o humanismo latino e as culturas do extremo oriente
Transcrição
o humanismo latino e as culturas do extremo oriente
Piazza S. Leonardo, 1 - 31100 Treviso e-mail: [email protected] O HUMANISMO LATINO E AS CULTURAS DO EXTREMO ORIENTE FONDAZIONE CASSAMARCA Colóquio Internacional O HUMANISMO LATINO E AS CULTURAS DO EXTREMO ORIENTE Macau 6-8 de Janeiro de 2005 Colóquio Internacional O HUMANISMO LATINO E AS CULTURAS DO EXTREMO ORIENTE Macau 6-8 de Janeiro de 2005 Índice Pág. 7 Saluto del Presidente AVV. ON. DINO DE POLI Pág. 9 Presidente della Fondazione Cassamarca, Treviso Macau e o intercâmbio de culturas, Humanismo ocidental e Humanismo oriental face a um mundo globalizado MANUEL AUGUSTO RODRIGUES Pág. 33 Universidade de Coimbra Descubrimiento como Ideología: El Descubrimiento de Asia en el Humanismo Portugués BENITO CAO Pág. 55 Universidad de Adelaide Facetas do Humanismo português no Oriente ELVIRA AZEVEDO MEA Pág. 71 Universidade do Porto Da descoberta dos povos ao encontro das línguas: o português como língua intermediária a Oriente ANA PAULA LABORINHO Pág. 93 Universidade de Lisboa China y América Latina: su desarollo cultural bajo la globalización económica SONG XIAOPING Pág. 101 Vice-director, Instituto de América Latina Academia Nacional de China de Ciencias Sociales The Sino-European Map (“Shanhai yudi quantu”) in the Encyclopedia Sancai tuhui RODERICH PTAK Pág. 129 Universidade “Ludwig Maximilian” de Munique Los estudios Latinoamericanos en Taiwán: una reflexión desde la situación política y económica de Taiwán en el esquema internacional KWO-WEI KUNG Pág. 143 Instituto de Estudios Latinoamericanos Universidad de Tamkang (Taipei, Taiwán) Humanism, Pedagogy, and Language: Alessandro Valignano and the Global Significance of Juan Bonifacio’s Work Printed in Macao (1588) SHINZO KAWAMURA, S.J. Pág. 157 Sophia University, Tokio As vozes naturais dos crentes japoneses seiscentistas registadas na obra de frei Diego Colhado, O.P. As confissões e as admoestacões relativas ao Primeiro Mandamento de Moisés HINO HIROSHI Universidade Ryūtsū Keizai, Ibaraki/Chiba, Japão 5 Pág. 187 De Coimbra ao Oriente ALICE CORREIA GODINHO RODRIGUES Investigadora - Coimbra Pág. 197 José Bernardo de Almeida (1728-1805), o Último Jesuíta Português na Corte Chinesa ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU Delegaçao Económica e Comercial de Macau, Lisboa Pág. 217 O papel de Macau como ‘ponte’ no desenvolvimento dos laços sino-latinos GARY M.C. NGAI Fundação Sino-Latina de Macau Pág. 229 El poema coto de ciervos. Puntos de debate PILAR GONZÁLEZ ESPAÑA Universidad Autónoma de Madrid Pág. 257 Os sonetos de Antero de Quental: uma leitura do Budismo indiano CARLOS MIGUEL BOTÂO ALVES Universidade de Macau Pág. 271 Combinação das Culturas Latina e Chinesa Ensino de Português em Xangai XU YIXING Universidade de Estudos Internacionais de Xangai Pág. 277 Diferenças Culturais e a Tradução ZHANG WEIQI Universidade de Estudos Internacionais de Xangai Pág. 285 The Economy Society of Macao at the Early Time of the Anti-Japanese War (1937.7 - 1941.12) ZHANG XIAO-HUI Professor in the History Department “Jnan University” Guangzhou, China Pág. 305 China e Vaticano. Etapas de preparação para um encontro histórico cuja data ainda não foi definida ANNA CARLETTI Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Pág. 321 El pasado, presente y futuro de los estudios Sobre América Latina en Australia BARRY CARR “La Trobe University”, Melbourne Pág. 333 Relações entre a China e o Brasil Estudo sobre o Brasil na China ZHANG BAOYU Professor do Instituto da América Latina Universidade de Pequim Pág. 345 Tradição e inovação na administração das ilhas de Solor e Timor: 1650-1750 ARTUR TEODORO DE MATOS Universidade Nova de Lisboa 6 AVV. ON. DINO DE POLI Presidente della Fondazione Cassamarca Treviso Riteniamo importante raccogliere tutti i segnali di positivo interesse che l’Umanesimo Latino solleva tuttora in tutto il mondo. Non si tratta di un ritorno al passato. Si tratta però di non perdere nulla di ciò che l’esperienza storica ha prodotto. Impossibilitato ad intervenire, ho incaricato il prestigioso dott. Franco Andreetta, membro del Consiglio di Indirizzo della Fondazione Cassamarca di portarvi il mio saluto. Il mio interesse sul tema è perciò vivissimo, ed è importante che niente vada perso anche di queste riflessioni che raggiungono l’Estremo Oriente dopo aver raggiunto l’Australia. Assicuriamo sin d’ora la pubblicazione degli atti di questo importante Convegno, che sapremo divulgare presso le Università di tutto il mondo. Grazie all’Istituto Interuniversitario di Macao e grazie al Paese che ci ospita. 7 MANUEL AUGUSTO RODRIGUES Universidade de Coimbra Macau e o intercâmbio de culturas, Humanismo ocidental e Humanismo oriental face a um mundo globalizado 1. A Europa e a China ao longo dos tempos Realiza-se em Macau este Colóquio Internacional sobre «Humanismo Latino e as Culturas do Extremo Oriente», patrocinado pela Fondazione Cassamarca de Treviso e organizado pela Cátedra de Humanismo Latino da Universidade do Porto. Este evento tem lugar quando precisamente o mundo continua a chorar a tragédia que assolou todo o sudeste asiático. A grande comunidade dos homens tem acompanhado com enorme dor os horríveis momentos sentidos nessa zona do globo e tem procurado aliviar as horas amargas que ainda aí se vivem. Assistimos todos com sentimentos de verdadeira fraternidade a essa calamidade desoladora iniciada no dia 26 de Dezembro. Em Lisboa tinha nessa altura lugar o Encontro dos Jovens organizado pela comunidade de Taizé que em clima de meditação e oração rezavam pela paz e concórdia entre os homens. A aldeia global sentiu-se assim mais unida e consciente dos laços fraternos que unem todos os seus membros. Desta forma se pratica o humanismo que conheceu várias modalidades ao longo dos tempos, como o latino e o asiático, concluindo-se desta feita que, afinal, há apenas um humanismo, aquele que trata do homem, mas que se diversifica em inúmeras ramificações. Este Colóquio sobre o humanismos latino e as culturas do Extremo Oriente assim o pretende revelar. Sendo o “fascínio pelo Oriente” desde há muito uma realidade, a Sinologia aparece como um importante domínio da ciência que hoje ocupa um lugar de destaque no conjunto das preocupações intelectuais e culturais nos diversos países.1 9 Por outro lado, nunca como nos nossos dias tanto se falou em culturas e diálogo de culturas, em religiões e diálogo de religiões. Não existe nenhuma cultura à qual não esteja associada uma religião.2 No séc. XIX Nietzche escrevia: «Deus morreu»; e Malraux já no séc. XX: «O séc. XXI ou será religioso ou não existirá». Como escreve Hervé Carrier, a cultura é a noção central nas ciências humanas, hoje mais do que nunca. Por ela podemos analisar as realidades sociais, a fim de as compreendermos e agirmos nelas. A cultura é considerada não como medida do saber mas como realidade antropológica. Se antigamente ela era vista como marca de intelectualidade, hoje é perspectivada como aproximação sócio-histórica. Se nos interrogamos sobre a génese do conceito de cultura, verificamos que, por exemplo, Heródoto falou dos costumes e das tradições da antiguidade. Enquanto os Gregos falavam de «paideia» para exprimir a pedagogia do progresso humano, já Cícero fala da cultura como «animi philosophia», «a filosofia do espírito» (De Tuscul., 8, 11, 13). Mais tarde, Montesquieu fala do espírito geral dum povo e Kant das características nacionais. Tendo sido utilizada tantas vezes como actividade agrícola em geral, no séc. XIX passou ao uso corrente e hoje é frequentemente objecto de estudo e debate. Assim se robustece a memória e se enriquece o património da humanidade e se favorece a aproximação dos povos. É ela que nos permite avaliar os traços característicos de uma colectividade, a sua mentalidade, o seu estilo de vida, a maneira de se humanizar. A cultura apresenta-se como o sinal distintivo duma sociedade, dum grupo social, duma comunidade humana.3 O citado Hervé Carrier fornece uma descrição-definição da cultura que merece uma reflexão: «A cultura é um produto do génio humano, matriz psico-social e quadro de interpretação da vida e do universo. Representa um inestimável património humano transmitido de geração em geração. Servindo-nos ainda daquele autor, podemos afirmar que a cultura consiste nos modelos de comportamento, modelos que são explícitos e implícitos, adquiridos e transmitidos por símbolos, e constituindo as realizações distintivas dos grupos humanos, dando-se a sua incarnação nos artefactos. Em 1982, perto de 30 governos reunidos no quadro de uma Conferência internacional da UNESCO sobre “Políticas culturais” adoptaram esta definição de cultura que veio a ser 10 incorporada na Declaração de México daquele mesmo ano: «No seu sentido mais lato, a cultura pode hoje ser considerada como o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela engloba, além das artes e as letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças». A Declaração mostra depois com clareza como nós nos tornamos homens pela nossa cultura: «A cultura dá ao homem a capacidade de reflexão sobre si próprio. É ela que faz de nós seres especificamente humanos, racionais, críticos e eticamente comprometidos. É por ela que discernimos valores e efectuamos escolhas. É por ela que o homem se exprime, toma consciência de si mesmo, se reconhece como um projecto inacabado, põe em questão as suas próprias realizações, procura continuamente novas significações e cria obras que o transcendem». De salientar ainda que nas culturas há ideias tradicionais (historicamente derivadas e seleccionadas) e especialmente valores que se lhes ligam. 2. As missões no Extremo Oriente Como ponto de partida da nossa reflexão vejamos o que, considerando essencialmente os casos de Goa e Macau, se passou no Extremo Oriente nos sécs. XVI-XVII no respeitante ao encontro das culturas europeia e asiática, nomeadamente chinesa. Com os descobrimentos portugueses começou um novo processo de relacionamento com o Oriente. As missões, com particular destaque para a Companhia de Jesus, que em Coimbra possuía um Colégio famoso – o Colégio de Jesus – e nessa cidade dirigia o Colégio das Artes, desempenharam um papel extremamente relevante. Entre os jesuítas mais famosos ligados à China, alguns dos quais escreveram catecismos, gramáticas, dicionários e outras obras, referimos: Duarte de Sande, João Soeiro, João da Rocha, Gaspar Ferreira, Álvaro Semedo (autor do livro «Relação da Grande Monarquia da China»), Manuel Dias Júnior Francisco Furtado, Gabriel de Magalhães, Tomás Pereira, João da Rocha, Rodrigo de Figueiredo, João Monteiro, António Gouveia e António da Silva. A estes acrescentamos os nomes de alguns discípulos inacianos estrangeiros: Matteo Ricci, Adam Schall von Bell, 11 Fernando Verbieste («Nan Huairen Dunbo»), Philippe Grimaldi, Philippe Couplet, Francisco Noel, J. Baptista Regis, José Henrique de Prémare, Domingos Passenin, António Gaubil e José M. Amiot, este último autor de uma «Vida de Confúcio». Foi então que o Cristianismo entrou propriamente em contacto com a China e com outros países do Extremo Oriente. É certo que já mil anos antes o Cristianismo penetrara nestas paragens, sendo de evidenciar os nestorianos (siro-persa) e depois Giovanni Montecorvino (1294); mas a missionação terminou com a dominação dos mongóis.4 Os missionários europeus, nomeadamente Matteo Ricci (Macerata, 6. 10. 1552 - Pequim, 11. 5. 1610) e Michele Ruggieri, encetaram uma nova metodologia de missionação. Precisamente na China, quando a dinastia Ming (1368-1644) se aproximava do seu termo, entrou-se num período deveras singular da história da China e da Igreja e do diálogo entre culturas e religiões.5 Muito justamente, pois, foi evocada em 2001 a sua chegada a Pequim com diversos actos. O papa dirigiu aos congressistas do Encontro realizado na Pontifícia Universidade Gregoriana entre 24 e 25 de Outubro daquele ano uma mensagem alusiva ao evento. Notável tem sido a actividade desenvolvida pelo Instituto Ricci de Macau.6 Seria longo apresentar em pormenor a actividade missionária de Matteo Ricci que penetrou como ninguém na longa e rica história da China com o fim de compreender a sua cultura e a sua religião.7 Nessa vasta área geográfica encontrou sinais de religiões e culturas diversas que ainda hoje mantêm a sua grande vitalidade: o Hinduísmo, o Confucionismo (e Neo-Confucianismo) e o Taoísmo, para já não aludirmos ao Islamismo e a outras religiões. Quando falamos da China estamos a falar dum país 30 vezes maior do que a Alemanha, sendo 2/3 de todo o território constituído por montanhas. Falamos dum estado atravessado por três rios famosos, o Amarelo, o Yangzi e o Xi Jiang. Falamos dum estado multi-étnico com escrita comum, utilizada por Manchus, Mongóis, Tibetanos, Muçulmanos, e naturalmente os Han. No iluminismo europeu e devido aos padres jesuítas e também a Leibnitz e Voltaire criou-se uma espécie de idealização da China que, depois com Hegel e Rousseau, passou a ser vista como um país estancado nos sectores económico e espiritual. Uma história e uma cultura milenária, um povo que conseguiu «sinizar» todos os povos conquistadores, em espe12 cial os nómadas das estepes mongólicas, que ali se fizeram sedentários. A China conta hoje com uma população de 1.200 milhões de habitantes que vivem 90% nas províncias orientais, todos unidos pela mesma escrita, embora haja dialectos. Quanto aos símbolos, vale mais o significado que o valor fonético. Não foi a retórica, como entre os gregos e romanos, mas a arte de escrever, enquanto forma artística, acima da pintura que caracterizou a cultura chinesa. A caligrafia como a mais lata expressão de todas as artes.8 Ricci adoptou a estratégia de uma evangelização indirecta de cima para baixo. Dominava a língua chinesa escrita e falada e apresentava-se geralmente como filósofo e moralista, como matemático e astrónomo, mais do que como missionário cristão. Acompanhado de livros científicos, instrumentos modernos, um mapa mundi realista que suscitou a atenção, de prismáticos, de prismas, relógios e também de pinturas religiosas. Tinha uma ideia bem pensada da evangelização que ligava ao cuidado de possuir uma erudição confucionista e até no vestir se assimilava aos indígenas. Foi assim que italianos, portugueses e outros deram a conhecer à Europa o poderoso império chinês com a sua avançada história de 5000 anos, que já conhecia a tipografia, a pólvora, a porcelana, a bússola, os cometas volantes, a ponte levadiça e muito mais. Por outro lado levavam consigo os primórdios da filosofia pré-cartesiana e da ciência pré-copérnica. Ricci queria pregar o evangelho evitando o confronto. Assimilou os costumes chineses podendo assim anunciar melhor a mensagem cristã, o Deus uno e verdadeiro, o Senhor das Alturas, o Senhor dos Céus. Queria conquistar não tanto as massas como as elites. O imperador autorizou Ricci em 1601 (em chinês «Li Madou») a estabelecer-se em Pequim. O Confucionismo renovado, com a sua tolerância nada dogmática, com a sua elevada ética individual e social, uma alta estima dos antepassados e uma reverência perante um Ser Superior (não o céu povoado de deuses nem a aceitação de fábulas sobre eles) pareceu-lhe um aliado para o evangelho. Também não aceitava o Budismo com os seus deuses; não admitiu a ideia da transmigração das almas nem pensou em erguer igrejas, mas sim academias. Só em 1605 recebe licença para abrir uma capela. 13 Depois veio o seu sucessor, Adam Shall von Bell, que foi director do Observatório de Pequim, o mesmo sucedendo com Ferdinand Verbiest. Um feito notável foi entre 1708-1717 a medição do país realizada pelos padres jesuitas. Surgiu entretanto a questão dos ritos chineses, questão essa que se prolongou durante muito tempo, a qual teve na origem o emprego dos nomes divinos e do culto de Confúcio e dos antepassados.9 Ricci explica bem o assunto nas suas obras, como na «Vera Sinensium sententia de tabella Confucio et progenitoribus inscripta...» (Roma, 1700). A tolerância era inculcada pelos missionários como uma ideia chave do seu trabalho. Com Ricci a missionação mudara de método. Mas a missionação fracassou por causa de Roma. A ameaça de excomunhão de Clemente XI que em 1704 proibiu várias coisas teve efeitos bastante negativos. De referir aqui o édito de tolerância de Kangxi, célebre também na Europa. É longa a lista de opositores à missionação de tipo inculturação, como sucedeu com a «Congregação de Propaganda Fide». Aliás, transportava-se para esta questão o problema do jansenismo em oposição ao molinismo. Por outro lado, a questão do padroado veio a levantar não poucos problemas à acção missionária. No meio deste choque de atitudes devem ser referidas as posições de autores célebres, como Leibnitz e Voltaire (ao contrário de Rousseau e Hegel) e de Malebranche quanto à cultura e religião chinesas. Depois de uma controvérsia prolongada Bento XIV pela bula «Ex quo», de 11 de Julho de 1742, punha termo ao assunto. A questão dos ritos chineses como a do rito Malabar tiveram na Europa enorme repercussão de ordem negativa. Foram várias as oscilações entre permissão e condenação até se chegar à bula «Ex quo». Entre tantos episódios, recordamos que a 8 de Maio de 1700, a Sorbonne havia censurado assim as pretendidas teses jesuíticas: 1. A China conservou durante mais de 2000 anos a.C. o conhecimento do «Deus verdadeiro»; 2. Prestou devoção ao sacrificar-lhe no mais antigo Templo do universo; 3. Honrou-O de uma maneira que pode servir de exemplo aos cristãos; 4. Praticou uma moral tão pura como a religião; 5. Teve a fé, a humildade, o culto interior e exterior, o sacerdócio, os sacrifícios, o espírito de Deus e a caridade mais pura que é o carácter e a perfeição da verdadeira religião; 6. Entre todas as nações do mundo, a China é a que foi mais favorecida pelos dons de Deus.10 14 Em 1759 a Companhia de Jesus era suprimida em Portugal e em 1773 o papa seguiu idêntico caminho. Só em 1814 viria a ser restabelecida, como já se disse atrás. Comentando a acção de Ricci, Hans Küng fala de uma adaptação pedagógico-diplomática. Interessava-lhe não a teologia sobrenatural mas a natural cujos pilares eram Deus, criador do céu e da terra, a imortalidade da alma e a recompensa do bem e castigo do mal.11 Ricci tomou como ponto de partida não Aristóteles mas Confúcio. Na sua célebre «A verdadeira ideia de Deus» explica que os textos confucionistas originais (não tocados pelo Budismo ou anti-Budismo) contêm o verdadeiro sentido cristão: «shangdi», «Senhor das Alturas», «tian», «Céu», e a ideia de uma vida depois da morte. Ainda hoje muitos críticos europeus vêem no trabalho de Ricci um sinal da hipocrisia jesuítica. Uma pergunta pertinente é esta: Ricci não terá sabido tirar proveito das ideias do «Grande Último» («taiji»)? As suas concepções da Trindade e de Jesus Cristo estavam marcadas pelas ideias helenístico-escolásticas. Podia ter falado das ideias messiânicas chinesas de um homem celestial, do homem divino, do homem verdadeiro, comenta Hans Küng. A resistência foi forte, por parte dos budistas, do Confucionismo que punha em dúvida a interpretação cristã dos seus escritos clássicos; e, finalmente da parte cristã: os franciscanos e os dominicanos manifestavam-se contra os «apóstolos inacianos» que vieram a ser expulsos em 1617, sete anos depois da morte de Ricci, ocorrida em 1610. Foi também durante a dinastia Manchu ou Qing (1644-1912) que ocorreram vários acontecimentos que aqui apenas registamos de forma abreviada. A partir de 1717, quando os missionários foram expulsos da China, assistiu-se à tragédia das missões cristãs nesse país, assistindo-se a uma forte reacção anti-missionária. Veio depois a fase dos missionários da primeira metade do séc. XIX, em que sobressaíram os protestantes, que foram vistos quase sempre como aliados do povo chinês. Depois de cinco grandes movimentos revolucionários (o movimento Taiping, 1851-1864; a rebelião dos «Boxers», 1908-1909; revolução nacional dos jovens chineses a favor da democracia e da prosperidade do povo; a ascensão do partido comunista, 1924-1934 e 1947-1949; e a Grande Revolução Proletária, 1966-1976). Resta perguntar: o que é que ainda resta de 15 Cristianismo na China? O governo chinês exige o cumprimento de três princípios: auto-mantimento, auto-administração, auto-propagação da Igreja. Melhor é a situação com os protestantes. Hans Küng interroga-se: há um futuro para a religião chinesa? Afirma que existe uma religiosidade latente que sai para o exterior e fala do templo do Céu: a harmonia entre o céu e a terra. Já não há império, nem intermediário entre o céu e a terra. A gente simples vê nas catástrofes o desequilíbrio. Vêem no céu o símbolo do invisível, do misterioso, do sagrado, do divino. 3. O Humanismo confucionista Depois de termos abordado a figura do grande missionário Matteo Ricci, passemos agora a penetrar mais profundamente na doutrina confucionista para tentarmos compreender melhor o que ela hoje representa na aproximação das culturas europeia e chinesa; vejamos em que consiste o humanismo confucionista, que foi aquele que mais marcou Matteo Ricci, tentando descobrir a sua actualidade para o diálogo de culturas. Para tal temos de recuar no tempo até ao aparecimento do Confucionismo, que, juntamente com o Taoísmo e o Budismo viriam a caracterizar a religião chinesa. O Hinduismo antes e depois o Islamismo são outras duas grandes religiões que tiveram relevante implantação no Oriente. Ao lado do misticismo hindu e das mitologias hindus, temos a cultura chinesa assente na racionalidade e com um pensamento baseado em categorias históricas próprias que se não devem confundir com o racionalismo ou o historicismo. A cultura chinesa tem um carácter sapiencial; o sheng é uma pessoa sábia. Remontando ao séc. V a.C. deparamos com a personalidade de Confúcio (Kong Fuzi, ca. 551-479 a.C.), que foi contemporâneo de Buda e de Pitágoras; sobressaiu de entre as 100 escolas de pensadores como o seu expoente maior. Não se interessou com os oráculos mas com as decisões éticas dos homens, nem com as forças mágicas da natureza mas sim com as forças morais do homem.12 Eliminou tudo o que de adivinhação e superstição por lá havia. Confúcio, o mestre por excelência, dava origem a uma cultura própria que havia de perdurar até aos nossos dias. Aliás, é a partir do séc. VI que começam a surgir os mestres da sabedoria que iriam dar um valioso contributo 16 para a criação do humanismo ético. A partir do séc. VI a.C., aparecem vários mestres da sabedoria e assim surge uma mudança de paradigmas; começa o período de maturidade da civilização antiga chinesa, ao mesmo tempo que os pré-socráticos apareciam na Grécia. Passou-se da mitologia à filosofia, sendo dada uma importância especial ao homem e à razão humana e pondo de parte os espíritos e os deuses. Começa a era do humanismo chinês. Assiste-se também ao começo do interesse pela história, pela arte e pela literatura, numa palavra expande-se um grande desenvolvimento cultural. Na época clássica dominou a dinastia Han (210 a.C.-220 d.C.), durante a qual a religião estatal passou a ser confucionista. O Estado unitário chinês teve como primeiro imperador Yong Zheng que se chamou Primeiro («shi») Imperador («huang») (séc. III a.C.). O nome de China derivou do nome do imperador Qin. Por volta de 500 a.C., Confúcio, o sábio, aparece um terceiro sistema de correntes religiosas. Outras civilizações importantes, como as da Mesopotâmia, já haviam desaparecido. As suas conversas («lun yu», palavras reunidas) escritas pelos seus discípulos encerram conselhos e reflexões, não tratando de coisas abstractas.13 Hans Küng diz que podemos comparar a atitude de Confúcio com outro mestre, Jesus de Nazaré, que apareceria cerca de 500 anos mais tarde.14 Nem um nem outro são ascetas retirados do mundo, nem místicos que aspiram ao êxtase ou ao «nirwana», nem sequer metafísicos preocupados com a alta filosofia. Só pedem que os outros sigam o seu exemplo. Preocupados ambos com a vida interior e responsável e com os valores da justiça, da sabedoria, da moral, da sinceridade e da harmonia. Confúcio defende uma ética individual e pessoal que se exprime em claras exigências morais. «Quando todos censuram, deve-se examinar; quando todos louvam, deve-se examinar» (Conversas 15, 27). Deve-se reagir aos maus governantes quando eles se afastam do bom caminho («tao»). Há bastantes paralelos entre ambos, como se vê. Mas Confúcio não foi profeta como se apresentou Jesus. Não prega a chegada do Reino de Deus. É apenas um mestre de sabedoria. Defende a ordem social sustentada por princípios morais, uma sociedade mais justa e mais pacífica e a prática dos antigos ritos. «Eu não sou um intermediário, não sou um criador; creio nos antigos e tenho amor aos 17 antigos» (Conversas 7, 1). Estabeleceu uma harmonia entre a exigência moral universal e as tradições da civilização chinesa, pondo de parte os deuses e as adivinhações. Nas «Conversas» só se menciona uma vez o «Senhor das Alturas» («shang di»). Mas o Céu («tian»), entendido como poder eficiente, ordem, lei, essência, tem uma importância relevante. Há que respeitar o céu. «Quem peca contra o céu não tem a quem rezar» (Conversas 3, 13). 18 vezes aparece «tian» nas Conversas, sempre em relação com a vontade, as obras e a emoção. «Ah, ninguém me conhece. Não murmuro contra o céu nem guardo rancor aos homens; aspiro ao conhecimento aqui em baixo, sem todavia avançar afanosamente para o que está em cima» (14, 37). O centro da doutrina confucionista pode resumir-se nesta palavra: a humanidade, ou seja, o comportamento do homem com todas as relações básicas familiares e sociais, o que aponta para uma nobreza moral e para uma abertura a tudo o que é bem, verdade e beleza. A música (razão e sentimento) entra perfeitamente nesta moldura confucionista. O bem aparece relacionado com os homens e com a natureza. «Li», «comportamento» e «ren», «humanidade interior» sintetizam a concepção confucionista. «Um ser humano sem humanidade, de que lhe serve essa forma? Um ser humano sem humanidade, de que lhe serve a ele a música?» (3, 3). A sabedoria que ocupou igualmente um lugar de relevo na filosofia grega e na parte final do Antigo Testamento (livros sapienciais) consiste em «consagrar-se aos deveres para com os homens, honrar os espíritos e os deuses, mas mantendo-se porém, afastado deles; isso pode receber o nome de sabedoria» (6, 20). Tudo deve irradiar harmonia no contexto da reverência para com o céu mas com o distanciamento dos deuses e dos espíritos. Ensina a renovação da constituição interior e da estatal e um governo humanitário e a ordem e a harmonia social na família e no estado. «Se se governa mediante decretos e se impõe ordem com castigos, o povo torna-se esquivo e não tem consciência. Se governa com virtude e se impõe ordem pela moral, o povo tem consciência e alcança o bem» (2, 3). Com uma visão global do homem caracterizada pela harmonia fez inclusivamente com que a medicina conhecesse novos caminhos, sendo a acupunctura um dos meios de restituir essa harmonia ao homem. A regra de ouro é a reciprocidade («shu»), que faz lem18 brar o sermão da montanha: o que queres que te façam a ti, fá-lo tu aos outros (Mt 7, 12: «pánta oún ósa eán theléte ína poiósoi umin oi anthropoi, oútos kai umeis poieite autois. Oútos gar estín o nomos kai oi profétai»; «Omnia ergo quaecumque vultis ut faciant vobis homines, et vos facite illis. Haec est enim lex et prophetae»). A ética do humano culmina no amor aos homens. Humanidade («ren») é «amar os homens», ocupando a família o primeiro lugar: «Assim, dentro dos quatro mares, todos os homens são irmãos» (12, 5).15 Andrea Bonazzi num dos seus estudos, intitulado Confucian Ethics and Global Civilization, compara o evangelho de Mateus 5, 45-48 com o cap. I de I-Ching (livro com 12 explicações racionais do mundo, como o cap. 1 (génese do universo), 1-2 (ajuda mútua do homem e mulher), 3-4 (caminho de felicidade e do mal), 6-9 (caminho para cima e para baixo) e 11, 1-9 (comunicação com a torre de Babel): «Era toda a terra duma mesma língua e duma mesma fala»16; o episódio da torre de Babel e o aparecimento das línguas é um campo interessante a merecer uma análise cuidada que aqui não vamos fazer; o mesmo se diga da imensa teologia contida na Bíblia e do papel da razão em I-Ching.17 Em Mt. 5, 45-48 lê-se «Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus. Pois ele faz brilhar o sol sobre os bons e os maus e que a chuva desça sobre os justos e injustos». Isto é uma conclusão de vários ensinamentos de Jesus formulados seis vezes: «Ouvistes o que foi dito... mas eu digo-vos»; Mt. 5, 21-48: «Ouvistes o que foi dito aos antigos: não matar e evitar a cólera, promover a reconciliação e não cometer o adultério, o escândalo e o perjúrio; 37: seja porém o vosso falar: sim, sim, e não, não), amar os inimigos. A perfeição de Deus consiste na sinceridade e na verdade.18 4. O Taoísmo Ao lado do Confucionismo temos o Taoísmo, que se deve segundo a lenda a Laozi (lao-tse, «antigo mestre»), séc. IV a.C.; foi ele que ensinou a doutrina do «tao», caminho («te», «força»). Antes de responder à pergunta se o Taoísmo se pode considerar um movimento de oposição anticonfucionista, vejamos em linhas gerais o seu conteúdo. O Taoísmo, muito mais que uma filosofia, é uma religião. As tradições chine19 sas foram reunidas num cânone taoísta («taozang»), havendo entre os 1.200 volumes dois tratados de Laozi e Chuangzi. Os inícios podem situar-se por volta de 142 d.C., na época de Han Zhang Daoling que teve uma revelação do «Altíssimo Senhor Lao». A missão era apagar as práticas demoníacas e introduzir a fé verdadeira. Os confucionistas vivem voltados para esta vida, que querem melhorar e assim preocupam-se com o Estado. Os taoístas concentram-se em pensamentos afastados do mundo e buscam a salvação fora do mundo da experiência em que vive o homem. O eco do Tao chega à prática ética e política, sempre com a ideia de que o que interessa é o regresso à natureza. Outra noção importante é a de «Filho do Céu», ao lado do Tao, que traduz a concepção da ordem segundo os cinco elementos: água, fogo, madeira, metal e terra. Schelling que conhecia o «Tao-teh-king» disse: «Confúcio esforça-se por remontar a doutrina e a sabedoria antigas aos fundamentos do Estado chinês; Lao-tse penetra na causa mais profunda do ser». A Igreja taoísta teve o seu monte sagrado em Quicheng Shan, perto de Chendu, capital de Sichuan. Conta hoje 75% dos 1.200 milhões de habitantes com centenas de templos. Há uma hierarquia terrestre e outra celestial, com figuras divinas. Mediante práticas externas e internas através da meditação e do elixir os fiéis podem ter esperança na imortalidade. Fala de experiências com a química, a medicina e a farmacologia. O homem está imerso num imenso macrocosmos. «Yan-Yang» traduz a ideia de intervir ou não intervir. O Taoísmo e o Confucionismo penetram-se mutuamente; o homem é confucionista no que deve fazer, e taoísta na contemplação. Eis um texto: «Sim, vasto é o supremo Tao. Autor dele mesmo, agindo pelo não agir. Fim e começo de todas as idades. Nascido antes do Céu e antes da Terra, abrangendo em silêncio a totalidade do Tempo. Atravessando sem parar a continuidade dos séculos. A Oeste instruiu o grande Confúcio e a Leste converteu o Homem em ouro, Tomado como modelo por cem reis, transmitido por gerações de sábios, ele é o antepassado de todas as doutrinas e o mistério ultrapassando todos os mistérios». Os deuses são regidos pelo «Imperador do Alto», «Shang-di». Há um equilíbrio da natureza causado pelo «Tao». O que melhor caracteriza o Tao é o equilíbrio dos dois famosos princípios do «Ying» («Norte») e do «Yang» 20 («Sul»).19 Contra a rigidez confucionista, o Taoísmo deixa o homem entregue a si e à natureza: a Grande Natureza, a unidade do homem com a natureza. 5. O Budismo na China Outra configuração do humanismo é a budista. No império Tang (618-907), a Idade Média de ouro da China, penetrou na China o Budismo, considerada uma corrente espiritual mais do que uma religião, essencialmente uma atitude da vida, uma filosofia que tende para o absoluto. Podemos dizer que se deu a sinização do Budismo que foi até então a única religião que chegou à China vinda de fora, sendo hoje com o Taoísmo e o Confucionismo uma das três religiões da China. Porque é que o Cristianismo também não se fixou na China como sucedeu com as outras três? É hoje a quarta religião do mundo com ca. 250 milhões de crentes, depois do Cristianismo, do Islão e do Hinduísmo, havendo várias formas de Budismo. Deve-se a sua criação a Siddharta Gautama (560-480 a.C.) que tudo abandonou e compreendeu o que é a vida de um iluminado; pregou como Jesus mas nunca se disse deus. Buda significa despertado, o que encontra a verdade. Em 470, o Budismo foi declarado religião oficial da China. Depois entrou no Ceilão, na Indonésia e noutros países, estando hoje propagado por diversas regiões, como a Tailândia, o Laos, o Sri Lanka e o Nepal, coexistindo com o Hinduísmo. Na China ficou ligado ao Taoísmo e ao Confucionismo e no Japão com o Shintoísmo. Na Índia, pátria de origem, conta apenas com 1% da população. Foram fortes os ataques dos Confucionistas contra o Budismo. Os ensinamentos de Buda podem sintetizar-se assim: tudo é sofrimento neste mundo e a causa do sofrimento reside no desejo sob todas as formas. Os chineses com a sua veneração dos antepassados e o seu pensamento histórico não se sentiam atraídos pelo pensamento cíclico hindu nem pela ideia de renascer. A profissão de fé budista resume-se da seguinte forma: refugio-me em Buda, na doutrina («dharma»), na comunidade monástica («sangha»). No Cristianismo pode dizer-se: refugio-me, creio em Cristo, na sua doutrina (evangelho) e na comunidade dos crentes (Igreja). O caminho é a iluminação, com o sofrimento humano, a árvore da iluminação e a ética do altruísmo. 21 O documento do Vaticano II «Nostra Aetate» fala da insuficiência deste mundo mutável e da procura dum estado de libertação, até se atingir a iluminação. A vida humana, o que é; o sofrimento, como surge e como pode ser superado; qual o caminho a seguir. Há aqui alguns paralelos com Jesus. Como mestres, apresentam uma mensagem urgente; não querem explicar o universo, de carácter transitório, mas sim o caminho de libertação; o homem apenas deve ouvir e praticar a mortificação.20 O jardim («zen») é a vacuidade de todas as coisas. A ética budista pode ter um lugar importante na ética universal, bem como o tema da meditação que não exclui a acção ou comprometimento do homem. A este propósito Hans Küng fala de uma transição para uma nova constelação mundial que envolve os seguintes pontos: não apenas ciência, mas também sabedoria para impedir o mau uso da investigação científica; não só tecnologia, mas também energia espiritual para controlar os rasgos imprevisíveis de uma alta tecnologia; não só indústria, mas também ecologia que se oponha na época da globalização à economia sempre em expansão; não só democracia, mas também ética que possa contra-atacar os grandes interesses dos poderosos: num mundo globalizado, uma ética comum à humanidade, uma ética mundial. Entretanto surgiu o novo Confucionismo alto-medieval na dinastia Song (960-1279) que foi um período de progresso e de grande avanço da cultura popular. Foi uma espécie de escolástica chinesa, como sucedeu na Europa, tendo nascido grandes sistemas especulativos. Como historiador e filósofo destacou-se Zhu Xi (séc. XIII) que se pode comparar a S. Tomás de Aquino. Segundo ele, tudo procede dum princípio, participa numa sabedoria, e regressa ciclicamente a um destino. A superior realidade do «Tajii». Assim regras éticas e modos de comportamento social. O neo-Confucionismo foi uma espécie de escolástica latina. Mais tarde, nos sécs. XV-XVI, Wang Yangmin (coetâneo de Lutero) criou uma concepção moderna, idealista, da Última Realidade. Contemplando o próprio coração pode-se contemplar toda a realidade, dizia aquele pensador. Estava-se no final da Idade Média chinesa: a dominação mongólica (1279-1368).21 Hans Küng sintetizando a contribuição da religião chinesa para uma ética mundial,22 começa por afirmar que o Confucionismo convencional não serve, nem a ética da adap22 tação social. Só serve o Confucionismo originário, aquele que foi admirado por Matteo Ricci, o qual, libertado do culto ao imperador e do «funcionariato», volte a descobrir o valor do homem e fortaleça a sua vontade de auto-afirmação, o seu sentido da realidade, as suas qualidades morais e a sua capacidade de resistência; que mantenha o humanitarismo, a verdadeira humanidade como valor central. Que veja o homem como parte de uma comunidade e não como indivíduo isolado. Que na sociedade estabeleça as relações fundamentais com os demais valores éticos de validade geral que não dependam dos interesses de momento. O Confucionismo insistiu sempre na ideia de primazia da ética sobre a economia e a política, e a prioridade da pessoa ética sobre qualquer instituição. Mas também na ordem económica que, embora admita o interesse pessoal, oriente o homem para o dever moral e a responsabilidade social. Na ordem política, que não esteja determinado simplesmente pelo poder do mais forte, mas pela Regra de Ouro. Uma harmonia do homem com a natureza e os seus ciclos naturais que concilie a economia com a ecologia. Uma interpretação da realidade que dê cabimento à vastidão do céu, à dimensão da transcendência. O documento do Vaticano II consagrado às religiões não cristãs começa assim: «Hoje, que o género humano se torna cada vez mais unido, e aumentam as relações entre os vários povos, a Igreja considera mais atentamente qual a sua relação com as religiões não-cristãs. E, na sua função de fomentar a união e caridade entre os homens e até entre os povos, considera primeiramente tudo aquilo que os homens têm de comum e os leva a viverem juntos». E prossegue: «Com efeito, os homens constituem todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar em toda a terra o inteiro género humano; têm também todos um só fim último, Deus, que a todos estende a sua providência, seus testemunhos de bondade e seus desígnios de salvação, até que os eleitos se reúnam na cidade santa, iluminada pela glória de Deus e onde todos os povos caminharão na sua luz». «Os homens esperam das diversas religiões resposta para os enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente preocupam seus corações: que é o homem? Qual o sentido e a finalidade da vida? Que é o bem e que é o pecado? Donde provém o sofrimento e para que 23 serve? Qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? Que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? Finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, que nele tem a sua origem e destino?». A grande muralha construída há 2.200 anos já não protege os homens, mas também não os separa. Também na China os homens querem não fechar-se mas abrir-se, querem tomar parte no mundo e cooperar na configuração da humanidade. Ou seja, entender o sentido de humanidade, de reciprocidade, de harmonia, de paz e de fraternidade, recentemente evidenciadas com tantas manifestações de solidariedade a nível mundial aquando do maremoto que assolou uma significativa parte do Sudeste asiático. Conclusão O texto elaborado em 2001 pela Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE), intitulado «Gouvernance mondiale. Notre responsabilité pour que la mondialisation devienne una opportunité pour tous», afirma que no espaço de uma geração a interdependência económica global criou proporções extraordinárias. A mundialização é a consequência dos avanços tecnológicos e da determinação dos governantes e dos povos que conheceram progressos de vária ordem ao lado de novas experiências e dos progressos da ciência. Mas também surgiram problemas grandes, como as desigualdades sociais, que se fazem sentir por toda a parte. Um tema hoje bastante tratado é o relativo aos valores: o respeito da dignidade humana, a responsabilidade, a justiça, a coerência, a transparência, e a promoção das culturas. Em tudo isto têm um papel importante a desenvolver as universidades. Estas instituições devem formar os estudantes a viverem num mundo globalizado, em que a pobreza e as injustiças parece não conhecerem fronteiras. Há ainda as questões de ordem ecológica (tratado de Kyoto) que ameaçam profundamente os diversos continentes e países. Perante o medo de uma cultura global uniformizada, a que alude a encíclica «Centesimus Annus», há que promover, antes de mais, a dignidade da pessoa humana que é essencial, à qual o preâmbulo da Carta das Nações Unidas se refere desenvolvidamente. Cada um é esponsável pelo bem comum universal. Como cidadãos do mundo, aldeia global, exige-se a formação de uma nova 24 geração de leaders com sentido de responsabilidade empenhados na solidariedade como elo essencial de união entre os povos. Quanto não havia a dizer acerca da justiça, da participação e a da subsidiariedade, dos valores e da espiritualidade? Vaclav Havel, quando presidente da República Checa, em 2000, para além dos problemas financeiros: «…Mas eu penso que é também importante que se comece a reflectir também numa reestruturação: a reestruturação de todo o sistema de valores, que constitui a base da nossa civilização actual... E como fazê-lo se não se reconhece a importância da dimensão espiritual da existência humana?». O estudo e o diálogo como intercâmbio dos humanismos em confronto devem tornar-se uma exigência em que todos se devem envolver. Ao tratar-se do encontro da Europa com o Oriente a partir do séc. XVI, não podemos esquecer o pluralismo religioso e o cultural, a revelação natural e a sobrenatural, a valorização do diálogo e a importância do humanismo como alicerce da convivência entre os povos. Embora ao longo da história tivesse havido manifestações autênticas da importância do diálogo inter-religioso e inter-cultural, o certo é que só a partir do séc. XIX encontramos sólidos antecedentes científicos. O Parlamento Mundial das Religiões de Chicago (1893) marcou um ponto de viragem assinalável continuado depois com inúmeras realizações de que é exemplo o “Fórum de Barcelona” em 2004. Significativo foi o papel do Concílio Vaticano II na promoção dum enriquecedor diálogo que deve ter em consideração o pluralismo frente à secularização, ao renascimento religioso, ao relativismo e ao ecumenismo. Há que investir na criação dum novo humanismo e na recuperação do diálogo ecuménico-cultural entre a Europa e a China; o encontro de civilizações num mundo globalizante torna-se um imperativo em que todos se devem empenhar. A paz é desde sempre a aspiração do homem que hoje mais do que nunca tem merecido a atenção de todos perante as ameaças de guerra de toda a espécie e os conflitos mundiais que grassam no nosso planeta. Não têm faltado vozes a insurgir-se contra tal situação. Insere-se nesta ideia a luta de Gandi, de Luther King e de Madre Teresa de Calcutá, entre tantos outros dos cinco con25 tinentes, contra a pobreza, a escravatura, as desigualdades, os males das migrações, os atentados à ecologia, a violência da economia, etc. etc. Há um novo humanismo a construir neste mundo sem fronteiras, sendo a paz no sentido de perfeição, realização total do homem, o eixo deste humanismo. O novo humanismo enraíza não só no humanismo de Erasmo de Roterdão, de Pico della Mirandola e de outros europeus, mas também noutros, como o confucionista; requer a confiança no homem, a eliminação das distâncias e das asperezas, de forma a fazer amadurecer a consciência de que todos são criaturas do único Deus e irmãos da humanidade, e o reconhecimento dum código ético comum.23 A cultura humana, consciente dos valores universais, está em permanente busca do Absoluto funcionando o humanismo como fonte inesgotável de recursos a explorar. O já referido livro de Hans Küng, Spurensuche. Die Weltreligionen auf dem Weg (1999) reflecte acerca da necessidade de mergulhar nas origens de cada religião para nelas se descobrir o genuíno património de valores comuns à humanidade e compreender o seu fundo congregador em que a Ética surge como elemento de fundamental relevância. Acerca desta matéria refira-se a divisão feita pelo cardeal Joseph Ratzinger quanto à atitude a respeito da interpretação da convivência das religiões: o «inclusivismo» (em que uma absorve inteiramente as outras), o «exclusivismo» (em que uma se apresenta como a soberana eliminando as outras) e «pluralismo» (em que todas convivem entre si).24 A actividade missionária dos jesuítas na China permanece como um marco indelével de aproximação entre culturas e religiões que continua a servir de modelo para a actualidade. A inculturação é uma ideia de extrema relevância em todo este processo. O confronto dialógico das religiões e culturas sapienciais, místicas e proféticas com as suas igrejas, sinagogas, mesquitas e templos será um excelente caminho para explorar as preciosas virtualidades que encerram.25 É grande a responsabilidade das Universidades neste apaixonante trabalho que tão eficientemente tem sido desenvolvido por muitos movimentos, em que sobressai a Comunidade de Santo Egídio de Roma. Neste entrecruzamento de forças sagradas não será difícil caminhar para a solidariedade entre os homens, solidariedade que assenta no humanismo perspectivado nas suas diversas modalidades. E assim se construirá a alta26 mente desejada ética global tão necessária nos tempos que correm; nas fontes das várias culturas encontramos alicerces fortes que poderão oferecer à humanidade uma via de sã convivência entre os povos e com ela a paz. Servindo-nos mais uma vez de Hans Küng, diremos: «Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não há diálogo entre as religiões sem normas globais éticas. Não há sobrevivência do nosso globo sem uma ética global, sem uma ética universal». Este Encontro proporciona certamente uma excelente oportunidade para que o humanismo latino e o humanismo confucionista se compreendam melhor e desse entendimento resultarão sem dúvida promissores resultados para uma ligação mais estreita do Oriente com o Ocidente. Há que construir pontes que permitam o encontro das gentes, culturas e religiões, pressupondo sempre que nenhuma se pode afirmar como superior à outra. E, antes de mais, há que nos conhecermos melhor uns aos outros. Notas (1) Em 1822, foi criada a «Société Asiatique» no contexto do movimento de entusiasmo suscitado pelas primeiras conquistas do orientalismo científico: a decifração de diversas línguas antigas, a ressurreição de monumentos históricos, a comparação das línguas semíticas e outras, a impressionante expansão da arqueologia, etc. Esse notável interesse pela Orientalística atravessou os sécs. XIX e XX assegurando a sua missão o desenvolvimento e a difusão dos conhecimentos numa área geográfica enorme que vai desde o Maghreb ao Extremo Oriente, através de uma aproximação científica e multidisciplinar das culturas orais e escritas das respectivas sociedades. De realçar a realização de vários congressos nos tempos mais recentes de que resultaram as respectivas publicações: «Western humanistic culture presented to China by Jesuit missionaries (XVII-XVIII centuries). Proceedings of the conference held in Rome, October 25-27 1993» (ed. de Federico Masini); «Succès et échecs de l’encontre Chine et Occident du XVIe au XXe siècle: Actes du Ve Colloque internationale de sinologie de Chantille, 15-18 27 Septembre 1986» (dir. de Edward J. Malatesta e Yves Raguin, 1993). Igualmente são de recordar os colóquios de Paris (1991) e de Roma (1993) sobre a questão dos «ritos chineses». - A criação nos vários países de Institutos, Centros de Estudo e Cátedras de Sinologia em tão grande número de Universidades e até fora delas, bem como as muitas publicações de livros e revistas sobre múltiplos aspectos de temática chinesa, constitui outro sinal desse extraordinário empenhamento pela «res sinica». - Em 2001, realizaram-se vários congressos alusivos ao centenário da chegada de Ricci à China: em Pequim, em Roma (Pontifícia Universidade Gregoriana) e em Macerata, sua terra natal, para só referirmos alguns deles. E tiveram enorme divulgação as exposições feitas no Vaticano e em Washington. Já em 1910 se havia celebrado a morte de Ricci com vários eventos culturais e publicações. - Associamos ao que fica dito que em Setembro de 2004 teve lugar em Milão o XVIII “Encontro sobre Culturas e Religiões: a coragem de um novo humanismo”, promovido pela Comunidade de Santo Egídio de Roma; e em Córdova efectuou-se um congresso sobre Maimónides na passagem do centenário da sua morte (1204). - Para entendermos o que se passou nos sécs. XVI-XVII, devemos ter presente a evolução filosófica, cultural e religiosa ocorrida na China ao longo das dinastias chinesas – desde a Han (época clássica, 210 a.C. - 220 d.C.), a Tang (idade de ouro, 618-907), a Song (960-1279), a Mongólica (Yuan (1279-1368), a Ming (1368-1644) e a Qimgou Manchu (1644-1912). - Uma observação que convém reter respeita à classificação das religiões, aceitando-se hoje normalmente que as religiões originárias da China (Confucionismo e Taoísmo) são religiões «sapienciais»; as da Índia (o Hinduísmo e o Budismo) religiões místicas; e as do Próximo Oriente (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) religiões proféticas. (2) Os principais fundadores de religiões são: Abraão (ca. 1850 a.C.) e Moisés (ca. 1250 a.C.) do Judaísmo com o monoteísmo, com 16 milhões de crentes; Zoroastro (650-583 a.C.) do Zoroastrismo; com Zorastro; Lao Zi (605-520 a.C.) do Taoísmo; Buda (563-483 a.C.) do Budismo, com 400 milhões; Confúcio (551-479 a.C.) do Confucionismo; Mahawira (540-468 a.C.) do Jainismo (Hinduísmo); Jesus Cristo (4 a.C. - 30 d.C.) do Cristianismo, com ca. 1.400 milhões; Maomé (570-632) do Islamismo, com ca. de 900 milhões; Nichiren (1222-1282) do Budismo japonês; Nanak (1469-1539) do Sikismo; Lutero (1483-1546) do Luteranismo; Henrique VIII (1491-1547) do Anglicanismo; Calvino (1509-1564) do Calvinismo; Joseph Smith (1805-1850) dos Mormons; Ghulam Ahmad (1835-1906) do Ahamadismo; Charles Taze Russel (1852-1916) das Testemunhas de Jeová; Simon Kimbangu (1887-1951) do Kimbaguismo. - Religiões monoteístas são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo; de transição: o Zoroastrismo e o Sikismo; politeístas: Animismo e Hinduísmo (700 milhões); filosóficas: Taoísmo, Shintoísmo e Budismo. - Originárias da Índia: Hinduísmo e Budismo, religiões místicas; da China: Confucionismo e Taoísmo, religiões sapienciais; do Próximo Oriente: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, religiões proféticas. (3) Sobre o conceito de cultura, vid. H. Carrier, Lexique de la Culture. Pour l’analyse culturelle et l’inculturation. Tournai – Louvain-la-Neuve, 1992. (4) Vid. os nomes mais célebres em Henri Cordier, Bibliotheca Sinica, 2.ª ed., Paris 1904. – Entre eles, Navarrete, J. e B. Morales, Mons. Tournon, Mons. Mezzabarba, etc. – Pretendeu-se fazer uma adaptação pedagógico-diplomática e interessava a teologia natural e não a sobrenatural: Deus, criador do céu e da terra, imortalidade da alma, recompensa do bem e castigo do mal. Os críticos europeus viram (e vêem nisso!) sinais da hipocrisia jesuítica. Partiam não de Aristóteles mas de Confúcio como ponto de referência. Na sua célebre «A verdadeira ideia de Deus» explica que os textos confucionistas originais, não tocados pelo Budismo ou anti-Budismo, contêm o sentido cristão: «shangdi» («senhor das alturas»), «tian» («céu»), e a crença de uma vida depois da morte. Ricci não terá sabido tirar proveito das ideias do «Grande Último» («taiji»); as suas concepções da Trindade e de Jesus Cristo 28 ficaram marcadas pelas ideias helenístico-escolásticas. Podia ter falado das ideias messiânicas chinesas: do homem celestial, do homem divino, do homem verdadeiro. A resistência fez-se sentir da parte dos Budistas e depois do próprio Confucionismo que punha em dúvida a interpretação cristã dos seus escritos clássicos; finalmente da parte cristã: os franciscanos e dominicanos manifestaram-se contra a Companhia de Jesus. Foram expulsos em 1617, sete anos depois da morte de Ricci. (5) Notável foi o papel de Matteo Ricci e Michele Ruggieri, e ainda de Nicolas Trigault e de Prospero Intorcetta que, juntamente com Inácio da Costa, traduziu «As Conversas» ou «As Analectas» («Lun Yu») e o grande ensinamento («Da Xue» ou «Sapientia sinica»). Esta obra contém os quatro livros clássicos: «O grande estudo», «O invariável meio», os «Entretenimentos de Confúcio» e o «Mencius», na sua versão comentada por Zhu Xi (1130-1200), obra que se tornou até ao séc. XX a base do ensinamento confuciano na Europa. - A obra de Matteo Ricci (Macerata, 6.10.1552 - Pequim, 11.5.1610) representa um marco de fundamental alcance para o conhecimento do Oriente na Europa e da Europa no Oriente. Tal era a admiração pelo ilustre sábio ocidental que no seu funeral teve honras solenes. Ricci, leitor interessado de Confúcio e altamente empenhado em conhecer a história e a cultura da China, deixou uma obra notável, de que destacamos: Li Madou shukim ji («Cartas»), Li Shi Han-Fa cidian («Grand dictionnaire de la langue chinoise»), 8 vols., reed. Paris ca. 2001; Michele Ruggieri-Matteo Ricci, Dicionário português-chinês = Portuguese chinese dictionary, ed. John W. Witek. 1ª ed., Lisboa Macau: Biblioteca Nacional: Instituto Português do Oriente, 2001; De christiana expeditione apud Sinas suscepta ab Societate Jesu. Journals of Matteo Ricci»; Opere storiche del P. Matteo Ricci que incluem: I commentari della Cina, ed. de P. Tacchi-Venturi, Macerata 1911, e Le lettere della Cina, ibid. 1913; Jiaoyou lun («De Amicitia»), Mapa-mundi, etc. - Foi principalmente nos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX que se manifestou um interesse científico deveras significativo pela vida e obra de Ricci que depois viria a continuar a um ritmo impressionante. Alguns autores que se interessaram pela sua obra: De Ursis, P. Matheus Ricci, S.J., «Relação escripta pelo seu companheiro», Roma 1910; Bartoli, Dell’Historia della Compagnia di Gesu. La Cina», I-II, Roma 1663; Natali, Il secondo Confucio, Roma, 1900; Tacchi-Venturi, L’apostolato del p. M. Ricci della Compagnia di Gesù in Cina secondo i suoi scritti inediti, Roma 1910; Bruker, «Le Père Matthieu Ricci», in Etudes CXXIV, Paris 1910, 5-27; 185-208; 751-79; De Backer-Sommervogel, Bibliothèque des écrivains de la Compagnie de Jesus, VI, 1792-95; J. Brucker, «Chinois Rites», in Dictionnaire de Théologie Catholique, XII, 2364-91. - Roma acompanhava com algumas reservas a acção missionária dos jesuítas na China. Trigault («Kin Ni-ko») foi enviado a Roma para pedir ao papa Paulo V o uso do chinês na liturgia e tornar mais fácil a ordenação dos letrados, tendo a licença sido obtida em 1615. Trigault regressou com Schreck (Terrentius) e Adam Schall von Bell (1591-1666), em chinês «Tang Daowei», autor de Historica relatio de ortu et progressu fidei orthodoxae in regni Chinensi per Missionários Societatis Jesu ab anno 1581 usque ad annum 1669. - O imperador encarregou Terrentius de proceder à reforma do calendário e pediu que Schall fosse a Pequim para formar astrónomos. - Ricci e depois dele outros jesuítas eram atacados por razões diversas, de que é exemplo a questão da terminologia utilizada: «Shangdi» (Senhor do Alto) e «Tian» (Céu) ou «Taigi» (Último Princípio) que encontramos em vários dos seus livros. Eram usados para designar a Deus, o que provocou enorme escândalo em certos meios. - Também o culto dos antepassados e a admiração por Confúcio geraram bastantes atritos e incompreensões. O mesmo se diga da adopção dos costumes e do nome em chinês, a reserva na exposição do crucifixo em público, os usos de civilidade, os presente aos mandarins, a tolerância das taxas de empréstimo usurárias, as festas do calendário tradicional. - As reacções vinham em larga medida de Goa, 29 centro principal da missionação no Oriente e dali passavam para Roma que chegou a apoiar com alguns decretos a inculturação aplicada pelos missionários jesuítas (1645 e 1656) na evangelização do Oriente. Mas com a passagem do tempo haviam de surgir determinações adversas. A questão dos ritos chineses como a do rito Malabar tiveram na Europa enorme repercussão negativa. Foram várias as oscilações entre permissão e condenação até se chegar à bula «Ex quo» de Bento XIV (11.7.1742). Em 1759 a Companhia de Jesus era suprimida em Portugal e em 1773 o papa seguiu idêntico caminho; mas viria a ser restabelecida em 1814. (6) Em 2003, aquela instituição publicou na série «Macau Ricci Institute Studies»: Macau on the Threeshold of the Millenium. An International Symposium organized by the Macau Ricci Institute and the French Centre for Research on Contemporary China, Hong Kong. Macau, 14-15 December 2001; e em 2004, Religion and culture. Past Approaches. Present Globalisation. Future Challenges. International Symposium organized by the Macau Ricci Institute and the Instituto do Oriente (Lisbon). Macau, November 28th-29th 2002. – Em 2004, começou a publicar «Chinese Cross Currents» de que já saíram quatro números sobre Cultura e Religião, Literatura e Sociedade, Cultura, Arte e Sociedade, e a População chinesa. (7) Sobre as dinastias chinesas, vid. nota 1. (8) A primitiva sociedade chinesa estava centrada na religião em que ocupavam lugar importante os dragões, animais míticos. Podemos seguir a história da China desde o neolítico (5000 a.C.). A civilização chinesa não entrou já adulta em ca. 5000 a.C.; para trás estava uma infância longa. O «chamamismo», a adivinhação, a veneração dos antepassados e dos ritos caracterizavam o povo chinês; não havia separação entre realeza e sacerdócio. (9) O único nome autorizado hoje por Roma é «T’ien-tschu», Senhor do céu, que foi usado por Ricci: «Tíen-tschou-che-i», «verdadeira noção do Senhor do céu». Outros termos utilizados: «T’ien-tschou-tang», «templo do Senhor»; «T’ien-tschu-kiao», «religião do Senhor do céu»; «T’ien-tschoukiang-cheng», «incarnação do Senhor do céu». Eram nomes aplicados pelos chineses a deuses e lugares do Budismo e do Taoísmo. Seria o mesmo que «Theós». Utilizavam os missionários também «T’ien», «céu» e «Chang-ti», «soberano Senhor». Provinham dos antigos textos «King». Eram símbolos dos dogmas cristãos para alguns. Outros combatiam essas designações, como Navarrete. Quanto às cerimónias em honra de Confúcio que não pretendiam cair na idolatria, há a lembrar as resoluções da Propaganda Fide, de 12 Setembro de 1645 e de 23 de Março de 1656 a favor dos jesuítas, e outra, de 20 de Novembro de 1669, que deixava à consciência dos missionários a sua actuação apostólica. (10) Vid. Henri Cordier, Bibliotheca Sinica, 2.ª ed., Paris, 1904 sobre os nomes mais célebres envolvidos na questão dos ritos, como J. Navarrete, B. Morales, Mons. Tournon, Mons. Mezzabarba, etc. (11) Hans Küng, Spurensuche. Die Welreligionen auf dem Weg, Munique, 1999. H. Küng e K.-J. Kuschel, entre outros, têm escrito várias obras sobre ética mundial: desde «Projekt Welethos», Munique, 1990 até Kleine Geschichte der katholischen Kirche, Berlim, 2002; e neste contexto sobre diversas religiões, como o Judaísmo, o Budismo, o Hinduísmo e o Islamismo. A «Stiftung Weltethos» de Tübingen tem consagrado ao assunto da ética mundial uma atenção muito particular. (12) Na colecção ‘Patrimoines’ da editora Cerf de Paris foram publicados os seguintes livros sobre o Confucionismo: Tseng Tseu, La grande Étude, avec le commentaire traditionel de Tschou-Hi. Trad. de Martine Hesse; Xun Zi (Siun Tseu), Introduit et traduit par Ivan Kamenarovic. Préface par Jean-François Di Meglio; Wang Fu, Propos d’un ermite. Introduction et traduction du chinois par Ivan P. Kamenarovic. Préface par Catherine Despeux; Id., Printemps et automnes de Lü Buwei. Traduit du chinois par Ivan P. 30 Kamenarovic. Préface par Marc Kalinouwski; Ivan Kamenarovic, Arts et Lettrés dans la philosophie chinoise; Mou Zonsan, Spécifités de la philosophie chinoise. Introduction par Joël Thoravai. Traduction par Ivan P. Kamenarovic et Jean-Claude Pastor. – Vid. ainda as várias obras sobre história das religiões, como de F. de König (dir.), Cristo y las religiones de la tierra, Manual de historia de la Religión, vol. III: Las grandes religiones no cristianas hoy existentes. El cristianismo, trad. Esp., Madrid, 1968, 291-357. (13) A obra de Confúcio inclui: «Livro das transformações», «Livro dos documentos», «Livros dos cânticos», «Livro dos ritos», «Anais da primavera e do Outono» e «Livro da Música». (14) H. Küng, Spurensuche. Die Weltreligionen auf dem Weg, op. cit. (15) As relações humanas, em especial a família, são fundamentais no pensamento confuciano. Vid. H. Küng, op. cit. (16) Em hebraico: «wayhî kal-há’arets safar ‘ehat wudbarîm ‘ahadîm». (17) Texto apresentado no «XXI Symposium of Eco-Ethics», Kisarazu, April, 2002; da sua autoria são também os trabalhos apresentados na «Conference on Asian Heritage and Global Society», 18-20 Agosto 2004, Bangkok, sobre «Matteo Ricci and Global Civilization»; «Pour le dialogue entre Civilisations», no «XX Symposium of Eco-Ethics», 2001; e «Sulla dignità della persona umana (Buddismo e Cristianesimo), in «Rivista di Teologia», 114, Aprile-Giugno 1997. (18) A hermenêutica de Ricoeur, de Habermas e de outros pode ajudar a compreender melhor o conteúdo dos textos bíblicos. (19) A doutrina do Tao remonta à mais alta antiguidade; os pais, Lao Zi e Zhuang Zi, terão vivido entre o séc. IV e III a.C., um século depois de Confúcio. O grande livro clássico é o «Yi jing»,«livro das mutações», que explica os mistérios e a unidade do universo. Com a entrada do Budismo na China é difícil separar as duas crenças. Sobre a prática do Taoísmo, deve dizer-se que é difícil calcular o que ainda resta. Há ainda mosteiros taoístas em Hong-Kong, na ilha de Lan-Tau e em Taiwan. Haverá hoje cerca de 50 milhões de monges. Mas verifica-se uma interpenetração do Budismo com o Confucianismo. (20) A importância da vida monástica e suas escolas, a disciplina, a liturgia, etc. mereciam uma reflexão mais aprofundada, bem como a abordagem do Budismo de fé e do Budismo político-social. (21) Foi então que se deu o confronto com a modernidade durante a dinastia Ming (1368-1644), a última dinastia nacional e a mais chinesa do milénio, durante a qual se assistiu à reconstrução económica, à renovação dos estudos dos funcionários em total conformidade com a doutrina confucionista de Zhu Xi, à reforma do sistema penal e à renovação das artes e das ciências, e sobretudo a uma administração civil rigidamente centralizada, que controlava o exército. Foi uma era de paz e de bem-estar. (22) Hoje o quadro da aceitação religiosa na China é aproximadamente este: 60% de pessoas sem religião; 20% de adeptos da religião tradicional; 5% de ateus militantes; 9% de budistas; 1,5 de muçulmanos; e 0,9 de cristãos. Um aspecto importante na China é o relativo à Igreja nacionalista. (23) De recordar ainda os nomes de Raimundo Lullo, Nicolau de Cusa e de Guillaume Postel que preconizaram uma paz universal na diversidade de religiões e culturas. (24) Joseph Ratzinger. Glaube -Wahrheit-Toleranz: das Christentum und die Weltreligionen, 2.ª ed., Freiburg, 2003. Vid. ainda J. Dupuis, Vers une théologie chrétienne du pluralisme religieux, Paris, 1997. – O IHEU (International Humanist and Ethical Union World) realizará em Paris, no mês de Julho, um congresso sobre as relações entre o humanismo e o ateísmo. (25) A propósito dos assuntos referidos, referimos alguns, entre tantos autores, merecedores de atenção: H. Carrier, Évangile et Cultures: de Léon XIII à Jean-Paul II, Roma, 1987; Id., «Ideologies, cultures, croyances», in Nouveau Dialogue, Montréal, n.º 79, Março de 1989, pp. 28-29; Id., 31 Evangelisation et développment des cultures, Roma, 1990; G.L. Ellspermann, The Attitude of the Early Latin Writers toward Pagan Literature and Learning, Washington, 1949; G. Langevin e R. Pirro (eds.), Le Christ et les cultures dans le monde et l’histoire, Montréal, 1991; K.J. Luzbetak, The Church and Cultures. New Perspectives in Missionological Anthropology, Maryknoll, N.Y., 1988; R.H. Niebuhr, Christ and Culture, N.Y., 1951; Th.F. Torrance, Christian Theology and Scientific Culture, Belfast, 1980; P. Tillich, Théologie de la Culture, Paris, 1968; Id., «On the Idea of a Theology of Culture», in What is Religion?, N.Y., 1969; A. Shorter, Toward a Theology of Inculturation, Londres, 1988; Les Sciences face aux confins de la connaissance: le prologue de notre passe culturel. Colloque international, Venise 3-7 Mars 1986», Paris: Unesco, 1987. 32 BENITO CAO Universidad de Adelaide Descubrimiento como ideología: el descubrimiento de Asia en el Humanismo Portugués El objetivo fundamental de este trabajo no es otro que continuar el diálogo sobre el humanismo portugués iniciado en el coloquio Humanismo Latino na Cultura Portuguesa, celebrado en Octubre del 2002 en Porto (Portugal). En aquella ocasión, la profesora Elvira Azevedo Mea expresó su confianza en el humanismo latino “como utopía necesaria para poder promover referencias éticas, el diálogo entre religiones y la aproximación entre Oriente y Occidente” (10). La idea de que el humanismo latino pueda convertirse en puente entre Oriente y Occidente demanda un análisis del humanismo portugués, no sólo porque la presencia portuguesa ha constituido históricamente la presencia latina más importante en el continente asiático, sino también, y esto es más significativo, por la importancia de Asia (o el Oriente) en el pensamiento humanista portugués, especialmente durante su edad de oro, el siglo XVI. El lugar de partida de este trabajo se halla también en el citado coloquio, solamente que esta vez en las conclusiones del profesor Carlos Pimenta, y en particular en la idea de que el humanismo latino sólo puede ser una referencia adecuada y significativa de pensar el ser humano (y por lo tanto la humanidad) “si se reconstruye permanentemente en confrontación con su negación” (186). Para ello, continúa el profesor Pimenta, es necesario “una lucha racional y afectiva de cada uno de nosotros contra nosotros mismos” (186). La reconstrucción permanente de uno mismo requiere, entre otras cosas, una constante revisión crítica de nuestras raíces culturales. Pero además, si queremos combinar dicha reconstrucción con la capacidad para (re)conocer al otro, tanto dentro como fuera de nosotros mismos, es necesario entender tales raíces no como esencia (como algo inmutable) sino como inercia (como una fuerza difícil pero no imposible de modificar). 33 Este trabajo ofrece una lectura crítica del humanismo portugués a través del análisis de sus raíces, que se hallan en el período de los descubrimientos, en particular en el descubrimiento de Asia. Los principales textos estudiados aquí son: la Relação da Viagem de Vasco da Gama de Álvaro Velho, la Suma Oriental de Tomé Pires, las Décadas da Ásia de João de Barros, la Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, y Os Lusíadas de Luís de Camões. La aproximación realizada a estas obras en el presente estudio es de carácter general, pero el autor guarda la esperanza de que las reflexiones que siguen a continuación contribuyan a fomentar el interés por realizar un análisis crítico más profundo, detallado y sistemático del humanismo portugués del siglo XVI. * * * El humanismo portugués tiende a ser visto como un humanismo fraterno, amoroso, y abierto al Otro. Su originalidad residiría en la conjunción del Amor y la Aventura, sintetizados en el Descubrimiento. El carácter aventurero del ser portugués habría contribuido a unificar la Tierra, y su eminente capacidad de amar habría hecho lo mismo con la Humanidad. Esta visión romántica del humanismo portugués descansa sobre una visión igualmente romántica de los descubrimientos portugueses, en particular del descubrimiento de Asia. La interpretación más lograda de esta visión es la historiografía apologética de Jaime Cortesão, y en particular su trabajo titulado O Humanismo Universalista dos Portugueses (1965). Cortesão identifica dos fuerzas históricas que habrían empujado a Portugal al Descubrimiento: la Caballería Andante y la Orden de San Francisco. El ideal de la caballería andante habría dado al ser portugués “el sentido de servicio social y el deseo continuo de superación” (35), mientras que el ideal del franciscanismo le habría dado una “concepción más amorosa y humana de la Vida” (56). En otras palabras, la caballería andante proporcionaría la energía necesaria para lanzarse a descubrir el mundo, mientras que el franciscanismo actuaría como conciencia superior, como “mística de los Descubrimientos” (65). El descubrimiento constituiría “una creación libre del espíritu” en la que Portugal “da las manos” a continentes y razas en un acto de creación universalista que llevaría a la comunión del Hombre con la Naturaleza y a la fusión de la Humanidad (71). La esencia del humanismo portugués se encontraría en 34 Os Lusíadas (1572) de Luís de Camões, y más concretamente en la mítica Isla de los Amores. Cortesão subraya la centralidad del amor y de los sentidos en el poema épico de Camões. El humanismo de Camões se caracterizaría por hacer del Amor “el premio del heroísmo, el fin de la libertad, la ley y el patrón supremo de la Humanidad y de la Naturaleza” (241). La Isla de los Amores sería “el símbolo y la exaltación poética de una experiencia vivida, más o menos, por todos los portugueses de los Quinientos, en los mundos nuevos que habían descubierto” (197), así como “la culminación lógica y humana de la obra de los Descubrimientos y de la expansión portuguesa, en su totalidad” (198). La Isla de los Amores sería la imagen perfecta del Humanismo. La idealización del descubrimiento puede observarse también en la obra de Miguel Torga. En su emotiva descripción de Portugal, contenida en Traço de União (1955), Torga define el descubrimiento como el resultado de un proceso abierto, en el que los portugueses se lanzan al mundo con espíritu “deslumbrado y conciliante” para diseminar la cultura portuguesa (su lengua, su fe, sus costumbres y su humanidad) como “dádiva fraterna de pacífica convivencia” (140-141). En otras palabras, la expansión portuguesa se habría realizado con vocación de servicio y no de dominación, es decir, con vocación humanista y no imperialista. El carácter fraterno del humanismo portugués fue teorizado también por António Alberto de Andrade en un trabajo titulado Muitas Raçãs: Uma só Nação (1968). Según Andrade, la esencia del humanismo portugués sería “la simpatía humana por los pueblos de otros continentes, sin propósitos de imperialismos, que la exigua fuerza militar y el flaco poder económico nunca permitieran siquiera visionar en sueño” (86) [énfasis añadido]. Ante la posibilidad de que la falta de poder pudiera poner en duda la virtud de los portugueses, el autor reitera que la expansión portuguesa se realizó “sin intentos de colonialismo” (86) [énfasis añadido]. En cualquier caso, lo que tenemos aquí es una definición de la expansión portuguesa como un proceso vacío de poder: intencional (falta de voluntad de poder) e inevitable (falta real de poder). Andrade no oculta el uso de la fuerza por parte de los portugueses, pero lo define como una “política de paz” (18). El uso de la fuerza y la ocupación de puntos estratégicos habrían sido medidas de carácter defensivo, provocadas por la agresividad de quienes se negaban a recibir con con35 fianza el mensaje humanista de Portugal. El recurso a la guerra por parte de los portugueses aparece como respuesta apropiada (guerra justa) ante la negativa de los pueblos descubiertos a establecer relaciones diplomáticas y comerciales con Portugal, o ante su negativa a permitir la libre propagación del Evangelio (32). La guerra era producto de la resistencia del Otro al abrazo fraterno de Portugal. La reformulación más reciente de esta visión idealizada del humanismo portugués y de la presencia portuguesa en el mundo se puede encontrar en la intervención de António Teixeira Fernandes en el coloquio Humanismo Latino na Cultura Portuguesa, titulada “Humanismo Português: Modo de Ser num Espaço em Abertura ao Universal”. El hecho de que su intervención fuera realizada en el contexto de la tensión entre la identidad portuguesa y la identidad europea no impidió al autor invocar a Miguel Torga para reiterar el carácter conciliante, pacífico y fraterno de la presencia portuguesa en el mundo desde la época de los Descubrimientos (164-165). Esta visión romántica del descubrimiento y del humanismo portugués descansa sobre un doble argumento. El primero, de carácter secular, afirma que el descubrimiento fue un proceso derivado fundamentalmente de la curiosidad científica que caracterizó el espíritu del Renacimiento. El motor secular del descubrimiento habría sido la Voluntad de Saber. El segundo argumento, de carácter religioso, afirma que el descubrimiento fue un proceso de extensión del espíritu fraterno del Cristianismo. El motor religioso del descubrimiento habría sido la Voluntad de Amar. Los dos argumentos comparten un elemento clave: afirman el interés desinteresado (sin voluntad de poder) por lo desconocido. El argumento secular lo hace a través de la oposición entre la Voluntad de Saber y la Voluntad de Poder, mientras que el argumento religioso lo hace a través de la oposición entre la Voluntad de Amar y la Voluntad de Poder. La apertura portuguesa al mundo se definiría como un proceso humanista (como ausencia de poder), y por lo tanto como negación del imperialismo (como voluntad de poder). * * * La llegada de la expedición de Vasco da Gama a la India en 1498 no puede ser entendida como un evento aislado, sino como un momento más de la expansión portuguesa por el mundo, iniciada en 1415 con la toma de Ceuta, 36 ciudad musulmana situada en el norte de África. La participación en la conquista de Ceuta inspiró al Infante Don Henrique, la principal figura asociada con los descubrimientos portugueses, a continuar la expansión portuguesa por África. Las consecuencias inmediatas de está decisión fueron el inicio del tráfico de esclavos por el Atlántico y la explotación del oro de Guinea. El proceso de exploración de las costas africanas culminaría con la apertura de una ruta marítima entre Lisboa y Calcuta. El carácter imperialista del momento inicial de la aventura marítima portuguesa no ha afectado de forma significativa la concepción humanista del descubrimiento de Asia. La tradición de pensar el avance por las costas africanas como una empresa principalmente humanista se remonta a la Crónica dos Feitos de Guiné (1453-1464), de Gomes Eanes de Zurara, obra escrita por encargo del Rey Don Afonso para preservar la memoria histórica (y heroica) del Infante Don Henrique. La primera de las razones que motivaron a Don Henrique a lanzar Portugal a la aventura del descubrimiento habría sido, según Zurara, el deseo de conocer la tierra situada más allá de la Islas Canarias y del Cabo de Bojador (Capítulo VII). Zurara no oculta la existencia de otros motivos: la posibilidad de establecer relaciones comerciales con otros reinos cristianos; descubrir el poder real de las fuerzas del Islam; descubrir si existían príncipes cristianos con quien establecer alianzas contra el enemigo islámico; y extender las fronteras de la Cristiandad. Sin embargo, a pesar de que el conjunto de motivaciones deja claro que el objetivo primordial de los descubrimientos portugueses era acrecentar el poder político y comercial de la Cristiandad, la primacía otorgada a la curiosidad renacentista (voluntad de saber) del Infante Don Henrique ha servido para negar la esencia imperialista del proceso de descubrimiento. El énfasis puesto en la curiosidad y el conocimiento, en la búsqueda de lo desconocido, produce una curiosa paradoja cuando uno considera que los objetivos concretos del descubrimiento eran encontrar lo conocido (riquezas: metales y especias) y lo idéntico (cristianos). Los motivos explícitos que llevaron al rey de Portugal a financiar la expedición a la India eran, en palabras del propio Vasco da Gama, tal como las recoge Álvaro Velho en su Relação da Viagem de Vasco da Gama (1498): la búsqueda de “cristianos y especias” (51). En este sentido, la expansión portuguesa por el mundo se trataría no tanto de un proceso de descu37 brimiento (búsqueda de lo desconocido o de lo diferente) sino más bien de un proceso de acumulación (búsqueda de más de lo mismo: más riquezas y más cristianos). La expectativa de (re)descubrir los pueblos cristianos que se pensaba habitaban a lo largo y ancho del mundo llevaría a Álvaro Velho a afirmar la presencia de cristianos en casi todos los lugares visitados de camino a la India. Su crónica del viaje de Vasco da Gama contiene varias referencias a encuentros con “cristianos de la India” (47) que en realidad eran miembros de la religión Hindú. El cronista llegaría incluso a declarar enfáticamente: “Esta ciudad de Calcuta es de cristianos” (51). La idea de que la población de la India era de mayoría cristiana no se desvanecería ni siquiera después de la visita a un templo Hindú, donde Velho habría visto (o mejor dicho imaginado) una imagen de Nuestra Señora (55). El engaño se derivó con toda probabilidad de la confusión del sonido de la palabra Krishna (la segunda persona de la trinidad hindú) con el sonido de la palabra Cristo. Sea como fuere, las expectativas de encontrar lo conocido (más de lo mismo) impedían reconocer la diferencia, y anuncian la futura dificultad en (re)conocer al Otro. La realización de que las gentes del continente asiático no eran cristianos, sino musulmanes, hindúes, budistas o xintos llevaría a promover la evangelización de Asia, desde la India hasta el Japón. La inclusión de misioneros en la expedición de Pero Álvares Cabral a la India en 1500, inicia y anuncia el imperialismo cultural de Portugal en Oriente, donde actuaría como agente de la Cristiandad. La llegada de la Compañía de Jesús al Japón en 1549, bajo la bandera de Portugal, puede considerarse la culminación de una misión que había comenzado en Ceuta, con espíritu de cruzada, en 1415. * * * La Relação de Álvaro Velho contiene abundantes ejemplos de prácticas que revelan el carácter imperialista de los descubrimientos portugueses en general, y en particular de la expedición de Vasco da Gama a la India: el bautismo de lugares descubiertos, la colocación de cruces y padrões [pilares de piedra], así como el uso simbólico y directo de la fuerza. La mayoría de estas prácticas eran de carácter simbólico pero reflejan la transformación del acto de ver por primera vez (descubrimiento) en acto de apropiación (toma de posesión). El uso frecuente de la fuerza que acompañó y 38 siguió a los descubrimientos serviría para confirmar y hacer efectiva la voluntad de poder de los portugueses en Asia. La principal expresión de voluntad de poder durante las expediciones marítimas fue la práctica de dar nombre a los lugares visitados o simplemente avistados. Los nombres escogidos para bautizar dichos lugares eran de dos tipos: descriptivos o simbólicos. Los primeros hacían referencia a rasgos físicos del lugar, como por ejemplo: Ponta de Pescaria, Bahía das Alagoas, Cabo dos Vaqueiros, Rio do Cobre y Cabo da Roca. Los segundos hacían referencia, en la mayoría de los casos, a símbolos o figuras cristianas, como por ejemplo: Cabo de Santa Helena, Serrania de São Rafael, Terra do Natal, Cabo de Santa Maria y Terra de Santa Bárbara. El acto de dar nombre a los territorios descubiertos, especialmente en el caso de nombres simbólicos, refleja una doble voluntad de poder: política (incorporación al reino de Portugal) y religiosa (incorporación al orbe del Cristianismo). El aspecto más revelador de la voluntad de poder fue la colocación de padrões – pilares de piedra de gran tamaño, con la inscripción del escudo real, coronados con una cruz, y dedicados generalmente a santos cristianos, entre otros: San Gabriel, San Rafael, Santa María y San Agustín. Los padrões reflejan la armonía entre el poder político y religioso en Portugal: entre el Estado y la Iglesia. Preparados en Portugal, los pilares eran llevados en las naves, y colocados en lugares visibles de los territorios descubiertos. Su visibilidad cumplía una doble función: práctica (visto desde el mar: punto de referencia para futuras expediciones) e ideológica (visto desde la tierra: símbolo de autoridad para los habitantes locales). La práctica, iniciada por el Rey Don João II, de colocar pilares de piedra en lugar de, o acompañando a las tradicionales cruces de madera indica no sólo voluntad de poder, sino también voluntad de permanencia, la llegada de una autoridad duradera. La colocación de los primeros padrões tuvo lugar durante la expedición de Diogo Cão entre 1482 y 1484. El primer padrão, dedicado a San Jorge, fue colocado en 1483 en la desembocadura del Río Congo, lugar todavía conocido como Ponta do Padrão. La expedición de Vasco da Gama no fue ajena esta práctica, colocando al menos tres padrões: el primero, dedicado a San Rafael, fue colocado de camino a la India, en el Rio dos Bons Sinais (Zambeze); el segundo, dedicado a San Gabriel, fue entregado a los emisarios del Samorín de Calcuta; y el tercero, dedicado a 39 Santa María, fue colocado durante el viaje de retorno, en unos islotes que pasarían a ser conocidos como Ilhéus de Santa Maria. La tripulación colocó también un pilar y una cruz de madera en el Cabo de São Brás. La destrucción de los mismos el día después de su colocación, y a la vista de la tripulación portuguesa, indica que el simbolismo imperialista de esta práctica no pasó desapercibido a los habitantes locales. La resistencia a la presencia portuguesa llevaría al uso frecuente de la fuerza, así como a construir fortalezas destinadas a garantizar la protección de los puestos comerciales una vez establecidos. El relato de Álvaro Velho revela también el uso de las armas, en demostración de fuerza o en confrontación directa, tanto durante la travesía por las costas africanas como durante la estancia inicial en Calcuta. La llegada de los portugueses a la India fue sinónimo de confrontación directa con los comerciantes musulmanes de Calcuta, que controlaban la exportación de especias para el Mar Rojo. Los portugueses se verían favorecidos por el apoyo del Rey de Cochin, quien vio en la llegada de éstos la oportunidad de convertir su reino en el centro exportador de la pimienta para Europa. La alianza entre los reinos de Portugal y Cochin culminaría con su triunfo sobre Calcuta en 1505. La presencia portuguesa en el Indico Occidental se vería reforzada con la llegada de Francisco de Almeida y consolidada durante el gobierno de Afonso de Albuquerque. El uso decisivo y sin complejos que hizo éste de la fuerza militar le llevó a conquistar Goa (1510), Malaca (1511) y Ormuz (1515), estableciendo así la estructura territorial sobre la que se asentaría durante más de un siglo el Estado da India. * * * El humanismo surgió del desarrollo cultural e intelectual del Renacimiento, un periodo que se caracterizó por la recuperación de las formas e ideales clásicos asociados con la antigua Grecia y la antigua Roma. En términos generales, el humanismo portugués se alimentó de las mismas fuentes greco-latinas que inspiraron el pensamiento humanista en el resto de Europa. Sin embargo, el humanismo portugués no puede considerarse un simple apéndice o una mera versión del humanismo europeo. El desarrollo del pensamiento humanista en Portugal fue lo suficientemente importante y diferenciado como para ocupar un lugar pro40 pio, incluso privilegiado, en el conjunto del pensamiento humanista del siglo XVI. El elemento que otorga un carácter especial y específico al humanismo portugués es la centralidad de los descubrimientos, en particular del descubrimiento de Asia, en su concepción de la Humanidad. Las navegaciones de los portugueses llevaron a descubrir mares y tierras ignoradas por los clásicos, así como a desmentir el carácter inhóspito, deshabitado, o terrorífico de muchos de los lugares visitados. El proceso de descubrimiento contribuyó a desacreditar las opiniones y teorías de los clásicos acerca de las dimensiones y el contenido de la Tierra. La grandeza de los mares y tierras descubiertos por los portugueses era tal, escribió João de Barros en Rópica Pnefma (1532), que causaría confusión y vergüenza a los grandes geógrafos de la antigüedad como Plinio o Ptolomeo. La soberbia con que muchos humanistas escribieron sobre los descubrimientos portugueses no fue compartida por todos. João de Castro, por ejemplo, recordaba que las navegaciones llevadas a cabo por los portugueses no habrían sido posibles sin el saber legado por los clásicos, y citaba, entre otros: la astrología de Hiparco, la mecánica de Arquímedes, la cosmografía de Ptolomeo, o la geometría de Euclides. La propia aventura de los descubrimientos era objeto de crítica, recelo y llamadas a la cautela. La manifestación más célebre en este sentido es la arenga que Camões puso en boca del Velho de Restelo en el Canto IV de Os Lusíadas, alertando de los peligros que acompañan la búsqueda de la fama y la gloria, con ocasión de la partida de la flota de Vasco da Gama para la India (est. 94-104). Ni las críticas a la soberbia de los modernos ni las llamadas a la cautela de los portugueses impidieron que Portugal crease una imagen de sí mismo como la Nueva Roma. La presencia portuguesa en todas las partes conocidas del mundo y, en particular, las hazañas realizadas por los portugueses en el Oriente demostraban la superioridad de Portugal sobre Griegos y Romanos. La mayor expresión de este sentimiento de superioridad fueron una vez más los versos de Camões. La grandeza de Portugal llevaría a los humanos a olvidarse de Asirios, Persas, Griegos y Romanos (Canto I: est. 24 y Canto II: est. 44). Camões anticipa así la noción de Portugal como Quinto Imperio del Mundo elaborada y profetizada por el padre jesuita António Vieira en su História do Futuro, escrita a mediados del siglo XVII. Los descubrimientos portugueses no sólo contribuyeron 41 a la superación del conocimiento de los clásicos y a la formulación de Portugal como una Nueva Roma, sino también a la construcción del Oriente. La llegada de Vasco da Gama a la India y la expansión portuguesa por el continente asiático tuvieron un impacto profundo en la (re)formulación del Oriente, cuya imagen hasta entonces apenas si alcanzaba mas allá de lo que hoy conocemos como el Oriente Próximo, y estaba asociada de forma casi exclusiva al Islam. Entre las obras que sirvieron para incorporar el continente asiático en el pensamiento humanista portugués se pueden destacar tres: la Suma Oriental de Tomé Pires, las Décadas da Ásia de João de Barros, y la Peregrinação de Fernão Mendes Pinto. * * * La Suma Oriental (1516) es la más importante y completa descripción de Asia producida en la primera mitad del siglo XVI, y contiene la primera, y durante muchas décadas insuperada, descripción europea de Malaca (Malasia). La obra fue escrita por el boticario Tomé Pires, enviado como feitor a la India en 1511, y posteriormente despachado de embajador a China. La mayor parte del texto fue escrita en Malaca, donde el autor vivió durante dos años y medio, y completado durante breves estancias en la India y en Cochin. El texto final fue enviado al Rey Don Manuel, probablemente en cumplimiento de una comisión encargada al autor antes de partir de Lisboa. La atención especial que Tomé Pires da a Malaca no es un simple reflejo del tiempo que el autor pasó en esta ciudad, sino que refleja el tema central de la obra: el Comercio. Malaca era uno de los centros comerciales más importantes del continente asiático, punto donde se encontraban las principales rutas comerciales y a donde llegaban productos de todas las partes del Oriente. Malaca era considerada por muchos como la “feria del Oriente”. El puesto de feitor y la estancia en Malaca dieron a Pires acceso directo y privilegiado a un volumen enorme de informaciones de todo tipo, sobre todo de carácter comercial. El producto de esta información fue la Suma Oriental. La Suma Oriental es un informe minucioso y sistemático del entramado de redes comerciales que atravesaban el Oriente, desde Egipto al Japón. El texto contiene detallada información sobre las numerosas rutas comerciales: las distancias entre ciudades, los productos comerciados, los 42 impuestos cobrados, así como las monedas, y los pesos y medidas utilizados en los diferentes reinos, ciudades y puertos comerciales del Oriente. La Suma Oriental contiene también numerosas e interesantes informaciones sobre los reinos y gentes del Oriente: descripciones de la fisonomía y del carácter de sus hombres y mujeres; información sobre dietas y alimentos comunes, sobre estructuras sociales y políticas, sobre creencias y prácticas religiosas, y curiosidades como las prácticas sexuales de Malabar. La obra de Tomé Pires es, como bien indica su título, la suma de todos los datos acumulados por el autor sobre el Oriente en el periodo que va de 1512 a 1515. La Suma Oriental es una obra de carácter utilitario y materialista. Las descripciones y observaciones sobre las gentes están subordinadas al interés por el comercio del Oriente. De hecho, la obra no es sólo un cuadro comercial sino también una apología del Comercio. En el prólogo, Tomé Pires define el comercio como una actividad placentera, necesaria y conveniente, que ennoblece reinos, ciudades, y gentes. El autor invoca el pasado comercial del Papa Pablo II, el pensamiento de los clásicos de Atenas, y la pasión de la nobleza oriental por las actividades comerciales, para cantar las virtudes del comercio. Estamos, por lo tanto, ante un texto que anuncia la llegada de una nueva ética social universal, aquella que se convertiría en la ética moderna por excelencia: el Capitalismo. La glorificación del comercio no lleva a Tomé Pires a romper con la ética cristiana, algo por otra parte impensable en el Portugal de siglo XVI, sobre todo para un oficial del Reino. La presencia portuguesa en Asia se hallaba, escribe Pires, bajo el amparo de la omnipotencia del Dios cristiano y estaba realizada “en el nombre de nuestro Señor Jesús Cristo” (323). El autor coloca la empresa portuguesa en Asia en el marco de la cruzada contra el Islam y justifica el coste inmenso de dicha empresa por ser cosa que “ensalza, incrementa y aumenta nuestra santa fe católica, y causa abatimiento, pérdida y daño a la falsa y diabólica opinión del nefando, ignominioso y falso Mohamed, líder de toda la vana Religión mora” (324). La Suma Oriental anuncia la llegada de la modernidad, entendida como mundo dominado por el saber científico, cuando defiende la experiencia, y en particular del sentido de la vista (ver por uno mismo) como único fundamento válido del conocimiento. El texto, explica Pires en el prólogo, es un relato basado en la experiencia personal, en lo que él ha 43 visto con sus propios ojos o, en su defecto, en información proporcionada por testigos oculares de los hechos. Así, por ejemplo, el autor pone en cuestión la existencia de “hombres de largas orejas que se cubren con ellas” porque “yo nunca vi quien viese que los viera” (449) [énfasis añadido]. El autor no cuestiona la existencia de tales hombres porque su descripción le parezca fantasiosa o falta de lógica, sino porque ni él ni nadie que él conozca los ha visto. La veracidad del conocimiento es fundamental en la obra de Tomé Pires dado el carácter utilitario de la Suma Oriental. El conocimiento acumulado por el autor no es producto de la simple curiosidad, de la pura Voluntad de Saber, sino, como revela el propio autor en el prólogo de la obra, de la Voluntad de Poder. La Suma Oriental es un instrumento de dominación, un texto que otorga al rey de Portugal un conocimiento esencial para mantener e incluso ampliar su poder en Oriente. La voluntad de poder se aprecia en el siguiente pasaje del texto, uno de los pocos donde el autor pasa de la descripción a la evaluación, indicando que: “para someter al gobernador de Malaca a nuestra obediencia no se precisa tanta fuerza como dicen, porque es gente muy débil y fácil de desbaratar” (456). El humanismo de Tomé Pires está subordinado al imperialismo y al capitalismo, es decir, a los intereses comerciales del Reino de Portugal. El descubrimiento de Asia en la obra de Tomé Pires es sinónimo del conocimiento adquirido sobre el comercio del Oriente. La Suma Oriental es pues un instrumento de poder, un texto imperialista, preocupado no por la Humanidad o las gentes de Asia, sino por promover los intereses comerciales de Portugal en Oriente. La centralidad del Comercio y las Cosas del Oriente en la Suma Oriental convierten al Oriente en una Mercancía, a la vez fuente y objeto del deseo de Occidente. * * * Las