportunidade de brincar com essas distinções visuais (por exemplo, permitir uma mulher a usar calças) é uma característica de liberdade social em sociedades igualitárias onde as aparências são muito menos limitadas por regras e, ironicamente, como resultado, as aparências se tornam muito mais ambíguas. [...] Ressaltar essa associação entre identidade e aparência é uma ansiedade cultural sobre saber quem é que estamos encontrando. Usar itens codificados de roupas para fazer tais categorizações mais visíveis também os torna uma maneira de resistência brincalhona (Tradução nossa). 47 Figura 12 - David e Angie Bowie quebrando os padrões estéticos da família tradicional em retrato Grande parte do sucesso de um artista está na sua capacidade de se reinventar. Bowie nunca precisou realmente se preocupar com isso, visto que sempre conseguiu se aproveitar de situações que fossem capazes de engrandecê-lo como performer. Porém, não foi sempre assim. No início de sua carreira solo, Bowie tentou a fama como uma mera reprodução da moda hippie vigente na época, com o disco Space Oddity, em meados dos anos 1960. Isso depois de ter desistido do mod, com o disco que o lançou no mercado, David Bowie. Foi, porém, quando decidiu que não queria ser apenas mais um nas prateleiras de lojas de discos que Bowie conseguiu alcançar o patamar de estrela. Revolucionando o seu visual, ele abriu caminho entre os milhares de artistas que lutavam na época e conseguiu o seu lugar ao sol, com o disco The Man Who Sold The World, lançado em 1971. A década de 1970 estava abrindo as portas para um dos astros mais aclamados da música britânica, quiçá mundial. O próximo capítulo vai analisar as capas dos discos que o fizeram conquistar milhares de fãs ao redor do mundo. Funcionando como uma espécie de prévia das músicas, Bowie revolucionou a arte de se apresentar em seus compactos, retratando ou não suas personas, contribuindo para ativar a criatividade imaginativa de seus admiradores. O resultado foi um lugar sempre reservado para ele na mídia. 48 4 CH-CH-CHANGES, JUST GONNA HAVE TO BE A DIFFERENT MAN – AS REINVENÇÕES DE DAVID BOWIE No capítulo passado, vimos como David Bowie se usou da mídia, da moda e da reinvenção de sua identidade para galgar espaço no mundo da fama. No presente capítulo, nossa intenção é fornecer ao leitor uma análise das capas de discos em que ele mais ousou, ou seja, usou sua identidade para chocar e quebrar paradigmas na sociedade, abrindo caminho para diversas representações culturais. As imagens aqui selecionadas contribuíram de forma significativa para a construção do mito que Bowie se tornou. 4.1 A importância da imagem veiculada na mídia Nas décadas de 60 e 70, um dos meios mais eficazes para transformar em paixão uma simples admiração por parte do público eram as capas de LPs (long-plays). Possuir um disco de uma banda a qual se admirava era sinônimo de uma juventude bem aproveitada e, em alguns casos, significava uma afirmação de rebeldia perante às opiniões conservadoras da época. Obter um disco de Bowie causava isso na maioria dos fãs. Como afirma Christopher Breward, no ensaio “Pois ‘We are the goon squad’ Bowie, a moda e a força das capas de LPs: 1967-83”, a era digital talvez tenha aniquilado a devoção que antes se sentia ao possuir um LP: O vívido apelo visual e o imediatismo tátil dessas capas proporcionavam uma conexão tangível entre o artista e o ouvinte: os álbuns eram escolhidos e comprados com uma intenção devota, e suas capas abriam possibilidades decorativas que transformavam o quarto de um adolescente num santuário. [...] a capa de um LP, presa num painel de parede, podia representar toda espécie de aspirações imaginadas e desejadas. (BREWARD, 2013, p.193) Da mesma forma que o álbum servia como um monumento imagético, ele era também uma espécie de amostra grátis do que estava por vir; o conteúdo musical, o que era realmente vendido para o público. A capa funciona como um tipo de paratexto, termo criado pelo francês Gerard Genette. Para ele, um paratexto é o material que envolve uma obra: 49 [...] the paratext is what enables a text to become a book and to be offered as such to its readers and, more generally, to the public. More than a boundary or a sealed border, the paratext is, rather, a threshold, […] a “vestibule” that offers the world at large the possibility of either stepping inside or turning back (GENETTE, 1997, p. 1-2).25 O conceito de Genette e a sua ideia inicial se aplicam a textos escritos, mas isto não impede que seu uso também abranja materiais visuais. Da mesma forma que uma sinopse ou um comentário de uma revista, a capa também serve para criar o primeiro contato do público com o artista, principalmente porque, para vê-la, não é preciso nenhum tipo de intermediação financeira. Genette afirma, também, a importância desse material que acompanha o produto principal, uma vez que ele controla a leitura que se faz, chegando a afirmar que não existe e nem nunca existiu um texto sem paratexto 26: [The paratext is] a privileged place of a pragmatics and a strategy, of an influence on the public, an influence that – whether well or poorly understood and achieved – is at the service of a better reception for the text and a more pertinent reading of it (more pertinent, of course, in the eyes of the author and his allies). (GENETTE, 1997, p. 2)27 A capa de um disco, então, ocupa um lugar estratégico para seu sucesso comercial. A máxima “Não se deve julgar um livro pela sua capa” torna-se cada vez mais vazia, uma vez que esse julgamento é inerente. A imagem contribui para a decodificação do conteúdo do álbum na medida em que fornece filtros para a compreensão das músicas. Numa analogia, a capa serve como o trailer do filme, fornecendo um material bônus para a construção de uma ideia do que se vai consumir ou não. Jonathan Gray discorre sobre esse assunto: Decisions on what to watch, what not to watch, and how to watch are often made while consuming hype, synergy and promos, so that by the time we 25 [...]o paratexto é o que permite um texto a se tornar um livro e a ser oferecido como tal a seus leitores e, mais comumente, a seu público. Mais do que um limite ou uma fronteira fechada, o paratexto é, sim, o ponto inicial para uma nova experiência, [...] um "vestíbulo", que oferece o mundo em geral a possibilidade de tanto pisar dentro ou voltar atrás (Tradução nossa). 