Artigos - Escola Paulista de Medicina
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volume 12 — nº 4 — 2004 ISSN - 0104-3579 Artigos • Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada • O estresse como possível fator desencadeante de surtos de Esclerose Múltipla de acordo com 48 pacientes • Respiração de Cheyene-Stokes é pouco reconhecida no paciente internado • Agonistas Dopaminérgicos no tratamento da Doença de Parkinson • Hipnóticos • Forame Oval Patente e Acidente Vascular Cerebral – Tendências atuais • O organismo como referência fundamental para a compreensão do desenvolvimento cognitivo • Tratamento Hidroterápico na Distrofia Muscular de Duchenne Neur ociências Neurociências Editorial revista 171 Neurociências ABRASPI: Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas – (Brazilian Restless Legs Syndrome Association) Restless legs syndrome (RLS) is a highly prevalent disease and almost in the entire world such syndrome is on focus. Treatments available at the present time are quite efficient and there is no reason for a further torment to a great deal of patients. In USA a national foundation (Restless Legs Syndrome Foundation) covers almost all issues regarding patients needs, providing them a lot of information that they can even handle to their Doctors at the office visits. This spirit of open and frank disposition to carry data by patients, families, and volunteers was remarkable to broad all over the US those red flags that feature the essence of RLS clinical picture. Besides, Brazilian Doctors already have under their skins a kind of “European culture” resembling aphorisms like “L’État c’est Moi”, what seems to be an obstacle to spread free information by lay people, we believe that such civil organization like the recently created ABRASPI will bring another way to shed lights, concerns, and knowledge to health professionals on this issue. Probably we will have a tremendous improvement on diagnosis and treatment of RLS patients in the years to come, and we also hope that some health services all around this big country make an effort to keep some patient-based organization helping them to rich those health professionals, mainly Orthopedists, Rheumatologists, Vascular Surgeons, General Practitioners, and also Neurologists and Neurosurgeons with alerts related to RLS diagnosis and treatment. The ABRASPI goals at this time are: 1) to gather patients in a common cause; 2) to rise in their minds a sense of responsibility to others; 3) to promote meetings and to invite speakers to help attendees understand the scope of the new discoveries and the implications of ongoing research; 4) to hear suggestions on a large range of complaints that are bothering the patients; 5) to produce all sort of handles to patients and health professionals 6) to keep a close relationship with medical ongoing researches in another countries; 7) and among others, to encourage research of our own interest regarding those important themes associated to RLS. For this accomplishment I would like to register my gratitude to Dr Christopher Earley and Dr Richard Allen at The Johns Hopkins Hospital for the opportunity and time spent in training and teaching me in the field of RLS. Without it the ABRASPI would take a little bit more time to show out in our country. Their initiative, support, dynamism, and enthusiasm with RLS patients and research are contagious and have given me strength to face peculiar difficulties to achieve basic goals here in Brazil. Gilmar Fernandes do Prado Editor Índice ARTIGOS ORIGINAIS Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada Priscila Parochi Neves, Sissy Veloso Fontes, Márcia Maiumi Fukujima, Sandro Luis de Andrade Matas, Gilmar Fernandes do Prado. ............................................................................................................................................................................ 173 O estresse como possível fator desencadeante de surtos de Esclerose Múltipla de acordo com 48 pacientes Ana Cláudia Pimenta Barbosa, Luciane Oliveira Amaral, Verônica dos Santos Coelho, Yára Dadalti Fragoso. .................................... 182 Respiração de Cheyne-Stokes é pouco reconhecida no paciente internado Sara Regina Delgado de A. Franco, Esther A. Kubo, Lucila B. F. Prado, Gilmar F. Prado.. ............................................................................................. 186 ARTIGOS DE REVISÃO/ATUALIZAÇÃO Agonistas Dopaminérgicos no tratamento da Doença de Parkinson Henrique Ballalai Ferraz. ................................................................................................................................................................................. 192 Hipnóticos Alexandre Pinto de Azevedo, Flávio Alóe, Rosa Hasan. ......................................................................................................................................... 198 Forame oval patente e acidente vascular cerebral – Tendências atuais Marcia Maiumi Fukujima, Solange Bernardes Tatani, Gilmar Fernandes do Prado. ............................................................................... 209 O organismo como referência fundamental para a compreensão do desenvolvimento cognitivo Barros, Carlos Eduardo, Carvalho, Maria Imaculada Merlin, Gonçalves, Vanda Maria Gimenes, Ciasca, Sylvia Maria, Mantovani de Assis, Orly Zucatto. ............................................................................................................................................................ 212 Tratamento hidroterápico na Distrofia Muscular de Duchenne: Relato de um caso Gilmara Alvarenga Fachardo; Sayonara Cristina Pinto de Carvalho; Débora Fernandes de Melo Vitorino. .......................................... 217 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 172 REVISTA NEUROCIÊNCIAS Editor Chefe / Editor in chief Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD, São Paulo, SP Co-editor / Co-editor José Osmar Cardeal, MD, PhD, São Paulo, SP. Editores Associados / Associate Editors Alberto Alain Gabbai, MD, PhD, São Paulo, SP Esper Abrão Cavalheiro,MD, PhD, São Paulo, SP Fernando Menezes Braga, MD, PhD, São Paulo, SP Corpo Editorial / Editorial Board Desordens do Movimento / Movement Disorders Chefe / Head Henrique Ballalai Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Francisco Cardoso, MD, PhD, Belo Horizonte, MG Sônia Maria Cézar de Azevedo Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Egberto Reis Barbosa, MD, PhD, São Paulo, SP Maria Sheila Guimarães Rocha, MD, PhD, São Paulo, SP Vanderci Borges, MD, PhD, São Paulo, SP Roberto César Pereira do Prado, MD, PhD, Aracajú, SE Epilepsia / Epilepsy Chefe / Head Elza Márcia Targas Yacubian, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Américo Seike Sakamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Carlos José Reis de Campos, MD, PhD, São Paulo, SP Luiz Otávio Caboclo, MD, PhD, São Paulo, SP Alexandre Valotta da Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Margareth Rose Priel, MD, PhD, São Paulo, SP Henrique Carrete Jr, MD, PhD, São Paulo, SP Neurophysiology Chefe / Head João Antonio Maciel Nóbrega, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Nádia Iandoli Oliveira Braga, MD, PhD, São Paulo, SP José Fábio Leopoldino, MD, Aracajú, SE José Maurício Golfetto Yacozzill, MD, Ribeirão Preto, SP Francisco José Carcchedi Luccas, MD, São Paulo, SP Gilberto Mastrocola Manzano, MD, PhD, São Paulo, SP Carmelinda Correia de Campos, MD, PhD, São Paulo, SP Reabilitação / Rehabilitation Chefe / Head Sissy Veloso Fontes, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Jefferson Rosa Cardoso, PhD, Londrina, PR. Márcia Cristina Bauer Cunha, PhD, São Paulo, SP Ana Lúcia Chiappetta, PhD, São Paulo, São Paulo, SP Carla Gentile Matas, PhD, São Paulo, SP Fátima Abrantes Shelton, MD, PhD, Edmond, OK, USA Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, São Paulo, SP Luci Fuscaldi, PhD, Belo Horizonte, MG Fátima Goulart, PhD, Belo Horizonte, MG Odete Fátima Salles Durigon, PhD, São Paulo, SP Distúrbios do Sono / Sleep Disorders Chefe / Head Lucila Bizari Fernandes do Prado, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Flávio Aloe, MD, São Paulo, SP Stela Tavares, MD, São Paulo, SP Dalva Poyares MD, PhD, São Paulo, SP Ademir Baptista Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Alice Hatsue Masuko, MD, São Paulo, SP Luciane B. Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Maria Carmen Viana, MD, PhD, Vitória, ES Virna Teixeira, MD, PhD, São Paulo, SP Geraldo Rizzo, MD, Porto Alegre, RS Rosana Cardoso Alves, MD, PhD, São Paulo, SP Robert Skomro, MD, FRPC, Saskatoon, SK, Canadá Sílvio Francisco, MD, São Paulo, SP Doenças Cerebrovasculares / Cerebrovascular Disease Chefe / Head Ayrton Massaro, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Aroldo Bacelar, MD, PhD, Salvador, BA Alexandre Longo, MD, PhD, Joinvile, SC Carla Moro, MD, PhD, Joinvile, SC Cesar Raffin, MD, PhD, São Paulo, SP Charles Andre, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Gabriel de Freitas, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Jamary de Oliveira Filho, MD, PhD, Salvador, BA Jefferson G. Fernandes, MD, PhD, Porto Alegre, RS Jorge Al Kadum Noujain, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Márcia Maiumi Fukujima, MD, PhD, São Paulo, SP Mauricio Friedirish, MD, PhD, Porto Alegre, RS Rubens J. Gagliardi, MD, PhD, São Paulo, SP Soraia Ramos Cabette Fabio, MD, PhD, São Paulo, SP Viviane de Hiroki Flumignan Zétola, MD, PhD, Curitiba, PR Oncologia / Oncology Chefe / Head Suzana Maria Fleury Mallheiros, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Carlos Carlotti Jr, MD, PhD, São Paulo, SP Fernando A. P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Guilherme C. Ribas, MD, PhD, São Paulo, SP João N. Stavale, MD, PhD, São Paulo, SP Doenças Neuromusculares / Neuromuscular disease Chefe / Head Acary de Souza Bulle de Oliveira, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Edimar Zanoteli, MD, PhD, São Paulo, SP Elga Cristina Almeida e Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Leandro Cortoni Calia, MD, PhD, São Paulo, SP Luciana de Souza Moura, MD, PhD, São Paulo, SP Laboratório e Neurociência Básica / Laboratory and Basic Neuroscience Chefe / Head Maria da Graça Naffah Mazzacoratti, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Beatriz Hitomi Kyomoto, MD, PhD, São Paulo, SP Célia Harumi Tengan, MD, PhD, São Paulo, SP Maria José S. Fernandes, PhD, São Paulo, SP Mariz Vainzof, PhD, São Paulo, SP Iscia Lopes Cendes, PhD, Campinas, SP Débora Amado Scerni, PhD, São Paulo, SP João Pereira Leite, MD, PhD, Ribeirão Preto, SP Luiz Eugênio A. M. Mello, MD, PhD, São Paulo, SP Líquidos Cerebroespinhal / Cerebrospinal Fluid Chefe / Head João Baptista dos Reis Filho, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Leopoldo Antonio Pires, MD, PhD, Juiz de Fora, MG Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, São Paulo, SP José Edson Paz da Silva, PhD, Santa Maria, RS Ana Maria de Souza, PhD, Ribeirão Preto, SP Neurologia do Comportamento / Behavioral Neurology Chefe / Head Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Ivan Okamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Thais Minetti, MD, PhD, São Paulo, SP Rodrigo Schultz, MD, PhD, São Paulo, SP Sônia Dozzi Brucki, MD, PhD, São Paulo, SP Neurocirurgia / Neurosurgery Chefe / Head Fernando Antonio P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Mirto Nelso Prandini, MD, PhD, São Paulo, SP Antonio de Pádua F. Bonatelli, MD, PhD, São Paulo, SP Sérgio Cavalheiro, MD, PhD, São Paulo, SP Oswaldo Inácio de Tella Júnior, MD, PhD, São Paulo, SP Orestes Paulo Lanzoni, MD, São Paulo, SP Ítalo Capraro Suriano, MD, São Paulo, SP Samuel Tau Zymberg, MD, São Paulo, SP Neuroimunologia / Neuroimmunology Chefe / Head Enedina Maria Lobato, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Nilton Amorin de Souza, MD, São Paulo, SP Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas / Pain, Headache and Autonomic Function Chefe / Head Deusvenir de Souza Carvalho, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Angelo de Paola, MD, PhD, São Paulo, SP Fátima Dumas Cintra, MD, São Paulo, SP Paulo Hélio Monzillo, MD, São Paulo, SP José Cláudio Marino, MD, São Paulo, SP Marcelo Ken-It Hisatugo, MD, São Paulo, SP Interdisciplinaridade e história da Neurociência / Interdisciplinarity and History of Neuroscience Chefe / Head Afonso Carlos Neves, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members João Eduardo Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Flávio Rocha Brito Marques, MD, São Paulo, SP Vinícius Fontanesi Blum, MD, São Paulo, SP Rubens Baptista Júnior, MD, São Paulo, SP Márcia Regina Barros da Silva, PhD, São Paulo, SP Eleida Pereira de Camargo, São Paulo, SP Dante Marcello Claramonte Gallian, PhD, São Paulo, SP Neuropediatria / Neuropediatrics Chefe / Head Luiz Celso Pereira Vilanova, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Marcelo Gomes, São Paulo, SP Coordenação editorial, criação, diagramação e produção gráfica: Atha Comunicação & Editora Rua Machado Bittencourt, 190 - 4º andar - conj. 410 CEP: 04044-000 - São Paulo - SP - Tel.: (11) 5087-9502 - Fax: (11) 5579-5308 - email: [email protected] Os pontos de vista, as visões e as opiniões políticas aqui emitidas, tanto pelos autores, quanto pelos anunciantes, são de responsabilidade única e exclusiva de seus proponentes. Tiragem: 3.000 exemplares REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 173 Artigo Original Profissionais da saúde, que assistem pacientes com Acidente Vascular Cerebral, necessitam de informação especializada Health Professionals who treat stroke patients need specialized information. Priscila Parochi Neves1, Sissy Veloso Fontes2, Márcia Maiumi Fukujima3, Sandro Luis de Andrade Matas3, Gilmar Fernandes do Prado4. RESUMO O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma doença que pode ocasionar incapacidade funcional e levar ao óbito. Sendo assim, é necessária a intervenção de uma equipe multidisciplinar, com formação especializada, para o manuseio desses pacientes. O objetivo desse estudo foi realizar pesquisa de campo, com profissionais da área da saúde, (enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social, médico, fonoaudiólogo, terapeuta-ocupacional, nutricionista e psicólogo), sobre as dificuldades, dúvidas e importância de orientações sobre os cuidados de pacientes com AVC. Foi aplicado questionário a 146 profissionais da saúde, que possuem experiência no atendimento desses pacientes, nas cidades de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. Observou-se, nesse estudo, que a maioria dos profissionais da área da saúde apresentam dificuldades (85%), dúvidas (58%), e consideram importante receber orientações (91%), em relação aos cuidados de pacientes com AVC, através de materiais didáticos eletrônicos ou impressos, e cursos de extensão. A análise da pesquisa de campo realizada mostrou a importância e necessidade de informação/formação especializada para a maioria dos profissionais da saúde, da amostra estudada, que atendem pacientes com AVC. Unitermos: Acidente vascular cerebral, Educação continuada, Profissionais da saúde, Cuidados especializados. SUMMARY Stroke can generate functional disability and death. It is necessary an intervention of a multidisciplinary team with specialized formation to handle those patients. The objective of this study was to accomplish field research with professionals of health area (nursing, physiotherapy, social work, physician, speech therapy, occupational therapy, nutritionist and psychologist) on the difficulties, doubts, and importance of orientations on caring of patients with stroke. 