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FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA Avenida Porto Velho, 401, Bairro João XXIII CEP 60510-040 – Fortaleza – CE Telefone: (85) 3299 9900 – fax: (85) 3496 4384 [email protected] – www.fgf.edu.br Mantenedora: Centro de Educação Universitária e Desenvolvimento Profissional - CEUDESP Diretor Administrativo e Financeiro: Eng. José Liberato Barrozo Filho Diretor de Infra-estrutura: Eng. Julio Pinto Neto Diretor Expansão: Eng. Adolfo Marinho Mantida: Faculdade Integrada de Grande Fortaleza Diretor Geral - Eng. José Liberato Barrozo Filho Diretor Acadêmico: Prof. Msc. Paulo Roberto Melo de Castro Nogueira Diretor FGFTV: Jonasluis DA SILVA, de Icapui Diretora de Marketing: Marina A. Barrozo Comissão Organizadora Prof. Damião Carlos Nobre Jucá - Profa. Flávia Roldan Profa. Sabrina Pinto Comissão Científica Profa. Andréia Turollo (UFC) - Prof. Antenor Teixeira Junior (FGF) Profa. Flávia Roldan (FGF) Comissão de Apoio Jaddy Santos de Souza - Wellingtania Bastos Cruz Eulaia Pereira de Souza - Ana Cristina Freitas Magalhães Ana Maria Pereira da Costa - July de Sousa Santos Catalogação na fonte: Maria Daci Silva Lopes Bibliotecária CRBB -3/951 Ficha catalográfica JUCÁ, Damião Carlos Nobre, (orgs.) & SILVA, Andreia Turolo da (orgs) Anais do II SILLE: Seminário Interdisciplinar Linguística, Literatura e Educação da FGF - Fortaleza: Faculdade da Grande Fortaleza/FGF, 2009/2010 1. Educação. 2. Linguística. 3. Literatura. 4. Linguística Aplicada. ISSN 1984-7173 CDD - 410 2 APRESENTAÇÃO Ao assumirmos a presidência do SILLE, tivemos a difícil incumbência de substituir à altura o trabalho até então tão bem realizado pela professora Andréia Turollo, a quem de público agradecemos pela idéia do evento e pelo apoio, sempre incondicional, a ele dado. Esta edição dupla, onde o leitor encontrará os trabalhos apresentados, enviados e aprovados para a publicação nos eventos de 2009 e 2010, nasce deste intuito. A presente edição dos anais do SILLE vem para consolidar este importante evento regional que congrega os estudiosos das áreas da Linguística, Literatura e Educação, oferecendo-lhes um espaço para a discussão acadêmica e para a divulgação de suas pesquisas através de sua publicação. A partir deste número, pretendemos que esta publicação seja anual, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento das mais diversas pesquisas em Linguística, Literatura e Educação desenvolvidas no Estado do Ceará. Esperamos que o SILLE tenha uma longa e profícua vida, contribuindo para o debate e a discussão sobre problemas referentes às áreas de Linguística, Literatura e Educação, e fomentando a pesquisa nestas áreas, tanto no âmbito da instituição que o promove, a Faculdade Integrada da Grande Fortaleza, quanto no regional. Damião Carlos Nobre Jucá Presidente do Sille Coordenador do Curso de Letras da FGF 3 4 ÍNDICE LINGUÍSTICA _______________________________9 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA: UMA REFLEXÃO TEÓRICO METODOLÓGICA PARA PESQUISA. Nádia Marques Gadelha Pinheiro Universidade Federal do Ceará Faculdade Integrada da Grande Fortaleza _______________11 QUESTÕES DE LETRAMENTO E INTERAÇÃO SOCIAL. ALVES, Benedito Francisco Universidade Estadual do Ceará – PósLA ______________31 LITERATURA ______________________________51 ALMA EXTERIOR X ALMA INTERIOR: UMA METÁFORA DA SOCIEDADE. SILVA, Maria Eliene Fernandes (Universidade Estadual do Ceará – UECE)______________53 A FRAGMENTAÇÃO DO SUJEITO NA LITERATURA DE SALMAN RUSHDIE. LOPES, Vanusa Benício (UECE) - CMLA-UECE _______ 62 FRAGMENTOS E EPIFANIAS: A VOZ DE UM ESCRITOR EM FORMA DE MISSIVAS, ESTUDO DA CORRESPONDÊNCIA DE CAIO FERNANDO ABREU. CARNEIRO, Andreia da Silva - Universidade Federal do Ceará - UFC______________________________________81 OS SAPOS, DE BANDEIRA: UM POEMA MEDIEVAL E MODERNO. 5 COSTA, Marília Pereira da Universidade Federal do Ceará ______________________101 RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E CINEMA. SILVA, Rodolfo Pereira da Universidade Federal do Ceará – UFC ________________110 EDUCAÇÃO _______________________________139 AS CONTRIBUIÇÕES DOS JOGOS MATEMÁTICOS PARA A APRENDIZAGEM DAS OPERAÇÕES FUNDAMENTAIS DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL. FERREIRA, Leonardo Alves Universidade Estadual do Ceará – UECE ______________141 A IMPORTÂNCIA DAS CRENÇAS SOBRE O USO DO TEXTO LITERÁRIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE E/LE. SILVA, Girlene Moreira (Curso de Mestrado em Lingüística Aplicada - UECE) RODRIGUES, Verônica Lima B. (Curso de Mestrado em Lingüística Aplicada – UECE)___151 ANÁLISE DE ATIVIDADES DE LEITURA: LIVRO EXPANSIÓN. ARAGÃO, Cleudene de Oliveira Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE SOUSA, Neyla Denize Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE__165 CRENÇAS SOBRE O USO DO TEXTO LITERÁRIO NAS AULAS DE ESPANHOL NO ENSINO MEDIO. SILVA, Girlene Moreira da 6 Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN ARAGÃO, Cleudene de Oliveira Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA) – UECE ________________________________________178 ERA UMA VEZ... MALAS QUE CONTAM HISTÓRIAS. A LÍNGUA DE SINAIS NA CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS EM RELAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM. VIANA, Flávia Roldan FGF- Faculdade Integrada da Grande Fortaleza _________194 ESTUDO DA INTERAÇÃO EM BLOGS DE ALUNOS DE LÍNGUA INGLESA. Núbia Costa de Almeida BRAGA. Faculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF ________214 PRÁTICA DE ENSINO E TRANSFORMAÇÃO DAS CRENÇAS. FARIAS, Aline Leontina Gonçalves UECE – Universidade Estadual do Ceará ______________232 PROMOVENDO A SAÚDE NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA ALUNOS SURDOS: POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA. VIANA, Flávia Roldan ____________________________253 flá[email protected] UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA ESCRITA EM LÍNGUA INGLESA POR MEIO DE BLOGS. Autora: Adriana Regina Dantas Martins. FGF. _________277 7 USO DO TEXTO LITERÁRIO SOB UMA ABORDAGEM SÓCIO-CULTURAL NO ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA. SABOIA, Andressa Luna ARAGÃO, Cleudene de Oliveira (Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada - UECE) _______________________293 8 Linguística 9 10 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA: UMA REFLEXÃO TEÓRICO METODOLÓGICA PARA PESQUISA Nádia Marques Gadelha Pineheiro¹,² ¹Universidade Federal do Ceará ²Faculdade Integrada da Grande Fortaleza RESUMO Este artigo descreve a proposta teórico metodológica transdisciplinar da Análise do Discurso Critica - ADC. Trata-se de uma abordagem teórica e por isso não contém dados de pesquisa empírica, e sim contribuo com uma breve reflexão epistemológica como forma de suscitar para pesquisadores em ADC o que considero relevante no empreendimento investigativo em pesquisas da lingüística contemporânea, que cada vez mais se aproxima da sociedade como interlocutora das angústias sociais. Essa interlocução deve ser aberta a instâncias epistemológicas e metodológicas que também têm em comum discutir problemas sociais e refletir sobre processos de mudanças. Palavras-chave: Análise de Discurso Crítica, reflexão epistemológica, linguística contemporânea. INTRODUÇÃO O principal objetivo desse trabalho é apresentar uma breve reflexão sobre a necessidade do aporte teórico metodológico transdisciplinar da Análise de Discurso 11 Crítica e sua relevância para o estudo de temas problemáticos da vida social contemporânea. Análise de Discurso Crítica (ADC) uma abordagem transdisciplinar da linguagem na vida social que se situa na interface entre a Ciência Social Crítica (CSC) e a Linguística Sistêmica Funcional (LSF) como aporte teórico – metodológico aberta à interlocução transdisciplinar com epistêmes contemporâneas. O rompimento das fronteiras disciplinares traz à Lingüística a ancoragem em perspectivas teóricas acerca da estrutura e da ação sociais, e propicia para as Ciências Sociais um arcabouço para análise textual. (RESENDE 2006) Proponho desenvolver uma discussão teórica da linguística que não se limite às dimensões micro textual discursiva, e contemple um diálogo transdisciplinar epistemológico com as Ciências Sociais, tendo no Realismo Crítico contribuições para o esclarecimento de mecanismos sobre questões problemáticas da vida social no contexto da pós modernidade (FAIRCLOUGH, 2006, RESENDE, 2006,2009). Essa é uma questão fundamental apontada: a necessidade de interlocução da ADC com as CSC e o RC considerando que o embasamento desse aporte teórico transdisciplinar, torna explícito o conhecimento de estruturas e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo mediado linguisticamente e operacionalizam práticas sociais complexas e problemáticas. A compreensão da estratificação do mundo social como característica ontológica da realidade social, de que nem tudo o que poderia acontecer em função das estruturas internas dos objetos sociais, acontece de fato, 12 desvela mecanismos causais geradores dos eventos empíricos, numa realidade estruturada e diferenciada (FAIRCLOUGH, 2006). Refletindo sobre os pressupostos ontológicos e teóricos, identifico a ADC constituída de uma heterogeneidade de abordagens que compartilham princípios comuns, sobre os quais esclarece seu foco, dentre essas diversas versões, que, apesar de diferentes propostas teórico e metodológicas, guardam características em comum estabelecendo um elo de coerência científica. Tais características são apontadas como um campo disciplinar heterogêneo e aberto configurando-se em pressupostos epistemológicos específicos que atendem às características de cada objeto de pesquisa a ser empreendido pelos pesquisadores em ADC. Este trabalho não tem o objetivo de apresentar dados de pesquisa empírica restringindo-se a uma discussão teórica. A próxima seção será dedicada à ADC e o diálogo com outras perspectivas teóricas. Na terceira seção abordo a etnografia na pesquisa como possibilidade metodológica aberta a identificar aspectos da realidade social que não seriam explicados no interior de uma única vertente metodológica, e sim trianguladas e multimodais. Na quarta seção discuto a ética em pesquisa. ADC DIALOGANDO PERSPECTIVAS TEÓRICAS COM OUTRAS ADC pode ser definida como um programa de estudos que toma o texto como unidade de análise centrada nos conceitos de discurso, poder e ideologia (MAGALHÃES 13 & RAJAGOPALAN, 2005; WODAK,2003). E na interface desses constructos epistemológicos as práticas sociais mediadas linguisticamente se apresentam no contexto sócio discursivo historicamente situados. Explicar e interpretar questões sociais são esforços que envolvem tantos os aspectos textuais, como os de cunho sociológico. O diálogo da linguística com a sociedade é estabelecido pelo viés crítico através de um esforço epistemológico aberto, portanto não reducionista a campos hegemônicos do conhecimento. O aspecto crítico é solo teórico herdado das lições da Escola de Frankfourt que atravessa o século XXI redimensionando-se cada vez mais no cenário contemporâneo, marcado pelo deslocamento de antigas verdades e lições do conhecimento. A ADC é constituída de uma heterogeneidade de abordagens teóricas que compartilham princípios comuns, sobre os quais esclarece seu foco. Diversas versões guardam características em comum estabelecendo um elo de coerência científica. Tais características são apontadas como um campo disciplinar heterogêneo e aberto configurando-se em pressupostos epistemológicos específicos que atendem às características de cada objeto de pesquisa a ser empreendido pelos pesquisadores em ADC. Escolhi para atender aos meus objetivos a Abordagem Dialético- Relacional (ADR) – proposta por Fairclough (1999), por compreender que o mundo social e suas estruturas ontológicas não são imediatamente acessíveis, e faz-se necessária uma abordagem multimetodológica e multidimensional capaz de acessar a relação entre práticas, eventos, discursos identidades e relações sociais. 14 Chouliaraki e Fairclough (1999) sugerem um arcabouço teórico transdisciplinar em pesquisa na ADC com base nos estudos das diferentes narrativas sobre a modernidade posterior. Questões estabelecidas de análise social estão sendo desmontadas e renovadas para se adaptarem ao discurso que agora gira em torno do eixo da modernidade posterior, pós modernidade ou modernidade reflexiva, sobre a qual se questionam as metanarrativas éticas, científicas, estéticas e filosóficas que balizaram o modo de ser do homem e do conhecimento. Giddens (1997) sugere uma agenda da ciência social que diz respeito a uma profunda reflexão sobre as ações cotidianas individuais no cenário contemporâneo, sob o qual identidades e individualidades são imersas num processo de desterritorialização, destradição e muitas rupturas simbólicas, que afetam cada individuo e suas identidades, coletivas ou individuais. Entender nosso contexto situado (nesse espaço simbólico de intensas mobilidades) é um evento epistemológico fundamental para o esclarecimento de práticas sociais no mundo contemporâneo (Ulrich Beck, Anthony Giddens, Sccot Lash, 1997). O Realismo Critico é um movimento na filosofia e nas ciências sociais associado ao trabalho do filósofo britânico Roy Bhaskar que pressupõe a dúvida em relação ao que conhecemos e admite a possibilidade da realidade não ser tal e qual como nos aparece em virtude de elementos do sujeito que interferem no conhecimento.“A pesquisa ao estabelecer relações interdisciplinares voltadas para o Realismo Crítico contemplará reflexões acerca da relação 15 entre linguagem e sociedade que não poderiam ser logradas no interior das fronteiras da Linguística” (RESENDE. p. 8. 2009). O Realismo Crítico concentra seus esforços na demonstração de que podemos ter um conhecimento objetivo da realidade. No caso da realidade social, o RC sustenta enfaticamente que o conhecimento objetivo é um pressuposto para a emancipação humana de estruturas sociais opressivas, desiguais, indesejáveis e desnecessárias. O Realismo Crítico tem servido de base para a reflexão teórica e metodológica de um grande número de cientistas sociais, especialmente britânicos. É possível ainda encontrar convergências importantes entre as concepções de atividade social desenvolvidas por realistas críticos e, de maneira independente, por autores como Anthony Giddens e Pierre Bourdieu (HAMLIN, 2000). A questão mais fundamental a todos os tipos de realismo se refere à realidade independente do ser, à dimensão ontológica da ciência ou àquilo que Bhaskar se refere como dimensão intransitiva do conhecimento. No entanto, Bhaskar reconhece que a realidade só pode ser expressa por intermédio do pensamento e da linguagem, e que estes apresentam, como bem demonstrou Kuhn, uma dimensão social inevitável. Ao domínio intransitivo (ontológico) do conhecimento, Bhaskar (1989) relaciona então um domínio transitivo (epistemológico), isto é, social e historicamente contingente; existem critérios racionais para se optar entre teorias conflitantes. Este último critério caracteriza seu relativismo como de tipo epistemológico, e não 16 ontológico. Nesse sentido, o realismo transcendental de Bhaskar combina realismo ontológico, relativismo epistemológico e racionalidade de julgamento (BHASKAR, 1989). É nesse contexto das práticas sociais nas fronteiras da Linguística e sua relação com a Teoria Social Crítica, que surge como fundamental para a compreensão da ADC sua configuração como prática teórica crítica. Constituirse de caráter responsivo às demandas científicas e metodológicas tanto na abordagem crítica dos problemas sociais, como propostas de contribuição para a superação e emancipação de sujeitos envolvidos. Essa é uma questão fundamental apontada: da necessidade de interlocução da ADC com o Realismo Crítico, considerando que o embasamento desse aporte teórico, torna explícito um conhecimento apenas implícito, torna claros conceitos dados de forma confusa e pouco clara de estruturas e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo (RESENDE, 2009) Nesse sentido, a pesquisa poderá trazer contribuições teóricas que confirmem a importância da ADC e sua recontextualização com a Lingüística Sistêmico Funcional - LSF, e a conexão com o Realismo Crítico, pois o papel da pesquisa relaciona compreensão ontológica da sociedade, do discurso, e LSF para que as propostas de reflexão epistemológicas favoreçam o processo de transformação e mudanças de aspectos constitutivos do discurso médico, procurando discernir as conexões entre linguagem e outros elementos da vida social que são opacas, tais como o papel da linguagem nas relações de poder e dominação, o trabalho ideológico do texto, a negociação de identidades pessoais e sociais 17 em seus aspectos semióticos e lingüísticos (FAIRCLOUGH, 2003, MAGALHÃES 2004, REZENDE, 2009). Em Analysing discourse, Fairclough (2003) cumpre a tarefa de ampliação do diálogo teórico entre a ADC e a LSF. Para tanto, ele propõe uma articulação entre as macrofunções de Halliday e os conceitos de gênero, discurso e estilo, sugerindo, no lugar das funções da linguagem, três principais tipos de significado: o significado acional, o significado representacional e o significado identificacional. De acordo com Fairclough(2003) citado por (RESENDE & RAMALHO, 2006.p.61): a análise de discurso deve ser simultaneamente à análise de como os três tipos de significados são realizados em traços lingüísticos dos textos e da conexão entre o evento social e práticas sociais, verificando-se quais gêneros, discursos e estilos são utilizados e como são articulados nos textos. Fairclough operou essa articulação tendo como ponto de partida não as macrofunções tal como propostas por Halliday (as funções ideacional, interpessoal e textual), mas a sua própria modificação anterior da teoria, ou seja, as funções relacional, ideacional e identitária (RESENDE & RAMALHO,2006). Com base no Realismo Crítico, Resende, (2009) discute alguns preceitos básicos sobre a realidade social e sobre a relação entre estrutura e ação social e focaliza as influências da ontologia no RC para a ADC, tal com propõem Fairclough, Jessop & Sayer, (2002), Fairclough (2003) apoiado nos estudos de Bhaskar (1989) e deixa claro qual a perspectiva social que se baseia a ADC: Uma compreensão da estratificação do mundo social que tem como característica ontológica da realidade social de que 18 nem tudo o que poderia acontecer em função das estruturas internas dos objetos sociais acontece de fato, tanto numa quanto noutra, o propósito é descobrir os mecanismos causais geradores dos eventos empíricos, numa realidade estruturada e diferenciada (RESENDE, p.30. 2009). A formulação teórica da realidade quer sejam científicas ou filosóficas, quer sejam até mitológicas, não esgotam o que é “real” para os membros de uma sociedade (BERGER & LUCKMAN.1996). Realidade essa que deve ser tratada como uma construção social e como tal, específica em seus modos de compreender e validar aspectos particulares da vida, da saúde, da doença, do trabalho, de gênero, da sexualidade, da raça, da pobreza, da economia, da educação e da moral. Na seção seguinte, quero destacar três pontos: (a) a contextualização do estudo etnográfico e os processos sociais locais; e (b) a necessidade de contemplar, no debate, a questão da ética. A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA PÓS MODERNA E OS PROCESSOS SOCIAIS LOCAIS Com relação ao item (a), cabe observar que a investigação etnográfica qualitativa pós moderna irá contemplar o conhecimento o mais possível holístico da cultura local e com esta, a produção espiritual, simbólica, étnica, gênero social, crenças e demais aspectos da realidade social, incluindo as questões da pobreza, acessibilidades aos bens e serviços. Enfim, a realidade, interação e o conhecimento da vida cotidiana. Esclareço que quando refiro o conceito de realidade este é 19 compreendido como um fenômeno sociológico complexo, sobre o qual identificarei o máximo possível da cultura local, entendido como um processo dialético cujas implicações vão muito além do seu campo específico. No contexto contemporâneo o lugar da etnografia não é mais marcado pela etnografia clássica como um projeto de dominação e colonização eurocêntrica, e o pesquisador etnógrafo pós moderno é um estudioso e um cidadão, e também um observador participante. ”Antigas tradições e objetivos da etnografia, incluindo especialmente a busca por generalizações válidas e conclusões reais, são temporariamente desprezadas em nome das descrições densas” (GEERTZ, 1973.) as quais, por sua vez, propiciarão interpretações densas – combinando a etnografia à biografia e à experiência vivida, (DENZIN, 1989,p.32-34) Prossegue Denzin: ” O método etnográfico apropriado pra o contexto da pós modernidade, é aquele dedicado a compreender como esse momento histórico universaliza-se na vida de indivíduos”. Uma reflexão importante cabe ao papel do pesquisador: quais os pontos de vistas podem originar as observações etnográficas? Quais idéias o motiva para o empreendimento de pesquisa? Por isso ir ao campo é reconhecer criticamente o mais possível os interesses pessoais e institucionais, políticos, e epistemológicos. Essa situação poderá estabelecer a forma de compreensão atravessada pelos preconceitos pessoais, idéias cristalizadas acerca de valorizações, e demais juízos morais condicionados sob visões científicas inclusive. “Os etnógrafos podem encontrar a 20 compreensão social e cultural somente se estiverem cientes das fontes das idéias que as motivam e dispostos a confrontá-las – com tudo o que envolve um confronto como esses” (VIDICH & LIMAN.2006.p.51). O interesse etnográfico responde sobre questões do local em todas as suas faces as mais implícitas e invisíveis possíveis. Como forma de conhecimento colabora na interpretação da “realidade” em contextos sociais específicos e que terão de ser incluída numa correta análise discursiva crítica. Como tais “realidades” são validadas, admitidas, valoradas, negadas, negociadas? Quais aspectos desse contexto local aferem significação às questões de gênero, raça, status profissional, letramentos, identidades de homens, mulheres, homosexuais e negros? É óbvio que muitas outras perguntas o local ainda deverá motivar o empreendimento investigativo. O conhecimento local valida significados que devem ser tratados pela pesquisa e pesquisador como dados em “realidades” dotadas da valorização local, evidentemente sob modelos cognitivos de processamento de práticas discursivas ideologicamente situadas e ativadas.(VAN DIJK,2003). O empreendimento etnográfico é um aporte metodológico e teórico que enfrenta o local no mais possível de suas facetas linguisticamente discursivas, sempre aberto às problematizações, às inquietações do pesquisador, que não se convence de dados únicos de pesquisa, e que para validá-los deverão ser triangulados multimetodológicamente, quer através da observação, dos artefatos, das notas de campo, de entrevistas e do dialogo teórico com a ADC e o RC. Defendo que esse diálogo é o processo triangular que incide um 21 compromisso ético posicionado e epistemologicamente aberto à reflexão crítica. A pesquisa etnográfica e sua interlocução dialógica transdisciplinar com a ADC e o Realismo Crítico é um aspecto importante da imersão e triangulação no campo epistemológico, pois como afirma Geertz (1973,p. 21): o estabelecimento de relacionamentos com pessoas, e conhecimentos ligados de arquivo e com uma visão global da realidade, ou seja, historiadores, filósofos, sociólogos, etc. é parte importante do processo de imersão no campo epistemológico. A etnografia contemporânea como pensam (CLIFFORD 2008), e (GEERTZ 1973) é algo mais do que uma “reconstituição tão fiel quanto possível da vida dos grupos estudados” (GLIFFORD. J.2008. p. 9)Para Geertz, (1973, p. 15) a etnografia é uma atividade eminentemente interpretativa, uma descrição densa, voltada para a busca de estruturas de significação.Não existe um processo de compreensão único, mas processos de compreensão que variam de acordo com diferentes situações, de diferentes usuários da língua, de diferentes tipos de discursos.(VAN DIJK, 2003.p.21). Para Gonçalves (2008.p.9) James Clifford propõe entender a diversidade mesma dos processos de construção dos textos etnográficos, visualizando-os como empreendimentos textuais situados em circunstâncias históricas e culturais específicas. James Clifford (2008) comentando obre a experiência da etnografia como escrita afirma que: a própria prática de textualização torna o centro da descrição etnográfica independente do que mais faz a etnografia; ela traduz experiências em texto. Pode-se apresentar essa textualização como 22 resultada da observação, da interpretação, do diálogo. Pode-se construir uma etnografia composta por diálogos. Pode-se apresentar múltiplas vozes, ou uma única voz. Pode-se retratar o outro como um todo estável e essencial, ou se pode mostrá-lo como sendo produto de uma narrativa de descoberta, em circunstâncias históricas específicas. (CLIFFORD, J. 2008.p. 243). A experiência etnográfica contemporânea cabe outro foco de estudo, que rompe com o paradigma clássico que é o estudo das culturas exóticas, “primitivas”, colonizadas. “Se antes a etnografia definia o trabalho em campo e o significado de ir ao campo com essenciais à pesquisa etnográfica, James Clifford (2008,p. 243, 244) afirma: Trabalho de campo é uma prática espacial de pesquisa interativa intensa, organizada em torno de uma ficção que é o “campo”, não tanto como um lugar, mas como um conjunto de práticas institucionais. O campo agora é o lugar de cruzamento criativo, assim como de disciplinarização dessas fronteiras. Outra questão sociológica importante a ser refletida no trabalho de campo é o problema relativo ao poder e a assimetria de grupos em sua diferença; se supõe um poder estabilizado do discurso médico em relação as pessoas em condições de vulnerabilidade social(doentes, acompanhantes), pouco responsivas, intimidadas, com baixa escolarização). Essa situação é comum ocorrer em vários contextos sociais quando o discurso da interação médico paciente é analisado. (MAGALHÃES, 2000, e VAN DIJK, 2008). E quando os grupos exercem seu poder , seja sobre os indivíduos, seja sobre outros grupos, eles operam com outros fatores complexos nos processos 23 de interação e articulação que podem eventualmente fortalecer a assimetria social. A ÉTICA EM PESQUISA A respeito da ética em pesquisa item b) é fundamental refletir sobre práticas de pesquisa, legitimando pesquisador como ente dotado do poder sobre os participantes da pesquisa, sobre os quais fala, suscita inquietações éticas das quais aponto as seguintes questões: no interior de toda a linguagem habita a violência potencial de excluir aqueles que não falam, mas em cujo nome, contudo, se fala; de modo específico, isso vale para a linguagem do pesquisador: pretende falar em nome da universalidade da ciência e fala para todos os cidadãos, porém, não fala propriamente em nome dos que foram ou são excluídos do processo. Como é possível encontrar uma linguagem em pesquisa que não faça calar as vozes da diferença? Para Magalhães (2004; 1998; 2006) essa questão precisa ser debatida dialogando teorias, métodos, práticas e ética em pesquisa, que concebam alteridades e não desconsiderar a constituição ética das pessoas em face de suas identidades à pretensa defesa do ideal científico, não reconhecendo o significado específico da proteção moral das pessoas em sua identidade concreta. Falar sobre o outro, lançando o outro à posição de objetividade de suas identidades destacada e autônoma (negação de suas raízes, crenças, território geográfico e simbólico) a partir das quais o outro, com sua visão de mundo, seu modo de pensar e se auto-reapresentar, podem ser observados, examinados e criticados. 24 Falar sobre os outros implica num compromisso ético do pesquisador da linguística para validar seus dados de pesquisa. O debate segundo Magalhães (2006, p, 77) “não poderá deixar de questionar a situação de pesquisa, a identidade do pesquisador, e como representar diferentes vozes da pesquisa, de forma a não contribuir para a exclusão social dos participantes.” Pretendo discutir o conflito e crítica à pretensão de uma neutralidade objetiva, e repensar a reconceitualização da pessoa apreendida como proteção das identidades particulares concretas, portanto diferenciadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho examinou pontos que considero importantes para estudar questões problemáticas da vida social ancorado num arcabouço teórico metodológico transdisciplinar da ADC, aberta ao diálogo com o aporte epistemológico do RC, a CSC, a LSF, a pesquisa etnográfica e a ética em pesquisa. O diálogo proporciona uma interação epistemológica e teórica fundamental para a compreensão mais abrangente possível do discurso e suas práticas sociais. Os diversos aportes teóricos aqui apresentados apesar de seguirem diferentes perspectivas quanto ao objetivo e à prática em questões metodológicas e epistemológicas, encontram um fio comum nessa arena: inquietações sobre práticas sociais que colaboram com mecanismos opressores e injustos. A contribuição transdisciplinar da ADC enfatiza a necessidade de analisar os discursos com bases 25 epistemológicas e ontológicas e possam favorecer mudanças nos panoramas sociais opacificados e até invisíveis da ação humana. Nesse aspecto é importante identificar com profundidade estas estruturas densas, às vezes naturalizadas, não confrontadas criticamente como reais, mas consolidadas nas estruturas sociais materializadas nos discursos. A pesquisa etnográfica favorece a geração e a interpretação de dados locais para solucionar dúvidas quanto aos significados que pessoas em sua instância cultural e social assumem, fazem dizem e inquietam ao pesquisador. Essa situação inquietante retorna para o campo teórico da ADC que se constitui como um processo dialético entre prática e teoria ligadas em um processo contínuo de reflexão crítica e de transformação. Desse modo, a investigação em ADC deve ser multiteórica, multimetodológica, crítica e autocrítica, merecendo destaque a ética em pesquisa, tanto relacionada a própria pesquisa em si, como o papel do pesquisador, que deve assumir seu compromisso explícito em defesa dos interesses das pessoas sobre os quais fala. REFERENCIAS BHASKAR, R. The possibility of Naturalism: a philosophical critique of the contemporary Human Sciences. Hemel Hempstead : Harvester Wheatsheaf.1989. BERGER, P. T., LUCKMANN, T. A construção social da realidade. 26 ed.Petrópolis : Vozes, 1995. BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997. CLIFFORD, James. 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Revista Linguagem e discurso, V.4,Número especial, 2004. 30 QUESTÕES DE LETRAMENTO E INTERAÇÃO SOCIAL ALVES, Benedito Francisco Universidade Estadual do Ceará – PósLA RESUMO Este trabalho apresenta reflexões acerca do(s) letramento(s) como fator constitutivo de cidadania nas sociedades modernas. Ele busca uma melhor compreensão acerca de idéias que naturalizam a relação entre letramento e sucesso escolar/profissional e que atribuem o insucesso escolar à ausência de uma aptidão particular ou pura falta de interesse para aprender o que é válido e interessante para a sociedade. O material é constituído de registros escritos de cunho memorialista colhidos em ambiente doméstico durante conversas com uma senhora do município de Morada Nova - interior do Ceará. Como resultado, desta pesquisa, é perceptível que as práticas sociais com as quais podemos entrar em contato devem ser vistas como sistemas de signos, inclusive as práticas de letramento, que se organizam segundo um tempo e espaço específicos, por isso, diferente de outros organismos vivos, nós seres humanos refletimos nossa própria realidade material e contingencial e freqüentemente projetamos ações futuras baseadas em nosso presente e nosso passado. Ao não alcançar os padrões vigentes na sociedade, a ação do indivíduo analisado sobre sua realidade e a interação com outras pessoas se torna apenas parcial e se assemelha à relação dos índios com os portugueses a partir do século 31 dezesseis. Naquela época, o colonizador lusitano se valeu de seus maiores recursos tecnológicos para, mascarados por falsos ideais religiosos e salvíficos e uma pretensa superioridade cultural, dominar e aculturar implacavelmente os índios. Faz-se necessário uma profunda reflexão acerca das condições históricas, sociais e econômicas que engendraram o analfabetismo, mas não são citadas pela mídia, e uma discussão da idéia que associa cidadania à união entre educação sistematizada e escrita Palavras-chave: Letramento, práticas sociais, identidade. INTRODUÇÃO Quando comecei a estudar questões que envolviam o letramento, percebi que questões levantadas por minha mãe em nosso ambiente doméstico ao longo dos anos se correspondiam com conceitos pesquisados por vários autores interessados em analisar e compreender as possíveis relações entre letramento, identidade e poder/ideologia em situações concretas de interação. E se Piaget e Halliday observaram seus filhos para nortear suas pesquisas, é possível perceber uma situação análoga quando me baseio em observações domésticas, que agora corporifico em texto material, sobre o pensamento de uma sertaneja a respeito do que o acesso à escola – com sua educação formal e institucionalizada – e ao mundo da leitura/escrita representam. Especialmente para quem possa estar influenciado pela postura racionalista do iluminismo francês que vê a 32 ciência como algo neutro que está dentro de uma “bolha”, no dizer da professora Claudiana Alencar do mestrado em Lingüística Aplicada da UECE, causará espanto o fato de que por vezes apresentarei minha identidade na primeira pessoa do singular ou do plural, dependendo de minhas expectativas em afirmar algo e/ou em convidar o leitor a participar de uma linha de raciocínio, respectivamente (ARAÚJO, 2005). Porventura, usarei o termo “minha mãe” ou o termo “sujeito”. Antes que eu teça alguma consideração sobre a relação do sujeito deste artigo com práticas de letramento, é importante caracterizá-lo sociologicamente – uma vez que não é sob a lógica de um possível determinismo genético que a pessoa humana e as sociedades se constituíram – para que percebamos que “é a história social do sujeito que determina o seu lugar na sociedade e a sua relação com a linguagem” (RATTO, 1995:288). As práticas sociais com as quais podemos entrar em contato devem ser vistas como sistemas de signos (LOPES, 2000: 15-16), inclusive as práticas de letramento, que se organizam segundo um tempo e espaço específicos, por isso, diferente de outros organismos vivos, nós seres humanos refletimos nossa própria realidade material e contingencial e freqüentemente projetamos ações futuras baseadas em nosso presente e nosso passado. É essa capacidade de refletir e raciocinar que orienta nossa ação humana a despeito de certas atitudes historicamente comprovadas como ilógicas, imediatistas e inumanas que tanto nos prejudicaram em tempos de 33 conflitos armados e/ou ideológicos. Concordo com OLIVEIRA (1995: 159) que “Uma compreensão mais aprofundada (das) relações entre práticas sociais e modos de funcionamento cognitivo (...) contribuirá para uma construção mais elaborada de uma psicologia do desenvolvimento que contemple o ser humano adulto em sua condição cultural específica.”. A METÁFORA DA LIBERTAÇÃO Minha mãe, o sujeito deste trabalho, é de uma comunidade distrital chamada “Figueiredo” que se encontra a nove quilômetros da sede de Jaguaruana, uma cidade do interior do Ceará. Nascida em 1952, ela foi a quinta criança de uma família de doze filhos vivos e, desde sua tenra infância, começou a ajudar nos afazeres domésticos, em trabalhos da agricultura familiar de subsistência durante os meses da estação chuvosa e em trabalhos artesanais com palha de carnaúba, árvore espinhosa e de grande tronco característica da região. A educação escolar, segundo ela sempre foi tratada por sua família como algo secundário diante de necessidades mais básicas como moradia, comida e saúde. Isso resumiu seus primeiros anos escolares a uma incipiente alfabetização marcada por uma pedagogia descontextualizada e despolitizada – “ação política, entendida como militância em sentido amplo, cria as condições para uma prática discursiva que favorece a constituição do letramento” (RATTO, 1995: 289) – sintetizada numa “cartilha de ABC”. Apenas depois de casar-se aos dezessete anos com um outro agricultor, três anos mais velho e apenas alfabetizado como ela, e migrar 34 para um município vizinho é que ela chegou a cursar em turmas noturnas para adultos as séries iniciais do antigo primeiro grau chegando tão somente à quarta série. Minha mãe costuma sempre lembrar que casou para se libertar, “que antes não tinha vida” (sic). Tal idéia, que regularmente vem à tona em seu discurso, associa sem dificuldade a noção de liberdade à de casamento por meio de uma metáfora (ARAÚJO, 2005: 118), já que “o sistema conceitual humano é em grande parte organizado metaforicamente”. Uma possível origem para essa associação estaria em duas questões de cunho social e econômico comuns ao contexto sóciocultural de Morada Nova e Jaguaruana : a visão tradicional do homem como mantenedor econômico da família patriarcal. a noção de que o que alguém produz enquanto solteiro pertence à família, enquanto coletividade governada por um patriarca. Ao casar ela celebrou uma espécie de contrato social em que seu esposo prover-lhe-ia os meios de sua subsistência. O que eles conseguissem materialmente seria primordialmente para eles. A minha mãe restaria o papel de dona-de-casa. Alijada de outras perspectivas de inserção social em seu contexto por um total estranhamento a uma nova cidade e pelo “pouco estudo” (sic) ela resignou-se a um papel de coadjuvante na escolha de seu papel social não tanto pela insuficiência de conhecimentos técnico-científico-educacionais para agir na sociedade moderna que se desenhava no Brasil da segunda metade do século XX, mas pela conjunção de 35 modelos tradicionais e opressores de construção de sua identidade. Há uma série de identidades sociais (MAGALHÃES, 1995:213) construídas em torno do sujeito deste artigo. “O que está em discussão é o ‘jogo de identidades’ e suas conseqüências políticas” (HALL, 1992: 20). Mulher, negra, pobre e semi-alfabetizada, ela conta com uma indisfarçável melancolia que teve ao deixar seus estudos após a sexta gravidez num espaço de dez anos para seguir a orientação machista de meu pai para dedicar-se exclusivamente a cuidar da casa e dos filhos. Como as primeiras cinco crianças foram abortadas naturalmente ou morreram logo após nascerem pela total ausência de atendimento pré e pós-natal, como que temendo um castigo divino e baseada nos exemplos de inúmeras vizinhas, que reproduziam a mesma organização social e familiar, minha mãe abdicou de qualquer trabalho fora de casa e de seus estudos. A Libertação pretendida por minha mãe, não aconteceu como ela gostaria, exceto pela construção de uma família própria. Mas decorridos os anos, percebo que a despeito de certas dificuldades próprias de quem não passou pela educação escolar regular socialmente válida, ela não deixou de fazer as leituras possíveis sobre sua própria realidade nem deixou de interagir com as pessoas ao seu redor de acordo com a situação. Tal como Patativa do Assaré em seu tempo e espaço, minha mãe buscou compreender seu mundo, embora não o tenha modificado, criou uma família e relativizou suas perdas pelo fato de não ter estudado. Afinal, como ela mesma diz, “certas coisas que gente estudada faz, eu não faço não”. 36 A QUEBRA DE UM PARADIGMA Para completar o quadro descritivo do sujeito em questão é importante considerar: o papel da religião na formação de sua noção de mundo e dos movimentos de leigos na igreja. a chegada do jornal escrito à sua rotina e o crescimento de seus filhos. a migração para a capital do Ceará – Fortaleza. Além da instituição família, a instituição igreja (católica, apostólica, romana) influenciou algumas das escolhas de minha mãe ao orientar-lhe sobre o que era bom e o que não era pecado. A mesma igreja que contribuiu para reforçar certos aspectos como a noção de família eminentemente monogâmica e patriarcal, hoje serve como um vetor de integração de minha mãe em práticas letradas com as quais ela não tinha contato. A dedicação exclusiva ao lar e á família, sempre foi um paradigma para muitas mulheres que não tiveram oportunidade de desempenharem outros papéis sociais e profissionais além do espaço doméstico privado. Minha mãe não teve que enfrentar o dilema de se dividir entre ser mãe/dona-de-casa e ser uma profissional do mercado de trabalho como exemplificou a professora Irandé Antunes do mestrado em Lingüística Aplicada da UECE que comentou em seminário na UECE que um trabalho externo às vezes pode diminuir o tempo disponível para os filhos. 37 Com o crescimento dos filhos, o engajamento em movimentos leigos da igreja, o acesso diário a um jornal de grande circulação no estado do Ceará e a fixação de residência em Fortaleza, minha mãe aumentou e melhorou seu nível de leitura e escrita. Observei que a quebra do paradigma que norteou toda uma fase de sua vida permitiu que ela ampliasse habilidades que não são genéticas, mas resultantes de um efetivo e constante acesso a elas. Embora o sujeito deste artigo se sinta um tanto desconfortável em usar o sistema de transporte coletivo da cidade de Fortaleza, manuseie um caixa eletrônico apenas se for orientado por outrem, tenha dificuldades em escrever e ler algumas palavras por causa de limitações em seu vocabulário e conhecimento enciclopédico e demonstre outras dificuldades relacionadas às limitações que lhe foram impostas por não ter aprendido a ler/escrever mais eficientemente pelos padrões sócio-culturais vigentes, seu novo contexto sócio-histórico pode lhe ajudar a se apropriar de novos recursos discursivos bem como pode reformular sua fala e escrita através de um movimento dialético de mútua influência (TERZI, 1995; 114) e organizar novas formas de pensamento mais descontextualizadas e livres da experiência concreta do sujeito (OLIVEIRA, 1995: 148-150). 38 Não raras vezes ela proferiu como seria “triste” (sic) não saber ler/escrever por pouco que fosse. “É, pois, inegável que há um exercício institucional da diferença. E parece também inegável que os analfabetos percebem o estigma e se autodestituem por força dessa imposição.” (RATTO,1995: 273). Já com mais de cinqüenta anos e menos presa a tarefas domésticas e a cuidados com a família, a influência da educação escolar a que seus filhos tiveram acesso veio modificar sua relação com o universo da escrita. Ao introduzir hábitos simples como registrar por escrito as tarefas e os acontecimentos diários em um caderno, minha mãe passou a valorizar o pouco aprendizado escolar que conseguiu no passado e a admirar sua caligrafia tão carente do exercício e da rotina no passado. Ao sentar para ler o jornal ou os livros e periódicos que orientam suas atividades leigo-religiosas, aspectos de leitura, prosódia e entonação melhoraram. Essa quebra de paradigma atenuou o sentimento de inferioridade que se afixou a ela e privou-lhe da condição de cidadã plena de direitos. AS COMPARAÇÕES ENTRE O LETRADO E O ILETRADO NUMA SOCIEDADE DE CONSUMO Antes que alguém possa pensar que eu supervalorizo a população letrada diante da iletrada, o que quero é mostrar que comparações entre ambos ocorrem sob a tutela de um referencial letrado. Daí o letrado ser colocado em vantagem sobre pessoas iletradas total ou parcialmente como minha mãe que considera “tudo difícil hoje em dia” (sic). 