Décadas da Ásia, escritas a mediados del siglo XVI y publicadas entre 1552 (la Primera) y 1615 (la Cuarta), narran el descubrimiento y conquista de los mares y tierras de Oriente por parte de los portugueses hasta el año 1538. La obra fue escrita por João de Barros, tesorero y feitor de varias instituciones encargadas de gestionar las actividades comerciales de la corona portuguesa con África y el Oriente. Los varios cargos oficiales de João de Barros le dieron, al igual que a Tomé Pires, acceso directo a una can44 tidad ingente de información sobre las actividades comerciales de los portugueses en el continente asiático, así como sobre las cosas y las gentes de Oriente. Sin embargo, las Décadas difieren de forma radical de la Suma Oriental. Mientras que el eje de la Suma Oriental es el Comercio, el eje de las Décadas es la Historia. Y si el centro de la Suma Oriental es el Oriente, el centro de las Décadas es Portugal. Lo primero que cabe destacar de las Décadas es el concepto de historia con el que fueron escritas. João de Barros define la historia como un gran edificio que debe servir de ejemplo y lección de humanidad. La historia ha de ser un edificio edificante. El historiador, arquitecto del edificio (y artificio) que es la historia, tiene la responsabilidad de producir una narrativa coherente y ejemplar, donde los hechos (el pasado) sirvan de guía a las nuevas generaciones (el futuro). De este modo, si la Suma Oriental es principalmente una acumulación de datos, las Décadas son una selección de los mismos. Los dos pilares básicos sobre los que se sustenta la construcción de la memoria histórica de Portugal en las Décadas son la Monarquía y la Cristiandad. Así, si la Suma Oriental es un ejemplo clásico del saber como poder, en las Décadas de João de Barros tenemos también la otra cara de la relación: el poder como saber. La historia plasmada en las Décadas de João de Barros refleja los intereses de la expansión y conservación de los dominios portugueses en Oriente, obtenidos a través de la Conquista, con un doble objetivo: la Cruzada y el Comercio. João de Barros define la expansión portuguesa como Cruzada destinada a restituir a la Iglesia Romana la jurisdicción perdida sobre el Norte de África, y a expandir la fe cristiana por el Oriente, “desde Arabia hasta más allá del Ganges” (Década I: 12). El objetivo prioritario de la expansión portuguesa era “atraer las bárbaras naciones al yugo de Cristo […] para gloria de Dios y crecimiento de la fe de Cristo” (Década I: 32). El otro objetivo esencial de la presencia portuguesa en Asia es el Comercio. João de Barros define el comercio como fundamento de la convivencia, por ser “el medio por el que se concilia y trata la paz y el amor entre todos los hombres” (Década I: 182). Este canto al comercio, sin embargo, no desplaza a la religión cristiana como fuente de la moralidad. El ejemplo más notable de la primacía religiosa en las Décadas se aprecia en la amarga queja de João de Barros por el cambio de nombre que había sufrido la América Portuguesa, que en poco tiempo había pasado de 45 llamarse Terra de Santa Cruz (en referencia a la sagrada madera) a ser conocida como Brasil (en referencia a la madera comercial: el palo-brasil). João de Barros revela la ansiedad ante la posibilidad de que el Comercio (Capitalismo) pudiera desplazar a la Religión (Cristianismo) como ética universal de la Humanidad. El cristianismo de João de Barros se traduce en una concepción unitaria de la Humanidad que le lleva a interesarse por las gentes y culturas del Oriente. Las Décadas demuestran una sincera admiración por la civilización china, sobre todo por su sistema judicial y su tecnología, llegando a comparar favorablemente China con Grecia y Roma. Estos sentimientos han sido frecuentemente interpretados como una muestra de humanismo abierto al Otro. Sin embargo, el límite de tal apertura era el mismo cristianismo, acentuado en este caso por el proselitismo beligerante de João de Barros. Si bien es verdad que la admiración por la civilización china le llevó a una visión más tolerante de los “herejes chinos” (budistas) que de hindúes o musulmanes, el objetivo final de la presencia portuguesa en Oriente era compeler a las bárbaras naciones a que “dejasen sus idolatrías, diabólicos ritos y costumbres, y se convirtieran a la Fe de Cristo, para todos ser unidos y juntados en caridad de ley y amor, pues todos éramos obra de un Creador y redimidos por un Redentor, que era Jesús Cristo” (Década I: 182). En caso de que dichas naciones no aceptaran “esta ley de fe y negasen la ley de paz” dichas leyes habrían de ser impuestas a “hierro y espada” (Década I: 182). La misión de Portugal en Oriente era incorporar sus gentes a la Cristiandad. João de Barros defiende también la propagación de la lengua portuguesa como cimiento indispensable y condición necesaria para el desarrollo y conservación de los dominios portugueses. El portugués se convierte en parte del armamento imperial – su función no sería solamente la comunicación (lengua franca) sino también la aculturación (pensamiento único). El espíritu imperialista que caracteriza las reflexiones humanistas sobre la lengua portuguesa se puede apreciar tanto en la Gramática da Língua Portuguesa (1540) de João de Barros, como en la Gramática da Linguagem Portuguesa (1536) de Fernão de Oliveira. La lengua portuguesa es vista en estas obras como instrumento esencial de conservación y transmisión cultural, pero también como vehículo de poder e influencia ideológica. La enseñanza del portugués en los territorios de ultramar apa46 rece ligada a la difusión del cristianismo y a los intereses del Reino de Portugal. La clave para interpretar las Décadas de João de Barros, aquella que une los tres pilares de su narrativa histórica (Cruzada, Comercio y Conquista) es el concepto de Descubrimiento. La mejor ilustración de la centralidad de este concepto en las Décadas se encuentra en el pasaje donde el autor explica como el Rey Don Manuel, a través de Vasco da Gama y Pero Álvares Cabral, descubrió y tomó posesión de las “esencias de todo el Oriente”: la Navegación, que corresponde a la Geografía; la Conquista, que trata de la Milicia; y el Comercio, que conviene a la Mercancía (Década I: 13-14 y 228-230). La clave de este pasaje es la noción de que el rey descubre y toma posesión de las esencias del Oriente en un solo acto: el Descubrimiento. El descubrimiento de Asia en João de Barros es pues sinónimo con la toma de posesión del Oriente. El descubrimiento sirve así para unir Asia a Portugal, el Oriente a Occidente. El humanismo de João de Barros y su apertura al Oriente están determinados por la voluntad de poder, por el deseo de incorporar el Oriente a la temporalidad cristiana (al Cristianismo) y al espacio político portugués (al Reino de Portugal). El concepto fundamental que le permite realizar esta incorporación es el concepto de Descubrimiento. La unidad del mundo facilitada por los descubrimientos portugueses abriría el camino a la unidad de la humanidad bajo la única fe verdadera, el Cristianismo. La identidad entre Humanidad y Cristiandad, y el proselitismo beligerante de João de Barros, convierten su humanismo en imperialismo, o si se prefiere en un aspecto más del imperialismo portugués. Las Décadas son, por lo tanto, una obra pionera y un ejemplo paradigmático del Orientalismo – la meta-narrativa que sirvió (y aún sirve) para incorporar el Oriente a las estructuras políticas, comerciales, e ideológicas de Occidente. * * * La Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, publicada por primera vez en 1614, cuenta las aventuras y desventuras del autor durante los veintiún años que pasó por tierras orientales, desde 1537 a 1558. El bajo salario que recibía como ayudante de cámara empujó a Mendes Pinto a embarcarse para la India “con pocas ilusiones, pero preparado para todo tipo de aventura” (4). En sus andanzas por 47 Etiopía, Arabia, India, China, Sumatra, y otras partes de Asia, Mendes Pinto habría sido “trece veces capturado y diecisiete veces vendido” (2). La obra narra su vida de marinero, pirata, esclavo, comerciante, soldado, jesuita, mendigo y embajador, a la vez que describe la flora, la fauna, los productos, y las gente del Oriente. El resultado es un texto a medio camino entre la narrativa histórica y la literatura romántica, donde el autor aparece como protagonista directo de la historia – no como historiador (como hace João Barros) ni como espectador (como hace Tomé Pires). La velocidad con que se suceden los acontecimientos y el estilo oral, dinámico y vibrante de la prosa de Mendes Pinto hacen de la Peregrinação una de las obras mayores de la literatura portuguesa. Mendes Pinto demuestra una habilidad magistral para hacer sentir lo que cuenta. Su obra está repleta de imágenes visuales y auditivas llenas e colorido. El vocabulario auditivo es particularmente abundante y efectivo: música, alborozo, toques de campana, disparos, toques de trompeta, pregones, bramidos y griterío. El vértigo con que sucede todo, y todo lo que sucede, es de carácter extremo – aspecto que Mendes Pinto cultiva a la perfección, alternando o mezclando lo suntuoso (templos, fiestas y bellas mujeres) y lo espantoso (conflictos, cautiverios, crueldades, tiranías, y batallas incruentas con miles de muertos). La obra de Mendes Pinto es un baile de extremos, una danza de hombres crueles y bellas mujeres, en un mundo de guerras y tiranías, de fiestas y de negocios. Las características que hicieron de la Peregrinação una obra de indudable valor literario (la ardiente imaginación y el cultivo de los extremos) así como el hecho de estar basada en la memoria del autor (el texto fue escrito después de su regreso) llevaron a cuestionar su veracidad durante mucho tiempo – algo que ha cambiado en tiempos recientes. En cualquier caso, su valor histórico no está tanto en la exactitud de los eventos que narra sino en lo que nos dice sobre sus protagonistas, en particular sobre los primeros conquistadores portugueses en Oriente. La Peregrinação es una ventana abierta al carácter y al comportamiento de estos hombres, cuya mezcla de espíritu aventurero, ambición personal y fervor religioso les hizo capaces de grandes hazañas y grandes crueldades. El aspecto más destacado de la Peregrinação desde un punto de vista humanista es la crítica indirecta del clero y la nobleza de Portugal, así como del comportamiento de los portugueses en Oriente. Se trata de una crítica indirecta o 48 encubierta porque el autor articula su posición a través de la alegoría y la voz del Otro (el niño chino y el viejo ermitaño). Las palabras del niño chino le sirven para criticar la falsa religión, la hipocresía del culto externo sin correspondencia práctica en la vida cotidiana. Las palabras del viejo ermitaño le sirven para condenar el comportamiento (e incluso la presencia) de los portugueses en Oriente. El carácter moderno y relativista de la sátira corrosiva de Mendes Pinto le hace digno precursor de Montaigne y Voltaire. El espíritu crítico de Mendes Pinto no impide que la Peregrinação sea una obra de carácter imperialista y un ejemplo clásico de Orientalismo. El texto refleja el doble deseo que caracteriza la aproximación orientalista al continente asiático: la búsqueda personal del hombre occidental del misterio y la sexualidad oriental, y el fin colectivo de controlar y educar (que por aquel entonces era sinónimo de evangelizar) el Oriente. Mendes Pinto no deja lugar a dudas sobre su atracción por las mujeres del Oriente. La omisión irradiante de lo sexual contrasta con la presencia constante de las mujeres (siempre muy bellas y muy bien vestidas) y en cierta manera contribuye a alimentar el deseo por la Mujer Oriental. Mendes Pinto, al igual que João de Barros, elabora una imagen utópica de China. Canta las excelencias de su clima, su riqueza y su política. Admira su sentido de la justicia y su respeto a la vida humana. China aparece como una civilización avanzada y liberal, superior en muchos aspectos a Grecia, Roma y Portugal. China posee una ética y una cultura superior a la de Occidente. Sin embargo, carece del elemento esencial: el Cristianismo. Mendes Pinto exploraría la posibilidad de pregonar el Evangelio en China. Tras su encuentro con el padre jesuita Francisco Xavier, ingresaría en la Compañía de Jesús, y participaría y financiaría gran parte de la misión jesuita de 1554 al Japón. La crítica al comportamiento de los portugueses no significaba que Portugal debiera abandonar el Oriente. Mendes Pinto expresa su decepción porque Portugal no hubiera dominado antes el Reino de Siam (Thailandia), el cual le habría dado más provecho y con menos gastos que la India. Siam tenía entre otras cosas, y en grandes cantidades: plata, hierro, acero, plomo, estaño, salitre, azufre, seda, índigo, algodón, rubíes, zafiros, oro, cera, miel, azucar, palo-brasil, pimienta, canela, jengibre y cardamomo. No sólo era el Reino de Siam rico en todo esto y mucho más, sino que además era fácil de dominar porque, según revela el autor, sus 49 habitantes “además de ser gente muy débil por naturaleza, no acostumbran a tener armas defensivas” (758). El descubrimiento de Asia en la Peregrinação es una aventura personal, una odisea en la que Mendes Pinto retorna transformado por el Otro. Sin embargo, su apertura al mundo oriental no está vacía de poder. Poder que se expresa en forma de Deseo. Mendes Pinto es la imagen perfecta del Deseo: deseo de riqueza, deseo de evangelizar, y deseo del Otro (o para ser más preciso: de la Otra). Mendes Pinto confiesa que lo que le llevó a emprender el viaje a la India fue hacer fortuna. Mendes Pinto se convierte, aunque sólo de forma temporal, en Caballero de Cristo. Mendes Pinto revela una atracción casi fetichista por la mujer Oriental. La Peregrinação es la síntesis perfecta de la aventura de Occidente en Oriente, un tratado magistral sobre la fuerza que movió al Portugués en el Oriente, y quizá sobre la fuerza que mueve a la Humanidad: el Deseo. * * * La llegada de Vasco da Gama a Calcuta en 1498 constituye uno de los momentos claves de la historia moderna y de la historia de Portugal. Su viaje contribuyó a echar por tierra las teorías clásicas sobre la forma del planeta y dio a Portugal acceso directo a la India, Java, Malaca, China y Japón. El impacto de los descubrimientos geográficos y el contacto directo con pueblos orientales fue articulado en torno a una doble distinción: por un lado, entre lo Antiguo y lo Moderno; y por otro lado, entre Oriente y Occidente. La corriente de pensamiento encargada de articular este momento histórico fue el humanismo de inspiración renacentista. El papel protagonista de los portugueses en los descubrimientos y en las relaciones con los pueblos asiáticos otorgó un lugar de privilegio al pensamiento humanista en Portugal. El humanismo portugués puede pues considerarse una pieza esencial para la construcción de la Modernidad (como un discurso científico de la realidad) y del Orientalismo (como un discurso eurocéntrico de la identidad-alteridad). La base conceptual del humanismo portugués fue el Descubrimiento, y en particular el descubrimiento de Asia. La idea de descubrimiento sirvió para ordenar, para dar sentido a la realidad histórica del encuentro entre Portugal y los pueblos de Asia, y por extensión entre Occidente y Oriente. El concepto de descubrimiento cumplió una doble 50 función ideológica. En primer lugar, sirvió para legitimar la autoridad portuguesa en Asia. La idea de que Portugal había descubierto Asia otorgó una posición epistemológica privilegiada a Portugal sobre el Oriente. En segundo lugar, sirvió para neutralizar el carácter imperialista de la presencia portuguesa en Asia. La primacía del término descubrimiento en las narrativas históricas y literarias de la expansión portuguesa sirvió (y aún sirve) para separar la voluntad de saber (asociada al término descubrimiento) de la voluntad de poder (asociada al término conquista), y por lo tanto para negar la esencia imperialista de la expansión portuguesa por el Oriente. El hecho de que la superioridad epistemológica otorgada por el concepto de descubrimiento no se viera trasladada al terreno material, fruto de un balance de poder que limitaba la capacidad de dominación de los portugueses en el continente asiático, ha servido para reforzar la visión romántica de la presencia portuguesa en Asia. Sin embargo, tanto las acciones como las palabras (que son una forma más de acción) de los portugueses revelan el carácter imperialista de su llegada a la India y su expansión por Asia. El comportamiento de los marineros y misioneros portugueses así como el pensamiento humanista portugués reflejan la voluntad de poder que caracterizó la presencia portuguesa en el Oriente. La complicidad histórica del humanismo portugués (y europeo) con el imperialismo, de donde nació y donde se desarrolló, no significa que debamos abandonar la idea de Humanidad. El humanismo es susceptible de nuevas erupciones y de un proceso de transubstanciación. Sin embargo, si queremos que este proceso no esté contaminado desde el principio, es necesario reconocer el pasado imperialista del humanismo, así como la fuerza del deseo (la voluntad de poder) que subyace a todas las actividades humanas – un deseo que permite (en tanto que aproxima) y limita (en tanto que pretende dominar) todo humanismo. Un estudio crítico detallado y sistemático del humanismo portugués del siglo XVI quizá nos pueda ayudar a comprender mejor el potencial y los límites del humanismo latino como puente entre Oriente y Occidente, así como el potencial y los límites del humanismo en el siglo XXI. 51 Referencias y Bibliografía Alexander, Karen: “Mendes Pinto’s Peregrinação and Cabeza de Vaca’s Relación: Pilgrimages to find God at the ends of the World”. Portuguese Studies Review: Vol. 6 - No 2 (1997-1998), 81-90. Andrade, António Alberto de: Muitas Raças: Uma Só Nação. (Esboço da Teoria do Humanismo Português). Nova Edição. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar (1968). Barros, João de: Ásia de João de Barros: dos feitos que os portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras de Oriente. 4 vols. Sexta Edição. Actualizada na ortografia e anotada por Hernani Cidade. Lisboa: Agência Geral das Colónias (1945-46). Barros, João de: Gramática da Língua Portuguesa (Cartinha, Gramática, Diálogo em Louvor da Nossa Linguagem e Diálogo da Viciosa Vergonha). Reprodução facsimilada, leitura, introdução e anotações por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1971). Biedermann, Zoltán: “Nos Primórdios da Antropologia Moderna: A Ásia de Joao de Barros”. Anais de História de Além-Mar. Vol. IV (2003), 29-61. Borges Coelho, António: João de Barros. Vida e Obra. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1997). Boxer, Charles R.: The Portuguese Seaborne Empire: 1415-1825. London: Hutchinson (1969). Boxer, Charles R.: João de Barros. Portuguese Humanist and Historian of Asia. New Delhi: Concept Publishing Company (1981). Camões, Luís de: Os Lusíadas. Editada con introducción y notas por J D M Ford. Oxford: Clarendon Press (1973). Cóloquio Internacional de Estudos. Humanismo Latino na Cultura Portuguesa. Treviso: Fondazione Cassamarca (2003). Cortesão, Jaime: O Humanismo Universalista dos Portugueses. A Síntese Histórica e Literária. Obras Completas: Volume 6. Lisboa: Portugália Editora (1965). Cortesão, Jaime: O Império Português no Oriente até 1557. Obras Completas: Volume 15. Lisboa: Portugália Editora (1968). Cortesão, Jaime: Os Descobrimentos Portugueses - III. Obras Completas: Volume 23. Lisboa: Livros Horizonte (1975). Crone, Gerald R.: The Discovery of the East. London: Hamish Hamilton (1972). Dos Santos, João Camilo: “From Myth to Reality: The Portuguese Literature of the Discoveries”. Portuguese Studies Review: Vol. 7 - No 2 (1999), 129-142. Hooykass, Reijer: Humanism and the Voyages of Discovery in 16th Century Portuguese Science and Letters. Amsterdam: North-Holland Publishing Company (1979). Laborinho, Ana Paula: “A Questão da Língua na estratégia da evangelização: as Missões no Japão”. Separata do livro O Século Cristão do Japão. Actas do Colóquio Internacional Comemorativo dos 450 anos de amizade Portugal-Japão (1543-1993). Lisboa, 2 a 5 de Novembro de 1993. Magalhães Godinho, Vitorino: O Papel de Portugal nos Séculos XV-XVI. Que Significa Descobrir? Os Novos Mundos e um Mundo Novo. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1994). Mendes Pinto, Fernão: Peregrinação. 2 Vols. Versão para português actual de Maria Alberta Menéres. Lisboa: Edições Afrodita (1971). 52 Oliveira, Fernão de: A Gramática da Linguaguem Portuguesa. Introdução, leitura actualizada e notas por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda (1975). Oliveira e Costa, João Paulo: O Império Português no Oriente. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (1995). Oliveira e Costa, João Paulo: A Descoberta da Civilização Japonesa pelos Portugueses. Instituto Cultural de Macau - Instituto de História de Além-Mar. (1995). Penrose, Boies: Travel and Discovery in the Renaissance: 1420-1620. Cambridge - Massachusetts: Harvard University Press (1955). Pires, Tomé: The Suma Oriental of Tomé Pires. 2 Vols. London: Hakluyt Society (1944). Traducido por Armando Cortesão. [Con texto original en Portugués]. Said, Edward W: Orientalism. Western Conceptions of the East. [1978] London: Penguin Books (1995). Sardar, Ziauddin: Orientalism. Buckingham - Philadelphia: Open University Press (1999). Subrahmanyam, Sanjay: The Portuguese Empire in Asia, 1500-1700: A Political and Economic History. London and New York: Longman (1993). Torga, Miguel: Traço de União. Temas Portugueses e Brasileiros. [1955] Segunda Edição Revista. Coimbra: Gráfica de Coimbra (1969). Velho, Álvaro: Relação da Viagem de Vasco da Gama. Introdução e notas de Luís de Albuquerque. Lisboa: Comisão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Ministério da Educação (1989). 53 ELVIRA AZEVEDO MEA Universidade do Porto Facetas do Humanismo português no Oriente “O Humanismo é a última resistência de que dispomos”. Edward W. Said (1935-2003) Este grito lancinante do fim do século XX mostra bem o desgaste e empobrecimento dum conceito que se foi esvaziando de significado ao longo de cinco séculos, em que foi vestido e despido de toda uma série de preconceitos. Ligado, por definição, ao homem e à sua intrínseca dignidade, à medida que esta se foi diluindo, assim o Humanismo foi sendo vilipendiado à mercê de todo o género de interesses mais ou menos mesquinhos. Daí, hoje poder constituir-se novamente numa força, num poder, mas de resistência, daqueles que não querem de modo algum perder o direito de serem homens com a tal intrínseca dignidade. A nível dos povos, sempre que conseguiram passar de estados a nações, também podemos constatar humanismos próprios da alma de cada povo, que, por sua vez se filiam em outros mais amplos, como o Humanismo Latino e o Humanismo Cristão. Humanismos característicos duma Europa que ainda não conseguiu atingir a essência desse Humanismo cristão, que pressupõe a universalidade da dignidade do Homem, pelo que não teve consciência da sua dimensão como ser livre, o que implicava a aceitação e respeito pela dignidade e liberdade do outro. Daí que a Europa na sua expansão, em relação ao resto do mundo utilizasse apenas um mero e formal humanismo latino, onde os conceitos de cidadania e Direito eram só para alguns. A própria missionação no seu afã evangelizador, amiúde esqueceu que a Verdade não se possui nem em seu nome se pode esmagar a dignidade e liberdade humanas, sem as quais o Homem deixa de o ser. É neste contexto que gostaríamos de destacar a 55 expansão e humanismo português que não se fecharam com a transferência de Macau para a China, evento, onde exactamente presenciámos a existência de um diálogo, duma mistura de culturas, bem evidentes na lusofonia. A nossa expansão foi todo um conjunto de sucessos e desventuras de quem ousou, mas eivada de todo um sentimento universalista inequívoco, que fez dos portugueses “o povo dos brandos costumes”. Povo anónimo que chegado aos trópicos, logo esqueceu o conceito de “família”, apanhou o “mal de África”, ao mesmo tempo que ia fazendo da língua portuguesa mais ou menos africanizada uma língua franca, deu-se bem nas lonjuras asiáticas. O português escambou, escravizou, cristianizou, matou e amou, mas desse dar, tirar e receber nasceu toda uma mestiçagem de gentes, culturas e mentalidades. “Tudo isso é tanto, é pouco para o que quero” e eles quiseram que o mundo fosse um, onde o tomate se tornou “pomo d’oro”, a mulata uma tentação, o cristianismo afeiçoou as arestas cortantes do pecado, o saber foi de experiência feito. Sem uma política de expansão nem infra-estruturas governamentais, a emigração, eminentemente masculina, virou sinónimo de assimilação e mestiçagem e não perda de identidade e muito menos decadência. O que não fez o Estado, a Igreja e as instituições, fez o homem comum, o aventureiro curioso, ao inserir-se em outros quotidianos em que tudo era diferente. E talvez porque tudo era diferente e o Estado estava sempre tão distante, cada um sentiu que valia por si mesmo, pelo que, sem proteccionismos, as potencialidades do indivíduo concretizaram-se em função de si mesmo e duma solidariedade imprescindível para a sobrevivência, numa liberdade que evidenciou o tal humanismo português. Assim, para subsistir num meio estranho o português precisou dos autóctones; a adaptação ecológica e humana foram simultâneas. Passado o Oceano, as pressões sócio-religiosas esvaíram-se, escrúpulos e preconceitos desvaneceram-se, o fascínio do diferente determinou uniões; passou a imperar o instinto, meio de dasafogar as angústias e compensar as inseguranças. Numa mestiçagem, também mental, diminuíram os antagonismos entre o que era e o que devia ser. Todavia o continente asiático não correspondeu do mesmo modo a esse fascínio do diferente, na Índia os portugueses conseguiam apenas unir-se com mulheres oriun56 das dos estratos mais baixos das populações, como prostitutas e bailadeiras. Afonso de Albuquerque, interessado no “enxerto de homens”, a única forma de manter a terra com segurança, conseguiu, depois de muita insistência, pela incompreensão total do rei, instituir um regime de dotes para os indivíduos que conseguissem casar com indianas fora desse círculo mais baixo da sociedade, missão quase impossível, dado o sistema de castas. No extremo oriente as dificuldades foram ainda maiores, dado que não houve domínio de nada nem de ninguém, o próprio epíteto de “bárbaros” passou para os portugueses, “gente de raça branca, de alto nariz, os olhos verde-escuros, mas sem brilho. Não deixam crescer a barba e o cabelo e quer seja preto ou branco, deixam-no cair da cabeça até ao pescoço, onde fica pendendo encaracoladamente ou solto. Os que possuem escravos julgam-se importantes”1. Apesar de em 1596 um holandês asseverar ser “a ilha e cidade de Macau habitada por Portugueses misturados com Chineses”2, a verdade é que as uniões mais ou menos legais se realizaram com hindus, malaias, chinesas, japonesas e africanas, escravas, raptadas ou compradas. Mesmo se o comércio de mulheres era normal na região, acontece que, com a desculpa de as fazerem cristãs, os portugueses tanto casavam como tinham em casa várias3, a título de criadas, afilhadas, até porque depressa preferiram as chinesas e japonesas às outras, devido às suas qualidades e trato4. A situação de barregãs e provavelmente também a conversão levaram os chineses a protestar, levando a coroa a proibir tal tráfico, pois poderia prejudicar o comércio com a China, proibição renovada em 1614 pelo vice-rei, D. Jerónimo de Azevedo, mas sem grandes resultados até quando, em 1749, o Código Penal chinês passou a ser aplicado na cidade. Com efeito, era comum os chineses pobres venderem os filhos; por outro lado em pleno século XVII há várias referências ao povoamento de Macau, destacando-se a participação de mulheres chinesas, consideradas belas, formosas, mas recatadas5. Tomé Pires descreve-as assim na “Suma Oriental”: “As mulheres parecem castelhanas, têm saias de refugo e coses e sainhos mais compridos que em nossa terra, os cabelos compridos enrodilhados de gentil maneira em cima da cabeça e lançam neles muitos pregos de ouro para os 57 ter e a redor predaria, quem a tem, e sobre a moleira jóias de ouro e nas orelhas e pescoço, põem muito alvaiade nas faces e arrebiques sobre ele e são alcaforadas que Sevilha lhes não leva a vantagem e bebem como mulheres de terra fria, trazem sapatos de pontilha de seda e brocados, trazem todas abanões nas mãos, são da nossa altura e delas umas tem os olhos pequenos e outras grandes. E narizes como hão-de ser”6. Cerca de 1620 Macau constituía-se uma praça-forte, em franco crescimento e progresso, captando um interesse redobrado por parte dos holandeses, que tudo fazem para suplantar comercialmente os portugueses e das autoridades de Cantão que proíbem a residência a japoneses e põem limite a construções. Não obstante a conjuntura complexa que os holandeses desencadeiam em prol duma posição na região, em 1625, Manuel Severim de Faria confirma que: “Com os chinas estão os nossos em grande amizade, por que vendo o Rei a grande liberalidade com que os de Macau o socorreram, para a guerra dos Tártaros, mandando-lhe artilharia, munições e oficiais destes misteres, agradecido, deu privilégio (aos moradores de Macau) de naturais da China, e licença para se fortificarem contra os holandeses, e juntamente os declarou por seus inimigos”7. Em 1635, António Bocarro define Macau como “uma das mais nobres cidades do Oriente... e de mais número de casados... oitocentos e cincoenta portugueses, e seus filhos são muito mais bem dispostos e robustos que nenhuns que haja neste Oriente; todos têm uns por outros seis escravos de armas de que os mais e melhores são cafres e outras nações... Além deste número de casados Portugueses tem mais esta cidade outros tantos casados entre naturais da terra, chinas cristãos que chamam jurubassas de que são os mais, e outras nações, todos cristãos... Tem além disso esta cidade muitos marinheiros pilotos e mestres portugueses e os mais deles casados no Reino, outros solteiros que andam nas viagens de Japão, Manila, Cochinchina, desses mais de cento e cincoenta... Têm mais cento e cincoenta soldados em que entram dois capitães de infantaria e outros tantos alferes e sargentos...”8. Este Macau do século XVII é inédito no âmbito da expansão portuguesa: sujeito a uma outra potência, em termos de território, de possibilidades de comércio (em 1631, por exemplo, fecham o comércio no estuário, em 1666 proibição de escambo com toda a China), com os portugueses, 58 como bárbaros, a sofrerem uma certa discriminação, pelo que a miscigenação, salvo raríssimas excepções, se faz com mulheres compradas ou raptadas. Em pleno século XVIII, como descreveu o Padre André Pereira, em 1737, as mulheres chinesas “...são tão retiradas que não há portugueses de ver nenhuma... são castissimas para connosco, entende-se a gente grave e mulheres de mercadores...”; quanto ao traje das mulheres chinesas não posso dizer muito porque não vi nenhuma à excepção das da classe pobre; as mulheres são muito ataviadas...”9 A China era outro mundo, terrífico, incompreensível mas fascinante, definitivamente esmagador. Quem a conhece não deixa de maravilhar-se com a sua civilização superior, o seu requinte, a complexidade e perfeição das instituições, é a “monarquia do mundo”, diz Fernão Mendes Pinto. Camões esclarece que: “O rei que têm não foi nascido Príncipe, nem dos pais aos filhos fica, Mas elegem aquele que é famoso Por cavaleiro, sábio e virtuoso”10. Duarte Gomes Solis, um dos homens de negócio mais esclarecidos do seu tempo, aponta a China como “a mais célebre e famosa província de todo o universo, porque não há nação no mundo que a iguale”, um modelo, em que graças às suas manufacturas era o centro da prata no mundo, a política fiscal razoável e justa, a justiça eficiente. “Por estas razões se atrevem os chineses a dizer que todas as nações do mundo não têm mais que um olho, e eles dois, pois só desta monarquia se sabe, de eternidade, não ser entrada por outras nações nem arruinada pelos costumes estrangeiros que tanto mal fizeram a outras monarquias”11. Realmente, apesar da discriminação, inerente à sua própria mentalidade, que votava aos estrangeiros, a China tolerava os portugueses, como já apontámos, provavelmente porque estes depressa compreenderam que havia que ajustar-se a essa outra forma de sentir, de estar, de viver. Daí um certo cuidado em não ferir as susceptibilidades dos chineses, (mesmo se estes não estão particularmente interessados no assunto), pelo que, entre outros aspectos, uma missionação muito especial se delineia. Com efeito, utilizam-se as estruturas já experimentadas na Índia, simplesmente a realidade é outra, e houve que adaptar – o território era minúsculo e havia que manter um contingente populacional que, cristão ou não, trabalhasse e se ocupasse em diversos serviços. 59 Assim, o papel do Padre Pai dos Cristãos de Goa, figura central da conversão e catequização dos gentios, com grande poder religioso e civil, não tem o correspondente em Macau (pelo menos como figura de peso na sociedade), pelo que, em 1715, perante o problema que se põe com as serviçais chinesas (meninas e mulheres), que anualmente aportavam a Goa para trabalharem por conta de outrem durante um determinado prazo, e que frequentemente ficavam para sempre, por falta de controlo, verifica-se que o interlocutor do Pai dos Cristãos de Goa é alguém do foro civil, “governador, ouvidor, comissário e mais ministros”12. A questão da escravatura feminina (proveniente da China e do sudeste asiático) parece ser uma pecha na presença portuguesa no Extremo Oriente, pois em 1725 é o vice-reitor da Igreja no Japão, Padre Jacob Greff, quem pede ao Senado macaense que ponha cobro à situação, já que então tal comércio era feito por chineses e macaenses, não obstante a proibição sistemática e a excomunhão do bispo, como é o caso de Frei Hilário de Santa Rosa. Novamente em 1733 a Igreja insurge-se contra o crescente tráfico de mulheres. No entanto, por parte da Coroa houve sempre uma atitude ambígua, pois sistematicamente se interditou ao Pai dos Cristãos a possibilidade de retirar estas escravas aos seus donos, como delibera D. João V. A “pressão feminina” parecia ser uma das causas desestabilizadoras da cidade, levando a que os prelados pressionassem o Senado para ser mais severo e determinar “bárbara e nula a referida escravidão”. Em pleno século XIX, como, por exemplo, em 1832 e 1870, os mandarins também se rebelam contra esta escravatura feminina, em que até os mouros usufruíam dela, mesmo se muitas vezes eram os pais a venderem as filhas, simplesmente faziam-no em condições de extrema necessidade e pensando que a servidão era temporária, como vimos. No campo das instituições, destaca-se o Senado que em 1580 se arroga no direito de “prover os cargos nas pessoas do povo natural”13, tendo o seu procurador, a partir de 1584, por ordem do imperador Chin-Tsong (Van-li), o grau de mandarim, para em representação do Senado, ser o interlocutor com o governo de Cantão. Mediante eleições trienais, os macaenses elegiam os seus vereadores informando então o vice-rei dos respectivos resultados, sem deixar qualquer margem a uma interferência por parte da autoridade máxima, o vice-rei de Goa, 60 até porque, como se fazia então questão de esclarecer, Macau não tinha custado nada à Coroa portuguesa. Em 1593, o Senado em carta para Lisboa refere: “se acha este povo tão livre, que os que nele temos a cargo governar, não nos é possível mais que governar pelos ditames de seu querer”, dado que, realmente, o povo vigiava-o. Com efeito, criaram sanções morais, depois legais (1689) para quem se furtasse a cumprir os cargos ou os ocupasse mal, cabendo a presidência rotativamente a cada um dos três principais que regiam o Senado. Sempre que a gravidade da situação o exigia, decidia-se em conselho geral, constituído também pelas autoridades religiosas e militares e notáveis convocados. Assim se manteve, superando ao longo dos tempos todos os conflitos de poder mais ou menos graves, tanto com o poder religioso como com o militar. Deste modo, Macau conseguiu criar uma instituição inédita na História do Municipalismo português, algo a que, dadas as especificidades muito particulares, a Coroa aquiesceu em dar-lhe uma ampla autonomia, que lhe conferiu a maleabilidade precisa para jogar com poderes e culturas tão díspares. Raramente houve confronto entre poder central e Senado, o qual, sem abdicar da sua autonomia administrativa, sempre apoiou o reino em épocas de crise e comungou dos seus momentos de festa, atitude que, tanto quanto parece, deixava perplexos e algo sensibilizados os mandarins de Cantão. Não é por acaso que a designação de colónia, ou melhor, “colónia interessante” é usada apenas em documentação portuguesa de Goa ou Lisboa. Macau, ano após ano, foi capitalizando sabedoria de modo a criar um “modus vivendi” pacífico com uns e outros, particularmente com a China: “Para esta cidade se conservar é necessário viver-se com quem está em terra alheia, e depende de sua vontade e não mostrar lha querem ou lha podem tomar...”14. “É necessário dissimular quanto puder ser por se não vir a rompimento com eles, pois a China de guerra não serve...”15. Daí a incompreensão e até certas exigências de Goa ou de Lisboa que não podiam ser cumpridas, como aconteceu aquando do julgamento dum marinheiro de Manila, em que o governo de Lisboa, em 1793, não entendia “um Senado quadrilheiro dos Mandarins”16, recriminando “o vil abatimento de se prosternarem (às vezes) os Vereadores, baixando 61 sete vezes a cabeça perante os mandarins que iam à sua casa, quando semelhante demonstração não a deviam os Portugueses fazer a Nação alguma, nem os cristãos mais que a Deus”17. Decerto que havia que tratar tudo com muita prudência e tacto, “para com os chinas muita indústria e inteligência”, de modo específico com os seus interlocutores directos, de quem Macau realmente dependia, os mandarins de Cantão, já que Pequim, não obstante toda a utopia criada, esteve sempre para lá da sua compreensão, mesmo se Macau foi sempre o “átrio privilegiado das missões”. “Dar-se parte aos mandarins” foi a estratégia utilizada perante a intromissão de franceses e ingleses, qualquer que fosse. “A cidade admitiu sempre assim uma dupla responsabilidade, um duplo compromisso, com os superiores de Lisboa e com o governo china”18. Daí, desde 1583, a procuradoria dos negócios sínicos que teve à sua disposição um vereador para ser o elo de ligação com os chineses, depois acumulando as funções de juiz. Como “átrio privilegiado das missões” Macau ficou um pouco refém da auréola mais ou menos positiva dos missionários que iam para Pequim, embora poucas vezes a sua acção ou influência fossem determinantes para os macaenses, até porque, geralmente o seu foro de influência não chegava à esfera do poder e muito menos ao imperador. Houve excepções, como a ajuda militar prestada à fragilizada dinastia Ming, na primeira metade do século XVII, mediante a intervenção dum conselheiro, Paulo Hsu Kuangch’i, convertido ao cristianismo pelo Padre Mateus Ricci. De 1621 a 1647, bombardas, soldados, especialmente artilheiros, capitães vão para Pequim, estacionam em Cantão ou defendem cidades contra os tártaros. Foram onze as prestações de auxílio, que transitaram para a História portuguesa como se se tratasse duma constante, que na realidade não passou duma excepção, coroada por medidas também excepcionais, como em 1653, o monopólio de comércio com Cantão (pelo imperador Kang-hi), até 1685, quando se torna extensível a todos os estrangeiros. Foi uma época de ouro que se explica em grande parte pelo declínio da dinastia Ming (no poder desde 1368), que não controla perfeitamente todo o território e daí até a abertura à missionação que não é propriamente considerada como tal. Os jesuítas têm depressa consciência disso, como se 62 denota pelo depoimento do padre Alexandre Valignani: “É este reino da china mui diferente de todos os mais reinos e províncias orientais e parece que ao entrar-se nele se entra num mundo novo. Tem muita semelhança com a Europa e ainda se lhe avantaja em muitas coisas: é a China coisa muito grande e de um só rei mais rico e obedecido que quantos reis e senhores há no mundo. Este reino é de gente de grande entendimento e muito dada às letras e têm suas cidades muito populosas e ricas; é grandíssima a justiça e a paz entre eles; é a mais apta que há na terra para se semear nela a palavra de Deus com o maior proveito: todavia têm, por toda a parte, de tal modo fechadas as portas ao Evangelho que parece humanamente impossível encontrar-se modo para se pregar... e por mais que os padres, desde há muito, intentem entrar na China e ter licença para estar em Cantão nunca o puderam alcançar a não ser durante o tempo em que lá estejam os portugueses”19. Realmente, explicar o que era o Cristianismo era praticamente uma missão impossível, não só pela sua conceptualização como pela própria forma como a civilização chinesa considera a vida e a religião. “Para as classes cultas do império, a religião não era essencial à vida quotidiana. Se existiam deuses haviam sido inventados pelos homens para os servir, não eram os deuses que criavam os homens, eram os homens que criavam os deuses. Por norma, os chineses mostravam-se tolerantes face à crença de cada um. Haviam-se habituado a assistir à prática dos cultos mais diversos, a divindades, espíritos, animais e mesmo a montanhas que elevando-se, imponentes, uniam a terra ao céu. Os crentes, sobretudo ao nível da religiosidade popular, eram mais supersticiosos que religiosos e, acima de tudo, pragmáticos. Se o deus ... lhes concedia tal graça, era um bom deus. Caso contrário, substituíam-no facilmente por um outro deus. Os mandarins do império haviam sido moldados nos princípios da moral de Confúcio (551 a.C. - 476? a.C.), nas rigorosas mas raramente cumpridas regras de conduta deste filósofo, que consideravam uma espécie de santo pagão. O velho mestre ensinava que a sociedade devia caminhar em direcção à Da – He, a “Grande Harmonia” entre todos, e o equilíbrio com tudo o que nos rodeia. Considerando boa a natureza humana, os homens deviam permanentemente corrigir os seus erros e, pela via da sabedoria, procurar ser felizes na terra, não no céu, realidade 63 por demais distante e mal conhecida. Por isso, tanto empenho na arte de viver”20. “... Considerava-se o Cristianismo como uma religião estrangeira alheia às tradições do universo chinês. Não devia ser apoiado mas, demonstrando a sua superioridade sobre os povos ‘bárbaros’, o imperador faria da condescendência e tolerância o modo normal de lidar com as questões relacionadas com mais esta estranha crença e doutrina religiosa. O cristianismo era o produto da cultura dos homens vindos dos distantes mares do Ocidente. Os missionários estrangeiros eram gente sem coração, não tinham esposas nem filhos, abandonavam os seus pais, a sua família e a sua pátria para procurar abrigo junto da superior civilização chinesa. Os europeus deviam ser olhados com curiosidade e sobretudo com desprezo e ironia”21. Assim, a divisão da China em dioceses ou os projectos e estratégias de missionação gizados na Europa eram algo de estapafúrdio, absolutamente ignorado pelas autoridades imperiais, que, já por si desconfiando e monosprezando os estrangeiros, jamais aceitaram qualquer interferência, por mínima que fosse, na política e sociedades chinesas. Criaram-se assim uma série de mitos por parte de chineses e portugueses, muitos dos quais ainda permanecem nas mentalidades de ambos os povos. No caso dos portugueses é ainda mais fascinante perceber que os poucos que viveram na China, nomeadamente os missionários, lograram construir todo um mundo de “faz de conta” para consumo em Portugal. Na realidade, até por uma questão de defesa própria, eles nunca poderiam confessar que o seu principal objectivo era algo que não contava e era e devia ser ignorado pelas autoridades chinesas. Eles próprios, se conseguiam singrar e ser conhecidos na corte, nunca o eram como missionários e menos ainda como representantes de quem quer que fosse, mas meros e modestos artífices ao serviço do imperador, o Filho do Céu. Servimo-nos do exemplo de D. Frei Alexandre Gouveia, bispo de Pequim, que depressa se apercebeu que a China real não era a imaginada em Lisboa ou mesmo Macau. Logo em 1786 explica ao ministro: “... Os missionários Europeos, admitidos aqui a titulo de servirem o Imperio nas Mathematicas e artes de Pintura e Relojoaria, teem estado muitas vezes em perigo de serem expulsos por meras suspeitas que os chinas teem de algumas outras intençoens como a de pregar a Ley de Christo. 64 O Imperador lhes dá um kolao e trez mandarins subalternos para os governarem. Ao kolao raras vezes se pode falar e nunca a elle fazer representação alguma, mas somente por meio de trez subalternos, sucessivamente... Pello q. a mim respeita, eu tendo entrado na qualidade de Mathematico não faço aqui figura differente do resto dos Missionarios Europeos e se bem que os Ministros avizados pello Vice-Rey de Cantão sabem ser eu o Superior dos Europeos e dos Chinas Cristãos, nunca contudo me reconhecem tal nem me dão tratamento distinto”22. Ao amigo, D. Frei Manuel do Cenáculo, foi mais longe: “A respeito da minha comissão, eu como não entrei com este character de embaixador em nada posso beneficiar Macao. A nossa Côrte está totalmente às escuras a respeito das cousas da China”23. A Corte estava às escuras, mas, como vemos, também D. Frei Alexandre Gouveia não quer fazer muita luz porque não lhe convém. Tal como aconteceu com outros, durante os primeiros anos não se coibiu de realçar a sua missão e importância do cargo no meio de “gente bárbara e ignorante do brilho da Europa”. Ainda em 1786 pinta um cenário de maravilha: “Estas Christandades são mui doceis e obedientes às obrigações dos Prelados. As funçoens do Culto Divino q. eu procuro se façam na Sé com pompa e majestade possivel e q. não cedem às sés do Reino, são um attractivo eficaz e produtivo de muitas conversoens. Eu celebro pontificalmente em todas as festas do Sabhact e Nª. Sr.ª, de St.ª Clara, em dia de N. P. S. Francisco, na qual dou Benção Papal. E he para edificação ver mil e mais pessoas concorrerem à Cathedral e estarem de joelhos, assistindo a humas funçoens tão longas, as quaes acabadas eu tenho huma grande importunidade de parte dos Christãos q. querem todos tomar-me a Benção ao sahir da Egreja, e q. me fazem gastar muito tempo para deixar todos consolados. Não vi no reino tanta devoção aos Bispos. Nenhum china se atreve a falar ao seo Bispo senão de joelhos, e he hum grande trabalho com os Nobres e Ministros, conseguir q. se levantem e falem de pé. Seriam os chinas huns fervorozos Christãos se não tivesse havido escandalos, nascidos das controversias q. desde cem annos vexaram estas Egrejas. Eu procuro remediar quanto posso, prego em todas as Funçoens Maiores, estou pronto para quem quer confessar-se comigo desde o principio deste anno em q. fiquei suficientemente 65 instruido na Lingua China, de hum duro e rude trabalho de hum anno inteiro que gastei em aprender e falar. Agora também aprendo a ler e escrevê-la”24. Segundo os especialistas parece haver neste trecho como noutros um colorido irreal, na medida em que seria difícil considerar quem era nobre e se por caso houve ministros, ou seja, mandarins importantes cristãos, é estranho que não tenham sido explicitamente referidos e aproveitados como pilares de base e sustentação da obra missionária. Por seu turno, como aponta António Abreu, será que em ano e meio o bispo aprendeu chinês que bastasse para pregar, confessar, etc.? D. Alexandre de Gouveia contou e possivelmente acrescentou no que podia e queria contar, de resto é muito contido, como acontece, por exemplo, quanto a números de conversões e catecúmenos ou relativamente aos bens de que dispunha para a sua gestão e administração dum bispado que ia até Nanquim, pois não lhe convinha apresentar uma situação de desafogo ou até de riqueza, dados os imóveis que geria, sobretudo as propriedades que tinham pertencido aos jesuítas.25 É que, apesar do atraso, recebia da metrópole a sua côngrua de bispo e algum dinheiro proveniente do Senado de Macau, talvez ainda com uma réstia de esperança em vir a receber o legado de 600 mil réis anuais, que em 1754 a rainha D. Mariana de Áustria deixara para as missões da China, que até então nada tinham recebido26. No entanto, como mandarim, vice-director do Tribunal Matemático e não presidente, como fizera saber em Portugal, D. Frei Alexandre Gouveia conseguiu desmantelar os objectivos da primeira embaixada inglesa que se desloca à corte imperial de Pequim em 1793. Contrapondo à arrogância da embaixada, que oferecera ao imperador um planetário, uma novidade total para todos, que demorara um mês a montar, D. Frei Alexandre de Gouveia e os seus colegas portugueses, tiveram apenas que informar o imperador que se tratava dum aparelho alemão com peças já usadas, de segunda mão, para fazer cair por terra toda as esperanças britânicas, que com muita pompa, mas sem diplomacia, tinham apresentado em Pequim toda uma série de propostas para abertura dos portos chineses aos ingleses, uma embaixada permanente e privilégios fiscais. A missiva de Qianlong a Jorge III é significativa: “Tu, ó Rei, que vives para além dos mares, instigado 66 pelo modesto desejo de partilhar os benefícios da nossa civilização, enviaste uma missão que respeitosamente trouxe o teu memorial. Examinei com atenção esse memorial cujos termos, pelo seu fervor, revelaram uma humildade respeitosa da tua parte, muito por respeitar. ... Sobre a tua súplica para envio de um dos teus nacionais para ser acreditado junto da minha Corte Celeste para ficar a cuidar do comércio do teu reino com a China, não é possível atendê-la por ser contrária aos usos da minha dinastia. Se, como afirmas, o teu respeito pela nossa Celeste Dinastia fez nascer em ti o desejo de adquirir a nossa civilização, tu não poderias transplantar as nossas maneiras e costumes para o teu solo estrangeiro. ... Se eu ordenei, ó Rei, que se aceitassem os tributos que enviaste, foi apenas em consideração por aquele espírito que te levou a mandá-los de tão longe. As virtudes majestosas da nossa dinastia penetraram em todas as terras debaixo do Céu e os reis de todas as terras têm ofertado os seus valiosos tributos, despachando-os por terra e pelos mares. Eu não atribuo valor algum a esses estranhos e engenhosos objectos e não encontro uso para as manufacturas do teu reino pois, como o teu embaixador pode constatar, nós possuímos tudo”27. Era óbvio o desconhecimento mútuo, o que acontece também em Macau, onde, não deixa de ser curioso, ainda em 1802, quando uma esquadra inglesa se preparava para desembarcar em Macau e tomar a cidade, o Senado pede ajuda ao bispo de Pequim, que, perante tal emergência não hesitou em enviar uma representação ao “primeiro ministro de Estado”, um audacioso salto no costume, uma ingerência nítida na política chinesa. Mesmo se tal atrevimento não foi bem aceite, a situação acabou por não ter repercussões graves, na medida em que os chineses se aperceberam que a intromissão inglesa era ainda muito mais gravosa, pondo em risco os interesses e soberania do Império Celeste. O desejo do bispo de Pequim de comunicar com os seus compatriotas, falando da China e dos chineses, foi esmorecendo à medida que se ia compenetrando que não valia a pena porque nunca regressaria à pátria nem esta se interessava com as suas preocupações, o declínio da acção missionária por falta de padres, que, não obstante tantas promessas nunca chegavam, podendo passar para as mãos dos franceses a direcção de toda a missionação. Possivelmente a gradual percepção da cultura chinesa 67 foi-lhe evidenciando a distância da sua própria cultura e um distanciamento dos seus compatriotas. Como diz António Abreu, alguém que o conhece bem, “foram anos e anos de vida em Pequim, experimentando algumas alegrias, inúmeras decepções, frequentemente a falar mais com Deus e com os livros do que com os homens”28. Com efeito, D. Alexandre de Gouveia era um homem entre dois mundos, apercebendo-se certamente com o passar dos anos que na realidade não pertencia a nenhum. Com amargura concluía: “Em Lisboa, em Goa nada, absolutamente nada se sabe da China e o maes he q. o mesmo Macao ignora o sistema deste Imperio”29. A poeira do tempo fez esquecer D. Frei Alexandre Gouveia e a sua obra, mas as suas palavras permanecem actuais, o desconhecimento da China e até de Macau é ainda uma constante na cultura portuguesa. Tendo por base aquele humanismo português, universalista, que nos legaram o português marinheiro, comerciante, missionário, amante, talvez possamos cumprir um destino que nos juntou há quinhentos anos nesta cidade do santo nome de Deus de Macau – “esforçarmo-nos por compreender” a China e os chineses, a começar por aqueles que já vivem na nossa cidade, sem mitos, preconceitos ou outro qualquer tipo de discriminação. 68 Notas (1) Tcheong – U – Lãm e Ian - Kuong – Iâm, Ou – Mun Kei-Leok, Monografia de Macau, Lisboa, Quinzena de Macau, 1979, p. 207. (2) Jan Huygan van Linschoten, Itinerário, Voyage ofte Schipveert van J. H.v. L.naer Cost Ofte Portugaels Indien, Amsterdam, 1596, cit. por Almerindo Lessa, A História e os Homens da Primeira República Democrática do Oriente. Biologia e Sociologia duma Ilha Cívica, Macau, Imprensa Nacional, 1974, p. 102. (3) Não deixa de ser significativo que o Padre Francisco de Sousa considere que as mulheres para os portugueses eram como que uma droga, “compram esta droga (as mulheres) em várias províncias do Oriente, com o pretexto de as fazerem cristãs... cada um sustenta em sua casa um convento de mulheres”. Oriente conquistado a Jesus Cristo pelos Padres da Companhia de Jesus da Província de Goa, I Parte. Conquista IV, Div. II, ref. 94. (4) Note-se que segundo o Padre Afonso Sanchez, em Macau em 1582, “os portugueses de Macau casam-se com mulheres diversas mais facilmente que com portuguesas, pelas muitas virtudes que as adornam”. Carta a Filipe I, in Almerindo Lessa, op. cit., p. 106. (5) “As mulheres portuguesas, as mais delas são chinas ou têm parte disso”, informação de 1625 do frade que dirigia a botica do Colégio de S. Paulo, J. Caetano de Sousa, Macau e a Assistência, Lisboa, 1950, p. 28. Entre outros, o Padre Álvaro Semedo afirmou. “de modo particular ganhavam nas províncias do sul... o título de formosas...”. Relação da Grande Monarquia da China, trad. de L. Gonzaga Gomes, Macau, 1956, I, p. 70. (6) Summa Oriental, Londres, Hakuyt, 26, p. 393. (7) Relação Universal do que sucedeo em Portugal, e mais Províncias do Occidente e Oriente, desde mês de Março de 625 até todo Setembro de 626. Contém muitas particularidades, e curiosidades. Ordenada por Francisco d’Abreu natural da cidade de Lisboa. Braga, 1627, p. 7. (8) História da Índia, Década XII, Lisboa, Ed. Academia de Sciencias, 1876, p. 120. (9) Carta de 10 de Maio de 1737. Ref. Por Artur Viegas, “Ribeiro Sanches e os Jesuítas. Amigo ou Inimigo?”, Revista de História, 9, (16), 264, 1920, cit. por Almerindo Lessa, op. cit., p. 105. (10) Obras Escolhidas, vol. V. Lisboa, 1973, p. 250. (11) Alegación en favor de la Compañia de la India Oriental, Lisboa, 1955, p. 62. (12) Wicki José, S.J., O Livro do “Pai dos Cristãos”, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1969. (13) Curiosamente só conhecemos uma lei de 1624, determinando que os naturais, sendo cristãos, estavam em paridade com os demais vassalos do rei, para habilitação em cargos, empregos, ofícios e honras... è nesse ano que o rei lembra ao vice-rei da Índia, o Conde de Ega, que os chinas de Macau não podiam nem deviam ser escravos, segundo lei de 19 de Fevereiro de 1624. (14) Termo do Leal Senado de 13/4/1690, feito em junta de Homens Bons sobre se haverem de dar ao mandarim de Hian-xan 2400 taéis; 30/11/1748, sobre o impedimento da subida das fazendas para Cantão. Citado por Almerindo Lessa, op. cit., p. 295. (15) Biblioteca Pública de Évora, “Relação do Princípio que teve a cidade...”, Papéis do Marquês de Alenquer, Ms., CV/2-7, fl. 75. (16) Carta do Secretário de Estado de 27/1/1793. 69 (17) Biblioteca de Macau, Ms. Add. 20, 906, fl. 255 . (18) Parecer do Governador ao Leal Senado em 21/6/1806. (19) Biblioteca de Macau, Ms. Add. 9852. (20) António Graça de Abreu, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim (1751-1808). Contribuição para o Estudo das Relações entre Portugal e China, Lisboa, 2004, pp. 108-109. (21) Idem, ibidem, pp. 112-113. (22) Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, caixa 17, doc. 46. (23) Biblioteca Pública de Évora, CXVI/2-7, nº. 40. (24) Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, Manuscritos vermelhos, cod. 907, p. 23. (25) Ver António Graça de Abreu, “Os bens dos últimos Jesuítas de Pequim”, in Actas do Congresso “A Companhia de Jesus e a missionação no Oriente”, Lisboa, Fundação Oriente e Brotéria, 2000, pp. 225-234. (26) Este legado rendia um juro anual de 30.000 cruzados, que foi desviado para outros fins e, por conseguinte, nunca foi utilizado para o fim em vista. (27) Albertino dos Santos Matias, China de Confúcio a Mao Tsé-Tung, Mem Martins, Europa América, 1967, p. 200. Transcrita na obra de António Abreu, cit, p. 148, onde o autor refere que foi tal a estupefacção e o cuidado em não melindrar o rei, que os sinólogos preferiram uma tradução livre, dando outro tom e contornos à carta do imperador chinês. (28) Op. cit., p. 192. (29) Idem, ibidem. 70 ANA PAULA LABORINHO Universidade de Lisboa Da descoberta dos povos ao encontro das línguas: o português como língua intermediária a Oriente Uma das razões que nos junta neste encontro de Macau será o reconhecimento de que o português – língua e cultura – representa ainda hoje, no Extremo Oriente, uma história partilhada que permanece no vocabulário de muitas línguas da região. A chegada dos portugueses à Índia, em 1498, dá início a um frutuoso processo de trocas culturais que se alargam na medida dos novos espaços explorados e da sedimentação da presença portuguesa nas suas múltiplas vertentes (política, económica, espiritual). Como bem sabemos pelas memórias deixadas nas línguas asiáticas, o português foi utilizado como língua franca entre os diversos actores que se moviam numa geografia da Índia ao Japão, não servindo apenas para entendimento entre europeus e asiáticos, mas também entre os vários europeus e os vários asiáticos. Mas, além deste uso imposto pelas necessidades do quotidiano, que outras políticas de língua foram induzidas e que outros territórios a “questão da língua” invadiu? Ao contrário da restante Europa, as políticas expansionistas de Portugal e Espanha decidiram o ensino do português e do castelhano aos novos povos conquistados, o que decerto terá contribuído para o movimento de gramaticalização das duas línguas. A par desta estratégia, uma outra conviverá: a aprendizagem das “línguas peregrinas” – essencial no caso das civilizações mais avançadas, pouco disponíveis para acolher línguas bárbaras. No caso do Extremo Oriente, reconhecemos dois movimentos que, mesmo percorrendo direcções contrárias, conseguirão uma complementaridade exponencial: o ensino do português aos novos povos descobertos enquanto expressão dos poderes imateriais do império1, e a aprendizagem das línguas asiáticas como parte de uma estratégia de aculturação, sobretudo desenvolvida pelo esforço mis71 sionário2. Se o ensino da língua a estrangeiros faz desenvolver métodos e impõe uma acelerada sistematização do português, a abertura às línguas asiáticas rapidamente extravasa da feitura de manuais, gramáticas e dicionários para as reflexões sobre o relativismo cultural ou a possível simetria entre modelos linguísticos e organização social. 1. A questão da língua na estratégia do império A chamada “questão da língua” representou uma discussão de grande âmbito em que se envolveram os humanistas de diversos países europeus, sendo os diferentes pontos de vista muito determinados pelos interesses nacionais. Em termos gerais, a reflexão sobre os problemas da língua articulava filosofia e gramática, visto que a sistematização linguística implicava questões de lógica e a gramática era entendida como componente essencial da filosofia. Assim se explica o movimento de gramaticalização das línguas vulgares que, por este meio, procuravam adquirir a dignidade da língua-mãe latina. Se o humanismo recupera o estudo do latim e retoma o seu uso, valoriza igualmente as línguas novilatinas enquanto meios expressivos tão capazes como as línguas clássicas. É preciso, porém, referir que as posições acerca desta questão não eram unânimes, não só pelos diferentes interesses nacionais, mas porque houve posições divergentes em cada país. Em Itália, a defesa do latim procurará um efeito político, pois a glorificação de Roma apelava a uma unidade cultural que a decadência e a divisão das cidades-estado italianas contradiziam. Mas esta discussão terá também importantes repercussões noutros espaços europeus pertencendo ao humanista Lorenzo Valla (1407-1457)3 um dos mais divulgados manifestos sobre a questão: entre os seus trabalhos figura uma gramática em latim – Elegantiarum Latinae linguae libri sex (1471) – que servia de obra de consulta a quem pretendesse escrever com elegância evitando os barbarismos. Ao propor o retorno ao latim clássico, Valla pretende erradicar os vícios do período medieval, mas sobretudo faz renascer a sua utilização como língua viva e de comunicação universal. Assim acontecerá também fora do espaço europeu, visto que o latim servirá de língua de uso junto dos povos de linguajar mais estranho como é o caso do chinês e do japonês. 72 Deste modo, Valla defende um tópico que percorrerá outros humanistas europeus e alcançará igual influência em Espanha e Portugal: o valor das letras e da gramática. Se a Itália defende o retorno ao latim, noutros contextos, a polémica será entre o seu uso ou das línguas vulgares, cuja defesa é feita com o argumento de que são mais vastas as suas capacidades de expressão por serem línguas vivas. Embora humanistas e gramáticos admirem e exaltem o valor do latim, muitos não deixam de sublinhar que se trata de uma língua morta, portanto imutável, enquanto as “linguagens” – os vulgares – representavam um corpo em constante alteração pelo uso. Apesar destas polémicas terem igualmente existido no espaço ibérico (o humanista André de Resende, por exemplo, só escreveu em latim), a questão da língua assume contornos diferentes articulando-se com as necessidades e as problemáticas da expansão e dos respectivos impérios. O castelhano António de Nebrija, no prólogo da sua Gramática castellana4 de 1492, organizada segundo o modelo de Lorenzo Valla, expõe uma concepção da língua entendida como criatura orgânica ligada à vida e morte dos impérios, servindo a gramática para a estabilizar e perpetuar ao deter o fluir do tempo. Além desta ideia, que apenas desenvolve o pensamento de Valla, Nebrija introduz a consciência da língua como “companheira do império”, quer dizer, um instrumento de dominação que servirá os propósitos expansionistas5. Esta mesma atitude será partilhada pelos gramáticos portugueses6. Fernão de Oliveira, que publica a sua Grammatica da lingoagem portuguesa em 15367, torna ainda mais explícita a importância da língua como instrumento político e cultural, ao propor que Portugal imite Grécia e Roma, «porque quando senhoreavam o Mundo mandaram a todas as gentes a eles sujeitas aprender suas línguas», mas – de acordo com esse exemplo – «melhor é que ensinemos a Guiné que sejamos ensinados de Roma, ainda que ela agora tivera toda a sua valia e preço»8. Mas, ao defender o ensino do português aos povos conquistados, a língua apresenta-se como instrumento político a que se associa uma outra finalidade: a difusão do cristianismo. João de Barros, no Dialogo em louvor da nossa linguagem, que se publicou em 1540 juntamente com a Grammatica da Língua Portuguesa9, defende o valor do português a que atribui perene função na estratégia imperial associada à difusão do cristianismo. Diz ele: 73 As armas e os padrões portugueses postos em Africa e em Asia e em tantas mil ilhas fora da repartição das três partes da terra, materiais só e pode-as o tempo gastar; peró não gastará doutrina, costumes, linguagem que os Portugueses nestas terras leixarem10. Esta vertente moralista e religiosa está patente no segundo diálogo que segue a gramática, Da viciosa vergonha, onde se expõe a ideia conjunta de expansão e evangelização, complexo mental com grande expressão na época e que também conformará a questão da língua no espaço português. Gramática e diálogos revelam ainda outros aspectos originais da reflexão de João de Barros sobre a língua a partir do ponto de vista dos interesses do império11. No Diálogo em louvor da nossa linguagem, dá como exemplo ao filho, seu interlocutor, as gentes castelhana, italiana e francesa que usurparam vocabulário e trasladaram do latim, concluindo que, se os portugueses as imitassem, «já tiveramos conquistada a língua latina, como temos Africa e Asia, à conquista das quaes nos mais demos que às tresladações latinas»12. E acrescenta: E o sinal desta verdade, é que nam somente temos vitória destas partes, mas ainda tomámos muitos vocábulos, como podemos ver em todolos que começam em Al e em Xá, e os que acabam em Z, os quaes são mouriscos. E agora, de conquista de Asia, tomámos Chatinar por mercadejar; Beniága por mercadoria; Lascarim por hómem de guérra; cumnáia por mesura e cortesia, e outros vocábulos que sam já tam naturáes na boca dos homens que naquélas pártes andaram, como o seu próprio português13. Como vemos, Barros aceita e integra os neologismos provenientes de África e Ásia, e considera que constituem um enriquecimento do português. É, sem dúvida, uma visão de grande alcance, que vislumbra a expansão num sentido de intercâmbio e não apenas de dominação. O nosso autor não descura, porém, a finalidade patriótica do ensino do português aos povos descobertos e dominados, e é este ideal que o leva a exaltar os méritos da língua nacional que, segundo ele, tem «majestade pera cousas graves e uma eficácia baroil que representa grandes feitos», embora sublinhe que esta gravidade da nossa língua não lhe retira 74 força «para declarar, mover, deleitar e exortar a parte a que se enclina, seja em qual género de escritura»14. Versatilidade e capacidade de expressão - eis os traços que o fazem preferir a língua portuguesa, apesar do esplendor do latim. Assim, à semelhança de outros contemporâneos, Barros defende a utilização do vulgar contra o latim, posição que será dominante no espaço românico. A defesa da língua assumiu, porém, uma outra faceta no espaço português ao engendrar uma consciência nacional por oposição ao castelhano. Maria Leonor Buescu defende que esta foi a verdadeira “questão da língua” em Portugal15, pois apenas um grupo muito restrito podia participar e acolher a polémica em torno do latim. Mesmo antes do domínio filipino, encontramos eco deste debate no Diálogo em Deffensão da Lingua Portuguesa de Pêro de Magalhães Gândavo, publicado em 1574 junto com a Ortografia16, onde se representa uma disputa, à maneira quinhentista, entre um português e um castelhano que discorrem sobre o uso indiferenciado do português e do castelhano, ou o uso restrito do português, prática que tenderá a generalizar-se como forma de reacção ao invasor castelhano. Como conclui Maria Leonor Buescu, os três gramáticos quinhentistas, Oliveira, Barros e Gândavo, representam «três posições diferenciadas que visam – e conseguem – segundo ópticas e estratégias também diferenciadas, um objectivo comum: a dignificação do português como língua autónoma e instrumento totalmente capacitado para todas as aventuras da comunicação»17. A “questão da língua” insere-se, pois, na vertente didáctica e pedagógica do humanismo, reforçada pelas necessidades dos impérios no caso ibérico. O estudo da gramática servirá como corolário desta questão, pois a normalização e a sistematização das línguas novilatinas contribuíram para as dignificar alcançando o prestígio do latim e do grego. No caso do português, o movimento de gramaticalização foi acompanhado de uma perspectiva de ensino além-fronteiras que beneficiou da elaboração de dicionários18 e cartilhas para ensinar a ler19. Se, desde o início do século XVI, foi grande a procura em Portugal destas cartilhas20, o largo número de edições pode ser explicado pelo seu envio para as terras conquistadas21. Mas, a par do ensino do português aos povos estranhos, muito cedo surgem referências ao interesse na aprendizagem das línguas alheias como se comenta no diálogo de João de Barros dirigido ao filho, que incentiva ao estudo 75 da própria língua com o seguinte argumento: E nam te pareça trabalho sobejo entender tanto na própria linguagem, porque se fores bem doutrinado nela, levemente o serás em a alheias22. Este parecer não respeita apenas às línguas novilatinas, sendo extensível às línguas longínquas entendidas segundo a mesma filiação latina. Como veremos a propósito da língua japonesa, o paralelismo estabelecido com o português e o latim deriva de uma concepção universalista de gramática que recupera um pensamento mais geral sobre o mundo23. Assim coincidem dois movimentos opostos: ao mesmo tempo que se defende a diversidade das línguas europeias, emerge a vontade de resolver os efeitos da Babel e criar um método de linguagem e de comunicação universais. Em 1623, o Padre Amaro de Roboredo publica um manual para o ensino das línguas alheias que aproxima português, castelhano e latim, tomando como modelo o famoso Calepino24. O interesse desta obra reside na ambição de promover o entendimento entre povos, construindo um método contrastivo que pudesse ser reproduzido para línguas mais distantes. O título do manual de Roboredo, Portas de Lingua ou Modo muito Accomodado para as entender25, revela esse ideal comunicativo igualmente presente no método que consistia em traduzir, nas três línguas, frases distribuídas por grandes áreas temáticas sugeridas pelos títulos dos capítulos: «Da virtude e do vício em commum», «Da prudência e imprudência», «Da justiça e injustiça». Apesar dos temas predominantemente de raiz moral, a perspectiva comunicativa do método de Roboredo valoriza o uso, não apenas no caso do português e do castelhano, mas também do latim, enquanto língua intermediária entre linguagens bárbaras, como se refere no Prólogo: Porque isto principalmente convirá aos varões Apostólicos, que nas terras dos gentios se occupão em semear a Fé para aprender as bárbaras e peregrinas línguas: isto também será proveitoso aos confessores para poderem conhecerem os secretos pensamentos do peito das gentes estrangeiras, principalmente naquelles lugares, que frequentão muitos varões estrangeiros [...]26. 76 Trata-se, pois, de um manual para estrangeiros ou destinado àqueles «que não podem ir as escolas e permite adquirir sem mestre cópia de palavras latinas», sendo também contemplado o tema da evangelização. Esta utilidade missionária, enunciada desde as primeiras gramáticas, está igualmente presente nas cartilhas para ensinar a ler que seguiam uma estrutura muito semelhante: a primeira parte era composta por breves páginas destinadas ao ensino do alfabeto e da soletração, enquanto a segunda parte, muito maior, reunia textos para exercício da leitura, sobretudo de índole religiosa, formando um verdadeiro catecismo. Assim acontece na cartilha de Frei João Soares, publicada em Coimbra no ano de 155427, e assim acontece na cartinha de João de Barros, que faz seguir a sua «Introduçam pera brevemente aprender a ler» de um conjunto de textos sobre «os preceitos da lei e os mandamentos da Santa Madre Igreja, com o tratado da Missa»28. A análise destes livros permite notar a substancial consciência de que a língua veiculava um importante aparelho ideológico por meio do qual os valores mais explícitos da sociedade de então – predominantemente de cariz religioso – podiam ser transmitidos. 2. A questão da língua na missão do Japão Vimos que os diferentes contextos nacionais determinaram formas distintas de desenvolver a “questão da língua”: enquanto em Itália se fez a defesa do latim, em França encontramos a defesa e ilustração da língua vulgar, tal como em Espanha e Portugal, embora aqui a defesa das línguas tenha passado por uma estratégia de ensino aos povos descobertos enquanto ideal de império. Contudo, a necessidade de penetração nas culturas asiáticas, e sobretudo o interesse missionário, fez acompanhar esse objectivo da aprendizagem das línguas alheias. O movimento de gramaticalização das línguas europeias será, assim, estendido às línguas asiáticas servindo o latim como modelo universal para gramáticas e léxicos. Aliás, o estudo das “línguas peregrinas” faz parte de uma atitude mais vasta de adequação aos costumes alheios e aproximação aos outros povos. Este movimento será particularmente importante e necessário no Japão e na China, civilizações altamente organizadas e fechadas sobre si próprias, onde se investiu um considerável esforço missionário. 77 Francisco Xavier, que chega ao Japão em 1549 e aí permanece até 1551, desde logo apelou aos companheiros para que aprendessem a língua japoa de modo a conseguir maior eficácia no esforço evangelizador e, de facto, os bons resultados das missões parecem acompanhar o esforço linguístico dos missionários. A correspondência dos jesuítas, importante fonte de informação sobre estas missões29, refere em diversos documentos essa directiva introduzida por Francisco Xavier, e também relatada por Luís Fróis na sua Historia de Japam: No tempo estiverão em Cagoxima, aonde começarão a lançar logo os primeiros fundamentos da fé, padecião grande detrimento na carência da língua da qual não sabião ainda mais que o que particularmente o Irmão João Fernandes vinha da India aprendendo com aqueles japões. A maior parte do dia se ocupavam na comunicação dos próximos, e de noite prolongavão suas vigílias em oração, e um rudimento da língua com grande instância30. A aprendizagem do japonês assume, assim, lugar privilegiado nas estratégias de evangelização ao permitir um efectivo diálogo com os povos a conquistar. Nos anos que se seguem à chegada de Xavier, aumentam as referências aos padres que dominam a língua japonesa sendo elaborados catecismos, gramáticas e dicionários. Fróis destaca o papel de João Fernandes que, juntamente com o Padre Mestre Xavier e Paulo de Santa Fé, irmão de origem japonesa, compõe um catecismo que conta a criação do mundo, o tempo de Cristo e o Juízo Final sendo por este livro que pregavam31. Tal como Xavier, também o Padre Cosme de Torres, superior da missão entre 1549 e 1560, «tinha […] encomendado que fallassem ordinariamente japão», o que alguns padres tomam à letra, como é caso de João Fernandes que «nem com os Padres e Irmãos novos que vinhão da Índia, nem quando levava algum recado ao capitão-mor ou aos portugueses que com ele fallavão, lhe havia de responder nem fallar senão em japão, nem bastava dizerem-lhe que o não entendiam ou indignarem-se contra elle, para com isso se mover a deixar de lhes falar em japão»32. Estamos já no ano de 1568 e, a par desta intensiva aprendizagem da língua, traduzem-se livros para japonês, em especial obras devotas, mas também livros de entrete78 nimento como as fábulas de Esopo. João Fernandes serve de tradutor «ajudando-se de pessoas doutas para a tresladação ser mais fiel e pura»33, sendo também ele o professor dos recém-chegados e acumulando a tarefa de instruir os catecúmenos. Em 1580, o padre visitador dos jesuítas na Ásia, Alessandro Valignano (1539-1606)34, ordena a criação de um colégio na cidade de Funai onde se ensinava humanidades aos irmãos japões, e língua japonesa aos irmãos da Europa35. Também em Arima é fundado um seminário onde os meninos japoneses «mais pequenos aprendião a doutrina christã, outros a ler e escrever a nossa letra, o que fazem em dous ou tres mezes com grande facilidade; outros os caracteres de Japão e da China. Tem suas horas de gramática e, como são de vivo engenho, dão-se bem com a pronunciação da língua latina, e não lhes he peregrina como se cuidava»36. O desejo de atrair uma população cada vez maior leva os missionários a criar escolas para a instrução das crianças em sua letra e língua ao mesmo tempo que lhes transmitiam os rudimentos da doutrina cristã. Alguns destes meninos japoneses ajudaram posteriormente na feitura e aperfeiçoamento das obras em japonês, servindo também de professores aos missionários recém-chegados, juntamente com os padres e irmãos que melhor dominavam a língua japonesa, caso de João Rodrigues, intérprete na corte imperial e, por isso, conhecido como “tçuzzu”, o tradutor37. A aprendizagem da língua japonesa, na perspectiva das suas múltiplas utilizações (a comunicação, o ensino, a tradução), conduz a uma atenta observação do sistema complexo que ela constitui, além de que a visão de fora (estrangeiros provenientes de uma diferente família linguística) permitirá uma abordagem contrastiva que terá poucas hipóteses de se repetir. É assim que encontramos muitas observações sobre as diferenças entre escrita e fala no japonês, ou as distintas formas de falar de homens e mulheres, ainda que escrevam da mesma maneira, ou o modo como o japonês falado na capital e nos palácios divergia do seu uso nas províncias onde vivia a generalidade da população. A compreensão destes fenómenos enforma as obras linguísticas elaboradas pelos missionários, a que se junta a reflexão sobre as dificuldades de transcrever o material linguístico de um alfabeto para outro, isto é, de um sistema de escrita ideográfica para um sistema alfabético. 79 Em 1594, é impressa em Amacusa a Gramática latina de Manuel Alvarez, S.J., publicada em Lisboa no ano de 157238, que rapidamente se tornará o manual quase único de ensino da língua latina. Ainda antes da sua publicação, esta gramática sofre vários arranjos de adaptação à língua japonesa, como é referido por Fróis quando trata do ano de 155939. Na mesma cidade, publica-se em 1595 um dicionário trilingue latim-português-japonês40, inspirado no Calepino. Valignano refere-se a este projecto quando comenta a sua primeira estadia no Japão: Assim que cheguei ao Japão, decidi mandar fazer, com a ajuda de Deus e muita diligência, uma espécie de Calepino, com o qual cada um possa estudar o latim e o japonês ao mesmo tempo, e também uma Arte. Estes dois livros são os mais necessários, quer para os nossos homens da Europa aprenderem japonês facilmente, quer para os japoneses aprenderem latim41. Além de ser inovadora a sua estrutura trilingue, este dicionário estabelece uma aproximação pioneira entre línguas de origem diversa. Refira-se ainda o modo como do latim se passa ao japonês por meio do português, visto que esta língua do meio não se limita a sinónimos mas apresenta, em alguns casos, extensas explicações que servem o trânsito entre distintos universos culturais. Em 1603, imprime-se em Nagasaqui o Vocabulario da lingoa de Iapam com declaração em Português42, onde aparecem cerca de 30.000 registos entre os quais conceitos budistas, termos literários, bem como expressões coloquiais e dialectos do Japão central e da região de Kiushu, sendo publicado no ano seguinte um suplemento onde se complementa e corrige o trabalho anterior. Trata-se de trabalho cujo autor ou autores não aparecem identificados, como aliás no caso do dicionário, embora as licenças para publicação refiram que foi «examinado por japões inteligentes da língua e homens graves de nossa Companhia», o que deixa supor a estreita colaboração entre japoneses e missionários. A obra recorreu ao dicionário de 1595, mas enquanto este utilizara a matriz ocidental do Calepino, o Vocabulario selecciona os termos em função do japonês, ainda que os ordene pelo alfabeto português, o que revela o esforço de aculturação ao trazer a cultura alheia ao terreno de compreensão do europeu. Na advertência, figura ainda uma nota sobre o modo de identi80 ficar o vocabulário japonês consoante a região, o que representa extraordinária sistematização linguística. Mas a obra linguística mais famosa é, decerto, a Arte da Lingoa de lapam do Padre João Rodrigues, publicada em Nagasaqui no ano de 160443, e que conheceu uma versão sucinta, publicada em Macau no ano de 162044. É particularmente expressiva nesta obra a correlação entre o modo como a questão da(s) língua(s) se colocou, em função das necessidades de comunicação do império e da fé, e o modo como se alteraram as categorias mentais e os valores por via do cruzamento entre universos estranhos. Na segunda parte da sua Arte, João Rodrigues indica os erros que são habitualmente cometidos pelos estrangeiros na tradução para japonês, e adverte o leitor para a necessidade de traduzir o sentido da frase em vez de uma versão palavra a palavra. Inclui ainda um tratado sobre poesia japonesa dividido em poesia chinesa traduzida em japonês e a pura poesia japonesa, o que constitui, sem dúvida, a primeira poética japonesa explicada em língua ocidental. Na terceira parte, Rodrigues ultrapassa os objectivos da gramática e disserta sobre o estilo, gastando mais de 12 páginas a indicar as regras de etiqueta para a redacção de cartas. Acrescenta ainda um tratado breve, mas detalhado, sobre pesos, medidas e sistema de números, assim como uma tabela de conversões. Na parte final, envereda pela História e apresenta uma longa lista dos imperadores japoneses, expondo ainda a origem do budismo, confucionismo e taoísmo na China, e sugerindo que os chineses seriam descendentes das tribos de Israel, teoria que desenvolverá na sua História45. Nesta longa exposição, nomeia ainda os lendários deuses e deusas que aparecem nas antigas crónicas japonesas como Nihongi e Kojiki, e, por fim, ocorre-lhe incluir uma cronologia comparativa com início em Adão e termo no nascimento de Cristo. A obra termina com a seguinte nota: «Da criação do mundo até à era de Cristo 4074 anos decorreram. Fim do livro três da Arte do Japão». Pelo exemplo da Arte de João Rodrigues se demonstra como o interesse pela língua facilmente resvalou para o campo da cultura, não apenas na perspectiva evangelizadora, mas numa atitude mais ampla de compreensão da alteridade. 81 3. O Dicionário Português-Chinês de Ruggieri e Ricci A política de aculturação foi igualmente seguida na China embora os seus resultados não tenham sido tão evidentes em termos missionários46. Foi o visitador Alessandro Valignano que promoveu a vinda de Michele Ruggieri, S.J. (1543-1607) e Matteo Ricci, S.J. (1552-1610) para a missão chinesa, e encorajou a política de adaptação cultural47. Valignano foi um dos raros europeus que compreendeu que era necessário o cristianismo despojar-se dos seus adornos ocidentais caso pretendesse lançar raízes sólidas na Ásia. Assim, desde a primeira estadia na Índia, promove uma literatura religiosa adaptada à cultura local, constituída sobretudo por catecismos e brochuras sobre a confissão e a vida dos santos. Valignano chega a Macau em Setembro de 1578 e, tendo constatado que não eram bem sucedidos os esforços de conversão dos chineses, fica convencido de que os métodos usados pelos missionários deviam ser revistos. O primeiro passo seria formar missionários para falar, ler e escrever em chinês e, com esse objectivo, chega a Macau, no ano seguinte, Michele Ruggieri que começa de imediato a aprender mandarim. Porém, as dificuldades que experimenta e o imperativo de elaborar um vocabulário bilingue que ajudasse os novos missionários, levam a que Ruggieri solicite que lhe seja destinado novo companheiro. Em 1582, Ricci chega a Macau e inicia desde logo o estudo da língua chinesa48, como refere mais tarde em carta enviada ao Padre Martino Fornari de Pádua: Logo que desembarquei, a minha saúde melhorou; comecei imediatamente a estudar chinês... Actualmente já sei vários caracteres chineses... Dentro de um mês (precisamente em Julho de 1583), partirei para a China com o Padre Ruggieri. Devemos aprofundar os nossos estudos sobre a língua e a literatura chinesas49. No Verão de 1583, Ruggieri e Ricci entram na China instalando-se na cidade de Zhaoqing onde fundam a primeira casa da missão. Após um ano de aturado estudo, publicam a tradução de um clássico do pensamento confucionista, Tianzhu shilu, «O verdadeiro testemunho do Senhor dos Céus», elaborando também versões dos Dez Mandamentos, Pai-Nosso e Ave-Maria. Em 1585, num relato enviado ao Superior da Companhia, o Padre Acquaviva, Ricci relata que já conseguia falar com os chineses sem 82 recorrer ao intérprete, assim como podia ler alguns livros. Numa carta do mesmo ano enviada ao Padre Ludovico Maselli, S.J., que se encontrava em Nápoles, diz: Como agora falo fluentemente a língua e comecei a pregar aos cristãos na nossa igreja, abrimos as portas aos pagãos que queiram vir. Sei também ler e escrever os seus caracteres que, no total, são uns dez mil. Tenho planos de ler sozinho muitos livros assim como todos os seus livros com a ajuda que conseguir ter50. Se é sobejamente conhecida a acção de Ricci, quer enquanto divulgador da ciência ocidental, quer os seus estudos sobre a cultura chinesa, menos notados têm sido os trabalhos linguísticos, entre os quais estará um dicionário português-chinês, em que terá colaborado junto com Ruggieri. Trata-se do primeiro dicionário em que o chinês aparece a par de uma língua europeia, tendo o manuscrito ficado inédito51 até à sua edição fac-similada em 200152. A obra constitui um vocabulário bilingue no sentido restrito do termo, quer dizer, um livro de palavras listadas alfabeticamente em português (de “aba da vestidura” a “zunir”) e seus equivalentes em caracteres chineses, aparecendo uma coluna central com a respectiva romanização, e uma quarta coluna, mais esporádica, com a versão em italiano. Dieter Messner, especialista em dicionários portugueses antigos, sugere que o dicionário português-chinês possa ter usado a matriz do Dictionarium ex lusitanico in Latinum Sermonem de Jerónimo Cardoso, publicado em 156253. Trata-se da primeira obra que desenvolve a alfabetização do corpus vernáculo lexical, tendo servido de base a outros dicionários de português. Se não existem grandes novidades no vocabulário português, três aspectos fundamentais sobre o chinês contribuem para a riqueza linguística deste silabário: em primeiro lugar, contém palavras e frases da língua mandarina falada em final da dinastia Ming; por outro lado, o sistema de romanização permite estudar as características fonéticas da língua chinesa da época; e, finalmente, são registadas diversas pronúncias dialectais54. Nos seus escritos, Ricci várias vezes se refere à língua mandarina como língua universal, quer dizer, uma espécie de latim que servia para a comunicação entre os falantes de diversos dialectos, além de que representava a língua de prestígio falada na corte pelos mandarins e literatos, e usada nos tribunais, portanto aquela que convinha aprender e dominar. 83 Como nota Witek, existem claros indícios de várias mãos (os caracteres chineses, na sua maioria, parecem escritos por mão chinesa, e as entradas em italiano não são nem da mão de Ruggieri nem de Ricci), o que evidencia que, à semelhança de outros dicionários da época, se tratou de uma obra colectiva ainda que sob orientação de Ruggieri e Ricci. Antecedendo o dicionário, que não contempla menção nem indicação de autoria, surge uma lição resumida do princípio da fé católica e do sacramento do baptismo apresentada por um missionário a um letrado chinês, bem como uma explicação dos globos celestial e terrestre e, por fim, outras notas linguísticas. As últimas páginas são pequenas listas de palavras portuguesas dispostas alfabeticamente com equivalente chinês, mas sem romanização. Outros textos de natureza diversa se acrescentam (a explicação do relógio de sol, uma sentença de tribunal, e ainda listas de palavras e frases em chinês), o que revela não se tratar de uma obra preparada para publicação, estando além disso incompleta pois das 6.000 entradas em português só 5.460 têm correspondente em chinês, o que deixa perceber a dificuldade em encontrar equivalências lexicais. 4. Pioneiros portugueses da línguistica vietnamita Menos conhecido é o contributo do português para a língua anamita pois são recentes as investigações consistentes sobre o papel pioneiro dos jesuítas portugueses55. A tradição sempre atribuiu ao jesuíta francês Alexandre de Rhodes (1591-1660), a exclusiva responsabilidade pelo sistema de romanização da língua falada no Viet Nam, que substituiu os ideogramas de origem chinesa, aparecendo também como único autor do Dictionarium annamiticum, lusitanum et latinum, impresso em Roma no ano de 165156. Se este dicionário vem confirmar o uso do português como língua intermediária, sendo seguido o modelo do dicionário latim-português-japonês publicado em 1595, a pesquisa de linguistas vietnamitas e especialistas da língua tem vindo a demonstrar a proximidade entre o sistema fonético português e o quốc ngũ, a actual língua nacional criada no tempo das missões. As relações entre Portugal e o Viet Nam – então chamado Cochinchina – foram estabelecidas, por volta de 1540, no porto marítimo de Hoi An (Faifo), que então crescia como 84 grande entreposto comercial. Ao contrário do Japão e da China, Portugal não possuía um estabelecimento permanente, vindo de Macau um ou dois navios por ano, onde viajavam também missionários que usavam o período de permanência dos comerciantes para exercer a sua acção missionária, ao mesmo tempo que serviam de intérpretes, reconhecida a sua competência para aprender as línguas alheias. A partir de 1614, com as progressivas dificuldades dos jesuítas no Japão, alguns missionários ficam disponíveis para outras tarefas, sendo fundada, em 1615, a Missão da Cochinchina. No ano anterior à chegada de Alexandre de Rhodes ao Viet Nam, há certeza de que ali se encontrariam oito jesuítas dos quais quatro portugueses. Nos primeiros anos, havia-se destacado Francisco de Pina (1585-1625), que chegara em 1617 e fora o primeiro europeu a falar correntemente a língua local, tendo servido de mestre a Rhodes que lhe manifesta a sua gratidão no prólogo do Dictionarium. Na mesma advertência «Ad Lectorem», Rhodes diz ter-se servido dos trabalhos de Gaspar do Amaral (1594-1646), autor de um vocabulário anamita-português, e de António Barbosa responsável pela versão português-anamita. Em 1627, Rhodes é encarregado de expandir a missão para norte, fundando uma casa em Tonkin, onde toma ainda maior consciência da necessidade de aprender língua local, a que se dedica nos anos seguintes. Porém, em 1630, é obrigado a deixar o Viet Nam e, durante quase uma década, a missão da Conchinchina fica suspensa, sendo retomada em 1640 por um curto período que dura até 1645. Nesse ano, Rhodes faz um último esforço para ultrapassar alguns obstáculos teológicos que dificultavam a acção missionária, e promove uma reunião geral em Macau para discutir a fórmula do baptismo que deveria ser usada em língua anamita. No relato deste encontro, os padres portugueses aparecem citados pelo seu conhecimento do quốc ngũ, sendo anotados individualmente como “peritus linguae”, enquanto Rhodes é apodado de “professor de teologia”, sem referência ao seu domínio da língua anamita. Estas informações consolidam a ideia de que os conhecimentos linguísticos de Alexandre de Rhodes não seriam suficientes para ser autor único do dicionário, parecendo mais plausível, como ele próprio afirma, que se tenha servido de trabalhos existentes e seja da sua responsabilidade compilar, corrigir e sistematizar para a publicação. Parece também conclusivo que o período mais produtivo de apren85 dizagem do anamita terá coincidido com os primeiros anos da missão, o que nos conduz à figura de Francisco de Pina. Roland Jacques, na sua minuciosa pesquisa publicada em 200257, reabilita o jesuíta português divulgando documentos como a carta de Francisco de Pina, escrita em 1622 ou 1623, e encontrada inédita na colecção dos Jesuítas da Ásia58, na qual já é referida a aprendizagem da língua anamita com o objectivo de proceder à sua romanização que, como sabemos, foi factor essencial de modernização e desenvolvimento. Mas a parte fundamental do trabalho de Jacques consiste na edição fac-similada e crítica do manuscrito Manuductio ad linguam tunckinensem59, constituído por 22 páginas escritas em latim e quốc ngũ. Esta “iniciação à língua tonquinense” aparece mais como um método destinado a estrangeiros, do que um sistema de escrita para ser usado pelos nativos, o que explica o grande número de referências a princípios fonéticos bem como as regras gramaticais só perceptíveis por falantes europeus. Jacques demonstra que este trabalho pioneiro terá servido de base àquele que será desenvolvido por Rhodes, sendo irrecusáveis as marcas fonéticas do português presentes nos próprios sinais diacríticos. O interesse revelado pelos investigadores vietnamitas que têm vindo a deslocar-se a Portugal para prosseguir as pesquisas sobre a influência do português, é idêntico ao interesse de investigadores japoneses em consultar os trabalhos linguísticos preparados no período das missões. Muitos destes documentos permanecem inéditos na Biblioteca da Ajuda, ou apenas são conhecidos em edições fac-similadas que exigem análise aprofundada para proveito da história das “línguas peregrinas”, mas também dos cruzamentos culturais e suas derivas. Terminamos este excurso sobre os primórdios das políticas de língua para o Extremo Oriente sublinhando dois traços que, ao tempo, já ressaltavam: a crescente consciência da utilidade das abordagens contrastivas, sobretudo no caso de públicos de famílias linguísticas diferentes, e a progressiva compreensão dos cruzamentos entre línguas e culturas, servindo a tradução como caso exemplar do imperativo de transitarmos entre palavras e mundividências. Num tempo aparentemente condenado ao imperialismo das línguas económicamente dominantes, a lição que recolhemos do passado, pela tolerância linguística e política multicultural, é decerto um contributo para a nossa reflexão 86 presente. No meio dos encontros e desencontros da história, uma palavra comum em línguas muito diferentes pode servir de abertura ao entendimento entre desconhecidos: o mundo fica mais próximo e, bem o sentimos, menos áspero. Compete às políticas de língua do presente encontrar caminhos que actualizem e não deixem silenciar o rumor do português nas línguas e culturas asiáticas. Notas (1) Apesar da sua publicação em 1936, ainda conserva actualidade a obra de David Lopes, A expansão da língua portuguesa no Oriente nos séculos XVI, XVII e XVIII (Barcelos: Portucalense Editora, reedição em 1969). Além da influência do português sobre as línguas asiáticas, Lopes nota também a elaboração de dicionários e gramáticas que aproximavam português e línguas alheias. (2) Sobre o estudo das línguas exóticas no século XVI, ver obra de Maria Leonor Carvalhão Buescu com esse título (Lisboa: ICLP, col. Biblioteca Breve, 1983). Como se pode constatar pelos títulos que infra serão referidos, deve-se à autora relevante investigação sobre a “questão da língua” no Renascimento português, sendo responsável pela edição recente dos mais importantes trabalhos linguísticos portugueses deste período. (3) Acerca do pensamento de Lorenzo Valla e das relações entre filosofia e os diversos aspectos que enformaram a questão da língua, ver a monumental obra editada por Charles B. Schmitt e Quentin Skinner, Renaissance Philosophy (Cambridge & New York: Cambridge University Press, 1988). Ver ainda Pedro Ruiz Pérez (ed.), Gramática y humanismo. Perspectivas del Renascimiento español. Madrid: Ediciones Libertarias, 1993. (4) António de Nebrija, Gramática castellana. Madrid, 1492 (Ed. Pascual Galindo Romero e Luiz Ortiz Muñoz, 2 t. Madrid: Ed. de la Junta del Centenario, 1946). 