26 “[...] one may doubtless assert that a text without a paratext does not exist and never has existed” (GENETTE, 1997, p. 3) 27 [O paratexto é] um lugar privilegiado de uma pragmática e de uma estratégia, de uma influência sobre o público, uma influência que - quer seja bem ou mal compreendida e alcançada - está a serviço de uma melhor recepção do texto e uma leitura mais pertinente dele (mais pertinente, é claro, aos olhos do autor e de seus aliados) (Tradução nossa). 50 actually encounter “the show itself”, we have already begun to decode it and to preview its meanings and effects (GRAY, 2010, p. 3)28. Para Gray, o hype é venda frenética de algum produto, um anúncio que ultrapassa as normas do aceitável. O consumo do produto começa quando a sua amostra grátis é transmitida de maneira eficiente, por meio desses anúncios e de propagandas, tornando, assim, o produto famoso e iniciando o processo de conhecimento por parte do público consumidor. Genette ensina a definir um elemento paratextual ao propor uma série de questionamentos que delimitam o objeto. É necessário, para este fim, determinar a localização do objeto; a data de sua aparição; o seu modo de existência, seja verbal ou não; para quem ele é endereçado e quem enviou; e as suas funções 29. É basicamente, em termos jornalísticos, responder às perguntas propostas no lead: onde?, quando?, como?, de quem?, para quem?, para quê?. O paratexto, portanto, exerce grande influência no produto final. Sua função e seu impacto não devem ser desprezados e nem vistos simplesmente como um termo acessório. Um paratexto bem articulado pode controlar a visão que o público tem de um determinado produto ou, no mínimo, condicioná-la. É como Gray afirma: “paratexts play as much of a role as does the film or television program itself in constructing how different audience members will construct this ideal text”30 (GRAY, 2010, p. 11). David Bowie tinha noção do peso que a imagem veiculada em seus álbuns exercia sobre quem os comprava. E, como sempre, foi muito hábil na sua manipulação da mídia, dando a ela muitas vezes não o que queria, mas o que precisava para alimentar polêmicas e, consequentemente, aumentar o número de cifras no fim do mês. Por isso, a formação de sua imagem como um “performer” musical tem grande espaço em seus discos. Uma vez que Bowie conseguia sair-se bem sucedido da empreitada de formação de personas, ele experimentava o “senso visceral de poder” que Finkelstein cita e que propomos no capítulo anterior. Encarnar personas parecia ser uma fórmula adequada para se tornar poderoso no ramo da mídia, e Bowie definitivamente necessitava disto. A ideia da descentração do sujeito, proposta por Stuart Hall e discutida no capítulo passado, culminando na personificação do sujeito pós-moderno encontram 28 Decisões sobre o que assitir, o que não assistir, e como assistir são geralmente feitas enquanto consumimos hype, synergy e promos, a ponto de que, quando encontrarmos "o próprio show", nós já começamos a decodificá-lo e prever os seus significados e efeitos (Tradução nossa). 29 GENNETE, 1997, p. 4. 30 “Os paratextos também têm o mesmo papel que o filme ou o programa de televisão na construção de como os diferentes membros da audiência vão formular este texto ideal” (Tradução nossa). 51 abrigo nesta análise. David foi se formando com base na mídia e em seu papel de disseminadora cultural; porém, com o desejo de ser único. A sua individualidade deveria ser preservada a cada persona que criasse, processo que envolvia vontade, ação, compromisso, inteligência e criatividade; características propostas por Kellner e citada por nós no capítulo anterior. Assim como Bowie queria transcender o fazer musical adicionando, também, as imagens, os fãs queriam participar desse processo. E a maneira como faziam isso era comprando os discos e se tornando verdadeiros adoradores da persona que ali se apresentava, juntamente com toda a bagagem que viria com o disco. Muitos jovens da época finalmente conseguiram se conectar a um artista que talvez estivesse passando pelos mesmos conflitos: a necessidade de uma afirmação sexual, a vontade dominante de não passar pela Terra sem deixar nada e o sonho juvenil de conquistar o mundo com a arte. É neste contexto que Bowie chega para abalar todas as estruturas e preconceitos relativos ao gênero sexual existentes no mundo conservador, porém em constante mudança, do final da década de 60 e início da década de 70. Fato que aconteceu de forma chocante, com o disco The Man Who Sold the World (1971), em que Bowie aparece com um “vestido masculino”. Seguido a ele, o álbum Hunky Dory, com um Bowie etéreo na capa. Passamos por Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972) e Aladdin Sane (1973) e chegamos em Pin Ups (1973), um álbum de regravações de músicas famosas de outros artistas em que Bowie aparece posando com a modelo Twiggy e há a confusão de quem aparenta ser mais feminino. Por fim, o disco Young Americans (1975), que parece encerrar a fase de Bowie como mulher. Com os álbuns The Man Who Sold The World, Hunky Dory, Pin Ups e Young Americans, acreditamos que David Bowie foi mais bem sucedido na manipulação de seus paratextos e, consequentemente, de sua imagem para conseguir vender seu produto. Nestas, a persona que David encarna é a de uma mulher, utilizando-se ao máximo de sua androginia. Nestes trabalhos, é possível notar a importância que a aparência visual exerce como um indicativo da identidade do músico, que estava em constante mudança. 