análise de conjuntura temas de economia aplicada

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análise de conjuntura temas de economia aplicada
Nº 348 Setembro / 2009
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
issn 1234-5678
análise de conjuntura
Antonio Carlos Lima Nogueira mostra que o desempenho da renda agrícola
em 2009 foi afetado positivamente pelas culturas produzidas para o
mercado interno e negativamente pelas culturas de exportação.
Manuel Enriquez Garcia discute os resultados, publicados recentemente
pelo IBGE, de produção, emprego e salário do segundo trimestre
da economia brasileira.
temas de economia aplicada
Otaviano Canuto faz uma análise da hipótese de descasamento entre as taxas
de crescimento dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Raphael dos Santos Veloso Martins e Gilberto Tadeu Lima iniciam série de
artigos apresentando revisão da literatura e novas especificações para o
canal de custos da transmissão monetária.
Iraci Del Nero da Costa pondera sobre os desdobramentos no cenário político
nacional do alargamento e da mudança nas práticas assistencialistas do
governo federal.
Julio Lucchesi Moraes apresenta, em primeiro artigo da série, os posicionamentos gerais da pesquisa sobre economia da cultura.
Clara S. N. da Rocha discute a eficiência de uma regulação prudencial focada
em aumentar os coeficientes de capital a fim de conter riscos de crédito e de
mercado.
Nº 348
SETEMBRO DE 2009
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO
issn 1234-5678
ANÁLISE DE CONJUNTURA
agricultura ........................................................................................................................ 3
CONSELHO CURADOR
Hélio Nogueira da Cruz (Presidente)
Andrea Sandro Calabi
Juarez B. Rizzieri
Joaquim José Martins Guilhoto
Ricardo Abramovay
Simão Davi Silber
Vera Lucia Fava
Antonio Carlos Lima Nogueira
emprego, salário e taxa de ocupação ........................................................................... 5
Manuel Enriquez Garcia
DIRETORIA
DIRETOR PRESIDENTE
Carlos Antonio Luque
TEMAS DE ECONOMIA APLICADA
7
......................................................... decoupling, reverse coupling and all that jazz
DIRETOR DE PESQUISA
Eduardo Haddad
Otaviano Canuto
12 ................ canal de custos da transmissão monetária: uma discussão preliminar
Raphael dos Santos Veloso Martins, Gilberto Tadeu Lima
DIRETOR DE CURSOS
Cicely M. Amaral
14 .... das bravatas ao assistencialismo governamental: o Brasil mudou para pior?
Iraci del Nero da Costa
PÓS-GRADUAÇÃO
Dante Mendes Aldrighi
16 ...................................................................... economia da cultura: lacuna ou apatia?
Julio Lucchesi Moraes
SECRETARIA EXECUTIVA
19 ......................... contenção de risco sistêmico através de elevação de coeficientes
de capital: uma análise crítica
Domingos Pimentel Bortoletto
Clara S. N. da Rocha
PReparação de originais e revisão
Alina Gasparello de Araujo
EDITOR CHEFE
Gilberto Tadeu Lima
CONSELHO EDITORIAL
Heron Carlos E. do Carmo
Lenina Pomeranz
Luiz Martins Lopes
José Paulo Z. Chahad
Maria Cristina Cacciamali
Maria Helena Pallares Zockun
Simão Davi Silber
AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE
EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE
ASSISTENTE
Maria de Jesus Soares
PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO
Sandra Vilas Boas
análise de conjuntura
Antonio Carlos Lima Nogueira (*)
agricultura: a renda agrícola
em 2009
As condições climáticas adversas foram determinantes para a redução no valor da produção neste
ano. Conforme a Assessoria de Gestão Estratégica,
responsável pelo estudo, os relatórios da Conab e do
IBGE mostram que a atual safra de grãos no Brasil foi
marcada por estiagens ocorridas durante o plantio
da safra de verão e excesso de chuvas e ocorrência
de geadas que afetaram principalmente as lavouras
de inverno. Outro fator relevante foi a redução de
preços de alguns dos principais produtos colhidos
no País.
Apesar de os preços do arroz, batata-inglesa, cacau,
cana-de-açúcar, fumo em folha, mandioca, soja e uva
estarem acima da média obtida no ano passado, esse
comportamento foi insuficiente para evitar um menor
valor da produção em 2009. Isso ocorreu porque têm
sido elevadas as quedas de preços em alguns produtos, como milho (-17,9%) e trigo (-15,8%), importantes
na formação do valor da produção.
Como apontado em análises de meses anteriores, as
maiores quedas reais no valor da produção ocorrem
no milho (-30%), algodão (-29,5%), feijão (-25,2%), trigo
(-18,9%), cebola (-18,7%) e café em grão (-15,1%). Quanto aos produtos de melhor desempenho, o destaque
vai para arroz, batata-inglesa, cacau, cana-de-açúcar,
mandioca e uva.
setembro de 2009
O Ministério da Agricultura e Abastecimento divulgou neste mês de setembro a estimativa de R$ 153,4
bilhões para o Valor Bruto da Produção (VBP) neste
ano, 4,1% inferior ao obtido em 2008, em termos reais.
O indicador foi obtido com o cruzamento dos dados
mais recentes de safra do IBGE e os preços recebidos
pelos produtores, apurados pela Fundação Getúlio
Vargas até julho. Ainda que possa ser considerada
uma variação percentual pouco significativa, a análise
por cultura revela desempenhos muito díspares, com
quedas expressivas em culturas com participações
relevantes no total da renda agrícola. Neste artigo são
analisados os desempenhos das principais culturas e
regiões produtoras que levaram a esse resultado.
O milho, produto que ocupa a terceira posição em
valor de produção, com R$ 16,48 milhões, apresentou
o pior desempenho, com queda de 30,3%. O impacto
foi significativo por ser uma cultura presente em todos
os Estados. Conforme citado, o café apresentou uma
redução de 15,1%, atingindo um valor de produção de
R$ 10,4 bilhões, o que o coloca na quarta posição em
participação do valor de produção. O algodão também
se destaca pelo desempenho negativo, com queda de
3
29,5%, atingindo o valor de 2,9 bilhões. Na mesma
situação encontra-se a cultura da laranja, com queda
de 4,0% no valor de produção, chegando ao patamar
de R$ 8,5 bilhões.
Cabe destacar que o Brasil ocupa posição de destaque
nos mercados internacionais desses produtos que
apresentaram queda no valor de produção. Assim,
revela-se um claro efeito da crise econômica global
sobre esses mercados, principalmente com queda na
demanda e consequente depreciação nos preços.
No caso da soja, a queda no valor da produção foi de
1,7%, atingindo o nível de R$ 42,7 bilhões. Por ocupar
a primeira posição em participação no valor total da
produção em 2009, com 27%, esse desempenho amorsetembro de 2009
teceu o impacto na renda agrícola global, em vista das
expressivas quedas nos principais produtos do agronegócio brasileiro. Desta forma, ela representa uma
exceção no comportamento do valor dos produtos de
exportação, principalmente pelo comportamento da
China, que manteve o ritmo de compras do produto
brasileiro, o que tem contribuído para a sustentação
dos preços internacionais.
Alguns produtos, no entanto, conseguiram escapar
da tendência de queda de preços e vão trazer mais
receitas neste ano, devido a aumento de produção e
a preços melhores. Um desses destaques é a cana-deaçúcar. Com um valor total de produção de R$ 24,5
bilhões neste ano, o setor supera em 18% o de 2008.
A tonelada foi negociada a R$ 35,50 de janeiro a julho
deste ano, 12% a mais do que em 2008. No País, produtores de cana tiveram a renda média sustentada.