87 (5) Sobre o tema, ver artigo de Eugenio Asensio, «La lengua compañera del Imperio» (Revista de Filología Española, tomo XLIII, cadernos 3-4. Madrid, 1962). (6) Ver Maria Leonor Carvalhão Buescu, Gramáticos Portugueses do século XVI. Lisboa: ICP, col. Biblioteca Breve, 1978. (7) Fernão de Oliveira, Gramática da Linguagem Portuguesa. 1536. Edição organizada por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: INCM, 1975. (8) Ibidem, capítulo IV. (9) João Barros, Gramática da Língua Portuguesa (Cartinha, Gramática, Diálogo em louvor da nossa linguagem e Diálogo da viciosa vergonha). 1539-1540. Reprodução fac-similada, leitura, introdução e anotações por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1971. Pela primeira vez se juntam as quatro obras linguísticas de Barros reconstituindo o corpus que fizera parte do seu projecto inicial. Ver Maria Leonor Carvalhão Buescu, Textos pedagógicos e gramaticais de João de Barros. Lisboa: Verbo, 1969. (10) Ibidem, p. 405. (11) Sobre a extensa lista de obras de João de Barros, em particular a sua vertente educativa, ver João Silva de Sousa, «João de Barros, um polígrafo do humanismo português», in João de Barros e Abraão Zacuto, A Escola e os Descobrimentos. Lisboa: Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998, pp. 7-30. (12) João de Barros, Gramática, 1971, p. 401. (13) Ibidem, p. 401. (14) Ibidem, p. 400. (15) Cf. Maria Leonor Carvalhão Buescu, A língua portuguesa, espaço de comunicação. Lisboa: ICP, col. Biblioteca Breve, 1984, p. 73 e ss. (16) Pêro de Magalhães Gândavo, Regras que ensinam a Ortographia da Língua Portuguesa. Seguido do Diálogo em Deffensão da Língua Portuguesa. 1574. Edição organizada por Maria Leonor Carvalhão Buescu. Lisboa: INCM, 1981. (17) Buescu, A língua portuguesa, espaço de comunicação, 1984, p. 75. (18) Sobre dicionários portugueses antigos, em que se incluem os que contemplam línguas asiáticas, ver os trabalhos de Dieter Messner, catedrático da Universidade de Salzburg especialista em filologia românica e filologia clássica, em especial a série de artigos publicados na revista Lusorama (Frankfurt): «Sobre dicionários portugueses antigos: uma inventariação» (nº. 28, Oktober 1995, pp. 45-64), «Ist das Dictionarium Latino Lusitanicum, ac Iaponicum ein Worterbuch der portugiesischen Sprache? (nº. 38, Marz 1999, pp. 42-52), «Mais uma vez Calepino e os dicionários portugueses» (nº. 39, Juni 1999, pp. 88-90), «“Aoga ardente=xarab”: sobre dicionários portugueses antigos (VI)» (nº. 49, Marz 2002, pp. 56-75), Recensão a John W. Witek (Hrsg.): Dicionário português-chinês […] (nº. 50, Juni 2002, pp. 126-130). Ver ainda sumário destes dicionários em <http://www.sbg.ac.at/rom/people/prof/messner/dddport.htm>. (19) Sobre o tema, ver o artigo de Fernando Castelo-Branco, «Portugal Quinhentista visto através das cartilhas para ensinar a ler», Anais da Academia Portuguesa de História, II Série, Vol. 21. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1972. (20) Além do número de edições, o grande número de “mestres de ler” e escolas revelam como o ensino das primeiras letras se torna relevante na época quinhentista. José Brandão, no tratado sobre Magestade, Grandeza e Abastança da cidade de Lisboa na 2ª metade do século XVI (Lisboa: Ed. de Braancamp Freire: Lisboa, 1923), espécie de estatística de Lisboa no ano de 1552, assinala a existência de 30 escolas para ensinar meninos a ler. (21) Em carta de 1 de Abril de 1512, Afonso de Albuquerque refere ter encontrado em Cochim uma arca contendo cartilhas e decide dar-lhes utili- 88 dade: «Pareceu-me que Vossa Alteza as nam mandara para apodrecerem estando na arca, e ordenei um homem casado aqui que ensinasse os moços a ler e escrever» (Cartas de Afonso de Albuquerque. Lisboa: Academia das Ciências, 1884. Vol. I, p. 44-45). Igualmente se tem conhecimento de que, em 1515, foram enviadas para a Abissínia duas mil cartilhas (cf. Américo Cortez Pinto, Da Famosa Arte da Imprimissão. Lisboa, 1948, p. 238). (22) João de Barros, Gramática, p. 403. (23) Sobre o tema, ver o artigo de Maria Leonor Carvalhão Buescu, “Para uma gramática universal”, Estudos Orientais, Vol. III. Lisboa: Instituto Oriental da Universidade Nova, 1992. (24) Ambrogio Calepino, Ambrosii Calepini Dictionarium hac postrema omnium editione non parua vocum Latinarum, ingenti etiam Graecarum quae rectis Latinis vocibus è regione opponuntur, accessione adauctum & locupletatum; atque à vitis, quibus olim multiplici impressione contaminatum fuerat, vindicatum. Adicimus etiam Latinis Graecisque vocibus Italicas ac Hispanicas interpretationes. Praeterea quae perperam & mendosè classicorum autorum testimonia citabantur, suae integritati restituimus. Adiuncta sunt postremò Pauli Manutij Aldi F. Additamenta tum ad intelligendam, tum ad exornandam Linguam Latinam: quaedam etiam ad Romanarum rerum cognitionem, vtilissima. Lugduni: Haeredes Iacobi Iuntae, 1559. (25) Amaro de Roboredo, Portas de Língua ou Modo Muito Accomodado para as entender publicado primeiro com a tradução espanhola. Lisboa: Officina de Pedro Crasbeeck, impressor del Rei, 1623. (26) Amaro Roboredo, cit, p.I. (27) Ioão Suarez [João Soares], Cartilha para ensinar a ler com os dez mandamentos e confissão geral. Coimbra: João Alvares, 1554. (28) João de Barros, Cartinha com os preceitos e mandamentos da Santa Madre Igreja. Lisboa: Luís Rodrigues, 1539. Edição fac-similada em João de Barros, Gramática da língua portuguesa, 1971. (29) Cf. Cartas dos jesuítas do Oriente e do Brasil. 1549-1551. Edição fac-similada. Apresentação de José Manuel Garcia. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1993. (30) Luís Fróis, S.J., História de Japam, 5 vols. Edição anotada por José Wicki, S.J. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1976-1984. Vol. 1, p. 24. (31) “E o tempo que lhe vagava de suas occupaçoes, com Paulo de Santa fé e com o Irmão João Fernandes tirarão na língua de Japão huma pratica sobre a criação do universo, e da vinda do Filho de Deos ao mundo, mandamentos e juizo final; e isto era por onde ordinariamente pregavão”. (Ibidem, Vol.1, p. 251). (32) Ibidem, Vol.1, pp. 217-218. (33) Ibidem, Vol.1, p. 279. (34) Tal como Xavier, também Alessandro Valignano, nomeado em 1573 visitador das missões jesuítas nas Índias incluindo China e Japão, incentivou o estudo das línguas nativas, assim como um maior entrosamento com as comunidades locais aprendendo os seus usos e costumes. Sobre a sua acção no período de 1578 a 1582, ver o artigo sumário de Manuel Filipe Canaveira, «Alessandro Valignano. Visitador da Companhia de Jesus no Império do Sol Nascente», Oceanos, nº. 15 (Setembro). Lisboa: CNCDP, 1993. (35) Cf. Fróis, cit., vol. III, pp. 172 e ss. (36) Cf. Fróis, cit., vol. III, p. 301. (37) Ver a notável obra do jesuíta Michael Cooper, Rodrigues, o intérprete. Um jesuíta no Japão e na China. Lisboa: Quetzal, 1994 (1ª ed. 1974). (38) Emmanuelis Alvaris é Societatis Iesu De Institutione Grammatica, Libri Tre. Lisboa: João Barreira, 1572. Desta obra, que se inspira na gramática de Nebrija, conhecem-se mais de 600 edições por toda a Europa, sendo a 2ª publicada em Milão. (39) Cf. Fróis, cit., vol. I, p. 172 e ss. (40) Dictionarium Latino Lusitanícum, ac Iaponicum ex Ambrosii 89 Calepini. Volumine depromptum: in quo omíssis nominibus propriis tamque locorum quam homínum, ac quíbusdam alijs minus uisitatis omnes vocabulorum significationes, elegantioresquer dicendi modi apponuntur: in usum & gratiam Iaponicae inventutis, quae Latino Idiomati operam navat, nec non Europeorum, qui Iaponícum sermonem addiscunt. Amacusa: In Collegio Iaponico Societatis Iesu cum facultate Superiorum. M.D.XCV. (41) Alessandro Valignano, S.J., Historia del Principio y Progresso de la Compañía de Jesús en las Indias Orientales. Ed. de Joseph Wicki, Roma: Societatis Iesus, 1944, in Michael Cooper, Rodrigues, o intérprete. Um jesuíta no Japão e na China, p. 220. (42) Vocabulario da lingua de Iapam com a declaração em Português, feito por alguns Padres & Irmãos da Companhia de Iesus. Nangasaqui [sic]: No Collegio de Iapam da Companhia de Jesus. M.D.CIII. (43) Ioam Rodriguez [João Rodrigues, S.J.], Arte da Lingoa de Iapam. Nangasaqui [sic]: No Collegio da Madre de Deos da Companhia de Iesu. M.D.CIIII. Trata-se de obra rara que não se encontra em Portugal (apenas existe na Biblioteca Nacional a tradução para japonês publicada em Tóquio no ano de 1955). (44) Ioam Rodriguez [João Rodrigues, S.J.], Arte breve da lingoa japoa. Macao: No Collegio de Iapam da Companhia de Jesus. M.DC.XX. Edição fac-similada do original existente na Biblioteca Nacional da Ajuda, Lisboa, acompanhado da transcrição e tradução japonesa de Hino Hiroshi. Tokyo: Shin-Jinbutsu-Ôrai-Sha Co. Ltd. (45) Cf. Ioam Rodriguez [João Rodrigues, S.J.], História da Igreja do Japão, 2 vols. Edição de João Amaral Abranches Pinto. Macau: Notícias de Macau, 1954-1955. (46) A primeira fase da missão jesuíta na China encontra-se exaustivamente estudada em Horácio Peixoto de Araújo, Os jesuítas no império da China. O primeiro século (1582-1680). Macau: IPOR, 2000. (47) Ibidem, pp. 100 e ss. (48) Sobre os conhecimentos de Ricci da língua chinesa, ver Paul Fu-Mien Yang, S.J., «Dicionário Português-Chinês de Michelle Ruggieri e Matteo Ricci: Introdução Histórica e Linguística», in Michele Ruggieri & Matteo Ricci, Dicionário Português-Chinês. Edição de John W. Witek, S.J. Lisboa [et al.]: Biblioteca Nacional de Portugal [et al.], 2001, pp. 29-74. (49) Tacchi-Venturi, Pietro, S.J., Opere storiche del P. Matteo Ricci, S.J., 2 vols. I. Commentari della Cina, 1911; II. Le lettere della Cina, 1913. Macerata, 1911-1913, vol. II, pp. 27-28. (50) Ibidem, p. 65. (51) O manuscrito foi conservado inédito no Archivum Romanum Societatis Iesu (Roma, Itália). Entre as referências anteriores à publicação, destacam-se: David Lopes, cit, 1969, p. 160; Dieter Messner, «The first portuguese bilingual dictionary resorting to a foreign “modern language-chinese”, Review of Culture, nºs 34-35 (Jan-Jun), 1998, pp. 281-291; e o volume de Joseph Abraham Levi, O dicionário Português-Chinês do padre Matteo Ricci, S.J. (1552-1610). Uma abordagem histórico-linguística. New Orleans: University Press of the South, Inc., 1998. (52) A edição deste dicionário foi iniciada por Paul Fu-Mien Yang, S.J. (1925-1995) por volta de 1989, sendo da sua autoria o estudo histórico e linguístico apresentado no Congresso Internacional de Sinologia realizado em Taipei (Taiwan) em Junho de 1989, e publicado em versão revista com o fac-símile do dicionário. Depois da morte prematura de Yang, muitas vicissitudes atrasaram a edição de que, por fim, se encarregou o Padre John W. Witek, S.J., responsável também pela «Introdução», in Michele Ruggieri & Matteo Ricci, Dicionário Português-Chinês, 2001, pp. 11-27. (53) Cf. Dieter Messner, «The first portuguese bilingual dictionary resorting to a foreign “modern language-chinese”», 1998, pp. 281-291. (54) Cf. Paul Fu-Mien Yang, cit., 2001, p. 46 e ss. 90 (55) A súmula mais importante dessa investigação recente, que teve a colaboração de linguistas vietnamitas, encontra-se na obra de Roland Jacques, Portuguese pioneers of vietnamese linguistics prior to 1650 (Bangkok: Orchid Press, 2002), publicada em inglês e na versão original em francês. (56) Ver edição fac-similada com tradução moderna em vietnamita por Thanh Lãng, Hoàng Xuân Viêt e Dỗ Quang Chính, Tù Diên Annam-Lusitan-Latinh. Ho Chí Minh: Nxb Khoa hoc Xã hô˛i, 1991. (57) Roland Jacques, cit., 2002. (58) Códice 49/V/7, ff.413r-416r. Colecção Jesuítas na Ásia. Lisboa: Biblioteca da Ajuda. (59) Códice 49/VI/8, ff.313r-323v. Colecção Jesuítas na Ásia. Lisboa: Biblioteca da Ajuda. 91 SONG XIAOPING Vice-director, Instituto de América Latina Academia Nacional de China de Ciencias Sociales China y América Latina: su desarrollo cultural bajo la globalización económica I. Globalización económica y diversidad cultural La globalización económica es un hecho y una tendencia que se nos acerca. Según la definición que se acepta generalmente, la globalización económica se refiere al libre flúido por el mundo de los elementos productivos, incluidos el capital, tecnología, mano de obra, etc. Sin embargo, la globalización económica es un proceso de desarrollo muy complicado, no es puramente económico, de Mercado, sino también contiene elementos políticos y culturales. Esto implica un desarrollo cada vez mas profundizado del intercambio y cooperación internacional en los terrenos cultural e ideológico. El impacto de la globalización económica es multifacetico, no solamente en las esferas económicas, sino también en las culturales de la vida humana. En los últimos años, hay quienes sostienen una tendencia de asimilación de las diferentes culturas nacionales durante la globalización económica. También hay quienes que van mas allá que esto, ellos consideran que, uno de los productos directos de la globalización económica consiste en una globalización cultural. Estas teorías no solo niegan la existencia de las diferencias culturales, sino también la existencia de las diversas culturas nacionales. Nosotros opinamos que las diferencias entre las diversas culturas nacionales son objetivas, que no se vislumbra el horizonte de su extinción, la globalización económica no puede hacer desaparecer ni eliminar las diferencias y los rasgos distintivos entre las diversas naciones y regiones en el aspecto cultural, viéndolo tanto desde corto como mediano y largo plazo. Las necesidades básicas y las actividades por satisfacción de las mismas de la Humanidad consitituyen la base 93 del nacimiento y desarrollo de las culturas. Las necesidades básicas y las actividades por satisfacción de las mismas de la Humanidad son comunes. Sin embargo, las formas de expresión de las necesidades y las subsiguientes actividades no son iguales, que se diferencian de época a época, y de nación a nación. Esto determina las diferencias culturales. En cuanto a las diferencias culturales, hay diferencias por épocas, y también las hay por naciones. Los dos tipos de diferencias no son iguales. Las diferencias culturales por épocas se refieren a las que se producen entre los diferentes niveles de desarrollo, que reflejan las diferencias de grado de desarrollo. Las diferencias culturales por naciones no nacen por motivo de diferentes grados o niveles de desarrollo, sino que existen por las diferentes formas, modos o estilos de expresión de las necesidades básicas y las subsiguientes actividades por satisfacción de las mismas necesidades. En este sentido, cada cultura nacional tiene sus particularidades, con sus propios valores insustituibles, que forman parte de las riquezas culturales de la humanidad. Claro, es irracional exagerar las diferencias nacionales. La exageración de las diferencias culturales nacionales conduciría a una negación del intercambio cultural entre las diversas naciones. Con la globalización económica, el siglo 21 se convierte en un siglo de vertiginoso desarrollo científico, tecnológico y económico. Gracias a los avanzados medios de transporte y comunicación, el mundo se hace cada vez mas chico, los intercambios culturales se intensifican con cada día que pasa, y las culturas nacionales se influyen entre si. Sin embargo, de esto, no se puede deducir una asimilación de las diferentes culturas bajo el actual proceso de globalización económica. La globalización económica ha hecho influencias al desarrollo cultural de la humanidad. Sin embargo, de estas influecias no nacerá una llamada “globalización cultural,” que implica “un modelo único cultural”, ni “una standarización de una cultura mundial” en torno a determinada cultura, por ejemplo, a la cultura norteamericana. El hecho es que la globalización económica hace que los lazos culturales entre los diversos países o naciones se fortalecen mas que nunca, las oportunidades de intercambio e influencias entre las diversas culturas se incrementan sin cesar y, las diversas culturas, mientras heredan y desarrollan la excelencia de 94 sus tradiciones culturales propias, asimilan los logros de las otras culturas, de modo que se promueva el desarrollo cultural de la Humanidad. La prolongada historia mundial nos demuestra que nunca existe un modelo único cultural, ni una “cultura globalizada”. La historia de las civilizaciones de la Humanidad es una historia de desarrollo de las culturas de las diversas naciones, que hicieron sus particulares contribuciones al desarrollo cultural de la Humanidad, y profundas influencias al desarrollo de la sociedad humana. Durante miles de años, las civilizaciones de la Antigua Grecia, China, India, asi como las civilizaciones africanas, islámicas, desarrollaron sus culturas, formando parte de las riquezas culturales humanas. En la actualidad, la globalización económica proporciona nuevas oportunidades históricas al intercambio a las diferentes culturas, de modo que la globalización económica se convierte en poderosas fuerzas de promoción al desarrollo de las culturas nacionales. A base de este frecuente y amplio intercambio, los diversos países y naciones adquieren nuevos elementos foráneos para desarrollar sus propias culturas, hacerlas mas ricas, mas dinámicas, así como con particularidades propias mas pronunciadas. Por lo tanto, la globalización económica constituye precisamente nuevas condiciones y oportunidades para que las culturas nacionales promuevan y desarrollen plenamente sus propias particularidades. En la historia humana, podemos ver casos y experiencias convincentes. Como indica el famoso filósofo inglés Russell, la historia ha demostrado que el intercambio entre diversas culturas es hito para el desarrollo de las civilizaciones humanas. Los griegos aprendieron de los egipcios, los romanos, de los griegos; los árabes del Imperio Romano. En la Edad Media, los europeos imitaron a los árabes; en el Renacimiento, Europa imitó a su vez al imperio Bizantino. Precisamente es a través del encuentro, intercambio y entrelazamiento entre si, estas diferentes culturas pudieron asimilar incesantemente nutritivos elementos foráneos, cobraron dinamismo durante los distintos períodos históricos y, se prolongaron de generación en generación. Este encuentro, intercambio y entrelazamiento entre si, no resultaron ni implicaron que una cultura nacional desapareciera o 95 se disolviera absorbida por otra, sino que se alimenta de contenidos foráneos, se fortalece y se rejuvenece. La historia del desarrollo de la cultura china lo ha demostrado. Durante el proceso de asimilación de elementos foráneos, la cultura china no fue sustituida por las otras, por ejemplo, en la Dinastía Yuan y Dinastía Qing, sino que se convirtió en una mas dinámica, con mas vitalidad. Los rasgos fundamentales de las culturas son nacionales. La nacionalidad cultural es la piedra angular, sobre la que determinada nación puede sobrevivir entre las otras. Cuando la cultura pierde su nacionalidad, entonces pierde la razón de subsistencia como cultura independiente. Y cuando determinada nación pierde su cultura nacional, esta nación perdera su razón de subsistencia. En el mundo, no exixte una cultura mundial independiente de las culturas nacionales. De la globalización económica no nace una globalización cultural a base de un único sistema de valores culturales. Lo que existe son culturas nacionales. Cada nación tiene su propia cultura, las distintas culturas nacionales son insustituibles entre sí. De la nacionalidad cultural nace la diversidad cultural, o sea diversidad cultural que está fundada sobre las distintas particularidades o identidades de las diversas culturas nacionales. Para la Humanidad, igual que la diversidad biológica para el equilibrio biológico, es indispensable la diversidad cultural. En este sentido, la diversidad cultural es uno de los patrimonios básicos de la Humanidad. II. Independencia cultural Es un hecho inobjetable que las culturas de los diversos países y naciones tienen sus particularidades, y de aquí, nace y se desarrolla la diversidad cultural, aun bajo la globalización económica. Perseverar en la nacionalidad y diversidad cultural constituye un tema eterno para el desarrollo de las civilizaciones de la Humanidad. En China, hay un lema que dice: “convergirse y no asimilarse”. Este lema sirve para el desarrollo de las diversas culturas nacionales. Las normas básicas para las relaciones culturales internacionales consisten en promoción mutua a base de igualdad. El contexto del desarrollo cultural humano debe ser la convivencia entre las diversas culturas nacionales a base de la diversidad cultural. 96 Sin embargo, sigue habiendo quienes pregonan por la “globalización cultural”, que implica un “modelo único cultural”, o “standarización de una cultura mundial” en torno a determinada cultura. Ellos intentan establecer una hegemonía cultural e ideológica, a base de sus culturas “poderosas”, procuran imponer su modelo cultural a otros países, y usar todo tipo de medios para difundir sus teorías políticas, valores, modos de vida, etc. Por lo tanto, perseverar en la nacionalidad y diversidad cultural adquiere un sentido importante para el desarrollo de las culturas nacionales. Los diversos países en desarrollo tienen que librar una lucha por la independencia de la cultura nacional, estar alerta contra todo tipo de intenciones de hegemonismo cultural, proteger y desarrollar las herencias de las culturas nacionales, asegurar ampliamente la identidad de la cultura nacional entre nuestros pueblos. Para salvaguardar la independecia de la cultura nacional, hay que adoptar, además, una postura de apertura cultural, esto quiere decir, nutrirse activamente de excelentes logros culturales de otras naciones, de modo que nuestras culturas nacionales puedan rejuvenecerse. Es peligroso el aislamiento cultural, apartarse del mundo actual, aun mas peligroso pregonar por un nacionalismo extremista, considerándose como ortodoxia y rechazando a otras culturas como heterodoxias. Por un lado, luchar contra la hegemonía cultural y salvaguardar la independecia de la cultura nacional, por el otro lado, asimilar activamente excelentes logros culturales foráneos y respetar la diversidad cultural, son dos caras de la misma moneda. Para fortalecer la independencia de la cultura nacional, o major dicho, fortificar la cultura nacional misma, hay que estar atento a los dos aspectos. Reconocer y respetar la diversidad cultural no sólo implica salvaguardar el derecho de independencia, sobrevivencia y desarrollo cultural de sí mismo, sino también reconocer el mismo derecho de los demás. Es así que se establecerá un contexto de desarrollo cultural en el mundo actual a base de la diversidad cultural. III. China y América Latina: esfuerzos por el desarrollo de las culturas nacionales China y los países latinoamericanos son países en desarrollo. Se enfrentan con la misma tarea de desarrollo tan97 to económico como cultural. En la época actual, el desarrollo de la cultura nacional tiene un valor particular para ellos. Si se pierde la cultura nacional, entonces se pierde el sostén espiritual y la identidad nacional, así como el rumbo de su desarrollo nacional. China es un país milenario, con fuertes raíces culturales, sin embargo, bajo la globalización económica, la tarea de conservación de sus tradiciones culturales no es menos difícil. En el proceso de intercambio cultural e influencia de otras culturas, la conciencia de independencia cultural es indispensable. En la historia, los grandes pensadores y literatos latinoamericanos, como Simón Bolivar, Jose Martì y muchos otros, siempre luchaban por la independencia e identidad cultural de sus patrias. Hoy aun sigue esta lucha. Al estudiar y analizar el fenómeno de la globalización, los latinoamericanos tocaron una serie de temas importantes, tales como la marginación económica, política y cultural, diversidad cultural, igualdad política entre todas las naciones, etc. La tendencia de marginación cultural e imposición de modelos económico-político y culturales es un tema que preocupa a muchos latinoamericanos. Miguel León-Portilla, investigador de la Universidad Nacional Autónoma de México, señala en su obra “Los indígenas y la globalización”, que, la larga historia muestra que la esencia de la globalización consiste en que bloques de fuerza en diferentes formas imponen todo su sistema cultural, incluidos el sistema político y económico, modelo tecnológico, modo de vida, valores, etc. En la historia, este proceso de imposición fue acompañado por diversas formas de conquista, tales como guerras y colonizaciones, mientras que la actual globalización es la continuidad de la historia, cuya forma consiste en conquista de mercados. La obra del autor muestra una viva preocupación por la marginación cultural de los débiles, tanto pueblos como naciones. El famoso historiador y pensador mexicano, Leopoldo Zea, en su obra “Fin de milenio: Emergencia de los marginados”, editada en 2000, señala con mas profundidad, que, al hacer la expansión, el Occidente se denomina como típi98 co representante de la cultura humana y de la Humanidad entera, todo tipo de modelos tienen que tomarlo como prototipo, tienen que ser revisados por el Occidente según sus propios intereses. El historiador mexicano deposita mucha esperanza en los “marginados”, durante el relevo de siglos, el fenómeno de la emergencia de los “marginados” es una reacción contra la desigualdad histórica. Los “marginados” han participado en la construcción del mundo con sus recursos, inteligencia y trabajo, ellos tienen el derecho en disfrutar la libertad y prosperidad del Nuevo Milenio. El mundo actual tiene que aprender a respetar las diferencias culturales de los demás, a encargarse de su responsabilidad, de modo que la Humanidad se encamine a una nueva era, en vez de un exterminio de todos. En la época actual, las culturas latinoamericanas han sido y siguen azotadas por el neoliberalismo excesivamente difindido en este continente. La tarea del desarrollo de las culturas nacionales es aun mas apremiante que la del económico. 99 RODERICH PTAK Universidade “Ludwig Maximilian” de Munique The Sino-European Map (“Shanhai yudi quantu”) in the Encyclopedia Sancai tuhui I The “Shanhai yudi quantu” 山海輿地全圖, or “Complete Terrestrial Map”, in the influential late Ming compilation Sancai tuhui 三才圖會 (prefaces 1607 and 1609), is one of several Chinese cartographic works with strong Jesuit influence.1 Jesuit map-making in China has been the subject of many academic studies, but these inquiries are mostly concerned with the editorial history of individual pieces and the European sources on which the Jesuits had based their art. The present contribution will not exclusively focus on editorial problems; instead, it will mainly look at certain geographical issues common to many of the maps in question – especially the “Shanhai yudi quantu”. Before going into further details, some general observations should be offered here. The major works of Jesuit cartography in China include a number of printed world maps by Matteo Ricci (1552-1610), Giulio Aleni (1582-1649) and Ferdinand Verbiest (1623-1688). To this may be added the earliest extant Chinese terrestrial globe, probably produced by Manuel Dias (1574-1659) and Nicolò Longobardi (1565-1654), and certain other pieces, usually in the form of manuscript copies. Here we shall mainly deal with the “early” material, i.e., with maps by or associated with Ricci, because the Sancai tuhui map falls into this period. Matteo Ricci, it is well known, produced several maps. Their editorial history is extremely complicated and cannot be discussed here. Only a few general remarks will be made. These follow earlier research, particularly by Hong Weilian 洪 䉂蓮, Kenneth Ch’en (Chen Guansheng) 陳觀勝, Pasquale M. d’Elia, John D. Day, and recent Chinese scholarship.2 According to Day, Ricci prepared eight world maps in all: (1) an early woodblook print (1584); (2) a map carved on a stele (1596); (3) a revised version of the latter (1600); (4) 101 a larger “edition” of the 1584 map, in six panels, printed in Beijing (1602); (5) an eight panel version of that piece (1603); (6) a booklet based on the map of 1600 (issued in 1604); (7) twelve copies of a new version presented to the Ming emperor (1608); (8) and a map in two hemispheres (1609). Most of these maps are now lost, only of (4) and (5) several original copies are known to exist.3 One copy of the 1602 print, preserved in the Vatican, was published by d’Elia in the form of a beautifully-arranged book (1938). This modern work also contains Italian translations of the colophons on the map, and a catalogue of all toponyms, plus detailed notes regarding their identification.4 Other than the above pieces, a number of later prints ultimately going back to the 1602 version have survived as well. Furthermore, there are different manuscript copies. Their history is extremely difficult to reconstruct, partly because these works are scattered over a number of archives worldwide, including Korea and Japan, and partly because there is very little internal and external evidence to suggest when and under what circumstances they were drawn. For more on this, readers are again referred to earlier research, especially by Day, who has arrived at some useful conclusions concerning their possible transmission and “parent maps”.5 A few more details may be added: First, the title of the 1602 map is “Kunyu wanguo quantu” 坤輿萬國全圖 (now KYWGQT), the one of 1603 is usually given as “Liangyi xuanlan tu” 兩儀玄覽圖. Earlier and later versions often bear different names. Item 2, for example, is called “Shanhai yudi tu” 山海輿地圖. Another map, engraved by Wu Zhongming 吳中明 and dated 1600 by Hong Weilian, Cao Wanru and others (this map seems to be identical with map 3 in Day’s list), is usually referred to under the name “Shanhai yudi quantu”. The same name also occurs with the version of 1604, engraved by Guo Zizhang 郭子章.6 Furthermore, it is also the name given to the map in Sancai tuhui. Second, some of Ricci’s maps were printed in large numbers and circulated in many parts of China. This also led to several “adaptions”. A number of these adaptions were included in late Ming book compilations, such as Tushu bian 圖書編 (begun in 1562, completed in 1577 or 1585; printed in 1613), Fangyu shenglüe 方輿勝略 (probably printed in 1610), and Sancai tuhui.7 The Tushu bian, to begin with, contains several maps which clearly show Ricci’s influence, but they are difficult 102 to date because we do not know at what point in time they entered the Tushu bian.8 Chapter 16 of that compilation contains a world map in two hemispheres. This is the “Haotian hunyuan tu” 昊天渾元圖. It shows the different continents, but their shapes are very rough and there are no names at all. The next map, called “Yudi shanhai quantu” 輿地山海全圖 (not “Shanhai yudi quantu”!), is found in chapter 29; its projection is the same as the one used for the famous KYWGQT. The following names and terms appear on the “Yudi shanhai quantu”: those for the continents (the characters for “Europe” are missing), China, Da Ming 大明 (for the dynasty), jingshi 京師 (for the capital), shisan sheng 十三省 (“thirteen provinces”, i.e., the Ming provinces; the two metropolitan regions not included), Niluo he 泥羅河 (Nile River), Heiren guo 黑人國 (along the East African coast), Yin he 銀河 (Rio de la Plata), and the names for five oceans (or segments of oceans). Again, the outlines of the continents are very rough; China, for example, appears to be located on two islands. Both the “Yudi shanhai quantu” and the “Haotian hunyuan tu” show the equator (the second map also has the Arctic and Antarctic Circles, the Tropic of Cancer and the Tropic of Capricorn), as well as longitudes and latitudes, but there are no numbers associated with these lines. This does not apply to two further maps (also contained in chapter 29 of Tushu bian), which project the northern and southern halfs of the globe from the two poles (in Chinese: “Yudi tushang, chidao yi bei” 輿地圖上, 赤道以北 and “Yudi tuxia, chidao yi nan” 輿地圖下, 赤道以南). These maps are more elaborate; they carry figures for latitudes and longitudes, the equator, and the arctic circles, and they also list a large number of place names. We shall return to some of these names further below, because they also appear in Sancai tuhui. The maps in chapter 29 of Tushu bian, it may be added here, are accompanied by some explanations, of which similar versions can also be found in other texts. The editorial history of the Tushu bian being all but clear, only some very general remarks can be made in regard to the possible dates of the above maps. The “Yudi shanhai quantu” could be a very early product based on the lost Ricci map of 1584.9 The “Haotian hunyuan tu” may be related to another projection in two hemispheres, found in Fangyu shenglüe, but all further details remain uncertain. As to the “polar maps”, similar versions can be found on the upper and lower left corners of Ricci’s KYWGQT (1602). 103 Perhaps, then, the ones in Tushu bian were drawn after 1602 and added to the text just prior to its being printed. Here we can turn to the next work, the Fangyu shenglüe. The map in this book is particularly important because it presents the world in two hemispheres and is much more elaborate – and realistic – than the “Haotian hunyuan tu” in Tushu bian. Surprisingly, the Fangyu shenglüe map is again called “Shanhai yudi quantu” (like the Ricci maps of 1600 and 1604), its alternative name(s) being “Dong / Xi (liang) banqiu tu” 東 / 西 (兩) 半球圖. It is accompanied by various explanations, which bear the title “Shanhai yudi quantu jie” 山海輿地全圖解, and an annotated list of toponyms with latitudes and longitudes (“dufen biao” 度分表, now DFB). The Fangyu shenglüe map, the explanations and the geographical coordinates were already studied in the 1930s, namely by Kenneth Ch’en and also by Hong Weilian.10 The map itself seems to be the same as number 8 in Day’s list, above. Furthermore, and more important still, it is assumed to be identical with or directly based on a map prepared by Ricci in 1601 (engraved by Feng Yingjing 馮應京, i.e., “Fomimchim” in Ricci’s texts). Day’s list does not mention the piece of 1601, but Hong Weilian, Cao Wanru and Yee refer to it. Its name is usually given as “Yudi quantu”.11 If these assumptions are correct, then we are looking at three projections in two hemispheres: the original Ricci piece of 1601, the Fangyu shenglüe map, and the Tushu bian map. Since the latter is so poorly drawn, there may have been another “prototype”, or parent map, for the third piece, possibly a very early sketch even predating the drawing of 1601. The map in Sancai tuhui, which shall be examined as the next piece, raises a new set of questions. It bears exactly the same title as the Fangyu shenglüe piece (i.e., “Shanhai yudi quantu”), but both maps differ from each other in many respects. First, as was said, the latter belongs to the “class” of hemispherical projections, while the former presents the world in an oval form, somewhat similar to the “Yudi shanhai quantu” map in Tushu bian and the KYWGQT; but the projection in Sancai tuihui is so “condensed” that it could also be placed in a category of its own. Second, the Sancai tuhui piece shows no lines for latitudes and longitudes, although the equator as well as the Tropic of Cancer and the Tropic of Capricorn are alluded to by placing their names in small boxes at the left side of the globe. Regarding the Arctic and Antarctic Circles, their positions and names are vaguely indicated, but no lines are drawn from one side of the globe 104 to the other. Third, in terms of shape, the five continents on the Sancai tuhui map vary considerably from those on the other maps. Fourth, there are more toponyms on the Sancai tuhui map than on the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian, but less than on the Fangyu shenglüe map or the KYWGQT. In sum, although the Sancai tuhui map and the Fangyu shenglüe are referred to under identical titles – “Shanhai yudi quantu” –, they have little in common and are thus unlikely to stem from one and the same source. This also implies that the Ricci map of 1601 cannot have functioned as the parent map for the one in Sancai tuhui. Having thus excluded the 1601 map as a possible source for the Sancai tuhui map, we still have to look at the other pieces usually called “Shanhai yudi quantu”. This mainly involves the maps of 1600 and 1604, but possibly also the one of 1584, which is normally referred to as “Shanhai yudi tu”. Unlike the Fangyu shenglüe map, these three were not divided into hemispheres. Moreover, according to the lists compiled by Hong Weilian and Cao Wanru, the maps of 1600 and 1604 were probably improved versions of the original 1584 piece.12 This means they all had to do with each other – and perhaps also with the Sancai tuhui map. But of course the details can no longer be established because the earlier pieces are missing. In view of these uncertainties, different suggestions were offered in regard to the origin and date of the Sancai tuhui map. Hong Weilian thinks it may be a an “abridged” version of the 1600 map, prepared in Nanjing. But he concedes that it may also have been made earlier, i.e., at some point in time between circa 1596 and 1600.13 D’Elia suggests it was drawn after the map of 1584 or the one of 1600.14 Wang Qianjin 汪前進 simply calls it “a poor abbreviation of the world map done by Matteo Ricci”, but gives no date.15 Yee classifies it as “a rendition of the second edition of Matteo Ricci’s world map (1602)”, the first being the one of 1600.16 If so, this would imply a date after 1602 – and no direct link to the earlier versions. Whichever way it was – at present there is no further evidence that would enable us to narrow the date to any particular year or period. Nor do we know anything about its author. One point should be made clear, however: Since the shapes of the continents are drawn in a highly distorted manner, for example the outlines of Africa and the Middle East, it is unlikely that this map was prepared by Ricci himself, not even as a preliminary sketch for some of the larger pieces. 105 Here we can continue with a different issue. As was said, the Fangyu shenglüe carries a number of technical explanations, called “Shanhai yudi quantu jie”. This text is reproduced in the journal Yugong.17 The map in Sancai tuhui is also followed by a set of almost identical explanations, but the internal arrangment is slightly different and the title is missing. The explanations found in Tushu bian, as a kind of appendix to the “Yudi shanhai quantu”, are shorter, although they are again partly identical with those in the other two texts. Hong Weilian tried to disentangle the possible transmission of all these textual elements. Among other things, he concluded that the ones in Sancai tuhui were probably taken from the colophons on the 1600 map engraved by Wu Zhongming. By contrast, the text found in Fangyu shenglüe is usually assumed to be based on the 1601 map.18 Considering both maps and texts, it would thus seem that the Sancai tuhui contains earlier (or simplified) material, while the Fangyu shenglüe is more accurate. The text in Sancai tuhui and the “Shanhai yudi quantu jie” in Fangyu shenglüe explain the system of latitudes and longitudes. They also refer to the poles, the equator, the Tropic of Cancer, the Tropic of Capricorn, and so on. Furthermore, they list the different oceans and continents. The last sections return to the problem of latitutes and longitudes, adding various details, for example, that the calculation of longitudes should be based on the position of the “Fortune Islands” (Canaries; Fudao 福島). Thus, in Sancai tuhui, the position of Nanjing is given as 130 degrees east of Fudao (in the “Shanhai yudi quantu jie” as 128 degrees east!), and 32 degrees north of the equator. The Jurchen were located at 140 degrees to the east these islands, Birma at 110 degrees, and so forth.19 In the case of the Sancai tuhui text, the technical explanations are not really supported by the way in which the map is drawn. Indeed, early seventeenth century readers had no way of relating the text to what they saw on the map (unless they had access to additional sources that would fill the gap). Recall, the map omits all latitutes and longitudes, although the equator and the two Tropics are vaguely indicated near the left margin, and the Arctic and Antarctic Circles are also alluded to. But the horizontal lines and the necessary numbers (found on other maps) – and essential for identifying locations – were not provided. The arrangement in Sancai tuhui seems to be even more bizarre if the four brief inscriptions around the map are 106 considered because, once again, readers were certainly unable to relate them to the map itself:20 (1) “The three outer spheres of the celestial sphere determine the extent of heaven, the length of day and night, and the seasons.” (2) “The inner circle of the earth gives a rough idea of the division of the five continents.” (3) “The 36 horizontal and vertical squares in the map cover ten degrees each.” (4) “The longitude and latitude lines of the earth divide all quarters and are used for degree-checking.” – The “outer spheres” are not shown. The phrase “36... squares...” is based on a misunderstanding of Ricci’s original ideas: there should be intervals of ten degrees each between any two adjacent longitude or latitude lines, which gives 36 x 18 (ten-degree) lines, and thus a total of 648 squares. Finally, the squares are not indicated on the map, as was mentioned. There thus arises the question why these four inscriptions were added to the map at all. The answer can only be that the editor did not proceed carefully, or that his understanding of Ricci’s system was incomplete, and that he had no means to verify what he had read elsewhere. To sum up: The map in Sancai tuhui, the four inscriptions around it, and the text following the map are not in full harmony with each other. The text is not too different from the “Shanhai yudi quantu jie”, but seems to present an earlier version of that piece (possibly, the text on the 1600 map). The map in Sancai tuhui bears the same name as several earlier maps – “Shanhai yudi quantu” –, but has little in common with the Fangyu shenglüe projection in two spheres. Its oval (or nearly round) shape also differs from the forms of certain other maps. Nevertheless, it could be a rough imitation of the 1600 map, or some earlier piece. The conclusion is that, in all likelihood, both the text and the map were organized by someone not fully understanding Ricci’s art, or, alternatively, the text was prepared, or rather copied, by one hand, while the map was drawn by a second person. Whether this involved Wang Qi, the general editor of Sancai tuhui, is not known.21 II We shall now look at the Sancai tuhui map itself. There are some seventy toponyms / terms / short phrases, of which over twenty refer to the oceans, or parts of them. Strangely, some of the names on the map do not occur in the text, while several names in the text – for example Birma and even 107 Fudao – are not on the map. Below is a list of all names on the map, with explanations, where needed, and references to other works: Continents (1) Bei Yamolijia 北亞墨利加 – North America (2) Nan Yamolija 南亞墨利加 – South America (3) Yaxiya 亞細亞 – Asia (4) Ouluoba 歐羅巴 – Europe (the character ba is erraneously printed in such a way that it seems to form a compound word together with the character cha, in Fogancha 佛敢察; see no. 40 below) (5) Liweiya 利未亞 – Africa (6) Mowalanijia 墨瓦臘泥加 – Magellania (then current for Antarctica) Countries, Islands, Regions, Groups, etc. (7) Shiren guo 食人國 – “Land of Cannibals” (shown where Brasil is; Mappamondo, pls. V, VI; also on some European maps, for example by Sebastian Münster; the Zhifang waiji [of 1623; now ZFWJ], p. 132, speaks of cannibals with respect to the Aztecs)22 (8) Hanhe 寒河 – not identified (shown to the east of North America; Mappamondo, pls. VII, VIII, and in DFB, p. 169)23 (9) Xiangfeng 香峯 – not identified (also to the east of North America; Mappamondo, pls. III, IV, DFB, p. 169) (10) Yawaima 亞外馬 – not identified (in the northwestern section of North America; Mappamondo, pls. VII, VIII, DFB, p. 172) (11) Baifeng 白峯 – not identified (on Antarctica, opposite of Argentina; Mappamondo, pls. IX, X; DFB, p. 182) (12) Dajiang 大江 – not identified (same sources as 11) (13) Huodi 火地 – Tierra del Fuego (wrongly on Antarctica, southwest of Chile; same sources as 11) (14) Gou guo 狗國 – “Land of Dogs” (at the eastern edge of Siberia, perhaps Kamchatka; also on the northern projection in Tushu bian and other maps, for example Mappamondo, pls. XI, XII, also nos. 147 and 159; DFB, p. 187)24 (15) Shanhushu dao 珊瑚樹島 – “Coral Tree Island(s)” (in the sea, south of Gou guo; same on northern projection in Tushu bian and Mappamondo, pls. XI, XII. Ricci adds a short explanation: corals grow in water, when taken out with an 108 iron net, they became hard and red; this reminds of earlier Chinese descriptions25) (16) Riben 日本 – Japan (17) Gaoli 高麗 – Korea (18) Nüzhi 女直 – the Jurchen area (northeast of Korea) (19) Wu cheng 五城 – “Five Cities” (near Sungari, north of Korea, in the tenth century a kind of tribal capital; Mappamondo, pls. XV, XVI, no. 292; DFB, p. 188) (20) Liaodong 遼東 – the southern part of modern Liaoning (the peninsula is not shown) (21) Daning 大寧 – an important military region and garrison (Mappamondo, pls. XV, XVI, no. 274; DFB, p. 182) (22) Dada 韃靼 – Tartary (north of Liaodong) (23) Da Ming guo 大明國 – the “Great Ming Empire” (the characters are not larger than, for example, those used for Dada or Gou guo; whether this should say something about the relative size of China, cannot be told) (24) shamo 沙漠 – “desert” (a long “diagonal” area found on many traditional Chinese maps; an item taken over by Ricci from Chinese geography) (25) *Xifan 西番 – “Western Barbarians” (this term and the next two, shown from east to west, appear in Central Asia, indicating the area of modern Xinjiang and beyond) (26) *Huihui 回回 – Muslims (27) *Xiyu 西域 – “Western Regions” (28) Xingsu hai 星宿海 – lake in Qinghai (in early times often regarded as the source of the Yellow River; Mappamondo, pls. XV, XVI, no. 201; DFB, p. 190) (29) Kunlun 崑崙 – the famous Kunlun mountain range at the southern rim of Xinjiang (30) Annam 安南 – Annam (then used for the northern part of Vietnam) (31) Chancheng 占城 – Champa (the central part of Vietnam) (32) Liuqiu 琉球 – either the Ryukyu chain or Taiwan (several islands are indicated to the east of the China mainland; it is impossible to determine which island is meant by Liuqiu) (33) Hainan 海南 – then also called Qiongzhou 瓊州 (to the northwest of Hainan another name is shown, but unfortunately it cannot be identified) (34) Sanfoqi 三佛齊 – Srivijaya (wrongly placed on the Southeast Asian mainland; note, there are no names in connection with insular Southeast Asia, except for the next two) (35) Mu Zhaowa 木爪哇 – Java Major (mu is wrong for da 109 大; zhao looks like gua 瓜, as in no. 36; an unnamed island is placed between Java Major and the Southeast Asian mainland; the distinction between Java Major and Java Minor follows European conventions of the late sixteenth century, one usually standing for Sumatra, the other for Java “proper”) (36) Xiao Zhaowa 小爪哇 – Java Minor, very close to Antarctica (37) Yingdiya 應帝亞 – India (squeezed between the Bay of Bengal and what appears to be the Gulf) (38) *Xi Tianzhu 西天竺 – Western India (north of Yingdiya) (39) Wolandiya dazhou 臥蘭的亞 – Greenland (40) Fogancha 佛敢察 – France (the only European country shown; also see no. 4, above; the second character is printed very badly, carrying radical 26 on its right side; probably it should read lang 郞) (41) sanshi yu guo 三十餘國 – “more than thirty countries” (on the Iberian peninsula; this phrase can be associated with “Hispania”: the ZFWJ, p. 78, says, “Yixibaniya” 以西把尼亞 had more then “twenty major dependencies”: shuguo dazhe ershi yu 屬國大者二十餘) (42) tianxia ci shan zhigao 天下此山至高 – “the greatest mountain of the world” (placed in the northwestern section of Africa; from the ZFWJ, p. 107, it becomes clear that the Atlas in Morocco is meant) (43) Yingge di 鸚哥地 – Terra Psittacorum (“Parrot Country”; opposite of South Africa, on Magellania; this also follows early modern European conventions; perhaps penguins were implied and confused with parrots; on the map ge carries R 196, which is rather unusal) (44) Xin Runi 新入匿 – New Guinea (on Magellania; the shape of Australia and the Torres Strait were not known to Ricci, hence New Guinea was linked to the southern land mass) (45) ci nanfang di ren zhi zhe shao, wei shen qi wu 此南方 地人至者少, 未審其物 – “Few have reached these southern regions, [therefore] the things [related to them] are not explored yet” (this explanation appears on Magellania) Oceans and Seas, Sections of Oceans, Rivers (46) Heyuyanuo cang 河 ? 亞諾滄 – for oceano (the second character is not in the dictionaries, but looks similar to no. 12683 in Zhongwen da cidian 中文大辭典; it is usually read yu and is certainly wrong for zhe 摺; hezheyanuo 河摺亞諾 is the transciption of oceano; this name appears in ZFWJ, p. 147 [with the addendum canghai 滄海], where it seems to be 110 used exclusively for the Atlantic; on the Sancai tuhui map it is shown twice, to the east of Central America and to the west of Africa; interestingly the name Da Xi yang 大西洋 – again the Atlantic Ocean – is also mentioned, see below no. 69) (47) Keluotuo hai 客羅陀海 – not identified (apparently on the eastern side of North America; the northern projection in Tushu bian shows a similar name – ?-luota hai 羅它海 – of which the first character is not legible; also Mappamondo, pls. VII, VIII, there Moluoto hai 黙羅陀海, north of the “Corte Real Land”) (48) Yinhe 銀河 – Rio de la Plata (correctly positioned in Argentina) (49) Bing shui 冰水 – “Ice Sea” (beyond North America, i.e., the Arctic Ocean; obviously it was perceived as being different from Bei hai, see next) (50) Bei hai 北海 – “Northern Sea” (at the northern exit of the Bering Strait; the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian indicates the same location; the northern projection in that source places the name Beihai more or less where the East Siberian Sea should be) (51) Dong Hong hai 東紅海 – Gulf of California (the Gulf is not depicted on the map, but from other evidence this identification is clear; see, for example, Mappamondo, pls. IX, X; the “Mar Vermejo” on European maps, by Abraham Ortelius, etc.) (52) Da Dong yang 大東洋 – “Great Eastern Ocean” (the eastern Pacific, off the west side of Central America; on the “Yudi shanhai quantu” this sea extends to the south, beyond the equator) (53) Bailu hai 白露海 – “Sea of Peru” (also part of the eastern Pacific, but placed too far south, i.e., not in front of Peru; also on the southern projection in Tushu bian; in other sources, for example, Mappamondo, pls. IX, X, and ZFWJ, p. 147, this sea is called Bolu hai 孛露海) (54) Cangming zong 滄溟宗 – not identified (in the central eastern section of the Pacific Ocean; perhaps “ensemble of the blue and vast [seas]” or “ensemble [of islands in] the blue and vast [seas]”) (55) Dongnan hai 東南海 – “Southeastern Sea” (to the northwest of Bailu hai; Mappamondo, pls. IX, X; southern projection in Tushu bian) (56) Mowalani hai 墨瓦臘泥海 – “Sea of Magellania” (southwest of the Bailu hai, at the western end of the sea between South America and Antarctica; note, the character jia 加 – as given correctly in the continent’s name – is missing; see no. 6) 111 (57) Ning hai 寧海 – “Peaceful Sea” (to the west of Mowalani hai, obviously part of the South Pacific; perhaps an earlier “version” of Taiping yang 太平洋; also, for example, on Mappamondo, pls. IX, X, and as “Mare pacificum” – several variant forms! – on European maps, such as the ones by Sebastian Münster and others) (58) Xiao Dong yang 小東洋 – “Small Eastern Ocean” (to the southeast of Japan; note, this is more or less on the same latitute as the Da Dong yang; the same arrangement occurs on the northern projection in Tushu bian) (59) Da Ming hai 大明海 – “Great Ming Sea” (to the east of the Ryukyu-Taiwan chain; on other maps either to the west of that chain [hence the East China Sea], or directly placed in the area) (60) Banggela hai 旁葛臘海 – Bay of Bengal (correctly placed to the east of India) (61) Xiao Xi yang 小西洋 – “Small Western Ocean” (the Persian Gulf or, alternatively, the northwestern part of the Indian Ocean; very unclear; almost on the same latitude as the Xiao Dong yang; on the “Yudi shanhai quantu”, the Xiao Xi yang points to the Arabian Sea, but it also extends beyond the equator) (62) Xi Hong hai 西紅海 – Red Sea (drawn very inaccurately) (63) Yalapi hai 亞蠟皮海 – Arabian Sea (too far south, as on the southern projection in Tushu bian, where this sea is placed between Madagascar and Mozambique and spelled differently; see also ZFWJ, p. 147) (64) Xi’nan hai 西南海 – “Southwestern Sea” (the southern section of the Indian Ocean, as on the southern projection in Tushu bian) (65) Nan hai 南海 – “Southern Sea” (betwen Java Major, Java Minor and New Guinea; similar location on the southern projection in Tushu bian, but also shown on the northern projection, where it is placed in the area of the Arabian Sea; less clear on “Yudi shanhai quantu”) (66) Beigao hai 北高海 – Caspian Sea (67) Da hai 大海 – Black Sea (or Tai hai 太海, first character unclear) (68) Dizhong hai 地中海 – Mediterranean (69) Da Xi yang 大西洋 – “Great Western Ocean” (the Atlantic, coexisting with no. 46, above) (70) Liweiya hai 利未亞海 – Gulf of Guinea (literally “Sea of Libya”, the name being derived from the continent; also in other sources) 112 III The above list can be compared to the set of names found in the DFB catalogue, and the toponyms on the northern and southern projections in Tushu bian, Ricci’s KYWGQT, Aleni’s maps in ZFWJ and the text parts of that book (which, however, is of a later date, namely 1623). The general results are these: (1) The number of toponyms in Sancai tuhui is considerably smaller. (2) Some items such as the ones listed under 25, 26, 27 and 38 are perhaps not “typical” for Ricci’s maps; rather, they seem to reflect traditional Chinese geographical conventions and probably were added by the editor(s) for the sake of the Chinese readership. (3) Hong Weilian has pointed out correctly that the number of names for the oceans and seas is unusually high.26 The last point is of particular interest here. To understand the “maritime dimensions” of the map, we shall look at the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian first. There, the number of toponyms is reduced to a bare minimum and the arrangement is somewhat different from the one on the Sancai tuhui map. Furthermore, the names of the continents and the two rivers (Nile and Rio de la Plata) are all derived from their “usual” Western equivalents; the names of the oceans are essentially Chinese. Next, the distribution of all names on the map is almost symmetrical: Yaxiya and Liweiya are on one side of the globe, Bei Yamolijia and Nan Yamolijia on the other side. China (Da Ming guo), the thirteen provinces and the imperial capital are near the center. The Nile appears in the northwestern section, the Rio de la Plata in the Southeast. Regarding the seas: (1) Bei hai and (2) Nan hai are on the same longitudes. Between them, in the central part of the Pacific, one finds the (3) Xiao Dong yang. Its “counterpart”, the (4) Xiao Xi yang, washes the Indian west coast. The (5) Da Dong yang, near the American west coast, however, has no “counterpart” – obiously the editors forgot to place the name Da Xi yang on the map.27 Or, alternatively, the five oceans / seas were to represent the five directions (east, south, west, north, center). Other oceans, or sections of the sea, are not named. Finally, the characters for Bei hai and Nan hai are smaller than the ones for the three yang, or “oceans”, which seems to underline that the oceans were vaster than the seas. This simple and rather straighforward arrangement can be compared to traditional Chinese perceptions of the seas. Already under the Yuan, there emerges a kind of double 113 segmentation between a western and an eastern sphere. The Nanhai zhi 南海志 (1304) and Daoyi zhilüe 島夷誌略 (1349/50) are cases in point.28 Both texts draw an imaginary line through Southeast Asia, which divides the maritime world into an eastern and a western part. In the first text, the Da Dong yang can be loosely associated with the Java Sea and its eastern extensions, the Xiao Dong yang is more or less identical with the Sulu Sea (or the “Sulu zone”), and the Xiao Xi yang with the sea off the Malayan east coast. The Da Xi yang is not mentioned (as on the Tushu bian map), but – intuitively – it should be equivalent with the northern half of the Indian Ocean. The division between east and west is thus near the Sunda area. The second text pushes this line to the Singapore area. Both works do not refer to the Bei hai and Nan hai, but that does not matter very much because in all likelihood these two seas were considered as subordinated entities and certainly not as important for navigation as the eastern and western oceans. A similar picture emerges under the Ming. Zheng He 鄭和 sailed to the Xi yang. The books by Fei Xin 費信, Ma Huan 馬歡 and Gong Zhen 鞏珍 (all early 15th century) also refer to that sea, which began somewhere near Melaka or Sumatra. The Dongxiyang kao 東西洋考 (1617/18) moves the borderline between the eastern and western spheres back – to an imaginative line running through Kalimantan. Elsewhere I have demonstrated that this East / West segmentation can be related to the existence of two major trade arteries between China and Southeast Asia: the socalled xi hanglu 西航路 (western route) and the dong hanglu 東航路 (eastern route). Ships sailing along the first route went from Fujian and Guangdong to Hainan and Vietnam, passing the Paracel Islands on their western side; from Vietnam they proceeded to the Malayan east coast and finally around the peninsula’s southern tip to Melaka and the Indian Ocean; a further link connected the southern tip of Vietnam to Cape Datu; from there vessels could follow the Kalimantan coast down towards Java. The second route ran from Fujian – via the southern tip of Taiwan – to Luzon; from Luzon one would then go through the Sulu Sea to Brunei or, via the Sulu Islands and Celebes Sea, to Sulawesi, Maluku, Ceram, Timor, and so forth. The existence of this double route system is related to a very special geographical feature: the central part of the South China Sea was considered dangerous due to its many shoals and reefs. Consequently, ships had to avoid that region, either by sailing along the Vietnam coast, or through 114 the Philippines. Therefore, in the spatial perception of Yuan and Ming authors, when going south, one would first enter the Xiao Xi yang or the Xiao Dong yang, respectively – and then proceed to the larger and more distant “entity”, either the Da Xi yang (Indian Ocean), or the Da Dong yang (the Java Sea and other easternly seas).29 The concepts of Xi yang and Dong yang were thus related to traditional sailing routes, the smaller (xiao) oceans being closer to China than the larger (da) ones. It seems that this concept was understood and modified by Ricci, who placed several traditional Chinese names on his KYWGQT, and certainly also on his earlier maps. Perhaps this was a kind of concession to his Chinese friends. Here we can return to the Sancai tuhui map. Many traditional Chinese names for the oceans are also found on this map, as was said, although their geographical position is not always the same as in Yuan and early Ming sources. Thus, the Xiao Dong yang and Da Dong yang were pushed from their original location in Southeast Asia to the Pacific regions (as in the case of the Tushu bian map), and the Xiao Xi yang marks part of those areas which, in former days, were associated with the Da Xi yang, or, more simply, with the Xi yang (without attribute). Generally however, the idea that the “smaller” (xiao) entities should be nearer to the center than the “larger” (da) ones, is retained (as on the Tushu bian map); consequently, the term Da Xi yang is used for the Atlantic Ocean. Other interesting observations can be made in regard to the “pairs” Bei hai / Nan hai, Xi’nan hai / Dongnan hai, and Xi Hong hai / Dong Hong hai. As the name suggests, the entity called “Bei hai” is located in the extreme north, while the Nan hai is found off the Antarctic coast. Bei hai and Nan hai are thus placed at opposite ends of the map, in a symmetrical fashion (similar to the arrangement in Tushu bian). The same applies, albeit with less rigidity, to the other four names. This kind of layout seems to follow traditional ideas, although the last two toponyms are of course derived from Western names. More “symmetries” and “parallelisms” can easily be discovered. Here are some examples: (1) At the “outer edges” of the Sancai tuhui map, i.e., at the left and right margins, we find three names / terms in each case: Da Xi yang, oceano, Liweiya hai – Keluotuo hai, oceano, Rio de la Plata (alternatively, if the La Plata, as a river, is not counted: Bing hai, Keluotuo hai, oceano). (2) The number of seas and oceans to the east and west of the “Great Ming Sea” (Da Ming 115 hai), located near the center of the map, is identical as well (if the Rio de la Plata is included): there are exactly twelve toponyms on either side of that sea. (3) Furthermore, there occurs a cluster of four names off the East African and Indian coasts (Xiao Xi yang, Xi Hong hai, Yalapi hai, Banggela hai) and another such cluster near the coast of Chile (Dongnan hai, Bailu hai, Mowalani hai, Ninghai); in each case one toponym can be associated with traditional Chinese terminology, while the other names are of foreign origin. Concepts of symmetry also seem to underly the distribution of certain land areas. Here is one example: on the eastern hemisphere we find Hanhe and Xiangfeng in the north, and Baifeng and Dajiang in the south – one “cape” / “peak” and one “river” in each case. These last four toponyms cannot readily be identified, as was already mentioned; but since they also occur on the KYWGQT, they were probably introduced into the cartographic art by Ricci himself. A very different observations relates to the shape of the African continent. Its southern half is not as wide and round as, for example, on the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian. On the contrary, in Sancai tuhui southern Africa is presented as a long and pointed land mass, somewhat similar to its depiction on a comparable chart in the famous Guangyu tu 廣輿圖 atlas (printed in 1555) and on yet another map in Tushu bian which is called “Xi’nan hai yi tu” 西南海夷圖 (j. 51). These two drawings are ultimately based on the works of the famous Yuan geographer Zhu Siben 朱思本 (12731337) and, consequently, were not influenced by European cartography. Unfortunately, Zhu’s maps are now lost, but the ones in Guangyu tu and Tushu bian give an impression of what geography was looking like in the Yuan period.30 Maps in the Zhu Siben tradition also allude to the existence of a southern land mass, similar to the idea of Magellania, but the coast lines of these southern lands are not as curved as in the case of many European maps. Furthermore, the shapes of India and Southeast Asia are very distorted in traditional Chinese works. The Sancai tuhui seems to aim at a kind of compromise between such concepts and Ricci’s views. Here are some examples: Of the Southeast Asian toponyms two were located near the southern land mass of Magellania (Java Minor and Java Major). The outlines of the Malayan Peninsula are alluded to, a feature not found with any of the traditional Chinese maps (the only known exception is the so-called “Zheng He hanghai tu” 鄭和航海 圖31). Much of Southeast Asia consists of larger islands; the 116 Guangyu tu map and similar works only show a set of place names in that area, without specifying the shapes or sizes of the islands associated with them.32 The outlines of Europe and the New World mirror Ricci’s influence, but they were distorted, or rather simplified, probably to adjust them to the Chinese reader’s expectations. The above examples may suffice to show that the Sancai tuhui map tries to bring together two entirely different concepts. Traditional Chinese elements are particularly important for the maritime sphere – some of these elements were probably taken over from old lishi dili 歷史地理 sources –, while European “dimensions” become more clearly visible in the terrestrial context. By and large, this also applies to the “Yudi shanhai quantu” in Tushu bian. However, in the second case, the bizarre outlines of the continents are so phantastic, indeed, that one is almost immediately reminded of certain geomantic drawings; clearly, the Sancai tuhui map looks very different – more realistic at least, and thus more advanced. In concluding these lines the following may be said: the map examined in this short note reflects an intellectual dilemma frequently encountered in late sixteenth and early seventeenth century China, namely the question of how to combine Chinese cosmological principles – to which certain geographical issues were always subjected – with humanist ideas imported from the “Far West”. Different proposals were made to that effect, the Sancai tuhui map being an important case in point. By placing China in the center of his maps and by taking over certain toponyms and other features from Chinese sources, Ricci had of course paved the way for these kind of compromise solutions, but their further elaboration rested in the hands of China’s own academics. Since some of the latter’s works enjoyed a wide circulation, these men carried an enormous responsibility. As mentioned above, the Sancai tuhui was one of the most popular leishu 類書 under the Ming and even became known in Korea, where cartographical works acquired from Jesuit and Chinese geographers, usually through Chosôn envoys visiting Beijing, were hotly debated in intellectual circles and the Korean Court.33 Thus, in spite of its preliminary nature and all its shortcomings, the map discussed here must be considered as one of the most important “hybrid” pieces of its time. 117 Notes (1) Wang Qi 王圻 (comp.), Sancai tuhui, 6 vols. (Taibei: Chengwen chubanshe, 1970), I, dili j. 1, here especially pp. 101-102. For a short description, see, for example, Wolfgang Franke, An Introduction to the Sources of Ming History (Kuala Lumpur: University of Malaya Press, 1968), pp. 312-313 no. 9.2. Furthermore Pasquale M. d’Elia, Il mappamondo cinese del P. Matteo Ricci S.J. (Città del Vaticano: Biblioteca Apostolica Vaticana, 1938; now Mappamondo), p. 198 n. 46 (some doubtful points). (2) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu” 考李馬竇的世界地圖, Yugong (banyuekan) 禹貢半月刊 (The Chinese Historical Geography, Semimonthly Magazin) 5.3/4 (April 1936), pp. 1-50; Chen Guangsheng (Kenneth Chen), “Li Madou dui Zhongguo dilixue zhi gongxian ji qi yinxiang” 李 馬竇對中國地理學之貢獻及其音響, ibid., pp. 51-72, and “Matteo Ricci’s Contribution to and Influence on Geographical Knowledge in China”, Journal of the American Oriental Society 59 (1939), pp. 325-359, 509; Mappamondo, especially chapters 3 and 4 (editions), and d’Elia’s “Recent Discoveries and New Studies (1938-1960) on the World Map in Chinese of Father Matteo Ricci, S.J.”, Monumenta Serica 20 (1961), pp. 82-164; John D. Day, “The Search for the Origins of the Chinese Manuscripts of Matteo Ricci’s Maps”, Imago Mundi 47 (1995), pp. 94-117; Cao Wanru 曹婉如 et al. (eds.), “Zhongguo xiancun Li Madou shijie ditu yanjiu” 中國現存李馬竇世界地圖研究, Wenwu 文物 331 (12/1985), pp. 57-70; the same et al. (eds.), Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai 中國古代地圖集. 明代 (Beijing: Wenwu chubanshe, 1994), especially plates 57-59, 77-79, English texts, pp. 26-28; Chinese Academy of Surveying and Mapping (comp.), Treasures of Maps – A Collection of Maps in Ancient China (Harbin: Harbin Cartographic Publishing House, 1998), pp. 137-139 (plate 92); Nicolas Standaert (ed.), Handbook of Christianity in China, Vol. 1: 6351800, Handbook of Oriental Studies / Handbuch der Orientalistik, section 4, vol. 15.1 (Leiden, etc.: Brill, 2001), pp. 754-755. (3) Day, “The Search”, pp. 96-98, appendix pp. 111-112. Earlier, Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 28, established a list of twelve items, which differs considerably from Day’s findings. That also applies to Cao Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 59. (4) Mappamondo. For earlier English translations of some of the colophons, see, for example, Lionel Giles, “Translations from the Chinese World Map of Father Ricci”, Geographical Journal 52 (1918), pp. 367-385; and 53 (1919), pp. 19-30. (5) Day, “The Search”, especially pp. 98 et seq. Also see, for example, Pang Tongin 方東仁, Han’guk chido ûi yoksa (Seoul: Sin’gu munhwasa, 2001), pp. 167, 175; Yi Ch’an 李燦, Han’guk ûi ko chido (Seoul: Pomusa, 1991), pp. 348-349, 380-381, 409, and Minako Debergh, “La carte du monde du P. Matteo Ricci (1602) et sa version coréenne (1708) conservée à Osaka”, Journal asiatique 274 (1986), pp. 417-454. (6) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, especially p. 28; Cao Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 59. (7) More cases are discussed, for example, in Marcel Destombes, “Wang P’an, Liang Chou et Matteo Ricci. Essai sur la cartographie chinoise de 1593 à 1603”, in Actes du IIIe Colloque International de Sinologie. Appréciation par l’Europe de la tradition chinoise à partir du XVIIIe siècle. Centre de Recherches Interdisciplinaires de Chantilly (CERIC), 11-14 septèmbre 1980 (Paris: Les Belles Lettres, Cathasia, 1983), pp. 47 et seq. The case of the socalled Wang Pan 王泮 map is particularly interesting. – For the Tushu bian and 118 Zhang Huang 章潢, who compiled this work, see, for example, L. Carrington Goodrich and Fang Chaoying (eds.), Dictionary of Ming Biography 13681644, 2 vols. (New York and London: Columbia University Press, 1976), I, pp. 83-65. Zhang Huang was in touch with Ricci. (8) Zhang Huang, Tushu bian, 24 vols. (Siku quanshu zhenben, wu ji edition, vols. 244-267), especially IV, j. 16, 61a-b; VII, j. 29, 42b-49a; Joseph Needham et al., Science and Civilisation in China, Vol. 3: Mathematics and... (Cambridge: At the University Press, 1959), pl. XC after p. 582; Cao Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 58 and n. 4. (9) Ibid., pp. 58-59. (10) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, for example p. 1; Chen Guansheng, “Fangyu shenglüe zhong geguo dufenbiao zhi jiaoding” 方輿勝略 中各國度分表之校訂, Yugong 5.3/4 (April 1936), pp. 165-194. Also see in that same issue of Yugong: Li Jinhua’s 李晉華 “Fangyu shenglüe tiyao” 方輿勝略 提要, on pp. 159-164, and the appendices – all on pp. 195-203. Furthermore Mappamondo, illustrations after pp. 166 and 168, plus text. More recently also Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, nos. 224 and 225, and Cordell D.K. Yee, “Traditional Chinese Cartography and the Myth of Westernization”, in J.B. Harley et al. (eds.), Cartography in the Traditional East and Southeast Asian Societies, The History of Cartography 2.2 (Chicago and London: The University of Chicago Press, 1994), pp. 175, 178-179. (11) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 28; Yee, “Traditional Chinese Cartography”, p. 175; Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, nos. 224 and 225, and “Zhongguo xiancun”, p. 59. (12) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 28 and passim; Cao Wanru, “Zhongguo xiancun”, p. 59. (13) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 39. (14) Mappamondo, p. 198 n. 46. Also see pp. 70-71 n. 4, there (on Feng Yingjing, who is said to have prepared two small maps. Could the one in Sancai tuhui be one of these two?). – Pasquale d’Elia also cites E.R. Hughes, The Invasion of China by the Western World (Oxford, 1937), which shows the Sancai tuhui map as well. (15) In Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, no. 222. (16) Yee, “Traditional Chinese Cartography”, p. 175, and text under fig. 7.5 on p. 176. (17) Yugong 5.3-4 (April 1936), pp. 196-198. (18) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, pp. 35, 39; Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, nos. 224 and 225. – The KYWGQT carries almost the same text, see Mappamondo, pls. V, VI (Italian translations). (19) Sancai tuhui, pp. 102-103. (20) This follows the translation in Cao Wanru, Zhongguo gudai ditu ji. Mingdai, no. 222. (21) For an English biography of Wang Qi, see Goodrich and Fang, Dictionary of Ming Biography 1368-1644, II, pp. 1355-1377. – Wang’s son was involved in the compilation of Sancai tuhui, but that may not matter very much. (22) See, for example: Ai Rulüe 艾儒略 (Giulio Aleni; author), Xie Fang 謝 方 (comm. and ed.), Zhifang waiji jiaoshi 職方外紀校釋, Zhongwai jiaotong shiji congkan (Beijing: Zhonghua shuju, 1996). For Aleni, also see, for example, Tiziana Lippiello and Roman Malek (eds.), “Scholar from the West”. Giulio Aleni S.J. (1582-1649) and the Dialogue between China and Christianity, Monumenta Serica Monograph Series 42 (Nettetal: Steyler Verlag, 1997); Bernard HungKay Luk, “A Study of Giulio Aleni’s Chih-fang wai-chi”, Bulletin of the School of Oriental and African Studies 40 (1977), pp. 58-84; Hartmut Walravens, “Father Verbiest’s Chinese World Map (1674)”, Imago Mundi 43 (1991), p. 31. 119 (23) DFB: this refers to the list in Chen Guansheng, “Fangyu shenglüe zhong geguo dufenbiao zhi jiaoding”. (24) Humans with dog heads are a well-known theme in “anthropological” literature. See, for example, R. P., “Die Andamanen und Nikobaren nach chinesischen Quellen (Ende Sung bis Ming)”, Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen Gesellschaft 136 (1986), p. 352 and sources in n. 26. (25) See, for example, R. P., “Notes on the Word ‘shanhu’ and Chinese Coral Imports from Maritime Asia, c. 1250-1600”, Archipel 39 (1990), pp. 65-80. (26) Hong Weilian, “Kao Li Madou de shijie ditu”, p. 39. (27) Although the Da Xi yang is mentioned in the explanations following the map; see j. 29, 42b. (28) R. P., “Südostasiens Meere nach chinesischen Quellen (Song und Yuan)”, Archipel 56 (1998), especially pp. 17-25, and “Chinesische Wahrnehmungen des Seeraums vom Südchinesischen Meer bis zur Küste Ostafrikas, ca. 1000-1500”, in Dietmar Rothermund and Susanne WeigelinSchwiedrzik (eds.), Der Indische Ozean. Das afro-asiatische Mittelmeer als Kultur- und Wirtschaftsraum, Edition Weltregionen (Wien: Verein für Geschichte und Sozialkunde, and Promedia Verlag, 2004), especially pp. 46-48. Also see Liu Yingsheng 劉迎勝, “Wang Dayuan de Dong yang zhi hang – Dong yang yu Xi yang gainian chansheng de lishi beijing zhi tansuo” 汪大淵的東洋之行 – 東 洋與西洋概念産生的歷史背景之探索, Nanyang xuebao 南洋學報 56 (2002), pp. 30-44. (29) See sources in previous note. Furthermore: R. P., “The Coral Islands in the South China Sea according to Chinese Sources (Song to Ming)”, in Avelino de Freitas de Meneses (coord.), Portos, escalas e ilhéus no relacionamento entre o Ocidente e o Oriente. Actas do Congresso Internacional Comemorativo do Regresso de Vasco da Gama a Portugal. Ilhas Terceira e S. Miguel (Açores), 11 a 18 de Abril de 1999, 2 vols. (Lisbon: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2001), II, pp. 337-358, and “Jottings on Chinese Sailing Routes to Southeast Asia, Especially on the Eastern Route in Ming Times”, in Jorge M. dos Santos Alves (coord.), Portugal e a China. Conferências nos encontros de história luso-chinesa (Lisbon: Fundação Oriente, 2001), pp. 107-131. (30) See, for example, Joseph Needham, Science and Civilisation in China, Vol. IV:3: Physics... (Cambridge: At the University Press), especially p. 500, and Vol. III, quoted above, pp. 551-554; Walter Fuchs, The “Mongol Atlas” of China by Chu Ssu-pen and the Kuang-yu-t’u. With 48 Facsimile Maps Dating from about 1555, Monumenta Serica Monograph 8 (Peiping: Fu Jen University, 1946), pp. 43, 44 (maps); Zhang Huang, Tushu bian, XI, j. 51, 17a, etc. Further examples of maps in the Zhu Siben tradition may be found in Mao Yuanyi’s 茅元儀 Wu bei zhi 武備志, 22 vols. (originally 1621; Taibei: Huashi chubanshe, 1984), XXI, j. 223, and in Huangyu kao 皇域考 (1557). (31) There are several modern editions. One is: Haijun haiyang cehui yanjiu suo, Dalian haiyun xueyuan hanghaishi yanjiushi 海軍海洋測繪研究所, 大連海運學院航海史研究室 (ed.), Xinbian Zheng He hanghai tuji 新編鄭和航海 圖集 (Beijing: Renmin jiaotong chubanshe, 1988). (32) For old European maps on Southeast Asia, the following modern works are particularly useful: Thomas Suárez, Early Mapping of Southeast Asia (Singapore: Periplus Editions (HK) Ltd., 1999); Carlos Quirino, Philippine Cartography (1320-1899) (2nd ed. Amsterdam: N. Israel, 1963); Luís Filipe F.R. Thomaz, “The Image of the Archipelago in Portuguese Cartography of the 16th and early 17th Centuries”, Archipel 49 (1995), S. 79-124. (33) For the Korean context, see, for example, Gari Ledyard’s 120 “Cartography in Korea”, in Harley et al. (eds.), Cartography in the Traditional East and Southeast Asian Societies, or Soon Mi Hong-Schunka and Roderich Ptak, “Die koreanische Weltkarte in St. Ottilien: ein Beitrag zur Kartographie des Ferdinand Verbiest”, Zeitschrift der Deutschen Morgenländischen Gesellschaft 154.1 (2004), pp. 201-218, and relevant works cited there. – The Sancai tuhui also left its traces in Japan. See, for example, Kazutaka Unno, “Cartography in Japan”, in Harley et al., p. 407, and Goodrich and Fang, Dictionary of Ming Biography, I, S. 84. 121 The “Northern Projection” in Tushu bian 122 123 The “Shanhai yudi quantu” in Tushu bian 124 125 The “Shanhai yudi quantu” in Sancai tuhui 126 127 KWO-WEI KUNG Instituto de Estudios Latinoamericanos Universidad de Tamkang (Taipei, Taiwán) Los estudios Latinoamericanos en Taiwán: una reflexión desde la situación política y económica de Taiwán en el esquema internacional 1. Introducción Durante los últimos 20 años, la sociedad internacional ha prestado a América Latina una atención que ha merecido en la medida que el régimen político de los países de la región se ha encaminado hacia la democracia, así como su sistema económico ha experimentado un ajuste drástico desde que el mirar hacia afuera se ha convertido en un lenguaje común para todos. Sin embargo, actualmente en Taiwán, los estudios latinoamericanos siguen siendo en mucho una de las áreas más desapreciadas y abandonadas en la esfera de los estudios internacionales, en contraste con el hecho que la mitad de los 27 países que hoy día mantienen relaciones diplomáticas con la isla se ubican en esta región. En este trabajo de enfoque empírico, bajo la percepción que los lazos sustanciales entre dos actores de asuntos internacionales determinados son factores decisivos para la prosperidad de estudios relativos, se pretende encontrar explicaciones de esta situación poco lógica por medio del análisis sobre la política exterior de Taiwán hacia América Latina y el enlace económico y comercial entre ambas partes, exponiendo los elementos influyentes para el futuro de los estudios latinoamericanos en Taiwán. En principio, desde la óptica del estado diplomático especial de Taiwán en el que la fuerte presión impuesta por parte de China es una constante, se examinará las interacciones políticas entre Taiwán y sus aliados principales con miras a revelar el papel verdadero de los países latinoamericanos en la política exterior de Taipei de ahora. Mientras tanto, se enfocará también las causas de la penuria de intercambios comerciales a fin de poner al descubierto cómo una potencia regional tan limitada como Taiwán que se enfrenta al mercado enorme de China, disfrutando el apoyo de abun129 dantes recursos humanos y suministro logístico de la región de Asia del Este y Sudoriental, en sus relaciones económicas América Latina puede mantener un perfil bajo, esto también hará daños al avance de los estudios latinoamericanos. 2. Una mirada retrospectiva sobre las relaciones entre Taiwán y América Latina En el estudio histórico, los contactos más significativos que antecedieron y enmarcaron las relaciones entre China y América Latina fueron los flujos de población de aquélla, y que su inicio se puede remontar al siglo XVI. Sin embargo, no fue sino hasta los mediados del siglo XIX cuando la crisis de la estructura Imperial de dinastía Qing (Manchuria) de China y la necesidad en América Latina de mantener la economía de plantación se conjugan para permitir el flujo de chinos de gran cantidad. Desde luego, el intento de solucionar los problemas originados por los trabajadores chinos se convirtió en el catalizador del comienzo de relaciones diplomáticas entre China y los países importadores de mano de obra, tales como Perú, Cuba, Brasil, México y Panamá. Es interesante hacer notar que con los países del istmo centroamericano que ahora es la zona diplomáticamente prioritaria para Taiwán no se logró el establecimiento de relaciones formales hasta los años 30 de la centuria pasada. Vale añadir que no debe exagerar la importancia de la migración china en las relaciones actuales entre ambos lados, como podría justificarse si nos referiéramos a los países del Sudeste de Asia o de Indochina donde la presencia de la población china será mucho más considerable. Durante los primeros 20 años después del retiro del gobierno de Koumingtan a Taiwán en 1949, las relaciones entre Taiwán y los países latinoamericanos no sufrieron transtornos dignos de ser destacados ya que la bipolaridad dejaba poco margen de maniobra a China en la comunidad internacional, mientras su lucha política interna y la política de puerta cerrada hacia el mundo capitalista hiceron que el mundo le mirara con mucho escepticismo. Empero, al inicio de la década de los 70’, la situación cambiaba a causa de una serie de sucesos tales como la retirada de Taiwán de la ONU en 1971 desplazado por China, la reorientación de política exterior de Beijing hacia el énfasis tercermundista, el acercamiento entre Beijing y Washington que culminó con la ruptura de relaciones oficiales entre Taiwán y EE.UU. en 130 1979, pues la puesta en término a sus relaciones diplomáticas con Taiwán por parte de un importante número de países latinoamericanos no se hizo esperar, marcando como una marea de ruptura que se iba desarrollando hasta los fines de la década siguiente.1 Como consecuencia, los únicos que quedan con Taiwán no eran más que la cadena de países centroamericanos – Guatemala, Belice, El Salvador, Honduras, Nicaragua, Costa Rica, Panamá –, la República Dominicana, Haiti, Saint KittsNevis, Saint Vicent & Grenadines y Paraguay. Desde aquel entonces, las estrategias taiwanesas en cuanto a asuntos exteriores han sido de carácter defensivo, con el mantenimiento de un reducido número de países con los que guarda relaciones diplomáticas como el principio primordial, lo cual sirve como símbolo de su independencia y soberanía. 3. Orientación de la política exterior de Taiwán Para enfrentar a la condición diplomática sumamente difícil, a partir de los año 90 la política de Taiwán en asuntos exteriores se divide en dos dimensiones: primera es la práctica de la llamada “diplomacia pragmática” que tiene como objetivo la garantía de su posición entre las naciones del mundo. La segunda dimensión es agarrar las últimas ramas del árbol, o sea, los pocos países que tienen relaciones oficiales con Taiwán, a cualquier precio para justificar la posición de Taiwán como país soberano. Es comprensible que la primera dimensión tiene un peso real mucho mayor que la segunda, por tanto las estrategias adoptadas son bastante diferentes. Con respecto a la diplomacia pragmática, sus objetos principales son EE.UU., la Unión Europea, Japón y otros países vecinos de Asia-Pacífico, y las potencias latinoamericanas tales como México, Argentina, Brasil y Chile. Por lo general, los esfuerzos incesantes de Taipei para obtener un trato más equilibrado hacia los dos lados del Estrecho de Taiwán, el apoyo por lo menos implícito al status quo en el Estrecho y a la solución pacífica del problema de Taiwán son los objetivos más enfatizados. En este aspecto, mediante todo tipo de cooperación no política Taiwán ha logrado resultados aceptables en sus interacciones con EE.UU., la Unión Europea y Japón, pero con los países de tercer mundo, sobre todo los de América Latina, las experiencias son bien decepcionadas por su actitud muy pro Beijing. 131 Esta situación abate tanto al sentimiento de los ciudadanos taiwaneses que hacer pensar que existe poca posibilidad de acercarse el uno con el otro. En cuanto a los países que continua su reconocimiento oficial a Taiwán, las autoridades de la isla ofrecen una serie de ayudas financieras a cambio de su “lealtad”. Con tal fin, en 1988, el gobierno ordenó la creación del Fondo para el Desarrollo y la Cooperación Económica Internacional (IECDF) para dirigir las actividades relativas. Las ayudas se presentan en formas diferentes, entre ellas las actividades de mayor revelancia son las siguientes: 2 1. Préstamos – se ofrecen varios tipos de préstamos, el más importante, entre otros, es los préstamos directos para proyectos a largo plazos destinados al desarrollo cuyos receptores pueden ser los gobiernos o las organizaciones que ellos designen. 2. Misiones técnicas – con la finalidad de elevar la producción de granos (arroz, maíz, frijoles) por la introducción de nuevas variedades agrícolas, fomentar el cultivo de productos agrícolas de alto valor económico (frutas, flores, caña de azúcar), transmitir conocimientos y habilidad en piscicultura de agua dulce y agua salada, mejorar la producción de ganadería por vía de la prevención de sus enfermedades, y ofrecer asesoría sobre artesanía y su fabricación. 3. Projectos de educación y entrenamiento – se pueden dividir en varias categorías amplias incluyen el envío de grupo asesor de pequeñas y medianas empresas, el establecimiento de centros de entrenamiento profesional, programa de entrenamiento de jóvenes empresarios, la celebración de diferentes tipos de seminarios para la formación de entrenadores y técnicos cualificados. 4. Voluntarios para servicios en el ultramar – se envían jovenes voluntarios que se especializan en el entrenamiento en el uso de ordenador, administración de pequeñas y medianas empresas, y desarrollo rural. 5. Proyectos de asistencia humanitaria en casos de desastre naturales. 6. Fondo para el Desarrollo Económico de Centroamérica. Aquí pondremos mayor énfasis en los préstamos. Aún cuanto todo el mundo reconoce que estas actividades son de buena voluntad en principio, es innegable que en la práctica se han visto muchos defectos por la falta de verifi132 cación – en la mayoría de los casos esta falta es intencionadamente –, lo que ha causado perjuicio a la imagen de Taiwán, anulando los esfuerzos para ganar apoyo en la sociedad de los países receptores. En efecto, muchos estudiosos han presentado sus críticas al respecto desde hace mucho tiempo, proponiendo en cambio la adopción de un enfoque más legal y mejor organizado en la entrega y el uso de préstamos y donación, sin embargo la situación más o menos sigue igual. La burocracia taiwanesa que se hace cargo de asuntos latinoamericanos, en especial el Ministerio de Exteriores y la Oficina de Comercios Exteriores, si bien mantiene cierta colaboración con la esfera académica, no ha dado bastante importancia a sus opiniones y sugerencias. Se debe a que los funcionarios públicos de alto nivel albergan en general una mentalidad conservadora, realizando sus trabajos de acuerdo con el criterio único: las medidas son favorables o no para el mantenimiento de relaciones diplomáticas. Es verdad que nadie debe atacar un criterio como tal, pero lo malo es que cuando unas medidas determinadas sean probadas válidas para reforzar la voluntad política de un gobierno ajeno, por ejemplo la donación de fondos en cantidad sin que haga caso a la forma de uso del gobierno receptor, los veteranos diplomáticos de Taiwán harán la rutina sin cambio porque ninguno de los responsables de asuntos exteriores quiere que la ruptura de relaciones suceda en su ocupación. Se crítica mucho esta actitud de vista corta del gobierno de Taiwán que no sólamente no ha logrado elevar el bienestar de la población de los países receptores, sino que ha hecho señalar al país como el cómplice de la corrupción en esas naciones, la consecuencia será además que se burlan de tales comportamientos diplomáticos como la “diplomacia de dólares”, el precio que tiene que pagar para mantener su conocimiento oficial también va aumentando, hasta que los países receptores compiten el uno con el otro ya que nadie quiere ser menos que sus vecinos. De hecho, la donación y los préstamos se han convertido en la página más escandalosa de la diplomacia taiwanesa hacia América Latina, dejando a Taiwán en un estado de secuestro. Al mismo tiempo que la disposición ineficaz de recursos ha elevado costos marginales diplomáticos, el rápido desarrollo socio-económico de China incrementa aun más la dificultad de la manipulación en asuntos exteriores. Naturalmente, sobre los países que no tienen relaciones for133 males con Taiwán, sí que no es práctico que se espere una política de equidistancia hacia los dos lados del Estrecho, pero la situación actual es que el precio por la solicitación a los países aliados a apoyar abiertamente el clamor de Taiwán sobre tema específico en las ocasiones internacionales (por ejemplo, la participación en la ONU) también es muy alto. Taiwán se encuentra en una comunidad internacional que está llena de atmósfera políticamente poco amistosa, y le deja un espacio diplomático muy limitado. Es creíble que el gobierno pone todos sus esfuerzos para mantener la sobreviviencia, pese a que algunas de medidas factibles no estén tan conformes a las leyes que deben figurar en un país democrático. Sin embargo, de las experiencias personales de interacción con la burocracia responsable de los asuntos latinoamericanos, se induce que cuando una estrategia se considere válida para la meta, sea legal o de modo feo, prefieren mantener el estereotipo. Esta mentalidad de seguir lo regular, basada a la idea que el valor único de los países latinoamericanos no está ni en lo geopolítico ni en lo geoestratégico, sino en su reconocimiento diplomático a la soberanía de isla, es, a mi parecer, el más dañino para el avance de estudios latinoamericanos en Taiwán, si se dan cuenta que las opiniones originadas de investigaciones académicas sirven muy poco en el proceso de fomento de políticas. 