análise de conjuntura temas de economia aplicada
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análise de conjuntura temas de economia aplicada
Nº 348 Setembro / 2009 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS issn 1234-5678 análise de conjuntura Antonio Carlos Lima Nogueira mostra que o desempenho da renda agrícola em 2009 foi afetado positivamente pelas culturas produzidas para o mercado interno e negativamente pelas culturas de exportação. Manuel Enriquez Garcia discute os resultados, publicados recentemente pelo IBGE, de produção, emprego e salário do segundo trimestre da economia brasileira. temas de economia aplicada Otaviano Canuto faz uma análise da hipótese de descasamento entre as taxas de crescimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Raphael dos Santos Veloso Martins e Gilberto Tadeu Lima iniciam série de artigos apresentando revisão da literatura e novas especificações para o canal de custos da transmissão monetária. Iraci Del Nero da Costa pondera sobre os desdobramentos no cenário político nacional do alargamento e da mudança nas práticas assistencialistas do governo federal. Julio Lucchesi Moraes apresenta, em primeiro artigo da série, os posicionamentos gerais da pesquisa sobre economia da cultura. Clara S. N. da Rocha discute a eficiência de uma regulação prudencial focada em aumentar os coeficientes de capital a fim de conter riscos de crédito e de mercado. Nº 348 SETEMBRO DE 2009 INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO issn 1234-5678 ANÁLISE DE CONJUNTURA agricultura ........................................................................................................................ 3 CONSELHO CURADOR Hélio Nogueira da Cruz (Presidente) Andrea Sandro Calabi Juarez B. Rizzieri Joaquim José Martins Guilhoto Ricardo Abramovay Simão Davi Silber Vera Lucia Fava Antonio Carlos Lima Nogueira emprego, salário e taxa de ocupação ........................................................................... 5 Manuel Enriquez Garcia DIRETORIA DIRETOR PRESIDENTE Carlos Antonio Luque TEMAS DE ECONOMIA APLICADA 7 ......................................................... decoupling, reverse coupling and all that jazz DIRETOR DE PESQUISA Eduardo Haddad Otaviano Canuto 12 ................ canal de custos da transmissão monetária: uma discussão preliminar Raphael dos Santos Veloso Martins, Gilberto Tadeu Lima DIRETOR DE CURSOS Cicely M. Amaral 14 .... das bravatas ao assistencialismo governamental: o Brasil mudou para pior? Iraci del Nero da Costa PÓS-GRADUAÇÃO Dante Mendes Aldrighi 16 ...................................................................... economia da cultura: lacuna ou apatia? Julio Lucchesi Moraes SECRETARIA EXECUTIVA 19 ......................... contenção de risco sistêmico através de elevação de coeficientes de capital: uma análise crítica Domingos Pimentel Bortoletto Clara S. N. da Rocha PReparação de originais e revisão Alina Gasparello de Araujo EDITOR CHEFE Gilberto Tadeu Lima CONSELHO EDITORIAL Heron Carlos E. do Carmo Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE ASSISTENTE Maria de Jesus Soares PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO Sandra Vilas Boas análise de conjuntura Antonio Carlos Lima Nogueira (*) agricultura: a renda agrícola em 2009 As condições climáticas adversas foram determinantes para a redução no valor da produção neste ano. Conforme a Assessoria de Gestão Estratégica, responsável pelo estudo, os relatórios da Conab e do IBGE mostram que a atual safra de grãos no Brasil foi marcada por estiagens ocorridas durante o plantio da safra de verão e excesso de chuvas e ocorrência de geadas que afetaram principalmente as lavouras de inverno. Outro fator relevante foi a redução de preços de alguns dos principais produtos colhidos no País. Apesar de os preços do arroz, batata-inglesa, cacau, cana-de-açúcar, fumo em folha, mandioca, soja e uva estarem acima da média obtida no ano passado, esse comportamento foi insuficiente para evitar um menor valor da produção em 2009. Isso ocorreu porque têm sido elevadas as quedas de preços em alguns produtos, como milho (-17,9%) e trigo (-15,8%), importantes na formação do valor da produção. Como apontado em análises de meses anteriores, as maiores quedas reais no valor da produção ocorrem no milho (-30%), algodão (-29,5%), feijão (-25,2%), trigo (-18,9%), cebola (-18,7%) e café em grão (-15,1%). Quanto aos produtos de melhor desempenho, o destaque vai para arroz, batata-inglesa, cacau, cana-de-açúcar, mandioca e uva. setembro de 2009 O Ministério da Agricultura e Abastecimento divulgou neste mês de setembro a estimativa de R$ 153,4 bilhões para o Valor Bruto da Produção (VBP) neste ano, 4,1% inferior ao obtido em 2008, em termos reais. O indicador foi obtido com o cruzamento dos dados mais recentes de safra do IBGE e os preços recebidos pelos produtores, apurados pela Fundação Getúlio Vargas até julho. Ainda que possa ser considerada uma variação percentual pouco significativa, a análise por cultura revela desempenhos muito díspares, com quedas expressivas em culturas com participações relevantes no total da renda agrícola. Neste artigo são analisados os desempenhos das principais culturas e regiões produtoras que levaram a esse resultado. O milho, produto que ocupa a terceira posição em valor de produção, com R$ 16,48 milhões, apresentou o pior desempenho, com queda de 30,3%. O impacto foi significativo por ser uma cultura presente em todos os Estados. Conforme citado, o café apresentou uma redução de 15,1%, atingindo um valor de produção de R$ 10,4 bilhões, o que o coloca na quarta posição em participação do valor de produção. O algodão também se destaca pelo desempenho negativo, com queda de 3 29,5%, atingindo o valor de 2,9 bilhões. Na mesma situação encontra-se a cultura da laranja, com queda de 4,0% no valor de produção, chegando ao patamar de R$ 8,5 bilhões. Cabe destacar que o Brasil ocupa posição de destaque nos mercados internacionais desses produtos que apresentaram queda no valor de produção. Assim, revela-se um claro efeito da crise econômica global sobre esses mercados, principalmente com queda na demanda e consequente depreciação nos preços. No caso da soja, a queda no valor da produção foi de 1,7%, atingindo o nível de R$ 42,7 bilhões. Por ocupar a primeira posição em participação no valor total da produção em 2009, com 27%, esse desempenho amorsetembro de 2009 teceu o impacto na renda agrícola global, em vista das expressivas quedas nos principais produtos do agronegócio brasileiro. Desta forma, ela representa uma exceção no comportamento do valor dos produtos de exportação, principalmente pelo comportamento da China, que manteve o ritmo de compras do produto brasileiro, o que tem contribuído para a sustentação dos preços internacionais. Alguns produtos, no entanto, conseguiram escapar da tendência de queda de preços e vão trazer mais receitas neste ano, devido a aumento de produção e a preços melhores. Um desses destaques é a cana-deaçúcar. Com um valor total de produção de R$ 24,5 bilhões neste ano, o setor supera em 18% o de 2008. A tonelada foi negociada a R$ 35,50 de janeiro a julho deste ano, 12% a mais do que em 2008. No País, produtores de cana tiveram a renda média sustentada. No grupo de produtos que tiveram desempenho positivo no valor de produção, o arroz aparece com um crescimento de 11%, chegando a R$ 8,8 bilhões em 2009, posicionando-se em quinto lugar de participação no total. Por ser um produto relevante para o mercado doméstico, esse desempenho apresenta um fator positivo de incentivar a continuidade ou Os resultados para os produtores apresentam grande disparidade entre as regiões. Salvos pelo bom desempenho nos preços do arroz e da mandioca, os produtores da região Norte foram os únicos que tiveram recuperação de renda neste ano em relação a 2008, com ganho de 10,6%. As demais regiões perderam: Centro-Oeste (menos 8,8%), Sul (8,2%), Sudeste (5,5%) e Nordeste (1,8%). Os piores cenários ocorrem nas regiões Centro-Oeste e Sul. Por exemplo, os