Fascículo V – A importância da sedação na UTI
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Fascículo V – A importância da sedação na UTI
Curso de Reciclagem Sedação em Terapia Intensiva Fascículo V – A importância da sedação em UTI A Importância da Sedação em Terapia Intensiva Este trabalho pôde ser desenvolvido devido à experiência dos autores em suas áreas de atuação, pesquisa e aplicação de conhecimento nas Unidades de Tratamento Intensivo Neurológicas (UTIN) do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. A equipe responsável pelo gerenciamento das unidades é composta pelos médicos: Dr. Cássio Morano Peluso, Dr. Israel Ferreira da Silva, Dr. Luís Vicente Forte e Dr. Salomon Ordinola Rojas. O presente trabalho foi elaborado pelos seguintes membros da equipe: Autor: Dr. Israel Ferreira da Silva Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva — INETI Diretor do Serviço de Anestesiologia do Hospital do Servidor Público Estadual do Estado de São Paulo (HSPE) Presidente da Comissão de Residência Médica e Graduação do HSPE Anestesiologista da equipe do Prof. Dr. Sérgio Almeida de Oliveira no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo e no Hospital Sírio-Libanês Co-autor: Dr. Luís Vicente Forte Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva — INETI Neurocirurgião da equipe do Prof. Dr. Roberto Godoy no Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Produzido por: © 2002 RTM Ltda. Rua André Ampêre, 34 - 9º andar, Brooklin Novo - 04562-080 - São Paulo, Brasil Tel.Fax: 55 11 5507.57.35 e-mail: [email protected] Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia por escrito dos editores. 3 Índice I – Vantagens da Adição do EDTA à Solução de Propofol a 2% ................................... 3 II – Vantagens da Associação de Bloqueios Regionais para a Diminuição dos Volumes de Agentes Sedativos ..................................................... 6 III – Consenso da AMIB para Sedação .......................................................................... 10 IV – Curso de Reciclagem - “Sedação em Terapia Intensiva” ......................................... 12 Referências Bibliográficas – Módulo V .............................................................................. 13 I. VANTAGENS DA ADIÇÃO DO EDTA À SOLUÇÃO DE PROPOFOL A 2% D e acordo com registros do “Food and Drug Administration” (FDA), estima-se que mais de 300 (trezentos) milhões de pacientes foram medicados com propofol até o ano 2000. Se considerarmos que este agente foi aprovado para o emprego em anestesia geral em 1985, liberado para sedação em UTI em 1989 e para sedação em procedimentos diagnósticos em 1991, pode-se projetar o crescimento do seu emprego nas diversas fases do atendimento médico. Embora o propofol tenha sido aprovado inicialmente para sedação em UTI, em pacientes que necessitassem de asssistência ventilatória, atualmente tem sido observado um número crescente de indicações para o seu emprego em UTI. A sedação em pacientes críticos e acometidos de SARA, politraumatismo, TCE grave, sedação pós-operatória e sedação para procedimentos diagnósticos como cardioversão elétrica, endoscopia digestiva e ecocardiografia transesofágica, são alguns exemplos que fazem parte da rotina das UTIs em todo o mundo. Desta forma, uma das preocupações com relação ao emprego de sedação com propofol, principalmente em pacientes críticos submetidos à sedação em UTI, é a de minimizar a possibilidade de contaminação do agente por manipulação. 4 Entre 1993 e 1998, foi realizado nos E.U.A., com a autorização do FDA, um grande programa com 10 (dez) estudos clínicos que envolveu a adição do Edetato Dissódico a 0,005% (EDTA). O objetivo destes ensaios foi o de avaliar o efeito que a adição do EDTA ao propofol determinava sobre o perfil farmacocinético, sua eficácia e segurança. O resultado deste estudo não revelou diferença das variáveis citadas, tanto com a emulsão original, quanto com a que continha o EDTA. No entanto, foi observado aumento significativo da perda urinária de zinco, fato este atribuível à quelação deste oligoelemento pelo EDTA. Por conseguinte, tornou-se recomendável a suplementação do zinco nos pacientes submetidos à sedação prolongada com propofol contendo EDTA. Embora a taxa de mortalidade não tenha sido uma variável pesquisada primariamente, em quatro estudos da sedação