4.2 Bowie e seus contemporâneos Com a intenção de explicitar o ponto de vista acreditado neste trabalho, algumas capas de outros artistas foram selecionadas. Para a seleção destas imagens, optamos por separar as capas dos discos lançados no período de 1970 a 1972, tendo em vista o 52 lançamento de The Man Who Sold the World de Bowie. Na área do rock’n’roll em seu sentido mais abrangente, temos Rolling Stones, Led Zeppelin e Pink Floyd. As bandas inglesas também se utilizaram de elementos chocantes em suas capas, principalmente os Rolling Stones, porém nenhuma delas fez uso de elementos de gênero, como David Bowie. David, porém, no início da sua carreira, não tinha uma noção perfeita do que queria ser ou atingir com a mídia. Como foi dito no primeiro capítulo, ele passou por alguns estilos musicais e de moda até chegar na exploração de sua androginia, que será analisada no presente capítulo. Com os seu primeiro álbum lançado oficialmente, Bowie ainda trazia reminiscências de seu passado mod, com os cabelos arrumados e simetricamente cortados. O segundo disco, Space Oddity, já carrega certa rebeldia, representada nos cabelos artificialmente cacheados e esvoaçantes. Em relação à ousadia e ruptura com os padrões da sociedade da época, nada havia de diferente. Figura 13 - David Bowie convencional nos discos lançados respectivamente em 1967 e 1969 Dentre as selecionadas das demais bandas, a capa de Sticky Fingers, dos Rolling Stones, é a que carrega um elemento mais ousado: uma imagem em close de um homem usando calças apertadas, salientando o formato de sua genitália. A imagem contém a agressividade do rock’n’roll e um de seus estereótipos mais marcantes: o couro preto, presente, neste caso, no cinto. As únicas cores presentes na imagem (preto, branco e vermelho) também remetem ao estilo musical. Representando a área de hard-rock, temos a banda Led Zeppelin. Os discos lançados no período selecionado não apresentam ousadias drásticas, embora sejam repleto de significações, como o álbum lançado em 1970. Led Zeppelin III traz diversos 53 símbolos espalhados aleatoriamente pela capa, como flores, frutas cortadas ao meio, borboletas, um zepelim e outros. Na área mais psicodélica da música, incluída também no rock’n’roll, a banda Pink Floyd marca presença. O álbum Atom Heart Mother, lançado em 1970, traz uma vaca em um campo, olhando fixamente para as lentes da câmera. No álbum Obscured by clouds, lançado em 1972, pontos de luz aparecem desfocados, como se estivessem realmente obscurecidos pelas nuvens. Figura 14 - Algumas capas de discos lançados entre 1970 e 1972, respectivamente: Rolling Stones, Led Zeppelin e Pink Floyd 54 Uma vez que vimos alguns exemplos da cena rock, podemos constatar que as imagens não levantavam questionamentos que pudessem quebrar paradigmas, pelo menos não no sentido que Bowie fazia. Já na cena glam rock, conforme vimos em 2.2, existe uma explosão de cores e brilhos, sendo terreno ideal para David Bowie. Para esta comparação, selecionamos também alguns outros representantes do estilo musical e as imagens de seus álbuns. Gary Glitter e Roxy Music fazem parte deste grupo. A imagem do álbum de Glitter não apresenta ousadia marcante, nem mesmo com a letra redonda e bem delineada, geralmente atribuída à mulheres pode ser vista como um quebra de paradigmas. O disco de estreia da banda Roxy Music é um pouco mais sóbrio em relação às cores e ao brilho, mas ainda assim é glamoroso ao mostrar a mulher numa pose sensual, como se fosse uma pin up. Figura 15 - Álbuns de Gary Glitter e Roxy Music, ambos lançados em 1972 Um dos expoentes do glam rock é o amigo-inimigo de Bowie, Marc Bolan, que estavam sempre envolvidos numa competição, saudável ou não. Em suas apresentações, Bolan também utilizava a sua androginia, ressaltada com bastante brilho espalhados pela sua indumentária. Curiosamente, o glamour que ele sempre ostentava não esteve presente nas capas de seus álbuns, principalmente não daqueles lançados entre 1970 e 1972. 55 Figura 16 - Os álbuns A Beard of Stars (1970), Electric Warrior (1971) e The Slider (1972), de T. Rex Tendo visto alguns exemplos dos tipos de imagens que rondavam o mundo do rock’n’roll e do glam rock nos anos de 1970 a 1972, já podemos nos direcionar para uma análise detalhada do que as capas de Bowie significavam. O próximo tópico pretende destacar as quatro principais capas em que David aparece como mulher, responsáveis por polêmicas no mundo da música. 4.3 The Man Who Sold the World (1971) Figura 97 - Capa do disco The Man Who Sold The World 56 Tabela 1 – Ficha técnica do álbum The Man Who Sold the World Ano de lançamento 1971 Gravadora Mercury Records Faixas The Width Of A Circle; All The Madmen; Black Country Rock; After All; Running Gun Blues; Saviour Machine; She Shook Me Cold; The Man Who Sold The World; The Supermen Músicos David Bowie: voz, violão; Mick Ronson: guitarra; Tony Visconti: baixo; Mick Woodmansey: bateria; Ralph mace: sintetizador Capa Keith Macmillan David lançou dois álbuns sem muito sucesso antes de chegar ao The Man Who Sold the World. David Bowie, lançado pela gravadora Deram em 1967, é um álbum sem muita personalidade, engajado apenas em reproduzir o que estava em voga na cena musical londrina. Embora o talento de Bowie já fosse notável, o álbum não chegou a ser um sucesso, nem foi responsável por deslanchar a carreira dele. Space Oddity, lançado pela gravadora RCA em 1969, já marcou um ponto divisor na carreira de David. A música homônima ficou tão conhecida que ganhou o prêmio Ivor Novello 31. Atualmente, a música ainda aparece em filmes e em produtos da cultura popular 32. A faixa também rendeu a primeira aparição ao vivo no programa da parada de sucessos britânica Top of the Pops (1964-2006), produzido pela BBC. Porém, apenas com o álbum The Man Who Sold the World Bowie foi capaz de realmente se destacar no mundo da música, e grande parte desse sucesso veio da imagem apresentada na capa. A ousadia presente no disco abriu o caminho de Bowie para a fama e o estrelato. Curiosamente, este disco apresenta quatro capas oficiais, sendo analisada aqui a segunda versão, decididamente a mais chocante em termos conceituais. A primeira lançada apresentava uma ilustração de Mike Weller. A terceira, lançada na Alemanha, também mostra uma ilustração, desta vez com cores psicodélicas. A quarta e última foi lançada mundialmente com uma imagem de Bowie na era Ziggy (ver figura 18). 