Claques - Viva Porto
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Claques - Viva Porto
Reportagem C L A Q U E S A uma só voz Em PPortugal, ortugal, as claques surgiram em força a partir da década de 80. O PPorto, orto, naturalmente, também «aderiu» ao movimento que consolida o afecto dos adeptos aos clubes. Super Dragões, Colectivo 95, PPanteras anteras Negras e Alma Salgueirista são as claques dos principais clubes da cidade. A análise sociológica e antropológica deste fenómeno revela a sua importância no mundo desportivo, embora não reuna consenso entre os adeptos. Texto: Marta Almeida Carvalho e Carla Nogueira M uito mais do que uma forma de extravasar emoção, o futebol produz emoção. “Numa sociedade em que cada vez há mais controlo sobre os sentimentos, os estádios são dos poucos locais onde é «permitido» um certo descontrolo. O politicamente correcto tomou conta dos comportamentos e há momentos em que as emoções têm de ser 18 extravasadas”, afirma João Nuno Coelho, sociólogo. As claques são estruturas onde é permitido esse «descontrolo». Daniel Seabra, antropólogo e professor universitário, é autor de uma tese de mestrado sobre os “Super Dragões”. Está a preparar o doutoramento sobre claques e o fenómeno interessou-lhe enquanto movimento associativo. “As claques são «locus» onde se reflectem várias dimensões da vida social”, refe- re. O antropólogo caracterizaas como grupos organizados cujo objectivo é o de apoiar, de forma incondicional, os seus clubes, através do recurso a signos linguísticos como cânticos e frases, ou não linguísticos como cor, som e gestos. A área de estudo de João Nuno Coelho incide sobre a história do futebol. Embora nunca se tenha debruçado sobre o tema «claques» tem a sua própria opinião de observador. “Os elementos das claques são exemplos extremos da paixão por um clube e vivem-na de uma forma quotidiana. É uma paixão que domina as suas vidas”, refere. Para o sociólogo, a presença das claques é fundamental no ambiente de um jogo. “São elas que dão vivacidade e colorido aos estádios. Sem elas, o espectáculo não era tão intenso. Os cânticos e as coreografias têm um significado cultural no próprio jogo”, explica. As principais motivações para a adesão a estes grupos prendem-se com o amor e a dedicação ao clube. Para João Nuno Coelho, os seus elementos têm uma forte noção de participação. “Ser ultra não é só amar um clube mas garantir-lhe o apoio incondicional, seja a cantar, saltar e gritar por ele, seja pelo acompanhamento nas suas deslocações”. A influência dos amigos pode ser um factor importante para a entrada numa claque. Segundo Daniel Seabra, a desvincula- ção dos pais pode, igualmente, induzir essa atitude. “Por volta dos 15 ou 16 anos os jovens deixam de sair com os pais para andar com o grupo de amigos. Nesta altura passam a ir sozinhos ao futebol. É neste momento de transição que se verifica um grande volume de adesão às claques”. No entanto, a média de idades dos seus elementos tem vindo a aumentar. O antropólogo aponta uma explicação. “Tem a ver com o eternizar da adolescência que se 19 Reportagem C deve a uma condição social de adulto mais tardia”. Para João Nuno Coelho o facto da maioria dos elementos das claques ser jovem prende-se com a vitalidade, energia e irreverência a eles associadas. “A juventude é muito mais predisposta a estas performances”, defende. Estruturas organizadas As claques ainda são maioritariamente masculinas. No entanto tem-se verificado um aumento do número de mulheres existindo, inclusive, núcleos femininos – as Girls no Colectivo 95 e nos Panteras Negras e as Super Queens nos Super Dragões. Como grupos organizados pressupõem a existência de hierarquias e estratégias o que origina 20 relações estáveis entre os seus elementos. A forte dedicação ao clube é o factor comum a todas as claques. O que as distingue são as atitudes perante o adversário, o jogo e a mentalidade. Segundo o sociólogo, a inferiorização do outro, demonstrando a própria superioridade, é uma característica que está directamente relacionada com identidades. “Admito que possa haver a ideia de que as claques da cidade do Porto sejam mais aguerridas, mais fanáticas até porque os portuenses são muito apegados à cidade e a todos os valores com ela relacionados”, explica. São grupos heterogéneos onde é possível encontrar pessoas de todas as classes sociais e graus de escolaridade. Para além de elementos fundamen- L A Q U E S tais no fenómeno desportivo têm, associado, um lado negativo. A violência, física ou verbal, o vandalismo e a delinquência são factores que contribuem para denegrir a imagem das claques. “Por vezes existe uma dinâmica de violência que nem sempre é real sendo, algumas vezes, ritualizada”, salienta Daniel Seabra. João Nuno Coelho também aponta o lado negativo. “Como em todos os grupos há elementos que podem aproveitar-se das claques no sentido de alcançar objectivos como a promoção pessoal e económica. É um local onde se vive o equilíbrio entre o anonimato e a exposição” explica. Mas a importância das claques é inegável. Para além da fidelidade como adeptos e da função ma21 Reportagem C nifesta de dar colorido aos estádios, são espaços de convívio e de afectividades. Geralmente, a opinião que se tem sobre as claques é induzida por aquilo que é noticiado. “A abordagem é, por vezes, sensacionalista e subvaloriza determinados acontecimentos, realçando a violência”, refere Daniel Seabra, aludindo ao facto de que nem sempre as partes envolvidas são auscultadas. O resultado é uma visão negativa destes grupos, ao