146 questionnaires were applied to health professionals, Trabalho realizado:Universidade Metodista de São Paulo -UMESP 1- Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Neurológica pela UMESP 2- Fisioterapeuta, Professora de Educação Física, Mestre em Neurociências e Doutora em Ciências pela UNIFESP, Docente da UMESP e UNISANTA 3- Neurologista da UNIFESP 4- Neurologista e Docente da UNIFESP Endereço para correspondência: Sissy Veloso Fontes R: Francisco Tapajós, 513 apto. 122 - Jd. Santo Estéfano São Paulo - SP - CEP: 04153001 Tel. (11) 50585105 - email: [email protected] Trabalho recebido em 20/10/04. Aprovado em 23/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 174 with experience on treatment of those patients, in Sao Paulo, Santo André, Sao Bernardo do Campo and Sao Caetano do Sul. It was observed, in this study, that most health professionals has difficulties (85%), doubts (58%), and they consider important to receive orientations (91%) regarding care of patients with stroke, through electronic or printed didactic materials, and extension courses. This research showed the importance and need of specialized information / formation for most of the health professionals on our sample that assist patients with stroke. Keywords: Stroke, Continued education, Health professionals, Specialized care. INTRODUÇÃO MÉTODO O acidente vascular cerebral (AVC) é a doença que mais ocasiona mortes em nosso país1,2 e que mais incapacita no mundo3. Esta doença pode ocasionar alterações cognitivas e neuromusculares, levando a problemas psicoemocionais e sócio-econômicos4. Sendo assim, a atuação de diversos profissionais da área da saúde é imprescindível para assistência adequada e integral nestes casos5. A busca das melhores evidências disponíveis, integrada à experiência clínica, tem sido sugerida como a estratégia ideal e mais segura para a tomada de decisão em saúde. Esta conduta é considerada prática baseada em evidências6. Para uma assistência favorável, por parte dos profissionais que atendem pacientes com AVC, esta prática possibilita um manejo especializado com base em conhecimentos científicos específicos, propiciando melhores resultados terapêuticos7,8. No entanto, há indícios de que esta prática não tem sido utilizada na rotina clínica de muitos profissionais da saúde que prestam cuidados às vítimas de AVC, apesar de haverem várias diretrizes (guidelines) publicadas na literatura nacional e internacional. Além da utilização de informações científicas para guiar a prática clínica, tem-se inferido que cursos de educação continuada nas áreas da saúde fornecem vias promissoras de ensino para a prática clínica especializada9. Investigar se existe rotina quanto à utilização de diretrizes para guiar a prática clínica, identificar as dificuldades e dúvidas no manejo de pacientes com AVC pelos profissionais da área da saúde que atuam em instituições na cidade de São Paulo e região do ABC e colher opiniões quanto ao interesse em receber informações e formação especializada para atuação profissional, nestes casos, são os objetivos deste trabalho. Foi aplicado questionário aos profissionais: enfermeiro, médico, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e assistente por um mesmo entrevistador nos meses de julho a outubro de 2002. Todos os profissionais entrevistados, deveriam ter alguma experiência quanto aos cuidados de pacientes com AVC e pertencer a uma das seguintes instituições da cidade de São Paulo e região do ABC: Centro de Reabilitação Lar Escola São Francisco (LESF), Divisão de Medicina de Reabilitação (DMR) – Universidade de São Paulo, Clínica de Fisioterapia da Universidade Bandeirante de São Paulo – Campus ABC, Clínica Escola de Fisioterapia da Universidade Metodista de São Paulo, Hospital São Caetano, Hospital Santa Cruz, Hospital Santa Casa de Santo André, Hospital Santa Marta, Hospital Municipal de Itapecerica da Serra e Hospital São Paulo – Universidade Federal de São Paulo. O questionário aplicado consta de 3 domínios: 1 - Dados Pessoais (nome, idade, sexo, escolaridade, profissão, local e perfil econômico do serviço que trabalha); 2 - Acidente Vascular Cerebral (principais dificuldades e dúvidas em relação aos cuidados de pacientes com AVC); 3 – Orientações (Já recebeu alguma orientação profissional sobre a sua conduta específica no manejo do AVC? Que profissionais? Utiliza ou já utilizou alguma diretriz, guia ou manual sistematizado de orientações profissionais? Considera importante receber orientações profissionais para a sua prática? Gostaria de receber orientações profissionais quanto às múltiplas áreas de atuação? Em quais aspectos? Como gostaria de receber orientação, em cursos de educação continuada, por material didático (eletrônico ou impresso) ou ambos? Você pode sugerir algumas orientações específicas de sua REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências área de atuação a serem ministradas aos profissionais que assistem pacientes com AVC? Se, sim quais?). Este foi aplicado por meio de entrevista aos diversos profissionais nos próprios locais de trabalho, que concordaram em participar do estudo e aprovaram a utilização dos resultados para fins de pesquisa, desde que houvesse sigilo quanto à identificação dos entrevistados. Os resultados quantitativos são apresentados em percentual e os qualitativos descritivamente. RESULTADOS Foram entrevistados 146 profissionais da área da saúde, sendo 34 (26%) enfermeiros (enf), 33 (22%) fisioterapeutas (ft), 27 (18%) assistentes sociais (ass), 25 (17%) médicos neurologistas e fisiatras (md), 10 (7%) fonoaudiólogos (fo), 8 (5%) terapeutas ocupacionais (to), 5 (3%) nutricionistas (nu) e 4 (2%) psicólogos (psc). Características Demográficas A média das idades dos entrevistados foi de 35 anos, sendo 29% do sexo masculino. Em relação ao tempo de formação profissional 32% possuem mais de 10 anos, 38% estão entre 5 a 10 anos e, 30% a menos de 5 anos. Mais da metade dos profissionais, 53% eram pósgraduados (37% especialistas, 13% mestres, 3% doutores). Quanto à via de recebimento de honorários dos serviços em que trabalham, 43% recebem do sistema único de saúde (SUS), 7% de convênios, 10% de particulares e 40% por via mista (SUS + convênios + particulares). Dados Quantitativos Estão apresentados nas tabelas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8. 175 Dados Qualitativos A) Dificuldades Quanto às dificuldades encontradas, os enfermeiros citaram aspectos como posicionamentos e transferências adequadas, aspectos relacionados à imobilidade, dependência funcional e diminuição do nível de consciência, prevenção e tratamento de úlceras por pressão, cuidados na incontinência vesical, além de conhecimentos sobre processo e tempo de recuperação funcional, sinais preditores prévios ao episódio de AVC, cuidados com alimentação e tipo de dieta adequada, e como orientar familiares e cuidadores para prestarem assistência ao paciente. Tanto os fisioterapeutas como os terapeutas ocupacionais relataram dificuldades em lidar com sintomas clínicos inerentes a algumas síndromes neurológicas específicas como, por exemplo, nas alterações de linguagem (afasias), psicológicas (depressão e ansiedade), situação sócioeconômica baixa e falta de colaboração por parte do familiar e ou cuidador no programa terapêutico. Outro aspecto, também mencionado, foi à falta de interação entre os profissionais, como já descrito por alguns autores19. De acordo com os assistentes sociais entrevistados, mais da metade relataram dificuldades em prestar assistência a pacientes com alterações emocionais e de comunicação, como também em reconhecer os preditores prognósticos do AVC e, como poderiam orientar melhor a família e o paciente em relação aos aspectos específicos de sua área de atuação. Os médicos apresentaram dificuldades em caracterizar a história da moléstia atual do paciente, quando contada por familiares e ou Tabela 1. Profissionais da saúde segundo dificuldades ao prestar assistência para paciente com AVC. Tabela 2. Profissionais da saúde segundo dúvidas quanto à sua conduta na assistência ao paciente com AVC. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 176 Tabela 3. Profissionais da saúde segundo as orientações recebidas por profissionais da saúde em relação à assistência ao paciente com AVC. Tabela 4. Profissionais da saúde segundo a utilização de diretrizes, guia ou manual de orientações profissionais para a assistência ao paciente com AVC. Tabela 5. Profissionais da saúde segundo a importância em receber orientações profissionais parapara a assistência ao paciente Tabela 5. Profissionais da saúde segundo a importância em receber orientações profissionais a assistência ao comcom AVC.AVC. paciente Tabela 6. Profissionais da saúde que gostariam de receber orientações profissionais para a assistência ao paciente com AVC nas diversas áreas de atuação. Tabela 7. Profissionais da saúde segundo a preferência quanto à estratégia a ser orientada (em cursos de extensão, material didático - eletrônico ou impresso, ou ambos) quanto à assistência ao paciente com AVC pelos diversos profissionais. Tabela 8. Profissionais da saúde que sugeriram orientações, quanto à sua atuação profissional para os diversos profissionais que assistem o paciente com AVC. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências cuidadores, interpretar os sintomas, eleger as melhores estratégias de tratamento e, atender com qualidade em um curto período de tempo em serviços da saúde que apresenta grande demanda e número insuficiente de profissionais médicos. Além disso, citaram dificuldades quanto a sua intervenção, quando o paciente apresenta alterações psicológicas, de linguagem, dificuldades financeiras, e seqüelas sensório-motoras. Avaliar as disfunções deglutitórias, tratar complicações clínicas, principalmente as infecções, abordar a relação paciente-familiar e, obter aderência ao tratamento prescrito, também foram dificuldades citadas. Já os fonoaudiólogos apresentaram dificuldades quanto ao posicionamento correto do paciente, para uma melhor emissão da linguagem e para a alimentação, como abordar pacientes com alteração psicológica, como orientar a família para colaborar com o programa proposto, quais as melhores estratégias a serem utilizadas no tratamento das disfagias. Além disso, também relataram dificuldade na relação interdisciplinar. Os nutricionistas apresentaram dificuldades relacionadas às outras áreas da saúde, por exemplo: como abordar pacientes com alteração de linguagem, como alimentar e orientar os cuidadores, como orientar a família na mobilização adequada desses pacientes. Os psicólogos relataram dificuldades quanto à intervenção em pacientes com déficit de linguagem, memória, nível sócio-econômico precário e a falta de colaboração da família no processo terapêutico. B) Dúvidas Em relação às dúvidas dos profissionais da saúde sobre os cuidados dos pacientes com AVC, observamos que apenas os psicólogos não as apresentaram, os demais, mais da metade apresentaram. As dúvidas citadas pelos enfermeiros foram, principalmente em relação à medicação, alimentação, mudança de decúbito, órteses, cuidados com a bexiga neurogênica, orientações quanto à sexualidade e, como poderiam intervir, favoravelmente na melhora da auto-estima de muitos pacientes psicologicamente abalados. Como orientar a família quanto aos cuidados domiciliares e como identificar precocemente os sinais e sintomas do início de um novo icto, também foram citadas. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 177 Os fisioterapeutas apresentaram dúvidas, sobre: os efeitos no sistema neuromuscular das medicações prescritas nos casos de AVC, indicação de adaptações (órteses) ideais em determinados casos, como poderiam colaborar, enquanto fisioterapeutas na melhora das disfunções de linguagem e de deglutição, cuidados com a traqueostomia, como melhor orientar sobre a realização das atividades de vida diária (AVD´s) e de vida prática (AVP´s) no ambiente real dos pacientes, e sobre o tempo estimado para a recuperação sensório-motora. As terapeutas-ocupacionais citaram dúvidas semelhantes aos dos fisioterapeutas, como as relacionadas às adaptações, orientações quanto à realização correta de AVD’s e AVP´s utilizando o hemicorpo acometido, além de condutas nas alterações cognitivas e, quanto à atuação dos demais profissionais que assistem o paciente com AVC. As respostas dos assistentes sociais, em relação as suas dúvidas foram: sobre o tratamento do AVC em geral, como se relacionar com o paciente e o familiar, como transferir pacientes gravemente acometidos, as limitações físicas advindas desta doença, quanto às possíveis intercorrências clínicas, quando devem começar a fisioterapia e para que serviços encaminhar, aspectos sobre a epidemiologia da doença e questões previdenciárias. As dúvidas indicadas pelos médicos foram sobre: qual seria a melhor conduta clínica a ser tomada, quando utilizar fibrinolíticos, como poderiam intervir nas alterações de linguagem e o prognóstico destas, a eficácia do tratamento fonoaudiológico, e fisioterapêutico, o que deveriam indicar de exercícios físicos, prognóstico sensóriomotor, questões sobre o transporte público gratuito e, se os pacientes seguem devidamente as orientações por eles ministradas. Já as fonoaudiólogas apresentaram dúvidas sobre o prognóstico funcional, tratamento médico, prevenção de úlceras por pressão, sondas para alimentação e cuidados com a traqueostomia, principalmente. As nutricionistas, também relataram possuir dúvidas em relação ao prognóstico funcional. As dúvidas quanto à identificação do nível de compreensão do paciente e do tipo de disfagia, de acordo com a área da lesão, foram citadas. Neur ociências Neurociências C) Orientações Recebidas Quanto às orientações recebidas, os enfermeiros foram orientados por médicos sobre os medicamentos e sobre aspectos inerentes ao AVC, por fisioterapeutas sobre como mobilizar os pacientes, por terapeutas ocupacionais sobre as AVD’S, por fonoaudiólogos sobre os cuidados com a deglutição e, por outros enfermeiros sobre cuidados de higiene. Os fisioterapeutas receberam orientações de médicos e dos próprios colegas de profissão, seguido de fonoaudiólogos, terapeutasocupacionais, assistente-social, enfermagem, nutricionista e psicólogo. Estas foram, respectivamente sobre medicamentos prescritos, evolução clínica, posicionamento, transferências e AVD’S adequados, cuidados com a deglutição, prescrição de órteses, quanto aos responsáveis em auxiliar nos tramites da aposentadoria e do transporte gratuito, prevenção e cuidados com úlceras por pressão, sobre o uso de sondas nasoenteral e vesical e, incontinência urinária, alimentos com contra indicação relativas ou absolutas em casos clínicos especiais, quanto à identificação e encaminhamento de pacientes deprimidos e ou ansiosos aos psicólogos. De acordo com os dados obtidos, todos os terapeutas-ocupacionais já receberam orientações dos próprios terapeutas-ocupacionais sobre as AVD’S, de fisioterapeutas sobre posicionamentos, exercícios de alongamento e manuseios em geral, dos fonoaudiólogos sobre a comunicação e a deglutição, dos médicos sobre o tratamento medicamentoso e ou cirúrgico e de psicólogos sobre as alterações emocionais dos pacientes com AVC. As orientações recebidas pelos assistentes sociais foram dadas por médicos no que se referia a diagnóstico, prognóstico e tratamento clínico, enfermagem quanto ao uso de sondas, terapeutaocupacional e fisioterapeuta quanto aos posicionamentos. Mais da metade dos médicos receberam orientações, principalmente de outros médicos (sobre hipóteses do diagnóstico clínico, análise dos exames complementares como a tomografia computadorizada de crânio, tratamento clínico e ou cirúrgico e sobre os processos de recuperação física), seguido de fisioterapeutas sobre os efeitos dos exercícios físicos nesta população e, de fonoaudiólogos sobre a avaliação e tratamento de distúrbios da deglutição e de linguagem. Em relação aos fonoaudiólogos todos, já receberam orientações dos demais profissionais REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 178 sobre posicionamentos e posturas mais adequadas para alimentar os pacientes ou orientálos para tal, a melhor dieta alimentar, o estado emocional, bem como sobre a evolução clínica destes. Os nutricionistas (mais da metade) já receberam, de toda a equipe, principalmente fisioterapeuta, fonoaudiólogo e enfermeiro, orientações sobre posicionamentos e mobilização do paciente, dieta e cuidados gerais. Já os psicólogos foram unânimes em relatar terem sido orientados por médicos e fisioterapeutas especialmente, e depois por terapeuta-ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo sobre diagnósticos, intervenções terapêuticas e manejo destes pacientes. D) Interesse em Receber Orientações Na questão sobre o interesse em receber orientações, os enfermeiros citaram aspectos sobre o diagnóstico clínico, aspectos preventivos e curativos da doença, do exame físico, do quadro clínico, de mecanismos relacionados à deglutição, à comunicação, à sexualidade e à recuperação funcional dos pacientes, quanto aos cuidados com a pele, sondas, posicionamentos e manuseios, e outros procedimentos gerais da enfermagem. Mais da metade dos fisioterapeutas gostaria de ser orientado por todos os demais profissionais, principalmente das áreas de psicologia e de fonoaudiologia, corroborando os resultados deste estudo no concernente às maiores dificuldades citadas por estes profissionais. Os terapeutasocupacionais relataram a importância