4. Lazos económicos entre Taiwán y América Latina Otro aspecto que merece prestar la atención es los elementos restrictivos sobre el desarrollo de lazos económicos entre Taiwán y América Latina. De acuerdo con las cifras comerciales registadas, las relaciones existentes no han estado suficientemente estrechas como para incrementar la energía en los estudios hacia la zona. En las últimas décadas, Asia Oriental ha conseguido un crecimiento económico notable, y sobre todo, en lo que se refiere no sólo a Japón sino también a un pequeño grupo de naciones que hoy se conocen con el nombre de “nuevos países industriales asiáticos”: Singapur, Corea del Sur, Hong Kong y Taiwán. Pese a carecer de recursos naturales y enérgicos, por vía de un proceso de sustitución de exportaciones a partir de los años 60, de los productos agrícolas como la categoría principal de exportación a productos manufacture134 ros de alta intensidad de mano de obra, por ejemplo prendas de vestir, componentes electrónicos, artículos electrodomésticos... etc., y desde mediados de los 1980’ la categoría de producción industrial se sube a las manufacturas de intensidad de capital y de alta tecnología, en los que se destacan el diseño de semiconductor y circuito integrado, la elaboración de computadora y sus periféricos, así como el sector de comunicaciones. Con la diversificación de producciones, Taiwán se ha situado en uno de los exportadores preeminentes de manufacturas de alta tecnología. Conviene puntualizar que los elementos que subraya el gobierno taiwanés por su importancia para el éxito son: la orientación de forma decidida hacia la exportación, la apertura a la inversión externa, el apoyo al mecanismo de mercado libre (o sea la no intervención agresiva de gobierno). En América Latina, después de la crisis de los años 80, los países han realizado un ajuste estructural neoliberal, abandonando las estrategias de desarrollo hacia adentro que se llevaba a la práctica durante los tiempos pasados. La apertura de mercado interno, la privatización de empresas estatales, la presentación de incentivos fiscales para atraer inversiones extranjeras directas, el establecimiento de zonas francas o parques industriales para promover la exportación ... etc, todas estas reformas hacen que los países latinoamericanos hayan caminado en un rumbo de desarrollo semejante, hasta algún grado, al de los países asiáticos. No obstante, es obvio que la adopción del modelo asiático de modernización no ha contribuido mucho a los intercambios comerciales bilaterales entre Taiwán y América Latina, porque: primero, la escasez de complementariedad entre sus estructuras de exportación. Ello es que para la mayoría de los países latinoamericanos, particularmente los que mantienen relaciones oficiales con Taiwán, las exportaciones se concentran todavía en las materias primas, productos agrícolas procesados y las manufacturas de intensidad de mano de obra o de tecnología baja, por ejemplo las prendas de vestir y el calzado. Segundo, durante el proceso de desarrollo económico, cada parte ha establecido su orientación de mercado bastante fija que no es fácil para modular. Tercero, entre los países de Asia oriental y sudoriental se ha forjado un modelo de división de trabajo. Cuarto, el desarrollo económico sumamente rápido de China agrava aun más el lazo flujo existente ya que China dispone de todos los factores favorables, que también son necesarios para competir en el mercado internacional – el 135 bajo nivel de salario, la alta eficiencia productiva de sus trabajadores, y el mercado enorme con poder de adquisición en ascenso – que forma una atracción inresistible para inversores taiwaneses. Mientras tanto, la falta de informaciones bidireccionales sobre el sistema social, las legislaciones de comercios, las oportunidades comerciales potenciales, hasta el obstáculo de idioma, constituyen barreras serias al acercamiento de ambas partes. Los defectos, junto con la insuficiencia de estudios latinoamericanos en Taiwán han materializado un círculo vicioso. Por añadidura, ni hablar de China continental, el lazo histórico de migración de las provincias costeras chinas hacia el sudeste asiático ha tenido forma una “red de chinos”, lo que facilita mucho la realización de inversión y transacciones en la zona por el menor riesgo que correrían los negociantes taiwaneses. Según la estimación de la Oficina de Comercios Exteriores de Taiwán, la cifra de comercio total entre ambos lados del Estrecho de Taiwán se triplicó entre 1993 y 2000, pasó de 14,4 mil millones de dólares a 32,3 mil millones. A pesar de la evolución negativa en 2001 (-7,4%) y su cuantía se redujo a unos 30 mil millones de dólares, en 2002 y 2003 se vió una recuperación rápida que se incrementó de nuevo de 41 mil millones a 46,3 mil millones de dólares, y las tasas de crecimientos en estos dos años fueron de 36,9% y 23,8% respectivamente. Al mismo tiempo que se aceleran los intercambios comerciales bilaterales, el aumento de inversiones de Taiwán hacia China registra un ritmo aún mucho más elevado. Los cálculos de fuente oficial de Taiwán reveló que hasta 1993 ingresó en China un stock de inversiones directas taiwanesas aproximadamente 6 mil millones de dólares, en 2003 ya alcanzó a más de 70 mil millones. Debido a que la estimación oficial de Taiwán no logró a incluir las inversiones que ejercieron las empresas taiwanesas vía tercer lugar para esquivar la verificación del gobierno, el periódico singapurense Straits Times anunció en agosto de 2003 que las inversiones taiwanese en China ya alcanzó a más de 100 mil millones, lo cual representó un sexto de todas las inversions extranjeras directas en China. Al contrario, el monte de inversiones taiwanesas en toda América Latina es de solamente 600 millones de dólares aproximadamente, salvo Nicaragua que ha logrado flujos grandes de capital taiwanés en el sector del vestuario, buena parte de estas inversiones se ponen en la venta al por menor. 136 No cabe duda que la tendencia actual de regionalización de comercio e inversión debilita la posiblidad de expandir el dinamismo comercial entre Taiwán y América Latina. Durante los últimos años, Taiwán ha llevado a cabo varios proyectos de financiamiento para la creación de zonas de procesamiento de exportaciones en países centroamericanos para atraer principalmente capital taiwanés, pero el progreso ha sido limitado. Del cuadro se observa que la cuantía de comercio en 2003 entre Taiwán y sus ocho principales países amigos latinoamericanos se registró sólo 584 millones de dólares, equivalente a un 0.22% del total del comercio externo taiwanés (271,4 mil millones). A su vez, entre 2001 y 2003 no se ve una tendencia de subida estable (600 millones en 2001 y 576 millones en 2002). Admitiendo que se añaden las potencias económicas más grandes de el continente, la participación de toda la América Latina apenas alcanzó el 2% (1.94%) de los intercambios comerciales de Taiwán con todo el mundo. Con miras a que económicamente no esté marginado de la integración regional si se da cuenta que Taiwán siempre está excluido de cualquier proyecto de integración económica de la zona asiática, y que políticamente haga estrechar relaciones diplomáticas bilaterales, Taiwán consiguió en 2002 la firma del tratado de libre comercio con Panamá, y empezará las negociaciones con otros países centroamericanos dentro de poco. De todos modos, por las causas mencionadas, no se debe ser demasiado optimista en un desarrollo rápido de el enlace comercial. 137 INTERCAMBIOS COMERCIALES DE TAIWÁN CON PAÍSES LATINOAMERICANOS SELECCIONADOS, 2001-2003 2001 Mil USD 2002 Variación Mil USD 2003 Variación Mil USD Variación AMÉRICA LATINA Imp. 1,528,693 -27.3% 1,891,553 23.7% 2,391,652 26.4% Exp. 3,222,349 -17.8% 2,919,291 -0.4% 2,870,371 -1.7% Total 4,751,042 -21.1% 4,810,844 1.3% 5,262,023 9.4% Saldo 1,693,655 -6.9% 1,027,738 -23.5% 478,718 -53.4% Imp. 13,284 -40.1% 27,863 109.7% 79,561 185.5% Exp. 75,749 -19.6% 59,004 -22.1% 45,095 -23.6% Total 89,033 -23.5% 86,866 -2.4% 124,656 43.5% Saldo 62,464 -13.2% 31,141 -50.1% 34,466 -- COSTA RICA GUATAEMALA Imp. 21,515 34.2% 5,583 -74.0% 1,160 -79.2% Exp. 79,072 -16.9% 81,294 2.8% 90,941 11.9% Total 100,587 -9.6% 86,877 -13.6% 92,102 6.0% Saldo 57,558 -27.3% 75,710 31.5% 89,781 18.6% Imp. 1,038 -33.2% 636 -38.7% 858 34.8% Exp. 50,957 -31.3% 51,856 1.8% 37,144 -28.4% Total 51,995 -31.3% 52,492 1.0% 38,002 -27.6% Saldo 49,920 -31.3% 51,220 2.6% 36,286 -29.2% -74.3% HONDURAS EL SALVADOR Imp. 1,158 117.7% 9,048 681.2% 2,322 Exp. 65,930 -24.3% 60,543 -8.2% 74,566 23.2% Total 67,088 -23.5% 69,591 3.7% 76,888 10.5% Saldo 64,772 -25.2% 51,494 -20.5% 72,244 40.3% NICARAGUA Imp. 741 -29.4% 431 -41.9% 666 54.7% Exp. 49,596 -30.1% 42,980 -11.6% 39,278 -8.6% Total 49,337 -30.1% 43,411 -12.0% 39,944 -8.0% Saldo 47,856 -30.1% 42,550 -11.1% 38,612 -9.3% Imp. 4,213 160.1% 4,810 14.2% 6,012 25.0% Exp. 123,965 -37.2% 127,355 2.7% 121,160 -4.9% Total 128,178 -35.6% 132,165 3.1% 127,172 -3.8% Saldo 119,751 -38.8% 122,544 2.3% 115,149 -6.0% PANAMÁ REPUBLICA DOMINICANA Imp. 1,112 19.8% 1,333 19.8% 2,351 76.4% Exp. 77,146 -25.7% 83,576 8.3% 56,746 -32.1% Total 78,258 -25.3% 84,909 8.5% 59,098 -30.4% Saldo 76,033 -26.1% 82,243 8.2% 54,394 -33.9% Imp. 11,270 -17.9% 7,755 -31.2% 10,470 35.0% Exp. 24,042 -18.2% 22,084 -8.1% 26,522 20.1% Total 35,312 -18.1% 29,839 -15.5% 36,992 24.0% Saldo 12,772 -18.5% 14,329 12.2% 16,051 12.0% PARAGUAY Fuentes: Bureau of Foreign Trade (Taiwán), Trade Statistics, http://cus93.trade.gov.tw 138 5. Otros factores de carácter restrictivo Además de los elementos de dimensión política y económica, existen otros fenómenos culturales que se subordinan a la historia contemporánea de Taiwán que tambén han puesto obstáculos al desarrollo de estudios latinoamericanos en la isla. Durante las cinco décadas entre el 1895 y 1945, la soberanía de Taiwán cayó en manos de Japón como consecuencia de la cesión por parte de China. Luego, aunque la influencia política de Japón hacia su ex colonia se perdió completamente tras su derrota militar en la segunda guerra mundial, la económía se ha ido recuperando desde los años 60’ hasta el punto que los intercambios comerciales se convierten en uno de las pilares para el desarrollo económico de Taiwán. Mientras tanto, las huellas culturales japonesas por su cincuenta años de gobernación y la nostalgia de una parte de intelectuales locales hacia el ex estado metrópoli también son razones principales por las cuales los estudios japoneses han ocupado una posición relevante en Taiwán. Bajo el sistema bipolar después de la segunda guerra mundial, Washington dió muchas ayudas financiera y militar a Taiwan por su defensa frente a China Continental. La importancia predominante de los EE.UU. en el mantenimiento de una situación pacífica del Estrecho de Taiwán, así como su papel de superpotencia en la política internacional, resultan que los estudios norteamericanos se comtemplen como la carrera académica más prometedora. A la vez, la fuerte dependencia económica y tecnológica respecto a los EE.UU por un lado, y la afluencia masiva de emigrantes taiwaneses y la vuelta de la multitud de estudiantes taiwaneses que han profundizado sus estudios en las universidades estadounidenses por otro, también han coadyuvado a originar una corriente incesante de investigación sobre este país. Con referencia a América Latina, es un contraste comparando con los dos países citados que no tiene el lazo tan estrecho con Taiwán como Japón en la historia moderna, ni una relación de alianza basada en beneficios mutuos como los EE.UU. Aun cuanto ciertos países latinoamericanos se sitúan entre los países que con ellos China creó contactos oficiales más tempranos, el hecho que en la segunda mitad del siglo XX casi todos los países de América Latina se vieran envueltos en serios caos políticos y económicos ha desviado la atención de Taiwán, a la vez que ha creado impre139 siones negativas hacia la zona entre los ciudadanos de la isla. Y además, la distancia geográfica y la escasez de importancia geopolítica de América Latina para Taiwán, e incluso el problema de idioma y la penuria en cooperación académica y cultural entre casas de estudios, dificultan el establecimiento de un conocimiento mutuo adecuado en un mundo globalizado. 6. Conclusión - Actualidad de los estudios Latinoamericanos en Taiwán Es triste saber que el futuro de estudios de un campo académico determinado – en este caso, los estudios latinoamericanos – se regula por la ley de la oferta y la demanda. En esta ponencia trata de trazar un perfil del ambiente en que se desarrollan los estudios latinoamericanos en Taiwán, y se ponen de relieve los factores político, económico y cultural que han dado influencias al respecto. El resultado revela que entre la situación de Taiwán en el esquema internacional y los estudios latinoamericano existe una relación causa-efecto muy fuerte. Es una pena indicar que por el desequilibrio de sus relaciones exteriores, las condiciones desfavorables para la sobrevivencia de Taiwán no se ha hecho un empuje a los estudios sobre asuntos latinoamericanos para explorar más posibilidades. Pese a todo, en Taiwán sí hay un pequeño grupo de investigadores que se dedican a los estudios latinoamericanos, pero no se fueron organizados hasta 1990 cuando en la Universidad de Tamkang se estableció el Instituto de Estudios Latinoamericanos, y que es el único organismo académico que se ocupa al mismo tiempo de la enseñanza e investigación en este área en la isla hasta hoy en día . El campo de las investigaciones se limita relativamente al desarrollo político y socio-económico y las relaciones exteriores de la región. Por otra parte, el Instituto celebra simposios periódicamente en Taiwán o en cooperación con las universidades latinoamericanas, por ejemplo la Universidad de Costa Rica, Universidad Autónoma del Estado de México, Universidad de Chile, Pontificia Universidad Católica del Perú, con la contribución de ponencias de los investigadores de ambas zonas. Aunque en el Instituto del Estudio Latinoamericano también se imparten asignaturas de carácter fundamental sobre el panorama general de América Latina a los univer140 sitarios de la misma Casa de estudio, se considera minúsculo el número del profesorado y de alumnos en comparación con otros estudios internacionales de areas, tales como de los EE. UU, la Unión Europea, Japón, China Continental, etc. En cuanto a los postgraduados, la mayoría de ellos proceden de los departamentos de español de cuatro universidades, dicho en otra manera, ellos tienen capacidad en el manejo del español hasta cierto grado, conocimiento básico del mundo latino, pero sin el fundamento sólido sobre las ciencias políticas, relaciones internacionales y políticas de economía. Por tanto, en esta etapa de fomento profesional, los esfuerzos que pongan los alumnos serán el elemento determinante para conseguir su aspiración principal: pasar el examen nacional para trabajar en el Ministerio de Exteriores. El desarrollo de los estudio académicos sobre América Latina tiene mucho que ver no sólamente con la política de la universidad, sino también con el apoyo de gobierno y de las empresas privadas. Muchos creen que si bien los países latinoamericanos significan mucho para Taiwán en las relaciones diplomáticas, éste no ha prestado atención suficiente para desarrollar una estrategia apropiada hacia aquéllos. Mientras tanto, la carrera de estudios latinoamericanos no ha recibido un respeto debido en el mercado de empleo a consecuencia del lazo comercial débil entre los dos lados. Esto resulta que la gran parte, tanto de los egresados de departamento de español como de los postgraduados, tras cumplir su carrera se vean obligados a ofrecerse al campo lejos de lo que han estudiado. Todo esto no favorece el crecimiento de los estudios latinoamericanos en Taiwán. (Fin) Notas (1) Esos países fueron: Chile (1970), Perú (1971), México, Guayana y Jamaica (1972), Argentina (1973), Trinidad y Tobago, Venezuela y Brasil (1974), Surinam (1976), Barbados (1977), Ecuador y Colombia (1980), Antigua y Barbuda (1983), Bolivia y Nicaragua (1985) y Uruguay (1988). En 1990, año en que subió al poder el gobierno de Violeta B. de Chamorro en lugar de los sandinistas, Nicaragua reanudó sus relaciones diplomáticas con Taiwán. (2) Francisco Luis Pérez Expósito, Relaciones entre Taiwán y América Latina (1949-2000), publicado por el autor, Taipei, 2002, pp. 286-287 & 293. 141 SHINZO KAWAMURA, S.J. Sophia University Tokio Humanism, Pedagogy, and Language: Alessandro Valignano and the Global Significance of Juan Bonifacio’s Work Printed in Macao (1588) Introduction In 1588, in Macao, was published a monumental book entitled Christiani pueri institutio (Instruction for Christian Youth).1 The author was Juan Bonifacio (1538-1606), a modest but very important Spanish humanist from Salamanca. This book was of great significance in the history of printing, because it was the first printed material in East Asia (China, Japan, and Korea) to be produced by the European-type movable printing press.2 The project of publishing a new edition of Juan Bonifacio’s work in Macao was initiated by the Italian Jesuit Alessandro Valignano (1539-1606), who had been appointed Visitor (Visitador)3 of the Society of Jesus in Asia. Valignano is well known for his insistence that Christian mission work in China and Japan should be adapted to the cultures of those countries, thus fostering harmonious relations between the Christianity brought in by the Europeans and the native religions and local customs that preceded the advent of Christianity. Unfortunately, Valignano was almost alone in advocating such a revolutionary missionary method: he is truly a unique figure among the missionaries of his time. Valignano could have chosen any of a wide range of works to be the first printed book in East Asia. Why did he choose Juan Bonifacio’s work? In this paper I would like to show how well Juan Bonifacio’s work accorded with Valignano’s missionary strategy.4 Valignano in Macao: 1588-1590 Alessandro Valignano set foot on the soil of Macao on August 11, 1588. He was on his way back to Japan with the four Japanese “Youth Ambassadors” after a successful 143 European tour in which they had even been granted a papal audience in 1585.5 When they sailed into the harbor of Macao, their diplomatic mission was to enter its final stage. The objective of this project, of which Valignano was the initiator and leader, was twofold: (1) to demonstrate to European Christendom, shaken by the upheaval of the Protestant Reformation and the growing secularization of society, that missionary efforts in Japan had borne fruit; and (2) to persuade Catholic prelates of Europe and secular Christian lorads to provide, on a more permanent basis, the financial support needed for developing and maintaining the Japanese Church.6 Since the end of his first tour of inspection of the Japanese mission, from 1579 to 1582, Valignano did everything he could to help that mission, and he continued to do so until his death in Macao in 1606. On his way to Europe with the Japanese “Youth Ambassadors” in 1582, they had a stopover in Goa in India, where Valignano learned that Father General of the Society of Jesus had appointed him Provincial of the Indian Province, thus placing him in charge of the entire Jesuit missionary activity in Asia. Since he now had take office in Goa, he was unable to accompany the four youths to Europe. During the years of his stay in India (1582-1588), he was able to further refine his missionary theory, especially the so-called “adaptation method”, and prepare for his future work in Japan. One can imagine Valignano’s surprise and disappointment when, upon arriving in Macao, he received the news from Japan that in June of the previous year, the new supreme ruler of Japan, Toyotomi Hideyosi, had issued decrees restricting the practice of Christianity and expelling the missionaries from the country. The Christian Church in Japan had now entered the age of persecution. Valignano had no choice but to prolong his stay in Macao; he remained there until June, 1590. It was during this time of crisis, which he had not expected, that he decided to bring out a new edition of Bonifacio’s work on the new printing press that had been put together by Constantin Dourado (?-1620), a Japanese Jesuit who had acquired the skill of printing in Goa and had come to Macao on the same ship as the Four Youths and Valignano. 144 Christiani pueri institutio Juan Bonifacio was a man whose name is inscribed in the history of Iberian Humanism and Spanish Literature.7 He was a man of many talents. Although he wrote several plays and short works of fiction, his greatest talent is to be found displayed in the field of pedagogy. He studied grammar at the collegio in Santiago de Compostela, and rhetoric in Salamanca. After receiving his basic education, he entered the Society of Jesus in 1557, when he was nineteen years old. His spiritual and academic formation was according to the Jesuit educational program, which combined the traditional scholastic method based on modus parisiensis (the curriculum of the University of Paris) with the humanistic approach to education which had come to the fore with the Renaissance.8 In the Ratio Studiorum9 of 1599, the well-known prospectus of Jesuit education, we can discover the nature of the pedagogical innovations introduced in the sixteenth century. The sixteenth century can truly be called a revolutionary century for pedagogy, and the Jesuits were at the center of that revolution. As an educator, Juan Bonifacio taught grammar at Medina college (Collegium Metinense) in Castilla. Among his pupils was Juan de Yepes, the future St. John of the Cross. The writing style of that great sixteenth-century Spanish mystic was very much influenced by his young Jesuit teacher from Salamanca. Juan Bonifacio began work on Christiani pueri institutio as early as 1565. At the time of the Third General Congregation of the Society of Jesus in Rome in 1573, a number of the leading Jesuits taking part in the Congregation had already read a draft of Christiani and approved of its contents.10 The first edition was published in Salamanca in 1575, and the second edition, in Burgos in 1588.11 Valignano’s Macao edition also appeared in 1588. The book is an anthology consisting of passages from the Bible, extracts from Roman philosophers and orators, and from the writings of Church Fathers such as Jerome, Ambrose, and Augustine. Bonifacio’s basic purpose was to improve the Latin skills of students who had already mastered grammar and had now entered the class of rhetoric. But Bonifacio saw another objective for his book besides that of mastering Latin: it could also be and instructive guide to virtue and morality. This latter objective appears clearly in his choice of topics to be taken up and in the systematic order in which these 145 topics were arranged, as can be seen in the book’s table of contents below:12 Chapter 1: On education, its goodness and value Chapter 2: On problems that the young usually face Chapter 3: On the necessity of religion for everyone, especially the young Chapter 4: On sincerity and moral righteousness Chapter 5: On chastity As I shall mention again later, it was part of the humanist creed that there was an essential connection between growth in language skills and the development of a good character (vir bonus). The humanistic ideal of “vir bonus dicendi peritus” was also Bonifacio’s. His book followed closely the path marked out by the humanists of his time. The Macao Edition (1588) As we noted above, two editions of Bonifacio’s work were published in the same year, in Burgos and Macao. Valignano managed to get hold of a handwritten copy of the Burgos edition. He may have found it India, or he may have asked Bonifacio himself to send him a copy. Valignano’s original plan had been to print it in Japan, but news of the persecutions made him change his mind and decide to print it at once in Macao. In any case, he had time to add a few modifications to the original text. By inserting several anecdotes involving pious Japanese boys, it is clear that he expected that this would make the book more accessible to the young in Japan.13 Bonifacio’s work was actually used by seminarians in Japan. But it was not long before the book’s very existence was forgotten, and the name Juan Bonifacio sank into oblivion. There are only two copies of the book extant today, one in the Biblioteca da Ajuda in Lisbon, and the other in Copenhagen (Det Kongelige Bibliotek).14 In a sense, Christiani is the rarest of rare books. The Ajuda copy was not known until Dr. Sousa Viterbo introduced it to historians in 1893. It is not clear why Bonifacio was so completely forgotten in Asia. The fact that the persecution of Christians in Japan made it impossible for the Jesuits to continue their educational efforts there accounts in part, perhaps, for the later neglect of him. But one wonders if a greater reason for this neglect is not that the book itself failed to touch the hearts of its Japanese (Asian) readers. An even greater reason for its falling into oblivion is 146 undoubtedly the fact that it was written in Latin. (I will discuss this at greater length later in this paper). Valignano’s Primary Aim in Publishing the Book Valignano chose Bonifacio’s book for publication. His reason for doing so is clearly stated in the preface of the Macao edition.15 He believed that the book would be useful in helping to accomplish the twofold aim of inculcating virtues in the young and of improving their skills in Latin. From this it is clear that Valignano intended to use the book as a Latin textbook for Japanese candidates to the priesthood. He expected the book to serve both ends, but improving Latin skills was particularly emphasized in Japanese seminaries. Already in 1580, the importance of teaching Latin in Japan was discussed at the first congregation of the Japanese Province of the Society of Jesus. The majority of the participants in the congregation agreed hat “it is necessary for priestly candidates to learn Latin, using good and instructive material”.16 Valignano, who chaired the meeting, also accepted this view when he had to make the final decision the following year. Thus, we can see that Valignano had already made up his mind to publish a “good and instructive book”. However, eight years passed before the Macao edition saw publication. In that same congregation of 1580, there seem to have been a number of interesting discussions on education in Japan, as we learn from the following report of Valignano: In the beginning, some of the participants thought that Japanese seminarians should study only Latin and casus conscientiae [case studies as a preparation for hearing confessions], and they should not be involved in higher learning. […] At the end, all the delegates agreed that seminarians should be taught Latin, and after that could be granted the opportunity to acquire other higher learning, according to their abilities.17 In this discussion, several issues were probed, and various possible curricula were considered. But, from the first to the last, nobody had doubts about the importance of learning Latin. Teaching and studying Latin was always regarded as a basic and absolute requirement in Jesuit education in Japan. Why did Valignano emphasize the importance of the teaching of Latin for the Japanese? What was Latin for the Europeans? What was Latin for the Japanese? 147 The Background of Bonifacio’s Work: vir bonus dicendi peritus Valignano was brought up in the atmosphere of the humanistic tradition of the Renaissance. He studied civil law at the University of Padua, one of the important centers of the Renaissance movement. After entering the Society of Jesus, he attended lectures on theology and the natural sciences at the Collegio Romano (now the Pontifical Gregorian University).18 There he met quite a few extraordinary scholars, such as Christopher Clavius (1537-1612), a mathematician who contributed to the introduction of the Gregorian solar calendar. Valignano may well be called a child of the Renaissance. He knew very well the great value of a humanistic education along Renaissance lines. One of the most important elements in such a humanistic education is the ability to speak and write language well. Without exception, the humanists of the time were all masters of language, and made much of the ancient Roman oratorical traditon. Quintilian (35/40-100) in his book Institutio oratoria states that “vir bonus dicendi peritus”, which means that only a virtuous person (vir bonus) can make a good speech (dicendi peritus).19 This maxim aptly expresses the aim of humanistic education. The scholastic system of education (modus parisiensis)20 had considered the mastery of Latin (grammar and rhetoric) to be the important starting point for getting an education. Similarly, the humanistic system of education also emphasized the importance of learning languages (not only Latin, but also Greek and Hebrew). Acquiring skill in speaking was a central concern for humanists. After the languages were learned, all efforts were concentrated on acquiring skill in speaking (rhetoric) and on the pursuit of other humanistic studies (studia humanitatis). To better understand the mianing of “vir bonus dicendi peritus”, it is necessary to consider the role of rhetoric. Rhetoric, for humanists, is the art of persuading.21 Persuasion is not just a matter of words. The nature of the person who is speaking has more to do with the art of persuasion than the words he uses. It is only a good person who can speak the truth persuasively.22 Thus, good character and persuasive words are but two sides of the same coin; humanists did not separate rhetoric from life.23 Their models were the Roman orators such as Cicero, Cato, and Virgil: these were the true masters of rhetoric.24 They were morally good people as well as extraordinary masters of language. The humanists 148 held the view that only a good man can acquire the art of persuasion. Speaking and writing well was linked essentially with being a man of character. Moreover, European humanists of the sixteenth century were convinced that the study of Latin was an essential means for achieving excellence in rhetoric. Ancient Church Fathers such as Jerome, Ambrose, and Augustine were praised for the consistency of their words and deeds. It was this consistency that persuaded the hearer (or reader) of the truth of their words. “The Imitation of Christ” (Imitatio Christi) was, for the humanists, one of the best expression of how a man should live. Augustine, in the following words, expresses very much the same notion as Quintilian, when he writes “sit eius quasi copia dicendi, forma vivendi” (“his manner of living speaks eloquently”).25 Desiderius Erasmus (1466/9-1536) expresses a similar view in his words “Philosophia Christi” (Philosophy of Christ). For him, true piety is to be found in the consistency between thought and action. To speak the truth persuasively, the speaker should be rooted in piety. He concludes that theology is piety joined with skill in speaking on sacred subjects. (“Theologia est pietas cum ratione de divinis rebus loquendi coniuncta”).26 Juan Bonifacio’s Christiani also follows the above line of thought. In this work, too, persuasive speech cannot be se-parated from virtuous living. Valignano must have been drawn to this element in Bonifacio’s book, and he must have chosen it for re-printing because it was excellent material for educating the young. By introducing the work of Bonifacio to Japan, Valignano was also introducing the humanist ideals of the Renaissance to Japan. Thus, the work of Bonifacio was of great significance as marking an in-depth encounter between East and West. Latin as a Basic Requirement Valignano’s principal reason for insisting that the Japanese seminarians learn Latin was that Latin was an indispensable tool for uniting the Japanese Church and her priests with the Universal Church. Therefore, he made the study of Latin compulsory for Japanese candidates for the priesthood. Valignano was also responsible for the opening of seminaries (seminario) and colleges (colegio) in Japan. Seminario was an educational institution for young men who might 149 later become candidates for the priesthood. In the colegio, on the other hand, were many youths who had no intention of becoming priests. The seminario was not a school of theology, but more like today’s high school. Higher institutions of theology, such as the ones in Goa (St. Paul College) and Macao (St. Paul College), had not yet appeared in Japan. Valignano judged that the time was not yet ripe for establishing such institutions in Japan. In Europe, besides Latin, Greek and Hebrew usually formed the core curriculum for basic education. But Valignano could see no good reason for Japanese students to learn Greek and Hebrew, in as much as those classical languages sprang from a culture that had nothing in common with the Japanese. On the other hand, he attached importance to learning Japanese classical literature.27 In the near future, Japanese priests would have to treat with Japanese intellectuals, whose culture had as its basis a knowledge of Chinese & Japanese classical literature. No matter how much Greek and Hebrew the Japanese student learned, this would be of no use for him in dialogue with Japanese intellectuals. Here we see the keenness of Valignano’s insight. In accordance with Valignano’s instructions, the Japanese seminaries made up their own unique curriculum on three levels.28 On the introductory or elementary level, Latin grammar was mainly studied. On the intermediate level, the students continued to improve their Latin grammar. It is probably here that Bonifacio’s Christiani pueri institutio was used. On the highest or advanced level, the students began to study Japanese classical literature. Learning Latin proved to be a painful experience for the Japanese. Most of the students were forced to stay at the lowest level for a long time. After hard study, only a few students were permitted to go up to the second level. One of those was Hara Martino (原マルチノ c.1569-1629), one of the four youth ambassadors who had gone to Europe, who had remarkable talent for assimilating Latin. According to the Jesuit Catalog of 1593, Hara had already finished the intermediate course and had begun to study in the class of Japanese literature. But his case was very exceptional. Almost all of the Japanese students had to struggle with the language. Two of the other “youth ambassadors”, Ito Mantio (伊東マンシヨ c.1569-1612) and Chijiwa Miguel (チ々右ミゲ ル c.1569-?) had difficulty completing the intermediate course; their progress was slow. Their difficulties in learning Latin did not spring from lack of ability, but from the difference 150 between systems of language. For a sixteenth-century Japanese to speak and write good Latin would be like a modern European reading and writing classical Chinese. Latin: Tool for the Unity with the Universal Church Valignano, as we have seen, after a careful consideration of the situation in Japan, chose not to introduce the European study curriculum as a whole into Japan. After eliminating Greek and Hebrew from the Japanese curriculum, why then did he persist in emphasizing the importance of teaching Latin? To be consistent in his method of adaptation to Japan, why did not he eliminate Latin as well as Greek and Hebrew, and substitute for it something inherent in Japanese culture? His reason for not doing so is clear: knowledge of Latin would enable the Japanese to maintain unity with the Universal Church, by providing them with a common language.29 Certainly Latin was a classical language and an effective means for realizing the educational ideal of European humanists. By acquiring skill in Latin, they were able to develop their vir bonus. Latin was part of their culture, and it was natural for them to discover something universal in it. But the Japanese, lacking the same cultural roots, could never do this. Latin: Cause of Antagonism The introduction of Latin into the curriculum was the cause of still another problem. Ability to speak and write good Latin was considered by Europeans to be a means for developing good character, for producing vir bonus. This idea was not wrong, but it was wrong to judge a person who had not mastered Latin to be an imperfect or bad person because of this. This would seem to be obvious, but it is a fact that some of the Jesuits responsible for the selection of candidates to the priesthood were influenced, if perhaps unconsciously, by this criterion. In the Jesuit Catalog is a list of Jesuit seminarians, and next to the name of each seminarian is noted his Latin grade as well as a grade for character, such as “mediocre” or “excellent”. It is clear that quite a few students were not accepted as candidates for the priesthood because of their low grade in Latin, and, therefore, their correspondingly low grade in character. Thus, far from being a means to 151 unity, Latin became the source of antagonism between the European missionaries and the Japanese, a key point in their mutual struggles. Epilogue In conclusion, it seems to me that Valignano’s introduction of the work of Bonifacio into Japan was highly significant. Valignano proved himself to be an extraordinary leader when he implemented in Japan and China his missionary strategy of cultural adaptation. He urged his missionary colleagues to consider the needs of the people they wished to convert and to adapt themselves accordingly. In this sense, he was truly a “global” person, rather than a man of one country and one culture. In introducing to Japan the work of Bonifacio, he prepared the way for effectively educating young Japanese. In this, too, he evidenced his genius as a leader. The humanism of the European Renaissance reached Japanese shores through that work: through the work of Bonifacio, the Japanese were given an opportunity to come to know the essence of this humanism. That few availed themselves of this opportunity was due undoubtedly to language barriers. For Europeans, Latin was at the very core of their rhetorical and educational tradition; it presented a kind of universal standard. But outside of Europe, Latin was merely the classical language of a certain place. In Japan, Latin did not become a tool for developing the vir bonus. For the young Japanese struggling to assimilate it in their colleges and seminaries, Latin as a classical language was always a handicap in the attempt to capture the essence of the humanistic ideal which Juan Bonifacio attempted to inculcate in his book. Consequently, the Japanese failed to come to an understanding of that ideal, or even of the intention of Juan Bonifacio in writing the book. 152 Notes (1) Christiani pueri institutio, adolescentiae que perfugium: autore Ioanne Bonifacio Societatis Iesu. Cum libri unius, & rerum accessione plurimarum. Cum facultate Superiorum apud Sinas, in Portu Macaensi in Domo Societatis Iesu. Anno 1588. I use its faximile version (1978) reprinted in Japan. (2) About History of Jesuit Printing, see, Johannes Laures, Kirisitan Bunko: A Manual of Books and Documents on the Early Christian Mission in Japan (Tokyo: Sophia University, 1957) pp. 4-26. (3) J.F. Schütte explains the role of “visitor” of the Society of Jesus, saying “Valignano had the task of visiting the entire Indian province, of forming as accurate as possible a picture of its spiritual and material state, and of promoting as efficiently as might be its life and work in accordance with the Constitutions of the order. His duty was to remove abuses wherever found, trace difficulties to their root and resolve them, smooth out differences”. Josef F. Schütte, Valignano’s Mission Principles for Japan, Volume I. From His Appointment as Visitor until His First Departure from Japan (1573-1582) Part I: The Problem (1573-1580) (St. Louis: The Institute of Jesuit Sources, 1985), p. 47. (4) See, Sophia University (Tokyo), Kirishitan Bunko, Laures Database, (http://133.12.23.145:8000/html). (5) See, Matsuda Kiichi, Tensho Ken’ou Shisetsu [ ] (Tokyo: Kodansha, 1999). (6) J.F. Schütte, Valignano’s Mission Principles for Japan, Volume I. From His Appointment as Visitor until His First Departure from Japan (1573-1582) Part II: The Solution (1580-1582) (St. Louis: The Institute of Jesuit Sources, 1985) pp. 263-265. (7) See, Félix G. Olmedo, S.J., Juan Bonifacio 1538-1606: Y la Cultura Literaria del Siglo de Oro. (Santander: Publicaciones de la Sociedad de Menéndez Pelayo, 1939), pp. 21-28. (8) John W. O’Malley, The First Jesuits (Cambridge MA: Harvard University Press, 1993), Chapter 6, esp. pp. 215-227. (9) Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu. (10) F.G. Olmedo, ibid. pp. 99-107. (11) The Burgos edition’s full title is Christiani pueri institutio, adolescentiae que perfugium: autore Ioanne Bonifacio Societatis Iesu. Cum libri unius, & rerum accessione plurimarum. Cum privilegio. Burgis. Apud Philippum Iuntam. 1588. (12) (1) De honesta educatione, (2) De praeclara pueritia novae que aetatis defensione, (3) De necessitate religionis tum in omniaetate tum maxime inprima puerorum, (4) De verecundia et morum urbanitate, (5) De castitate. (13) For example, Valignano shows a story about the brave Boys in Japan in Liber secundus, pp. 53-55. (14) See, J. Peterson, “A Copy of Bonifacio’s Christiani Pueri Institutio in Copenhagen”. Monumenta Nipponica XV-no.1 (1959). (15) “Cogitanti mihi semper de vestro in virtute, & Latina Lingua progressu praeclarae ex pectationis alumni, & aduestram patriam magno animi ardore redeunti in mentem venit, ea mecum exportare, quae ad vestrum profectum maxime essent accommodata. Cum ergo Latinarum literarum prototypos characteres non paruo labore comparassem: vt facile in Iaponicis infulis nostri Libri excudi possent: […]” Christiani pueri institutio (Macao, 1588), A2. (16) “[…] con tal que assi el Latin, como todo lo de mas seles enseñasse por libros Buenos y apurados”. ARSI, Jap. Sin. 2, 50. (17) “Acerca del qual aunque en el principio a unos parecio que no se devian enseñar mas que Latin y casos, sin los meter en otras sciencias mayors pareciendoles inconveniente meter los en questiones difficiles y ar- 153 duos siendo aun tan flacos y nuevos en la fee. Todavia despues convenieron todos en la Segunda opinion que se enseñasse latin y despues a cada uno las sciencias de que fuesse capazes y que el tiempo y la experiencia mostrasse que se las huviesse de enseñar, con tal que assi el Latin […]” ARSI, Jap. Sin. 2, 50. (18) J.F. Schütte, Valignano’s Mission Principle for Japan, vol. 1, p. 34-35. (19) Quintilian says, “Sit ergo nobis orator quem constituimus is que a M. Catone finitur vir bonus dicendi peritus, verum, id quod et ille posuit prius et ipsa natura potius ac maius est, utque vir bonus”. In English, “so let the orator whom we are setting up be, as Cato defines him, ‘A good man skilled in speaking’: but – and Cato put this first, and it is intrinsically more significant and important – let him at all events be ‘a goodman’. […]”. Quintilian, The Orator’s Education, Books 11-12, ed. and trans. by Donald A. Russell (Cambridge MA. & London: Harvard University Press, 2001, Loeb Classical Library), pp. 196-197. (20) On the relations between modus parisiensis and sixteenth century education, see, John W. O’Malley, The First Jesuits (Cambridge MA: Harvard University Press, 1993), p. 215-217. O’Malley writes, “the model of this pyramid culminating in theology [“arts,” or “philosophy” – logic, metaphysics, ethics, mathematics, and physics, according to the texts of Aristotle for the most part – and, finally, theology, considered the apex of the curriculum] was the University of Paris that the architects of the Jesuit system knew so well. The pyramidal structure was only one element, however, in the complex reality of the modus parisiensis that the Jesuits introduced into their schools in Italy and thence exported, as modified by their Italian experience, to their schools elsewhere in the world. […]” (p. 216). (21) About importance of rhetorical tradition, see, W.J. Bouwsma, “Humanism: I. The Spirituality of Renaissance Humanism” in Christian Spirituality: High Middle Ages and Reformation, ed. by Jill Raitt (New York: Crossroad, 1989), pp. 236-251. See also, John Monfasani, “Humanism and Rhetoric” in Renaissance Humanism: Foundations, Forms, and Legacy, vol. 3, Humanism and the Disciplines, ed. by Albert Rabil, Jr. (Philadelphia: University of Pensylvania Press, 1988), pp. 171-235. J. Monfasani says, “At the same time [the time of Renaissance], they [humanists] proposed a new educational program, the studia humanitatis, which focused on classical literature and made rhetoric, not logic, the chief art of discourse. Classical rhetoric was central to the enterprise because, humanists believed, it held the key to classical eloquence.” (p. 171). (22) As to moral and speeking, Quintilian also says, “Quando igitur orator est vir bonus, is autem citra virtutem intellegi non potest, virtus, etiam si quosdam impetus ex natura sumit, tamen perficienda doctrina est: mores ante omnia oratori studiis erunt excolendi atque omnis honesti iustique disciplina pertractanda, sine qua nemo nec vir bonus esee nec dicendi peritus potest […]. In English: “So, since the orator is a good man, and the concept of a good man is unintelligible apart from virtue, and since virtue, though it derives some impulses from nature, has none the less to be perfected by teaching, the orator must above all else develop his moral character by study, and undergo a thorough training in the honourable and the just, because without this no one can be either a good man or a skilled speaker”. Quintilian, ibid. p. 221. (23) See, J.D. Tracy, “II. Ad Fontes: The Humanist Understanding of Scripture as Nourishment for the Soul”, in Christian Spirituality: High Middle Ages and Reformation, ed. by Jill Raitt (New York: Crossroad, 1989), pp. 252267. J.D. Tracy explains relations among humanists, rhetoric and the Bible. “[…] Rhetoric was the other great preoccupation that provided the diverse and multifarious humanist movement with a common framework, and rhetoric, too had special implications for the understanding of Scripture. The reason that humanists so admired the fathers as expositors of the Bible was that the fathers, themselves products of an education centered on the art of persua- 154 sion, understood the expositor’s task as homiletic rather than speculative in character; its purpose was to make God’s word come alive in the hearts of readers and listeners […]. (p. 256-7). (24) W.J. Bouwsma says, “The ancient texts that chiefly inspired the humanists were not the works of the ancient Greek philosophers but those of the Latin orators (above all Cicero and Quintilian), and of the ancient poets and historians”. W.J. Bousma, ibid. p. 236. (25) Augustine, De doctrina christiana, 4,29, 61. (26) Cited. J.W. O’Malley, Collected Works of Erasmus, vol. 66, p. xi. Note 5. Originally in Apologia contra Latomi dialogum (J. Leclerc ed., Desiderii Erasmi Roterodam opera omnia, vol. IX, 90A). (27) See, Antoni J üçerler, S.J. “Alessandro Valignano and Jesuit Humanist Education in Japan” in St. Francis Xavier: An Apostle of the East vol. 2. (Tokyo: Sophia University Press, 2000), p. 77. “Valignano opted for a selection of literary and Patristic Latin texts. Another key innovation was to replace Greek with the study of classical Japanese and Chinese texts, including literary works such as the Heike monogatari ( ), the Wakan Ro–ei-shu– ( ), and the Kinkushu– ( ). (28) See, Hubert Cieslik, “Seminariyo no kyoiku seishin ni tsuite [ . On the educational spirit in Japanese Seminario]” Kirishitan Bunka Kenkyukai Kaiho VIII-1 (1964), pp. 1-27. (29) Hubert Cieslik, “Seminariyo no kyoiku seishin ni tsuite”, p. 11. 155 HINO HIROSHI − − Universidade Ryu tsu Keizai Ibaraki/Chiba, Japão As vozes naturais dos crentes japoneses seiscentistas registadas na obra de frei Diego Colhado, O.P. As confissões e as admoestações relativas ao Primeiro Mandamento de Moisés O frei castelhano Diego Colhado, O.P. publicou em Roma no ano de 1632 uma obra bilingue intitulada Niffon no cotobani yô Confesion vo mŏsu yŏtai to, mata Confesor yori goxensacu mesaruru tame no canyônaru giô giô no coto. Danguixano monpa no Fr. Diego Collado to yŭ xucqe Romani voite corevo xitate mono nari. 1632 [日本の言葉にようコンヒ サンを申す様体と, またコンヘソルより御穿鑿めさるる為の肝 要なる条々のこと。談義者の門派のフライ,ヂエゴ・コリャドと いふ出家,ロマに於いてこれを仕立てものなり。1632]. Modus Confitendi et Examinandi Pœnitentem Iaponensem, formula suamet lingua Iaponica. Auctore Fr. Didaco Collado Ord. Præd. Romæ a die 20. Iunij, anni 1632.1 Colhado apresenta aí várias confissões por ele ouvidas e registadas em idioma japonês durante a sua missionação em Nagasaki nos anos de 1619-22. Tanto as confissões dos crentes como as admoestações do padre encontram-se organizadas segundo os Dez Mandamentos de Moisés, as Obras Misericordiosas, e os Sete Pecados Mortais. No presente ensaio gostaria de apresentar, para além da transcrição diplomática do texto original japonês, a minha tradução portuguesa de todas as confissões relativas ao Primeiro Mandamento de Moisés e de suas respectivas admoestações. Afigura-se-me extremamente sugestivo o facto de existirem no budismo princípios que constituem uma equivalência aos Dez Mandamentos de Moisés: Não haverá para ti outros deuses na minha presença.2 Tratam-se dos cinco preceitos budistas chamados «Gocai» [五戒], os quais são os códigos morais essenciais a que os verdadeiros crentes deverão demonstrar obediência, mas que no entanto, não incluem nenhumas regras de punição caso infringidos. Vejam-se os seguintes seis verbetes relativos à palavra em questão vistos no Vocabulario da Lingoa de Iapam com a 157 declaração em Portugues, feito por alguns Padres, e Irmãos da Companhia de Iesu (Nagasaki, 1603-04), conservado na Biblioteca Pública de Évora (Res. 108): Gocai [五戒]. Itçutçuno imaxime [五つの戒め]. Cinco mandamentos de Xaca. V.G. [釈迦の五つの戒め]. Xexxŏ [殺生]. Não mataras cousa viva [生き物 を殺すな]. Chŭtŏ [儔盗]. Não furtaras [盗むな]. Iain [邪淫]. Não fornicaras [姦淫 するな]. Vonju [飲酒]. Não beberas vinho [酒を飲むな]. Mŏgo [妄語]. Não diras 3 mentira [嘘をつくな]. Xexxŏ [殺生]. Iqimonouo corosu [生き物を殺す]. Matar cousa viva que os Bonzos tem por peccado [坊主たちが罪と見做す生き物を殺す行為]. Vt. Xexxŏ 4 suru [殺生する]. Chŭtŏ [儔盗]. Nusumi [盗み], nusumu [盗む]. Furto [盗み]. Vt. Chŭtŏ 5 subecarazu [儔盗すべからず]. Não furtaras [盗むな]. S [escriptura]. Iain [邪淫]. Luxuria, ou sensualidade [淫乱もしくは好色]. / Iainuo vocasu 6 [邪淫を犯す]. Cometer peccado de luxuria [淫乱の罪を犯す]. Vonju [飲酒]. Vt, Vonjucai [飲酒戒]. Hũ dos preceitos de Xaca que he não 7 beber vinho [釈迦の戒律のひとつで酒を飲まぬということ]. 8 Mŏgo [妄語]. Mentira [嘘]. Pode-se dizer que os «Gocai» são “boas obras”, as quais os budistas, através dos esforços para fazer delas uma parte inseparável de si próprios, devem cumprir dentro da sua vida diária. Outro facto que me parece bem impressionante é que nos «Gocai» não se contém nenhum preceito nem regra que corresponda ao Primeiro Mandamento de Moisés. O budismo consiste, escusado será dizer, nos ensinamentos de Buda, assim como o cristianismo nos de Jesus Cristo e o islamismo nos de Maomé, existe, porém, uma característica peculiar à doutrina budista, isto é, aqueles que abraçam o budismo, através da aprendizagem dos ensinamentos de Buda e da percepção da verdade relativa ao Universo e ao género humano, podem também eles próprios tornar-se Budas. Eis aqui um óptimo exemplo esclarecendo a sobredita maneira de pensar em palavras acessíveis: Fotokemo mucaxiua fito nariki / Vareramo tçuiniua fotoke nari / Sanxin buxxŏ guxerumito / Xirazarikeru coso auare nare [仏も昔は人なりき⁄われら も終には仏なり⁄三身仏性具せる身と⁄知らざりけるこそあはれなれ]. Tradução portuguesa: Fotoque fora antigamente um homem medíocre sem dignidade nem letras. / Nós tornar-nos-emos por fim em Fotoques se conseguirmos a iluminação. / Não sabendo que somos dotados propriamente das três naturezas necessárias para nos tornarmos em Fotoques, / Parece-nos tão 9 lamentável estarmos a negligenciar os exercícios das leis budistas. Pode-se afirmar que o último objectivo do budismo reside em cada pessoa procurar transformar-se em Buda.10 Uma das compreensões mais fundamentais do budismo consiste na afirmação de todas as existências no mundo em 158 que vivemos serem fugazes e estarem sujeitas à incessante alteração e transformação. Tal conceito é explicado muito bem no verbete da palavra «Yeiyô» [栄耀] registado no Vocabulario da Lingoa de Iapam, a qual é definida como: «Sacaye cacayaqu [栄へ耀く]. Prosperidades. Vt, Ninguenno yeiyôua cajeno mayeno chiri [人間の栄耀は風の前の塵]. As prosperidades dos homens são como pò, ou cisco que leua o vento [人間の栄華は風に運ばれる塵か芥のようなものであ る]».11 Se bem que não se esclareça a origem deste ditado, é evidente ter sido extraído da famosa e apreciada abertura da Feike monogatari (História do Feique), a qual diz: Ghivonxŏjano caneno coye, xoghiŏ mujŏ no fibiki ari, xarasŏjuno fanano iro, jŏ xa fissuino cotovariuo arauasu. Vogoreru mono fisaxicarazu, tada faruno yono yumeno gotoxi. Takeki fitomo tçuiniua forobinu, fitoyeni cajeno mayeno chirini vonaji [祗園精舎の鐘の声、諸行無常の響あり、沙羅双樹の花の色、盛者必衰の理 をあらはす。驕れる者久しからず。ただ春の夜の夢の如し。猛き人もつひには滅 びぬ、ひとへに風の前の塵に同じ]. Tradução portuguesa: O sino do templo «Ghivonxo˘ ja» − o qual foi fundado pelo rico discípulo de nome Sudat [須達長者] e oferecido a Buda e aos monjes − ecoa em nós a canção da «impermanência». A cor cadente das flores das árvores chamadas «Xaraso˘ju» − as quais cresceram no local exacto onde faleceu Buda − representa a autêntica razão de que até os mais poderosos perderão infalivelmente a sua força. Quem com insolência abusa do poder, tarde ou cedo, o irá perder, pois a sua fugacidade se assemelha ao sonho ligeiro e passageiro de uma bela noite de Primavera. Mesmo o mais forte e feroz terá, por fim, que declinar, pois a sua vaidade será como cisco que, contra a sua vontade, pelo vento é levado. O vocabulo «Mujŏ» [無常] é definido no Vocabulario da Lingoa de Iapam como: «Tçune naxi [常無し]. Miseria, ou breuidade das cousas do mundo. / Item, Morrer. Vt, Mujŏno cajeni sasouaruru [無常の風に誘はるる]. Ser leuado, ou arrebatado da morte. / Vy mujŏno narai [有為無常の習ひ]. Custume das cousas do mundo que se acabão, ou mudão facilmente».12 Tal conceito budista do «Mujŏ» é exprimido muito graciosamente numa cantiga japonesa chamada «Irofavta» [いろは歌]. Apesar de ser composta apenas pelas 47 sílabas principais existentes no idioma japonês, a cantiga constitui um verso elegante de índole filosófica budista, como se entenderá através da minha tradução: Iroua niuoyedo[to] chirinuruuo / Vagayo tareso tçunenaramu / Vyino vocuyama keô coyete / Asaki yume mixi yeimo xezu[su] [色は匂へど散りぬ るを⁄我が世たれそ常ならむ⁄有為の奥山けふ越えて⁄浅き夢見し酔ひもせず]. Tradução portuguesa: Ainda que a beleza feminina cheire bem na flor da idade, todavia, sem dúvida nenhuma, não deixará de decair algum dia. / Quem poderia ser permanente e imutável no mundo em que vivemos? / Percorrendo, no dia de hoje, as serras que estão mais no interior, cheias de 159 misérias e tristezas, / Teríamos que viver num mundo de sonhos vagos sem ficarmos embriagados neles. Só a título de curiosidade e surpresa, cabe-me adicionar o facto de estar escondida uma maravilhosa cifra nesta cantiga. Escolhendo de sétima em sétima sílaba junto com a última, surge-nos uma frase «To-ga-na-cu-te-xi-su» [咎な くて死す], que quer dizer, “morrer com todos os pecados absolvidos”. A própria cantiga exprime o conceito budista da «impermanência», simbolizando-se através da cifra escondida aí um modo de morrer que os budistas têm por ideal... Mais uma compreensão também essencial do budismo consiste na afirmação de não existir nenhum ego ou si próprio que tenha uma existência absoluta e que se mantenha inalterada para sempre. Trata-se do conceito chamado «Muga» [無我], cuja forma adjectivada é definida no Vocabulario da Lingoa de Iapam como: «Mugana [無 我な]. Vt, Mugana fito [無我な人]. Homem de pouco brio, ou espiritos, ou que não se lhe dà das cousas [自尊心あ るいは気力に乏しい、あるいは物事に対する執着心のない 人]».13 Tanto o «Mujŏ » como o «Muga» correspondem a pensamentos que se encontram indissociavelmente ligados, mas, enquanto o primeiro «Mujŏ» confere maior ênfase à ideia de que quaisquer que sejam os seres vivos, estes não poderão evitar a decadência e, por fim, a extinção, o segundo «Muga» enfatiza a negação de todas as existências absolutas e eternas. Se bem que não possamos ter alguma certeza se o próprio Buda advogou e pregou a ideia do «Muga», todavia, segundo as escrituras budistas, não se pode duvidar que esta entidade realça a importância da eliminação dos afectos internos e externos, pois, segundo ele defende, todas as agonias e sofrimentos são deles provenientes. No Vocabulario da Lingoa de Iapam se lê a palavra «Goacuxu» [五悪趣], a qual é declarada como «Cinco estados de gente, ou infernos que poem os Iapões. Conuem a saber: Giacu, Gaqi, Chicuxŏ, Xura, Ninden [人間の五つの状態、 もしくは日本人の 考えるもろもろの地獄、すなわち「着」 「餓鬼」 「畜生」 「修羅」 「人 天」]».14 Ainda que o vocábulo japonês «Giacu» que aparece nesta definição me pareça um lapso tipográfico, tendo-se quase certamente equivocado por um outro vocábulo designado «Gigocu» [地獄] − que quer dizer «Inferno»15 −, todavia, o mesmo «Giacu» não está completamente incorrecto, já que o seu sentido é perfeitamente enquadrável no pensamento filosófico budista. Os seguintes três 160 vocábulos registados no Vocabulario da Lingoa de Iapam, mesmo que não sejam classificados como aqueles relativos ao «Buppô», palavra essa que é definida como «Fotoqeno nori [仏の法]. Leis, ou doutrina dos Fotoqes [諸仏の掟、 もしく は教義]»16, traduzem um dos estados humanos considerados como mais abomináveis no pensamento budista: Giacu [着]. Vt, Giacusuru [着する]. Estar affeiçoado demasiadamente a 17 algũa cousa [何事かに極端に愛着・執着を抱いていること]. . Giacuxin [着心]. Coração afeiçoado, ou afeição grãde de algũa cousa 18 [囚われのある心、 もしくは何事かに対し大いに愛着・執着を抱くこと]. Xŭgiacu [執着]. Affeição dalgũa cousa [何事かに対する愛着・執着]. Mononi xŭgiacu suru [物に執着する]. Affeiçoarse a algũa cousa [何事かに対 19 して愛着・執着を持つ]. Por constituir a negação de quaisquer existências absolutas e eternas, uma das mais importantes linhas do pensamento budista, não será de estranhar que antes e até ao nascimento de Buda tivessem existido outros seres humanos e que, também eles, compreendessem a verdadeira natureza do Universo, tomando consciência dessas verdades. Na sequência do sobredito, logo após a morte de Buda, surgiu a corrente de terem existido “Sete Outros” que perceberam a Verdade. Estes “Sete” passaram a ser denominados como os “Antigos Sete Budas” [過去七 仏]. Mais tarde, surgiria outra corrente, a qual defenderia que no futuro outros humanos ficariam conscientes da Verdade e tornar-se-iam em Budas. Assim se desenvolveu a crença nos “Budas Futuros”, ou seja, «Gobut» [後仏], vocábulo esse que é definido no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Nochino fotoqe [後の仏]. Fotoque que vem ao mũdo depois de outro ter vindo».20 Crê-se que «Mirocu Bosat» [弥勒菩薩] aparecerá 5 670 000 000 anos a partir de agora, como um representante desses Budas, de maneira a salvar o género humano, e que «Gizǒ Bosat» [地蔵菩薩] foi encarregado por Buda de salvar as pessoas no período compreendido entre o tempo em que faleceu Buda e o tempo em que chegaria o sobredito «Mirocu». Assim, através da suposição de se colocarem Budas ao longo do eixo temporal (passado, presente, futuro), os crentes budistas têm por decidida e garantida a salvação dos seus antepassados, dos actualmente vivos, e dos seus descendentes. Existe uma particular pergunta − já bastante familiar para nós − que os estrangeiros não conhecedores da religiosidade japonesa tendem a fazer: porque é que os japoneses fazem (ou podem fazer) núpcias à xintoísta e funerais à budista? Resulta isso, é evidente, do facto de 161 que, como um grupo étnico, os japoneses são imbuídos de panteísmo. Quer antes da transmissão do budismo ocorrida presumivelmente no ano de 538, quer depois dela, os japoneses têm acreditado nas “Oitocentas Miríades”, isto é, «Yauoyorodzuno Cami» [八百万の神].21 Quanto ao «Cami» [神] que representa a divindade da religião xintoísta, tradicionalmente interpretada como uma força superior e misteriosa de índole às vezes criadora, às vezes destruidora, a qual reside em elementos naturais, − como, por exemplo, árvores, rochas, plantas do arroz, montanhas, rios e o mar −, em animais, e em determinados seres humanos. Esta maneira de pensar completamente oposta à monoteísta é expressa de forma lírica na seguinte cantiga da autoria do monje budista de nome Ghiŏkiŏ [行教和尚], cantiga essa que foi criada aquando da sua visita ao santuário xintoísta chamado Usafachiman [宇佐八幡]: Nanigotono / vouaximasutoua / xiranedomo / catajikenasani / namida coboruru [何ごとの⁄おはしますとは⁄知らねども⁄忝なさに⁄涙こぼるる]. Tradução portuguesa bastante livre: Olá, divindades! Não posso captar a vossa imagem nem sei onde vos encontrais escondidos, mas, o sentimento misterioso de gratidão faz, sem querer, com que me venham as lágrimas aos olhos. As sobreditas peculiaridades relativas à religiosidade japonesa têm contribuído para que se tenha formado a predisposição não de seleccionar apenas uma religião entre várias e acreditar nela exclusivamente, mas de não excluir nenhumas religiões, incorporando-as num sistema peculiar de crença, sistema esse que procura gozar do benefício de todas as correntes espirituais. Nem sequer o catolicismo − «Kirishitan» [吉利支丹 ou 切支丹 ou キリシタン] como nós chamamos − transmitido por S. Francisco Xavier, segundo creio, foi excepção. Relativamente a vários exemplos concretos de tal tendência da religiosidade japonesa observados em missivas dos jesuítas, veja-se o meu ensaio intitulado “Que bênçãos mundiais e seculares os fiéis e os infiéis japoneses quinhentistas procuraram no interior da fé cristã?”.22 De qualquer maneira que seja, se julgarem a partir do sobredito que os japoneses não têm nenhum sentimento religioso, isso levar-nos-ia a uma compreensão incorrecta. Seria impossível captar o verdadeiro conceito religioso dos japoneses se não reconhecessem que as peculiaridades acima mencionadas não são nada mais que a sensibilidade religiosa dos japoneses como um grupo étnico. Pode-se com verdade afirmar que as seguintes dezassete confissões acerca do Primeiro Mandamento de Moisés são as vozes e testemunhos humanos por excelência 162 transmitindo vivamente quais dificuldades e perplexidades enfrentaram os cristãos japoneses seiscentistas, já sob a perseguição, ao reconciliarem o seu conceito de valores tradicional com a ética católica recém-aceite. Primeira confissão R. Sate: ichiban no go uoqite ni tçuite no toga vo mŏxi arauasu tocoro ni, mazzu, nisando gentio to Christian no torisata ni tçuqi monogatari uo uqetamotte, ixxecai no Christian no cazu, gentio no cazu ni curabete mireba, mizzu no fitoxizzucu daiga ni curaburu gotoqu gia to mimi ni itta toqi ua, Hat! core ua nanto xita coto ca? to uomôte, tocacu Christian no coto ni tçuite fuxin ga uocotte, utagai maraxite gozaru. 弟子 さて,一番の御掟についての科を申し顕はすところに, 先づ,二・三度ゼンチョとキリシタンの取り沙汰につき物語を承 って,一世界のキリシタンの数,ゼンチョの数に比べてみれば, 水の一滴大河に比ぶる如くぢゃと耳に入った時は,はっ! これは 何としたことかと思うて, とかくキリシタンの事について不審が 起こって,疑ひまらしてござる。 R. Vou confessar claramente, antes de mais nada, os pecados que cometi acerca do primeiro mandamento de Moisés. Por conseguinte, quando conversei duas ou três vezes com um gentio para saber dele a reputação dos cristãos, este disse-me: “O número dos cristãos existentes em todo o mundo é insignificante, pelo que compará-lo com o dos gentios é como dizer que uma gota de água é igual à imensa corrente de um grande rio”. Ouvindo tais palavras, fiquei tão chocado e desapontado que fui levado, sem querer, a suspeitar e duvidar das coisas dos cristãos. Segunda confissão Maichido ua, go misa uogamu toqi, sono comugui no co de tçucurareta mochi, hostia to mǒsu no uieni Padre sama mi cotoba uo tonaieraruru tanteqi, sono hostia ua uon aruji Iesu Christo no go xiqitai ni, mata uonajŭ budŏxu no uieni mi cotoba uo tonaieraruru de mo, sono budŏxu uon aruji no uon chi ni naricauaru ni tçuite ai sadamaranu nen ga uocotte, utagŏ fodo gozanacatta redomo, sono acunen uo fuxegu ni iurucaxe ga atte, cocoro ni cacari marasuru. ま一度は,御ミサ拝む時,その小麦の粉で作られた餅,オス チアと申すの上にパテレ様御言葉を唱へらるる端的,そのオス 163 チアは御主ゼズキリシトの御色体に, また同じう葡萄酒の上に 御言葉を唱へらるるでも,その葡萄酒御主の御血になり変はる について, あひ定まらぬ念が起こって,疑ふほどござなかったれ ども,その悪念を防ぐに忽せが有って,心に懸かりまらする。 Numa outra vez, quando ouvi a missa, o padre benzeu aquilo que chamamos hóstia, isto é, o bolinho redondo feito de trigo. Mesmo que soubesse que a dita hóstia, ao ser benzida pelo reverendo padre, se converteria no Corpo de Jesus Cristo e que, do mesmo modo, o vinho se transmutaria no Sangue de Nosso Senhor, fiquei desconfiado, não sabendo se tal coisa poderia acontecer, ainda que estivesse longe de duvidar. Ainda tenho, porém, remorsos para com o sobredito mau pensamento que, devido ao meu descuido, brotou de mim. Terceira confissão Tabitabi mo muiô ni manqi na cocoro de, Christian no coto uo, aruiua cocoro no uchi ni ca, aruiua cotoba de fito ni catatte ca, tadaite, fitotçu zzutçu no xisai, tçutaie, iurai, ariai, niai nado uo xensacu xite, fito no xŏtocu no chiie ni coierare, tada fides no gotçugue no ficari de macoto ni uqeta uon coto uo uaga chiie, funbet de facarŏ to xita coto ua, miga aiamari de gozatta. Core ua saisai de gozatta redomo, icutabi to ua uoboie maraxenu. Sarinagara, muiô abunai xensacu de atta tocoro de, mune ni sauatte toga de gozattçurŏ to vomôte arauaxi marasuru. 度々も無用に慢気な心で,キリシタンの事を,あるいは心の 内にか, あるいは言葉で人と語ってか,糺いて,一つづつの子細 ・伝へ・由来・有合・似合などを穿鑿して,人の生得の智慧に超 えられ,ただヒデスの御告げの光で真に受けた御事を我が智 慧・分別で量らうとしたことは,身が誤りでござった。 これは細々 でござったれども,幾度とは覚えまらせぬ。さりながら,無用あ ぶない穿鑿であったところで,胸に障って科でござっつらうと思 うて,顕はしまらする。 Frequentemente tentei examinar-me, ou para melhor dizer, inquirir-me, com excessiva soberba, sobre as coisas dos cristãos, ora pensando sozinho, ora falando com outras pessoas, tendo efectuado todos os esforços possíveis para conhecer a sua razão de ser, a sua tradição, a sua origem, a sua situação actual, as suas relações com outras religiões, etc. É um erro meu ter julgado e conjecturado, 164 apenas através do meu modesto saber e entendimento, os preceitos religiosos dos cristãos, tão eminentes e elevados que ultrapassam o saber natural do ser humano, coisas essas que houve e tidas por verdadeiras graças à revelação resplandecente de Deus. Tenho cometido tal acto de natureza soberba várias vezes, mas não me lembrando da sua frequência. De qualquer maneira, sabendo que é um acto espiritualmente perigoso – «Abunai» – ter feito a sobredita inquirição, tive remorsos disso e pensei que constituiria pecado, pelo que confesso. Quarta confissão Mata ichido miga musuco ga fucŏ uazzurŏta toqi, sono nangui fippacu ni qiuamatte, Christian no cocoro de ixxinpuran ni, sono co ga inochi uo tasucari nagaraiuru iŏni, Deus vo tanomi maraxita redomo, sono ieqi ga gozaraide, xinuru fodo no vazzurai ia? Inaia? to xiru tameni san23 vo voqimaraxita. Sore ni tçuqete mo sono nanguisa ni xemerarete musuco vo vxinavanu tame, gentio no iqen vo qiite, iamabuxi24 vo iobi ioxete co no vieni inori qitŏ vo saxe, fuda25 maburi26 mo caqe saxemaraxite gozaru. Core va qenzocu no maie de no coto to, mata qinpen xu no qicoieta tocorode Christian xu: Hat, Christian taru mono va bechi no toga vo tçucamatçutte saie varui ga, nangui no toqi gentio no iŏni inori nando vo tçucamatçuru coto, sata no caguiri gia to mina micaguitte mŏ sareta tocoro de, miga aiamari ga navo fucŏ nari maraxita. Core va nido de gozatta ni, ichido va gentio no cami fotoqe vo tanomoxŭ zonjite; ma ichido va iacu ni tatanu to zonji nagara, xiriŭto gentio iori susumerarete itaxi maraxita. また一度,身が息子が深う煩うた時,その難儀・逼迫に窮ま って,キリシタンの心で一心不乱にその子が命を扶かり永らゆ る様にデウスを頼みまらしたれども,その益がござらいで,死 ぬるほどの煩ひや? 否や? と知る為に算を置きまらした。それ に就けても,その難儀さに責められて,息子を失はぬ為ゼンチ ョの異見を聴いて,山伏を呼び寄せて,子の上に祈り,祈祷を させ,札守も懸けさせまらしてござる。 これは眷族の前でのこと と,また近辺衆の聞こえたところで,キリシタン衆,はっ,キリシ タンたる者は別の科を仕ってさへ悪いが,難儀の時ゼンチョの 様に祈りなんどを仕ること,沙汰の限りぢゃと皆見限って申され たところで,身が誤りがなほ深うなりまらした。 これは二度でご ざったに,一度はゼンチョの神,仏を頼母しう存じて, ま一度は 役に立たぬと存じながら,知人ゼンチョより勧められて,致しま らした。 165 Quando o meu filho apanhou uma doença grave, roguei devotamente com todo o coração cristão a Deus pela sua salvação e sobrevivência, pressionado pelo perigo e aperto por ela causados. A minha prece, porém, não teve nenhum efeito e pratiquei adivinhação utilizando «Sanghi»27, isto é, pequenos pauzinhos de madeira (como fazem os gentios), para saber se a sua doença era mortal ou não. Como não consegui aguentar vê-lo queixar-se de dores e com medo de o perder, pedi conselho a um gentio e escutei cuidadosamente a sua opinião, tendo chamado um «Yamabuxi», roguei-lhe que fizesse feitiços e lhe pendurasse uma nômina em redor do pescoço. Este acto levado a cabo diante dos membros da minha família foi divulgado entre os vizinhos, os quais, boquiabertos, disseram: “Vós cristãos (Hat!)28, não sois sérios nem verdadeiros, pois, para além de cometer outros pecados, apelastes a tal adivinhação de natureza gentia, apesar de ter a obrigação de obedecer fielmente aos vossos mandamentos”. Ouvindo estas palavras, apercebi-me do meu pecado, o qual, se foi tornando cada vez mais profundo. Tal adivinhação foi levada a cabo duas vezes de acordo com o conselho de um conhecido gentio meu. Quanto à primeira, pratiquei-a tendo Camis e Fotoques dos gentios por dignos de confiança, e no que respeita à segunda, pratiquei-a apesar de saber bem que ela não prestaria para nada. [Admoestação do confessor para a quarta confissão] Sari nagara, sucoxi zzutçu no cocoroie ga iru: mazzu musuco dono no vazzurai no jibun ni, nido iamabuxi vo iobi ioxe, inori qitŏ vo saxe, fudamaburi vo caqe saxeta nitçuite, nauo mata ichido ni, cami fotoqe vo tanomoxŭ zonjite sŏ itaita coto gozaru. Sore va côquai to, mata futatabi itasu mai tono cacugo no vie ni, mixirareta xu no maie de xinauosaide va. さりながら,少しづつの心得が要る。先づ息子殿の患ひの 時分に,二度山伏を呼び寄せ,祈り・祈祷をさせ,札守を掛けさ せたについて,なほまた一度に,神・仏を頼母しう存じてさう致 いたことござる。それは後悔と,また二度致すまいとの覚悟の 上に,見知られた衆の前でし直さいでは。 Todavia é necessário ter algumas advertências. Quanto ao terdes convidado duas vezes um «Yamabuxi» a oferecer uma prece e a pendurar um talismã no corpo do vosso filho quando estava doente, e ao vos terdes encomendado 166 aos Camis e Fotoques, fazendo a mesma reza para a sua melhoria, isso não é perdoável. Deveis manifestar a vossa determinação, com toda a contrição, de emendar-vos e nunca mais fazer tal coisa à vista daqueles que vos conhecem. Quinta confissão Mata cono giŭ, xŏgun sama no go fatto ni xitagatte, sono buguiŏ Miiaco iori cudararete, jenacu cono atari no Christian xu vo corobaxeô29 tote, mina ni fan mo suie, Christian no guiŏgui vo saxivoqe, xemete vuamuqi ni naritomo corobe to xiqiri ni susumerareta niiotte, varera ga nhôbŏ codomo no inochi vo nogareôzuru tame ni, tçuini cuchi bacari de corobi30 maraxita. また, この中将軍様の御法度に随って,その奉行都より下ら れて,善悪この辺りのキリシタン衆を転ばせうとて,皆に判も据 ゑ,キリシタンの行儀を閣け,せめて表面になりとも転べと頻り に勧められたによって,我等が女房・子供の命を遁れうずる為 に,終に口ばかりで転びまらした。 Para efectuar a ordenação emitida pelo excelentíssimo xogum [Tocugava Fidetada (徳川秀忠)], veio cá recentemente, vindo do Meaco, o seu regedor. A bem ou a mal, ele forçou-nos a «cair» − renegar a fé cristã −, obrigando-nos a assinalar a escritura comprovante da nossa apostasia e a abandonar o modo de viver cristão. Finalmente, o regedor disse-nos que não se importaria com a conservação interna das nossas crenças e bastaria declararmo-nos «caídos» − apóstatas − só de forma superficial, pelo que prometi «cair» − abandonar a fé − de modo fingido para salvar a vida pelo menos da mulher e das crianças. [Pergunta do confessor acerca da quinta confissão] P. Vuamuqi bacari demo corobu mono ga sore vo ii modosaide naranu ga, sono bun de gozatta ca? 師 表面ばかりでも転ぶ者がそれを言ひ戻さいでならぬが, その分でござったか。 Aqueles que «caíram» – renegaram a fé –, mesmo superficialmente, devem infalivelmente desdizer-se das palavras ditas anteriormente. Já o fizeste? 167 Sexta confissão R. Iia mada de gozaru. Sore coso fucŏ canaxŭ gozari marasure. Tocacu sono vo buguiŏ Christian no coto vo uchi cuzzuite cara va sonomama Cami macari noborarete gozaru sacai ni, nani mo ye itaxi maraxeide ima made cono bun ni macari iruga, go iqen vo tanomi marasuru. 弟子 いや, まだでござる。 それこそ深う悲しうござりまらす れ。とかくその御奉行キリシタンの事をうち崩いてからは,その まま上罷り上られてござるさかいに,何もえ致しまらせいで,今 までこの分に罷り居るが,御異見を頼みまらする。 Ainda não, padre. É isso que me entristeceu grandemente. Logo depois de o regedor destruir as coisas da cristandade, foi-se embora para o Cami – o Miyaco –, pelo que, até ao momento, tenho estado sem fazer nada nem desdizer-me das palavras anteriormente proferidas. Peço-vos o favor de me dar a admostação. [Admoestação do confessor para a sexta confissão] P. Sono buguiŏ no xerareta coto domo no niqi va doconi aru zo? Sunavachi sore vo motte noborareta raba, sono buguiŏ ie fuminari tomo, tçucai vo iatte nari tomo, ii modosaide va. Sono vie vare sama ga qenzocu mo atari no mono domo mo, sore vo xirareta niiotte, mofaia xinjit no Christian ni nari navori atta to, mina tocuxin xeraruru iŏni mesarete iô gozarŏ zu. 師 その奉行のせられた事どもの日記はどこに有るぞ? 即ち それを持って上られたらば,その奉行へ文なりとも,使ひを遣っ てなりとも,言ひ戻さいでは。その上,我様が眷族もあたりの者 どもも,それを知られたによって, もはや真実のキリシタンにな り直りあったと,皆得心せらるる様に召されてようござらうず。 Onde é que se encontra o diário registando o que fez o regedor? Se ele já regressou ao Miyaco com o diário, deveis imediatamente enviar-lhe uma carta ou mandar-lhe um mensageiro a informar que pretendeis desdizer-vos das vossas palavras anteriores. Só depois de o vosso procedimento ser conhecido, os membros da vossa família e vizinhos estarão convencidos de que já vós emendastes e voltastes a ser um verdadeiro cristão. Não vos esqueçais de fazer isso sem falta nenhuma. 168 Sétima confissão R. Vŏ, sono bun itaxi maraxôzu. Mata ima iori va Christian no guiŏgui vo tçutomete, gentio no coto ni tovozacari, cocoro vo cutto saraie maraxô to vomoi sadame marasuru. 弟子 あう,その分致しまらせうず。 また今よりはキリシタン の行儀を勤めて,ゼンチョの事に遠ざかり,心をくっと浚へまら せうと思ひ定めまらする。 R. Sim, com certeza. Não deixarei de fazer isso. A partir de agora estou preparado para cumprir todas as obrigações como um bom cristão e vou afastar-me das coisas dos gentios, fazendo os maiores esforços por corrigir-me e por purificar o meu coração. Oitava confissão Sono uie: qionen goxo sama chocuteqi ni go riun vo firacaxerareta miguiri, sore cami fotoqe no go cŏreoqu vomotte to voboximesarete, Atago fachiman ni vôtera vo go conriŭ mesareô tote, sono buguiŏ, daiquan xu, fiacuxŏ domo ni soresore no bunzai ni xitagatte sono cuiacu vo ategavare maraxita reba, vare va vareto tçucamatçuru mai tameni gentio vo iatôte, chin vo naite naritomo sono cuiacu vo na saxeô to caracutta redomo, sore vo nantomo ca tomo ie tazzune idasaide, ni sando vare ga gentio to tomoni sono cuiacu vo itaxi maraxita. Sari nagara cami fotoqe ni taixite no xingiŭ no viamai sucoxi mo nŏte, tada go canqi vo nogareôzuru tame no chôgui de vori atta redomo, gentio dera vo tçucuru coto va, Christian no tame ni von imaxime de gozarŏ to vomoi nagara, vosorete itaxi maraxita. その上,去年御所様勅敵に御利運を開かせられた砌,それ 神・仏の御合力をもってと思し召されて,愛宕・八幡に大寺を御 建立召されうとて,その奉行,代官衆・百姓どもに夫々の分際に 従ってその公役を宛てがはれまらしたれば,我は我と仕るまい 為にゼンチョを雇うて,賃を済いてなりともその公役をなさせ うとからくったれども,それを何ともかともえ尋ね出さいで,二, 三度我がゼンチョと共にその公役を致しまらした。 さりながら神 ・仏に対しての心中の敬ひ少しも無うて,ただ御勘気を遁れう ずる為の調儀でおりあったれども,ゼンチョ寺を造ることは,キ リシタンの為に御禁めでござらうと思ひながら,恐れて,致しま らした。 169 Numa outra vez aconteceu o seguinte: quando o «Goxosama» [Tocugava Iyeyasu (徳川家康) ou Tocugava Fidetada (徳川秀忠)] se dignou ganhar a guerra contra o inimigo imperial [isto é, o clã Toyotomi], se dignou julgar que devia atribuí-la ao socorro providencial dos Camis e Fotoques e decidiu fundar uns templos sumptuosos dedicados a «Atago» e «Fachiman». O «Goxosama» mandou que os serviços obrigatórios relativos à construcção dos templos fossem distribuídos entre os seus regedores, representantes e lavradores segundo a possibilidade de cada um. Tentei empregar um gentio para evitar participar na construção de tais templos, criando uma artimanha, através do pagamento de uma gratificação, para que ele atendesse àqueles serviços. Não tive, porém, a coragem de lho pedir directamente e participei, por fim, duas ou três vezes, nessas tarefas junto com os gentios, ainda que não tivesse nenhuma vontade no coração de reverenciar Camis e Fotoques. Era um subterfúgio para não cair em desgraça do xogum. Por fim, cheio de medo e preocupação, fui levado a participar na construção dos templos gentios, apesar de temer que se tratasse de um acto rigorosamente interdito para os cristãos.31 Nona confissão Aru toqi mo iuzzuri no cuji nitçuite gentio no tocoro ni fisaxŭ vori maraxita reba, sono iado no teixu to tonari iori Christian to mixirare mai tameni, sore vo tomo itaite tabitabi gentio no midŏ ie itte gentio nami ni jŭnen32 mo naxi maraxita. Mata saisai gentio cami fotoqe no coto vo fŏbi xeraruru toqi, vare mo vnazzuite, cotoba de mo nacanaca gomottomo gia to mŏxite, fucai toga vo vocaxi maraxita. Core va nando de gozarŏ to voboie maraxenedomo tairiacu ni sanjŭ tabi fodo, xemete nijŭ do amari de attçurŏ to vomoi fucumi maraxita. ある時も譲りの公事についてゼンチョの所に久しう居りま らしたれば,その宿の亭主と隣りよりキリシタンと見知られまい た為に,それを供致いて,度々ゼンチョの御堂へ入って,ゼンチ ョ並みに十念もなしまらした。 また細々ゼンチョ,神仏の事を褒 美せらるる時,我も頷いて,言葉でもなかなか御尤もぢゃと申し て,深い科を犯しまらした。 これは何度でござらうと覚えまらせ ねども,大略二,三十度ほど,せめても二十度あまりであっつら うと思ひ含みまらした。 170 Quando permanecia por muito tempo em casa de um gentio para despachar as demandas relativas à sucessão de uma herança, de forma a não me revelar cristão ao dono da casa e aos vizinhos, visitei a capela dos gentios acompanhando-os, e, como eles, fiz «Iŭnen»33, quer dizer, invoquei o nome de «Amida» dez vezes. Quando estes elogiaram as coisas dos Camis e Fotoques, cometi o terrível pecado de concordar e consentir, bulindo com a cabeça, dizendo: “Tendes muito boa razão”. Não me lembro bem quantas vezes cometi tal pecado, mas penso que tenho feito coisas semelhantes aproximadamente entre vinte a trinta vezes.34 [Admoestação do confessor para a nona confissão] Mata gentio dera ni itte jŭnen xita coto no vie ni, ano tocoroie modori arŏ toqi va, fon no Christian degozaru, ano gentio iori mixiraruru tameni, sore ie iqareôzu vo tomo xezu, mata cami fotoqe no coto vo fôbi xerareô toqi mo vqegavanu nominarazu, caiette christian no fon no Deus no von voxiie bacari ichi sugureta xŭ de gozaru to, sono gentio no maie de mŏxi furaxi araide naranu. また,ゼンチョ寺に入って十念したことの上に,あの所へ戻 りあらう時は,本のキリシタンでござる,あのゼンチョより見知 らるる為に,それへ行かれうずお供せず, また神・仏のことを褒 美せられう時も諾はぬのみならず,却ってキリシタンの本のデ ウスの御教えばかり一勝れた宗でござると,そのゼンチョの前 で申し触らしあらいでならぬ。 No que diz respeito ao teres feito «Iŭnen», isto é, teres invocado dez vezes o nome de «Amida» num templo dos gentios, admoesto-te a declarar que és um cristão verdadeiro caso visitares outra vez tal local, e a dar-lhes a conhecer que não vais nem acompanhas a tal templo a partir de agora. Admoesto-te também a nunca mais louvares Camis e Fotoques, e a declarar à vista dos gentios que só a doutrina do «fon no Deus», ou seja, a do Deus autêntico é boa por excelência. Décima confissão Mata nangui ni vŏ toqi mo, Deus no von mamori, vontasuqete Iesu Christo von auaremi, go cŏreocu, sono nangui voba nogaruru tameni von chicara vo ataie cudasaruru 171 iŏni tanomi tatematçuru coto mo gozaraide, tada cuchivoxŭ35 zonjite core va totemo no coto ni coraierare gatŏ gozareba, tocacu core iori mo xinuru ga maxi gia to zonjite, ni sando tanomoxi vo vxinai maraxita. また,難儀に逢ふ時も,デウスの御守り,御扶け手ゼズキリ シト御憐れみ,御合力,その難儀をば遁るる為に御力を与へ下 さるる様に奉ることもござらいで,ただ口惜しう存じて, これは とてものことに堪えられ難うござれば, とかくこれよりも死ぬる がましぢゃと存じて,二,三度頼母しを失ひまらした。 Quando me achei em dificuldades, não pedi a Deus que me amparasse delas, nem solicitei ao nosso protector Jesus Cristo a misericórdia e a assistência. Não lhes roguei que se dignassem de conceder-me o poder de modo a livrar-me de tais trabalhos, sentindo apenas raiva ao me encontrar assim. Não consegui aguentá-los mais e pensei mesmo deixar-me morrer, o que era preferível a continuar assim tão afligido, chegando por fim, duas ou três vezes, a perder «Tanomoxi», isto é, a esperança de viver. Décima primeira confissão Ichido mo gentio to corobi Christian mo tagai ni Christian no coto vo soxiri azaqeri, sono sata sanzan ni torinaxi, Deus ni taixite mo accô vo faite iraruru tocoroie varega tçuqiŏte, sono monogatari voba micata iori soroienedomo, canai nagara mo iame saxe maraxeide, modoqi mo itasaide gozatta. 一度も,ゼンチョと転びキリシタンも互ひにキリシタンの事 を謗り嘲り,その沙汰散々にとりなし,デウスに対しても悪口を 吐いて居らるる所へ我が付き合うて,その物語をば味方より揃 へねども,叶ひながらも止めさせまらせいで, もどきも致さいで ござった。 Numa ocasião encontrei-me no local onde os gentios e os cristãos «caídos» – os renegados – tinham zombado das coisas dos cristãos e dito mal de Deus entre si. Mesmo que eu não lhes tivesse aprovado as injúrias, não os obriguei a cancelar a sua blasfémia nem os repreendi severamente, apesar de ser possível fazer isso. Décima segunda confissão Mata qinjo no bu Christian no vieno coto domo mo, mina sono mi no nozomi no mama ni naru vo mi, mata cono xecai no coto ni tçuite, ioi Christian xu no sanzan no tei vo vomoi 172 facaru toqi va, Deus inferno no cuguen vo vqeôzuru quafô tçutanai gentio domo ni va von jifi no vie iori ima no sucoxi no qeracu vo toguesaxerarete, goxŏ no fatexi nai buji anracu vo uqe saxerareôzuru Christian tachi ni va, guecai ni tada nangui xinrŏ bacari atesaxeraruru coto, macoto ni Deus no fucaxigui naru go qenbô, von avaremi de gozaru to mŏsu mo gozaru. Ichido mo nido mo Deus ni taixite vrami36 xucquai37 tçucamatçutte, sate mo sacasama38 no Deus no go facarai cana! to zonjite Deus to sucoxi xicari39 maraxita. Core va xincon cara de goza nacatta redomo, buxinjin, viamai naqu xite, Deus no uzzutacai vo coto voba tori atçucŏta coto va, miga aiamari de gozaru. また,近所の無キリシタンの上の事どもも,皆その身の望み のままになるを見,またこの世界の事について,善いキリシタ ン衆の散々の体を思ひ量る時は,デウス,インヘルノの苦患を 受けうずる果報拙いゼンチョどもには,御慈悲の上より今の少 しの快楽を遂げさせられて,後生の果てしない無事・安楽を受 けさせられうずるキリシタン達には,下界にただ難儀・辛労ば かり宛てさせらるること,真にデウスの不可思議なる御憲法・御 憐れみでござると申すもござる。一度も二度もデウスに対して 恨み,述懐仕って, さても逆様のデウスの御計らひかな! と存じ て,デウスと少し叱りまらした。 これは心根からでござなかった れども,無信心,敬ひ無くして,デウスの堆い御事をば取り扱う たことは,身が誤りでござる。 Apesar de os não-cristãos vizinhos estarem a viver à vontade, estão a suceder-nos, a nós, bons cristãos, todos os males e infelicidades neste mundo. Para além disso, Deus se digna permitir que os gentios desditosos, os quais deveriam ser castigados por Deus e sofrer aflições no inferno, gozem de modestos confortos neste mundo, possivelmente, por amor da misericórdia divina. Por outro lado, a nós cristãos, os quais poderíamos receber a perpétua salvação e consolação noutra vida, Deus não se digna senão de dar-nos desvairadas dificuldades e tormentos. Apesar de alguns cristãos defenderem que se trataria de uma profunda e alta providência divina ou de uma obra piedosa, tive, por uma ou duas vezes, queixas e queixumes para com Deus, e, pensando como era avessa a providência divina, fiquei um pouco zangado com Ele.40 Ainda que não o fizesse do fundo do coração, reconheço como errado ter tentado tratar as coisas mais elevadas e eminentes de Deus com tão pouca devoção, sem prestar-lhes a devida reverência. 173 Décima terceira confissão Mata carasu nando no naqu vo qiqu nitçuite, toqi niiotte va camai maraxenu. Sarinagara ni sando va qi ni savatte, sadamete vaga coto no uie ni nani ca sannan vazavai ga arŏ zo? to qizzucai itaxi maraxita. Core mo canarazu cono bun de arŏ to mŏxi maraxenedomo, tocacu Christian no narai ni va, tada Deus no go facarai bacari ni xitagai, nocoru tocoro ni camavaide macari iru fazu de gozaru tocoro de miga fusocu de vori atta. Vonajicu: iume no uchi ni mita coto vo xi go rocudo sucoxi macoto ni uqe maraxita. また,烏なんどの鳴くを聞くについて,時によっては構ひま らせぬ。 さりながら二・三度は気に障って,定めて我が事の上に 何か産難・災ひが有らうぞ? と気遣ひ致しまらした。 これも必ず その分であらうと申しまらせねども, とかくキリシタンの習ひに は,ただデウスの御計らひばかりに随ひ,残る所に構はいで罷 り居るはずでござるところで,身が不足で居りあった。同じく,夢 の中に見たことを四・五・六度少し真に受けまらした。 Mais: na maioria das vezes, ouvindo o crocito dos corvos, não fiz dele caso, porém, tive tão maus pressentimentos por duas ou três vezes que temi que me sucedesse algum perigo ou desastre. Apesar de não acreditar seriamente que ocorresse tal coisa, pois o costume cristão me manda que obedeça só à providência divina e não faça caso de quaisquer outras coisas, foi uma falta minha proveniente da pouca devoção. Igualmente, vi como prováveis as coisas que sonhei quatro, cinco, ou seis vezes. Décima quarta confissão Mata varera fudan Deus iori cazucazu no go von vo uqe tatematçuri nagara, sono von rei to mŏsu coto va sucoxi mo naqu, tada burei buxinjin nomi itaxi mŏxita. Tocacu mi va Christian no na bacari tçuita mono gia niiotte, xinuru coto mo, go qiŭmei no coto mo, xicaxica vomoi itasaide, tada xinuru iori foca nocoru tocoro mo nai to vomô iŏni iqite vori maraxita. また,我等不断デウスより数々の御恩を受け奉りながら,そ の御礼と申すことは少しも無く,ただ無礼・無信心のみ致し申し た。 とかく身はキリシタンの名ばかり付いた者ぢゃによって,死 ぬることも,御糺明のことも, しかしか思ひ致さいで,ただ死ぬ るより外残る所も無いと思ふ様に生きて居りまらした。 174 Apesar de receber continuamente inúmeros benefícios de Deus, tenho vivido com pouca devoção e cometido muitas descortesias para com Ele sem prestar-Lhe a reverência nem as devidas palavras de agradecimento. De qualquer maneira sou cristão só de nome, pois vivia pensando que tudo se reduziria em nada após a minha morte, não fazendo caso algum dela nem do último juízo. Décima quinta confissão Sono vie mata, soregaxi, mainichi oracio vo mŏxi, Christian guiŏ gui vo tçutomenu nominarazu, caiette sore vo taxxite mesaruru jintai voba soxiri azaqeri tçucamatçutte vogiaru: core va saisai jŭgo rocudo fodo de gozatta. その上また,某,毎日オラショを申し,キリシタン行儀を勤め ぬのみならず,却ってそれを達してめさるる仁体をば謗り嘲り 仕っておぢゃる。 これは細々十五,六度ほどでござった。 Além disso, tenho sido sempre negligente quanto a rezar e a preservar o modo de viver do bom cristão, mais, praguejei e escarneci das boas almas que não deixavam de cumprir tais obrigações. Cometi tais coisas quinze ou dezasseis vezes. [Admoestação do confessor para a décima quinta confissão] Sono uie: tanin Christian no coto vo soxiri, Deus ni taixite accô zŏgon vo facu mono ni ai arŏzuru toqi va, sono voncata no uon fomare no nozomi ni moie tatte, gentio no mafô vo saguesunde, tada Deus no minori no coto vo fome aguerareide va. Sono foca camaite, ioi cagami vo mixeraruru xu no coto voba ai soxiri aru na; qeccu sorerano miŏqiŏ vo manabi, Deus no gonaixô ni ai tatematçuraruru iŏni xei vo ire, von taiori vo tanomi tatematçutte iô gozarŏ made. その上,他人キリシタンのことを謗り,デウスに対して悪口・ 雑言を吐く者に逢ひあらうずる時は,その御方の御誉れの望み に燃え立って,ゼンチョの魔法を蔑んで,ただデウスの御法のこ とを褒め上げられいでは。その外,構いて良い鑑を見せらるる 衆のことをばあひ謗りあるな。結句それらの明鏡を学び,デウ スの御内証に逢ひ奉らるる様に精を入れ,御頼りを頼み奉って ようござらうまで。 175 Quando te encontrares com pessoas que caluniem as coisas dos cristãos e digam palavras injuriosas contra Deus, não hesites em «arder no desejo» de louvar a Deus e tecer os maiores elogios às leis divinas, desprezando a lei do diabo dos gentios. Não deves caluniar os comportamentos daqueles que dão bom exemplo de virtude a todos os cristãos, pois trata-se de uma acção absurda e imperdoável. Será aconselhável, pelo contrário, imitares e aprenderes esse bom exemplo e fazeres os mais sinceros esforços por agradar à vontade de Deus, e, assim te encomendando à ajuda divina. Décima sexta confissão Mata nisando Deus no muriŏ mufen no von auaremi ni tanomi uo caqete, sono go voqite vo somuite mo daiji aru mai: tocacu zaiqua to mŏxeba, attemo, côquai itasaba, von jifi no uie iori iuruxi va nani iori mo ito iasui to vomôte, go airen voba mŏacu no motoi to naxi maraxita. Ma ichido va, sacasama ni, vaga zaiacu no cazucazu no coto vo vomoi facatte, core va sate von jifi to mŏxite mo iurusaxeraruru fodo gozaru mai to zonjite, tanomoxi vo vxinai maraxita. また二・三度デウスの無量の御憐れみに頼みを掛けて,そ の御掟を背いても大事あるまい, とかく罪科と申せば,有って も,後悔致さば,御慈悲の上より赦しは何よりもいと易いと思 うて,御哀憐をば猛悪の基となしまらした。ま一度は,逆様に, 我が罪悪の数々のことを思ひ量って, これはさて御慈悲と申し ても赦させらるるほどござるまいと存じて,頼母しを失ひまら した。 Pondo a esperança na vasta e infinita misericórdia de Deus, pensei duas ou três vezes que não seria muito grave cometer pecados e acreditei que não seria tão difícil gozar da sua absolvição se tivesse dor e contrição. Cometi assim grandíssimas maldades e pecados, usando e abusando da compaixão e piedade divina. Contrariamente ao que atrás confessei, ponderei uma única vez sobre os desvairados pecados que cometi e considerei que não poderia ser perdoado de modo algum, se bem que, mesmo perdendo por fim a confiança em Deus, pudesse gozar da Sua infinita misericórdia. 176 Décima sétima confissão Mitabi mo, aru daimocu nitçuite, core vo itasaba mortal toga fodo ni narŏ ca, naru mai ca to vtagŏte, tori cacatte itaxi maraxita. Sono nochi, sore fodo fucŏ nai to xitta redomo, tçucamatçutta toqi va sono bun de vorinanda niiotte, miga toga de vogiatta. 三度も,ある題目について, これを致さばモルタル科ほどに ならうか,なるまいかと疑うて, とり懸かって致しまらした。その 後,それほど深うないと知ったれども,仕った時はその分で居り なんだによって,身が科でおぢゃった。 No que diz respeito a um acto, duvidei se este, caso fosse praticado, constituiria pecado mortal, no entanto acabei por realizá-lo. Soube mais tarde que o mesmo não constituiria pecado tão grave como pensara, todavia, não me é permitido escapar ao pecado já cometido, pois quando o efectuei, ainda me via em perigo de o poder tornar mortal. Isto aconteceu três vezes. Notas − (1) Cf. O tsuka Mitsunobu [大塚光信], Korya-do Sangeroku Shichu- 『コリ [ ャード さんげろく私注』], Kyo-to [京都], Rinsen Shoten [臨川書店], 1985. Nesta obra se contém o fac-símile da mesma edição de 1632 pertencente ao próprio autor, para além da sua transcrição diplomática através da mistura de ideogramas chineses e letras fonéticas japonesas chamadas «Cana», paravra essa que é definida no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Certa letra de Iapão. / Canani yù [仮名に言ふ]. Falar chãamente de maneira que todos entendão [皆が理解するように平明に話す]» (f. 35). (2) Conforme à Bíblia Sagrada. Para o Terceiro Milénio da Encarnação. Versão dos textos originais, Difusora Bíblica (Franciscanos Capuchinhos), Lisboa/Fátima, 2002. 177 (3) Vocabulario, f. 120. (4) Vocabulario, f. 298. (5) Vocabulario, f. 51v. (6) Vocabulario, f. 139. (7) Vocabulario, f. 282. (8) Vocabulario, f. 164v. (9) Trata-se de uma cantiga do «Imayŏ» contida na colectânea Reŏginfixô 『梁塵秘抄』 [ ] (Ryo-jinhisho-) compilada no ano de 1169 pelo imperador-retirado Goxiracava [後白河法皇]. Expressão artística que conheceu o seu apogeu na segunda metade do século XII, o «Imayŏ» define-se no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Cousa que agora corre [今流行している事 柄]. Vt, Imayouŏ vtŏ [今様を歌ふ]. Cantar com toada noua que agora corre [旋 律をつけて今流行している新しい事物を歌う]» (f. 130v). Se bem que ocorram várias excepções no que concerne à sua métrica, o «Imayŏ» é basicamente composto por 48 sílabas japonesas, sempre quatro linhas na métrica de 7-5-7-5-7-5-7-5. (10) Cf. Takada Yoshito [高田佳人], Talking about Buddhism - Q & A, James M. Vardaman Jr. tr., Ko-dansha International, 1997, pp. 40-45. (11) Vocabulario, f. 320. (12) Vocabulario, f. 170. (13) Vocabulario, f. 170. Afigura-se-me extremamente curioso notar que o compilador jesuíta do Vocabulario da Lingoa de Iapam confere uma avaliação negativa à expressão japonesa «Mugana fito» na sua declaração, expressão essa, escusado será dizer, que sempre tem valor positivo e afirmativo a partir do prisma budista. (14) Vocabulario, f. 353v. (15) Vocabulario, f. 124v. (16) Vocabulario, f. 27. (17) Vocabulario, f. 124v. (18) Vocabulario, f. 124v. (19) Vocabulario, f. 314v. (20) Vocabulario, f. 120. (21) Encontra-se registada no Vocabulario da Lingoa de Iapam a palavra que tem a quase mesma significação: «Xojin [諸神]. Moromorono cami [諸々 の神]. Todos os Idolos. Vt, Xojin xobut [諸神諸仏]. Todos os Camis, & Fotoqes (Vocabulario, f. 311). (22) In D. João III e o Império. Actas do Congresso Internacional comemorativo do seu nascimento (Lisboa e Tomar, 4 a 8 de Junho de 2002). Edição dirigida por Roberto Carneiro & Artur Teodoro de Matos, Lisboa, Centro de História de Além-Mar / Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, 2004. (23) San [算]. Hũs paozinhos com que deitão sortes, ou fazem cõtas: propriamente se chamão sãgui. / Sanuo midasu [算を乱す]. Baralhar estes paozinhos. Vt, Xigaiua sanuo chiraita gotocude atta [屍骸は算を散らいた如く であった]. l, Xigaiua sanuo midaita gotocude atta [屍骸は算を乱いた如くであっ た], &c. Os corpos mortos estauão alastrados, & misturados como paozinhos das sortes, que estão baralhados sem ordem. / Sanuo vocu [算を置く]. Deitar sortes pera adiuinhar algũa cousa como fazem os gentios, ou fazer contas (Vocabulario, f. 217). (24) Yamabuxi [山伏]. Hũs homens dedicados ao culto do demonio (Vocabulario, f. 317). (25) Fuda [札]. Taboinhas em que se escreuem prohibições, ou nomes de pessoas, &c (Vocabulario, f. 106). (26) Maburi [守り]. Vide. Mabori (Vocabulario, f. 147v). Mabori [守り]. Nomina, ou relicario que se traz ao pescoço. / Item, Aliquando, Guarda, ou proteição (Vocabulario, f. 147v). 