39 O acesso à tecnologia e ao conhecimento na modernidade tardia (HALL, 1992) ocorre segundo a lógica do mercado capitalista. Quem tem maior recurso para consumir, acaba criando padrões que são naturalizados. Como Minha mãe não sabe utilizar um smartphone ou um mp4, não tem um orkut, um cartão de crédito ou uma intensa movimentação financeira, menos correspondência comercial chega as suas mãos, menos uso ela faz de novas tecnologias e menos recursos midiáticos – que estão estreitamente vinculados a capacidade de consumo das pessoas – lhe são acessíveis nas tarefas e vivências de seu cotidiano. Quem não pode pagar por um provedor de internet, comprar pelo menos um chip de telefonia móvel ou adquirir outro recurso tecnológico moderno, não entrará efetivamente em contato como as várias alterações da globalização (HALL, 1992) e possivelmente perceberá/compreenderá com mais dificuldades a presença de hábitos e palavras estrangeiras, especialmente as inglesas. É um circulo vicioso: quanto mais letrada é a pessoa, mais contatos ela estabelece com o universo de consumo e vice-versa. Quanto menos letrada é a pessoa, menos acesso ao consumo e vice-versa. Um exemplo é a aquisição de livros pelos universitários. Por causa do custo de aquisição, uma indústria da fotocópia têm proliferado no entorno de faculdades tanto de Fortaleza Ceará, como de Limoeiro do Norte - Ceará, duas realidades que conheço particularmente. Poderia citar outros exemplos, mas esse já é suficiente para mostrar que há alguma relação entre o letramento e o consumo. Pessoas que – como minha mãe, por exemplo – 40 consomem pouco, não viajam de avião, e não pagam suas contas com cartão de crédito acabam sendo esquecidas pela população letrada que não se esforça em prol de uma forma mais igualitária e ao mesmo tempo plural para usar os recursos lingüísticos e sócio-econômicos e culturais disponíveis. E no âmbito do Estado-nação liberal republicano, essa igualdade é algo a ser conquistado individualmente por cada falante por meio do letramento escolar: por meio da escolarização, todos podem apropriar-se das formas e funções valorizadas pelo estado e demais instituições e, assim, conquistar a igualdade de condições na comunicação social. Mas como esse é um objetivo sempre postergado para a maioria, inclusive os escolarizados, acaba funcionando como uma espécie de álibi que vai sempre justificar a diferença congênita irredutível que desqualifica a maioria dos falantes enquanto falantes autorizados e, conseqüentemente, enquanto interlocutores, agentes, cidadãos, etc. (Signorini, 2006: 172) Ao não alcançar os padrões vigentes na sociedade, a ação de minha mãe sobre sua realidade e a interação com outras pessoas se torna apenas parcial e se assemelha à relação dos índios com os portugueses a partir do século dezesseis. Naquela época, o colonizador lusitano se valeu de seus maiores recursos tecnológicos para, mascarados por falsos ideais religiosos e salvíficos e uma pretensa superioridade cultural, dominar e 41 aculturar implacavelmente os índios. Aos índios, restaria a resignação de silenciarem e censurarem (MATÊNCIO, 1995: 260) sua identidade para se acomodarem às “práticas sociais e culturais hegemônicas” (op. cit.: 262) . O ideal seria um convívio harmonioso na diversidade, algo que ainda não foi alcançado plenamente na sociedade brasileira. O ideal seria uma profunda reflexão acerca das condições históricas, sociais e econômicas que engendraram o analfabetismo, mas não são citadas pela mídia, e uma discussão da idéia que associa cidadania à união entre educação sistematizada e escrita (op. cit: 248-249) CONSIDERAÇÕES FINAIS Fica a impressão que ainda temos que trabalhar muito para que a venda imposta pelo “Estado-nação liberal republicano” (Signorini, 2006: 172) sob a parcela dominada de sua população seja retirada. Tanto eu como você, leitor, temos a obrigação ética de buscar uma compreensão acerca de idéias que naturalizam a relação entre letramento e sucesso escolar/profissional e que atribuem o insucesso escolar à ausência de uma aptidão particular ou pura falta de interesse para aprender o que é válido e interessante para a sociedade. Devemos perguntar quem é essa sociedade e se fazemos parte dela. Devemos perguntar por que culturas que não dominavam a língua escrita (como nossas várias nações indígenas) desenvolveram uma cultura tão rica e diversificada. Devemos questionar o motivo de tantas pessoas não conseguirem se adaptar às regras padronizadas por sua própria sociedade. Devemos nos 42 perguntar quais questões político-ideológicas regem essa padronização. Devemos perceber o papel preponderante da linguagem como forma de ação sobre a realidade e de representação da mesma, a força performativa da linguagem no dizer de Ferreira (2007: 22). E neste ponto a Lingüística Aplicada poderá ajudar já que ela busca “criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel central” (MOITA LOPES, 2006: 14) Tais questões são amplas e merecem outras discussões. A partir de uma consciência metateorética sobre o assunto poderemos pensar em mudanças nas relações entre as instituições sociais e o indivíduo que priorizem este e não aquelas. Não estou eximindo o indivíduo de procurar ser agente de sua transformação ao afirmar explicitamente que há elementos sócio-históricos maiores por trás daquilo que ele se acostumou a ver como natural. Estou problematizando questões que devem ser averiguadas especialmente pelos que estão à margem do processo de construção de uma sociedade. Porque ser apenas um consumidor passivo e/ou alienado numa sociedade liberal é uma opção, mas ser cidadão crítico e ativo, independente do acesso à escolarização, é uma necessidade da qual ninguém deve eximir-se. BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Antônia D. Identidade e Subjetividade no Discurso Acadêmico: Explorando Práticas Discursivas. in Lima, Paula L. C. & Araújo, Antônia D. 43 Questões de Lingüística Aplicada/Miscelânea. Fortaleza, EdUECE, 2005 (11-30). FERREIRA, Ruberval. Guerra na Língua: Mídia, Poder e Terrorismo. Fortaleza, EdUECE, 2007. HALL, Stwart. A identidade Cultural na Pósmodernidade. RJ, DP&A, 11ª ed, 2006 KLEIMAN, Ângela B. Apresentação. in KLEIMAN, Ângela B. (org) Os Significados do Letramento: Uma Nova Perspectiva sobre a Práticas Social da Escrita. Campinas – SP, Mercado de Letras, 1995, Col. Letramento Educação e Sociedade, 10ª reimpressão, 2008. (07-11) LIMA, Paula L. C. Metáfora e Ensino/aprendizagem de Língua Estrangeira. in Lima, Paula L. C. & Araújo, Antônia D. (org) Questões de Lingüística Aplicada/Miscelânea. Fortaleza, EdUECE, 2005. (97123) LOPES, Edward. Fundamentos da Lingüística Contemporânea. 17ª ed,. São Paulo, Cultrix, 2000. MAGALHÃES, Izabel. Práticas Discursivas de Letramento: a Construção de Identidades em Relatos de Mulheres. in KLEIMAN, Ângela B. (org) Os Significados do Letramento: Uma Nova Perspectiva sobre a Práticas Social da Escrita. Campinas – SP, Mercado de Letras, 1995, Col. Letramento Educação e Sociedade, 10ª reimpressão, 2008. (201-235) 44 MATÊNCIO, Maria de L. M. Analfabetismo na Mídia: Conceitos e Imagens sobre o Letramento. in KLEIMAN, Ângela B. 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Letramento Educação e Sociedade, 10ª reimpressão, 2008. (267-290) SIGNORINI, I. A Questão da Língua Legítima na Sociedade Democrática: Um Desafio Para a 45 Lingüística Aplicada Contemporânea. in MOITA LOPES, L. P. (org) Por uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo, Parábola Editorial, 2006. Col. Lingua(gem); 19. (169-190) ANEXO ENTREVISTA COM UM ANALFABETO As falas a seguir representam a forma como foram pronunciadas pelo sujeito. 01. Você freqüentou a escola? Só a alfabetização. Aprendi o “be-a-bá” numa cartilha. Naquele tempo, ou a gente aprendia ou dizia purquê. 02. Sabe ler e escrever? Sei um pôco, mas minha letra é muito feia. Tem muita palavra errada no queu’screvo. 03. Qual a sua maior dificuldade? É ter que depender dos outro pra corrigí o que eu’screvo. 04. O que você costuma ler? A Bíblia, os livros da igreja, o jornal... 05. O que você costuma escrever? As coisas que eu faço durante o dia. 06. Alguém tem acesso ao que você lê e/ou escreve? Minha filha que quando chega corre pra olha o que eu’screvi. Eu leio pro povo da igreja. 46 07. Você se considera analfabeto? Não, mas eu tenho vergonha de mostrá minha letra e de não lê bonito como quem é formado.Avi Maria se eu precisasse butar o dedo pra’ssinar um documento. 08. O que você sente que já perdeu por não ter estudado? Eu pudia ser professora, tê meu ganho e hoje pudia tá’pusentada. 09. Seu esposo e filhos estudaram? Até que série? O meu marido só quis termina o sigundo grau. Mas, graças a meu Deus, se eu morrer hoje, dêxo dois filho formadu. Todus’dois são professores. Nunca ficaram nem de recuperação. Um é professor do estadu. A ôtra é coordenadora pedagógica de faculdadi. Hoji,eles que me criam. 10. Como era sua relação com a escola? Eu brincava muitu às vezis. Faltava a aula praí pru circu com meu marido e com os colega. Uma vez fiquei com nota vermelha no boletim mas no ôtro bimestre mi recuperei.. Eu tinha uma professora, ainda hoje ela é muinha amiga, que quando tava grávida, eu cunversava era muito cum ela. Aí o tempo passava e aula acabava. 11. Por que você não terminou os estudos? Fale um pouco sobre sua história. Purquê meu marido era do tempo do “carrancismo”, do “caneco de sola”. O que ele dizia, pronto. Quando peguei minha sexta gravidêis, ele me disse papará e cuida do nenê. Aí, sem incentivu, parei e fiqueis só em casa. Antes 47 de terminar o resguardo ingravidei di novu Aí num teve jeito. Ainda faltava quatro dias pro mais velhu completá onze meses e nasceu a mais nova. Como eu já tinha perdido cinco filhus e com pouco tempo a mais nova pegou pneumonia, fiquei cuidandu da casa, do marido e dos filhos. Mas eu venci. Meu marido já foi muito danado, mas eu venci. Como disse São Paulo, “combati o bom combate, guardei a fé”. 12. Você sabe manusear as informações em aparelhos celulares, computador, internet, caixa eletrônico ou outros recursos tecnológicos ao seu alcance? Sei ligar e desligar o celular. DISCUSSÃO DA SITUAÇÃO DO ENTREVISTADO O sujeito entrevistado é uma mulher de cinqüenta e seis anos completos, nascida no interior do Ceará e atualmente residindo em Fortaleza. Ela mora com o marido e uma filha adulta. Sua maior forma de inserção social fora da instituição familiar é em grupos de oração de sua igreja As seis primeiras perguntas são mais técnicas, pois elas se referem a questões que ensejam respostas mais diretas que procuram expor um quadro geral da entrevistada a partir de seus primeiros anos de contato escolar. O pouco contato que a entrevistada teve com a escola e a proibição imposta pelo marido (resposta 11) impediram-na de ingressar no mercado de trabalho e contribuíram para que ela tivesse apenas um papel secundário numa sociedade “androcêntrica e 48 grafocêntrica” (MAGALHÃES, 1995: 203) que cristalizou uma identidade fixa e subalterna de mulher. Soares (1987, apud MAGALHÃES, 1995: 202) alerta para o fato de que: o fracasso escolar particularmente na alfabetização (é na primeira série, cujo objetivo principal é a aquisição da leitura e da escrita, que são, como se sabe, mais altas as taxas de repetência e evasão) tornou-se tão evidente e ameaçador para as legítimas aspirações de uma democratização do saber e da cultura, que acompanhe a democratização do acesso à escola, que não há como reconhecer, hoje, na alfabetização, o problema básico do sistema educacional brasileiro. A escola não cumpriu seu papel com disseminadora de criticidade e autonomia. .Ela atuou como veículo de repetição passiva de conteúdos (resposta 11) que não ajudaram a entrevistada a questionar sua estrutura social, seu contexto histórico-cultural e a forma como se constituiu sua identidade dentro de sua família e perante uma sociedade fundada na escrita e leitura. A conseqüência foi o estabelecimento na cabeça da entrevistada de que os outros sabem mais e melhor do que ela que não é “formada” (sic) o que a desmotivou de procurar acompanhar a evolução tecnológica e midiática do final do século XX e começo do XXI.(respostas 11 e 12). 49 Kleiman (1995: 07) nos ensina que em sociedades tecnológicas, industrializadas, a escrita é onipresente” e algumas atividades, comuns para um sujeito letrado, requerem, portanto grandes esforços de concentração ou interpretação, representam verdadeiros obstáculos para os grandes grupos de brasileiros não escolarizados, que não tiveram acesso à escola, ou foram prematuramente expulsos dela. A situação da entrevistada se enquadra dentro da assertiva acima e quando ela diz sentir vergonha de sua caligrafia e leitura, ela mostra que seu referencial de qualidade está nas pessoas que fazem uso constante da escrita – como seus filhos e o marido que tiveram acesso a mais anos de estudo (resposta 09) e por conseguinte conseguiram empregar-se, o que ela não conseguiu (resposta 08). A ela restou a resignação e o consolo da frase bíblica de São Paulo que fala sobre o crepúsculo da vida, numa clara influência de sua formação religiosa e tradicional. 50 Literatura 51 52 ALMA EXTERIOR X ALMA INTERIOR: UMA METÁFORA DA SOCIEDADE SILVA, Maria Eliene Fernandes da (Universidade Estadual do Ceará – UECE) RESUMO Introdução - o conto O espelho de Machado de Assis traz uma reflexão acerca da alma humana dividida entre a aparência e a essência do ser frente às imposições sociais. Para essa análise, utilizaremos a terceira submodalidade da espacialização icônica. De acordo com Santaella, na terceira submodalidade da espacialização, a narrativa é ambientada em um espaço que tem por finalidade cumprir uma função simbólica. O espaço da história, que a narração põem em cena, não é um espaço qualquer, mas um símbolo do conteúdo a ser narrado. Uma característica simbólica está no raio de ressonâncias históricas e culturais que emite. Objetivo - analisar o conto O espelho à luz da Semiótica na perspectiva da espacialização simbólica. Metodologia – o método usado em nossa análise foi à descrição detalhada dos elementos que compõem a espacialização simbólica na construção da trama. Resultados no conto O espelho de Machado de Assis, temos uma narrativa que se desenrola em um espaço restrito: “ a casa ficava no morro de Santa Tereza , a sala era pequena, alumiada a velas cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora”. Esse espaço e sua localização nos remetem a uma simbologia: o conhecimento das pessoas e suas discussões devem ser restritas e pouco claras quanto espaço onde se desenvolve 53 a conversa. Esse fato nos remete a definição de espacialização simbólica supra citada. Conclusão – no tocante à espacialização simbólica e a rede metafórica que se forma na construção do tecido textual, pudemos observar como o espaço “casa”, “espelho”, “farda” tiveram fundamental importância na composição da trama, revelando as sutilezas das relações de aparências. Palavras-chave: simbólica. alma humana e espacialização O presente trabalho procura analisar o conto “O espelho” de Machado de Assis à luz da Semiótica, para isso tomamos como base teórica os estudos de Santaella acerca da Matriz verbal e suas modalidades no que concerne a narração espacial, bem como as relações icônicas metafóricas do signo. Conforme SANTAELLA a narração pode ser dividida em três modalidades: espacial, consecutiva e causal e cada modalidade em três submodalidades. No caso da modalidade espacial temos as submodalidades: espacialização icônica, espacialização indicial e espacialização simbólica as quais se enquadram na tipologia dos signos de Peirce. Para o nosso trabalho, no que concerne à modalidade espacial e suas submodalidades, enfocaremos a terceira: espacialização simbólica. De acordo com Santaella p.331: 54 Na terceira submodalidade da espacialização, a narrativa é ambientada em um espaço que tem por finalidade cumprir uma função simbólica. O espaço da história, que a narração põe em cena, não é um espaço qualquer, mas um símbolo do conteúdo a ser narrado. Uma característica do símbolo está no raio de ressonâncias históricas e culturais que ele emite. Em relação, a divisão icônica dos signos feita por Peirce, eles se dividem em três níveis: imagem, diagrama e metáfora. Para o nosso trabalho, enfocaremos o signo icônico metafórico, uma vez que ele representa seu objeto por similaridade no significado do representante e do representado. No conto “O espelho” de Machado de Assis, temos uma narrativa que se desenrola em um espaço restrito: “ a casa ficava no morro de Santa Teresa , a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora”. Esse espaço e sua localização nos remetem a uma simbologia: o conhecimento das pessoas e suas discussões devem ser tão restritas e pouco claras quanto aquele espaço onde se desenvolve a conversa. Esse fato nos remete a definição de espacialização simbólica supracitada. Naquele espaço, temos pessoas que discutem assuntos relacionados à metafísica, mas não há uma fundamentação no que dizem, há sim, pelo que podemos entrever, uma discussão relativamente vazia cujo objetivo seja conjeturações. “Quatro ou cinco cavaleiros debatiam, uma noite, varias questões de alta 55 transcendência, sem que a disparidade trouxesse a menor alteração aos espíritos.” Desse modo, percebemos que a discussão era algo que não acrescentava nada de importante àqueles espíritos, mas que servi de pano de fundo para eles próprios existencializarem suas presenças e importâncias no grupo e naquele espaço tão simples, tanto é que Jacobina “um dos participantes”,nega-se a entrar naquela discussão: “... dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jazz no homem, como uma herança bestial; e acrescenta que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram perfeição espiritual e eterna”. De certa forma Jacobina, mesmo sem nessa parte do conto haver a discussão apenas menção a ela, afirma-nos o teor mínimo da discussão e da importância dessa. A partir desse ponto, Jacobina vai provar-lhes o que já havíamos mencionado anteriormente: o que cada ser quer, na realidade, é ser importante e existir como tal. Para isso ele propõe a teoria de que: “cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... “(alma interior x alma exterior). Essa teoria vai servir de embasamento para provar suas conjecturas acerca da alma humana. Para isso ele explica que a alma interior é alimentada pela exterior e que a exterior pode ser um botão de camisa, um tesouro ou simplesmente a opinião da sociedade que nos cerca. Desse ponto em diante, Jacobina nos conta algo que 56 aconteceu com ele quando tinha vinte e cinco anos e fora nomeado alferes da guarda municipal: Minha mãe ficou orgulhosa! Tão contente! Chamavame seu alferes. Primos e tias foi uma alegria pura e sincera. Na vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e ranger de dentes como na Escritura; (...) Em compensação, tive muitas pessoas que ficaram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento foi dado por amigos...” A partir do momento que a alma exterior de Jacobina começa a despertar interesse, começa também a causalhe disputas e invejas. Enquanto a família e “amigos” o elogiam e presenteiam, outros vão desprezá-lo, pois o posto ao qual ascendeu era de grande cobiça. Tia Marcobina, viúva do capitão Peçanha, convida Jacobina para visitá-la. Quando ele chega ao sítio dela, ela diz que ele vai ficar lá por algum tempo e ali a alma exterior de Jacobina é coberta de afagos e ternura de modo que até o espelho da sala, peça rara naquela época, fora colocado no quarto do alferes. Parece-nos que essa atitude da tia é uma forma de também dar voz a sua alma exterior, visto que morava em um sítio distante e que fora viúva de um capitão. Certamente, durante o tempo em que estivera casada, sua alma exterior alimentara-se da alma exterior de Peçanha. Agora ela via uma forma de voltar a existir, novamente na dependência de outro. Ela não tinha uma alma exterior realizada por si mesma. Nessa convivência, 57 Jacobina confessou que em pouco o alferes eliminara o homem e a alma exterior cada vez mais alimentava a interior. No entanto a tia teve que visitar uma filha doente, deixou o alferes com os escravos, estes o cobriram de mimos e cuidados, mas no dia seguinte haviam fugido e Jacobina ficara na mais completa solidão. Nesse momento, a alma exterior começa a incomodá-lo, ele não se olha sequer no espelho. Já bastante inquieto e solitário resolveu olhar-se no espelho, para o espanto dele: ... deume na veneta olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra.(...) Ele teve medo de enlouquecer diante da realidade. Nem o espelho estampava a imagem dele, a solidão aumentava, sequer uma pessoa para visitar o alferes aparecia. De repente, ele tivera um estalo: vestir a farda de alferes e”... o vidro reproduziu então a figura integral... o alferes que achava enfim a alma exterior...”. Após esse momento, resgatara a alma exterior que havia sumido com as pessoas e conseguiu ficar mais seis dias sem sentir falta dos elogios, pois no momento em que vestia-se o alferes resgatava e era contemplado ou contemplava-se no espelho resgatava os elogios que tanto alimentavam a alma exterior quanto a interior. Desse modo, o personagem-narrador nos prova a teoria de que o ser humano é movido por tudo que o cerca 58 externamente;que isso colabora com a imagem interior que criamos de nós mesmos e que as nossas discussões nada mais são de que uma forma de existirmos perante nós mesmos e dos outros. Diante disso, percebemos que a discussão iniciada naquele espaço entre eles é um símbolo do conteúdo a ser narrado, pois o diálogo que eles iniciam não é algo profundo ou que possa servir de modificação espiritual, mas algo que os põe em cena e quando cada um fala vai tentando elevar a alma exterior. A comprovação de que eles querem apenas mostrar-se importantes é que Jacobina não entra na discussão e diz ser esta uma herança bestial que cada ser carrega em si, mas é instigado a participar, pois os outros querem prova do que ele está afirmando e como humano, ele também traz em si a herança bestial. Passa então a narrá-los o que aconteceu consigo mesmo quando era jovem e desse modo vai colaborando com a teia que se forma a partir das discussões e se funde com a comprovação de que naquele espaço há seres humanos querendo erguer suas almas exteriores e interiores estas movidas pela vaidade do que aquela possa ser alvo. Desse modo, fecha - se o círculo em torno do ambiente símbolo da sociedade pequena, um pouco obscura e fechada que nos cerca, e seres-símbolo que se formam e deformam nesse ambiente onde o ter suplanta o ser. Os símbolos que, ao longo do texto, vão colaborando com a metáfora da sociedade como algo pequeno e 59 insignificante, movida por interesses fúteis vão pouco a pouco sendo posto a prova: a farda de alferes que dá a Jacobina o direito de existir perante a sociedade. Essa existência começa a ser valorizada na família, quando a mãe chama o “meu alferes”, e continua desempenhando papel significante de inclusão quando ele recebe os mimos da tia. Essa mesma farda servirá de objeto para livrá-lo da solidão. Outro ponto de fundamental importância no desenvolvimento da trama é a presença do espelho como algo que retrata apenas o que é conveniente. Nesse ponto, podemos sugerir que o espelho é uma metáfora da sociedade a qual é incapaz de valorizar as pessoas por sua índole ou bons modos, mas centra-se na maneira de vestir e no que essa pessoa tem para visualizá-la e respeitá-la. No caso do alferes, sem farda diante do espelho apenas representava traços imperceptíveis, mas com a farda resgata suas feições e personalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho procuramos, à luz dos estudos emióticos, analisar o conto O espelho,no que concerne à espacialização simbólica e a rede metafórica que se forma na construção do tecido textual. Pudemos observar como o espaço “casa”, “o espelho” e a “farda” tiveram fundamental importância na composição da trama que nos apresentou de forma metafórica uma sociedade movida por interesses materiais, despida de qualquer 60 senso de humanidade e respeito de um ser para com o outro. Essa sociedade faz de cada ser um brinquedo e brinca com ele sem que, muitas vezes ele perceba-se usado; afinal por que queremos tanto discutir, mostrar que nossas opiniões estão certas? Talvez seja uma forma de existirmos. Vamos desfilando, defronte do espelho (sociedade), nossas fardas (conquistas) e buscando que este espelho não se mostre opaco ou desinteressado, pois é essa a forma de alimentarmos a nossa alma interior. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSIS, Machado de. A cartomante e outros contos. São Paulo, moderna, 1988. SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002. _____. Matrizes da linguagem e pensamentos: sonoro, visual, verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2005. 61 A FRAGMENTAÇÃO DO SUJEITO NA LITERATURA DE SALMAN RUSHDIE LOPES, Vanusa Benício (UECE) CMLA-UECE RESUMO: Diante do contexto sócio-cultural em que vivemos no qual o mundo está constantemente passando por diversas transformações e isso podemos perceber claramente através do processo da globalização, estamos diante de um sujeito fragmentado, ou seja, as pessoas estão constantemente mudando de identidades e posicionando-se de acordo com o contexto em que estão inseridas. Segundo Hall (1997), a questão da identidade está sendo extensamente discutida na teoria social. As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. Objetivamos entender, através do estudo dos processos de produção de sentidos para os conceitos clássicos de Identidade e Cultura, como se dá a política de identidades no discurso literário pós-colonial e como tal política defende uma concepção de linguagem baseada na ética da diferença. Especificamente, investigamos de que modo o ensaio “Imaginary Homelands”, de Salman Rushdie traz à tona a relação entre a construção das identidades nacionais e as políticas de representação que as sustentam. A partir da utilização de um programa de estudos lingüísticos críticos, cuja ênfase está na inter-relação entre linguagem e identidade (FAIRCLOUGH, 1992; RAJAGOPALAN, 2003). Como resultado, percebemos que o texto de 62 Rushdie, através dos processos semântico-discursivos, constrói uma espécie de memória cultural fragmentada através de uma política de representação característica da personalidade da maioria dos cidadãos indianos póscoloniais, na qual duas nações - a colonizada Índia e a colonizadora Inglaterra - colidem entre si, traduzindo-se em várias identidades que são constantemente afirmadas e reivindicadas.Concluímos, portanto, que o indivíduo após sair de sua terra natal e passar a conviver com outra cultura, estará constantemente passando por um processo de transformação cultural. Palavras-chave: Identidade. Salman Rushdie. Póscolonial. INTRODUÇÃO: Este trabalho apresenta um estudo do discurso pós-colonial de Salman Rushdie, no qual podemos perceber que a linguagem é um local de luta no discurso pós-colonial, como também podemos comprovar a afirmação dos teóricos das políticas identitárias (HALL, 1997), de que as identidades estão sendo constantemente fragmentadas. Pelo impacto do discurso literário de Salman Rushdie, cujo estilo narrativo mescla o mito e a fantasia com a vida real, delimitamos uma de suas obras para nossa análise do discurso literário pós-colonial. Mais especificamente, analisaremos o ensaio Imaginary Homelands que abre a sua obra: Imaginary Homelands: Essays and Criticism (1992). 63 A questão da identidade assume um grande destaque na obra “Imaginary Homelands” de Salman Rushdie ao derivar da condição da migração, pois vai além das influências geradas por fenômenos como a globalização, formando-se no diálogo constante entre a cultura de origem do colonizado e a cultura do país do colonizador. Assim, a identidade cultural na obra de Rushdie torna-se uma identidade híbrida, em conseqüência do processo de transculturação, ou seja, acontecendo o processo de tradução cultural. 1- A FRAGMENTAÇÃO DAS IDENTIDADES NA MODERNIDADE TARDIA Diante de uma realidade em constantes transformações sociais, numa esfera global, cada vez mais os efeitos da globalização e os acontecimentos neste mundo pós-moderno estão presentes no nosso dia-a-dia, provocando “crises de identidade”. Segundo Hall (1997), as reflexões sobre identidade estão sendo amplamente discutidas na teoria social. As antigas identidades, que estabilizaram o mundo social, estão em decadência, surgindo novas identidades e fragmentando o sujeito moderno, que antes era visto como um sujeito unificado. Surge, assim, a “crise de identidade” que é considerada como parte de um processo mais amplo de mudança, processo este que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma posição estável no mundo social. 64 O autor apresenta três concepções de identidades para ilustrar o fenômeno da fragmentação do sujeito: a) sujeito do Iluminismo b) sujeito sociológico c) sujeito pós-moderno O sujeito do Iluminismo baseava-se na concepção de um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão. Assim, o sujeito nascia e se desenvolvia, permanecendo “idêntico” a ele - ao longo da existência. A segunda concepção é a do sujeito sociológico, nessa concepção, a identidade do sujeito é formada na “interação” entre o eu e a sociedade, embora o sujeito ainda tenha um núcleo ou essência interior, mas, este será formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores”, ou seja, o “eu” vai interagir com outras pessoas. A terceira concepção de sujeito apresentada por Hall (1997) é a do sujeito pósmoderno, que não possui mais uma identidade fixa ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”, podendo ser transformada continuamente, ou seja, o indivíduo estará em constantes transformações a partir do contexto em que estiver inserido. Segundo o autor, a identidade plenamente unificada, completa e segura é uma ilusão, pois “à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente”. (HALL, 1997, p.14) 65 A partir dessas concepções de sujeito apresentadas por Hall, podemos perceber as mudanças de visão de sujeito nas sociedades tradicionais e como vemos os sujeitos nas sociedades modernas. O sujeito que tinha identidade fixa e estável está hoje diante de um contexto de tantas transformações que é obrigado a estar mudando de identidades e se posicionando de acordo com a situação e com o local onde estiver inserido. Para o autor, a questão da identidade está relacionada com o caráter de constantes mudanças na modernidade tardia; em particular, com o processo de mudança conhecido como “globalização” e seu impacto sobre a identidade cultural. Podemos argumentar, portanto, que a fragmentação do sujeito é um reflexo das “sociedades modernas”. Nesse sentido, Giddens (1990) nos apresenta a principal distinção entre as sociedades “tradicionais” e as “modernas” e argumenta: Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por praticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1990, Apud HALL 1997, p. 15) 66 David Harvey (1989, apud HALL 1997), referese à modernidade significando não apenas “um rompimento impiedoso com toda e qualquer condição precedente”, mas como “caracterizada por um processo sem-fim de rupturas e fragmentações internas no seu próprio interior”. Para explicar a modernidade tardia, Ernest Laclau(1990) usa o conceito de “deslocamento”. Uma estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado e substituído por “uma pluralidade de centros de poder”. As sociedades da modernidade tardia, segundo ele, são caracterizadas pela “diferença” e produzem uma variedade de diferentes “posições de sujeitos”, ou seja, gera novas identidades. Para o autor, não seria correto ver a mudança contextual como simples e inevitavelmente promotor da fragmentação do eu, pois quanto mais acontece sua desintegração em “eus múltiplos” essa diversidade também pode, em algumas circunstâncias promover uma integração do eu. Uma pessoa pode fazer uso da diversidade a fim de criar uma 1autoidentidade distinta que incorpore positivamente elementos de diferentes ambientes numa narrativa integrada. (GIDDENS 2002, p. 176) Podemos ver que Giddens, Harvey e Laclau, apresentam leituras diferentes acerca da modernidade, mas suas teorias pautadas na descontinuidade, na fragmentação, na ruptura e no deslocamento nos levam a um ponto em comum, o impacto das transformações da pós-modernidade provocada pela globalização. 1 Giddens define autoidentidade como o eu entendido reflexivamente pelo individuo em termos de sua biografia (p.221) 67 Segundo o crítico Kobena Mercer, “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza.” (MERCER apud Hall, 1997, p.9). A partir da visão desses teóricos, podemos dizer que é uma ilusão acreditar numa identidade unificada, completa e coerente, pois estamos diante de um contexto social em constantes transformações, em que somos constantemente confrontados por uma multiplicidade de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar em momentos diferentes. 2- A LITERATURA PÓS-COLONIAL Para falarmos sobre Literatura pós-colonial, é importante mencionar a origem do termo e a maneira como ele se destacou, tornando-se uma vertente de estudos acadêmicos. O prefixo “pós” em “Póscolonialismo” pressupõe, o que ocorreu, ou ocorre, após o colonialismo. O termo pós-colonial se refere de certo modo ao processo de descolonização que marcou, mesmo que de formas muito diferentes, tanto os países colonizados com aqueles que foram os colonizadores. Ou seja, o termo quer enfatizar que a colonização nunca foi um fato “externo” às metrópoles imperiais, estando inscrita nas suas próprias culturas - assim como as culturas imperiais também se inscreveram nas culturas dos colonizados. 68 Pensar nessa ambivalência posta pelo encontro colonial implica, assim, em deslocar uma série de noções como centro/ periferia, nós/eles, dentro/fora, rompendo com essas oposições binárias para pensar as relações sociais de modo mais complexo, múltiplo e transversal. (CANTARINO, 2007) Para Carreira (2006), o “pós-colonialismo” se refere a uma série de estudos voltados para os efeitos da colonização sobre as culturas e sociedades colonizadas, que podem ser interpretados como parte da teoria pósmodernista, procurando trazer à tona as vozes das culturas e dos segmentos sociais periféricos, sendo portanto, uma tentativa de “ouvir” as “margens”, como as minorias raciais, as mulheres e os homossexuais. É, a partir do testemunho colonial dos países do Terceiro Mundo e do discurso das “minorias” dentro das divisões geopolíticas de Leste e Oeste, Norte e Sul que surgem as perspectivas pós-coloniais, intervindo nos discursos ideológicos da modernidade que tentam dar uma “normalidade” preponderante ao desenvolvimento irregular e às histórias diferenciadas das nações, raças, comunidades e povos. Os estudos culturais, baseados nas idéias de globalização, a partir dos anos 80 e 90 passaram a ocupar nos estudos acadêmicos, em âmbito internacional, o espaço das discussões teóricas sobre temas pós-coloniais. 69 Segundo Bhabha (2005), as teorias pós-coloniais formulam suas revisões críticas em torno de questões de diferença cultural, autoridade social e discriminação política a fim de revelar os momentos antagônicos e ambivalentes no interior das “racionalizações” da modernidade. Nesse contexto, podemos dizer que uma série de teorias críticas sugere que é através do testemunho daqueles que sofreram o sentenciamento da história, como subjugação, dominação, diáspora e deslocamento, que aprendemos nossas lições de vida e podemos fazer reflexões sobre esses acontecimentos. Reis (1999 p. 15) argumenta que a chamada literatura pós-colonial não consegue escapar ao neocolonialismo. Para a autora críticas mais recentes têm demonstrado o prefixo ‘pós’ de pós-colonialismo não significa o fim do colonialismo, mas a inserção num contexto de internacionalização do mercado – inclusive do mercado de bens culturais. Sendo ela, depois do processo de globalização iniciado pelo imperialismo, não há como separar a história das antigas metrópoles das histórias dos povos colonizados e nem como manter o antigo conceito de Estado- Nação. O “Sistema-Mundo” atual caracteriza-se por fluxos internacionais e transnacionais, a consequência, segundo Octavio Ianni (apud Reis,1999, p.15), é que “as nações transformam-se em espaços, territórios ou elos da sociedade global.(...) Na medida em que se desenvolve, a globalização confere novos significados à sociedade nacional, com um todo e em suas partes.” 70 A perspectiva pós-colonial, como vem sendo desenvolvida por historiadores culturais e teóricos da literatura, tenta revisar aquelas pedagogias nacionalistas ou “nativistas” que estabelecem a relação do Terceiro Mundo com o Primeiro Mundo em uma estrutura binária de oposição, resistindo à busca de formas holísticas de explicação social. Ela força um reconhecimento das fronteiras culturais e políticas mais complexas que existem no vértice dessas esferas políticas frequentemente opostas. Segundo Bhabha (idem), os discursos pós-coloniais exigem formas de pensamento dialético que não recusem ou neguem a alteridade que constitui o domínio simbólico das identificações psíquicas e sociais. Bhabha (2005) analisa a narrativa subalterna situando-a no plano das identidades coletivas, porém vinculando sempre sua manifestação aos processos de representação e de significação, tanto na sua dimensão semiótica quanto na sua dimensão psíquica. Para o autor, na perspectiva pós-colonial, a questão não é apenas a voz nativa, como a do outro diferente, mas o reconhecimento das condições históricas e políticas de construção de alteridades submetidas a um regime colonial de subalternidade. Quanto às características da literatura póscolonial, segundo os autores Ashcroft, Griffith e Tiffin (1989), “O que cada uma destas literaturas tem em comum além das características regionais, é que elas emergiram no presente fora da experiência de colonização e se afirmaram através do tempo com o poder imperial e enfatizando as suas diferenças. É isto que os faz distintivamente pós-coloniais.” 71 Estes autores argumentam também que o desenvolvimento dos estudos pós-coloniais passou por várias fases, todas elas referentes à percepção de que era preciso fazer a diferença do grande centro. A ligação ao centro do poder colonial fazia com que os escritores coloniais escrevessem em inglês e não na sua língua materna, privilegiavam o centro e não muitos aspectos específicos da região que talvez reportassem melhor a realidade do país. A partir de tantas características próprias de países e regiões hoje pós-coloniais, não restam dúvidas de que tanto a sua cultura como a sua literatura adquirem características diferentes de um país colonizador. Assim, o estudo dos países e regiões pós-coloniais torna-se necessário para o entendimento de uma cultura diferente. Cultura esta que não pode estar dissociada da literatura que é imprescindível para a caracterização da História de qualquer país. É por razões como estas que se faz necessária a existência de Estudos Pós-Coloniais. Os “estudos pós-coloniais” focalizam, portanto, as manifestações culturais, entre elas a expressão literária das nações que conquistaram sua independência após um longo período de dominação política e cultural. Mas, se examinarmos a história recente dos países que sofreram o processo de colonização, chegaremos à conclusão de que , em muitos deles, a colonização ainda não terminou. Pelo contrário, ela continua e não só nesses países, mas persiste também na proposta de globalização, cuja forma de domínio se esconde sob a idéia de uma aparente igualdade. (CARREIRA, 2006). 72 3- A FRAGMENTAÇÃO DO SUJEITO EM “IMAGINARY HOMELANDS” DE SALMAN RUSHDIE Tendo crescido em Mumbai (antiga Bombaim) e estudado na Inglaterra onde se formou “com honra” na Universidade de Cambridge, Salman Rushdie tem provocado, graças a sua literatura de ensaio e ficção uma série de controvérsias no mundo (RAJAGOPALAN, 1996). Considerado como uma instituição discursiva, a literatura é aqui vista como ocupando uma posição social, portanto, anunciando e reproduzindo sentidos deste lugar. O discurso literário sobre a identidade e sobre o sentimento de pertença em Imaginary Homelands é visto, pois, como uma prática discursiva literária, constituindose em uma prática social. Embora para Spivak (1993) o sujeito subalterno não exista enquanto categoria que tem voz própria e por isso não pode ser ouvido no discurso dominante, além de não ter nenhum espaço a partir do qual possa falar, Salman Rushdie, como outros autores do pós-colonial, passaram a problematizar, em sua literatura, sua condição de subalterno. Rushdie afirma, no ensaio referido, que os escritores indianos na Inglaterra têm acesso a uma segunda tradição totalmente apartada da sua própria história “racial”, reivindicando o mesmo lugar de direito que o ocupado pelo colonizador. 73 Sua herança e sua porta de acesso é a história política e cultural do fenômeno da migração, do deslocamento, da vida de uma minoria de pessoas expatriadas. Ele diz: “O passado do qual fazemos parte é um passado inglês, a história da Inglaterra Imigrante2” (RUSHDIE, 1992, p. 20, tradução minha). Bhabha (2005) analisa a narrativa subalterna situando-a no plano das identidades coletivas, porém vinculando sempre sua manifestação aos processos de representação e de significação, tanto na sua dimensão semiótica quanto na sua dimensão psíquica. Na perspectiva de Rushdie, a questão não é apenas a voz nativa, como a do outro diferente, mas o reconhecimento das condições históricas e políticas de construção de alteridades submetidas a um regime colonial de subalternidade. Vejamos: “Mas, em todo o caso, o (a) escritor (a) indo-britânico(a) simplesmente não tem a opção de rejeitar o inglês. As crianças dele, as crianças dela crescerão falando o inglês, provavelmente como uma primeira língua”.3(RUSHDIE,1992, p. 17, tradução minha) Desse modo, podemos perceber que a linguagem é um local de luta no discurso pós-colonial, pois o processo de colonização e também o de descolonização começa primordialmente através da linguagem, das 2 “The past to which we belong is an English past, the history of immigrant Britain”. 3 “But the British Indian writer simply does not have option of rejecting English, anyway. His children, her children, will grow up speaking it, probably as a first language;” 74 práticas discursivas. O controle exercido sobre a linguagem pelo poder colonial – quer através do apagamento das línguas nativas, quer pelo estabelecimento da linguagem colonial como “padrão” pelo qual se medem possibilidades de ascensão pessoal e profissional – permanece sendo o mais poderoso instrumento de controle cultural. É essa condição lingüístico-histórica que Rushdie reconhece. Em “Imaginary Homelands” comprovamos a afirmação dos teóricos das políticas identitárias (HALL, 1997) de que as identidades estão sendo fragmentadas, de que o que aconteceu à concepção do sujeito moderno, na modernidade tardia, não foi simplesmente sua desagregação, mas, seu deslocamento. Como podemos ler: "Nós somos hindus que cruzaram a água preta; nós somos muçulmanos que comem carne de porco. (…) Nós somos agora em parte do Oeste. Nossa identidade é imediatamente plural e parcial" "Nós somos hindus que cruzaram a água preta; nós somos muçulmanos que comem carne de porco. (…) Agora, nós somos, em parte, do Oeste. Nossa identidade é imediatamente plural e parcial" 4(RUSHDIE, 1992, p. 17, tradução minha). O sujeito de que nos fala Rushdie demonstrará que a concepção de identidade fixa e estável do iluminismo é uma ilusão. Em Rushdie, percebemos que o sujeito descentrado da diáspora é um sujeito traduzido, cujas identidades são abertas, contraditórias, inacabadas, identidades fragmentadas, próprias do sujeito moderno. 4 “We are Hindus who have crossed the black water; we are Muslims who eat pork. (…) We are now partly of the West. Our identity is at once plural and partial”. 75 Essa fragmentação identitária não é exclusiva desses intelectuais, mas a condição desses escritores marcada por um sentimento sem fim de dispersão e de não pertencer a nenhum lugar, intensifica essa visão fragmentada do “eu”, como percebemos no seguinte trecho: “Pode-se afirmar que o passado é um país de onde todos nós temos emigrado, que sua perda é parte de nossa humanidade comum. (...); mas eu sugiro que o escritor que está fora do seu país e fora do seu idioma pode experimentar esta perda de uma forma mais intensificada” 5 (RUSHDIE, 1992, p. 12, tradução minha). Fiel ao espírito da condição pós-moderna, o texto de Rushdie constrói uma espécie de memória cultural fragmentada através de uma política de representação característica da personalidade da maioria dos cidadãos indianos pós-coloniais na qual duas nações - a colonizada Índia e a colonizadora Inglaterra - colidem entre si, traduzindo-se em várias identidades que são constantemente afirmadas e reivindicadas: “Pode ser que quando o escritor indiano que escreve fora da Índia tentar refletir sobre aquele mundo, será obrigado a negociar com espelhos quebrados, dos quais alguns fragmentos foram irreparavelmente perdidos”6 (RUSHDIE, 1992, p. 11, tradução minha). 5 “It may be argued that the past is a country from which we have all emigrated, that its loss is part of our common humanity. (... ); but I suggest that the writer who is out-of-country and even out-oflanguage may experience this loss in an intensified form”. 6 “It may be that when the Indian writer who writes from outside India tries to reflect that world, he is obliged to deal in broken mirrors, some of whose fragments have been irretrievably lost.” 76 As imagens dos deslocamentos e das fragmentações da memória e do sujeito moderno são apresentadas na forma de figuras de linguagem como ”espelhos quebrados”, uma constante no texto de Rushdie: “Os potes quebrados”, ”vidros quebrados” (RUSHDIE, 1992, p.12). São imagens que sugerem a natureza fragmentada da memória presente na guerra cultural que se estabelece para a maioria dos cidadãos britânicos do pós-império. Para eles, como diz Rajagopalan, “a Índia pós-colonial e a Grã-Bretanha pósimperial – constituem, por assim dizer, câmaras mútuas de ressonância sentimental e emocional”, ou como diz o próprio Rushdie: “Pátrias imaginárias, Índias da nossa mente (RUSHDIE, 1992, p. 10)”. Para Rajagopalan (1996) Inglaterra e Índia – constituem, do ponto de vista psicológico, o par de opostos absolutos que ocupa o centro da esquizofrenia cultural, que é, em última análise, o próprio romance de Rushdie. Na prática literária de Rushdie, não apenas a Índia é representada como uma ficção, uma pátria imaginada através de uma memória fragmentada cuja tessitura rica vai costurando as memórias da infância na busca emocional de uma raiz, de uma origem por aqueles que foram deslocados dela (“criaremos ficções, não cidades ou aldeias reais, mas invisíveis, pátrias imaginárias, Índias da Mente”)7, como também a Inglaterra é denunciada como uma nação imaginada, construída pelos 7 “create fictions, not actual cities or villages, but invisibles ones, imaginary homelands, Índias of Mind). 77 trabalhos da memória colonialista como a perpetuação de uma herança cultural canônica a ser resguardada (RUSHDIE, 1992, p. 10). CONCLUSÃO: Concluímos, portanto que todo o texto de Rushdie, nas construções discursivas literárias de “Imaginary Homelands”, sua prática discursiva como sua prática social e política representa uma desconstrução da noção de comunidade nacional como uma identidade unificadora como nos diz o trecho “(…) A Inglaterra sonhada não passa de um sonho” 8 (idem, p.18, tradução minha). É nesse sentido que para Seligmann-Silva (2005, p. 206) o discurso pós-colonial pensa na literatura como a impossibilidade de representação de uma “essência” de significado, como uma impossibilidade de retratar uma memória meramente designativa, como representação fiel e crua do fato sem ligação alguma com a emoção de não mais se encontrar enraizado, de ter sido deslocado e subjugado pelas forças da colonização. Mas, ao mesmo tempo, essa literatura procura respeitar as ambivalências culturais reivindicadas pelas nossas identidades atuais que surgem mediante a resistência ao contexto da globalização e a todas as formas de imperialismo; Ambivalências e dilemas na integração cultural dos imigrantes, na representação de identidades nacionais e culturais fragmentadas, na apresentação de um indiano não - indiano, um eterno estrangeiro entre duas pátrias. 8 "The dream-England is no more than a dream". 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ASHCROFT, B., GRIFFITHS,G.,TIFFIN,H., The Empire Writers Back:Theory and practice in PostColonial Studies. Londres, Nova York: Routledge,1989. CANTARINO, C. Literatura: Ficção Pós-colonial retrata conflitos contemporâneos. Ciência e Cultura. V.59 n.2 São Paulo abr./jun.2007. Disponível em <http://cienciae cultura.bvs.br/scielo.php>acesso em 03 de abril de 2008. CARREIRA, S.S.G. 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Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php REIS, E.L.L. Pós-Colonialismo, Identidade e Mestiçagem Cultural: A Literatura de Wole Soyinka. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1999. RUSHDIE, S., Imaginary Homelands: Essays and Criticism, London: Granta Books, 1992. SELIGMANN-SILVA, M., O local da diferença. Ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São Paulo: Ed.34, 2005. SPIVAK, G., Can the subaltern speak? In: WILLIAMS, Patrick; CHRISMAN, Laura (Ed.). Colonial Discourse and Post-colonial Theory: A Reader. Hemel Hemsptead: Harvester Wheatsheaf, 1993. 