de receber orientações de outras áreas correlatas quanto aos manuseios, exercícios físicos terapêuticos, quanto a outras adaptações das AVD’S, e quanto a estratégias de estimulação da linguagem. As orientações preferidas pelos assistentes sociais constam aspectos sobre diagnóstico, etiologia, prevenção, quadro clínico, recuperação e seqüelas do AVC, função do serviço social, relação terapeuta-paciente e familiar, enquanto que os médicos preferem orientações quanto às estratégias que propiciam a recuperação motora, e sobre as intervenções psicológicas, sociais e clínicas atuais. Fonoaudiólogos gostariam de ser orientados sobre a mobilização dos indivíduos e como prognosticar a evolução motora, e os nutricionistas gostariam de receber informações sobre o processo geral de recuperação, em especial estratégias de como se deve alimentar estes pacientes, em especial os disfágicos, enquanto que os psicólogos sobre os diversos diagnósticos e manejos do paciente. Neur ociências Neurociências E) Orientações que os vários profissionais ministraram, sugeriram e aspectos que esclareceram - Enfermagem: o enfermeiro sugere e ministra informações sobre alimentação, hidratação, higiene, mudança de decúbitos, prevenção de escaras, massagem, orientações quanto à autoajuda para executar as AVD´s. Relatam serem estes, os principais aspectos dos cuidados de enfermagem. Defendem que educar e esclarecer os pacientes, bem como seus familiares quanto aos cuidados gerais de saúde são quesitos básicos da atuação desta área. - Fisioterapia: o fisioterapeuta sugere e ministra informações sobre prevenção e intervenção nas complicações clínicas, recuperação motora funcional (por meio de posicionamentos, exercícios físicos terapêuticos facilitadores da execução voluntária das AVD´s e AVP´s ministrados e orientados), mediar processos de inclusão social, orientar, incentivar e encaminhar para prática esportiva, de lazer e profissional. O principal objetivo desta área é estimular funções neuromotoras, procurando integrar aspectos físicos com os psicológicos e sociais, aspectos estes inerentes e indissociáveis a todos os indivíduos. - Terapia ocupacional: o terapeuta ocupacional ministra e sugere informações sobre AVD’s, AVP´s, orientações aos familiares e ou cuidadores. - Ação da assistente social: o assistente social ministra e sugere informações sobre orientações sobre a relevância do encaminhamento do paciente com AVC para o serviço social, atenção especial para a interação entre os profissionais técnicos que prestam assistência a estes indivíduos, com o paciente e seus familiares visando à integração social (relações interpessoais) do grupo em questão. - Intervenção médica: o médico sugere e ministra informações sobre prevenção primária e secundária (orientação e tratamento), diagnóstico clínico, terapêutica medicamentosa e, quando necessária cirúrgica. Afirmam que a eficácia do tratamento está diretamente relacionada ao reconhecimento dos sinais e sintomas da doença e à intervenção adequada. Enfatizam a importância dos cuidados com a pressão arterial sistêmica e reconhecem a relevância de intervenção terapêutica dos demais profissionais da saúde. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 179 - Fonoaudiologia: os fonoaudiólogos ministram e sugerem informações sobre deglutição, comunicação (tratamento e técnicas alternativas). - Nutrição: o nutricionista sugere e ministra informações sobre análise e composição de dietas alimentares. Relatam ser, a orientação, primordial para uma melhor qualidade de atendimento aos pacientes e familiares. - Psicologia: o psicólogo sugere e ministra informações sobre funções neuropsicológicas e afetivo-emocionais e realização de dinâmicas familiar. DISCUSSÃO Mais da metade dos profissionais são formados a mais de cinco anos e são pós-graduados. No entanto, o fato de serem pós-graduados e terem conhecimentos em áreas específicas da ciência, não mostrou ter sido suficiente para suprirem as dúvidas e dificuldades encontradas na assistência aos pacientes com AVC, pois quase a totalidade dos profissionais apresentou as mais diversas dificuldades, o que pode sugerir a necessidade de formação, por exemplo, ministrada em cursos de educação continuada, e de informação especializada para atuação profissional nesta área, como descrita em diversas diretrizes (guidelines) disponíveis na literatura5,7,8,10-19. Muitos destes profissionais relataram apresentar, várias vezes ansiosa expectativa quanto à recuperação funcional dos seus pacientes, talvez porque estes, tenham percebido a forte relação existente entre o nível de incapacidade funcional e as alterações psicológicas (depressão e ansiedade), ou seja, quanto maior a incapacidade funcional mais deprimido o paciente pode estar. Este fato foi descrito por Carson e cols. em 2000, que relatam significante relação entre esses dois aspectos20. Observou-se que muitos dos profissionais entrevistados relataram apresentar dificuldades e dúvidas relacionadas às atividades de suas próprias áreas de atuação, o que vem a corroborar com a afirmativa quanto à necessidade de formação e informação especializada para os diferentes profissionais nesta área de atuação neurológica específica. Um dos fatores que chamou a atenção são as dúvidas, que alguns profissionais possuem, em relação à orientação Neur ociências Neurociências sobre aspectos não relacionados as suas áreas específicas de atuação, mostrando a dificuldade que estes possuem em identificar ou respeitar o papel específico de cada um dos profissionais da saúde que trabalham em uma equipe multidisciplinar. Alguns autores descrevem esta dificuldade como inerente das equipes multiprofissionais 21. Os resultados descritivos deste estudo confirmam esta afirmativa, já que muitos dos profissionais parecem ignorar ou não aceitar as particularidades de atuação dos demais colegas profissionais. Os assistentes sociais foram os únicos a terem sido, em minoria, orientados por seus colegas de profissão ou, das demais profissões. Em relação aos profissionais médicos, apenas a metade teve a oportunidade de ser orientado pelos diversos profissionais. Os demais profissionais foram, ou em sua totalidade ou na grande maioria orientados, o que provavelmente os favorece a compreender as diversas interfaces que esta doença pode acarretar, além de poder facilitá-los a compreender a relevância em trabalhar em equipes inter e não multidisciplinares. Um dos dados mais relevante deste estudo foi a comprovação de que a utilização de diretrizes sobre atuação profissional nos cuidados de pacientes com AVC e a busca das melhores evidências científicas quanto à tomada de decisões clínicas não é rotina para a maioria dos profissionais entrevistados. A ausência desta rotina talvez advenha da falta de conhecimento, por parte de muitos destes profissionais, sobre a existência de várias diretrizes publicadas e disponíveis gratuitamente em bases de dados da literatura nacional e internacional ou, por não considerarem importante esta prática para suas atuações profissionais, podendo gerar condutas ineficientes e ou inapropriadas. A minoria cita a utilização de alguns manuais, apostilas ou guias não sistematizados para orientar suas condutas, podendo, muitas vezes confrontar e divergir das informações científicas de maior validade disponíveis na literatura. A visão, quase unânime dos diferentes profissionais sobre a importância em receber orientações, quanto à assistência ao paciente com AVC mostrou a preocupação destes, com o aperfeiçoamento do atendimento nesta área. De acordo com a maioria dos profissionais é importante receber novas orientações, trocar experiências profissionais, esclarecer dúvidas quanto aos conhecimentos pré-existentes REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 180 utilizados na prática e estar atualizado quanto às condutas atuais mais eficientes. A maioria dos profissionais gostaria de receber orientações quanto aos cuidados de pacientes com AVC, mostrando elevado grau de interesse, independente dos locais ou condições em que exercem sua profissão atualmente. Em relação à preferência dos profissionais quanto à estratégia a ser utilizada para receberem orientações foi significativa à preferência por cursos, associado a materiais didáticos eletrônicos ou impressos, o que pode sugerir a necessidade de elaboração e aplicação de cursos de educação continuada com material previamente preparado para profissionais que atuam nos cuidados de pacientes com AVC nestas regiões do estado de São Paulo. Todos os diferentes tipos de profissionais sugeriram orientações quanto a sua atuação profissional mas, menos da metade dos entrevistados responderam o que deveria ser orientado. Talvez estes não sabem como ou o que orientar, não se consideram aptos para orientar, ou simplesmente não tiveram interesse em colaborar com este quesito do questionário. Podemos inferir que a medida que o profissional obtém esclarecimentos sobre outras áreas de atuação nos cuidados de pacientes com AVC, há ampliação do seu conhecimento em relação às diversas necessidades deste tipo de paciente, o que propicia aprimoramento para sua atuação profissional específica. Deve-se enaltecer a necessidade de encaminhamento aos pacientes acometidos pelas doenças neurovasculares aos cuidados dos diferentes profissionais da saúde que compõe a equipe de assistência (médico neurologista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, enfermeiro, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, assistente social e outros)5. As unidades de recuperação de AVC devem promover reuniões formais entre a equipe interdisciplinar e os pacientes, com o objetivo de identificar e apresentar os problemas para definir, juntamente com os doentes e familiares os objetivos a serem alcançados a curto e em longo prazo. O número total de camas deve ser calculado pela idade, sexo, tipo de incidente e população atendida no hospital. Ainda discute-se questões sobre o atendimento domiciliar, que deve envolver orientações aos profissionais, pacientes e familiares sobre a doença, prevenção e serviços de suporte. Um programa de treinamento para equipe em unidades de AVC é extremamente Neur ociências Neurociências importante, sendo necessário abordar temas como: atuação coordenada de uma equipe interdisciplinar, integração do paciente e familiares com todos os membros da equipe, inclusive em atendimentos domiciliares5. A realização de novos cursos de educação continuada, incluindo apostilas contendo resumos das principais diretrizes (guidelines) para o manejo de pacientes com AVC parece ser emergente e, que será bem aceito pelos diferentes profissionais da saúde nas cidades de São Paulo e Grande ABC. CONCLUSÃO Esta pesquisa de campo nos permite concluir que a utilização de diretrizes (guidelines) para conduzir as condutas assistenciais específicas não 181 é prática usual para maioria dos profissionais da saúde (enfermeiro, fisioterapeuta, assistente social, médico, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista e psicólogo) entrevistados, atuantes nos municípios de São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, e que estes possuem muitas e variadas dificuldades e dúvidas quanto as suas atuações profissionais nos cuidados dos pacientes com AVC. A maioria concorda com a importância e a necessidade e, mostrou interesse em receber orientações por meio de informação (materiais didáticos eletrônicos ou impressos) e formação (cursos de educação continuada) profissional especializada para poderem prestar melhor assistência a esta determinada população, mesmo já as tendo recebido ou as tendo ministrado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lira MMTA, Drumond Jr. M. 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Os pacientes podiam fornecer livremente as informações, sem serem induzidos. Este grupo de 48 pacientes portadores de EMRR se constituía de 37 mulheres e 11 homens, com idades variando entre 14 e 64 anos. O diagnóstico definitivo de EMRR havia sido feito entre um e 24 anos (média = 7 anos). Durante este período, o número de surtos variou entre dois e 12 (média = 4). Estresse foi mencionado como principal causa de exacerbações por 27 pacientes, e como causa exclusiva por 18 pacientes. Infecções virais foram mencionadas como causa de surto por sete pacientes, calor excessivo por dois, enxaqueca particularmente forte por dois, gravidez por uma, depressão por uma e poluição ambiental por um paciente. A identificação de fatores desencadeantes não se relacionou à duração da doença, número de surtos, nível educacional, sexo ou idade dos pacientes. 56% de nossos pacientes espontaneamente mencionaram que situações de estresse eram o principal fator desencadeante de surtos de EM. Estudos prospectivos desta natureza, preferencialmente envolvendo diversos centros de atendimento de EM, necessitam ser realizados com um grande número de pacientes. Unitermos: Esclerose múltipla, Estresse, Infecção. SUMMARY Various reports in the literature suggest that stressful life events may be related to relapses of Multiple Sclerosis (MS). We gained the impression that many of our patients related their bouts of MS to particularly stressful life situations. We have therefore performed a retrospective evaluation by means of individual interviews with patients suffering from relapsing-remitting MS (RRMS). The patients were free to volunteer Trabalho realizado:CEREM Litoral Paulista & Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina UNIMES, Santos, SP, Brasil. 1 - Acadêmica do 6o ano de Medicina 2 - Professora Titular de Neurologia, MD, MSc, PhD 2 Endereço para correspondência: Universidade Metropolitana de Santos Rua da Constituição 374, CEP 11015-470, Santos, SP, Brasil. Fone/fax: +55-13-32731464 e-mail: [email protected]) Trabalho recebido em 13/09/04. Aprovado em 18/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 183 information about triggering factors, without being induced. This group of 48 patients suffering from RRMS consisted of 37 women and 11 men, aged 14 to 64 years. The definite diagnosis of RRMS had first been made one to 24 years ago (average = 7 years). Since then, the number of bouts had varied from two to 12 (average = 4). Stress was mentioned as the main cause of exacerbations by 27 patients, being the only cause for 18 patients. Viral infections were mentioned as possible cause by seven patients, hot weather by two, severe migraine by two, pregnancy by one, depression by one and environmental pollution by one. The identification of triggering factors did not relate to duration of disease, number of bouts, educational level, gender or age. 56% of our RRMS patients spontaneously mentioned stressful life events as important triggering factors for bouts of MS. Prospective studies of this nature, preferably involving several MS centers, should be carried out with a much larger number of patients. Keywords: Multiple sclerosis, Stress, Infection. INTRODUÇÃO Esclerose Múltipla (EM) é uma doença autoimune, desmielinizante do sistema nervoso central. Em seu início, é comum o aparecimento de surtos isolados de desmielinização, que se manifestam por sinais e sintomas relacionados às vias afetadas, seguidos de recuperação funcional total ou parcial. Frente a um novo surto de exacerbação da doença, muitos pacientes tentam relacioná-los a situações que os precederam, criando assim uma relação causa-efeito. Charcot já relatava, há mais de um século, que situações pessoais de súbita tristeza e de mudanças sociais poderiam ser desencadeantes de surtos1. É comum observarmos na prática clínica diária que os pacientes portadores de EM relatam situações de estresse como desencadeantes de piora clínica. No entanto, é necessário considerar que, apesar de uma possível relação entre o sistema imunológico e o estresse2,3, não é fácil classificar o tipo ou o efeito do estresse sobre um determinado indivíduo. Alguns estudos mais antigos não mostraram relação entre o estresse e os surtos de EM4,5. Estudos mais atuais, relativamente bem conduzidos, mostraram uma possível relação entre os fatos6-12. É interessante inclusive notar que um estudo mostrou que o estresse excessivo e contínuo de uma situação de guerra, não mostrou relação com exacerbação de surtos13. Embora este último estudo seja de duração relativamente curta, os achados foram interessantes, uma vez que parecia haver mesmo uma relação inversa entre o estresse intenso e crônico com a presença de REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 novos surtos da doença. A possibilidade da liberação de cortisol endógeno mediante tais situações foi aventada como fator protetor de surtos durante