de adultos em UTI constatou-se um número significativamente menor de mortes nos pacientes submetidos à sedação com propofol com adição do EDTA, em comparação com aqueles sedados com o agente na formulação original (tabela 1). Os resultados apontaram uma menor mortalidade, com significância estatística, tanto no 7 o dia (p=0,006) quanto no 28o dia (p=0,004), nos pacientes que receberam propofol com EDTA em comparação com aqueles que receberam propofol sem EDTA. Neste estudo desenvolvido nos EUA, a gravidade da doença foi avaliada pelo escore obtido no APACHE II. Tendo em vista estes resultados, tornou-se necessário a continuidade dos estudos com o propofol nas diferentes formulações. Ensaios laboratoriais e clínicos prosseguiram e trouxeram informações valiosas. Entre 2000 e 2001, foi realizado um grande estudo multicêntrico internacional intitulado: “Comparação Multicêntrica, Randomizada e Simples-cega da Mortalidade em Pacientes Pós-cirúrgicos Adultos sedados na Terapia Intensiva com Propofol 1% versus Propofol 1% com EDTA”. Neste grande estudo, considerado de fase III/IV, foram randomizados mais de 700 pacientes em diversos países. Os objetivos do estudo foram: Comparar a mortalidade nos dois grupos de tratamento no 28o dia após o início da sedação. Comparar o escore da avaliação de falência seqüencial de órgãos (SOFA) nos dois grupos de tratamento. Comparar o destino ou a localização dos pacientes de ambos os grupos no 28o dia após o início da sedação. No desenho deste estudo, todos os pacientes ficaram sedados por um período mínimo de 24 horas, intubados e submetidos à ventilação mecânica na UTI. Os dados deste estudo multicêntrico estão sendo analisados e, em breve, teremos o resultado final. Paralelamente aos ensaios clínicos, estudos laboratoriais comparando a eficácia de diferentes concentrações do EDTA, acrescidos à emulsão do propofol, demonstraram que a menor concentração do EDTA que confere o menor crescimento bacteriano é a que contém edetato dissódico a 0,005%. Denver Russel A et al, publicaram um artigo recente, intitulado “Selection of Disodium Edetate as the Optimal Antimicrobial Additive for use in Propofol Emulsion”. Neste ensaio laboratorial, foi avaliado a real capacidade da emulsão contendo o EDTA a 0,005% Tabela. 1 - Dados de Sobrevivência na UTI do Estudo 53 do propofol com e sem EDTA Tratamento (N) No 7º dia de acompanhamento No 28º dia de acompanhamento Mortes (Nº / %) Sobreviventes (%) Valor p (Nº / %) Mortes (%) Sobreviventes Valor p Propofol com EDTA (59) 0/0 100 0,006 1/2 98 0,004 Propofol sem EDTA (63) 8 / 13 87 11 / 17,5 83 5 de diminuir o crescimento bacteriano. Os autores compararam os resultados obtidos com os seguintes aditivos antimicrobianos: Sulfito de Sódio (0,1%), Metilpropilhidróxibenzoato de Sódio (0,2 e 0,02%), Cálcio Edetato de Sódio (0,1%), Metabisulfito de Sódio (0,1%) e Edetato Dissódico (0,1%). Todas as amostras foram mantidas em temperaturas entre 30o e 35o C, sendo considerado o tempo “zero” o da inoculação dos germes e do crescimento máximo após 24 horas. Os microorganismos inoculados foram Staphylococcus aureus, Candida albicans, Pseudomonas aeruginosa e Escherichia coli. Nesta série de testes, os autores concluíram que o aditivo que impediu o crescimento de todos os patógenos inoculados foi o Edetato Dissódico (0,1%). No mesmo estudo, também foi comparada a eficácia, em impedir o crescimento bacteriano, das seguintes concentrações do EDTA acrescidas ao propofol: (0,05%), (0,025%), (0,0125%), (0,005%), (0,0025%) e (0,001%). Os autores inferiram que o EDTA (0,005%) foi a menor concentração do aditivo que evitou o crescimento dos germes inoculados. Após a seleção da melhor e mais segura concentração do EDTA a ser adicionada ao propofol, procedeuse a comparação entre o crescimento de bactérias Grampositivas e Gram-negativas inoculadas, por um período de 24 horas de incubação em temperaturas de 20° a 25 °C. Os resultados foram inequívocos e apontaram um crescimento até cinco vezes maior, após 24 horas, nas amostras do propofol sem EDTA, quando comparadas com o propofol com EDTA 0,005%. Os autores também compararam o crescimento do Staphylococcus aureus, Candida albicans e Pseudomonas aeruginosa, inoculados e mantidos a temperaturas entre 20o e 25°C, em seringas de plástico de 50 ml e frascos de vidro de mesmo volume, contendo o propofol com