produtores paranaenses enfrentaram as maiores quedas no valor da produção. Além da queda de 16% nos preços do milho neste ano, o Estado fecha a safra 2008/2009 desse grão com baixa de 28% no volume produzido. Afetado ainda pela queda de 14% nos preços do trigo, o Estado, um dos líderes de produção de grãos do País, teve redução média de 17% no valor total da produção, que caiu para R$ 17,9 bilhões. Entretanto, não foi apenas o milho que derrubou as receitas dos produtores neste ano em relação a 2008. Café, algodão e soja também estiveram na lista, o que levou Estados como Mato Grosso (11%), Mato Grosso do Sul (23%) e Minas Gerais (11%) a figurar também entre os que mais tiveram redução no valor total da produção neste ano. Em São Paulo, a cana representa 51% do valor da produção, considerando os 20 itens acompanhados. O valor de produção do Estado recuou apenas 2,9%. Em resumo, quanto ao desempenho da renda agrícola em 2009, observa-se um movimento de perdas consideráveis para produtores envolvidos com produtos de exportação, com exceção da soja, o que acabou amenizando o resultado agregado para a renda do setor. Por outro lado, os produtos voltados para o mercado local apresentaram desempenho positivo, o que tem efeitos benéficos para a capitalização dos produtores e garante a manutenção ou ampliação dessas culturas para a próxima safra. Cabe destacar, ainda, o forte impacto das condições climáticas para o agronegócio brasileiro, o que pode levar à reflexão sobre as já bastante conhecidas deficiências nas áreas de irrigação, que poderia minimizar a incerteza em relação ao clima, assim como a necessidade de disseminação do seguro agrícola, como forma de distribuir os riscos entre os agentes das cadeias produtivas. aumento de plantio na próxima safra, com potenciais efeitos benéficos para a inflação futura, ao reforçar a oferta interna. 4 (*) Mestre em Administração pela FEA-USP. (E-mail: [email protected]). Manuel Enriquez Garcia (*) emprego, salário e taxa de ocupação Deve-se assinalar que, na comparação com igual trimestre de 2008, o PIB apresentou recuo de 1,2%, devido principalmente ao incremento negativo registrado na indústria, de 7,9%, e na agropecuária, que amargou redução de 4,2%. Nesse mesmo período de comparação e, pelo lado da oferta, apenas o setor serviços apresentou crescimento positivo, de 2,4%. Segundo o IBGE, a queda observada no setor da agropecuária pode ser explicada pela queda na produção, notadamente de soja, milho e café. Os segmentos de pecuária, silvicultura e a exploração florestal também registraram fraco desempenho no segundo trimestre de 2009. Na indústria, todas as atividades apresentaram taxas negativas, salientando-se o recuo da indústria de transformação, de 10%, devido à forte queda na demanda de máquinas e equipamentos, metalurgia, peças e acessórios para veículos, mobiliário, vestuário e calçados. Observaram-se também recuos na construção civil (9,5%), em eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza pública (4,0%) e na extrativa mineral, com destaque para minérios ferrosos, com queda de 27,5%. O crescimento observado no setor serviços (2,4%) foi alavancado pelas variações positivas nos segmentos da intermediação financeira e seguros (8,2%), outros serviços (7,3%) e serviços de informação (6,8%). Sob a ótica da demanda e ainda na comparação do segundo trimestre de 2009 com igual trimestre de 2008, verificou-se um forte crescimento das despesas de consumo das famílias, com incremento positivo de 3,2%. Segundo o IBGE esse foi o 23º crescimento consecutivo nessa base de comparação. O aumento da massa salarial em termos reais de 3,3%, no segundo trimestre de 2009, contribuiu para manter aquecida a demanda, principalmente a de bens de consumo duráveis. Já as despesas de consumo da administração pública cresceram 2,2%, as exportações retraíram-se 11,4%, e as importações 16,5%. A pior notícia divulgada refere-se à formação bruta de capital fixo, o investimento, que se retraiu 17% em igual período de comparação. setembro de 2009 Recentemente o IBGE divulgou os dados do PIB - Produto Interno Bruto, referentes ao segundo trimestre de 2009 e houve a confirmação de que a economia brasileira saiu da recessão. As informações apontam, pelo lado da oferta global, e na comparação com o primeiro trimestre de 2009, que a produção nacional, em termos reais, registrou um incremento de 1,9%, devido principalmente ao aumento observado na indústria (2,1%), seguida pelo setor serviços (1,2%), enquanto o setor agropecuário apresentou um ligeiro recuo de 0,1%. Já pelo lado da demanda, as informações coletadas pelo IBGE dão conta de que as despesas de consumo das famílias registraram forte crescimento, de 2,1%, ajudando sobremaneira no combate aos efeitos nocivos da crise financeira mundial. Já as despesas de consumo da administração pública registraram variação negativa de 0,1%, enquanto em igual período de comparação, a formação bruta de capital fixo, o investimento, permaneceu estável; as exportações de bens e serviços e as importações apresentaram incrementos positivos, respectivamente de 14,1% e 1,5%. Quanto à Produção Industrial, o IBGE, por meio da Pesquisa Industrial Mensal, informa que a produção industrial registrou, em julho de 2009, incremento positivo de 2,2%% em face do mês anterior, descontadas as influências sazonais. Deve se registrar que essa foi a sétima expansão positiva nessa mesma comparação, conseguindo-se, desse modo, uma expansão de 7,8% nos cinco primeiros meses de 2009. Conforme o Instituto, em comparação com julho de 2008 a produção industrial experimenta um recuo de 9,9%, refletindo o comportamento negativo observado em 23 das 27 atividades pesquisadas. Dentre essas 23 atividades, as que registraram recuos mais fortes na produção física foram: veículos automotores, com incremento 5 negativo de 21,5%; máquinas e equipamentos (20,2%); metalurgia básica, com recuo de 19,2% e material elétrico e de comunicações com variação negativa de 28,1%. Já dentre as quatro atividades que apresentaram crescimento no produto industrial, destacou-se a farmacêutica, com elevação de 8,6%. setembro de 2009 Por sua vez, dentre as categorias de uso, e na comparação com julho de 2008, o segmento de bens de capital registrou recuo de 23,9%, devido às reduções observadas em todos os segmentos, com destaque Como se pode notar, os dados publicados pelo IBGE até este momento apontam para o fim do processo recessivo e para a retomada do nível de atividade industrial e do emprego na economia brasileira. A retomada do nível de emprego, todavia, deverá ser mais lenta do que a da produção física, devido ao fato de que as empresas no período agudo da crise financeira “enxugaram” seu quadro de pessoal, buscando a própria sobrevivência, e na saída da crise estão com novas estruturas de produção, que passarão a exigir menor número de trabalhadores. para bens de capital para transporte, com queda de 19,1%, pressionado principalmente pela menor fabricação de caminhões. Por sua vez, a produção de bens de consumo duráveis registrou queda de 6,7% em relação a julho de 2008, influenciada positivamente pela “linha branca” que cresceu 38,2%, uma vez que a “linha marrom” apresentou queda de 26,2%. O IBGE, em outra pesquisa, a Pesquisa Mensal de Emprego e Salário, registra que a taxa de desocupação em julho de 2009 foi de 8,1%, estável em relação ao mês imediatamente anterior e, também, em relação a igual mês de 2008. Os dados do IBGE registram também que o contingente de pessoas ocupadas, estimado em 21,3 milhões em julho de 2009, para o total das seis regiões metropolitanas, apresentou crescimento em relação a junho de 2009 (0,9%) e de 1,1% em face de igual mês de 2008. O número de trabalhadores com carteira assinada (9,6 milhões) cresceu 1,5% em relação a junho de 2009 e 4,2% em relação a igual mês de 2008. Quanto ao rendimento médio real habitualmente recebido pelos trabalhadores, relata o IBGE que em julho de 2009, para o agregado das seis regiões metropolitanas, o valor foi estimado em R$1.323,30 (um mil trezentos e vinte e três reais e setenta centavos), registrando um incremento positivo de 0,5% em relação a junho de 2009 e alta de 3,4% em relação a igual mês de 2008. (*) Professor da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 17 e 18/09/2009. 