o estresse14. No entanto, outro estudo recente mostrou uma nítida relação entre o estresse da perda de um filho menores de 18 anos e surtos de EM 15 . Continua portanto aberta à questão da relação entre estresse e surtos de EM. Avaliamos um grupo de pacientes brasileiros com a finalidade de observar uma possível relação entre fatores desencadeantes e surtos de EM em nossa população. MÉTODOS Pacientes cadastrados no Centro de Referência para Diagnóstico e Tratamento de Esclerose Múltipla do Litoral Paulista (Universidade Metropolitana de Santos e DIR XIX da Secretaria do Estado da Saúde de SP) foram individualmente entrevistados como parte da anamnese. Todos os pacientes entrevistados apresentavam a forma remitente-recorrente de EM (EMRR). Os pacientes podiam fornecer livremente as informações, sem serem induzidos. A entrevista não oferecia alternativas ou opções, sendo os dados obtidos durante a história clínica. Este grupo consistia de 48 pacientes portadores de EMRR, sendo 37 mulheres e 11 homens, com idades variando entre 14 e 64 anos (média = 42 anos). O tempo de educação formal destes pacientes era, em média, de 12 anos (variação = 3 a 16 anos). O diagnóstico definitivo de EMRR havia sido feito entre um e 24 Neur ociências Neurociências anos (média = 7 anos). Durante este período, o número de surtos variou entre dois e 12 (média = 4). A cada paciente foi perguntado se os surtos foram precedidos por algum nítido fator que poderia ser considerado como causal, com intervalo máximo de um mês entre tal acontecimento e as manifestações clínicas. RESULTADOS Vinte e sete pacientes (56%) mencionaram que, quando algum fator podia ser identificado como possível desencadeante de surto, este fator parecia ser o estresse. Dezoito pacientes referiam que seus surtos haviam sido desencadeados por situações de estresse moderado a intenso, como perda do próprio emprego ou do emprego do cônjuge, dívidas acumuladas, divórcio, gravidez de filha menor, uso de drogas por filhos adolescentes, e doença grave, cirurgia ou morte de familiares ou amigos próximos. Estes 18 pacientes não se lembravam de outros fatores que pudessem estar relacionados a surtos da doença. Outros nove pacientes relatavam que além do estresse, outros fatores pareciam ter sido desencadeantes de seus surtos, tais como infecções virais, gravidez, e fortes crises de migrânea que duraram vários dias. Oito pacientes referiam que seus surtos tinham se relacionado exclusivamente a infecções virais (cinco pacientes), calor excessivo (dois pacientes), poluentes ambientais (um paciente) e longo período de depressão (uma paciente). Treze pacientes não relacionavam seus surtos a qualquer fator desencadeante. A identificação de possíveis fatores desencadeantes de surtos não se relacionou a idade, sexo, nível cultural do paciente, tempo de doença ou número de surtos. DISCUSSÃO Estudos da relação entre estresse e surtos de EM podem, no máximo, apresentar evidência classe II. A falta de um modelo biológico de EM pura em situação de estresse, e a ausência da definição clara de “estesse” nas publicações sobre o tema, apresentam-se como falhas metodo- REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 184 lógicas que dificultam a análise dos achados16-19. Além disso, o viés criado por entrevistas retrospectivas diminui a credibilidade dos achados de uma possível relação entre os fatos. O presente trabalho apresenta as mesmas dificuldades metodológicas e se propõe apenas a discutir a impressão de um grupo de pacientes brasileiros. Apesar de todas as críticas aos métodos utilizados por trabalhos nesta linha, não se pode descartar uma observação clínica comum a diversos investigadores. Em estudos publicados por diversos autores e revisados por Goodin16, 56,8% a 79% dos pacientes portadores de EM relacionavam estresse aos surtos. A meta-análise de 20 trabalhos no tema, publicada em 2004 por Mohr17, também sugere associação, embora de fraca evidência, entre os eventos estressantes e os surtos de EM. No presente estudo, observamos que 56% de nossos pacientes espontaneamente relacionavam estresse a surtos de EM, dado semelhante aos dos autores estrangeiros. A exemplo dos casos relatados por outros investigadores, nossos pacientes também relacionaram outros fatores aos surtos, porém nenhum deles foi mencionado tão freqüentemente como o estresse. A proposta de avaliação de mudanças de imagem na ressonância magnética (RNM) dos pacientes portadores de EM em situações de estresse foi aventada por Mohr em 2000 20. Nos casos estudados, foram observadas novas lesões captantes de gadolíneo à RNM até 8 semanas após situações estressantes, mas não houve relação com surtos da doença. Infelizmente, tal método de investigação é excessivamente caro e não poderia ser executado de forma prática em nossa rotina de atendimento. Os autores acreditam que pacientes brasileiros portadores de EM deveriam ser estudados prospectivamente em diversos centros universitários de diagnóstico e tratamento de EM. Um modelo adequado de avaliação seria aquele utilizado por Buljevac et al em 2003 10, avaliando porém uma população muito maior de pacientes, evitando assim parte das dificuldades naquele estudo, causadas pelo alto índice de pacientes perdidos ao seguimento. Apesar das críticas ao trabalho de Buljevac e colaboradores 18,19,21, o modelo de uma avaliação prospectiva cuidadosa Neur ociências Neurociências é o único que permite concluir o que Charcot já mencionava há mais de 100 anos1 e que nos parece ser a opinião de diversos profissionais que trabalham com EM. Uma avaliação clínica desta 185 natureza pode ser feita de forma prospectiva, incluindo vários centros universitários, e seguindo um grande número de pacientes por um longo período. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Charcot JM. 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O padrão mais conhecido de respiração periódica é denominado respiração de Cheyne-Stokes (RCS), que é definido como uma respiração em “crescendo e decrescendo” associada a dessaturação da oxihemoglobina. Objetivo. Analisar a prevalência da RCS nas unidades de internação do Hospital São Paulo, as principais doenças a que se associa, comparar a saturação de O2 durante o repouso em pacientes com RCS e pacientes sem RCS, verificar se a equipe médica reconhece o padrão de RCS e se os pacientes com RCS apresentam maior proporção de reinternações e mortalidade após 30 dias. Método. Foram incluídos 10 pacientes com RCS e 10 sem RCS pareados segundo a idade, sexo e doenças de base, observados nas enfermarias Clínicas, de Ortopedia, UTI e Pronto Socorro. Após o reconhecimento do padrão RCS, realizava-se exaustiva busca nos prontuários dos pacientes com a finalidade de se detectar a descrição do padrão respiratório. Obteve-se a saturação de O2 do paciente em vigília e sono. Resultados. Nenhum prontuário mostrou qualquer descrição que sugerisse o reconhecimento da RCS pela equipe clínica onde o paciente era cuidado. A mortalidade e número de reinternações não deferiram entre os grupos com RCS e sem RCS. A saturação de O2 do grupo de pacientes com RCS foi menor que a do grupo de pacientes sem RCS, tanto durante a vigília quanto durante o sono. UNITERMOS: Respiração periódica, Respiração de Cheyne-Stokes, Apnéia central, Sono, Apnéia do sono. SUMMARY Background. Periodic breathing refers to a variety of respiratory patterns where the most recognized one is called Cheyne-Stokes breathing (CSB), that is defined as a “crescendo and decrescendo” breathing associated to oxyhemoglobin disaturation. Objective. To analyze the prevalence of CSB at Hospital Sao Paulo wards, diseases associated with CSB, and mostly to verify if medical staff recognized the CSB during in-hospital stay, and also if CSB patients are more allowed to die or be readmitted in the hospital compared to non-CSB patients during 30 days follow-up. Methods. We included 10 CSB and 10 non-CSB patients matched for age, gender and diseases from general, orthopedic, intensive care unit, and emergency room wards. After recognizing CSB pattern we search for any description of CSB pattern on medical records. Oxyhemoglobin saturation was recorded during sleep and wake states. Results. No medical record demonstrates CSB recognition by the clinical staff caring for those patients. Mortality and hospital readmission were not different between CSB and non-CSB. Oxygen saturation for CSB patients was lower than for non-CSB patients, either during the wakefulness and sleep. Keywords: Periodic breathing, Cheyne-Stokes breathing, Central apnea, Sleep, Sleep apnea. Trabalho realizado no Hospital São Paulo, Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – UNIFESP-EPM. 1- Fisioterapêuta – Ambulatório de distúrbios do Sono – Disciplina de Neurologia–UNIFESP-EPM. 2- Médica - Ambulatório de distúrbios do Sono - Disciplina Neurologia – UNIFESP-EPM. 3- Professor Adjunto- Disciplinas de Medicina de Urgência e Neurologia - UNIFESP-EPM. Correspondência: Lucila BF Prado Rua Claudio Rossi, 394, Jd da Gloria, São Paulo, SP, Brasil, 01547000 email: [email protected] Trabalho recebido em 28/09/04. Aprovado em 25/10/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências INTRODUÇÃO Respiração periódica inclui uma grande variedade de padrões de respiração, a qual é modulada de uma maneira regular e cíclica. Um dos padrões mais conhecidos de respiração periódica é denominado Respiração de CheyneStokes (RCS) 1 , identificada pelos médicos “Cheyne” (1818) e “Stokes” (1854) em pacientes com problemas cardíacos e neurológicos respectivamente2. A Respiração de Cheyne-Stokes é definida como uma respiração em “crescente e decrescente” associada à dessaturação de O23. Na Respiração de Cheyne-Stokes, a ventilação pulmonar torna-se mais rápida e mais profunda que a habitual, fazendo com que a pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2) sangüínea diminua, inibindo a ventilação e promovendo apnéia, a qual por sua vez promove elevação da pCO2 e nova resposta hiperventilatória, reiniciando-se o ciclo4. As seqüelas determinadas pelas anormalidades respiratórias durante o sono incluem distúrbios cardiovasculares, como na insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e lesões cérebrovasculares, freqüentemente encontradas no ambiente hospitalar, sendo causa de agravamento da doença primária com conseqüente aumento da mortalidade5,6. Fisiologia do controle da respiração A freqüência, a profundidade e o padrão da respiração são determinados pela contração coordenada do músculo diafragma e de músculos da caixa torácica, do abdome e das estruturas circundantes, refletindo a integração de informação com origem em múltiplas regiões superiores do sistema nervoso central, em receptores quimiossensíveis localizados dentro do sistema nervoso central e também na croça da aorta e nas artérias carótidas, em receptores neurais localizados no próprio pulmão, em mecanorreceptores neurais localizados na pele, faringe, laringe e vias aéreas e em outros receptores localizados dentro da cavidade torácica7. O termo controle da ventilação refere-se à geração e regulação cíclica da respiração pelo centro respiratório no tronco cerebral e sua modificação pelo influxo de informações provenientes dos centros cerebrais superiores e dos receptores sistêmicos. O componente central REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 187 desse sistema reside no bulbo e recebe a designação de centro de controle respiratório, que é um conglomerado de vários grupos anatomicamente distintos de células nervosas que agem gerando e modificando o padrão ventilatório rítmico básico. A atividade do córtex cerebral, hipotálamo, sistema límbico e cerebelo podem modificar o padrão ventilatório em resposta a estímulos visuais, emocionais, dolorosos ou motores voluntários7. Células quimiorreceptoras especializadas, localizadas nos corpúsculos aórticos e na bifurcação das artérias carótidas, captam a pressão parcial de oxigênio (pO 2), a pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2) e o potencial hidrogeniônico (pH) do sangue arterial, sendo transmitida de volta aos núcleos de integração bulbares através dos nervos cranianos. A informação vinda dos corpúsculos carotídeos trafega pelo nervo do seio carotídeo, que é um ramo do nervo glossofaríngeo. Os quimiorreceptores localizados abaixo da superfície ventrolateral do bulbo (quimiorreceptores centrais) identificam as mudanças na relação da pressão arterial de oxigênio e pH (PaCO2/pH) do líquido intersticial do tronco cerebral, determinando o impulso (drive) ventilatório8. O sistema de controle respiratório regula a ventilação minuto na tentativa de controlar a PaCO2 arterial e conseqüentemente o pH dentro da variação normal. Mudanças na pCO2 arterial são identificadas pelos quimiorreceptores tanto centrais quanto periféricos, que transmitem estas informações aos centros respiratórios bulbares, onde são integradas pelo Sistema Nervoso Central (SNC) em uma síntese que resulta no comando ventilatório. A presença tanto de hipercapnia quanto de hipoxemia pode exercer um efeito aditivo sobre a ação dos quimiorreceptores e a resultante estimulação ventilatória8. Fisiopatologia A respiração de Cheyne-Stokes é uma forma de apnéia central e é freqüentemente associada à interrupção do sono e hipoxemia 9. Na RCS, numerosas condições diferentes podem se sobrepor à diminuição do mecanismo de feedback, promovendo oscilação de um padrão ventilatório anormal. A demora do tempo do fluxo sangüíneo dos pulmões para o cérebro não pode atuar de modo satisfatório para bloquear o Neur ociências Neurociências feedback, pois os gases do sangue podem mudar drasticamente antes que o centro respiratório identifique esse aumento. Em conseqüência, o ganho eficaz do circuito de feedback está muito aumentado e o sistema oscila espontaneamente4. Lesão do tronco cerebral pode gerar aumento do ganho de feedback dos mecanismos do centro respiratório para controle da respiração por alterar a PaCO2 e o pH sangüíneo. Isso significa que uma alteração mínima de concentração em um ou dois fatores humorais produz uma drástica alteração da ventilação. O centro respiratório, muitas vezes, encontra-se intensamente deprimido, embora o ganho seja muito alto. Conseqüentemente, o sistema de controle respiratório pode oscilar para frente e para trás, entre apnéia e respiração, padrão típico da RCS. Esse efeito provavelmente explica porque muitos pacientes com lesão cerebral desenvolvem um tipo de RCS4. As alterações diretas no sistema de controle respiratório ou no sistema neuromuscular respiratório geralmente resultam numa Síndrome de Hipoventilação Alveolar Crônica, manifestada por algum grau de hipercapnia durante o dia. Entretanto essas alterações tornam-se evidentes somente durante o sono, onde a influência de estímulos comportamentais, corticais e reticulares para células nervosas do tronco cerebral é minimizado e a respiração torna-se criticamente dependente da alteração metabólica no sistema de controle respiratório10. O desenvolvimento da Respiração de CheyneStokes em pacientes com ICC pode acelerar a deterioração na função cardíaca e elevar a mortalidade, possivelmente também com o aumento da atividade do Sistema Nervoso Simpático9. Alguns fatores influenciam a produção de RCS na ICC. A circulação lenta na ICC já aumenta o retardo de tempo para transmissão de sangue dos pulmões para o cérebro, diminuindo a eficácia do sistema. O volume do coração esquerdo, uma vez aumentado, aumenta o tempo de circulação dos pulmões para o cérebro. Combinando esse fator com a velocidade lenta do fluxo sangüíneo, o tempo retardado dos pulmões para o cérebro pode aumentar até seis vezes e o intervalo total aumenta de 30 a 60 segundos, contrastando nitidamente com o normal que é de 5 a 10 segundos11. A variação na flutuação da ventilação, que sofre alterações no Sistema Nervoso Central, depende REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 188 da diferença entre os valores de PaCO2 na vigília ou no sono. Qualquer fator que aumente essas variáveis, aumenta a tendência para a Respiração Periódica e Apnéia Central do Sono9,12. A perda da estimulação comportamental da respiração na transição da vigília para o sono tem um papel importante na patogênese da Respiração de Cheyne-Stokes. É possível que o próprio sono seja um estado vulnerável para estes pacientes que desmascara diferenças mais sutis na função cardíaca que não estão aparentes durante a vigília9. Considerando os eventos fisiopatológicos implicados na respiração de Cheyne-Stokes, salientamos a necessidade de que a mesma seja reconhecida em todos os pacientes, pois intervenções