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24 INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA Direitos das pessoas com deficiência Venceslau MuJinga Figura em Destaque Pág. 07 Jorge Pedro Entrevista Pág. 12 Todos temos um contributo a dar para a inclusão das pessoas com deficiência Reflectindo Pág. 18 índice Mosaiko Inform nº 24 - SETEMBRO 2014 Tema: Direitos das pessoas com deficiência Ficha Técnica PÁG. 03 Propriedade MOSAIKO | Instituto para a Cidadania NIF: 7405000860 Nº de registo: MCS – 492/B/2008 direcção Júlio Candeeiro, op Luís de França, op Mário Rui Marçal, op PÁG. 04 PÁG. 06 Redacção Maria de Jesus Tavares Colaboradores Barros Manuel Florência Chimuando Paulo Máquina Raquel Pereira da Camara Montagem Gráfica Gabriel Kahenjengo Contactos Bairro da Estalagem - Km 12 | Viana TM: (00244) 912 508 604 TM: (00244) 923 543 546 Caixa Postal 2304 - Luanda | Angola E-mail: [email protected] www.mosaiko.op.org www.facebook.com/MosaikoAngola PÁG. 07 PÁG. 08 PÁG. 12 PÁG. 16 Impressão Damer gráficas SA – Luanda Tiragem: 2500 exemplares PÁG. 18 Distribuição Gratuita Os artigos publicados expressam as opiniões dos seus autores, que não são necessariamente as opiniões do Mosaiko | Instituto para a Cidadania. Com o APOIO PÁG. 20 “ editorial Júlio Candeeiro, op informando Instrumentos de protecção dos direitos das pessoas com deficiência | Barros Manuel estórias da história Dia Internacional do Portador de deficiência Maria de Jesus Tavares figura de destaque Venceslau Muzinga Florência Chimuando construindo Experiências de vida de Pessoas com deficiência Maria de Jesus Tavares entrevista Jorge Pedro - Director Geral do Instituto Nacional da Educação Especial | Maria de Jesus Tavares reflectindo Factores que favorecem a inclusão ou exclusão das pessoas com deficiência Paulo Máquina Todos temos um contributo a dar para a inclusão das pessoas com deficiência Raquel Pereira da Camara breves a família é a unidade de grupo natural e fundamental da sociedade e que tem direito à protecção pela sociedade e pelo Estado e [...] as pessoas com deficiência e os membros da sua família devem receber a protecção e assistência necessárias para permitir às famílias contribuírem para o pleno e igual gozo dos direitos das pessoas com deficiência. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ” 03 editorial A Dignidade humana não tem nada a ver com a saúde física e ou mental Estimado leitor/a O processo de exclusão de pessoas com deficiência é tão antigo quanto o próprio processo de socialização, isto é, a inserção do ser humano na sociedade. O processo de inserção de pessoas com deficiência foi, quase sempre e em todos os lugares, marcado por formas de exclusão. Apesar de uma atitude discriminatória que se poderia considerar universal, as sociedades divergiram na atribuição de causas da deficiência e na forma de tratamento das pessoas com deficiência. Muitas das nossas “culturas tradicionais” não aceitam com naturalidade as deficiências e tendem a ver nelas obra de demónios e feitiços. Com a evolução dos tempos e, sobretudo, da ciência médica, as sociedades foram abandonando os seus pré-conceitos neste campo e, por conseguinte, foram alterando a sua linguagem - deficientes, diminuídos físicos, limitados, para pessoas com necessidades especiais, pessoas portadoras de deficiência,… Hoje, adopta-se a expressão “pessoas com deficiência”, tendo em conta que, como diz a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ”a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interacção entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efectiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas”. Para se chegar aqui, a humanidade levou tempo e para se adoptar esta Convenção foram necessários 5 anos de intensos trabalhos. Angola ratificou a convenção em 2012, isto é 10 anos depois depois do fim do conflito armado que fez de Angola um dos países com maior número de pessoas com deficiência em todo o mundo. Todavia, a falta de políticas públicas adequadas - que se traduz em inúmeros prédios, escolas, postos de saúde sem rampas, ruas esburacadas sem qualquer protecção, ausência de casas de banho públicas para pessoas com deficiência, falta de escolas e professores de ensino especial…etc. - mostram bem o quanto somos ainda um pais insensível à situação pessoas com deficiência. Os textos desta edição centram-se na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada na Assembleia Geral das Nações Unidas, a 13 de Dezembro de 2006. Barros Manuel fala-nos da Historia da protecção dos direitos das pessoas com deficiência, enquanto Florência Chimuando nos apresenta Venceslau Muginga Francisco, a figura que esta edição destaca pela sua capacidade de superação e pelo seu serviço pelo bem de outros. O Mosaiko Inform traz uma longa entrevista com Pedro Jorge, Director Nacional do Ensino Especial que partilha a sua experiência. Os temas abordados nesta Edição são um convite a tomarmos contacto com a Convenção sobre o Direito de Pessoas com Deficiência. E porque conhecimento impele a acção, esta edição é um convite a que cada um acredite com Thais Moraes que “A verdadeira deficiência é aquela que prende o ser humano por dentro e não por fora, pois até os que não podem andar são livres para voar”. Boa leitura! Júlio Gonçalves Candeeiro, op 04 informando Instrumentos de Protecção dos Direitos das Pessoas com Deficiência Barros Manuel A história da protecção dos direitos das pessoas com deficiência confunde-se com a longa caminhada histórica dos Direitos Humanos até a Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH. O surgimento da DUDH, a 10 de Dezembro de 1948, representa o ponto de chegada e, ao mesmo tempo, o ponto de partida da longa caminhada histórica pelo reconhecimento e protecção dos Direitos Humanos. Um ponto de chegada porque pela primeira vez declarou-se, universalmente, num único documento todos os direitos referentes à pessoa humana. Um ponto de partida porque a DUDH obriga juridicamente os Estados e os cidadãos a respeitar e proteger os direitos de toda a pessoa humana. Aliás, no seu artigo 