31 O prêmio Ivor Novello homenageia cantores e compositores. A canção apareceu no recente filme de Ben Stiller, A Vida Secreta de Walter Mitty (2013), além de ter sido executada pelo astronauta Chris Hadfield ao se despedir de sua Estação Espacial Internacional (EEI), também em 2013. 32 57 Figura 18 - Em ordem: Capas lançadas originalmente nos Estados Unidos (1970), na Alemanha (1971) e relançada mundialmente (1972) Como afirma Boorstin, “To become known to a whole people, a man usually had to be something of a hero: as the dictionary tells us, a man ‘admired for his courage, nobility, or exploits’” 33 (BOORSTIN, 1992, p. 46). Utilizar-se de seu corpo ornamentado com um vestido masculino foi o passo primordial para o lançamento efetivo de Bowie na mídia, bem como para a construção de sua imagem “camaleônica”, principalmente porque para realizar tal façanha, foi-lhe preciso certa dose de coragem para desafiar as instituições tradicionais. Isto nos leva de volta ao comentário de Finkelstein, apresentado no capítulo que precede este, quando ela fala do poder de uma “aparência estilosa” e a sua capacidade de libertar-nos de jaulas e papeis convencionais. Lançado em 1971, o álbum causou um rebuliço na indústria musical da época, contemporânea à ascensão do Glam-Rock. David estava saindo da área da música folk e experimentando caminhos mais rock’n’roll. A extravagância que sempre fez parte da personalidade de Bowie finalmente pôde tomar corpo neste álbum. E ele a canalizou como sempre faz: chocando. Trajando um “vestido masculino” adquirido na loja Mr. Fish34, Bowie repousa preguiçosamente para as lentes do fotógrafo Keith Macmillan. Brincando com uma de suas características mais marcantes, a androginia, o espectador desavisado precisa se certificar de que se trata de um homem, e não de uma mulher. O lado feminino de David está muito presente neste trabalho, não apenas na imagem apresentada na capa. Algumas faixas são representadas em tons extremamente femininos, como em “Running Gun Blues”, quase soando como um falsete. Em outras, a voz feminina é mascarada pela guitarra pesada, como em “She shook me cold”, fruto das primeiras parcerias com o guitarrista Mick Ronson. 33 Para se tornar conhecido, o homem geralmente tem que ser alguma coisa de heroi: como o dicionário nos diz, um homem "admirado pela sua coragem, nobreza, ou realizações". (Tradução nossa) 34 Bowie conheceu a loja de Michael Fish por meio de um amigo de escola, que trabalhava no local. 58 A fotografia foi realizada em Haddon Hall35, a casa e quartel general de Bowie em Beckenham. Na imagem, vemos David muito à vontade no vestido amarelo com detalhes florais e frutais em azul. As botas marrons de cano longo são apertadas e não brigam com os detalhes do vestido, contribuindo para eles ornarem em harmonia. Sua mão direita segura um rei de ouro com pouca firmeza, apenas o necessário para não cair. O resto do baralho está espalhado aleatoriamente pelo chão. A mão esquerda, por sua vez, conserta delicadamente uma boina no alto da cabeça revelando um bracelete 36 prateado caindo pelo braço. Os cabelos são longos, louros e ondulados, com uma franja habilmente levada para o lado. A expressão em seu rosto é de tranquilidade e a ideia de que o mundo ─ pelo menos o daquele instante ─ gira ao seu redor. Uma expressão de dúvida, entretanto, perpassa o semblante, talvez relacionada a suas escolhas de gênero e a incerteza da efetividade desta empreitada. A sua posição garante ao espectador uma amostra de suas curvas levemente femininas, saindo da cintura e chegando ao quadril, acentuadas pelo corpo esbelto de Bowie. O “divã” em que Bowie repousa é coberto por dois tecidos brilhantes de cores azul e roxo. O ambiente é artificialmente decorado. A impressão é que entramos em uma casa do século XVIII, sem sombras de modernidade ou detalhes que evoquem o estilo arquitetônico futurista que estava em voga na época. De acordo com o ensaio intitulado “Astronauta de espaços interiores – Sundrige Park, Soho, Londres, Marte...”, escrito por Geoffrey Marsh para o livro David Bowie Is, da exposição homônima, romper com o futurismo era uma característica do fotógrafo responsável pela imagem no álbum, Keith Macmillan: As características distintivas das fotografias de Keith Macmillan para álbuns dessa época eram “sua rejeição do modernismo, da ciência, da celebridade [...] – não há nelas retratos brilhantes nem naves espaciais; não há espaços em branco nem tipologia elegante [...] [em vez disso], suas capas mostram uma agressividade que contradiz radicalmente o lustro da cena musical e autoexaltação roqueira”. (MARSH, 2013, p. 42) 35 Em Haddon Hall, Bowie montou um Arts Labs, espaço completamente imerso em diversos tipos de arte, como teatro, cinema, galerias e músicas. 36 O bracelete era o sinal da união de Bowie com sua esposa na época, Angie. Casados em 19 de março de 1970, eles tiveram um filho, Duncan Zowie Haywood Jones. O bracelete pode ser visto em inúmeras aparições de Bowie, inclusive na capa de alguns álbuns. 59 Até a tipologia que existe na capa é arredondada, tipicamente feminina. Obviamente, Bowie trabalhou com a sua própria concepção do que desejara para o álbum, o primeiro de sua carreira a dar voz a um personagem corporificado por Bowie. Em The Man Who Sold the World, Bowie era o homem com vestido masculino, o Metrobolist37. Este personagem possibilitou a Bowie experimentar o que poderia personificar no palco. Quando visitou os Estados Unidos e estudou a recepção do público, David decidiu que poderia ser o que quisesse no palco, abrindo, assim, um leque imenso de possibilidades que já existia na cabeça do artista. A extrema sexualidade vista neste álbum, juntamente com o experimentalismo de Bowie, pode ser atribuída ao tempo que Bowie viveu como pupilo do artista mímico Lindsay Kemp. O período que ele passou na trupe de Kemp o permitiu explorar os limites de seu corpo por meio da sexualidade, resultando no homem posando com um vestido meio aberto no peito magro e muito alvo na capa do disco. A repercussão de The Man Who Sold the World foi bastante intensa, chegando também