terapêuticas podem ser necessárias para minimizar seus efeitos adversos e reduzir riscos de complicações nos pacientes. Nossa hipótese é de que o corpo clínico (médicos residentes, enfermagem, fisioterapêutas, e demais profissionais envolvidos no cuidado dos pacientes) apresenta uma baixa percepção deste fenômeno, expressa por ausência de condutas e considerações específicas para tal quadro clínico ou mesmo o registro do fenômeno no prontuário do paciente. Este estudo tem como objetivos: 1Analisar a prevalência da Respiração de CheyneStokes nas unidades de internação e nos diferentes diagnósticos, 2-Comparar a saturação de O2 durante o repouso em pacientes com RCS e pacientes sem RCS, 3-Verificar se a equipe médica reconhece o padrão de RCS, 4-Verificar se pacientes com Respiração de Cheyne-Stokes apresentam maior proporção de reinternações e mortalidade após 30 dias. MATERIAL E MÉTODO Foram incluídos 20 pacientes, sendo 10 do grupo de estudo com RCS (nove do sexo masculino e 1 do sexo feminino), com idades entre 47 e 87 anos e 10 pacientes do grupo controle (oito do sexo masculino e 2 do sexo feminino), entre 47 e 88 anos de idade, pareados segundo a idade, sexo e doenças de base. Os pacientes dos grupos estavam conscientes e em respiração espontânea durante o repouso no leito. Pacientes dependentes de Ventilação Assistida, crianças e pacientes comatosos foram excluídos. A avaliação e os dados foram colhidos nas Enfermarias Clínicas, Enfermaria de Ortopedia e UTI do Pronto Neur ociências Neurociências Socorro do Hospital São Paulo. Os pacientes do grupo estudo e controle foram selecionados durante o período noturno, na fase de sonolência e sono espontâneo. A avaliação foi feita através de observação à beira do leito, onde, após o reconhecimento do padrão respiratório (RCS), verificava-se a saturação do paciente sem apnéia, o tempo em segundos da permanência em apnéia, a saturação de O2 mínima, a queda da saturação de O2 mínima durante a apnéia e o número de ciclos respiratórios em um período de cinco minutos. Para avaliação da saturação de O 2, utilizamos oxímetro Nonin Medical Inc-Model 9500. Este processo foi igual nos pacientes sem a Respiração Cheyne-Stokes (Grupo controle). Para avaliação posicionou-se o oxímetro de pulso em uma de suas extremidades (uma falange distal de um dos membros superiores), verificou-se a saturação inicial, a contagem do ciclo de apnéia, duração em tempo das apnéias e a oximetria mínima durante a apnéia, num período total de 5 (cinco) minutos. A avaliação era interrompida quando os pacientes entrassem na fase de vigília, por causa do desaparecimento do padrão respiratório. No grupo estudo, cinco pacientes eram dependentes de oxigenioterapia (entre quatro a sete litros de O2 por minuto) e, durante a contagem dos ciclos respiratórios e apnéia, não foi retirada a oxigenioterapia. Para levantamento dos dados foi elaborada uma ficha de avaliação que constava de dados pessoais, diagnósticos, exames laboratoriais, número de ciclos de apnéia (em cinco minutos), duração das apnéias, oximetria inicial e final e se havia o reconhecimento do padrão respiratório pela equipe multidisciplinar. Após um período de trinta dias, os dados de cada paciente foram novamente colhidos para a verificação dos desfechos reinternação e mortalidade, tanto do grupo estudo quanto do grupo controle através de contato telefônico com os pacientes e familiares (Tabelas 1 e 2). Os dados foram analisados através de estatística descritiva e as médias dos valores de saturação durante o sono e vigília foram comparadas através do teste T de Student. O nível de significância adotado foi p≤0,05. RESULTAD0S A saturação de O 2 (Tabela 1) durante a avaliação inicial do paciente em vigília com RCS foi em média 95,8% e durante a sonolência e sono (fase apnéica) 89,4% (p<0,0001). REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 189 Saturação de O2 (%) Vigília P Sono (apnéia) Média 95.80 89.40 Erro Padrão 0.5333 0.6532 P < 0,0001 Tabela 1. Média e erro-padrão dos valores de saturação de O2 obtidos nos pacientes com Cheyne-Stokes (RCS) durante a vigília e fase apneico do sono. Os valores de Saturação de O 2 (Tabela 2) durante a vigília obtidos nos pacientes com RCS foi em média de 95,8% e nos pacientes sem RCS de 92,1% (P=0,007). Durante o sono a Saturação de O2 nos indivíduos com RCS (Tabela 3) foi em média de 89,4% e nos pacientes sem RCS de 92,1% (P=0,02). Saturação de O2 (%) Com RCS Sem RCS P Média 95.80 92.10 P=0,0074 Erro Padrão C.5333 1.0050 Tabela 2. Média e erro-padrão dos valores de saturação de O2 obtidos nos pacientes com Cheyne-Stokes (RCS) e sem RCS durante a vigília. Saturação de O2 durante o sono Pacientes com RCS Pacientes sem RCS Média 89.40 92.10 Erro Padrão 0.6532 1.0050 P P=0,0221 Tabela 3. Comparação da média e erro-padrão dos valores de saturação de O 2 obtidos nos pacientes com Cheyne-Stokes (RCS) e sem RCS durante o sono. Os diagnósticos dos pacientes com RCS e sem RCS foram bastante diversificados, havendo pacientes com doenças cardíacas, neurológicas e pulmonares. Devido ao pareamento proposto inicialmente para composição dos grupos estudo e controle, não houve, como esperado, diferenças entre os grupos relativamente às doenças de base. O número de pacientes do sexo feminino com RCS foi menor comparado ao número de pacientes do sexo masculino (1 e 9 respectivamente). Em nenhum prontuário encontrou-se qualquer descrição que sugerisse o reconhecimento pela equipe médica do padrão respiratório de CheyneStokes (Quadro 1). Neur ociências Neurociências 190 ICC=insuficiência cardíaca congestiva; HIC=hipertensão intracraniana; HAS=hipertensão arterial sistêmica; BCP=broncopneumonia; AVCI= acidente vascular cerebral isquêmico; ITU= infecção do trato urinário; aa=ar ambiente. Quadro 1- Dados demográficos do grupo de estudo. DISCUSSÃO O presente estudo teve como proposta de trabalho a avaliação de pacientes internados nas unidades de enfermarias do Hospital São Paulo, para o reconhecimento do padrão respiratório (RCS)., Admitimos que nesse estudo não houve o reconhecimento da Respiração de Cheyne-Stokes nos pacientes avaliados pela equipe multidisciplinar, levando em consideração o fato de tal fenômeno não estar registrado no prontuário do paciente. Independentemente de a equipe clínica ter conhecimento do padrão respiratório do paciente, alertamos que o fato de não ter sido registrado no prontuário demonstra certo grau de despreocupação com a possível gravidade de tal achado. Talvez o motivo mais importante relacionado à não detecção do padrão respiratório de Cheyne-Stokes seja mesmo a despreocupação com sua relevância clínica, entretanto devemos considerar que a propedêutica física abreviada e rápida (seja por negligência ou excessiva quantidade de pacientes nos hospitais públicos) também deve ser um fator relevante na explicação destes achados. Os mesmos motivos atribuídos à não detecção da RCS, pode ser aventado para admitirmos que a equipe clínica talvez reconheça tal padrão, mas não registrou no prontuário por questões relacionadas ao tempo, REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 pressa, excessivo número de pacientes ou mesmo desvalorização do achado propedêutico Os dados disponíveis na literatura sugerem que devamos reconhecer e tratar a RCS, pois o tratamento é seguro e provê importante melhora na função ventricular esquerda13,14. Era esperada a queda na saturação da oxi-hemoglobina durante o sono tanto no grupo estudo quanto controle (Tabela 1), com dessaturação clinicamente significativa (mesmo quando em terapia com oxigênio) no grupo com RCS, pois os períodos de apnéia variaram de seis a 30 segundos. Em relação à saturação de O2 dos pacientes do grupo estudo e do grupo controle durante a vigília, observou-se que a média de saturação de O2 nos pacientes com RCS na vigília foi maior que a dos pacientes sem RCS, talvez pelo fato de os pacientes sem RCS não estarem fazendo uso de oxigenioterapia. Embora controverso na literatura, não detectamos diferença de mortalidade e reinternações entre os grupos estudo e controle15. Tal fato deve-se ao pequeno número de pacientes em cada grupo e ao curto período de follow-up. Sugerimos a realização de estudos em nossos serviços de saúde com maior número de pacientes, para detectarmos eventuais diferenças Neur ociências Neurociências 191 de morbidade e mortalidade não só entre grupos de pacientes com RCS, mas também com outros padrões de respiração periódica. O fato de termos encontrado maior número de homens com RCS deve representar apenas um viés de amostragem, pois os dados foram colhidos em ambientes hospitalares em que não se realizou o controle de proporção de cada gênero durante a inclusão no estudo. Entretanto seria interessante observarmos se realmente haveria uma predominância deste padrão no sexo masculino, através de um estudo transversal de avaliação equivalente de ambos os sexos. CONCLUSÕES Este estudo mostra que existe uma importante queda de saturação de O2 durante o sono de pacientes com RCS. Os indivíduos com RCS durante o sono apresentaram vários ciclos de apnéia que variaram de 3 a 8, durante um curto intervalo de 5 com períodos de apnéia variando de 6 a 30 segundos, provocando importante queda de saturação. O padrão respiratório Cheyne-Stokes não foi reconhecido (ou registrado em prontuário) pela equipe clínica multidisciplinar em nenhum dos pacientes de nossa amostra. Após 30 dias Pacientes Idade Diagnóstico Saturação % Reinteração Óbito 1 56 ICC, FA crônica 92 Não Não 2 47 Hidrocefalia, Meningocefalite 96 Não Sim 3 62 Neoplasia de Pulmão, BCP 94 Não Não 4 58 AVCI, Cardiopatia 92 Não Não 5 79 ICC, HAS, AVCI 93 Não Não 6 68 AVCI, ITU, BCP 92 Não Sim 7 88 TEP, BCP 91 Não Não 8 61 HAS, IRC, DM 84 Não Sim 9 70 ICC, aneurismectomia VE 94 SIM Não 10 75 Amputação de MID 93 SIM Não ICC=insuficiência cardíaca congestiva; FA=fibrilação arterial crônica; BCP=broncopneumonia; AVCI= acidente vascular cerebral isquêmico; HAS=hipertensão arterial sistêmica; ITU= infecção do trato urinário; TEP=tromboembolismo pulmonar; IRC=insuficiência renal crônica; DM=diabetes mellitus; VE=ventrículo esquerdo; MID=membro inferior direito.. Quadro 2- Dados demográficos do grupo controle. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1.Cheyne J. A case of apoplexy, in which the flesh part of the heart was converted into fat. The Dublin Hospital Reports and Communications in Medicine and Surgery 1818; 2:216-223. 2. Leff AR, Schumacker PT. Controle da Ventilação. In Schumacker PT and Leff AR eds. Fisiologia Respiratória: Fundamentos e aplicações. Rio de Janeiro: Interlivros. pp121-133. 3. Guyton AC. Regulação da Respiração. In Guyton AC ed. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Interamericana; 1977. pp 501-502. 4. Hanly J, Zuberi-Khokhar P, Naheed S. Increased mortality associated with Cheyne-Stokes respiration in patients with congestive heart failure. Am J Respir Crit Care Med, 1996; 153:272-276. 5. Ingbir M, Freimark D, Motro M, Adler Y. The incidence, pathophysiology, treatment and prognosis of Cheyne-Stokes breathing disorder en patients with congestive heart failure. Herz 2002; 27:107-12. 8. Cardeal M, Prado GF. Apnéia central. Revista Neurociências 2003; 10(3):125-128. 9. Khoo MCK, Yamashiro SM. Models of control of breathing. In Khoo MCK, Yamashiro SM eds. Respiratory physiology and analytical approach. 1989. pp 810-815. 10. Murray JF, Nadel JA. Sleep disorders. In Murray JF and Nadel JA eds. Textbook of respiratory medicine. New York: Elsevier; 2000. pp 21612165. 11. Staniforth AD, Kinnear WJM, Cowley AJ. Cognitive impairment in heart failure with Cheyne-Stokes respiration. Heart 2001; 85:18-22. 12. Trinder J et al. Pathophysiological interactions of ventilation, arousals, and blood oscillations during Cheyne-Stokes respiration in patients with heart failure. Am J Respir Crit Care Med 2000; 162: 808-813. 13. Brack T. Cheyne-Stokes respiration in patients with congestive heart failure. Swiss Med Wkly 2003; 133(45-46):605-10. 6. West JB. Controle da Respiração In West JB ed. Fisiologia Respiratória. São Paulo: Manole; 2002. pp117-131. 14. Woo MA, Macey PM, Fonarow GC, Hamilton MA, Harper RM. Regional brain gray matter loss in heart failure. J Appl Physiol 2003; 95(2):677-84. 7. Lorenzi Filho G, Dajani HR, Leung RS, Floras JS, Bradley TD. Entrainment of blood pressure and heart rate oscillations by periodic breathing. Am J Respir Crit Care Med 1999; 159 (4pt1):1147-1154. 15. Hanly PJ, Zuberi-Khokhar NS. Increased mortality associated with Cheyne-Stokes respiration in patients with congestive heart failure. Am J Respir Crit Care Med 1996; 153(1):272-6. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 192 Artigo de Revisão Agonistas Dopaminérgicos no tratamento da Doença de Parkinson Dopamine Agonists on Parkinson´s Disease treatment Henrique Ballalai Ferraz1 RESUMO A doença de Parkinson (DP) é a doença neurodegenerativa mais freqüente na população depois da doença de Alzheimer e é fonte de grave incapacitação para um grande número de pessoas. A doença é resultado de uma degeneração de neurônios da substância negra ocasionando uma deficiência de dopamina no corpo estriado. A reposição dopaminérgica com a levodopa, uma droga precursora da dopamina, é a pedra angular do tratamento da DP. Os agonistas dopaminérgicos (AD) são drogas que ativam diretamente os receptores de dopamina sem a necessidade de ser metabolizada pelo neurônio pré-sináptico. Há duas classes de AD, os ergolínicos e os não ergolínicos. Os derivados do ergot são a bromocriptina, pergolida, lisurida e cabergolina. Os não ergolínicos são a apomorfina, o pramipexol, ropinirol e o piribedil. O pramipexol e o ropinirol são mais bem tolerados que os demais. Embora menos potentes que a levodopa, os AD são eficazes na fase inicial da DP e permitem que se reduzam a incidência de complicações de longo prazo associados à levodopa, como as flutuações motoras e as discinesias. No tratamento da fase avançada da DP, são drogas úteis como coadjuvantes da levodopa minimizando as complicações. Há evidências recentes de que a utilização precoce dos AD, pramipexol e ropinirol, na DP poderia exercer um efeito neuroprotetor. Unitermos: Doença de Parkinson, Agonistas dopaminérgicos, Levodopa, Neuroproteção. SUMMARY Parkinson’s disease (PD) is one of the most frequent neurodegeneration and can induce severe disabling to some of the patients. Parkinsonian symptoms come out as a result of dopamine deficiency in basal ganglia due to neuron degeneration in the substantia nigra. Dopamine replacement with levodopa remains the mainstay despite the availability of new efficacious drugs to treat PD. Dopamine agonists (DA) directly activate dopamine receptors and do not require metabolic conversion by the presynaptic neuron. There are two different groups of DA: the ergoline derivates (bromocriptine, pergolide, lisuride, cabergoline) and the non-ergoline drugs (apomorphin, piribedil, ropinirole and pramipexole). The most recently launched DA, pramipexol and ropinirole, have a better tolerability profile as compared to the older agents. DA are effective on early phases of PD, although not in the same magnitude of levodopa. Early use of DA reduces the development of levodopa induced motor fluctuations and dyskinesias. Adding DA to levodopa on advanced phases of PD can minimize levodopa induced complications. There are evidences that early use of DA, particularly pramipexole and ropinirole, could exert some neuroprotective effect on PD patients. Keywords: Parkinson’s disease, Dopamine agonists, Levodopa, Neuroprotection. Trabalho realizado: Setor de Distúrbios do Movimento da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo 1 -Professor Afiliado e Chefe do Setor de Distúrbios do Movimento da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 740 CEP 04023-900 São Paulo – SP e-mail: [email protected] Trabalho recebido em 19/11/04. Aprovado em 23/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências INTRODUÇÃO A doença de Parkinson (DP) é, depois da doença de Alzheimer, a doença neurodegenerativa mais comum na população. Afeta indivíduos de ambos os sexos principalmente na faixa de idade acima de 50 anos, embora não seja tão incomum em pessoas mais jovens. É um transtorno motor que, se não tratado adequadamente, pode incapacitar seriamente o indivíduo acometido. A doença foi descrita inicialmente por James Parkinson em 1817 e caracteriza-se por, na fase inicial, sintomas motores, como tremor de repouso nas extremidades e mento, rigidez muscular, acinesia e distúrbios do equilíbrio e da postura. Os sintomas costumam iniciar-se unilateralmente de forma lenta e