6 temas de economia aplicada Otaviano Canuto (*) decoupling, reverse coupling1 and all that jazz In PREM Note 141 released last week, Milan Brahmbhatt and Luiz Pereira da Silva point to several structural differences between the global economy today and in the 1930s that tend to differentiate the current crisis from the Great Depression. The larger weight of faster-growing developing countries in the current world economy is among those differences, one that bodes well for recovery prospects. 2 chart 1 – world output growth 1961-2011 (% change) early 2000s, this has been combined with systematically higher growth rates in developing relative to developed economies. As the authors remark, “there has been no decoupling in the cyclical component of developing country growth”, while “there has arguably been a decoupling in underlying trend rates of growth” (p. 2). A similar pattern remains even if China and India are taken out of the picture. setembro de 2009 As can be seen in Chart 1, there has long been a close correlation between economic cycles in developed and developing economies. More recently, since the Source: PREM Note 141, p. 3. 7 setembro de 2009 So much for the heated debate sparked when – in the late phase of the global financial “bubble” - some analysts announced a “decoupling” of emerging markets, to be just as promptly followed by those referring to a “reverse coupling”, when so-called “sub-merging markets” seemed to be dragging developed countries even lower, during the throes of the financial crisis! More recently, though, many emerging markets have been recovering faster than developed countries while also maintaining the positive growth premium that emerged earlier in the decade. The latest World Bank projections, for example, are for developing countries as a whole to grow by 1.2 percent in 2009, while GDP in developed countries is forecast to decrease by 4.2 percent. In fact, the true question is two-fold: a. How really autonomous (sustainable) is the “trend decoupling”; and b. To what extent can “trend decoupling” provide a positive boost or “reverse coupling” for developed countries, particularly since many analysts expect the crisis to leave developed economies with a legacy of significantly lower growth in the near future. chart 2 – potencial output Source: PIMCO. 8 Several factors could lead to a reduction of both actual and potential growth in developed countries in the next few years. On the demand side, it is still an open bet whether the promptness and strength of recovery in private absorption (consumption and investment) will be sufficient to render unnecessary the current “life support” provided by stimulative monetary and fiscal policies, before the capacity for such stimulus is exhausted. Brahmbhatt and Pereira da Silva (2009) note how the combination of a credit crunch with busts in the housing and equity markets, corporate deleveraging of portfolios and rebuilding of net worth by households all make a vibrant recovery in private absorption a tall order. On the supply side, lower investments in R&D may not be the only negative factor affecting the evolution of total factor productivity (TFP). Mohamed El-Erian (2009), for example, singles out some possible causes of lower potential output, listed in Chart 2 below. He also calls attention to the possibility of a sooner than expected need to unwind aggressive fiscal and monetary counter-cyclical policies if inflation also recurs sooner than expected, due, for instance, to a substantial decline in the path of potential output (Chart 2). As for developing countries as a group, there are at least three reasons to believe that it is possible to sustain the “trend decoupling”: ment in country balance sheets. As such it should persist in the medium term, despite the severe negative shock of the present crisis.” (p. 2). First, the recent fast recovery in many large emerging markets has reflected the good shape and sustainability of their national balance sheets. As Brahmbhatt and Pereira da Silva (2009) remark, one hypothesis for the recent rise in developing country trend growth is that it “is mainly a payoff for the strenuous efforts by many of these countries to improve their macroeconomic, UBS has developed a Total Emerging Market Stress Index, the components of which can be observed in Chart 3. It looks like the recent financial frenzy in developed economies has not led to a deterioration of local financial conditions in emerging markets as a whole (with several well known exceptions). It suggests that the boom in emerging markets has not structural, and other policies over the last 2-3 decades, accompanied over the past decade with a marked improve- been too dependent on the “hyper-bubble” financial conditions in developed countries. chart 3 – UBS total EM stress index setembro de 2009 Source: UBS. Emerging Economic Perspective, p. 30, 17 Aug. 2009. One notes from Chart 3 how major emerging market crises in the 1980s and 1990s were preceded by a rise in the group’s vulnerability indicators. However, on this measure, emerging market vulnerability today is lower than ever before. On the contrary, as Chart 4 indicates, there has been a fairly steady process of financial integration of emerging and developed economies, accompanied by both a diversification in the types of developing countries’ gross foreign liabilities and a rise in their gross foreign assets relative to liabilities. Indeed, as of today, there seems to be a potential for increased leverage that may well be available to underpin a new wave of investment and growth in developing countries, even if a reduced appetite for cross-border capital flows from developed countries persists for some time. 9 chart 4 – financial integration of emerging end developed economies setembro de 2009 Source: Balakrishnan et al. (2009, p. 45). A second reason to be upbeat regarding the possibilities of “trend decoupling” has been outlined by Dani Rodrik (“Growth after the crisis”) in a recent contribution to the Commission on Growth and Development. Even if the advance of the technological frontier slows down in developed countries, developing countries still have a wide scope for technological learning and catching-up, given the existing “convergence gap”. Furthermore, “structural change – the shift of capital and labor from low-productivity to high-productivity sectors – is both a cause and consequence of long-term growth” (UNIDO, 2009, p. 4). And, as extensively illustrated in UNIDO’s 2009 Industrial Development Report, there is a lot of structural-change potential still to be tapped as a source of growth in developing countries, as long as outlets for absorption of the correspondingly changing production structures can be found. To what extent might slower growth in developed economies and an eventual adjustment of the U.S. current-account deficit in particular hinder such a process of structural change in developing economies? This leads us to the third motive why “trend decoupling” could be sustainable in principle: the structural dependence of developing countries on exports to developed countries as an outlet for their 10 increasing GDP levels may have been somewhat overstated. According to the already referenced UBS report, once one adjusts existing cross-border trade figures to take into account only the net-of-imports or value-added contribution of exports to GDP, and once the treatment of intra-regional trade is controlled for different country sizes, emerging market economies come out as “only marginally more export-oriented than the U.S. or Europe”. This is of course not to deny the role of extraordinary demand and rising current account deficits in key developed countries like the U.S. as an exogenous, autonomous source of impulse. Nor