178 (27) Sangui [算木]. Paosinhos, ou tentos das sortes, ou cõtas. Vide San (Vocabulario, f. 218). (28) Isto é a interjeição com o sentido de “sim”, “presente”, ou “aqui estou (aqui estamos)”. Aqui se usa como a interjeição dita supostamente pelos cristãos em resposta da chamada feita pelos gentios. Trata-se de uma das muito poucas palavras japonesas quinhentistas e seiscentistas cujo “h” se deve pronunciar à latina. Expressão anómala, mas muito interessante e me parece um pouco cómica. (29) Corobaxi [転ばし], Corobasu [転ばす], Corobaita [転ばいた]. Derribar, ou fazer cair (Vocabulario, f. 59). Apesar de surgirem na obra do frei Diego Colhado muitíssimos exemplos de os verbos «Corobu» (cuja raiz é «Corobi») e «Corobasu» (cuja raiz é «Corobaxi») serem empregados com o respectivo sentido de «apostatar-se» (“«cair»” ou “ficar «caído»”) e «fazer apostatar-se» (“fazer «cair»” ou “fazer ficar «caído»”), todavia não se vê no Vocabulario nenhuma declaração de tal sentido metafórico relativamente aos sobreditos verbos. Nos anos de 1603-04 em que o Vocabulario e o seu Supplemento foram publicados, o édito anti-cristão emitido por Toyotomi Fideyoxi em 1587 ainda estava em vigor, mas só nominalmente, pois Tocugaua Iyeyasu, tendo tomado posse de xogun em 1603 e sabendo que a expulsão dos missionários jesuítas resultaria possivelmente no corte definitivo dos lucrativos negócios luso-japoneses em Nagasaki, ainda não podia deixar de reconhecer a presença dos religiosos católicos de maneira tácita, mas com grande relutância. No «Prologo» do Vocabulario se esclarece o facto interessante de que «Agora que com as muitas perseguições desta Christandade vagou algum tempo mais aos Padres, & Irmãos Iapões pera reuer, & examinar melhor os Vocabularios, que estauão ja ha annos feitos posto que imperfeitamente: alguns dos que melhor sabião a lingoa de Iapão, com a ajuda tambem de alguns naturaes entendidos nella nos aplicamos com diligencia por alguns annos a examinar, acrecentar, & aperfeiçoar este Vocabulario, o qual se não sair tam perfeito como se deseja», mas através deste trecho se pode confirmar seguramente o facto de que «as muitas perseguições» contra a cristandade fizeram, oportunamente, com que os jesuítas, mesmo tendo-se abstido de realizar as actividades evangelizadoras de uma forma manifesta, gozassem de mais tempo livre e descansado para «reuer, & examinar melhor os Vocabularios» de modo a que concretizassem um trabalho «tam perfeito como se deseja». Este parágrafo, de qualquer maneira, não nos dá a impressão da ocorrência das grandes perseguições cristãs, o qual se explica através da omissão no Vocabulario do sentido metafórico em questão. Só a título de curiosidade, porém, o verbo japonês «Corobu» encontrar-se-ia gradualmente incorporado no idioma português com a intensificação das perseguições contra os cristãos, cujo exemplo mais impressionante para mim se encontra na Relação acerca da última embaixada portuguesa enviada de Macau a Nagasaki em 1640. Segundo o autor da Relação, as autoridades xogunatas de Nagasaki, antes de executarem a maioria dos membros da missão, aconselharam-nos a renegarem a fé cristã, dizendo-lhes que suas vidas seriam poupadas caso aceitassem a sedutora oferta de apostasia. O soldado português de nome Bento de Lima Cardoso, em resposta à pergunta se tinha, ou não, vontade de «cobobar» (“cair”, ou seja, “renegar a fé”), respondeu ao intérprete com o seu derradeiro gracejo: «Coborar (“Renegar a fé”)? Ora essa! Se me tiveres degolado a cabeça, bárbaro, vai-me «corobar» (“cair”) o corpo de modo espontâneo!» Este episódio mostra-nos que já nesta altura a palavra em questão, até em sentido metafórico, foi integrada no léxico português no Extremo Oriente (cf. Hino Hiroshi [日埜博司], “1640 nen ni Makao kara Nagasaki ye haken sareta Porutogaru shisetsu ni kansuru ‘Hōkoku’. Sono hon’yaku, chū shaku, narabini jakkan no mondaiten 「一六四〇年にマカオから長崎に派遣さ [ れたポルトガル使節に関する 『報告』一 その翻訳・註釈ならびに若干の問題点」], in Nagasaki Shidankai [長崎史談会] ed. Nagasaki Dansō, Vol. 86, 1997). 179 (30) Corobi [転び], Corobu [転ぶ], Corôda [転うだ]. Cair. Dôdo corobu [どう ど転ぶ]. Cair dando baque, ou fazendo estrõdo (Vocabulario, f. 59). (31) Esta oitava confissão, contrariamente ao que seria previsível, não recebe qualquer admoestação por parte do confessor. Se bem que a sua não existência não signifique uma inteira aprovação pelo padre confessor para com este «pecado», a meu ver, face ao contexto social japonês seiscentista, ter-se-ia afigurado completamente impossível a qualquer missionário minimamente conhecedor do Japão de então – inclusive o frei Diego Colhado – a orientação do confessado de forma a rejeitar os serviços impostos pelo (representante do) xogun. Se tal se verificasse o confessado em questão, teria corrido um grande risco não só no sentido de perder a própria vida como também dos seus familiares e respectivos bens. A problemática suscitada nesta confissão foi «resolvida» teologicamente, pelo menos entre os jesuítas, já no século anterior. Valignano encarregou o padre Gil de la Mata (c.1547-1599), que partiu do Japão para Roma em 1592, de consultar as autoridades europeias sobre os problemas e dúvidas acerca da teologia moral levantados no processo da missionação japonesa. Chegou até nós um documento valiosíssimo, preparado em 1595 em que se registam as perguntas do padre Valignano e as respostas do padre jesuíta Gabriel Vázquez (1549-1604), professor catedrático de teologia da Universidade de Alcalá. Veja-se a sua primeira pergunta acerca do «culto dos ídolos, e superstições» dos japoneses quinhentistas: «Quando o senhor pagão levanta um templo em honra do seu ídolo, é lícito aos seus servos cristãos polir a madeira, ou já lavrada colocá-la no templo, ou fazer telhas, e cobrir com elas o tecto, ou untar com barro as paredes...? Ou mesmo que ainda não tenha forma de templo, podem trabalhar no edifício, suposto que nenhuma destas obras se faz em desprezo da nossa lei, e se os cristãos não aceitam este trabalho, provavelmente perderão junto com a vida os bens familiares?» (Cf. Jesús López Gay, S.J., “Un Documento Inédito del P.G. Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, p. 151). O Padre Visitador, como em todas as outras perguntas neste capítulo, adiciona as duas condições, quer dizer, a primeira de quaisquer criados ou súbditos cristãos terem obrigação de obedecer absolutamente aos mandamentos do seu senhor, incorrendo no perigo de morte ou na perda dos seus bens familiares em caso de desobediência, e a segunda de não se seguir qualquer escândalo dos respectivos actos. Pode-se dizer, segundo me parece, que o padre Valignano orientou o padre Vázquez (ignorante das coisas japonesas) de forma a obter a conclusão por ele desejada e esperada. Assim sendo, e tendo em conta que as perguntas enviadas por Valignano tinham uma estrutura interna que condicionava directamente as respostas, é fácil prever as conclusões redigidas por este teólogo ilustre, no entanto, confirmemos a resposta do padre Vázquez à primeira pergunta do padre Valignano: «É lícito fazer o que se expõe neste caso [de consciência], como é lícito vender um cordeiro a um judeu, que se sabe o compra para sacrificá-lo. Polir a madeira, colocá-la nos edifícios, etc. são trabalhos que cada um pode usá-los bem ou mal. Assim, há-de seguir a norma estabelecida por S. Tomás na 2-2, questão 43, artículos 7, 8 (consultei Tomasu Akwinasu [トマス・アクィナ ス], Shingaku Taizen 『神学大全』 [ ] – tradução japonesa da Suma Theologica da autoria de Tomás de Aquino –, 17, Sōbunsha [創文社], 1997, pp. 126-135): o escândalo passivo não se lhe culpa àquele, de cuja obra se origina o escândalo, dado que o que se escandaliza o faz por malícia. Por tal escândalo [passivo], ninguém tem obrigação de omitir aquilo que lhe reporta alguma utilidade, ainda que seja temporal, para que não se escandalize por malícia todo o que peca por hábito. O pecado por hábito diz-se pecado por malícia segundo S. Tomás, 1-2, questão 78, artículo 2.» (Cf. Jesús López Gay, S.J., “Un Documento Inédito del P.G. Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, p. 158). 180 Tomás de Aquino (c.1225-1274) trata dos escândalos na parte 2-2, questão 43. O escândalo é o conceito contrário ao amor e consta de palavras e actos que induzem outrém a cometerem erros e a pecarem. Os escândalos são divididos em duas categorias, ou seja, o escândalo activo e o escândalo passivo. O escândalo activo é proveniente de palavras e actos que têm a clara intenção de induzir outrém a cometerem erros e a pecarem. Alguns actos e palavras, que terão a força de induzir outrém em erro, podem ser a origem do escândalo activo também. O escândalo passivo não induz outrém directamente a cometer erros e a pecar. Mas determinados actos e palavras, de vez em quando, provocam indirectamente com que outrém cometa erros e peque, como aliás se pode verificar no exemplo de alguém invejar o sucesso ou a prosperidade de outra pessoa. Tal sucesso e prosperidade, escusado será dizer, são o fruto de bons actos. Um homem que ganhou bom sucesso e goza da conseguinte prosperidade não peca de modo nenhum, mas ele faz com que outrém possa cometer o erro de invejá-lo por malícia. Neste caso tanto o sucesso como a prosperidade dele constituem um escândalo passivo (Tomasu Akwinasu [トマス・アクィナス], Shingaku Taizen 『神学大全』 [ ] – tradução japonesa da Suma Theologica da autoria de Tomás de Aquino –, 17, Sobunsha [創文社], 1997, pp. 106-112). Quer dizer: polir a madeira, fazer telhas, cobrir com elas o tecto e untar com barro as paredes, são trabalhos justos e não induzem outrém directamente a pecar, mas fazem com que os maliciosos possam cometer o crime de adorar o templo de idolatria a ser construído. Por conseguinte os colaboradores nessa construção têm cometido um escândalo passivo. Aplicando a sobredita lógica para a confissão em questão, a participação na construção dos templos gentios como um subterfúgio para não cair em desgraça do xogum só constitui um escândalo passivo. Trata-se de um trabalho justo por si próprio, mas pode fazer com que outrém cometa o pecado de adorar esses templos. Considerando a situação em que o confessado incorreria no perigo de morte ou na perda dos seus bens familiares em caso de desobediência, o acto declarado nesta confissão é, claro, perdoável. (32) Iûnen [十念]. O invocar dez vezes o nome de Amida [阿弥陀]. / Iŭnenuo sazzuquru [十念を授くる]. Pronunciar o Bonzo dez vezes este nome emsinando o a inuocar aos que se fazem Iŏdoxùs ou querem receber alguã maneira de benção, &c. / Iŭnenuo vquru [十念を受くる]. Responderem estes Iŏdoxùs ao Bonzo dez vezes inuocando Amida assi como o Bonzo lhes ensina. (Vocabulario, ff. 146-146v). (33) A palavra «Iûnen» [十念] é aquela relacionada com a palavra «Nenbut» [念仏] segundo a grafia do Vocabulario. Trata-se da invocação «Namu Amidabut» [南無阿弥陀仏] efectuada com a esperança e desejo de renascer na Terra Pura de Amida chamada «Iŏdo» [浄土], a qual se define «Qiyoi cuni [清い国]. Terra limpa, i, Paraiso do Fotoque» (Vocabulario, f. 144v). Veja-se a definição da palavra «Namu» no Vocabulario da Lingoa de Iapam: «Namu [南 無]. Palaura com que se inuoca, ou faz reuerencia ao Fotoqe. Vt, Namu Amidabut [南無阿弥陀仏], Namu meôfô rengueqiŏ [南無妙法蓮華経]» (f. 176). «Namu» é a transliteração da palavra indiana «Namasu», que quer dizer, “vênia” e que é traduzida como “devoção” ou “obediência com confiança”. Por conseguinte, «Namu Amidabut» significa que um homem acredita em Amida. «Namu meôfô rengueqiŏ» significa que um homem acredita na Sutra dos Lótus da Lei Maravilhosa, a qual é às vezes denominada como a Sutra dos Lótus, ou seja, «Foqueqiŏ» [法華経] segundo a grafia do Vocabulario. Utilizavam-se (e ainda se utilizam) mais expressões semelhantes tais como «Namu But» [南無仏] (“acredito em Buda”) e «Namu sanbô» [南無三宝] (“acredito nos três tesouros, isto é, Buda, a lei budista e os monges”). Ainda é de notar que o «Nenbut» ou seja, «Fotoqeuo nenzuru» [仏を 念ずる], que se define no Vocabulario da Lingoa de Iapam como «Chamar, ou inuocar o Fotoque» (f. 180v), era (e ainda é) às vezes dirigido a outros Budas senão a Amida e para outros objectivos senão para o renascimento 181 na Terra Pura de Amida chamada «Iŏdo» [浄土], tais como a cancelação das más karmas ou a realização imediata da iluminação (nirvana) (cf. Japan: An Illustrated Encyclopedia ed., Keys to the Japanese Heart and Soul, Kōdansha International, 1996, p. 161). (34) Ao contrário do que acontece na oitava confissão, confirma-se uma admoestação por parte do confessor correspondente a esta nas páginas 58 e 60 da obra do frei Diego Colhado, pois, neste caso, o confessado invocou o nome de «Amida» dez vezes de maneira a não ser revelado como cristão pelos seus próximos, e, para além disso, louvou as coisas de Camis (do xintoísmo) e Fotoques (do budismo), seguindo os gentios cegamente, mas sem qualquer pressão exterior, a qual conduta constituiria, claro, um pecado evidente. Veja-se, porém, a segunda pergunta que Valignano fez ao padre Vázquez acerca do «culto dos ídolos, e superstições» dos japoneses no fim do século XVI: «Quando o senhor pagão vai ao templo dos ídolos para adorá-los e diz ao seu criado, o qual é cristão: traga o rosário (estes rosários, muito semelhantes aos nossos, são os que usam os gentios para suas orações e invocações), e do mesmo modo: traga os aromas e outras coisas necessárias para sacrificar ao ídolo, pode o servo cristão obedecer nestas coisas ao senhor pagão? Quando o senhor se ajoelha, pode o criado ajoelhar-se também, não manifestando nenhum sinal de adoração, sem escândalo, e supõe-se que, ficando em pé quando o seu senhor se ajoelha, isso é sinal de grande descortesia? E o mesmo se pergunta relativamente a quando o senhor pagão diz ao seu criado cristão: põe junto ao altar as brasas, e derrama sobre elas o incenso, etc. Supondo nestes casos, que o senhor não manda estas coisas em desprezo da lei divina, nem se recorda disto, a não ser que como outros serviços quaisquer se os pede a seu criado, e se ele não obedece, morrerá logo como desprezador do seu amo. Em tais casos, ele pode obedecer aos senhores pagãos?» (Jesús López Gay, S.J., “Un Documento Inédito del P.G. Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, pp. 151-152). Vázquez responde-lhe: «Pela mesma causa, pode um criado cristão dar o rosário ao seu senhor, ainda que saiba que vai usá-lo para o culto dos ídolos, e também oferecer-lhe o incenso. Mas não pode ajoelhar-se nem pôr as brasas junto ao altar, nem derramar sobre elas o incenso, porque tudo isto são já sinais de idolatria, e neles consiste o mesmo acto de adoração. E isto não se pode fazer, embora não tenha intenção de adorar os ídolos, já que toda a profissão externa de idolatria é completamente ilícita. Sem embargo, isto assim o julgo, quando esses actos parecerem aos presentes sinais de adoração; se todos conhecem a recta intenção, então não há pecado, porque não existe profissão de falsa religião.» (Jesús López Gay, S.J., “Un Documento Inédito del P.G. Vázquez (1549-1604) sobre los Problemas Morales del Japón” in Monumenta Nipponica, vol. XVI, n. 1-2, pp. 158-159). Conforme à orientação do padre Vázquez, considera-se justo o que se expõe na confissão anterior apenas como um escândalo passivo. Segundo opina este teólogo castelhano, permitem-se os actos que possam causar o escândalo passivo, mas julgam-se absolutamente imperdoáveis as condutas que fazem lembrar a adoração dos ídolos, embora não exista nenhuma intenção directa de adoração, pois toda a manifestação externa de idolatria é completamente ilícita. Vásquez, porém, diz adicionalmente que, se todos conhecem a verdadeira intenção, então não há pecado; porque não é cumprida a manifestação de falsa religião. Seguindo esta lógica, suposto que este confessado tivesse sido coagido a fazer tais coisas e todos os seus próximos tivessem conhecimento das suas crenças religiosas, o pecado deste seria infalivelmente perdoado. (35) Cuchiuoxù [口惜しう]. Adu. Com pezar, & raiuosamente (Vocabulario, 182 f. 63). Cf. Cuchiuoxino [口惜しの]. Idem (Vocabulario, f. 63). Cuchiuoxisa [口惜 しさ]. Pezar, ou raiua (Vocabulario, f. 63). Cuchiuoxij [口惜しい]. Cousa de que se tem pezar, ou raiua (Vocabulario, f. 63). (36) Vrami [恨み], Vramuru [恨むる], Vramita [恨みた]. Aqueixarse. / Youo vramuru [世を恨むる]. Queixarse do mundo. / Fitouo fitocatana vramuru [人 を一刀恨むる]. Dar a alguem cutilada, ou matalo por vingança (Vocabulario, f. 288). Cf. Vrami [恨み]. Queixas. Vt, Vramiuo farasu [恨みを晴らす]. Tirar o queixume ficãdo satisfeito. / Vramiuo fucumu [恨みを含む]. Ter queixumes no coração (Vocabulario, f. 288). (37) Xucquai [述懐]. i, Vrami [恨み]. Queixas, ou queixumes (Vocabulario, f. 313v). (38) Sacasama [逆様]. i, Sacasamani [逆様に]. Adu. Ao reues, ou às auessas, ou cabeça abaixo (Vocabulario, f. 214v). (39) Xicari [叱り], Xicaru [叱る], Xicatta [叱った]. Agastarse reprehendendo. Vt, Fitouo xicaru [人を叱る]. Reprender desta maneira a alguem (Vocabulario, f. 299v). (40) Esta confissão afigura-se-me significativa por representar simbolicamente uma característica psicológica e cultural do povo japonês, a qual se poderá traduzir na palavra «Amae» [甘え]. Este vocábulo é a forma substantivada do verbo «Amaeru» [甘える], que poder-se-á interpretar como “desejo de dependência”. O referido verbo não possuía (nem possui) qualquer equivalente conceptual e verbal em português. «Amae» é um substantivo bem peculiar ao idioma japonês, que quer dizer, “os desejos de depender do amor, paciência, e tolerância de outras pessoas”. Trata-se do conceito consistindo num sentimento de ser amado e acarinhado de modo a que um indivíduo ultrapasse as dificuldades enfrentadas e os sofrimentos sentidos por meio da dependência da ajuda bondosa de outras pessoas, ajuda, porém, acompanhada do sentimento de tolerância. Defende-se que, na sociedade japonesa, as relações pais-filhos são prolongadas e expandem-se do sistema infantil para o sistema adulto, as quais reflectir-se-ão nas relações matrimoniais, entre o professor e o aluno, e entre o líder e o seguidor, pelo que a tendência psicológica representada pela palavra «Amae» continua a ser nitidamente observável durante toda a vida dos adultos. O psicólogo japonês Doi Takeo [土居健郎] define a palavra «Amae» como o desejo “de abusar do amor de outrém”, “de gozar da indulgência de outrém”, e “de entregar-se à benevolência de outrém”. Doi Takeo ainda concebe «Amae» como uma palavra/atitude-chave para a compreensão da dinâmica psicológica da sociedade japonesa, a qual é relativamente tolerante para com o sentimento de dependência de outrém e para com as relações de mútua dependência (cf. Japan: An Illustrated Encyclopedia ed., Keys to the Japanese Heart and Soul, Kōdansha International, 1996, pp. 93, 95). Curiosamente e como seria de esperar, registam-se no Vocabulario da Lingoa de Iapam a raiz, o tempo presente e o tempo passado proveniente do substantivo «Amaye». Vejam-se cuidadosamente os seguintes dois verbetes relativos ao conceito em questão: Amaye [甘え], Amayuru [甘ゆる], Amayeta [甘えた]. Fazerem caricias, ou afagos os mininos aos pays. / Inuga xujinni amayuru [犬が主人に甘ゆる]. O cão faz festa, & caricias ao senhor (Vocabulario, f. 8). Amayegoye [甘え声]. Voz de mininos como chorosa, ou mauiosa pera mouerem a mãy, ou a outros a lhe darem algũa cousa (Vocabulario, f. 8). A partir da óptica ocidental cristã seiscentista, a conduta declarada na presente confissão, na qual o confessado exprime «por uma ou duas vezes, queixas e queixumes para com Deus», «e, pensando como era avessa a providência divina», fica «um pouco zangado com Ele», poder-se-ia interpretar como uma postura moral diferente da original católica apostólica romana. Mas, esta atitude do confessado japonês, segundo creio, será compreendida de forma clara e natural através da associação do sobredito conceito: o confessado em questão, através da manifestação aberta das suas queixas e 183 agastamentos contra Deus, quer, em verdade, que Ele lhe preste uma maior atenção e lhe conceda uma maior ajuda para si próprio, confiando seguramente que Ele perdoar-lhe-ia todos os pecados cometidos. Quer dizer: as queixas e queixumes por parte dos confessados na décima segunda confissão não são nada mais, segundo creio, que a já citada «Amayegoye» de maneira a «mouerem a mãy (Deus), ou a outros (Jesus Cristo e outros) a lhe darem algũa cousa». Ainda como curiosidade, afigura-se-me interessante notar que, na atitude − suposta, claro − que o padre Sebastião Rodrigo, protagonista inventado pelo autor do romance primoroso Chinmoku 『沈黙』 [ ] (O Silêncio), mas atribuído à personagem verdadeiramente existente chamada padre italiano Giuseppe Chiara, toma quando decide pisar a «Fumiye» [踏絵] (isto é, a imagem feita de bronze de Jesus Cristo a ser pisada de maneira a investigar e distinguir os crentes dos não crentes), pode-se espreitar subtilmente no sobredito conceito denominado «Amaye», conceito esse que o autor Endō Shūsaku [遠 藤周作] possuía presumivelmente no seu íntimo. Pois bem. Alguns meses depois de ter pisado a «Fumiye», o ex-padre encontra e fala com o governador de Nagasaki de nome Inovye Chicugono Cami Masaxighe [井上筑後守政重] (personagem verídica, o qual inventou vários métodos ardilosos de maneira a pressionar o cometimento do acto de apostasia de alguns sacerdotes católicos). Inovye diz-lhe que o padre Rodrigo rendeu-se não a ele próprio, mas ao clima religioso japonês, clima esse que Endō denomina como «Doronuma» [泥沼], isto é, o “atoleiro” onde quaisquer religiões que sejam, uma vez introduzidas e implantadas aí, sofreriam alterações e transformar-se-iam, por fim, em outro algo, apesar da sua semelhança à forma original, bastante diferente dela em vários aspectos fundamentais. Inovye diz-lhe ainda: «Sokomotowa koronda ato, Ferreirani, fumiyeno nakano Kirisutoga korobeto yūtakara korondato mōshita sōdaga, sorewa onoga yowasawo itsuwaru tameno kotobadewa nainoka? Sono kotoba, makotono kirishitan towa, kono Inoue niwa omoenu» 「そこもとは転ん [ だあと,フェレイラに,踏絵の中の基督が転べと言うたから転んだと申したそうだ が,それは己が弱さを偽るための言葉ではないのか。その言葉,まことの切支丹と は,この井上には思えぬ」] (Endō Shūsaku, Chinmoku, Shinchō Bunko, 1981, p. 288). Tradução portuguesa: «Ouvi dizer que vós, depois de terdes ‘caído’, afirmastes terdes ‘caído’ por ter-vos dito Jesus Cristo inscrito na Fumiye que ‘caísseis’, mas isso não serão palavras proferidas de maneira a enganar a vossa fraqueza? Tais palavras não se me afiguram adequadas nem me parecem proferidas por um verdadeiro cristão». Inovye continua a dizer-lhe: «Katsute yowa sokomototo onaji Kirishitan pādoreni tazuneta kotoga aru. Hotokeno jihito Kirishitan Deusuno jihitowa ikani chigauka? to. Dōnimo naranu onoreno yowasani, shujōga sugaru Hotokeno jihi, korewo sukuito Nihondewa oshieteoru. Daga sono pādorewa, hakkirito mōshita. Kirishitanno mōsu sukuiwa, soreto chigau tona. Kirishitanno sukuitowa Deusuni sugaru dakeno monodewa naku, shintoga chikarano kagiri mamoru kokorono tsuyosaga soreni tomonawaneba naranu to. Shitemiruto sokomoto, yahari Kirishitanno oshiewo, kono Nihonto [ mōsu doronumano nakade itsushika magete shimatta node arō» 「かつて余 はそこもとと同じ切支丹パードレに訊ねたことがある。仏の慈悲と切支丹デウス の慈悲とはいかに違うかと。 どうにもならぬ己れの弱さに,衆生がすがる仏の慈 悲,これを救いと日本では教えておる。だがそのパードレは,はっきりと申した。切 支丹の申す救いは,それとは違うとな。切支丹の救いとはデウスにすがるだけの ものではなく,信徒が力の限り守る心の強さがそれに伴わねばならぬと。 してみ るとそこもと,やはり切支丹の教えを,この日本と申す泥沼の中でいつしか曲げて しまったのであろう」] (Endō, Chinmoku, pp. 288-289). Tradução portuguesa: «Anteriormente fiz uma pergunta a um padre cristão como vós, no intuito de saber qual é a diferença existente entre a ‘Jihi’ − a misericórdia, a piedade, a benevolência, a compaixão, a clemência, etc. − do Hotoke (Buda) e aquela do Deus cristão. De acordo com o ensinamento budista japonês, todos os homens, se bem que reconheçam a sua fraqueza irremediável, serão infali- 184 velmente salvos, apenas por meio da confiança absoluta na ‘Jihi’ do Hotoke e da imploração para esta. Esse padre, porém, afirmou-me claramente: “É diferente disso a salvação advogada por nós”. Segundo ele disse, a salvação não se poderia concretizar só através da absoluta confiança em Deus e da ardorosa imploração a Ele, mas, para além disso, deveria ser acompanhada de uma força mental por parte dos crentes, com a qual deveriam defender a sua crença. Tendo em conta as vossas palavras proferidas e a atitude por vós tomada, não posso deixar de dizer-vos que alterastes e deformastes a doutrina cristã, sem vos aperceberdes, aqui neste atoleiro nipónico». O ex-padre Rodrigo está para declarar, quase gritando, que o cristianismo não é como aquilo que Inovye acabou de comentar e definir, mas desiste de fazer isso, pois fica consciente da impossibilidade de convencê-lo... De qualquer maneira que seja, afigura-se-me extremamente impressionante esta cena de Inovye criticar a atitude religiosa transformada, ou para melhor dizer, «deformada» que o ex-padre chega, por fim, a tomar, atitude essa para com a qual Endō sentiria, penso eu, uma maior simpatia e intimidade. 185 ALICE CORREIA GODINHO RODRIGUES Investigadora - Coimbra De Coimbra ao Oriente Percorrendo Coimbra, cidade universitária que remonta ao séc. XIII, encontramos muitos vestígios orientais quer na arquitectura quer na abundante literatura que pulula nas prateleiras das suas bibliotecas. São roteiros, itinerários, exaltação das letras e das gentes que nos levam ao encontro do Homem, do conimbricense que vivendo a alguns quilómetros do mar se sente atraído pelo cheiro da pimenta e sonhava com biombos vindos pela zona de Cantão. O Oriente atraía o jovem de Coimbra. O mar povoava a sua imaginação e o desejo de emigrar para longínquas terras avassalava o jovem, o aventureiro, o estudante e o religioso. Remontam a 1550-1555 os nossos primeiros contactos com Macau, então pequena aldeia de pescadores. A partir de 1557, Macau foi cedida aos portugueses com a finalidade destes libertarem a região do delta de Cantão dos numerosos bandos de piratas existentes por aquelas paragens e sobretudo transformarem o porto marítimo num entreposto de comércio externo e navegação estrangeira. Foi confirmada esta cessão pelo imperador Chi-Tsung e ratificada pelo sucessor Mo-Tsung. A fama portuguesa corria já por terras do Extremo Oriente. Através do seu estabelecimento em Macau, estes transformaram-se em intermediários de todo o lucrativo comércio da China com o Japão, Manila, Sião, Malaca, Índia e Europa. Até 1685 eram os portugueses detentores do monopólio do comércio e Macau passou a ser um dos grandes e importantes centros de intercâmbio económico, espiritual e cultural entre o Oriente e o Ocidente. Anualmente uma frota real partia de Lisboa carregada com lãs, cristais e vidros, relógios de fabrico inglês e flamengo e vinhos de Portugal para nos portos e escalas trocarem por outros produtos. De Goa a frota ia para Cochim em busca de especiarias e pedras preciosas. Estes produtos eram trocados em Macau por seda que chegando ao Japão era trocada por ouro. De Macau a frota trazia para 187 Portugal ouro, seda, almíscar, pérolas, marfim, artigos de laca, porcelana, etc. A sua população cresceu rapidamente passando de escassas centenas para muitos milhares. Além de mercadores, marinheiros, soldados e funcionários metropolitanos, ocorreram ali para se fixarem numerosos orientais portugueses. Eram filhos de malaias, siamesas, japonesas e indianas. Em Macau sentiam-se tão seguros «como se estivessem situados na mais segura parte de Portugal», segundo testemunho coevo de Fernão Mendes Pinto, confirmado pelo de D. Fr. Gaspar da Cruz que afirma que «desde o ano de 54 a esta parte se fazem as fazendas na China muito quietamente e sem nenhum perigo». Levado pelo fascínio do Oriente aparece-nos inicialmente André de Escobar, natural de Coimbra que rumou em direcção à Índia e aí ensinou a arte da «charamela». Tinha sido o charameleiro da Sé de Coimbra e aí continuou a sua arte. Foi este encontro civilizacional, estes contactos estabelecidos com civilizações muito diferentes das europeias, que tornaram a empresa dos descobrimentos um dos fenómenos mais aliciantes da época quinhentista. A partir de 1590, a coroa portuguesa passou a ter dificuldades em organizar armadas para o Oriente. As naus não ofereciam segurança e tornava-se difícil assegurar uma tripulação condigna. Temiam-se os naufrágios e a captura dos holandeses, o que fazia com que o recrutamento na província nem sempre conduzisse a resultados apreciáveis. Coimbra, no entanto, continua a contribuir com o seu cabedal humano, com os seus missionários, aqueles que atrevendo-se a desbravar o oceano, tinham a robustez própria de quem vê na Providência o único farol de salvação. Já D. João III, numa casa que tinha comprado para a Universidade, num dos locais mais elevados da cidade de Coimbra, fundara o colégio da Companhia de Jesus, ofertando-o ao Padre Simão Rodrigues para residência destes. Ordena o mesmo rei que a Casa da Índia dê ao Colégio no primeiro dia de Janeiro a começar em 1552 as seguintes especiarias: trinta arráteis de pimenta, doze de cravo, vinte de canela, oito de gengibre, dez de malagueta e vinte de incenso. Por sua vez D. Sebastião ordena também ao tesoureiro da Casa da Índia, que retire do primeiro dinheiro que se fizer com a venda das especiarias de cada ano a quantia de 188 dois mil cruzados para a continuação das obras do dito colégio. Foram necessários espaços para a residência dos padres e para as aulas das Artes. A grande liberalidade régia começou por sustentar 200 religiosos e em breve chegou aos 250. Daí começaram estes a dirigir-se em catadupas para o Oriente. A primeira entrada dos missionários da Companhia em Macau data de 1554-1555 e o papa Gregório XIII através da bula «Specula militantis Ecclesiae» funda a diocese com jurisdição sobre toda a China, Japão e Coreia. Eram os bispos escolhidos especialmente pelo Colégio de Jesus de Coimbra e pelos Colégios de Espanha. Determina o padre Inácio que «ainda não fossem mais que dois por ano teriam que ir primeiramente a Roma em peregrinação para adquirirem experiência e se tornarem bons filósofos e astrólogos a fim de saberem dar explicação aos movimentos dos céus e conjunções e oposições dos planetas». S. Francisco avisa em Ternate, provavelmente em 1546, que «a linguagem seria clara e não afeitada, mais cheia de espírito do que de estilo grandíloquo que mais serve para os púlpitos das Universidades e cortes de reis que para as aldeias dos cristãos da terra». Destes missionários que se dirigiram ao Oriente referimos alguns dos que, naturais de Coimbra, foram predestinados para receberem a palma do martírio: BEATO ANTÓNIO FRANCISCO – Nasceu em Coimbra em 1553 e fez o noviciado no Colégio de Jesus. Enviado para as Molucas, passou depois para Salcete e aí veio a ser martirizado em 1583, mais propriamente na aldeia de Cucolim, uma das mais rebeldes da região. Acompanhavam-no os padres Francisco Aranha, Rodolfo Aquaviva, Alfonso Pacheco e Pêro Berna. Em 15 de Julho de 1583 foram mortos pelos gentios, após terem derrubado alguns pagodes para, no seu local, erguerem igrejas, o que veio a acontecer após 1594. Construíram os cristãos então uma igreja de pedra e cal, onde passaram a realizar-se as cerimónias da semana santa com toda a sumptuosidade. Contribuiu para isso o meirinho António Góis, natural de Coimbra, capitão de campo, que oferecia à igreja as rendas obtidas. Sob a invocação de Nossa Senhora da Nazaré, a mesma possuía quatro confrarias: do Santíssimo Sacramento, da Virgem, de Jesus e de Santa Ana. De referir em Salcete o padre provincial Pedro Martins, 189 natural de Coimbra que aos 14 anos de idade entrara para a Companhia de Jesus e acompanhara D. Sebastião em Alcácer-Quibir. Em Salcete lançara a primeira pedra para a construção da igreja da Madre de Deus, sendo acompanhado por quatro embaixadores do Japão que regressavam a Portugal e Itália, onde tinha ido prestar homenagem aos papas Gregório XIII e Sixto V. BEATO DIOGO DE CARVALHO – Nasceu em Coimbra em 1578 e morreu martirizado em Xindai (Japão) em 1624. Era filho de Álvaro Fernandes e de Margarida Luís. Ingressou no noviciado da Companhia de Jesus em 1590 e partiu para o Oriente em 1600. Esteve primeiro em Macau, donde seguiu para o Japão em 1609. Para melhor exercer a sua missão evangelizadora aprendeu japonês, que escrevia e falava correntemente. Diogo de Carvalho ao voltar a Macau, em 1614, dirigiu-se de seguida à Cochinchina, acabando por ser martirizado em Xindai (Japão). Foi beatificado por Pio IX. Foram precisamente os missionários portugueses que nos comunicaram as primeiras noções científicas sobre a língua japonesa, sendo também os primeiros a publicar desde o final do séc. XVI, gramáticas e vocabulários deste idioma para auxílio dos novos missionários. MELCHIOR OU BELCHIOR MIGUEL CARNEIRO – Bispo de Macau, nasceu em Coimbra em 1518, pertencente a uma das principais famílias da cidade. Membro da Companhia de Jesus a partir de 1543 foi enviado para Roma onde se tornou confessor de Santo Inácio de Loiola. Por este foi nomeado para futuro sucessor do patriarca da Etiópia, cargo que nunca chegou a exercer, dado o seu estado de saúde muito débil, devido a frequentes ataques de asma. Grande pregador, é de notar as suas prédicas contra os judeus em Cochim e o apoio dado aos cristãos, os cristãos de S. Tomé, também chamados «cristãos da serra», espalhados por várias serras e províncias do Malabar. Aquando da sua consagração no Colégio de S. Paulo, aonde fora o primeiro lente de Casos de Consciência, celebraram-se 409 baptismos. A partir de então tomou o nome de bispo de Niceia. Desde 1568 governou a diocese de Macau com todo o amor de pai e vigilância de pastor. Instituiu a Santa Casa da Misericórdia e os hospitais de S. Lázaro e de S. Rafael. Segundo a tradição andou pedindo esmolas de porta em 190 porta para fundar todos estes estabelecimentos pios. Nessa altura havia em Macau à volta de 6.000 cristãos e três igrejas pertencendo uma aos padres jesuítas. Renunciando ao bispado, já carregado de anos, recolheu-se na casa da Companhia em Macau, dando grande exemplo de pobreza, caridade e paciência, numa prolongada doença respiratória que durou mais de vinte anos. Foi sepultado na capela-mor da igreja de S. Paulo em 1583. Nos finais do séc. XVI e primeira metade do séc. XVII continuamos a encontrar influências de Coimbra no Oriente, nomeadamente em Macau. O regimento do Colégio das Artes passa a ser utilizado pelo Colégio de S. Paulo. Tratava-se da organização das aulas, do regime de férias e dos graus académicos (mestre em Artes e doutoramento em teologia). Nem sequer foram esquecidas as praxes académicas. Desenvolveu-se de tal modo este colégio, que passou a constituir um importante pólo religioso, cultural e artístico, cuja configuração e valor são ainda hoje atestados em muitos documentos e obras de arte. Podemos dizer que foi a primeira Universidade do Extremo Oriente. Contribuíram para o seu sustento as rendas da Santa Casa da Misericórdia, as esmolas que nas missas eram ofertadas e a renda do caldeirão, a renda paga pelas naus no porto de Macau. Saltando no tempo, encontramos no séc. XVIII em Coimbra D. Policarpo de Sousa. POLICARPO DE SOUSA – Nasceu em Coimbra a 26 de Janeiro de 1697 e frequentou o Colégio de Jesus, tendo depois sido mestre de Retórica. Foi enviado para a China na embaixada de Alexandre Metelo de Sousa Meneses para se encontrar e estabelecer relações com o imperador Khanghi. Devido às más condições climatéricas, foi obrigado a permanecer algum tempo no Rio de Janeiro, o que não lhe permitiu contactar com o imperador que entretanto falecera. Sucedeu-lhe Yong-Cheng, que se manifestou hostil ao cristianismo. Não conseguindo os resultados desejados, ficou D. Policarpo em Nanquim até que em 1738 foi apresentado como bispo de Pequim. Durante o seu pontificado foi um exemplo vivo de virtude apostólica, sobretudo do zelo das almas e de uma incomparável caridade para com os infelizes dos quais era um verdadeiro pastor, apesar da viva oposição daqueles que o consideravam como contrário ao decreto de Roma 191 sobre os ritos chineses. Dois anos depois da sua nomeação foi posto, por Bento XIV, termo a essa questão. Grande amigo de Ribeiro Sanches, de quem terá sido companheiro na Universidade de Coimbra, é de notar as cartas publicadas aquando da estadia deste na Rússia, onde fora médico na corte de S. Petersburgo. Embora anti-jesuíta Ribeiro Sanches travou nessa altura comércio epistolar com Policarpo de Sousa, recebendo da China livros e diversos produtos chineses utilizados na medicina. Sanches opunha-se à escravatura, à intolerância, vendo nela o grande flagelo das almas. A Europa das Luzes começava a exercer a sua ironia filosófica sobre as novas provas da intolerância romana. Terá sido Policarpo de Sousa influenciado por Ribeiro Sanches em todo o comportamento sócio-político e religioso por terras de Pequim? Não deixaria de ter interesse verificar em que medida Ribeiro Sanches através de D. Policarpo poderia ter sido um embaixador da cultura ocidental no Oriente e da cultura oriental no Ocidente. Faleceu em 1757. JOSÉ MONTANHA – Natural de Coimbra, filho do licenciado Domingos da Costa Montanha e de Maria da Silva, era irmão do vice-reitor da Universidade doutor Francisco Montanha. Ingressado na Companhia de Jesus em 1721, frequentou o Colégio de Jesus e daí dirigiu-se ao Oriente, aonde chegou em 5 de Novembre de 1742, acompanhado pelo novo sispo de Macau, Frei Hilário de Santa Rosa1. Destinado à missão do Sião, já lá se encontrava em 1745. Notabilizou-se como paleógrafo no Arquivo de S. Paulo e como insigne pregador, sendo notáveis os sermões pregados no púlpito da igreja de S. Paulo. Dos mais significativos aparece-nos em 1743-1756, o sermão do apóstolo S. Pedro. Nele se refere à vida do primeiro papa (S. Pedro), à sua confissão e entrada no mar e à sua morte, diferente da de Cristo. Utiliza escritos de Séneca e de seu discípulo Lucílio; - Sermão de S. Francisco Xavier, em que cita a Epístola de S. Paulo aos Romanos; fala da destruição dos pagodes chineses que impedem o culto cristão e a construção dos templos de Cristo; fala dos baptismos realizados, entre eles o de uma criança moribunda; - Sermão dos mártires de Taicosama (Nagasáqui) de 5 de Fevereiro de 1597; 192 - Sermão do martírio de Santa Úrsula e suas irmãs, utilizando os Salmos; - Sermão de Santo António pregado no mar em frente à ilha de Samatra (Malaca), em que se refere à vida e milagres do grande Taumaturgo. Nas cartas enviadas a João Montanha, encontramos uma de D. Policarpo de Sousa, bispo de Pequim, também natural de Coimbra, já referido, em que relata ter ouvido com muito agrado os sermões de seu irmão José Montanha, em Macau, e lamenta a sua partida para o Sião por «não ser aquela pequena cristandade de digno emprego dos seus talentos». Os primeiros missionários do Sião foram os dominicanos portugueses: Jerónimo da Cruz e Sebastião do Canto que vindos de Malaca ai chegaram em 1588. Os primeiros Jesuítas chegaram em 1609. Outra carta enviada do Sião em 1748 pelo jesuíta Francisco de Almeida ao seu provincial fala da estada de José Montanha no Sião, das suas preocupações causadas pelos maus cristãos que queriam roubar o ouro dos cofres da confraria e pelos chineses que construíam pagodes em frente da igreja quando se realizavam os ofícios sagrados. Há também referências de baptismos de crianças em perigo de vida que se tornavam fervorosos cristãos. Em 24 de Julho de 1752, José Montanha envia do Colégio de S. José uma carta ao padre jesuíta Francisco da Costa, referindo a estada do padre Hallerstein como visitador e não como provincial. Dado que José Montanha era o provincial e o jesuíta alemão Hallerstein pretendia o seu lugar, sendo apenas visitador, a questão entre eles tornou-se violenta. Muitos jesuítas portugueses consideravam em cartas enviadas aos provinciais que os alemães pouco faziam nas missões, devendo-se impedir a sua ida para a China, desde que os portugueses se aplicassem às matemáticas. Se isto acontecesse não era necessário recorrer a estrangeiros. Aproveitamos para fornecer algumas notas sobre Augusto Hallerstein (ou Allerstein). Trata-se de um missionário jesuíta natural da Alemanha, falecido provavelmente em 1777, ou seja, depois da supressão da Companhia de Jesus. Possuía grandes conhecimentos de matemática e de astronomia, o que causou admiração na corte de Pequim para a qual foi convidado pelo imperador Kiang que o promoveu a mandarim e o nomeou director do Departamento de Matemática. Elaborou um censo da China para os anos 193 25 e 26 do reinado daquele imperador. O censo que foi traduzido para chinês teve grande divulgação na Europa a partir de 1779. Segundo o trabalho de Hallerstein a população da China era de 196.837.977 e de 198.214.624 pessoas, para cada um dos referidos anos respectivamente.2 Muitos objectos culturais chegaram a Coimbra enviados por José Montanha: lenços de seda da China, um caixote de furos, uma frasqueira, louças em porcelana chinesa, mandadas à sua irmã como prenda. Num caixão enviou duas colchas bordadas, sendo uma para o secretário da Universidade, ao tempo o doutor Miguel Carlos da Mota e Silva, e outra para o doutor Francisco Marques que testemunhara o casamento de seus pais. A 17 de Janeiro escreve à sua irmã participando-lhe que fora nomeado provincial do Japão. Toda esta epistolografia se torna muito importante, dado que constitui um repositório excelente de informações para a investigação histórica. De notar as cartas que durante as viagens dos missionários eram obrigatoriamente escritas ao padre provincial. Infelizmente muitas delas vieram a perder-se. Deve-se a José Montanha os «Aparatos para a História dos Bispos de Macau» e a cópia dos documentos do Arquivo do Japão, mina inesgotável para a história das missões no Extremo Oriente. Segundo os “Aparatos”, sabemos que a escola dos Jesuítas de Macau contava 200 alunos em 1592. Eram eles filhos dos moradores de Macau e meninos cativos. São notáveis também as suas poesias latinas, que já foram estudadas pelo Prof. Doutor Américo da Costa Ramalho, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Regressando a Portugal em 1753, Montanha percorreu grande parte do País, pregando em muitas catedrais e igrejas humildes. Não se encontra na lista dos jesuítas deportados, mas sabe-se que faleceu em Itália, mais propriamente em Castelgandolfo no dia 10 de Outubro de 1764.3 194 Notas (1) Frei Hilário de Santa Rosa, religioso da Província da Arrábida, fora eleito por D. João V como bispo de Macau. Regressou ao reino em 1749, recolhendo ao Convento de Alcântara. Dai enviou ao rei uma carta (8/10/1750), onde o aconselhava a fazer uma negociação secreta com a França sobre a posse de Macau. (2) O censo de Hallerstein foi publicado na «Déscription Générale de la Chine», p. 283. (3) Sobre o tema desenvolvido neste trabalho, vid. AHU (Arquivo Histórico Ultramarino), Caixa 5, docs. 31-32; AUC (Arquivo da Universidade de Coimbra), «Cópias de cartas dos Jesuítas, séc. XVIII», BGUC (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra), «Sermões de José Montanha», Mss. 3030-3032. 195 ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU Delegação Económica e Comercial de Macau, Lisboa José Bernardo de Almeida (1728-1805), o Último Jesuíta Português na Corte Chinesa Se, no dia 9 de Janeiro do ano de graça de 1805 – isto é, exactamente há duzentos anos –, qualquer um de nós pudesse desembarcar em Macau chegado das distantes terras do Extremo-Ocidente (da Europa, de África, da Índia) iria encontrar o pequeno burgo luso-chinês a viver tempos estranhos e difíceis como quase sempre aconteceu ao longo dos quatro séculos e meio em que o estandarte português ondulou na cidade soprado pelas brisas do rio das Pérolas. Em 1805, Macau teria cerca de 20.000 habitantes.1 Os portugueses nascidos no reino não chegariam a duzentas almas, menos de 1% da população. Eram já os chineses, aproximadamente quinze mil habitantes, quem constituía a maioria da população e quem detinha maior poder económico.2 A vocação da cidade sempre fora o comércio. Quinze a vinte navios sujeitos à inconstância dos mares, à pirataria e ao pagamento de avultadas taxas às alfândegas chinesas, asseguravam a permanente de troca de produtos entre Macau e Cantão, as Filipinas, o Sudeste Asiático. Os negócios do anfião ou ópio, proibidos mas tolerados, assumiam-se como a mais rentável fonte de prata e riqueza. Cerca de meia centena de estrangeiros, ingleses, franceses, dinamarqueses, holandeses, arménios, entravam também com sucesso no comércio marítimo. Apesar de pequena e condicionada por variadas prepotências por parte dos mandarins locais, Macau era cobiçada pelos súbditos do rei de Inglaterra que, sem sucesso, a tentaram ocupar em 1802 e em 1808. Em 1784, D. Frei Alexandre de Gouveia, bispo de Pequim, de passagem por Macau a caminho da sua diocese, reabrira o seminário de S. José, entregue aos padres lazaristas da Congregação da Missão, na esperança de aí se formarem religiosos para o clero local e as missões da China. Vinte anos depois eram escassos os resultados do 197 labor do seminário. De Portugal também quase não chegavam missionários para Macau e para a China. Em Janeiro de 1804, D. Frei Manuel de S. Gualdino, bispo de Macau3 comentava em carta a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Secretário de Estado da Marinha e dos Assuntos Ultramarinos: “O Estado em que encontro esta Cidade he maes p.ra me fazer chorar do q. p.ra importunar a V. Exª.”4 O sucessor de Frei Manuel, o bispo Frei Francisco de Nossa Senhora da Luz Chacim, em carta ao Príncipe Regente, a 16 de Dezembro de 1805, pedia para regressar a Portugal nos seguintes termos: “Houve em fim V. Alteza Real por bem nomear me pra Bispo de Macao. Como humilde vassalo obedeci e vim, mostrando q. dezejo ser obediente. Reconheço porem q. sou absolutamente inapto pra tal Emprego e principalmente nas presentes circunstâncias em q. Macao se acha: a pobreza e o luxo, a pompa externa e a mizeria estão aqui unidas e desejam ver hum Bispo q. tenha todo o aparato. Eu, Senhor, nada tenho das qualidades internas q. formão o character Episcopal e do externo tão bem não q. athe Deos Nosso Senhor me não fez agigantado, o q. tem feito o seo abalo não só aos Chinas mas athe aos moradores de Macao. Rogo pois a V. Alteza Real se digne dispensar me deste labirinto com q. não posso pella minha total inaptidão e conceder me recolher ao canto do meu Convento”.5 Apesar da sua pequenez física, da vontade de ser dispensado do “labirinto” de Macau, o bispo Francisco Chacim, um dos grandes prelados da história de Macau, acabaria por se adaptar aos singulares ritmos da cidade e permaneceria à frente dos destinos da sua diocese até à sua morte, em 1828. Macau assumia-se, há mais de dois séculos, como a porta de entrada dos missionários católicos na China. A capital do império era o destino de muitos desses homens que, para espanto dos chineses, tudo abandonavam – pais e mães, a aldeia natal, os bens que possuíam, a pátria – para dedicarem por completo as suas vidas ao labor evangélico, dar a conhecer o Deus em que acreditavam. Haviam sido os seguidores de S. Inácio de Loyola e de S. Francisco Xavier, os iniciadores e principais intérpretes da gigantesca tarefa de evangelizar um império que no princípio do século XIX era maior do que toda a Europa, habitado por cerca de 250 milhões de almas extremadamente pagãs. Há exactamente dois séculos, nesse ano de 1805, falecia na capital chinesa o padre José Bernardo de Almeida, o último jesuíta português a viver e missionar em Pequim. A capital, a dois mil e setecentos quilómetros de distância de Macau, ficava a cinquenta dias de jornada da cidadezinha luso-chinesa. A viagem era feita por via fluvial 198 subindo-se o rio das Pérolas até Cantão, depois pelo Beijiang, o braço norte do mesmo rio até à passagem de Maoling, entre as províncias de Guangdong e Jiangxi, onde era necessário abandonar os barcos e percorrer aproximadamente setenta quilómetros a cavalo até se retomar a via fluvial no rio Gan. Descia-se até Jiujiang onde se encontrava o Changjiang (ou Yangtsé), o terceiro maior rio do mundo por onde se navegava até Nanquim e Yangzhou. Aqui entrava-se no Da Yunhe, o Grande Canal, e com as barcas definitivamente voltadas para norte navegava-se ao longo de mais mil e trezentos quilómetros pelas províncias de Jiangsu, Shandong e Hebei até Pequim. Em 1759, o padre José Bernardo de Almeida, como matemático aceite pela corte chinesa, empreendeu exactamente esta viagem na jornada sem regresso para a capital do império. Em 1805 Pequim contaria cerca de dois milhões de habitantes. Era o centro político do império da China, uma grande cidade plana desenhada no início da dinastia Ming, entre 1405 e 1420, segundo os quatro eixos, norte, sul, leste e oeste e, no mais importante de todos os pontos cardeais chineses, o centro, ficava o Gu Gong, o Palácio Imperial, a residência do Filho do Céu. O burgo muralhado e com nove portas, dividia-se em dois núcleos, a norte rodeando todo o palácio imperial situava-se a chamada cidade tártara ou manchu, habitada por milhares de funcionários da corte, por familiares dos manchus que governavam a China e pelos poderosos do império. A sul, numa superfície ligeiramente maior, estendia-se a cidade chinesa. Em 1805, o número de católicos chineses na capital rondaria as 30.000 almas mas, tal como em Macau, as dificuldades de missionação eram imensas. Quatro igrejas católicas estavam abertas ao culto. Distribuídas por Pequim também segundo os pontos cardeais, eram a igreja de Beitang, do Norte ou do Santo Salvador, fundada em 1693 pelos jesuítas franceses, a igreja de Dongtang, do Leste ou de S. José, fundada em 1655 pelos jesuítas Gabriel de Magalhães e Luís Buglio, italiano, a igreja do Oeste ou de Nossa Senhora das Dores, fundada em 1723 pelo padre Pedrini, lazarista italiano, e a mais importante de todas, a catedral, a igreja de Nantang, do Sul ou da Imaculada Conceição, fundada em 1650 pelo jesuíta alemão Adam Schall von Bell.6 Foi neste último templo que, durante quarenta e seis anos, viveu o padre jesuíta José Bernardo de Almeida. 199 José Bernardo de Almeida nasceu em S. Pedro do Sul no dia 18 de Setembro de 1728.7 Entrou no colégio jesuíta de S. Jorge de Arroios – hoje hospital de Arroios –, em Fevereiro de 1746. Embarcou para as missões da China entre os anos de 1755 e 1758, ainda não ordenado padre. Terá passado por Goa e viveu durante algum tempo em Macau. Numa destas duas cidades recebeu do bispo local a ordenação sacerdotal. A partir de Macau, empreendeu a viagem atrás descrita pelos rios e pelo grande Canal até chegar a Pequim em 13 de Maio de 1759. Estava na China na qualidade de astrónomo e matemático para servir o imperador no antigo Qin Tian Jian que se pode traduzir por Inspecção Imperial de Astronomia mas que os nossos religiosos costumavam denominar por Tribunal das Matemáticas e Astronomia. Eram astrónomos na corte, missionários católicos junto das pequenas comunidades chinesas no muito tempo livre de que dispunham. Apenas necessitavam de se deslocar ao Guan Xing Tai, o Observatório Imperial, nos dias 1, 5, 10, 15, 20 e 25 de cada mês e, na segunda metade do século XVIII, normalmente já não eram os europeus que elaboravam os cálculos dos eclipses do sol e da lua, os dias e horas dos equinócios e solstícios, as horas certas do nascimento e do pôr-do-sol ao longo de todos os dias dos doze meses do ano. No Qin Tian Jian, ou Tribunal das Matemáticas, trabalhavam cento e noventa funcionários chineses e muitos deles possuíam já razoáveis conhecimentos de astronomia e eram capazes de elaborar todos os cálculos. Competia aos missionários europeus verificar o rigor e exactidão do trabalho dos funcionários chineses. Como muitos dos nossos religiosos, como astrónomos, possuíam menos conhecimentos do que os seus homólogos chineses – seria o caso de José Bernardo de Almeida –, o trabalho no Qin Tian Jian era mais nominal do que real. Talvez por isso, o padre José Bernardo, como gostava de ser chamado, nos seus primeiros anos de Pequim, para além de um estudo sistemático da difícil língua chinesa, se tenha dedicado a acompanhar o trabalho de boticário e cirurgião do irmão jesuíta Manuel de Matos (1725-1764), apenas três anos mais velho do que ele.8 A pouco e pouco, beneficiando também da grande biblioteca humanista e científica que ao longo de muitos anos os jesuítas tinham reunido na igreja de Nantang e no anexo Colégio de S. José, onde residia, José Bernardo de Almeida adquiriu vastos conhecimentos de Medicina que lhe foram muito úteis 200 no relacionamento com os cristãos chineses e com os poderosos da corte chinesa. Numa carta a D. Alexandre Pedrosa Guimarães, bispo de Macau, a 14.7.1777, o padre Bernardo dá conta do seu labor como médico: “Fui chamado pelo Filho 4to do Imperador que já estava às portas da Morte. Duas vezes o vi e tomei o pulso. A primeira, presentes os Grandes da Corte, disse não ter remedio e segunda, diante de vários Principes e Princezas. O 6to Filho, o maior dos que vivem instou muito p.ra que lhe desse mezinha o que não fiz dizendo que breve morreria, como assim foi. Aos 9 deste Mez fui chamado do 6to Filho do Imperador p.ra uma dor de dentes que padecia. Ficou logo bom com a Graça de Deos”.9 Curiosa e importante é a associação do padre José Bernardo de Almeida com o gelao He Shen, personagem singular que foi, entre 1780 e 1799, depois do imperador, o homem mais poderoso do império chinês. O imperador Qianlong governava brilhantemente a China desde 1736. No ano de 1775, o monarca, então com sessenta e cinco anos de idade, descobriu entre os oficiais da sua guarda pessoal o jovem He Shen, de vinte e cinco anos. Uma paixão súbita inflamou o coração ainda pujante do soberano chinês. Qianlong adivinhou em He Shen a reencarnação da primeira mulher que partilhara o seu leito, uma concubina de seu pai chamada Xiang Fei, ou seja, a Concubina Perfumada que, por haver dormido com o imperador-pai e com o futuro imperador-filho, havia sido obrigada pela imperatriz-primeira esposa e mãe a enforcar-se com um laço de seda. Numa rápida ascensão, He Shen foi promovido a general das tropas manchus, a comandante da guarnição de Pequim, a ministro dos Assuntos Civis, a ministro das Finanças. Depois a gelao, um dos quatro Secretários Imperiais que, logo abaixo do imperador, controlavam o trabalho dos seis ministérios e toda a imensa burocracia do império. Favorito de Qianlong, sendo o mais importante dos quatro gelao, He Shen era um verdadeiro primeiro-ministro – cargo que não existia no império – que tudo dominava e decidia. Era também o responsável pelos assuntos dos padres europeus na corte, que o cumulavam de prendas e presentes. Quando em 1785 D. Frei Alexandre de Gouveia chegou a Pequim para trabalhar também como astrónomo no Qin Tian Jian levava um valioso saguate para o imperador Qianlong que, por indicação dos jesuítas José de Espinha e José Bernardo de Almeida, foi entregue a He Shen. Os europeus nunca tinham contacto directo com o 201 imperador, não eram essas as leis do império, e He Shen aproveitou para desviar o presente destinado ao imperador para o seu erário pessoal. Ao longo dos anos, o antigo guarda pessoal de Qianlong juntou uma fortuna colossal. Como costuma acontecer nestas situações, o relacionamento sexual entre o imperador e o amante sempre careceu de comprovação, mas era voz comum na época e tem sido referido por quase todos os historiadores chineses. Convém no entanto não esquecer que o favorito do monarca era casado e tinha filhos, um dos quais veio a desposar, em 1790, a décima filha do imperador. Dado à hipocondria, He Shen vivia no constante receio das doenças o que fez com que, a partir de 1780, José Bernardo de Almeida que tão boas relações mantinha com os poderosos da corte tivesse sido chamado para desempenhar funções de seu médico pessoal. O ex-jesuíta português era apenas um entre os muitos outros médicos chineses que assistiam He Shen nas suas doenças verdadeiras ou presumidas. Mas o desempenho de tal cargo era extremamente útil, garantia a protecção dos nossos missionários por parte do segundo homem mais poderoso da China. O favorito sofria de reumatismo e tinha uma hérnia que os clínicos chineses diagnosticavam como fluidos malignos que faziam com que a carne no interior do corpo do ministro se deslocasse de um lado para o outro. O imperador Qianlong faleceu a 7 de Fevereiro de 1799. Cinco dias depois da morte do pai, o novo imperador Jia Qing mandou prender He Shen. “Benevolente e justo”, considerando que o império estava de luto, concedeu ao gelao, o grande secretário e ministro, o especial privilégio de se suicidar. A morte do imperador Qianlong e de He Shen teve implicações no dia a dia dos nossos missionários. Continuaram as ofertas de valiosos presentes aos novos ministros da corte e ao imperador Jia Qing, mas os padres, sobretudo José Bernardo de Almeida, deixaram de poder contar com um protector que os conhecia bem e com quem, há quase três dezenas de anos, estavam acostumados a lidar.10 Infelizmente faltam-nos cartas pessoais, notas, relatórios de José Bernardo de Almeida, um retrato seu, documentos que nos ajudem a reconstituir e compreender melhor os quotidianos deste homem na sua vivência de mais de quatro décadas em Pequim. Mas podemos entender muito do que o rodeou. Estamos na segunda metade do século XVIII. Longe iam 202 os tempos da chegada dos jesuítas à China quando, a partir de Matteo Ricci, que entrou em Pequim em 1601, uma autêntica geração de gigantes se entregou totalmente à compreensão do mundo chinês, aculturação e evangelização, dando ainda a Roma e à Europa o testemunho do seu labor. Em Julho de 1773, o papa Clemente XIV emitiu o breve Dominus ac Redemptor que extinguiu a Companhia de Jesus. A notícia chegou a Pequim quase dois anos depois e lançou a absoluta consternação entre os quase vinte jesuítas que então viviam na capital chinesa, seis deles portugueses, os padres João Seixas (1710-1785), Félix da Rocha (1713-1781), José de Espinha (1722-1788), Inácio Francisco (1725-1792), José Bernardo de Almeida e André Rodrigues (1729-1792). Os cinco ou seis missionários de outras ordens religiosas, franciscanos, agostinianos e carmelitas de certo modo encararam como positiva a extinção da Companhia. Acabava-se o quase monopólio dos jesuítas nas missões da China. Era altura de outras ordens e congregações entrarem em cena. Tudo isto veio a resultar em desentendimentos e conflitos, por vezes graves, entre os missionários de Pequim. Eles eram homens de várias nacionalidades, com diferentes interesses e níveis culturais, a viverem quase isolados dentro das suas quatro igrejas, distantes das famílias e das pátrias, praticamente proibidos de regressar aos seus países, muitos deles já idosos, sem liberdade efectiva para missionar, com ideias divergentes sobre o melhor modo de evangelizar, catequizar no império chinês. Acrescia a tudo isto a questão fundamental da administração dos bens e rendimentos de cada igreja, e ainda a riqueza, ou pobreza pessoal de cada missionário. Não havia bispo em Pequim desde a morte do jesuíta D. Policarpo de Sousa em 1757. O padre José Bernardo de Almeida era ecónomo e prefeito da igreja de Nantang ou da Imaculada Conceição.11 Administrava muitos dos bens que os jesuítas possuíam. Por causa dos bens pessoais, de invejas, de temperamentos difíceis, o padre José Bernardo entrou em conflito aberto com o seu compatriota, também jesuíta, Félix da Rocha. Este último era cartógrafo e quando da chegada a Pequim da notícia da extinção da Companhia de Jesus encontrava-se nas distantes paragens da província de Sichuan a fim de “mapear as regioens novamente conquistadas”. Regressado à capital viu que os padres José de 203 Espinha e José Bernardo de Almeida, na sua ausência, haviam entrado na sua cela e dela “extrairam tudo o pertencente à ditta Administração, assim de pratas existentes como os Contratos ou Escrituras autenticas de fundos e capitaes e os Livros das Contas. Tudo pra se por nas mãos do Padre Joze Bernardo.” Nesta carta ao bispo de Macau, a 30 de Setembro de 1775, comenta o padre Félix da Rocha em palavras de conteúdo não muito diferente das dos prelados de Macau referindo-se à sua cidade por volta de 1800, com que iniciei esta comunicação: “P.ra lhe dar a conhecer o Estado prezente de Pekim falo das duas estâncias do Mundo, huma a da Honra, outra a do Proveito. A da Honra cheia de ventos e fumos e vazia de tudo o maes excepto de alghumas Cartas estudadas e enfeitadas com palavras de seda e trocadilhos, a do Proveito cheia de Prata que he o compendio de todas as cousas, maxime na China, são a causa de toda esta turbação e tempestade”.12 Numa outra extensa carta de vinte e uma páginas, a 23 de Março de 1776, endereçada ao bispo de Macau D. Alexandre Pedrosa Guimarães, na altura o interlocutor privilegiado dos jesuítas de Pequim, o padre Félix da Rocha, entre muita outras questões relacionadas com a diocese de Pequim, lança graves acusações contra os outros jesuítas portugueses e contra José Bernardo de Almeida. Diz: “Dos defeitos moraes, supostos que públicos e notórios que sem exemplo os podia referir, os deixo pellos muitos agravantes e escândalos e sem indecencia e pejo não se podem descrever, nem ouvir, principalmente do P. Joze Bernardo na facilidade e continuo trato com rapazes e mulheres de pouca edade”.13 Seis meses antes, a 4 de Outubro de 1775, o jesuíta José de Espinha escrevia ao mesmo bispo de Macau: “O P.dre Joze Bernardo he Portuguez capaz, sujeito de virtude e talento”.14 O imperador Qianlong, então com setenta e seis anos, apercebeu-se das profundas divisões e desentendimentos entre os europeus de Pequim e ter-lhes-á dito aproximadamente o seguinte: “Se vós, vindos de tão longe para anunciar a palavra do vosso Deus, não sois capazes de estar de acordo uns com os outros, como podeis pretender que nós possamos estar de acordo convosco?”15 Em Fevereiro de 1775, a igreja de Nantang, onde na residência anexa vivia o padre José Bernardo de Almeida, foi destruída por um incêndio. Para a sua reconstrução foi necessário pedir auxílio ao imperador, ou ao ministro He Shen, que emprestou vinte mil taéis em prata. O padre José 204 Bernardo dirigiu os trabalhos de reconstrução do templo tendo sido o jesuíta alemão Inácio Sichelbart o arquitecto da nova Nantang. Concluídas as obras, José Bernardo apressou-se a enviar para Lisboa os riscos da igreja feitos por pintores chineses. Esses desenhos conservam-se no Arquivo Histórico Ultramarino embora erradamente catalogados como pertencendo à igreja de Dongtang ou de S. José.16 Dez anos mais tarde, em Janeiro de 1785 chegou a Pequim o novo bispo D. Frei Alexandre de Gouveia. Encontrou uma diocese com os missionários ainda divididos e um mundo de problemas por resolver. Hábil, sereno, apesar de ao chegar ter apenas trinta e três anos e nada conhecer sobre a China, o bispo franciscano foi resolvendo muitas das questões que opunham os religiosos europeus e acabou por se inserir harmoniosamente quer no Qin Tian Jian como matemático e astrónomo, quer junto das pequenas comunidades de católicos chineses. Durante vinte anos, o padre José Bernardo de Almeida foi seu conselheiro e amigo. A partir de meados do século XVIII, a Inglaterra transformara-se no império mais poderoso do globo. Os seus navios cruzavam todos os mares. Crescia o comércio com a China, aumentava a cobiça inglesa sobre a pequena cidade luso-chinesa de Macau. Em 1780, Warren Wastings, primeiro governador inglês de Calcutá, na Índia, escrevia num memorando ao rei de Inglaterra palavras que não deixavam quaisquer dúvidas quanto aos desígnios britânicos: “Macao is so little known to the Court of Lisbon and has been so neglected by the Government of Goa, that it is now the fit resort only of Vagabonds and Outcasts. It has lost the valuable immunities formerly granted by the Chinese & Head Mandareen and a neighbouring Village exercises in it almost the Powers of Government. A place so little valued might perhaps be easily procured from the Court of Lisbon, and should it ever fall into the hands of an enterprising People, who knew how to extend all its advantages; we think it would rise to a State of Splendour never yet equalled by any Port in the East”.17 Em 1788, a Inglaterra enviou a sua primeira embaixada à China chefiada pelo coronel Charles Cathcart. Foi sugerido ao embaixador que, em presença das autoridades portuguesas, tomasse as medidas consideradas necessárias para a cedência de Macau, com o consentimento chinês. Cathcart morreu no mar no decorrer da viagem e a embaixada não se concretizou. 205 Quando em 1792 Lorde Macartney partiu para a China como novo embaixador do rei Jorge III, ao imperador Qianlong levava, entre as muitas questões a tratar, a exigência de portos de mar para o comércio e fixação britânica. A dinâmica expansionista da Inglaterra imperial assim o exigia. Como não compreender a hostilidade portuguesa face à presença britânica nos mares da China? No regresso de Pequim, Macartney e a sua comitiva passaram por Macau, onde foram diplomaticamente bem recebidos. Procederam nessa altura a um levantamento minucioso das muralhas e armamento da cidade. Terá sido por simples curiosidade? Macau, o Padroado Português do Oriente, católico, [os ingleses eram protestantes!], a presença portuguesa no Império do Meio estavam ou não em perigo? A corte chinesa nomeou seis missionários europeus para intérpretes e assessores da embaixada, os padres José Bernardo de Almeida – que dirigiu todo o trabalho dos tradutores –, André Rodrigues, jesuíta, Luís Poirot, jesuíta francês, Nicolas Raux, lazarista francês, Panzi, irmão jesuíta italiano e Adeodato de Santo Agostinho, agustiniano italiano. O padre José Bernardo não falava provavelmente inglês, língua na época pouco usada por religiosos do continente europeu. Com os seus companheiros de missão de outras nacionalidades o padre Bernardo costuma falar em latim, a “língua franca” entre os missionários, e que deve ter sida utilizada nos contactos com os ingleses. O nosso jesuíta falava fluentemente chinês e mantinha um óptimo relacionamento com os poderosos da corte, sobretudo com o ministro He Shen – outra peça-chave nesta embaixada –, o que lhe possibilitava influenciar as negociações de natureza política, a bem de Macau, Portugal e das missões católicas na China. Macau estava atenta e preocupada com a embaixada inglesa. Em 22 de Dezembro de 1792, o governador Vasco Luís Carneiro de Sousa e Faro enviara um ofício para Lisboa explicando: “ser o fim da ditta Embaixada quererem os Ingleses a Ilha de Cantão para alli se estabelecerem e quando assim o consigam, o que não duvido por não termos naquella Côrte quem embarace a este projecto, não fará pequeno dano esta vizinhança de Macao se não precavermos para o futuro”.18 O governador de Macau estava convencido de que não havia em Pequim quem fosse capaz de embaraçar o projecto inglês. Estava enganado. De início, entre os missionários europeus, incluindo os 206 portugueses, houve a esperança de que tão luzida e pomposa embaixada conseguisse contribuir para forçar o império chinês a abrir-se um pouco mais ao mundo. Isso seria benéfico para a Religião Católica, a embaixada era pois bem vinda. Porém, rapidamente quase todos se aperceberam da soberba e arrogância britânica em relação à China e da resposta da mesma natureza que iriam obter da corte chinesa. Os jesuítas José Bernardo de Almeida, chefe dos intérpretes europeus, André Rodrigues, director do Tribunal das Matemáticas e Astronomia, e talvez D. Frei Alexandre de Gouveia, o bispo de Pequim, muito fizeram para embaraçar a missão diplomática britânica. Um outro missionário mostrou ser um apoiante incondicional e servil de Lorde Macartney. O jesuíta francês Jean Baptiste Grammont (1736-1812?) chegara à China em 1770 para desempenhar funções como músico na corte. Vivera em Cantão entre 1785 e 1791 e estes seis anos de contacto, sobretudo com ingleses que comerciavam na cidade do rio das Pérolas, e um conhecimento mais rigoroso dos portugueses de Macau situada a trinta léguas de Cantão, levaram-no a simpatizar com os ingleses e a desprezar os portugueses. Não podemos esquecer, no entanto, que Grammont era um ex-jesuíta e que, quando de extinção da Companhia, a Inglaterra havia acolhido e protegido os seguidores de S. Francisco Xavier. Ora em Macau, os jesuítas haviam sido encarcerados e enviados para Portugal onde, durante longos anos, padeceram em condições infra-humanas e morreram nas prisões de S. Julião da Barra e da Junqueira. Pouco antes de chegar a Pequim, Lorde Macartney recebera secretamente, por meio de um enviado chinês, duas cartas do padre Grammont. O jesuíta colocava-se ao dispor do embaixador inglês e aconselhava-o a tomar cuidadosas precauções contra o padre José Bernardo de Almeida, homem de confiança do ministro He Shen, o favorito e amante do imperador. Estas cartas, onde transparece também a ambição e o espírito de intriga do padre francês, constituem valiosos documentos sobre o papel e importância dos missionários portugueses na corte chinesa nos finais do século XVIII. Ouçamos o padre Grammont: “Le Gouvernement vient de nommer um missionaire Portugais, appelé Joseph Bernardo pour servir d’interprete à Votre Excellence et la diriger dans le cérémonial et la coutume du pays. Je suis dans des inquietudes mortelles sur la conduite de ce Portugais. 207 […] Si Votre Excellence vouloit bien declarer au principal mandarin qui l’accompagne, qu’elle souhaitte m’avoir à la suite ou pour interprete, ou pour autre rôle qu’elle jugera à propos; et en même temps le charger d’en avertir tout de suite l’Empereur; alors je suis comme assuré que tout le credit de ce missionaire tombera à plat, que je serais du moins à portée de lui faire tete, et qu’il me serait aisé de faire tomber tout ces propos desavantageux, sugerés dans quelques lettres venues de Canton et de Macao, sejour de l’envie et de la malignité”.19 Tudo iria correr mal ao padre Grammont. Foi excluído do número de intérpretes e acompanhantes da embaixada. José Bernardo de Almeida – que como chefe dos intérpretes seguiu com a comitiva inglesa para Jehol ou Chengde, a residência de Verão do imperador na Manchúria, a quarenta léguas de Pequim –, e André Rodrigues foram promovidos a mandarins de botão azul, de grau três, quase o topo da hierarquia do mandarinato. Já com os diplomatas ingleses chegados a Pequim, o padre Grammont escreveu outra vez a Lorde Macartney, a 30 de Agosto de 1793: “Il est à propos que Votre Excellence connoisse ses bons Amis. Le Portugais Almeyda est venu à Peking sous le titre de Chirurgien. Au defaut de tout autre Portugais, il est entré au tribunal d’Astronomie dont il ignore même les premiers principes. Son talent de chirurgien lui a procuré plusieurs connoissances parmi les Grands.[…] Le dit Almeyda est assez rusé pour écarter Mr. Poirot, et ne se servir que de son interprete chinois. D’ou il arrivera que les paroles de Votre Excellence à son interprete ne parviendront à l’Empereur ou au ministre que par le canal du dit Almeyda et qui sçait avec quelle alteration! Du reste, Monseigneur, je prie Votre Excellence de croire que ce n’est point pour haine ou par rancune que je le parle ainsi de ce missionaire. Tout le monde le sçait ici que nous avons toujours eté liés de l’amitié la plus étroite. Mais les devoirs de l’amitié ont leurs bornes et ne sont point opposés aux devoirs de la justice”. Nesta mesma carta, o padre Grammont aconselha o embaixador inglês a oferecer presentes a quatro filhos do imperador, ao gelao, grande secretário e ministro He Shen e a mais uns tantos grandes mandarins da corte. E conclui: “Il est absolument essentiel que Bernardo Almeyda n’entre pour rien dans la distribuition ou offrande de ces presents, parce que ce seroit pour lui la plus belle occasion de se faire valoir et de répéter ses propos ordinaires. Votre Excellence est libre de choisir et d’appeler les François qu’elle jugera à propos pour cet effet. Je l’avertis seulement que M. Poirot et Raux sont peu propres à la diriger et dans la maniere d’offrir ces presents, et dans la difference qu’il faut mettre selon la qualité des personnes. Ils n’ont pas pour cela asses d’usage du monde et surtout du monde de ce pays-cy”.20 Quem era pois mais influente e tinha “asses d’usage du monde, surtout du monde de ce pays-cy”? O padre José 208 Bernardo de Almeida e os outros missionários portugueses? Quem tem dúvida? Lorde Macartney parece não ter levado muito a sério os avisos do padre Grammont. Entretanto, José Bernardo assumiu-se como a sombra do gelao He Shen na ligação entre a corte e os ingleses. O imperador Qianlong encontrava-se em Chengde nas férias estivais e só aí, ao receber Lorde Macartney, tomou conhecimento das pretensões britânicas. No Palácio de Verão, na Manchúria, os intérpretes foram José Bernardo de Almeida e Louis Poirot. O que a Inglaterra pretendia em terras da China era absolutamente inaceitável, inconcebível aos olhos chineses, constituía um insulto ao Império do Meio, o centro do mundo. Eis o resumo das propostas apresentadas por Lorde Macartney: 1º. Autorização para os ingleses comerciarem nos portos de Zhoushan, Ningbo e Tianjin. 2º. Autorização para possuírem um estabelecimento ou embaixada permanente em Pequim, para tratar dos assuntos ingleses. 3º. Concessão de um espaço de terreno na ilha de Zhoushan ou nas proximidades, para entreposto comercial e residência dos ingleses. 4º. Concessão dos mesmos privilégios em Cantão ou próximo de Cantão. 5º. Abolição dos direitos alfandegários entre Macau e Cantão, ou pelo menos reduzi-los ao nível de 1782. 6º. Proibição da exigência do pagamento de impostos, além dos estipulados pelos decretos imperiais.21 Estes pedidos, entregues a 3 de Outubro de 1793, em Chengde, obtiveram resposta quase imediata. A 7 de Outubro, quatro dias depois, eram dadas ordens para a embaixada abandonar a China e regressar ao seu reino. Todos os pontos da proposta de Lorde Macarteney foram rejeitados. Tendo despedido a embaixada, o imperador Qianlong enviou uma carta ao rei Jorge III de Inglaterra que ficou famosa pela forma humilhante como tratou o soberano inglês. Eis um significativo excerto que terá certamente feito sorrir o padre José Bernardo de Almeida: “Tu, ó Rei, que vives para além dos mares, instigado pelo modesto desejo de partilhar os benefícios da nossa civilização, enviaste uma missão que respeitosamente trouxe o teu memorial. Examinei com atenção esse memo- 209 rial cujos termos, pelo seu fervor, revelaram uma humildade respeitosa da tua parte, muito para respeitar. […] Sobre a tua súplica para envio de um dos teus nacionais para ser acreditado junto da minha Corte Celeste para ficar a cuidar do comércio do teu reino com a China, não é possível atendê-la por ser contrária aos usos da minha dinastia. Se, como afirmas, o teu respeito pela nossa Celeste Dinastia fez nascer em ti o desejo de adquirir a nossa civilização, tu não poderias transplantar as nossas maneiras e costumes para o teu solo estrangeiro. […] Se eu ordenei, ó Rei, que se aceitassem os tributos que enviaste, foi apenas em consideração por aquele espírito que te levou a mandá-los de tão longe. As virtudes majestosas da nossa dinastia penetraram em todas as terras debaixo do Céu e os reis de todas as terras têm ofertado os seus valiosos tributos, despachando-os por terra e pelos mares. Eu não atribuo valor algum a esses estranhos e engenhosos objectos e não encontro uso para as manufacturas do teu reino pois, como o teu embaixador pode constatar, nós possuimos tudo”.22 Era a suprema humilhação para a Inglaterra que teria de esperar mais cinquenta anos para, na chamada Guerra do Ópio (1839-1842), esmagar militarmente o império chinês e conseguir, por fim, o tal território próximo de Cantão já ambicionado em 1793. Não Macau, mas a ilha que recebeu o nome de Vitória, na época a raínha inglesa, e todos conhecemos como Hong Kong. Nove anos depois da mal sucedida embaixada de Lorde Macartney, em 1802, uma esquadra inglesa estacionava diante de Macau e preparava-se para desembarcar e ocupar a cidade. Era bispo de Macau Frei Manuel de S. Gualdino, mas foi o Senado da cidade quem decidiu pedir ajuda aos padres portugueses que habitavam junto da corte chinesa. Porque Macau corria perigo de se perder para a Inglaterra, D. Frei Alexandre de Gouveia e José Bernardo de Almeida elaboraram uma representação, com data de 19 de Agosto de 1802, endereçada ao “Primeiro-Ministro de Estado” onde falam do sucedido em 1793 com a embaixada de Lorde Macartney e, entre outras questões, se referiam: “a hum Reyno denominado Inglaterra cuja gente tem lá no Occidente o distintivo caracter de enganadora e fingida. Esta Nação conserva o ambicioso designio de absorver em si tudo quanto há, para cujo efeito se valle frequentemente do aparente e fingido titulo de Comercio, com o qual encobre os seos ocultos e cavilosos instintos. […] Se os ingleses chegam a conseguir o que pretendem na China, a paz, o socego não será duravel neste Imperio”.23 Num comentário a esta representação, de acordo com um texto dos Ch’ing Chia-Ch’ing-chao Wai-Chiao Shih-liao, 210 ou seja os Documentos Diplomáticos do Reinado do Imperador Jia Qing publicados em Pequim em 1932, o investigador chinês Lo Shu-fu afirma textualmente: “This memorial shows that during Macartney mission the Portuguese priests at the court did secretely undermine English interests by deliberately instilling the fear that England had annexed territory everywhere and would do the same in China”.24 Logo em 1803, John Barrow, elemento destacado da embaixada inglesa, teve conhecimento do teor desta representação e nas suas Travels in China,25 publicadas em 1806, criticou D. Frei Alexandre e o padre José Bernardo de Almeida acusando-os de, ao se dirigirem ao imperador para tratarem de questões de natureza política, haverem desencadeado mais ódios e uma maior vigilância do poder imperial sobre todos os estrangeiros em Macau e na China, o que acabou por provocar ainda maiores dificuldades ao comércio. Este avisado comentário tem sido reproduzido, ao longo de quase dois séculos, por vários historiadores.26 É verdade que a representação dos nossos missionários não foi bem aceite pelas autoridades do império, em Pequim e em Cantão, também porque os nossos religiosos se imiscuíam em assuntos de natureza política que lhes eram vedados. E quer o imperador Qianlong, quer o gelao He Shen, que outrora haviam protegido os portugueses, já haviam falecido. Mas também é verdade que, na sequência da representação, nesse início do século XIX, os poderes manchus e chineses se mostraram pela primeira vez seriamente preocupados com uma possível ameaça estrangeira à soberania do império.27 No início de 1805, o padre José Bernardo de Almeida adoeceu. Tinha 77 anos, estava velho e cansado. Não havia mais jesuítas portugueses em Pequim. Na cidade viviam então o bispo D. Frei Alexandre de Gouveia, franciscano, bispo de Pequim, D. Caetano Pires Pereira, lazarista, bispo de Nanquim, os padres lazaristas José Nunes Ribeiro, Domingos José Ferreira e Veríssimo Monteiro Serra, e ainda o padre João Pinto Gomes, secular. Pouco antes de morrer, o padre José Bernardo esperava pela restauração da Companhia de Jesus e mantinha contactos através da Sibéria com os padres da Companhia na Rússia Branca.28 Faleceu na sua igreja de Nantang, do Sul ou da Imaculada Conceição no dia 12 de Novembro de 1805. Na estela tumular que existiu até 1967 sobre a sua tumba, no cemitério de Zhalan em Pequim, lia-se em chinês: 211 Suo Dezhao (o nome chinês de José Bernardo de Almeida) da Sociedade de Jesus era natural de Portugal no Grande Oceano do Ocidente. Nasceu 1728 anos depois da Encarnação do Senhor do Céu, entrou na Companhia em 1746 a fim de cultivar a virtude. Completada a sua formação religiosa, foram-lhe dadas ordens para no ano 24 do imperador Qianlong (1759) vir para a capital onde diligentemente propagou os ensinamentos sagrados. No ano 46 (1781) obteve a honra de ser nomeado vice-director do Departamento de Astronomia, em 1793 foi-lhe concedido o salário de mandarim do terceiro grau e no ano 58 (1795) foi promovido a director do Departamento de Astronomia, encarregado do Colégio das Matemáticas. Trabalhou no Departamento durante vinte e cinco anos. Este ano, no dia 22 do nono mês do ano 10 do imperador Jia Qing (12 de Novembro de 1805) faleceu com a idade de 78 anos. O imperador garantiu 150 taéis de prata do Tesouro Imperial para cobrir as despesas do funeral. Respeitosamente gravado nesta pedra para ser recordado.29 212 Notas (1) No Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, caixa 6, doc. 47, encontra-se uma Noticia e Reflexoens sobre a Cidade de Macao, escrita em 1773, de autor anónimo, que nos dá para esse ano a população total de 15.620 habitantes, assim distribuídos: 127 portugueses 1.235 mestiços 1.008 naturais 1.100 escravos 12.060 gentios Vinte a cinco anos depois o número de habitantes da cidade não teria crescido significativamente. Para mais dados sobre a população de Macau neste período, ver Ana Maria Amaro, Das cabanas de palha às torres de betão, Lisboa, ISCSP, 1998, pp. 140/141. (2) A mesma Notícia refere, em 1773 existiam “20 Chinas mercadores q. poderão ter maes de 150.000 taeis cada hum” quando “apenas 3 Portuguezes Simão Vicente Roza, António Jozé da Costa e Manuel Pereira da Fonseca possuem maes de 150.000”. (3) Sinal dos tempos, foi originalíssima a nomeação de D. Frei Manuel de S. Gualdino para bispo de Macau. Homem inteligente, bom orador, franciscano, era padre no convento de Mafra quando, em 1802, o príncipe regente D. João o ouviu na homilia da missa. Entusiasmado com o poder das palavras de Frei Manuel, o príncipe foi cumprimentá-lo quando ele descia do púlpito. De imediato, o padre disse a D. João: “Agradeço a mão de Vossa Alteza mas muito gostaria que a mão do meu Príncipe me ajudasse a subir e não a descer.” Alguns dias mais tarde, a corte nomeou-o bispo de Cochim, mas constatou-se depois que a diocese não estava vaga. Fizeram-no então bispo de Tunquim mas constatou-se depois que esse bispado era objecto de negociações entre Portugal e a Santa Sé. Indicaram-no para bispo de Nanquim mas constatou-se depois que era uma diocese quase sem cristãos, de difícil missionação. Enviaram-no então para Macau, como bispo, onde chegou em 1803. Após menos de três anos à frente desta diocese, D. Frei Manuel de S. Gualdino foi mandado para Goa onde viveu durante vinte e cinco anos, como coadjutor e depois arcebispo de Goa e primaz do Oriente. Faleceu em Goa em 1831. Ver Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese, vol. II, pp. 295-296 e AHU, Macau, caixa 22, doc. 23. (4) AHU, Macau, caixa 24, doc. 14. (5) AHU, Macau, caixa 25, doc. 41. Para a consulta de elementos biográficos sobre estes dois bispos ver, Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese, vol. II, Macau, Imprensa Nacional, 1940, vol. II, pp. 293 a 360. Sobre Fr. Manuel de S. Gualdino, ver ainda Archivo Pittoresco, Lisboa, Typografia de Castro e Irmão, 1867, vol. X, pp. 110 e sgs. (6) Para mais detalhes sobre a história destas igrejas, ver António Graça de Abreu, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, Lisboa, Universidade Católica, 2004, pp. 117 a 121. (7) Arquivo Histórico Ultramarino, Padroado, Notícias das Missões da China, 1781, maço I. Mas Joseph Dehergne no seu Répertoire des Jesuites de Chine de 1552 à 1800, Roma, Institutum Historicum S.I., 1973, pag. 9, indica como localidade de nascimento a vila de Penela, Coimbra. (8) AHU, Macau, caixa 10, doc. 1, carta do jesuíta Félix da Rocha ao bispo de Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, em Pequim a 23 de Março de 1776. (9) AHU, Macau, caixa 11, doc. 12. (10) Sobre He Shen ver António Graça de Abreu, D. Frei Alexandre…, pp. 90 a 94 e 174 a 177. 213 (11) Em Outubro de 1775, José Bernardo de Almeida enviou ao bispo de Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, uma relação que assinou com o padre jesuíta José de Espinha, sobre os bens da igreja de Nantang. Está no AHU, Macau, caixa 10, doc. 19. Ver António Graça de Abreu, “Os Bens dos Últimos Jesuítas Portugueses em Pequim”, Actas do Congresso A Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente, Lisboa, Fundação Oriente, 1998. (12) AHU, Macau, caixa 10, doc. 7. (13) AHU, Macau, caixa 10, doc. 7. (14) AHU, Macau, caixa 9, doc. 6 (15) Citado por A. Thomas, Histoire de la Mission de Pekin, Vol. I, Paris, Louis-Michaud Ed., 1923, pag. 449. (16) AHU, Cartografia, Macau, gaveta 758. (17) Cit. por Austin Coates, Macao and the British, Hong Kong, Oxford University Press, 1988, pag. 78. (18) AHU, Macau, caixa 19, doc. 36. (19) E.H. Pritchard, “Letters from Missionaries at Peking” em T’oung Pao, Leiden, II série, nº. 31, 1934, pag. 10. A carta tem a data de 7 de Maio de 1793. (20) E. H. Pritchard, ob. cit., pp. 20-21 (21) Crammer-Byng, “Lord Macartney Embassy to Peking”, em Journal of Oriental Studies, vol. IV, Hong Kong, University of Hong Kong Press, 1957, pag. 173. (22) A carta era de tal modo ofensiva para o monarca inglês que as primeiras traduções do documento, feitas pelos sinólogos que acompanharam Lorde Macartney, atenuaram o tom e distorceram o conteúdo do texto, evitando-se assim magoar o rei Jorge III. Existem, por isso, várias versões desta carta. Utilizo aqui a tradução apresentada por Albertino dos Santos Matias, em China, de Confúcio a Mao Tsé-Tung, Mem Martins, Pub. Europa América, 1967, pag. 269, que segue o texto padrão apresentado por Arnold Toynbee, em A Study of History. (23) AHU, manuscritos, maços José de Torres, nº. 540, livro V. (24) Lo Shu-fu, A Documentary Chronicle of Sino-Western Relations, Tucson, University of Arizona, 1966, vol. I, pag. 344, e o comentário no vol. II, pag. 539. (25) John Barrow, Travels in China, Londres, Cadell & Davis, 1804, pp. 19-20. (26) Ver, por exemplo, Montalto de Jesus, Macau Histórico, Macau, Livros do Oriente, 1990, pag. 156, e Austin Coates, ob. cit. pag. 94. (27) Para uma visão de conjunto da embaixada inglesa e da subsequente acção dos nossos missionários, ver António Graça de Abreu, O Insucesso de Macartney e os Padres Portugueses, revista Macau, nº. 67, Novembro de 1997, pp. 124-131. (28) Pfister, L., Notices biografiques e bibliografiques sur les Jésuites de l´ancienne Mission de Chine, II volume, Shanghai, Imprimerie de la Mission Catholique, 1932, pag. 887. (29) Malatesta, Edward e Gao Zhiyu, Zhalan, the Oldest Christian Cemetery in Beijing, Macau, ICM, 1995. 214 Bibliografia Documentação manuscrita Arquivo Histórico Ultramarino, Macau, caixas 6,10, 11, 22, 24, 25. Arquivo Histórico Ultramarino, Padroado, Notícias das Missões da China, 1781, maço I. Arquivo Histórico Ultramarino, Cartografia, Macau, gaveta 758. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chapas Sínicas, caixa 02/R. 06, nº. 704 e nº. 731. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo das Congregações, nº. 502, pp. 12-54. Obras impressas - A. Thomas, Histoire de la Mission de Pekin, Vol. I, Paris, Louis-Michaud, Ed., 1923, pag. 449. - Abreu, António Graça de, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, Lisboa, Universidade Católica, 2004 “Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim”, in História, nº. 152, Lisboa, 1993. “Portugueses em Pequim”, in Portugália Magazine, nº. 17, 1993. “Macao, Miguel de Arriaga and the Chinese: a Note on the failed British occupation of Macao in 1808”, in Dabringhaus, Sabine e Ptak, Roderich, (eds.) China and her Neighbours, Wiesbaden, Harrowssovitz, 1997, pp. 183-199. “O insucesso de Macartney e os Padres Portugueses “in Macau, II série, nº. 67, Macau, 1997. “Os Bens dos Últimos Jesuítas Portugueses em Pequim”, Actas do Congresso A Companhia de Jesus e a Missionação no Oriente, Lisboa, Fundação Oriente, 1998. - Amaro, Ana Maria, Das cabanas de palha às torres de betão, Lisboa, ISCSP, 1998 - Archivo Pittoresco, Lisboa, Typografia de Castro e Irmão, 1867, vol. X - Barrow, John, Travels in China, Londres, Cadell & Davis, 1804. - Coates, Austin, Macao and the British, Hong Kong, Oxford University Press, 1988. - Crammer-Byng, “Lord Macartney Embassy to Peking”, em Journal of Oriental Studies, vol. IV, Hong Kong, University of Hong Kong Press, 1957. - E.H. Pritchard, “Letters from Missionaries at Peking” em T’oung Pao, Leiden, II série, nº. 31, 1934. - Lo Shu-fu, A Documentary Chronicle of Sino-Western Relations, Tucson, University of Arizona, 1966; Arquivo Histórico Ultramarino, Maços José de Torres, nº. 540. - Malatesta, Edward e Gao Zhiyu, Zhalan, the Oldest Christian Cemetery in Beijing, Macau, ICM, 1995. - Matias, Albertino dos Santos, China, de Confúcio a Mao Tsé-Tung, - Montalto de Jesus, Macau Histórico, Macau, Livros do Oriente, 1990 - Teixeira, Manuel, Macau e a sua Diocese, Vol. II, Macau, Imprensa Nacional, 1940. 