aos lares conservadores norte-americanos. A versão do disco nos Estados Unidos não tinha nada parecido com a que foi lançada na Grã-Bretanha. O lânguido Bowie deitado em seu divã foi substituído por um desenho feito pelo cartunista Mike Weller mostrando um caubói carregando um rifle enrolado num cobertor. O homem passa em frente a um hospital psiquiátrico em que o irmão de Bowie estava se tratando. A imagem toda parece ter sido extraída de um museu. A fotografia, porém, com a edição que lhe foi dedicada, está mais para uma pintura. Uma das características mais marcantes nela é o fato da “subversão da questão do gênero” (MARSH, 2013, p. 42). A pose, os cabelos, o vestido e a expressão de Bowie fortalecem a ideia de que quem estava ali não era David Bowie, mas um alter-ego, um personagem que subsidiaria a sua primeira criação de um papel para os seus concertos. O conceito de que as interações sociais podem ser vistas como performances, de Goffman, aplica-se a esta experiência de Bowie, uma vez que era por meio delas que ele concebia suas personas, criando uma espécie de mosaico de personalidades. O álbum marcou, também, o início da ascensão do Glam-Rock. Foi com este álbum que David Bowie conseguiu se libertar das amarras do convencional e realmente ousar em sua arte. Nesta época, aconteceu a descoberta de como um personagem poderia melhorar suas performances por meio do poder que 37 Nome que seria dado ao álbum antes de ter sido escolhido The Man Who sold the World. 60 tinham sobre o público. O rapaz tímido e reservado de Bromley dava espaço ao tempestuoso David Bowie, a enciclopédia de personalidades. 4.4 Hunky Dory (1971) Figura 19 - Capa do disco Hunky Dory Tabela 2 – Ficha Técnica do álbum Hunky Dory Ano de lançamento 1971 Gravadora RCA Faixas Changes; Oh! You Pretty Things; Eight Line Poem; Life On Mars?; Kooks; Quicksand; Fill Your Heart; Andy Warhol; Song For Bob Dylan; Queen Bitch; The Bewlay Brothers Músicos David Bowie: voz, violão, sax, piano; Mick Ronson: guitarra; Rick Wakeman: piano; Trevor Bolder: baixo; Mick Woodmansey: bateria Capa Brian Ward 61 O Bowie travestido na capa de The Man Who Sold the World deu lugar a um extremamente feminino na capa de Hunky Dory, próximo álbum do artista, lançado também em 1971. Neste, Bowie foi fotografado por Brian Ward, que colorizou a imagem e transformou o artista em uma “Greta Garbo modernizada” (BREWARD, 2013, p. 196). “Hunky Dory”, gíria inglesa para dizer que tudo está certo no mundo, trouxe mais hits de sucesso para Bowie. O álbum faz parte da transição entre hippie para pós-hippie, quando muitas das convicções desse movimento caem por terra e se tornam um pouco caóticas. Hunky Dory traz uma das músicas mais icônicas de Bowie, “Changes”. Ela é um hino à sua constante mudança e como elas acontecem rapidamente. Esta faixa também pode ser aplicada à juventude, não importando de que época, quando fala “And these children that you spit on/ As they try to change their worlds/ Are immune to your consultations/ They're quite aware of what they're going through 38” (BOWIE, 1969). O sucesso da música entre os jovens é incomparável. O filme Breakfast Club, de 1985, por exemplo, traz esta mesma citação nos seus créditos iniciais. Com um olhar fixo em um ponto, Bowie não encara seu espectador. As mãos afagam o cabelo amarelo e longo. O traje é um felpudo casaco quadriculado em preto e branco. Para um espectador desavisado, que não tem conhecimento de quem é David Bowie no universo, a imagem poderia ser muito bem a de uma mulher. Embora na fotografia original Bowie não apresente traços marcantes de maquiagem, na edição ele parece ter colorido os lábios e apagado um pouco das sobrancelhas com uma luz. A imagem passa pela atriz Greta Garbo (ver figura 20) e gera uma efervescência de referências a atrizes do cinema hollywoodiano, como afirma Camille Paglia ao comentar sobre o sucesso do álbum: “A capa de Hunky Dory causou admiração, tanto por seu audacioso jogo de gêneros quanto por evocar o glamour de Hollywood, que ainda não era levado tão a sério nos primeiros estudos sobre o cinema” (PAGLIA, 2013, p. 70). 38 “E essas crianças em que você cospe/ Quando elas tentam mudar seus mundos/ São imunes as suas conversas/ Elas têm consciência do que estão passando” (Tradução nossa). 62 Figura 20 - A atriz suíça Greta Garbo Na capa de Hunky Dory, Bowie assume para si a identidade feminina. Não há, na imagem, nenhum elemento que evoque indubitavelmente a presença de um homem na imagem. O gesto de olhar para o nada com uma expressão sonhadora e o afagar dos cabelos tornam Bowie, com base nos padrões reproduzidos pela mídia na época, uma mulher. Este ato é, de certa forma, uma rebelião aos padrões normativos da sociedade: [...] o ato de categorizar o indivíduo sexualmente tem o poder de normatizálo, pois o sexo regulamenta e identifica os sujeitos. Considerando o “sexo” como questão de identificação e meio discursivo pelo qual o imperativo heterossexual possibilita certas identificações sexuadas e impede ou nega outras identificações, o ato de pertencer a identificações outras é chamado de “assumir” um sexo. A ideia de “assumir um sexo” está vinculada à ideia de fuga ao padrão heteronormativo e “escolha” de uma “identidade” não regulamentada. (RODRIGUES e BASÍLIO, 2014, p. 6) Ao assumir para si uma persona feminina, Bowie estava encarnando, de forma autêntica, um dos princípios vitais do rock’n’roll: o de transgredir as barreiras do comodismo social. No início dos anos 70, quando o disco foi lançado, um homem escolher ser percebido como mulher ainda era visto como uma transgressão social, justamente porque esta identidade não era regulamentada. Ou seja, era “anormal”. Tomar o rock’n’roll como um escudo contra essas ideias preconceituosas era, também, uma maneira de pôr em discussão as verdades absolutas da sociedade. Bowie, entretanto, não acreditava que um sexo era melhor do que o outro. Não havia, para ele, uma visão “triunfalista dos gêneros”, como afirma Paglia: 63 Em 2000, respondendo a uma pergunta sobre a música ‘Boys Keep Swinging39’, ele disse a uma revista americana: ‘Não acho que exista alguma coisa nem remotamente gloriosa em ser homem ou mulher’. Pelo contrário, ele sempre tinha feito experiências sistemáticas com suspensões desorientadoras de gênero, como em sua música ‘Oh! You Pretty Things’ (do álbum Hunky Dory), uma ode ao ‘Homo Superior’, em que rapazes e moças sexualmente ambíguos passaram para um estado indeterminado de ‘coisa’, como obras de arte (PAGLIA, 2014, p. 90). Levar o conflito da decisão entre gêneros para o campo da arte foi uma das consequências inevitáveis, mesmo que não intencionais, de Hunky Dory e essenciais para a compreensão da identidade em constante mudança de Bowie. Neste álbum, ainda mais do que em The Man Who Sold the World, ele consegue atingir um patamar que passa pelo simples “chocar”, e chega ao “intrigar”, fazendo com que o espectador/fã comece a se questionar sobre o que está vendo na capa, se é realmente David Bowie ou se é mais uma representação de uma persona. 4.5 Pin Ups (1973) Figura 101 - Capa do disco Pin Ups 39 A faixa, do álbum Lodger (1979), faz uma irônica referência ao machismo. No clipe, Bowie interpreta 3 mulheres que cantam o backing vocal da música. 64 Tabela 3 – Ficha técnica do álbum Pin Ups Ano de lançamento 1972 Gravadora RCA Faixas Rosalyn, Here Comes The Night, I Wish You Would, See Emily Play, Everything's Alright, I Can't Explain, Friday On My Mind, Sorrow, Don't Bring Me Down, Shapes Of Things, Anyway, Anyhow, Anywhere, Where Have All The Good Times Gone Músicos David Bowie: voz, violão, sax; Mick Ronson: guitarra, piano and voz; Trevor Bolder: baixo; Aynsley Dunbar: bateria; Mike Garson: piano; Ken Fordham: sax; GA MacCormack: backing vocals Capa Justin de Villeneuve O álbum Pin Ups, lançado em 1973, é uma interpretação feita por Bowie de músicas de outros artistas, como Syd Barret, do Pink Floyd, e Pete Townshend, do The Who. Nesta época, Bowie estava se recuperando da confusão de ter vivido como Ziggy Stardust, de ter sido venerado pelos fãs por causa deste personagem e de ter dado um fim à criatura. Não foi um período simples para Bowie, que nunca imaginou que um personagem pudesse ter tanto sucesso, a ponto de ter poder sobre seu criador. Partiu deste sentimento a necessidade de aniquilá-lo – o que ele fez no último show de Ziggy, na casa de espetáculos de Londres, Hammersmith Odeon, em 3 de julho de 1973. Bowie precisava descansar mentalmente após a confusão de Ziggy. Em muitas entrevistas, ele afirma que estava com as ideias muito conturbadas, beirando a esquizofrenia. Lançar Pin Ups foi uma forma de descanso, mas de ainda estar presente no mundo da música, como afirma Jon Savage, no ensaio “Oh! You Pretty Things”: Esse foi o período em que Bowie não foi um líder, e sim um seguidor: um jovem, ainda adolescente, tentando abrir caminho na indústria da música e lutando para encontrar uma voz original. Os meados da década de 1960 o haviam formado, instilado nele uma ideia de experimentalismo, de um verdadeiro modernismo. Voltando às fontes, Bowie esperava ganhar tempo e juntar forças. (SAVAGE, p. 100) A capa do álbum é uma foto feita em Paris por Justin de Villeneuve para a revista Vogue. Nela, Bowie posa ao lado de Twiggy (apelido de Lesley Lawson), modelo britânica de muito sucesso na década de 60. Seu visual também adrógino adicionou ao de Bowie uma certa completude, ressaltada por máscaras desenhadas com maquiagem. É interessante notar que este é o único álbum na carreira de Bowie que ele 65 aparece acompanhado na capa por uma mulher (com a exceção das mulheres-cachorro fictícias na capa de Diamond Dogs, de 1974). Bowie posa ao lado de uma mulher, mas é difícil apontar quem aparenta ser mais feminino na imagem. O cabelo vermelho, ainda como uma herança de seu período como Ziggy, desliza pelo ombro, contornando o pescoço muito alvo, com o pomo-de-adão sobressalente. Os olhos são muito marcados por maquiagem, ideais para ressaltar a característica mais marcante e espacial de Bowie. A ausência de sobrancelhas também carrega reminiscências de Ziggy, porém é possível notar um leve contorno até onde seria o seu meio. Os dois estão com o peito descoberto, mostrando um contraste entre as cores: Twiggy está visivelmente bronzeada e Bowie muito branco. Ao rosto dele, entretanto, um tom amarelado foi adicionado, provavelmente para forçar um bronzeado inexistente. Ao rosto de Twiggy foi adicionado, também, muita cor, porém, branca. O casal exposto na imagem parece se complementar em todos os quesitos, como um tradicional yinyang. Twiggy carrega, em sua cabeça, um lenço azul, da mesma cor do fundo da imagem, com miçangas douradas, aludindo a uma cigana. Sua maquiagem, especialmente a dos olhos, é bem mais marcante do que a de Bowie. As narinas dele estão infladas e a boca semi-aberta. A expressão é de dúvida misturada com certo pavor de não saber o que está fazendo ali naquele determinado momento. As bochechas estão muito marcadas, afilando e angulando o rosto de Bowie. Em seu ombro, repousa Twiggy com um olhar morto, quase blasé, típico da modelo. Ao contrário de Bowie, Twiggy não mostra os cabelos, que estão escondidos dentro do lenço completado pela maquiagem de máscara. Embora seu corpo esteja bronzeado, a maquiagem no rosto de Twiggy é branca. No caminho para a construção de sua imagem perante a mídia, Bowie conseguiu, mais uma vez, provocar questionamentos acerca da sexualidade, quebrando mais constatações da sociedade em que estava inserido. Este processo é capaz de desencadear a desconstrução da ideia de binarismo sexual: Desestabilizar as fronteiras de “identidade”, permitir a ambigüidade de gênero, desconstruir o binarismo sexual e desarticular as classificações convencionais [...] são apenas algumas formas de exemplificar possibilidades acerca da relação entre o sujeito e a sexualidade, uma vez que a partir dessas novas articulações entre gênero, discurso e modos de viver, identidades não normativas poderão ser legitimadas (RODRIGUES e BASÍLIO, 2014, p. 6). 