No grupo de produtos que tiveram desempenho
positivo no valor de produção, o arroz aparece com
um crescimento de 11%, chegando a R$ 8,8 bilhões
em 2009, posicionando-se em quinto lugar de participação no total. Por ser um produto relevante para
o mercado doméstico, esse desempenho apresenta
um fator positivo de incentivar a continuidade ou
Os resultados para os produtores apresentam grande
disparidade entre as regiões. Salvos pelo bom desempenho nos preços do arroz e da mandioca, os produtores da região Norte foram os únicos que tiveram
recuperação de renda neste ano em relação a 2008,
com ganho de 10,6%. As demais regiões perderam:
Centro-Oeste (menos 8,8%), Sul (8,2%), Sudeste (5,5%)
e Nordeste (1,8%).
Os piores cenários ocorrem nas regiões Centro-Oeste
e Sul. Por exemplo, os produtores paranaenses enfrentaram as maiores quedas no valor da produção. Além
da queda de 16% nos preços do milho neste ano, o Estado fecha a safra 2008/2009 desse grão com baixa de
28% no volume produzido. Afetado ainda pela queda
de 14% nos preços do trigo, o Estado, um dos líderes
de produção de grãos do País, teve redução média de
17% no valor total da produção, que caiu para R$ 17,9
bilhões. Entretanto, não foi apenas o milho que derrubou as receitas dos produtores neste ano em relação a
2008. Café, algodão e soja também estiveram na lista,
o que levou Estados como Mato Grosso (11%), Mato
Grosso do Sul (23%) e Minas Gerais (11%) a figurar
também entre os que mais tiveram redução no valor
total da produção neste ano. Em São Paulo, a cana
representa 51% do valor da produção, considerando
os 20 itens acompanhados. O valor de produção do
Estado recuou apenas 2,9%.
Em resumo, quanto ao desempenho da renda agrícola
em 2009, observa-se um movimento de perdas consideráveis para produtores envolvidos com produtos de
exportação, com exceção da soja, o que acabou amenizando o resultado agregado para a renda do setor.
Por outro lado, os produtos voltados para o mercado
local apresentaram desempenho positivo, o que tem
efeitos benéficos para a capitalização dos produtores
e garante a manutenção ou ampliação dessas culturas
para a próxima safra. Cabe destacar, ainda, o forte
impacto das condições climáticas para o agronegócio
brasileiro, o que pode levar à reflexão sobre as já bastante conhecidas deficiências nas áreas de irrigação,
que poderia minimizar a incerteza em relação ao
clima, assim como a necessidade de disseminação do
seguro agrícola, como forma de distribuir os riscos
entre os agentes das cadeias produtivas.
aumento de plantio na próxima safra, com potenciais
efeitos benéficos para a inflação futura, ao reforçar a
oferta interna.
4
(*) Mestre em Administração pela FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
Manuel Enriquez Garcia (*)
emprego, salário e taxa de ocupação
Deve-se assinalar que, na comparação com igual
trimestre de 2008, o PIB apresentou recuo de 1,2%,
devido principalmente ao incremento negativo registrado na indústria, de 7,9%, e na agropecuária,
que amargou redução de 4,2%. Nesse mesmo período
de comparação e, pelo lado da oferta, apenas o setor
serviços apresentou crescimento positivo, de 2,4%.
Segundo o IBGE, a queda observada no setor da agropecuária pode ser explicada pela queda na produção,
notadamente de soja, milho e café. Os segmentos de
pecuária, silvicultura e a exploração florestal também
registraram fraco desempenho no segundo trimestre
de 2009. Na indústria, todas as atividades apresentaram taxas negativas, salientando-se o recuo da indústria de transformação, de 10%, devido à forte queda na
demanda de máquinas e equipamentos, metalurgia,
peças e acessórios para veículos, mobiliário, vestuário
e calçados. Observaram-se também recuos na construção civil (9,5%), em eletricidade e gás, água, esgoto
e limpeza pública (4,0%) e na extrativa mineral, com
destaque para minérios ferrosos, com queda de 27,5%.
O crescimento observado no setor serviços (2,4%) foi
alavancado pelas variações positivas nos segmentos
da intermediação financeira e seguros (8,2%), outros
serviços (7,3%) e serviços de informação (6,8%).
Sob a ótica da demanda e ainda na comparação do
segundo trimestre de 2009 com igual trimestre de
2008, verificou-se um forte crescimento das despesas
de consumo das famílias, com incremento positivo
de 3,2%. Segundo o IBGE esse foi o 23º crescimento
consecutivo nessa base de comparação. O aumento da
massa salarial em termos reais de 3,3%, no segundo
trimestre de 2009, contribuiu para manter aquecida
a demanda, principalmente a de bens de consumo
duráveis. Já as despesas de consumo da administração
pública cresceram 2,2%, as exportações retraíram-se
11,4%, e as importações 16,5%. A pior notícia divulgada refere-se à formação bruta de capital fixo, o
investimento, que se retraiu 17% em igual período
de comparação.
setembro de 2009
Recentemente o IBGE divulgou os dados do PIB - Produto Interno Bruto, referentes ao segundo trimestre
de 2009 e houve a confirmação de que a economia
brasileira saiu da recessão. As informações apontam,
pelo lado da oferta global, e na comparação com o primeiro trimestre de 2009, que a produção nacional, em
termos reais, registrou um incremento de 1,9%, devido
principalmente ao aumento observado na indústria
(2,1%), seguida pelo setor serviços (1,2%), enquanto
o setor agropecuário apresentou um ligeiro recuo de
0,1%. Já pelo lado da demanda, as informações coletadas pelo IBGE dão conta de que as despesas de consumo das famílias registraram forte crescimento, de
2,1%, ajudando sobremaneira no combate aos efeitos
nocivos da crise financeira mundial. Já as despesas de
consumo da administração pública registraram variação negativa de 0,1%, enquanto em igual período de
comparação, a formação bruta de capital fixo, o investimento, permaneceu estável; as exportações de bens
e serviços e as importações apresentaram incrementos
positivos, respectivamente de 14,1% e 1,5%.
Quanto à Produção Industrial, o IBGE, por meio da
Pesquisa Industrial Mensal, informa que a produção
industrial registrou, em julho de 2009, incremento positivo de 2,2%% em face do mês anterior, descontadas
as influências sazonais. Deve se registrar que essa foi
a sétima expansão positiva nessa mesma comparação,
conseguindo-se, desse modo, uma expansão de 7,8%
nos cinco primeiros meses de 2009. Conforme o Instituto, em comparação com julho de 2008 a produção
industrial experimenta um recuo de 9,9%, refletindo
o comportamento negativo observado em 23 das 27
atividades pesquisadas. Dentre essas 23 atividades,
as que registraram recuos mais fortes na produção
física foram: veículos automotores, com incremento
5
negativo de 21,5%; máquinas e equipamentos (20,2%);
metalurgia básica, com recuo de 19,2% e material
elétrico e de comunicações com variação negativa de
28,1%. Já dentre as quatro atividades que apresentaram crescimento no produto industrial, destacou-se
a farmacêutica, com elevação de 8,6%.
setembro de 2009
Por sua vez, dentre as categorias de uso, e na comparação com julho de 2008, o segmento de bens de
capital registrou recuo de 23,9%, devido às reduções
observadas em todos os segmentos, com destaque
Como se pode notar, os dados publicados pelo IBGE
até este momento apontam para o fim do processo
recessivo e para a retomada do nível de atividade
industrial e do emprego na economia brasileira. A
retomada do nível de emprego, todavia, deverá ser
mais lenta do que a da produção física, devido ao fato
de que as empresas no período agudo da crise financeira “enxugaram” seu quadro de pessoal, buscando
a própria sobrevivência, e na saída da crise estão com
novas estruturas de produção, que passarão a exigir
menor número de trabalhadores.
para bens de capital para transporte, com queda de
19,1%, pressionado principalmente pela menor fabricação de caminhões. Por sua vez, a produção de bens
de consumo duráveis registrou queda de 6,7% em
relação a julho de 2008, influenciada positivamente
pela “linha branca” que cresceu 38,2%, uma vez que
a “linha marrom” apresentou queda de 26,2%.