80 FRAGMENTOS E EPIFANIAS: A VOZ DE UM ESCRITOR EM FORMA DE MISSIVAS, ESTUDO DA CORRESPONDÊNCIA DE CAIO FERNANDO ABREU. CARNEIRO, Andreia da Silva9 Universidade Federal do Ceará – UFC RESUMO: Caio Fernando Abreu (1948 – 1996) desenvolve sua produção ficcional em torno de temas que retratam os embates e a problemática do homem contemporâneo. Contista, romancista, dramaturgo, poeta e jornalista, premiado com o prêmio Jabuti, em 1984 e 1989, Caio é considerado por alguns críticos, o autor que se tornou o retrato 3x4 da classe média da última metade do século XX que correu o mundo, libertou-se dos condicionamentos e exaltou a vida com alta dose de erotismo e politização. Desta forma, a sua obra pode ser também ser compreendida como uma das expressões de pensamento, conduta e expressão de um período extremamente importante para o nosso país, uma vez que a sua ficção representa um Brasil na década basicamente compreendido entre os anos 70 e 80. Esta comunicação propõe-se analisar o conjunto de sua correspondência reunida no volume intitulado Cartas, organizado por Italo Moricone (2002). O objetivo maior de nosso trabalho será realizar um breve panorama da vida e obra 9 Andreia da Silva Carneiro é graduada em Letras pela Universidade Federal do Ceará e mestranda em Literatura Brasileira pela mesma instituição. 81 de Caio Fernando Abreu através de sua intensa troca de missivas com amigos e parentes ao longo de sua vida. Não podemos deixar de destacar que esta coletânea é extremamente rica e importante para aqueles que admiram a obra de Caio Fernando, assim como não podemos deixar de pontuar que estas cartas proporcionam uma aproximação e um melhor entendimento em relação ao seu processo criativo. Podemos conferir comentários do autor em relação a muitas obras, seu gosto pela arte, opiniões em relação aos mais variados assuntos, assim como o medo e a descoberta de ser um portador do vírus HIV. Palavras-chave: Caio Fernando Abreu; Cartas; Processo criativo. Caio Fernando Abreu (CFA) - (1948 – 1996) desenvolve sua produção ficcional em torno de temas que retratam os embates e a problemática do homem contemporâneo. Estes temas podem ser descritos e classificados como a crise do sujeito moderno em face de uma sociedade massificada, dominada pelo consumo e pela falta ou mesmo perda de identidade. Como um dos aspectos marcantes e recorrentes em sua obra, podemos ainda destacar pontos que evidenciam a fragmentação do sujeito moderno, e consequentemente considerá-los como base da crise da contemporaneidade, como por exemplo, a dificuldade de interação social, a solidão e as crises existenciais de sujeitos em busca da própria identidade, entre outros aspectos. 82 Contista, romancista, dramaturgo, poeta e jornalista, premiado com o prêmio Jabuti, em 1984 e 1989, Caio é considerado por alguns críticos, o autor que se tornou o retrato 3x4 da classe média da última metade do século XX que correu o mundo, libertou-se dos condicionamentos e exaltou a vida com alta dose de erotismo e politização. Desta forma, podemos assinalar cada vez mais a crescente atenção de leitores ávidos pela escrita do “escritor da paixão” nos tempos atuais. Muitas vezes, o autor é mais lembrado por sua ficção intimista e por sua abordagem homoerótica. E talvez, em um primeiro momento, a associação do autor e sua vida pessoal levem a crer que Caio Fernando Abreu desenvolva, em sua totalidade, narrativas cujo conteúdo envolva a relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, Jaime Ginzburg10 reconhece que Caio Fernando Abreu “ainda está por ser compreendido em um de seus lados mais fortes, a política”. Desta forma, a sua obra pode também ser compreendida como uma das expressões de pensamento, conduta e expressão de um período extremamente importante para o nosso país, uma vez que a sua ficção representa um Brasil basicamente compreendido entre os anos 70 e 80. Neste período, a sociedade brasileira vivia a época do ‘Desbunde’ e da ‘Contracultura’. O olhar 10 Ginzburg, Jaime. Exílio, Memória e História: notas sobre “Lixo e purpurina” e “Os sobreviventes” de Caio Fernando Abreu. In Literatura e Sociedade/ Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada/ Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São Paulo – n.1 (1996). São Paulo. 83 sensível de CFA mostra-se sempre conectado com o ‘auto-olhar’ de quem percebe de maneira peculiar o mundo que se movimenta ao seu redor. De maneira geral, a sua escrita revela, aos poucos, uma perspectiva melancólica permeando, assim, o cotidiano de suas personagens, além de pautar, muitas vezes, através de sentimentos como a perda, a dor, a solidão e a incerteza, uma possível tensão vivenciada pelas personagens e as relações de cunho temporal. Deste modo, mesmo que estas relações entre indivíduo e seu tempo não estejam explicitamente nas narrativas de Caio, nota-se uma possível inquietação em relação ao passado marcado principalmente por momentos de total repressão ou falta de liberdade oriundos do período militar; certa inadequação em relação ao presente e, consequentemente, a falta ou perda quase total de expectativas em relação ao futuro. Este trabalho propõe-se a realizar uma breve análise do conjunto de sua correspondência reunida no volume intitulado Cartas, organizado por Italo Moriconi em 2002. O objetivo maior de nosso estudo consiste em percorrer alguns aspectos importantes da vida do autor, assim como de sua produção ficcional através da intensa troca de missivas entre amigos e parentes ao longo de sua vida. É necessário destacar ainda que esta coletânea torna-se extremamente rica e instigante para aqueles que admiram e/ ou estudam a obra de Caio Fernando Abreu por consistirem um registro importante e explícito de suas percepções, desejos, angustias e preocupações com os mais diversos assuntos, entre os quais podemos destacar: a situação econômica e política do Brasil: 84 Creio que Tancredo Neves morre entre hoje e amanhã. Acho essa história de uma ironia e de uma crueldade raras. Tudo muito nefasto (...) teremos que engolir Sarney e outro governo tipo Figueiredo – e mais inflação, e mais desemprego, e mais terceiro mundismo, e mais solidão e desencontro entre as pessoas...¹¹ Caio de uma maneira ou de outra sempre se preocupou em pontuar como o componente históricosocial poderia fazer parte de suas narrativas. Assim, em entrevista realizada em 1984 pelo correspondente Celso Araújo, intitulada Sem amor, só a loucura 11, Caio deixa um pouco mais evidente a sua preocupação em relação a difícil situação política e social enfrentada pelo país: Somos hoje um país que perdeu a identidade, o brasileiro não tem mais face e a tarefa do escritor pode ser, de repente, tentar ajudar na reconstituição. Escrevo sobre 11 In. Abreu, Caio Fernando. Caio 3D: O essencial da década de 80. Rio de Janeiro. Agir, 2005. 85 coisas que estão se passando a todo momento (...) ando muito só e assustado com tudo isso. Toda vez que desço a cidade, vejo as pessoas ruins emocionalmente, a crise não é apenas econômica, as pessoas estão com o coração escuro, a rapaziada se drogando mais do que nunca. Ítalo Moriconi destaca ainda que a trajetória de vida de Caio Fernando oferece ao leitor “ um bom retrato da conspiração permanente operada pela sociedade brasileira no sentido de impedir ou dificultar a profissionalização do escritor-artista” 12. A escrita para CFA era um processo intenso de elaboração artística por meio da palavra, além de ser um dos melhores meios de expressão. Talvez, o seu maior ato foi ter colocado em forma de prosa o relato de uma personalidade forte, mas ao mesmo tempo sensível e atenta ao seu tempo, muitas vezes preocupado com um futuro pouco promissor, como por exemplo, em relação à crise ambiental e doenças como a AIDS. Ao escrever para o amigo Luis Arthur Nunes em 1984, Caio indaga: Como anda a história da AIDS por aí? Aqui acalmou, mas ocorrem uns horrores vez 12 Idem. 86 enquando, há duas semanas foi um amigo-de-um-amigo, quer dizer, foi-se. Vez enquando faço fantasias paranóicadepressivas, andei promiscuo demais. Ah, que ânsia de pureza e meeeeeeeeeeeedo da marca de Caim. 13 Escrever aos amigos, aos companheiros era algo essencial e constante em sua rotina quanto cumprir as tarefas cotidianas. Em suas cartas, Caio Fernando releva a percepção pessoal de um universo marcado pelo apreço à palavra, além de momentos de extrema solidão e desencanto em oposição à constante procura de amor, em carta ao dramaturgo Luciano Alabarse, Caio revela que: “sinto falta de abraço e beijo ma boca e mão na mão de namorado. Choro às vezes e durmo pesado”. Moriconi nos mostra que as missivas de Caio, na verdade, são “uma pequena amostra de um universo que ainda está para ser revelado na sua completude, na sua provável vastidão”. O tom confessional e a mistura com os fatos reais reforçam cada vez mais a possível hibridez do gênero epistolar. O aprofundamento de tal fenômeno ainda requer estudo e uma análise mais detalhada o que ultrapassa, infelizmente, os objetivos deste trabalho. No entanto, desejamos ressaltar que as cartas de CFA 13 Idem. p. 89 87 revelam, junto com o seu conjunto ficcional, um importante panorama no que diz respeito à história tanto de nosso país, assim como de nossa literatura. Maria Lúcia de Barros Camargo aponta que: O teor das cartas pessoais, escritas por um sujeito concreto e dirigidas a um destinatário específico [...] ancora-se no real e nas circunstâncias e quase sempre trata da intimidade, tendo, por isso mesmo, um cunho íntimo e, até, confessional [...]a carta assume também função documental: sua inserção na história, aliada ao caráter de ‘sinceridade’ das confissões, assim a legitimam. 14 É importante ressaltar que esta reunião de suas epístolas procura, basicamente, englobar a vida de Caio Fernando Abreu sob dois aspectos e a inversão cronológica intencional, proposta por Moriconi em Cartas pode ser lida como “o romance fragmentado de uma vida”. 14 In LOURENÇO, Camila. Gênero, memórias e narrativas. UFSC. P. 02 88 Um deles estaria voltado para um Caio já escritor e inserido no meio jornalístico e artístico de uma metrópole. Podemos mesmo inferir que esta sensação de inadaptação vivida por CFA na grande pauliceia torna-se recorrente tanto em suas missivas, assim como em sua obra. Neste momento, percebemos que a ambientação de muitas das suas narrativas tem como ambientação a grande metrópole desvairada que entorpece e padece aquele que se sente mais fraco, justamente por ser o avesso do avesso do avesso. Outras vezes, a menção é explicita como no caso da novela Pela Noite cujas duas personagens trafegam por ruas e avenidas bastante populares da cidade de São Paulo. A segunda parte refere-se ao início como escritor e as angústias de um jovem em busca de sua própria voz, além da rica, e não por menos enigmática correspondência trocada com a escritora Hilda Hilst (1930 – 2004). Neste momento, as cartas de Caio Fernando revelam um pouco mais do seu universo como ficcionista ainda no início do processo da escrita, além da influência e admiração pela escrita da autora de A obscena senhora D. As primeiras cartas mostram ainda um garoto angustiado com a saída de sua cidade pequena para a grande metrópole, neste caso Porto Alegre. Caio escreve aos pais apelos para que volte à cidade natal para poder enfim sentir-se mais aliviado e sereno. Em carta dirigida aos pais, em especial a sua mãe Nair Abreu, em março de 1965, o autor revela que: 89 Há várias noites que quase não durmo e tenho pesadelos horríveis. Acho que até emagreci, ando sempre com olheiras e não como nada. Sinto uma falta imensa de todos daí, principalmente da senhora. A coisa que mais desejo é ir embora daqui. Sei que a senhora vai ficar triste quando ler isso; imagine então como não ando eu! Percebe-se também, neste momento, o início da amizade entre Caio Fernando Abreu e a escritora Hilda Hilst. Esta amizade será marcante para o escritor, uma vez que sente grande admiração pela produção literária e escrita da amiga, como também irá participar de “experiências transcendentais” bem típicas a época. Neste conjunto encontraremos boa parte da opinião e, principalmente, admiração do autor em relação às narrativas de Hilda, principalmente ao livro FluxoFloema, onde não raro podemos encontrar comentários pessoais em relação à obra. Este relato encontra-se na missiva que também faz parte do volume Caderno de Literatura Brasileira dedicado à escritora. Nesta carta Caio analisa com verdadeira adoração o processo de escrita e criação de Hilda, não poupando elogios, como certas opiniões pessoais em relação à narrativa. Compara a escritora com Dalton Trevisan, Clarice Lispector e Guimarães Rosa, 90 Lygia Fagundes Telles e Lúcio Cardoso considerados, segundo o autor, ainda fechados, limitados até em relação às temáticas e a própria constituição da escrita. Caio impõe a Hilda certo teor vanguardista no que se refere à inovação da escrita, assim como a “mistura” entre o humor e o que é considerado insólito. Para Caio, a escrita ‘descontraída’ de Hilda seria: Sem barreiras morais, políticas, religiosas, sem preocupação de tempo ou espaço. A liberdade total, mas não a liberdade porra-louca que conduz, no máximo, ao vazio, mas a liberdade que diz coisas que podem-ser, podem-não-ser, que dá a noção ao homem de estar-solto no mundo. Outra coletânea que reúne também cartas de Caio intitula-se Para sempre teu, Caio F. (2009), da jornalista, e grande amiga do autor, Paula Dip. A autora aponta que o autor queria “deixar um testamento de seu tempo como um apóstolo do novo mundo cujo amor à escrita foi uma chama que iluminou nossa geração”. Segundo Paula, antes de ser uma biografia, o livro é a expressão de uma sincera e forte amizade que perdurou durante anos, além do registro de uma geração de vivenciou de perto os anos de chumbo, a luz, a sombra, o amor, assim como o desamor. 91 Como já citamos no início deste trabalho, percebemos que entre os aspectos recorrentes na correspondência de Caio Fernando encontramos também sua relação conflituosa e, por vezes, amorosa com a cidade de São Paulo. Tal fenômeno, muitas vezes, nos permite concebê-lo como um dos autores contemporâneos que também percebe e reflete os problemas do espaço urbano de uma maneira bastante peculiar. O autor muitas vezes não expõe claramente o que quer dizer, assim proporciona ao leitor diversas pistas para que, ao longo de toda a leitura, se possa configurar em nosso imaginário o retrato de uma metrópole prestes a entrar em colapso. E justamente no meio deste caos que as personagens de Caio Fernando tentam reorganizar-se após períodos de grande turbulência, seja no aspecto pessoal, seja no que diz respeito ao teor social, também. Nas palavras de Graça Paulino, em prefácio alusivo ao livro “Caio Fernando Abreu – a metrópole e a paixão pelo estrangeiro: contos, identidade e sexualidade em trânsito” (2002), admite que “a metrópole contemporânea se reconstitui como um mundo de caos necessariamente em movimento” 15. Tão logo se percebe que o ambiente retratado pelo autor “são cenas dos anos 70, e a recriação dos questionamentos da época faz também mover-se de novo a história de jovens sem 15 Paulino. Graça. De cenas a seqüências: lendo contos, fazendo crítica literária. In Caio Fernando Abreu, a metrópole e a paixão pelo estrangeiro: contos, identidade e sexualidade em trânsito/ Bruno Souza Leal. São Paulo: Annablume, 2002. (p.07) 92 destino, de delírios ácidos, de blues for rock’en roll, de sexo liberado para amor algum16. Desta maneira, Graça Paulino nos esclarece que: A urbe tresloucada por onde se movem os sujeitos, grupos, vozes, objetos do progresso que ferveu e empolgou as pessoas num encontro de multidões, a metrópole se define como o lugar próprio – aliás, um deslugar, já que não permite ao sujeito enraizar-se, instalar-se – para acontecer o inusitado, o estranhamento do mundo, do outro e de si. 17 A grande pauliceia é sempre caracterizada pela cor cinza, sentido este que pode muito bem ser comparado ao ar plúmbeo característico da cidade, como sendo uma metáfora do indivíduo na frieza de suas relações sociais. Na ficção de CFA, a cidade de São Paulo é retratada como o centro das grandes contradições, dos desencontros, da centralidade do poder, da desigualdade social, entre outras características. Como exemplo, podemos apontar o conto “Depois de Agosto” 16 Souza Leal. B. Idem p.08 17 Idem 93 18 que apresenta um espaço ambientado não muito longe da agitação da Avenida Paulista: Tentado não ver os túmulos, mas sim para a vida louca dos túneis e viadutos desaguando na Paulista, experimentava um riso novo. Pé ante pé, um pouco para não assustar os amigos, um pouco por que não deixava de ser engraçado estar de volta à vertigem metálica daquela cidade à qual, há mais de mês, deixara de pertencer. (ABREU, 2002) Para Jaime Ginzburg a vertigem metálica, seria a “imagem que associa o desnorteamento humano e a presença da tecnologia avançada, contextualiza o encontro do protagonista com uma fissura no tempo” 19. Assim, Caio aos poucos nos revela: “Estou escrevendo na redação. Esta máquina é pesadíssima. Um dia cinza. Há quase um mês estamos dentro de dias cinza, de ar muito sujo (...). Tenho andado muito de ônibus. 18 Abreu, Caio Fernando. Ovelhas Negras. Porto Alegre: L&PM Editores, 2002. 19 Ginzburg, Jaime. Tempo de destruição em Caio Fernando Abreu. In Palavra e imagem: memória e escritura/ Márcio Seligmann Silva. Org. Chapecó: Argos, 2006. 94 Sento na janela e fico olhando o povo: é tristíssimo” (p.99). Em outro momento, escreve que “qualquer grande avenida de grande cidade é exatamente como um pátio de hospício. Pior, você sabe, porque mais violenta – e porque não há nenhuma viagem interior sendo feita. É pura ansiedade, sofreguidão, fragmentação”. (p.221) Suas referências culturais são recorrentes em suas cartas, seus autores preferidos como Ana Cristina Cesar, Sylvia Plath, Clarice Lispector, John Fante, Salinger, entre outros. Livros, filmes e peças teatrais estavam sempre no roteiro de suas atividades preferidas. Tais informações compõem um quadro o qual vislumbramos o interior sensível e aguçado do autor. A descrição de seus dias, as dificuldades financeiras sempre presentes, a procura de um lugar para morar, a dificuldade de um emprego estável, assim como a angustia do trabalho jornalístico são elementos essenciais que ajudam o leitor a desvendar um pouco mais do que vem a ser o universo caiofernandiano. Outro ponto de destaque é o relato constante em relação ao seu processo de criação de sua ficção. É importante destacar o medo e a descoberta de também ser portador do vírus HIV, “meu Deus, a tal doença parece que existe mesmo” (p.106). Neste caso, evidenciamos que a presença da AIDS constitui-se um fator recorrente ao longo de sua produção ficcional. A primeira revelação veio por carta enviada a uma de suas maiores amigas, Maria Lídia Magliane em 16 de agosto de 1994: 95 Pois é, amiga. Aconteceu – estou com AIDS – ou pelo menos sou HIV positivo (o que parece mais chique...), te escrevo de minha suíte no hospital Emílio Ribas, onde estou internado há uma semana... Alguns dias depois, em 21 de agosto de 1994, Caio Fernando Abreu anunciou a má notícia a seu público leitor na coluna que mantinha regularmente no jornal O Estado de São Paulo. A crônica intitula-se Carta para além dos muros e encontra-se atualmente publicada no livro Pequenas Epifanias, lançado em 1996, organizado pelo amigo e secretário Gil França Veloso. Caio Fernando encontrava em sua correspondência uma outra forma de expressão. Aqui, o autor explicitamente expõe seu universo pessoal e artístico. Moriconi complementa que esta reunião de cartas “é provavelmente uma pequena amostra de um universo que ainda está para ser revelado em sua completude, na sua provável vastidão” (2002). Também não podemos deixar de assinalar que estas missivas proporcionam uma aproximação e um entendimento mais conciso em relação ao processo criativo de suas narrativas, ou seja, podemos encontrar releituras e impressões sobre reedições de seus livros; a criação de algumas de suas próprias peças teatrais - uma verdadeira paixão – e inúmeros convites para adaptações de seus textos, assim como trabalhos para a televisão. 96 Caio comenta seus textos com amigos, revelando, assim, uma preocupação constante com o processo da escrita e composição de sua obra. Nota-se a Em carta para Paula Dip em 1º de janeiro de 1980, Caio Fernando comenta um pouco sobre o nascimento de Morangos Mofados (1982). Quero terminar, ou pelo menos avançar este novo livro. Estou seletivo, exigente: ele está praticamente pronto, ou estava, por que eliminei todos os textos que me pareciam “bons”. Deixei os que considero excelente e que é apenas um terço. Quatro textos: “Os companheiros”, “Fotografias”, “ Sargento Garcia” e “Morangos Mofados”, que talvez seja o titulo geral . O conto “Fotografias” está inacabado, quero pega-lo em seguida. Devagar. Afinal, acho que não há ninguém esperando ansiosamente pelo meu livro e eu o quero forte, claro, límpido, sólido, fundo. Leva tempo? Leva tempo. (DIP, 2009, p. 46) 97 Ou seja, nesta antologia também podemos encontrar comentários sinceros do autor em relação a muitas de suas obras, assim como a produção ficcional de alguns de seus amigos escritores. Nestas cartas, encontramos a admiração e a influência decisiva na vida e na ficção do autor de Morangos Mofados, uma vez que estas correspondências fornecem um poderoso documento do começo da voz real e ficcional do autor. Dentre os destinatários, volume reúne a sua correspondência para familiares, amigos íntimos como Luciano Alabarse, Marcos Breda, José Mário Penido, Déa Martins, Maria Lídia Magliane, Paula Dip, Jacqueline Cantatore e escritores, artistas queridos como Maria Adelaide Amaral, Adriana Calcanhotto, Regina Duarte, Bruna Lombardi, Mário Prata, entre outros. Ao lermos as suas cartas, adentramos em uma zona aparentemente inconfessável. No entanto, Caio Fernando nos permite entender e olhar mais atentamente o seu processo narrativo. Pois, compreender o porquê da escrita com tanta intensidade sobre temas tão comuns ao nosso cotidiano nos deixa bastante instigados, e ao mesmo tempo confortáveis para o estudo um pouco mais aprofundado de sua obra. Porém, o que podemos apontar ao compartilharmos suas confidências é justamente a forma como estas se desenvolvem e a linguagem em estado de urgência constante. O autor parece substituir os padrões convencionais e podemos perceber novas formas de elaboração e composição nas suas narrativas. Seu tom chega a ser enérgico propondo uma reflexão profunda e 98 crítica sobre as questões sociais e existenciais pautadas no cenário dos anos 70 e início dos anos 80. Segundo Clotilde Pereira de Sousa Favalli20, em artigo publicado na série Autores Gaúchos (1988), ao analisar obras como Morangos Mofados e Os Dragões não conhecem o paraíso, aponta que “os antigos perdedores como que renascem: à brutalidade da realidade brasileira do presente eles respondem aos privilégios com os valores do amor, sejam que tipo for das emoções, da autonomia individual, valores humanistas enfim”. Referências Bibliográficas ABREU, Caio Fernando. Caio 3D: O essencial da década de 1980. Rio de Janeiro: Agir, 2005. _____. Cartas. MORICONI, Italo (Org.). Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002. CAMARGO, Maria Lúcia de Barros. Atrás dos olhos pardos: uma leitura da poesia de Ana Cristina Cesar. In: LOURENÇO, Camila. Gênero, memória e narrativas. UFSC. DIP, Paula. Para sempre teu, Caio F. – cartas, memórias, conversas de Caio Fernando Abreu. Rio de Janeiro: Record, 2009. 20 Favalli, Clotilde Pereira de Sousa. Inventário de uma geração. In Caio Fernando Abreu. Autores gaúchos, vol. 19. Porto Alegre. Instituto Estadual do Livro, 1988, p.18. 99 FAVALLI, Clotilde Pereira de Sousa. Inventário de uma geração. In Caio Fernando Abreu. Autores gaúchos, vol. 19. Porto Alegre. Instituto Estadual do Livro, 1988. GINZBURG, Jaime. Exílio, Memória e História: notas sobre Lixo e purpurina e Os sobreviventes de Caio Fernando Abreu. In Literatura e Sociedade/ Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada/ Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São Paulo – n.1 (1996). São Paulo. MORICONI, Ítalo. Introdução. In: ABREU, Caio Fernando. Cartas. MORICONI, Ítalo (Org.). Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002. SOUSA LEAL, Bruno. Caio Fernando Abreu, a metrópole e a paixão pelo estrangeiro: contos, identidade e sexualidade em trânsito/ Bruno Souza Leal. São Paulo: Annablume, 2002. 100 OS SAPOS, DE BANDEIRA: UM POEMA MEDIEVAL E MODERNO. COSTA, Marília Pereira da Universidade Federal do Ceará RESUMO Com base nas considerações inicias do Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci - Brancuti), onde está inserida a Arte de Trobar, também conhecida como Poética Fragmentária, textos complementares de cultura medieval da teoria e dos estudos de mentalidade, far-se-á uma análise parcial do livro Libertinagem, onde se encontram o poema em estudo: “Os sapos”. Fazendo-se um estudo comparativo entre as cantigas dos trovadores medievais, especificamente do século XII ao XIV, e as cantigas em estudo, do escritor Manuel Bandeira, se comprovará a hibridação cultural, no que diz respeito à linguagem empregada e versificação medieval usada pelo autoracontemporâneo. Os resultados das análises sugerem haver semelhanças tanto entre os conteúdos citados, quanto na forma pela qual se apresentam. É do conhecimento daqueles que estudam a cultura medieval que a literatura desse período tem merecido muitos estudos, mas estes não são suficientes, por conta de sua complexidade. Nos períodos subseqüentes ao medievo, a poesia medieval contribuiu de maneira significativa na literatura. O estudo da literatura medieval se faz necessário e deve ser mais explorado, dado sua importância na compreensão da arte literária do presente. 101 Palavras-chave: Residualiade; Mentalidade; Cultura Medieval; Hibridação Cultural. INTRODUÇÃO Este trabalho tem por finalidade estudar a arte de trobar na poesia de Manuel bandeira. Com base nas considerações inicias do Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Collocci-Brancuti), onde está inserida a Arte de Trobar, também conhecida como Poética Fragmentária, textos complementares de cultura medieval e residualidade21 far -se - á uma analise parcial do livro Libertinagem, onde se encontram o poema em estudo: “Os sapos”. A hibridação cultural se comprovará no que diz respeito à linguagem empregada e à versificação medieval usada pelo autor contemporâneo. 1. DESENVOLVIMENTO No poema “Os sapos”, inserido no livro Carnaval, de 1917; de Manuel Bandeira, nota-se a influência da língua galego-portuguesa, que demonstra a hibridação cultural lingüística existente entre Portugal e Brasil. Manuel utiliza elementos culturais e de pensamentos inseridos no cotidiano que permanece durante muito tempo a ponto de não serem percebidos – mentalidade. A residualidade está presente, pois as 21 Conceito de autoria do professor Roberto Pontes. Poeta, critico, ensaísta. Doutor em Literatura pela PUC-Rio. Professor do Departamento de Literatura e do Mestrado em letras da UFC. 102 características da poesia do escritor têm formação do passado, mas como elemento efetivo do presente. A arte de trobar inserido no Cancioneiro da Biblioteca Nacional começa pólo quarto capítulo, pois os primeiros capítulos dessa poética se perderam. O capítulo IV refere-se à classificação das cantigas dialogadas que são subdivididas em dois grupos: Cantiga de amor e Cantiga de amigo. O capítulo VI é dedicado à cantiga de maldizer, que compõe o modo satírico. Cabe-nos comparar com as cantigas de escárnio e de maldizer trovadorescas, nas quais os travadores realizavam versos para criticar diretamente ou indiretamente alguém ou algo. Por definição, no livro História da Literatura Portuguesa 22, de Antonio Saraiva há: “Quanto às cantigas de escárnio e maldizer, são, é claro, de assunto satírico, e chamam-se de escárnio se o poeta se exprime ironicamente, sugerindo uma apreciação oposta à que parece fazer, ou simplesmente se abstém de nomear o satirizado; de maldizer, se o poeta aponta ou acusa direta e nomeadamente.” No livro A Literatura Portuguesa, de Massaud Moissés; há um maior esclarecimento quanto às definições que há 22 SARAIVA, Antônio José. História da Literatura portuguesa Porto: Cit. Editora Porto; 1979, p 15 103 na Poética Fragmentária, que precede ao antigo Colocci – Brancuti. Uma das formas de versificação mais espontânea foi o redondilho, utilizado na literatura peninsular; o metro correspondente à melodia natural das línguas hispânicas. O verso de seis sílabas, mais duros e menos ajustados às demasias musicais, ele se presta nas variadas possibilidades de acentuação. Quanto à musicalidade, há uma forte marcação em todo o poema de Bandeira como também existe na produção literária trovadoresca. Como sabemos as cantigas implicam estreita aliança entre a poesia, a música, o canto e a dança. Para tanto, havia acompanhamento musical de sopro, corda e percussão. Na produção poética de Manuel Bandeira há uma grande marca de musicalidade, na qual está inserida a versos livres tipicamente modernos. No poema em questão sobressaem as quadras, que é uma forma de versar tipicamente trovadoresca. São treze estrofes (quadras) compostas por quatro versos. Com a utilização das quadras, uma maneira tipicamente comum aos trovadores, Bandeira remete-nos ao popular, uma das formas mais usadas na literatura de língua portuguesas. Popularmente, para melhor realizar a rima, o autor fez cada verso com uma numeração que facilitasse o ritmo. Sabe-se que os versos de 5 e 7 sílabas poéticas são os mais ajustados as musicalidade. Afirmação esta que podemos observar no poema: Cantiga de maldizer Os sapos Nenhuma molher cantou Enfunando os papos, 104 cantiga de maldizer mas meu ódio é tan grande tan feroz e assassino que maldigo sempre o dia em que amei teu sorriso o teu falso juramento. Filho dalgo desprezível! Molher nenhuma cantou cantiga de maldizer mas imenso é seu ódio raiva que queima recintos e aos poucos apaga o tempo em que louvei teu sorriso a palavra mentirosa. Filho dalgo desprezível! Cantar ninguém me escuta cantiga de maldizer mas o ódio tem o brilho do ferro que esgota o sangue e se foste meu amado se sonhei com teu sorriso hoje já não es mais nada Filho dalgo desprezível! Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: — "Meu pai foi à guerra!" — "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!". O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: — "Meu cancioneiro É bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos! O meu verso é bom Frumento sem joio Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinqüenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, 105 Mas há artes poéticas . . ." Urra o sapo-boi: — "Meu pai foi rei" — "Foi!" — "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!" Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: — "A grande arte é como Lavor de joalheiro. Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo." Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: — "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!". Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa; Lá, fugindo ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo 106 E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio Os dísticos como estrofe, é resultado da repetição da poesia primitiva (paralelismo), na sua forma nativa. O canto primitivo, que é a repetição, está ligado ao mundo emotivo. 23 É importante salientar, que nas cantigas de amor o trovador confessa a cota, o impulso erótico na raiz das suplicas. O trovador coloca o seu amor em um plano de contemplação platônica, de idealização enquanto na cantiga de maldizer, a sátira é realizada diretamente, com agressividade. A idéia fixa, angustiante que o trovador sente, encontra-se expresso no estribilho retomado em cada estrofe; pois seu imenso desespero faz com que não encontre a diversidade expressivamente. A repetição do estribilho a cada estrofe, atesta a sua derivação da dança, fazendo que a poesia torne-se mais musical e melódica. Os refrões interjetivos costumam colocar-se entre as unidades rítmicas, fato que se pode comprovar a partir das poesias citadas. O verso sem rima, introduzido em cada estrofe corresponde à poesia galego-portuguesa. 23 SPINA, SEGISMUNDO. Na madrugada das formas poéticas. Rio de Janeiro : Editora Ática; 2002, p 44 107 Ao que diz respeito ao sentimento poético, o trovador mantinha-se inalterado em todas as estrofes, recorria às mesmas expressões, usando apenas utilizando sinônimos, temos o paralelismo. Há resquícios da Literatura Medieval, como também outras escolas: Parnasianismo, Simbolismo e a Primeira Fase Moderna brasileira. As sílabas poéticas contribuem para a musicalidade; poemas típicos da Idade Média. A linguagem oral se faz presente como em versos: Que soluças tu,/Transido de frio,/Sapo-cururu/Da beira do rio. Estes versos pertencem a uma quadra popular; em que Bandeira coloca em seu poema sem perder o caráter erudito. CONCLUSÃO Sabendo da necessidade de propagar a boa poesia tem-se em mente a importância do presente trabalho, ora apresentado; de grande significado na literatura produzida atualmente e nas produções poéticas posteriores. Para os períodos subseqüentes, a poesia medieval contribuiu de maneira significativa na literatura. Muitas temáticas e características formais podem ser comparadas não só na poesia de Manuel Bandeira, mas na literatura portuguesa como Fernando Pessoa e Cecília Meireles na literatura brasileira, dentre outros. A essência dessa poesia resiste através dos séculos, do período medieval a atualidade, e continua viva, além de importante para a compreensão do poema moderno por ser o ponto inicial da literatura de língua portuguesa. 108 O estudo da literatura medieval se faz necessário e deve ser mais explorado por sua importância na compreensão da arte literária presente. BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1986. Cancioneiro da Biblioteca Nacional DIMAS; Antônio. Historias da literatura: teoria, temas e autores. Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 2003. MOISÉS, Massaund. Dicionário de termos literários. 7ª ed. São Paulo: Cultrix, 1995. PONTES, Roberto. Mentalidade e residualidade na língua Camoniana. Fortaleza 1998. SARAIVA, Antônio José. História da literatura portuguesa. Porto: Cit. Editora Porto; 1979. MOISÉS, Massaund. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2004. SPINA, SEGISMUNDO. Na madrugada das formas poéticas. Rio de Janeiro: Editora Ática; 2002. SPINA, SEGISMUNDO. Manual de versificação romântica medieval. Rio de Janeiro: Editora Ateliê; 2003. SPINA, SEGISMUNDO. A cultura literária medieval. São Paulo: Editora Ateliê; 1997. VANDERLEI, Kalina. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Editora Contexto; 2005. 109 RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E CINEMA SILVA, Rodolfo Pereira da24 Universidade Federal do Ceará – UFC RESUMO Desde o advento da chamada Sétima Arte, no final do século XIX, as relações entre Literatura e Cinema se estabeleceram de diversas formas. É possível apresentar um panorama dessas relações desde o reconhecimento da narrativa pré-cinematográfica de alguns romances, à construção da narrativa do cinema clássico de D. W. Griffith, até a questão das adaptações fílmicas de obras literárias, como também, da ideia de romance cinematográfico e os conceitos de Literatura Comparada e de Tradução Intersemiótica. Apresentaremos as principais formas de relações entre Cinema e Literatura do ponto ed vista da construção das narrativas literária e cinematográfica; e descreveremos os processos de hibridização das duas linguagens artísticas. O presente trabalho constitui-se, primeiramente, de levantamento bibliográfico acerca das relações entre Cinema e Literatura, tendo como ponto de partida dados historiográficos. A seguir, foram realizados estudos de Teoria Literária e Teoria Cinematográfica. Por fim, a partir de breves análises de obras literárias e fílmicas, 24 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras/ UFC, bolsista CAPES-REUNI. 110 procurou-se identificar as principais formas de aproximação entre Literatura e Cinema. O conceito de “Visibilidade”, de Italo Calvino estabelece a relação entre Literatura e Cinema desde os processos mentais de criação de imagens. Por outro lado, Vera Bastazin analisa como as narrativas – literária e cinematográfica – constituem formas de contar histórias. Na Literatura Brasileira é possível reconhecer a influência da linguagem e da técnica cinematográfica desde o PréModernismo. No caso do Cinema, adaptações fílmicas têm gerado expressões estéticas inovadoras e significativas. É possível perceber, em boa parte das produções contemporâneas de filmes e livros, processos de hibridizações dos gêneros e das linguagens artísticas. Desta constatação, conclui-se que o estudo das relações entre Cinema e Literatura possibilita a análise de narrativas modernas e contemporâneas, produzidas nnas duas linguagens, seja através de estudos de Literatura Comparada, seja através de estudos intesemióticos. Palavras-chave: Intersemiótica. Cinema, Literatura, Tradução INTRODUÇÃO Há, na atual produção artística, uma tendência à hibridização de linguagens artísticas. Nesse sentido, a linguagem cinematográfica tem sido um vetor de convergência das linguagens nas artes contemporâneas. No Brasil, podemos relacionar, por exemplo, a peça 111 Filme Noir25 (2004), da Cia PeQuod de Teatro de Animação; o CD Cinema (2009), da banda gaúcha Cachorro Grande; o livro de poemas Cinemateca, de Eucanaã Ferraz e o primeiro romance de Ronaldo Correia de Brito, Galiléia26, ambos de 2008. A obra de arte produz significados a partir dos signos e dos símbolos engendrados pelos artistas. Através de construções poéticas e miméticas, as expressões artísticas são, em si mesmas, produtoras de semioses. Por semiose, entendemos o processo ligado à geração de sentido, à interpretação dada pelo receptor ou intérprete de uma obra de arte (livro, filme, pintura, escultura, etc.), conforme atesta-nos Winfried Nöth: A interpretação de um signo é, assim, um processo dinâmico na mente do receptor. Peirce introduziu o termo semiose para caracterizar tal processo, referido como “a ação do signo”. Também conceituou semiose como “o processo no qual o signo tem um efeito cognitivo sobre o intérprete”. (NÖTH, 2008, p. 66). 25 Conforme release do espetáculo: “adapta para o teatro de bonecos o estilo genuinamente cinematográfico que lhe dá nome”. Disponível em <http://www.pequod.com.br/e_filmnoir2.htm>. Acesso em 26/07/2009. 26 Antonio G. Filho afirma, na contracapa do livro, que “Seu modo de construção é cinematográfico.”. 112 E, segundo Vítor Manuel de Aguiar e Silva, todo processo de criação artística, inclusive literário, apresenta a chamada heterogeneidade da semiose estética, já que “toda linguagem artística [...] resulta da combinação, da interação sistêmica de múltiplos códigos.” (SILVA, 2007, p. 80-81). Desse modo, compreendemos que as diversas linguagens artísticas mantém entre si um permanente e dinâmico diálogo intertextual e intersemiótico. Concordamos, ainda, com Robert Stam quando, referindo-se ao problema de representação mimética do processo artístico, diz que o artista não imita a natureza, mas sim outros textos. Pinta-se, escreve-se ou faz-se filmes porque viu-se pinturas, leu-se romances, ou assistiu-se a filmes. A arte, neste sentido, não é uma janela para o mundo, mas um diálogo intertextual entre artistas. As referências intertextuais podem ser explícitas ou implícitas, conscientes ou inconscientes, diretas e locais ou amplas e difusas. (STAM, 2008, p. 44). 1 Literatura e Cinema: aproximações intersemióticas Podemos exemplificar a problemática em relação à mímesis artística, a partir das formas de apresentação da personagem Fräulein, na literatura e no cinema (Figura 3), observando que o narrador de Amar, verbo intransitivo descreve-a a partir de referência a quadros de Rembrandt27 (Figuras 1 e 2): “Senão fosse a luz excessiva, diríamos a Betsabê, de Rembrandt. Não a do banho que traz bracelete e colar, a outra, a da Toilette, mais magrinha, traços mais regulares.” (ANDRADE, 2008, p.30). 27 Rembrandt van Rijn (1606-1669), pintor holandês. 113 Figura 1 Bathsheba no banho (1654) Figura 2 Toilette de Bathsheba (1642) Figura 3 Toalete de Fräulein, Lição de amor As “descrições” de Fräulein são, em suas relações icônicas28 e, portanto, intersemióticas, como 28 O signo icônico seria, para C. S. Peirce, “aquele signo que, na relação signo-objeto, indica uma qualidade ou propriedade que designa a um objeto ao reproduzi-lo ou imitá-lo, por ter certos traços (pelo menos um) em comum com o referido objeto” (EPSTEIN, 1986, p. 75). 114 espelhos uma da outra. Por outro lado, a mímesis literária marioandradiana sobrepõe-se à pictórica, criada por Rembrandt em seus quadros, que, por sua vez, mimetizou a personagem Bathseba do relato bíblico. O fluxo sígnico – intextextual e intersemiótico – gerado constitui-se, assim, uma semiose através de mise-en-abyme, que seria todo fragmento textual que mantenha uma relação de semelhança com a obra que o contém. Todo tipo de miseen-abyme funciona como um reflexo, um espelhamento da obra que o inclui, porém, esse reflexo dado pelo fragmento incluído não tem sempre o mesmo grau de analogia com a obra que o inclui. (ARAÚJO, 2009, p. 138). Destarte, a partir dessa perspectiva, pontuamos que, em nosso estudo, trabalharemos com, pelo menos, três linguagens artísticas: Literatura, Cinema e Pintura. E, permeando todo o desenvolvimento de nossos argumentos, elegemos o Expressionismo alemão como a estética que permitirá, através das obras aqui mencionadas e analisadas, realizar uma abordagem intersemiótica. Roman Jakobson, no texto Aspectos lingüísticos da tradução, definiu três formas de interpretar um signo verbal: tradução intralingual, tradução interlingual e tradução intersemiótica. No primeiro caso, temos a reformulação – que “consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma língua” –; no segundo, a tradução propriamente dita, que envolve duas línguas diferentes e, por fim, a transmutação, que trata de interpretações do signo verbal por signos não-verbais (cf. JAKOBSON, 2007, p. 64). 115 A mútua influência entre estas artes pode ser datada desde o advento da chamada sétima arte. É provável que o Cinema seja a única arte com “registro de nascimento”. Afinal, o começo da história cinematográfica deu-se no dia 28 de dezembro de 1895, “quando os irmãos Lumière fizeram, no subsolo do Grand Café, em Paris, a primeira sessão pública do invento que chamaram de “cinematógrafo”.” (MERTEN, 2007, p. 15). Daí em diante, até o surgimento da “narrativa clássica” do cinema, houve muitas experimentações e descobertas de procedimentos tecnológicos, narrativos e de produção de sentido através das imagens em movimento. As experiências com trucagens de Georges Méliès (1861-1938) e a construção da “gramática do cinema clássico” nos filmes de D. W. Griffith (18751948) podem ser consideradas duas vertentes do cinema ficcional que se consolidariam décadas mais tarde, em termos de suas características fantásticas e realistas, respectivamente. Os dois cineastas produziram algumas das primeiras adaptações de obras literárias, como, por exemplo, Viagem à lua (1902), de Méliès, adaptada do livro homônimo de Julio Verne e O nascimento de uma nação (1915), de Griffith, baseada no livro The clansmen, de Thomas Dixon, sobre a Ku Klux Klan. Segundo João Batista de Brito, o catalisador das relações entre literatura e cinema tinha que ser mesmo a adaptação, ponto nevrálgico em que as duas modalidades de arte se tocam ou se repelem, se acasalam ou se agridem. Conforme é sabido, na história do cinema o número de adaptações ultrapassa de muito a quantidade de filmes com roteiros originais e, no entanto, este 116 procedimento nunca foi pacífico, nem no âmbito da emissão, nem no da recepção, quanto mais junto aos literatos. (BRITO, 2006 apud LINS, 2007, p. 122) Mas foi na União Soviética, entre as décadas de 1910 e 1920, que Lev Kulechov, Dziga Vertov e Sergei Eisenstein exploraram as possibilidades das associações entre imagens, na construção de significado da obra cinematográfica, e abriram caminho para a teoria da montagem, conforme atesta-nos Gardnier (2006, p. 26). Eisenstein, por exemplo, estudou as formas de montagem na literatura e nos ideogramas japoneses e observou que “do choque de dois conceitos formados pela justaposição de dois ideogramas se formava um terceiro, diverso dos dois que o geraram – uma boca e um pássaro = cantar.” (BALOGH, 2009, p. 32). Entretanto, o artista russo não restringiu a montagem ao cinema e à literatura. Sua teoria aplicava-se a artes como a pintura e o teatro, “percebendo sua atuação em manifestações tão diversas quanto a poesia de Milton e Púchkin, a prosa de Dickens e Maupassant, a pintura de Leonardo” (CARONE, 1974, p 14). O que, em última análise enriquecia a própria linguagem cinematográfica, configurando-a como uma arte “impura”, sinestésica e híbrida. Todavia, de certa forma, é exatamente a montagem que daria especificidade ao cinema enquanto arte e linguagem. É o que sugere Luiz Carlos Merten (2007), de forma resumida, ao citar o diretor Stanley Kubrick: 117 no cinema, as imagens vêm da fotografia, a interpretação do teatro e o roteiro da literatura. Por isso mesmo, [Kubrick] achava que cinema, mesmo, é a montagem, que organiza todos esses elementos sob a forma de movimento, para atuar no espírito do espectador. (MERTEN, 2007, p. 53) Nu descendo escada (1912) Figura 4 Outro aspecto importante da relação entre Cinema e Literatura é o movimento inverso que se dá quando a linguagem cinematográfica começa a influenciar escritores e poetas em suas escritas. Parecenos claro, porém, que não é somente a Literatura que participa desse diálogo com o Cinema. Os movimentos vanguardistas europeus no início do século XX demonstram vários processos de hibridização entre as artes. Podemos citar, por exemplo, o artista francês Marcel Duchamp (1887-1968) que, em certo sentido, trouxe o cinema e a fotografia para a pintura no quadro Nu descendo a escada (Figura 4), através da sobreposição de fotogramas de um homem nu descendo uma escada, conforme os estudos de movimento realizados por Eadweard Muybridge (1830-1904), no final do século XIX (Figura 5): 118 Estudo de “Locomoção humana”, de E. Muybridge - Figura 5 No referido quadro, questões como a fragmentação, o movimento e a simultaneidade estão presentes como elementos constitutivos da obra de arte. Tais características representam o crescente grau de complexificação da obra de arte moderna. No Brasil, entrementes, é possível perceber os primeiros diálogos entre Literatura e Cinema, no início do século XX. Flora Süssekind investigou a produção literária de escritores e poetas, desde o fim do século XIX até os momentos que antecederam o Modernismo brasileiro, para descrever como a literatura se apropriou “de procedimentos característicos à fotografia, ao cinema, ao cartaz” (SÜSSEKIND, 1987, p. 15) para transformar a própria técnica de escrita literária. A autora encontra, em autores como João do Rio, Lima Barreto e Léo Vaz, “referências rápidas, de passagem, ao cinematógrafo que mostram como a nova técnica, nos anos 10-20, já fora incorporada ao cotidiano.” (idem, p, 45). Mas, é com o advento da prosa modernista em escritores como Alcântara Machado, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, que, definitivamente, as técnicas de 119 construção narrativa apropriam-se de “montagens e cortes”, estabelecendo uma literatura-de-corte Na qual, já incorporados os sustos, dialoga-se maliciosamente com as novas técnicas e formas de percepção. E que não cita a todo momento o cinema. Mas se apropria e redefine, via escrita, o que dele lhe interessa. (ibidem, p. 48). Por outro lado, na história da cinematografia brasileira, desde seus primórdios, a adaptação literária tem sido um mote controverso. Livros do cânone literário foram os primeiros a receberem adaptações fílmicas, como as obras de José de Alencar Iracema, em 1918, 193129, e O guarani, em 1911, 1916, 1920 e 1926, e Inocência, de Visconde de Taunay, em 1915. Importante ressaltar que boa parte desses filmes foram produzidos por imigrantes italianos, como Vittorio Capellaro, que estavam um pouco atrás de ascensão social e a ideologia que inspira seus filmes é sem dúvida pequeno-burguesa. Por outro lado, esforçavam-se em se integrar na nova sociedade em que viviam, de modo que eles 29 As datas foram encontradas em BERNARDET, 2009, p. 42, 312, 313 e no endereço eletrônico: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema_do_Brasil>, acesso em: 20/05/2010. 