7º declara que «todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a igual protecção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação». Por isso, a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano. Mas, 66 anos volvidos desde a proclamação solene da DUDH, as pessoas que nascem com deficiência, ou as adquirem ao longo da vida, ainda são, em vários contextos, continuamente privadas de oportunidades de convivência com a família, seus vizinhos e amigos, privadas da vida escolar, do acesso ao trabalho, ao lazer e cultura, entre outros. Quer dizer que, não podemos dar-nos totalmente por satisfeitos enquanto a aplicação concreta e sempre coerente dos direitos das pessoas com deficiência não se transformar numa realidade em todo o tempo e lugar. Para tal, é necessário adoptar instrumentos efectivos de protecção desses mesmos direitos. Um primeiro instrumento que pode ser adoptado na “era democrática” é a lei. Os Estados, através do poder legislativo, devem produzir leis referentes às pessoas com deficiência, mas isso, por si só, não basta. Montesquieu, filósofo francês, lembra que «uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa». Quer dizer que uma lei só é lei se for justa. Logo, as leis criadas no âmbito deste tema em abordagem serão justas desde que promovam a igualdade de oportunidades e da não discriminação das pessoas com deficiência. Este é o fundamento que terá convencido o legislador angolano a aprovar a Lei da Pessoa com Deficiência - Lei nº 21/12, de 30 de Julho. Por outro lado, é importante a ratificação de diplomas internacionais relativos aos direitos das pessoas com deficiência. Por exemplo, a adopção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 1 (e do seu respectivo Protocolo) é crucial porque sugere alguns instrumentos que visam garantir às pessoas com deficiência, igual e efectiva protecção legal contra a discriminação, para além de ser o primeiro tratado internacional que contém requisitos específicos de 05 implementação e monitoria, a nível nacional, dos instrumentos de protecção dos direitos das pessoas com deficiência. Um segundo instrumento a adoptar é a educação para a cidadania. As Organizações da Sociedade Civil, em parceria com as Instituições do Estado, podem liderar a educação para os direitos e deveres fundamentais das pessoas com deficiência. É preciso lembrar que, como bem assinala Nelson Mandela «a educação é a arma mais poderosa que pode ser usada para mudar o mundo». A formação e a divulgação, os dois mecanismos, juntos, devem, por sua vez, contribuir para a mudança de paradigma nas concepções, atitudes e abordagens em relação às pessoas com deficiência. Um terceiro instrumento a ser adoptado é a política de protecção social. Os Estados, através do poder executivo, ao conceber e implementar as políticas públicas devem articular programas sociais concretos em prol da melhoria e qualidade de vida das pessoas com deficiência. Parafraseando Abraham Lincoln, estadista norte-americano, as políticas elaboradas devem ser necessariamente “das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas com deficiência”. Significa que, as políticas concebidas devem responder as necessidades reais e sentidas pelas pessoas com deficiência. Os actores chave devem identificar-se e apropriar-se dessas políticas, o que só é possível quando participam, democraticamente, desde o início de todo o processo. As instituições democráticas podem ser um quarto instrumento a adoptar. O Estado, através do poder judicial, deve garantir o cumprimento rigoroso de diplomas legais referentes as pessoas com deficiência bem como responsabilizar exemplarmente os violadores dos aludidos direitos. Mas, o Estado deve ser auxiliado nessa tarefa pelas Organizações da Sociedade Civil capazes de exercer a monitoria da implementação efectiva dos instrumentos de protecção dos direitos das pessoas com deficiência. Oxalá estejamos todos engajados hic et nunc a contribuir para se encurtar, cada vez mais, a distância entre os direitos formalmente consagrados relativos às pessoas com deficiência e a sua aplicação concreta e coerente na sociedade. 06 estórias da história Dia Internacional da Pessoa com Deficiência Maria de Jesus Tavares A tudo isso há que juntar, os históricos documentos proclamados pela ONU e subscritos por quase todos os países membros, são eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiencia e a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência Mental. A década de 1983-1992, foi declarada pela ONU como a “Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiências”com um Programa Mundial de Acção relativo a elas, com o propósito de promover medidas eficazes para a prevenção da deficiência e para a reabilitação e realização dos objectivos de igualdade e de participação plena das pessoas com deficiência na vida social e no desenvolvimento. Ao longo da história da humanidade, foram diversas as atitudes assumidas pela sociedade ou certos grupos sociais para com as pessoas com deficiência, as quais se foram alterando por influência de diversos factores: económicos, políticos, culturais, filosóficos e científicos. Foi na segunda metade do século XX, quando se começou a falar de uma forma sistemática dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O crescimento do movimento associativo para o apoio à cidadãos com deficiência ou para a defesa dos seus direitos foi um dos muitos factores que marcou essa evolução. Teve também uma importância significativa a actividade de prestigiados organismos internacionais como a ONU, UNESCO, OIT e a UNICEF que coordenaram, apoiaram e produziram importantes instrumentos jurídicos de reconhecimento, consagração ou divulgação desses direitos e valores que ficam como marcos do avanço civilizacional da humanidade para os problemas específicos das pessoas com deficiência. Em 1998, dia 3 de Dezembro foi adoptado como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Todos os anos o tema deste dia tem como base o exercício pleno dos Direitos Humanos e provocar a reflexão sobre as questões relacionadas com a deficiência