O IBGE, em outra pesquisa, a Pesquisa Mensal de
Emprego e Salário, registra que a taxa de desocupação
em julho de 2009 foi de 8,1%, estável em relação ao mês
imediatamente anterior e, também, em relação a igual
mês de 2008. Os dados do IBGE registram também
que o contingente de pessoas ocupadas, estimado em
21,3 milhões em julho de 2009, para o total das seis
regiões metropolitanas, apresentou crescimento em
relação a junho de 2009 (0,9%) e de 1,1% em face de
igual mês de 2008.
O número de trabalhadores com carteira assinada
(9,6 milhões) cresceu 1,5% em relação a junho de
2009 e 4,2% em relação a igual mês de 2008. Quanto
ao rendimento médio real habitualmente recebido
pelos trabalhadores, relata o IBGE que em julho de
2009, para o agregado das seis regiões metropolitanas,
o valor foi estimado em R$1.323,30 (um mil trezentos
e vinte e três reais e setenta centavos), registrando um
incremento positivo de 0,5% em relação a junho de
2009 e alta de 3,4% em relação a igual mês de 2008.
(*) Professor da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 17 e 18/09/2009.
6
temas de
economia aplicada
Otaviano Canuto (*)
decoupling, reverse coupling1
and all that jazz
In PREM Note 141 released last week, Milan Brahmbhatt and Luiz Pereira da Silva point to several structural differences between the global economy today
and in the 1930s that tend to differentiate the current
crisis from the Great Depression. The larger weight
of faster-growing developing countries in the current
world economy is among those differences, one that
bodes well for recovery prospects. 2
chart 1 – world output growth 1961-2011 (% change)
early 2000s, this has been combined with systematically higher growth rates in developing relative to
developed economies. As the authors remark, “there
has been no decoupling in the cyclical component of developing country growth”, while “there has arguably been a
decoupling in underlying trend rates of growth” (p. 2). A
similar pattern remains even if China and India are
taken out of the picture.
setembro de 2009
As can be seen in Chart 1, there has long been a close
correlation between economic cycles in developed
and developing economies. More recently, since the
Source: PREM Note 141, p. 3.
7
setembro de 2009
So much for the heated debate sparked when – in
the late phase of the global financial “bubble” - some
analysts announced a “decoupling” of emerging
markets, to be just as promptly followed by those
referring to a “reverse coupling”, when so-called
“sub-merging markets” seemed to be dragging
developed countries even lower, during the throes
of the financial crisis! More recently, though, many
emerging markets have been recovering faster than
developed countries while also maintaining the
positive growth premium that emerged earlier in
the decade. The latest World Bank projections, for
example, are for developing countries as a whole to
grow by 1.2 percent in 2009, while GDP in developed
countries is forecast to decrease by 4.2 percent. In
fact, the true question is two-fold:
a. How really autonomous (sustainable) is the “trend
decoupling”; and
b. To what extent can “trend decoupling” provide a
positive boost or “reverse coupling” for developed
countries, particularly since many analysts expect
the crisis to leave developed economies with a
legacy of significantly lower growth in the near
future.
chart 2 – potencial output
Source: PIMCO.
8
Several factors could lead to a reduction of both actual
and potential growth in developed countries in the
next few years. On the demand side, it is still an open
bet whether the promptness and strength of recovery
in private absorption (consumption and investment)
will be sufficient to render unnecessary the current
“life support” provided by stimulative monetary and
fiscal policies, before the capacity for such stimulus
is exhausted. Brahmbhatt and Pereira da Silva (2009)
note how the combination of a credit crunch with
busts in the housing and equity markets, corporate
deleveraging of portfolios and rebuilding of net worth
by households all make a vibrant recovery in private
absorption a tall order.
On the supply side, lower investments in R&D may
not be the only negative factor affecting the evolution
of total factor productivity (TFP). Mohamed El-Erian
(2009), for example, singles out some possible causes
of lower potential output, listed in Chart 2 below. He
also calls attention to the possibility of a sooner than
expected need to unwind aggressive fiscal and monetary counter-cyclical policies if inflation also recurs
sooner than expected, due, for instance, to a substantial
decline in the path of potential output (Chart 2).
As for developing countries as a group, there are
at least three reasons to believe that it is possible to
sustain the “trend decoupling”:
ment in country balance sheets. As such it should persist in
the medium term, despite the severe negative shock of the
present crisis.” (p. 2).
First, the recent fast recovery in many large emerging
markets has reflected the good shape and sustainability of their national balance sheets. As Brahmbhatt
and Pereira da Silva (2009) remark, one hypothesis for
the recent rise in developing country trend growth
is that it “is mainly a payoff for the strenuous efforts by
many of these countries to improve their macroeconomic,
UBS has developed a Total Emerging Market Stress
Index, the components of which can be observed in
Chart 3. It looks like the recent financial frenzy in
developed economies has not led to a deterioration
of local financial conditions in emerging markets
as a whole (with several well known exceptions). It
suggests that the boom in emerging markets has not
structural, and other policies over the last 2-3 decades,
accompanied over the past decade with a marked improve-
been too dependent on the “hyper-bubble” financial
conditions in developed countries.
chart 3 – UBS total EM stress index
setembro de 2009
Source: UBS. Emerging Economic Perspective, p. 30, 17 Aug. 2009.
One notes from Chart 3 how major emerging market
crises in the 1980s and 1990s were preceded by a rise
in the group’s vulnerability indicators. However, on
this measure, emerging market vulnerability today
is lower than ever before. On the contrary, as Chart
4 indicates, there has been a fairly steady process of
financial integration of emerging and developed economies, accompanied by both a diversification in the
types of developing countries’ gross foreign liabilities
and a rise in their gross foreign assets relative to liabilities. Indeed, as of today, there seems to be a potential
for increased leverage that may well be available to
underpin a new wave of investment and growth in
developing countries, even if a reduced appetite for
cross-border capital flows from developed countries
persists for some time.
9
chart 4 – financial integration of emerging end developed economies
setembro de 2009
Source: Balakrishnan et al. (2009, p. 45).
A second reason to be upbeat regarding the possibilities of “trend decoupling” has been outlined by Dani
Rodrik (“Growth after the crisis”) in a recent contribution to the Commission on Growth and Development.
Even if the advance of the technological frontier slows
down in developed countries, developing countries
still have a wide scope for technological learning and
catching-up, given the existing “convergence gap”.
Furthermore, “structural change – the shift of capital
and labor from low-productivity to high-productivity
sectors – is both a cause and consequence of long-term
growth” (UNIDO, 2009, p. 4). And, as extensively
illustrated in UNIDO’s 2009 Industrial Development
Report, there is a lot of structural-change potential
still to be tapped as a source of growth in developing
countries, as long as outlets for absorption of the
correspondingly changing production structures
can be found.
To what extent might slower growth in developed
economies and an eventual adjustment of the U.S.
current-account deficit in particular hinder such a
process of structural change in developing economies? This leads us to the third motive why “trend
decoupling” could be sustainable in principle: the
structural dependence of developing countries on
exports to developed countries as an outlet for their
10
increasing GDP levels may have been somewhat
overstated. According to the already referenced UBS
report, once one adjusts existing cross-border trade
figures to take into account only the net-of-imports or
value-added contribution of exports to GDP, and once
the treatment of intra-regional trade is controlled for
different country sizes, emerging market economies
come out as “only marginally more export-oriented
than the U.S. or Europe”.
This is of course not to deny the role of extraordinary
demand and rising current account deficits in key
developed countries like the U.S. as an exogenous, autonomous source of impulse. Nor should one omit the
importance of China’s role as a large export processing
and assembly location catering for developed country
markets in explaining the unfolding of “production
chains” and large recent increases in trade among
developing countries. Nevertheless, there are grounds
to believe that fast rising absorption within developing countries can provide at least a compensating
factor. See Chart 5, which shows aggregate domestic
demand, savings, consumption and investment in
developing countries, keeping in mind that most of
the recent sharp rise in developing country savings in
the 2000s - the so-called “savings glut” - is accounted
for by China and some oil exporters.
chart 5 – spending at a record pace
Source:
UBS. Emerging Economic Perspective, p. 37, 17 Aug. 2009.
references
Balakrishnan, R.; Danninger, S.; Elekdag, S.;
Tytell, I. The transmission of financial stress from advanced
to emerging economies. IMF Working Paper 09/133, June 2009.