120 vão buscar temas na literatura e na História do Brasil. (BERNARDET, 2009, p. 42). Desse modo, enquanto a produção literária abria caminhos de experimentação e construção de novas formas narrativas, o cinema com temática nacional optava pelo conservadorismo. O cenário exposto acima apresenta-nos, afinal, questões que possibilitam estabelecer relações de ordem intersemiótica entre as obras de arte literárias e cinematográficas, seja no que refere-se aos processos de produção de significado (semiose), seja nos procedimentos poéticos do fazer artístico (mímesis), ou mesmo nos diálogos intertextuais entre as diversas linguagens artísticas. 2. CINEMA E LITERATURA: DA IMAGINAÇÃO À PRODUÇÃO DE IMAGENS A cultura contemporânea tem-se caracterizado pela proliferação de imagens. Nas últimas décadas, o desenvolvimento e a popularização de tecnologias e mídias digitais e da internet parecem congestionar e embotar a capacidade de criação de narrativas, confundindo os sentidos, a percepção e a memória. O cinema, a televisão e, enfim, as produções audiovisuais concorrem nesse sentido. Segundo Italo Calvino, Hoje somos bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na 121 televisão. Em nossa memória se depositam, por estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo. (CALVINO, 2006, p. 107) Entretanto, a experiência humana com a imagem – e, por conseguinte, com a imaginação, com a ilusão, com o mágico – confunde-se com a própria história da humanidade. Machado (2008) afirma que a busca pelo primeiro ancestral do cinema remete os historiadores até os mitos e ritos primevos. Para ele, a eleição de qualquer marco cronológico para a origem da sétima arte seria arbitrária, já que o desejo e a procura do cinema estariam presentes desde o início da civilização humana. Semelhantemente, Morin (1970) diz que a necessidade fundamental e instintiva do ser humano de criar imagens e viver a sua realidade viria de Adão. No livro O cinema ou o homem imaginário, o pensador francês apresenta-nos um estudo de natureza antropológica acerca do cinema. Ele parte, primeiramente, do fascínio que o feérico, o mágico, produz no ser humano. As imagens fotográficas e cinematográficas possuiriam a força mágica do duplo, que emerge do reflexo da água ou do espelho: A universal magia do espelho, [...] outra não é senão a do duplo: ainda hoje numerosas superstições o testemunham: espelhos quebrados [...], espelhos tapados [...], etc. Para nós, habituados aos nossos espelhos e 122 rodeados por eles, a sua estranheza é embaciada pelo uso cotidiano, tal como a presença do duplo também se apagou da nossa vida. (MORIN, 1970, p. 38) Novamente, de forma implícita, encontramos uma crítica à modernidade em relação à profusão de imagens e o respectivo embotamento perceptivo. Embora problemáticas e atuais, as questões em torno da imagem e suas relações com o Cinema permitem-nos uma aproximação investigativa com outras artes, especialmente a Literatura, em função do que já discutimos no tópico anterior a respeito das relações intersemióticas entre as linguagens artísticas. A semiose de uma obra de arte é fruto da imaginação dos artistas. Calvino (2006) informa-nos que a mente do poeta funcionaria a partir de um processo de associação de imagens. O escritor italiano perscrutou, através da Literatura, o valor da imaginação na criação artística, quando, em 1985, na Universidade de Harvard, apresentou cinco das seis lições americanas sobre “alguns valores ou qualidades ou especificidades da literatura [...] buscando situá-los na perspectiva do novo milênio” 30, o qual iniciar-se-ia em quinze anos. Ele advertiu sobre o perigo da perda da faculdade humana de pensar por imagens. Nesse sentido, a Literatura teria um papel fundamental no que chamou de “pedagogia da 30 CALVINO, 2006, p. 11. 123 imaginação”. Na lição chamada Visibilidade31, Calvino analisou a Divina Comédia, de Dante Alighieri, e comparou as visões do Purgatório a um écran: Dante está falando das visões que se apresentam a ele (ao personagem Dante) quase como projeções cinematográficas ou recepções televisivas num visor separado daquela que para ele é a realidade objetiva de sua viagem ultraterrena. [grifo nosso] (CALVINO, 2006, p. 99). A principal preocupação do autor, na referida lição, foi investigar as origens da imaginação ou mesmo da capacidade de produção de imagens. Em sua pesquisa, chegou à distinção de “dois tipos de processos imaginativos: o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da imagem visiva para chegar à expressão verbal” (idem). Parece-nos, desse modo, inevitável aproximar tais processos imaginativos das relações historicamente estabelecidas entre Literatura e Cinema, principalmente quando pensamos na questão das adaptações fílmicas de obras literárias e da influência da linguagem cinematográfica na construção de narrativas. Estaríamos, assim, lidando com duas artes em permanente confronto no que se refere às possibilidades de hidridizações de suas poéticas específicas, literária e cinematográfica, respectivamente. No artigo “Palavra, imagem e construção poética”, Vera Bastazin, ao estudar 31 As lições foram: Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade. A sexta lição, que teria o título Consistência., não foi apresentada em função do falecimento do escritor, em setembro de 1985. 124 as especificidades da Literatura e do Cinema na construção da narrativa, observou que elas constituem linguagens não marcadas, predominantemente, por informações, mas por formas imagéticas de dizer. Assim como o filme não se faz apenas com palavras, mas, prioritariamente, com imagens em movimento, a literatura, cujo objeto é a própria palavra, transveste-as de potencialidade imagética, qualidade essa que contém em si os traços fundamentais da poética. É certo que, na literatura, a imagem não se identifica diretamente com a visualidade, mas estende-se à imagem sonora, olfativa ou, mesmo, de forma mais ampla, à imagem sensorial. O que também é válido para o cinema. [grifo nosso] (BASTAZIN, 2007, p. 286) As características que a Literatura e o Cinema têm de produzir imagens por meio de seus processos narratológicos e imagéticos, específicos a cada linguagem, interessam-nos como parte de nossa reflexão. Ao tomarmos, por exemplo, a estética do Expressionismo alemão, podemos constatar a força imagética nas obras de artistas como Fritz Bleyl, na pintura, Georg Trakl, na poesia, Alfred Döblin, na prosa, e Robert Wiene, no cinema, através do experimentalismo e das inovações técnicas utilizadas. O recorte “estético” apresentado neste trabalho justifica-se pela prodigalidade de questões acerca de processos e tendências artísticas advindas do 125 Expressionismo, como um todo, e que têm influenciado significativamente artistas e movimentos na cultura e no pensamento, por todo o século XX e na contemporaneidade. Tal proposição poderia ser inferida a partir das lições americanas de Italo Calvino acerca de uma pedagogia que medeie o resgate da capacidade humana de “pensar por imagens”. 3. LITERATURA, CINEMA: EXPERIMENTALISMO E HIBRIDIZAÇÃO Como afirmamos anteriormente, Literatura e Cinema têm estabelecido diversas formas de mútua influência em termos de linguagem, em entrelaçamentos semióticos e textuais, enfim, imagéticos. A historiografia literária demonstra que, em determinados momentos, convergem algumas questões estético-criativas que possibilitam mudanças nas formas tradicionais de produzir arte e literatura. Um dos exemplos mais férteis na História da Arte foi o surgimento das vanguardas artísticas europeias no início do século XX. O contexto social e cultural da Europa foi berço dos principais movimentos modernistas (Futurismo, Expressionismo, Cubismo e Dadaísmo) que buscavam renovação no modo de produzir e perceber a arte. De um modo geral, todos esses movimentos estavam sob o signo da desorganização do universo artístico de sua época. A diferença é que uns, como o futurismo e o dadaísmo, queriam a destruição do passado e a negação total dos valores estéticos presentes; e outros, 126 como o expressionismo e o cubismo, viam na destruição a possibilidade de construção de uma nova ordem superior. (TELES, 2005, p. 29) Os artistas buscavam novos caminhos de expressão. Com o advento da fotografia, a pintura figurativa libertara-se e experimentava o abstracionismo. O cinema construía sua linguagem a partir da narrativa do romance burguês, possibilitando aos escritores, por outro lado, encontrar novas formas de contar histórias. As inovações técnicas da pintura expressionista, por exemplo, evitavam conscientemente a prática acadêmica. Os membros do grupo Die Brücke, entre eles Fritz Bleyl (1880-1966), possuíam um ateliê onde, em sessões de quinze minutos, “retratavam” uma jovem modelo nua em poses informais (Figuras 6 e 7). Bleyl intencionava distanciar-se dos estudos formais, “pois utilizava um contorno rápido e áreas tonais quase rabiscadas, que capturavam a aparência transitória e inesperada das poses” (BEHR, 2001, p.21). Figura 6 Nu feminino32 (1905 -6) 32 BEHR, 2001, p. 20. 127 Nu feminino 33 (1905-6) Stehender Viertelstundenakt im Atelier 34 (1905) Figura 7 Esboçar um painel do que foi a literatura expressionista é um desafio complexo, inclusive, para os críticos mais habilitados. Nosso objetivo aqui é exemplificá-la através de dois de seus expoentes, Georg Trakl e Alfred Döblin, naquilo que temos procurado entender como experimentalismo (uma busca de inovações formais) e hibridização (a mistura de linguagens diferentes no mesmo produto artístico). Apesar das dificuldades, Marion Fleischer enumerou as características da prosa e da poesia expressionistas nos seguintes termos: A negação crítica da realidade presente, entendida ora como um vazio despojado de sentido, ora como uma força ameaçadora; o 33 BEHR, 2001, p. 20. 34 Disponível em: <http://stiftung-moritzburg.de/sammlungen/grafik/>. Acesso em: 22/05/2010. 128 repúdio dos padrões clássicos, da estética e dos valores burgueses, ou seja, a demolição de tradições e convenções tanto éticas como estéticas, e a denúncia de uma realidade “real” alheada, aflitiva, caótica. (FLEISCHER, 2002, p. 146). Ao analisar a poesia de Georg Trakl (1887-1914), Carone (1974) considera que a obra do poeta austríaco deve ser entendida a partir da teoria eisensteiniana de montagem, “como um processo que leva o poeta a constituir o seu produto na base de junção de imagens descontínuas” (CARONE, 1974, p. 15). A poética trakliana evidenciar-se-ia no papel do autor como construtor do poema. De tal experimentalismo emergia certa visualidade – que poderíamos considerar, mutatis mutandis, como a visibilidade sugerida por Calvino (2006). Ademais, Para Ludwig Dietz, “Trakl é, em primeiro lugar, um poeta que olha, não um poeta que pensa”. Não é de surpreender-se, portanto, que o seu poema se proponha à leitura como uma “imagem”, nem que suas metáforas tenham um caráter eminentemente “visual”. (CARONE, 1974, p. 69). O que pode “Humanidade” 35 35 ser observado no poema CARONE, 1974, p. 156. 129 Humanidade colocada diante de abismos de fogo, Um rufar de tambores, frontes de escuros guerreiros, Passos pela névoa de sangue; retine o negro ferro, Desespero, noite em cérebros tristes: Aqui a sombra de Eva, caça e rubro dinheiro. Nuvens, que a luz atravessa, a ceia. Habita no pão e vinho um suave silêncio E aqueles estão reunidos em número de doze. À noite eles gritam no sono sob ramos de oliveira; São Tomé mergulha a mão na chaga. O poema é dividido em duas metades, antitéticas, de cinco versos cada uma. As “imagens” são constituídas através da “junção de pormenores imagéticos”. A primeira parte, iniciada e anunciada pelo verso “Humanidade colocada diante de abismos de fogo” abre uma sequência de “frases nominais” justapostas sem conectivos, cuja montagem remete a significados apocalípticos de escuridão, desespero e tristeza. O segundo quadro, construído com o mesmo recurso estilístico, traz a cena da Santa Ceia, através da luz e de certa promessa de paz (cf. CARONE, 1974, p. 156-159). A prosa expressionista objetivava também libertar-se dos elementos obsoletos do conservadorismo da narrativa burguesa. Processos de livre associação e justaposição de elementos heterogêneos buscavam refletir a fragmentação e a ausência de sentido da realidade. Configurava-se, assim, o que Wassily Kandinsky nomeou de “estética da dissonância”, em que 130 “A harmonia é abolida em favor da dissonância e, em seu lugar, predomina a fascinação pelo insólito, pelo incomum e pelo enigmático.” (FLEISCHER, 2002, p. 146). Mesmo não sendo possível identificar um programa abrangente para a prosa expressionista, capaz de enquadrar a pluralidade de motivos, temas e princípios formais, reconhecemos na obra de Alfred Döblin (18781957) elementos que dialogam com os processos experimentais e de hibridização e que poderiam apontar um paradigma comum a escritores e suas narrativas. O autor de Berlin Alexanderplatz, através de seu Kinostil – estilo cinematográfico –, anuncia que nos romances e nos contos, como nas projeções cinematográficas, as cenas se sucedem em sequências ininterruptas, registrando “apenas os fatos, sem analisar as forças ou causas que os produzem, a vida interior das personagens aflora em gestos e atos, mas também em diálogos e monólogos interiores indiretos.” (idem, p 148). Objetividade rigorosa e vigor expressivo-formal buscavam, portanto, eliminar o subjetivismo e, por conseguinte, o narrador onisciente da narrativa tradicional. Desse modo, a corrente antipsicológica expressionista preconizava a “óptica da psiquiatria”, única ciência que seria capaz de ocupar-se da totalidade da psique humana. No capítulo O Expressionismo e o Cinema, Luiz Narário (2002), ao discorrer extensamente sobre o cinema expressionista, reconhece que foi da “síntese de diversas manifestações artísticas [Artes Plásticas, Literatura, Teatro] que nasceu a imagem expressionista em movimento” (NAZÁRIO, 2002, p. 509). No mesmo 131 texto, o ensaísta apresenta a atriz dinamarquesa, Asta Nielsen (1881-1972), como uma das primeiras musas do cinema mudo. Suas performances de exuberante sensualidade foram classificadas de “espiritualizado erotismo” e “luxúria indefinível” (Figuras 8 e 9) por Béla Balász e Guillaume Apollinaire, respectivamente. Sua importância, para nós, verifica-se naquilo que pode ser chamado de filme “quase expressionista”, através da força dos gestos e expressões singulares da atriz, os quais teriam levado Guido Seeber, diretor de fotografia, a inventar o primeiro plano para que o rosto de Asta ocupasse a tela inteira. Cena de dança sensual em Afgrunden (1910) figura 8 Asta Nielsen em Hamlet (1921) Figura 9 De acordo com Nazário (2002), para que um filme seja inteiramente expressionista, sua cenografia deve ser delirante. Nesse contexto, escadas, espelhos e livros, presentes na diegese36 fílmica, devem 36 Em Cinema e outras linguagens audiovisuais, diz-se que algo é diegético quando ocorre dentro da ação narrativa ficcional do próprio filme. Por 132 desempenhar um papel importante na trama, pois segundo o princípio da objetivação simbólica do mundo “As coisas não são, para o Expressionismo, como elas aparecem ao olhar ingênuo, mas como o visionário as decifra; mesmo os objetos mais comuns têm alma, e essa pode ser medonha”. (NAZÁRIO, 2002, p. 516). Já o roteiro expressionista “deve projetar-se, quando lido, na imaginação do ouvinte” (idem), pois, através do rigor na escrita, a palavra escolhida deve produzir uma impressão visual determinada, afinal palavra e imagem precisam coincidir. Por fim, numa gramática da imagem expressionista em movimento, atores e cenários devem integrar-se como partes móveis da arquitetura. No filme O gabinete do Dr. Caligari (1919), de Robert Wiene, encontramos os componentes do cinema expressionista alemão. Em umas das cenas no início da película, assistimos à chegada do dr. Caligari a Holstewall (Figura 10). Pode-se observar alguns dos elementos diegéticos do enquadramento que, segundo Nazário (2002) evidenciavam o ambiente expressionista: ao fundo, a cenografia delirante no desenho da cidade; personagem e cenário integram-se na composição; a escada, por onde o dr. Caligari entra em cena; e, finalmente, o livro, debaixo do braço esquerdo do dr. Caligari. exemplo, uma música de trilha sonora incidental que acompanha uma cena faz parte do filme mas é externa à diegese, pois não está inserida no contexto da ação. Já a música que toca se um personagem está escutandorádio é diegética, pois está dentro do contexto ficcional. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Diegese>. Acesso em: 24/05/2010. 133 Ao apresentar esse breve cenário expressionista – na Pintura, na Literatura e no Cinema –, avaliamos que é possível perceber a força imagética dessa estética. Além disso, através da busca por renovação, os artistas, não somente no Expressionismo, criaram e estabeleceram diálogos entre as linguagens, hibridizando-as. Desse modo, o que era meramente modernista, ganhou status de moderno – ou mesmo, contemporâneo –, já que rompeu as fronteiras do tempo e da cultura, durante todo o século XX. Cena de O gabinete do Dr. Caligari (1919), de Robert Wiene Figura 10 CONCLUSÃO O constante diálogo intersemiótico entre Cinema e Literatura aponta para a hibridização mútua entre as linguagens artísticas. Além disso, é possível estabelecer caminhos interpretativos das obras literárias e cinematográficas a partir de características comuns às duas artes, em função de seus potenciais de criação de imagens. 134 O breve estudo das relações entre Literatura e Cinema através da estética do Expressionismo alemão configura elementos importantes para análise de fenômenos contemporâneos de diálogos intersemióticos entre as artes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo: idílio. Estabelecimento do texto Marlene Gomes Mendes. Rio de Janeiro: Agir, 2008. ARAÚJO, Rodrigo da Costa. Pelos labirintos hipertextuais: Jorge Luis Borges e Escher. Revista Artefactum, ano II, n. 3, jul. 2009. Disponível em: <http://189.50.200.208/seer/index.php/localdatacenter/art icle/viewFile/84/72>. Acesso em: 19 mai. 2010. BALOGH, Anna Maria. Cine-olho e cine-cabeçalinguagem, metalinguagem e cinema. In: DROGUETT, Juan; ANDRADE, Flavio (Org). 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Petrópolis: Vozes, 2005. 138 Educação 139 140 AS CONTRIBUIÇÕES DOS JOGOS MATEMÁTICOS PARA A APRENDIZAGEM DAS OPERAÇÕES FUNDAMENTAIS DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL FERREIRA, Leonardo Alves Universidade Estadual do Ceará - UECE RESUMO: O ensino de matemática para deficientes visuais requer a utilização de jogos como fator de aprendizagem para o educando. Partindo desse princípio, o presente artigo apresenta os resultados prévios de uma investigação sobre as possibilidades de aprendizagem das operações fundamentais por meio de jogos para alunos com necessidades visuais. Este trabalho teve o intuito de conhecer alguns jogos adaptados e as potencialidades desses jogos para aprendizagem dos conteúdos matemáticos e compreender a aplicabilidade dos jogos na ação pedagógica. O presente trabalho é de natureza qualitativa e teve como subsídios: a análise de documentos nacionais, tais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, nº 9394-96), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN); o levantamento de literaturas publicadas sob formas de livros, revistas e publicações avulsas, sites e artigos científicos para fornecer um caráter científico ao tema proposto. Como resultados prévios, constatamos que a utilização de jogos matemáticos, apropriados ou adaptados para o ensino de alunos com deficiência visual, pode contribuir para uma aprendizagem mais significativa e incentivar a integração da criança com o meio. 141 Palavras-chave: deficiência visual; jogos matemáticos; operações fundamentais INTRODUÇÃO A inclusão de alunos com necessidades especiais na escola é uma das discussões mais importantes no cenário educacional brasileiro. Isso porque o panorama da educação brasileira na atualidade ainda retrata as dificuldades que os deficientes, em especial, os visuais, têm em estudar com todos os recursos que lhes são assegurados pelos dispositivos legais. No caso dos deficientes visuais, tanto os cegos como os que têm uma visão subnormal, percebe-se que há dificuldades em planejar e aplicar atividades adequadas para a aprendizagem deles porque não existe investimento suficiente para a aquisição de materiais adequados. Isso provoca uma limitação das ações das escolas para fornecer um ensino qualificado. Mesmo com essas adversidades, alguns educadores conseguem criar instrumentos apropriados ou adaptados de recursos usados nas escolas regulares convencionais, proporcionando mais possibilidades de aprendizagem por parte dos educandos. Dentre esses instrumentos, os jogos representam um dos meios de aquisição do conhecimento que mais são aceitos na educação, pela amplitude de assuntos que podem ser trabalhados em sala de aula, inclusive os conteúdos matemáticos. Ao contextualizar esse panorama, tomo a iniciativa de discorrer acerca das possibilidades que os jogos podem proporcionar para a aprendizagem das 142 operações fundamentais por alunos com deficiência visual (cegueira ou visão subnormal). O interesse partiu de conversas informais com alunos cegos sobre suas dificuldades e prazeres em aprender matemática. Esses depoimentos foram transformados em problemática e serão trazidos na monografia do curso de Especialização em Ensino de Matemática da Universidade Estadual do Ceará – UECE, artigo este que foi desenvolvido em paralelo com as pesquisas para o trabalho de conclusão de curso. O presente trabalho é de natureza qualitativa e teve como subsídios: a análise de documentos nacionais, o levantamento de literaturas publicadas sob formas de livros, revistas e publicações avulsas, sites e artigos científicos para fornecer um caráter científico ao tema proposto. 1. O DEFICIENTE VISUAL NA ESCOLA REGULAR. Antes de comentarmos sobre a inclusão de alunos com deficiência visual ao mundo do conhecimento, vejamos algumas considerações acerca do significado de inclusão e deficiência visual. Os graus de visão abrangem um amplo espectro de possibilidades: desde a cegueira total, até a visão perfeita, também total. A expressão ‘deficiência visual’ se refere ao espectro que vai da cegueira até a visão subnormal. 143 Chama-se visão subnormal (ou baixa visão, como preferem alguns especialistas) à alteração da capacidade funcional decorrente de fatores como rebaixamento significativo da acuidade visual, redução importante do campo visual e da sensibilidade aos contrastes e limitação de outras capacidades. [...] A cegueira, ou perda total da visão, pode ser adquirida, ou congênita (desde o nascimento). O indivíduo que nasce com o sentido da visão, perdendo-o mais tarde, guarda memórias visuais, consegue se lembrar das imagens, luzes e cores que conheceu, e isso é muito útil para sua readaptação. Quem nasce sem a capacidade da visão, por outro lado, jamais pode formar uma memória visual, possuir lembranças visuais. Gil (2000, p. 06 e 08) Levando em consideração o contexto educacional, Masi (2002, s.p) conceitua a criança deficiente visual como aquela que difere da média a tal ponto que irá necessitar de professores especializados, adaptações curriculares e ou materiais adicionais de ensino, para ajudá-la a atingir um nível de desenvolvimento proporcional às suas capacidades. Por essas necessidades colocadas, é que o portador de deficiência visual é sujeito de uma educação que deve incluí-lo na escola regular e com todos os recursos necessários. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores 144 indissociáveis, e que avança em relação à idéia de eqüidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola. Para atender a demanda de pessoas com necessidades especiais, foram criados dispositivos legais que enfatizam o direito à educação básica para todas as crianças e adolescentes. Tanto a Constituição Federal de 1988, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394-96 (LDB), atentam para a promoção da educação regular para educandos especiais. Dentre essas normas, podemos citar o inciso III, do artigo 4º da LDB nº 9394-96 (BRASIL, 2009, s.p), na qual consta que é um dos deveres do Estado com a educação escolar o “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”. Contudo, acreditamos que o compromisso com a formação do cidadão com deficiência visual exige uma prática educacional voltada à compreensão da realidade social, dos direitos e das responsabilidades em relação à sua vida pessoal e comunitária. 2. A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS NA CONSTRUÇÃO DO RACIOCÍNIO MATEMÁTICO. É coerente afirmar que os jogos, como recursos didáticos, introduzem a experimentação de vivências importantes para a aquisição de conhecimentos, subsidiando a prática docente. É partindo desse 145 pressuposto que muitos educadores valorizam a aplicação de jogos nas diversas áreas do conhecimento, principalmente nas séries iniciais da educação básica. Orlick (1990, apud MURCIA, 2005, p. 12) afirma que jogar é um meio ideal para uma aprendizagem social positiva, pois é natural, ativo e muito motivador para maior parte das crianças. Assim, a aprendizagem necessária para alcançar o desenvolvimento completo está presente tanto na escola como na vida. Aprender jogando torna-se mais significativo para a criança. No que se refere ao ensino de matemática, os jogos e as brincadeiras são instrumentos importantes para que elas conheçam a si mesmas, os outros e o seu ambiente social, de acordo com os objetivos traçados para cada jogo ou brincadeira. Bittar e Freitas (2005, p. 37) afirmam que o “jogo em sala de aula pode ser eficaz para aumentar a concentração e a atividade mental e assim contribuir para o envolvimento das crianças em atividades matemáticas”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de matemática apontam os jogos como um dos caminhos para facilitar a aprendizagem em sala de aula. De acordo com o PCN: (BRASIL, 2001, p. 48) Por meio dos jogos as crianças não apenas vivenciam situações que se repetem, mas aprendem a lidar com símbolos e a pensar por analogia (jogos simbólicos): os significados das coisas passam a ser imaginados por elas. Ao criarem essas analogias, tornam-se produtoras de linguagens, criadoras de convenções, capacitando-se para se submeterem a regras e dar explicações. 146 Portanto, os jogos como recurso de aprendizagem do raciocínio matemático podem ser plenamente utilizados, considerando a heterogeneidade dos alunos, a faixa etária, a interação com o conteúdo a ser estudado e, principalmente, as potencialidades que esses jogos podem promover na aquisição do interesse e no prazer de explorar os conhecimentos matemáticos e cultivar nos educandos a aplicação desses conhecimentos no cotidiano. 3. JOGOS MATEMÁTICOS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL. Alguns dos mais significativos conteúdos, se não o fundamental, da matemática são as operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão). Esses conhecimentos as crianças devem aprender logo nos primeiros anos de escolarização, para que possam ter mais facilidade em compreender conteúdos mais complexos. Um dos objetivos apontados pelo PCN de matemática para o primeiro ciclo do ensino fundamental é “resolver situações-problema e construir, a partir delas, os significados das operações fundamentais, buscando reconhecer que uma mesma operação está relacionada a problemas diferentes e um mesmo problema pode ser resolvido pelo uso de diferentes operações”. (BRASIL, 2001, p. 43). Percebe-se que os jogos matemáticos para alunos com deficiência visual proporcionam um entendimento mais prático dos conteúdos propostos pelo educador e o interesse dos alunos pelas aulas aumentam, possibilitando também a integração entre a turma. 147 As possibilidades de jogos adaptados ou criados especialmente para alunos com necessidades visuais são múltiplas. Podemos criar situações didáticas onde podem ser integradas várias vertentes do conhecimento. Brandão (2006, p. 15) parte do princípio de que “o conhecimento aprendido pelos alunos deficientes visuais de atividades cotidianas como andar, desviar de um obstáculo, entre outros, pode servir para inserir conceitos matemáticos”. Complementando Brandão, tais conceitos podem ser apresentados de forma implícita, caracterizando o que é denominado interdisciplinaridade. Além dos jogos matemáticos tendo como objeto o próprio corpo, variados jogos feitos com sucata ou industrializados que envolvem habilidades numéricas, de medidas e espaciais podem transformar-se em um excelente recurso e estratégia nas aulas de Matemática. No caso específico dos deficientes visuais, a interação com jogos também promove um desenvolvimento da percepção tátil por parte desses alunos, tanto na prática da leitura e escrita Braille, como na manipulação de materiais concretos utilizados nos jogos. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer das pesquisas, observamos que a prática de jogos no ensino das operações fundamentais para alunos com deficiência visual promove um entendimento melhor do conteúdo, incentiva a integração entre os alunos e o professor e facilita a interpretação das operações no cotidiano do aluno. 148 As investigações trouxeram a afirmação de que os jogos proporcionam o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático de qualquer aluno. No caso dos alunos com baixa visão ou cegueira, os jogos acarretam no desenvolvimento de mais habilidades, tais como a coordenação motora fina, a abstração dos cálculos, o aperfeiçoamento do tato e da audição, fatores que facilitam a compreensão dos conteúdos vistos por meio de jogos. Além disso, a aplicação de jogos matemáticos para esses alunos propicia o fortalecimento de competências como a participação, cooperação, concentração e a socialização dos conhecimentos adquiridos. Vale ressaltar também que essas experiências vividas pelo educando em sala podem ser fundamentais para a convivência do aluno em sua comunidade e o preparam para o mercado de trabalho e as responsabilidades da vida adulta. Contudo, essas considerações são baseadas em pesquisas bibliográficas e documentais, pois esperamos que essas investigações instiguem o leitor a aprofundar essa temática tão importante para a educação e para a sociedade. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Jorge. Matemática e deficiência visual. São Paulo: Scortecci, 2006; BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 93944-96. Disponível em: 149 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm. Acesso em 23 nov. 2009; _______. Parâmetros curriculares matemática. 3. ed. Brasília: MEC, 2001; nacionais: BITTAR, Marilena; FREITAS, José Luiz Magalhães de. Fundamentos e metodologia de Matemática para os ciclos iniciais do ensino fundamental. 2. ed. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2005; GIL, Marta. Deficiência visual. 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Consciente da importância da preparação para o uso do texto literário nas aulas de E/LE desses futuros professores é que traremos algumas reflexões sobre a interferência das crenças na sua formação. É importante que os professores reflitam sobre suas atitudes e crenças e como elas interferem nas suas aulas. Segundo ALVAREZ (2007), a noção de crença é relevante na hora de interpretar e analisar as ações do professor, pois eles interpretam uma situação de ensino a partir das suas crenças sobre o que seja a aprendizagem e ensino de LE. Dentro desse contexto, esse artigo pretende apresentar uma pequena revisão da literatura em Linguística Aplicada acerca das crenças sobre ensino e aprendizagem de língua espanhola com o uso do TL, mostrando as 151 principais discussões e as diferentes definições, além de sugerir aspectos que ainda merecem ser investigados. Fizemos uma revisão bibliográfica das pesquisas sobre crenças, apresentando os diversos conceitos e quais as interferências na formação do professor e na sua maneira de abordar o TL nas aulas de E/LE, finalizando com sugestões de futuras pesquisas. Constatamos que o pensamento do professor é influenciado não só por suas crenças, mas também pelo conhecimento que ele possui sobre a matéria e o ensino de uma forma geral. Para a constante formação do professor, é importante que ele adote uma abordagem reflexiva sobre si mesmo e suas ações, buscando uma relação entre suas crenças e a prática em sala de aula. Palavras-chave: crenças, formação de professores, ensino de E/LE. INTRODUÇÃO O ensino de Espanhol como língua estrangeira (E/LE) no Brasil cresceu nos últimos anos e solidificou-se com a aprovação da Lei Nº 11161, de 5 de agosto de 2005, que obriga a oferta do espanhol nos currículos do ensino médio. Com isso, há uma maior quantidade de professores de espanhol em formação nas universidades e cresceu o número de pesquisas com o objetivo de investigar temas relacionados aos diversos contextos de ensino/aprendizagem de língua estrangeira (doravante LE), tanto no Brasil quanto no exterior. A relevância do estudo de crenças se deve, principalmente, ao fato de que elas interferem, de uma 152 maneira geral, nas ações dos professores e na sua metodologia utilizada na sala de aula, conforme afirma Mendoza (1998): La concepción lingüística que posea el profesor condiciona su enfoque y su metodología, lo que se entiende por lengua depende evidentemente de las teorías lingüísticas, ya que cada teoría lingüística puede considerarse como un sistema de hipótesis sobre la forma de las lenguas. (MENDOZA, 1998, p.243) Durante a formação do professor, suas crenças podem ser reafirmadas ou desmistificadas e suas atitudes e crenças também refletem no aluno, que vai construindo suas próprias concepções e estratégias durante o aprendizado. La competencia docente hace referencia al conjunto de saberes, habilidades y conductas del docente que parecen motivar un mejor rendimiento del alumno. Es difícil concretar los rasgos o cualidades específicos que conforman dicha competencia. La competencia profesional del profesor está determinada por la formación específica que ha recibido y por la forma en qué ésta haya sido asimilada y matizada según la propia capacidad de autoformación (creencias). Es evidente que, por encima de otros factores como los planteamientos metodológicos, los recursos, los materiales e, incluso, el contexto escolar, la actividad del profesor es determinante en el éxito o fracaso del aprendizaje. (MENDOZA, 1998, p. 241) 153 Esse artigo apresenta uma pequena revisão da literatura em Lingüística Aplicada acerca das crenças sobre ensino e aprendizagem e quais as interferências na formação do professor, apresentando um pouco das principais discussões e as diferentes definições e alertando para a falta de pesquisas com relação à abordagem do TL nas aulas de E/LE, 1. EM BUSCA DE UM CONCEITO DE CRENÇA Conceituar o termo crença não é uma tarefa simples, uma vez que há vários conceitos de estudiosos de diversas áreas. A pesquisa a respeito de crenças sobre aprendizagem de línguas em Lingüística Aplicada (LA) teve início em meados dos anos 80 no exterior e em meados dos anos 90 no Brasil (BARCELOS, 2004). Almeida Filho (1993) foi um dos primeiros pesquisadores no Brasil, introduzindo o termo cultura de aprender. No exterior, Richards e Lockhart (1996) afirmaram que as crenças e os valores dos professores formam sua cultura de ensino. Além deles, há outras nomenclaturas e várias definições. A tabela 1 nos mostra alguns dos vários termos e definições já usados em pesquisas brasileiras para se referir às crenças sobre aprendizagem de línguas. Tabela 1 - Diferentes Termos e Definições para Crenças sobre Aprendizagem de Línguas. Abordagem ou cultura de aprender (Almeida Filho, 1993)_“Maneiras de estudar e de se preparar para o uso da língua-alvo consideradas como 'normais' pelo aluno e 154 típicas de sua região, etnia classe social e grupo familiar, restrito em alguns casos, transmitidas como tradição, através do tempo de uma forma naturalizada subconsciente, e implícita” (p. 13).__Cultura de Aprender Línguas (1995)_“O conhecimento intuitivo implícito (ou explícito) dos aprendizes constituído de crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre como aprender línguas. Esse conhecimento compatível com sua idade e nível sócio-econômico, é baseado na sua experiência educacional anterior, leituras prévias e contatos com pessoas influentes” (p. 40).__Crenças (André, 1996)_“Crenças são entendidas como posicionamentos e comportamentos embasados em reflexões, avaliações e em julgamentos que servem como base para ações subsequentes” (p. 48).__Crenças (Félix, 1998)_“Opinião adotada com fé e convicção baseada em pressuposições e elementos afetivos que se mostram influências importantes para o modo como os indivíduos aprendem com as experiências e caracterizam a tarefa de aprendizagem (do aluno, no caso do professor)” (p. 26).__Crenças (Pagano et al., 2000)_“Todos os pressupostos a partir do qual o aprendiz constrói uma visão do que seja aprender e adquirir conhecimento” (p. 9).__Crenças (Barcelos, 2001)_“Idéias, opiniões e pressupostos que alunos e professores têm a respeito dos processos de ensino/aprendizagem de línguas e que os mesmos formulam a partir de suas próprias experiências”.__Crenças (Mastrella, 2002)_“Crenças são interpretações da realidade socialmente definidas que servem de base para uma ação subseqüente”(p. 33).__Crenças (Perina, 2003)_“As crenças (...) são 155 “verdades pessoais, individuais, baseadas na experiência, que guiam a ação e podem influenciar a crença de outros” (p. 10-11).__Crenças (Barcelos, 2004a)_As crenças têm suas origens nas experiências e são pessoais, intuitivas e na maioria das vezes implícitas. Dessa forma, as crenças não são apenas conceitos cognitivos, mas são “socialmente construídas” sobre “experiências e problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca” (p. 132).__Crenças (Barcelos, 2004b)_Assim, as crenças não seriam somente um conceito cognitivo, antes “construtos sociais nascidos de nossas experiências e de nossos problemas (...) de nossa interação com o contexto e de nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca” ( p.20).__Crenças (Lima, 2005)_“Filtro pelo qual passa todo e qualquer conhecimento e como algo que não está disponível de forma sistematizada para todas as pessoas, como está o conhecimento, mas existe a dimensão individual como na social e pode ser questionado e rejeitado por outras pessoas que não compartilham do mesmo sistema de crenças. (...) A crença não deixa instantaneamente de ser verdadeira para o indivíduo que a possui, mas se modifica na medida em que novas crenças são incorporadas no sistema de crenças de um indivíduo e essas novas crenças são incorporadas no sistema de crenças de um indivíduo e essas novas crenças, podem vir a substituir a anterior ou não” (p. 22).__Mitos (Carvalho, 2000)_“Os mitos costumam ser frutos de concepções errôneas e estereotipadas, às vezes veiculadas pela mídia e passadas de geração para geração sem que as pessoas parem para refletir ou mesmo buscar na literatura especializada 156 elementos que justifiquem ou não esses mitos” (p. 85)__Imaginário (Cardoso, 2002)_“O conjunto de imagens que nos guiam para entender o processo de ensinar”, no caso do professor, “e de aprender”, no caso do aluno. “É o universo, a constelação de imagens que surgem, algumas formadas conforme o explicitado pela teoria e muitas conforme a intuição, a teoria informal e as teorias passadas”. Nesse imaginário, situa-se, conforme bem enfatizado por Cardoso (2002, p. 20), “a raiz do implícito, lugar recôndito que guarda as crenças, as sensações, as intuições sobre o processo de aprender e de ensinar que nos orientam e nos levam a agir como aluno e como professor”. O imaginário é, pois, constituído ao longo de nossa vida pessoal e profissional (20).__Fonte: Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Lingüística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro, disponível em _ HYPERLINK "http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf" _http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf Conforme exposto, observamos que não há uma definição única para crenças, no entanto há muitas idéias em comum. Corroboramos, pois, com a definição de ALVAREZ (2007), que nos pareceu englobar todas as idéias e, portanto, ser mais completa. A crença constitui uma firme convicção, opinião e/ou idéia que têm o indivíduo com relação a algo. Essa convicção está ligada a intuições que têm como base as experiências vivenciadas, o tipo de personalidade e a influência de terceiros, pois elas são construídas 157 socialmente e repercutem nas suas intenções, ações, comportamento, atitude, motivações e expectativas para atingir determinado objetivo. Elas podem ser modificadas com o tempo, atendendo às necessidades do individuo e a redefinição de seus conceitos, se convencido de que tal modificação lhe trará benefícios. (ALVAREZ, 2007, p. 200) 2. ESTUDOS ATUAIS SOBRE CRENÇAS Apresentamos, agora, alguns dados, bem como nossas reflexões, com base nos conceitos expostos em duas pesquisas realizadas, respectivamente, por Barcelos (2007) e Alvarez (2007), que tratam sobre crenças indo além de sua simples definição, contemplando também suas múltiplas segmentações dentro de uma abordagem lingüística. A partir desses estudos pode-se falar sobre, como a autora Barcelos (2007) define, em crenças específicas, aqui denominadas linhas de atuação e que descrevem as crenças subjacentes a um determinado aspecto relacionado ao ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira. Em sua pesquisa, Barcelos (2007) apresenta a evolução do estudo sobre crenças, no campo da lingüística, em três períodos: Período inicial (1990-1995), período de desenvolvimento (1996-2001) e período de expansão (2002 até o presente), sendo nesse último que se detecta o estudo das crenças específicas a partir do qual se centra em uma determinada crença o que confere a tais pesquisas características bem peculiares. Alvarez não explicita essa definição de crença específica, mas termina por abordar a mesma temática quando 158 delimita seu campo de estudo ao que também poderia ser denominado como tal. O que difere as duas escritoras é que enquanto Barcelos (2007) aborda o tema dentro do contexto de escolas públicas, particulares e de ensino de línguas, o que de nenhum modo invalida suas contribuições às reflexões que aqui se propõe fazer, Alvarez (2007) delimita seu corpus ao contexto acadêmico, especificamente a alunos do curso de graduação de letras/espanhol de uma famosa universidade da região centro-oeste do país. É interessante perceber que embora haja contextos diferentes de pesquisa, os dados colhidos apontam para os reflexos culturais, que permeiam as crenças, caracterizando-os, muitas vezes, como semelhantes, ainda que em diferentes esferas, o que deixa transparecer a influência do que pensamos nas mais diversas fases da nossa vida, fato este comprovado pelas similaridades entre os resultados de pesquisas com objetivos em parte diferentes, sobretudo quanto aos informantes. Buscando-se traçar um paralelo entre os resultados apontados por ambas as pesquisadoras mencionadas, é possível apontar alguns dados relevantes em relação às crenças que norteiam um aspecto particular do entorno do ensino-aprendizagem de uma língua, não restringindo essa análise ao contexto da língua espanhola, embora seja o objeto desse artigo, por considerar tais abordagens completamente adaptáveis a realidade que permeia o ensino desse idioma. As crenças específicas mais comuns e apontadas pelos estudos de Barcelos (2007) e com menor, porém não menos importante, ênfase por Alvarez (2007), são às relacionadas ao contexto em que se pode, ou não 159 aprender uma língua estrangeira, as características do aluno e professor ideais e sobre as metodologias de ensino e avaliação. Como dito anteriormente, Barcelos (2007) define como seu corpus, alunos, professores, pais e diretores de escolas públicas, particulares e de idiomas. Mesmo com informantes tão diversos a autora conclui que as crenças em relação aos aspectos analisados são bem semelhantes. A maioria deles acredita que a escola, principalmente a pública, não é, de nenhum modo o lugar adequado para se aprender uma LE e muito ainda que isso nem mesmo é possível e apontam as escolas de idiomas como o lugar mais apropriado para tal prática. Grande parte desses informantes também acredita que é mais fácil de se aprender uma LE em séries iniciais e quando se tem menos idade, desacreditando que é possível a uma pessoa de terceira idade, por exemplo, obter êxito no processo de aquisição de uma LE. Atribuem como característica fundamental de um bom professor a boa proficiência oral e ainda que sejam características desse profissional o ser dinâmico, criativo e amigo de seus alunos, apontando tais elementos como determinantes no despertar do interesse, por parte dos aprendizes, pela língua a ser estudada. Percebe-se também a manutenção de um círculo vicioso alimentado por crenças advindas tanto de professores como de alunos no que concerne às dificuldades apresentadas pela língua. Muitos alunos acreditam que é fácil aprender um idioma, no caso dos dados apontados por Barcelos (2007) o inglês, porque são submetidos a atividades bastante elementares por parte de seus professores porque estes, por sua vez, acreditam que os alunos não seriam capazes de solucionar problemas de 160 maior complexidade no contexto de aprendizagem de um LE. Também comprova-se que segue sendo bastante acreditado que aprender uma LE é dominar sua gramática e ter um bom vocabulário, conferindo à leitura o papel de instrumento de prática desses aspectos. Todos esses dados nos remetem à visão tradicional do processo de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Alvarez (2007) aponta dados relevantes no contexto acadêmico, destacando-se as crenças de alunos pertencentes a semestres a partir do 3º período e que foram submetidos a um questionário com perguntas subjetivas como instrumento de pesquisa. As informações coletadas revelam que os alunos do curso de letras/espanhol o veem como fraco, pouco motivador, cansativo e bem diferente das expectativas que tinham antes de seu ingresso a universidade. Esses alunos acreditam também que aprender uma LE significa conhecer aspectos culturais de seu entorno e ser capaz de se comunicar fluentemente com falantes nativos e relacionam a aprendizagem de uma LE ao de sua LM. Para muitos dos informantes a melhor e, em alguns casos a única, forma de se aprender uma LE é viajando ou morando em um país no qual a mesma seja o idioma oficial. A pesquisa aponta, ainda, dados sobre como os alunos universitários compreendem o papel do professor idealizando-o como modelo a ser seguido, tanto no contexto pessoal como no intelectual, e determinante em sua formação como ser humano, contribuindo, inclusive, na formação de suas crenças. Boa parte desses alunos também acredita que as universidades não os prepara, de forma satisfatória para seu futuro trabalho no contexto de sala de aula, o que os faz, muitas vezes, sentirem-se 161 inseguros, e que devem buscar aprimorar, constantemente, seus conhecimentos. Entendemos, pois, que o ato de ensinar está ligado diretamente às crenças, tanto do aluno quanto do professor e conscientes da importância do uso do TL nas aulas de E/LE, consideramos importante que a realização de novas pesquisas que investiguem as crenças do professor com relação ao uso do TL nas suas aulas, uma vez que conforme apontamos, as pesquisas estão avançando, porém as que exploram o uso do TL ainda estão carentes de reflexões e contribuições. CONSIDERAÇÕES FINAIS Há duas conclusões que podem ser feitas com base nas exposições acima. A primeira delas é de que muitas das crenças, nelas reveladas, necessitam, através de intervenções práticas e eficientes orientadas por tais resultados, ser desmistificadas a fim de se ter um melhor desempenho por todos os envolvidos na prática de ensino-aprendizagem de uma LE, uma vez que acreditamos que as crenças influenciam diretamente, positiva ou negativamente, em nossas ações. A segunda é que, embora o número de pesquisas sobre crenças tenha aumentado ao longo dos anos, segue como lacuna a investigação sobre as crenças que permeiam o ensino de E/LE e principalmente sobre as crenças específicas em torno do uso do discurso literário nas aulas de E/LE. Este estudo é apenas o início de uma reflexão do que se passa dentro da sala de aula, onde futuramente poderemos pesquisar os fatores de influência, os professores e seus conflitos com relação ao uso do TL em 162 suas aulas de E/LE em um contexto ensino/aprendizagem a ser definido posteriormente. de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA FILHO, J.C.P. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas, SP: Pontes Editores, 1993. BARCELOS, A.M.F. “Crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas: reflexões de uma década de pesquisa no Brasil.” in ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K.A.(org.)Linguística Aplicada: múltiplos olhares.Campinas: Pontes Editores, 2007. pp.27-69. _____. Crenças sobre aprendizagem de línguas, linguística aplicada e ensino de línguas. Linguagem & Ensino. Pelotas, v. 7, n. 1, p. 123-156, 2004. ALVAREZ, M.L.O. “Crenças, motivações e expectativas de alunos de um curso de formação Letras/Espanhol.” in ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K.A.(org.)Linguística Aplicada:múltiplos olhares.Campinas: Pontes Editores, 2007. pp.191-231. MENDOZA, Antonio Fillola. Marco para una Didáctica de la lengua y la literatura en la formación de profesores. In DIDÁCTICA (LENGUA Y LITERATURA), nº 10. Madrid: Universidad Complutense de Madrid. pp. 233270, 1998. 163 RICHARDS, J.C. & LOCKHART, C. Reflective Teaching in Second Language Classrooms. New York: Cambridge University Press, 1996. SILVA, Kleber Aparecido da. Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Lingüística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro, disponível em _ HYPERLINK "http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf" __http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pd f_, acesso em 21/02/2009. 164 ANÁLISE DE ATIVIDADES DE LEITURA: LIVRO EXPANSIÓN ARAGÃO, Cleudene de Oliveira Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE SOUSA, Neyla Denize de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada – UECE RESUMO Nas últimas décadas a leitura vem ganhando bastante destaque. Inúmeros projetos são desenvolvidos em várias instituições de ensino com o objetivo de estimular ou criar o hábito da leitura. As mudanças ocorridas nas aulas de leitura em língua portuguesa acabaram repercutindo nas aulas de línguas estrangeiras. Dessa forma, a abordagem tradicional, focalizada na gramática e no léxico, começa a dar lugar a um tratamento mais pragmático da língua meta. Tendo em vista essas mudanças ocorridas nas aulas de leitura, o presente artigo pretende analisar seis atividades de leitura do livro didático Espanhol Expansión. A escolha deste livro se deu primeiro pelo fato de esse material já existir há algum tempo no mercado e segundo por ser adotado em muitas escolas. O livro possui vinte e quatro unidades, mas como se trata de um volume único, os alunos utilizam oito unidades em cada um das séries do ensino médio. Devido à brevidade do nosso estudo, optamos por analisar apenas os dois primeiros capítulos do livro para cada uma das séries. Os aspectos observados nas atividades foram: as estratégias de leitura exigidas pelas atividades, a variedade de atividades propostas e o 165 ordenamento das atividades. Após a análise das seis atividades constatamos que o livro apresenta de forma bastante coerente o ordenamento de suas atividades, sempre partindo do mais simples para o mais complexo. Observamos ainda que o material didático não diversifica os modelos de atividades propostas e que prioriza o uso da estratégia de seleção. Em nenhuma das atividades o aluno é estimulado a fazer uso de outras estratégias de leitura como predição ou inferência. Palavras-chave: atividades de leitura – estratégias de leitura – espanhol INTRODUÇÃO Durante muitos anos, a escola tratou a língua como um sistema autônomo e imutável. Os alunos foram orientados a ver a língua como um conjunto de regras a serem “aprendidas”. A focalização nos aspectos ortográficos e gramaticais da língua afastou e, infelizmente, ainda afasta muitos usuários da língua do contato mais prazeroso com a língua escrita. Nas últimas décadas, no entanto, a leitura vem ganhando destaque especialmente no âmbito escolar. Projetos e campanhas são desenvolvidos em várias instituições de ensino com o objetivo de estimular, ou em muitos casos, criar o hábito da leitura. Um dos motivos dessa mudança é a nova visão do conceito de língua apresentado pelos linguistas. Abaurre e Pontara (2006:3), por exemplo, entendem a língua como um “sistema de representação socialmente construído, constituído de signos lingüísticos”. Segundo o conceito apresentado 166 pelas autoras a língua só existe mediante a negociação do significado entre os falantes. A partir dessa nova perspectiva foi que muitos professores orientados por estudos realizados na área da leitura e da escrita começaram a incorporar a sala de aula atividades que revelassem o caráter social da língua. Como conseqüência disso o texto começou a ser amplamente valorizado e utilizado na sala de aula como um objeto de estudo e de análise. As mudanças ocorridas nas aulas de leitura em língua portuguesa influenciaram o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras como apontam Gelabert, Bueso e Benítez (2002) “a leitura foi sendo incorporada no processo de ensino/aprendizagem do espanhol como uma habilidade a mais que deve ser desenvolvida no aluno estrangeiro desde os níveis iniciais até os de aperfeiçoamento” (grifo nosso). Dessa forma, a abordagem tradicional, focalizada na gramática e no léxico, começa a dar lugar a um tratamento mais pragmático da língua. Levando em consideração que essas mudanças implicaram, ou deveriam implicar, num amadurecimento do tratamento dado aos textos nas atividades de leitura em língua estrangeira, objetivamos, com o presente artigo, analisar as atividades de leitura em um material impresso de língua espanhola amplamente usado em muitas escolas de Fortaleza. 167 1. A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NAS AULAS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Ler é sem dúvida uma atividade importante em todas as esferas da vida, mas quando se trata de estudar uma língua estrangeira a leitura torna-se uma ferramenta fundamental, pois através dela é possível obter informações de ordem lingüística, cultural e etc. As aulas de língua estrangeira, portanto, não podem abrir mão desse recurso que, em muitos casos, é o único de que os aprendizes dispõem para ampliar seus conhecimentos sobre a língua estudada. Ler não é um processo passivo como já anunciaram muitos estudiosos do assunto. Ao tentar compreender um texto, o leitor faz predições e relaciona seu conhecimento de mundo com as informações presentes no texto. As atividades de compreensão leitora em língua estrangeira não são diferentes. Ao ler um texto em língua estrangeira o aluno aciona seus conhecimentos sintáticos, semânticos, culturais e etc para tentar atribuir um significado ao que está expresso. Esse processo, no entanto, não é tão simples como parece e por isso se faz necessário ajudar os aprendizes a desenvolver estratégias e técnicas que os ajude a entender o conteúdo dos textos. Sobre esse ponto Gelabert, Bueso e Benítez (2002) afirmam: Dado que as estratégias são condutas suscetíveis de serem aprendidas, os professores de E/LE devem intervir no seu desenvolvimento para que os estudantes “descodifiquem” as mensagens escritas com maior eficácia, contribuindo assim ao 168 processo geral de sua aprendizagem de espanhol. (tradução nossa) O ato de ler envolve o uso de diversas estratégias. Segundo Goodman (1987) estratégia é “um amplo esquema para obter, avaliar e utilizar informação”. A partir desse conceito, esse mesmo autor lista pelo menos três estratégias básicas amplamente usadas pelos leitores. A primeira delas é a seleção que consiste na escolha dos índices mais relevantes e úteis para o processo de compreensão leitora. A segunda é a predição que pode ser definida como a capacidade de antecipar o que virá no texto e qual será seu significado. Por último têm-se a inferência que é a habilidade de enxergar o que não está explícito no texto. Com relação ao uso e ao desenvolvimento das estratégias Goodman (1987) afirma, ainda, que “se usam estratégias na leitura, mas também essas estratégias se desenvolvem e se modificam durante a leitura. Com efeito, não há maneira de desenvolver estratégias de leitura a não ser através da própria leitura.” Com base no que foi exposto acima é que serão avaliadas as atividades de leitura no que diz respeito às estratégias de leitura exigidas em cada uma das atividades nas seis unidades escolhidas. 2. ATIVIDADES DE COMPREENSÃO LEITORA As atividades de compreensão leitora devem ter um objetivo concreto. Além disso, é preciso variar os tipos de atividades para que os aprendizes possam 169 trabalhar diversas estratégias e assim desenvolver melhor suas habilidades de leitura. Gelabert, Bueso e Benítez (2002) listam alguns tipos de atividades que podem ser realizadas com textos em aulas de compreensão leitora em língua estrangeira. Reproduzimos a seguir a lista na íntegra dada a sua pequena extensão. - para obter a idéia geral do texto, formular perguntas de compreensão extensiva - resumir o texto completo - organizar um texto desordenado - unir idéias do texto colocadas em colunas - dar outro título ao texto - resumir por parágrafos - resumir as idéias ou opiniões - para obter informação sobre pontos concretos, formular perguntas de compreensão intensiva - inventar um princípio - inventar um final - introduzir um personagem e reescrever o texto - criar um texto similar, trabalhando o estilo o formato - trabalhar o léxico É com base nessa lista que analisaremos a variedade de atividades propostas nas atividades de leitura do material selecionado. 3. ORDENAMENTO DAS ATIVIDADES DE LEITURA Segundo Leffa (2003), os dois critérios básicos para o ordenamento das atividades são: a facilidade e a 170 necessidade. É muito comum começar com atividades mais simples para depois solicitar atividades mais complexas. Pelo segundo critério o ideal é começar pelo que é mais útil para o aluno. Daí a importância de se inserir materiais autênticos apropriadamente selecionados a fim de que o aluno não fique com aquela sensação de ter adquirido um conhecimento inútil como sugere Leffa (2003): Quando se fala de produção de materiais, tem-se privilegiado o ensino baseado na tarefa. Nesse caso, há uma preocupação maior com o mundo real e o uso de dados lingüísticos autênticos. (...) Muitas vezes os alunos têm dificuldade de transferir para o mundo real aquilo que aprendem na escola. Não vendo aplicação prática para o conhecimento adquirido, acham-se muitas vezes donos de um conhecimento inútil. O uso do material autêntico pode ser uma maneira de facilitar essa transferência de aprendizagem. A idéia de que o aluno não deve terminar um curso sem conhecer como é a língua em seu uso corrente e real tem levado muitos autores de matérias didáticos a inserirem materiais autênticos em seus livros. Acontece que devido ao grande volume e a enorme diversidade de materiais a seleção nem sempre parece uma tarefa fácil. Sobre esse ponto Gelabert, Bueso e Benítez (2002) afirmam: 171 Em qualquer caso, a seleção de textos para realizar as atividades de compreensão leitora não é tarefa fácil já que é preciso considerar numerosos fatores como o nível de língua do estudante a que se destina o texto, a dificuldade lingüística, o tamanho e o formato. Todos esses fatores determinarão a motivação do aluno e do professor e ao mesmo tempo garantirão o sucesso nos resultados pretendidos por ambos. 4. MATERIAL DIDÁTICO SELECIONADO Para a realização desse trabalho, escolhemos o livro Espanhol Expansión. Primeiro pelo fato de esse material já existir há algum tempo no mercado, sendo, por isso, bastante conhecido e segundo por ser adotado em muitas escolas que já oferecem o espanhol no ensino médio. O livro possui vinte e quatro unidades, mas como se trata de um volume único, os alunos utilizam oito unidades em cada um das séries do ensino médio de tal forma que, ao final do 3ºano, já terão visto todo o livro. Devido à brevidade do nosso estudo, optamos por analisar apenas os dois primeiros capítulos do livro para cada uma das séries37. 37 As atividades de leitura analisadas foram as correspondentes as unidade 1 e 2 (usadas na primeira série do ensino médio), 9 e 10 (usadas na segunda série) e as unidades 17 e 18 (usadas na terceira série). Todas as atividades analisadas, bem como seus respectivos textos, encontram-se em anexo. 172 5. ANÁLISE DAS UNIDADES DO MATERIAL DIDÁTICO Os tópicos que serão analisados nas atividades de leitura do material escolhido são: as estratégias de leitura exigidas pelas atividades, a variedade de atividades propostas e o ordenamento das atividades. 5.1. ESTRATÉGIAS DE LEITURA EXIGIDAS PELAS ATIVIDADES Cerca de oitenta por cento das atividades solicita apenas que o aluno utilize a estratégia de seleção. Como todas as questões são abertas, o aluno tem tão somente que identificar o ponto que é pedido na questão e transcrevê-lo, muitas vezes, sem nenhuma alteração. A atividade de leitura acaba sendo, portanto, uma atividade de cópia de fragmentos do texto. Além disso, a maioria das perguntas solicita apenas informações explícitas, inclusive nos níveis mais elevados. Em nenhuma das atividades o aluno é estimulado a fazer predição ou inferência. 5.2. VARIEDADE DE ATIVIDADES PROPOSTAS Na maioria das atividades é solicitado aos alunos que respondam a perguntas subjetivas sobre o texto. Constata-se, portanto que os autores preferiram não diversificar o tipo de exercício de leitura. Esse formato não está totalmente inadequado, mas pode tornar as aulas de leitura repetitivas e desinteressantes. Talvez, uma maneira mais criativa seria trabalhar a compreensão dos 173 textos utilizando vários tipos de atividades a fim de atrair a atenção e o interesse do aluno para o conteúdo do texto. Outro ponto que deve ser considerado é o fato de o aluno se adaptar a esse tipo de atividade até o ponto de sentir dificuldades de desenvolver alguma atividade que exija um pouco mais de atenção ou até mesmo de criatividade como, por exemplo, resumir o texto completo ou criar um novo final para a história. Vale ressaltar que embora predominem as perguntas de compreensão extensiva, em algumas unidades há a presença de perguntas de outro tipo. Algumas, inclusive, muito interessantes como é o caso da pergunta cinco da unidade nove que solicita que o aluno analise a dieta de três pessoas com base nas informações presentes no texto. Essa atividade, porém, é uma das poucas que foge ao padrão geral de identificar informações específicas dos textos. 5.3. ORDENAMENTO DAS ATIVIDADES Com relação ao ordenamento das atividades, percebemos que os autores - como é muito comum iniciaram com perguntas simples nas unidades iniciais e foram aumentando gradativamente o grau de dificuldade nas unidades seguintes correspondentes às séries mais avançadas. Nessas últimas, porém, os autores alternaram perguntas simples que exigem que o aluno simplesmente transcreva um fragmento do texto com perguntas mais complexas como, por exemplo, a análise de alguns casos com base nas informações lidas no texto. Nota-se também o acréscimo de perguntas em que se pede a opinião pessoal do aluno sobre algum aspecto do texto o 174 que é bastante positivo, pois estimula o estudante a refletir criticamente sobre o conteúdo do texto lido. Um outro ponto positivo é a presença de materiais autênticos extraídos de sites, livros de literatura e etc. Esses textos, bem como suas respectivas atividades, foram adequadamente incluídos no livro considerando o nível dos alunos. Os autores tiveram, ainda, o cuidado de adaptar o texto, como é o caso do texto da unidade dois – Os espanhóis – ou inserir um vocabulário bastante esclarecedor como é o caso da unidade 10 – Cem anos de Solidão. Esses recursos são importantes e podem auxiliar o aluno na resolução das atividades propostas. CONCLUSÃO Embora o livro Espanhol Expansión apresente de forma bastante coerente o ordenamento de suas atividades, sempre partindo do mais simples para o mais complexo ou procurando mesclar os dois, observamos, a partir da análise das atividades, que o material peca por não diversificar os modelos de atividades propostas. Como já mencionamos anteriormente, a maioria das questões exige que o aluno apenas localize o ponto específico solicitado e transcreva a passagem do texto onde se encontram a respostas. Além de ser desestimulante, esse formato não requer que o aluno use e desenvolva outras estratégias de leitura a fim de tornarse um leitor mais proficiente. Tendo em vista o caráter breve desse estudo, optamos por encerrar nesse ponto nossas considerações, não sem antes propor sugestões para se trabalhar de 175 maneira mais profunda os textos a fim de desenvolver a habilidade de compreensão leitora dos alunos. Logo abaixo listamos algumas propostas: Antes de ler o texto fazer predições sobre o seu conteúdo a partir do título e das imagens. Estimular os alunos a expressarem verbalmente o seu conhecimento prévio sobre o tema do texto. Criar outras perguntas sobre o texto lido na unidade que exijam o uso de outras estratégias de leitura. Após a resolução das atividades de leitura propostas solicitar que os alunos façam um outro tipo de atividade com o mesmo texto como por exemplo: - inventar um princípio - inventar um final - introduzir um personagem e reescrever o texto - criar um texto similar, trabalhando o estilo o formato BIBLIOGRAFIA GELABERT, Maria José, BUESO, Isabel e BENÍTEZ, Pedro. Producción de materiales para la enseñanza de español. Madrid: Arco Libros S. L., 2002. GOODMAN, Kenneth S. O processo de leitura: considerações a respeito das línguas e do desenvolvimento. In: FERREIRO, Emilia e PALACIO, Margarita Gomes. Os processos de leitura e escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 176 LEFFA, Vilson J. Como produzir materiais para o ensino de línguas. In: LEFFA, Vilson J. (org.) Produção de materiais de ensino: teoria e prática. Pelotas: Educat, 20003. MELO, Wellington de. Conceitos básicos de linguística. 2009. Disponível em <http://wellingtondemelo.com.br/site/2009/02/conceitosbasicos-de-linguistica/>. Acesso em 06/07/09 ROMANOS, Henrique & CARVALHO, Jacira Paes. Espanhol expansión. Volume único. São Paulo: FTD, 2004. 177 CRENÇAS SOBRE O USO DO TEXTO LITERÁRIO NAS AULAS DE ESPANHOL NO ENSINO MÉDIO SILVA, Girlene Moreira da Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN ARAGÃO, Cleudene de Oliveira Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PosLA) - UECE RESUMO: Conscientes da realidade do ensino público do nosso Estado, principalmente com relação à reduzida carga horária destinada ao ensino da língua estrangeira, sabemos que dificilmente o professor conseguirá ensinar as quatro habilidades comunicativas aos seus alunos. Entretanto, defendemos a viabilidade de desenvolver, pelo menos, a competência leitora dos alunos nesse contexto de ensino, seguindo as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e, para isso, o texto literário (TL) entra como forte aliado, uma vez que entre tantos suportes de ensino, a literatura se destaca, principalmente, por seu valor autêntico, cultural, pragmático e sociolinguístico, sendo um veículo de divulgação e transmissão da história e dos valores culturais da sociedade. Nossa pesquisa objetivou investigar as crenças de um professor sobre o uso ou não do TL como ferramenta para o ensino/aprendizagem de Espanhol no Ensino Médio de uma Escola Pública de Fortaleza e a relação entre suas crenças e sua prática docente. Durante a coleta de dados, aplicamos questionário e observamos dois dias de aulas do 178 professor em cada série do Ensino Médio. Os resultados obtidos, após coleta e análise dos dados, nos mostraram que nem sempre o que o professor diz, conforme suas crenças, está de acordo com o que ele faz. Concluímos que as possíveis origens dessas crenças estão, principalmente, ligadas a três fatores: (1) Crença sobre como ensinar, que muitas vezes está ligada à abordagem apenas gramatical do conteúdo; (2) Formação Inicial, que não a preparou para o uso do TL na aula de língua estrangeira, gerando a falta do conhecimento para utilizálo como recurso para uma aula de língua e, por fim (3) a extensa carga horária da professora, que pode ser um dos principais fatores para a falta de planejamento de aulas e, com isso, a não utilização do TL nas aulas de E/LE. Palavras-chave: Crenças. Texto literário. Ensino de Espanhol. INTRODUÇÃO Esse artigo é parte de uma pesquisa, ainda em andamento, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (UECE) intitulada, atualmente, como “O uso do texto literário nas aulas de Espanhol no ensino médio de Escolas Públicas de Fortaleza: relação entre as crenças e a prática docente de egressos da UECE”, que está sendo realizada com professores, egressos da UECE, de Espanhol como língua estrangeira (E/LE) do ensino médio de escolas públicas em Fortaleza. Conscientes da realidade do ensino público do nosso Estado, principalmente com relação à reduzida 179 carga horária destinada ao ensino da língua estrangeira, sabemos que dificilmente o professor conseguirá ensinar as quatro habilidades comunicativas aos seus alunos. Entretanto, defendemos a viabilidade de desenvolver, pelo menos, a competência leitora dos alunos nesse contexto de ensino, seguindo as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que defendem a priorização do trabalho com a competência leitora afirmando que: “O foco na leitura pode ser justificado pela função social das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as condições existentes.” (PCN, 1998, p.21). E para isso, o texto literário entra como forte aliado, uma vez que entre tantos suportes de ensino, a literatura se destaca, principalmente, por seu valor autêntico, cultural, pragmático e sociolinguístico, sendo um veículo de divulgação e transmissão da história e dos valores culturais da sociedade. Nossa pesquisa objetivou investigar as crenças de um professor sobre o uso ou não do TL como ferramenta para o ensino/aprendizagem de Espanhol no Ensino Médio de uma Escola Pública de Fortaleza e a relação entre suas crenças e sua prática docente. Com este estudo-piloto, pretendemos não só investigar se o egresso formado pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) sabe ou não utilizar o TL nas suas aulas de Espanhol como língua estrangeira (E/LE), mas também identificar alguns fatores que contribuem nesse processo. 1. A IMPORTÂNCIA DO USO DO TEXTO LITERÁRIO NO ENSINO DE E/LE 180 Os textos literários oferecem inúmeras possibilidades de serem trabalhados, variando de acordo com o objetivo e a formação que pretendemos alcançar. Nos próprios PCN voltados para o Ensino Médio (2000, p.8), há o reconhecimento da importância do estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam, uma vez que proporcionam uma visão ampla das possibilidades de usos da linguagem, incluindo-se aí o texto literário. Widdowson (1984) defende a eficácia do uso de textos literários nas aulas de língua estrangeira, afirmando que o professor não deve dar, diretamente, a sua interpretação do texto. Ao contrário, deve estimular o aluno para que ele mesmo interprete-o. Segundo Mendoza (2007, p.68), quando utilizado na sala de aula, o texto literário é um material selecionado para que o aprendiz observe, infira e sistematize diferentes referências normativas, pragmáticas, modalidades discursivas, além dos recursos poéticos. Segundo Zilberman (2008), a literatura provoca um efeito duplo no leitor, uma vez que além de acionar a sua fantasia, suscita também um posicionamento intelectual do leitor, já que o mundo representado no texto, mesmo que seja afastado no tempo ou diferenciado como um invenção, leva-o a refletir sobre sua rotina e a incorporar novas experiências. Hoje, com o ensino de língua estrangeira em crise nas escolas, a literatura aparece como uma necessidade básica para o estudante, auxiliando-o no processo de aquisição da nova língua estudada. Segundo Mendoza (2007), atualmente, a presença da literatura no ensino de LE já não é uma questão de prestígio, mas sim de 181 funcionalidade para a aprendizagem. Trata-se de apresentar o texto literário como recurso didático de grande função formativa, servindo de apoio para atividades específicas de aprendizagem, dentro ou fora da sala de aula. Quando aparece na sala de aula de língua estrangeira, ainda segundo Mendoza (2007), o texto literário é um material autêntico que, selecionado segundo os objetivos concretos de aprendizagem, traz diferentes tipos de input, sobretudo linguístico, para a aprendizagem. A escolha de textos autênticos para a atividade de ensino de leitura é defendido por Leffa (1988) que diz que o material utilizado no aprendizado da língua estrangeira deve ser original. É Importante ressaltarmos que tratamos TL no nosso estudo, não como objeto de estudo, para análises literárias, mas como recurso para formação leitora na aula de língua estrangeira, por entendermos que o professor pode explorar o potencial linguístico e didático do TL, permitindo que o aluno possa interpretá-lo, de acordo com interesses específicos, de maneira significativa e contextualizada. No entanto, ao trabalhar a leitura com a utilização do TL, o professor transmitirá também algum conhecimento literário, assim como cultural, social, etc. Nesse sentindo, o professor tem papel essencial no processo de aquisição da LE, uma vez que é o responsável por não só motivar o aluno para a leitura, bem como estimular a ativação do seu conhecimento prévio, conforme afirma Kleiman (2004): 182 A compreensão é um processo altamente subjetivo, pois cada leitor traz à tarefa sua carga experiencial que determinará uma leitura para cada leitor, num mesmo momento e uma leitura diferente para o mesmo leitor, em momentos diversos. Como podemos unificar e homogeneizar aquilo que é por natureza heterogêneo, idiossincrático? Não podemos, é claro. Mas ensinar a ler com compreensão não implica impor uma leitura única, a do professor ou especialista, como a leitura do texto. Ensinar a ler é criar uma atitude de expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto (...) (KLEIMAN, 2004, p.151) Entretanto, o que observamos, em estudo preliminar, é que em muitos contextos de ensino/aprendizagem de línguas, principalmente nas Escolas Públicas, a criatividade dos alunos não é estimulada o suficiente. Segundo Duff e Maley (2003), as atividades desenvolvidas pelos professores para o uso do TL, devem apresentar oportunidades para que os alunos contribuam com suas próprias experiências, percepções e opiniões, ou seja, que desperte o conhecimento prévio do aluno, uma vez que a própria natureza do texto literário já permite que o aluno traga as suas experiências para a leitura. 183 2. O ESTUDO DAS CRENÇAS Atualmente, cresce o número de pesquisas sobre o estudo de crenças e isso se deve, principalmente, a sua relevância na hora de analisar as ações do professor, bem como sua formação, pois durante a sua formação, suas crenças podem ser reafirmadas ou desmistificadas. Essas atitudes e crenças do professor também refletem no aluno, que vai construindo suas próprias concepções e estratégias durante o aprendizado. Várias são as definições surgidas a respeito do termo crenças. Barcelos (2001, p. 71) reflete que a complexidade dessa área se deve à existência de diferentes termos usados para se referir às crenças. Quando falamos de crenças no contexto de ensino e de aprendizagem de línguas, consideramos que a definição utilizada pela autora, nos parece a mais pertinente quando afirma que crenças “podem ser definidas como opiniões e ideias que os alunos e professores têm a respeito dos processos de ensino e aprendizagem de línguas” (BARCELOS, 2001, p.72). Destacamos, ainda, a importância das crenças na formação do professor, uma vez que podem funcionar como forças operantes na forma de ensinar do professor de LE, conforme proposto por Almeida Filho (1993). Embora não haja um único conceito para crença, a maioria dos autores concorda em que “as crenças dos professores são convicções a respeito dos assuntos que estão relacionados ao processo de ensino/aprendizagem” (ALVAREZ, 2007). Com isso, as crenças interferem, de uma maneira geral, nas ações dos professores e na sua 184 metodologia utilizada na sala de aula, conforme afirma MENDOZA (1998) sobre o professor de línguas: A concepção linguística que o professor possui determina a sua abordagem e a sua metodologia, o que se entende por língua depende, obviamente, das teorias linguísticas, já que cada teoria linguística pode ser considerada como um sistema de suposições sobre a forma das línguas. (MENDOZA, 1998, p.243) A competência docente refere-se ao conjunto de conhecimentos, habilidades e comportamentos que parecem motivar um melhor rendimento dos alunos. É difícil identificar os traços ou qualidades específicos que envolvem essa competência. A competência profissional do professor é determinada pela formação específica recebida e pela forma como ela foi assimilada e fixada segundo a própria capacidade de autoformação (crenças). É evidente que, acima de outros fatores tais como as abordagens metodológicas, os recursos, os materiais e, até mesmo, o contexto escolar, a atividade do professor é fundamental para o sucesso ou fracasso da aprendizagem. (MENDOZA, 1998, p. 241) No entanto, apesar do grande avanço nas pesquisas sobre crenças, pouco se explorou sobre a crença dos professores com relação ao uso do TL nas aulas de E/LE e com isso justificamos, em parte, a relevância dessa pesquisa. Esperamos que após as observações das aulas e respostas do questionário pelo professor de espanhol, egresso da UECE, possamos 185 descobrir quais as crenças e diretrizes que o norteiam e o conduz durante o uso do TL nas suas aulas e, com isso, despertar o olhar reflexivo desse professor para sua própria prática. Barcelos (2004) justifica a importância de se estudar crenças pela forte influência que ela exerce na formação de professores. Como “as crenças podem atuar como lentes através das quais os alunos interpretam as novas informações recebidas durante sua formação”, os professores precisam conhecer e refletir sobre suas próprias crenças, sejam elas positivas ou negativas, e suas ações em sala de aula, para, com isso, influenciar positivamente os seus alunos, e também tentar promover a aprendizagem da língua estrangeira da melhor forma possível. Pretendemos, portanto, nesta pesquisa, verificar se egressos do curso de letras da Universidade Estadual do Ceará (UECE) conseguem fazer uso do TL como ferramenta para o ensino/aprendizagem nas aulas de E/LE, considerando que “o que fazer com ou do texto literário em sala de aula funda-se, ou devia fundar-se, em uma concepção de literatura muitas vezes deixada de lado em discussões pedagógicas” (LAJOLO, 2002, p.11). 3. A PESQUISA O Estudo piloto foi realizado em uma escola pública estadual de Fortaleza que oferece 2h/a (de 50 minutos cada) de espanhol por semana em todas as séries do ensino médio. Antes da realização das observações, fizemos uma visita à escola para pedirmos autorização à direção, à coordenação e à professora para coletar os 186 dados e, ainda, conhecer os alunos antes das observações, visando o mínimo de interferências no cotidiano deles durante esse período. Para a professora, resolvemos aplicar o questionário somente depois das observações, bem como não detalhar muito a pesquisa, para não sugestioná-la a agir de acordo com o objetivo do estudo. Foi explicado a ela somente de qual mestrado fazia parte, quem era a minha orientadora e que eu estava tentando realizar um estudo com os professores de espanhol egressos da UECE. Depois disso, combinamos dois dias de observação das 12 h/a e informei-lhe que ao final pedirlhe-ia que respondesse a um questionário e me apresentasse considerações ou dúvidas sobre as questões presentes no instrumento. O questionário do professor era composto por trinta e oito questões divididas em seis blocos: dados pessoais, formação acadêmica, experiência docente em escola pública, experiência leitora, texto literário e ensino de línguas e, por fim, uso do texto literário no ensino de espanhol. Após as observações de aulas e de acordo com as respostas da professora, percebemos que, conforme exposto no Quadro 1, a seguir, o que a professora diz, conforme suas crenças, nem sempre está de acordo com o que ela faz. Nesse quadro, fizemos uma separação entre as questões referentes às crenças e à prática docente respondidas no questionário (o que a professora diz) e de acordo com as observações (o que a professora faz), apresentamos as possíveis origens dessas crenças, detalhando-as em seguida. 187 Informamos, ainda, que esse quadro faz parte dos instrumentos da nossa pesquisa com o nome de “Tabela sobre a relação entre crenças e prática docente e suas possíveis origens” e foi adaptado de (NONEMACHER, 2004). Diz Faz Possíveis origens CRENÇAS: 1. Sente-se preparado para utilizar o texto literário no ensino de E/LE x 2. O TL pode ser usado em aula exclusivamente de leitura x 3. O TL é um importante recurso para as aulas de gramática x 4. Para se aprender a ler em LE, é necessário desenvolver as habilidades de leitura x 5. Sempre utiliza algum texto literário nas suas aulas de espanhol x Formação Inicial Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar Formação Inicial / Falta de conhecimento Formação Inicial / Falta de conhecimento PRÁTICA DOCENTE: O material adotado 6. Utiliza o texto literário nos 1º e 2º anos em todas as séries do não contém texto Ensino Médio x literário 188 7. Não pede opinião dos alunos na hora de escolher o texto literário 8. Quando leva um texto para a aula, realiza atividades relacionadas com: a) temas gramaticais b) discussão sobre o tema central do texto c) comentários gerais sobre o autor e a obra d) Resumo das ideias principais do texto e) Trabalho com os significados de todas as palavras desconhecidas 9. Finalidade do uso do texto literário nas aulas de E/LE a) desenvolver produção escrita b) desenvolver compreensão leitora c) exercitar ponto gramatical d) ampliar conhecimento lexical e) dar acesso a conteúdos culturais x x Extensa carga horária diária x Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar x Crença sobre como ensinar x x x x x x x x x x x x Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar Crença sobre como ensinar 189 10. Ensina o que são as estratégias de leitura x Formação Inicial / Falta de conhecimento Após a visualização do Quadro 1, concluímos que as possíveis origens das crenças da professora estão, principalmente, ligadas a três fatores: (1) abordagem de ensinar, que muitas vezes está ligada à abordagem apenas gramatical do conteúdo; (2) Formação Acadêmica, que não a preparou para o uso do TL na aula de língua estrangeira, gerando a falta do conhecimento para utilizálo como recurso para uma aula de língua e, por fim (3) a extensa carga horária da professora, que pode ser um dos principais fatores para a falta de planejamento de aulas e autoreciclagem teórico e prática do professor. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos, através dessas observações preliminares, que identificar e entender as crenças dos professores é um trabalho complexo, uma vez que cada um constrói suas crenças de maneira única. No entanto, é necessário conhecê-las, pois algumas dessas crenças podem ser prejudiciais ao processo de ensinoaprendizagem de uma língua estrangeira. Acreditamos que muitos desses egressos, quando se formam, perdem o contato com a universidade e, com isso, esses professores não encontram oportunidades para refletirem sobre o que fazem dentro das suas salas de aula e, em função de vários fatores, precisam geralmente ocupar grande parte do seu tempo com uma carga horária exaustiva, entram no automatismo, investem pouco no 190 autodesenvolvimento e deixam de identificar o que é melhor ou pior dentro das suas próprias ações. Nesse contexto, os professores, mesmo dispondo dos instrumentos, não atuam como investigadores de suas próprias aulas. O estudo piloto nos mostrou, também, a relevância e a necessidade da realização dessa pesquisa para apresentar, inclusive, a alguns professores, a falta de coerência entre suas crenças e sua prática com relação ao uso do texto literário como recurso para o ensino de línguas e para outros, o quanto o TL poderá ajudá-lo na aula de E/LE no contexto do ensino médio. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA FILHO, J.C.P. O ensino de línguas no Brasil de 1978. E agora? In: Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, vol. 1, n. 1. Belo Horizonte: FALE, 2001. p. 15-29. ALVAREZ, M.L.O. “Crenças, motivações e expectativas de alunos de um curso de formação Letras/Espanhol.” in ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K.A.(orgs.). Linguística Aplicada:múltiplos olhares.Campinas: Pontes Editores, 2007. pp.191-231. BARCELOS, Ana Maria Ferreira. Crenças sobre a aprendizagem de línguas, Lingüística Aplicada e ensino de línguas. Linguagem e Ensino, v.7, n.1, 2004. pp. 23156. 191 BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN Ensino Médio. Parte II: Linguagens, códigos e suas tecnologias; Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 2000. DUFF, A & MALEY, A. Literature. Resource books for teachers. Oxford University Press, 2003. KLEIMAN, A. Leitura: ensino e pesquisa. 2ª. Ed. Campinas, SP: Pontes, 2004. LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2002. LEFFA, V. J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em linguística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. p. 211-236. MENDOZA, Antonio Fillola. Materiales literarios en el aprendizaje de lengua extranjera. In Cuadernos de Educación 55. Barcelona: Horsori Editorial, S.L., 2007. _____. Marco para una Didáctica de la lengua y la literatura en la formación de profesores. In Didáctica (Lengua y Literatura), nº 10. Madrid: Universidad Complutense de Madrid. pp. 233-270, 1998. NONEMACHER, T. M. Formação de professores de espanhol como língua estrangeira. In ROTTAVA, Lucia; LIMA, Maria dos Santos. (orgs.) Linguística 192 aplicada – Relacionando teoria e prática no ensino de línguas. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. pp. 75-109. WIDDOWSON, H. G. Explorations in applied linguistics 2. Oxford: Oxford University Press, 1984. ZILBERMAN, R. Sim, a literatura educa. In: ZILBERMAN, R.; SILVA, E.T. Literatura e pedagogia: ponto & contraponto. 2 ª ed. São Paulo: Global, 2008. p. 17-24. 193 ERA UMA VEZ... MALAS QUE CONTAM HISTÓRIAS. A LÍNGUA DE SINAIS NA CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS EM RELAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM. VIANA, Flávia Roldan FGF- Faculdade Integrada da Grande Fortaleza RESUMO: Introdução: Considerando ser possível promover o processo educativo do desenvolvimento da linguagem para crianças surdas, sob uma perspectiva bilíngue, permeada pela língua de sinais, como primeira língua, e a língua portuguesa, como segunda língua, o relato de histórias e a produção de literatura infantil em sinais se tornam recursos importantes para serem usados em sala de aula. Objetivo: Contribuir para que o processo de desenvolvimento de linguagem se dê de forma global, respeitando a diferença lingüística e sociocultural das crianças surdas. Metodologia: O método utilizado foi à pesquisa exploratória, um trabalho preliminar com crianças surdas em acompanhamento fonoaudiológico no CAS, com o propósito de diversificar e familiarizar as crianças dentro da literatura infantil. Resultados: As crianças tornaram-se mais curiosas e reflexivas sobre seus pensamentos, palavras e ações antes não exploradas. Nas últimas sessões da pesquisa, observou-se um amadurecimento na sua capacidade lógica cognitiva, dotado de considerável progresso. Conclusão: Os resultados são satisfatórios, porque houve progressão na compreensão das histórias, criatividade, raciocínio, motivação e educabilidade, em que a 194 ludicidade da exploração do desenvolvimento da linguagem, caracterizam a aprendizagem, e contribui assim, para a remoção de barreiras lingüísticas que são tão arraigadas. As crianças podem estabelecer relações, amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para aprender uma segunda língua e a organizar seu pensamento, além de aprenderem a encontrar significado em sinalizar, falar, ler e escrever. Somente assim, haverá uma transformação no ensino e na aprendizagem, em que a linguagem é o principal instrumento de intermediação do conhecimento com vistas ao desenvolvimento do pensamento abstrato. Palavras chave: Surdez, Linguagem, Lúdico INTRODUÇÃO As políticas educacionais no Brasil, ao longo do tempo cristalizaram uma concepção de direitos à educação bastante limitada. O acesso desigual da população a esses serviços tem origem na desigualdade da distribuição de renda e na tendência neoliberal que reforça estigmas e concepções errôneas a respeito da surdez e dos surdos (MAGALHÃES, 2002; MACHADO, 2008). A educação formal é hoje como instrumento importante para a emancipação política, social e econômica da sociedade. É com a educação, sob o ponto de vista do crescimento econômico, que os indivíduos tornam-se capazes de enfrentar a competitividade do mercado de trabalho formando o chamado capital humano. Durante todo o processo histórico educacional 195 percebe-se que a política educacional proposta pelo Estado “não se limita apenas ao âmbito das escolas, mas está difusa por todos os lugares, envolvendo as pessoas e os grupos sociais de maneira global” (GARCIA, 1979, p. 94). Porém, apesar de todas as mudanças positivas em relação às políticas educacionais, que a partir da década de 60 configuraram um novo quadro para a educação, no qual ficou estabelecida a fixação da escolaridade básica para todos, incluindo as pessoas com necessidades educativas especiais, o que se observa hodiernamente é que a situação educacional brasileira que se vive é algo distante da realidade, um investimento a longo prazo, tendo em vista a ocorrência da inclusão de maneira inflexível, sem buscar compreender e respeitar as necessidades individuais de cada criança; educadores ainda despreparados, inseguros, e propostas políticas generalizadas centradas no indivíduo com deficiência e não como um sujeito que possui uma experiência, uma língua, uma peculiaridade (MACHADO, 2008). Conforme o pensamento de Silva (2006, p.15), no início deste século, os debates no campo educacional assumem os discursos da inclusão social, colocando-se em pauta a problematização desse tema com vistas, entre outras coisas, a se propor uma escola que acolha a todos em suas diferenças. A educação, enquanto ciência precisa investigar o significado desses discursos e suas conseqüências no contexto educacional. Caso contrário, interpretações tendenciosas 196 poderão apagar a luta histórica de vários grupos sociais que vêm resistindo à subserviência ideológica de dominação. A questão educacional dos surdos não é diferente: a que se considerar que quando a criança apresenta uma perda auditiva, todo o seu desenvolvimento também sofrerá prejuízos e seu comportamento será influenciado por esta perda, seja leve ou profunda, bem como sua linguagem. De acordo com Góes (2000), por falta de percepção acústica, a percepção do indivíduo surdo tende à subjetividade, o que acarreta uma coleta maior de dados visuais. O surdo fixa melhor os acontecimentos que os conceitos. Há ainda que se lembrar que o jogo vocal da criança surda é diferente, pois “é pobre, monótono, sem harmonia e amiúde, se extingue, por falta da denominada retroalimentação auditiva” (CANONGIA, 1981, p. 07). Entretanto, de uma forma geral, a linguagem não aparece e não se desenvolve da mesma forma a todas as crianças, sejam elas ouvintes ou surdas, assim como não ocorre exatamente na mesma época. E essa variação se deve a fatores hereditários, condições orgânicas individuais, influências ambientais (CANONGIA, 1981). Dessa forma, as atividades de aquisição e estimulação da linguagem, para crianças surdas, devem ter o caráter lúdico, com propostas que viabilizem uma educação bilíngue, onde as duas línguas, Libras - Língua Brasileira de Sinais e a língua portuguesa coexistam no espaço educacional, sem negligenciarmos os aspectos sócio-políticos, culturais, psicológicos, lingüísticos e 197 antropológicos que envolvem a proposta de educação bilíngue para surdos. Não defino a educação bilíngue para surdos como desenvolvimento de habilidades lingüísticas em duas ou mais línguas, como é comum definir-se quando se fala de crianças e adultos ouvintes... A educação bilíngue para surdos... não deve reproduzir a idéia errada e perigosa de que saber e/ou utilizar corretamente a língua oficial é indispensável para o surdo ser como os demais – ouvintes -, como a norma – ouvinte (SKLIAR, 2001, p. 92). 