e buscar a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Em Dezembro de 2006, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi adoptada na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, e aprovada por 127 países. Trata-se de um marco histórico, representando um importante instrumento legal no reconhecimento e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência e na proibição da discriminação contra as estas pessoas em todas as áreas da vida, incluindo ainda previsões específicas no que respeita à reabilitação e habilitação, educação, saúde, acesso à informação, serviços públicos, etc. Ainda assim, as pessoas com deficiência estão representadas desproporcionalmente entre as mais pobres do mundo e carecem de acesso igual aos recursos básicos tais como educação, emprego, cuidados de saúde e sistemas de protecção social e legal, assim como apresentam o índice mais alto de mortalidade. 07 Exemplo de persistência e superação na construção de uma Angola mais inclusiva onde as pessoas com deficiência visual tenham mais oportunidades... figura em destaque Venceslau Muginga Florência Chimuando Venceslau Muginga Francisco carinhosamente chamado de Djedoné (Deus me deu) nasceu em Luanda a 27 de Dezembro de 1982. Ainda em tenra idade, foi assolado por problemas graves de visão que o obrigaram a abandonar os estudos. Ao lado da mãe e outros familiares, Venceslau Muginga buscou auxílio médico tanto em Angola como no estrangeiro, mas na opinião dos médicos, as chances de recuperação da visão eram cada vez menores. Em 1999, conheceu a Escola do Ensino Especial Óscar Ribas, onde aos 17 anos de idade começou as aulas de iniciação ao Braïlle. Nesta altura conheceu igualmente a Associação Nacional de Cegos e Ambliópes de Angola criada por um grupo de pessoas com problemas visuais que buscavam melhorar a sua situação através de apoios. Aos 18 anos, Venceslau cegou na totalidade, mas deu continuidade aos estudos, tendo saído várias vezes no “Quadro de Honra”. Em 2004, ingressou no Instituto Médio Normal de Educação Garcia Neto, no curso de Geografia e História, tendo-o concluído em 2008. Ainda no ensino médio Venceslau disponibilizou-se para ensinar Braille aos alunos do primeiro ciclo do ensino especial e alguns ex-militares das Forças Armadas Angolanas que perderam a visão durante o conflito armado. No IMNE Garcia Neto criou a Associação dos Estudantes Cegos e Amblíopes de Angola (AECAA) que tinha como objectivo melhorar as condições de estudo das pessoas com deficiência visual e ajudar a inserir no sistema de ensino aqueles que ainda estavam de fora. Em 2005, tornou-se membro activo da ANCAA - Associação Nacional de Cegos e Amblíopes de Angola. Com o presidente e mais outros colegas trabalhavam arduamente em busca de apoios para desenvolver os projectos da associação tendo conseguido apenas apoio da Associação Norueguesa de Cegos com a qual trabalha até hoje. Em 2013, foi eleito por unanimidade presidente da ANCAA. Enquanto dirigente, o seu foco tem sido tornar realidade a missão da Associação, que é “lutar por uma Angola mais inclusiva”, onde as pessoas com deficiência visual tenham mais oportunidades de formação e visibilidade no mercado laboral. Para isso, tem levado a cabo projectos de alfabetização (que já beneficiaram cerca de 370 pessoas), autonomia de renda para as mulheres com deficiência visual por serem duplamente discriminadas (são mulheres e deficientes) e o projecto ocular na província do Uíge, no município do Bungo, através do qual várias pessoas têm conseguido resolver de forma gratuita os seus problema de visão. Neste último caso, a Associação conta com a parceria da Associação Norueguesa de Cegos e do Governo local. Venceslau Muginga é licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada de Angola, , tendose destacado como um excelente estudante. O sonho de se tornar mestre levou Venceslau a concorrer ao curso de História do Instituto Superior de Ciências de Educação tendo sido aprovado. Mas por falta de apoios, o sonho ficou, para já, adiado. 08 construindo Experiências de vida de pessoas com deficiência Maria de Jesus Tavares A Habitec é uma empresa social de produção de mobiliário escolar que se encontra na província do Huambo. Uma empresa social, além de procurar ser lucrativa, também visa alcançar objectivos sociais. A Habitec faz parte do programa nacional de distribuição de mobiliário escolar do Ministério da Indústria em parceria com o Ministério da Educação. Tem parceria com o Governo local e as Administrações para recrutamento de antigos combatentes com deficiências físicas para a sua reintegração na sociedade e para fornecimento de urnas, a um preço acessível, às pessoas mais carenciadas. A parceria com o Estado surgiu da necessidade de legalização da actividade. Para além das pessoas com deficiências físicas e mentais, a Habitec também tem entre os seus funcionários pessoas doentes com tuberculose e sida, provenientes das associações Elavoco e Yove. Tem também a colaboração de outras instituições como a DW, ADRA, HABITERRA e irmãs da Igreja Católica. Em conversa com o director administrativo da empresa, o Mosaiko Inform apurou que são poucas as instituições em Angola que assumem a sua responsabilidade social. Isto não se reflecte só em trabalhar com pessoas com deficiência, mas também na preocupação com o ambiente em si. O processo de recrutamento das pessoas com deficiência é especial porque começa com o conhecimento do historial da pessoa a recrutar, o que segundo o administrador da empresa “é essencial porque ajudanos a saber lidar com essa pessoa”. Muitas vezes são pessoas com necessidade de atenção especial específica, pessoas que se sentem excluídas, não se sentem capacitadas para realizar determinadas tarefas devido à deficiência que têm e a Habitec ao dar-lhes outra oportunidade consegue ajudá-las a rejuvenescer e dar outro ânimo as suas vidas. Dentre as muitas histórias de pessoas com deficiência escolhemos falar de um jovem que, apesar da deficiência mental, é um exemplo de superação. Trata-se de um jovem de 25 anos que não fixa números, tem