should one omit the importance of China’s role as a large export processing and assembly location catering for developed country markets in explaining the unfolding of “production chains” and large recent increases in trade among developing countries. Nevertheless, there are grounds to believe that fast rising absorption within developing countries can provide at least a compensating factor. See Chart 5, which shows aggregate domestic demand, savings, consumption and investment in developing countries, keeping in mind that most of the recent sharp rise in developing country savings in the 2000s - the so-called “savings glut” - is accounted for by China and some oil exporters. chart 5 – spending at a record pace Source: UBS. Emerging Economic Perspective, p. 37, 17 Aug. 2009. references Balakrishnan, R.; Danninger, S.; Elekdag, S.; Tytell, I. The transmission of financial stress from advanced to emerging economies. IMF Working Paper 09/133, June 2009. Available at: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2009/ wp09133.pdf>. Growth Strategies and Prospects, Cambridge, MA, Apr. 2009. Available at: <http://www.growthcommission.org/ index.php?option=com_content&task=view&id=108&Ite mid=201>. UNIDO. Industrial Development Report 2009 – Breaking In and Moving Up: New Industrial Challenges for the Bottom Billion and the Middle-Income Countries, UNIDO, 2009. 1 Originally published at: http://blogs.worldbank.org/growth/ team/ocanuto 2 It is worth noting that developing countries will be treated here in the aggregate, which tends to emphasize the experience of the large economies like China and India, while obscuring a great heterogeneity of conditions across countries. Nevertheless most of the important conclusions in the paper remain qualitatively correct even when China and India are excluded. setembro de 2009 (Almost) needless to say, the maintenance of “trend decoupling” presupposes the preservation of sound fiscal and monetary policies in the developing world, as well as appropriate policies regarding technology absorption and promotion of structural change. As for the positive “reverse coupling” effects on developed countries, although it is probably not large enough to compensate for the headwinds facing their actual and potential growth in the near future, certainly their prospects will be better with a new growth cycle in the developing world. Brahmbhatt, M.; Pereira da Silva, L. The global financial crisis: comparisons with the Great Depression and scenarios for recovery. PREM Notes, The World Bank, n. 141, Aug. 2009. Available at: <http://www1.worldbank.org/prem/PREMNotes/premnote141.pdf>. El-Erian, M. A new normal. Secular Outlook, PIMCO, May 2009. Available at: <http://www.pimco.com/LeftNav/ PIMCO+Spotlight/2009/Secular+Outlook+May+2009+ElErian.htm>. Rodrik, D. Growth after crisis. Presentation at the conference on Financial Crisis and its Impact on Developing Countries’ (*) Vice-President and Head of PREM Network, World Bank, and former economics professor at FEA-USP (E-mail: [email protected]). 11 Raphael dos Santos Veloso Martins (*) Gilberto Tadeu Lima (**) canal de custos da transmissão monetária: uma discussão preliminar setembro de 2009 1. introdução O debate acerca da melhor maneira de condução da política monetária é recorrente em macroeconomia. Tal debate envolve necessariamente o esmiuçamento dos mecanismos de operação dos diversos mercados, o que levaria a uma compreensão maior dos canais de transmissão da política monetária, possibilitando assim sua maior eficácia. 2. revisão da literatura Mais recentemente, a taxa de juros nominal tem sido utilizada como instrumento privilegiado de condução de política monetária, posto que existe um relativo consenso quanto a sua eficácia na atuação pelo canal de transmissão da demanda. Assim, aumentos na taxa de juros levariam, entre outros efeitos, a um encarecimento na concessão de crédito, reduzindo o consumo e/ou o investimento. Portanto, elevações na taxa de juros reduziriam a demanda agregada e, consequentemente, aliviariam pressões inflacionárias. Entretanto, o cenário torna-se mais complexo ao se admitir a operação de um canal de custos na transmissão monetária. Esta expressão traduz a ideia de que aumentos na taxa de juros afetam a estrutura de custos das firmas, e, consequentemente, suas decisões de precificação.1 Assim, esta alternativa de mecanismo de transmissão pode ter importantes consequências sobre a maneira pela qual é concebida uma política monetária ótima. Se as firmas aumentam preços como resposta não apenas a pressões de demanda, mas também a pressões de custos, uma elevação na taxa de juros, ao elevar os encargos financeiros, pode levá-las a aumentar seus preços. Logo, uma elevação na taxa de juros nominal poderia se revelar contraproducente em nível de controle inflacionário. 12 Dessa forma, uma cuidadosa avaliação do canal de custos pode mudar a maneira de se conceber política monetária. Tal avaliação é realizada nesta série de artigos. Neste primeiro artigo, além desta introdução, é realizada uma breve revisão da literatura e são apresentadas novas especificações de testes empíricos. No segundo artigo, são apresentados os resultados destes testes. Na literatura empírica sobre o canal de custos, usualmente a investigação é realizada ou por meio de Vetores Autorregressivos (VAR), ou procura investigar o canal de custos a partir da estimação de uma Curva de Phillips. O presente trabalho encontra-se na segunda vertente, cujos resultados são apresentados parcialmente a seguir. Chowdhury et al. (2006) estimam uma curva composta por expectativa de inflação para o período seguinte, inflação do período anterior, custos unitários reais do trabalho e taxa de juros. Utilizou-se uma amostra trimestral, de 1980 até 1997, para Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. Os resultados mostram relação direta entre taxa de juros e inflação para Canadá, França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Em compensação, o coeficiente da taxa de juros não foi significativo para Alemanha e Japão. Ravenna e Walsh (2006) estimam uma Curva de Phillips para os Estados Unidos composta por expectativa de inflação, custos reais unitários do trabalho e taxa de juros. São utilizados dados trimestrais, no período de 1960 a 2001. O canal de custos mostrou- se significante e robusto a diferentes conjuntos de instrumentos e especificações da condição de normalidade. Tillmann (2009) utiliza a mesma especificação de Chowdhury et al. (2006) e também a estima por GMM. Os dados são americanos, trimestrais, no período 19602004. O canal de custos mostrou-se significante tanto na estimação com a amostra total quanto na estimação com subamostras. Ele mostrou-se maior nos períodos 1960-1982 e 1992-2004, perdendo importância no período 1983-2004. O autor ainda realizou uma estimação por rolling-window, sendo assim possível observar a dinâmica do canal de custos ao longo do tempo. A conclusão é que o canal de custos seguiu uma trajetória em forma de U ao longo do período, tal conclusão sendo independente da medida de taxa de juros adotada. 3. novas especificações de curva de Phillips com a presença de um canal de custos Tendo estabelecido o pedigree do canal de custo da política monetária na literatura empírica contemporânea, e como preâmbulo da análise empírica desenvolvida no próximo artigo da série, apresentamos agora diferentes especificações desse canal, que são derivadas em Lima e Setterfield (2009). Todas as especificações têm como base uma teoria de precificação por markup, que possibilita investigar como custos de serviço de endividamento (e, portanto, a taxa de juros) afetam a formação de preços e, em última instância, a taxa de inflação, tal como captado por uma curva de Phillips p = ˆι + βp e + γy onde p é a taxa de inflação, ιˆ é a taxa de crescimento e da taxa de juros, p é a taxa de inflação esperada e y é o nível de produto. Na segunda especificação, a taxa de inflação, assim como na versão da curva de Phillips Novo-Keynesiana que contempla o canal de custo da transmissão monetária, depende positivamente do nível da taxa de juros nominal: p = θ1ι+ θ 2 p e + θ 3 y Por fim, fazemos a taxa de inflação depender positivamente da taxa de variação da taxa de juros nominal. p = ι+ βp e + γy referências Chowdhury, I.; Hoffmann, M.; Schabert, A. Inflation dynamics and the cost channel of monetary transmission. European Economic Review, 50, p.995-1016, 2006. Lima, G.T.; Setterfield, M. Pricing behaviour and the cost push channel of monetary policy. Review of Political Economy, forthcoming, 2009. RABI JUNIOR, L. A. Três ensaios sobre macroeconomia aplicada. 