1. O UNIVERSO DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS. Contar histórias é uma arte milenar e desde a antiguidade, desempenha papel importante nas mais diferentes culturas; era através da contação que os homens narravam suas viagens e caçadas, e com o passar dos tempos foram recriando e transformando o mundo à sua volta. Passaram a dramatizar, a colocar emoção, vivacidade, através dos movimentos do corpo e dos gestos; e a recorrer à imaginação e a fantasia, dando fala aos bichos, visitando reinos distantes e mágicos, criando seres fantásticos. O valor e encantamento provocado pelas histórias contadas e interpretadas por contadores de histórias alimentam o imaginário infantil e enriquece seu mundo interior (ABRAMOVICH, 2001). 198 Ao narrar um conto se concede ao ouvinte a possibilidade de criar o seu cenário, a sua música, e as suas cores. O conto é mesmo uma das formas de expressão artística mais democráticas, pois através dele cada pessoa constrói a sua história, de comum acordo com os seus referenciais, e o que eles possam significar para si (BUSATTO, 2003, p. 18). Para a criança surda não é diferente. O universo da contação de histórias traz imaginação, interatividade, prazer, uma enormidade de possibilidades que se abre ao educador para explorar a capacidade expressiva e compreensiva do aluno surdo. “A produção de contadores de histórias naturais, de histórias espontâneas e de contos que passam de geração em geração são exemplos de literatura em sinais que precisam fazer parte do processo de alfabetização de crianças surdas” (QUADROS, SCHMIEDT, 2004, p. 25). Na comunidade surda o teatro, um exemplo de forma artística de se contar histórias, faz parte das manifestações culturais das pessoas com surdez, onde não está presente a língua falada. O surdo, possuidor de um código linguístico visual-espacial, que atribui às expressões faciais um valor gramatical, a língua de sinais, possui grande habilidade para as dramatizações, devido à desenvoltura natural de comunicar-se com as mãos, com o corpo e com as expressões faciais. Mas como narrar histórias para crianças surdas? Narrar demanda um trabalho investigativo, estudo e muito treino. As imagens corporais são fortes aliadas na narração de histórias para o surdo, “esta é uma das 199 características mais marcantes do conto: ter seu texto sustentado por imagens que estimulam o imaginário, o qual vai construindo todo um contexto, a partir das formas, cores, sons e sensações presentes no seu corpo” (BUSATTO, 2003, p. 55). Porém, não é suficiente conhecer a língua de sinais para poder atuar de forma positiva com o alunado surdo. É preciso considerar os sinais, as histórias, os hábitos que fazem a formação visual-espacial, tudo que pertence à cultura surda. “O surdo tem sua própria experiência visual, por mais distantes que os professores estejam por serem de experiência oral-auditiva é importante prover de sentimentos, aceitação e aos poucos ir incorporando no seu saber viver Surdo” (VILHALVA, 2008, p. 03). A história não é um relato, não é só mera criação sem consequências, mas fruto de um conjunto de saberes que faz com que ela seja bem aceita, se perpetue, funcione como um veículo de comunicação entre o adulto e a criança e que causa um impacto capaz de obter reações deste público (DOHME, 2003, p. 28). Sendo assim, as proposições apresentadas instigam novos olhares diante do recurso pedagógico de contar histórias. Pensar em diferentes formas de ensinar e estimular a linguagem na criança surda provoca novas concepções sobre a didática utilizada e sugere a organização de uma metodologia visual, que tragam aos alunos surdos concepções através da subjetividade e 200 objetividade com as “experiências visuais” (PERLIN, 2000). 2. ERA UMA VEZ... MALAS QUE CONTAM HISTÓRIAS. A linguagem é o principal instrumento de intermediação do conhecimento e à medida que correspondem ao desenvolvimento de uma linguagem interna, as atividades de fala, escrita e leitura ganham maior importância na escola. Porém, como ressalta Botelho (2002), quando a metodologia de ensino é pautada no ensino de palavras, descontextualizadas, pensando a linguagem como um aglomerado de vocábulos e baseadas na percepção auditiva, levando em conta que as perdas auditivas impedem o indivíduo de adquirir e desenvolver a sua linguagem expressiva de uma maneira natural, as dificuldades de abstração aparecem e estão, quase sempre, relacionadas a experiências lingüísticas e escolares insatisfatórias. E “quando o surdo apresenta dificuldade para ler, escrever ou não se oraliza como o esperado, recorre-se à explicação de concretude de seu pensamento” (BOTELHO, 2002, p. 53). Fundamentalmente, meus questionamentos vieram de minhas experiências vividas no trabalho com crianças surdas desde 1996, último ano do curso de fonoaudiologia, nos campos de estágio. Como fonoaudióloga, sempre trabalhei em núcleos de atendimentos educacionais especializados para alunos com necessidades educativas especiais, o que me possibilitou análises quanto à construção do 201 conhecimento e do aprender de crianças surdas e às implicações da utilização de modelos clínicos na educação. Como professora, trabalho ensinando ciências para crianças surdas do ensino fundamental II, em escola pública especial para surdos. Esta experiência me coloca diante dos percalços e desafios impostos a alunos e professores e, ainda, me leva a perceber que as crianças surdas por si só não atingirão formas bem elaboradas do pensamento abstrato e por isso a escola deve fazer todo o esforço para estimulá-las nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento. O que venho observando é que o ensino não pode ser baseado somente no concreto, eliminando tudo o que está associado ao pensamento abstrato, pois a metodologia do concreto falha em ajudar crianças surdas a superarem suas deficiências inatas, reforçando e acostumando esses alunos apenas ao pensamento concreto, negando qualquer pensamento abstrato que elas possam ter. A língua brasileira de sinais- Libras e a língua portuguesa são as línguas que permeiam a educação de surdos e viabilizam as condições de comunicação que garantam, de forma consciente, a promoção do processo educativo de crianças surdas, já que lhes dá outras condições de pensar (QUADROS; SCHMIEDT, 2006). Os sinais da Libras, além de imagens sensoriais, apresentam significado cultural e se configuram como símbolo linguístico sofisticado, assim como as palavras faladas e escritas, que ajudam a construir o pensamento, a abstração e outras atividades cognitivas (STROBEL, 2008). 202 “Uma outra consideração quanto à abstração é que os símbolos se ordenam em categorias, constituídas por suas características comuns. E são as línguas – orais, escritas e de sinais – sistemas lingüísticos que organizam com sofisticação as várias categorias” (BOTELHO, 2002, p. 56). Diante deste pressuposto, considerando o ensino da língua portuguesa escrita para crianças surdas, há dois recursos muito importantes a serem usados em sala de aula: o relato de histórias e a produção de literatura infantil em sinais. O relato de histórias inclui a produção espontânea das crianças e a do professor, bem como a produção de histórias existentes; portanto, de literatura infantil (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 25). Nesse contexto, um possível modo de promover o processo educativo do desenvolvimento da linguagem para crianças surdas, sob uma perspectiva bilíngue, permeada pela língua de sinais, como primeira língua, e a língua portuguesa, como segunda língua, são as malas de contação de histórias, para que o processo de desenvolvimento da linguagem se dê de uma forma global, respeitando a diferença lingüística e sociocultural das crianças surdas. 203 Para contar uma história podem-se usar alguns recursos auxiliares que irão enriquecêla, aumentar o interesse das crianças, além de colocá-las em contato com diversos tipos de manifestações artísticas, usando de representação dos personagens em pequenos teatros, como no uso de fantoches, dedoches, marionetes ou sombras ou bonecos, como os “bocões”, que são bonecos grandes manuseados pelo contador ou ao contrário, pequenos bonecos que vivem a história em maquetes (DOHME, 2003, p. 46). As malas de contação são direcionadas a cada história a ser trabalhada, onde cada uma possui sua mala; e dentro delas a criança encontra paisagens, objetos e personagens que fazem parte da história, que vão sendo retirados à medida que ocorre o desenrolar do conto, ocorrendo à interação das mesmas com a história contada. As malas trabalham com “imagens”, recursos visuais que despertam a curiosidade e estimulam o gosto pela leitura, associando à dimensão lúdica a dimensão educativa. A leitura da imagem visual possibilita aos alunos surdos um acesso compreensível à leitura e à escrita, pois é um recurso cultural natural dentro das comunidades surdas que, segundo Reily (2003) “permeia todos os campos de conhecimento e que traz consigo uma estrutura capaz de instrumentalizar o pensamento” (LEBEDEFF, 2005, p. 135). Segundo Hughes (1998), o letramento visual possibilitaria diferentes funções, como, por 204 exemplo, ler imagens do entorno; ler imagens de livros ilustrados; usar imagens como apoio para leitura de texto simples; ler sinais, símbolos e figuras no ambiente escolar com o objetivo de promover a alfabetização; criar imagens significativas para registrar compreensão de tarefas; usar figuras em textos de não-ficção como apoio da aprendizagem de conteúdo escolar; e finalmente, ler a página – ou seja, diferentes maneiras de apresentar o texto e as figuras (apud LEBEDEF, 2005, p. 135). Assim, diante de todas essas colocações e experiências do exposto, podemos considerar que a prática educativa com as malas envolve os seguintes aspectos: desenvolver as potencialidades expressivas; aperfeiçoar a memória e a cognição; estimular a formação de conceitos mentais através da narração sinalizada das histórias e da interação da criança com a história através desse recurso. É por meio dessa interação que a criança progressivamente descentra-se, isto é, ela passa a desenvolver pensamento abstrato, pois o concreto se torna meio, e não fim em si mesmo, e, gradualmente, a desenvolver todas as nuances da linguagem. O uso de objetos na narrativa é outro recurso estimulante nesta abordagem de contar histórias. Não quero dizer com isso que se deva usar os objetos descritos pelo conto. Você até poderá se munir de alguns objetos comuns como caixa de fósforos, palitos, lápis 205 e borracha e fazer deles os personagens de uma história (BUSATTO, 2003, p.77). Mas, que história contar?! A escolha das histórias das malas seguiu um critério que teve como propósito de diversificar e de familiarizar as crianças dentro da literatura infantil, onde foram contadas e trabalhadas com elas um clássico bastante conhecido, “Chapeuzinho Vermelho”, e outras encaradas como novidade em seu repertório que não fazem parte dos clássicos da literatura infantil que foram: “A casa sonolenta” de Audrey Wood e a “A Árvore e a Aranha” de Rubens Alves. E é nesse instigante universo da contação de histórias que busquei favorecer e ampliar o desenvolvimento da linguagem dessas crianças. O momento de escolher uma história pra contar é muito importante. Critério indispensável é o que leva em conta a qualidade literária (o trabalho com a linguagem escrita) do texto que vai ser contado. Então, abrir espaço para o lúdico, para o humor, sem deixar de observar a força e coerência dos personagens, atentar para a magia e a fantasia ou o real entremeando os diálogos fluidos e ricos. É sempre bem vinda a sugestão poética perpassando o texto e tocando a sensibilidade do ouvinte (SISTO, 2005, p. 22). Durante o período de agosto a novembro de 2008, no setor de fonoaudiologia do CAS - Centro de formação 206 de profissionais da educação e de Atendimento às pessoas com Surdez, foi realizado o acompanhamento do desenvolvimento da linguagem de quatro alunos surdos, que apresentavam domínio razoável da Libras, estavam na faixa etária de 12 a 16 anos, cursando entre o 6º e o 7º ano do ensino fundamental II de uma escola especial. Esses alunos foram escolhidos para participar da pesquisa com as malas de contação por manifestarem entusiasmo pela contação de histórias. E a partir desse interesse a atenção voltou-se para o processo de desenvolvimento da linguagem do alunado em questão. O foco escolhido das relações entre a contação de histórias e o desenvolvimento da linguagem vem suscitando contribuições importantes no sentido de ampliar a compreensão em relação a esse desenvolvimento em casos de surdez. A proposta foi tornar rica e lúdica a exploração do desenvolvimento da linguagem, envolvendo tanto a língua de sinais quanto a língua portuguesa, oral e escrita; ajudando alunos surdos a estabelecer relações, amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para aprender uma segunda língua e a organizar o pensamento, onde se procurou analisar essas experiências a partir da pesquisa-ação e de uma abordagem teórica sócio-histórico-cultural, levando em consideração a participação da Libras e da língua portuguesa nesses processos, e da fundamental importância da linguagem na construção de um ser crítico e criativo, procurando enfocar a linguagem em situações comunicativas dentro do contexto imaginário, como meio de favorecer as trocas interpessoais, tendo em vista que essas possuem papel estruturante nas interações humanas. 207 É importante ressaltar que a leitura de histórias em língua de sinais deve ser entendida como uma das práticas de letramento cujas atividades envolvidas são de fundamental importância para que a criança surda tenha acesso ao mundo letrado. A leitura e a escrita devem estar inseridas dentro de um contexto, sendo relevantes à vida, tendo significado e função social (LEBEDEFF, 2005). O trabalho de Williams e McLean (1997) mostra que crianças surdas acostumadas com leituras de livros de história em língua de sinais realizam comentários espontâneos e perguntas que demonstram respostas emocionais e intelectuais às idéias e sentimentos expressos nos livros; por exemplo, descrevem os sentimentos dos personagens baseados no texto e na ilustração, predizem futuras ações dos personagens, explicam razões para o comportamento e julgam as ações dos personagens (LEBEDEFF, 2005, p. 134 135). CONCLUSÃO As malas de contação são uma maneira diferente de se contar histórias, que possuem o forte elemento de expressões e de interatividade, instigando a imaginação e permitindo uma maior versatilidade nas histórias contadas. Além de estimular o gosto pela leitura com as histórias enriquecidas por essa atividade lúdica educativa, 208 as crianças que participaram tiveram a oportunidade de desenvolver a expressividade, a criatividade, o raciocínio, a atenção, a concentração, a linguagem escrita, a sequência lógica. “Atividades lúdicas educativas representam, hoje, uma forma moderna de ensinar em sala de aula. São um instrumento de apoio, divertido e alegre, dirigido ao professor e, indiretamente, ao aluno” (KRAEMER, 2007, p.13). De fato, baseado na literatura pesquisada e na experiência vivida com as malas, “o lúdico parece ser esfera propícia para a compreensão sobre o papel da língua de sinais na relação entre cognição, linguagem e imaginação” (SILVA, 2002, p. 109). Os resultados foram satisfatórios, porque houve progressão na compreensão das histórias, criatividade, raciocínio, motivação e educabilidade, em que a ludicidade da exploração do desenvolvimento da linguagem, caracterizou a aprendizagem, e contribuiu assim, para a remoção de barreiras lingüísticas que são tão arraigadas. As crianças foram capazes de estabelecer relações, amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para aprender uma segunda língua e a organizar seu pensamento, além de aprenderem a encontrar significado em sinalizar, falar, ler e escrever. Acredito que somente assim, com atividades comunicativas, criativas, haverá uma transformação no ensino e na aprendizagem, em que a linguagem é o principal instrumento de intermediação do conhecimento com vistas ao desenvolvimento do pensamento abstrato. Os atuais contextos educacionais envolvendo surdos, nos mostram claramente que a língua de sinais 209 torna significativos os conceitos antes abstratos, proporcionando um efetivo desenvolvimento da linguagem, para que esse se dê de forma global, respeitando a diferença sociolingüística e sociocultural das crianças surdas. Com essa visão, entendemos que o acompanhamento fonoaudiológico de crianças surdas deve propor uma metodologia baseada no visual, considerando a língua de sinais fundamental para o desenvolvimento dessas crianças, pois imagens visuais e aprendizagem são dois aspectos intrinsecamente relacionados na análise da experiência da surdez. É preciso reconhecer as peculiaridades lingüísticas do indivíduo surdo e respeitar seus modos de construção e apropriação da linguagem, contribuindo assim para a remoção de barreiras comunicativas que são tão arraigadas. Por fim, foi possível observar que, através de recursos visuais criativos as crianças surdas podem estabelecer a autoconfiança em si mesma para que se perceba como pessoas inteligentes, criativas, participativas, capazes de superar obstáculos, tendo em vista que as malas proporcionaram um contexto interativo e cultural aos alunos surdos, que passaram a se interessar pelos livros de histórias, favorecendo o aumento de seus repertórios lingüísticos. É, no entanto, importante avançar no sentido de uma melhor compreensão conceitual sobre a educação de surdos. A estratégia pedagógica, lúdica, de interação e estimulação da linguagem que foi utilizada, se coloca como uma alternativa e foi aqui apresentada como constatação importante surgida ao longo do processo de 210 realização da vivência. Com esse enfoque, descobertas e reflexões foram compartilhadas na tentativa de incentivar outros profissionais da educação e de áreas afins, a proporem ações similares na educação de surdos, para aumentar o desejo de a criança aprender, criando condições e motivos que desencadeiem tais aprendizagens, tendo em vista que a aprendizagem é um processo dinâmico e multidimensional, em constante evolução e transformação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 2001. BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação dos surdos – Ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. BUSATTO, Cléo. Contar e encantar: Pequenos segredos da narrativa. Petrópolis (RJ): Vozes, 2003. CANONGIA, Marly Bezerra. Manual de terapia da palavra. Anatomia, fisiologia, semiologia e o estudo da articulação dos fonemas. Rio de Janeiro: Atheneu, 1981. DOHME, Vânia. 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PERLIN, Gladis Teresinha Taschetto. Identidade Surda e Currículo. In: Surdez: Processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000, p. 23-28. QUADROS, Ronice Muller de; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira: Estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. _____; SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. SILVA, Daniele Nunes Henrique. Como brincam as crianças surdas. São Paulo: Plexus Editora, 2002. SILVA, Vilmar, Educação de Surdos: Uma releitura da primeira escola pública para surdos em Paris e do Congresso de Milão em 1880. Estudos surdos I. Petrópolis (RJ): Arara Azul, 2006, p. 14 – 37. SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. 2. ed. Curitiba: Positivo, 2005. 212 SKLIAR, Carlos. (org.). Educação e ExclusãoAbordagens Sócioantropológicas em Educação Especial. 3. ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2001. STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008. VILHALVA, Shirley. Pedagogia Surda. Disponível em www.editora-arara-azul.com.br. Acessado em 10/01/09. 213 ESTUDO DA INTERAÇÃO EM BLOGS DE ALUNOS DE LÍINGUA INGLESA Núbia Costa de Almeida BRAGA. Faculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF RESUMO Este trabalho apresenta uma análise das interações de alunos e professores em construção em blogs educacionais criados para fins de aprendizagem de inglês, com base na teoria de alguns estudiosos como Vygotsky (1933), Campos (2008), Efimova e de Moor (2005 apud Primo e Smaniotto 2005), entre outros. Nossa pesquisa tem como objetivo principal analisar como ocorre a interação em blogs criados para tal fim, como se dá a aprendizagem dos alunos que interagem nesses espaços e como o professor pode contribuir para as interações. O trabalho apresenta a análise pormenorizada de todos elementos principais dessas interações selecionadas, fazendo uma analogia com as teorias que serviram de embasamento. Os resultados dessa análise mostraram que é primordial a presença do professor para a promoção de uma interação colaborativa. E que apesar das tecnologias terem avançado substancialmente, há muitas pessoas que são consideradas excluídas “digitalmente” e que necessitam de um auxílio para efetuarem qualquer procedimento principalmente interacional. Palavras chave: Interação, blog e ensino de línguas. 214 INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste em um estudo sobre a interação em blogs educacionais criados para fins de aprendizagem de inglês. Para tal, inicialmente, fizemos um levantamento bibliográfico sobre as teorias apresentadas por alguns estudiosos como Vygotsky (1933), Campos (2008), Braga (2007), PCNs (2006), Primo e Smaniotto (2005), e Efimova e de Moor (2005 apud Primo e Smaniotto 2005). Para Efimova e de Moor (2005, apud Primo e Smaniotto, 2005) diversos fenômenos facilitam as interações mediadas por blogs. Primeiramente, o caráter público dos blogs e de seus escritos em posts; a disponibilidade de diversos links para outros blogs, sites, entre outros; a presença de janelas para comentários; e as ferramentas de busca voltadas especificamente para blogs. O nosso objetivo principal é verificar a importância da interação para o processo de ensino e aprendizagem, principalmente a interação com os recursos da Internet, no caso o blog, para mostrarmos que a promoção do conhecimento é viável excepcionalmente pelas trocas colaborativas; pelas discussões concordantes ou discordantes, cada qual defendendo seu ponto de vista e relatos de experiências envolvendo o conhecimento de mundo. A interatividade é algo extremamente importante para a aquisição do conhecimento pelo individuo. O presente estudo justifica-se pelo fato de ser crescente o uso de blog na Internet pelos jovens e adolescentes e as suas possibilidades de interação. A prática de estágio supervisionado contribuiu para que 215 assumíssemos a responsabilidade de pesquisar sobre as novas tecnologias. Com isso, pode-se aproveitar esta ferramenta a favor da educação para uma aprendizagem significativa. Apesar do uso crescente do blog na educação, muitos professores ainda estão descobrindo os benefícios deste recurso para uma prática de interação colaborativa e favorável para o processo de ensino e aprendizagem. Por isso faz-se importante analisar a interação nesta ferramenta e observarmos a eficácia de suas possibilidades. É nesse sentido que desejamos contribuir e esperamos que este trabalho beneficie as áreas de ensino de línguas e as novas tecnologias na educação. 1 - NOVAS TECNOLOGIAS E O ENSINO DE LÍNGUAS Um dos aspectos mais visíveis atualmente em nossa sociedade é o crescimento das tecnologias avivando cada vez mais a distribuição da informação e as possibilidades de interação pelas diversas culturas. De acordo com Chaves (1998, p. 21), tecnologia é: Todo artefato ou técnica que o homem inventa para estender e aumentar seus poderes, facilitar seu trabalho ou sua vida, ou simplesmente lhe trazer maior satisfação e prazer. O crescimento das tecnologias define uma nova época na qual a informação é expandida de forma rápida 216 e dinâmica se caracterizando pela era da informação. Entre os recursos tecnológicos disponíveis, a televisão, o rádio, o telefone, e mais recentemente o computador, apresentam várias ferramentas que favorecem a promoção de uma comunicação e interação dinâmica. Este último está ganhando cada vez mais espaço no meio social. De acordo com o Instituto Tamis 38 (1997), isso se deu pelo fato de o computador ser um ótimo processador de símbolos (tais como letras e números), elementos essenciais para a representação da informação, além de ter excelente memória com capacidade para armazenar quase que infinitas informações. O computador, muitas vezes tem substituído alguns recursos tais como, o telefone, o rádio, o DVD, entre outros. Além disso, os seus preços estão cada vez menores deixando de ser um artigo de luxo, para transformar-se em um item de consumo mais acessível às classes sociais. Uma das ferramentas existente no computador é a internet. De acordo com a enciclopédia livre Wikipédia 39, a internet é um conglomerado de redes em escala mundial de milhões de computadores interligados pelo Protocolo de Internet que permite o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados. Ou seja, é uma rede mundial que interliga ou conecta milhões de computadores entre si. Ela proporciona notícias importantes através de jornais que circulam no ambiente 38 O instituto Tamis é uma instituição que tem parceria com a rede nacional de ensino e pesquisa (RNP). A RNP foi criada em 1989 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com o objetivo de construir uma infra-estrutura de rede com Internet nacional para a comunidade acadêmica. 39 http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet < acesso em 26 de março de 2009> 217 virtual, jogos, músicas, compra e venda de produtos para consumo, acesso a contas bancárias, interação entre as diversas culturas através de e-mails, mensagens ou salas de bate-papo, informações através de livros, resumos, artigos, imagens, sons, entre outros recursos. Orientar o uso das tecnologias para o ensino de línguas estrangeiras é algo que permeia os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) de Ensino Médio de língua estrangeira. De acordo com a Introdução dos PCNs (2006): As orientações curriculares para Línguas Estrangeiras têm como objetivo: (...) sentimento de inclusão frequentemente aliado ao conhecimento de línguas estrangeiras;introduzir as teorias sobre a linguagem e as novas tecnologia (letramento,multiletramento, multimodalidade, hipertexto) e dar sugestões sobre a prática do ensino de Línguas estrangeiras por meio destas. Os PCNs evidenciam que se devem explorar as tecnologias para que se obtenham as habilidades para que se garanta a cidadania plena, que são: o letramento, a multimodalidade, o multiletramento. O letramento é capacitar o aluno a se comunicar em contextos comunicativos diferenciados onde se constroem diversos gêneros textuais que se relacionam as 218 comunidades de fala e suas especificidades. Portanto, vai além do conceito de alfabetizar. Já a multimodalidade está relacionada a práticas comunicativas que se refere a linguagens e códigos: sejam auditivos, sejam espaciais, corporais ou visuais e que envolvam textos verbais e não verbais. O multiletramento surgiu como um conceito que reúne as diversas práticas de letramento e a utilização dos suportes tecnológicos necessários para que se construam práticas discursivas. Ou seja, é a variedade linguística e cultural existente entre todos. Isso inclui a variação da escrita evidente em meio aos recursos de comunicação na internet. Desse modo, pode-se compreender que os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio de conhecimentos de línguas estrangeiras fomentam o uso das tecnologias para o reconhecimento da diversidade cultural presente na sociedade, o aprimoramento de práticas discursivas distintas e cada situação de uso de linguagens. 2 - O HIPERTEXTO Este termo foi criado em 1965 por Theodor H. Nelson em uma comunicação apresentada à Conferência Nacional da Association for Computing Machinery, nos Estados Unidos. Ele afirma que hipertexto “é um sistema de organização de dados e um modo de pensar.” 40 40 http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/H/hipertexto.htm em 15 de Janeiro de 2009. <acesso 219 Para Braga (2003 apud Gomes 2007, p. 26) O hipertexto é uma modalidade linguística que utiliza formas alternativas de construção textual que buscam contornar as dificuldades impostas à leitura do texto na tela e também explorar os recursos oferecido pelo meio digital. De acordo com os PCNs Ensino Médio de conhecimentos de língua estrangeiras (2006, p. 106) o hipertexto é: A conexão estabelecida pelos programadores do site, ou de uma página de um site,entre paginas aparentemente não seqüenciais ou não direta ou explicitamente conectadas,sendo essa conexão feita por meio de um link sobre o qual se clica, levando o leitor á nova página escolhida por ele. Assim, o hipertexto é algo que transforma a leitura de textos que se encontram na internet e tudo passa a ser algo seletivo, dependendo do propósito do usuário. Com isso, ele poderá alternar páginas na web conectadas por links selecionados por ele. Concordando com Xavier (2002), percebemos nitidamente que o hipertexto é uma nova forma de apresentar, representar, articular e trabalhar os dados multiformes dispostos nas telas dos computadores. 220 3 - O BLOG O uso crescente de blogs se caracteriza como algo destacável na internet atualmente. Blog é uma abreviação da palavra inglesa weblog, que pode ser traduzida como “diário na rede”. De acordo com Komesu (2004) os blogs surgiram em 1999 com a utilização do software Blogger, da empresa do norte-americano Evan Williams. O software foi criado como uma opção a mais para a publicação de textos online. Eles se caracterizam pela simplicidade na edição, atualização e manutenção diária dos textos na rede. Estas qualidades fazem desta ferramenta algo muito utilizado na internet, pois qualquer pessoa pode construí-lo e evidenciá-lo de acordo com seus objetivos e necessidades não sendo imprescindível o conhecimento aprofundado em informática e nem de um especialista na área. Além disso, pode-se inserir os mais distintos textos e animações com vídeos, imagens, figuras, fotos, músicas, etc. 4 - A INTERAÇÃO POSSIBILIDADES. NO BLOG E SUAS Com o surgimento das novas tecnologias, novos recursos midiáticos emergiram e conseqüentemente novas formas de interação que envolvem uma diversidade de gêneros textuais, tais como: o chat, o e-mail, os fóruns de discussão, o blog, que é objeto de estudo deste trabalho, entre outros. A interação através da internet salienta muitos desafios aos professores e estudantes para sua construção e administração contínua, já que se tratam de novos 221 gêneros praticados na atualidade, e que ainda não são totalmente compartilhados pelos membros da sociedade. Campos (2008, p. 93) define interação como: Um processo em que os participantes alternam seus papéis, sendo, em um determinado momento, destinadores e em outros, destinatários. A interação pode ser síncrona ou assíncrona. A interação síncrona acontece quando é possível o encontro dos interagentes, de modo face a face, ou pelo telefone, ou seja, no mesmo tempo. A interação assíncrona acontece por meio de textos, principalmente, quando os interagentes não se encontram no mesmo tempo, como o autor ou leitor. Do ponto de vista da aprendizagem, acreditamos que é na interação colaborativa que a aprendizagem se realiza, ou seja, é interagindo com o professor, com os colegas ou com os materiais, que os alunos podem aprender. Segundo Vygotsky (1987, p. 17, apud Mantovani, 2006, p.333) “a colaboração entre pares ajuda a desenvolver estratégias e habilidades gerais de solução de problemas pelo processo cognitivo implícito na interação e na comunicação”. Conforme o estudioso, o uso da linguagem é primordial na organização do pensamento, fazendo-se importante para demonstrar o conhecimento interno do indivíduo e para se tentar compreender o pensamento de todos os envolvidos no processo de interação. 222 Partindo desses conceitos e transferindo-os para espaços virtuais como o blog, compreende-se visivelmente o papel de destaque da interação. As interações realizadas em blogs se caracterizam essencialmente pela centralidade da escrita de forma assíncrona, ou seja, os participantes do espaço acessam este recurso em momentos distintos. O blog se caracteriza por ser um tipo de publicação online e tem como base as anotações e comentários através de determinados caminhos percorridos pelos espaços virtuais. Com base no estudo empírico de uma conversação realizado por Efimova e de Moor (2005, apud Primo e Smaniotto, 2005) salientamos que eles encontraram três fenômenos que caracterizam a conversação dentro do blog, tais como: linkagem como cola conversacional, conversações tangenciais e conversação com o self e conversação com os outros. O primeiro fenômeno faz referência a utilização de links, trackbacks e notificações que conectam os blogs entre si por meio da difusão da conversação. Para estes estudiosos esse exercício atua com uma cola que une a conversação. O segundo fenômeno salientado pelos autores evidencia a capacidades dos blogs em proporcionar conversações tangenciais, ou seja, além das interações realizadas entre blogs, existem outras conversações “locais”, por meio dos comentários unidos a post. o terceiro fenômeno é que o blog além de ser um espaço para interação com o outro, possibilita conversação com o self, ou seja, consigo mesmo, que se caracteriza pela exposição do pensamento pessoal sobre 223 um determinado assunto, sem requerer resposta ou reação de outros interagentes. 5 - O BLOG COMO UM GÊNERO TEXTUAL. O Blog representa a transformação dos diários tradicionais e trazem consigo diversas características destes, porém com inovações. O blog e os diários têm em comum a inserção de figuras, desenhos e imagens, porém com funções distintas como afirma Heine (2005). Ela diz que nos diários comuns, as imagens têm como objetivo primordial “enfeitar” o texto, tornando o ambiente mais agradável para o seu autor. Já nos diários virtuais, a presença de imagens tem como função representar principalmente emoções e sentimentos. Já para Komesu (2004, p.112): A aproximação dos blogs ao gênero dos diários pode ser justificada pela projeção de uma imagem estereotipada daquele que se ocupa de escritos pessoais. Quem escreve sobre si, para narrar acontecimentos íntimos, insere-se na prática diarista. O aparecimento dos blogs é ainda bastante recente; como atividade humana, apóia-se em gêneros “relativamente estáveis”, já consagrados, para sua composição. Pode-se, assim, 224 identificar traços do gênero diário na constituição dos blogs. Segundo a autora o blog reflete o diário tradicional pelo seu caráter intimista e cotidiano, já que sua formação consiste na inserção diária de conteúdos a serem visualizados pelos “blogueiros”, como ocorre do diário tradicional, assim, o que difere então o diário tradicional do blog é que no diário tradicional, o autor não revela seus escritos para as outras pessoas lerem e no blog, o autor escreve com o objetivo de que os seus amigos, conhecidos ou mesmo desconhecidos visualizem e interajam também. 6 – ANALISE DOS DADOS. Blog do grupo 4 - http://kidsfgf.blogspot.com Texto 1 - The Simpsons The Simpsons is an American animated sitcom created by Matt Groening for the Fox Broadcasting Company. The series is a satirical parody of a middle class American lifestyle epitomized by its eponymous family, which consists of Homer, Marge, Bart, Lisa, and Maggie. The show is set in the fictional town of Springfield, and lampoons American culture, society and television, and many aspects of the human condition. what do you think about Simpsons's family? Aluno 4E disse... Esta postagem foi removida pelo autor. Aluno 4I disse... 225 I think they so cool. They are so funny. I watch them every days of week! Aluno 4K disse... The Simpsons is a family so diferent. In my opium, it isn´t good to all family. Aluno 4H disse... I think it's more or less the reality of being displayed in a family and fun, which for most problems that have always united. P1 disse... The simpsons family is different and interesting,because they portray the day-to-day life of a typical American family. P1 disse... Aluno 4I and Aluno 4K do you think the simpsons can be compared with the Brazilian families? Aluno 4I disse... There are many things happens to some families. So, I think can be compared with heppening of day after day. But there are things can't be compared the real life. Example: I can go in a friend's house and his house be destroied by a missile. This is impossible. But this is the context of Simpsons. Things impossibles to happen and happens. Aluno 4K I have a position above The Simpsons... This is a bad cartun, because show a family deregulate. In Brazil, many familys are as The Simpsons. Aluno 4L disse... I think the Simpsons family very crazy. Aluno 4L disse... 226 P1, what do you think about the role of Homer Simpson as a representative of the family simpsons? P1 disse... Esta postagem foi removida pelo autor. P1 disse... This is a good question aluno 4L ! Well, I think the Homer simpson isn’t good representative of the family. First, because he commit many mistakes in their work, this leaves the city in danger because he is inspector at the Springfield Nuclear Power Plant. I think the Homer simpson is crude, incompetent,clumsy, and lazy. At home, he is the boorish father. I think too, that he has little intelligence, and he is always in trouble. But with all these faults, he is a funny man. P1disse... The Simpsons site: http://www.thesimpsons.com/bios/bios_family_homer.ht m aluno 4L, this site shows all the Simpsons characters, It's very good and it's all in English. P1 disse... I agree aluno 4K,many brazilian families are similar to the simpsons !!!! Este blog é o exemplo eficaz de interação colaborativa entre pares. Os alunos 4I, 4K e 4H responderam coerentemente a pergunta que estava abaixo do texto, demonstrando o que pensam sobre o assunto. A P1 também apresenta a sua resposta sobre a pergunta do texto “The simpsons family is different and interesting,because they portray the day-to-day life of a 227 typical American family.” Estes comentários são exemplos de conversação com o outro, no caso, com grupo que postou o texto. Posteriormente a P1 lança uma pergunta para os alunos 4I e 4K com o intuito de fazê-los refletir não somente sobre a proposta do texto, mas também refletir sobre o seu processo de aprendizagem envolvendo o conhecimento de mundo.“Aluno 4I and Aluno 4K do you think the simpsons can be compared with the Brazilian families?”. Os dois alunos 4I e 4K responderam a pergunta de acordo com seus conhecimentos e conceitos sobre o assunto. Em seguida, o aluno 4L também apresenta sua opinião sobre o tema “I think the Simpsons family very crazy.”, além disso, em outro post, ele faz uma pergunta para a P1 “P1, what do you think about the role of Homer Simpson as a representative of the family simpsons?”. Ao elaborar uma pergunta para a P1, o aluno 4L tentou manter uma dialogicidade e uma aproximação, assim podemos inferir que ele se mostrou empenhado em manter um vínculo com a P1. Em devolutiva, a P1 elogia a pergunta desse aluno seguido de sua resposta “This is a good question aluno 4L ! Well, I think the Homer simpson isn’t good representative of the family. First, because he commit many mistakes in their work, this leaves the city in danger because he is inspector at the Springfield Nuclear Power Plant. I think the Homer simpson is crude, incompetent,clumsy, and lazy. At home, he is the boorish father. I think too, that he has little intelligence, and he is always in trouble. But with all these faults, he is a funny man.” Assim essas interações são típicas de uma conversação com o outro como pressupõe Efimova e de Moor (2005). 228 A linkagem como cola conversacional é uma das características apresentadas por Efimova e de Moor (op. cit.) e que pode ser observada em outro post da P1, na qual ela apresenta um link de um site dos Simpson para o aluno 4L, com o objetivo de apresentá-lo uma leitura em língua inglesa de todas as características dos personagens dessa série animada. “The Simpsons site: http://www.thesimpsons.com/bios/bios_family_homer.ht m , aluno 4L, this site shows all the Simpsons characters, It's very good and it's all in English”. Esse link é caracterizado como uma cola que une a conversação. Finalizando a interação desse blog, é perceptível mais uma vez a P1 realiza uma conversação com o outro ao concordar com o aluno 4K “I agree aluno 4K, many brazilian families are similar to the simpsons!!!!” A respeito da interação nesse blog, podemos concluir que os participantes realmente desenvolveram uma ação interior de construção que o conduziram a compartilhar idéias e construir novas interações. Assim, com estes últimos exemplos de análise de blog, podemos inferir que os alunos realmente necessitavam de um estímulo rijo para efetuarem as interações. Verificamos que era necessário que as professoras ajudassem sempre, bem como mostrando como deve ser o processo de interação e estimular com freqüência as participações colaborativas. Dessa forma, os alunos se motivaram e salientaram o pensamento pela compreensão das idéias do outro mediante a troca de informações como pressupôs Vygotsky (1933). 229 7 - CONSIDERAÇÕES FINAIS. Ao término deste estudo, de acordo com a pesquisa realizada e com as teorias que nos direcionaram, podemos concluir que houve a necessidade da professora estar presente nas interações, auxiliando os alunos quanto aos procedimentos a serem realizados nos blogs. Essa necessidade se exemplifica principalmente pela mudança de comportamento dos alunos quando as professoras participaram mais intensamente, auxiliando nas elaborações de texto e apresentando como deve ser a interação colaborativa. A interação com as professoras ocorreu com maior freqüência por que elas foram as principais levantadoras de questionamentos na interação dialógica. Assim, podemos concluir que, mesmo que a professora utilize recursos tecnológicos que podem promover a autonomia e dialogicidade do aluno, elas foram o centro, que levantou questionamentos e orientou os alunos quanto a tudo que deve ser feito. Com essa dependência dos alunos, podemos inferir que é indispensável que os professores que desejem utilizar as tecnologias sejam capacitados para lidar com as diversas situações. Como consideração geral deste trabalho, podemos então confirmar que a interação é um processo dialógico que colabora significativamente para a aprendizagem. Vale ressaltar que em realização de trabalhos sobre interação, principalmente com jovens, é indispensável à presença do professor, orientando, estimulando, apresentando como deve ser a relação interativa. Assim, proponho que se realizem mais estudos sobre interações em blogs educacionais, pois está 230 ferramenta pode ser significativa benéfica para aprendizagem REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Denise Bértoli. Práticas letradas digitais: considerações sobre possibilidades de ensino e de reflexão social crítica. In ARAÚJO, Júlio César. (Org.). Internet e ensino: novos gêneros e novos desafios, Rio de Janeiro, Ed. Lucerna, 2007. BRASIL. MEC. Parâmetros curriculares nacionais: Língua estrangeira / ensino médio. Brasília: MEC/SEF, 2006. 231 PRÁTICA DE ENSINO E TRANSFORMAÇÃO DAS CRENÇAS FARIAS, Aline Leontina Gonçalves41 UECE – Universidade Estadual do Ceará RESUMO: Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre o papel da graduação na formação reflexiva do professor de Francês, realizada com alunos de uma universidade pública do Ceará. Investigamos as crenças dos futuros professores sobre os aspectos políticos que envolvem o ensino-aprendizagem do francês em comparação ao de outras línguas estrangeiras. Nosso objetivo foi verificar as diferenças de concepção relacionadas ao tempo de curso e à experiência da prática de ensino dos alunos. Para isso, aplicamos um questionário aberto a dois grupos de alunos – iniciantes e concludentes. A elaboração das perguntas-base para coleta de dados foi motivada pela assertiva de Vilson J. Leffa (2001, p. 344) de que “há muitas diferenças entre estudar uma língua multinacional e uma língua estrangeira nacional”. Neste sentido, buscamos compreender como alunos iniciantes e alunos mais experientes percebem essas diferenças. Guardamos evidentemente as devidas ressalvas sobre o fato de o francês ser também uma língua multinacional, mas cujo ensino no Brasil não atinge as mesmas proporções do ensino de inglês e de espanhol. Nossa fundamentação 41 Mestranda do curso de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará, bolsista FUNCAP. 