dificuldades de concentração e por causa disso não estudou. Foi inserido a título experimental no grupo de operários a realizar trabalhos de fácil execução tendo em contas as dificuldades que tem. Dois anos depois, segundo o testemunho do administrador, este jovem é um dos mais destacados em termos de prestação de serviço, com uma produtividade alta e foi promovido em termos salariais, deixando para traz alguns dos seus colegas que não são portadores de deficiência. Desta forma, ele pode ajudar a sua família. Este jovem nasceu no meio de uma família instável, com um pai militar que, quando bebia, fazia muita confusão. A mãe pensa que a criança nasceu com de- 09 construindo Experiências de vida de pessoas com deficiência ficiência, porque depois de nascer não chorou mais, era uma criança que só falava quando lhe solicitavam e, quando queria alguma coisa, em vez de pedir, chorava. Grávida de cinco meses do filho, desesperada, saltou do 1º andar do edifício onde vivia, para escapar a uma situação de violência doméstica e, segundo ela, isto foi a causa da deficiência do filho. “aconselho os jovens que têm o mesmo problema que eu, que não fiquem parados. O mundo é rotativo, devemos entrar na sociedade e ela tem de nos aceitar como somos.” A criança não teve acompanhamento, na época de guerra, a mãe não tinha como levar o filho a um especialista na zona onde viviam. Todavia, reconhece que também não se motivou muito em procurar um e, à medida que o filho crescia, sentia que estava a melhorar, começou a trabalhar e a mãe não sentiu a necessidade de procurar ajuda médica. Desde que começou a trabalhar na Habitec, o filho mudou apesar de não ter sido fácil o enquadramento. No início, alguns colegas, tendo conhecimento da sua deficiência mental, aproveitavam-se dele e apropriavam-se do salário. Depois da intervenção da mãe, as coisas melhoraram e os colegas passaram a respeitá-lo. É nervoso, é preciso aprender a lidar com ele, enerva-se com facilidade, principalmente, quando se apercebe que estão a gozar com ele. A mãe acredita que depois dessa mudança se for p’ra escola o filho é capaz de assimilar. “A relação com os colegas, não digo que é das melhores, mas também algumas pessoas eu digo que me dou bem com elas e outras que eu excluo mesmo, tenho algumas pessoas mais próximas, poucas, mas que eu digo que são meus amigos e aquelas que digo que não são meus amigos, prefiro não dar confiança”. Começou assim o seu discurso, o jovem com deficiência mental, que ao fim de quatro anos a trabalhar na Habitec já se sente mais valorizado, apesar de ainda se sentir rejeitado pela sociedade. Começou a trabalhar nas máquinas, mas devido ao acidente de trabalho que lhe deixou com mais dificuldades (a mão não fecha), o jovem foi transferido para a área de montagem de carteiras, onde segundo o próprio tem trabalhado muito bem, diz que não tem problemas. Por vezes falha, faz coisas erradas, o que é normal porque é humano. Sabe que deve trabalhar e reclama o reconhecimento de melhor trabalhador do ano. Este jovem que fala pouco mas tem certeza do que quer na vida, “aconselho os jovens que têm o mesmo problema que eu, que não fiquem parados. O mundo é rotativo, devemos entrar na sociedade e ela tem de nos aceitar como somos”. Sente-se triste porque como qualquer jovem da sua idade, sonha em ter a sua própria família, e encontrar alguém que o entenda e com quem possa construir uma vida familiar. Uma outra pessoa com deficiência que partilhou a sua história com o Mosaiko 10 construindo Experiências de vida de pessoas com deficiência Inform é um membro de Direcção da LARDEF, ONG que tem como objectivo advogar a favor das pessoas com deficiência, trabalhando com todo o tipo de deficiência independentemente da raça, cor, sexo ou idade assim como também com pessoas sem deficiência. A LARDEF é uma associação de âmbito nacional, tem parceria com o Estado a quem, segundo este membro, a instituição, deve despertar constantemente para que perceba até aonde começam e terminam as liberdades das pessoas. O Adérito diz que nasceu sem deficiência. Presume que tenha sido vítima de poliomielite, mas devido a falta de recursos, conhecimento da vacina e inexistência de campanhas de vacinação, os pais que naquela altura tinham os filhos nessa situação não tinham aonde recorrer. As instituições de apoio a pessoas com deficiência não existiam, havia também o problema da mentalidade das pessoas, uma vez que segundo este senhor, às pessoas com deficiência não lhes era permitido sequer frequentar a escola. No seu caso particular seria muito mais difícil, não andava sem o auxílio de canadianas e seria preciso alguém que o levasse e fosse buscar à escola. “A deficiência só deixa de ser um problema quando o meio A deficiência só deixa de ser um problema quando o meio que nos envolve deixa de ser problema. Temos que compreender que o fenómeno da deficiência é novo. que nos envolve deixa de ser problema. Temos que compreender que o fenómeno da deficiência é novo, é um fenómeno novo em qualquer parte do mundo.” É uma pessoa que viveu sempre na dificuldade, mas e graças aos pais que não desistiram, que o puseram a estudar e apostaram nele hoje conseguiu chegar onde chegou. Cresceu na periferia da cidade de Luanda, os amigos e as brincadeiras fizeram parte da sua infância. Para o Adérito, a consciência deve partir da comunidade, se as pessoas da e na comunidade perceberem que a pessoa com deficiência é um cidadão normal como outro qualquer, vai ser possível a interacção, vão achar 11 construindo Experiências de vida de pessoas com deficiência normal, que foi o que se passou com ele. Quando criança gostava de jogar à bola e os amigos permitiam que jogasse com eles, quando tivesse dificuldades os amigos ajudavam-no. Depois de concluir o ensino pré universitário no PUNIV, começou a trabalhar na Rádio Nacional de Angola, o sonho de infância era ser locutor de rádio, conta o Adérito ao mesmo que explica como começou”quando os meus amigos jogavam, chegou uma altura que eu compreendi que não podia jogar com eles, então comecei a fazer os relatos do jogo.” Concorreu