66 A escolha da maquiagem de máscara é intrigante para este álbum, composto por músicas de outros artistas. A representação de um papel, neste caso, está evidente para o espectador. E mais: parece ser a intenção de Bowie despertar essa ideia em seus fãs. O álbum faz parte do processo de exorcismo de Ziggy, portanto, quanto mais alusões à possibilidade de interpretação no palco (e na vida), melhor, para não haver confusões. David não queria perigos como Ziggy de novo e desejava que isso ficasse claro para seus fãs e seguidores. 4.6 Young Americans (1975) Figura 22 - Capa do disco Young Americans Tabela 4 – Ficha técnica do album Young Americans Ano de lançamento 1975 Gravadora RCA 67 Faixas Young Americans; Win; Fascination; Right; Somebody Up There Likes Me; Across The Universe; Can You Hear Me; Fame Músicos David Bowie: voz, violão, piano; Carlos Alomar: guitarra; Mike Garson: piano; David Sanborn: sax; Willie Weeks: baixo; Andy Newmark: bateria; Larry Washington: conga; Pablo Rosario: percussão; Ava Cherry, Robin Clark, Luther Vandross: backing vocals Capa Eric Stehpen Jacobs Young Americans foi lançado após o macabro Diamond Dogs (1974). A aura deste era bastante pesada, com muitas alusões ao romance de George Orwell, 1984. Uma das faixas do disco traz o personagem Big Brother, o Grande Irmão, que, no romance, tem descrição de um líder totalitário. O álbum que o segue traz músicas mais animadas, com bastante backing vocals e influência da música soul40. A faixa “Young Americans” traduz o sentimento exposto no resto do álbum, repleto de músicas dançantes, sejam agitadas ou em ritmos de baladas, como em “Can you hear me”. Em “Fame”, Bowie faz uma reflexão sobre a superficialidade da fama, que acaba levando o artista ao extraordinário mundo das aparências, onde nem sempre as coisas são o que aparentam ser. Essa ideia é perceptível no trecho “Fame puts you there where things are hollow” (BOWIE, David. Fame. 1975)41. Em 1975, Bowie já havia conseguido se tornar mundialmente conhecido e isto o assustava um pouco. O álbum parece ser o grito final do exorcismo de Ziggy e parece encerrar a fase de Bowie caracterizado como mulher, bem como o abandono do Glam Rock. Na imagem, Bowie aparece encarando as lentes da câmera com uma expressão sedutora, ainda evocando as divas de Hollywood. O cabelo está solto e cintila entre louro e ruivo, confusão causada pelo feixe de luz que se projeta por trás de sua cabeça formando uma curiosa, porém discreta aura iluminada. O corte de cabelo icônico de Ziggy não está mais presente, fora trocado por uma franja em forma de topete que cobre grande parte de sua testa. Bowie, entretanto, ainda não tem sobrancelhas, mas a maquiagem é pouca e simples, tão minimalista que gera um cisma com as ideias do glamour. Os olhos se sobressaem, mas, com o contraste apresentado, o esquerdo com a pupila constantemente 40 “O soul era a principal forma de Black music dos anos 1960 e 1970. No princípio era considerado pelos músicos de jazz e por seus ouvintes sinônimo de música autêntica e sincera. Durante sua evolução nos anos de 1960, o soul representou uma fusão entre o estilo de cannto gospel e os ritmos funk” (SHUKER, 1998, p. 265). 41 A fama te coloca no lugar onde as coisas são ocas (Tradução nossa). 68 dilatada não é percebido. As bochechas são levemente marcadas de rosa. A boca, completamente cerrada, mas não rígida, brilha sob o efeito de um gloss labial, aumentado pelo efeito da luz. Ele veste uma blusa de botão quadriculada. O braço esquerdo magro, cruzado por cima do direito, mostra os dois braceletes de prata com um brilho artificial, adicionado na edição. A mão segura um cigarro aceso, fumegando com a ajuda do aerógrafo usado no tratamento da imagem. As unhas longas parecem ter sido feitas e polidas, revelando um cuidado feminino. Como afirma PAGLIA (p. 80), a “figura melancólica, enclausurada, poderia ser um amante ou um esteta neurastênico, como o pintor Aubrey Beardsley ou o poeta Lord Alfred Douglas, causador da ruína de Oscar Wilde”. Ao contrário das capas anteriormente analisadas, a de Young Americans mostra uma feminilidade sutil, percebida nas unhas tratadas ou no batom brilhoso, porém discreto. Bowie já tinha contribuído o suficiente com a ascensão e queda do Glam Rock. Young Americans parece encerrar um ciclo que se iniciou com a necessidade de Bowie de chocar usando metáforas de gênero presente na capa de The Man Who Sold the World. Como pudemos perceber, Bowie utilizou a sua arte e a sua característica andrógina a seu favor, para despertar questionamentos acerca de seu gênero e sexualidade. Esta jogada de marketing coincidiu com o período em que o artista mais experimentou, sejam sensações ou substâncias. Após Young Americans, Bowie invariavelmente escolheu assumir o seu lado mais masculino (algumas capas dessa fase da carreira dele podem ser vistas na figura 23). Este fato nos leva a deduzir que ele usou a sua suposta bissexualidade e a representação de papeis femininos para galgar o seu espaço perante a mídia, seja por meio de reações positivas ou negativas. É a máxima: falem mal ou falem bem, mas falem de mim. 69 Figura 23 - No sentido horário: Lodger (1979), Let's Dance (1983), Earthling (1997) e Heathen (2002) Uma exceção pode ser encontrada quando ele se veste de mulher para o clipe de “Boys Keep Swinging”, do álbum Lodger, de 1979. Dirigido por David Mallet e pelo próprio Bowie, ele representa três mulheres que cantam nos backing vocals. O videoclipe, considerado o mais caro da época, foi produzido a partir de storyboards de David Bowie. Figura 24 - As diversas facetas de Bowie no videoclipe da música “Boys Keep Swinging” 70 Tendo este arsenal de imagens, nota-se que realmente David Bowie abriu caminho para diversas representações culturais. A representação de um papel torna-se cada vez mais óbvia, assim como a sua influência no mundo da música. Bowie, com a sua constante capacidade de se reinventar e se moldar com a intenção de chocar o público, cultivou a verdadeira representação do que quis ser. 71 5 Considerações Finais Cabelo laranja, cabelo oxigenado, com um raio na face ou com paletós bem alinhados, David Bowie sabe muito bem o que está fazendo quando faz apostas na sua imagem. Para ele, brincar com a sua aparência