232 teórica sustentou-se em trabalhos desenvolvidos sobre crenças (BARCELOS, 2001; e FREUDENBERGER e ROTTAWA, 2004), formação crítica (LIBERALI, 2006) e sobre ensino de línguas (LEFFA, 2001; CELANI 2001 e 2004), que forneceram a base para a análise interpretativa dos dados. As principais diferenças apontadas pelos alunos se referiram aos aspectos da obrigatoriedade versus deslumbramento e da motivação instrumental versus motivação integrativa. Os dados da pesquisa mostraram que os alunos iniciantes em geral embasam suas opiniões na experiência de aluno, por isso suas percepções enfocam o ponto de vista do aprendiz de línguas. Já os alunos formandos tenderam a emitir opiniões da posição de professor de línguas, o que nos leva a concluir sobre a influência do curso e principalmente da experiência de ensino na transformação de suas crenças. Palavras-chave: Prática de Ensino. Crenças. Ensino de francês língua estrangeira. INTRODUÇÃO O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla sobre a formação reflexiva de professores de línguas. Em um primeiro momento, constituiu nosso interesse investigar se e como a universidade em nível inicial de formação, isto é, na graduação, tem despertado no futuro professor uma atitude reflexiva diante de sua atuação. Para isso, fundamentamos nossa investigação no estudo de crenças por entendermos como Halton e Smith apud Castro (2006, p. 100) que a reflexão compreende 233 “um processo cognitivo deliberado, que envolve sequências de ideias interconectadas que levam em conta as crenças e os conhecimentos subjacentes”. Aplicamos um questionário aberto a dois grupos de estudantes de Letras-Francês. O primeiro grupo foi constituído de alunos de segundo semestre e o segundo grupo, de alunos formandos. Verificamos ao final a ocorrência de mudança de crenças comparando as respostas dos alunos iniciantes no curso com as dos alunos formandos. A análise dos dados confirmou nossa hipótese inicial de que os alunos de semestres mais avançados e com experiência de ensino apresentam percepções diferentes daquelas dos alunos em início de curso devido ao insumo de teorias que adquiriram ao longo da graduação e à possibilidade que tiveram de confrontar tais teorias com a prática em sala de aula. Nesse momento, nosso objetivo é estender a discussão dos dados da pesquisa a partir da assertiva 42 de Vilson J. Leffa (2001, p. 344) de que “há muitas diferenças entre estudar uma língua multinacional e uma língua estrangeira nacional. Neste sentido, buscamos compreender como alunos iniciantes e alunos mais experientes percebem essas diferenças. Guardamos evidentemente as devidas ressalvas sobre o fato de o francês ser também uma língua multinacional, mas cujo ensino no Brasil não atinge as mesmas proporções do ensino de inglês e de espanhol. 42 Essa assertiva guiou a coleta e análise dos comentários dos alunos no que se referem às diferenças, percebidas pelos dois grupos – alunos de segundo semestre e alunos formandos, entre estudar o francês e estudar uma língua multinacional como o inglês. 234 Assim, para alcançar nosso intento, abordamos primeiramente o conceito de crenças, relacionado-o a discussões sobre a formação reflexiva de professores de línguas. Em seguida, apresentamos e analisamos dos dados da pesquisa a partir da discussão de Leffa (2001) sobre as diferenças entre estudar/ensinar uma língua multinacional e uma língua estrangeira nacional. 1. CRENÇAS E FORMAÇÃO REFLEXIVA Adotamos nesta pesquisa o conceito de crenças de Barcelos (2001, p. 72) para quem crenças são “opiniões e ideias que alunos (e professores) têm a respeito dos processos de aprendizagem de línguas” e que influenciam na forma como eles organizam e definem suas ações. As crenças são fatores individuais que influenciam grandemente a forma como o professor interpreta suas experiências e as teorias que lhes são apresentadas. Portanto, elas constituem “uma parte legítima e valorizada do insumo do processo de educação.” (FREUDENBERGER e ROTTAWA, 2004, p. 35). Uma vez que são socialmente construídas, as crenças estão sujeitas a mudanças. Assim, defendemos que os primeiros indícios da formação reflexiva do professor podem ser observados na transformação de suas crenças. A formação reflexiva rompe com o conceito de treinamento, que de acordo com Leffa (2001, p. 334) tem sido tradicionalmente definido como “o ensino de técnicas e estratégias de ensino que o professor deve dominar e reproduzir mecanicamente, sem qualquer 235 preocupação com sua fundamentação teórica”. Já a formação, ainda segundo o mesmo autor, compreende “uma preparação mais complexa do professor envolvendo a fusão do conhecimento recebido com o conhecimento experimental e uma reflexão sobre esses dois tipos de conhecimento” (p. 335). Para Leffa (2001), o treinamento caracteriza-se por ter um começo, um meio e um fim, já a formação pressupõe uma situação contínua e inacabável, que pode ser representada por um movimento circular entre três pontos: teoria, prática e reflexão. Esse processo, contudo, pode ser iniciado em qualquer um dos pontos sem que chegue a um fim, pois a reflexão realimenta a teoria, iniciando um novo ciclo. Enquanto o treinamento tem fim na própria prática, na formação, a prática dá ensejo à reflexão, momento decisivo para o nascimento de conhecimentos novos e contextualizados, isto é, de teorias mais adequadas à situação. Nessa noção circular da formação, o conceito de conhecimento rompe com a visão tradicional de ensino como transmissão de conteúdos e passa a englobar a habilidade de lidar com esses conhecimentos. “O conhecimento não é apenas o armazenamento de fatos, mas também a reflexão de como esses fatos podem ser obtidos, avaliados e atualizados.” (LEFFA, 2001, p. 337) Em outros termos, Celani (2001) afirma ser fundamental, para a área do ensino de LE (língua estrangeira), se fazer a distinção entre aprender e ser treinado. À expressão “ser treinado” subjaz a visão positivista de que o professor deve ser dotado de técnicas de aplicação universal, que se acredita serem compatíveis a qualquer contexto de ensino-aprendizagem. Já aprender 236 corresponde à visão reflexiva da educação, construída na prática com o incentivo à racionalidade e à autonomia do professor. Freudenberg e Rottawa (2004) alertam para o perigoso distanciamento que se costuma verificar entre o conhecimento disciplinar apresentado no curso de graduação e a realidade efetiva do ensino de línguas. As autoras afirmam que esse conhecimento dificilmente chega à sala de aula, por negar a complexidade da interação humana, tornando-se um saber disfuncional. Cavalcanti e Moita Lopes apud Freudenberg e Rottawa (2004) afirmam que mesmo a Prática de Ensino, disciplina que deveria propiciar a articulação entre teoria e prática, deixa de lado a urgente e necessária tarefa de instigar a reflexão sobre a prática. Contudo, como demonstraram citadas autoras, é incontestável o papel do curso de graduação na transformação das crenças de professores. O que se propõe, então, é o planejamento de um programa que dê condições aos professores (em situações de troca de ideias e de discussão) de desenvolver suas próprias teorias a partir da integração entre suas percepções dos conhecimentos teórico e experimental. O desenvolvimento dessa habilidade daria aos professores maior versatilidade e segurança para agir e decidir sobre sua ação. Para Gimenez (2005) é realmente fundamental que a prática seja pensada a partir de todas as disciplinas do currículo, não apenas nas de licenciatura. Também não se deve continuar relegando a reflexão da prática às disciplinas de Prática de Ensino. A autora defende a inclusão da disciplina de Linguística Aplicada em cursos de formação de professores de línguas, pois ela se ocupa 237 de questões práticas e reconhece o caráter social da língua. Essa preocupação em pensar a língua e seu ensino de forma contextualizada ajudaria os professores a construírem uma visão crítica quanto ao papel social do profissional do ensino de línguas. Concordamos com Moser (2006, p. 112), que para se formar profissionais de LE mais comprometidos com a prática pedagógica e com uma postura auto-reflexiva é preciso que se supere a visão de formação como treinamento, o que ainda persiste em muitos cursos de Letras. Por esse motivo, Castro (2006, p. 105) alerta para a necessidade dos próprios formadores adotarem a prática reflexiva sobre suas ações para que possam construir junto com os futuros professores “formas conjuntas de olhar para e de desenvolver o processo de aprender e de ensinar a LE como forma de contribuir para o desenvolvimento de uma atitude reflexiva”. 2. DIFERENÇAS ENTRE ENSINAR UMA LÍNGUA MULTINACIONAL E UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA NACIONAL Segundo Leffa (2001, p.344), as diferenças entre estudar uma língua estrangeira multinacional e uma língua estrangeira nacional envolvem diversos aspectos como a questão da obrigatoriedade x deslumbramento e da motivação instrumental x motivação integrativa. O autor explica que os fatores que levam um aluno brasileiro a escolher estudar uma língua estrangeira como o francês ou o italiano, por exemplo, geralmente são de ordem pessoal envolvendo questões afetivas. Já as hipóteses de motivação para se estudar o inglês 238 normalmente são de ordem instrumental, como a imposição do mercado de trabalho. Diante desse quadro, o autor defende que a formação do professor de línguas deve atentar para a preparação do futuro professor para as diferenças entre ensinar uma língua multinacional e uma não multinacional. Tomando de exemplo o inglês para falar sobre o ensino de uma língua multinacional, Leffa (idem) comenta que esse tipo de língua não se atrela a uma única cultura. Pois o inglês é falado em diversos países e em nenhum deles o inglês é igual ao falado nos outros. Para o autor, tornar-se uma língua multinacional tem um preço: a perda da identidade. E argumenta que para estudar um língua não multinacional o aluno deve ter interesse no país daquela língua. O que não ocorre com o inglês, já que se pode muito bem estudar inglês sem estar interessado em um determinado país. Assim, Leffa (2001, p.349) conclui que “a determinação do foco de interesse tem implicações metodológicas para seu ensino, e consequentemente para a formação de professores.” Quando se trata de ensinar uma língua multinacional, que não tem uma identidade nacional definida, é preciso um novo paradigma que dê conta dessa natureza multinacional. É preciso haver uma mudança de prioridades no ensino da língua. Essas prioridades podem ser, por exemplo, o ensino da variedade local da língua ou o ensino da língua para objetivos específicos. A partir dessa breve apresentação, passemos à discussão dos dados da pesquisa para em seguida analisálos à luz dessa diferenciação apresentada por Leffa. 239 3. CRENÇAS DE FUTUROS PROFESSORES SOBRE APRENDER/ENSINAR FRANCÊS. Nortearam nossa pesquisa as seguintes perguntas: 1) Quais são as crenças sobre o papel do ensino/aprendizagem de língua estrangeira de estudantes de letras-francês com experiência de ensino em contraposição às crenças de alunos sem experiência de ensino? Em que medida as crenças dos alunos com experiência de ensino diferem das crenças daqueles sem nenhuma experiência? 2) Qual a influência do curso de graduação na modificação das crenças? Qual o papel das disciplinas específicas e práticas na reflexão e na formação de uma consciência sobre o papel social da LE? Quais os momentos do curso de graduação são mais significativos para a mudança (se houver) do sistema de crenças desses alunos? Os sujeitos da pesquisa são dez estudantes de graduação em Letras-Francês de uma universidade pública de Fortaleza-CE. Divididos em dois grupos de cinco alunos cada. O primeiro grupo é formado por estudantes do segundo semestre e sem experiência de ensino da língua francesa. Eles são denominados nesta pesquisa de SII1, SII2, SII3, SII4 e SII5. O segundo grupo é todo composto por alunas na condição de formandas e com experiência de ensino. Estas, por sua vez, são denominadas de F1, F2, F3, F4 e F5. Como a análise de todos os dados foi objeto de pesquisa mais ampla sobre o papel da graduação na transformação das crenças, vamos nos deter nesse momento no aprofundamento da discussão das crenças sobre o ensino do francês em particular, relacionando-as 240 às impressões sobre a contribuição do curso para a formação da opinião sobre ensino-aprendizagem de LE. Objetivamos com isso mostrar como a experiência da prática de ensino marca o início de uma mudança significativa das crenças sobre ensino. 3.1 ENSINAR FRANCÊS X ENSINAR OUTRAS LÍNGUAS Perguntamos aos alunos as opiniões deles acerca da finalidade do ensino-aprendizagem da língua francesa. Com isso intentamos obter dados que indicassem se os alunos percebiam um papel ou uma contribuição social do ensino-aprendizagem do francês e se viam uma diferença entre ensinar francês e ensinar outra língua. Os alunos de segundo semestre acreditam que o francês é “uma língua pouco falada”, que “não é uma exigência do mercado como o inglês e o espanhol” (SII1). Essa crença aparece como uma preocupação expressa pela maioria dos alunos de segundo semestre. SII2, inclusive, faz uma crítica à “sociedade leiga” que “pensa que seu aprendizado é inútil e perda de tempo”, pois não atende aos interesses do mercado e em especial, aos do turismo. O comentário de que o francês é “uma língua pouco falada” remete ao desconhecimento da francofonia. Na verdade, a língua francesa é falada em muitos países seja como primeira ou como segunda língua. Contudo, embora a língua francesa seja multinacional, o fato da francofonia ainda começa a ser difundido e não alcança proporções globais como é o caso do inglês. Assim, os alunos expressam uma espécie 241 de indignação ao fato de o ensino do francês não ser procurado pelo aspecto da obrigatoriedade. Para esses alunos, esse fator torna o francês menos prestigiado e gera uma dificuldade para o profissional de língua francesa encontrar espaço no mercado de trabalho. Para SII2, o menosprezo do conhecimento da língua francesa leva ao equívoco de se pensar que “o ensino do francês não traz nenhum benefício ao estudante”. SII1, embora demonstre participar dessa preocupação, expressa sua visão mais romantizada do ensino do francês, cujo atrativo para o aluno é o fato de ser “uma língua belíssima”, que pode torná-lo “mais culto”. Nos comentários do aluno SII1 percebemos o aspecto do deslumbramento descrito por Leffa (2001). Para esse aluno, como para muitos, a decisão de estudar a língua francesa está muito ligada a fatores afetivos. A visão que se tem da língua mistura-se à visão cultural que se tem do país França. Com isso, os alunos vêem outros tipos de benefícios que o ensino do francês oferece, muito além do interesse de mercado. No entanto, esses benefícios aos olhos da sociedade capitalista não são vistos como prioridades. Em geral, os alunos destacam como contribuição para os estudantes a ampliação de seus conhecimentos, o contato com outra cultura e o domínio de uma língua diferente da materna, o que pode significar melhores oportunidades profissionais. Esse último comentário expresso torna-se de certa forma contraditório em relação aos comentários anteriores que apresentam o francês mais pelo aspecto do deslumbramento que pelo da obrigatoriedade. Essa visão de ampliação das 242 oportunidades profissionais parece estar mais ligada a uma motivação instrumental do que a uma motivação integrativa, que parece ser o caso do francês, baseandose na maioria das opiniões. As formandas, em sua maioria, expressam como contribuição do francês o enriquecimento cultural e a transformação do pensamento e da visão de mundo do aluno. Apenas uma das formandas expressa a mesma crença de alguns dos alunos de segundo semestre, de que o francês traz o benefício de melhorar o currículo profissional e acadêmico do aluno, podendo trazer algumas vantagens de ordem financeira. As formandas também acreditam que o francês “desenvolve o raciocínio” (F1) e “a capacidade de reflexão” (F4). Além disso, transforma o modo de ver do aluno: “proporciona uma visão mais ampla do mundo” (F1), “amplia a visão de mundo” (F2), “abre a mente para novas formas de olhar o mundo” (F5). Assim, podemos perceber que a maioria das formandas também expressa a motivação integrativa e o deslumbramento como fatores da procura pela língua francesa. Apenas uma mostrando uma motivação instrumental. Em todo caso, apesar da motivação instrumental ter sido relacionada à língua francesa por alguns alunos, o fator obrigatoriedade não é citado por nenhum deles. 3.2 O curso de graduação e a prática de ensino na transformação das crenças Depois de questionar os alunos a respeito de suas opiniões sobre ensino-aprendizagem de LE, perguntamos 243 se alguma disciplina ou momento do curso de graduação contribuiu para a formação de seu pensamento sobre os assuntos abordados nas questões anteriores. Todos os alunos com exceção de dois do segundo semestre reconhecem a importância do curso para que eles formassem suas opiniões sobre ensino-aprendizagem de LE e do francês, particularmente. Mesmo um dos alunos que negou a contribuição do curso (SII3) afirma que a graduação ao menos “confirmou e reforçou” (SII3) a visão que ela já tinha. E SII5 diz que a graduação não contribui para sua opinião devido ao pouco tempo de curso. Os oito alunos que confirmaram a contribuição do curso indicaram disciplinas específicas da licenciatura e/ou específicas do francês. Os alunos de segundo semestre, cuja única disciplina de francês cursada no primeiro semestre foi Estrutura e Uso do Francês I, indicaram-na como a mais importante para formar suas opiniões. E um deles afirma que todas as disciplinas foram importantes. As formandas foram unânimes em atestar a contribuição do curso. A disciplina mais indicada por elas foi a Prática de Ensino. Foram ainda citadas as disciplinas de Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio, Teoria do Ensino em Língua Francesa e Didática. Em relação a um momento específico da graduação, uma aluna indicou os estágios que fez no Curso de Línguas da Universidade (que são uma extensão acadêmica do Curso de Letras e se destinam à prática de ensino dos alunos da graduação). Quanto à experiência de ensino, os alunos de segundo semestre não a têm. Este foi, inclusive, um dos critérios da pesquisa para que pudéssemos observar a 244 influência da prática na transformação das crenças dos alunos. Todas as formandas têm experiência de ensino, que varia de 2 meses à 5 anos. Por fim, perguntamos aos alunos se eles conheciam ou já tinham ouvido falar dos PCN-LE (Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira) e do CECR (Cadre européen commun de références pour les langues). Incluímos esta pergunta no questionário de pesquisa por consideramos imprescindível para a formação dos futuros professores, não só a apresentação, mas a compreensão e a discussão das questões e dos temas que envolvem estes dois documentos, para que os futuros profissionais de LE conheçam os aspectos políticos e as concepções teóricas que envolvem e regem o ensino de LE (e o de FLE) em nosso país e para que desenvolvam um posicionamento crítico e político em relação aos diversos aspectos de sua profissão. Os alunos de segundo semestre em sua totalidade desconhecem tanto o PCN-LE como o CECR. Apenas SII1 afirma ter ouvido falar dos dois documentos. Todas as formandas disseram conhecer ambos os documentos e citam como intermédio de seu conhecimento as disciplinas de Prática de Ensino (F1 e F3), aula na faculdade (F2 e F) e ainda professores e livro didático (F4). Pudemos perceber ao longo da discussão dos dados uma série de diferenças entre as crenças esboçadas pelos alunos de segundo semestre e aquelas sugeridas pelas alunas formandas. O que nos leva a observar como as crenças dos alunos são re-elaboradas ao longo da graduação, transformadas tanto pelos insumos teóricos 245 recebidos como pelos conhecimentos experimentais adquiridos na circunstância da prática de ensino. Abaixo apresentamos dois quadros-resumo, o primeiro apresenta sucintamente as divergências entre as crenças dos alunos do segundo semestre em comparação com aquelas dos formandos e o segundo é o resumo das impressões dos alunos sobre a contribuição do curso de graduação para a formação de suas opiniões. Crenças sobre Alunos de 2º semestre Ensino como transmissão de conhecimento e aprendizagem como ampliação do conhecimento. Alunos formandos Compreensão de Ensinoensino e aprendizagem aprendizagem de LE envolvendo diversos saberes incluindo o linguístico, mas enfatizando o saber sóciocultural; reconhecimento das motivações e necessidades dos alunos e das metodologias de ensino. os Desenvolver a Finalidade do Aumentar conhecimentos; habilidade ensino de LE dar acesso a outra comunicativa; dar cultura; e ser um acesso a outras 246 diferencial currículo profissional. no culturas; e contribuir para a formação da cidadania. Papel do Ser ponte ou Trabalhar numa perspectiva professor de intermediador entre o aluno e o comunicativa LE conhecimento; (desenvolvendo as apresentar a quatro literatura e a competências); ser gramática da LE; mediador entre a despertar a cultura do aluno e curiosidade dos a cultura dos alunos; e facilitar povos da línguaa aprendizagem. alvo; proporcionar interação e atividades de simulação; facilitar a aprendizagem. os Ampliar a visão Papel do Ampliar de mundo; ensino de conhecimentos; dar acesso a desenvolver o Francês outras culturas; raciocínio e a melhorar as reflexão; abrir a oportunidades mente para novas profissionais. formas de olhar o mundo. Quadro 01 – Divergências entre as crenças dos alunos do segundo semestre e as das alunas formandas. Alunos de 2º Alunos 247 semestre formandos Impressões Três alunos Todas as alunas sobre a indicaram a formandas contribuição da única disciplina confirmaram a graduação para específica de contribuição da a formação das francês no graduação e crenças sobre primeiro indicaram ensinosemestre como disciplinas de aprendizagem de importante licenciatura LE formadora de (Didática, Teoria opinião. Dois do Ensino e alunos negam a principalmente a contribuição da Prática de Ensino) graduação e e o estágio afirmam já supervisionado terem esses como importantes pensamentos para a formação sobre ensino de de suas opiniões LE antes de sobre ensino de suas entradas no LE. curso. Quadro 02 – Impressões sobre o papel da graduação para a formação das opiniões sobre ensino de LE. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos dados da pesquisa nos revela a recorrência, no início da graduação, de uma visão acrítica e por vezes “romantizada” dos alunos acerca do ensino do francês, o que se deve a uma crença informada apenas pelo senso comum. É preciso ao longo do curso embasar teoricamente o futuro professor incentivando sua reflexão 248 e seu posicionamento crítico a respeito do ensinoaprendizagem de LE. Defendemos não a negação da beleza e das contribuições culturais que o ensino da LE possa trazer que o liga aos fatores da motivação integrativa e do deslumbramento. Esses fatores podem tornar a aprendizagem muito mais eficiente na medida em que despertem no aluno o encantamento e gerem uma motivação mais envolvente. Contudo, pelos próprios comentários expressos pelos alunos, vimos que esses fatores não estão sendo suficientes para levar a uma busca significativa pelo francês. E isso traz dificuldades para quem adentra a profissão professor de francês. É, portanto, preciso ir além. Por exemplo, tornar conhecido o fato da francofonia, que pode ser usado a favor da promoção do ensino do francês e principalmente, de um ensino voltado para o plurilinguismo. O que propomos é uma mudança de foco, colocando como centro do ensino a formação cidadã do sujeito-aprendiz, proposta apresentada tanto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN-LE) como pelo Cadre européen commun de références pour les langues (CECR). O senso comum que informa o saber do estudante de Letras recém-chegado é carregado pelo peso da tradição que informa as crenças construídas em suas experiências de aluno (FREUDENBERGER e ROTTAWA, 2004). O curso de graduação, então, tem o importante papel de transformar essas crenças, apresentando ao futuro professor as teorias e os aspectos políticos que envolvem sua área e conscientizando-o acerca das mudanças do mundo contemporâneo que 249 requerem a aplicação de novos modelos e propostas mais condizentes com a nova realidade (CELANI, 2004). Os alunos formandos, com alguma experiência de prática de ensino da língua, já mostram um pouco dessa visão mais social do ensino da língua. Contudo, é preciso haver um investimento maior na conscientização dos aspectos políticos do ensino de línguas. Esse é um dos papéis do curso de formação de professores: preparar os futuros professores para a realidade do ensino de línguas estrangeiras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARCELOS, A. M. F. Metodologia de pesquisa das crenças sobre aprendizagem de línguas: estado da arte. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, v.1, n.1, p. 71-92, 2001. CASTRO, S. T. R. 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Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. p. 107-114. 252 PROMOVENDO A SAÚDE NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA ALUNOS SURDOS: POSSIBILIDADES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA. VIANA, Flávia Roldan flá[email protected] RESUMO: INTRODUÇÃO: A preocupação com o ensino de Ciências para alunos surdos não está na simples superação da mera descrição de teorias e experiências científicas, nem somente na visão de que o conhecimento é algo que se constrói. Neste sentido, as propostas mais adequadas para um ensino de Ciências coerente com tal direcionamento devem favorecer uma aprendizagem que valorizem as experiências visuais, que produzem subjetividade marcada pela presença da imagem e pelos discursos viso-espaciais (com o uso da língua de sinais) provocando novas formas de aprendizagem. Esta proposta se alicerça sobre as bases da linguagem imagética, ou seja, tem no signo visual o ponto forte no processo de ensinar e aprender. Objetivo: Sistematizar ações pedagógicas atreladas às perspectivas culturais e visuais de uma pedagogia visual, em suas interfaces com a educação de crianças surdas, apresentando possibilidades de promover a saúde no ensino de ciências para alunos surdos. Metodologia: A pesquisa tem característica exploratória e qualitativa. O plano amostral compreende uma população de 62 alunos, na faixa de 12 a 16 anos, de 6º e 7º ano, do Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES, em Fortaleza, 253 Ceará. Resultados: Observamos que com a utilização de imagens visuais na educação de surdos, foi possível facilitar o processo de ensino e aprendizagem, verificando um aumento do envolvimento destes com o conhecimento apresentado. Conclusão: Os resultados são satisfatórios, tendo em vista que o uso de recursos visuais propõe uma “mudança significativa na prática dos educadores” que pretendem, de fato, ensinar ciências para alunos surdos, pois investe na percepção visual, imprescindível para a aprendizagem de surdos. Houve progressão na compreensão dos conceitos científicos, no raciocínio, na motivação e educabilidade, em que a ludicidade da exploração do desenvolvimento da linguagem, caracterizam a aprendizagem, e contribui assim, para a remoção de barreiras lingüísticas que são tão arraigadas. As crianças podem estabelecer relações, amadurecer sua capacidade lógica cognitiva para aprender uma segunda língua e a organizar seu pensamento, além de aprenderem a encontrar significado em sinalizar, falar, ler e escrever. Somente assim, haverá uma transformação no ensino e na aprendizagem, em que a linguagem é o principal instrumento de intermediação do conhecimento com vistas ao desenvolvimento do pensamento abstrato. Palavras chave: Surdez, Ensino, Experiências Visuais. INTRODUÇÃO As políticas educacionais no Brasil, ao longo do tempo cristalizaram uma concepção de direitos à educação bastante limitada. O acesso desigual da 254 população a esses serviços tem origem na desigualdade da distribuição de renda e na tendência neoliberal que reforça estigmas e concepções errôneas a respeito da surdez e dos surdos (MAGALHÃES, 2002; MACHADO, 2008). Apesar dos resultados positivos, como por exemplo, às políticas educacionais referentes à Educação Especial, que nos dias atuais já faz parte do quadro da educação básica (Resolução Nº 02/2001) e do reconhecimento da língua de sinais como meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas (Lei N° 10.436/02), ainda se observa hodiernamente que a situação educacional brasileira, principalmente no que diz respeito à educação de surdos, é algo distante da realidade, visto que constitui um investimento a longo prazo, tendo em vista a ocorrência da inclusão de maneira inflexível, sem buscar compreender e respeitar as necessidades individuais de cada criança e/ou adolescente; educadores ainda com formação inadequada às necessidades específicas desse alunado, aliada às propostas políticas generalizadas com foco no indivíduo portador de deficiência43 e não como sujeito que possui uma experiência, uma língua, uma peculiaridade. Conforme o pensamento de Silva (2006, p.14), 43 Sassaki (2003, p. 160 – 165) coloca que o termo não é mera questão semântica ou sem importância; a terminologia correta é especialmente importante quando abordamos assuntos tradicionalmente eivados de preconceitos, estigmas e estereótipos. O uso do termo acima coloca que essas pessoas portam deficiência, como se fossem coisas que às vezes portamos e às vezes não. 255 No início deste século, os debates no campo educacional assumem os discursos da inclusão social, colocando-se em pauta a problematização desse tema com vistas, entre outras coisas, a se propor uma escola que acolha a todos em suas diferenças. A educação, enquanto ciência precisa investigar o significado desses discursos e suas conseqüências no contexto educacional. Caso contrário, interpretações tendenciosas poderão apagar a luta histórica de vários grupos sociais que vêm resistindo à subserviência ideológica de dominação. Tratando-se de pessoas surdas há de considerar que, durante muitos anos, a oralização foi à base da educação desses alunos, não considerando a criança que apresenta perda auditiva como também o seu desenvolvimento integral e ainda influenciando sua aprendizagem em virtude dessa perda, sendo leve ou profunda. De acordo com GÓES (2000), por falta da percepção acústica, a percepção do indivíduo surdo tende à subjetividade, o que acarreta uma coleta maior de “dados visuais”. O surdo fixa melhor os acontecimentos que os conceitos isolados e descontextualizados. Há ainda que se lembrar que o jogo vocal da criança surda é diferente, pois, “é pobre, monótono, sem harmonia e 256 amiúde, se extingue, por falta da denominada retroalimentação auditiva” (CANONGIA, 1981, p. 07). Dessa forma, a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS é a língua que permeia a educação de surdos e viabiliza as condições de comunicação que garantam, de forma consciente, a promoção do processo educativo de crianças com surdez, já que lhes dá outras condições de pensar. Os sinais da LIBRAS, além de imagens sensoriais, apresentam significado cultural e se configuram como sistema lingüístico sofisticado, assim como as palavras faladas para os ouvintes, que ajudam a construir o pensamento, a abstração e outras atividades cognitivas. Para BOTELHO (2006, p.56), “outra consideração quanto à abstração é que os símbolos se ordenam em categorias, constituídas por suas características comuns. E são as línguas – orais, escritas e de sinais – sistemas lingüísticos que organizam com sofisticação as várias categorias”. Diante deste pressuposto, considerando o ensino de ciências para alunos surdos, vale ressaltar que as propostas mais adequadas para um ensino de Ciências coerente com tal direcionamento devem favorecer uma aprendizagem que valorizem as experiências visuais, que produzem subjetividade marcada pela presença da imagem e pelos discursos viso-espaciais (com o uso da língua de sinais) provocando novas formas de aprendizagem. Esta proposta se alicerça sobre as bases da linguagem imagética, ou seja, tem no signo visual o 257 ponto forte no processo de ensinar e aprender. As imagens visuais e as atividades lúdicas consistem em ferramentas pedagógicas repletas de possibilidades de vivências sensoriais e perceptivas, tornando-se recursos importantes para uso em sala de aula. O ensino com vistas ao desenvolvimento do conhecimento é importante e precisa estar marcado dentro de situações que privilegiem recursos visuais, experiências singulares e a interação entre docentes e discentes em detrimento de uma metodologia marcada por filosofias oralistas (QUADROS; SCHMIEDT, 2006). Cumpre mencionar que incorporar ações pedagógicas à prática exige mudanças conceituais e estruturais, de todos os envolvidos, o que ainda constitui um desafio a ser enfrentado. “Todos devem aprender ciência como parte de sua formação cidadã, que possibilite a atuação social responsável e com discernimento diante de um mundo cada vez mais complexo.” (BIZZO, 2004, p.157). Por esse viés, as práticas pedagógicas de ensino de ciências, envolvendo o aluno surdo, devem assumir concepções e ideologias sócio-antropológicas de educação, levando em consideração o ensino bilíngüe e a criatividade, já que, “... é preciso trabalhar a criatividade desde cedo para ampliar sua ação no pensamento humano” (HAETINGER, 2005, p. 15). É fundamental favorecer, nos ambientes educacionais, o ato criativo do aluno, “... a mobilização do potencial criativo em todas as disciplinas e 258 assuntos, dando valor ao pensamento produtivo, uma vez que a criatividade estará presente em várias situações e diversidades de assuntos” (NOVAES apud HAETINGER, 2005, p. 130). Para que o potencial intelectual e criativo de todas as crianças, sejam elas ouvintes ou surdas, se desenvolva satisfatoriamente é necessário que elas recebam estímulos. E são a quantidade e a periodicidade desses estímulos que vão determinar o quanto as capacidades de um ser humano pode atingir. Organizar ações pedagógicas atreladas às perspectivas culturais e visuais de uma pedagogia visual, em suas interfaces com a educação de crianças surdas, são excelentes agentes facilitadores no desenvolvimento do pensamento, sendo instrumentos eficazes no processo de aprendizagem, desenvolvimento e socialização. Assim sendo, o uso de imagens visuais se apresenta como uma mudança significativa nos processos de ensino e aprendizagem, que vai de encontro a essa busca permitindo alterar o modelo tradicional do ensino (PERLIN, 2006). Dessa forma, para se utilizar dessa estratégia, o educador deve ser sensível e conhecer as necessidades dos alunos do ponto de vista lúdico e, sobretudo saber orientar suas tarefas para alcançar os seus objetivos de aprendizagem. É preciso estar aberto a novos modos de atuar, baseado nos conhecimentos teóricos, produzindo 259 situações que favoreçam a elaboração de novos conhecimentos, atuando junto ao aluno surdo de forma competente e com bases teóricas sólidas, propiciando que este se constitua sujeito com, na e pela ação, respeitando seus modos de construção e apropriação do conhecimento. APRENDENDO E ENSINANDO CIÊNCIAS PARA ALUNOS SURDOS A discussão acerca da educação de surdos e da forma como crianças surdas aprendem e captam informações exteriores é antiga, mas não exaustiva, e ainda há muito que se pesquisar, se revelando um desafio constante. Durante os 10 anos de vivência na educação de surdos, sendo os dois últimos como professora de ciências na modalidade de ensino Fundamental II, foi possível perceber e comprovar as teorias na literatura dessa temática sobre a riqueza das experiências vividas por esses alunos, que quando desenvolvidas lhe trazem possibilidades de novas descobertas. As interações com os alunos surdos em sala de aula levam a uma constatação premente e cheia de significados: o ensino de ciências para alunos surdos não pode desconhecer a natureza da língua natural para os surdos, que é a LIBRAS, e nem como se dá o processo de aquisição do conhecimento por esses alunos. O objetivo desse estudo incide em sistematizar ações pedagógicas atreladas às perspectivas culturais e visuais de uma pedagogia visual, em suas interfaces com a educação de crianças surdas, apresentando 260 possibilidades de promover a saúde no ensino de ciências para alunos surdos, favorecendo por meio de aulas prazerosas, criativas, lúdicas, contextualizadas, e que respondam as necessidades específicas dos aprendizes, com o fim de investigar os significados das experiências visuais na medida em que estes se efetivam na linguagem e em outras práticas de significação, destacando o uso de imagens visuais. As experiências visuais são as que perpassam a visão. O que é importante ver, estabelecer as relações de olhar (que começam na relação que os pais surdos estabelecem com os bebês), usar a direção do olhar para marcar as relações gramaticais, ou seja, as relações entre as partes que formam os discursos. O visual é o que importa [...] Como consequência é possível dizer que a cultura é visual (QUADROS, 2003, p.93). Não se trata de ensinar conteúdos aos alunos, mas sim de investir no trabalho de construção da compreensão dos mesmos, promovido com o uso de recursos visuais, dando-lhes oportunidade para que descubram novidades e participem com autonomia de atividades estimuladoras. A disciplina de Ciências traz naturalmente em sua composição recursos visuais que chamam a atenção e 261 aguça a curiosidade, fundamental aos alunos surdos que possuem como meio de comunicação primordial a língua de sinais, língua esta que se utiliza do canal espaçovisual, ou seja, a realização da língua de sinais não é estabelecida por meio do canal oral-auditivo, mas através da visão e da utilização do espaço. Não é pantomima, nem apenas "gestos". É uma LÍNGUA! Tem status lingüístico completo, podendo, então, expressar não só conceitos concretos, mas também abstratos, assim como qualquer outro idioma (QUADROS; KARNOPP, 2004). A utilização de imagens visuais consiste num aliado para a educação e a aprendizagem em muitas áreas do conhecimento, embora, muitas vezes, não sejam explorados adequadamente pelo professor. Representam ainda, um convite a expressão de necessidades, questionamentos e desenvolvimento de potencialidades dos alunos. Nas situações lúdicas não há o medo de errar, a obrigação de saber e nem há melhores ou piores; e sim, aprendizagem, baseada na vivência e nos recursos visuais. Karin Strobel (2008) comenta que o primeiro artefato da cultura surda é a experiência visual no qual as pessoas com surdez percebem o mundo de maneira diferente. Perlin e Miranda coadunam com esse pensamento quando afirmam que a “experiência visual significa a utilização da visão, em substituição total à audição, como meio de comunicação” (2003, p.218). Essas percepções visuais devem ser estimuladas através da língua de sinais e também de outros recursos que tragam essa possibilidade. 262 Então é significativo que o professor proporcione ambientes de aprendizagem de modo a favorecer condições, como o conhecimento cultural e linguístico; interações sociais positivas e envolvimento ativo com outros indivíduos, valorizando a diferença e estimulando as experiências visuais, ofertando uma pedagogia visual. Nessa perspectiva, a Pedagogia Visual direciona as práticas docentes para o uso de imagens visuais que privilegiem a experiência visual da pessoa surda no processo de ensino e aprendizagem revelando um novo olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem de alunos surdos, ressignificando a idéia de que esse alunado apresenta dificuldades na assimilação de conceitos “abstratos”, na organização da linguagem e na fixação do vocabulário dado. “Nota-se que a grande maioria das pessoas, inclusive no meio educacional, faz uma imagem da pessoa surda considerando certas características intrínsecas à surdez, e não como conseqüência de uma falha ou um fracasso do método utilizado na sua educação” (SILVA, 2003, p. 96). Os estudos linguísticos sobre a educação de surdos demonstram que as experiências visuais é fator primordial para o desenvolvimento do alunado com surdez. O ensino de ciências precisa, portanto, valorizar tais condutas transformando-a em atividades que façam parte do desenvolvimento cognitivo dos surdos. De acordo com Perlin (2006), a Pedagogia Visual propõe pensar o surdo como sujeito de sua própria 263 história. Essa pedagogia traz alguns elementos pedagógicos fundamentais para a discussão de seu lugar na educação dos surdos. Esses elementos não esgotam a discussão, mas dão o pontapé inicial: i) enfatizar o fato de “ser surdo”; ii) conservar a identidade como povo surdo; iii) exaltar a língua de sinais; iv) transmitir valores culturais; v) constituir a interculturalidade. Quadros (2003), ressalta a relevância das experiências visuais características das comunidades surdas ao colocar que: As experiências visuais são as que perpassam a visão. O que é importante ver, estabelecer as relações de olhar (que começam na relação que os pais surdos estabelecem com os bebês), usar a direção do olhar para marcar as relações gramaticais, ou seja, as relações entre as partes que formam os discursos. O visual é o que importa [...] Como consequência é possível dizer que a cultura é visual (p.93). As experiências visuais fazem parte da cultura surda e é através de uma língua visual-espacial, a língua de sinais, que o surdo constitui-se enquanto sujeito, ao desenvolver a linguagem e o pensamento, sendo esta adquirida naturalmente e com rapidez pelos surdos, possibilitando a essas pessoas um desenvolvimento 264 cognitivo e social muito mais adequado e compatível com sua idade, além de uma comunicação eficiente e completa (PERLIN; MIRANDA, 2003). O ensino de ciências deve estimular o interesse do aluno, que é a força motora de todo o processo de ensino-aprendizagem. Sabemos que uma inteligência jamais é estimulada isoladamente, mas existem linhas de estimulação que devem ser reforçadas em cada inteligência. No caso da Inteligência Naturalista, associada à disciplina de ciências, as linhas de estimulação propostas por Celso Antunes (2002) são: curiosidade, exploração, descoberta, interação, para quebrar com a visão do ensino meramente conteudístico. Dentro dessa filosofia, dada a especificidade da surdez, na educação é importante que a criança surda tenha oportunidade de interagir no ambiente educacional com a utilização de imagens e recursos visuais em seus aspectos lúdicos. “Crianças surdas em contato inicial com a língua de sinais necessitam de referências da linguagem visual com as quais tenham possibilidade de interagir, para construir significado” (CAMPELLO, 2007, p.16), facilitando todo o processo de aprendizagem. Os recursos visuais ganham espaço como instrumento motivador para aprendizagem de conhecimentos na área de ciências, já que propõe estímulos ao interesse do aluno, ajudando-o a construir novas descobertas. Além de levar o professor a condição de condutor, mediador, estimulador e avaliador da aprendizagem. 265 Com o propósito de contribuir para a compreensão desse cenário de novas possibilidades e tendo como pressuposto teórico as formulações da corrente histórico-cultural e as contribuições conceituais de Perlin (2006), Perlin; Miranda (2003), Reily (2003), Campello (2007), foi realizado uma pesquisa-ação com alunos surdos de 6º e 7º ano do ensino fundamental II de uma escola especial. A pesquisa abrange um estudo longitudinal, em que houve a inclusão de recursos visuais (jogos, Slides PowerPoint, experiências científicas, cartazes, fotos) como ferramenta pedagógica para a construção da aprendizagem e interação desses alunos na sala de aula, fazendo parte da rotina didática. OS CAMINHOS DESSE PERCURSO A pesquisa tem característica exploratória e qualitativa, uma vez que se pretende buscar dados sobre os resultados da ação pedagógica docente no espaço da sala de aula, que o auxiliem a avaliar a aprendizagem do ensino de ciências. Como também avaliar se os recursos visuais utilizados são capazes de provocar mudanças conceituais nos alunos surdos, em relação aos conceitos trabalhados. E ainda, investigar possíveis mudanças nas concepções prévias dos alunos a partir da utilização desses recursos, confirmando ou não, a influência destes no processo de ensino-aprendizagem. A pesquisa visa dar subsídios aos professores de alunos surdos do ensino Fundamental e/ou Médio que utilizam ou pretendem utilizar novas estratégias como recurso didáticopedagógico em sala de aula. 266 O plano amostral foi definido a partir de uma população composta por 62 alunos surdos, com idades entre 12 e 16 anos, de 6º e 7º ano do ensino fundamental II, do Instituto Cearense de Educação de Surdos – ICES, localizado em Fortaleza, Ceará. A pesquisa de campo foi realizada no período de fevereiro a junho de 2009. Os recursos visuais foram apresentados aos alunos em conformidade com o plano de aula e os conteúdos definidos para o período. A opção pelo envolvimento de todos os alunos nesse estudo se deu pelo fato de vivenciarmos a aplicação dos jogos, dos slides, dos cartazes, fotos, dentro do planejamento. Esses materiais foram elaborados com base na literatura dessa temática sobre imagens e recursos visuais, e outros foram criados pela professora, com conteúdos específicos como: Célula Animal e Vegetal, Organelas Citoplasmáticas, Acidentes Domésticos, Organização e Classificação dos Seres Vivos e Genética. O plano de aula é importante tanto para o professor quanto para os alunos, pois facilita o andamento dos estudos em direção ao objetivo proposto e otimiza o tempo, além de indicar as estratégias a serem utilizadas para a abordagem dos temas. A contribuição dessa proposta de trabalho é tornar prática cotidiana o ensino despertado pelo interesse do aluno, valorizando mais experiências e descobertas e que o professor seja o mediador. Nesse sentido, o interesse do aluno passa “a ser força que comanda o processo de aprendizagem, suas experiências e descobertas, o motor de seu progresso e o 267 professor um gerador de situações e estimuladoras e eficazes” (ANTUNES, 1998, p.36). Vale ressaltar que, na experiência lúdica com jogos (um dos recursos visuais utilizados), constatou-se que apesar de suas possibilidades de promoção da aprendizagem e de ser uma atividade comum ao ser humano e habitual em crianças e adolescentes, estes foram percebidos inicialmente pelos alunos surdos com estranheza e sentimento de inutilidade, como atividade supérflua. Esse fato pode ser compreendido em virtude da mudança de ação pedagógica tradicional e habitual para o ensino de ação e participação efetiva não ser simples nem ocorrer de forma linear. Dependeu sobretudo da consistência e persistência das atividades. Assim sendo, os educadores precisam estar atentos para que as estratégias educativas sejam adequadas e contextualizadas, garantindo no cotidiano da sala de aula, o exercício da participação dos alunos que permitam a iniciativa e o interesse, assegurando-lhes um saber com real significado. É preciso proporcionar-lhes outras experiências, trocar pontos de vista sobre um determinado assunto. “Quando se tira da criança a possibilidade de conhecer este ou aquele aspecto da realidade, na verdade está alienando-a da sua capacidade de construir seu conhecimento” (FREIRE, 1982, p.15). Os jogos aplicados nas turmas de 6º e 7º ano foram criados pela professora e também utilizados de outras fontes, como por exemplo, no 7º ano o jogo 268 “Célula”, abordando a estrutura celular animal e vegetal, idealizado por CHEIDA, 2002; o “Dominó das Organelas”, envolvendo o conteúdo, Organelas Citoplasmáticas, que consiste em um dominó de associação entre organelas e funções; e “Arrumando os Reinos”, que explora os conteúdos de organização e classificação dos seres vivos, onde os alunos recebem várias imagens de plantas, animais, fungos, bactérias, protozoários e deverão organizá-los dentro dos reinos estudados. No 6º ano o jogo utilizado foi: “Cotidiano”, que aborda o assunto sobre acidentes domésticos. Após a conclusão da fase de aplicação dos jogos ocorreram avaliações individuais e argüições em LIBRAS44 onde evidenciou os efeitos práticos dos mesmos na ação discente. Da mesma forma, percebeuse que os alunos aprendem com mais eficácia por meio de jogos em grupo do que individuais através de lições e folhas digitadas onde predomina o trabalho mecânico e a memorização, tornando evidente que o jogo é mais adequado no ato de aprender. Os jogos mencionados e utilizados na sala de aula como alternativa didático-pedagógica visavam estimular e despertar interesse nos alunos nas aulas de ciências, em virtude das grandes dificuldades dos alunos em aprender os conteúdos, por falta de uma metodologia de ensino mais adequada. 