para um curso de operador de som com mais de 300 candidatos, ficou entre os 80 pré -seleccionados e por fim acabou entre os 20 jovens que foram escolhidos para integrar o curso na Rádio Escola e, posteriormente, fazer o estágio já na Rádio Nacional. Como gostava e percebia de música, já tinha sido animador de festas, não foi difícil integrar-se no trabalho de animação, nas cabinas. Competente, empenhado e dinâmico no que fazia foi nomeado 1º Chefe de Secção e depois Chefe de Sector, função que exerce actualmente. Em 2013, foi comentarista do campeonato de basquetebol em cadeiras de rodas que se realizou no país. Já jogou basquetebol em cadeira de rodas e é membro do comité para-olímpico. “Estou na rádio há 30 anos. Muito do que sou hoje é graças ao meu empenho, não é fácil uma pessoa com deficiência chegar e se impor, foi muito difícil por causa dos tabus. As pessoas não compreendiam.” No passado, as pessoas com deficiência tinham imensas dificuldades, não tinham acesso ao ensino, eram escondidas em casa porque as famílias tinham vergonha que se soubessem que tinham As pessoas com deficiência devem acreditar em si mesmas, mudar as atitudes e conhecer quais são os seus direitos porque isso é muito importante para os poderem reclamar e exigir. um membro da família com deficiência. Esta parte da história ficou para trás. As pessoas com deficiência foram-se mostrando em todo o mundo como pessoas capazes. Em Angola, há pessoas com deficiência formadas e muito capazes para estar nos diversos sectores da vida nacional e para auxiliar o Executivo que tem responsabilidade acrescida neste campo, quando assina e ratifica a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Temos um país a crescer e onde está a pessoa com deficiência, a criança, a mulher rural? Em momento algum se pode falar da erradicação da pobreza sem incluir na agenda a temática da deficiência. O Estado deverá abrir-se mais e, principalmente, dar oportunidades aos projectos para pessoas com deficiência. É melhor que sejam as associações a colocar os projectos em prática, o Estado deve monitorar estes processos e procurar mecanismos para o efeito junto das associações, fazer com que elas sejam instituições de utilidade pública com o fim de serem parceiras reais do Estado na resolução dos problemas ligados à deficiência. As pessoas com deficiência devem acreditar em si mesmas, mudar as atitudes e conhecer quais são os seus direitos porque isso é muito importante para os poderem reclamar e exigir. 12 entrevista jorge pedro Director Nacional da educação Especial Maria de Jesus Tavares Neste espaço, entrevistamos o professor Jorge Pedro, licenciado em Ciências da Educação é, actualmente, Director Geral do Instituto Nacional da Educação Especial Enquanto Director Geral da Educação Especial qual é a sua experiência de trabalho na área? A minha experiencia como Director Geral do Instituto Nacional de Educação Especial é o processo de longos anos de trabalho (trinta e seis, para ser exacto) como docente e como quadro de direcção em várias instituições de ensino. Mas devo destacar aqui a minha passagem pelo Centro de Diagnostico e Orientação Psicopedagógico como técnico, pela Direcção Provincial da Educação de Luanda, como responsável da área de Educação Especial e mais tarde como Director Geral Adjunto do Instituto do qual hoje sou Director Geral. A experiência acumulada ao longo desse tempo me permite hoje conhecer a fundo a área que dirijo, os seus problemas, bem como desenhar e conceber instrumentos que contribuam para a solução dos mesmos. 13 entrevista jorge pedro Director geral do Instituto nacional da educação especial Qual é o papel da instituição que dirige na inclusão das pessoas com deficiência? O Instituto Nacional de Educação Especial tem como objectivo social atender, orientar, acompanhar, formar e apoiar a inclusão sócio-educativa e familiar das crianças, jovens e adultos, com necessidades educativas especiais. O Instituto Nacional de Educação Especial tem como objectivo social atender, orientar, acompanhar, formar e apoiar a inclusão sócio-educativa e familiar das crianças, jovens e adultos, com necessidades educativas especiais. Quantas Escolas ou Centros de formação existem no País e em que zonas? O País conta com dezassete Escolas Especiais e seiscentas escolas regulares que incluem crianças com necessidades educativas especiais. É importante aclarar aqui que, para além das escolas inclusivas, as províncias sem escolas especiais têm salas especiais, uma vez que o atendimento é feito em três modalidades, a saber: escolas especiais, salas especiais em escolas regulares ou do ensino geral e alunos com necessidades educativas especiais em salas regulares. Os números acima, embora ainda insuficientes, traduzem o esforço do Executivo em aumentar cada vez mais a rede de escolas que atende crianças com NEE - Necessidades Educativas Especiais. Outro esforço gigantesco tem sido feito na aquisição de material e equipamento especial na formação de professores, sem os quais o atendimento especializado seria um fracasso. O Ministério da Educação tem investido somas avultadas nessas duas componentes pois que a educação especial e inclusiva não é barata. A que tipos de deficiências respondem estas escolas de formação? Em Luanda, existem escolas específicas para determinadas deficiências ou categorias diagnósticas como é o caso da Óscar Ribas, no distrito da Maianga, vocacionada para crianças cegas e amblíopes e o complexo do Ensino Especial, no distrito do Rangel, para surdos e hipoacústicos (baixa audição) e pessoas com deficiência mental. Nas demais províncias, as escolas incluem todo tipo de deficiência. 