Available at: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2009/
wp09133.pdf>.
Growth Strategies and Prospects, Cambridge, MA, Apr.
2009. Available at: <http://www.growthcommission.org/
index.php?option=com_content&task=view&id=108&Ite
mid=201>.
UNIDO. Industrial Development Report 2009 – Breaking In and
Moving Up: New Industrial Challenges for the Bottom Billion
and the Middle-Income Countries, UNIDO, 2009.
1 Originally published at: http://blogs.worldbank.org/growth/
team/ocanuto
2 It is worth noting that developing countries will be treated
here in the aggregate, which tends to emphasize the experience of the large economies like China and India, while obscuring a great heterogeneity of conditions across countries.
Nevertheless most of the important conclusions in the paper
remain qualitatively correct even when China and India are
excluded.
setembro de 2009
(Almost) needless to say, the maintenance of “trend
decoupling” presupposes the preservation of sound
fiscal and monetary policies in the developing world,
as well as appropriate policies regarding technology
absorption and promotion of structural change. As for
the positive “reverse coupling” effects on developed
countries, although it is probably not large enough to
compensate for the headwinds facing their actual and
potential growth in the near future, certainly their
prospects will be better with a new growth cycle in
the developing world.
Brahmbhatt, M.; Pereira da Silva, L. The global financial
crisis: comparisons with the Great Depression and scenarios
for recovery. PREM Notes, The World Bank, n. 141, Aug. 2009.
Available at: <http://www1.worldbank.org/prem/PREMNotes/premnote141.pdf>.
El-Erian, M. A new normal. Secular Outlook, PIMCO, May
2009. Available at: <http://www.pimco.com/LeftNav/
PIMCO+Spotlight/2009/Secular+Outlook+May+2009+ElErian.htm>.
Rodrik, D. Growth after crisis. Presentation at the conference
on Financial Crisis and its Impact on Developing Countries’
(*) Vice-President and Head of PREM Network, World Bank,
and former economics professor at FEA-USP
(E-mail: [email protected]).
11
Raphael dos Santos Veloso Martins (*)
Gilberto Tadeu Lima (**)
canal de custos da transmissão
monetária: uma discussão
preliminar
setembro de 2009
1. introdução
O debate acerca da melhor maneira de condução da
política monetária é recorrente em macroeconomia.
Tal debate envolve necessariamente o esmiuçamento
dos mecanismos de operação dos diversos mercados,
o que levaria a uma compreensão maior dos canais
de transmissão da política monetária, possibilitando
assim sua maior eficácia.
2. revisão da literatura
Mais recentemente, a taxa de juros nominal tem sido
utilizada como instrumento privilegiado de condução
de política monetária, posto que existe um relativo
consenso quanto a sua eficácia na atuação pelo canal
de transmissão da demanda. Assim, aumentos na taxa
de juros levariam, entre outros efeitos, a um encarecimento na concessão de crédito, reduzindo o consumo
e/ou o investimento. Portanto, elevações na taxa de
juros reduziriam a demanda agregada e, consequentemente, aliviariam pressões inflacionárias.
Entretanto, o cenário torna-se mais complexo ao se
admitir a operação de um canal de custos na transmissão monetária. Esta expressão traduz a ideia de
que aumentos na taxa de juros afetam a estrutura de
custos das firmas, e, consequentemente, suas decisões
de precificação.1 Assim, esta alternativa de mecanismo
de transmissão pode ter importantes consequências
sobre a maneira pela qual é concebida uma política
monetária ótima. Se as firmas aumentam preços como
resposta não apenas a pressões de demanda, mas
também a pressões de custos, uma elevação na taxa de
juros, ao elevar os encargos financeiros, pode levá-las
a aumentar seus preços. Logo, uma elevação na taxa
de juros nominal poderia se revelar contraproducente
em nível de controle inflacionário.
12
Dessa forma, uma cuidadosa avaliação do canal de
custos pode mudar a maneira de se conceber política
monetária. Tal avaliação é realizada nesta série de
artigos. Neste primeiro artigo, além desta introdução, é realizada uma breve revisão da literatura e são
apresentadas novas especificações de testes empíricos.
No segundo artigo, são apresentados os resultados
destes testes.
Na literatura empírica sobre o canal de custos, usualmente a investigação é realizada ou por meio de
Vetores Autorregressivos (VAR), ou procura investigar o canal de custos a partir da estimação de uma
Curva de Phillips. O presente trabalho encontra-se na
segunda vertente, cujos resultados são apresentados
parcialmente a seguir.
Chowdhury et al. (2006) estimam uma curva composta
por expectativa de inflação para o período seguinte,
inflação do período anterior, custos unitários reais
do trabalho e taxa de juros. Utilizou-se uma amostra
trimestral, de 1980 até 1997, para Canadá, França,
Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados
Unidos. Os resultados mostram relação direta entre
taxa de juros e inflação para Canadá, França, Itália,
Reino Unido e Estados Unidos. Em compensação, o
coeficiente da taxa de juros não foi significativo para
Alemanha e Japão.
Ravenna e Walsh (2006) estimam uma Curva de
Phillips para os Estados Unidos composta por expectativa de inflação, custos reais unitários do trabalho
e taxa de juros. São utilizados dados trimestrais, no
período de 1960 a 2001. O canal de custos mostrou-
se significante e robusto a diferentes conjuntos de
instrumentos e especificações da condição de normalidade.
Tillmann (2009) utiliza a mesma especificação de Chowdhury et al. (2006) e também a estima por GMM. Os
dados são americanos, trimestrais, no período 19602004. O canal de custos mostrou-se significante tanto
na estimação com a amostra total quanto na estimação
com subamostras. Ele mostrou-se maior nos períodos 1960-1982 e 1992-2004, perdendo importância
no período 1983-2004. O autor ainda realizou uma
estimação por rolling-window, sendo assim possível
observar a dinâmica do canal de custos ao longo do
tempo. A conclusão é que o canal de custos seguiu
uma trajetória em forma de U ao longo do período,
tal conclusão sendo independente da medida de taxa
de juros adotada.
3. novas especificações de curva de Phillips com a
presença de um canal de custos
Tendo estabelecido o pedigree do canal de custo da política monetária na literatura empírica contemporânea,
e como preâmbulo da análise empírica desenvolvida
no próximo artigo da série, apresentamos agora diferentes especificações desse canal, que são derivadas
em Lima e Setterfield (2009). Todas as especificações
têm como base uma teoria de precificação por markup, que possibilita investigar como custos de serviço
de endividamento (e, portanto, a taxa de juros) afetam
a formação de preços e, em última instância, a taxa de
inflação, tal como captado por uma curva de Phillips
p = ˆι + βp e + γy
onde p é a taxa de inflação, ιˆ é a taxa de crescimento
e
da taxa de juros, p é a taxa de inflação esperada e
y é o nível de produto.
Na segunda especificação, a taxa de inflação, assim
como na versão da curva de Phillips Novo-Keynesiana
que contempla o canal de custo da transmissão monetária, depende positivamente do nível da taxa de
juros nominal:
p = θ1ι+ θ 2 p e + θ 3 y
Por fim, fazemos a taxa de inflação depender positivamente da taxa de variação da taxa de juros nominal.
p = ι+ βp e + γy
referências
Chowdhury, I.; Hoffmann, M.; Schabert, A. Inflation
dynamics and the cost channel of monetary transmission.
European Economic Review, 50, p.995-1016, 2006.
Lima, G.T.; Setterfield, M. Pricing behaviour and the cost
push channel of monetary policy. Review of Political Economy,
forthcoming, 2009.
RABI JUNIOR, L. A. Três ensaios sobre macroeconomia aplicada.