2008. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo. setembro de 2009 Para o Brasil, embora muitos trabalhos tratem do price puzzle, possivelmente apenas Rabi Junior (2008) trate especificamente do canal de custos como uma possível explicação. Estima-se uma Curva de Phillips Novo-Keynesiana com a presença do canal de custos, derivada a partir de um modelo de equilíbrio geral. São utilizados dados mensais, de agosto de 1994 a junho de 2008. O resultado encontrado é que não há evidência de canal de custo, independentemente da parametrização utilizada, ou de a estimação ser realizada para uma Curva de Phillips de economia fechada ou aberta. de curto prazo. Na primeira, a taxa de inflação depende positivamente da taxa de crescimento da taxa de juros nominal: Ravenna, F.; Walsh, C. E. Optimal monetary policy with the cost channel. Journal of Monetary Economics, 53, p.199216, 2006. TILLMANN, P. The time-varying cost channel of monetary transmission. Journal of International Money and Finance, forthcoming, 2009. 1 Na literatura, o canal de custo da política monetária também recebe as seguintes denominações: paradoxo de Gibson, efeito Cavallo-Patman e price puzzle. (*) Mestrando em Teoria Econômica pelo IPE-FEA-USP. (E-mail: [email protected]). (**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP (E-mail: [email protected]). 13 Iraci del Nero da Costa (*) setembro de 2009 das bravatas ao assistencialismo governamental: o Brasil mudou para pior? Um conjunto de decepções com o modo tradicional, aventureiro ou mentiroso de governar levou as camadas médias brasileiras a aceitar as propostas de mudanças substanciais na vida política e econômica da Nação propaladas pelo sindicalista tornado líder político nacional à frente do PT. Assim, a chamada “opinião pública”, que sempre trouxe acopladas a si as parcelas menos privilegiadas da população, conduziu a parcela majoritária do eleitorado a garantir a primeira eleição do atual presidente da República. De toda sorte, deve-se ter presente que este descoComo sabemos, as esperanças de alterações de fundo no modelo político e socioeconômico, de há muito dominante entre nós, viram-se rapidamente frustradas. As antigas promessas foram identificadas como bravatas necessárias a angariar votos, e a emergência de seguidos escândalos na órbita governamental e no seio do PT restaram reduzidos a algo de somenos, tidos pelo governo central como fenômenos comuns e universais que permeiam todo o correr de nossa história. Não obstante a desesperança de alguns, o episódio do mensalão evidenciou a possibilidade de se dar o descolamento, com respeito às demais camadas sociais, daquela composta pelos mais pobres e desvalidos. Como tive a oportunidade de anotar em outros escritos,1 o atual presidente da República, muito habilmente, mediante o alargamento e mudança das práticas assistencialistas, trabalhou de sorte a consolidar a aludida autonomização, monopolizando o apoio da grande maioria dos mais necessitados. Tal fato, como é de conhecimento geral, colocou-se na base da reeleição do chefe da Nação e contribui decisivamente para garantir o alto grau de aceitação popular do qual ele desfruta. 14 Evidentemente, como apontei em outro artigo2 , o estabelecimento de um verdadeiro “coronelismo governamental” representa, já que desacompanhado de reformas substantivas, um irrecusável retrocesso com respeito à vivência política da Nação e aos direitos de cidadania de toda a sua população, pois, como anotamos há anos, com porcentagem ínfima do PIB tornou-se viável a compra de um grande número de eleitores. lamento trata-se de fenômeno social definitivo e irreversível, vale dizer, vivemos uma nova quadra de nossa história política e eleitoral. Destarte, tanto as agremiações político-partidárias como os pactos e as alianças eleitorais terão, doravante, de pautar-se segundo o novo perfil assumido pelo cenário no qual se movimentam os eleitores brasileiros; velhos atores, cujos papéis eram de meros coadjuvantes, podem definir-se, no futuro imediato, como protagonistas. Se nos falta, a historiadores, sociólogos e politicólogos, conhecimento pleno e análises percucientes do processo em desenvolvimento, tal carência revelase mais evidente ainda quando tomamos em conta nossos partidos políticos, sobretudo os da oposição. Encontram-se eles, em larga medida, verdadeiramente baratinados e confusos; daí este sentimento generalizado de que não existe oposição ao governo central ou de que ela se omite ou não age corretamente. A nosso juízo, o problema não está na ausência de uma oposição, nem em eventuais falhas de atuação; na realidade, a oposição simplesmente não sabe como se comportar em face das novas peças e dos arranjos recentemente introduzidos no tabuleiro no qual se fere o jogo político. Como se aproximar política e ideologicamente desta parcela inorgânica do eleitorado, aparentemente dominada pela situação? Como atender a seus interesses, ora saciados pelo poder central? Quais serão suas expectativas situadas além do simples atendimento de seus interesses imediatos? Tais expectativas já estão definidas pelos interessados, ou eles próprios ainda não alcançaram plena consciência de um processo que lhes garantiu algum dinheiro e uns poucos bens, os quais, a seus olhos, foram oferecidos por um governo benevolente que os levou em conta e o qual urge preservar a qualquer custo? Haverá projeção deste novel panorama, definido em termos nacionais, no plano dos Estados e no nível dos Municípios? Enfim, como preencher o hiato existente entre as costumeiras práticas oposicionistas e as figuras praticamente desconhecidas que passaram a ocupar o proscênio de nossa vida política? referências COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006a. ______. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006b; ______. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, setembro de 2007). ______. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, outubro de 2007). ______. Eleições municipais de 2008: algumas especulações. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, outubro de 2008). ______. Fixando ideias. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n. 345, p. 35-36, 2009. 1 Costa (2006a; 2006b; setembro de 2007; 2008; 2009). 2 Costa (outubro de 2007). setembro de 2009 Já a situação, no âmbito nacional, parece estar plenamente acomodada em seu papel de distribuidora generosa de umas poucas migalhas altamente significativas para seus beneficiários, extremamente carentes. Tais atitudes, assumidamente Paternais (e Maternais, como quer o presidente da República) serão bastantes para garantir sua continuidade no poder? Portanto, a pergunta crucial que se põe no presente não diz respeito ao fato de ter ocorrido e se fixado a independentização em pauta, mas, sim, se a massa de eleitores despossuídos vergar-se-á passivamente a este coronelismo de novo tipo. Caso isto venha a se dar, o Brasil estará fadado a um período indefinido de estagnação institucional e de degeneração política ainda mais acentuada do que a experimentada nos últimos lustros. (*) Professor Livre-docente aposentado da FEA-USP. (E-mail: [email protected]). 