gradual, tendendo a acometer os dois lados do corpo com o passar do tempo. É muito freqüente que, durante todo o tempo de evolução da doença, as manifestações clínicas permaneçam essencialmente assimétricas, sempre com um lado do corpo mais acometido que o outro. Na fase mais avançada os distúrbios do equilíbrio e o acometimento da voz e da deglutição são freqüentes e fazem com que a qualidade de vida dos pacientes seja seriamente comprometida. Fisiopatologia da doença de Parkinson Do ponto de vista fisiopatológico ocorre uma redução na atividade dopaminérgica no nível do estriado. Isto ocorre porque há uma degeneração dos neurônios pigmentados da substância negra do mesencéfalo que se projetam para o corpo estriado, estrutura dos núcleos da base constituída pelo núcleo caudado e putâmen. Estes neurônios produzem dopamina que é liberada na sinapse. O neurônio pós-sináptico, por sua vez, projeta-se para o globo pálido, outra estrutura dos núcleos da base1. Este neurônio do estriado é do tipo espiculado ou espinhoso e de tamanho médio. Nele estão localizados os receptores dopaminérgicos. A razão porque ocorre a degeneração do neurônio dopaminérgico ainda permanece desconhecida, mas o tratamento dos sintomas da doença pode ser, ao menos parcialmente, bem sucedido se fizermos a restauração da atividade dopaminérgica estriatal. Dizemos que o sucesso no tratamento sintomático da DP é parcialmente bem sucedido porque muitas das manifestações clínicas têm origem não dopaminérgica. Podemos citar as alterações de postura e equilíbrio, a disartrofonia, REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 193 os bloqueios motores (“freezings”), entre outros que são pouco responsivos à reposição dopaminérgica. Há certamente outras vias neurais envolvidas na doença, como a noradrenérgica (pela degeneração do locus ceruleus), a serotonérgica (degeneração dos núcleos da rafe) e colinérgica (degeneração do núcleo basal de Meynert). Na verdade, é possível que a maior parte das vias degeneradas na DP ainda não seja completamente conhecida1. O neurônio chave para entendermos a razão do sucesso e do insucesso da terapêutica de reposição dopaminérgica na DP é o neurônio espinhoso médio do estriado. Nele é que estão os receptores da dopamina. Há duas famílias de receptores dopaminérgicos: a família D1, diretamente ligada à adenil-ciclase e, portanto estimulatória e a família D2, ligada à proteína G e inibindo a adenil-ciclase, dessa forma diminuindo os níveis de AMP-cíclico e com ação inibitória. A ativação dopaminérgica no estriado promove simultaneamente a ativação da chamada via direta do circuito extrapiramidal, através dos receptores do tipo D1 e a inibição da via indireta através da estimulação dos receptores do tipo D2. Cada família de receptores, por sua vez, tem seus subtipos. A família D1 pode ser subdividida em receptores D1 e D5, enquanto que a família D2 em receptores D2, D3 e D4 2. No neurônio espinhoso médio, existem outros receptores importantes para o tratamento da sintomatologia parkinsoniana. Neste neurônio há também receptores para o neurotransmissor glutamato, como os receptores do tipo N-metil-Daspartato (NMDA) e os receptores adenosina D2A. A estimulação ou o bloqueio destes receptores também parece ter um papel fundamental no tratamento da DP 2. Drogas utilizadas no tratamento da doença de Parkinson Até os anos 1960 o tratamento da DP era baseado no uso de medicamentos com ação anticolinérgica e no tratamento cirúrgico, através da cirurgia ablativa de alvos localizados nos núcleos da base. O surgimento da levodopa fez revolucionar o tratamento3. A droga, precursora da dopamina, fez com que pacientes gravemente incapacitados voltassem a ter uma vida muito próxima do normal. A levodopa até hoje é a pedra angular do tratamento da DP. A levodopa é absorvida no duodeno e transportada pela corrente Neur ociências Neurociências sangüínea até o cérebro onde penetra e é convertida em dopamina pela ação da enzima dopa descarboxilase (DDC). Esta conversão pode ocorrer nos neurônios dopaminérgicos remanescentes na substância negra ou por neurônios não dopaminérgicos ou ainda por células da glia na região do estriado. A meia vida plasmática da levodopa é muito curta, não passando de 90 minutos. Na corrente sangüínea a levodopa, antes de atingir o cérebro, é atacada por duas enzimas, a DDC e a Catecol-Orto-MetilTransferase (COMT). A DDC converte a levodopa em dopamina no sangue periférico, gerando manifestações dopaminérgicas periféricas, como náuseas, vômitos e hipotensão ortostática. A COMT converte a levodopa em 3-O-metil-dopa. Nas apresentações comerciais de levodopa sempre há a combinação com drogas inibidoras da ação periférica da DDC, como a benzerasida e a carbidopa. Há também drogas com ação inibitória sobre a COMT, o que faz aumentar o rendimento da levodopa, ou seja, aumentar a entrada de levodopa no cérebro. Há dois inibidores da COMT, o tolcapone e entacapone, este último também oferecido em comprimidos combinados à levodopa e à carbidopa. Outras drogas utilizadas no tratamento da DP são a selegilina, a amantadina e os agonistas dopaminérgicos. A selegilina tem uma ação inibidora da enzima monoamino-oxidade (MAO) que uma das enzimas responsáveis pelo metabolismo intraneuronal da dopamina. Além disso, a selegilina tem uma ação semelhante à da anfetamina, fazendo uma estimulação catecolaminérgica. A amantadina tem um mecanismo de ação não completamente esclarecido, mas parece que sua ação antagonista de receptores NMDA é importante para sua ação antiparkinsoniana. Agonistas dopaminérgicos Os agonistas dopaminérgicos (AD) exercem seu efeito através da estimulação dos receptores dopaminérgicos localizados no neurônio pós sináptico. Por terem essa ação direta sobre o receptor não necessitam ser metabolizados previamente para atuarem como a levodopa. Há fortes evidências de que a ativação do receptor do tipo D2 é crucial para o efeito motor dos AD, mas a estimulação simultânea D1 e D2 parece ser necessária para que produza efeitos ótimos do ponto de vista fisiológico e comportamental 4. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 194 Os AD administrados por via oral têm uma meia vida que varia de 6 a 96 horas dependendo da droga e, por terem uma meia vida mais longa que a levodopa, produzem uma estimulação mais fisiológica dos receptores dopaminérgicos do que esta. Há agonistas que podem ser administrados por via parenteral e estes costumam também ter uma meia vida curta, como a levodopa. A Tabela 1 mostra as duas classes de AD disponíveis atualmente para uso clínico na DP. Ergolínicos Não ergolínicos Bromocriptina Apomorfina Lisurida Pramipexol Pergolida Ropinirol Cabergolina Piribedil Tabela 1. Classes de agonistas dopaminérgicos. Agonistas ergolínicos São drogas derivadas dos alcalóides do ergot, tendo uma ação direta sobre os receptores dopaminérgicos. O primeiro dos AD utilizado na DP foi a bromocriptinsa em 19745. A bromocriptina tem uma ação agonista sobre receptores D1 e antagonista sobre receptores D1. Tem uma meia vida de 6 horas e é muito pouco tolerada se tentarmos iniciá-la em doses maiores. Temos que iniciar com 1,25 mg à noite ao deitar e fazer incrementos semanais de 1,25 mg até conseguirmos atingir a dose mínima efetiva que é de cerca de 7,5 mg ao dia. Normalmente, demora-se de 6 a 8 semanas para que se consiga atingir essa dose. São prescritas, de um modo geral, três tomadas diárias da medicação. Os principais efeitos colaterais são as náuseas, vômitos e hipotensão postural que podem ser percebidas logo na primeira tomada. Também podem ser observados sonolência, tontura e quadros alucinatórios e delirantes associados ao uso agudo. A partir de 7,5 mg ao dia é que se observa algum efeito antiparkinsoniano, embora em nossa experiência, a maior parte dos pacientes responde bem com doses entre 10 e 30 mg ao dia, podendo-se chegar a 60 mg ao dia. Na fase inicial de adaptação à bromocriptina, necessita- Neur ociências Neurociências se administrar o antagonista dopaminérgico periférico, domperidona para inibir os efeitos adversos. Na fase de uso crônico são descritos edema de extremidades e derrame pleural como efeitos diretamente relacionados. O segundo derivado ergolínico, a pergolida, surgiu nos anos 1980 e foi lançada com a vantagem de ter um perfil de tolerabilidade um pouco melhor do que o da bromocriptina6. Atua estimulando os receptores D1, D2 e D3, embora seja mais bem tolerada, também necessita de uma titulação da dose de forma lenta. A dose inicial é de 0,05 mg ao dia, com aumentos a cada 2 a 5 dias de 0,05 a 0,1 mg até atingir a dose de mínima de 0,25 mg três vezes ao dia. A partir dessa dose, faz-se incrementos semanais de 0,25 mg ao dia até que se obtenha o efeito desejado. Na média, há um efeito antiparkinsoniano satisfatório nas doses entre 1 e 3 mg ao dia, podendo-se chegar a 6 mg ao dia. Além dos efeitos adversos observados com a bromocriptina, recentemente foram descritas complicações relacionadas ao aparecimento de disfunções valvares cardíacas 7,8. A cabergolina é uma droga com uma boa ação dopaminérgica, com a vantagem de ter uma duração de efeito muito maior que os demais AD, pois tem uma meia vida entre 65 e 96 horas. Isso acaba permitindo que o paciente faça uma única tomada da medicação ao dia e permite que a estimulação dopaminérgica obtida seja mais próxima da fisiológica. O custo da medicação é elevado não sendo ainda acessível para a maioria das pessoas. Um bom efeito antiparkinsoniano é obtido com doses em torno de 2 mg ao dia. Os principais efeitos adversos são sedação, edema de extremidades e náuseas. Também já foram descritos casos de fibrose valvar cardíaca associados à cabergolina 7. A lisurida é um AD que pode ser administrado por via oral ou subcutânea, tendo um perfil farmacológico semelhante ao da pergolida, com suas vantagens e efeitos colaterais próprios da classe. Agonistas não ergolínicos Dentre os AD não ergolínicos, o mais antigo é a apomorfina, que vem sendo usada na Europa desde os anos 1950 para casos de intoxicação exógena por sua ação emética. No final dos anos 1960 sua ação AD foi ressaltada pelo mesmo grupo que fez os ensaios terapêuticos com a REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 195 levodopa 9. Entretanto, as dificuldades referentes à administração da substância pela via oral e a sua ação emética difícil de ser superada sem que houvesse piora dos sinais parkinsonianos, fez com que fosse colocada de lado até os anos 1980. Com o surgimento da domperidona, uma droga antagonista dopaminérgica periférica que impede os vômitos sem que haja uma piora motora, ressurgiu o interesse pela apomorfina na DP. A melhor ação antiparkinsoniana ocorre com a via subcutânea, na dose de 1 a 3 mg por aplicação. O efeito antiparkinsoniano ocorre entre 10 e 15 minutos depois da injeção e dura entre 40 e 60 minutos. Além de náuseas e vômitos aliviados pela domperidona, podem ocorrer bocejos, sonolência e confusão mental em alguns raros casos 10. A infusão contínua subcutânea por bomba de infusão tem sido demonstrada como uma arma eficaz no controle das flutuações motoras, pois consegue diminuir significativamente os períodos “off” dos pacientes em fase avançada 11 . A apomorfina não está disponível no Brasil, mas pode ser obtida a partir de importadores independentes. O piribedil é outro AD em uso desde o final dos anos 1970. Tem uma ação antiparkinsoniana discreta e é administrada por via oral nas doses 150 a 300 mg ao dia, dividida em 3 ou 4 tomadas. Atua sobre receptores D2 e D3 e sua maior limitação é a intensa ação nauseante e emética observada nos primeiros meses de uso. O uso da domperidona é praticamente obrigatório por 2 ou 3 meses de tratamento até que o paciente adaptese à droga. Alucinações, confusão mental e hipotensão arterial podem ser observadas em alguns pacientes. Tem a desvantagem de ter uma ação antiparkinsoniana discreta se comparada aos demais AD, mas a vantagem de ter um custo mais acessível. O pramipexol é um AD lançado comercialmente no final dos anos 1990 com ação essencialmente sobre receptores D2 e D3 e tendo um perfil de tolerabilidade muito superior aos ergolínicos, ao piribedil e à apomorfina 12. Tem uma potência farmacológica no mínimo igual a da bromocriptina e pergolida com a vantagem de ser bem tolerada e com um tempo de titulação não maior do que 3 semanas para se chegar à dose mínima efetiva. A meia vida plasmática é de 8 a 10 horas. Recomenda-se iniciar o pramipexol com doses de 0,125 mg, três vezes ao dia e dobrar a dose a cada 7 a 10 dias, até se atingir a dose mínima Neur ociências Neurociências efetiva, que é de 0,5 mg 3 vezes ao dia. A dose útil da medicação gira entre 1,5 mg a 4,5 mg ao dia, dependendo de cada paciente. Algum grau de intolerância gastrintestinal pode ocorrer nos primeiros dias de uso, mas quase nunca requer o uso de antieméticos ou de suspensão da droga. Sonolência excessiva ou ataques de sono incoercíveis são observados em alguns pacientes e requer observação cuidadosa ou mesmo suspensão da medicação. O ropinirol tem um perfil farmacológico semelhante ao do pramipexol sendo que a dose efetiva é de 8 a 18 mg ao dia, mas, como no caso do pramipexol, tem que se iniciar com doses baixas, escalando-a semanalmente até que se atinja o objetivo 13. O ropinirol não está ainda disponível nas farmácias brasileiras, embora possa ser adquirido através de importadores independentes. Uso de AD nas fases iniciais da DP Os AD mostraram-se eficazes para a melhora dos sintomas parkinsonianos desde o surgimento da bromocriptina. Um estudo de 1993, com 782 pacientes mostrou que a bromocriptina usada precocemente na DP tendo a levodopa associada mais tardiamente foi capaz de diminuir a freqüência das oscilações motoras relacionadas à levodopa se comparada ao grupo que recebe levodopa logo no início da DP 14. Com o surgimento dos novos AD não ergolínicos, especialmente o ropinirol e o pramipexol, com um perfil de tolerabilidade superior aos outros AD, aumentou-se a experiência com o uso dessas drogas nas fases oligossintomáticas da doença. A despeito de serem eficazes nenhum dos AD é tão potente quanto à levodopa no controle dos sintomas parkinsonianos12,13,15,16. Já foi demonstrado que a monoterapia com AD pode ser mantida por um longo período de tempo. Um estudo com ropinirol demonstrou que 50% dos pacientes conseguem manter-se em monoterapia por até três anos e 30% por 5 anos13. Resultados similares são encontrados com o pramipexol. O pramipexol em monoterapia ou associado a levodopa, em um estudo de dois anos, mostrou uma freqüência de complicações de longo prazo do tratamento da DP, como flutuações motoras e discinesias, da ordem de 28%, contra 51% dos pacientes em uso de levodopa isolada17. Após quatro anos de uso contínuo a freqüência de discinesia é de 24,5% para quem recebeu REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 196 pramipexol como tratamento inicial e de 54% para quem recebeu levodopa. Neste mesmo período de tempo o desenvolvimento de encurtamento do tempo de efeito da levodopa (“wearing off”) ocorreu em 47% dos pacientes que iniciaram o tratamento com pramipexol e só depois tiveram a adição da levodopa ao tratamento contra 63% dos pacientes que já começaram o tratamento com a levodopa18. Uso dos AD na fase avançada da DP Os AD são drogas úteis no controle dos sintomas da fase avançada. Nos pacientes em uso de levodopa que desenvolvem flutuações motoras, como as oscilações em “on-off” e as discinesias costumam melhorar muito quando se adiciona o AD ao tratamento. A adição do AD permite que haja uma redução nas doses da levodopa sem que haja uma piora do desempenho motor. Este efeito positivo sobre as complicações de longo prazo da levodopa também parece ser exercido pela meia vida maior dos AD quando comparada à da levodopa. Qualquer um dos AD pode desempenhar este papel. Há estudos convincentes com a apomorfina por bomba de infusão contínua subcutânea na redução de períodos “off ”, nas flutuações randômicas do desempenho motor e nas discinesias19. A bromocriptina é o AD há mais tempo em uso e há uma experiência significativa com a droga na fase avançada da DP 20 . Entretanto, nos últimos anos, o uso do pramipexol vem superando de longe a bromocriptina devida à grande facilidade de uso e à menor incidência de efeitos colaterais. Um dos poucos estudos comparativos entre os AD revelou que tanto o pramipexol (na dose de 4,5 mg ao dia) quanto a bromocriptina (na dose de 30 mg ao dia) são eficazes no controle das complicações, com uma tendência de vantagem para o pramipexol 21. Ação neuroprotetora dos AD Há estudos com PET scan utilizando fluorodopa ou com SPECT com radioligantes nos transportadores da dopamina do neurônio pré-sináptico que conseguem mensurar a perda neuronal no estriado do parkinsoniano. Um estudo comparando a perda neuronal nos pacientes com DP mostrou que, em 34 meses de acompanhamento com SPECT usando beta-CIT (um radioligante da proteína transportadora da dopamina), os pacientes usando levodopa têm um Neur ociências Neurociências ritmo de perda neuronal de 19,6% contra 10,9% nos usando pramipexol22. A comparação da perda neuronal com levodopa e ropinirol foi feita utilizando-se o PET scan com fluorodopa. A perda neuronal comparando-se o exame do início do tratamento como de 24 meses depois mostrou que a perda neuronal foi de 20% no grupo que recebeu levodopa e de 13% no grupo que recebeu ropinirol 23. A relevância clínica desses achados ainda não está muito clara. De qualquer modo, há evidências de que o pramipexol e o ropinirol têm algum efeito poupador de neurônios. Há diversos mecanismos que poderíamos explicar esse suposto efeito neuroprotetor. Um deles é pelo efeito poupador de levodopa, ou seja, seria uma neuroproteção indireta já que nesta hipótese a levodopa seria tóxica. Esta hipótese é difícil de se sustentar, pois há fortes evidências que a levodopa não seja tóxica. Outra possibilidade é a de que o AD estimularia os receptores pré-sinápticos, reduzindo a síntese de dopamina, portanto diminuindo o metabolismo neuronal e a formação de radicais livres. Por último, há uma possibilidade que ocorra uma ativação de receptores com efeitos antiapoptóticos. 