2008. Tese (Doutorado), Universidade de São Paulo.
setembro de 2009
Para o Brasil, embora muitos trabalhos tratem do
price puzzle, possivelmente apenas Rabi Junior (2008)
trate especificamente do canal de custos como uma
possível explicação. Estima-se uma Curva de Phillips
Novo-Keynesiana com a presença do canal de custos,
derivada a partir de um modelo de equilíbrio geral.
São utilizados dados mensais, de agosto de 1994 a
junho de 2008. O resultado encontrado é que não
há evidência de canal de custo, independentemente
da parametrização utilizada, ou de a estimação ser
realizada para uma Curva de Phillips de economia
fechada ou aberta.
de curto prazo. Na primeira, a taxa de inflação depende positivamente da taxa de crescimento da taxa
de juros nominal:
Ravenna, F.; Walsh, C. E. Optimal monetary policy with
the cost channel. Journal of Monetary Economics, 53, p.199216, 2006.
TILLMANN, P. The time-varying cost channel of monetary
transmission. Journal of International Money and Finance,
forthcoming, 2009.
1 Na literatura, o canal de custo da política monetária também
recebe as seguintes denominações: paradoxo de Gibson, efeito
Cavallo-Patman e price puzzle.
(*) Mestrando em Teoria Econômica pelo IPE-FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
(**) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP
(E-mail: [email protected]).
13
Iraci del Nero da Costa (*)
setembro de 2009
das bravatas ao assistencialismo
governamental: o Brasil
mudou para pior?
Um conjunto de decepções com o modo tradicional,
aventureiro ou mentiroso de governar levou as camadas médias brasileiras a aceitar as propostas de
mudanças substanciais na vida política e econômica
da Nação propaladas pelo sindicalista tornado líder
político nacional à frente do PT. Assim, a chamada
“opinião pública”, que sempre trouxe acopladas a si as
parcelas menos privilegiadas da população, conduziu
a parcela majoritária do eleitorado a garantir a primeira eleição do atual presidente da República.
De toda sorte, deve-se ter presente que este descoComo sabemos, as esperanças de alterações de fundo
no modelo político e socioeconômico, de há muito
dominante entre nós, viram-se rapidamente frustradas. As antigas promessas foram identificadas como
bravatas necessárias a angariar votos, e a emergência
de seguidos escândalos na órbita governamental e
no seio do PT restaram reduzidos a algo de somenos,
tidos pelo governo central como fenômenos comuns
e universais que permeiam todo o correr de nossa
história.
Não obstante a desesperança de alguns, o episódio
do mensalão evidenciou a possibilidade de se dar
o descolamento, com respeito às demais camadas
sociais, daquela composta pelos mais pobres e desvalidos. Como tive a oportunidade de anotar em outros escritos,1 o atual presidente da República, muito
habilmente, mediante o alargamento e mudança das
práticas assistencialistas, trabalhou de sorte a consolidar a aludida autonomização, monopolizando
o apoio da grande maioria dos mais necessitados.
Tal fato, como é de conhecimento geral, colocou-se
na base da reeleição do chefe da Nação e contribui
decisivamente para garantir o alto grau de aceitação
popular do qual ele desfruta.
14
Evidentemente, como apontei em outro artigo2 , o
estabelecimento de um verdadeiro “coronelismo governamental” representa, já que desacompanhado de
reformas substantivas, um irrecusável retrocesso com
respeito à vivência política da Nação e aos direitos
de cidadania de toda a sua população, pois, como
anotamos há anos, com porcentagem ínfima do PIB
tornou-se viável a compra de um grande número de
eleitores.
lamento trata-se de fenômeno social definitivo e
irreversível, vale dizer, vivemos uma nova quadra
de nossa história política e eleitoral. Destarte, tanto
as agremiações político-partidárias como os pactos e
as alianças eleitorais terão, doravante, de pautar-se
segundo o novo perfil assumido pelo cenário no qual
se movimentam os eleitores brasileiros; velhos atores,
cujos papéis eram de meros coadjuvantes, podem
definir-se, no futuro imediato, como protagonistas.
Se nos falta, a historiadores, sociólogos e politicólogos, conhecimento pleno e análises percucientes do
processo em desenvolvimento, tal carência revelase mais evidente ainda quando tomamos em conta
nossos partidos políticos, sobretudo os da oposição.
Encontram-se eles, em larga medida, verdadeiramente
baratinados e confusos; daí este sentimento generalizado de que não existe oposição ao governo central
ou de que ela se omite ou não age corretamente. A
nosso juízo, o problema não está na ausência de uma
oposição, nem em eventuais falhas de atuação; na
realidade, a oposição simplesmente não sabe como se
comportar em face das novas peças e dos arranjos
recentemente introduzidos no tabuleiro no qual se
fere o jogo político.
Como se aproximar política e ideologicamente desta
parcela inorgânica do eleitorado, aparentemente dominada pela situação? Como atender a seus interesses,
ora saciados pelo poder central? Quais serão suas
expectativas situadas além do simples atendimento de
seus interesses imediatos? Tais expectativas já estão
definidas pelos interessados, ou eles próprios ainda
não alcançaram plena consciência de um processo que
lhes garantiu algum dinheiro e uns poucos bens, os
quais, a seus olhos, foram oferecidos por um governo benevolente que os levou em conta e o qual urge
preservar a qualquer custo?
Haverá projeção deste novel panorama, definido em
termos nacionais, no plano dos Estados e no nível dos
Municípios?
Enfim, como preencher o hiato existente entre as
costumeiras práticas oposicionistas e as figuras praticamente desconhecidas que passaram a ocupar o
proscênio de nossa vida política?
referências
COSTA, Iraci del Nero da. A voz do povo. Informações FIPE. São
Paulo, FIPE, n. 309, p. 21-23, 2006a.
______. Brasil: os mesmos atores e novos papéis? Informações
FIPE. São Paulo, FIPE, n. 312, p. 25-26, 2006b;
______. Da política desenvolvimentista ao clientelismo de Estado.
São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, setembro
de 2007).
______. Brasil: população redundante e coronelismo governamental. São Paulo. (Texto com divulgação pela Internet,
outubro de 2007).
______. Eleições municipais de 2008: algumas especulações. São
Paulo. (Texto com divulgação pela Internet, outubro de
2008).
______. Fixando ideias. Informações FIPE. São Paulo, FIPE, n.
345, p. 35-36, 2009.
1 Costa (2006a; 2006b; setembro de 2007; 2008; 2009).
2 Costa (outubro de 2007).
setembro de 2009
Já a situação, no âmbito nacional, parece estar plenamente acomodada em seu papel de distribuidora generosa de umas poucas migalhas altamente significativas para seus beneficiários, extremamente carentes.
Tais atitudes, assumidamente Paternais (e Maternais,
como quer o presidente da República) serão bastantes
para garantir sua continuidade no poder?
Portanto, a pergunta crucial que se põe no presente
não diz respeito ao fato de ter ocorrido e se fixado a
independentização em pauta, mas, sim, se a massa
de eleitores despossuídos vergar-se-á passivamente
a este coronelismo de novo tipo.
Caso isto venha a se dar, o Brasil estará fadado a um
período indefinido de estagnação institucional e de
degeneração política ainda mais acentuada do que a
experimentada nos últimos lustros.
(*) Professor Livre-docente aposentado da FEA-USP.
(E-mail: [email protected]).
15
Julio Lucchesi Moraes (*)
economia da cultura:
lacuna ou apatia?
setembro de 2009
Dentro dos diversos desdobramentos observados
pela Teoria Econômica nas últimas décadas, vem
ganhando destaque a subárea conhecida como Economia da Cultura. A despeito de trabalhos de inegável mérito realizados no tema, queremos crer que,
até o momento, as contribuições feitas à disciplina
seguem sobremaneira marginais dentro do campo
de análises científicas dos fenômenos culturais da
atualidade.