EDTA. O crescimento foi analisado nos seguintes intervalos de tempo: T0=inoculação, T1=24 horas após, T2=48 horas após e T3= 6 dias após. Os autores não observaram diferença estatisti- camente significante quanto ao crescimento dos germes nas duas apresentações observadas. Não observouse crescimento microbiano estatisticamente significante nas amostras. Embora tais resultados nos forneçam uma margem de segurança razoável quanto ao impedimento do crescimento bacteriano conferido pela adição do EDTA (0,005%) ao propofol, recomenda-se que a solução seja trocada a cada 12 horas. Do ponto de vista prático, esta recomendação acompanha os cuidados de segurança e assepsia para a infusão de soluções parenterais em UTI. Seguindo a linha de investigação clínica, alguns trabalhos correlacionaram a influência da adição do EDTA (0,005%) ao propofol administrado a pacientes críticos e portadores de insuficiência renal crônica (IRC) e insuficiência respiratória (IR), no tocante a variação de alguns minerais (1,16,19, 27, 30 e 32). O grupo controle foi representado pelos pacientes sedados com o propofol sem o conservante. Resumidamente, pode-se depreender que não foram observadas alterações significativas e duradouras quanto aos níveis plasmáticos de cálcio, fósforo e magnésio, tanto nos pacientes com IRC quanto naqueles acometidos por IR. Estes relatos são muito importantes porque várias situações clínicas podem cursar com alterações significativas nas concentrações de cálcio, fósforo e magnésio e estes elementos têm papel de destaque em várias fases do metabolismo. O propofol 1% tornou-se uma excelente opção para sedação em diversas situações clínicas. O reconhecimento das excelentes características farmacocinéticas e farmacodinâmicas contribuíram para a crescente adoção do agente. A formulação do agente a 2% com Edetato Dissódico (0,005%) trará benefícios tanto no manuseio quanto no resultado do tratamento. Propiciará maior facilidade para equipe da UTI, mantendo a devida segurança e sem riscos adicionais. Caberá aos intensivistas adequarem os atuais esquemas e protocolos de sedação a esta nova formulação, ressaltando-se o cuidado com a administração da dose inicial, considerando-se que o dobro da dosagem 6 prescrita poderá ser administrada inadvertidamente, durante a fase que persistirem as duas apresentações, ou seja, propofol 1% e propofol 2%. Uma recomendação oportuna é a confecção de uma planilha distinta para as dosagens iniciais do propofol a 2%, seguindo a mesma linha de raciocínio anterior. Na tabela 2 segue a nossa sugestão de uma planilha de orientação inicial para as dosagens de propofol 2% com EDTA para sedação em UTI. Tabela. 2 - Diretrizes para Sedação com Propofol a 2% com EDTA Dosagem inicial = 1 a 2 mg/kg Dosagem de manutenção = 50 µg/kg/min (equivalente a) 3 mg/kg/h Solução Pura: 1 ml = 20.000 µg ou 20 mg do agente D50 = 7,50 ml/h D55 = 8,25 ml/h D60 = 9,0 ml/h D65 = 9,75 ml/h D70 = 10,50 ml/h D75 = 11,25 ml/h D80 = 12,0 ml/h D85 = 12,75 ml/h D90 = 13,50 ml/h D95 = 14,25 ml/h D100 = 15,0 ml/h tado. Pode-se considerar outras causas de agitação após a solução da questão dolorosa. As condições clínicas podem variar, desde a assistência a um paciente submetido a uma cirurgia, até a um paciente politraumatizado, com fraturas múltiplas de membros, traumatismo torácico, abdominal e outras causas. O paciente com dor pode ter comportamento diverso, dependendo do seu estado psíquico, experiências prévias ou fatores ambientais. Pode-se ter, por exemplo, um paciente submetido a uma toracotomia, submedicado com analgésicos sistêmicos e que não se queixa, mantendo-se em posição de “defesa”, ventilando superficialmente. Tal comportamento pode passar despercebido pela equipe da UTI e este paciente terá maior probabilidade de desenvolver depressão psíquica, atelectasia, acúmulo de secreções, infecção respiratória e hipoxemia. Bromage, há mais de duas décadas, já apontava o prejuízo que a analgesia inadequada pode acarretar à dinâmica respiratória (Figura 1). Observações: 1. D = peso do paciente em Kg 2. O ajuste de 10% da infusão a cada 30 ou 60 minutos poderá ser empregado como parâmetro inicial, para mais ou menos, de acordo com a resposta clínica do paciente 3. No Programa de Extubação, a infusão do propofol poderá ser diminuída progressivamente, até atingir-se sedação consciente, obtida com a metade (ou menos) das dosagens acima preconizadas 4. As dosagens acima calculadas poderão ser atingidas progressivamente, a partir da infusão inicial de 0,4 mg/kg, de acordo com a resposta clínica e o estado físico de cada paciente. Figura 1 II. VANTAGENS DA ASSOCIAÇÃO DE BLOQUEIOS REGIONAIS PARA A DIMINUIÇÃO DOS VOLUMES DE AGENTES SEDATIVOS Existem várias situações clínicas que interferem no planejamento da sedação em pacientes internados em UTI. O componente doloroso é uma delas e tem que ser considerado sempre que tivermos um paciente agi- Embora existam várias opções para o tratamento da dor, o emprego de bloqueios regionais, apesar da facilidade de realização e de poder facilitar a realização de um grande número de procedimentos, tem sido pouco utilizado em UTI, deixando de beneficiar um grande número de pacientes. O emprego de bloqueios regionais, associados a 7 antiinflamatórios e/ou opióides potentes compõem a analgesia multimodal (Figura 2). Figura 2 - Esquema de Analgesia Multimodal Sinteticamente, pode-se enumerar os diferentes tipos de bloqueios regionais da seguinte forma: • Bloqueios realizados na cabeça; • Bloqueios de membros superiores; • Bloqueios de membros inferiores; • Bloqueio “3 em 1”; • Bloqueio dos nervos ílio-inguinal e ílio-hipogástrico; • Bloqueio dos nervos penianos; • Bloqueios terapêuticos do sistema nervoso simpático; • Bloqueio dos nervos intercostais. Para a realização dos diversos tipos de bloqueios regionais, é imprescindível o conhecimento das relações anatômicas das diversas regiões do corpo humano, como a localização dos nervos, plexos, raízes nervosas e suas respectivas áreas inervadas. Estas condições prévias, aliadas a habilidade técnica, a dosagem adequada e as possíveis interações dos agentes anestésicos locais com o esquema terapêutico, são fatores igualmente desejáveis. Não é nosso objetivo, neste presente trabalho, detalhar e discutir os diversos tipos de bloqueios regionais. No entanto, alguns exemplos podem ser lembrados e poderão ser bastante úteis. Um dos procedimentos realizados com freqüência em pacientes internados em UTI é a drenagem de tórax. Em algumas situações, estes atos são realizados na própria unidade e sob anestesia local. Nestes casos, observa-se o emprego de uma quantidade de anestésico local considerável, fato este que não impede o desconforto do paciente. Em contrapartida, o conhecimento da técnica de bloqueio intercostal por punção única, que pode ser realizado com o paciente em decúbito lateral, com o hemitórax a ser bloqueado para cima, permite obter analgesia, tanto para a realização da drenagem, quanto para os exercícios de fisioterapia nas horas seguintes. Utilizando-se outras técnicas, pode-se tratar pacientes com fraturas ou luxações de membros superiores com a realização de bloqueios do plexo cervical, braquial ou bloqueios tronculares dos nervos do braço e da mão. Outro exemplo importante é a necessidade da tração dos membros inferiores, devido à fratura de fêmur ou a imobilização dos ossos da perna. Nestes casos, embora a indicação da cirurgia para a correção da fratura seja precoce, a condição clínica do paciente pode protelar a sua realização. Nos pacientes politraumatizados e portadores de lesões nos diversos segmentos dos membros inferiores, pode-se realizar bloqueios diferenciados, visando a analgesia segmentar, sem prejuízo da mobilidade dos mesmos. Pode-se realizar os seguintes bloqueios nervosos nos membros inferiores: nervo ciático, femoral, obturatório, cutâneo lateral da coxa, tibial, sural e fibular comum. Todos são de fácil realização e não demandam mobilização do paciente. As lesões de face e do couro cabeludo são bastante freqüentes, especialmente em pacientes envolvidos em acidentes automobilísticos. A sutura destas lesões, assim como a estabilização de fraturas nasais, maxilares e mandibulares, pode ser necessária no ambiente da UTI. A infiltração de grandes volumes de anestésicos locais no polo cefálico pode desencadear sérias reações adversas, devido ao fato desta região ser muito vascularizada, o que promove rápida absorção dos anestésicos locais. A inervação sensitiva e motora da face, dentes e couro cabeludo, provêm dos ramos do nervo trigêmeo, 8 que é o maior nervo do crânio. Este nervo emerge da ponte, onde se originam primariamente um ramo sensitivo maior e outro motor de menor diâmetro. O