215 GARY M.C. NGAI Fundação Sino-Latina de Macau O papel de Macau como ‘ponte’ no desenvolvimento dos laços sino-latinos 1. A identidade de Macau como parte do Mundo Latino Na História chinesa, Macau, um enclave de pescadores, minúsculo, de apenas 2.5 km2 1 na Costa Ocidental do Rio das Pérolas, só foi conhecida para o Mundo depois que os Portugueses aqui se estabeleceram no século XVI. O Império do Meio fechou ainda mais as suas portas às relações externas. Os Portugueses tiraram proveito do seu estabelecimento em Macau durante as suas descobertas e expansão para o Oriente, tornaram isto num importante centro de comércio da Rota da Seda Marítima, nos séculos XVI e XVII, unindo Macau à Coreia e Japão, no Norte, ao México e continente americano através de Manila, no Oriente, ao Sião, Camboja, Malaca, Macassar, Flores, Solor e Timor, no Sul, e, através de Goa, com a África e Europa, e da Europa para a costa oriental da América Central e do Sul, inclusive o Brasil. Foi através de todas estas ligações, que um comércio marítimo global começou a ganhar forma, o primeiro passo da globalização. Os navegantes chineses e comerciantes daquele período testemunharam como o Português e, posteriormente, o Espanhol, se tornou a língua franca (idioma comum) utilizada nas trocas comerciais com o exterior. A seda chinesa, o chá e a porcelana tornaram-se muito procuradas e mercadorias lucrativas no comércio mundial, com um volume de comércio muito maior do que durante a Rota da Seda Terrestre medieval. Quando a Dinastia Ming foi substituída pela Qing no século XVII, o estabelecimento de estrangeiros foi restringido a Cantão. Macau tornou-se, assim, o local de residência dos comerciantes europeus, antes de irem ou virem de Cantão. Os navios estrangeiros tinham de ser examinados pelas autoridades alfandegárias chinesas, em Macau, antes de se lhes permitir navegar para Cantão. Por isso, nos finais 217 do século XVIII e começos do século XIX, muito antes do estabelecimento de Hong Kong, Macau tinha uma comunidade europeia significativa, com os seus consulados bem estabelecidos neste pequeno território, como foi descrito pelo escritor britânico Austin Coates: “Macau tornou-se o posto avançado de toda a Europa, na China”2. Resumindo, os primeiros três séculos da existência de Macau como um importante entreposto de comércio, podemos considerar que as relações China-Europa através de Macau eram baseadas no respeito e benefícios mútuos, diferente do período depois da Guerra de Ópio, em 1840, quando foram abertas, pela força, as “portas” do Império do Meio aos poderes ocidentais. O aumento do comércio desde o século XVI provocou uma difusão e uma intensiva troca cultural entre o Oriente e o Ocidente. Logo após a fundação de Macau, a Igreja estabeleceu-se aqui e Macau tornou-se o centro da primeira Diocese da Igreja Católica na Ásia Oriental, em 1575. Em 1594, o Colégio de S. Paulo, a primeira universidade de estilo ocidental no distante Extremo-Oriente, foi estabelecida em Macau, para treinar os Jesuítas na língua, cultura e costumes chineses, antes de começarem o seu trabalho de missionários no interior da China. Os Jesuítas que vieram de diferentes nações europeias, especialmente da Europa Latina, como Matteo Ricci, Nicolaus Trigault, Tomás Pereira e outros, tornaram-se a primeira geração de excelentes sinólogos. Os Jesuítas, juntamente com os seus homólogos chineses, como Xu Guangqi, Li Zichao, Mei Wenting e outros, treinados em idiomas latinos, originaram uma troca de culturas, traduzindo e introduzindo a matemática ocidental, astronomia, física, arquitectura, medicina, armamento, arte de imprimir, música, belas-artes, entre outras coisas, no Oriente, e dando a conhecer a filosofia chinesa, literatura, medicina, chá, porcelana, laca, arquitectura e pintura, no Ocidente. Este significativo intercâmbio cultural foi um dos maiores contributos de Macau para a História Mundial. Isto tornou-se possível devido ao respeito e tolerância mútuos. As ruínas e a fachada da Catedral de S. Paulo, com os seus elementos ocidentais e orientais, são um símbolo da identidade cultural de Macau. A identidade multicultural envolve a coexistência, interacção e mistura do Oriente e Ocidente, tais como os costumes, a arquitectura, a literatura, a pintura, a música e a gastronomia. A mistura cultural resultou na criação de uma comunida218 de híbrida, o Eurasiático Macaense3, bastante diferente dos Chineses e dos Portugueses. Tal como uma comunidade híbrida nunca fez nascer um processo paralelo de interacção cultural com a vizinha Hong Kong. Esta comunidade Macaense, com características culturais bilingues ou multilingues, teve um papel importante na história de Macau. Os Macaense são os que têm feito a “ponte” cultural entre Portugueses e Chineses. De facto, o estabelecimento de Hong Kong, nos primeiros tempos, teve que confiar na ajuda e perícia dos Macaenses. Os Macaenses, os chamados “filhos da terra” (os nativos do lugar), têm o mais profundo sentimento de pertença, entre a população local. Embora uma forte diáspora se tivesse dado entre 1949 e 1966, eles ainda se sentem ligados ao seu lugar de origem, como amplamente expresso durante os recentes 4 “Encontros”, reunindo aqueles que já deixaram Macau, tendo-se instalado no Brasil, Portugal, Canadá, EUA e Austrália. Para os Chineses, Macau foi um trampolim para o exterior e, assim, tornou-se uma cidade de emigrantes. Os primeiros colonos foram os navegadores e pescadores de Fujian, que trouxeram com eles a sua cultura e Á-Ma, a deusa dos navegadores, que os protegia no caminho para Nan Yang (Ásia do Sudeste), onde eles se estabeleceram e trouxeram com eles a Cultura Nan Yang – a cultura chinesa ultramarina, que absorveu alguns elementos nativos e ocidentais. A maioria dos residentes chineses mais velhos, de Macau, têm os parentes no estrangeiro. A diáspora tornou-se mais forte durante o nefasto comércio dos “cules”, no século XIX, a página mais negra na história de Macau, no qual os camponeses pobres das regiões mais próximas, eram vendidos como animais para as terras virgens, tais como Cuba, Peru e outros lugares, no continente americano. Muitos registos históricos mostram que muitos Chineses, durante aquele período, imigraram via Macau e Europa, para o Brasil. Macau tornou-se um abrigo para os refugiados durante o Segunda Guerra Mundial, quando áreas vizinhas, inclusive Hong Kong, foram ocupadas pelos Japoneses. Depois da Guerra, Macau tornou-se um lugar de paragem temporária para os Chineses Ultramarinos repatriados, apavorados pelos tumultos sociais no Sul da Ásia Oriental e em África4. Este afluxo de emigrantes deu à comunidade chinesa local um forte carácter de mobilidade, uma mentalidade diferente centrada quer num “olhar para o interior” (ligada ao seu lugar de origem, na China), quer num “olhar para o 219 exterior” (ligada ao seu estabelecimento ultramarino). A mistura cultural através de Macau, nos primeiros tempos, teve um grande impacto social no Oriente e no Ocidente. Por um lado, contribuiu para uma maior compreensão da Europa acerca do Oriente. Por outro lado, muitos pensadores influentes chineses, reformadores e revolucionários, nos séculos XIX e XX, tiveram acesso à aprendizagem ocidental, ou mesmo em Macau ou na China através de Macau, nos primeiros anos da sua vida, provocando grandes mudanças sociais e políticas na China moderna. Durante a Primeira e Segunda Guerra Mundiais, Macau permaneceu neutral. Depois da Revolução de 1949, na China, até mesmo em períodos em que a China estava bloqueada, Macau permaneceu uma “janela aberta” para o Ocidente, com um fluxo livre de imigrantes, capital e comércio. Isto é bastante positivo para Macau, no aspecto em que muitas das velhas tradições de chinesas e costumes, e alguma da velha herança cultural chinesa que foi destruída no interior da China, devido à guerras civis e motins sociais contínuos, ainda permanece intacta e bem preservada em Macau. Os velhos templos e santuários do Taoísmo, Budismo e Confucionismo, assim como as igrejas católicas e protestantes, monumentos, cemitérios, etc., permanecem intactos, proporcionando uma base sólida para Macau entrar na herança mundial da Unesco. A comunidade chinesa em Macau, distinta da de Hong Kong, tem uma longa história de contactos com o Ocidente, com a qual a cultura chinesa teve que coexistir, interagir, colidir e misturar-se. Este processo de coexistência e interacção parece ter produzido resultados diferentes, comparando com Hong Kong e outras cidades na China. Neste pequeno território, não havia condições para os Europeus assimilarem a milenar civilização chinesa, nem para os Chineses rejeitarem a cultura ocidental, com a sua superioridade na ciência e tecnologia. Os dois lados viveram em harmonia a maior parte do tempo, aprendendo uns com os outros e evitando muitos confrontos violentos e conflitos. O alto grau de tolerância dentro das culturas chinesa e latina contribuiu muito para este equilíbrio. Como resultado, a liberdade religiosa em Macau foi bem preservada. Catolicismo, Protestantismo, Budismo, Taoísmo, Islão e a religião Bahai têm vivido lado a lado durante séculos, com os seus próprios rituais e convicções, sem conflitos nem derramamento de sangue. Isto faz Macau notavelmente diferente do interior da China, Japão, 220 Filipinas, Indonésia, Irlanda, Médio Oriente, Balcãs e muitos mais territórios onde os conflitos religiosos não puderam ser evitados. Tornou-se um fenómeno único em Macau, quando o Bispo ou padres e os monges budistas aparecem juntos, nas principais cerimónias da nossa comunidade local, dando a sua bênção nos principais eventos, segundo a tradição de cada um deles. Tal tolerância religiosa é certamente escassa no mundo moderno. A adaptação do sistema político e legal ocidental à comunidade chinesa local, no século XX, especialmente depois da revolução portuguesa, em 19745, é outra experiência importante, especialmente para os imigrantes do interior da China, que são mais de metade da comunidade chinesa local. É bastante óbvio que muitos valores ocidentais foram aceites pelos Chineses, especialmente por aqueles com uma melhor educação. A percentagem crescente de eleitores chineses, durante as eleições locais, e o crescente interesse dos chineses locais, especialmente a geração mais jovem, no sentido de defender as liberdades existentes e a lei, é um exemplo notável, no sentido positivo. Através da breve exposição anterior da coexistência entre as comunidades e culturas orientais e ocidentais, em Macau, ao longo da história, podemos ver facilmente que o eixo disto é Chinês e Português, ou Sino-latino, cercado por outras comunidades e raças do Oriente e do Sudeste Asiático, como também pequenos agrupamentos de pessoas originárias de outros países na Europa, África e América. Macau tem, realmente, uma sociedade multirracial e multicultural, um “melting-pot” do Oriente e do Ocidente. Esta interacção e mistura é baseada na tolerância e respeito mútuos, implicando mais harmonia que conflito, mais equilíbrio que confrontos, mais reconciliação que alienação, e mantendo uma estabilidade na pluralidade. Isto pode ser chamado o “modelo de Macau”6, diferente do modelo de Hong Kong que é anglo-saxão, com mais conflitos e confrontos. Os líderes chineses a partir dos imperadores Ming até Mao Zedong, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e Jiang Zemin, todos souberam, e sabem, como preservar esta identidade para benefício da China, e Deng era bastante inteligente para chamar a isto a fórmula “um país dois sistemas”, uma “ferramenta” ou uma “ponte” a unir a China com o resto do mundo. O sucesso da implementação próspera e eficiente actuação do segundo sistema são uma condição importante na preservação da identidade de Macau e habilita Macau para continuar a fazer o papel de uma “ponte”, depois que 221 se tornou uma Região Administrativa Especial da República Popular da China, desde 20 de Dezembro de 1999. 2. Macau - uma “ponte” ideal para ligações mais fortes da China com o Mundo Latino Uma das prioridades, depois da transferência de soberania, é conduzir em profundidade uma pesquisa interdisciplinar sistemática, com ênfase em ciências humanas, para alcançar uma definição científica e claro entendimento da identidade de Macau e do modelo de Macau, para adquirir um conhecimento mais profundo acerca da interacção entre Chineses e culturas latinas. O intercâmbio entre académicos do Oriente e do Ocidente neste aspecto, através de simpósios e seminários, deveria ser promovido. Os resultados destes estudos poderiam ser de uma contribuição positiva para o mundo, em termos de promover a harmonia, o respeito mútuo, a tolerância mútua, assim como a aprendizagem mútua em pé de igualdade, especialmente nesta altura, em que o mundo ainda é sacudido por guerras, violência e ódio, depois dos acontecimentos do 11 de Setembro. A língua portuguesa deveria ser mantida e aperfeiçoada, como uma língua oficial, tal como está estipulado na Declaração Conjunta e na Lei Básica de Macau, e como um meio para comunicar com as comunidades de língua portuguesa e latinas do mundo. É indispensável manter a cultura política e juridica de Macau, da mesma maneira que o inglês é necessário em Hong Kong para manter a lei, que é a base da fórmula “um país dois sistemas”. Embora, depois da transferência de soberania, o Português fosse substituído automaticamente da sua anterior posição de principal língua oficial para uma posição secundária, não há maneira de reduzir e abolir o seu uso, pois muitos documentos legais ainda são escritos em Português, embora alguns deles sejam traduzidos para Chinês. Ainda há uma grande necessidade de manter a natureza bilingue, no presente sistema administrativo e judicial. Também há uma grande necessidade de encorajar as pessoas a aprenderem e melhorarem o seu conhecimento do Português7, utilizando e melhorando as instituições locais existentes, como também transformando Macau num centro de treino regional de línguas, ensinar o Português a estudantes da China e do resto da região da Ásia-Pacífico8. 222 Diferente de Hong Kong e outras cidades chinesas, Macau, com a sua forte identidade latina e a sua longa tradição de ligações com o Mundo Latino, pode ter um papel específico, como “ponte” entre a comunidade que fala Português e a comunidade latina, do Mundo. Do lado da China, há uma vontade de fortalecer e alargar o papel de Macau como uma segunda “ponte”, próxima de Hong Kong, para países e regiões que pertencem à comunidade de língua latina, já que Macau tem um idioma comum, lei e cultura, que poderiam facilitar a comunicação com esta categoria de países e regiões em 3 continentes – a Europa, a América e África, o que engloba 1/6 da população mundial. De facto, Macau é o único lugar na China, próximo de Timor-Leste, na região Ásia-Pacífico, que tem um idioma latino (Português) como idioma oficial. A ex-Indochina Francesa e as Filipinas (ex-espanholas) são muito mais fracas no aspecto cultural, quando comparadas com Macau. Está completamente de acordo com a estratégia multipolar internacional da China aumentar os seus laços com a Europa e o resto do mundo que fala línguas latinas9, para alcançar um equilíbrio com os Estados Unidos da America e o mundo Anglo-Saxão. Laços mais fortes entre a União Europeia, China e Mercosul, poderiam mudar o equilíbrio de forças mundial, em favor de um comércio mais equilibrado e mais forte, como meio de salvaguardar a paz mundial. Isto é, onde Macau pudesse desempenhar um modesto, mas sempre crescente, papel de intermediário. Macau teria vantagens se usasse os acordos e instituições existentes, para ampliar as suas relações externas. Por exemplo, o Acordo de Comércio e Cooperação da União Europeia com Macau, assinado em 1992 e continuando para além de 1999, é um acordo multifacetado cobrindo o investimento, comércio, informação, ciência e tecnologia, finanças, telecomunicações, estatísticas, seminários e educação, etc., um instrumento importante no desenvolvimento das relações da União Europeia-Macau e desenvolvendo o papel de intermediário de Macau com a Europa, especialmente a Europa do Sul e a China. A Conferência Eureka sobre Alta Tecnologia, promovida em Macau, entre a China e a Europa, presidida por ministros dos dois lados, antes da transferência de soberania, está a ter continuidade depois do “handover”. Os pequenos e e médios empresários da Europa, com forte participação de Portugal, Espanha e Itália, têm usado Macau como um lugar ideal para encontros com os seus homólogos do continente chinês, para tro223 carem experiências e promoverem os negócios. As ligações comerciais de Macau existentes, com mais de 100 países e regiões, e a participação de Macau em 120 organizações e acordos internacionais e regionais (incluindo o WTO), são também importantes como uma base para um maior desenvolvimento das ligações externas de Macau. Sob uma forte recomendação e participação de Beijing, o primeiro passo importante foi dado depois da transferência de soberania, quando Macau foi anfitrião da primeira reunião oficial de negócios entre a RPC e os sete países lusófonos, em Outubro de 2003, a ser seguida por conferências mais regulares deste tipo no futuro, usando Macau como uma plataforma de serviços, promovendo o comércio e o investimento entre estes dois grandes mercados do mundo, com enormes potencialidades ainda inexploradas. O Brasil é o maior parceiro comercial da China na América Latina, e a China é a segunda parceira comercial do Brasil, próxima dos EUA. Em 1999, o Brasil e a China lançaram em conjunto um satélite de terra, dando um exemplo positivo de cooperação de alta tecnologia, entre países em desenvolvimento. Os dois países estão a explorar a possibilidade de estabelecerem um acordo de livre trânsito comercial, que poderia ser estendido a todos os países do Mercosul, no futuro. O estatuto de porto franco de Macau poderia ser usado como um facilitador. As relações da China com a América Latina, hoje em dia, são ainda pouco desenvolvidas, devido à distância, à barreira do idioma e à falta de compreensão mútua. Mas com o rápido progresso da informação tecnológica, a distância já não é um obstáculo. A distância podia ser encurtada, a separação podia ser diminuída, ou por contactos directos proporcionados pelo moderno IT, ou indirectamente, através das ligações tradicionais com a Europa, especialmente Portugal e Espanha. Também se podia tirar proveito da ligação Sul-Sul, para aumentar os contactos com a América do Sul, usando a Austrália como um trampolim. Aqui, é onde Macau podia ser um “mediador”, fornecendo boa qualidade de serviços em educação, traduções e consultores em orientação geral, leis e negócios. Timor-Leste é o território vizinho, mais próximo da China, que fala Português na região, o que dá a Macau a vantagem de “canal” na ajuda prestada pela China, para a reconstrução do país livre da guerra, em cooperação íntima com Portugal, Brasil e Austrália. Actividades mais regionais e 224 internacionais em pesquisa, ensino e conferências podiam ser realizadas usando Macau como um centro. Macau possui capacidade para fazer isso, já que a florescente indústria do jogo, que é a principal fonte das suas receitas, pode ajudar a financiar os custos10. A Universidade de Macau e outras instituições de serviços, públicas e privadas, inclusive o IPOR (Instituto Português do Oriente), IIM (Instituto Internacional de Macau), IEEM (Instituto de Estudos Europeus Macau), MSLF (Fundação Sino-Latina de Macau), etc., estão a continuar os seus esforços na pesquisa, educação e conduzindo actividades específicas próprias, para promover o papel de “ponte” de Macau. Esta conferência, em Macau, patrocinada pela Fundação Cassamarca, é o resultado dos nossos esforços contínuos. Mas como dizem os Chineses: “este é apenas o primeiro passo na nossa longa marcha de 10.000 milhas”. A vasta rede humana ultramarina, resultante da diáspora de Chineses e Macaenses de Macau, durante os dois últimos séculos, poderia ser utilizada para construir a “ponte”. Mais de 100,000 residentes de Macau, inclusive Chineses e Macaenses, são detentores de passaporte português, com direito de domicílio na União Europeia e com fácil acesso aos outros países do Mundo Latino. Isto é uma grande possibilidade ainda inexplorada. 3. Conclusão Em resumo, a preservação e desenvolvimento da identidade cultural de Macau, especialmente a sua latinidade, não só são cruciais para a implementação da fórmula “um país dois sistemas”, mas também é importante manter e fortalecer os seus laços com o vasto Mundo Latino, fazendo o papel de intermediário para trazer as duas grandes civilizações do mundo – Chinesa e Latina – para mais perto uma da outra. Um lugar minúsculo como Macau pode ter um grande papel, se isto for colocado nas mãos de pessoas com visão e determinação. Para isso, precisamos de apoio não só da comunidade local, mas também das pessoas e líderes da China, Europa e o resto do Mundo Latino, com o objectivo de melhorar e promover este papel. Macau sobreviveu durante mais de 4 séculos, enfrentando muitas tem225 pestades e furacões, com a flexibilidade de um bambu que não quebraria facilmente. Com esta flexibilidade e tolerância, nós esperamos sobreviver e desenvolver, transformar os nossos sonhos em realidade, transformar o pedaço de diamante em bruto numa resplandecente jóia do Oriente, embora possa ser um emprendimento para várias gerações. Quando há uma vontade, há um caminho. Notas (1) Macau começou com uma península minúscula de apenas 2,5 km2 no século XVI, aumentado com as duas ilhas Taipa e Coloane no século XIX, alcançando hoje em dia os 25 km2, depois dos aterros feitos no século XX. Hong Kong é 50 vezes maior que Macau. (2) Geoffrey C. Gunn: Ao Encontro de Macau, p. 28. (3) Quando os Portugueses se instalaram em Macau, eles não trouxeram as suas mulheres, só escravas da África, Índia e Malaca, que eles encontraram ao longo da rota para o Oriente. A primeira geração de Macaenses era descendente destes casamentos, seguidos de outros com Japonesas e, só mais tarde, com Chinesas. Tradicionalmente, a maioria dos Macaenses tinha um nome português, logo que fosse baptizado na Igreja Católica, recebesse uma educação portuguesa do lado do pai, mas falando o Chinês como sua língua materna e adoptando muitos costumes chineses. O seu idioma chamado Pátua, adoptou muitas palavras malaias, indianas, africanas e do Cantonense, e tem uma gramática diferente quando comparada com o Português, no qual se baseia. Durante as últimas décadas, um número crescente de homens chineses locais casou-se com mulheres portuguesas. (4) Há cerca de 40.000 chineses ultramarinos em Macau, sendo um décimo da população local. Eles são originários da Indochina, Birmânia, Indonésia, Moçambique, Madagáscar, Peru e outras regiões, onde revoluções e motins anti-chineses os forçaram a deixar esses países. Ainda mantêm ligações com esses países e muitos ainda têm passaportes do seu país de origem. A 2.ª ou 3ª geração emigrou novamente para os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália ou Europa. (5) A revolução portuguesa, em 1974, começou o processo de descolonização pelo qual Macau cessou de ser uma província ultramarina de Portugal, e passou a ser um “território chinês sob administração portuguesa” 226 A mini-constituição, a Lei Orgânica de Macau, foi adoptada para dar aos residentes locais, primeiro os Macaenses e, mais tarde, os Chineses, o direito de voto para eleger a maioria de delegados à Assembleia Legislativa local. Também estabeleceu normas para os direitos humanos, como foi registado na nova Constituição Portuguesa para Macau. Durante a elaboração da Lei Básica de Macau, nos princípios de 1990, as Convenções em Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e as Convenções em Direitos Civis e Políticos, das Nações Unidas, e as medidas laborais mais importantes estabelecidas nas convenções ILO (Organização Internacional de Trabalho), foram adoptadas no artigo 40 da Lei Básica de Macau. (6) O “Modelo de Macau” foi elaborado pelo Professor K.C. Fok na sua tese, apresentada na Universidade de Hawai, em 1978, intitulada “A Fórmula de Macau”, traduzida e publicada em Português pela Gradiva, em Lisboa, nos anos noventa. Na terminologia chinesa, podemos chamar a Macau a primeira “Zona Económica e Cultural Especial da China”, aberta ao Ocidente desde o século XVI. (7) Devido à falta da promoção do ensino do Português aos Chineses locais pelo anterior Governo, menos de 3% entre a população local sabe falar o Português e estão concentrados nos Serviços Públicos. Não importa quão pequena é a percentagem, mas é mesmo assim uma grande vantagem para Macau e para a China. (8) A Universidade de Macau está a arranjar instalações para treinar as pessoas da China, Japão, Coreia, Taiwan, Malásia, Indonésia, Índia etc., para melhorarem os seus conhecimentos de Português. (9) Devido à barreira da língua e outros factores, o comércio e investimentos da China com países que falam línguas latinas, permanecem num baixo nível de c. 8% e 2% do seu comércio com o exterior e investimentos no estrangeiro, admitindo um vasto espaço para aperfeiçoamento. (10) A Indústria do Jogo de Macau, com uma história de mais de 100 anos, representando cerca de 70% das rendas públicas, terminou com o monopólio em 2002, dividindo-se por 3 proprietários de licenças de jogo, que prometeram injectar biliões de novos investimentos para transformar Macau, gradualmente, num centro regional de entretenimento familiar e convenções internacionais, uma “Las Vegas do Oriente”, assegurando bastantes fundos para desenvolver actividades culturais e sociais, como foi estipulado nos contratos de jogo. Bibliografia Gary Ngai, “Social and Cultural Pluralism in Macau - Its Impact on the Transitional Period”, in Administração, nº. 10, Macau, Dec. 1990, pp. 715-724. Gary Ngai, “Relations between East and West seen from Macau”, in Administração, nº. 15, Macau, May 1992, pp. 155-178. Gary Ngai, “On Bilingualism in the Administration”, in Administração, nº. 23, Macau, May 1994, pp. 97-102. Gary Ngai, “Macau - A Special Bridge between China and the Latin World”, in Administração, nº. 32, Macau, June 1996, pp. 339-348. Gary Ngai, “Macau’s Cultural Identity - Its Preservation and Development Before and After 1999”, in Administração, nº. 35, Macau, March 1997, pp. 61-76. 227 PILAR GONZÁLEZ ESPAÑA Universidad Autónoma de Madrid El poema coto de ciervos. Puntos de debate Â1 ñ 2 lu zhai ¿Õ É1/2 2 » ÈË 1/4û ÈË kong shan bu jian ren μ« ÎÅ ÈË Óï Ïì dan wen ren yu xiang ·μ 3/4° Èë Éî ÁÖ fan jing ru shen lin l l ¸´ ÕÕ Çà Ì fu zhao qing tai ı ÉÏ shang 229 1. El poema y sus traducciones: Vocabulario y alusiones (lu): 1) Ciervo (zhai)1: 1) Empalizada; atrincheramiento; población amurallada 2) Coto; parque (kong): 1) 2) 3) 4) 5) Vacío; hueco; sin consistencia Vano; ficticio; irreal Inútilmente (bud.) Vaciedad de todas las cosas Espacio. Cielo (shan): 1) Monte; montaña; colina; collado. 2) Túmulo, montículo sobre una sepultura. (jian) 1) Ver, percibir. 2) Percibir, comprender; conocer; comprensión, penetración. (ren): 1) Hombre; ser humano, género humano. Los hombres. 2) Otro; los otros. 3) La gente; el mundo, todo el mundo. 4) Persona. (dan): 1) Sólo; solamente; únicamente. 2) Pero; no obstante; sin embargo. (wen): 1) 2) 3) 4) (yu): 1) Hablar; palabra; lenguaje. 2) Lengua; idioma 3) Lenguaje de los animales; canto de los pájaros. (xiang): 1) 2) 3) 4) 5) 230 Oír, escuchar Conocimientos adquiridos Informar; hacer saber; dar a conocer. Olfatear, sentir olor. Sonido, son, ruido Emitir un sonido; resonar, sonar. Hacer eco. Eco. Sonoro. Producir un efecto. Influir. (fan): 1) Devolver. Remitir. 2) Volver sobre sus pasos. Regresar; dar vuelta. 3) Cambiar, permutar. (jing): 1) Luz del sol; luz; brillante. 2) Espectáculo; vista; escena; paisaje. 3) = (yîng) Sombra. (ru): 1) 2) 3) 4) (shen): 1) 2) 3) 4) 5) Entrar; penetrar; invadir Desaparecer; Esconderse (el sol) Alcanzar; llegar a... (en tono quinto) Meterse, hundirse. Profundo; hondo. Profundidad, hondura Recóndito, profundo, abstruso. Lejano, retirado, escondido. Intenso, denso, oscuro. Profundamente. Extremadamente. (lin): 1) Bosque, selva, floresta, espesura, arboleda, plantación de árboles. 2) Denso, apretado, numeroso, abundante. (fu): 1) Volver, retornar. Restablecer, restaurar. 2) Renovar. Recomenzar. Reiterar. De nuevo aún. Por segunda vez. 3) Dar vuelta. 4) Devolver, responder. 5) El hexagrama nº 24 del Yijing, que tiene por título: La Renovación. (zhao): 1) 2) 3) 4) Luz solar. Iluminar; brillar. Reflejar; reverberar. Reproducir una imagen. Confrontar. (qing): 1) El primero de los cinco colores; el color de la Naturaleza, del mar, de los montes lejanos (según los casos: verdoso; glauco; verde oscuro; azul claro; azul marino; azulado; gris) (tai): 1) Hepático (planta criptógama medicinal) 2) Musgo. Liquen. 231 (shang): 1) Alto; elevado. En lo alto. Arriba; encima; sobre; en la superficie. 2) Subir; elevarse; escalar; montar en. 3) Ir hacia; llegar a; elevarse hasta. Respecto a las alusiones: El título del poema se refiere a un lugar concreto de la casa de campo donde Wang Wei acostumbraba a retirarse y en la que había un parque o un coto denominado Parque de ciervos. Pero según ciertos traductores, podría tratarse de una alusión al Parque de Ciervos donde Gautama Buda predicó su primer sermón.2 En el tecer verso, los dos primeros caracteres fan jing («rayo que regresa»), pueden interpretarse como una alusión al sol poniente, no sólo por su sentido oculto (al caer la tarde, el adepto medita y recibe la Iluminación) sino también por el fervor de Wang Wei hacia el Buda Amida (el que rige el punto del horizonte en el momento del sol poniente: punto cardinal y luz relacionada con el Paraíso del oeste)3. 2. Traducciones del poema a lenguas occidentales DEER-PARK HERMITAGE There seems to be no one on the empty mountain... And yet I think I hear a voice, Where sunlight, entering a grove, Shines back to me from the green moss. (W. Bynner y Kiang K., 1929)4 LA FORÊT Dans la montagne tout est solitaire, entend de bien loin l´écho des voix humaines, Le soleil qui pénètre au fond de la forêt Reflète son éclat sur la mousse vert. (G. Margouliès, 1948)5 DEEP IN THE MOUNTAIN WILDERNESS Deep in the mountain wilderness Where Nobody ever comes Only once in a great while Something like the sound of a far off voice 232 The low rays of the sun Slip through the dark forest, And gleam again on the shadowy moss. (Kenneth Rexroth, 1956)6 (Sin título) On the empty mountains no one can be seen, But human voices are heard to resound. The reflected sunlight pierces the deep forest And falls again upon the mossy ground. (James Y. Liu, 1962)7 DEER PARK Hills empty, no one to be seen We only hear voices echoedWith light coming back into the deep wood The top of the green moss is lit again. (G.W. Robinson, 1973)8 (Sin título) On the lonely mountain I meet no one, I hear only the echo of human voices. At an angle the sun´s rays enter the depths of the wood, And shine upon the green moss. (C.J. Chen y M. Bullock, 1974)9 CLOS AUX CERFS Montagne déserte. Personne n´est en vue. Seuls, les échos des voix résonnent, au loin. Ombres retournent dans la fôret profonde Dernier éclat de la mousse, vert. (F. Cheng, 1977)10 (Sin título) Empty mountains: No one to be seen. Yet -hearhuman sounds and echoes. Returning sunlight enters the dark woods; Again shining on the green moss, above. (Gary Snyder, 1978)11 233 DEER FENCE Empty hills, no one in sight, Only the sound of someone talking; Late sunlight enters the deep wood, Shining over the green moss again. (Burton Watson, 1984)12 EN LA ERMITA DEL PARQUE DE LOS VENADOS No se ve gente en este monte, sólo se oyen, lejos, voces. Bosque profundo. Luz poniente: alumbra el musgo y, verde, asciende. (Octavio Paz, 1984)13 (Sin título) Dans la montagne vide l´homme est invisible, Où la voix seule vient en échos. Les sombres du couchant s´inversent dans la fôret Sur la mousse renaît la lumière... (P. Carré, 1989)14 LE PARC AUX CERFS Personne dans ces montagnes désertes, Seul, on entend l´ écho de voix humaines, Les reflets du soleil couchant pénètrent la forêt profonde. Et à nouveau éclairent la mousse verte (Drivod y Chang, 1990)15 L´ENCLOS DES CERFS la montagne est vide, on ne voit personne on entend seulement l´ écho de voix d´hommes dans la forêt profonde un dernier rayon du couchant illumine encore la mousse verte. (Cheng W. y H. Collet, 1990)16 DEER ENCLOSURE On the empty mountain, seeing no one, Only hearing the echoes of someone´s voice; Returning light enters the deep forest, Again shining upon the green moss. (R. Bodman y V. Mair,1994)17 (Sin título) En la montaña desierta no se ve ni sombra humana pero se oyen los ecos 234 de lejanas voces. Los rayos de sol regresan al fondo de la espesura, y se ilumina de nuevo por doquier el verde musgo. (I. Preciado Ydoeta, 1999)18 EL PARQUE DE LOS CIERVOS En el monte vacío no se ve a nadie, ya sólo se oye el eco de la voz. El sol que regresa se adentra en la fronda y en el musgo verde vuelve a refulgir. (Anne-Hélène Suárez, 2000)19 A CERCA DOS VEADOS Ninguém na montanha vazia, apenas o eco de vozes, na distância. O sol insinua-se pela floresta, ao entardecer, e acaricia, ao de leve, o musgo verde (Antonio Graça De Abreu)20 3. Traducción literal COTO DE CIERVOS montaña vacía no (se) ve (a) hombres pero (se) oyen ecos (de) sonidos humanos regresa (da) luz penetra (en el) bosque profundo vuelve (a) iluminarse encima (el) musgo verde.21 4. Traducción poética PARQUE DE CIERVOS montaña vacía: no se ve a nadie sólo se oyen ecos voces luz de la tarde que penetra en el bosque se ilumina otra vez el musgo verde. 235 Análisis del poema Estructura Respondiendo a la estructura típica del jueju, el poema se divide en dos partes fundamentales. El primer dístico da cuenta de las percepciones sensoriales (no ver, oír) de un supuesto yo poético en un lugar determinado: una montaña vacía. El segundo se caracteriza por la acción dinámica de la luz del ocaso: penetra en la profundidad del bosque e ilumina un trozo de musgo. La unión entre ambos es de naturaleza ambigua, tanto desde un punto de vista espacial como temporal; podría tratarse del mismo lugar y el mismo instante o, incluso, un instante después, aunque no puede precisarse con exactitud. El primer verso describe el paisaje en su forma negativa, es decir, una montaña que está vacía, un lugar en donde no se ve a nadie. En el segundo verso se añade cierta información: el lugar está vacío, no hay nadie, pero en él se puede oír el eco de voces humanas: montaña vacía: no se ve a nadie sólo se oyen ecos voces En esta información existe una contradicción esencial: por un lado, la lejanía de la montaña, en la que se supone se encuentra el yo poético y por el otro, la cercanía del mundo, ya que no se encuentra tan lejos como para no oír nada. Como se puede observar, este primer dístico describe las características del paisaje en su relación con el mundo civilizado, es decir, la relación sensorial entre la Naturaleza y la Sociedad. Se podría situar por lo tanto, en un eje espacial horizontal. En el segundo dístico: luz de la tarde que penetra en el bosque se ilumina otra vez el musgo verde. 236 la luz de la tarde vuelve y entra en lo más oscuro, en lo más profundo. Se produce el giro (zhuan) del jueju, el momento culminante en donde ocurre lo esencial. El poeta establece aquí otro orden espacial: la mirada se dirige a través de una línea más o menos vertical u oblicua, en un eje que conecta Cielo y Tierra. El cuarto verso es la respuesta a esa entrada y penetración. Algo en sí mismo cotidiano y ordinario como la luz del ocaso, se transforma en algo extraordinario porque ilumina el musgo. Se produce el alumbramiento en un sentido también literal, es decir, el nacimiento repetido y cotidiano de un verde nuevo del musgo. Iluminación que queda suspendida, como acostumbran los poemas de Wang Wei, en un final abierto hacia «arriba» (shan). Lugar y tiempo El lugar del poema es un bosque profundo en una montaña vacía;22 paisaje que, por otro lado, se presenta a los ojos del lector gradualmente (en un efecto de zoom) de mayor a menor: primero la montaña, después el bosque, por último el musgo. El tiempo del poema es, según todos los indicios, el ocaso, aunque no es posible determinarlo con precisión, ya que se trata tan sólo de una luz que vuelve, que retorna. Si se tiene en cuenta la tendencia del poeta hacia el budismo, y la costumbre de sus adeptos de meditar en el ocaso, parece lícito interpretarlo como el atardecer (hecho, por otra parte, en el que casi todos los traductores coinciden): The setting sun stands for many things in T´ang poetry: the passing of time, the approach of death, the awareness that things are often most beautiful just before the moment of extinction. To turn back to Wang Wei for a moment, we know that he like many man of the T´ang, was a worshiper of the Budda Amida, and in a hymn he wrote he speaks of his desire to be reborn in Amida´s Western Paradise. It has been suggested that the image of the setting sun may, in Wang Wei´s poetry, be a symbol of devotion to Amida and the Western Paradise, or be associated with the practice [...] of meditating, on the sun as it goes down.23 En todo caso, si el bosque es profundo, la luz desaparece por la densidad y oscuridad de los árboles, y ello podría ocurrir en cualquier momento. Lo importante es sin duda que esa luz aparece tras de la oscuridad. 237 Esquema métrico24 O O O O O O O O / / / / O O O O O O O O O O...(xiang) O O...(shang) Desde un punto de vista tonal, la simetría es casi perfecta. Es relevante el paralelismo entre el primer y el cuarto versos25: O O / O O O ................................. O O / O O O La rima en ang, de gran abertura, se produce en los versos pares, pero en tonos oblicuos, por lo que a efectos musicales, el poema se cierra con un cierto matiz triunfal. Son dignas de mención ciertas aliteraciones (dieyun) en sílabas de final nasal como shan, dan, fan // ren, wen, ren, shen. Aspectos gramaticales a) Lo lleno y lo vacío.— Tomando como base el poema en su lengua original o su traducción literal, el resultado es el siguiente: Primer verso: Llenas: a) muertas: b) vivas: montaña, hombres 1) estática: vacía 2) dinámica: no ver Vacías: — Segundo verso: Llenas: a) muertas: b) vivas: ecos, sonidos 1) estática: humanas 2) dinámica: oír Vacías: pero Tercer verso: Llenas: a) muertas: b) vivas: 238 luz, bosque 1) estática: profundo 2) dinámica: regresa, penetra Vacías:— Cuarto verso: Llenas: a) muertas: b) vivas: musgo 1) estática: verde 2) dinámica: volver, iluminar Vacías: encima. Como se puede deducir de esta distribución, el poema muestra una tendencia hacia los aspectos dinámicos del lenguaje, en especial, se constata un cierto predominio verbal (incluyendo verbos de calidad o adjetivos). Esta afirmación resulta paradójica si se contrasta con una primera impresión del poema, aparentemente estático y contemplativo. Todo ello no hace más que reforzar la tesis del equilibrio entre acción y contemplación (lleno/vacío), ideal siempre buscado por el artista chino. El predominio verbal se encuentra compensado por una fuerte carga abstracta en el plano semántico: lo vacío de la montaña, lo concreto (los hombres) que no se ve, lo abstracto que se oye (el sonido, los ecos), lo que penetra en el bosque (la luz etérea e intangible) e, incluso el musgo, relevante por el adjetivo verde que le antecede, es decir, por su cualidad visual. Por otro lado, la escasez de palabras vacías, apenas dos en todo el poema (pero, encima), tiene como consecuencia una máxima ambigüedad semántica debido a las numerosas elipsis pronominales y preposicionales. La dimensión de vacío se manifiesta de forma más explícita a nivel semántico. El poema se inicia con el término kong («vacío») que ha sido interpretado por muchos traductores como adjetivo («solitaria») del sustantivo montaña; ahora bien, afirmar que la montaña es solitaria y, seguidamente, que no se ven hombres, es algo redundante que no parece corresponderse con el estilo de Wang Wei, buen economista del lenguaje. Por la prioritaria posición que ocupa dentro del poema, kong ¿O debería considerarse desde otra perspectiva menos literal y filológica. Según la doctrina budista, el Vacío (sûnyatâ) es la esencia de todas las cosas. Se trata de un vacío que no es posi239 tivo ni negativo ya que engloba simultáneamente afirmación y negación. Es por lo tanto un concepto paradójico que alude a los aspectos ilusorios de la existencia (el mundo no existe, el yo no existe, todo está vacío, todo es ilusión) y, al propio tiempo, encarna una verdad esencial, universal e inmediata. La captación (más intuitiva que cognoscitiva) de esa oquedad que conforma a cada ser posibilita el estado de la Iluminación, para el que también es necesario el vacío de espíritu. El taoísmo, sin diferenciarse radicalmente del budismo, concibe el Vacío empero, desde una perspectiva más cosmológica. Según se ha visto anteriormente, el Tao como origen es una nada (wu ÎI°), es decir, un Vacío original: Se sitúa antes de la creación del Cielo y de la Tierra y las imágenes convencionales que lo designan hablan de una mezcla silenciosa e inmutable, una bruma infinita, un limo negro, mares turbulentos, un bosque... imágenes todas ellas que representan el Caos (hundun) un conglomerado heterogéneo y confuso que se puede percibir a través de una imagen sonora. Pero en esa Nada Original hay un Haber virtual y potencial, invisible. Se trata pues de una noción paradójica en la que no hay nada y sin embargo, hay algo, en su seno posee una semilla26. Teniendo en cuenta las influencias tanto del budismo como del taoísmo en la obra de Wang Wei, el vacío con el que se inicia el poema se podría interpretar bajo múltiples perspectivas, de las que sobresalen dos principalmente: 1) Vacío como Nada creadora en la que todo está por hacer y a partir de la cual, surge la existencia (del mundo o del poema). 2) Vacío budista en el que nada puede hacerse, pues expresa lo ilusorio de la realidad y lo indeterminado de todas las cosas: La montaña parece vacía (sin gente) porque no se ve a nadie. Pero se oye a la gente, luego la montaña no está vacía. Sin embargo, la montaña está vacía porque se trata de una ilusión27. Para Marsha Wagner, la ambigüedad y aparente inconsistencia de este primer dístico debe entenderse como un gong´an (japonés, koan)28, es decir, que estos versos, en un plano trascendente (en sánscrito, paramârtha) manifiestan una verdad esencial, y sin embargo, en un plano más inmediato y superficial (en sánscrito, smvarti) representan un desafío a las leyes de la lógica y la coherencia lingüísticas29. 240 Eugene Eoyang habla incluso de una buscada trivialidad del poema: To read the line[s] as indicating human presences capriciously hiding, or merely not visible, would reduce the poem to bathetic triviality.30 Por no estar de acuerdo con las teorías susodichas, resulta necesario adentrarse más en profundidad en el análisis del poema, para poder elucidar los significados posibles y potenciales del término kong en su contexto y para constatar, en definitiva, que no existe tal paradoja, sino que el segundo verso («oír ecos y voces humanas») completa como una media naranja, sin inconsistencias ni contradicciones, al verso («no ver hombres»). El vacío del poema no sólo se manifiesta de forma visible a través de términos que lo explicitan; acciones como no ver hombres, oír ecos, o sustantivos como luz, poseen también una fuerte carga semántica de vacío por sus cualidades de indeterminación y abstraccción. Si la vista es una percepción sensorial de contenidos concretos y determinados generalmente (negada en el poema: «no se ven hombres»), el oído sin embargo, ocupa un lugar ilimitado en el espacio donde no se pueden fijar sus límites, ya que se extiende involuntariamente, y el hombre lo percibe incluso en contra de su voluntad; oír un sonido, un eco («sólo se oyen ecos, voces») da una primera impresión de distancia, de alejamiento y contraste con el silencio, es decir, incluye una dimensión de vacío. Igualmente la luz, abstracta e intangible, penetra por un claro del bosque hasta iluminar el musgo. Esta entrada implica la existencia de un vacío entre las ramas de los árboles, vacío cuya función parece ser la de centro invisible del paisaje; representa una oquedad que permite la Iluminación y por donde se unen Cielo y Tierra. Particularidades sintácticas. Este jueju se caracteriza fundamentalmente por una gran ambigüedad. La estructura sintáctica es la secuencia normal de Sujeto (generalmente, elíptico) y Predicado, dentro del cual se incluye el verbo, el complemento directo y, en algunos casos, los complementos circunstanciales. Esto es algo que domina en todos los versos del poema, excepto en el tercer verso. 241 Si se toma como punto de partida la traducción poética que se ofrece en este trabajo (el sujeto del primer dístico por lo tanto es el yo poético y en el segundo la luz), el análisis es el siguiente: Verso 1: PREDICADO COMPLEMENTOS vacía (Adj.) NÚCLEO COMPLEMENTOS no ver (Verbo) hombres (Sust.) montaña (Sust) Verso 2: PREDICADO COMPLEMENTOS NÚCLEO sólo (Adv.) oír (Verbo) COMPLEMENTOS hombres (Sust.) palabras ecos (Sust.) (Sust.) Verso 3: SUJETO PREDICADO COMPLEMENTO NÚCLEO retorna(da) (Adj.) luz (Sust.) NÚCLEO COMPLEMENTOS entrar (Verbo) profundo bosque (Adj.) (Sust.) Verso 4: PREDICADO COMPLEMENTOS de nuevo (Adv.) NÚCLEO COMPLEMENTOS iluminar (Verbo) verde musgo arriba (Adj.) (Sust.) (Adv) Si se observa la estructura del poema, las oraciones, por lo general, siguen la secuencia de Sujeto-Verbo-Complemento. Este orden sintáctico, disimulado en parte por la elipsis del sujeto o por la inclusión de ciertas partículas especiales de coordinación y yuxtaposición, implica un orden ineludible en el que las cosas fluyen y se suceden solas en su propia continuidad. Los versos del primer dístico se enlazan gracias a la partícula dan μ« («pero; sólo») que introduce una repetición exacta de la estructura del primer verso en el segundo («no se ven hombres / sólo se oyen voces humanas»). Esta partícula es extremadamente compleja tanto si se interpreta como conjunción (pero), o como adverbio (sólo). 242 En los dos últimos versos, la partícula de enlace es fu («de nuevo, otra vez»), cuya función es igual que la anterior y exige la repetición de la estructura del tercer verso en el cuarto («la luz penetra en el bosque / (la luz) de nuevo ilumina el musgo»). La relación que se establece entre los versos es, aparentemente, de yuxtaposición ya que no hay nexos que los unan, pero la dependencia, sin embargo, es mutua, ya que la luz que ilumina el musgo (en el cuarto verso), no puede cumplirse si la luz no entra en el bosque (tercer verso). Se trata pues, de una relación causal consecutiva y, en este sentido, también se podría entender como subordinación. Recapitulando, en el poema domina una ambigüedad absoluta entre la coordinación y la subordinación. Lo que está coordinado es a la vez subordinado, lo que está yuxtapuesto e independiente, al mismo tiempo, se subordina y resulta dependiente. Ésta es la causa de que existan tan innumerables posibilidades de interpretación y traducción. Wang Wei a través de un juego dual y paradójico, compone una unidad perfecta en forma y contenido. De otro lado, el paralelismo no se cumple en relación con el posicionamiento sintáctico de las oraciones; esto se denomina en chino jiaozuo (literalmente, «entremezclar»), es decir, que se producen variaciones en el orden sintáctico. Se trata de uno de los tres tipos fundamentales de paralelismos. En una lectura vertical, ningún verbo coincide con el de abajo, ningún sustantivo con otro. Pero sí existe, sin embargo, un verso nuclear que funciona como el corazón del poema, situado lógicamente en el tercer puesto, en el que se produce el «giro», verso esencial en el jueju y que, en este caso especialmente, tiene una lectura reversible: retornada luz (Adj.)31 (Sust.) entrar (Verbo) profundo (Adj.) bosque (Sust.) Estas dos partes de la oración se reflejan la una a la otra como en un espejo, en una estructura similar a la del quiasmo: en medio, el verbo entrar, y a los lados, la luz y el bosque: retornada luz / entrar / profundo bosque 243 Cargado de acción dinámica, con un verbo en medio y dos adjetivos, parece que en este verso el misterio del poema late con toda su fuerza. Contrastes semánticos Las percepciones sensoriales La importancia del primer verso («montaña vacía:/ no se ve a nadie») radica en el no ver. Al tratarse de una montaña vacía en la que no se ven hombres, aquélla se convierte en un lugar propicio para cerrarse a las percepciones sensoriales en general, requisito indispensable para alcanzar la Iluminación. Se considera al ojo como órgano de la percepción intelectual y se utiliza como símbolo del conjunto de las percepciones exteriores, no solamente de la visión32. Recuérdese a Zhuang Zi en Los capítulos interiores cuando el cocinero Ding explica su maestría cortando piezas de ganado: Al comienzo de mi trabajo sólo veía el buey. Tres años más tarde ya casi no lo veía. Ahora trabajo con mi espíritu y no con mis ojos. Allá donde el conocimiento y los sentidos se detienen, el espíritu es el que actúa.33 El yo poético se encuentra en el lugar adecuado para la meditación y la Iluminación. Es el propio entorno, en particular, la vacuidad de la montaña y el alejamiento de los hombres, lo que va a permitirle la entrada hacia lo trascendente; para ello es necesario acabar con la percepción sensorial-intelectual (no pensar, no sentir, no imaginar). Se requiere únicamente la nada, el kong («vacío») con el que se inicia el poema. El hecho de que el yo poético oiga no resulta contradictorio con la negación de la percepción visual34. Es un sonido más o menos indiferenciado de voces humanas, palabras lejanas en donde todos los hombres se confunden. Ciertamente, nos indica que hay un mundo en el exterior, pero se trata de un mundo abstracto e indeterminado, el del sonido o los ecos, que se integra en la Naturaleza y en su vacío esencial. 244 Por otro lado, el oído es el órgano pasivo por excelencia. Si uno puede voluntariamente cerrar los ojos, el oído no puede cerrarse35; si la visión nos sumerge en la multiplicidad de lo que se ve36, en lo diferenciado, el sonido y los ecos tienden a la unidad, se superponen en el espacio-tiempo, ya que las palabras se repiten, se hacen rítmicas y de esta manera, pasado, presente y futuro se entremezclan. Para el budismo, el sonido inaudible que puede ser únicamente percibido por el Iluminado es un reflejo de la vibración primordial del origen del cosmos. Así, el conocimiento verdadero no aparece como visión, sino como percepción auditiva; se trata de una especie de sacrificio de la vista en aras de la palabra y del sonido, quizá porque las palabras presiden la creación del mundo.37 Lo que oye el yo poético en el poema de Wang Wei son los ecos de sonidos; es decir, el sonido del cosmos penetrando en el cuerpo de un Hombre ya cerrado al mundo en cuanto a sus percepciones visuales e intelectuales. Todo ello alude a un estado previo a la Iluminación: el mundo con sus infinitas correspondencias y ecos se interrelaciona, se anuda, se mezcla, integrándose en la montaña y su vacío.38 La Naturaleza también responde en el poema y la luz consigue entrar en escena: es una luz parecida al eco, ya que vuelve de nuevo retornando del pasado (fan «regresar»). Por ello, el verso segundo y el tercero presentan ciertas similitudes: verso 2: verso 3: pero (se) oyen ecos (de) sonidos humanos regresa (da) luz penetra (en el) bosque profundo Como se deduce de estas líneas, el poeta oye el mundo o, mejor dicho, el mundo suena, entra en los oídos del poeta a través del vacío de la montaña y de la no-visión de los hombres, gracias al vacío intelectual del hombre. En el tercer verso, la luz del Cielo penetra en la Tierra por un hueco, un claro entre las ramas del bosque (oír también es sinónimo de entrar, ser penetrado a través de una oquedad).39 245 El espacio/tiempo Si se atiende a los contrastes espacio/temporales que se producen entre el primer y segundo dísticos, se puede observar que la primera parte del poema describe el lugar en el que el yo poético se encuentra: un bosque dentro de una montaña. El hecho de oír sonidos o ecos refuerza esa dimensión espacial (horizontal) que conecta lo distante. En el segundo dístico rige, sin embargo, la dimensión temporal. La imagen de la luz penetrando en el bosque e iluminando el musgo sugiere, sin duda, una perspectiva vertical.40 Aún así, este binomio (espacio/tiempo) aparece en el poema extremadamente imbricado e indisoluble. Ciertamente, en los dos primeros versos no hay indicadores temporales, sólo espaciales: una montaña vacía en la que no se ven hombres aunque se oyen voces; pero las voces son ecos, es decir, sonidos que se superponen en la linealidad del tiempo. Si lo horizontal-espacial posee un tiempo, el presente, éste sin embargo, se repite y reactualiza en el poema, ya que alude a un tiempo cíclico que se reanuda continuamente a sí mismo. De esta forma se anula la duración temporal y el aquí y ahora son siempre potencialmente posibles y eternos. También en los dos últimos versos se menciona explícitamente la repetición del tiempo. Hay dos señalizadores temporales: fan («retornar») y fu («de nuevo»), y ambos aluden a un instante del día en el que el tiempo se paraliza y se detiene y por ello, deviene cósmico.41 La sociedad y el retiro Según ciertos sinólogos, Wang Wei describe en este poema su soledad: In this poem, Wang Wei, moves from a description of his solitude and withdrawal from the world expressed in the first line to a statement of his desire to maintain his separation and, finally, to a specific description of the ineffably “perfect moment”.42 No obstante, el retiro al que se refiere Wang Wei no es el aislamiento absoluto. Bien es cierto que la montaña está vacía y no se ven hombres, pero se oyen los ecos de las palabras humanas. De hecho, se repite dos veces el carácter ren («hombre»), una en el primer verso y otra en el 246 segundo, cosa extraña en un poema Tang, a no ser que la selección del poeta sea decidida y significativamente intencionada.43 Este retiro intermedio, típico de Wang Wei, sugiere la problemática constante del poeta referente a su separación y aislamiento del mundo. Como ya se ha visto, para el taoísmo no es necesario el retiro absoluto, y para el budismo, gracias especialmente a la figura de Vimalakîrti, es incluso modélico y ejemplar el hecho de que un practicante sienta compasión por el mundo y no lo abandone del todo. Ello quizá explica que en los poemas de Wang Wei siempre aparezcan hombres, aunque más concretamente, indicios y señales humanas: humo (de las chimeneas), sonidos (de voces humanas), ruido de bambúes (<de las lavanderas), movimiento de los lotos en el agua (por el deslizarse de las barcas de los pescadores). Todas estas imágenes acercan y alejan, simultáneamente, al yo poético y al mundo, ya que éste se percibe indirectamente mediatizado por obstáculos como la distancia o la densidad impenetrable de un bosque.44 En el poema en cuestión, el mundo no aparece de forma individualizada (los hombres no se ven), sino indiferenciada (se oyen sus sonidos). Esta distinción opera igualmente en el plano de lo superficial (o ilusorio) y en el plano de lo trascendente y, por lo tanto, está en relación con las diferencias esenciales entre la percepción visual y la auditiva. En realidad, más que de retiro, se podría hablar de entrada a un centro desde el que todo se irradia y que a todo incluye, porque el yo poético no está de espaldas al mundo sino que lo percibe en su interior. La dialéctica del yin/yang Se puede comprobar una alternancia continua entre los tonos yin (que se corresponden con los tonos ze) y yang (que se corresponde con los tonos ping: OO/OOO OO/OOOOO/OOOOO/OOO- De este esquema se deduce que hay un cierto predomino de los tonos ze, a razón de 3 x 2, excepto en el primer 247 verso. En el esquema prosódico, el poema muestra una leve tendencia hacia los tonos fuertes y oscuros (yin). Pero este contraste se hace más visible en el plano semántico. Por ejemplo, en el verso tercero la luz penetra en un bosque sombrío, es decir, la luz penetra la oscuridad: «retornada»........................../.........................«profundo» «luz»................/.................. «bosque» entrar. El carácter que designa la profundidad del bosque, en chino sheng, tiene el radical de agua – los tres puntos a la izquierda –, ya que la profundidad está considerada como un elemento yin, húmedo, frío y oscuro. La luz del sol, por el contrario, es cálida, seca, y por lo tanto, específicamente yang.45 El espacio imaginario del poema La montaña y el bosque. El simbolismo de la montaña es ambivalente. Debido a su verticalidad y a su proximidad con el Cielo, es un lugar sagrado, cerca de los dioses; pero también se trata de un lugar seguro donde refugiarse y expresa el deseo de evasión de todos los seres humanos46. Ambos valores se reproducen asimismo en el simbolismo chino. En la época de Wang Wei, todo el mundo necesitaba escapar de la compleja administración y burocracia de los Tang, y el lugar privilegiado para ese retiro era precisamente la montaña. Esta circunstancia la convirtió en idónea como lugar de moda de los letrados Tang47. Pero, al mismo tiempo, se trataba de un lugar divinizado por excelencia, en el que se realizaban, ya desde la antigüedad, los primeros sacrificios y ceremonias. Era el axis mundi que ponía en comunicación Cielo y Tierra; en terminología taoísta: el lugar del Tao.48 De hecho, el carácter xian («inmortal») significa etimológicamente «hombre de las montañas», y está compuesto por el radical de hombre, a la izquierda, y el de montaña, la derecha. Según el Yijing [«Libro de las Mutaciones»], la montaña, por su fijeza y estatismo, representa la estabilidad y la perennidad, de ahí también, su relación con la Inmortalidad. Para el budismo y, especialmente, el taoísmo, la montaña es el lugar más propicio para alcanzar la Iluminación. 248 La montaña del poema de Wang Wei parece reunir todas estas significaciones simbólicas, a las que, seguramente, habría que añadir otros simbolismos más particulares e inconscientes. Pero Wang Wei no se detiene en la descripción de la montaña, dando por supuesto y conocido todo este contexto simbólico-referencial. Si la lejanía del mundo es un requisito esencial para alcanzar el Tao, no lo es el aislamiento, ya que se oyen voces humanas; la montaña adquiere entonces el simbolismo de un lugar-puente, intermediario entre el mundo y lo sagrado (por su morfología representa la unión de Cielo y Tierra). A través de su imagen, se personifican todas las cualidades espirituales a las que el budista y taoísta Wang Wei aspiraba: tranquilidad, estabilidad, lejanía del mundo, cercanía de lo celestial, lugar donde se materializa (ilumina) el Tao, y por último, vía de acceso a la Inmortalidad. El simbolismo del bosque parece reforzar el de la montaña. El propio Wang Wei no sólo los asocia constantemente en sus poemas, sino que, incluso en sus cartas personales, habla de este binomio indisociable que le ayuda a perder su individualidad, requisito indispensable para alcanzar el Tao: Montañas y bosques hacen que yo pierda mi ego49 ... Placer de vivir en los bosques y las montañas, poder aspirar al silencio y la paz 50 El bosque, por su verticalidad, conecta también el eje Cielo-Tierra. En el inconsciente se asocia a la madre, a la regeneración y a las grutas. En efecto, en Wang Wei, el bosque es siempre oscuro, denso, de polaridad yin. Sus personajes se adentran en él hasta lo más profundo, como ocurre en este poema. Se trata del refugio o escondite supremo donde, paradójicamente, la luz penetra. Pero este bosque chino, contrariamente al occidental, no da pábulo a los terrores inconscientes, sino que es el lugar del vacío, del sunyata budista, donde reinan la calma y la paz absolutas. Luz y oscuridad. La luz está identificada tradicionalmente con el espíritu, y su color, el blanco, compuesto de todos los colores, refleja la totalidad. Además, es fuerza emanadora que irradia, siendo pura energía cósmica51. 249 Pero en este poema la luz tiene una peculiaridad esencial, ya que surge de la oscuridad (fan «retornar»), brillando en un intervalo de tiempo entre las sombras. En este aspecto, una luz sin sombras no tendría ningún efecto poético: hay luz porque venimos de la sombra. Lo mismo ocurre con la Iluminación espiritual.52 La luz sucede a las tinieblas, post-tenebres, tanto en el orden de la manifestación cósmica como en el de la iluminación interior.53 Los fenómenos naturales de la luz y las tinieblas representan los aspectos yin y yang de la creación del mundo y de su continua manifestación. El yin y el yang, esta dualidad universal, se funden y entremezclan de tal forma que se podría hablar de un deseo de retornar a ese Caos primigenio uniendo lo que antes estaba separado. Llegar a ese lugar exterior e interior es, sin duda alguna, acceder a la Iluminación. En este punto, luz y oscuridad, yin y yang, son similares. El musgo. El término tai se refiere tanto al musgo o liquen como a las plantas y hierbas medicinales, en general. Teniendo en cuenta la inclinación de Wang Wei por los regímenes budistas y taoístas en sus dietas y ayunos (en los que apenas comía más que hierbas, flores y arbustos silvestres), esas plantas significaban para el poeta no sólo la fuente de vida y de salud, sino también el medio para alcanzar la Inmortalidad. En efecto, desde un punto de vista simbólico, el musgo y las plantas medicinales poseen la energía solar condensada y manifestada; captan las fuerzas ígneas de la tierra y reciben la solar, acumulando toda esa potencia luminosa para manifestar la vida, y por ello, permitir la curación. Así, el lugar donde nacen se puede considerar centro del universo54. Shang «arriba». Dentro de la diversidad de opiniones sobre el término, una de las más radicales es la de Gary Snider, quien interpreta shang como indicador de que el musgo se encuentra arriba adherido a las copas y a la parte alta del tronco de los árboles55. Sin embargo, la imagen visual que resulta no parece tener consistencia poética. 250 En primer lugar, siguiendo esa teoría, la luz no penetraría hasta lo profundo del bosque, sino tan sólo a través de un lecho de ramas en lo alto. En segundo lugar, se perdería la verticalidad de la luz que, aunque inclinada por tratarse del ocaso, contrasta con gran efecto poético con la horizontalidad del primer dístico. La iluminación en ese caso, sería lateral y superior, no en el centro del poema, lo cual dejaría al paisaje y al lector entre las sombras. Atendiendo al estilo habitual de Wang Wei, se puede considerar el término shang tanto preposición («arriba») como verbo («ascender»). A través de él, la luz reflexiona y se arroja de nuevo hacia arriba, devolviéndola otra vez al Cielo. Este final, tan ambiguo y misterioso, es muy propio de Wang Wei. Se trata en definitiva de uno de tantos otros recursos conocidos para dejar el poema y el su paisaje suspendidos. Los ciervos. Es curioso el hecho de que ningún comentarista ni traductor se haya detenido en el título que ha sido en general apartado del análisis posterior del mismo. Bien es cierto que los títulos de los Poemas del Río Wang son nombres de lugares de la finca de Landian, donde Wang Wei realizaba sus retiros. Pero la selección de estos lugares y de sus nombres no es aleatoria, y tienen una clara y definida función: la de justificar o complementar el poema que encabezan. Por ello, su simbolismo resulta fundamental a la hora de completar este análisis literario. Según el simbolismo chino, el ciervo vive muchos años, por lo que está asociado a la longevidad, siendo el único que puede encontrar el champiñón de la Inmortalidad. Puede reconocer por instinto las virtudes medicinales de las plantas, nota todos los ruidos ya que posee un gran sentido acústico y está considerado el heraldo de la luz, el que guía hacia la claridad diurna.56 Esto parece no sólo introducir al poema sino también justificarlo; la longevidad, la Inmortalidad, las plantas medicinales, la percepción acústica, la luz, todas estas cualidades parecen corresponderse una a una con el contenido del poema analizado. Hasta tal punto la convergencia de asociaciones y, simultáneamente, la divergencia y polivalencia semántica, que se podría incluso considerar al ciervo – al 251 igual que a la montaña vacía – como el sujeto elíptico del poema: el que no ve, el que oye, el que nos guía hacia la luz, el que encuentra el musgo medicinal, etc. Como nota anecdótica, indicar finalmente que, justo en este lugar, el Parque de Ciervos, se encuentran actualmente los restos de Wang Wei. Otras consideraciones Resulta fundamental hablar de una figura retórica corriente en la poesía china, en relación con la imagen visual y la impronta de los caracteres. Si se observa con atención el poema, dos sencillos caracteres situados en el centro, es decir, en los puestos centrales del segundo y tercer verso, son muy semejantes: el primero es ren, y el segundo ru Èë. Esta similitud visual corresponde a la figura retórica de huaxing», una especie de paronomasia relacionada con el parecido formal de los caracteres. En una rápida ojeada, casi inconsciente, uno podría leer hombre-penetrar, lo cual podría corresponderse con uno de los niveles de interpretación del poema.57 Con esta figura retórica, que formula y deja sin respuesta la pregunta de si es el hombre el que en verdad alcanza la Iluminación, se termina este análisis. Todo parece converger en la idea de que el autor sopesó uno por uno los caracteres del poema. En efecto, nada resulta gratuito. La brevedad característica del jueju está plenamente compensada por la abundancia y riqueza de asociaciones y significados. Como si fuera la obra de un arquitecto minucioso que nada olvida. Recapitulación y conclusiones La fama de este poema y sus divergentes interpretaciones están bien merecidas y justificadas a juzgar por la riqueza y la resonancia de múltiples significaciones que deja en el lector. El Hombre ha perdido verdaderamente el ego y permanece oculto tras sus percepciones. Éstas son lo único que tiene. Se trata de un Hombre que no está, que no sufre emo252 ción, que no hace nada, que es vacío, por eso puede transmutarse en paisaje (por ello, la montaña, incluso el ciervo, también pueden ser sujeto del primer dístico); y este paisaje sólo llega al lector a través de los sentidos (la vista y el oído). Las condiciones de la escena la hacen apropiada para una revelación: soledad espiritual (no física), ecos (donde se funden presente, pasado y futuro), y la luz del ocaso (mediadora entre el día y la noche). Por otro lado, el principio del poema determina el peso filosófico del mismo. Sólo en el vacío es posible la Iluminación. Se trata de un vacío múltiple (budista y taoísta): 1) concavidad espacial que acoge, 2) distancia que interrelaciona lo lejano y lo cercano, 3) vacío del espíritu (corazón/mente) y, por último, 4) inconsistencia del mundo. En un estado elevado de conciencia, ocurre un acontecimiento aparentemente nimio: la iluminación de un poco de musgo. La luz, sujeto indudable del segundo dístico, penetra a través de las ramas y la profundidad del bosque. Siguiendo la línea interpretativa de este trabajo, y atendiendo al contexto en el que este poema se inserta, el Hombre es simplemente testigo de esa Iluminación, pero no la alcanza directamente (tal y como ocurre en “Pabellón entre Bambúes”, donde el yo poético, iluminado por la luna, responde silbando y tocando su laúd). Mucho más cerca de la trascendencia, estos versos demuestran cómo el camino de Wang Wei era unívoco por encima de la pluralidad. Todos los elementos del lenguaje poético encajan como piezas de un puzzle. La ambigüedad y las aparentes tensiones y contradicciones no son más que instrumentos de expresión de lo inefable, donde todo se reúne. A pesar de su prodigiosa sencillez y cotidianeidad, las imágenes naturales (luz, ciervo, musgo, montaña, bosque) por un instante saltan a otra dimensión simbólica que multiplica sus posibilidades semánticas. Sin olvidar nunca que todas ellas retornan de nuevo, pues no son otra cosa diferente a ellas mismas: la montaña es montaña, el musgo es musgo. Esto explica también cómo el poema, trascendiendo el más allá en forma de viento o sabor, no deja de ser nunca lo que es: puro lenguaje. 253 Notas (1) La misma grafía se emplea para distintos caracteres, cuyas transcripciones en pinyin son: zhai, chai, ci, zi. En el sentido en que lo usa Wang Wei ha sido confundido con sus homónimos y sinónimos zhai («empalizada») o zhai («atrincheramiento, fortificación militar»); de ahí que en algunas versiones haya ciertos errores tipográficos; cfr. Hanyu da cidian [«Gran Diccionario de la lengua china»] Sichuan, Sichuan cishu chubanshe, 1993. (2) Esta es la opinión de Eliot Weinberger en su artículo “Cómo se traduce un poema chino”, El Paseante, nº 20, 22, Madrid, Gaceta de Siruela, 1993, pág. 168. (3) Cfr. Burton Watson “Buddhist Quietism: Wang Wei and Han-shan”, Chinese Lyricism, New York, Columbia University Press, 1971, págs. 169-179. (4) Witter Bynner and Kiang Kang-hu, The Jade Mountain, New York, Knopf, 1929, pág.189. (5) Incluida en Eliot Weinberger, op. cit. pág. 170. (6) Kenneth Rexroth, One Hundred Poems from the Chinese, New York, New Directions, 1956. (7) James J.Y. Liu, The Art of Chinese Poetry, Chicago, The University of Chicago Press, 1962, pág. 41. (8) G.W. Robinson, Wang Wei Poems, London, Penguin Books, 1973, pág. 8. (9) C.J.Chen y Michael Bullock, en Cyril Birch (ed.), Anthologie of Chinese Literature, Berkeley, California University Press, 1974. pág. 223. (10) François Cheng, L´écriture poétique chinoise, Paris, Seuil, 1977, pág.112. En 1990, otra versión del mismo traductor: «Montagne vide. Plus personne en vue./ Seul échos des voix résonnant au loin./ Rayon du couchant dans le bois profond:/ Sur les mousses un ultime éclat: vert»; cfr. Entre Source et nuage, La poésie chinoise réinventée, Paris, Albin Michel, 1990, pág. 59. (11) Gary Snyder, The Gary Snyder Reader, Washington D.C., Counterpoint, 1999, pág. 295. (12) Burton Watson, The Columbia Book of Chinese Poetry, 1984, pág. 200. (13) Se trata de la tercera versión de las traducciones de Octavio Paz, que se publicó en la revista Vuelta, nº 91, junio, 1984; (cfr. El Paseante, pág. 176). (14) Patrick Carré, Les saisons bleues, l´oeuvre de Wang Wei poète et peintre, Paris, Phébus, 1989, pág. 208. (15) L. Drivod y Wei-penn Chang, Paysages: Miroirs de coeurs, Paris, Gallimard, 1990, pág. 189. (16) Wang Wei, Le plein du vide, Millemont, Moundarren, 1991, s. p. (17) Richard W. Bodman y Victor H. Mair, The Columbia Anthology of Traditional Chinese Literature, New York, Columbia University Press, 1994, pág. 198. (18) I. Preciado Ydoeta (trad.), Poemas del río Wang, Madrid, Ediciones del Oriente y del Mediterráneo, 1999, pág. 43. (19) Anne-Hélène Suárez (trad.), 99 cuartetos de Wang Wei y su círculo, Valencia, Pre-textos, 2000. (20) António Graça De Abreu, Poemas de Wang Wei, Macao, Instituto Cultural de Macao, 1993. (21) En esta traducción se han omitido voluntariamente dos elementos importantes: a) la profundidad del bosque suplida en parte por ru («penetrar»), y b) el último carácter del poema, shang («arriba, encima»), que puede aludir tanto a la parte superior del musgo, como al musgo que está por encima de las rocas y, más improbable aún, al musgo que está arriba adherido a los árboles. 254 (22) Algunos traductores, en particular François Cheng, imaginan al poeta paseando por la montaña y adentrándose en el bosque. Cfr., op. cit., 1996, pág. 40. (23) Ogawa Tamaki, “Ö I [«Wang Wei»]”, en Chügoku shijin senshü nº 6, Tsuru Haruo (trad.), Tokyo, Iwanami Shoten, 1958, citado por Burton Watson, op. cit., pág. 177. (24) Cfr. Yu Shouzhen, Tang shi sanbai shou xiangxi, [«Análisis detallado (de los esquemas métricos) de los Trescientos poemas Tang»], Beijing, Zhonghua shuju chuban, 1995 (1ª ed. 1973), pág. 199. (25) Nótese que, exceptuando el primer carácter, también hay paralelismo entre el segundo y tercer verso: (O) O O O O // (O) O O O O. (26) Véase Prelimnares pág. 4. (27) Weinberger, op. cit., pág. 174. (28) Recuérdese que el koan es el arma dialéctica de los monjes chan, para conseguir que el adepto deje a un lado la lógica y el razonamiento discursivo. (29) Cfr. M. Wagner, op. cit., pág. 106-107. (30) Eugene Eoyang, “The Solitary Boat: Image of Self in Chinese Nature Poetry”, Journal of Asian Studies, 32:4 [Agosto 1973], pág. 603. (31) Aunque se haya traducido como participio, se trata de un verbo cuya función es adjetiva. (32) Cfr. Chevalier, op. cit., pág, 772. (33) Zhuang Zi, Los capítulos interiores de Zhuang Zi, Madrid, Trotta,1998, pág. 69. (34) También Paulina Yu piensa que no hay contradicción entre los mensajes auditivos y visuales; Cfr. Paulina Yu, op. cit. (35) Recuérdese que en China, las orejas largas son símbolo de sabiduría e Inmortalidad. Lao Zi se apodaba también orejas largas. (36) La multiplicidad es inferioridad; cfr., J.E. Cirlot, op. cit., pág. 339. (37) Gilbert Durand, op. cit., pág. 173. (38) Recuérdese que Wang Wei en general, describe uno de los primeros estados de la Iluminación (dhyana). (39) Parece ineludible traer a colación el principio de la obra Claros del Bosque de María Zambrano: «El Claro del bosque es un centro en el que no siempre es posible entrar [...] Es otro reino que un alma habita y guarda. Algún pájaro avisa y llama a ir hasta donde vaya marcando su voz. Y se la obedece; luego no se encuentra nada, nada que no sea un lugar intacto que parece haberse abierto en ese solo instante y que nunca más se dará así. No hay que buscarlo. No hay que buscar. Es la lección inmediata de los claros del bosque: no hay que ir a buscarlos, ni tampoco buscar nada de ellos. Nada determinado, prefigurado, consabido [...] Y queda la nada, el vacío que el claro de bosque da como respuesta a lo que se busca»; cfr. María Zambrano, Claros del Bosque, Barcelona, Seix Barral, 1988, pág. 11. (40) Esa verticalidad es oblicua, teniendo en cuenta que se trata de una luz del atardecer. Hay autores que han hablado incluso de una luz casi horizontal. Todo son conjeturas. Además, según como se interpretara el último carácter, shang, podría entenderse que el musgo, al iluminarse, devuelve la luz hacia arriba, en una especie de reflexión de la luz. (41) Esta es la concepción del tiempo mítico propuesta por Mircea Eliade en el Mito del eterno retorno, Madrid, Alianza Editorial, 1979. (42) J.M. Feinermen, The poetry of Wang Wei, New Haven (Mich.),Yale University, 1979, pág. 235. (43) Corresponde a la figura de dingzhen, una especie de «anadiplosis» o redoble que no se produce de inmediato sino despues de una secuencia. El uso de esta figura retórica estaba literalmente prohibido en los pareados del lushi y del jueju. (44) Hay poemas del autor, en los que aparecen personajes definidos y concretos, como en los de la temática de la despedida, que representan una 255 excepción; en cualquier caso, son personajes que siempre se van de la escena. En los demás, se trata casi siempre de hombres solitarios y salvajes, ya naturalizados, como el Viejo de las Montañas. (45) «[El bosque], como lugar donde florece abundante la vida vegetal, no dominada ni cultivada, y que oculta la luz del sol, resulta potencia contrapuesta a la de éste y símbolo de la tierra», cfr. J.E. Cirlot, op. cit., pág. 102. (46) Cfr. Gilbert Durand, Les structures anthropologiques de l´imaginaire, Grenoble, Bordas, 1969, págs 142-143. (47) Como ya es sabido, todos los templos taoístas y budistas se situaban en las montañas. Por ello, entre los monjes se creó la expresión chushan 3ö É1/2 (literalmente, «salir de la montaña»), es decir, dejar la religión, salir a la vida pública. (48) Cfr. Démieville, “La Montagne dans l´art littéraire chinois” en Choix d´études sinologiques (1921-1970), Leiden, Brill, 1973, págs. 7-32. (49) El autor hace una distinción entre su yo universal (wu)y su yo particular (wo). Vivir en la naturaleza es perder el individualismo y, por lo tanto, universalizarse. Cfr. [«Para mis hermanos desde las montañas»] en Wang Wei quanji [«Obra completa de Wang Wei»], cap. 11, Shanghai guji chubanshe, 1997, pág. 61. (50) [«Petición de tierras para construir un templo»], Ibíd., cap. 17, pág. 99. (51) J.E. Cirlot, op. cit., pág. 286. (52) Ello explica que en el nivel prosódico haya predominio de tonos ze, es decir, de polaridad yin. Por otro lado, el término jing («luz») está asociado a ying («sombra»), lo que multiplica de nuevo las lecturas potenciales, incluso divergentes, del poema. (53) Chevalier, op. cit., pág. 664. (54) Todas estas ideas están en relación con el color del musgo: qing («verde»), palabra central del último verso. Para la mentalidad china, significa el color de la Naturaleza (una amplia gama que va del azul al verde), y representa la primavera y la vida (igual que el color azul). Se corresponde, además, con la revelación de la sabiduría, la pureza, la paz y la contemplación; cfr. Cooper, op. cit., pág. 55. (55) La interpretación de Gary Snider y su traducción se incluyen en el artículo de Eliot Weinberger, “Cómo se traduce un poema chino” en El Paseante, nº 20, 22, Madrid, Gaceta de Siruela, 1993. (56) Para el budismo, además, el ciervo salva a los hombres de la desesperación y aplaca sus pasiones. Tiene gusto por la soledad y huye en el sentido del viento que va con su olor. Cfr. M.L. Tournier, L´imaginaire et la symbolique dans la Chine ancienne, Paris, L´Harmattan, 1991, pág. 86. (57) Por último, simplemente apuntar el contraste entre los términos kong ¿Õ («vacío») y shang ÉÏ («arriba, ascensión»), primera y última palabra del poema. Como si del vacío del principio se llegara a la ascensión última. 256 CARLOS MIGUEL BOTÃO ALVES Universidade de Macau Os sonetos de Antero de Quental: uma leitura do Budismo indiano Com a presente apresentação tentar-se-á mostrar como um conjunto de ideias próprias do pensamento budista enformam o horizonte de compreensão e a perspectiva que Antero de Quental tem da Realidade, e, além disso, como nos Sonetos, Antero de Quental faz uma leitura muito peculiar de certas noções fundamentais do Budismo. O próprio Antero em carta a A. Jaime de Magalhães Lima1 tenta condensar as suas reflexões na fórmula «Helenismo coroado por um Budismo», querendo com ela significar uma aliança entre duas correntes de pensamento (quiçá ambas de cariz orientalizante, mas numa perspectiva ocidental) que tendem para uma explicação da Realidade cujo projecto é todavia semelhante: a ataraxia pela rasura do sujeito, quer gnoseológico, quer mesmo, ético. Foi escolhido um «corpus» intencionalmente restrito, todo ele composto por sonetos e esta selecção deve-se ao facto de se entender aqui a poesia, e muito particularmente o Soneto, como o lugar em que em Antero, de uma forma mais evidente, espontânea e (talvez) elaborada, o referido quadro mental de ideias emprestadas ao budismo despontam numa linguagem necessariamente mais condensada e concisa. Cabe aqui fazer um parêntesis alargado com o fim de explicitar a escolha da forma do Soneto por parte de Antero, para explicitar e reflectir «os sentimentos ou as ideias que [lhe] são mais caras»2. Na chamada edição «Stenio» de 1861 Antero justificará «teoricamente» o uso do soneto, justificação essa que será feita igualmente em várias cartas. Interessa porém reter aqui a consciência que o autor tem de que, usando embora uma forma clássica, a subverte, fazendo-a superar o puro lirismo, acentuando crescentemente a importância do dramático com o fim de transmitir a ideia de uma forma quase dialogada e de comunicação directa3. Por influência, talvez, quer da tragédia grega e do teatro 257 shakespeariano (que explicam em grande medida o dramatismo evidente dos sonetos), quer «dos nossos poetas do séc. XVI (…) especialmente (…) de Camões», cujos sonetos «foram dos primeiros que [conheceu]»4, Antero não escolhe escrever sonetos, mas é levado a cultivar tal forma5, por ela, de maneira exemplar, conciliar esteticamente a vida e o ideal; aliás, a essência do projecto anteriano. Do ponto de vista formal, pois, parece que Antero faz uma opção conservadora (o soneto), mas a forma como o modifica ou subverte, anuncia já o simbolismo; ou seja, a fractura entre o real e o significado oculto que ele transporta de modo hermético, corresponde à dissociação da subjectividade de Antero entre o poeta e o Homem racional6. Diz Antero no Prefácio à referida edição dos «Sonetos» que o soneto, a par de uma condensação da palavra, implica uma disciplina do pensamento. Refreia-se o lirismo efusivo, que encontramos nas «Primaveras» e faz-se emergir o pensamento e a intuição do Ser, Uno, por meio do Eu lírico na forma igualmente una do texto: o soneto, «unidade perfeita» ou «a forma (…) que apresenta maior unidade»7. Assim, poderemos desde já estabelecer uma relação fundamental e que será essencial para a compreensão da proximidade que os «Sonetos» têm com o Budismo: a referida disciplina da linguagem acarreta uma concomitante disciplina de pensamento, a qual se manifesta pela concisão e profundidade, sendo estas duas as traves mestras das regras de conduta da «ética budista»; resume-se «a via das oito regras» aos conceitos de «shila» (discurso correcto) e de «samadhi» (visão de profundidade)8. Além disso podemos observar como por esta via se alia a escrita à vida, tornando a poesia um verdadeiro «romance autobiográfico»9, «um processo de viver por dentro a historicidade do Poético»10. Desta feita poderemos compreender que «a poesia tende a ser, cada vez mais, em Antero, um prolongamento ou um complemento da reflexão filosófica»11. Antero tem, aliás, a noção da originalidade deste uso do soneto na literatura portuguesa12, na medida em que, apesar de ser obra «tão individual, visto que é lírica, afinal o que ali interessa é só o que tem de geral e humano, ou, se [se] quiser, o que tem de filosófico»13. Tanto assim é que, um interessante «jogo» de correspondências se poderia estabelecer entre as «noções» budistas que se tentarão encontrar e fazer sobressair nos sonetos, e as mesmas em textos de carácter marcadamen258 te discursivo e filosófico, tais como as «Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Séc. XIX», «O Sentimento da Imortalidade», «Ensaio Sobre as Bases Filosóficas da Moral ou Filosofia da Liberdade», etc… Tal trabalho, que por certo se realizará mais tarde, vem atestar o facto de que a utilização e a interiorização do quadro ontológico-ético do budismo não é um acaso nem uma opção aleatória e simplista por parte do autor, mas sim deve ser considerado como um elemento essencial da reflexão anteriana. * * * Um dos princípios básicos do Budismo que Antero usa para perspectivar a nível ontológico a Realidade é a afirmação do sofrimento universal ou «duhkha». Só males são reais, só dor existe: Prazeres só os gera a fantasia: Em nada, um imaginar, o bem consiste, Anda o mal em cada hora e instante e dia. A realidade é toda ela um espectáculo de duhkha, sofrimento, já que toda ela é constituída por compósitos que devêm incessantemente, («em cada hora e instante e dia») pois em si não têm a sua razão de ser. Nada é absolutamente na realidade, já que nada é simples. O que é absolutamente é Não-ser. É a aspiração ao ser, o desejo («trishna») e, no Homem, a Vontade, que são os motores de tal Devir Universal. Numa perspectiva ontológica procuram o que (ainda) não são e/ou têm, sendo essa procura inatingível à partida, pois que, nenhum ser por definição possuirá outro que não seja já em si próprio, exterior a si. Daí que, em termos ontológicos, o devir seja no budismo considerado como sofrimento: Um correr sem alcançar; sabendo que não se alcança. Se buscamos o que é, o que devia Por natureza ser não nos assiste; Se fiamos num bem, que a mente cria; Que outro remédio há aí senão ser triste? Aqui se mostra, parece-nos, o fundo búdico de concepção da realidade: o sofrimento é essência da realidade que, contudo, aparenta ser prazer e o bem é nada já que existir é negativo: 259 Que sempre o mal pior é ter nascido! Ouve-se, aliás, aqui o eco do peso do «karma» no acto de gerar ou de vir a ser, o qual tem um paralelo óbvio com a estrutura circular do soneto «A Germano Meireles» vincada pela anáfora do primeiro verso. Poder-se-á objectar dizendo que o que se sublinha aqui é somente um dos aspectos do movimento dos seres em tornarem-se algo diferente ou em possuírem algo diferente, dado que, a par do sofrimento, há igualmente prazer. Contudo, este não é senão um momento daquele quando perspectivado a curto prazo, pois todo o prazer contém em si a semente do sofrimento. Se perspectivado o sofrimento em termos absolutos, diremos que, por um lado é a morte o limite em que todos os desejos e esperanças se tornam nada; e/ou, por outro lado, o mero pensamento dela nos conduz à consciencialização da relatividade da existência, e da existência em devir, produzida pelo desejo. Daí a tristeza do poeta fruto do(s) mal(es) da realidade (veja-se como é este o conceito que torna a leitura deste soneto circular e dialéctica). O conceito de «duhkha» é muitas vezes tomado num puro sentido existencial, como sofrimento físico ou psicológico, mas tem igualmente um sentido ontológico, que nos interessa aqui, como a consciência de que tudo o que é, o é de forma relativa ou impermanente. Noite, vão para ti meus pensamentos, Quando olho e vejo, à luz cruel do dia, Tanto estéril lutar, tanta agonia, E inúteis tantos ásperos tormentos… Ao realçar a antítese noite/dia – limites nos quais se joga o soneto «Nox» – sublinha Antero o carácter contingente da realidade; patente igualmente no uso que faz de termos como «estéril», «agonia», «inúteis», «tormentos», que continuam na segunda quadra com «lamentos», «trágica», suportados além disso a nível da pontuação pelas reticências. Assim, se por um lado o poeta se dá conta da efemeridade do real (a «anitya» ou impermanência em termos búdicos), anseia, por outro, pela noite, pois nela a existência esbate-se14. A impermanência («anitya») é a característica fundamental – diríamos em termos ocidentais, a essência – de tudo quanto existe e por nós é captado, quer pelos sentidos, quer pela mente. 260 Se buscamos o que é, o que devia Por natureza ser não nos assiste; É a «anitya» o fundamento do espectáculo da realidade. Oh! Antes tu também adormecesses Por uma vez, e eterna, inalterável, Caindo sobre o mundo, te esquecesses, E ele, o mundo, sem mais lutar nem ver, Dormisse no teu seio inviolável, Noite sem termo, noite do Não-ser! O poeta não se contenta com o alívio dado pelo descanso do esquecimento originado pela noite («O eterno Mal, que ruge e desvaria, / Em ti descansa e esquece, alguns momentos…») – esquecimento aliás também apontado como um sonho no soneto «A Germano Meireles» – pois que, não sendo uma solução para a questão ontológica, não são senão uma etapa no caminho da concepção do real como Não-ser. De um desejo da noite como sonho e/ou esquecimento, passa o poeta ao desejo da «Noite sem termo, noite do Não-ser!»: desejar uma noite permanente, um Não-ser que é no fundo a verdade da realidade. Desta feita, se nada na realidade é de forma absoluta, a impermanência da realidade manifesta-se num vasto e contínuo devir que concretamente se estabelece por um essencial nexo de relações; ou, em termos búdicos, por uma «linha de origem dependente» (Pratityasamutpada). Pedindo à forma, em vão, a ideia pura, Tropeço, em sombras, na matéria dura, E encontro a imperfeição de quanto existe. Recebi o baptismo dos poetas, E assentado entre as formas incompletas Para sempre fiquei pálido e triste. Este excerto do soneto «Tormento do Ideal» é, talvez, dos que mais condensadamente exprimem o conjunto de ideias búdicas que me propus aqui fazer ressaltar. Aqui está a «duhkha» (a tristeza), fruto da «trishna» («Pedindo à forma, em vão, a ideia pura») que mostra a realidade essencialmente como «anitya» («encontro a imperfeição de quanto existe»), mas que deixa entrever a verdade da realidade («a Beleza que não morre»), que, todavia, deixa o poeta triste, pois que também ele existe e «participa» dessa imper261 feição: irremediavelmente enquanto existente está (é esta a sua situação) «assentado entre as formas incompletas». Inicia-se o soneto com a afirmação da tristeza face ao mundo, após o conhecimento do que verdadeiramente é, e, de forma circular e dialéctica, encerra-se com essa mesma tristeza, que, além de ser a chave do soneto, baliza o seu conteúdo ideológico. Quanto a este, é notório desde logo o título dado, que encontra par e explicação no primeiro verso do primeiro terceto: o «Tormento do Ideal» é-o da «ideia pura», da «Beleza que não morre» e que é dada a conhecer a alguns como sendo um «baptismo» de excepção (o dos poetas): um verdadeiro renascer para uma nova existência (interessante esta utilização de conceitos próprios do Cristianismo que, por um jogo semântico-ideológico criam uma síntese original): pois que, tudo quanto existe é imperfeição, são «formas incompletas». Note-se além disso a definição que é feita pela negativa, usando repetidamente o prefixo de negação, como que para realçar por oposição essa tal «Beleza que não morre». Delimitam-se os contornos do conceito, na medida em que tudo o que se disser do seu conteúdo é insuficiente. Veremos mais à frente como é tratada esta questão dos limites da linguagem. * * * Em vez de afirmar que o Mundo ou a Realidade está em mudança, deve-se afirmar que o Mundo ou a Realidade é a mudança, já que assim se ultrapassa em termos gnoseológicos a ilusão de uma entidade «mundo», aliás recusada também por Kant como uma antinomia da Razão Pura, na Dialéctica Transcendental (KRV). A linha de origem dependente no fundo é a formulação ontológica da impermanência da realidade: já que nada é absolutamente, a realidade mais nada é do que um conjunto de fenómenos que se entreligam num dado momento e num dado espaço, e é por nós apreendida como tal. Em linguagem kantiana, a apreensão depende da estrutura transcendental da sensibilidade, que é espacio-temporal e que se concretiza no fenómeno. A «duhkha» tem, pois, uma causa ontológica (não é um dado arbitrário) que é a origem dependente característica dos fenómenos e do seu devir e, por isso mesmo, é incontornável. 262 Já sossega, depois de tanta luta, Já me descansa em paz o coração. Caí na conta, enfim, de quanto é vão O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa. Penetrando, com fronte não enxuta, No sacrário do templo da Ilusão, Só encontrei, com dor e confusão, Trevas e pó, uma matéria bruta… Não é no vasto mundo - por imenso Que ele pareça à nossa mocidade Que a alma sacia o seu desejo intenso… Na esfera invisível, do intangível, Sobre desertos, vácuo, soledade, Voa e paira o espírito impassível! No soneto «Transcendentalismo», com um forte dinamismo narrativo, Antero de Quental, seguindo mais uma vez um esquema de espiral dialéctica, patenteia todo o percurso ético-metafísico do budismo: declara-se inicialmente não já a tristeza (como antes vimos), mas o «sossego», o «descanso» e a «paz», porque se percorreu a realidade tomando-a agora por aquilo que ela é: «Ilusão» – o Mundo (e a Sorte) como «sacrário da Ilusão» (mais uma vez o uso de vocabulário cristão em contexto desviante). Há um «envelhecimento» sábio do poeta, após uma «mocidade de ilusão» que, para além do Mundo e da Sorte (veja-se a importância da maiusculação), entrevê a verdade que, de facto, sacia a alma. O «desejo intenso» (último terceto) culmina na impassibilidade que «sossega», ou que «já sossega». Um sossego impassível encontrado no «coração», na «alma» ou no «espírito» – interior, portanto – que é indefinido (as reticências) e que em termos búdicos se poderia referir simplesmente por «Nirvana». Tudo no mundo é um agregado de partes («skandhas»), um plural em termos ontológicos donde decorre o seu relativismo e movimento. O fluxo é exactamente a relação de mudança que os agregados estabelecem incessantemente entre e em si. Nada é, embora por meio da linguagem – que inevitavelmente usa conceitos que são universais – se tenha a ilusão de encontrar essências permanentes. Em nada, um imaginar, o bem consiste, (…) Se fiamos num bem, que a mente cria; Que outro remédio há aí se não ser triste? 263 A mente cria a ilusão da permanência mas, o que o termo linguístico capta não é mais do que a ilusão da continuidade e da unidade do conteúdo das experiências, tomando várias etapas das mesmas como uma unidade, quando, no fundo, são uma sucessão separável de causas e efeitos numa linha de origem dependente15. Assim sendo, não há qualquer identidade para além dos «skandhas»; a mudança e a realidade dão-se, pois, num fundo de Não-ser («anatta»). Longo tempo ignorei (mas que cegueira Me trazia este espírito enublado!) Quem fosses tu, que andavas a meu lado, Noite e dia, impassível companheira… (…) Mas não te amava então nem conhecia: Meu pensamento inerte nada lia Sobre essa muda fronte, austera e calma. Luz íntima, afinal alumiou-me… Filha do mesmo pai, já sei teu nome, Morte, irmã coeterna da minha alma! Neste soneto («Elogio da Morte», IV) caracterizado fortemente pelo diálogo e pela comunicação directa, a Morte de tudo o que existe no Mundo é vista como um meio para o poeta se dar conta de como a Morte de si é ganhar-se. O desejo da Morte é num primeiro momento uma primeira reacção à «duhkha» da realidade: um desejo nihilista, mas que é um degrau para uma visão superior de concepção da realidade. Atravesso, no escuro, a névoa fria Dum mundo estranho, que povoa o vento, A negação da realidade é uma forma de morte que dá «Luz» e é afirmação do verdadeiro conhecimento. No soneto («Elogio da Morte», II) segue-se um esquema dialéctico perfeito, forma do percurso da consciência. Há, portanto, um fundo de Não-ser na realidade pelo qual esta deve ser concebida a nível interior (é a «Luz íntima» que alumia); porém, tal fundo de Não-ser para o Homem não corresponde a uma afirmação de irresponsabilidade a nível moral. Antes pelo contrário, ao negar a permanência para além dos compósitos que interagem, destrói-se o desejo e o interesse individual – pois que, o Homem é, porventura, o maior e mais complexo desses compósitos («skandhas») – sendo essa a sua via de conduta. A conduta humana deve ser 264 orientada segundo uma disciplina que implica cessação do desejo e portanto do sofrimento. Que místicos desejos me enlouquecem? Do Nirvana os abismos aparecem A meus olhos, na muda imensidade! Nesta viagem pelo ermo espaço, Só busco o teu encontro e o teu abraço, Morte! irmã do Amor e da Verdade! Há aqui («Elogio da Morte», II) a enunciação de um percurso iniciático de desprendimento da realidade: para além «dos sonhos», do «vago esquecimento», da «fantasia», acede a consciência à imensidade da Realidade; «muda imensidade e ermo espaço», «Morte» do que Não-É, mas que cria o «Amor» (e não já o mero desejo) da «Verdade»: o «Nirvana» que é a imensidão, silêncio e solidão, mas que permite o encontro e o abraço; ou seja, a relação de verdade que é libertação. Como objectivo de toda acção está o fim de qualquer acção em si própria: o Nirvana, – termo indefinível, mas que refere um estádio de imperturbabilidade para com o que é impermanente, a extinção da acção por força do interior do próprio Homem e não por qualquer agente exterior. Esta disciplina atinge-se por meio de um processo de disciplina ascética: Tu que crês, nem amas, nem esperas, Espírito de eterna negação, Teu hálito gelou-me o coração E destroçou-me da alma as primaveras... Atravessando regiões austeras, Cheias de noite e cava escuridão, Como um sonho mau, só ouço um não, Que eternamente ecoa entre as esferas… -Porque suspiras, porque te lamentas, Cobarde coração? Debalde intentas Opor à Sorte a queixa do egoísmo… Deixa aos tímidos, deixa aos sonhadores A esperança vã, seus vãos fulgores… Sabe tu encarar sereno o abismo! Num primeiro momento esta via conduzirá o Homem à consciencialização da causa do sofrimento fruto do desejo. Um processo que se inicia e se constrói, com forte paralelo com o percurso socrático: «duhkha» tem uma causa e portan265 to pode ser superado. Tal superação far-se-á por meio daquilo que poderíamos chamar uma maiêutica da sabedoria, que acontecerá como uma consequência da disciplina mental («samadhi»). Não se trata de uma vida ascética tal como esta é entendida no Ocidente: uma fuga ou retiro do mundo. Sonho de olhos abertos, caminhando Não entre as formas já e as aparências, Mas vendo a face imóvel das essências, Entre ideias e espíritos pairando… Que é o mundo ante mim? fumo ondeando, Visões sem ser, fragmentos de existências… Uma névoa de enganos e impotências Sobre vácuo insondável rastejando… Aqui («Contemplação») a via ascética em mais não consiste do que em controlar a mente – e a linguagem como seu instrumento e expressão – para que esta considere a Realidade e os seus elementos tais como são. Que tome o impermanente e o compósito como tais, e não os confunda com o Absoluto e/ou com o Uno. A disciplina mental conduz à consideração da Verdade da Realidade; a uma visão profunda da realidade («Outra luz, outro fim…») para além da aparência; a qual primeiro se pressente mas que, quando atingida com um grau elevado de permanência, eclipsa o sofrimento e mostra o Não-ser nas coisas. Este estádio de verdadeira concepção está «para além» do fenoménico («formas / rumor / lida / forças / desejos / vida…») e, mais uma vez, é delimitado como sendo em si um além, «vácuo». Atente-se, sobretudo na segunda quadra do soneto «Nirvana», à oposição que é feita entre a definição da vida do Mundo (com palavras de forte movimento) e a delimitação pela negativa da quietude do Nirvana (nos dois últimos versos). No primeiro terceto há um paralelo evidente com o percurso da saída da Caverna platónica: o momento de superior visão que requer um novo caminhar (os escravos da caverna têm de se habituar à luz do exterior e por momentos nada vêem) que aqui é vista como uma emergência – «o pensamento (…) emerge a custo» – para a «bela luz da vida, ampla, infinita» (também aqui a luz como símbolo da Verdade, vincando o mito prometaico): é no fundo de um nível superior de consciência que se trata. Para além do Universo luminoso, Cheio de formas, de rumor, de lida, De forças, de desejos e de vida, Abre-se como um vácuo tenebroso. 