14 entrevista jorge pedro Director geral do Instituto nacional da educação especial As orientações no âmbito da inclusão escolar são de que todas as crianças sem excepção devem ser matriculadas de forma normal em qualquer escola do seu nível de escolaridade. Logo após a matrícula, deve começar então o processo de identificação ou diagnóstico e posterior acompanhamento pelos professores e outros técnicos formados para o efeito. Em relação ao número de pessoas com deficiência em Angola que percentagem tem acesso ao ensino especial? O MED - Ministério da Educação não controla as estatísticas da população angolana com deficiência, por existirem outras instituições vocacionadas para o efeito. Quantas pessoas com deficiência frequentam as escolas e até que nível de ensino? Até ao momento estão controlados vinte oito mil e quatrocentos e trinta e nove alunos com deficiência, distribuídos desde os níveis pré-escolares ao ensino superior. Por isso dizemos que a Educação Especial é uma modalidade transversal a todos os sub-sistemas de ensino. Quantas escolas deveriam existir em Angola para responder as necessidades das pessoas com deficiências? Quantas forem necessárias, porque o número de crianças com deficiência sempre aumenta todos os dias. Mas ao mesmo tempo devemos continuar a potenciar todas as escolas regulares para que pouco a pouco se vão transformando num ambiente escolar inclusivo; e quando falo de potenciar me refiro ao combate às barreiras atitudinais e arquitectónicas, à formação dos professores e outro pessoal e à atribuição de equipamento e material especifico. Quais são os critérios de acesso às escolas do ensino especial? Qual é a relação do Instituto Nacional de Educação Especial com as associações de pessoas com deficiência e outras organizações da sociedade civil? As relações do Instituto Nacional de Educação Especial com a associações de e para pessoas com deficiência é boa. Nós atribuímos importância vital às associações, federadas na FAPED ou não, pois que eles tem um lema: “Nada para nós sem nós”. Esse lema expressa numa grande verdade já que a ferida dói mais a quem a tem. É por isso que procuramos e devemos todos andar de mãos dadas com as associações. Qual é o nº de pessoas com deficiência que frequentam o ensino especial em Angola e quais são as deficiências mais recorrentes? O Instituto Nacional de Educação Especial tem controlado até 2014 um total de 28.438 alunos sendo a deficiência com maior número a auditiva, seguida da intelectual e visual, respectivamente. Angola ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assim como o Protocolo facultativo, em Dezembro de 2012, para além de aprovar legislação nacional específica sobre as pessoas com deficiência. Em que medida estes instrumentos se observam na vida dos angolanos com deficiência? 15 entrevista jorge pedro Director geral do Instituto nacional da educação especial Eu não sou a pessoa mais indicada para abordagem dessa temática na medida em que existem altas entidades do nosso país envolvidas nesse processo. Tenho sim conhecimento da existência do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência integrando vários Departamentos Ministeriais e Associações de e para pessoas com deficiência. Esse Conselho traça políticas, planos e programas e, supervisiona o seu cumprimento. Os maiores desafios para uma inclusão efectiva é, de facto, a continuação das campanhas de informação e sensibilização para reduzir as barreiras atitudinais e arquitectónicas, continuar a preparar as escolas regulares para a expansão dos serviços de educação escolar; continuar com estudos de investigação para a adopção de métodos cada vez mais adequados e eficientes no tratamento diferenciado de cada deficiente a formação inicial e contínua dos professores e a aquisição de material e equipamento específico. Qual tem sido o envolvimento das famílias no acompanhamento às pessoas com deficiência? Já houve tempos em que de forma quase generalizada a discriminação começava mesmo no seio da família, passando para as escolas e a sociedade. Mas isso era, em parte, consequência da falta de informação. Qual tem sido o envolvimento das famílias no acompanhamento às pessoas com deficiência? Hoje com as campanhas de informação com a ajuda da imprensa, esses tempos estão ficando cada vez mais atrás. As pessoas, hoje, mesmo aquelas que não têm algum familiar com deficiência, estão ganhando um maior nível de consciencialização sobre a deficiência. Como é que o Estado angolano apoia estas famílias? Aqui me refiro apenas a população escolar com necessidades educativas especiais porque os demais estão sob a tutela de outras instituições, como já referi anteriormente. E com relação à população com necessidades educativas especiais, o Executivo através do MED traçou uma série de políticas cuja execução tem reduzido o número de crianças com NEE fora do sistema de ensino, bem como o acompanhamento dos mesmos através da formação e capacitação de professores em matéria de Atendimento Educativo Especializado e nos métodos de elaboração de programas educativos individuais e adaptação curricular, tendo em conta a especificidade de cada deficiência. Quais considera serem hoje os principais desafios para uma maior inclusão das pessoas com deficiência na sociedade angolana? Os maiores desafios para uma inclusão efectiva é de facto a continuação das campanhas de informação e sensibilização para reduzir as barreiras atitudinais e arquitectónicas, continuar a preparar as escolas regulares para a expansão dos serviços de educação escolar; continuar com estudos de investigação para a adopção de métodos cada vez mais adequados e eficientes no tratamento diferenciado de cada deficiente a formação inicial e contínua dos professores e a aquisição de material e equipamento específico. Que recomendações faz aos diferentes actores sociais para melhorar a situação das pessoas com deficiência? Necessitamos todos de uma consciencialização e sensibilidade cada vez mais crescentes no tratamento dessa matéria. Devemos todos juntos de mãos dadas nos entregarmos a essa nobre causa certos de que qualquer um de nós é candidato potencial à deficiência. Juntos seremos vencedores. 