ramo sensitivo, a partir do gânglio de Gasser, se ramifica em três ramos em cada hemiface que são: nervo oftálmico, maxilar e mandibular. O conhecimento do trajeto anatômico e a distribuição das respectivas áreas de inervação de cada um destes nervos, pode propiciar a realização de bloqueios bastante eficientes, com baixas dosagens de anestésicos locais. Os nervos que compõem os pares cranianos estão listados na tabela 3. o paciente acordado. Nestes casos, o emprego do algoritmo da via aérea difícil pode ser muito útil (Figura 3). Tabela 3 - Pares cranianos Pares cranianos Nome do nervo I Oftálmico II Óptico III Oculomotor IV Troclear Figura 3 - Algoritmo da via aérea difícil O conhecimento da inervação das vias aéreas pode auxiliar o intensivista na prevenção e/ou no tratamento de possíveis complicações. As principais estruturas e suas respectivas inervações, estão listadas na tabela 4. V Trigêmeo VI Abducente VII Facial VIII Vestíbulo-coclear IX Glossofaríngeo X Vago Estrutura Nervo XI Acessório Nariz Trigêmeo XII Hipoglosso Língua (anterior) Lingual Um dos procedimentos mais realizados na UTI é a intubação orotraqueal (IOT). De acordo com o que discutimos nos módulos anteriores, o preparo ideal para se proceder a IOT deve incluir o componente hipnótico, analgésico e o relaxante neuromuscular. No entanto, em algumas circunstâncias, este preparo pode estar prejudicado, devido ao estado clínico do paciente ou quando houver a indicação de intubar Tabela 4 - Inervação dos segmentos Superiores das Vias Aéreas Língua (posterior) Glossofaríngeo Faringe Glossofaríngeo e Vago Laringe superior Laríngeo Superior Cordas Vocais Laríngeo recorrente Traquéia Vago A anestesia tópica e a realização de bloqueios são métodos complementares para o preparo da IOT com o paciente acordado. 9 A cocaína, embora promova uma excelente anestesia tópica, teve o seu uso proibido devido ao emprego ilícito deste agente. A anestesia tópica em nosso meio é realizada com Spray de lidocaína a 4%. A realização dos bloqueios pode ser feita através da injeção de lidocaína a 2%, sem vasoconstritor, sobre o nervo laríngeo superior. Outra técnica que pode ser realizada é a transtraqueal. A técnica transtraqueal é bastante simples e consiste em injetar o anestésico local, sem vasoconstritor, através de uma punção transtraqueal com agulha fina (30 x 7), através da cartilagem cricóide. Para facilitar o procedimento, pede-se ao paciente que inspire profundamente, imediatamente antes da injeção do anestésico local. A tosse que ocorre logo após a injeção do agente, promove a dispersão do agente e anestesia subsequente. A busca de agentes e métodos que propiciem sedação e analgesia eficientes e com a máxima segurança possível, tem sido o objetivo constante de todos os profissionais envolvidos. O crescente emprego da anestesia local e regional, associados à sedação ou anestesia geral, tem propiciado maior conforto aos pacientes, menor uso de agentes sedativos e anestésicos gerais e contribuído para um menor estresse endócrino-metabólico nos pacientes submetidos a diversos tipos de cirurgias. No ambiente de UTI, tais conquistas também têm sido observadas, embora em menor intensidade. Considerando-se que uma grande parte dos avanços obtidos, no tocante à sedação e analgesia, tiveram uma contribuição substancial dos anestesiologistas, a partir de suas experiências no centro cirúrgico, pode-se inferir que este benefício também será compartilhado. Os avanços em pesquisa de um agente anestésico local que possua menor toxicidade remontam muitas décadas. Atualmente, os principais agentes anestésicos locais, empregados em nosso meio pertencem ao grupo amida. Seus principais representantes são a lidocaína, a bupivacaína e a ropivacaína. A lidocaína, que tem ação mais curta, é o agente mais empregado devido à sua versatilidade de poder ser utilizado também como anti-arrítmico. No entanto, os seus efeitos tóxicos, tanto ao sistema cardio- vascular, quanto ao sistema nervoso central, são bastante conhecidos e temidos por todos nós. A bupivacaína é um agente que tem duração mais prolongada e tem sido empregado em um grande número de procedimentos, onde está indicada a anestesia condutiva (raqui ou peridural), bloqueios regionais ou infiltração da ferida cirúrgica. No entanto, vários trabalhos têm sido publicados, relatando complicações sérias envolvendo