sempre foi tão importante quanto a sua produção musical. Assumir diferentes personalidades e criar uma persona (às vezes, mais de uma) para cada álbum que lançasse contribuiu para que ele pudesse constantemente ser homem das artes que intriga as pessoas que usam seu tempo para contemplá-lo. Ele é o exemplo perfeito de sujeito pós-moderno, que personifica inúmeras identidades em si, sendo, algumas vezes, até perigoso, como no caso Ziggy Stardust. Para isso, Bowie precisou ser destemido, criativo e original, de modo que começou a prever o que seria visto pela sociedade como moda ou como inovação. E se tornou ele mesmo uma estrela do rock. Durante esta pesquisa, vimos que a maneira como David utilizou a sua imagem foi responsável por criar inúmeras situações em que a ordem tradicional das coisas era questionada. Por que um homem não pode usar batom, maquiagem e saltos altos? Por que ele não pode usar roupas curtas e que enaltecem o corpo? Por que, afinal, ele não pode se identificar como mulher? Talvez pensando nestes questionamentos, ele criava as suas imagens (principalmente as das capas dos álbuns analisados no terceiro capítulo). É certo que David tinha um senso incrivelmente apurado quando o assunto era marketing e autopromoção. Esta constatação sustenta a hipótese desta pesquisa, de que ele sabia que sua transfiguração em mulher venderia muito mais discos e seu séquito de fãs aumentaria, uma vez que contemplaria diversos grupos na sociedade. Tendo alcançado a fama e a admiração de milhares de pessoas, devotas à arte performática de Bowie, a escolha por se apresentar como mulher se esvaiu. Agora, ele escolheria invariavelmente se apresentar de forma extremamente masculina, no sentido tradicional do termo. A necessidade de se mostrar como mulher demonstra com clareza o espírito experimentador de Bowie. Essa constante busca pelo novo, pelo diferente, pelo ousado e pelo esquisito foi capaz de transformá-lo num artista desbravador, que conseguiu, por meio de sua influência, libertar inúmeros jovens das amarras das convenções sociais. Esta ideia foi se mostrando mais clara para nós à medida que esta pesquisa se desenrolava. Em diversas entrevistas pesquisadas, Bowie comenta que se sentia 72 lisonjeado por estar sendo responsável por uma verdadeira revolução sexual e não tão sexual assim, quando as pessoas conseguiam achar personalidades dentro de si, mais do que aquelas que ela foi condicionada a pensar que existiam. Com a sua coragem e a sua criatividade, Bowie conseguiu influenciar inúmeros jovens a também terem ganas de se descobrirem como múltiplos. A identidade não é mais uma afirmação completa, mas é identificação, no sentido de ser um processo, nunca acabado. O contato diário com o outro e com os produtos culturais é capaz de transformar as pessoas. Isso pode ser percebido com Bowie, que também já afirmou ser um colecionador de personalidades e facetas alheias, além de ser, em termos visuais, um resumo desta ideia. Vimos também que, em concordância com Shakespeare, o mundo é realmente um palco. Seja nos palcos reais ou na vida cotidiana, David sentia a necessidade de se apresentar como uma imagem de si, numa constante performance. Isto não significa necessariamente que ele tenha apresentado uma mentira, uma vez que essa performance é proveniente de características interiores. Ele apenas cultivou uma persona pública – e de maneira bem-sucedida, já que ela conseguiu influenciar diversas pessoas ao redor do mundo. A ideia de performance defendida por Goffman encontra exemplo ideal em Bowie. É interessante notar, também, que David Bowie não faz uma leitura estereotipada e senso comum das mulheres. A intenção dele, ao aparecer travestido, não é diminuir o sexo feminino, é, quando muito, fazer uma crítica. Isto é perceptível na capa de Hunky Dory, em que ele aparece como Greta Garbo. Para ele, não importava se a pessoa tivesse nascido homem e tinha aptidões para ser mulher, ou nascido mulher com traços masculinos, o que era essencial era a necessidade de ser quem quisesse ser. A ideia de liberdade vai além do quesito sexual e de sexualidade, muito embora seu desejo pudesse ter começado com indagações deste nível. Com a música “Changes”, do álbum acima mencionado, David sela um pacto pela busca da liberdade com seus fãs, principalmente com frases como “Vire a sua cara para o estranho” e “Cadê a sua vergonha? Você nos deixou até nosso pescoço nisto”. Ninguém saberá como é David Bowie em sua intimidade, a não ser aqueles que a compartilham. Mesmo que os seus dias de rockstar tenham chegado a um fim, mesmo que ele tenha escolhido viver recluso, sem contato nenhum com a imprensa, ele 73 continua sendo influência para muitos. É difícil esquecer uma pessoa que foi responsável pela libertação de outras, sendo visto muitas vezes quase como um herói. Muito embora tenhamos chegado a algumas conclusões, é importante destacar que o presente trabalho não se encontra finalizado. Diversas facetas e hipóteses podem ser encontradas se analisarmos e dermos mais espaço para o artista da estirpe de David Bowie. O tema abordado aqui é, em si, bastante amplo e pode ser desenvolvido de diversas maneiras e indo ao encontro de teorias variadas. Neste trabalho, selecionamos apenas algumas imagens de milhares de Bowie, chegando a algumas considerações. Para um posterior estudo, outros produtos imagéticos podem ser analisados, contribuindo para a bibliografia sobre este artista e trazendo um pouco mais de cultura prática para as teorias presentes na Comunicação Social. 74 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOORSTIN, Daniel J. The Image – A Guide to Pseudo-Events in America. Nova Iorque: Vintage Books, 1992. BREWARD, Christohper. Pois “We are the goon squad” – Bowie, a moda e a força das capas de LPs, 1967-83. In: David Bowie é o assunto. São Paulo: Cosac Naify, 2014. FINKELSTEIN, Joanne. The Art of Self Invention – Image and Identity in Popular Visual Culture. Londres/Nova Iorque: I.B.Tauris & Co Ltda, 2007. GENETTE, Gerard. Paratexts – Thresholds of interpretation. 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