16 reflectindo FACTORES QUE FAVORECEM A INCLUSAO ou EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Paulo Máquina Angola ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assim como o Protocolo Facultativo, em Dezembro de 2012. A Constituição da República reflecte, no seu artigo 83º, a preocupação em relação às pessoas com deficiência, assumindo o apoio devido a elas e suas famílias. De modo específico, criou a Lei da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 21/12, de 30 de Julho) e o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência, um órgão de consulta e concertação para a execução das tarefas estabelecidas na Política Nacional das Pessoas com Deficiência. A OMS define “deficiência” como sendo o substantivo atribuído a toda a perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica. Por seu turno, a lei supra citada define a Pessoa com deficiência como sendo aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções psicológicas, intelectuais, fisiológicas, anatómicas ou de estrutura de corpo, apresente dificuldades susceptíveis de, em conjugação com outros factores do meio, lhe limitar ou dificultar as actividades e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas… causando dificuldades a nível da locomoção, percepção, pensamento ou relação social. A trajectória histórica revela que as pessoas com deficiência sempre foram marginalizadas, vivendo num verdadeiro “apartheid social”, sendo vítimas da própria deficiência e da exclusão social. Infelizmente, a “evolução” das sociedades não foi suficiente para afastar a exclusão e as dificuldades por elas vividas. Em Angola estima-se que o número de pessoas com deficiência atinge cerca de 10% da população e que o MINARS “controla” cerca de 90 mil, maioritariamente pessoas com deficiência física. Cinquenta por cento destas estão em idade activa de trabalho. Apesar de alguns avanços verificados na sua inclusão, sobretudo, a nível da formação técnico-profissional, emprego e habitação, elas continuam a serem excluídas em vários aspectos. Os princípios definidos pela Lei da Pessoa com Deficiência, sobretudo o da não discriminação é fortemente atropelado, pondo em causa os demais princípios. Entre os factores de exclusão mais comuns, identificamos os seguintes: w A exclusão escolar, como um dos maiores, senão o maior factor de exclusão das pessoas com deficiência no nosso país, pois, entendendo a educação como direito que potencializa a realização dos demais direitos, ela é negada a milhares de cidadãos com deficiência. w As atitudes de rejeição ou preconceituosas da sociedade, que criam barreiras sociais e físicas que dificultam o processo de integração. Provavelmente deve-se ao facto da sociedade possuir um modelo de sociedade dos iguais, dos “perfeitos”, dos fictícios onde as diferenças não têm lugar. Nela, as pessoas com deficiência são vistas como diferentes. w A inacessibilidade aos serviços básicos de qualidade, como a saúde, educação e formação técnico-profissional, protecção social e habita- 17 reflectindo FACTORES QUE FAVORECEM A INCLUSAO E EXCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE ção. A própria acessibilidade física é um dos factores de exclusão. É importante haver políticas e estratégias que compensem, de certo modo, as limitações e/ou impossibilidade a que as pessoas com deficiência estão sujeitas. Neste sentido consideremos os seguintes factores de inclusão social: w Educação inclusiva, através da construção de escolas para todos e para cada um. Neste sentido, dividir a escola em termos de alunos “normais” e alunos com “deficiência” não é certamente um princípio inclusivo. Penso ser este o espírito do conteúdo consagrado no artigo 14.º da lei supracitada (o direito de acesso a ajudas técnicas), onde o Estado é instado a adoptar políticas específicas para pessoas com deficiência. Estas não podem ser medidas segregacionistas. As chamadas salas de inclusão no sistema normal de ensino deve ser uma realidade. w Acessibilidade física ou a remoção de obstáculos e barreiras em equipamentos e serviços. w A criação e disponibilização de dispositi- vos que facilitam a mobilidade e orientação e a acessibilidade tecnológica na promoção do acesso à comunicação. Aqui, as Universidades jogam um papel fundamental através do seu papel de pesquisa e investigação. w A garantia do trabalho às pessoas com deficiência com habilitação e reabilitação, como, por exemplo, acontece com a lei das cotas que reserva determinada percentagem de acesso a empregos ou ao sistema de ensino às pessoas com deficiência. Portanto, numa sociedade de “perfeitos” ou de aparências, a pessoa com deficiência é ignorada e excluída, estando confinada no seu próprio mundo. É urgente construir uma sociedade onde as pessoas com deficiência frequentem a escola, saiam à rua, brinquem, vivam suas vidas de modo “normal”. Por isso, devemos preocupar-nos com a sua situação actual no sentido de não permitir que o desenvolvimento da sociedade continue a excluí-las da participação activa na vida familiar e social. E isso é garantidamente possível através do aprofundamento de uma educação inclusiva. 18 Todos temos um contributo a dar para a inclusão das pessoas com deficiência Raquel Pereira da Camara A maioria das pessoas e das sociedades têm dificuldade em lidar com o que é “diferente”. Como a diferença incomoda, tende-se a não falar sobre ela e a fingir que ela não está lá. As pessoas com deficiência são uma realidade e o primeiro passo para sua inclusão é aceitar que a deficiência existe. Incluir as pessoas com deficiência é criar para elas as mesmas oportunidades que os outros cidadãos têm na sociedade, é conferir-lhes a mesma dignidade como pessoa. Para que isso possa acontecer é necessário uma atitude pró-activa, é necessário tomar decisões concretas pois caso nada se faça, as pessoas com deficiência são deixadas à margem da sociedade. A inclusão social de pessoas com deficiência é também, por isso, uma questão de políticas públicas. É necessário que o Estado dê o exemplo através da criação de leis e a tomada de medidas administrativas que modifiquem as estruturas e serviços oferecidos, conforme as necessidades de adaptação específicas Incluir as pessoas com deficiência é criar para elas as mesmas oportunidades que os outros cidadãos têm na sociedade, é conferir-lhes a mesma dignidade como pessoa. Para que isso possa acontecer é necessário uma atitude pró-activa, é necessário