15 Julio Lucchesi Moraes (*) economia da cultura: lacuna ou apatia? setembro de 2009 Dentro dos diversos desdobramentos observados pela Teoria Econômica nas últimas décadas, vem ganhando destaque a subárea conhecida como Economia da Cultura. A despeito de trabalhos de inegável mérito realizados no tema, queremos crer que, até o momento, as contribuições feitas à disciplina seguem sobremaneira marginais dentro do campo de análises científicas dos fenômenos culturais da atualidade. Pretendemos, numa série de quatro artigos, refletir sobre os limites e potencialidades da Economia da Cultura como subárea da Ciência Econômica. Nossa preocupação principal será analisar a viabilidade da existência de um programa propriamente positivo, isto é, de um aporte teórico e metodológico que seja capaz de realizar inferências e análises empíricas no tema e que consiga promover algum grau de generalização, evadindo o mero campo dos estudos de casos localizados. Em primeiro artigo da série apresentaremos os posicionamentos gerais de pesquisas no tema, divididos esquematicamente entre o grupo dos “integrados” e o dos “céticos”. Em segundo artigo, dedicaremos nossas atenções às análises econômicas clássicas feitas sobre a questão para, nos dois últimos artigos, analisar de que maneira os economistas vêm empregando termos e conceitos de outras áreas das Ciências Humanas (tais como Indústria Cultural ou Indústrias Criativas). O argumento será que tais termos, embora auxiliem sobremaneira no estabelecimento de uma agenda de pesquisas, estão sendo utilizados, via de regra, de maneira acrítica e pouco refletida, descolados e distorcidos de suas proposições originais. 16 céticos e integrados É certamente sintomático que as reflexões sobre a produção e consumo culturais tenham sido evitadas desde os primeiros textos da Ciência Econômica. Adam Smith, e também David Ricardo, afirmavam que os gastos com arte não contribuíam para a riqueza da nação, representando exemplos de trabalho não produtivo (Benhamou, 2007, p.15). Também Alfred Marshall em Princípios de Economia, de 1891, escreveu que as constantes exceções e anomalias do consumo cultural pareciam indicar a completa insubordinação do tema aos preceitos econômicos básicos, como Utilidade, ou aos critérios de precificação (idem, ibidem). A existência de bens com comportamentos “anormais”, contudo, está longe de ser uma novidade para os economistas. Pode-se inclusive dizer que a discussão sobre esses bens de difícil precificação e avaliação (bens públicos, coletivos, externalidades etc.) encontra-se hoje na fronteira teórica de uma nova microeconomia. Em tal chave teórica, seria uma questão de tempo até que as adições ao mainstream conseguissem encontrar formulações e adaptações teóricas eficazes quando das avaliações e inferências sobre o tema. Podemos chamar essa corrente teórica de “integrada”, isto é, uma corrente que acredita na possibilidade de incorporação dos temas culturais na pauta de pesquisas tradicionais sem a exigência de grandes alterações. Outra parcela de economistas, entretanto, prefere simplesmente “abster-se da questão”. À maneira de Smith, Ricardo ou Marshall, assume-se uma incompatibilidade essencial entre os temas. Aos deste grupo daremos o nome de “céticos”. Para essa parcela de pesquisado- res, as questões culturais não podem ser analisadas à luz da racionalidade do Homo Oeconomicus. Tal posição é expressa de maneira claríssima numa afirmação de John Galbraith no final dos anos 1960: A arte não tem nada a ver com a preocupação dos economistas. Os valores dos artistas – sua esplêndida e quase sempre apaixonada insistência na supremacia de objetivos estéticos – são subversivos aos conceitos progressistas e materialistas do economista. O artista faz o economista parecer tolo, rotineiro, filisteu e pouco apreciado por suas preocupações terrenas… Não apenas os dois mundos nunca se encontram, mas o repúdio em cada um deles é dificilmente negligenciado (apud Throsby; Whiters, 1979, p. 1). São duas as críticas que podem ser formuladas ao posicionamento de Galbraith e dos demais céticos: primeiramente, porque o autor parece usar uma ideia excessivamente restritiva de “artista” – um tipo de gênio dotado de contornos idealistas e até mesmo romantizados.1 Parece-nos, entretanto, que tal A segunda crítica é que dificilmente conseguiríamos transpor tal ceticismo para os dias de hoje. Se no final dos anos 1960, quando a frase de Galbraith foi elaborada, a produção intelectual econômica ainda centrava-se fortemente num paradigma industrial, onde a participação dos itens culturais nas economias mundiais era reduzida, o mesmo não ocorre nos anos 2000. Se a adição de tais itens causa superdimensionamento dos números do setor, existem outras características que não estão sendo contabilizadas. Destaca Carla Jimenez em seu artigo O elusivo PIB das artes que parte significativa do setor pode estar desenvolvendo-se fora da formalidade, isso sem falar no grande impacto da pirataria (idem, ibidem). Estas são apenas algumas das muitas dificuldades das análises no assunto, dificuldades estas sobre as quais a Ciência Econômica não pode se furtar de estudar. em busca de um programa positivo Há, para além das duas posições extremadas – a dos céticos e dos integrados – pontos intermediários. No objetivo de estabelecer uma agenda positiva do tema, parece haver crescente sensibilidade da Ciência Econômica em buscar auxílio junto às demais cadeiras das Humanidades (Psicologia, Sociologia, Filosofia etc.). Como pretendemos ver nos próximos artigos, tais incursões promoverão diferentes arranjos temáticos e chegarão a diferentes resultados sobre o objeto. Demonstraremos que tais posicionamentos intermediários têm como marca o pluralismo teórico e metodológico, estando ora mais próximos do núcleo duro do pensamento neoclássico, ora mais distantes. setembro de 2009 categoria profissional mostra-se muito mais flexível e heterogênea quanto quer fazer crer o economista americano. Ignorar tal característica é incorrer num exagerado simplismo ante o objeto de estudo. Há inegáveis problemas na mensuração dessas cifras: em primeiro lugar, porque os países se valem de diferentes conceitos de “cultura”, incluindo, por tal razão, diferentes produtos em suas agregações. No caso da pesquisa do IBGE, por exemplo, considera-se no cálculo do PIB cultural o montante gasto com compra de equipamento de som e de televisores, bem como gastos com livros didáticos e gastos com passeios. conclusão As estimativas do tamanho do PIB cultural ao redor do mundo são imprecisas e oscilantes. Em estudo de 2003, por exemplo, o Banco Mundial estimou-o em cerca de 7% do PIB total. Pesquisas feitas junto às famílias norteamericanas e francesas indicam que os gastos culturais variam entre 3% e 6% do orçamento familiar nacional. No Brasil, pesquisa realizada pelo IBGE para o ano de 2003 chegava a resultado semelhante: 3,5% dos gastos familiares (Jimenez, 2009, p. 48). O artigo inaugurou uma série de reflexões sobre o tema da Economia da Cultura. Como vimos, o tema segue sendo marginal dentro das pesquisas de Ciências Humanas. Destacamos duas interpretações extremadas – a dos integrados, que acreditam que a questão cultural poderá ser incorporada à pauta de pesquisas tradicionais sem grandes alterações do marco teórico, e a dos céticos, que afirmam a mais 17 completa incompatibilidade entre os temas. Dada a crescente participação dos itens culturais para o PIB mundial, vimos que a posição cética é incompatível com os dias atuais e precisa ser contornada. Sugeriu-se, por fim, uma terceira via, intermediária às duas anteriores. Trata-se de um posicionamento marcado pelas referências a outras áreas das Humanidades e pelo pluralismo teórico e metodológico. Voltaremos a falar sobre o tema nos próximos artigos da série. THROSBY, D; WITHERS, G. A. The economics of the perfoming arts. St. Martins Press, 1979. 1 Voltaremos a essa definição de artista quando discutirmos os termos Indústria Cultural e Indústrias Criativas. referências BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. setembro de 2009 JIMENEZ, Carla. O elusivo PIB das artes. Revista Observatório Itaú Cultural / OIC. São Paulo: Itaú Cultural, n. 7, p. 47-52, jan./mar. 2009. 