266 A onda desse mar tumultuoso Vem ali expirar, esmaecida… Numa imobilidade indefinida Termina ali o ser, inerte, ocioso… E quando o pensamento, assim absorto, Emerge a custo desse mundo morto E torna a olhar as cousas naturais, À bela luz da vida, ampla, infinita, Só vê com tédio, em tudo quanto fita, A ilusão e o vazio universais. É portanto o caminho do «Nirvana»; o estádio que permite a penetração nos compósitos da realidade e atinge o seu âmago de Não-ser. De sublinhar que o meio para caminhar nesta via é o conhecimento: pela disciplina da mente tenta-se conduzi-la à verdadeira consideração do que existe. É uma redefinição gnoseológica que está na base da conduta ética. A este respeito atente-se nos dois últimos tercetos e como neles condensadamente temos, não só um plano de conduta ética, mas também uma especulação metafísica que, aliás, lhe serve de base. * * * Para terminar gostaria de sublinhar o facto de ter tido o cuidado de fazer a minha reflexão a partir dos textos de Antero, tentando mostrar como os princípios básicos do budismo enformam a visão anteriana da realidade, para além de constituírem o suporte da sua síntese poético-filosófica: o budismo como corolário do helenismo. Muito para além de um mero conjunto de influências, há, sem dúvida, um oriente budista na reflexão anteriana, o qual condiciona o seu olhar e o seu pensamento. Mas não de um budismo original e «genuíno», quiçá anacrónico no século XIX português e europeu. O que Antero faz é uma reflexão muito própria e particular do budismo, ou de algumas ideias próprias dessa corrente filosófica indiana, com vista à resolução das suas inquietações de cariz ontológico-ético: nisto reside a sua profundidade, originalidade, grande interesse e actualidade. 267 Notas (1) Cartas, op. cit., pp. 925, 926. (2) Cartas, op. cit., p. 880. (3) Esta necessidade de comunicação (directa) está expressa na «explicação» que Antero faz no prefácio à chamada edição «Stenio» dos «Sonetos», na medida em que aí declara que a afirmação do «Eu» do poeta assume a tradição e, deste modo, «eleva-se a uma certa universalidade (…) além da sua própria pessoa, a do Poeta arquetípico, tomado o personagem de uma ficção alegórica da criação poética» (Sonetos, op. cit., p. 9). Desta forma, parece-me que o Poeta obvia à solidão, ao ´pavor pascaliano´ do Homem só num mundo sem voz audível. (4) Cartas, op. cit., p. 748. (5) Idem. (6) Tal questão anunciada aqui terá eco evidente naquilo que Nuno Júdice chama de «interseccionismo pessoal». (7) Sonetos, op. cit., pp. 229, 230. (8) Puligandla, R., op. cit., pp. 57 ss. (9) Ideia tantas vezes vincada nas Cartas e referida por si como aquilo que o Poeta deixará para a posteridade.(cf. Cartas, op. cit., pp. 727, 656, 742, etc.). (10) Sonetos, op.cit., p. 12. (11) Sonetos, op. cit., p. 11. (12) Cartas, op. cit., p. 716. (13) Cartas, op. cit., p. 756. (14) Curioso é verificar aqui como o olhar e ver do Dia remetem para o pensar da (e na) Noite: no fundo a mesma questão dos olhos dos sentidos e dos olhos interiores da alma já referidos por Aristóteles no Livro A da Metafísica. (15) Vejam-se a este propósito as parábolas de Buda da «Vela» e da «Corrente». 268 Bibliografia sumária Quental, Antero de, Cartas I, II, col. Obras Completas de Antero de Quental, organização, introdução e notas de Ana Maria Almeida Martins, ed. Comunicação, Lisboa, 1989. Quental, Antero de, Filosofia, col. Obras Completas de Antero de Quental, organização, introdução e notas de Joel Serrão, ed. Comunicação, Lisboa, 1991. Quental, Antero de, Sonetos, organização, introdução e notas de Nuno Júdice, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1994. Cidade, Hernâni, Antero de Quental, ed. Presença, Lisboa, 1988. Carvalho, Joaquim de, Evolução Espiritual de Antero e Outros Escritos, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1983. Coimbra, Leonardo, O Pensamento Filosófico de Antero de Quental, Guimarães ed., Lisboa, 1991. Silva, Lúcio Craveiro da, Antero de Quental - Evolução do Seu Pensamento Filosófico, Livraria Cruz, Braga, 1959. AA.VV., Poesia Romântica Portuguesa, antologia organizada e prefaciada por Álvaro Manuel Machado, ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1982. AA.VV., Antero de Quental (1891-1991), Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, Abril-Junho, 1991. Chattopadhyaya, Debiprasad, Indian Philosophy, People’s Publishing House, New Delhi, 1993. Radhakrishnan, S., Raju, P.T., The Concept of Man, Harper Collins Publishers-India, New Delhi, 1995. Radhakrishnan, S., Eastern Religions and Western Thought, Oxford University Press, New Delhi, 1988. Sharma, Chandradhar, A Critical Survey of Indian Philosophy, Motial Banarsidass Publishers, New Delhi, 1987. Puligandla, R., Fundamentals of Indian Philosophy, Abingdon Press, New York, 1975. Coomaraswamy, Ananda K., Buddha and the Gospel of Buddhism, Munshiran Manoharlal Publishers, New Delhi, 1985. 269 XU YIXING Universidade de Estudos Internacionais de Xangai Combinação das Culturas Latina e Chinesa - Ensino do Português em Xangai "A palavra humanismo deriva do latim humanus, que significa ‘humano’. Podemos definir brevemente um humanista como alguém cuja visão do mundo confere grande importância aos seres humanos, à vida e ao valor do ser humano. O Humanismo realça a liberdade do indivíduo, a razão, as oportunidades e os direitos". Gaarder, Jostein em “O Livro das Religiões” O termo humanismo é utilizado para designar o estudo das letras humanas em oposição à teologia, diz-se assim. De facto, a palavra tem, além dessa explicação, várias outras explicações, conforme os dicionários, como por exemplo: 1. Doutrina ou atitude que se situa expressamente numa perspectiva antropocêntrica, em domínios e níveis diversos, assumindo, com maior ou menor radicalismo, as consequências daí decorrentes. Manifesta-se o humanismo no domínio lógico e no ético. No primeiro, aplica-se às doutrinas que afirmam que a verdade ou a falsidade dum conhecimento se definem em função da sua fecundidade e eficácia relativamente à ação humana; no segundo, aplica-se àquelas doutrinas que afirmam ser o homem o criador dos valores morais, que se definem a partir das exigências concretas, psicológicas, históricas, econômicas e sociais que condicionam a vida humana. 2. Doutrina e movimento dos humanistas da Renascença, que ressuscitaram o culto das línguas e literaturas greco-latinas. 3. Formação do espírito humano pela cultura literária ou científica.1 Vê-se que até no mesmo dicionário, a palavra tem vários sentidos, contudo, é fácil aperceber que os sentidos todos estão intimamente ligados, pelo menos, apontam para uma coisa em comum, isto é, o humanismo não se refere a ape271 nas uma coisa, mas sim, a diversos aspectos, incluindo questões cultural, económica, social, entre outras. Além disso, o homem é sempre o centro de todas as actividades, é quem cria as doutrinas e quem descobre o mundo. O humanismo latino, seguindo o mesmo fio de pensamento, é composto por diversas noções no âmbito das culturas latinas, de que fazem parte as culturas portuguesa e brasileira e com que temos íntimas relações, os que trabalham com a língua portuguesa no dia-a-dia. A Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, universidade estabelecida em 1949, abriu o Curso de Licenciatura em Língua e Cultura Portuguesas em 1977. Mas como a procura não tem sido enorme, embora cada vez mais, até este momento, não se admitem alunos todos os anos. De qualquer modo, é uma instituição onde se ensina o Português, sexta língua mais falada no mundo e onde, por conseguinte, se ligam as diferentes culturas, que estão longe de distância fisicamente. Tomando uma aula de tradução como exemplo, não é difícil notar que no caso da tradução de chinês para português ou ao reverso, os alunos aprendem a técnica de interpretação dos conteúdos com a língua portuguesa ou chinesa, na base de posse mínima de senso comum sobre os mesmos. Neste caso, quando as noções culturais dum país são interpretadas pela língua do outro, as duas culturas combinam-se perfeitamente. Mais difícil a aula de conversação. Se nem conhecermos bem o que vamos dizer mesmo na língua materna, como é que podemos traduzi-lo para uma língua estrangeira? Tudo isso exige que os aprendentes tenham que se esforçar fora das aulas, lendo, vendo, comunicando, a fim de obter mais informações e conhecimentos sobre as noções culturais do próprio país, o que facilitará, sem dúvida, a comunicação com os outros, quer compatriotas, quer estrangeiros. Ler, sim, mas ler o quê? Claro, há imensos livros sobre a China, por exemplo, em Chinês. Para quem estude uma língua estrangeira, porém, não é suficiente ler coisas sobre a China e em Chinês, mas sim, sobre a língua estrangeira e o(s) país(es) onde se fala a língua, o Português e os países de língua portuguesa, e especialmente Portugal e o Brasil, no nosso caso. O problema é que quase não se encontram publicações sobre esses países, mesmo em Chinês, nem pensar em Português! No mercado chinês, o que podemos encontrar pode ser um dicionário bilingue chinês-português (e é o único), um manual sobre a gramática portuguesa 272 (também é o único, ou no máximo, um dos 2 ou 3 publicações que temos), ou um romance traduzido de português (no caso de romances, há bastantes, mas ao mesmo tempo pouquíssimos em comparação com as edições de Inglês ou outras línguas). E quanto aos materiais didácticos, não há nada. É que os docentes chineses de Português não trabalham? Se acharem assim, estão enganados. Trabalham mesmo e usam-se as cópias dos frutos resultados da inteligência e empenhamento dos professores, só que os mesmos não chegam a ser eventualmente publicados. O número de tiragem, se chegassem a publicar, não alcançaria o suficiente de balança financeira das editoras, as quais, naturalmente, têm de pensar em lucros. No fundo, há pouca gente (na base duma população tão grande como a China) que se interessa pelo Português embora o número seja cada vez maior. Além das únicas 3 instituições onde há cursos de licenciatura de Português em Pequim e Xangai, ainda se encontram locais de ensino de Português como opção em várias cidades chinesas, como Guangzhou, aliás Cantão, Quanzhou da província Fujian, Nanjing da província Jiangsu, Chendu da província Sichuan, etc. Basta ver os números de alunos admitidos no curso de licenciatura em Xangai desde 1994, ano em que se regularizou a admissão de alunos de Português na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai: Ano Número de alunos 1994 7 1998 11 2000 15 2002 16 2004 20 2005 25 Observação A ser previsto Desse quadro, pode-se verificar que de 1994 a 1998, ainda se admitiram alunos de 4 em 4 anos. Contudo, desde 1998, a situação melhorou, quer dizer, já temos novos alunos de 2 em 2 anos e o número de alunos está a aumentar. E a partir de 2004, está prevista uma nova turma todos os anos, ou pelo menos, manter 3 turmas dentro de 4 anos. Fora disso, existem empresas que estão a desenvolver relações comerciais com alguns países de língua portugue273 sa, ou estão a preparar-se para isso, as quais têm a necessidade de formar um grupo de pessoas que falem pelo menos um pouco de Português, de tal modo que se torne muito mais fácil a comunicação com a sociedade local quando lá chegarem. Com a visita do Presidente do Brasil à China em Maio de 2004, e a visita do Presidente da China aos 4 países da América do Sul em Novembro de 2004, ainda mais a visita do Presidente de Portugal à China nos próximos dias, os interesses políticos e económicos vão, com certeza, dar estímulo a outros tipos de interesses, o que levará, ou já levou, à busca de lugares onde se pode aprender Português. Para esse grupo de pessoas que já têm um emprego garantido, diferente dos alunos de licenciatura, nas aulas intensivas de formação por curto prazo, de 1 mês a 6 meses, também se nota bem a combinação das duas culturas. O Euro 2004, a Taça Mundial de futebol, o vinho do Porto, a samba do Brasil e demais noções ligadas a Portugal e Brasil, tudo isso pode ser interessante para aprendentes chineses comerciantes, que estão conscientes de que o conhecimento da cultura do país parceiro facilitará os negócios. Como os estrangeiros têm também grande curiosidade desse mundo do Oriente, não vemos a necessidade de que se ausente a interpretação em Português as noções especiais da China. Portanto, vê-se frequentemente nessas aulas a comparação entre as culturas, embora com palavras muito simples. Já contamos com o simpático apoio de algumas instituições que trabalham com a divulgação do Português, nomeadamente o IPOR e o Instituto Camões, no que diz respeito à abertura de Leitorado de Português na nossa Universidade, envio de leitores bem como materiais bibliográficos e audio-visuais, organização de cursos de Verão em Macau para docentes e alunos de Português, concessão do Prémio de Portugal aos melhores alunos de Português dos leitorados, além dum Centro de Língua Portuguesa nesta instituição em breve, se tudo correr bem. Há, ainda mais, algumas universidades que já estabeleceram boas relações com a nossa instituição através da assinatura de convénios de cooperação: Universidade de Lisboa, Universidade Lusíada, Universidade de São Paulo, Universidade Cândido Mendes (do Brasil), Universidade de Macau, Instituto Politécnico de Macau... As mesmas, oferecendo-nos apoios por meio da oferta de materiais, intercâmbio de docentes e alunos, concretizaram ou estão 274 a concretizar os convénios, de tal modo que favoreçam a divulgação da língua portuguesa em Xangai. Entre elas, destaca-se a publicação da obra “Formação Econômica do Brasil”, de Celso Furtado, na China em 2002, com o pleno apoio da Universidade Cândido Mendes. Apesar disso, ainda desejamos contar com o apoio possível de todas outras instituições, a fim de, por instante, publicar os materiais de Português na China assim como materiais sobre a China em Português em outros países; organizar actividades dos aprendentes de Português quer na China quer em outros lugares do mundo, sobretudo em Macau, que é mais fácil de chegar; enviar mais materiais de língua portuguesa... Sem dúvida, somos vorazes nesse aspecto, os materiais nunca são suficientes. Por outro lado, também somos vorazes em desenvolver o ensino de Português em Xangai. Notas (1) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da lìngua portuguesa, pàgina 1064, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999. 275 ZHANG WEIQI Universidade de Estudos Internacionais de Xangai Diferenças Culturais e a Tradução As maiores dificuldades que um tradutor enfrenta na sua prática de tradução de um língua para a outra seriam as diferenças culturais, pois, além do domínio das línguas com que ele traba-lha, envolvem usos e costumes, preconceitos, valores morais, concepções do mundo etc., detalhes que possivelmente causam “barreiras” ao entendimento mútuo. Para um tradutor que está a desenvolver um trabalho com as línguas chinesa e portuguesa, o seu conhecimento relacionado com as diferenças culturais é, sem dúvida nenhuma, um dos factores essenciais para que o trabalho resulta bem ou menos bem conseguido. Será difícil, neste momento, tratar de um assunto tão vasto como as diferenças culturais, por isso, gostaria de esboçar, nesta comunicação, alguns aspectos relativos com as práticas de tradução, incluindo diferenças existentes no léxico, semântica, estruturas das frases e seu uso nos actos de fala diários. I. Diferenças Semânticas - Equivalentes Parciais Teoricamente, o tradutor procura sempre o equivalente de Português para Chinês ou vice-versa no seu trabalho. Seria muito bom encontrar uma frase “Ele é meu vizinho” para a tradução, porque pode localizar equivalentes um após um e montar a frase em Chinês sem dificuldades nenhumas. Mas na prática, dependendo do contexto, uma palavra em Português pode ter vários equivalentes em Chinês com sentidos extremamente distantes ou até, em casos particulares, não ter equivalente nenhum. Este fenómeno é muito comum na prática de tradução Português-Chinês. Uma explicação para tal fenómeno pode ter a ver com o facto de as duas língua pertencerem a dois ramos distantes: o Chinês é uma língua pictográfica, usa 277 pictogramas enquanto o Português usa o alfabeto romano. Em muitos casos, pode-se encontrar palavras em Português que têm um campo semântico maior do que em Chinês, por isso, só conseguimos localizar em Chinês, equivalentes parciais. Vejamos os exemplos seguintes: Ex. 1 “irmão”: [ge--ge], irmão mais velho [dì-di], irmão mais novo irmão Ex. 2 “tia”: [gu--ma-], irmã do pai [shĕn-shĕn], esposa do irmão do pai [a--yí], irmã da mãe etc. tia Nestes dois exemplos, podemos verificar o facto seguinte: as duas palavras citadas, “irmão” e “tia”, possuem sentidos mais amplos. No caso de procurar um equivalente na tradução para o Chinês, o tradutor depende muito do contexto para saber quem é quem. Há casos que deixam os ouvintes confusos quando o tradutor não consegue escolher o equivalente correcto conforme o contexto. Vou citar mais um exemplo que transmite o sentido pejorativo para os leitores ou ouvintes por falta da contextualização: 278 Ex. 3 No momento de estimular os outros, o chefe exclamou – “Sejam mais ambiciosos no próximo ano!” e o tradutor, sem demorar um segundo, passou para os ouvintes: “ ([yĕ-xi-n])”. A falha na tradução verifica-se no facto de, em vez de passar um sentido positivo, o tradutor usou uma palavra para Chinês que possui um sentido pejorativo para os outros. Para “ambição” ou “ambicioso”, palavras neutras que depende muito do contexto para exprimir sentido positivo ou pejorativo, o tradutor precisa de estar muito atento na prática. Na tradução de Chinês para Português também existem muitos casos similares. É sabido que o Chinês é uma língua carente de flexões, isto é, em comparação com o Português, não existem conjugações verbais e usam-se advérbios para expressar o tempo. Outro aspecto que merece atenção na tradução Chinês-Português diz respeito à flexão do género e número. Apesar da língua chinesa ter prefixos e sufixos para exprimir número (“ [me-n]”) e género (“ [nán]” masculino v [nü]” feminino), raramente se usam, particularmente na oralidade: Ex. 4 “ ” (yi-she-ng), pode ser médico ou médica, até pode referir um grupo de médicos/médicas, pois em Chinês, excepto casos de ênfase, ninguém costuma dizer “ ” ou “ ”. “ ” (lăo-shi-zăo), pode ser “Bom dia, professor!”, “Bom dia, professora”, “Bom dia, professores” ou “Bom dia, professoras”, tudo depende da situação. Destas diferenças semânticas, podemos notar que há diferenças nos sistemas que organizam as duas línguas, as quais influenciam a tradução e exigem muita atenção do tradutor durante o seu trabalho de retroversão de uma língua para a outra. Basta lembrar-nos de que, também há casos de ausência de equivalentes, particularmente na área lexical das comidas. Um exemplo disso: há dez anos, por exemplo, ninguém na China sabia o que era o “pastel de nata” e agora, para quem já provou e se habituou a compreender o seu significado e significante, jamais se esquecerá do seu nome em Chinês. 279 II. Diferenças Sintácticas - Estrutura das Frases Na tradução Português-Chinês e na comunicação social, as diferenças nas estruturas das frases tornam-se obstáculos que dificultam o trabalho dos tradutores. 1. Organização do Pensamento e a Estrutura das Frases Como sabemos, qualquer sistema linguístico expressa uma determinação através dos actos de fala. Assim, a sintaxe que ele usa fica regulada pela forma de manifestar o pensamento dele que varia de falante para falante e de um país para o outro, conforme a língua que utiliza e o seu sistema normativo no conjunto. Em Português, notamos que com base de “Sujeito + Predicado”, a frase pode ser estendida com orações subordinadas, expressões preposicionais, gerúndios etc., que estão interligados aos elementos essenciais da frase. De facto, as frases estão unidas pelos elementos de ligação, que estabelecem certo tipo de relação entre duas orações. Vejamos um exemplo disso: Ex. 5 Como aqueles nossos velhos solares que, limpos das teias de aranha, fazem corar de vergonha qualquer arranha-céus de cimento construído ao lado, o Porto só precisa de ser espanejado do pó do tempo para competir com qualquer terra que se lhe queria medir.1 Neste exemplo, com o análise, sabemos que é uma frase comparativa. A oração principal é “O Porto só precisa de ser espanejado do pó do tempo” e estabelece uma comparação do Porto com os velhos solares, através da conjunção “como” que liga as duas orações. Enfim, para o tradutor, a noção de o pensamento analítico do Português é mais claro que no Chinês, para o qual a ligação das orações sucede-se uma após outra sem elementos conectores como conjunções, sejam as que mostram a relações interiores. Um principiante em tradução Português-Chinês e vice-versa, detecta logo ao traduzir para chinês a frase “Saí de casa para passear, quando o encontrei” para Chinês ( , ), que não precisa de empregar uma conjunção para ligar as orações, pois em Chinês, há uma preocupação maior no efeito de expressão do conjunto, na expressividade e no ritmo, em vez de ficar preso às normas rígidas impostas pela gramática portuguesa.2 280 2. Ordem dos Elementos da Frase O estudo comparativo entre o Português e o Chinês obriga-nos ficar de olhos bem abertos sobre a ordem dos elementos da frase, que também é um elemento para entender a forma como as duas línguas organizam o pensamento: Ex. 6 1. Região Administrativa Especial de Macau (1) (2) (3) (4) ➛ (4) 2. Estudar (1) (3) (2) com (1) aplicação (2) ➛ (2) (1) Com mais estudos semelhantes aos dois exemplos acima referidos, verificamos que a ordem dos elementos da frase em Português e em Chinês é exactamente o contrário: o Português expressa em primeiro lugar os elementos nucleares da frase (no caso 1, “Região” e no caso 2, “Estudar”), e depois, acrescenta outros elementos modificadores; em Chinês, a parte nuclear fica sempre no último lugar e os componentes modificadores localizam-se em primeiro lugar. Podemos verificar a forma como os dois sistemas de língua funcionam e como organizam o pensamento é literalmente o oposto. Assim, de acordo com o sistema da língua portuguesa, uma frase pode ser prolongada e o seu conteúdo pode ser enriquecido com acréscimo de elementos modificadores; enquanto a organização da frase em Chinês não tolera elementos adicionais antes da palavra nuclear e normalmente é curta. Através das explicações acima referidas, que representam diferenças ideológicas quer na Semântica quer na Sintaxe entre o Português e o Chinês, podemos entender como as duas línguas expressam ideias, conceitos e pensamentos distintos, os quais dificultam o trabalho do tradutor. Em seguida, vamos esboçar um pouco das diferenças que existem nos usos e costumes. 281 III. Diferenças nos Actos de Fala Diários O emprego da língua varia de um país para o outro conforme os seus usos e costumes. Até dentro do mesmo país, também há diferenças na tradição, no uso da língua que causam dificuldades. Primeiro, gostaria de citar uns exemplos relacionados com números para quem já tem alguns conhecimentos sobre os países da língua portuguesa: um bilhão no Brasil corresponde a mil milhões em Portugal enquanto um bilhão em Portugal possui mais três zeros! Quanto à China, as pessoas costumam contar com quatro algarismos: dez mil, cem milhões, etc. Tal problema sempre gera confusões aos que estão no início da prática de tradução. Por isso, o tradutor deve-se preparar bem antes de enfrentar os emissores e receptores. Na China, o primeiro andar corresponde ao rés-do-chão em Portugal, enquanto o primeiro andar em Portugal é o segundo andar em Chinês. Assim, o tradutor precisa de notar que um prédio baixou um piso de Chinês para Português! O diminutivo em Português é tão usado nas formas de tratamento, a ponto de ser usado também para os idosos; na China estamos acostumado a usar o prefixo “ ([xiăo], pequeno/a)” para tratar os que têm menos idade e o “ ([lăo], velho/a)” para quem seja mais idoso. Outro aspecto interessante é comparar os animais com os conceitos que eles representam. De vez em quando sugerem conotações desiguais, como por exemplo, o rato está associado à inteligência em Português enquanto que em Chinês, é um animal mau que espalha doenças. O conhecimento das diferenças dos costumes também pode vir da prática de convívio. O tradutor necessita de observar bem os detalhes da vida quotidiana. Por exemplo, a cerveja não gelada para um português é “cerveja quente” que ninguém bebe; paralelamente, um chinês ao pedir água quente, quer dizer que ele deseja água recém-aquecida para fazer chá. A cultura e a língua são coisas inseparáveis para se fazer uma boa tradução. As diferenças culturais que o tradutor enfrenta durante o seu trabalho precisam de ser resolvidas com a sabedoria do próprio tradutor. Hoje em dia, com o avanço tecnológico, torna-se possível ter acesso a várias fontes de pesquisa, incluindo livros, jornais, revistas, canais de televisão e, principalmente a Internet, que nos fornece informações que talvez sejam importantes para o tradutor 282 desenvolver o seu trabalho. Assim, o tradutor pode e deve aproveitá-las para superar as dificuldades da compreensão do texto original e para o descobrimento das soluções de forma a poder harmonizar a tradução com o texto original. Na medida que o tradutor for capaz de evoluir na dimensão cultural, menos barreiras encontrará no seu trabalho. Notas (1) In Portugal, de Miguel Torga. (2) As estruturas das línguas ocidentais parecem interligadas uma a outra e deixam traços de ligação; as estruturas de Chinês parecem juntadas sem ligações nenhumas e não deixam traços de ligação. A Gramática das línguas ocidentais é fixa, sem flexibilidade enquanto a de Chinês é variável, rica de flexibilidade (tradução livre), in Teoria da Gramática de Chinês, do Professor Wang Li. 283 ZHANG XIAO-HUI Professor in the History Department “Jinan University” Guangzhou, China The Economy Society of Macao at the Early Time of the Anti-Japanese War (1937.7 - 1941.12) I. The economy society of Macao on the eve of the Anti-Japanese War In the late 19th century and early 20th century, Macao’s sluggish economy had begun the process of modernization slowly. The urban appearance made great changes including dismantling and renewing old houses and “Taking on an entirely new look”. The Project Department “spare no pains to polish up the street”1. Because the entry and exist between Canton and Macao was unrestrictedly, people’s come-and-go were frequent and the economic and trade connection was rather close. According to the statistics by GongBei Customs, since 1912, the annual average quantity of the passengers travelling between Canton and Macao overran one million2. In the 1920s, the Macao governor implemented comparatively enlightened policy, such as at the end of 1928, after the Sino-Portugal government signed treaty of amity & commerce, the improvement of the relationship between Macao and hinterland had created conditions for the development of social economy. The paces of the city’s development were also accelerated, filling out the sea and making ground on a large scale to make the urban area greatly expanded during this period, with the whole area in Macao 11.04 km2 in 1911 but 15.42 km2 in 1927. The change is significant for the development of Macao. Originally very weak manufacturing industry of Macao also strengthened, especially in fireworks industry, match industry and incense industry which had had certain reputation overseas. At the beginning of 1930s, total export value of these products had already been close to 40% of the total export value of Macao. However, most of these enterprises were hand-made manufacturing factories or workshops, with the number only about 120, which did not take great proportion in local economy too3. 285 The following depression sweeping over the world made the economy in Macao and the hinterland fall into depression. It was reported in the newspaper in mid 1930s that the depression of commerce in Macao has never occurred before and can’t recover after a setback. Rare people can be seen into the previously prosperous gambling joints and opium den and so are the other businesses. As for brothel, there are few visitors, either4. Otherwise, According to the report from GongBei Customs: In 1935, the economic situation in Zhongshan County and nearby areas generally declined, while the overseas remittance also fell sharply. It did not ameliorate in the following year. “Influenced by it, the trade suffered a disastrous decline”5. Simply depending on the handicraft industry and the trade of imports and exports with a severe trade deficit was useless for saving Macao’s economy, therefore, particular businesses emerged as the times required. Such as the gambling business, Macao government (Portugal) claimed to allow various kinds of gambling business to have patent rights in 1934, and adopted bid to dispose gambling business in the whole Macao. Nanhua recreation Co., Ltd. of Dog Race was then established in the same year. At that time Dufantan, Shooting dice and Baijiale formed mainstream in gambling joints of Macao which centered in the most prosperous place in the urban areas, such as Qingpingzhi Street, New Fulong Street, Yi an Street, where more than 20 gambling joints existed, all called company. Among them TaiXing Entertainment Company organized by Kening Gao, Deyin Fu and the like in 1937 was the most powerful which signed the exclusive contract with government of Portugal Australia General Office of Finance, hosting the gambling house business of the whole Macao and paying the tax – equivalent to Portugal currency 18,000,00 – on gambling every year6. As for prostitute business, because Hong Kong forbade operating brothel in 1935, most moved in Macao, because of that thousands of prostitutes settled down in Macao. Special trade tax, etc. became main financial source of government revenue, especially the proportion of the sources of profit of the opium and gambling skyrocketing. The received tax, up to several million dollars, accounted for about 90% of the fiscal revenues unexpectedly7. The records about Macao’s population were few in histories. Before 1920 it was estimated that the local population were kept in the level of seven or eight ten thousand people. In 1924, mainly because of the rebellion of Guangzhou businessman’s group, a large number of people ran away into 286 Macao, which gave occasion to Macao’s population to exceed 1,000,00 for the first time. Prewar the population in Macao was about 1,200,00, the model of social economic development stepped into an abnormal stage, which was so-called “prosperous” with no way out, Just as what was recorded in the prelude of “the Annual of Macao” published in 1936 “judging from current status, the business activity in Macao was underdeveloped, having to be by right of neighboring markets to meet its needs, so the Macao market pertained to them in fact, with the balance of trade discrepant more greatly lately”8. Soon after, Anti-Japanese War broken out, the change of the domestic situation had brought a new favorable turn to the development of Macao. II. The main port of foreign traffic and external trade of West Bank of the mouth of Pearle River In the first year of the anti-Japanese war, it was affected but not much on the connection among Canton, Hong Kong and Macao. After Guangzhou was occupied in October of 1938, though traffic between Guangzhou and Hong Kong was cut off, the transportation of Hong Kong-Macao and Canton-Macao still opened. Macao became the tie contacting Canton and Hong Kong and important transfer station of Chinese and foreign trade in wartime for a time. 1. Pivot of the foreign traffic of West Bank of the mouth of Pearle River In the initial stage of Anti-Japanese War, the local products Mainland exported to Hong Kong and the goods Hong Kong entered to Mainland gathered in Macao in a large amount needing to transport, so the shipping industry of Macao and automobile transport service were very prosperous, making the traders lucrative. However, the communications and transportation of Macao, Hong Kong and hinterland is unstable, its prosperity and decline had to depend on development of the military situation. In the county of Zhongshan there are many rivers and branches, with one leading to Macao. The main road directly to Macao is QiGuan road. Since war of South China, it was the only channel connecting Guangzhou to exterior, which was unusually crowded with passengers in the last ten days of October of 19389. For escaping being bombed and mowed down by Japanese fighters and making the travel safer, Qi-Guan road 287 Bus Company switched to night shift on the beginning of November10. In April of 1939, the Japanese aggressor troop intruded in Jiang men, and the war spread to neighboring regions, resulted in the refugee waiting to relive urgently, with a narrow channel left opening to Macao. It is relatively difficult to transport, but narrowly can do11. When Rongqi was occupied, Macao and four cities and three ports in lower reaches of Xijiang River suddenly prospered. There were as many as 18 kinds of motor vessels in all in the companies of 5 boat industries at that time, “it flourished for a time when the vessels loaded with passengers or cargoes shuttled like crucians crossing the river”12. But the military affairs of Zhongshan were pressing in mid-July, and most of ferries were forced to suspend. Generally speaking, local products transported to Macao and goods to the hinterland of Macao this year was a lot, so the forwarder could obtain thick profit. But after the Japanese took up Zhongshan and Shiqi in 1940, the four cities were separated from Hong Kong and Macao. The ferry and cargoboat that usually toed-and-froed between three ports and Macao didn’t dare to voyage being afraid of Japan’s warships cruising on the river making a great deal of goods overstocked. In the last ten days of March, Chinese garrison five district guerrilla warfare headquarter convened the boat trader to have a meeting specially, discussing how to safeguards the traffic, determined to use a new course of Duhu without exception, and sent warship to convoy against pirates. Ferryboats and tugboats resumed sailing soon13. Enemy and we fought fiercely within the territory of the county of Zhongshan. Though the Japanese aggressor troop “mops up” everywhere, it is still unable to control the current political situation effectively. Since the Japanese aggressor troop removed the blockade of Macao, in the last ten days of June, the passenger-cargo exchanges have already resumed as usual. A lot of groceries were transported to Zhongshan and three ports by Macao from Hong Kong day after day, at the same time, the goods in the hinterland and agricultural byproducts were also transported to Hong Kong in a steady stream by Macao14. At the beginning of 1941, the navy of Japan strengthened to the coastal cleaning up of South China, leaving the traffic hinge Shayuyong lying in Daya Gulf blocked up, and freight transportation of West River to South still prosperous15. A lot of forwarding agents shifted to Macao, trying to hold the transportation undertaking between Macao and four cities, three ports. By mid-March, these communication 288 lines were in fashion for a time, carriers nearly up to one hundred. However, because the coastal was unsafe, the enemy warship volleyed and influenced by the war, or can not handle well and lack funds etc., the majority closes and has a rest soon16. Transport network of West Bank in the mouth of Pearl River helped domestic wartime materials rush to transport and transfer. It is very crucial to rush to transport salt in wartime. Salt was shipped by Canton east salt transport line by sea to Hong Kong first, trying to transfer again. One way is to transfer salt to the hinterland by Macao17. These passing ways were full of twists and turns, land and water by turns, keeping the transporting and connecting hardly. Until 1941 after the war of the Pacific Ocean was broken into, some were still insisting on running. 2. Bonds of West Bank of the mouth of Pearle River in the foreign trade The foreign trade of Macao was extremely unstable during the prewar days. But as Guangzhou and Hong Kong were occupied in succession during the war of resisting Japanese, a large amount of domestic and foreign trade centralized on the so-called “neutrality” and promoting the imported and exported goods value in Macao to increase nearly 3 times promptly in a few years. Such as follows: Form 1: Foreign trade goods value statistical form of Macao Unit: Portugal Coin Year 1936 1937 1938 1939 1940 Import 15 743 585 20 292 593 28 434 584 50 009 313 27 821 405 Export 9 143 627 15 438 634 20 738 960 43 339 066 24 112 812 Total of imports and exports 24 887 212 35 731 227 49 173 544 93 348 379 51 934 217 Source: edited by Qichen Huang: “General History of Macao”, Educational publishing company of Canton, 1999 edition, Page 341. Since Guangzhou was occupied, “the trade situation is widely different and unusual” in Gongbei Custom. The traffic of Hong Kong and every coastal port of Canton was broken off; large quantities of goods were transported to Macao, and then were shipped to hinterland by civilian boat, sampan and automobile etc. In 1938 foreign goods imported were lower than last year, but local products exported 289 heightened. “The local situation of Gongbei is still not stable, but the foreign trade all the better preponderates over last year”. Make all customs to be counted; the imported foreign goods are worth country’s coin of 26,600,000 Yuan altogether, increasing sharply than 3,700,000 Yuan of last year. Also 7 million Yuan became 2010 Yuan for the value of the directly exported local products. “In the same year various local products exported by way of Yuehai Custom and Kowloon Custom originally had to be shipped out via Gongbei Custom because of the strained situation in hinterland. The special phenomena of this year worth noticing particularly is the output amount of the poultry, fresh fruit, fresh vegetables increases sharply at double among exports”18. Because the Japanese aggressor troop has captured Guangzhou and nearby area, transportation main artery of Guang-jiu railway was cut off. After this in some time, the center of China foreign trade shifted to Shantou, Macao and Guangzhou gulf respectively, so “due to Hong Kong trade, these three harbors are prosperous”19. The trade between Hong Kong and China’s Mainland by Macao has been promoted, such as form 2: Form 2: Value of imports and exports between hinterland and Hong Kong by Macao Unit: Hong Kong dollars Item Year 1938.1-8 1939.1-8 Increase in 1939 than last Value of exports to Hong Kong by way of Macao 720.3 1 991.9 1 217.6 Value of exports to Macao by way of Hong Kong 1 431.4 2 810.0 1 378.6 Source: “Economy News”, “Hong Kong Singtao Daily”, Sep. 28th 1939. Transported to Hong Kong by Macao, it is large with fish, vegetables, nankeen, raw silk and silk fabrics, ore in sand form, tobacco, etc.; Transported from Hong Kong by way of Macao to hinterland it is large with grain (paddy-rice, flour), kerosene, peanut oil, cigarette, etc. 290 Form 3: Value of imports and exports of all Customs of Canton and proportions occupied by Macao (1938-1940) Unit: Import: customers’ silvers Export: Paper currency issued in 1935 by KMT government Year Total value of imports Section from Macao 1938 — — Proportion Value of Macao of exports — Total value Proportion to Macao of Macao 199 089 073 9 375 739 4.7 1939 37 321 656 2 857 727 7.7 104 731 672 21 292 597 20.3 1940 80 101 830 4 213 904 5.3 113 377 823 19 245 956 17.0 Source: “Quarterly of Canton state-run bank”, Volume 3 Issue 2, Jun 1943, pp. 439-441, 443-446. It can be seen form table 3, although in proportion of foreign trade to Macao every port of Canton dropped to some extent in 1940, absolute value increased by a wide margin compared with the year before last. Mainland local products that Hong Kong input in the same term increased sharply, a lot of them came from Macao, such as form 4: Form 4: Table of local products imported from Hong Kong and transferred by Macao The title of goods Import time Total of import Shifted from Macao Remark Tea leaf 1939.11 6 858 629pound 30 951pound — Tungsten 1939.11 818picul 406picul Macao presumably account for 50 per cent Tin 1939.11 2 037picul No detailed fig. — Raw silk 1939.11 835 160yuan 793 549yuan Macao account for 95 percent Tung oil 1939.11 63 600picul 184picul — Tung oil 1940.2 33 710picul 3 786picul Macao presumable account for 1/9 Medicinal material 1940.2 928 799yuan 56 780yuan — Source: “Economy News”, “Hong Kong Singtao Daily”, Dec.27th 1939, March 26th 1940. In the report of Gongbei Custom in 1940, it referred to: “after Canton and Jiangmen were taken by storm, Macao became the optimal way for Mainland to import and export 291 goods. One of the reasons was that it was the business center of the mouth of Pearl River. The other was that importers fell over each other to lay in supplies for fear that Zhongshan would be the next target of Japan, while exporters vied with one another to market their goods, which brought on prosperity of transportation. Due to this in the first four and a half months the trade increased sharply, its value counted more than half of the total value of the previous year unexpectedly. It was calculated that the value of imports reached 16,200,000 Yuan and that of exported local products up to 11 million also. Until in May of the same year, the Japanese aggressor troop occupied every branches of Gongbei Custom, this port commercial affair stopped. After this, Macao “turned into the largest centre district that exchanged the goods and materials with the rear in enemyoccupied area promptly”20. III. The prosperity of the industry and commerce and social economic problems During the numerous and disorderly war, people regarded Macao of neutrality as “the Land of Peach Blossoms”, with its population aggrandized, merchants gathering and the flourishing life appearing in the economic society. After several years, the economic structure of Macao changed obviously and promptly, fishery and some traditional craft trades declined day by day, but the trades as rising finance etc. emerged rapidly. 1. Flourish in great numbers of business At the beginning of anti-Japanese war, a large number of refugees dodged in Macao. It was covered in overseas Chinese’s newspaper of June 16, 1938 that “refugee from all parts up to 400,00 are pouring into Macao, making tenements overcrowded, who have no means to support themselves and become destitute and homeless”. Especially in October the same year, the enemy intruded upon the coastal area of South China, and “Macao and Zhongshan are jointed together either by land or by sea, turning into main traffic artery and the hinge for refugee to flee”21. In 1939 Macao’s populace aggrandized sharply to over 245,000 (some insisted 400,000), with which basic needs of society increased. Among the refugee there were many moneybags who brought capital and some even shifted their business to 292 Macao, engaged in managing off-site. Selling market and ample fund input were easy to root out in Macao so that many vocations tightly related with public’s life progressed vigorously. Because of floating population skyrocketed sharply, the hotel industry of Macao was prosperous, with 28 prewar, 39 in 1937 and 51 in 1939, and the total number of travelers was up to 345,00022. Many Canton traders came to Macao for further development, such as Guangzhou native foreign dyestuffs industry Zhaoxinlong Trading Company, the first to have established branch in Macao, its business was booming23. Guo Desheng, originally having pursed the business of native and foreign groceries and knit goods in Zhongshan, saw materials was scanty in wartime, then utilized the condition of abutting upon Macao and Hong Kong to undertake rotation and sale of goods, with its business in the bloom of prosperity. He and Feng Zhan Lin,a businessman of Macao, co-invested in building Guangzhou Hong Xing Company, whose filiales were set up in Hong Kong, Macao, Guangzhou gulf and other places24. Chen xinghai, who had a native bank and teashop in Guangzhou, went to Macao to open many branches25. Many inland medicine companies established branches in Macao too. For instances, old Guangzhou Chen Li Ji Medicine Trading Company ‘s branch in Macao was opened in June20, 194126. Wang LaoJi, which is the famous old established firm of Medicine Company in Guangzhou, had branches in Hong Kong and Macao. After the Japanese aggressor troop occupied Guangzhou, its cool tea warehouse was all destroyed by fire, operators escaped to Macao, relying on the branch to insist on opening27. Sharply increasing population, merchants gathering, and the prosperous market had driven financial circles. Inland many silver native banks moved Macao to manage, “the large banking house, exchanging small, spread all over in streets and lanes, the business was also unusually developed”. The business of every banking house, moneylocker made a profit more with the retail sales, because there have been already many monetary kinds in wartime, the price also often change, often need to exchange, while coming in and going out, make a profit much. The collecting of various kinds of service charges is also quite considerable28. Ru HeXian was legendary personage in Macao, financial giant, and famous patriotic social activist. He is 293 originally a native in Fanyu, set foot in the financial market of Guangzhou in the thirties, established and gathered together the HuiLong banking house with his partners, prestige is grand day and day, display talent for the first time. On the occupied eve of Guangzhou, he went to Hong Kong to engaged in the financial business activities, and then transferred to Macao and had a foothold again, on 1940 established DaFeng bank, managed currency exchange and telecommunications refuting and gathering together, became a head in local silver industry”29. The gold store spread all over the place too, because some of refugees have gold jewelry, change for the silver promptly when short of money at hand, in order to support the family, caused all kinds of gold store business to be very considerable too. Zhou Dafu gold shop showed the example. It established in prewar Macao by Zhou ZhiYuan, under the devoted to managing of its son-in-law Zheng Yu-tong, the business was being expanded constantly, went to Hong Kong to open the branch in 1945, then became one of four major gold stores of Hong Kong30. Still handle exchange, deposit business, or the person who speculates undertaking, added the neutrality status of Macao, is it stand to plug into for province, Hong Kong, gulf goods, freight transportation frequent, more undertaking benefit that can manage, financial circles then presents the flourishing phenomenon. Even someone calls this period “Golden Age” of financial circles of Macao. The articles of daily use, tailor, ready-made clothe and furniture lease etc. became flourished because of increasing in population from other places. China-made goods companies added the branch and silk shop in succession in Macao in March of 1940 and next year June31, as distributing the market. The business “not only had brisk business in the cotton print shop, but also ready-made cloth shop, tailor pave, Clothes Company”. The furniture leasing industry hoarded as a rare commodity in expectation of a better price. Every shop business was busy, the price rose 3 times at ordinary times, and persons who asking for renting still to be in an endless stream, thus, the goods that the furniture shop piled up, unexpectedly sold, rent freely32. The pouring of the inland persons in cultural circles and students, meantime, promoted the culture and education of Macao progressively. Press office had “new life”, “democracy”, “rising sun”, “overseas Chinese”, etc., quite a few school from Guangzhou and other places moved to Macao, “the phenomena feels flourishing very much”33. 294 “Yearbook of Macao” statistics shows Macao have 1858 shops in 1939, up to 2871 shops already from 1940 to 194134. The types and quantity of the commerce had many changes with its changeable structure and the population’s growth. The greatest increases among them were basically closely related with publics’ life, such as: the rice shop, oil candy shop, hotel, hotels, bake house, sweet shop, salt the fruit shop down, fish’s fence, ornament shop, mortgage the shop, the money looks for and changes the shop, deliver a child in the place, Chinese herbalist clinic, barber shop, furniture shop, shoe shop, grocery, cloth foreign goods shop, paper shop, medical herbs shop, Chinese and Western drugstore, laundry, building materials shop, firewood charcoal shop, fragrant shop of spirit, etc. This had built the prosperous commercial atmosphere for local economy. In addition, what deserves to be mentioned is that increases sharply from 7 to 82 in agent’s office of foreign corporation, obviously this relates to promotion of the position in Chinese and foreign trade of Macao. 2. Serious problems existed in the economic society The social economic situation above-mentioned was prevailing in Macao; meanwhile, we should be noticed that many serious questions existed, too. First of all, the smuggling activity was very rampant. After South China was occupied, the smuggling actions were taken frequently, especially in the area of Baoan and Shenzhen. And Baoan transported most of smuggling goods from Hong Kong to inland. The news route from Macao to inland by Zhongshan was opened up instead after the old one was obstructed because of Baoan being occupied. Then Zhanshan became the place where the smuggling owners were quite rampant in 1939. Intruded and harassed constantly by the Japanese planes and warships, and Zhongshan County being occupied for a time, coastal anti-smuggling abilities were greatly weakened because all former customs and anti-smuggling organizations were taken a heavy beating. The smuggling owners were so rampant that they set up many stores in Macao, where a great deal of goods including cloths and daily necessities was purchased from Hong Kong every day. The goods, which was cheap and easy to sell, was transported to the border of Zhongshan County secretly with more than ten motor boats which went so alertly and quickly as to avoid the capture of anti-smuggling patrol boats. The value of the smug295 gled goods promptly increased from over a million Hong Kong dollars to more than 2 million Hong Kong dollars in a month35. “Macao protocol between Japan and Portugal” was signed in mid-September 1940, which regulated that Japan promised to maintain the current situation of Macao and Portugal announced Macao neutrality. The protocol provided the Japanese traders convenience with purchasing and smuggling strategic materials. Tungsten ores were extremely important raw materials for a military industry, at that time, the price of them between inland and Hong Kong had a long way to go. So the Japanese traders lured the unprincipled fellows by this. In an initial stage of the Anti-Japanese War, Chinese Government seized sternly and still couldn’t check so that tungsten ores produced in some parts of the Guangxi Zhuang Autonomous Region and Canton Province were transported to Hong Kong. Hong Kong became a gathering place of tungsten ores, which were nearly exported from Zhongshan County and Macao. The persons who transported secretly were well organized; exporting and loading and receiving were well arranged36. Certainly, it was a complicated problem to smuggle in wartime. Though it revitalizes certain benefit to the economy of Macao in great numbers objectively, generally speaking, it is unfavorable to the war of resistance of China; on the contrary, Japan utilized it under more situations. Secondly, the effect of the industrial development was not striking. Macao lacked space, fuel and industrial raw materials, so handicraft industries were only developed such as tobacco, firecracker, match and incense. The situation in the beginning of the Anti-Japanese War had offered the opportunity for the development of the industry of Macao. In the last ten days of March 1939, Macao governor went back for consultations by Hong Kong. He specially drew up the prospectus on how to construct Macao and to prosper its commerce and then stated to the Portuguese government37. Hong Kong Manufacturer Federation, which had received the invitation of Macao authorities, planned to organize a study group with 80 people to Macao in April 1939. On one hand, they wanted to relieve the compatriots with providing their jobs as a form of relief, on the other hand, they tried to utilize the special environment of Macao to invest money in developing the industry38. But failed to realize the plans later. Not merely did the mode of production lag behind for the industry of Macao in wartime, but 296 the output declined day by day. Match manufactures in Mainland and Hong Kong stopped producing due to the war, so the market was in short supply. Then the ones in Macao such as Changming, Big Guangliang and Dongxing and etc, had batch process and made a rich profit39. But in the beginning of September of 1941, every factory was forced to stop making because match raw materials were run out. Zhu Guanglan was a big enterprise of smoke in Canton and Hong Kong. Zhu Chang, which was one of the branches of Zhu Guanglan in Macao, was a local enterprise with a considerable scale and produced in a large amount to sell the smoke in other areas. But it closed down promptly since Guangzhou was occupied40; only could traditional industries including incense, candle and paper materials maintain the former appearance. It was because someone with superstition always prayed to gods for blessing in the hope of freeing when they had a hard life and social economy was in a tight corner. Thirdly, the social parasitic stratum in Macao led a fast life. Every industry above-mentioned was prosperous while the moribund side in the society of Macao was completely exposed. A correspondent reported, “Macao is much livelier at present than in the past”. The fact was that the persons impelled the gambling house of Macao to liven up even more, who gathered here to make a fortune from national calamity or moved to reside here from Mainland. Some gambling crowds, who were rich and powerful people, were not a bit stingy even if they wagered several hundred Macao dollars on a game41. The situation of the Far East was extremely tense when the Pacific Ocean War that Japan planned to launch couldn’t but go ahead in the summer of 1940. “Masses Newspaper” in Macao made vivid portrayal about a dissipated and befuddled life of upper citizens as follows, “hotels and inns, leased nearly emptily; restaurants and taverns, being as crowded as a marketplace and ten times in peak selling period; tea houses and bars, thriving and prosperous; among them did the Central Hotel livens up even more particularly”. “The buildings of the hotels were standing toweringly; and the entertainment undertakings were gathered among them, lights being brilliantly illuminated and torches shining like daytime”. “Visitors were bustling with activity. Man towing or women patting, the old being supported and the young being taken, they hold hands to walk shoulder to shoulder or rested on steps. Sincerely, the beautiful scenery could make people linger on 297 at night”42. Contrast to the common people at the basic level, two grades of the social life in Macao had split up and shown forth in one’s writing! Finally, general plebes’ life was very hardships. Macao is one tiny peninsula and impossible to bear too much population for a long time. Its own goods as well as materials were deficient, and the foreign traffic was repeatedly blockaded by the Japanese aggressor troop, leaving daily goods and materials such as grain, etc. difficult to supplement in time. Therefore leading to the basic board and lodging of the common people of the bottom of society also a problem. Residents in Macao relied mainly on eating the foreign rice, shipped by every port of Nan Yang more in the past. The traffic was not smooth in wartime, and the rice was forbidden to export again in the hinterland, so the sense was tense at the time of staple food supply ever and again. But Macao and Zhongshan County border on, reachable in a twinkle. The inland grain price was cheap, after the autumn harvest, many peasants shipped the surplus grain secretly to sell, so although the population in Macao sharply increased, the grain didn’t turn out the exhaustion. But the Yin rain of the whole province of Canton was unbroken in summer of 1940, causing disaster in the east, West River and coastal trials and hardship, making the standing grain having waited to cut for the first time being flooded, the harvest was reduced greatly. Staple food supply was tight on day, by the first half of 1941, the regional grain price rose suddenly and sharply43. This became the beginning of Canton grain problem since the war of resistance. Because of absence of rice and unprecedented high grain price, agitation of looting rice arose everywhere, making Macao the problem, short of food, also serious day by day. Folk adage speak food is god for the people, a few years of initial stage such as war of resistance the main average price of food doubled and redoubled, (see 5 form) with 1941 particularly. The situation produced heavy pressure very to low-income family. In addition, the living conditions of a lot of citizens especially refugees were extremely unsatisfactory, hygiene and health status were abominable. When the infestation of malaria, plague and cholera occurred, streets were full of bodies of the starved, extremely cruel. According to the statistical data at that time, various kinds of epidemic diseases spread rapidly, the death toll rose suddenly, up to 12850 people and 10844 people respectively in 1940 and 194144. 298 Form 5: Prewar average prices of Macao Unit: Macao currency Year Rice (half a kilo) Vegetable (half a kilo) Beef (half a kilo) Pork (half a kilo) Fish (half a kilo) Fuel (liter) 1939 0.8 0.05 0.40 0.60 0.70 0.20 1940 0.9 0.10 0.45 0.90 0.75 0.35 1941 0.18 0.30 1.30 2.00 1.10 0.70 Source: Macao and population evolvement for a century, edited by the department of Statistic And general investigation of Macao, compiled and printed in 2000, p. 290. IV. A strong strength abroad of national salvation movement resisting against Japan The earlier stage of anti-Japanese war was the crucial moment for the development of Macao from depression to prosperity. The economic society in Macao changed deeply, which expressed that it had the stronger adaptive capacity. It could make adjustment according to the need of the domestic and international market to get its own existence and development. Macao became a bearing center of economic-shift of hinterland, especially of Canton. A large amount of human resources, fund, technology and equipment were poured into and even the enterprises were managed at off-site, which improved the economy and population structure, strengthened the economy, and thrived the industry and the commerce. Moreover, it settled the favorable foundation for the national salvation movement of resisting against Japan of people. As facing Chinese national unprecedentedly serious crisis since modern times, the economic society of Macao became an important position for the national salvation movement of resisting against Japan. Chinese national consciousness of this port’s was greatly awakened. Through various kinds of ways such as offering money, donating thing, holding bazaars, giving benefit performances, buying the liberty bond, and reliving refugees-a lot of referring reports could be found on the newspaper at that timeChinese supported motherland to fight anti-Japanese war actively and made a great contribution. The associations of resisting against Japan and saving the nation from extinction emerged, like the mushrooms after rain, in wartime. More influential ones among them included “Macao All Circles 299 Disaster Relief” – being made up of the upper strata of business circles “Macao Four Circles Disaster Relief” which was the biggest cultural salvation group at that time set up by the conjoint world of academy, music, sport and theater “Catholic Action”, “Macao Branch of Persuading Liberty Bond”, “Macao Reliving Refugee” and “Macao Middle Age and Youth Rescuing Group” – consisting of the Macao reliving branch and the Church Organization. Even the earthly “woman singer” knows the hatred of being brought to the knees, thus founded “Color Circle Disaster Relief”. Inspiring the public, all the associations launched a series of activity of salvation through many ways. All circles disaster relief, for instance, had instituted the rule of long-lasting donating at the beginning of establishment. It claimed various kind of crafts to organize money-donation themselves, then deposited in central government with Macao Bank of Canton Ltd. to support the anti-Japanese war according to the instruction account number. Furthermore, it also advocated the firms concerned to set up donating boxes to raise the contributions in the public places. At that time, industries such as bank, joss stick, foreign goods, fresh fish and haircut organized their members to subscribe by themselves regularly. And Western-style Clothes Disaster Relief agreed that each member, a month, should either donate no less than 1 yuan of Canton coin or the salary of one day45. It was reported that all circles of Macao, at the earlier stage of antiJapanese war, carried on more than 400 -big or small collecting-salvation works, especially two “August · Thirteen” activities in 1938 and 1939 respectively created the highest record in history. Firms set up the great collecting stage with masses of people crowded, while in each factory of main industrial areas Taishan, Shagang, Xinxiao and Dangzai Island, workers also responded warmly with donating equivalent to nearly 10,000 yuan46. For Macao, the year when industry and commerce unflourished as well as population was not large, that could not gainsay as a surprising figure. The situation of initial phase of anti-Japanese war also provided Macao and Hong Kong with an opportunity diverted from competence to cooperation. Owing to some momentous coastal cities in south China such as Guangzhou, Shantou and Haikou fell one after another, traditional main channel of commerce obstructed or not cleared between the hinterland and Hong Kong and the trade function of transferring was weakened. Therefore, businessmen from Hong Kong had to strike out in another 300 direction. Macao, at good time, turned to be a significant transportation-and-commerce pivot joint connecting Hong Kong and the West Bank of Zhujiang River to the immense hinterland. Furthermore, Macao was cumbered with the duties of transferring personal consumption articles for Hong Kong. In the initial phase of anti-Japanese war, as Japanese warships always molested the south coast, the supply of fruit and vegetable, fish, firewood, fuel, etc. to Hong Kong affected. The supply should have been relied on Zhujiang River Delta; however, as obstruction of the river while input only by Canton-Kowloon trucks (relied mainly on army-transporting in wartime) and Macao, the supply-quantity only reached 1/4 of the past, which lead to the price going up. In October 1938, the situation of South China changed suddenly. Japanese troop landed on Daya Gulf and soon captured the places such as Guangzhou, thus, the traffic between Hong Kong and hinterland was nearly totally broken off and the giving material assistance of agriculture byproduct turned to be a big problem. It is reported from the newspaper of Hong Kong that, until November 1939, vegetable and fresh fish to Hong Kong are relied more on Macao and other places from the hinterland. The supply was basically enough47. In March of 1940, Japanese aggressor troop broke into Zhongshan County and blockaded Macao for a time, which cause difficulty for the transport; however, it did not block off the goods and agricultural byproducts from hinterland to Hong Kong in a steady stream by Macao. On 23rd June, for example, besides a large amount of sundry goods, about 200 picul fresh water fish, more than 100 picul vegetable and fruit as well as poultry and pork were not a small number48. Hence, citizens in Hong Kong could maintain the life during the hard time. In a word, because of the same historical background and opportunity in the initial phrase of anti-Japanese war, the economic society of Hong Kong and Macao developed to some extent. Two places cooperated with each other dynamically and perfectly. Under the flag of saving the nation resisting Japanese and foreign aggression, Macao and Hong Kong compatriot contracted an alliance with inland people jointly, tightly and strongly. 301 Notes (1) Translated and edited by Shixiang Mo: “the compilation of the report of Gongbei CIQ in modern times”, Foundation of Macao,1998 edition, pp. 217, 248. (2) “Annals of Guangzhou” Volume 18, 1996 issued by Publishing house of Guangzhou, p. 403. (3) Chengkang Fei “Four hundred of Macao” Shanghai People’s Press 1988 edition, p. 403. (4) “Industrial and commercial Daily of Hong Kong” Oct 8, 1934 and Jan. 22, 1935. (5) Translated and edited by Shixiang Mo: “the compilation of the report of Gongbei CIQ in modern times”. (6) “Overall statistics retrospect of Macao”, 1994 published by Macao chop office. (7) Chengkang Fei: “Four hundred of Macao”, 1988 issued by Shanghai People’s Press, p. 413. (8) Dazhang He, Hongji Miu: “1946 issued by Geography of Macao”, Science and Liberal arts Institute of Canton Province. (9) “News of Hong Kong”, “Hong Kong takungpao”, Oct. 24th 1938. (10) “The important news of the south of China”, “Hong Kong Singtao Daily”, Nov. 4th. 1938. (11) “Hong Kong news”, “Hong Kong Singtao Daily”, Apr. 7th 1939. (12) “the important news of each sect”, “Word Daily of China of Hong Kong”. Jul. 25th.1939. (13) “The important news of the south of China”, “Hong Kong Singtao Daily”, Mar. 24th 1940. (14) “Economic news”, “Hong Kong Singtao Daily”, Jun. 24th 1940. (15) “Hong Kong news”, “Hong Kong Singtao Daily”, Mar. 26th 1940. (16) “The important news of the south of China”, “Hong Kong Singtao Daily”, Apr. 16th 1941. (17) Edited by The Secretariat of Canton Government: “Canton almanac”, 1941 edition, volume 22 “the policy on salt”, chapter 2 “on-the-spot record of salt in Canton”. (18) Translated and edited by Shixiang Mo and so on: “the compilation of the report of Gongbei CIQ in modern times”, Foundation of Macao,1998 edition, pp. 383,385-386. (19) Edited by Economic research room of bank of Canton Province: “Economic yearbook of Canton”, 1940 edition, chapter 4 “Economic history”, p. 89. (20) Translated and edited by Shixiang Mo: “the compilation of the report of Gongbei CIQ in modern times”, Foundation of Macao,1998 edition, pp. 387-388. (21) Macao: “overseas Chinese’s newspaper” Nov. 5th, 1938. (22) Yinnin Li: “Commercial overview over one year of Macao”, “overseas Chinese’s newspaper”, Feb. 5th.1941. (23) WenLin Chen: “native foreign dyestuffs’commerce managing”, “industry and business historical data” the second part, Canton People Publish House 1998. (24) Li XuZhao, Feng ZhuoNan: “the undertaking overview of Guo DeSheng”, “Zhong Shan literature and history” the 13th part published in 1987. (25) Li Ming: “the passage of the successful undertaking of Chen XingHai”, “Zhong Shan literature and history” the 13th part published in Nov. 1987. 302 (26) Chen LiJi Medicine competent advertisement, 1941, Hong Kong: “Singtao Daily” Jun. 22nd. (27) “Guang Zhou literature and history”, the 61st part, 2003. Canton People Publish House, p. 62. (28) He AiSheng: “Hong Kong business survey recording”, 1940. Hong Kong: “Singtao Daily”, Jan. 18th. (29) “HeXianLiang’s life”, “ZhongShan literature and history” the 19th part, published in 1990, pp.12-13, 16. (30) Chao Chun-liang arrange “Hong Kong voluminous dictionary” GuangZhou Publish House, published in 1994, p. 671. (31) “Outline history of several department stores”, Hong Kong and Shanghai Banking Corporation arrange: “Century-old commerce” Hong Kong GuangMing culture undertaking company, published in 1941. (32) He AiSheng: “Hong Kong business survey recording”, 1940, Hong Kong: “Singtao Daily” Jan. 18th. (33) “Macao sketch”, 1938, Hong Kong: “Ta Kung Pao”, Oct. 29th. (34) Huan QiChen: “Comprehensive history in Macao” Canton Education Publish House, published in 1999, p. 336. (35) “Hong Kong News”, Hong Kong: “Singtao Daily”, Dec. 25, 1939. (36) “This port news”, 1937, “industrial and commercial Daily of Hong Kong”, Oct. 27. (37) “This harbour of news”, 1939, Hong Kong: “Ta Kung Pao” Mar. 28. (38) “Hong Kong News”, 1939, Hong Kong: “Singtao Daily”, Apr. 7. (39) “Hong Kong industrial history, money of China”, Hong Kong and Shanghai Banking Corporation group “century-old commerce” into year, Hong Kong light cultural undertakings Company arrange in 1941. (40) “Historical accounts of past events of Guangzhou” The 21st part, 1980 edition of Canton People’s Press, pp. 200, 209. (41) “Macao sketch”, 1938, Hong Kong: “Ta Kung Pao”, Oct. 29. (42) “This Macao business in population increases furiously”, “newspapers of masses” of Macao, July 7, 1940. (43) Du Tong-jing: Analysis of the grain price in Canton of wartime, quarterly of bank of Canton Province, roll 1 issue 4, December of 1941. (44) The cultural bureau and museum of Macao edit: materials of Macao of period of the war of resistance, 200, p. 55. (45) -----, Macao: “Vikio Daily”, 22nd October 1937 and 15th to 16th, January 1938. (46) -----,1990, “The Men and Women of Haojiang”, Macao: Xingguang bookshop, pp. 44, 46. (47) -----,1939, “Hong Kong news”, Hong Kong: Singtao Daily, 23rd November. (48) -----,1940, “Economy News”, Hong Kong: Singtao Daily, 24th June. 303 ANNA CARLETTI Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil China e Vaticano. Etapas de preparação para um encontro histórico cuja data ainda não foi definida 1. Breve introdução sobre a origem do cristianismo na China O cristianismo chega em terra chinesa em 635, durante a dinastia Tang. O bispo persa, Alopen, que guiava uma delegação de Bagdá, representante da Igreja do Oriente, foi recebido pelo imperador Taizong, da dinastia Tang, em Changan, a então capital da China. Uma das suas primeiras atividades foi a tradução dos livros que ele havia trazido consigo, para difundir a mensagem cristã. Depois de três anos, o cristianismo recebeu a aprovação do monarca. Essa primeira fundação da Igreja na China foi testemunhada pela estela de Si-Hgan-fu que, entre outras coisas, reproduz o edito do imperador Tcheng-Kuan (638) que autorizava a difusão do cristianismo. A expansão da Igreja cristã continua durante e depois da dinastia Tang. Período considerado riquíssimo pela pluralidade das culturas e religiões existentes, no qual também o budismo encontrou terreno favorável para a sua difusão. Em 845, a acumulação de riquezas pelos mosteiros budistas suscitou a inveja do imperador. Por isso, uma grande perseguição abateu-se sobre todas as religiões presentes naquele período, do budismo ao cristianismo. O cristianismo retomou a sua vitalidade na época da dinastia Yuan (1206-1368) com o imperador mongol Gengis Kahn, cuja esposa era cristã. Esta circunstância favoreceu os contatos entre os católicos romanos e a China, que recomeçaram no século XIII, quando Papa Inocêncio IV (1234-1254) enviou, como seu embaixador, o frei Giovanni da Pisa del Carmine (1182-1226). Em 1253 foi enviado um outro 305 franciscano, Guglielmo de Ruysbroeck que conseguiu encontrar o Gran Kahn, mas sem obter sucessos diplomáticos. Nesse mesmo período chegaram na China os irmãos Nicoló e Matteo Polo que receberam uma boa acolhida na corte de Kambalik (Pequim), onde reinava o neto de Gengis Kahn, Kubilai Kahn, fundador da dinastia Yuan. Eles contaram com o apoio do monarca que fez deles os seus embaixadores em Roma. O Imperador confiou-lhes placas de ouro e uma mensagem para o Papa através do qual pedia que lhe fossem enviados “100 doutores, especialistas nas setes artes”1. O Papa Clemente X já tinha morrido e Matteo e Nicoló Polo foram acolhidos por um legado que pouco depois foi eleito Papa, Gregorio X (1271-1276). Ao regressarem a China, Nicoló e Matteo Polo levaram com eles o filho de Nicoló, Marco, que conquistará fama, tornando-se o homem de confiança do imperador. Em 1294, chegou a China o franciscano Giovanni da Montecorvino, enviado diretamente pela Santa Sé. Ele conseguiu ser admitido na corte chinesa e construiu uma igreja. A sua chegada acelerou o desenvolvimento da Igreja Católica na China. Em 1307, o Papa Clemente V nomeou-o arcebispo de Pequim e metropolita da China. Mas a difusão do cristianismo foi bloqueada pela dinastia Ming. A dinastia Ming surgiu de uma insurreição popular e não via com bons olhos os mongoís, considerando-os como estrangeiros. Por isso, quando esta dinastia tomou o poder, começou imediatamente uma reação contra todos os estrangeiros, incluindo os missionários cristãos. No século XVI chegaram à China os primeiros sacerdotes da Companhia de Jesus. O celebre Matteo Ricci, jesuíta italiano, da cidade de Macerata (1552-1610) chegou na China em 1583, e mergulhou imediatamente no estudo da língua chinesa, ao contrário dos outros missionários, que usavam, até então, o método da assimilação cultural dos povos evangelizados. Antes de entrar em Pequim, passou 21 anos no interior da China, procurando aprender a língua, as tradições locais, fazendo-se “chinês com os chineses”, vestindo o hábito confuciano. Mudou o seu nome para Li Madou. Inculturou-se, valorizando a cultura chinesa, os seus valores e as suas tradições, colocando em luz o que mais os aproximava. Infelizmente, a Questão dos Ritos rompeu esta feliz amizade entre um representante da Igreja Católica e a corte chinesa. A Igreja Católica considerava os Ritos aos ances306 trais como atos supersticiosos, inaceitáveis para quem queria se converter ao catolicismo. Matteo Ricci, profundo conhecedor da cultura chinesa, tentou esclarecer que esses Ritos eram um simples e amoroso tributo aos pais e ascendentes defuntos, conseqüência da virtude filial ensinada aos chineses por Confúcio e que nada tinha a ver com superstição. Mas ninguém quis escutá-lo. Um outro período crítico da história do cristianismo na China se estende entre a Guerra do Ópio e a Guerra dos Boxers (1842-1900). É nesse período que a China deve enfrentar a invasão da cultura do ópio, vendido pela Companhia Britânica, que omitia os arrasadores efeitos produzidos nos seus consumidores. A China tentou barrar essa venda e, por isso, a Inglaterra declarou-lhe guerra. Derrotada, a China foi obrigada a assinar o primeiro dos assim chamados “Tratados Desiguais”, que prostrará o país, ficando à mercê das potências estrangeiras que, uma depois da outra, se instalaram no território chinês, dividindo-o em porções de propriedade estrangeira. Depois da Inglaterra, seguiu-se o tratado com a França que, entre outras coisas, obrigou a China a reconhecer o protetorado sobre as Missões. O mesmo fizeram a Alemanha, a Itália e a Rússia. Até àquele momento, os missionários tinham chegado na China por conta própria, separados dos outros estrangeiros. Agora, aos olhos chineses, eram considerados iguais aos estrangeiros que os dominavam, numa posição que não era certo conveniente para quem tinha o objetivo de servir e não o de desfrutar o povo chinês. Essa situação desencadeou um ódio indiscriminado para com todos os estrangeiros, que originou a Guerra dos Boxers. Os conflitos tiveram início em 1898 e concluíram-se em 1901. Dirigidos às potências estrangeiras, acabaram se abatendo contra quem era mais fraco, como os missionários e os numerosos cristãos chineses. Todavia, os exércitos estrangeiros conseguiram derrotar a insurreição, aumentando a humilhação da China. Depois da Guerra do Ópio, a Santa Sé, com a intenção de subtrair as Missões do Protetorado das Potências Coloniais, propôs à China de enviar um Núncio Apostólico, criando as premissas para enlaçar relações diplomáticas com a China. O responsável chinês das relações diplomáticas propôs enviar, por sua vez, um seu representante à Santa Sé. A oferta foi aceite pelo então Papa Leão XII. Mas a França se opôs a essa nomeação, ameaçando interromper as relações diplomáticas com a Santa Sé. O Papa, então, recuou. 307 Em 1922, o Papa Pio XI nomeou um delegado apostólico na China: Mons. Costantini (1876-1958). Ele se estabeleceu fora do bairro das delegações estrangeiras, com o deliberado intento de manter distância delas. Os Europeus o acolheram friamente. A primeira das suas tarefas foi convocar o Concílio Plenário da China. Quatro anos depois, em 28 de Outubro de 1926, Pio XI consagrou, em Roma, os primeiros 6 bispos chineses. No entanto, a China foi invadida pelos japoneses, que constituíram na região da Manchuria, o Estado do Manchukuo. Com a intenção de proteger os missionários da fúria japonesa, a Igreja reconheceu este estado fantoche, nomeando ali um seu representante oficial. Essa infeliz decisão nunca será perdoada pelos comunistas que chegarão ao poder em 1949. Para facilitar as relações com a China, a Igreja Católica retornou à Questão dos Ritos e autorizou o seu uso, mesmo se com um atraso de séculos. Em 1946 a Santa Sé nomeou um Internúncio chinês, Monsenhor Riberi, junto do governo da China, e nomeou o primeiro cardeal chinês: Mons. T’ien. Foram instituídos 20 arcebispados e 79 dioceses. A Igreja chinesa se tornou finalmente autóctone. Em 1947, porém, iniciou a guerra civil entre os comunistas de Mao Tse-tung e os nacionalistas de Chiang Kai-shek, que favorecerá mudanças significativas nas relações entre a China e o Vaticano. 2. A República Popular Chinesa e a Igreja Católica Em 1949, com o advento da República Popular Chinesa, começa uma nova fase das relações entre Santa Sé e China. Em 1 de Outubro de 1949 foi proclamada por Mao Tse-tung a República Popular Chinesa. No dia 1 de Julho do mesmo ano, um decreto do Santo Ofício condenava o comunismo e qualquer tipo de colaboração entre os católicos e os comunistas. A Revolução Chinesa tinha o claro propósito de livrar a China de qualquer relação política, econômica ou religiosa de submissão a potências estrangeiras. Mao Tse-tung, porém, buscou integração com os católicos, mas segundo o princípio das três autonomias: financeira, administrativa e apostólica. O Internúncio não aceitou. Começaram, assim, as prisões dos primeiros missionários estrangeiros. 308 Em 1951, Chou En-lai cria o Bureau dos Assuntos Religiosos. No mesmo ano, alguns bispos tentam evitar uma ruptura aceitando as três autonomias, mas sob a autoridade espiritual e religiosa do Papa. Todavia, o Internúncio condenou todos aqueles que participariam no movimento das três autonomias. O governo chinês tentou expulsar o Internúncio, que tinha recebido do Papa a ordem de permanecer até quando fosse possível. Mas, o governo chinês já o considerava como um estrangeiro incômodo. Em 1952, o Papa Pio XII confirmou as decisões do Internúncio, não aceitando uma Igreja separada da Sede Apostólica e, logo em seguida, reconheceu formalmente a China Nacionalista de Formosa (Taiwan), onde Mons. Riberi se estabeleceu depois da expulsão da China Popular. No entanto, na China, em 1957, o governo cria a Associação Patriótica dos Católicos Chineses (APCC), e constitui uma Igreja patriótica com bispos eleitos pelo povo e consagrados pelos bispos patrióticos, suspendendo assim toda comunicação com a Santa Sé. Não obstante as várias perseguições e guerras, os missionários permaneceram em terra chinesa até ao momento da chegada dos comunistas. O ano de 1951 marcou a expulsão de todos os missionários estrangeiros, muitos dos quais se refugiaram em Hong Kong, Macau e Taiwan. Foi naquele momento que as relações diplomáticas com o Vaticano terminaram. O Vaticano reconheceu a soberania nacional de Taiwan, mas continuou e continua até hoje a olhar a China Popular com o vivo desejo de reatar relações com este País. A Igreja na China, a partir desse momento, se encontrou como dividida em duas. De um lado, a Igreja “patriótica”, guiada pela Associação Patriótica dos Católicos Chineses, ou seja, pelo governo comunista, rejeitando qualquer ligação com Roma. Por outro lado, a Igreja “clandestina”, ou “escondida”, formada por aqueles bispos, sacerdotes, religiosos e leigos que não aceitaram o rompimento com o Papa e, portanto, com toda a Igreja Católica, e foram obrigados a se esconder para sobreviver, suportando longos anos de dura prisão e torturas. 3. Período de abertura A partir dos anos 80, o governo chinês adotou uma nova política de abertura em relação às religiões. No que diz res309 peito à Igreja Católica, numerosas igrejas foram reabertas. As que tinham sido destruídas durante a Revolução Cultural foram reconstruídas e, em Outubro de 1982, foi reaberto o primeiro seminário católico de Shanghai. As igrejas ficaram logo lotadas. Teve-se a impressão de que finalmente a liberdade tivesse voltado a fazer parte da vida da Igreja Católica na China. Mas logo as prisões de bispos, sacerdotes e leigos católicos que se recusavam a aderir à Associação Patriótica negaram essa esperança. Os dirigentes do Partido Comunista prepararam um documento sobre a Questão da Religião, que foi enviado para discussão às províncias em vista da preparação do próximo congresso do Partido. Este documento, chamado Documento 19, com data de 31 de Março de 1982, foi o texto-base da política religiosa de Deng Xiao-ping e, depois de vinte anos, é considerado ainda como um ponto de referência para a questão religiosa na China. Mesmo valorizando o fator religioso, na parte final do documento, a posição oficial do governo chinês em relação aos grupos clandestinos era assim apresentada: [...] Devemos manter uma grande vigilância e observar atentamente as formas religiosas hostis provenientes do exterior que organizam comunidades dixia e outras organizações ilegais. Devemos esmagar com firmeza estas organizaões, as quais, com a desculpa da religião, praticam espionagem destrutiva.2 Foi nesse período que o Papa, assistindo impotente aos sofrimentos de muitos filhos da Igreja, decidiu escrever uma carta a todos os bispos do mundo inteiro, pedindo orações para a “Igreja perseguida da China”. Este convite gerou profunda irritação ao governo de Pequim que acusou o Papa de difundir calúnias sobre a realidade da Igreja na China. Dois anos antes, em 1980, já tinha sido criada, pelo governo comunista a Conferência dos Bispos da Igreja Católica Chinesa, o que deteriorou ainda mais as relações com o Vaticano. Durante todo este tempo, até ao início do ano 2000, aconteceram vários encontros extra-oficiais entre o governo de Pequim e o Vaticano, sugerindo uma possível retomada das suas relações diplomáticas. 310 4. Relações diplomáticas entre Pequim e a Santa Sé Para que as relações diplomáticas entre o Vaticano e a China recomecem, o governo de Pequim apresentou duas condições: 1) O Vaticano deve romper relações diplomáticas com Taiwan e reconhecer a República Popular Chinesa como única representante de toda a China. 2) O Vaticano não deve utilizar a religião para intervir nos assuntos internos da China. A primeira condição é facilmente aceitável pelo Vaticano. Do ponto de vista chinês, Taiwan é considerada uma província chinesa. Do ponto de vista internacional, é importante ressaltar que Taiwan é reconhecida por pouquíssimos Estados. A própria ONU reconhece a República Popular Chinesa como única representante da China. Em uma entrevista do dia 31 de Maio de 1999, um representante do Vaticano expôs a posição do Papa em relação à comunidade católica de Taiwan. Ele afirmou que o Papa João Paulo II, animado pela preocupação pastoral, e não movido por interesses políticos, deseja fazer todo o possível para restabelecer plena comunhão com a Igreja Católica na China Popular. Segundo João Paulo II, as circunstâncias futuras, ligadas à realidade chinesa, irão requerer – no momento oportuno – um novo estudo sobre a presença da Santa Sé em Taipei. O Papa deseja que a comunidade católica de Taiwan possa entender a conduta que a Santa Sé adotará, e que será seguida somente para o bem da Igreja na China. Ao mesmo tempo, ele deseja que tudo isso não seja de alguma maneira interpretado como uma falta de consideração para a comunidade de Taiwan por parte da Santa Sé. A segunda condição imposta por Pequim é aquela que cria mais dificuldade. O Papa é considerado pelo Governo de Pequim não como um chefe espiritual que exerce uma autoridade moral, mas como um chefe político de um Estado estrangeiro. O governo de Pequim não aceita que um outro chefe de Estado viole a soberania nacional da China interferindo nos seus assuntos internos. Mas o que se entende por assuntos internos da Igreja Chinesa? Muitas vezes, especialmente nas relações entre culturas diferentes, se esquece que uma palavra possa ter um significado muito claro para uma das partes, mas não se pensa que, 311 para a outra parte, o significado seja totalmente oposto. Para o Papa, o fato de nomear os próprios bispos, que irão guiar o povo que forma a Igreja da China não é uma interferência. Mas o governo chinês entende isto como interferência e exige que seja a Conferência dos Bispos Chineses a nomear os próprios Bispos. O problema é que a Conferência dos Bispos não possui autonomia, já que é chefiada pela Associação Patriótica que, por sua vez, é um órgão do Governo, cuja função é, de acordo com o já citado Documento 19 [...] ajudar o partido e o governo a pôr em prática a sua política religiosa, a assistir as massas dos crentes na sua atenção ao patriotismo e ao socialismo. Todas as organizações religiosas patrióticas devem aceitar a guia do Partido e do Governo [...]3 O Vaticano, procurando ir ao encontro do Governo de Pequim, já deu a entender de estar pronto a escolher cada novo bispo entre um leque de candidatos “agradáveis” às autoridades chinesas. Mas, em compensação, gostaria que também Pequim, quando empossasse os bispos da Igreja “patriótica”, pedisse a aceitação prévia de Roma. O Governo de Pequim reconhece a separação entre Igreja e Estado, mas, os fatos o demonstram, de forma unilateral. A religião não pode interferir na conduta do Estado e na sua legislação, porém, não é verdade o contrário. O Estado, em nome da defesa da sua soberania nacional, pode e deve intervir nas questões religiosas. A China declara que a liberdade religiosa é protegida pela lei, mas a legislação reconhece somente aqueles grupos que realizam atos de culto legalmente reconhecidos pelas autoridades religiosas dirigidas pelo Governo. Os outros, mesmo realizando simples atos de culto, são considerados abusivos e, portanto, puníveis pela lei que, não os acusa de violar normas religiosas, mas de ir contra a ordem pública. Em Janeiro de 2000, o governo chinês tomou a decisão de nomear cinco bispos chineses, sem o consentimento do Papa, declarando assim a própria independência. Muitos bispos, seminaristas e leigos católicos da própria igreja “oficial” se recusaram, porém, a participar na consagração dos bispos declarando assim a sua vontade de reunificação com a Santa Sé. A questão é somente política, não religiosa. A fé professada pelos católicos “oficiais” é a mesma professada pela Igreja clandestina. A própria Santa Sé reconheceu a teolo312 gia ministrada nos seminários da Igreja “oficial” como ortodoxa. Existe, portanto, uma só Igreja, desmembrada por motivos políticos, que não consegue reunir-se devido aos erros cometidos pelas duas partes que, muitas vezes, perderam a possibilidade do encontro que a história lhes tinha preparado, com novos motivos de divisão. Em 1 de Outubro de 2000, o Papa proclamou a beatificação de 120 mártires chineses mortos durante a Guerra dos Boxers, ou seja, antes da chegada do Partido Comunista ao poder. Mas o Governo de Pequim considerou como uma ofensa pessoal o fato que o Papa escolheu como data para esta beatificação o aniversário da República Popular Chinesa. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês declarou: Esperamos que o Vaticano tome ato da história e não faça novamente coisas que ofendam os sentimentos dos chineses. A história registra que o colonialismo e o imperialismo usaram os missionários como instrumentos para invadir a China. Servindo-se dos Tratados Desiguais, causaram graves danos à China e aos chineses, desencadeando a raiva do povo e a oposição das massas.4 A Santa Sé, respondendo a esta declaração, afirmou que não era absolutamente intenção do Vaticano ofender a China e que a data foi escolhida porque o dia 1 de Outubro é a festa de Santa Teresa do Menino Jesus, patrona das Missões. Pena que ninguém tenha lembrado que era o dia da Proclamação da República Popular Chinesa. Ainda em 2000, o Cardeal Roger Etchegaray, presidente do Comitê Central do Jubileu, realizou uma viagem a Pequim para participar no Congresso sobre “Religiões e Paz” (14-16 de Setembro). Ele foi acolhido pela Igreja “oficial”, que o acompanhou durante toda a viagem. Pode celebrar uma missa no Santuário “Sheshan”, na periferia de Shanghai. O Vaticano, através de seu porta-voz, Joaquim Navarro Valls, declarou que a viagem do Card. Etchegaray realizava-se a título pessoal e que ele não ia a China como negociador. Logicamente, o Card. Etchegaray encontrou durante a sua viagem numerosas personalidades importantes da Igreja “oficial”, como o bispo jesuíta, Alois Jin Luxian, da diocese “oficial” de Shanghai e Mons. Michel Fu Tieshan, arcebispo “oficial” da diocese de Pequim, que se queixou do acidente diplomático ocorrido em 1 de Outubro. Do ponto de visto chinês, em todo caso, a visita do cardeal foi declarada um sucesso, o que representou um passo em avante para os dois lados. 