tomar decisões concretas pois caso nada se faça, as pessoas com deficiência são deixadas à margem da sociedade. de cada pessoa com deficiência para que estas possam interagir naturalmente na sociedade como as restantes pessoas. A ação do Estado poderá assumir diferentes formas e abranger diferentes áreas. Designadamente, dar incentivos ao emprego, quer através do estabelecimento de quotas para pessoas com deficiência no acesso à função pública, quer através da atribuição de benefícios fiscais a empresas que contratem pessoas com deficiência; atribuir subsídios às famílias que aceitem acolher pessoas com deficiência; promover e apoiar escolas que integrem pessoas com deficiência; lançar programas de formação de técnicos para apoiarem pessoas com deficiência; criar regulamentos que permitam a circulação de pessoas nas ruas; criar regulamentos que obriguem os edifícios que estão a ser construídos a terem acessibilidades para pessoas com deficiência; subsidiar cadeiras de rodas, canadianas, camas articuladas, aparelhos auditivos, treino de cães-guia, etc. 19 reflectindo Todos temos um contributo a dar para a inclusão das pessoas com deficiência volvimento de todas estas entidades maior será a sua legitimidade para exigir a intervenção do Estado. O reconhecimento da dignidade da pessoa com deficiência é feito ainda a nível internacional com a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências, que entrou em vigor em 2007, que foi ratificada por Angola em 2012, e com a instituição do Dia Mundial da Pessoa com deficiência, celebrado no dia 3 de Dezembro. Tanto a União Africana como a SADC têm manifestado preocupações com as pessoas com deficiências, promovendo reuniões e estabelecendo protocolos que levem os países envolvidos a adoptar medidas que conduzam à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. A Convenção vem estabelecer a igualdade e a não discriminação das pessoas com deficiência, ou seja, elas têm direito ao mesmo respeito e dignidade do resto da humanidade e também têm direito a um ajustamento de sua diferença para permitir a sua inclusão e participação na sociedade. As pessoas com deficiência devem, por isso, ser consideradas iguais perante a lei e assim podem e devem exercer os seus direitos como as outras pessoas. Reconhece-se a sua autonomia mas com apoio, sempre que tal seja necessário. Mas essa necessidade de apoio mais direta deve ser vista como interdependência humana e não como expressão da sua incapacidade. Embora a ação do Estado seja determinante, a inclusão de pessoas com deficiência, deverá ser promovida por toda a sociedade, por cada um de nós, pelas empresas, pelas organizações da sociedade civil, pelas igrejas. Quanto maior for empenho e en- O reconhecimento internacional e nacional que tem vindo a ser feito das pessoas com deficiência vem revelar que a deficiência é um conceito que tem evoluído ao longo dos tempos. No entanto, é necessário sublinhar que muito está por fazer e que depende de todos a conscientização sobre o valor, as capacidades e o contributo que as pessoas com deficiência podem dar à sociedade. Cabe a cada um de nós promover o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência, assim como combater estereótipos e preconceitos em relação a pessoas com deficiência, em todas as áreas da vida. Cabe a cada um de nós promover o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência, assim como combater estereótipos e preconceitos em relação a pessoas com deficiência, em todas as áreas da vida. Só assim, as pessoas com deficiências podem sentir, tal como as outras pessoas, que têm verdadeiramente um lugar na sociedade. 20 breves MOSAIKO ORGANIZA FORMAÇÃO JURIDICA BÁSICA sobre direito de família MOSAIKO FACILITA SEMINÁRIO DE FORMAÇÃO sobre direitos humanos NO NAMIBE Decorreu em Viana, entre os dias 25 e 29 de Agosto o II Módulo do ciclo de Formação Jurídica Básica para membros de Grupos Locais de Direitos Humanos (GLDH). Este módulo visa capacitar os participantes de conhecimentos básicos relacionado as questões de família que mais preocupam as comunidades, bem como partilhar as diversas experiências de mediação de conflitos de natureza familiar. O Mosaiko | Instituto para a Cidadania em colaboração com o ICRA - Instituto de Ciências Religiosas de Angola, da província do Namibe, facilitou entre os dias 28 de Julho a 1 de Agosto do corrente ano, uma formação sobre Direitos Humanos e Cidadania, na sala de conferências do referido instituto, em que participaram 78 estudantes finalistas. A actividade facilitada pelo Mosaiko | Instituto para a Cidadania, congregou líderes dos diversos Grupos Locais de Direitos Humanos (Núcleo Dinamizador dos Direitos Humanos do Cubal; Associação Y.O.V.E; Sub Núcleo da Ganda - Benguela; Associação Verdade, Justiça e Paz do Uíge, Comissão Mista dos Direitos Humanos, Ndalatando, Samba Cajú, Ambaca e Kikulungo - Kwanza Norte; Comissão de Justiça e Paz da Gabela - Kwanza Sul; Comissão de Justiça e Paz do Dundo - Lunda Norte; Núcleo dos Direitos Humanos da Matala, Jamba e Kapelongo – Huíla). A formação teve como objectivo capacitar os jovens finalistas com conhecimentos sobre a promoção e defesa dos Direitos Humanos. Na abordagem dos temas tiveram em atenção questões como a caminhada histórica dos Direitos Humanos, os Direitos Civis e Políticos, Direitos Económicos Sociais e Culturais, Garantia e Instituições Defensoras dos Direitos Humanos. A equipa do Mosaiko esteve constituída pelos assessores em direitos humanos António Ebo, Francisca Maria Imaculada, Hermenegildo Teotónio e pelo Osvaldo Tomás no apoio logístico. Construindo Cidadania A equipa do Mosaiko que facilitou esta formação foi composta por Djamila Ferreira (Assessora de Direitos Humanos), Francisca Imaculada (Assessora de Direitos Humanos) e frei Mário Rui (Director Administrativo). O seminário foi encerrado com missa celebrada por D. Dionísio Hissilenapo, bispo da Diocese do Namibe, na sala de conferências onde decorreu a actividade. Rádio Ecclesia | 97.5 FM Sábado às 08H30 e Domingos às 22H00 Agora também pode ouvir nos canais rádio da Zap e DSTV