18 (*) Graduado em Economia pela FEA-USP, mestrando em História Econômica pela FFLCH-USP e Pesquisador da FIPE. (E-mail: [email protected]). Clara S. N. da Rocha (*) contenção de risco sistêmico através de elevação de coeficientes de capital: uma análise crítica 1. introdução 2. o Acordo de Basileia I O Acordo de Basileia, de 1988, foi uma resposta do G10 à exigência americana de aumentar a competitividade dos bancos de atuação internacional, supostamente prejudicados por regras prudenciais domésticas de alguns países. O intuito era que a concorrência nesse segmento não se desse por meio de vantagens de custos de origem regulatória. Portanto, o requerimento de coeficientes mínimos de capital destinar-se-ia especialmente a bancos de atuação internacional, sem o intento de significar uma proposta de regulação prudencial a ser estendida a toda classe de bancos. Embora a intenção principal do documento não fosse reduzir o risco sistêmico do sistema financeiro internacional, na prática promoveu-o como subproduto da tentativa de igualar o terreno de concorrência dos bancos internacionais. De fato, o que verificou à época foi uma adoção generalizada dos termos do Acordo de Basileia por uma série de países, como o Brasil, que ainda não dispunham de um sistema financeiro internacionalizado ou, como alguns países europeus, que na falta de bancos comerciais aplicaram as regras a bancos universais. Neste sentido, passou-se a impor regras desenhadas para um segmento específico do sistema bancário a instituições bancárias bastante heterogêneas. Com isso, Basileia I foi tomada como uma estratégia de regulação prudencial, o que extrapolava seu sentido original. setembro de 2009 A recente crise econômica tem aberto espaço ao questionamento da atual regulação prudencial, o Acordo de Basileia II. Embora seja cedo para apontar como será encaminhada a revisão da regulação, uma proposta que parece ganhar força é a reafirmação de um dos pilares do acordo, o aumento das exigências de coeficientes de capital nos balanços de instituições financeiras. O presente artigo pretende discutir a eficiência de uma regulação prudencial focada em aumentar os coeficientes de capital a fim de conter riscos de crédito e de mercado. Indaga-se especialmente em que medida essa ferramenta pode dar conta dos fenômenos financeiros que busca evitar. Para tanto, analisa-se o modo como os Acordos de Basileia I e II tratam deste tema e faz-se uma breve análise dos conceitos de risco sistêmico e efeito contágio a fim de fundamentar a parte final do artigo: a análise crítica da proposta de elevação de exigências de coeficientes de capital. Os requerimentos de capital em Basileia I eram determinados de modo a refletir a exposição total da instituição a risco de crédito. A função tutelar do Comitê fazia-se presente por meio da formulação de uma tabela de classificação das diversas classes de ativos conforme seus riscos, para servir como ponderação para a obtenção do valor do risco ajustado dos créditos. As instituições deveriam manter oito por cento do valor do risco ajustado dos créditos, em ativos. Em decorrência, o documento passou a receber críticas por não refletir corretamente a complexidade de riscos aos quais os bancos estavam de fato sujeitos, além de propiciar arbitragem dentro das classes de risco determinadas. Ironicamente, incentivava os bancos a seguir rumo ao mercado de securities para fugir da regulação. Assim, como instrumento de regulação prudencial, Basileia I apresentou insuficiências por focar demasiadamente as questões relativas a crédito. 19 3. a Emenda de 1996 setembro de 2009 A Emenda de 1996 buscou suspender o incentivo não intencional fornecido pela regulação à securitização, ampliando o escopo do acordo original. Ao estender os requerimentos de capital às carteiras de investimento e negociação dos bancos, abrangeu também o risco de mercado (variação de preços dos títulos em carteira). Implícita a esta emenda está a percepção de que os bancos haviam diversificado e complexificado sua atuação, deixando de apenas captar depósitos e fazer empréstimos, o que os expunha a uma gama mais ampla de riscos. Com isso, surgiram novas questões. Embora o risco de mercado seja mais fácil de medir que o de crédito, instituições atuantes em ambos os segmentos deveriam considerar que os riscos nos diferentes segmentos podem não ser independentes, o que dificulta a formulação de um padrão de análise de risco genérico. Mas, por outro lado, fazia-se necessário uma forma de cálculo aplicável a todos os bancos, a fim de não haver benevolência para com determinadas condutas. Neste contexto, os modelos VaR (Value at Risk) surgiram como instrumento para calcular o volume de perdas às quais as instituições estavam sujeitas devido ao risco de mercado. Além de provisões para arcar com perdas esperadas, as instituições deveriam se preocupar também com perdas inesperadas, a serem cobertas por seu capital. Aqui, novamente os coeficientes de capital ganharam posição de destaque como instrumento relevante. É interessante destacar que ao colocar o foco da regulação sobre o requerimento de capital, buscouse garantir a solvência das instituições bancárias e não apenas sua liquidez. Isso encerra uma tradição basicamente focada no combate a corridas bancárias, o que, em grande parte, tornou-se possível devido às instituições de seguros de depósitos bancários, além das garantias decorrentes da existência de um emprestador de última instância. 4. o Acordo de Basileia II A revisão do acordo original, em 2004, que deu origem ao chamado Acordo de Basileia II, trouxe alguns ele- 20 mentos centrais de continuidade. Segundo Carvalho (2005b), além de reafirmar os dois objetivos básicos de Basileia I – promover estabilidade financeira e nivelar o campo de competição internacional de bancos –, o novo texto reenfatiza o uso dos requerimentos de adequação de capital como instrumento central. Contudo, é necessário ressaltar que, mais do que melhoramentos técnicos, Basileia II foi formulada como uma peça de regulação prudencial. Segundo Carvalho, enquanto Basileia I focou o que os bancos com atuação internacional têm de particular, Basileia II trata de riscos bancários, o que implica uma análise mais idiossincrática, observando o conjunto de riscos ao qual cada instituição está sujeita. Isso decorre da constatação de que uma regulação que vise ao aumento da segurança do sistema requer instrumentos de manejo e discriminação de risco mais sutis comparativamente aos que constavam de Basileia I. As recomendações de Basileia II dividem-se em três pilares: a definição de requerimentos míninos de capital, de acordo com métodos de medida de risco; os poderes e atribuições do supervisor financeiro; e a disciplina de mercado. Este artigo analisa apenas o primeiro pilar. A constituição de capital mínimo foi a forma escolhida para lidar com o risco sistêmico da indústria financeira. Se as bases para o tratamento do risco de mercado, em Basileia II, já constavam da Emenda de 1996, o risco de crédito, por sua vez, recebe um tratamento diferente da abordagem original. Agora, o cálculo deste risco descarta a tabela de riscos de Basileia I, considerada um instrumento por demais simplório para dar conta da heterogeneidade das instituições e de suas políticas de investimento, captando imprecisamente a exposição ao risco de crédito. E, além disso, o Comitê passou a voltar sua atenção também aos riscos operacionais. Contudo, o novo documento é portador de uma dificuldade conceitual ligada ao risco de crédito. A tentativa de Basileia II de tratar o risco de crédito com os mesmos instrumentos do risco de mercado é impregnada por uma visão míope quanto ao conceito de risco de crédito, pois, diferentemente da variação do preço de uma ação, default é um conceito subjetivo, não observável. O atraso de um pagamento não significa calote. Do ponto de vista do banco, pode ser interessante considerar um atraso de pagamento como calote apenas na falta de qualquer perspectiva de reabilitação da capacidade futura de pagamento do cliente. Definições legais de calote não resolvem a questão, pois dificilmente refletem a avaliação do banco quanto ao risco envolvido na transação. Não sendo diretamente observável, a probabilidade de ocorrência de calote fica indeterminada ou, pelo menos, de difícil mensuração. Além disso, a construção de séries de tempo, como se faz na análise de risco de mercado para títulos com mercado secundário, fica prejudicada, pois, além de ter difícil conceituação, o default é um evento raro. Segundo Carvalho (2005b), é possível afirmar que, apesar de Basileia I ter efetivamente aumentado a segurança sistêmica, devido ao aumento do capital dos bancos, lições erradas foram tiradas dele. O tipo de sofisticação dos cálculos de riscos, que surge como melhoramento do documento original, não provê um tratamento adequado da questão, pois é permeado por problemas conceituais. 