Pretendemos, numa série de quatro artigos, refletir
sobre os limites e potencialidades da Economia da
Cultura como subárea da Ciência Econômica. Nossa
preocupação principal será analisar a viabilidade da
existência de um programa propriamente positivo,
isto é, de um aporte teórico e metodológico que seja
capaz de realizar inferências e análises empíricas no
tema e que consiga promover algum grau de generalização, evadindo o mero campo dos estudos de casos
localizados.
Em primeiro artigo da série apresentaremos os posicionamentos gerais de pesquisas no tema, divididos
esquematicamente entre o grupo dos “integrados”
e o dos “céticos”. Em segundo artigo, dedicaremos
nossas atenções às análises econômicas clássicas
feitas sobre a questão para, nos dois últimos artigos, analisar de que maneira os economistas vêm
empregando termos e conceitos de outras áreas
das Ciências Humanas (tais como Indústria Cultural ou Indústrias Criativas). O argumento será
que tais termos, embora auxiliem sobremaneira no
estabelecimento de uma agenda de pesquisas, estão
sendo utilizados, via de regra, de maneira acrítica
e pouco refletida, descolados e distorcidos de suas
proposições originais.
16
céticos e integrados
É certamente sintomático que as reflexões sobre a
produção e consumo culturais tenham sido evitadas
desde os primeiros textos da Ciência Econômica.
Adam Smith, e também David Ricardo, afirmavam
que os gastos com arte não contribuíam para a riqueza
da nação, representando exemplos de trabalho não
produtivo (Benhamou, 2007, p.15). Também Alfred
Marshall em Princípios de Economia, de 1891, escreveu
que as constantes exceções e anomalias do consumo
cultural pareciam indicar a completa insubordinação
do tema aos preceitos econômicos básicos, como Utilidade, ou aos critérios de precificação (idem, ibidem).
A existência de bens com comportamentos “anormais”, contudo, está longe de ser uma novidade
para os economistas. Pode-se inclusive dizer que a
discussão sobre esses bens de difícil precificação e
avaliação (bens públicos, coletivos, externalidades
etc.) encontra-se hoje na fronteira teórica de uma
nova microeconomia. Em tal chave teórica, seria uma
questão de tempo até que as adições ao mainstream
conseguissem encontrar formulações e adaptações
teóricas eficazes quando das avaliações e inferências
sobre o tema. Podemos chamar essa corrente teórica
de “integrada”, isto é, uma corrente que acredita na
possibilidade de incorporação dos temas culturais na
pauta de pesquisas tradicionais sem a exigência de
grandes alterações.
Outra parcela de economistas, entretanto, prefere simplesmente “abster-se da questão”. À maneira de Smith,
Ricardo ou Marshall, assume-se uma incompatibilidade essencial entre os temas. Aos deste grupo daremos
o nome de “céticos”. Para essa parcela de pesquisado-
res, as questões culturais não podem ser analisadas à
luz da racionalidade do Homo Oeconomicus. Tal posição
é expressa de maneira claríssima numa afirmação de
John Galbraith no final dos anos 1960:
A arte não tem nada a ver com a preocupação dos
economistas. Os valores dos artistas – sua esplêndida
e quase sempre apaixonada insistência na supremacia de objetivos estéticos – são subversivos aos conceitos progressistas e materialistas do economista.
O artista faz o economista parecer tolo, rotineiro,
filisteu e pouco apreciado por suas preocupações
terrenas… Não apenas os dois mundos nunca se
encontram, mas o repúdio em cada um deles é dificilmente negligenciado (apud Throsby; Whiters, 1979, p. 1).
São duas as críticas que podem ser formuladas ao
posicionamento de Galbraith e dos demais céticos:
primeiramente, porque o autor parece usar uma
ideia excessivamente restritiva de “artista” – um tipo
de gênio dotado de contornos idealistas e até mesmo romantizados.1 Parece-nos, entretanto, que tal
A segunda crítica é que dificilmente conseguiríamos
transpor tal ceticismo para os dias de hoje. Se no
final dos anos 1960, quando a frase de Galbraith foi
elaborada, a produção intelectual econômica ainda
centrava-se fortemente num paradigma industrial,
onde a participação dos itens culturais nas economias
mundiais era reduzida, o mesmo não ocorre nos anos
2000.
Se a adição de tais itens causa superdimensionamento
dos números do setor, existem outras características
que não estão sendo contabilizadas. Destaca Carla
Jimenez em seu artigo O elusivo PIB das artes que parte
significativa do setor pode estar desenvolvendo-se
fora da formalidade, isso sem falar no grande impacto
da pirataria (idem, ibidem). Estas são apenas algumas
das muitas dificuldades das análises no assunto, dificuldades estas sobre as quais a Ciência Econômica
não pode se furtar de estudar.
em busca de um programa positivo
Há, para além das duas posições extremadas – a dos
céticos e dos integrados – pontos intermediários. No
objetivo de estabelecer uma agenda positiva do tema,
parece haver crescente sensibilidade da Ciência Econômica em buscar auxílio junto às demais cadeiras
das Humanidades (Psicologia, Sociologia, Filosofia
etc.). Como pretendemos ver nos próximos artigos,
tais incursões promoverão diferentes arranjos temáticos e chegarão a diferentes resultados sobre o objeto.
Demonstraremos que tais posicionamentos intermediários têm como marca o pluralismo teórico e metodológico, estando ora mais próximos do núcleo duro
do pensamento neoclássico, ora mais distantes.
setembro de 2009
categoria profissional mostra-se muito mais flexível
e heterogênea quanto quer fazer crer o economista
americano. Ignorar tal característica é incorrer num
exagerado simplismo ante o objeto de estudo.
Há inegáveis problemas na mensuração dessas cifras:
em primeiro lugar, porque os países se valem de diferentes conceitos de “cultura”, incluindo, por tal razão,
diferentes produtos em suas agregações. No caso
da pesquisa do IBGE, por exemplo, considera-se no
cálculo do PIB cultural o montante gasto com compra
de equipamento de som e de televisores, bem como
gastos com livros didáticos e gastos com passeios.
conclusão
As estimativas do tamanho do PIB cultural ao redor do
mundo são imprecisas e oscilantes. Em estudo de 2003,
por exemplo, o Banco Mundial estimou-o em cerca de
7% do PIB total. Pesquisas feitas junto às famílias norteamericanas e francesas indicam que os gastos culturais
variam entre 3% e 6% do orçamento familiar nacional.
No Brasil, pesquisa realizada pelo IBGE para o ano de
2003 chegava a resultado semelhante: 3,5% dos gastos
familiares (Jimenez, 2009, p. 48).
O artigo inaugurou uma série de reflexões sobre o
tema da Economia da Cultura. Como vimos, o tema
segue sendo marginal dentro das pesquisas de Ciências Humanas. Destacamos duas interpretações
extremadas – a dos integrados, que acreditam que
a questão cultural poderá ser incorporada à pauta
de pesquisas tradicionais sem grandes alterações do
marco teórico, e a dos céticos, que afirmam a mais
17
completa incompatibilidade entre os temas. Dada a
crescente participação dos itens culturais para o PIB
mundial, vimos que a posição cética é incompatível
com os dias atuais e precisa ser contornada.
Sugeriu-se, por fim, uma terceira via, intermediária
às duas anteriores. Trata-se de um posicionamento
marcado pelas referências a outras áreas das Humanidades e pelo pluralismo teórico e metodológico.
Voltaremos a falar sobre o tema nos próximos artigos
da série.
THROSBY, D; WITHERS, G. A. The economics of the perfoming
arts. St. Martins Press, 1979.
1 Voltaremos a essa definição de artista quando discutirmos
os termos Indústria Cultural e Indústrias Criativas.
referências
BENHAMOU, Françoise. A economia da cultura. Cotia, São Paulo:
Ateliê Editorial, 2007.
setembro de 2009
JIMENEZ, Carla. O elusivo PIB das artes. Revista Observatório
Itaú Cultural / OIC. São Paulo: Itaú Cultural, n. 7, p. 47-52,
jan./mar. 2009.