44 As argüições em LIBRAS decorrem da necessidade de entendimento do surdo sobre o contexto e consistem em diálogos interativos na sua língua materna, que é a língua de sinais. 269 Além dos jogos, foi utilizado em cada aula slides carregados de imagens (fotos), vídeos (curtas), gráficos, SmartArt e observamos que com a utilização de imagens visuais na educação de surdos, foi possível facilitar o processo de ensino e aprendizagem, verificando um aumento do envolvimento destes com o conhecimento apresentado. CONCLUSÃO O recurso visual é uma estratégia importante para o ensino e a aprendizagem de conceitos abstratos e complexos, fornecendo a motivação interna, o raciocínio, à argumentação, a interação entre alunos e entre professores e alunos, por aliar os aspectos lúdicos ou cognitivos. Esse recurso desenvolve no aluno surdo além da cognição, isto é, a construção de representações mentais, a afetividade, as funções sensório-motoras e a área social, ou seja, as relações entre os alunos. Vale ressaltar, que é preciso considerar que a imagem, a experiência visual tem papel fundamental no processo educacional, permitindo a criança surda compreender, intervir e reagir no meio, tendo um efeito facilitador na educação do surdo, função de instrumento mediador de aprendizagem para esses alunos. A imagem visual tem o potencial de ser aproveitada como recurso de transmissão de conhecimento e no desenvolvimento do raciocínio (REILY, 2003). A dica desenvolvida ao redor de uma imagem visual permanece mais tempo na cognição, do que um discurso extenso sobre pontos teóricos, podendo ser utilizada como uma estratégia 270 inicial, para ser retirado depois, ou como auxílio contínuo. As dicas visuais mantêm a atenção do aprendiz por mais tempo comparadas às dicas verbais, melhorando, por consequência, o seu aprendizado (SINGER, 1980). É preciso revelar um novo olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem de alunos surdos, resignificando as propostas para o trabalho educacional com o aluno surdo, incluindo a utilização de imagens visuais, como enfatiza Lacerda (2000, p. 81): “é fundamental que a condição linguística do sujeito surdo seja contemplada, se pretende que ele apreenda conteúdos e desenvolva conhecimentos. Se a escola não faz concessões metodológicas e curriculares... às suas necessidades... sua escolaridade, deixa a desejar”. Por meio desse estudo constatou-se que o uso de imagens visuais traz a possibilidade de novas práticas pedagógicas, e com o apoio da mediação através da língua de sinais, com perguntas, narrações, explicações, exposição da imagem, o aluno surdo entra em contato com um pensar não literal, criando conceitos novos e compreendendo diferentes sentidos das representações, elaborando relações entre elas (NERY; BATISTA, 2004). O ensino muda para ser coerente com o mundo dinâmico no qual vivemos e cujas transformações fazem expandir o âmbito da sala de aula. Como sujeitos ativos e participativos, os alunos precisam ser desafiados a construir os conceitos e elaborá-los de acordo com sua 271 vivência. O estímulo observado entre os alunos que participaram da aplicação das atividades é significativo e a avaliação do aprendizado e do crescimento das atividades coletivas soa facilmente constatáveis entre eles. Observou-se também que, imagens visuais e aprendizagem são dois aspectos intrinsecamente relacionados na análise da experiência da surdez. Em relação aos jogos, não há dúvida de que eles despertam curiosidade e interesse. Vinculado a essa percepção, é possível afirmar ainda que propicia uma riqueza de expressividade, estabelecida pelo movimento e desenvoltura dos alunos na relação com os jogos. Para SMOLE (2007, p.12): “todo jogo por natureza desafia, encanta, traz movimento, barulho e uma certa alegria para o espaço no qual normalmente entram apenas o livro, o caderno e o lápis.” A Pedagogia Visual torna-se, então, uma proposta educacional correlacionada com as necessidades educativas dos alunos surdos, que cria condições para que esse alunado experimente suas descobertas, desenvolvam a confiança na própria capacidade de aprender e tomar decisões, serem autônomos. Este trabalho não está concluído, pois necessita de mais pesquisas e depoimentos dos professores sobre os resultados. Na confiança de estar no caminho certo, devido às respostas recebidas, esse trabalho fortalece a parceria buscada pelas instituições de ensino na tentativa de assegurar a aprendizagem do aluno. Além de fortalecer a auto-estima dos surdos para que se percebam como pessoas inteligentes, participativas, capazes de 272 superar dificuldades. Espera-se que essa experiência contribua para a apropriação de conhecimento, e também para sensibilizar os professores sobre a importância desses materiais, motivando-os à aplicação e elaboração desses recursos. Para sua permanência é necessário mudanças de estratégias de ensino, tendo em vista que o propósito não é transmitir conteúdos descontextualizados para serem memorizados; mas criar situações estimuladoras, lúdicas, que provoquem o desenvolvimento. Ensinar não é transmitir conhecimento; ensinar é troca, é desenvolvimento de competências, onde o aluno é agente ativo dessa aprendizagem; “não existe ensino sem que ocorra a aprendizagem, e esta não acontece senão pela transformação, pela ação facilitadora do professor, do processo de busca do conhecimento, que deve sempre partir do aluno”. (ANTUNES, 1998, p.36). REFERÊNCIAS ANTUNES, C. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998. BIZZO, N. Ciências biológicas. In: DPEM/SEB/MEC. Orientações Curriculares do Ensino Médio. Brasília: MEC/SEB, 2004. BOTELHO, P. Linguagem e letramento na educação dos surdos – Ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 273 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. BRASIL. CNE/CEB N º 2, DE 11 DE FEVEREIRO DE 2001. CANONGIA, M. B. Manual de terapia da palavra. 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FGF. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A contribuição das novas tecnologias no processo de ensino-aprendizagem foi uma das motivações para este trabalho. Podemos pensar que a sociedade, em termos gerais, mudou e tem mudado desde o surgimento da internet e, em termos de língua, o inglês, ainda parece ser predominante nos meios digitais. As práticas sociais e educacionais têm tomado uma nova postura e a escola não podia ficar alheia a esta “avalanche digital”. Dentro do “hibridismo” (Marcuschi) 45 característico nos novos gêneros emergentes é que a relação ensino-aprendizagem tem se reestruturado com uma nova face, e também tem contribuído para a reconstrução e resignificação do conhecimento. Em termos práticos podemos perceber o surgimento de novos gêneros textuais, que, neste caso, podemos classificar como e–gêneros (Araújo, 2007), como o blog que foi o foco de nossa pesquisa. Pesquisamos a escrita em LI por meio de blogs, com o objetivo de trazer a pesquisa-ação realizada na 45 www.proead.unit.br/professor/linguaportuguesa/arquivos/textos/Ge neros_textuias_definicoes_funcionalidade.rtf. Acesso em 4/3/2009. 277 prática de ensino de inglês por meio de blogs, o letramento digital e a produção textual baseada no modelo de Hayes e Flower (Kato1999). Nos apoiamos também em Araújo(2007), Braga (2007), Roth (2007), Caiado (2007), Kato (1999), entre outros, para o estudo do blog enquanto gênero e nas etapas de escrita segundo a perspectiva de Hayes e Flower (Kato, 1999) para os nossos encaminhamentos pedagógicos para a produção escrita, como demonstra o quadro anterior. A pesquisa aconteceu em dois momentos. O primeiro momento foi marcado pelo intenso processo de “Letramento Digital”, em que mediamos a utilização das ferramentas digitais para a construção do blog. O segundo momento foi a etapa de intervenção: com base no modelo, o foco intenso na produção escrita para que os alunos mantivessem o blog. 278 METODOLOGIA A metodologia desta pesquisa tem natureza qualitativa e é caracterizada como pesquisa-ação, já que os dados serão coletados no campo de atuação da professora-pesquisadora que investiga as suas ações, busca entender os problemas e propõe intervenções (Erickson, 1986). A pesquisa-ação é um instrumento valioso, ao qual os professores podem recorrer com o intuito de melhorarem o processo de ensino-aprendizagem, pelo menos no ambiente em que atuam. O benefício da pesquisaação está no fornecimento de subsídios para o ensino: ela apresenta ao professor subsídios razoáveis para a tomada de decisões, embora, muitas vezes, de caráter provisório. 46 A decisão de investigar a ação na pesquisa-ação é ter também a finalidade de refletir seu sentido, suas 46 . Disponível em: <http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos_16/irineu_engel.pdf> . Acesso em 19/03/2009. 279 configurações e compreender os processos que estruturam a prática didática (Franco, 2005) 47. Consideramos a pesquisa-ação um processo interativo entre o pesquisador e o objeto de pesquisa, e a possibilidade de cada reflexão remete a uma nova ação. A constante análise da ação e os reflexos desta é uma postura que consideramos imprescindível nesse processo cíclico coletivo e capaz de garantir a formação de professores pesquisadores. O contexto pesquisado foi uma sala de aula equipada com quadro branco, televisor de vinte e nove polegadas interligado a um computador conectado à internet, entre outros recursos multimídia funcionando adequadamente. Além do cenário da sala de aula, um laboratório de informática também foi cenário da pesquisa, com aproximadamente vinte e cinco computadores conectados à internet para os alunos, e para o professor um computador com internet ligado a um televisor de vinte e nove polegadas e um quadro branco. A aula no laboratório contava com a presença de um técnico em informática para assessorar os usuários e resolver possíveis problemas. As aulas foram ministradas em uma faculdade particular da cidade de Fortaleza dentro de um projeto denominado: “Curso de Línguas para a Comunidade”, que acontecia aos sábados no horário de 08h00min as 47 Disponível em: <http://www.unicentro.br/extensao/pde/cursos/abordagens/curso_pde _pesquisa_a%C3%A7%C3%A3o.pdf >. Acesso em 19/03/2009. 280 11h30min, com carga horária de 40 horas em sala de aula. Os participantes docentes foram duas alunasprofessoras do curso de Letras que desenvolviam sua prática de estágio supervisionado em Língua Inglesa. A primeira professora (doravante P1), é a professorapesquisadora, e a segunda professora (doravante P2) compunha o grupo de prática de ensino em estágio supervisionado. Dos participantes discentes, foram trinta e cinco alunos na faixa etária predominante entre 16 e 26 anos (vinte e cinco alunos). Porém, havia três alunos na faixa etária entre 8 e 11 anos, e três alunos na faixa etária entre 31 a 49 anos. No total eram quatorze homens e vinte e uma mulheres. Concernente ao grau de instrução treze eram alunos do ensino médio e oito já o haviam concluído, cinco eram alunos do Fundamental II e nove cursavam o ensino superior. Sobre o perfil familiar, podemos dizer que quase todos tinham pelo menos um genitor que havia concluído o Ensino Médio. Embora a heterogeneidade da turma, essa variante não foi levada em conta nesse trabalho, mas pode ser pesquisada em outro momento por nós ou por outro pesquisador. Os dados foram coletados pela observação da prática na sala de aula, considerando o plano de aula e registros por meio de diários reflexivos da P1. Além dos diários, algumas aulas foram filmadas e sessões de visionamento também contribuíram para a montagem do corpus de dados. Também utilizados o registro da produção escrita dos alunos nos blogs. 281 ANÁLISE DOS DADOS A análise dos dados consiste de dois momentos: um inicial e uma intervenção. No momento inicial que traremos a seguir, descrevemos como foi o trabalho de sala de aula para que os alunos construíssem os blogs. A partir daí, foi possível verificar as dificuldades e necessidades dos alunos para, então, elaborar um plano estratégico, com base no modelo de produção textual (Kato, 1999) e, assim, intervir no processo conforme os pressupostos teóricos da pesquisa-ação. 1º MOMENTO: A CONSTRUÇÃO DO BLOGLEITURA E LETRAMENTO DIGITAL Para a análise do momento inicial, apoiamo-nos nos dados provenientes dos seguintes instrumentos: o plano de aula, o diário da professora-pesquisadora (P1), e o registro da produção escrita dos alunos nos blogs. A aula estava planejada da seguinte maneira: como tema, trouxemos para a discussão “as mudanças sociais e educacionais” e “a introdução ao e-gênero blog”. Os objetivos eram possibilitar incentivar a criticidade do aluno a partir do tema “mudanças” e a compreensão da estrutura gramatical “used to” quanto a sua função comunicativa. Além disso, outros objetivos da aula eram o de identificação da estrutura textual do gênero blog e a construção de um blog com finalidades educacionais. Coerentemente, os conteúdos selecionados foram o gênero blog e as etapas de sua construção; alguns falsos cognatos e a estrutura “used to”. Quanto a metodologia, a aula foi planejada em dois momentos: no 282 primeiro momento, na sala de aula presencial equipada com um computador usado pela professora, questionamos os alunos com as seguintes perguntas: “Quem sabe o que é um blog?; Quem tem um?; Alguém interage através de blogs?; Vocês sabem criar um blog?” Após os questionamentos, o suporte gramatical seria dado a partir de um diálogo em forma de vídeo disponibilizado em um blog educacional. Queríamos priorizar a função gramatical em detrimento da forma. Os alunos receberiam um texto de uma situação do cotidiano que contivesse a estrutura gramatical proposta e eles identificariam os “falsos cognatos” e o “used to” na situação de uso. Para isso, planejamos dividir o grupo em equipes, seguindo critérios como faixa etária, afinidade pessoal ou nível de conhecimento, para contribuir com as postagens nos blogs. Fundamentado em alguns temas transversais contidos nos PCNs, cada equipe escolheria um assunto para postar um texto em seu blog relacionado a “mudanças” que poderiam ser: meio ambiente; comportamento dos diversos povos; família; moda; arte; variação linguística, entre outros. No segundo momento, no laboratório, os alunos iriam pesquisar alguns tipos de blogs, para identificar as características mais recorrentes deste gênero e, assim, cada grupo iniciaria a construção do seu blog e depois fariam uma pesquisa para postagem do texto. Como proposto no plano de aula, iniciamos com as discussões e reflexões sobre “blogs”, suas características, também discutimos com os alunos sobre o tema “mudanças”, nesta perspectiva oferecemos um insumo de língua (gramatical) que utilizamos quando falamos de práticas diárias ou do que aconteceu no 283 passado e hoje não acontece mais (used to); e também de que nem tudo é o que parece (falsos cognatos). O assunto era próximo do contexto diário dos alunos e estava inserido dentro da aula o que tornou este momento motivador, pois além da contextualização da vida deles, as tecnologias participaram como suporte para aprendizagem de forma significativa e lúdica. Considerando o número de trinta e cinco alunos formamos seis equipes. No segundo momento no laboratório de informática, iniciamos abrindo alguns tipos de blogs, a fim de que eles conhecessem a estrutura, a disposição das postagens e dos links. Explicamos como é o processo interativo neste gênero e como a escrita se configura ali, também esclarecemos algumas palavras do vocabulário pertinente a este e-gênero como: administrador, colaborador, seguidor, post, link, entre outros. Orientamos que cada grupo elegesse um “administrador”, de preferência que este já possuísse um email Google (gmail, hotmail, Yahoo, Orkut). Iniciamos navegando pelo site de busca e abrimos o link da blogspot, para criar um blog gratuito, o aluno preencheu o espaço de email e senha e iniciou as etapas de construção. Esta etapa foi simples, e criamos cinco blogs, mas o sexto blog não foi efetivado, pois dos componentes da equipe (8 -12 anos), dois não possuíam email e o aluno administrador não possuía uma conta Google. Neste caso orientamos criar um email, para que na próxima aula construíssemos o blog. Podemos dizer positivamente que a construção foi um intenso processo de “Letramento Digital”, levando em consideração que entre vinte e nove alunos, que eram 284 os presentes nesta aula em questão, aproximadamente vinte e dois possuíam email e nenhum sabia criar um blog, podemos citar também que os alunos estavam motivados, por estarem aprendendo manusear as ferramentas virtuais. De forma prática percebíamos que durante as atividades os alunos esboçavam confiança, autonomia e satisfação na resolução das etapas. Confirmamos estas atitudes dos alunos, por exemplo, quando alguns grupos passarem a postar imagens, clips e textos encontrados por eles na internet, o que pode demonstrar autonomia na busca e na escolha, já que as professoras não interferiram neste contexto, porém percebendo a dificuldade que eles demonstraram para interagir nos blogs, resolvemos propor uma aula, a fim de intervir na produção escrita deles, e descreveremos a seguir. ENSINO DE PRODUÇÃO ESCRITA EM LÍNGUA INGLESA Para a análise do segundo momento, apoiamo-nos nos dados provenientes dos seguintes instrumentos: o plano de aula, o diário da professora-pesquisadora (P1), a filmagem e o registro da produção escrita dos alunos. A aula deste segundo momento foi planejada de acordo com as etapas de produção escrita proposta por Hayes e Flower (Kato, 1999). O tema da aula era “A violência na sociedade e seu impacto nas relações sociais”. Os objetivos eram de identificar os elementos da narrativa (situação inicial, ação- problema–reação, busca por solução, situação final); identificar os tempos verbais no passado simples 285 em inglês, tanto regulares como irregulares; identificar os marcadores temporais e seu papel na estrutura narrativa; e produzir narrativas em língua inglesa. Os conteúdos eram a estrutura narrativa em um texto jornalístico e em um texto literário; verbos no passado; tabela de verbos irregulares; e marcadores temporais. A metodologia planejada para a aula era desenvolver todas as atividades propostas no laboratório de informática e todo material utilizado para esta aula seria proveniente do ambiente virtual com sites préselecionados e disponibilizados em “interesting links” no blog das professoras (interenglishteacher.blogspot.com). A partir da figura selecionada no link: (<http://aldoadv.files.wordpress.com/2007/02/violenciamedo.jpg>), os alunos discutiriam o comportamento humano face à violência e as reações que esboçamos ou não, por causa do medo, como a omissão de socorro e a passividade. Esta atividade corresponde à primeira etapa do modelo de Hayes e Flower que é o resgate do conhecimento prévio do aluno e o processamento, geração e organização das idéias (brainstorm). Feito isto, o aluno deveria abrir o link: (<http://www.teensay.co.uk/showbiz/angelina-jolie-andbrad-pitt-robbed_197.html>), ler e comentar a reportagem e mostrar a estrutura narrativa, a construção gramatical do “simple past” e identificar e marcadores temporais. Nos links: (<http://www.englishpage.com/verbpage/simplepast.html >,<http://www.brasilescola.com/ingles/simple-past.htm>) os alunos iriam apresentar a estrutura gramatical do passado e a formação nos verbos regulares e irregulares. A partir do link: 286 (< http://en.wikipedia.org/wiki/Cinderella>), mostrar a construção da narrativa no texto literário Cinderela em inglês, e pedir que eles identificassem, durante a leitura, as construções do passado e como se constitui a narrativa associando aos marcadores temporais: Qual a situação inicial? (once, in one afternoon); Qual o problema/ação? (after, then, suddenly); Qual a reação/tentativas de solução? (After, so); Qual a situação final? (finally, in the end) e, finalmente, como suporte para leitura e escrita os links dos dicionários Michaellis e Longman (<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.p hp?lingua=portuguesportugues&palavra=supersti%E7%E3o>, <http://www.ldoceonline.com/>). O processo citado acima corresponde ao “contexto da tarefa” do modelo Hayes e Flowers, que são as instruções e os elementos necessários para uma produção significativa. Cada equipe teria que escrever uma narrativa contando uma situação inusitada causada por medo da violência ou um episódio de assalto que tenha acontecido com ele ou com algum conhecido. Eles poderiam eleger a melhor narrativa do grupo, e então, escrever em português utilizando o editor de textos do “word” no idioma português e depois traduzir para o inglês configurando a página no idioma inglês. Faríamos um rodízio entre as equipes para que cada uma corrigisse a produção textual de outra equipe, e depois voltaríamos os grupos para a finalização do texto e para postagem no blog. Este processo é o “tradutor”, pois é o momento em que o aluno materializa no papel o texto constituído em sua mente e seguidamente o “Revisor”, já que o aluno 287 precisa ler e corrigir o texto produzido. Podemos dizer que todas as etapas são constantemente fiscalizadas pelo seu “monitor”, que planeja, estabelece as metas e faz a editoração do texto. No laboratório, a partir dos links no blog das professoras, iniciamos as discussões a partir da leitura da imagem, refletindo o impacto da violência sobre o comportamento humano. Através da interação passamos a resgatar o conhecimento prévio dos alunos e também incentivamos o processamento das idéias, já que este é um constante processo de interação entre a geração e a organização das mesmas. Partindo do gênero para o estrutural e trabalhando a estrutura da narrativa e da gramática dentro do contexto jornalístico e literário, lemos a notícia que falava de um roubo de fotos de uma famosa atriz americana, durante a leitura pontuamos as formações de “simple past” e marcadores temporais. Depois abrimos os links de suporte gramatical e mostramos aos alunos a constituição dos verbos regulares e irregulares neste tempo verbal. Iniciamos a leitura do texto “Cinderela”, pedimos que os alunos identificassem em cada linha as formações do “simple past” e eles prontamente identificaram tanto dos verbos regulares como dos irregulares. A prática de incentivar os alunos a identificarem a gramática dentro dos gêneros textuais é uma atividade significativa, pois o suporte estrutural da língua é visto pela sua função e percebemos que os alunos conseguiram identificar tanto os verbos regulares quanto os irregulares. Podemos dizer que isso é positivo, pois compreende a etapa do contexto da tarefa, com as 288 instruções necessárias para que o aluno consiga desenvolver sua produção textual. Orientamos que cada equipe abrisse o editor de textos do “Word”, selecionassem a narrativa mais representativa do grupo e escrevessem em português. Depois pedimos que transcrevessem em inglês. Para este processo a maioria dos grupos utilizou o tradutor de textos do Google. Percebemos que no momento da escrita em português os alunos não tiveram dificuldades em acionar o “tradutor”, que foi o momento de passar para o papel as idéias que estavam na mente, talvez pelo motivo de que a atividade foi próxima a realidade deles. No momento de transcrever o texto para o inglês a utilização do tradutor automático do Google foi uma estratégia que os alunos utilizaram, mas no momento da revisão do texto eles compreenderam que algumas palavras não são muito usuais na fala, então a partir desta atitude podemos identificar que o “revisor” foi acionado, interagindo com seu conhecimento prévio, já que ele percebeu que o tradutor automático pode ser uma ferramenta de auxilio para a LI, mas é necessário a compreensão lingüística do idioma. Podemos perceber que a ação de revisar acontece pelas etapas de leitura e correção e o “monitor” está presente em todas as etapas através de uma constante interação com todas as outras etapas. Dois grupos utilizaram o tradutor e perceberam que algumas palavras ficaram sem sentido; dois grupos não utilizaram o tradutor automático e tentavam traduzir palavra por palavra. Para isso, buscavam tanto o auxilio do dicionário como do seu próprio conhecimento. Estes 289 alunos contaram também em alguns momentos com o auxílio das professoras, mas demonstraram autonomia durante todo o processo; um grupo utilizou o tradutor automático e não achou necessário fazer alterações em seu texto e um grupo não conseguiu desenvolver a atividade sozinho, necessitando ajuda da professora durante todo o processo. Este caso, em especial, podemos dizer que este aluno tem 8 anos e estava sozinho em seu grupo, pois os outros componentes haviam faltado. Constatamos que as etapas de escrita propostas por Hayes e Flower auxiliou significativamente no desenvolvimento da atividade proposta. Percebemos que o tipo de proposta textual é muito importante para que o aluno consiga efetivar a tarefa. Por exemplo, a atividade proposta preparou o aluno para executá-la, delimitando os objetivos e leitor alvo, já que seria postado no blog. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos perceber que durante a pesquisa-ação os objetivos foram contemplados. Os PCNSEM (2006) orientam que é papel da escola e do professor contribuírem com a inclusão social, possibilitando ao aluno a habilidade de interagir através das ferramentas virtuais. Neste sentido acreditamos que cumprimos nosso papel enquanto professoras nesta prática, já que todos os alunos aprenderam a construir um blog e interagir através das ferramentas digitais neste ambiente. No tocante a produção escrita de acordo com o modelo de Hayes e Flower (Kato, 1999), podemos dizer que auxiliou na produção escrita na Língua Materna, já 290 em Língua Inglesa os alunos recorreram ao tradutor automático para executar a tarefa. Este procedimento foi autônomo e alguns alunos perceberam que o tradutor automático pode deixar algumas partes do texto sem sentido. Então podemos concluir dizendo que durante todo o processo foi fundamental a intervenção do professor para que a atividade fosse concluída, por isso é importante que o professor saiba interagir através das ferramentas virtuais de forma significativa com o perfil de cada turma e assim contribuir com o processo de ensino-aprendizagem. Podemos ainda citar o que diz Vygotsky (1930/1984) que o sujeito não é apenas ativo, mas interativo no processo de aprendizagem e se constitui a partir das relações pessoais e intrapessoais e que tudo o que foi proposto e desenvolvido contribuiu para que o aluno se percebesse não como mero consumidor, mas também produtor desta linguagem, o que ao nosso ver é muito importante. Afirmamos que há muito ainda a ser pesquisado na área de produção escrita em língua inglesa. Nesta etapa priorizamos algumas interpretações, mas acreditamos que ainda possamos contribuir, voltando o nosso olhar para alguns outros pontos que ainda não foram tratados nesta pesquisa. Fica aqui, portanto a proposta para uma nova caminhada ou observação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Júlio César. Internet e Ensino: Novos Gêneros, Outros Desafios. IN: ARAÚJO. (Org.) Internet 291 & Ensino: Novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. BRAGA, Denise Bértoli. Práticas Letradas Digitais: Considerações sobre Possibilidades de Ensino e de Reflexão Social Crítica. IN: ARAÚJO. (Org.) Internet & Ensino: Novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. CAIADO, Roberta Varginha Ramos. A Ortografia no Gênero Weblog: Entre a Escrita Digital e a Escrita Escolar. IN: ARAÚJO. (Org.) Internet & Ensino: Novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. ERICKSON, F. Qualitative Methods in Research on Teaching. In: WITTROCK, M. C. Handbook of Research on Teaching: Project of the American Education Research Association. New York: MacMillan, 1986. KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. 7ª Ed. 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Constatamos, através da aplicação de questionários em pesquisa anteriormente realizada, a existência de um excesso de prestígio atribuído à variedade diatópica peninsular (vulgo: espanhol da Espanha) e, por conseguinte, à cultura de modo geral deste país, em detrimento do que procede da HispanoAmérica. Ou seja: por crenças e motivos variados, muitos 48 Licenciada em Letras (Português/Espanhol) e mestranda (bolsista CAPES) do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] 49 Professora (orientadora) do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: [email protected] 293 desses professores não transmitem ou restringem as informações dadas aos seus educandos sobre a riqueza linguística, cultural etc. desse universo hispânico, limitando o conhecimento por mero prestígio ou preconceito linguístico, cultural etc. No entanto, foi possível constatar uma relevante crença desses mesmos sujeitos: a de que os alunos precisam ter consciência da pluralidade linguística, cultural etc. que engloba dito universo. Observando, pois, estes resultados e conclusões, fez-se jus uma nova pesquisa, ora de ordem bibliográfica, a fim de buscar um novo caminho para a abordagem de tais questões em sala de aula de E/LE no que tange, sobretudo, à abordagem sócio-cultural, tendo em vista a relevância de uma formação pluralista. Através dessa pesquisa bibliográfica, sobre o uso do texto literário (TL) na aprendizagem de língua estrangeira, enxergamos nele um excelente recurso didático para o fim proposto e, evidentemente, para muitos outros no que se refere ao ensino de línguas (no caso, E/LE). Sendo assim, tomando por base, principalmente, os estudos de Mendoza Fillola (2002, 2004, 2007), analisamos diferentes meios de se enriquecer as aulas de E/LE por meio do uso do TL, abordando as crenças desses professores e objetivando a transformação positiva das mesmas. Palavras-chave: Texto literário. Abordagem sóciocultural. Ensino de E/LE. 294 INTRODUÇÃO Embora os estudos sobre crenças no Brasil venham sendo largamente realizados e discutidos não só sob o aspecto dos aprendizes, mas também dos professores, ainda não havíamos encontrado, quando da efetivação da pesquisa que originou, no semestre letivo 2009.1, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) desta mestranda – Licenciada em Letras Português/Espanhol pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) –, nenhum que tratasse especificamente sobre as crenças dos professores de Espanhol como Língua Estrangeira (doravante E/LE) a respeito das variedades diatópicas do idioma e suas abordagens em sala de aula. Deste modo, a pesquisa acima referida foi realizada a fim de revelar as crenças dos professores em formação do Curso de Letras/Espanhol da (UECE) – atuantes no Núcleo de Línguas Estrangeiras50 – com relação às variedades diatópicas da língua espanhola e o tratamento dado por eles, em sala de aula, para o ensino destas. A motivação para esse estudo deveu-se, especialmente, ao pensamento de que as crenças dos professores podem influenciar bastante sua prática docente e, consequentemente, a formação de seus alunos. Para García Murga (2007), muitos professores destacam as variedades diatópicas peninsulares em detrimento das 50 O Núcleo de Línguas Estrangeiras é um Projeto de Extensão subordinado à Faculdade de Letras e objetiva proporcionar estágios de docência aos alunos desse curso de licenciatura da Universidade Estadual do Ceará. 295 hispano-americanas, por crenças e motivos variados, não transmitindo aos educandos a riqueza da língua, ou restringindo o conhecimento por motivos de prestígio ou preconceito linguístico. Assim, partindo do pensamento anteriormente citado, preocupou-nos o destaque dado por muitos desses professores de E/LE em formação, atuantes no Núcleo de Línguas Estrangeiras da UECE, a tudo o que provém da Espanha. Constatamos, através da aplicação de questionários, a existência de um excesso de prestígio atribuído à variedade diatópica peninsular (vulgo: espanhol da Espanha) e, por conseguinte, à cultura de modo geral deste país, em detrimento do que procede da Hispano-América. Ou seja: por crenças e motivos variados, muitos desses professores não transmitem ou restringem as informações dadas aos seus educandos sobre a riqueza linguística, cultural etc. desse universo hispânico, limitando o conhecimento por mero prestígio ou preconceito linguístico, cultural etc. No entanto, foi possível constatar uma relevante crença desses mesmos sujeitos: a de que os alunos precisam ter consciência da pluralidade linguística, cultural etc. que engloba dito universo. Observando, pois, estes resultados e conclusões, fez-se jus uma nova pesquisa, ora de ordem bibliográfica, a fim de buscar um novo caminho para a abordagem de tais questões em sala de aula de E/LE no que tange, sobretudo, à abordagem sócio-cultural, tendo em vista a relevância de uma formação pluralista. Através dessa pesquisa bibliográfica, sobre o uso do texto literário (TL) na aprendizagem de língua estrangeira, enxergamos nele um excelente recurso didático para o fim proposto e, evidentemente, para 296 muitos outros no que se refere ao ensino de línguas (no caso, E/LE). Sendo assim, tomando por base, principalmente, os estudos de Mendoza Fillola (2002, 2004, 2007), analisamos diferentes meios de se enriquecer as aulas de E/LE por meio do uso do TL, abordando as crenças desses professores e objetivando a transformação positiva das mesmas. 1 O USO DO TEXTO LITERÁRIO NO ENSINO DE E/LE Mendoza (2002) afirma que o TL é, muitas vezes, esquecido no contexto de ensino de línguas por ser considerado complexo e bastante elaborado, linguisticamente falando. Logo, a não utilização ou a subutilização desse recurso em sala de aula de língua estrangeira (LE) deve-se a essas e outras crenças, sobretudo por parte dos professores, os quais ainda duvidam da concreta funcionalidade desses materiais e da possibilidade de inúmeros tratamentos didáticos a partir deles. Hoje, há uma grande problemática em torno da utilização do TL no contexto de ensino-aprendizagem de LE, mas isso nem sempre foi assim, ou seja, o TL já teve seu lugar de destaque no aprendizado de uma LE. Isso nos mostra Albaladejo (2007) em seu resumo retrospectivo acerca da presença e uso do TL nos diferentes enfoques metodológicos, desde os anos 50, quando da existência do método tradicional ou gramatical – o qual fazia amplo uso da literatura em sua proposta de ensino baseada apenas na tradução, memorização de regras gramaticais e imitação de mostras “elevadas” de 297 língua –, até a chegada, nos anos 80, do método comunicativo, cuja ênfase recai totalmente na língua falada e na aquisição da competência comunicativa por parte do aluno. Em síntese, a subutilização de outrora do TL pelo método tradicional foi, ao longo dos anos, substituída pela não utilização desse recurso e, com o advento do método comunicativo, uma nova subutilização surgiu por crenças dentre as quais a mais recorrente é a de que o TL possui uma linguagem muito rebuscada e, por essa razão, dificulta ou impossibilita a compreensão por parte dos aprendizes. Assim, estes últimos passam a ter crenças semelhantes às de seus professores e acabam por resistir a qualquer tentativa de aplicação desse recurso. Em se tratando dos manuais de ensino de línguas, quando estes não ignoram por completo o TL, restringem-no a atividades meramente gramaticais ou lexicais, muitas vezes sem qualquer conexão com a proposta geral da unidade, sendo um mero apêndice, passível de ser aplicado. E, infelizmente, a grande maioria dos professores segue exatamente o que lhes recomendam esses manuais, não observando suas incompletudes e restrições, reforçando a subutilização desses gêneros tão ricos em contribuições não só linguísticas, mas também culturais, estéticas e sóciopragmáticas. Mendoza Fillola (2002, 2004, 2007) é um dos grandes defensores do uso do TL no contexto de ensino de línguas, afirmando que nas aulas de LE o TL é um expoente linguístico para as atividades de ensinoaprendizagem, já que é um documento autêntico, bastante indicado para a realização das mais diversas atividades 298 em sala de aula, e também um recurso importantíssimo para desenvolver uma série de competências não só no aprendiz de E/LE, mas de qualquer outra LE ou mesmo de LM. Nesse ínterim, retomamos o objetivo deste estudo bibliográfico, que é, através desse “novo” recurso, revelar um novo caminho para se trabalhar questões de ordem sócio-cultural em sala de aula de E/LE, haja vista a importância de uma formação pluralista. Vejamos, pois, a seguir, a defesa do uso do TL no ensino-aprendizagem de E/LE para esse fim proposto. 2 O TL SOB UMA ABORDAGEM SÓCIOCULTURAL EM E/LE Segundo Mendoza (2007), costuma-se considerar a literatura como o mais sugestivo encaixe entre língua e cultura, sendo estas últimas indissociáveis. Assim sendo, os TLs são uma excelente alternativa para complementar a formação dos aprendizes de E/LE (ou de qualquer outra LE), posto que são, além de linguísticos, materiais culturais. Falta-lhes, no entanto, aos professores, a devida formação (no que tange ao uso desses gêneros) e, como destacamos na introdução deste artigo, o revelar de suas crenças, a fim de fortalecer as que são positivas e transformar as negativas (ou ao menos desvendá-las, com o propósito de refletir sobre as mesmas), haja vista sua influência nos alunos. Destarte, na área de ensino de E/LE, nosso foco aqui, faz-se jus o desenvolvimento de leituras e atividades que suscitem nos alunos uma consciência 299 sócio-cultural mais ampla, mais pluralista. Para García Murga (2007), o espanhol peninsular e, por conseguinte, os aspectos sócio-culturais atrelados a ele, contam com certo prestígio. Há uma hierarquização superior da Espanha em comparação à América Hispânica, posto que os professores sentem dificuldades de passar uma visão mais aberta, livre de impressões estereotipadas sobre esse universo linguístico e cultural do mundo hispânico. García Murga (2007) defende, pois, a necessidade de se abordar em sala a unidade e diversidade da língua, objetivando mostrar a não homogeneidade desta. No entanto, falantes de uma variedade específica do idioma (no caso, uma peninsular) tornam-se referências a ser seguidas no âmbito de ensino-aprendizagem do espanhol, o que, geralmente, tem relação com as crenças dos professores. E mesmo aqueles que se dizem preocupados em mostrar aos alunos a pluralidade linguística e sóciocultural da língua espanhola encontram uma série de dificuldades, que, como já vimos, vão desde o material didático adotado até a sua própria formação docente. Para Bugel (2000), no contexto brasileiro de ensino de E/LE, em geral, deixa-se passar a oportunidade de oferecer aos alunos elementos linguísticos e culturais que assegurem sua comunicação efetiva com os nossos vizinhos hispano-falantes. Afirma ainda que as variedades linguísticas e culturais latino-americanas do espanhol são tratadas como meros atrativos complementares do próprio material didático (predominantemente produzido por editoras espanholas). Corroboramos, pois, o pensamento de Mendoza (2007) quanto à indissociabilidade de língua e cultura e, obviamente, quanto à visão do TL como um recurso 300 eficaz para o ensino-aprendizagem de ambos os aspectos. As contribuições da literatura nesse processo são evidentes. O autor afirma, ainda, que, durante a leitura de um TL, o aprendiz entra em contato com uma mostra real de língua riquíssima em informações de ordem funcional, cultural, pragmática e linguística. Assim, defendemos o TL como excelente recurso didático para se levar à sala de aula de E/LE (ou qualquer outra) uma abordagem sócio-cultural, com a finalidade de expandir a visão dos alunos, evitando preconceitos e favorecendo uma formação mais rica, mais pluralista, através do estudo de aspectos sócio-culturais não só para o conhecimento da língua e da cultura do outro, mas para o respeito a estas e à própria língua e cultura do aprendiz. Essas trocas culturais são um aspecto didático muito importante no aprendizado de línguas e devem estimular o aluno a uma integração da língua materna (LM) com a LE. Ele busca o novo e isso é favorável na hora de trazer aspectos sócio-culturais para a sala de aula, mas o professor deve estar atento para evitar um tratamento estereotipado destes. Obviamente, comparações serão inevitáveis, cabendo ao educador saber direcionar as percepções, colocações e curiosidades dos alunos, a fim de favorecer um intercambio cultural bastante natural. CONSIDERAÇÕES FINAIS Legitimamos a ideia defendida por Garrido e Montesa (1994 apud NARANJO; GARCÍA, 2000) que dizem que o estudante de LE já possui uma capacidade de pensar e sentir muito desenvolvida em sua LM, ou 301 seja, alcançado o patamar de exigência comunicativa em um mundo real, para atividades do cotidiano, como ir a um supermercado, a um restaurante etc., percebemos no aluno uma sede pelo mundo da cultura e das ideias. Assim, faz-se necessária, por exemplo, uma ampliação dos estudos sócio-culturais dentro do próprio ensino de LE, e, nesse âmbito, vemos um perfeito encaixe do trabalho com TLs, dentre outros, obviamente. Não defendemos aqui o TL como recurso único para esse fim, mas o que se quer é desmistificá-lo, apresentando-o como um grande expoente e recurso para a transmissão não só linguística, mas também cultural nesse contexto de ensino, assim como outros tantos recursos, tais sejam músicas, filmes, textos jornalísticos e outros variados gêneros. Nosso objetivo é esclarecer que o uso de TLs deve ir além de abordagens de meros aspectos gramaticais ou funcionais, considerando-se a amplitude sócio-cultural vigente nesse tipo de texto. Portanto, o trabalho do professor consiste em selecionar os TLs adequados a um determinado grupo (observando, por exemplo, o nível dos alunos) e que contenham implicações sócio-culturais significativas para proporcionar bons trabalhos, debates etc. em sala. Destarte, o professor não pode valer-se apenas do que se denomina “cânone literário”, prestigiando autores e obras desse ou daquele país, ou seja, há que se proporcionar aos alunos uma mostra não só clássica desses textos, mas também contemporânea, apresentando manifestações históricas, sócio-culturais, lexicais etc. presentes no TL. E no que se refere ao E/LE, tendo em mente os resultados da pesquisa anteriormente realizada e aqui relatada, vemos a importância de se valorizar a sociedade 302 hispânica de modo geral, e não privilegiar o que vem da Espanha. Eis a questão das crenças dos professores que, nesse ponto, são cruciais, pois se estes passam para o aluno uma visão reprodutora daquilo que é socialmente “certo”, “relevante”, “aceitável”, “digno de ser admirado” (sócio-culturalmente falando) – como o que vem da Espanha – e criticam de forma preconceituosa e discriminatória, por exemplo, aquilo que é oriundo da Bolívia, do Peru, do Uruguai, do México, enfim, na América Hispânica, estão destruindo a visão de uma cultura de ensinar aberta às diversidades, à aceitação, ao respeito. Nossa preocupação está, pois, na subutilização do TL, quando da incalculável riqueza deste para se trabalhar sob os mais diversos aspectos, com as mais variadas propostas, tal é o caso da abordagem sóciocultural, extremamente importante não só no ensino de E/LE, mas de línguas em geral. Logo, apoiamos o desenvolvimento de outras pesquisas, de outras naturezas, a fim de se estudar, revelar e discutir as crenças de professores no que tange a esses assuntos aqui tratados, apresentando meios de se trabalhar esses e outros aspectos a partir do TL, tal seja o objetivo de nossa próxima pesquisa, de ordem prática, que versará sobre crenças de professores de E/LE em formação quanto ao uso do TL para o desenvolvimento da competência transcultural (que vai além da abordagem sócio-cultural aqui apontada) e trará propostas de utilização de TLs sob esse novo e mais completo viés. 303 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBALADEJO, M. D. G. Cómo llevar la literatura al aula de E/LE: de la teoria a la práctica. Marco ELE Revista de didáctica ELE, n. 5, dez. 2007. Disponível em: <http://marcoele.com/descargas/5/albaladejoliteraturaalaula.pdf>. Acesso em: 22 dez. 2010. BUGEL, Talia. 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Cuentos, cuentos, cuentos: variación y norma en la presentación de un texto literario. In: CONGRESO INTERNACIONAL DE ASELE, 11., 2000, Zaragoza. Actas... Zaragoza, 2000, p. 819-829. 305 306 307