5. risco sistêmico e efeito contágio O debate sobre propostas de regulação prudencial suscita a análise do modo como as instituições que compõem o sistema financeiro se relacionam e da interação deste setor com os demais setores da economia. Isso se deve ao fato de o sistema financeiro ser permeado por risco sistêmico, isto é, pela possibilidade de um choque localizado ser transmitido ao sistema O contágio refere-se ao risco de que problemas em dada instituição venham a contagiar todo o mercado, mesmo que as demais instituições estejam tomando cuidados para manter a solidez de suas operações (Carvalho, 2005a). Em grande parte esse fenômeno pode ser explicado por questões relativas à confiança que o público deposita no sistema financeiro. Já o alastramento da crise do sistema financeiro para a economia como um todo pode se dar por dois canais de transmissão ligados aos papéis desempenhados por esse sistema: o exercício da função de sistema de pagamentos (transferência de depósitos à vista entre bancos comerciais) e a concessão de crédito. O desempenho da primeira função apoia-se na confiança do público quanto à possibilidade de o banco transformar depósitos à vista em moeda legal, sempre que solicitado. Neste caso, dúvidas podem levar a corridas bancárias. É interessante destacar que a própria dinâmica de atuação dos bancos, ao trabalharem com o sistema de reserva fracionária, impede que honrem em moeda legal, ao mesmo tempo, todos os compromissos assumidos com seus depositantes. A atuação do Estado como emprestador de última instância ao setor bancário e a existência de instituições de seguros de depósitos, em geral, garantem o funcionamento do sistema de pagamentos. O segundo canal de transmissão é tratado ao final do próximo tópico. setembro de 2009 Estas indefinições quanto ao conceito de default põem em xeque o tratamento destinado ao risco de crédito. A mesma crítica pode ser estendida ao tratamento dado ao risco operacional, pois sob este “conceito guardachuva” tem-se colocado uma série de riscos de natureza bastante diversa. Com isso, as medidas de risco de eventos ligados a default e a risco operacional têm sua precisão questionada em seu nível mais fundamental, criando um fosso entre o fenômeno que se pretende conter e os instrumentos utilizados para tanto. financeiro como um todo e, eventualmente, levar a um colapso da própria economia (Carvalho, 2005a). 6. crítica à proposta de elevação de coeficientes de capital como forma de conter risco sistêmico A crença de que uma instituição financeira está segura quando detém coeficientes de capital em volume significativo, na forma de ativos, deve ser avaliada com minúcia. Essa segurança pode vir da manutenção de cash, de ativos líquidos ou de ativos colateralizáveis, por exemplo. Contudo, esta noção toma a liquidez do mercado como exógena, isto é, ignora que quando ocorrem problemas no sistema financeiro a liquidez pode “secar”. A venda de um ativo, a fim de obter recursos líquidos, pode ela própria provocar a queda do preço do ativo ou encontrar uma situação na qual 21 setembro de 2009 o preço do ativo já esteja depreciado. A utilização da marcação do valor dos títulos a mercado pode amplificar um choque ao contribuir para espalhar a depreciação de preços pelos balanços de instituições que, a princípio, não estavam ofertando os ativos. Com isso, cria-se um incentivo para que os bancos se desfaçam desses títulos, intensificando a derrubada de preços. A defesa por meio de ativos colateralizáveis também impõe ressalvas, pois não é garantida a obtenção de recursos em um ambiente de redução do volume de empréstimos e, além disso, é possível que haja desconfianças quanto ao próprio colateral. Assim, não basta levar em conta apenas as condições de “saúde” dos bancos individualmente, pois mudanças no estado de confiança podem afetar negativamente essas condições, impossibilitando que se tome como exógeno o ambiente de mercado que cerca as instituições financeiras. Destaca-se que o método VaR incorre neste erro ao utilizar, em seus cálculos, o preço dos ativos como dados. A defesa contra o risco sistêmico por meio de aumento das margens de segurança encontra, portanto, as limitações apontadas acima, pois é efetiva apenas enquanto os mercados dos ativos que compõem a margem forem líquidos, isto é, enquanto puderem absorvê-los sem alteração de seus valores. Neste sentido, as regras de controle prudencial devem levar em conta, além da atuação individual das instituições, suas inter-relações, num raciocínio mais sistêmico. Apesar das ressalvas apontadas, a estratégia da regulação tem se voltado prioritariamente para as próprias instituições financeiras, concedendo-lhes incentivos para reduzir sua exposição individual a riscos, deixando em segundo plano os processos de transmissão de dificuldades. Isso se explica, em medida, pela duvidosa percepção de que a gestão de riscos em nível micro pode garantir a estabilidade do sistema (Mendonça, 2008). Outra evidência desta limitação são os efeitos pró-cíclicos – ligados ao segundo canal de transmissão mencionado – que acompanham a proposta de aumento de coeficientes de capital em meio a uma crise como a atual. Em um ambiente de crescente incerteza, sob a lógica racional 22 microeconômica, os bancos rumam a posturas mais conservadoras, elevando margens de segurança e reduzindo empréstimos. Contudo, nestes momentos o crédito é fundamental para evitar que firmas que apresentem posturas mais especulativas ou Ponzi entrem em falência. Assim, esta atitude mais restritiva dos bancos pode espalhar para o resto da economia as dificuldades enfrentadas no sistema financeiro. Neste sentido, a fixação de coeficientes de capital sensíveis a risco, como forma de proteção microeconômica, pode entrar em contradição com os objetivos macroeconômicos, com sérias implicações sobre a dinâmica do sistema econômico. 7. conclusão Primeiramente, é importante ter clareza que, em meio a uma crise, não há volume de capital que de fato proveja segurança indubitável. Talvez mais importante que elevar os coeficientes de capital das instituições financeiras seja obter formas de medida do risco de crédito – e operacional – mais consistentes, como estratégia mais efetiva de contenção de risco sistêmico. Neste sentido, a regulação prudencial deve se valer de ferramentas que captem de modo mais acurado os riscos aos quais as instituições financeiras efetivamente estão expostas. Para tanto, são fundamentais instrumentos mais sensíveis à tentativa de conciliação entre os objetivos micro e macroeconômicos. Não se trata de uma tarefa fácil, mas é necessária. referências CARVALHO, F. J. C. Inovação financeira e regulação prudencial: da regulação de liquidez aos acordos da Basiléia. In: Sobreira, R. (Ed.). Regulação financeira e bancária. São Paulo: Editora Atlas, 2005a. ______. Basel II: a critical assessment. 2005b. Mimeo. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/moeda>. MENDONÇA, A. R. R. Regulação bancária, gestão de riscos e gestação da desordem financeira. In: Associação Keynesiana Brasileira (Org.). Dossiê da crise. 2008. Disponível em: <http:// www.ppge.ufrgs.br/akb/novidades.asp?id=5>. (*) Economista pela FEA-USP e mestranda em Economia pelo IE-UFRJ. (E-mail: [email protected]).