18
(*) Graduado em Economia pela FEA-USP, mestrando em História
Econômica pela FFLCH-USP e Pesquisador da FIPE.
(E-mail: [email protected]).
Clara S. N. da Rocha (*)
contenção de risco sistêmico através de
elevação de coeficientes de capital:
uma análise crítica
1. introdução
2. o Acordo de Basileia I
O Acordo de Basileia, de 1988, foi uma resposta
do G10 à exigência americana de aumentar a competitividade dos bancos de atuação internacional,
supostamente prejudicados por regras prudenciais
domésticas de alguns países. O intuito era que a concorrência nesse segmento não se desse por meio de
vantagens de custos de origem regulatória. Portanto,
o requerimento de coeficientes mínimos de capital
destinar-se-ia especialmente a bancos de atuação
internacional, sem o intento de significar uma proposta de regulação prudencial a ser estendida a toda
classe de bancos.
Embora a intenção principal do documento não fosse
reduzir o risco sistêmico do sistema financeiro internacional, na prática promoveu-o como subproduto
da tentativa de igualar o terreno de concorrência dos
bancos internacionais. De fato, o que verificou à época
foi uma adoção generalizada dos termos do Acordo
de Basileia por uma série de países, como o Brasil,
que ainda não dispunham de um sistema financeiro
internacionalizado ou, como alguns países europeus,
que na falta de bancos comerciais aplicaram as regras
a bancos universais. Neste sentido, passou-se a impor
regras desenhadas para um segmento específico do
sistema bancário a instituições bancárias bastante heterogêneas. Com isso, Basileia I foi tomada como uma
estratégia de regulação prudencial, o que extrapolava
seu sentido original.
setembro de 2009
A recente crise econômica tem aberto espaço ao
questionamento da atual regulação prudencial, o
Acordo de Basileia II. Embora seja cedo para apontar
como será encaminhada a revisão da regulação, uma
proposta que parece ganhar força é a reafirmação de
um dos pilares do acordo, o aumento das exigências
de coeficientes de capital nos balanços de instituições
financeiras. O presente artigo pretende discutir a
eficiência de uma regulação prudencial focada em
aumentar os coeficientes de capital a fim de conter riscos de crédito e de mercado. Indaga-se especialmente
em que medida essa ferramenta pode dar conta dos
fenômenos financeiros que busca evitar. Para tanto,
analisa-se o modo como os Acordos de Basileia I e
II tratam deste tema e faz-se uma breve análise dos
conceitos de risco sistêmico e efeito contágio a fim de
fundamentar a parte final do artigo: a análise crítica
da proposta de elevação de exigências de coeficientes
de capital.
Os requerimentos de capital em Basileia I eram determinados de modo a refletir a exposição total da
instituição a risco de crédito. A função tutelar do Comitê fazia-se presente por meio da formulação de uma
tabela de classificação das diversas classes de ativos
conforme seus riscos, para servir como ponderação
para a obtenção do valor do risco ajustado dos créditos. As instituições deveriam manter oito por cento do
valor do risco ajustado dos créditos, em ativos.
Em decorrência, o documento passou a receber críticas
por não refletir corretamente a complexidade de riscos
aos quais os bancos estavam de fato sujeitos, além de
propiciar arbitragem dentro das classes de risco determinadas. Ironicamente, incentivava os bancos a seguir
rumo ao mercado de securities para fugir da regulação.
Assim, como instrumento de regulação prudencial,
Basileia I apresentou insuficiências por focar demasiadamente as questões relativas a crédito.
19
3. a Emenda de 1996
setembro de 2009
A Emenda de 1996 buscou suspender o incentivo não
intencional fornecido pela regulação à securitização,
ampliando o escopo do acordo original. Ao estender
os requerimentos de capital às carteiras de investimento e negociação dos bancos, abrangeu também o
risco de mercado (variação de preços dos títulos em
carteira). Implícita a esta emenda está a percepção de
que os bancos haviam diversificado e complexificado
sua atuação, deixando de apenas captar depósitos e
fazer empréstimos, o que os expunha a uma gama
mais ampla de riscos.
Com isso, surgiram novas questões. Embora o risco de
mercado seja mais fácil de medir que o de crédito, instituições atuantes em ambos os segmentos deveriam
considerar que os riscos nos diferentes segmentos
podem não ser independentes, o que dificulta a formulação de um padrão de análise de risco genérico.
Mas, por outro lado, fazia-se necessário uma forma
de cálculo aplicável a todos os bancos, a fim de não
haver benevolência para com determinadas condutas.
Neste contexto, os modelos VaR (Value at Risk) surgiram como instrumento para calcular o volume de
perdas às quais as instituições estavam sujeitas devido
ao risco de mercado. Além de provisões para arcar
com perdas esperadas, as instituições deveriam se
preocupar também com perdas inesperadas, a serem
cobertas por seu capital.
Aqui, novamente os coeficientes de capital ganharam
posição de destaque como instrumento relevante.
É interessante destacar que ao colocar o foco da
regulação sobre o requerimento de capital, buscouse garantir a solvência das instituições bancárias e
não apenas sua liquidez. Isso encerra uma tradição
basicamente focada no combate a corridas bancárias,
o que, em grande parte, tornou-se possível devido
às instituições de seguros de depósitos bancários,
além das garantias decorrentes da existência de um
emprestador de última instância.
4. o Acordo de Basileia II
A revisão do acordo original, em 2004, que deu origem
ao chamado Acordo de Basileia II, trouxe alguns ele-
20
mentos centrais de continuidade. Segundo Carvalho
(2005b), além de reafirmar os dois objetivos básicos de
Basileia I – promover estabilidade financeira e nivelar
o campo de competição internacional de bancos –, o
novo texto reenfatiza o uso dos requerimentos de adequação de capital como instrumento central. Contudo,
é necessário ressaltar que, mais do que melhoramentos
técnicos, Basileia II foi formulada como uma peça de
regulação prudencial.
Segundo Carvalho, enquanto Basileia I focou o que os
bancos com atuação internacional têm de particular,
Basileia II trata de riscos bancários, o que implica uma
análise mais idiossincrática, observando o conjunto de
riscos ao qual cada instituição está sujeita. Isso decorre
da constatação de que uma regulação que vise ao aumento da segurança do sistema requer instrumentos
de manejo e discriminação de risco mais sutis comparativamente aos que constavam de Basileia I.
As recomendações de Basileia II dividem-se em três
pilares: a definição de requerimentos míninos de
capital, de acordo com métodos de medida de risco;
os poderes e atribuições do supervisor financeiro; e
a disciplina de mercado. Este artigo analisa apenas o
primeiro pilar.
A constituição de capital mínimo foi a forma escolhida
para lidar com o risco sistêmico da indústria financeira. Se as bases para o tratamento do risco de mercado,
em Basileia II, já constavam da Emenda de 1996, o
risco de crédito, por sua vez, recebe um tratamento
diferente da abordagem original. Agora, o cálculo
deste risco descarta a tabela de riscos de Basileia I,
considerada um instrumento por demais simplório
para dar conta da heterogeneidade das instituições
e de suas políticas de investimento, captando imprecisamente a exposição ao risco de crédito. E, além
disso, o Comitê passou a voltar sua atenção também
aos riscos operacionais.
Contudo, o novo documento é portador de uma
dificuldade conceitual ligada ao risco de crédito. A
tentativa de Basileia II de tratar o risco de crédito
com os mesmos instrumentos do risco de mercado é
impregnada por uma visão míope quanto ao conceito
de risco de crédito, pois, diferentemente da variação
do preço de uma ação, default é um conceito subjetivo, não observável. O atraso de um pagamento não
significa calote. Do ponto de vista do banco, pode
ser interessante considerar um atraso de pagamento
como calote apenas na falta de qualquer perspectiva
de reabilitação da capacidade futura de pagamento
do cliente. Definições legais de calote não resolvem
a questão, pois dificilmente refletem a avaliação do
banco quanto ao risco envolvido na transação. Não
sendo diretamente observável, a probabilidade de
ocorrência de calote fica indeterminada ou, pelo menos, de difícil mensuração. Além disso, a construção
de séries de tempo, como se faz na análise de risco de
mercado para títulos com mercado secundário, fica
prejudicada, pois, além de ter difícil conceituação, o
default é um evento raro.