197 Papel dos AD na doença de Parkinson Os AD são drogas que podem ser utilizadas em qualquer fase da DP. Na experiência clínica do serviço de Distúrbios do Movimento da Disciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo, os AD são utilizados, quando possível, na fase inicial da DP, se os sintomas não são altamente incapacitantes e se o paciente tem abaixo de 70 anos de idade. Nos pacientes muito pouco sintomáticos, optamos por utilizar selegilina, amantadina ou anticolinérgicos. Nos pacientes com um alto grau de incapacitação ou se têm sintomas não tão incapacitantes, mas têm acima de 70 anos, damos preferência para a utilização da levodopa logo de início. Na fase avançada da DP, quando ocorrem encurtamento do efeito (“wearing-off”), flutuações motoras (“on-off”) e discinesias, os AD são indicados em associação à levodopa, por permitirem uma redução da doses dessa última, diminuindo as complicações. Nas fases muito avançadas, quase sempre utilizamos a combinação de levodopa, AD, inibidor da COMT e amantadina e, mesmo assim, nem sempre obtemos um sucesso terapêutico completo. 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A diversidade deste perfil dos agonistas GABA-A proporciona uma grande flexibilidade de escolha e de administração para o tratamento sintomático das insônias. Contudo, ainda não está claro se a eficácia e segurança desta classe de medicamento e de outros agonistas do receptor GABA benzodiazepínico persiste com o uso crônico. Unitermos: Hipnóticos, Distúrbios do Sono, Psicofarmacologia SUMMARY This update reviews recent developments in the mechanisms of action, therapeutics and side effects profile of the GABA-A agonists and it also introduces three new hypnotic drugs used for the symptomatic treatment of different types of insomnia’s. All GABA-A agonists depending on their pharmacokinetic profile improve and maintain sleep of insomniac individuals. The diversity of the pharmacokinetic profile of the BZDs and new drugs adds to the flexibility for the symptomatic treatment of the insomnia. The important remaining question is whether, and how, the efficacy and safety of the GABA agonists change with chronic use. Keywords: Hypnotics, Sleep Disorders, Psychopharmacology. INTRODUÇÃO Desde de 1955 quando o primeiro benzodiazepínico, o clordiazepóxido foi desenvolvido e lançado comercialmente, os benzodiazepínicos continuam sendo largamente prescritos como ansiolíticos, hipnóticos, relaxantes musculares e antiepilépticos1,2. A ausência de efeitos tóxicos agudos combinada com eficiência e segurança terapêutica, apesar do potencial para tolerância e dependência, torna esta classe de medicamentos útil e seguros no tratamento de diferentes transtornos1,2. O objetivo desta revisão é fornecer uma atualização sobre novos agentes para o tratamento das insônias. Trabalho realizado :Centro Interdepartamental para Estudos do Sono do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (CIES HC-FMUSP). 1- Médico Psiquiatra. Pós-graduando do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e colaborador do Centro Interdepartamental para Estudos do Sono do HC-FMUSP. 2- Médico assistente do Centro Interdepartamental para Estudos do Sono do HC-FMUSP. 3- Médica neurologista colaboradora da Divisão de Clínica Neurológica do HC-FMUSP. Endereço para correspondência: Flávio Alóe Rua Bergamota 326 172 - São Paulo, SP - CEP 05468-000 - Tel: 011 30710972 e mail mailto:[email protected] Trabalho recebido em 27/08/04. Aprovado em 04/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências Mecanismos de ação dos hipnóticos O ácido gama amino-butírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central3. O receptor GABA é o complexo molecular receptor-benzodiazepínico-ácido gamaaminobutírico do tipo A ou GABA-A, sendo que este receptor contém uma região específica de ligação para os benzodiazepínicos (BZDs) e para outras moléculas como os barbitúricos e álcool (figura 1). A ligação do GABA e de seus agonistas ao receptor GABA-A produz uma modificação estrutural com abertura dos canais de cloro aumentando o influxo celular deste íon gerando uma inibição sináptica rápida e hiperpolarização de membrana celular3. 199 comum aos BZDs, como prejuízo sobre a memória e habilidades psicomotoras, insônia rebote e sintomas de abstinência (baixo potencial de dependência e tolerância), são menos freqüentes nestas drogas. Por outro lado, os hipnóticos nãobenzodiazepínicos não possuem ação ansiolítica ou miorelaxante 8,9. Estes agentes hipnóticos específicos atuam preferencialmente sobre subreceptores GABA ômega 1 9. Efeitos Alfa 1 Alfa 2, 3 e 5 sedação + - Amnésia + + Antiepiléptico + + Ansiolítico - + Relaxamento muscular - + Coordenação motora - + Potencialização ao etanol - + Tabela 1. Sub-receptores alfa do GABA-A e efeitos farmacológicos Figura 1 . Modelo de funcionamento do complexo macromolecular do receptor BDZ/GABA-A O sítio de ligação dos BDZs, do GAB-A e o inonóforo de cloro Existem dois tipos de sub-receptores que fazem parte do complexo GABA-A, o subreceptor ômega tipo 1, relacionado com efeitos hipnóticos e cognitivos e o subreceptor ômega tipo 2, relacionado com cognição, psicomotricidade, efeitos ansiolíticos, limiar convulsivo, depressão respiratória, relaxamento muscular e potencializarão dos efeitos do etanol. Drogas agonistas GABA-A ômega 1 e 2 exercem efeitos farmacológicos ansiolíticos, antiepilépticos, relaxante muscular e hipnóticos. Agonistas seletivos GABA-A ômega 1 exerceriam um efeito hipnótico seletivo e efeitos cognitivos negativos. Os benzodiazepínicos e barbitúricos ligam-se inespecificamente nas subunidades ômega 1 e 2 do GABA-A4. O desenvolvimento de agonistas específicos destas subunidades poderia resultar em compostos com efeitos farmacológicos hipnóticos dissociados de efeitos indesejáveis, minimizando o potencial de tolerância, abuso, dependência e abstinência – (Tabela 1) 5-7. Contudo, existem outros agentes indutores do sono nãobenzodiazepínicos específicos como zaleplon, zolpidem que apresentam eficácia hipnótica similar aos benzodiazepínicos com menor potencial de efeitos colaterais8. Alguns efeitos colaterais em REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Além da especificidade por determinados subreceptores, agentes agonistas GABA-A podem agir especificamente em determinados sítios anatômicos relacionados com os mecanismos do sono produzindo maior especificidade hipnótica e menor potencial de efeitos colaterais 7,10 . A descoberta em 1998 dos peptídeos hipotalâmicos hipocretinas e seu papel no ciclo vigília-sono e na fisiopatologia da narcolepsia, dimensionou o hipotálamo como estrutura responsável pelo controle do ciclo sono-vigília7,10. A regulação do sono era anteriormente atribuída apenas a estruturas localizadas no tronco cerebral e tálamo. Atualmente atribui-se aos sistemas hipotalâmicos e suas respectivas interações funcionais com o sistema de controle temporizador circadiano o controle do ciclo sono-vigília7,10. CONTROLE HIPOTALÂMICO DO CICLO SONOVIGÍLIA Núcleo pré-óptico ventro-lateral (VLPO) do hipotálamo anterior A região hipotalâmica pré-óptica ventro-lateral (VLPO) contém uma alta concentração de neurônios inibitórios gabaérgicos e gabaminérgicos, sendo um local de ação dos agonistas receptores GABA-A10. As células desta região hipotalâmicas anterior (VLPO) apresentam um Neur ociências Neurociências padrão de atividade específico com o máximo de atividade elétrica durante o sono NREM e praticamente silentes durante a vigília10. O VLPO faz sinapses inibitórias de alta densidade nos núcleos excitatórios histaminérgicos do hipotálamo posterior, serotoninérgicos dorsal da rafe, noradrenérgicos do locus ceruleus, colinérgicos do ponte e prosencéfalo basal e com as células hipocretinérgicas do hipotálamo lateral7,10. Esses sistemas são parte do sistema reticular ascendente e responsáveis pela dessincronzação do EEG e pelo estado vigília cognitiva 7,10 . Drogas com especificidade GABAérgica pelo VLPO ou antihistamínicos atuando no hipotálamo posterior são potenciais candidatos a indutores do sono 10,11. Núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo anterior Os núcleos supraquiasmáticos (NSQ) são estruturas anatômicas localizadas bilateralmente acima do quiasma óptico no hipotálamo anterior. Os NSQ representam o relógio biológico mestre e são responsáveis pela organização cíclica e temporal do organismo e do ciclo sono-vigília12. As células do NSQ transmitem a informação rítmica foto-sincronizada para outros núcleos hipotalâmicos adjacentes que são responsáveis pela periodicidade de diferentes variáveis fisiológicas e comportamentais como, por exemplo, secreção de hormônios, variações da temperatura, alimentação, ciclo sono e vigília e secreção de melatonina12. A melatonina é um neuro-hormônio secretado pela glândula pineal responsável pela transmissão do sinal dos NSQ para outros órgãos à distância13. Existem receptores específicos para melatonina (ML-1 e ML-2) nas próprias células do NSQ que exercem efeitos na atividade rítmica das células do NSQ e conseqüentemente no ciclo sonovigília14. HIPNÓTICOS DISPONÍVEIS Hipnóticos não-benzodiazepínicos agonistas ômega-1 Zolpidem É um agonista seletivo do receptor ômega 1 de início de ação e meia vida curta (Tabela 2) que produz alterações mínimas na arquitetura do sono REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 200 em pessoas normais, mantendo as porcentagens de estágio 2, sono delta e do sono REM e normaliza o sono em pacientes insones com alterações da arquitetura do sono15. Os efeitos indesejáveis do zolpidem são sonolência no dia seguinte, fadiga, irritabilidade, cefaléia e amnésia no dia seguinte. Estes efeitos são geralmente discretos e relacionam-se com a dose e a susceptibilidade de cada paciente, ocorrendo nas horas seguintes à administração do zolpidem, caso o paciente não vá para a cama e adormeça imediatamente. O efeito clínico hipnótico do zolpidem dura geralmente por até 6 meses15. O zolpidem nas doses de 5 a 10 mg à noite por até 28 dias seguidos, não altera significativamente os resultados dos testes neuropsicológicos de alerta, concentração, memória e coordenação motora em populações de pacientes com insônia, voluntários normais jovens e idosos16. Zaleplon Agonista seletivo ômega 1 de baixa afinidade de início de ação e meia vida curta, não produz tolerância ou dependência e os efeitos hipnóticos persistem por até cinco semanas. O zaleplon não altera a arquitetura do sono, mas não diminui o número total de despertares durante a noite e não aumenta o tempo total de sono. Não há sintomas clínicos de síndrome de abstinência e de insôniarebote na sua retirada15. Nas doses de 10 mg à noite não há alteração em testes neuropsicológicos de alerta, concentração, memória e na coordenação em pacientes com insônia, voluntários normais jovens e idosos. O zaleplon não produz efeito residual em testes de memória e psicomotores após quatro horas depois da ingesta. Portanto pode ser usado até quatro horas antes do horário de levantar ou seja ser usado no meio da noite em casos de insônia terminal17. HIPNÓTICO NÃO-BENZODIAZEPÍNICOS AGONISTAS ÔMEGA-1 E ÔMEGA-2 Zopiclona A zopiclona é agonista não seletivo do receptor ômega 1 e ômega 2 produzindo uma redução do número e a duração dos despertares, latência e aumenta o tempo total de sono 15. Os efeitos indesejáveis são sonolência, fadiga, irritabilidade, Neur ociências Neurociências Medicação 201 Grupo Meia vida Tempo para ação Dose adultos farmacológico Metabólitos ativos zolpidem* imidazopiridina 1,5 - 2,5 horas 20 - 30 minutos 5 - 10 mg não zaleplon* pirazoloprimidina 1,5 - 3 horas 20 - 30 minutos 10 - 20 mg não zopiclone* ciclopirrolona 4 - 6 horas 20 - 30 minutos 3,75 – 7,5 mg sim eszopiclone* ciclopirrolona 1 - 5 horas 20 - 30 minutos 3,75 – 7,5 mg sim triazolam† BZD 0.5 - 2 horas 20 - 30 minutos 0.25 - 0.5 mg não midazolam† BZD 1,5 - 2,5 horas 30 - 90 minutos 7,5 - 15 mg sim estazolam† BZD 10 - 24 horas 15 - 30 minutos 1 - 2 mg não flunitrazepam† BZD 10 - 20 horas 20 - 30 minutos 0.5 - 1.0 mg sim flurazepam BZD 70-10 horas 15 – 30 minutos 7,5 – 15 mg não diazepam† BZD 20 - 40 horas 20 - 30 minutos 5 - 10 mg sim temazepam† BZD 10 - 24 horas 60 - 120 minutos 15 - 30 mg não lormetazepam† BZD 8 - 24 horas 30 - 60 minutos 1 - 4 mg não oxazepam† BZD 3 - 6 horas 30 - 60 minutos 15 - 30 mg não quazepam† BZD 15 - 40 horas 25 - 45 minutos 7,5 - 15 mg sim nitrazepam† BZD 25-35 horas 20 - 40 minutos 5 - 10 mg sim alprazolam† BZD 6 - 20 horas 20 - 40 minutos 0.25 - 3 mg sim bromazepam† BZD 10 - 12 horas 30 - 40 minutos 3 - 6 mg sim cloxazolam† BZD 18 - 20 horas 20 - 30 minutos 18 - 20 mg sim clonazepam† BZD 20 - 60 horas 20 - 30 minutos 0.5 - 2 mg sim Tabela 2 - Agentes hipnóticos benzodiazepínicos† e nâo-benzodiazepínicos* cefaléia e amnésia e pode causas tolerância e dependência. Ao contrário do zaleplon e em menor grau zolpidem, a zopiclona que tem uma meia vida mais longa, causa efeitos cognitivos no dia seguinte relacionados com a dose15. NOVOS AGENTES HIPNÓTICOS Indiplon O indiplon é um sedativo-hipnótico nãobenzodiazepínico não-ansiolítico, semelhante ao zaleplon e ao zolpidem. É um agonista de alta afinidade atuando na sub-unidade omega-1 do receptor GABA-A 18. É rapidamente absorvido atingindo níveis terapêuticos em 30 minutos e REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 apresenta uma meia-vida de aproximadamente uma hora e trinta minutos. O indiplon é apresentado sob uma formulação de liberação controlada que promove níveis terapêuticos do composto por 6 a 7 horas (útil para insônia de manutenção) e a formulação de liberação imediata é útil para insônia inicial ou ingesta ao despertar no meio da noite como por exemplo o zaleplon19. O uso do indiplon promove redução da latência do sono e dos despertares após início do sono, além de não apresentar efeitos residuais diurnos19-22. É uma medicação cujo metabolismo hepático não é afetada pelo uso de etílicos (24). Além disso, não há diferença na metabolização entre indivíduos jovens e idosos, tornando-o uma opção terapêutica para indivíduos idosos portadores de Neur ociências Neurociências insônia crônica 23. O indiplon diferencia-se dos benzodiazepínicos também pela aparente ausência de tolerância e não é degradado em metabólicos farmacologicamente ativos21,24. As doses usuais são de 15 e 30mg/dia e será comercializado em duas formas, uma de liberação imediata e outra de liberação mais lenta21,23. TAK-375 O TAK-375 é um agonista receptor ML1 (melatonina) seletivo em fase de desenvolvimento. Está sendo avaliado para o tratamento de insônia e transtornos dos ritmos circadianos do sono25-26. A seletividade do TAK-375 pelos receptores ML1 resulta em efeito hipnótico produzindo sono fisiológico, com poucos efeitos colaterais27. O TAK375 não causa comprometimento da memória, alterações motoras ou potencial de abuso28. Um estudo comparando os efeitos do TAK-375, melatonina exógena e zolpidem sobre o sono de macacos, revelou que TAK-375 promoveu uma redução da latência do sono sem promover sedação residual diurna29. Estudos em voluntários