técnicas anestésicas utilizando este agente. Infelizmente, têm sido relatados casos fatais. Sabe-se que a bupivacaína tem um potencial efeito depressor sobre os tecidos de condução do miocárdio. Desta maneira, o efeito tóxico pode se tornar latente durante todo o período da cirurgia e se manifestar no período de recuperação pós-anestésica, no centro cirúrgico ou na UTI. Embora tais efeitos depressores estejam relacionados à sensibilidade individual, a dosagem administrada tem sido considerada a principal causa das complicações. Tendo em vista a possibilidade de reações adversas sérias, a busca de um anestésico local com duração e latência semelhantes à bupivacaína e com menor toxicidade, culminou na descoberta da ropivacaína. A ropivacaína, que guarda semelhança quanto à latência e duração do efeito com a bupivacaína, possui toxicidade cardiovascular 30% menor, com dosagens equipotentes. Seguindo a mesma tendência, a neurotoxicidade atribuível à ropivacaína, se manifesta com concentrações plasmáticas 50% superiores, quando comparadas com a bupivacaína. Tais atributos têm tornado este novo anestésico local o agente de escolha em inúmeros procedimentos, em regime ambulatorial ou nos pacientes internados. A disponibilidade de apresentações adequadas para diversos procedimentos, tais como: analgesia de parto, cirurgias ginecológicas, cirurgias oftalmológicas, cirurgias ortopédicas, cirurgias plásticas, cirurgias vasculares e infiltração de feridas operatórias têm propiciado resultados bastante promissores. Pode-se inferir que, um agente anestésico que tem proporcionado anestesia e analgesia com qualidade e conferido maior segurança aos pacientes cirúrgicos, também poderá contribuir para a recuperação dos pacientes atendidos nas Unidades de Terapia Intensiva. 10 III. CONSENSO DA AMIB PARA SEDAÇÃO Conforme já discutimos nos módulos anteriores, o uso dos sedativos e analgésicos potentes é comum em pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI). A falta de padronização permitiu que diversos esquemas fossem aplicados, com resultados nem sempre satisfatórios. O aparecimento das novas opções terapêuticas ampliou o leque de possibilidades, tanto para uso isolado quanto para associações dos agentes. Tornou-se necessário o estabelecimento de diretrizes básicas para orientação dos profissionais envolvidos com o tratamento dos pacientes graves. Em 1999, a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) divulgou um consenso sobre “Analgesia, Sedação e Bloqueio Neuromuscular em Terapia Intensiva”. Para a elaboração do consenso, foram reunidos profissionais das diversas regiões do Brasil sob a cordenação do Dr. José Luiz Gomes do Amaral. O material resultante deste trabalho encontra-se disponível na página da AMIB (www.amib.com.br). Os participantes pesquisaram e discutiram informações teóricas disponíveis na literatura nacional e internacional. Da análise preliminar, formularam proposições e afirmações, que foram classificadas, conforme publicações científicas e grau de experiência no uso clínico no Brasil, nos seguintes quatro grupos abaixo: 1. Nível IA Intervenções ou fármacos recomendados a partir das evidências científicas disponíveis e suficiente experiência clínica no Brasil. Quadros com as Proposições do Consenso da AMIB: Nível IA Intervenções ou fármacos recomendados a partir das evidências científicas disponíveis e suficiente experiência clínica no Brasil. 1. A humanização é fundamental em Medicina Intensiva. 2. Atenção individualizada, informação, empatia, controle dos níveis de luminosidade, ruído e temperatura ambiente e a presença de familiares são essenciais na condução do Tratamento Intensivo. 3. A depressão respiratória associada ao uso de analgésicos, sedativos, bloqueadores neuromusculares exige vigilância e monitorização contínua da ventilação/oxigenação, presença física de pessoal habilitado e disponibilidade de recursos para controle das vias aéreas e ventilação artificial. 4. A avaliação periódica da intensidade ou qualidade da analgesia, sedação e bloqueio neuromuscular deve ser incorporada à rotina da monitorização clínica em Terapia Intensiva. 5. Quando possível, o bloqueio neuromuscular deve ser retirado no mínimo uma vez ao dia para avaliar o nível de sedação/analgesia, a função neurológica e determinar a necessidade de continuar o bloqueio. 