Segundo Carvalho (2005b), é possível afirmar que,
apesar de Basileia I ter efetivamente aumentado a
segurança sistêmica, devido ao aumento do capital
dos bancos, lições erradas foram tiradas dele. O tipo
de sofisticação dos cálculos de riscos, que surge como
melhoramento do documento original, não provê um
tratamento adequado da questão, pois é permeado por
problemas conceituais.
5. risco sistêmico e efeito contágio
O debate sobre propostas de regulação prudencial
suscita a análise do modo como as instituições que
compõem o sistema financeiro se relacionam e da
interação deste setor com os demais setores da economia. Isso se deve ao fato de o sistema financeiro ser
permeado por risco sistêmico, isto é, pela possibilidade
de um choque localizado ser transmitido ao sistema
O contágio refere-se ao risco de que problemas em
dada instituição venham a contagiar todo o mercado,
mesmo que as demais instituições estejam tomando
cuidados para manter a solidez de suas operações
(Carvalho, 2005a). Em grande parte esse fenômeno
pode ser explicado por questões relativas à confiança
que o público deposita no sistema financeiro.
Já o alastramento da crise do sistema financeiro para
a economia como um todo pode se dar por dois canais
de transmissão ligados aos papéis desempenhados
por esse sistema: o exercício da função de sistema
de pagamentos (transferência de depósitos à vista
entre bancos comerciais) e a concessão de crédito.
O desempenho da primeira função apoia-se na confiança do público quanto à possibilidade de o banco
transformar depósitos à vista em moeda legal, sempre
que solicitado. Neste caso, dúvidas podem levar a corridas bancárias. É interessante destacar que a própria
dinâmica de atuação dos bancos, ao trabalharem com
o sistema de reserva fracionária, impede que honrem
em moeda legal, ao mesmo tempo, todos os compromissos assumidos com seus depositantes. A atuação
do Estado como emprestador de última instância ao
setor bancário e a existência de instituições de seguros
de depósitos, em geral, garantem o funcionamento do
sistema de pagamentos. O segundo canal de transmissão é tratado ao final do próximo tópico.
setembro de 2009
Estas indefinições quanto ao conceito de default põem
em xeque o tratamento destinado ao risco de crédito. A
mesma crítica pode ser estendida ao tratamento dado
ao risco operacional, pois sob este “conceito guardachuva” tem-se colocado uma série de riscos de natureza bastante diversa. Com isso, as medidas de risco de
eventos ligados a default e a risco operacional têm sua
precisão questionada em seu nível mais fundamental,
criando um fosso entre o fenômeno que se pretende
conter e os instrumentos utilizados para tanto.
financeiro como um todo e, eventualmente, levar a um
colapso da própria economia (Carvalho, 2005a).
6. crítica à proposta de elevação de coeficientes de
capital como forma de conter risco sistêmico
A crença de que uma instituição financeira está segura
quando detém coeficientes de capital em volume significativo, na forma de ativos, deve ser avaliada com
minúcia. Essa segurança pode vir da manutenção de
cash, de ativos líquidos ou de ativos colateralizáveis,
por exemplo. Contudo, esta noção toma a liquidez
do mercado como exógena, isto é, ignora que quando
ocorrem problemas no sistema financeiro a liquidez
pode “secar”. A venda de um ativo, a fim de obter
recursos líquidos, pode ela própria provocar a queda
do preço do ativo ou encontrar uma situação na qual
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setembro de 2009
o preço do ativo já esteja depreciado. A utilização
da marcação do valor dos títulos a mercado pode
amplificar um choque ao contribuir para espalhar a
depreciação de preços pelos balanços de instituições
que, a princípio, não estavam ofertando os ativos.
Com isso, cria-se um incentivo para que os bancos se
desfaçam desses títulos, intensificando a derrubada
de preços. A defesa por meio de ativos colateralizáveis também impõe ressalvas, pois não é garantida a
obtenção de recursos em um ambiente de redução do
volume de empréstimos e, além disso, é possível que
haja desconfianças quanto ao próprio colateral.
Assim, não basta levar em conta apenas as condições
de “saúde” dos bancos individualmente, pois mudanças no estado de confiança podem afetar negativamente essas condições, impossibilitando que se tome
como exógeno o ambiente de mercado que cerca as
instituições financeiras. Destaca-se que o método VaR
incorre neste erro ao utilizar, em seus cálculos, o preço
dos ativos como dados.
A defesa contra o risco sistêmico por meio de aumento das margens de segurança encontra, portanto, as
limitações apontadas acima, pois é efetiva apenas
enquanto os mercados dos ativos que compõem a
margem forem líquidos, isto é, enquanto puderem
absorvê-los sem alteração de seus valores. Neste sentido, as regras de controle prudencial devem levar em
conta, além da atuação individual das instituições,
suas inter-relações, num raciocínio mais sistêmico.
Apesar das ressalvas apontadas, a estratégia da
regulação tem se voltado prioritariamente para as
próprias instituições financeiras, concedendo-lhes
incentivos para reduzir sua exposição individual
a riscos, deixando em segundo plano os processos
de transmissão de dificuldades. Isso se explica, em
medida, pela duvidosa percepção de que a gestão de
riscos em nível micro pode garantir a estabilidade
do sistema (Mendonça, 2008). Outra evidência
desta limitação são os efeitos pró-cíclicos – ligados
ao segundo canal de transmissão mencionado – que
acompanham a proposta de aumento de coeficientes
de capital em meio a uma crise como a atual. Em um
ambiente de crescente incerteza, sob a lógica racional
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microeconômica, os bancos rumam a posturas mais
conservadoras, elevando margens de segurança e
reduzindo empréstimos. Contudo, nestes momentos
o crédito é fundamental para evitar que firmas que
apresentem posturas mais especulativas ou Ponzi
entrem em falência. Assim, esta atitude mais restritiva
dos bancos pode espalhar para o resto da economia as
dificuldades enfrentadas no sistema financeiro. Neste
sentido, a fixação de coeficientes de capital sensíveis a
risco, como forma de proteção microeconômica, pode
entrar em contradição com os objetivos macroeconômicos, com sérias implicações sobre a dinâmica do
sistema econômico.
7. conclusão
Primeiramente, é importante ter clareza que, em meio
a uma crise, não há volume de capital que de fato proveja segurança indubitável. Talvez mais importante
que elevar os coeficientes de capital das instituições
financeiras seja obter formas de medida do risco de
crédito – e operacional – mais consistentes, como estratégia mais efetiva de contenção de risco sistêmico.
Neste sentido, a regulação prudencial deve se valer
de ferramentas que captem de modo mais acurado
os riscos aos quais as instituições financeiras efetivamente estão expostas. Para tanto, são fundamentais
instrumentos mais sensíveis à tentativa de conciliação
entre os objetivos micro e macroeconômicos. Não se
trata de uma tarefa fácil, mas é necessária.
referências
CARVALHO, F. J. C. Inovação financeira e regulação prudencial: da regulação de liquidez aos acordos da Basiléia. In:
Sobreira, R. (Ed.). Regulação financeira e bancária. São Paulo:
Editora Atlas, 2005a.
______. Basel II: a critical assessment. 2005b. Mimeo. Disponível
em: <http://www.ie.ufrj.br/moeda>.
MENDONÇA, A. R. R. Regulação bancária, gestão de riscos e
gestação da desordem financeira. In: Associação Keynesiana
Brasileira (Org.). Dossiê da crise. 2008. Disponível em: <http://
www.ppge.ufrgs.br/akb/novidades.asp?id=5>.
(*) Economista pela FEA-USP e mestranda em Economia
pelo IE-UFRJ. (E-mail: [email protected]).