tomar o todo pela parte. Super Dragões A «força» azul A Super Dragões é a maior claque do FC Porto e da cidade, com uma média de cerca de seis mil elementos. Foi criada em 1986 para apoiar o clube. Situada no topo sul do Dragão, é de lá que surge parte do incentivo à equipa e muito do colorido que «ofusca» o adversário. As deslocações da equipa 22 são sempre acompanhadas pelos Super, uma claque que já marcou presença um pouco por todo o mundo. O modelo ultra é seguido pelos seus elementos, o que reforça o apoio. “O termo ultra é usado para denominar os adeptos mais fervorosos – os «ultra adeptos»”, refere Rui Teixeira, elemento da direcção. A paixão que sentem pelo clube é a grande impulsionadora deste grupo entusiástico, para o bem e para o mal. “Os incentivos são importantes. No entanto, esporadicamente, surgem situações das quais não gostamos e também somos livres para manifestar desagrado”, frisa. A logística das manifestações é realizada com o seu esforço e depende de um «orçamento» interno. Os cânticos são adaptados de músicas conhecidas e as letras criadas pelos próprios elementos. Em todos estes rituais também participa a «ala» feminina da claque. O núcleo Super Queens é composto ex- L A Q U E S clusivamente por mulheres, que vivem o futebol de forma idêntica à dos outros elementos. “O apoio que damos ao clube não difere em nada do que é manifestado pelos homens”, afirma Xana, elemento das Queens. Cantam, saltam e gritam, como ultras que são, e também acompanham o clube nas deslocações. “Cada vez se nota mais a presença do público feminino nos estádios. É um factor muito positivo”, refere. Colectivo 95 Espírito de «equipa» O Colectivo 95 é outra das claques do FC Porto, cuja criação remonta ao ano de 1995. O nome surgiu com o intuito de demonstrar união - um grupo coeso, sem diferenças internas entre os elementos. Actualmente tem cerca de 700 sócios, cuja média de idades ronda os 28 anos, e um núcleo feminino - Girls - que participa na organização das acções da claque. A direcção foi recentemente reorganizada o que resultou no núcleo Invicta Fans, que gere a claque sem protagonismos pessoais. “É mais democrático e menos burocrático”, assegura um dos elementos. Das reuniões semanais surgem as coreografias, faixas e todas as acções de apoio ao clube. Segundo a Invicta Fans, a designação preferida é de grupo ultra, uma vez que o termo claque é redutor. “Ultra é levar algo ao extremo e nós gostamos de levar ao extremo o nosso apoio ao FCP”, asseguram. “Em Portugal, 23 Reportagem C o adepto comum não tem o hábito de apoiar os clubes. Se não houvesse estes grupos, não havia, sequer, colorido nos estádios”, explicam. As letras dos cânticos são criadas pelos seus elementos e, geralmente, adaptadas de músicas pop e rock, que entram no ouvido, ou de cânticos de claques estrangeiras. As faixas e as coreografias são feitas pelo seu próprio esforço, que resulta na presença assídua no topo norte do Dragão, bem como nas deslocações da equipa. Panteras Negras Paixão axadrezada A claque Panteras Negras foi criada em 1984 por um grupo de adeptos do Boavista cujo principal objectivo era o de incentivar a equipa nos jogos. O número de elementos foi crescendo, bem como a criatividade e a capacidade organizativa. “Fazer parte de uma claque é uma forma de estar”, refere Hélder Silva, presidente dos Panteras. O que une os elementos é o amor ao Boavista mas a convivência entre si fez surgir grandes amizades no grupo. Para Hélder Silva, uma claque é “um grupo de amigos que têm em comum a mesma paixão – o futebol”. Os Panteras marcaram a vida do Boavista FC pois o símbolo da claque acabou por ser adoptado pelo clube. Esta simbologia nasceu de um ritual entre a claque e o guarda-redes Alfredo. Antes de qualquer partida, a claque lançava um pe24 luche – pantera cor-de-rosa – para o relvado que posteriormente voltava à bancada. A pantera foi apadrinhada como símbolo mas com uma das cores do clube. A claque é constituída por cerca de 300 elementos, dos quais faz parte um núcleo feminino – as Girls. Alexandra Silva, presidente da secção, refere que as Girls surgiram para mostrar que também as mulheres têm amor ao clube. São várias as formas de manifestar apoio, embora os cânticos sejam a principal. O presidente dos Panteras discorda de que a violência seja inerente às claques. Na sua opinião, elas não devem ser o bode expiatório de tudo o que acontece de mal nos estádios. Refere que, muitas das vezes, os problemas surgem por causa do adepto comum. Alma Salgueirista de corpo e alma A claque do Salgueiros surgiu em 1985, depois de um jogo com o Belenenses. A ideia L A Q U E S partiu de um grupo de jovens que queria apoiar a equipa de forma entusiástica. A vida deste clube é feita de altos e baixos o que não demove os elementos da sua claque de manter um apoio acérrimo. “Os verdadeiros salgueiristas não desistem”, refere Nuno Sousa, presidente da «Alma». Entre os «ultras» do Salgueiros existem duas mulheres, mãe e filha, que desta forma marcam a diferença e demonstram que o clube também é acarinhado pelo público feminino. Os cânticos e as faixas são os meios mais frequentes de demonstração de apoio. Paulo Almeida, um dos elementos da claque, refere que o amor ao clube é muito forte e que é ele que os motiva tanto nas vitórias como nas derrotas. Mas, com a extinção do futebol profissional do clube, a claque estará, a partir de agora, menos activa se bem que, como os próprios elementos garantem, o apoio irá continuar quer nos jogos das camadas jovens, quer nos do polo aquático. 25