313 Em Outubro de 2001, realizou-se simultaneamente em Roma e Pequim um duplo congresso para comemorar o aniversário dos quatrocentos anos da chegada na China, em 1601, do jesuíta Matteo Ricci. Por ocasião deste Congresso o Papa pronunciou uma importante mensagem intencionado a lançar uma nova ponte entre o Vaticano e a China. Segundo João Paulo II [...] A história nos lembra que a ação dos membros da Igreja na China não foi sempre isenta de erros e foi condicionada por situações difíceis, ligadas a acontecimentos históricos complexos e a interesses políticos contrastantes. Em alguns períodos da história moderna, uma certa “proteção” por parte de potências políticas européias não poucas vezes revelou-se limitativa para a própria liberdade de ação da Igreja [...].5 Sobre a Questão dos Ritos o Papa pronunciou o mea culpa da Igreja: [...] Sinto profundo sofrimento pelos erros e limites do passado e sinto muito que eles tenham gerado em não poucas pessoas a impressão de uma falta de respeito e de estima da Igreja Católica para como povo chinês, induzindo-os a pensar que ela estivesse movida per sentimentos de hostilidade em relação aos chineses. Por tudo isso, peço perdão e compreensão a quantos tenham-se sentido, de qualquer maneira, feridos por tais formas de ação dos cristãos [...].6 E concluiu dizendo que: [...] A Igreja Católica tem o vivo propósito de oferecer, mais uma vez, um humilde e desinteressado serviço para o bem dos católicos chineses e de todos os habitantes do país. A Sé Apostólica deseja a abertura de um espaço de diálogo com as autoridades da República Popular Chinesa, para superar as incompreensões do passado e trabalhar juntos para o bem do povo chinês e pela paz no mundo”.7 O governo de Pequim reagiu com cautela à mensagem do Papa. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores reafirmou a vontade de retomar os contatos com o Vaticano e declarou que estão estudando a posição do Vaticano. Poucos dias antes da visita do presidente americano George W. Bush a Pequim, no mês de Fevereiro de 2002, sete documentos reservados do governo chinês foram publicados pelos Estados Unidos, exatamente pelo Comitê Americano das Investigações para a Perseguição Religiosa na China (Ciprc). Eles revelam as intenções de Pequim de reprimir os grupos religiosos não registrados e documentam toda uma série de iniciativas para verificar a “infiltração” do Vaticano e dos grupos religiosos do exterior. 314 No segundo documento encontra-se um discurso classificado como “confidencial”, do vice-diretor do Departamento de Segurança Pública, Sun Jaixin, da província de Anhui, na China Oriental. O documento revela que as autoridades locais começaram a procurar, instruir, converter, explorar e controlar algumas figuras-chave da Igreja Católica clandestina desde que China e Vaticano retomaram os colóquios em vista da normalização dos relacionamentos. Alguns funcionários da Segurança Pública chinesa tomaram a decisão de violar a imposição do silêncio, constatando como o governo, mesmo proclamando a própria intenção de querer tutelar os grupos religiosos chineses, dava ordens secretas de perseguir uma grande parte deles.8 5. Conclusões Ao interno do Partido Comunista se discute muito, procurando entender qual é o papel da religião na “nova” China. De 10 a 12 de Outubro de 2001, de fato, aconteceu em Pequim uma conferência sobre o tema da religião. Participaram numerosos dirigentes e personalidades políticas do Partido Comunista. O presidente Jiang Zemin falou aos dirigentes chineses do impacto da religião sobre a vida política e social do mundo. Ele deu início ao seu discurso dizendo: Nós temos que reconhecer o fato que as religiões existirão ainda por muito tempo sob o regime socialista. Não devemos utilizar o poder da administração para destruir as religiões, mas, ao mesmo tempo, não temos que utilizá-lo para desenvolvê-las [...].9 O grupo de Jiang Zemin convidou as comunidades religiosas a fazerem o próprio registro junto ao Estado, sem ter que passar obrigatoriamente pelas associações religiosas já autorizadas. Este convite garante um controle mais estreito por parte do Estado, mas, ao mesmo tempo, oferece uma oportunidade de maior liberdade seja para as Igrejas Protestantes que para aquelas Católicas que vivem na clandestinidade. O Bureau dos Assuntos Religiosos quer levar a religião a se adaptar sempre mais à sociedade socialista, para que ela, gradualmente, assimile elementos da moralidade e da racionalidade comunista. 315 O presidente Jiang Zemin explicou que pedir que a religião se adapte ao socialismo não quer dizer pedir aos fiéis de abandonar a sua fé. Significa convidá-los a acolher o sistema socialista e a guia do Partido Comunista, seguir as regras e regulamentos do País e contribuir com a sua unidade étnica e nacional. Muitos pesquisadores de diversas universidades chinesas estão produzindo trabalhos científicos sobre o fenômeno religioso. Esses trabalhos poderão oferecer uma informação menos preconceituosa aos dirigentes do Partido. Em Junho de 2001, o Centro de Pesquisas e de Desenvolvimento do Conselho para os Assuntos de Estado convidou professores e especialistas de diferentes áreas a preparar uma avaliação do papel da religião na China de hoje. Logo em seguida, a Sociedade de Estudos Religiosos da China realizou o seu 6º Congresso Nacional em Pequim. Muitos sinólogos consideram que uma das soluções para superar as contradições entre as duas partes seja uma vasta operação cultural que permita à China compreender as reais intenções do Vaticano, e à Santa Sé, encontrar soluções que lhe permitam trabalhar lado ao lado com o povo chinês, seguindo o iluminante exemplo do único estrangeiro contemplado nos anais chineses, e aceite como um deles, ao ponto de merecer a sua sepultura entre os muros da cidade imperial: Matteo Ricci. O crescimento econômico da China nesses últimos anos é um evento incomum na história dos países em via de desenvolvimento. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio e a sua candidatura para os jogos olímpicos de 2008 a ajudaram a consolidar sua posição no cenário internacional. Nesses últimos anos, a China abriu as suas portas às empresas multinacionais, tornando-se uma das maiores e mais promissoras potências econômicas do mundo. Ao mesmo tempo ela enfrenta multíplices problemas internos, como a corrupção, o desemprego crescente, e a difusão de uma ideologia caraterizada pelo mero pragmatismo econômico. Neste contexto, o incremento das relações entre o estado do Vaticano e o Estado chinês poderia se dar por meio de um intercâmbio cultural que colocasse em evidência os valores humanos presentes na tradição histórica destes dois estados. 316 Notas (1) Laurentin, René. Cina e Cristianesimo, al di là delle occasioni mancate. Roma: Città Nuova Ed. 1981, p. 105. (2) B. Leung. Sino-Vatican Relations. Problems in conflicting Authority 1976-1986. Cambridge 1992, p. 361. (3) Religion in the people’s Republic of China apud Lazzarotto, Angelo. Des progres dans la politique religieuse de la Chine? In Eglise d’Asie N. 353. Agence d’Information des Missions Etrangers de Paris, Mai 2002, p. 5. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org Acesso em: 20 Fev. 2003. (4) Propaganda Fides (Org.) Cina R.P. – Condannate Pechino: nessun rispetto dei diritti umani. N. 3363 – 3 Mar. 2000, p. 25. (5) Giovanni Paolo II. Messaggio in occasione del quarto centenario dell’arrivo a Pechino del grande missionario e scienziato Matteo Ricci, s.j. ai partecipanti del Convegno Internazionale su “Matteo Ricci: per un dialogo tra Cina e Occidente” (Roma, 24-25 Ottobre 2001), p. 1. (6) Ibidem, p. 2. (7) Ibidem, p. 3. (8) Os documentos citados estão disponíveis no site Internet: www.freedomhouse.org/religion. (9) South China Morning Post. 13 Dez. 2001 apud Lazzarotto, Angelo. Des progres dans la politique religieuse de la Chine? In Eglise d’Asie N. 353 Agence d’Information des missions Etrangers de Paris, Mai 2002, p. 5. Referências bibliográficas Accatoli, Luigi. Il Vaticano alla Cina: possiamo trattare. Corriere della Sera, Milano, 21 Mar. 1999. p. 11. Adista (Org). Cina-Vaticano: La diplomazia tra i vertici accende la guerra tra le due “chiese sorelle”. Disponível em: http://www.adistaonline.it/numeri/adista00/adista67.htm#t4. Acesso em: 21 Fev. 2003. _______. Cina-Vaticano: più guerra che pace, anche tra le due chiese. Disponível em: http://www.adistaonline.it/numeri/adista00/adista67.htm#t4. Acesso em: 21 Fev. 2003. Barretti, Franck. Il Vaticano e la Cina. Disponível em: http://www.rassegna.it/2201/speciali/afghanistan/articoli/vaticano.htm. Acesso em: 20 de Fev. 2003. Bellavite, Vittorio. In Cina c’è una sola chiesa cattolica. Disponível em: http://www.we-are-church.org.it/rassegna/Cina-Bellavite.html. Acesso em: 25 Fev. 2003. Camillianet (Org). Cina-Vaticano. Il difficile dialogo. Disponível em: http://www.camilliani.org/notizie/02-02.htm#Doc. Acesso em: 20 Fev. 2003. 317 Carletti, Anna. Storia dei Lazzaristi a Pechino dal 1766 al 1951. Roma: Tese de Licenciatura na Universidade “La Sapienza”, 1996. Cavazza, Filippo. Cina: nuova ondata di arresti. Non c’è pace per i cattolici cinesi. Disponível em: http://www.culturacattolica.it/contenuto/chiesa/nelmondo/doc_10033/01.asp Acesso em: 23 Fev. 2003. Chang, Aloysius B. (s.j.). L’Eglise “officielle” peut-elle encore etre appele “catholique”? In Eglise d’Asie n. 200. Juin, 1995. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org. Acesso em: 20 Fev. 2003. Corradini, Piero. La Cina in Nuova Storia Universale dei Popoli e delle Civiltà. Volume XIX. Unione Tipografico-Editore Torinese. Torino: 1969. Criveller, Gianni. A propos des origines de l’histoire du christianisme en Chine. In Eglise d’Asie, Novembre 2001. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org Acesso em: 20 Fev. 2003. Giovanni Paolo II. Messaggio in occasione del quarto centenario dell’arrivo a Pechino del grande missionario e scienziato Matteo Ricci, s.j. ai partecipanti del Convegno Internazionale su “Matteo Ricci: per un dialogo tra Cina e Occidente” (Roma, 24-25 Ottobre 2001) Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/2001/october/documents/hf_jp-ii_spe_20011024_matteo-ricci_it.html Acesso em: 1 Mar. 2003. Heyndrickx, Jeroom (Cicm). Cina-Vaticano: tutto da rifare? Disponível em: http://www.peacelink.it/users/popoli/mar00/a9.htm. Acesso em: 18 Fev. 2003. Iaria, Raffaele. Per un dialogo tra Cina e Occidente. Disponível em: http://www.diocesi.milano.it/2001.iaria/10/cina00.htm. Acesso em: 22 Fev. 2003. Kiffun, Beatrice Leung. I comunisti cinesi ridefiniscono la religione come “forza positiva”. Asia News – Chiesa. Milano: 13 Mar. 2002. Disponível in: http://www.pimemilano.com/riviste/na> Acesso em: 10 Mar. 2003. Lam, Anthony. Les changements recentes de la politique religieuse en Chine. In Eglise d’Asie N. 353, Mai 2002. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org Acesso em: 20 Fev. 2003. Laurentin, René. Cina e Cristianesimo, al di là delle occasioni mancate. Roma: Città Nuova Ed. 1981. Lazzarotto, Angelo. Des progres dans la politique religieuse de la Chine? In Eglise d’Asie N. 353 Agence d’Information des missions Etrangers de Paris, Mai 2002. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org Acesso em: 20 Fev. 2003. _______. Dialoguer avec la Chine, a un tournant de son histoire, en s’inspirant de Matteo Ricci. In Eglise d’Asie, N. 345. Janvier 2002. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org Acesso em: 20 Fev. 2003. Leborgne, Pierre, s.c.j. In Cina. Disponível em: http://www.betharram.org/italiano/NEF/3-2000/art07.htm Acesso em: 20 Fev. 2003. Leung, Beatrice. Sino-Vatican Relations. Problems in conflicting Authority 1976-1986. Cambridge: 1992. Magister, Sandro. Cina. Un digiuno, sette documenti e settemila deportati. L’Espresso On Line, Roma, 4 Abr. 2002. Disponível em: http://www.espressonline.it/ESW_articolo/0,2393,32552,00.html. Acesso em: 23 Fev. 2003. _______. Nel celeste impero è sempre quaresima. L’Espresso On Line, Roma, 14 Fev. 2002. Disponível em: http://www.espressonline.it/ESW_articolo/0,2393,30866,00.html. Acesso em: 26 Mar. 2003. ______. Lo strano ritiro spirituale di Jiang Zemin. L’Espresso On Line, Roma, 15 Jan. 2002. Disponível em: http://www.espressonline.it/ESW_articolo/0,2393,29964,00.html. Acesso em: 26 Fev. 2003. ______. Jang Zemin, dottore in teologia. L’Espresso On Line, Roma, 21 318 Fev. 2002. Disponível em: http://www.espressonline.it/ESW_articolo/0,2393,31090,00.html. Acesso in: 25 Mar. 2003. Murphy, David. Pekin est prete a reconnetre aux religions un plus grande role dans la societe por autant que les autorités puissent exercer un meilleur controle sur elle. In Eglise d’Asie. N. 344. Janvier 2002. Disponível em: http://eglasie.mepasie.org. Acesso em: 20 Fev. 2003. Sablon, Jean Leclerc du. Il risveglio religioso della Cina – Le Figaro. Disponível en: <http://www.grrg.it/xgrrg.it/articolo.php?Id=89. Acesso em: 11 Mar. 2003. Santini, Alceste. Cina e Vaticano. Dallo scontro al dialogo. Roma: Ed. Riuniti, 2003. Scisci, Francesco. Cina, la libertà religiosa contro la vecchia guardia. Disponível em: <http://ilnuovo.it/nuovo/foglia/o,1007,138516,00.html. Acesso em: 10 Mar. 2003. Ticozzi, Sergio. Quale religione per la nuova Cina? Disponível em: <http://www.gesuiti.it/popoli/anno1999/10/ar991003.htm. Acesso em: 11 Mar. 2003. _______. Research on the Catholic Church in Mainland China: Trends and Objectivs. Disponível em: http://www.hsstudyc.org.hk/trip4-3.htm. Acesso em: 4 Mar. 2003. Valente, Gianni. Il tesoro che fiorisce. Storie di cristiani in Cina. Roma: Edizioni 30 giorni, 2002. 319 BARRY CARR “La Trobe University” Melbourne El pasado, presente y futuro de los estudios sobre América Latina en Australia El surgimiento de los estudios latinoamericanos en Australia Aunque tanto Australia como América Latina pueden considerarse como regiones de la cuenca del Pacífico, compartiendo una gama de rasgos similares, los estudios académicos sobre América Latina son fenómenos bastante recientes en Australia. La falta de intercambio comercial (la apertura de los canales de Suez y Panama destruyó los primeros contactos trans-Pacíficos establecidos entre la costa oriental de las colonias australianas y la costa del Pacífico de Chile y Perú), pocas o casi nulas comunicaciones marítimas y aéreas, relaciones diplomáticas limitadas y la poca presencia de inmigrantes latinoamericanos (en cambio sí había un flujo modesto de inmigrantes de España que llegaron a Australia en los años treinta a raíz de la guerra civil en España) – todos estos factores contribuyeron al bajo nivel de contactos culturales y político-económicos entre Australia y los países de América Latina antes de los años sesenta. La ‘pre-historia’ de los estudios académicos sobre América Latina empezó en el periodo 1962 a 1968 cuando se establecieron programas de enseñanza de los idiomas español y portugués y de sus respectivas literaturas en cuatro universidades – la University of New South Wales en Sydney, las universidades de La Trobe y Monash en la ciudad de Melbourne (estado de Victoria) y la Flinders University ubicada en la ciudad de Adelaide (en South Australia).1 Llama la atención el hecho de que las universidades pioneras en el campo de los estudios sobre América Latina eran casi todas las llamadas “universidades de la tercera ola”, universidades fundadas en los años 60. En contraste las antiguas universidades decimonónicas (producto de la epoca colonial) permanecieron firmemente al margen 321 de estos acontecimientos. Claro que había casos excepcionales-académicos distinguidos pero muy aislados tales como el especialista en historia económica de Australia e Argentina, John Fogarty (ya muerto), de la Universidad de Melbourne y el geógrafo Gilbert Butland de la University of New England en Armidale. Pero estos fueron casos excepcionales. La enseñanza de los dos idiomas (español y portugués) coincidieron claramente con la llegada de lo que sa ha llamado ‘el boom’ en la literatura latinoamericana que asociamos con la producción literaria de autores como Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa y Carlos Fuentes. No obstante eso el hecho de que los dos idiomas español y portugués eran simultáneamente los idiomas de la península ibérica y de las Américas significó que el mero establecimiento de programas exclusivamente de lengua no pudo crear una base adecuada para el fomento de estudios interdisciplinarios sobre América Latina. Entre 1970 y 1972 tres universidades australianas, La Trobe University, the University of New South Wales y Flinders University se comprometieron firmamente a la creación de programas de estudios en el área latinoamericano mediante la contratación de profesores e investigadores en disciplinas como historia, sociología y ciencia política.2 La enseñanza del español y de la literatura española y latinoamericana se expandió enormamente en los años 80 y 90 con el establecimiento de programas de español en universidades en casi todos los estados (en la Universidad de Queensland en Brisbane3, en Griffith University (también en Brisbane Queensland)4, en la Universidad de Canberra5, en la Universidad de Wollongong (al sur de Sydney)6, en Victoria University (en Melbourne)7, y en Edith Cowan University (en Perth, Western Australia).8 No obstante eso las universidades de La Trobe y New South Wales y, en menor escala, Flinders University en Adelaide, mantuvieron su papel de polos hegemónicos en el campo de los programas interdisciplinarios sobre América Latina hasta fines de los años 90. En los ultimos cinco años ha habido también una expansión notable de estudios del idioma español y, hasta cierto punto de estudios latinoamericanos anclados en disciplinas como estudios culturales y antropología en dos universidades de reciente creación – la University of Western Sydney (UWS) y la University of Technology en Sydney (UTS) en su Institute of International Studies.9 Ha habido tres iniciativas para crear una cubertura y 322 coordinación interdepartamental en el campo de estudios latinoamericanos. En 1975 se creó un Instituto de Estudios Latinoamericanos en la universidad La Trobe en Melbourne. Sigue funcionando.10 Nuestros estudiantes pueden cursar cursos con énfasis en estudios latinoamericanos o con especialización en estudios latinoamericanos (es decir un ‘major’). Hace dos años se creó un centro latinoamericano en la University of West Sydney junto con una licenciatura con especialización en estudios latinoamericanos. Finalmente la Australian National University (ANU) en Canberra, nuestra capital federal, acaba de crear un centro latinoamericano – Australian National Centre for Latin American Studies (ANCLAS). Sin embargo la Australian National University, a pesar de su gran peso académico y prestigio internacional, no ha dedicado recursos para fomentar los estudios academicos sobre América Latina. No tiene un programa de enseñanza de español y solamente tiene un especialista (un arqueólogo) que se dedica exclusivamente a la investigación latinoamericanista. El marco político-económico dentro del cual evolucionó el estudio académico de América Latina en Australia experimentó algunos cambios cruciales en los 1970s y 1980s. Como consecuencia del golpe militar en Chile en 1973 y del autogolpe uruguayo del mismo año, y a raíz de la desastrosa situación interna en Argentina, Australia empezó a recibir miles de inmigrantes latinoamericanos, muchos de ellos refugiados políticos o refugiados económicos. La gran mayoría de estos nuevos inmigrantes latinoamericanos se dirigió a las principales ciudades de la costa oriental, principalmente Sydney y Melbourne, pero también en menor escala a Brisbane y Adelaide. En los años 80 la guerra civil en El Salvador estimuló la inmigración de unos 7,000 inmigrantes salvadoreños bajo la cobertura de un programa bilateral firmado entre Australia y el gobierno de El Salvador. En 2002 la población de habla hispana y portuguesa en Australia había llegado a la cifra de 110,000, de los cuales más del 80% era de origen latinoamericano. Es decir que hoy en Australia los inmigrantes de habla hispana más importantes vienen de Chile, Argentina, Uruguay y El Salvador. Hay pequeños núcleos de inmigrantes de los países andinos, de Brazil y núcleos pequeñisimos de mexicanos, cubanos, guatamaltecos y nicaraguenses. Para un observador acostumbrado al perfil cultural y geográfico de los inmigrantes hispanoparlantes en los Estados Unidos y Canada llama la atención la falta de inmigrantes mexicanos, cubanos, do323 minicanos. La llegada de decenas de miles de inmigrantes de América Latina ha estimulado enormamente los estudios académicos sobre América Latina, sobre todo en los programas de idiomas. Pero es también un hecho significativo que el interés por parte del público general en temas latinoamericanos también creció enormamente durante este periodo, alimentado por acontecimientos artísticos y culturales (el boom y posboom literarios arriba citados, el movimiento de la Nueva Canción Chilena en los 70s, la popularidad del nuevo cine cubano, brazileño y argentino) y estimulado por una fascinación que raya en la obsesión con la fama de América Latina como un laboratorio de experimentos sociales radicales y violencia de estado y un lugar donde nacieron nuevos paradigmas – como la teoría de la dependencia en los 70s y más tarde en los 90, la explosión de pensamiento y prácticas neoliberales. No ha habido investigaciones científicas del fenómeno pero mis proprias experiencias y las de muchos de mis colegas me llevan a pensar que el enorme crecimiento de interés estudiantil por temas latinoamericanos en los años 70 y 80 tuvo mucho que ver con el compromiso político con las campañas de solidaridad con los pueblos chileno, argentino y uruguayo y posteriormente el apoyo a movimientos de liberación en América Central (El Salvador, Guatemala y Nicaragua). Ya que el ciclo de revoluciones en América Latina se ha cerrado, según parece, creo que el interés general por América Latina ha sufrido algunos cambios importantes. Hay menos compromiso político y más interés por fenómenos en el campo de la cultura popular (cine, música) y del mundo indígena en América Latina. A diferencia de lo que ha pasado en otras áreas de estudio regional, sobre todo en el campo de los estudios de Asia (estudios asiáticos) el interés por parte del gobierno australiano en fomentar las conexiones económicas, políticas y culturales con América Latina tardó mucho tiempo en surgir. Un parteaguas importante llegó en 1991 cuando un comité del senado australiano (el Comité de Asuntos Exteriores, Defensa y Comercio del Senado de Australia) lanzó una investigación sobre el estado de las relaciones entre Australia y los países de América Latina. El informe final, emitido por el comité del Senado en 1992, fortaleció considerablemente el perfil público de América Latina en Australia.11 Claro que el propósito fundamental del comité del senado fue encontrar mecanismos para fomentar la inversión australiana 324 en América Latina y estimular las exportaciones australianas. Pero el informe también reconoció en varios párrafos la importancia de promover las actividades en los campos académico y cultural, estrechando las relaciones académico-culturales entre instituciones australianas y sus contrapartes en América Latina. Uno de los beneficios inmediatos, producto del trabajo del comité del senado, fue una decisión del gobierno federal de donar fondos para apoyar una nueva iniciativa académica en el campo de los estudios latinoamericanos, la AILASA, Asociación de Estudios Ibéricos y Latinoamericanos de Australasia (hay que recordar que el término Australasia es empleado en Australia y Nueva Zelanda para referirse a estos dos países de las antípodas; no tiene nada que ver con Asia).12 En los años 70 hubo algunos intentos de crear una asociación profesional capaz de agrupar a los pequeños núcleos latinoamericanistas dispersados a través del enorme continente australiano, pero todo los projectos de crear una red académica fracasaron rotundamente. Estas tempranas iniciativas fracasaron porque no lograron desarollar una cobertura nacional genuina, porque descuidaron las necesidades y preocupaciones de los académicos que trabajaban en el campo de la enseñanza de los idiomas y literaturas tanto de España y Portugal como de América Latina, y porque nunca lograron extenderse a Nueva Zelanda. La creación de AILASA en 1989 y 1990 no resolvió todos estos problemas, pero si respondió a los principales retos que afrontábamos en las antípodas. La AILASA desde sus primeros días subrayó su carácter de institución binacional (Australia y Nueva Zelanda) y incorporó a profesores y investigadores dedicados tanto a estudios ibéricos como a estudios de América Latina. AILASA se convirtió rápidamente en el foco principal de los estudios latinoamericanos en Australia y Nueva Zelanda. La Asociación ha organizado cinco reuniones binacionales (en Sydney, Brisbane, Auckland, Melbourne y otra vez en Sydney) con asistentes de Australasia y de América Latina, Norteamérica y de Europa. Desgraciadamente la asistencia de especialistas de los países asiaticos ha sido casi nula. Creo que la culpa es nuestra; nuestra atención se ha dirigido principalmente a las Américas y a Europa y no hemos hecho esfuerzos suficientes para establecer contactos con nuestros colegas asiáticos (claro que ha habido algunas excepciones). En 1995 AILASA inció la publicación de una revista tri325 lingue (JILAS~ Journal of Iberian and Latin American Studies) que sale dos veces cada año.13 El saldo académico de esta iniciativa ha sido muy positivo. No obstante eso queda mucho que hacer; tenemos que incrementar la circulación y tiraje de la revista, sobre todo a nivel internacional, y tenemos que alentar la colaboración de autores asiáticos y fomentar el intercambio inter-institucional. Ojalá que esta reunión y la creación de una red o asociación de académicos latinoamericanistas de Asia y Oceanía pueda ayudamos en este proceso. Debo añadir que en Australia actualmente se publican cuatro revistas dedicadas exclusivamente o parcialmente a temas latinoamericanos. La revista Antípodas sale cada año (esta revista se inció en Auckland; ahora tiene su sede en La Trobe University). La revista Tahuintinsuvo es una revista bilingue dedicada a temas de antropología, arqueología y historia andina y se edita en Canberra. La revista Ixquic es publicada en la Monash University en Melbourne. AILASA también ha lanzado un boletín de noticias (Newsletter) que se reparte entre los miembros, ha creado un sitio web (que todavía requiere mucho trabajo) y está al punto de lanzar una iniciativa para crear un directorio de especialistas latinoamericanistas y hispanistas en Australia y Nueva Zelanda. Nos hace mucho falta tener una visión actualizada de lo que está pasando en nuestro proprio mundo académico. Con frecuencia no circulan noticias importantes (como nuevos nombramientos, nuevos cursos, materiales adquiridos) aún entre el pequeño número de gente que comparte intereses académicos parecidos. Áreas de solidez y alto significado internacional Los marcos organizativos dentro de los cuales los estudios latinoamericanistas han evolucionado en Australia han sido diversos. En La Trobe, donde se estableció el primer programa con especialización latinoamericana, se integró el estudio de las culturas y sociedades latinoamericanos dentro de Ia estructura fundacional de la nueva universidad. El eje del programa latinoamericano está ubicado en tres departamentos: historia, sociología y español-portugués, y en el Instituto de Estudios Latinoamericanos (ILAS) fundado en 1975 con la ayuda de una aportación financiera considerable de la Myer Foundation. El Instituto ILAS emprende una variedad de actividades que incluye la organización de 326 congresos (20 hasta la fecha), la coordinación de visitas de distinguidos académicos latinoamericanistas de las Américas y de Europa. Además de la edición de la revista JILAS, los académicos de La Trobe se encargan de editar la segunda revista internacional, Antípodas. Un total de 10 académicos enseña o investiga en el área de estudios latinoamericanos. En La University of New South Wales el departamento de Español cambió de nombre a escuela de Español y Estudios Latinoamericanos en 1972 con el nombramiento de dos historiadores con un interés especial en la historia de Argentina. La Escuela (ahora un departamento dentro de una gran Escuela de Estudios en Lenguas Modernas) ha establecido contactos estrechos con la extensa comunidad latinoamericana en Sydney, ha organizado numerosas reuniones y congresos y fue la primera universidad en lanzar una revista dedicada a temas latinoamericanos y hispanos, Anales. La UNSW también organizó una maestría en estudios latinoamericanos por cursos. El equipo de latinoamericanistas consiste en cinco profesores e investigadores.14 El español fue una de las lenguas fundacionales en Flinders University cuando se estableció a mediados de los 60. Pero no fue hasta 1991 que se creó un programa interdisciplinario de estudios latinoamericanos con base en los departamentos de español y portugués, historia y ciencia política, con la participación de seis profesores e investigadores. Un programa de pre-grado con especialización en estudios latinoamericanos se ofrece como parte de la licenciatura en Artes, Comercio e Estudios Internacionales.15 Puntos Fuertes A pesar del tamaño pequeño y crecimiento desorganizado y caótico de los programas de estudios latinoamericanos en Australia, hemos presenciado el surgimiento de varios núcleos en un determinado área de interés que se han convertido en áreas particularmente fuertes. A fines de los 60 y en los 70 y 80 un grupo de académicos – entre ellos, John Fogarty, Tim Duncan (Universidad de Melbourne), Jim Levy y Peter Ross (UNSW) y Donald Denoon (ANU), promovieron (fueron verdaderos pioneros) estudios comparativos de Australia y Argentina, tomando como punto de partida la literatura académica sobre zonas de poblamiento reciente.16 Se organizaron varias reuniones internacionales sobre la 327 comparación Australia y Argentina. La historia y sociología de las relaciones entre Estados Unidos y América Latina ha atraído la atención de un grupo de especialistas, entre ellos Morris Morley (Macquarie University), Mark Berger (University of New South Wales) y Steve Niblo (La Trobe University).17 Los trabajos de varios especialistas que investigan movimientos sociales han tenido una aceptación internacional importante – entre ellos Rowan Ireland (La Trobe, cuyas investigaciones se han centrado sobre movimientos religiosos y sociales en Recife y São Paulo), Yvonne Corcoran-Nantes y Martin Scurrah (ambos de Finders University)18, Geraldine Pye (Flinders), investigadora de los deportes en Cuba19 Greg Teal (University of Western Sydney), especialista en temas dominicanos, Robert Austin (University of Sydney), especialista en historia de la educación en Chile y Cuba, y Barry Carr (La Trobe University), historiador dedicado a la historia de movimientos campesinos y obreros y la izquierda en América Latina.20 El estudio de la historia argentina y de la historia comparativa de Australia e Argentina ha figurado en los trabajos de Jim Levy y Peter Ross, ambos de la University of New South Wales. La Dra Inga Clendinnen (ahora jubilada) del departamento de historia de La Trobe ha publicado dos libros importantes sobre el imperio azteca y el contacto cultural en Yucatán que se han convertido ya en clásicos.21 La historia etnográfica figura también en los trabajos importantes del historiador David Cahill (University of New South Wales).22 Un pequeño grupo de arqueólogos latinoamericanistas se ha creado a través de los años – entre ellos Peter Matthews (La Trobe University) y Ian Farrington (de la Australian National University).23 En el campo de los estudios culturales y estudios literarios llama la atención el trabajo de especialistas como los expertos en comunicaciones, radio y televisión, John Sinclair (Victoria University)24 y Penny O’Donnell (UTS), Jeff Browitt (literatura latinoamericana y estudios sobre Colombia) y Stuart King (ambos de Monash University),25 Diana Palaversich26, John Brotherton (estudios cubanos)27 y Steve Gregory (los tres de la University of New South Wales), Roy Boland (La Trobe)28, Estela Valverde, Hugo Hortiguera (Griffiths University), Paul Allatson (UTS)29 y Alfredo Martínez Exposito (University of Queensland).30 328 Debilidades y el futuro A diferencia de otras áreas de estudio (estudios de Asia por ejemplo), la base disciplinaria de los estudios universitarios de Latinoamérica es extremedamente dispareja. Los latinoamericanistas están actualmente basados en departamentos de historia, español y literatura y, en menor escala, ciencia política, sociología e arqueología. Actualmente no hay economistas que se dedican especialmente a la enseñanza y investigación de Latinoamérica, otra verguenza nacional. Aunque hay un número pequeño de especialistas en portugués hay una marcada falta de académicos en Humanidades que tengan un intéres especial en el Brasil, el país más grande de América Latina. Tal vez el mayor reto que enfrentan los latinoamericanistas australianos es la falta de una estrategia nacional para el desarrollo de recursos humanos y de investigación en el área. La dispersión geográfica de académicos latinoamericanistas, la disparidad en números entre las disciplinas y la falta de seguridad para nuevos nombramientos en el área hacen que sea urgente el establecimiento de un plan nacional y la consiguiente asignación de fondos apropriados. El establecimiento de un centro clave para los estudios latinoamericanos (compartido entre las tres principales universidades con un compromiso histórico en estudios latinoamericanos) puede ser el principal vehículo a través del cual la coordinación y asignación estratégica de recursos podría llevarse a cabo. Finalmente hay que subrayar la importancia de la fundación de una nueva red o consejo de estudios sobre América Latina en los países de Asia y Oceanía. CELAO, fundada en Osaka en Septiembre de 2003, tendrá su primera reunión en Melbourne en Julio de 2005. 329 Notas (1) Para el programa de Hispanic Studies en Monash http://www.arts.monash.edu.au/spanish/ (2) R.W. Thompson fue el pionero de los estudios hispánicos y latinoamericanos en La Trobe. El chileno, Claudio Veliz, fue, durante muchos años, profesor de sociología en la misma universidad. (3) http://www.arts.uq.edu.au/slccs/romlang.html (4) http://www.gu.edu.au/school/lal/ (5) http://www.ce.canberra.edu.au/slie/spanish.htm (6) http://www.uow.edu.au/arts/languages/spanishintro.html (7) http://w2.vu.edu.au/foa/spanish/ (8) http://www.ecu.edu.au/ses/iccs/cware/spanish/ (9) http://www.iis.uts.edu.au/about/index.html (10) Ver la página web de ILAS: http://www.latrobe.edu.au/latinamerican/ilas.html (11) El informe, emitido en 1992, de más de 420 páginas, fue la culminación del más detallado análisis que se ha realizado, respecto de las relaciones de Australia con América Latina. Durante la investigación, el Comité recibió 120 propuestas y presidió 12 audiencias públicas. (12) http://www.ssn.flinders.edu.au/politics/ailasawebpage/ ailasahomepage.htm (13) Ver la página web http://www.his.latrobe.edu.au/jilas/index.html (14) http://www.arts.unsw.edu.au/languages/spanish/spanish.html (15) http://www.flinders.edu.au/courses/ugrad/majors/last.htm (16) John Fogarty & Tim Duncan, Australia and Argentina: On Parallel Paths. (17 ) Mark Berger, Under Northern Eyes: Latin American Studies and U.S. Hegemony in the Americas, 1898-1990; Morris Morley, Imperial State And Revolution: The United States And Cuba, 1952-1986, Washington, Somoza and the Sandinistas: State and Regime in US Policy Towards Nicaragua, 1969-1981, Unfinished Business: America and Cuba after the Cold War, 19892001; Stephen Niblo, War, Diplomacy, and Development: the United States and Mexico, 1938-1954; Mexico in the 1940s: Modernity, Politics, and Corruption. (18) Martin Scurra actualmente reside en Lima donde dirige el programa para América Latina de Oxfam-America. (19) Geralyn Paye, Sport in Cuba: the Diamond in the Rough. (20) Rowan Ireland, Kingdoms Come: Religion and Politics in Brazil; Barry Carr, Marxism and Communism in Twentieth Century Mexico, The Latin American Left: From the Fall of Allende to Perestroika, The Cuba Reader. (21) Inga Clendinnen, Ambivalent Conquests: Maya And Spaniard In Yucatán, 1517-1570; Aztecs: An Interpretation. (22) David Cahill, Habsburg Peru: Images, Imagination and Memory. (23) Peter Mathews, The Bodega of Palenque, Chiapas, Mexico, The Code of Kings: the Language of Seven Sacred Maya temples and Tombs. (24) Jeff Browitt, Contemporary Cultural Theory. (25) John Sinclair, Latin American Television: a Global View. (26) Diana Palaversich, Latin America: Literal Territories, Silencio, voz y escritura en Eduardo Galeano. (27) John Brotherton, Learning to Die: The Poetry of Pablo Armando Fernández, Shifting Scenes: Cuban Theatre Since 1959. 330 (28) Roy Boland, Mario Vargas Llosa: Oedipus and the “Papa” State: a Study of Individual and Social Psychology..., From La ciudad y los perros, to Historia de Mayta, Culture and Customs of El Salvador. (29) Paul Allatson, Latino Dreams: Transcultural Traffic in the U.S. National Imaginary. (30) Alfredo Martínez Exposito, Gay and Lesbian Writing in the Hispanic World/ Literatura gay y lesbiana en el mundo Hispano. 331 ZHANG BAOYU Professor do Instituto da América Latina Universidade de Pequim Relações entre a China e o Brasil Estudo sobre o Brasil na China 1. O Brasil é um “Laboratório de racas”. Europeus, negros, índios estão na base genética dos 170 milhões de habitants do país. Hoje, mais de 60% dos que se julgam “brancos” tem sangue índio ou negro correndo nas veias. Embora assim, o Brasil é um país Latino. Isso nao so por causa de se usar o português em todo o pais. A razão principal é exatamente como o estudioso brasileiro António Carlos Mazzeo disse na sua obra entitulada Burguesia e Capitalismo no Brasil: Os primeiros colonizadores portugueses trouxeram todo um arcabouço cultural existente na Europa. O Brasil transformou-se de certa forma, num prolongamento da vida europeia, sob o sol dos trópicos, acrescido de alguns traços culturais indígenas e africanos, mas que não alteraram, substancialmente, o aspecto europeu de sua cultura. 2. O grande navegador Cristóváo Colombo atravessando o oceano Atlântico e finalmente aportou na terra Americana, assim como Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a India. Fez com que se formou o caminho marítimo mundial. O modo tradicional do contacto humano tinha acontecido uma série das mudanças, surgindo comércios internacionais de signifição global. Nesse contexto histórico, a China e o Brasil comecaram a contactar mutuamente. 3. O Brasil fez relações diplomáticas com a China mais cedo que os outros países da América Latina. No ano de 1881, a China e o Brasil assinaram o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Sino-Brasileiro, estabelecendo relações diplomáticas entre os dois países. Dentro os países da América Latina, só Peru estabeleceu relações diplomáticas com a China mais cedo que o Brasil, isso aconteceu no ano de 1875. Porém, os contactos extra-oficiais entre a China e o Brasil foram mais cedo que contactos oficiais. A vinda de chineses para o cultivo de chá no Brasil, marcou o início do contacto entre os dois países. Os chineses 333 foram os primeiros imigrantes estrangeiros que chegaram ao Brasil no século 19 para trabalhar na agricultura. Esta foi a conclusão da pesquisa realizada pela Sociedade das Florestas do Brasil na Bilioteca Nacional e no Arquivo Nacional, em 1994. Uma colónia de chineses foi trazida de Macau para o Rio de Janeiro pelo Governo Real Português entre 1812 e 1819 para introduzir a cultura do chá no Brasil. Em 1812 chegaram ao Rio de Janeiro mudas e sementes de chá vindas de Macau no navio Vulcano. O pintor austríaco Johannes Moritz Rugendas, durante sua primeira viagem ao Brasil, entre 1821 e 1825, documentou a plantação chinesa de chá no Jardim Botánico do Rio de Janeiro, publicando a gravura em seu livro Viagem Pitoresca Através do Brasil, cujo texto fez referência a uma colónia de 300 chineses no Rio de Janeiro. O famoso mirante da Vista Chinesa, no Parque Nacional da Tijuca, próximo do Horto Florestal do Rio de Janeiro, no Vale do Rio dos Macacos, e o marco da presença dos pioneiros chineses no Brasil no início do século 19. Houve duas características no contacto oficial de início entre os dois países, que devemos sublinhar. Primeiro, o Brasil tomou a iniciativa de estabelecer relações diplomáticas com a China (Dinastia Qing). Isso resultou no Brasil, da falta de mão-de-obra agrícola na época que tem começado do meio do século 19. No Brasil, a expansão da lavoura cafeeira pela Baixada Fluminense e Vale do Paraíba, assim como a abolição do tráfico negreiro, em 1850, acentuaram o problema da mão-de-obra. As barreiras impostas pela Inglaterra ao trafico negreiro e a crescente necessidade de mão-de-obra no setor agricola acirraram o debate em torno da questao sobre imigração chinesa, culminado com o envio de uma missão especial brasileira à China em 1879. Por fim, os dois países assinaram o tratado em 3 de Outubro de 1881. Embora o tratado sino-brasileiro nao incluia nenhuma referência á emigração, mas o artigo primeiro garantia aos súditos chineses e brasileiros a liberdade de transitar, residir e comerciar no outro país. Segundo, o tratado sino-brasileiro de 1881 foi um tratado desigual. Em 1880, a China e o Brasil assinaram um tratado, mas o imperador brasileiro D. Pedro II recusou-se a ratificá-lo, porque o tratado apresentava algumas diferenças com os demais tratados desiguais firmados entre a China e as potências ocidentais. As negociações foram retomadas, numa tentativa de efetuar modificações em certas cláusulas para atender às exigências brasileiras, resultando na assinatura de um 334 Segundo Tratado, em 3 de Outubro de 1881. Através do princípio de “nação mais favorecida” e da extraterritorialidade, o tratado também concedia ao Brasil privilégios semelhantes aos das potências imperialistas. 4. As origens do relacionamento sino-brasileiro se encontram no comércio marítimo português. O estabelecimento de um entreposto em Macau, em meados do século 16, permitiu aos portugueses consolidar um lucrativo comércio nos mares da China. As naus procedentes do Oriente a caminho de Portugal ocasionalmente reabasteciam em portos brasileiros, marcando, assim, o início da comunicação entre Macau e o Brasil. Após a descoberta de reservas auríferas nas Minas Gerais por volta de 1690, as escalas de reabastecimento tornaram-se mais constantes, intensificando o contrabando de mercadorias orientais em troca de ouro e tabaco. Diversas foram as tentativas frustradas de Macau, durante o século 18, em receber da metrópole autorização para estabelecer o comércio livre e direto com o Brasil. Portugal não demostrava nenhum entusiasmo nessa possibilidade. Todavia, as embarcações provenientes do Oriente continuavam a atracar nos portos do Rio de Janeiro e do Nordeste, carregando artigos chineses como sedas, porcelanas e chá; da mesma forma, a batata, a mendioca, o abacaxi, o caju, a goiaba, a mamoa, o tabaco e demais produtos brasileiros foram para a Ásia. A rota comercial ao mesmo tempo e uma via de transmitir a cultura. O intercâmbio comercial reforça inevitavelmente o intercâmbio de cultura. Por que o comércio é “carregador” da cultura. Através de Macau, chegaram a esta terra nova muitas coisas chinesas e ficaram até hoje, quase em todo o Brasil. A penetração da China na sociedade colónial brasileira extrapolava a esfera das trocas comerciais, influenciando o caráter da cultura brasileira através da absorção da cultura chinesa. A influência cultural chinesa no Brasil mostra-se nas várias áreas. – Na área da vida cotidiana. Como o estudioso brasileiro, professor José Roberto Teixeira Leite disse, um observador pouco atento diria que o Brasil sofreu, em sua formação, somente influências culturais europeias, indígenas e africanas. Tal impressão não corresponde à verdade. O costume de jogar arroz nas noivas, o uso de fogos de artifício, a submissão das mulheres aos maridos, o fetiche pelos pés pequenos das mulheres, o jogo do bicho, o uso de leques pelas mulheres, certas práticas de medicina, etc, demostram uma vísivel influência chinesa na cultura brasileira. 335 – Na arquitetura brasileira, a influência chinesa se revela de várias maneiras, segundo estudo do professor José Roberto Teixeira Leite. A influência chinesa existe no desenho ornamental, no estilo exterior de algumas construções, assim como algumas construções são “edificadas sobre plataformas de pedra, técnica comum na China desde tempos imemoriais”. – Na área de fortalecer a saúde. Taijiquan (um tipo de boxe chinês tradicional) e Kung Fu chinês, estão na moda no Brasil. Quado eu trabalhava no Rio de Janeiro como cônsul chinês, sempre vi uma cena que os brasileiros praticavam Taijiquan e Kung Fu na praia Botafogo. – Na medicina. A acupunctura chinesa e a medicina tradicional chinesa já foram aceite por uma parte dos brasileiros. Eu visitei uma clínica que está em Niteroi. Essa clínica se usa a acupuntura chinesa a tratar algumas doenças. Os médicos foram brasileiros. A gente disse, o Presidente Lula tem um proprio acupunturista, chama-se Gu Hanghu. – Na filosofia e religião. Taoísmo é uma religião tradicional chinesa, ele nasceu na China antiga. Agora no Brasil, há vários grupos que estuda Taoísmo e pratica-o. Um artigo editado na revista do Clube Militar Brasileiro considera: As mulheres podem desfrutar inúmeros e valiosos benefícios com exercício segundo as regras do Taoísmo. O Taoísmo oferece condições de eliminarem problemas relacionados com o período menstrual. I CHING (o livro das mutações), a obra famosa antiga da China, é mais conhecida no Brasil. Esta obra tem várias edições que estão nas livrarias do Brasil. Outros exemplos tais como: a “Porta da China”, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Sabara, Minas Gerais; a imagem de um monge chinês no Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Além disso, arte culinária chinesa, as artes marciais, horóscopo chines e muitas outras também são comportamentos culturais chineses que estão na moda no Brasil. Sobre a influência da China para o Brasil, o ministro atual da Cultura do Brasil, Gilberto Gil disse na Palestra no Núcleo de Cultura Brasileira na Universidade de Pequim, 11 de Outubro de 2004: Trata-se de uma presença sutil, sofisticada, (a seda, os bordados, a porcelana, os leques perfumados) que vem construindo bases profundas de sustentaçao para as convergências entre o Brasil a China no presente, permitindo-nos antever o povo brasileiro e o povo chinês percorrendo largos caminhos comuns no futuro. Não é só pela extensão territorial que os dois países convergem. O Brasil tem um 336 grande poder de absorção cultural e sempre houve no Brasil algo de oriental contrastando com suas características ocientais. 5. Por outro lado, a cultura brasileira tem difundido adequadamente na China. Segundo professor Sun Chengao, do Instituto de Literatura Estrangeira da Universidade de Línguas Estrangeiras de Beijing, desde década de 50 do século passado, as obras literárias brasileiras foram traduzidas em chinês, publicando na China. A editora Ping Ming de Shanghai publicou um romance de Jorge Amado, a primeira obra brasileira, a ser traduzida na China em 1954. Os Sertões de Euclides da Cunha e uma antologia da poesia de Castro Alves foram traduzidas em chinês um após outro. Entretanto, deve-se ressaltar que as obras foram traduzidas do inglês, francês ou russo, ao invés do português, pois, naquela época, a China nao formava tradutores de língua portuguesa. A partir da década 80, com a formação de um grupo de tradutores chineses, especializados no português, iniciou-se a tradução de obras diretamente desta língua para o chinesa, criando maior proximidade entre a versão original e a chinesa. Nas décadas de 80 e 90, foram lançadas traduções de grande número de obras literais de escritores brasileiros, tais como Bernardo Guimarães, Machado de Assis, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Erico Veríssimo, Ribeiro Couto, Guimarães Rosa, Orígenes Lessa, Sérgio Porto, Herberto Sales, Fernando Sabino, José Jacinto Veiga, Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan, Jose Sarney e Chico Anísio. As principais obras da literatura traduzidas para o chinês são as seguintes: – A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães. – A Trilogia de Ilusão Desvanecida, de Machado de Assis. – Vidas seca, de Graciliano Ramos. – Incidente em Antares, de Erico Veríssimo. – O Senhor Embaixador, de Erico Veríssimo. – Norte das Águas, de José Sarney. – O Silencio da Confissao, de Josué Montello. Jorge Amado é o escritor brasileiro mais conhecido pelo público chinês. Ele alcançou uma proeza: treze de suas obras foram traduzidas para o chinês, fato inédito para um escritor brasileiro. Nos últimos anos, a cultura brasileira está difundido mais depressa na China. Isso resultou do desenvolvimento das relações económicas e comerciais entre os dois países. Os 337 brasileiros consideram que “mudar a imagem do Brasil, é muito importante para se diversificar a pauta de exportaçoes”. Por isso, o Brasil transmite activamente a sua cultura no exterior. A atriz brasileira Lucélia Santos é um trunfo para a venda no mercado chinês. Há duas décadas ela ficou famosa na China por protagonizar novela Escrava Isaura, que teve grande sucesso no país. Lucélia ja começou a produzir uma minissérie em parceria com TV Sichuan da China, chamada “O amor do outro lado da Terra”. Essa minissérie tem a ver com as vendas do café no mercado chinês. Ela vai contar a história de amor entre uma brasileira, filha de cafeicultores portugueses, e um imigrante chinês. A narrativa, que se passa no Brasil entre 1932 e 2005, pretende familiarizar os chineses com a cultura do café e, com isso, incentivar um maior consumo do produto brasileiro na terra do chá. O churrasco e carne assada na brasa, comida tipica no Brasil. Churrascaria e restaurante cuja especialidade são os churrascos. Agora, as cidades chinesas foram invadidas por churrascarias no estilo brasileiro – muito apreciados por chineses. As técnicas e táticas do futebol do Brasil são avançadas no mundo inteiro. Agora, é uma moda no cículo de futebol na China, aprender futebol com os brasileiros no Brasil. Atualmente, onze jovens jogadores chineses de futebol, com idade entre 13 e 17 anos, estão em Belo Horizonte do Brasil para aprender futebol. Esses estudantes são o terceiro grupo a sair da China para aprender futebol com os pentacampeões do esporte. Além disso, vários jogadores e técnicos brasileiros nesse esporte, trabalhavam ou estão trabalhando com os colegas chineses na China. O público chinês conhece bem os jogadores brasileiros famosos mundialmente, tais como Pelé, um maior mito do futebol do Brasil. Café Pelé, tradicional marca de exportação da Cia. Cacique, por ter nome de Pelé, está entrando no mercado chinês. As novelas brasileiras são muito populares na China e divulgam um pouco do modo de vida brasileiro. Os chineses também gostam de MPB – musica popular brasileira. A dupla caipira Milionário e José Rico faz muito sucesso na China, os Shows deles são lotados. Samba, dança popular brasileira, com fortes influências do batuque africano, é um símbolo da cultura brasileira. Ela é muito famosa na China como futebol brasileiro. 6. Em 15 de Agosto de 1974, a China e o Brasil estabeleceram as relações diplomáticas. Desde então, as relações entre ambos vem registrando um desenvolvimento estavel e contínuo. 338 – Na área de comércio bilateral. O volume do comércio bilateral em 1974, quando se estabeleceram as relações diplomáticas, foi de US$17, 42 milhões. No último ano da década de 70, ele ja subira 12 vezes, passando para US$216 milhões. Na decada de 80, o valor atingiu US$755 milhoes anuais; na decada de 90, US$1,494 bilhão. Em 2001, chegou a US$3,698 bilhões. Em 2003, o comércio bilateral alcançou quase US$8 bilhões. Em 2004, essa cifra podia ultrapassar US$10 bilhões. Os impressionantes avanços do comércio bilateral fizeram a China atingir, no ano de 2003, o terceiro lugar entre os principais destinos das exportaões brasileiras. Atualmente, os governos da China e do Brasil consideram a outra parte um dos mercados importantes para a concretização da diversifição de seus mercados. Isso dá um futuro brilhante para desenvolver comércio bilateral. – Na área da cooperação económica e a tecnológica, assim como os investimentos mútuos. Cerca de 60 empresas chinesas de várias províncias ja estabeleceram representações de comércio ou criaram joint-ventures no Brasil. Com o desenvolvimento sustentado da economia chinesa, empresas chinesas com grande poderio nos setores de processamento de madeira, eletrodomésticos, mineração e telecomunicação, entre outros, investem no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento da economia, a introdução de tecnologia e a geração de emprego no País. Ao mesmo tempo, grandes empresas brasileiras, tais como a CVRD, a CBMM, a Embraer e a Embraco, participam de operações na China com parceiros locais que trazem benefícios mútuos. Os avanços da cooperação em ciência e técnologia, em particular na área espacial, constituem o mais bem sucedido exemplo de cooperacao Sul-Sul baseado em alta tecnologia. Na questão dos transportes, uma parceria sino-brasileira para a recuperação e a expansão do sistema ferroviário brasileiro permitirá que as exportações agrícolas brasileiras cheguem à China em maior volume, com menores custos. Outros setores em que a parceria é promissora são software e energia, em especial a exploração conjunta de poços de petróleo em terceiros países e a cooperação na produção de etanol. Em 1993, os dirigentes dos dois países decidiram estabelecer uma parceria estratégica de longo prazo, estável e capaz de trazer benefícios mútuos, o que constituiu um novo marco na história das relações sino-brasileiras. Durante esses anos, com as frequentes visitas de alto nível, 339 as relações de cooperação amistosa desenvolveram-se constantemente. Em importantes questões internacionais, os dois países compartilham pontos de vista idênticos ou têm posições similares, e em fóruns multilaterais como a ONU e a Organização Mundial do Comércio (OMC) têm trabalhado em colaboração estreita, apoiando-se mutuamente e estabelecendo cooperações frutíferas. Segundo o estudioso brasileiro Luiz Vita, nos anos 1970 e 1980, durante votação nas Nações Unidas e em outros fóruns internacionais, 95% das posições brasileiras coincidiam com as chineses e vice-versa. Em Maio de 2004, o Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva visitou a China. Em Novembro do mesmo ano, o Presidente da China Hu Jintao visitou o Brasil. Duas visitas de Estado num único ano conferem o brilho merecido ao ániversario de 30 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e o Brasil. As visitas dos dois Presidentes aumentaram o conhecimento e a confiança mútuos entre a China e o Brasil e promoveram o contínuo desenvolvimento da cooperação económico-comercial e científico-tecnológica. E também aprofundaram e consolidaram a parceria estratégica sino-brasileira, o que corresponde aos interesses fundamentais dos povos dos dois países e favorece a salvaguarda da paz e o desenvolvimento de suas respectivas regiões e do mundo. E, ao mesmo tempo, desempenhará um papel decisivo no sentido de aumentar o poderio dos países em desenvolvimento em geral e de promover o estabelecimento de uma nova ordem internacional política e económica mais justa e razoãvel. Com características próprias nas estruturas de recursos e indústrias, a China e o Brasil dispõem de grande complementariedade econõmica. O presidente brasileiro Lula disse, o que nos queremos, é uma politica chamada de complementariedade. Após visitas dos dois Presidentes dos dois países váo ampliar relações bilaterais. É possível alcançar uma relação comércial da ordem de 20 bilhões de dólares nos próximos trés anos. Também os dois países avançam em relação aos investimentos chineses na infraestrutura brasileira, em particular na recuperação da malha ferroviária, na reforma de portos e em projetos siderúrgicos e de produção e transmissão de energia. Na área da cultura e do turismo, aos intercâmbios entre duas partes serão dados ênfase. A intensificação dos contatos entre nossas sociedades será um passo essencial na ampliação do conhecimento mútuo e no aprofundamento de relações bilaterais. 340 7. Agora vamos falando do Estudo sobre o Brasil e a América Latina na China. O povo chinês valoriza a importância de estudar. Para Confúcio, é uma grande alegria estudar e rever. O governo chinês tem prestado atenção ao desenvolvimento das relações com o Brasil e com a América Latina. Sob as instruções do Presidente Mao Tsetong, o Instituto da América Latina que pertence a Academia de Ciências Sociais da China, foi criado em 1961. A tarefa principal do Instituto da América Latina da China é pesquisar e estudar os problemas económicos, políticos, sociais, culturais, assim como de relações exteriores e de história, em toda a América Latina. Os seus trabalhos foram suspensos no meio da década de 60 até primeiros anos de 70, no século passado, pela caótica Grande Revolução Cultural, e somente retomados a partir de Maio de 1976. Atualmente o Instituto divide-se em 4 seções: Seção de Política e História; Seção de Economia; Seção de Sociedade e Cultura; Seção de Estudos sobre Países latino-americanos. Além disso, há uma secretaria, uma biblioteca, um centro de informações. No Instituto ainda há uma faculdade de estudos sobre a América Latina, para a formação de alunos de pós-graduação. O Instituto de América Latina da Academia de Ciências Sociais da China tem uma revista Estudos Latino-Americanos, em chinês, publicada bimensalmente. Trata-se da revista mais importante na China sobre os estudos da América Latina. Além disso, sai ILAS Working Paper em espanhol ou inglês, sem prazo fixo. O Instituto conta com vários métodos a promover os estudos da América Latina. – Os pesquisadores podiam aproveitar os livros colecionados na biblioteca, para conhecer os problemas latino-américanos. Esses livros são comprados no exterior, e alguns são oferecidos pelas Embaixadas dos países de América Latina em Beijing, pelos órgãos e individuais dos países de América Latina e do outros países. – A biblioteca assina vários jornais, revistas dos países da América Latina, dos órgãos internacionais, dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Rússia etc. Por exemplo, os seguintes jornais e revistas brasileiros foram e são assinados pela biblioteca do Instituto: Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo, Veja, Exame, Manchete, Conjuntura Económica, Boletim do Banco Central do Brasil, Revista de Economia Política, etc. 341 – Toda a gente do Instituto da América Latina tem computador, por isso podia usar internet a conseguir informações. – Os pesquisadores do Instituto sempre são enviados para os países da América Latina, os Estados Unidos, Espanha, Portugal, e Rússia, a fim de pesquisar os problemas latino-americanos em parceria com os professors estrangeiros, ou aprender idioma. – O Instituto, cada ano, convida alguns professores dos países da América Latina ou de outros países, a visitar o Instituto. Além disso, algumas personagens estrangeiras também sempre visitam o Instituto exprimindo opiniões sobre a situação atual e histórica da América Latina. Desde a criação até agora, o Instituto conquistou grande desenvolvimento no trabalho de estudos e pesquisas sobre a América Latina. As publicações mostram melhor os esforços e êxitos dos estudiosos chineses nos seus estudos latino-americanos. Foram publicados centenas de livros e milhares de artigos sobre assuntos latino-americanos. Os mais importantes são, por exemplo: Enciclopédia da História da América Latina, Enciclopédia Concisa da América Latina e Caribe, História Geral da América Latina, A Economia da América Latina, História de Relações Sino-Americanas, Estudos sobre a Estratégia de Desenvolvimento dos Países Latino-Americanos, O Desenvolvimento do Capitalismo na América Latina, Estudos da Política dos Países da América Latina, As Relações entre os Países da América Latina e os Estados Unidos, Problemas das Nacionalidades na América Latina, Comentário sobre a História da Ideologia dos Países da América Latina, Sobre a Reforma de Pensão na América Latina, Escolha sobre Estratégia da Modernização e Relações Internacionais: As Experiências na América Latina, Educação da América Latina, Movimento do Comunismo na América Latina, Estudo sobre Modelos de Deselvolvimento na América Latina, América Latina e as Relações sino-américa-latinas: Situação atual e futuro, Desenvolvimento Económico e Problemas Sociais: Situação na América Latina, Estudo sobre Dívida Externa na América Latina, etc. As obras principais sobre o Brasil são seguintes: Brasil, Economia do Brasil, Estudo sobre a Modernização no Brasil, Desenvolvimento Económico e Problemas Sociais: Situação no Brasil, além dos artigos que se tratam economia, sociedade, política, história, cultura do Brasil. As principais obras de tradução são: Desenvolvimento da 342 Economia América-Latina, de Celso Furtado, Documentos de Simón Bolivar, Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, de José Carlos Mariategui, Imperialismo e Dependência, de Teotónio dos Santos, Capitalismo Periférico: Crise e Transformação, de Paul Prebisch, e Cambridge História da América Latina, etc. 8. Na China, os estudos e as atividades académicas sobre a América Latina tem sido realizados principalmente no Instituto de América Latina subordinado à Academia de Ciências Sociais da China. Além disso, existem outros núcleos que estudam os problemas sobre América Latina. Tais como: Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nankai, na cidade Tianjin é o principal deles. Ele foi criado em 1964, agora conta com cerca de dez pesquisadores e professores. Esse núcleo publica Boletim de Estudos Históricos Latino-Americanos, uma revista semestral. Publicam-se nessa revista teses sobre a história latino-americana, seleções de traduções de dados históricos, informações sobre as pesquisas, tanto na China como no exterior, resenhas de livros e revistas. Outro núcleo chama-se Centro de Estudos sobre a História da América Latina da Universidade de Hubei. Criado em 1964, naquela altura chamava-se Seção de Pesquisa sobre História Brasileira. Os pesquisadores desse Centro traduziram muitos dados históricos sobre o Brasil e outros países latino-americanos, num total de 3,5 milhões de caracteres chineses, e ao mesmo tempo compilaram o Dados Históricos do Brasil. Além disso, foram publicados muitos artigos em várias revistas académicas. Em 1984, a Seção de Pesquisa sobre a História do Brasil mudou de nome para Seção de Pesquisa sobre a Historia Latino-Americana. Os intercâmbios do Centro com orgãos académicos estrangeiros estão muito activos. Muitos professores famosos da América Latina, dos Estados Unidos visitaram o Centro. Ainda há Centro de Estudos sobre a História da América Latina, da Universidade de Fudan, Shanghai; Seção de Estudos Latino-Americanos do Instituto de Relações Internacionais Contemporâneas da China; Seção de estudos sobre a História da América Latina do Instituto de Estudos históricos Mundiais da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Além do mais, alguns funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Departamento de Ligação Internacional do Comité Central do Partido Comunista da China, assim como da Agência de Notícias Xinhua, também estudam os problemas da América Latina. 343 ARTUR TEODORO DE MATOS Universidade Nova de Lisboa Tradição e inovação na administração das ilhas de Solor e Timor: 1650-1750 1. A história de Timor, feita com o recurso a documentos escritos, apenas começa com a chegada dos portugueses. No entanto, como os povos letrados que, atraídos pelo comércio do sândalo, visitaram a ilha deixaram alguns testemunhos escritos, há entre o período pré-histórico e o histórico uma zona de penumbra ou período proto-histórico, que se estende do século XIII ao XVI. O sândalo, que só se dá em climas com uma estação seca bem marcada, é espontâneo nas ilhas da Pequena Sonda, abundando sobretudo em Timor e em Sumba. Embora, ao que parece, o seu cultivo tivesse sido introduzido no Sul da Índia nos primeiros séculos da nossa era, continuava a ser Timor o seu principal produtor, e isso atraiu para a ilha as atenções do comércio internacional, como sucedeu também em Maluco devido ao cravo e em Banda graças à noz-moscada. É na literatura chinesa, onde o sândalo tinha enorme procura, que ocorrem as mais antigas e mais extensas alusões a Timor, como o demonstrou Roderich Ptak. É, de facto, através da documentação portuguesa que conhecemos razoavelmente a organização social e política de Timor à chegada dos europeus. Sabemos, assim, que os timorenses, à semelhança da maioria dos povos autronésicos, estavam organizados em chefaturas hierarquizadas, e que no caso de Timor a sua hierarquia comportava quatro níveis. O primeiro nível, constituído por um pequeno grupo de famílias, é o que em Timor se costuma designar por povoação, o que não significa que as casas formem de facto povoados compactos, pois, excepto na ponta Leste e nas terras baixas onde predomina a orizicultura intensiva, como Suai e Manatuto, as casas estão dispersas pelos montes, em pequenos agrupamentos de não mais de meia dúzia. 345 Os chefes de povoação formavam tradicionalmente uma espécie de baixa nobreza, a classe dos timungões ou tumungos; mas este termo caiu praticamente em desuso em português moderno. Várias povoações formam um suco sob a autoridade de um chefe de suco ou dato, i. e. “nobre”. O suco é a unidade fundamental de organização social timorense. Vários sucos formam um reino ou regulado, sob a autoridade de um chefe invariavelmente designado nos antigos textos portugueses por rei; chama-se-lhe em tétum liurai termo que passou também ao português. Em finais do século XVI, quando surgem as primeiras descrições detalhadas da organização social timorense, a ilha dividia-se em dois impérios ou confederações de reinos: o dos Belos, correspondente ao actual Timor Leste mais a faixa fronteiriça de Timor indonésio, e o do Servião, correspondente ao resto de Timor indonésio mais o actual enclave de Oé-cússi. Os textos portugueses designam por “imperador dos Belos” o suserano dos liurais dos Belos, que residia em Bé-Háli ou Uai-Háli, na planície da costa sul de Timor, hoje do lado indonésio mas relativamente próximo da fronteira. Na metade ocidental da ilha, dita “Província do Servião” (provavelmente de Sorbian, nome de um pequeno porto de mar sito imediatamente a Oeste do enclave de Oé-Cússi), habitada pelos baiquenos, havia paralelamente um outro imperador, o Senobai, que residia em Oenam, no interior da ilha, um pouco ao Sul da actual fronteira de Oé-Cússi. Havia, contudo, uma diferença importante entre as duas metades da ilha: enquanto que os povos do Servião falavam praticamente todos a mesma língua (o baiqueno, a que os holandeses chamaram timoreesch), os Belos falavam uma boa vintena de línguas e dialectos diferentes, nem todos de origem austronésica, servindo-se do tétum (a língua de Bé-Háli) apenas como língua veicular e, portanto, como segundo idioma. A fragmentação política era também maior do lado dos Belos, onde por volta de 1700 se contavam ao todo 46 reinos, ao passo que no Servião havia apenas 16. A sucessão dos régulos e chefes de suco é semi-hereditária semi-electiva: morto um chefe, o povo pronuncia-se sobre a sucessão (outrora eram só os datos quem se pronunciava), podendo confirmar o filho do defunto ou eleger outro membro da linhagem real; o direito de primogenitura não é estrito, e é frequente que a escolha recaia sobre um filho segundo, ou mesmo um sobrinho paterno ou um primo. Em caso de morte ou impedimento do liurai o poder ou é 346 entregue à rainha viúva ou a uma junta de cinco datos designada por parlamento; esta era a solução obrigatoriamente adoptada quando um régulo era deposto por qualquer motivo, pois o costume vedava que enquanto fosse vivo se procedesse à eleição de um sucessor. Abaixo da nobreza, constituída pelos datos, uma segunda classe era tradicionalmente constituída pelos timungões ou chefes de povoação, a que aludimos já. Segue-se-lhe o comum do povo, designado muitas vezes, pejorativamente, por cuda-reinu, «cavalos do reino», nome que indica a sua sujeição aos chefes e os trabalhos humildes em que se ocupa. Abaixo dele havia, outrora, os escravos, ditos em tétum ata, cuja situação não era, aliás, muito desfavorável: eram considerados parte da família e designados por ôan-cáruc, “filhos da mão esquerda”, sendo facilmente alforriados por seus amos, ficando nesse caso a pertencer à mesma classe social que estes; apenas os libertos dos liurais se não podiam tornar liurais. 2. Os primeiros missionários a instalar-se na Insulíndia foram os jesuítas, que mantiveram missões em Maluco a partir de 1546. Mais tarde (1615-1682) tiveram-nas também em Macaçar e, episodicamente, em outras ilhas em redor. Logo em 1559, treze anos apenas após a sua chegada ao arquipélago, os jesuítas de Maluco formaram o projecto de enviar a Solor ou a Timor uma expedição missionária; no ano seguinte um rei cristão da ilha, que não podemos identificar, certamente um dos convertidos de Frei António Taveira – um dominicano que aí desembarcara em 1556, baptizando então umas cinco mil almas, ignora-se em que região – insistia com eles para que lhe mandassem padres “para fazer seu reino cristão”; mas, por falta de pessoal, não foi possível atender ao seu pedido. Foram assim os dominicanos, que em 1554 haviam iniciado a construção de um convento em Malaca, os primeiros a abordar Timor, razão por que o brasão de Timor Português incluía ao lado das quinas o emblema da ordem de S. Domingos. Em 1558 foi criado o bispado de Malaca, de que foi primeiro bispo um dominicano, D. Frei Jorge de Santa Luzia, que a partir de 1561 passou a enviar regularmente missionários seus confrades para Solor, esperando certamente que, aproveitando o transporte que lhe facultavam os tratantes, daí irradiassem a sua acção evangelizadora para as ilhas circunvizinhas. Um dos primeiros dominicanos a seguir para Solor foi Frei António da Cruz, que em 1562 fun347 dou aí um convento e, para o proteger de qualquer ataque, ergueu à sua volta uma tranqueira (paliçada de troncos de palmeira); a tempo o fez, pois dois anos mais tarde Solor era atacada por uma flotilha de jaus, a que a pequena comunidade cristã pôde assim resistir com sucesso, com o auxílio de um galeão português surto no porto. Foi só por volta de 1590 que Frei Belchior da Luz desembarcou em Timor, estabelecendo-se no reino de Mena, que os portugueses frequentavam já por causa do sândalo, onde ergueu uma igreja. O filho do rei local foi educado em Malaca e baptizado com o nome de D. Lourenço. Mas tampouco esta segunda tentativa de evangelização teve continuidade. O estabelecimento definitivo dos dominicanos em Timor deve-se a Frei Cristóvão Rangel, que em 1633 fixou morada no reino de Silabão, no extremo Noroeste da Província dos Belos. Em Timor, os missionários buscaram converter primeiramente os régulos e a classe dirigente em geral, partindo do princípio que a massa do povo os seguiria; a aristocracia converteu-se, de facto, assaz rapidamente, mas a cristianização do povo foi muito mais lenta, só vindo a consumar-se em nossos dias. Também o hinduísmo e o budismo se haviam difundido no Sueste Asiático a partir das cortes e das aristocracias locais. Os primórdios da conversão de Timor ao catolicismo são contemporâneos da cristianização das Filipinas, conquistadas pelos espanhóis entre 1565 e 1571. Há, contudo, uma diferença importante: as Filipinas converteram-se na sequência da conquista, que fazia do cristianismo a religião do poder, e dos cristãos a classe dominante; em Timor a aristocracia converteu-se espontaneamente, cerca de um século antes de desembarcar em Timor o primeiro governador português. Quando este chegou, em 1702, como se vê pela lista das entidades que presenteou, já pelo menos dezassete régulos e mais alguns caudilhos militares tinham nome cristão e sobrenome português, o que mostra bem que estavam já cristianizados e, de certo modo, lusitanizados. O cristianismo penetrou assim em Timor do mesmo modo que o hinduísmo, o budismo e mais tarde o Islão penetraram na Ásia do Sueste: não na sequela de uma conquista militar, mas como uma consequência do comércio, que facultou a importação de letrados e mestres religiosos de regiões culturalmente mais desenvolvidas. Entre 1597 e 1600 o número de alunos andava pelos 50; mas não sabemos quantos eram oriundos da ilha de Timor. 348 3. Não se sabe exactamente de quando data o costume dos régulos que se convertiam ao catolicismo se declararem vassalos del-rei de Portugal; mas, seja como for, é claro que antes do terceiro quartel do século XVII tal vassalagem, a existir, era sobretudo simbólica e honorífica, pois continuava a não haver qualquer autoridade portuguesa permanente em Timor. Apenas em Solor residia desde 1585 um capitão português, que comandava a guarnição do forte erguido pelos dominicanos, intitulado a partir de começos do século XVII “capitão das ilhas de Solor e Timor”; mas mesmo esse, embora muitas vezes formalmente nomeado pela chancelaria régia ou pela do vice-rei da Índia, não era normalmente escolhido no Reino nem em Goa, mas um casado de Malaca ou de Solor, designado por acordo entre os frades e o capitão de Malaca. Quando, na década de 1630, D. Filipe III enviou para Solor um capitão de sua escolha os dominicanos expulsaram-no. O capitão não vencia qualquer ordenado do erário público, vivendo de prois e precalços, isto é, de facilidades de que desfrutava para o comércio, emolumentos que cobrava às partes para lhes administrar justiça, multas que aplicava, etc. A esses rendimentos, as mais das vezes pagos em sândalo, juntava-se o tutai, pensão em cestos de arroz e porcos, fornecidos pelos reis locais. Como no século XVI acontecera no golfo de Bengala e nos mares da China, a quase ausência de autoridade portuguesa favorecia o estabelecimento de aventureiros. Os que se radicaram em Timor eram sobretudo topazes, termo cuja significação explicámos já. Os holandeses chamavam-lhes Zwarte Portugezen, “portugueses pretos”, e os ingleses Black Portuguese. Os topazes agiam por sua conta e risco, quer se dedicassem ao trato comercial, quer à guerra, com hostes de apaniguados que armavam e mantinham; de começo estariam como mercenários ao serviço dos frades ou de potentados nativos, mas cedo começaram a tornar-se por seu turno em potentados locais, talhando para si domínios em que ditavam a lei e desenvolviam a sua própria política. As mais célebres famílias de topazes são os Costas, vindos de Larantuca, nas Flores, e os Hornays, descendentes de um trânsfuga holandês convertido ao catolicismo, que desposou uma mulher timorense (que por seu turno ao enviuvar casou em segundas núpcias com um macaísta, mestiço de português e china). Ora aliadas ora rivais, ambas as famílias vieram a estabelecer-se no Oé-Cússi, 349 desempenhando um papel importante na história de Timor. Parece que acordaram governar alternadamente o território, cruzando-se ao mesmo tempo entre si. No entanto a actual linhagem reinante de Oé-Cússi usa o sobrenome Costa. Enquanto os missionários iam, paulatinamente, evangelizando Timor, desenhavam-se em toda a região importantes transformações políticas, que acabariam por se reflectir na nossa ilha, cada vez menos isolada e mais envolvida por uma conjuntura internacional complexa. Os dois factos capitais para Timor são a chegada dos holandeses e o despertar de Celebes. Os holandeses chegaram à Insulíndia em 1596; foi em 1613 que pela primeira vez apareceram na zona de Timor, atacando o forte de Solor de que se apoderaram ao cabo de três meses de cerco. Retiveram-no dois anos, após o que o abandonaram por não dar lucro que justificasse mantê-lo; mas em 1618 ocuparam-no de novo, para o evacuarem e arrasarem em 1629. Os dominicanos desinteressaram-se, contudo, da pequena ilha de Solor e em 1636 mudaram a sua sede para Larantuca, no extremo oriental das Flores; abandonada pelos portugueses, Solor veio a ser definitivamente incorporada nas possessões da VOC (Vereenigde Oostindische Compagnie, a Companhia Holandesa das Índias Orientais) em 1646. Apesar disso os portugueses continuaram até ao século XIX a empregar a expressão “ilhas de Solor e Timor” para designar o conjunto dos seus estabelecimentos na região. Em 1661 foi assinada uma paz entre Portugal e a Holanda, o que permitiu aos portugueses comerciarem com Batávia; mas em Timor poucos resultados efectivos veio a ter, pois os agentes locais da VOC, ignorando-a na prática, continuaram a desenvolver uma política expansionista e hegemónica. Receosos dos holandeses, os portugueses decidiram estabelecer-se no Cupão, que possuía a baía mais vasta e mais abrigada da ilha, o golfo de Babau. Frei António de São Jacinto foi mais uma vez o negociador: o rei e a rainha do Cupão foram baptizados com os nomes de D. Duarte e D. Mariana, e a 29 de Dezembro de 1645 assinaram um termo de sujeição a Portugal. O estabelecimento dos holandeses no Cupão veio complicar ainda mais a situação de Timor, pois logo começaram a atrair régulos ao seu partido e a ameaçar os reinos fiéis aos portugueses. É certamente essa a razão por que os capitães-mores de Solor e Timor deixam em meados do século XVII Larantuca e passam a residir nesta ilha, sedian350 do-se em Lifau, no Oé-Cússi; tal parece ser já o caso de Francisco Carneiro de Sequeira, c. 1651, e seguramente o de Simão Luís (c. 1662-1664). É pela mesma razão que se torna cada vez mais vultosa a presença de topazes larantuqueiros em Timor, sobretudo no Servião, a zona mais rica em sândalo e mais ameaçada pelos holandeses, a partir do seu forte do Cupão. Seria fastidioso enumerar as peripécias de tais lutas; basta notar que foi assim que, por volta de 1655, Mateus da Costa e António Hornay vieram para Timor à testa das suas companhias de larantuqueiros, participando c. 1659 numa expedição punitiva contra o rei de Amaneci que se mancomunara com os holandeses. Daí até a finais do século, através de sucessivas usurpações, ora meramente toleradas, ora confirmadas, à falta de melhor, pelo governo de Goa e mesmo por Lisboa, Costas e Hornays monopolizaram a capitania-mor de Timor: António Hornay (1666-1669), Mateus da Costa (1671-1673), António Hornay (c. 1673-1693), Francisco Hornay (1694-1696), Domingos da Costa (1697-1702). Os interlúdios foram curtos: a capitania de Fernão Martins da Ponte (1669-1670), expulso por um levantamento em que tomaram parte os frades, e a de Manuel da Costa Vieira, eleito pelo povo à morte de Mateus da Costa (1673), mas logo demitido pela força por António Hornay. Um capitão-mor enviado por Goa na década de 1680, João Antunes Portugal, não conseguiu sequer desembarcar, por este lho impedir. Os sucessivos capitães topazes resistiram eficazmente aos holandeses, e é essa uma das razões por que Goa os tolerou; mas promoveram uma exploração intensiva do sândalo que nalgumas regiões quase o levou à extinção. Sobretudo, não o negociavam, segundo tudo leva a crer, através de Macau, o que exasperou os macaístas. A evangelização dos Belos veio a ser prosseguida pelos dominicanos, com especial relevo para Frei Manuel de Santo António, dominicano natural de Goa, chegado à ilha em 1698. Fugindo do conturbado Servião, pressionado pelos holandeses e assolado pelas lutas pelo poder, preferiu ir missionar entre os Belos, estabelecendo-se no reino de Luca; convertido este, partiu a catequizar os reinos vizinhos. Um dos seus convertidos, D. Mateus da Costa, régulo de Viqueque, tomado de uma espécie de espírito de cruzada, empreendeu uma série de campanhas a submeter as regiões limítrofes e persuadi-las a aceitar a suserania portuguesa e a fé cristã. A este surto de conversões e vassala351 gens não foram provavelmente estranhos os rumores que corriam, de que os macaçares se preparavam para conquistar o País dos Belos. Entretanto a precária situação do Servião causava preocupação em Macau, porta da China, que era, como sabemos, o destino principal do sândalo. Em certos períodos (como entre 1672 e 1678) o comércio do sândalo entre Timor e Macau fez-se em navios do Estado, em que os mercadores tomavam bague, isto é, quinhão; noutros deu-se a todos os moradores de Macau liberdade para armar para Timor. Em qualquer dos casos o Leal Senado de Macau, que representava os habitantes, tinha grande interesse nesse trato. Foi de Macau que partiram as mais acerbas queixas contra os capitães topazes de Timor. Goa começou a pensar em enviar contra eles uma expedição militar, como o bispo de Cochim sugerira em 1690. Um governador, nomeado pelo poder central, substituiria daí em diante os capitães-mores locais. A primeira tentativa teve lugar em 1696, e o governador escolhido foi António de Mesquita Pimentel, um fidalgo de Macau; mas o comportamento tirânico que adoptou levou Goa a demiti-lo no ano imediato, o que se tornara desnecessário, pois já Domingos da Costa, filho bastardo de Mateus da Costa o expulsara, apossando-se do poder. O seu sucessor designado, André Coelho Vieira, igualmente macaense, não chegou sequer a Timor, pois Domingos da Costa deteve-o em Larantuca e reenviou-o para Macau. Foi nessas circunstâncias que em 1701 o vice-rei António da Câmara Coutinho decidiu empreender uma nova tentativa, nomeando o secretário-geral do Estado da Índia, António Coelho Guerreiro, para governador de Timor. António Coelho largou de Goa com armas e munições e 50 homens de guerra, a que em Macau juntou mais 32. À chegada a Larantuca, Domingos da Costa, que se encontrava aí, pôs-lhe as suas condições para o deixar desembarcar: el-rei de Portugal podia intitular-se rei das ilhas de Solor e Timor, mas não interferiria nos seus negócios internos, deixando-as governar-se como república autónoma, meramente aliada dos portugueses. Coelho Guerreiro não aceitou tais condições e tentou forçar o desembarque; mas foi repelido às bombardadas, e decidiu rumar a Lifau. Aí assistia como lugar-tenente do capitão-mor Domingos da Costa um macaense seu cunhado, Lourenço Lopes; Coelho Guerreiro negociou com ele, graças à mediação de Frei Manuel de Santo António, oferecendo-lhe a patente de tenente-gene352 ral, foro de escudeiro ou de fidalgo e mesmo um hábito da Ordem de Cristo. Lourenço Lopes acabou por ceder, e a resistência dos seus companheiros foi dominada. Assim, a 20 de Fevereiro de 1702, na capela de Santo António em Lifau, foi António Coelho Guerreiro empossado por Frei Manuel de Santo António como primeiro governador português de Timor. Entretanto, sem que em Timor se soubesse, Frei Manuel fora escolhido por D. Pedro II para bispo de Malaca com a residência em Lifau, vindo contudo a receber a sagração episcopal em Macau apenas em 1705. O novo vice-rei da Índia, Caetano de Melo e Castro (1702-1707), resignara-se já a contemporizar mais uma vez com os topazes caso Coelho Guerreiro tivesse entretanto fracassado, fazendo-o regressar a Goa a pretexto de ter exorbitado das ordens recebidas. Assim, foi sem que em Goa ou em Lisboa se houvesse dado por tal, que a história de Timor entrou em nova fase. 4. António Coelho Guerreiro foi um governador assaz activo que, além de ter lançado as bases da organização política e militar por que Timor se regeria por dois séculos, empreendeu a fortificação de Lifau. Ao mesmo tempo construiu fortificações em outros portos da costa, nomeadamente em Batugadé, que era um dos principais portos do País dos Belos. Os liurais estavam contentes com o seu governo e pediram a El-Rei que o reconduzisse no cargo. Foi sobretudo às manobras de D. Frei Manuel de Santo António, bispo-eleito de Malaca, que se deveu o seu embarque para a Índia ao fim do primeiro triénio de governo, a despeito de ter sido reconduzido para um segundo: em 1705, aproveitando-se das instruções ambíguas do vice-rei, Frei Manuel forçou o seu embarque para Goa, após o que assumiu interinamente o governo; não conseguiu, contudo, chegar a acordo com Domingos da Costa que o pretendia igualmente. Dias depois, todavia, tendo recebido a confirmação papal à sua nomeação como bispo de Malaca, partiu para Macau a receber a sagração. Utilizando uma provisão com o nome do provido em branco que lhe dera o vice-rei, entregou o governo a Lourenço Lopes, cunhado de Domingos da Costa, conferindo-lhe o posto de capitão-mor. De regresso a Timor o bispo recomeçou as suas brigas com os sucessivos governadores, até que em 1722 António de Albuquerque Coelho – um mestiço brasileiro, filho bastardo de um governador do Maranhão, que governara já 353 Macau – inaugurou a sua governação expulsando da ilha o bispo. D. Frei Manuel de Santo António veio a falecer em 1734 sem ter regressado a Timor. 5. António Coelho Guerreiro lançou os fundamentos de uma organização que, apenas com ligeiros retoques, iria vigorar durante dois séculos, até ao governo de Celestino da Silva (1894-1908); alguns dos seus elementos, como a organização militar baseada nas companhias de moradores, durariam mais ainda, atingindo os nossos dias, para só desaparecerem com a ocupação indonésia. Regulamentou a matrícula das tropas; construiu diversas tranqueiras ao longo da costa; criou os lugares de secretário do governo e ministro da justiça; elaborou o primeiro orçamento de Timor; e redigiu regimentos para o secretário do governo, para o ouvidor e para o escrivão da matrícula, deixando assim regulamentados os principais cargos da administração central. A administração local não existia, uma vez que os régulos continuavam a governar seus reinos sem interferência do poder central. Os seus deveres limitavam-se a pagar-lhe um tributo ou finta, fixado por acordo entre cada reino e o governador, a fornecer-lhe homens de armas e um certo número de auxiliares, homens escalados por turnos para serviço do governo e execução das obras públicas que se tornassem necessários. É interessante notar como este sistema se mesclou às tradições e à cultura local: a finta ou tributo pago pelos vários reinos ao governador português, que representava El-Rei, veio a ser conhecida por siripinão. A masticação de bétele e areca é em Timor, como em toda a Insulíndia, elemento importante dos rituais sociais, em que tem um significado de fraternidade e comunhão ritual. Esse pormenor mostra a assimilação da relação vassálica dos régulos de Timor para com a Coroa portuguesa ao tradicional universo cultural timorense, em que a vassalagem era considerada um acto sagrado e o tributo uma prestação semi-religiosa, envolvendo um rito de fraternização. Coelho Guerreiro projectava organizar um efectivo militar de seiscentos e tal homens, compreendendo um corpo de 60 artilheiros. Como vimos já, em Goa só recebeu 50 homens a que em Macau pôde juntar ainda 32. Foi provavelmente essa dificuldade em recrutar fora da ilha tropas para Timor que o levou a empreender a sua obra mais original e mais duradoura: a militarização das estruturas tradicionais de Timor. 354 Atribuiu ao imperador do Servião o posto de brigadeiro, aos régulos patentes de coronel, aos regentes de reino de tenente-coronel, aos datos e timungões de sargentos-mores e capitães, conforme a sua importância. Passadas em nome del-rei de Portugal, essas cartas-patentes foram frequentemente vistas como detentoras de um certo poder mágico-religioso, razão porque ainda hoje se encontram muitas depositadas nas uma-lúlic (repositório dos paládios de cada reino e outros objectos sagrados) dos diferentes reinos e sucos. Em caso de guerra, enquadrando os arraiais de moradores dos vários reinos, esses graduados acorriam ao chamado do governador, que assim escapava à dependência dos topazes, tantas vezes renitentes, podendo mesmo contrapor às suas outras forças militares. O comando supremo desses contingentes foi confiado a um tenente-general, escolhido de entre os régulos; abaixo dele havia três capitães-mores, também escolhidos pelo governador de entre os liurais, um para os Belos, outro para o Servião e outro para Larantuca e demais reinos vassalos das Flores. O sistema assim criado por António Coelho Guerreiro, que iria durar dois séculos, apresenta, pois, nitidamente o carácter de um compromisso ou simbiose entre as instituições lusas e as tradições nativas. O consenso a que se chegara parecia satisfatório, e em Agosto de 1703 vinte e três dos vinte e cinco reis que haviam aceitado a suserania portuguesa escreviam ao rei manifestando o seu contentamento com a actuação de Coelho Guerreiro, pedindo-lhe que o mantivesse no posto durante pelo menos mais seis anos. O carácter consensual e simbiótico da consolidação da presença portuguesa em Timor está, porém, longe de implicar que as relações entre os diversos poderes fossem um mar de rosas. Na distribuição de patentes Coelho Guerreiro ignorara, por certo deliberadamente, as prerrogativas de Camenaça e Luca, considerando os seus liurais vassalos da Coroa portuguesa ao mesmo nível dos demais. É possível que esse nivelamento tenha provocado ressentimentos e que esteja na origem do pacto de Camenaça, uma espécie de conspiração anti-portuguesa, que, urdida em 1719 só veio a ter efeitos práticos com a guerra de Cailaco em 1725-1726. Há que notar, por outro lado, que a suserania portuguesa não foi de imediato aceita por todos os reinos de Timor. O chamado “partido real” era, em Setembro de 1703 segui355 do por 25 reinos, dos cerca de 62 que havia na ilha: 21 da Província dos Belos, onde se contavam ao todo 46 reinos, e apenas 4 do Servião, onde eram ao todo 16. Embora a capital continuasse em Lifau, no Servião, eram já então sobretudo os Belos, mais fragmentados politicamente e menos auto-suficientes, a sustentar os portugueses – o que prenunciava já a futura divisão da ilha. A conflitualidade era endémica: como um antigo governador de Timor, Afonso de Castro, resumiria admiravelmente em 1867, “as rebelliões em Timor teem sido successivas, podendo dizer-se que a revolta é ali o estado normal e a tranquilidade o excepcional”. Seria no entanto erróneo pintar a história de Timor como uma imensa rebelião das populações locais contra o domínio português, como notava o mesmo autor. Seja como for, a presença portuguesa em Timor, tão tardia quando comparada com o que se passou em Goa, Malaca, Maluco ou Macau, e de origens tão especiais, acabou por se mostrar mais duradoura do que em regiões onde parecia mais solidamente firmada, e por permanecer estável praticamente até aos nossos dias. 356 Bibliografia Boxer, Charles Ralph, “The Topasses of Timor”, in Mededelingen 73, Kon. Ver. Ind. te Amsterdam, 1947. Castro, Afonso de, As Possessões Portuguezas na Oceania, Lisboa, 1867. Castro, Gonçalo Pimenta de, Timor, Subsídios para a sua História, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1944. Figueiredo, Fernando, “Timor” in História dos Portugueses no Extremo Oriente, dir. de A.H. de Oliveira Marques, vol. III, Lisboa, Fundação Oriente, 2000. Gunn, Geoffrey C., Timor Loro Sae - 500 Years, Macau, Livros do Oriente, 1999. Jacobs, Hubert, Documenta Malucensia, I (1542-1577), ed. de …, Roma, Institutum Historicum Societatis Iesu, 1974; ____, The Jesuit Makassar Documents (1615-1682), Roma, Jesuit Historical Institute, 1988. Leitão, Humberto, Os Portugueses em Timor e Solor de 1515 a 1702, Lisboa, 1948. ____, Vinte e oito anos da história de Timor (1698 a 1725), Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1952. Matos, Artur Teodoro de, Timor Português 1515-1769. Contributo para a sua História, Lisboa, Instituto Histórico Infante D. Henrique, Faculdade de Letras 1974. Morais, Capitão A. Faria de, Subsídios para a História de Timor, Bastorá, Goa, 1934. Nordholt, H.G. Schulte, The Political System of the Atoni of Timor, Verhandelingen van het Koninklijk Instituut voor Taal, Land- en Volkenkunde, Martinus Nijhoff, Haia, 1971. Oliveira, Luna de, Timor na História de Portugal, vol. I, Lisboa, Fundação Oriente, Lisboa, 2004. Ptak, Roderich, “The Transportation of Sandalwood from Timor to China and Macao, c. 1350-1600”, in Roderich Ptak (dir.) Portuguese Asia: Aspects in History and economic History (sixteenth and seventeenth centuries), Franz Steiner Verlag Wiesbaden GMBH, Estugarda, 1987. Roever, Arend de, De jacht op sandelhout - De VOC en de tweedeling van Timor in de zeventiende eeuw, Walburg Pers, Zutphen, 2002. Teixeira, Padre Manuel, Macau e a sua Diocese, vol. X, Macau, 1974. Thomaz, Luís Filipe Reis, “Timor e Solor” in Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos de Azevedo, vol. IV, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001. ____, “Timor: O Protectorado Português” in História dos Portugueses no Extremo Oriente, dir. de A.H. de Oliveira Marques, vol. II, Lisboa, Fundação Oriente, 2001. 357 Pubblicato a cura di: Fondazione Cassamarca Piazza S. Leonardo, 1 - 31100 Treviso Stampato nel mese di settembre 2006 presso Europrint (Tv)