6. É fundamental assegurar analgesia suficiente, antes e durante a sedação, e prover hipnose, antes e durante o bloqueio neuromuscular. 7. Quando a analgesia sistêmica é considerada no tratamento da dor aguda intensa do paciente grave, a morfina e a fentanila são os agentes de escolha. A fentanila é preferencialmente indicada em instabilidade hemodinâmica e outras situações onde a potencial liberação de histamina associada àquela pode representar inconveniente de expressão clínica. 8. Em pós-operatório de pediatria, a codeína é comumente utilizada, particularmente em combinação com acetaminofen. 9. Para sedação contínua de curta duração recomenda-se o midazolam e o propofol. 10. O haloperidol (isoladamente ou associado aos diazepínicos) é recomendado para o tratamento do delírio e da agitação em pacientes graves submetidos a tratamento intensivo. 11. O pancurônio é o agente de escolha em bloqueio neuromuscular prolongado em Terapia Intensiva. Os limitantes mais comuns à sua utilização vêm a ser aumento da freqüência cardíaca e, na presença de insuficência renal, efeito cumulativo. 12. O rocurônio por suas características farmacocinéticas e farmacodinâmicas, pode ser utilizado para otimização das condições de intubação. 11 2. Nível IB Intervenções ou fármacos recomendados a partir das evidências científicas disponíveis, porém insuficiente experiência clínica no Brasil. Nível IB Intervenções ou fármacos recomendados a partir das evidências científicas disponíveis, porém insuficiente experiência clínica no Brasil. 1. Em pacientes graves submetidos à administração contínua de bloqueadores neuromusculares, recomenda-se a monitorização através da resposta à estimulação de nervo periférico. 2. Tramadol é indicado no tratamento de dor aguda de intensidade moderada. 3. Para sedação contínua de longa duração propõe-se o lorazepam. 4. O vecurônio, isento de significante atividade parassimpatolítica ou simpaticomimética, rocurônio e atracúrio, eliminado independentemente de função renal ou hepática, são agentes usados em bloqueio neuromuscular prolongado em Terapia Intensiva. 3. Nível II Opções justificadas a partir das informações científicas disponíveis. Nível II Opções justificadas a partir das informações científicas disponíveis. 1. Opióides menos potentes como buprenorfina e nalbufina são opções justificadas no tratamento de dor aguda de intensidade moderada. 2. Diazepam, midazolam e propofol podem ser usados para sedação prolongada. 4. Nível III Alternativas não recomendadas para uso rotineiro em Terapia Intensiva. As Proposições do “Consenso da AMIB” estão reunidas, conforme o nível de classificação, nos quadros abaixo. Além de analisar e discutir as proposições cita- das, o material do consenso da AMIB contém os seguintes tópicos: Nível III Alternativas não recomendadas para uso rotineiro em Terapia Intensiva. 1. Face ao potencial de toxicidade, a meperidina não é recomendada para uso prolongado em pacientes graves. 2. Considerados a baixa potência e os efeitos colaterais, os analgésicos antiinflamatórios não-hormonais (AINE) não são indicados rotineiramente no tratamento prolongado de dor aguda (intensa) em pacientes graves em Terapia Intensiva. • Introdução (reproduzida na íntegra): “As recomendações da AMIB sobre Analgesia, Sedação e Bloqueio Neuromuscular em Terapia Intensiva baseiam-se nas evidências científicas disponíveis, analisadas à luz da experiência de intensivistas representativos de diversas regiões do país. Considerando o amplo espectro de condições clínicas encontradas em Medicina Intensiva, bem como os aspectos econômicos envolvidos no tratamento, as decisões são necessariamente individualizadas pelo médico responsável”. • Método É apresentado o método de classificação dos diferentes procedimentos e agentes farmacológicos, destinados a prover analgesia, sedação e bloqueio neuromuscular, em três níveis. • Humanização São estimuladas as medidas destinadas a humanizar o tratamento e que possam substituir com vantagem intervenções de caráter farmacológico. • Precauções Ressaltam-se os diversos efeitos indesejáveis atribuídos a analgesia, sedação e bloqueio neuromuscular que são extensivamente discutidos ao longo do texto. • Conceitos (reproduzidos na íntegra): o Dor é definida como experiência desagradável, de caráter sensorial ou emocional, associada a (ou des- 12 crita como) lesão tecidual real ou potencial (Sociedade Internacional para o Estudo da Dor). o Analgesia se refere à ausência ou supressão da dor. o Sedação exprime amplo espectro de condições, desde o estado vigil, orientado e tranqüilo, à hipnose, depressão do comando neural da ventilação e redução do metabolismo. o Bloqueio neuromuscular indica abolição ou redução da atividade dos músculos esqueléticos através da interrupção total ou parcial da transmissão entre a terminação nervosa e a placa motora. • Monitorização São apresentados os métodos, escalas e/ou equipamentos utilizados para quantificação e acompanhamento da resposta clínica ao tratamento: o Analgesia. o Sedação. o Bloqueio Neuromuscular. • Técnicas São apresentadas e discutidas as diferentes técnicas de analgesia e bloqueio. • Agentes Relação de diversos agentes, divididos conforme o grupo farmacológico, que contém o nome farmacológico, nome comercial, apresentação, farmacocinética, posologia e observações. IV. CURSO DE RECICLAGEM “SEDAÇÃO EM TERAPIA INTENSIVA” Nos cinco módulos do “Curso de Reciclagem” os autores procuraram discutir com maiores detalhes a sedação em terapia intensiva a partir das proposições do “Consenso da AMIB para Sedação”. Diferentes métodos, técnicas e drogas são freqüentemente apresentados o que torna a atualização difícil e complexa. Embora a diversidade de opções seja desejável e possa ampliar as possibilidades para o uso clínico, este fato pode tornar o tema confuso para os profissionais que não estão diretamente envolvidos. O Curso de Reciclagem foi montado com os objetivos de analisar aspectos específicos da sedação em UTI e sugerir soluções práticas para as dúvidas e dificuldades comumente observadas na rotina diária. Desta forma, pode-se enumerar os tópicos principais discutidos em cada módulo: • Módulo I o Conceitos. o Aspectos não-medicamentosos. o Exame clínico pré-sedação. o Método para escolha do esquema de sedação (fluxograma). o Despertar da sedação. • Módulo II Os grupos farmacológicos foram apresentados e discutidas a farmacocinética, farmacodinâmica, interações medicamentosas e a farmacologia dos diversos agentes. As características do “agente ideal” foram traçadas. • Módulo III Foram determinadas as diretrizes para as diferentes etapas da sedação: o Início. o Manutenção. o Despertar – Extubação. o Transporte de pacientes sedados. o Antagonistas e tratamento das intercorrências. Exemplos de diferentes esquemas de sedação foram apresentados. • Módulo IV o Respostas e Comentários dos Casos Clínicos do Módulo - III. o Redução de volumes de infusão de agentes sedativos em situações clínicas especiais. o Fluxograma para a escolha das dosagens do propofol a 2% em situações clínicas especiais. • Módulo V o Consenso AMIB para sedação. 13 o Vantagens da adição do EDTA à solução de propofol a 2%. o Vantagens da associação de bloqueios regionais e diminuição dos volumes de agentes sedativos. Os autores esperam ter contribuído no esclarecimento de conceitos, técnicas e aplicações dos sedativos em UTI, principalmente através da sugestão de rotinas e soluções para uso prático. Ressaltam que o objetivo final é o conforto e bemestar do paciente, o que poderá ser alcançado através de diferentes caminhos, e que esta coleção fomente novas e freqüentes discussões sobre o tema. Os autores agradecem o apoio da empresa AstraZeneca na elaboração, produção e distribuição desta coleção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS – MÓDULO V 1. Abraham E, et al. Effects of Propofol containing EDTA on mineral metabolism in medical ICU patients with pulmonary dysfunction. Intensive Care Med 2000; 26 Suppl 4: S422-32. 2. Aitkenhed AR, et al. Comparison of propofol and midazolam for sedation in critically ill patients. Lancet 1989; 2 (8665) : 704-9. 3. Albanese J, et al. Pharmacokinetics of long-term propofol infusion used for sedation in ICU patients. Anesthesiology 1990;73(2):214-7. 4. Amaral JLG. Sedação, Analgesia e Bloqueio Neuromuscular em UTI. Associação de Medicina Intensiva Brasileira: Ano 1, vol. 2, cap. 9; 241-255 Editora Atheneu, 1996. 5. Bach A, et al. In-use contamination of propofol. A clinical study. Eur J Anaesthesiol 1997; Mar 14 (2) : 178-83. 6. Barr J, et al. Cation metabolism during propofol sedation with and without EDTA in patients with impaired renal function. 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