demonstrou que não há diferenças significativas nas medidas de avaliação de sedação (observadas ou referidas), entre jovens de ambos os sexos e idosos do sexo masculino, após o uso de TAK-375 30 . Contudo, indivíduos idosos apresentam aumento da meia-vida do TAK-375 31. Em estudo randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, a eficácia e segurança do TAK-375 para tratamento de insônia foi avaliada. Resultados mostraram que a medicação promoveu uma redução na latência do sono32,33. Os principais efeitos colaterais relatados nos estudos são cefaléia, sonolência diurna, fadiga e náusea 33. As doses terapêuticas pesquisadas encontram-se entre 4 e 64 mg/dia, sendo que a dose eficaz na redução da latência do sono encontra-se acima de 16 mg/dia quando comparada ao placebo e quanto maior a dose utilizada, maior será a presença de efeitos residuais diurnos33. Eszopiclona O eszopiclone é um hipnótico nãobenzodiazepínico, reconhecido como o isômero (S) do zopiclone racêmico (S-zopiclone), sendo um agonista atuando na sub-unidade omega-1 e omega-2 do receptor GABA-A 34. Eszopiclona é rapidamente absorvido e atinge o pico de REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 202 concentração em cerca de 1 hora após administração da dose. Seu tempo de meia vida é de aproximadamente 5 a 7 horas34 . A dose terapêutica seria entre 2 e 3 mg35. A possibilidade do eszopiclone produzir os dois aspectos da eficácia hipnótica (indução e manutenção do sono) é particularmente importante para a insônia crônica, uma vez que o tipo de queixa da insônia freqüentemente muda com o passar do tempo. Portanto, demonstra eficácia com baixo risco de tolerância e manutenção de seus efeitos terapêuticos a longo prazo34. Estudos demonstram que o tratamento prolongado com eszopiclone está associado com manutenção de diversos índices subjetivos da qualidade e continuidade do sono, sem evidência de tolerância ou sintomas de abstinência mesmo em subgrupos diferentes de pacientes36,37. Em pacientes idosos com insônia crônica, o uso do eszopiclone promove resultados consistentes de melhora das medidas globais de sono, com pouco interferência no estado de vigília diurna38,39. O indiplon, o TAK-375 e o eszopiclone não estão comercialmente disponíveis no Brasil. Tiagabina A tiagabina é uma droga antiepiléptica com efeitos hipnóticos que age pela inibição seletiva da recaptura do GABA através do bloqueio da enzima transportadora GAT-1 (gama-amino transferase) e portanto produz um aumento da disponibilidade do GABA extracelular 40,41 . Apresenta rápida absorção, com pico plasmático máximo em cerca de 45 minutos e tempo de meiavida de 7 a 9 horas e indivíduos sem indução hepática 40,41. Estudos demonstraram que em pacientes idosos, a tiagabina apresenta efeitos consolidadores do sono. Em doses baixas como 2 mg, a tiagabina não promoveu mudanças na arquitetura do sono, contudo em doses de 4mg, já é possível observar um efeito positivo, semelhante à dose de 8 mg41. Em doses de 8 e 12 mg, tiagabina promoveu uma redução dos despertares após o início do sono e um aumento dos estágios 3 e 4 do sono. Estas doses foram bem toleradas e não promoveram efeitos residuais objetivos40. Contudo, doses iguais ou inferiores a 8mg da tiagabina parecem ser mais seguras em pacientes idosos41. Além disso, a utilização da tiagabina como potencial agente indutor do sono necessita de maiores investigações. Neur ociências Neurociências Efeitos dos hipnóticos sobre o sono Os hipnóticos benzodiazepínicos e principalmente os hipnóticos não-BZDs tendem a normalizar a arquitetura anormal do sono de pacientes com insônia, produzindo uma diminuição do número e duração dos despertares, redução do estágio 1, diminuição da latência de estágio 2 (NREM), aumento do tempo de sono delta e sono REM e aumento do tempo total de sono as custas do aumento do tempo de estágio II do sono NREM 15. Os zolpidem e o zaleplon causam poucos efeitos na arquitetura do sono em voluntários normais enquanto os BZDs produzem uma redução do sono delta e sono REM as custas do aumento dos sono NREM estágio II (em voluntários)15. O EEG de sono em voluntários normais e insones sob a ação de BZDs apresenta um aumento dos ritmos rápidos e dos fusos do sono42. A melhora das medidas polissonográficas produzem no portador de insônia a percepção subjetiva de melhora da continuidade, qualidade e quantidade do sono e bem estar diurno15,43. HIPNÓTICOS NO TRATAMENTO DAS INSÔNIAS Insônia transitória ou aguda Os hipnóticos têm como objetivo aliviar os sintomas da insônia aguda e melhorar o desempenho diurno e prevenir que se cronifique44. O uso deve ser por período limitado de 3 dias até 4 semanas. Os hipnóticos de meia vida curta são indicados para insônia inicial, enquanto que os de meia vida intermediária e longa devem ser usados para insônias de manutenção ou terminal. A insônia transitória por mudança de ambiente de sono responde muito bem a hipnóticos de meia vida curta em doses baixas por poucos dias45. Insônia do trabalhador em turnos Os benzodiazepínicos devem ser usados em conjuntos com as medidas de higiene de sono e ajuste dos horários de sono e vigília no intuito de adaptar o ciclo vigília-sono do trabalhador. Medicação pode ser indicada na fase inicial mais crítica ou uso intermitente para casos de sintomas que não são contínuos46. Insônia por mudança de fuso horário A duração e intensidade dos sintomas da insônia por mudança de fuso horário são REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 203 dependentes do tipo de viagem, incluindo o tempo, o motivo e direção geográfica da mesma (mais intensas no sentido do oeste para leste do que leste para oeste ou norte-sul). Além disso, a idade, sexo, uso de álcool e condições médicas prévias do passageiro também influenciam. Um benzodiazepínico de meia vida curta pode ser usado durante a viagem prevenindo letargia, indisposição e cansaço e ajudando na adaptação mais rápida do passageiro aos novos horários de sono46. É importante lembrar que se deve usar um hipnótico de meia vida curta para se evitar efeitos colaterais cognitivos (amnésia ante-rógrada), efeitos que podem ser complicadores no local e horário de destino. A associação de álcool e hipnótico pode trazer efeitos desastrosos e deve ser evitada. O uso do hipnótico de meia vida curta por duas a três noites respeitando os horários correntes na localidade de destino auxilia a adaptação aos novos horários. Insônia psicofisiológica A insônia psicofisiológica ou insônia primária é uma insônia causada por estresse e hábitos incompatíveis com sono e não relacionadas etiologicamente a transtornos afetivos ou ansiosos e com causa médicas 47 . Os hipnóticos benzodiazepínicos possuem um importante papel no tratamento da insônia psicofisiológica reduzindo os fatores de ansiedade relacionados com o ato de dormir e induzindo ao sono43,48. Por outro lado, o zolpidem também tem bons resultados em casos onde não há o componente de ansiedade présono de intensidade, mas é a primeira escolha em casos de insônia psicofisiológica sem ansiedade pré-sono por ser igualmente eficiente causando menos tolerância e dependência que os BZDs48. Hipnóticos de meia vida curta são indicados para pacientes com dificuldade para iniciar o sono causando menos efeitos residuais no dia seguinte. Benzodiazepínicos de meia vida intermediária podem ser indicados em casos onde há indícios de ansiedade e tensão durante o dia 43,48. A farmacoterapia deve realizada por curtos períodos, sempre associada a outras terapias além da medicamentosa. Alternativa-mente, o uso intermitente de medicação hipnótica como por exemplo o zolpidem, reduz mais ainda os riscos de dependência e tolerância sem prejuízos importantes da eficiência do tratamento farmacológico15. Neur ociências Neurociências Insônia por transtorno de ansiedade generalizada Os efeitos hipnótico e ansiolítico dos benzodiazepínicos de meia vida intermediária ou longa são úteis para controlar a ansiedade, principal componente deste tipo de insônia. A ação imediata do fármaco reduz a ansiedade do início da noite, que somado ao efeito residual será benéfico para a ansiedade diurna43,49. Insônia por transtornos do humor A insônia inicial ou terminal (despertar precoce) pode ser um sintoma inicial ou até principal de um quadro depressivo melancólico47. Por outro lado, pacientes com transtornos do humor em fase de remissão ou controle podem apresentar insônia crônica48. Hipnóticos não-benzodiazepínicos ou hipnóticos benzodiaze-pínicos ansiolíticos associados à medicação antidepressiva podem ser indicados no tratamento dos sintomas de insônia melhorando os índices de qualidade de vida e aderência ao tratamento da depressão48. A escolha de um agente com maior grau de ação de atividade ansiolítica se faz em função da presença de sintomas de ansiedade48. Insônia é um marcador importante de co-morbidade em transtornos do humor, podendo preceder ou persistir após a remissão do quadro afetivo e o uso crônico de hipnóticos pode ser necessário do ponto de vista clínico48. Fibromialgia e Síndrome da Fadiga Crônica Os benzodiazepínicos são indicados como ansiolíticos, hipnóticos e relaxantes musculares. O uso de benzodiazepínicos está indicado quando houver necessidade de controlar a ansiedade e como coadjuvante para melhorar os sintomas de sono e relaxamento muscular50. Insônia relacionada ao Distúrbio dos Movimentos Periódicos dos Membros (DMPM) e Síndrome das Pernas Inquietas As principais classes de drogas usadas no DMPM são os agentes dopaminérgicos, benzodiazepínicos, opióides e antiepilépticos51. Os benzodiazepínicos reduzem os despertares que ocorrem associados aos DMPM, melhorando a eficiência do sono. Clonazepam é o benzodiazepínico mais indicado; as doses usadas não superam 2 mg ao dia, administrados no período noturno52. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 204 Insônia e doenças neurodegenerativas A doença de Alzheimer e outras demências associam-se freqüentemente com alterações importantes do sono como, por exemplo sono fragmentado e despertares noturnos, podem se beneficiar de doses baixas de hipnóticos de meia vida curta ou intermediária53. Contudo, deve-se levar em consideração os efeitos amnésticos e deletérios na coordenação motora destes pacientes além da maior taxa de prevalência de distúrbios respiratórios do sono nessa população53. Outras doenças neurodegenerativas com sintomas de demência como por exemplo a síndrome de Parkinson que apresenta uma alta prevalência de queixas de insônia e sonolência excessiva diurna pode representar uma indicação para uso crônico de hipnóticos54. Nesse sentido, o zolpidem é uma agente mais seguro para essa população de pacientes15. Insônia e bruxismo durante o sono Ranger de dentes exclusivamente durante o sono pode estar associado a sintomas de ansiedade. Os benzodiazepínicos podem ser usados para alívio destes sintomas, eliminação dos despertares e como relaxantes musculares55. Epilepsia Pacientes com epilepsia com queixas de sono leve, não reparador e despertares, podem se beneficiar de uso de um hipnótico benzodiazepínico ou não benzodiazepínico56. A administração de um benzodiazepínico de meia vida intermediária, por exemplo, elimina os sintomas de sono fragmentado, não reparador, e aumenta o limiar convulsivo durante o sono e durante a vigília56. Critérios para indicação dos hipnóticos A escolha do hipnótico deve ser feita em função da idade, sexo, etiologia da insônia e tipo clínico da insônia do paciente (inicial, intermediária ou terminal), tempo de duração do quadro clínico, história de tratamentos prévios e presença de sintomas de ansiedade durante o dia e história de dependência e abuso de drogas ou medicações2. Hipnóticos de meia vida curta (até 4 horas) e de inicio de ação rápida são usados para insônia inicial e causam menos efeitos residuais no dia seguinte para pacientes sem sintomas de Neur ociências Neurociências 205 ansiedade 42 . Portanto as diferenças farmacocinéticas de cada tipo de hipnótico produzem efeitos clínicos diferentes ou efeitos colaterais indesejáveis (Tabela 3). Efeitos Alfa 1 Alfa 2, 3 e 5 sedação + - Amnésia + + Antiepiléptico + + Ansiolítico - + Relaxamento muscular - + Coordenação motora - + Potencialização ao etanol - + acordar durante o efeito farmacológico do medicamento não devem usar medicação as custas de riscos57. Amnésia anterógrada Lapsos de memória podem ocorrer com qualquer hipnótico benzodiazepínico ou não benzodiazepínico. Quanto maior a dose plasmática da droga, maior a probabilidade de ocorrer amnésia. Quanto mais próximo do pico plasmático, maior a probabilidade de amnésia anterógrada. O paciente não consegue reter novas informações depois de instalado o quadro. Portanto, as pessoas que precisem acordar no meio da noite para realizar alguma tarefa (cuidar de enfermos, atender telefonemas, conduzir veículo, etc..) não devem usar hipnóticos57. Tabela 3. Sub-receptores alfa do GABA-A e efeitos farmacológicos O uso crônico de hipnóticos no tratamento das insônias é controverso e não há muitos estudos de longo prazo comprovando a eficiência perante seu potencial de tolerância15. Alternativamente para uso contínuo e prolongado, pode se fazer uso de forma intermitente (noites alternadas ou 4 a 5 noites por semana), minimizando a exposição e reduzindo os riscos de tolerância e dependência15. Efeitos adversos dos hipnóticos Os efeitos colaterais cognitivos mais comuns com os hipnóticos são sedação, sonolência, déficits cognitivos e sintomas motores. Os sintomas motores incluem alterações de coordenação motora, afasia, riscos de quedas, fraturas em idosos e acidentes. Em casos raros, efeitos paradoxais como insônia, agitação2. Os fatores que determinam efeitos residuais são meiavida longa, metabólicos ativos, doses repetidas, idade do paciente e doenças prévias57. Efeito residual Persistência dos efeitos sedativos no dia seguinte após uso do medicamento é relacionada com a duração da meia vida da droga, tempo de uso da droga (acúmulo) e metabolismo do paciente. Uma meia-vida longa e doses altas produzem efeitos residuais mais intensos57. Todos os benzodiazepínicos, zolpidem, zaleplon e a zopiclone-eszopiclona causam potencialmente alterações cognitivas e psicomotoras durante o período de tempo da ação farmacológica e portanto as pessoas que eventualmente precisem REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Insônia rebote Insônia rebote é a intensificação dos sintomas de insônia para pior do que antes do início do uso da medicação. Pode ser clinicamente muito difícil para o clínico diferenciar se os sintomas que o paciente está apresentando são decorrentes de rebote (com piora) ou a recorrência dos sintomas (sem piora) que desencadearam o início do tratamento. Insônia rebote pode estar acompanhada de ansiedade rebote também mas necessariamente não há sintomas autonômicos57. Suspensão de hipnóticos de meia vida curta ou intermediária usados por pacientes com sono anormal em doses altas por apenas alguns dias pode causar insônia rebote por uma ou duas noites. Não se trata de sintomas de abstinência devido ao desenvolvimento de dependência química porque a insônia rebote está relacionada exclusivamente com o uso agudo do medicamento e os sintomas são autolimitados. Doses altas, drogas de meia vida curta e pouco tempo de uso aumentam as chances de insônia rebote57. Tolerância e Dependência Tolerância ou taquifilaxia é definida como perda do efeito farmacológico em uma dose fixa do fármaco. Tolerância é uma reação homeostática esperada e caracterizada por uma redução do efeito farmacológico com uso continuado da medicação hipnótica ou ansiolítica 58 . O desenvolvimento de tolerância aos benzodiazepínicos não é sinônimo de alto risco de drogadição ou alto risco para abuso de benzodiazepínicos59. A tolerância se desenvolve mais precocemente Neur ociências Neurociências para efeitos colaterais, em segundo lugar para os efeitos hipnóticos e por último para os efeitos ansiolíticos e no contexto do tratamento de ansiedade com doses mais altas15. Aparentemente não há diferenças entre as drogas de meia vida mais curta ou meia-vida longa no processo de desenvolvimento de tolerância 60 . O uso de benzodiazepínicos por períodos menores do que de 4 semanas gera menores riscos de tolerância. É importante mencionar que aumento de doses com objetivo de combater a perda de efeitos causada pela tolerância ou para obter maior efeito terapêutico nem sempre produz o efeito desejado e causa mais efeitos colaterais15. Dependência bem como o fenômeno de tolerância, é uma resposta homeostática de adaptação para principalmente usuários crônicos de benzodiazepínicos. A dependência pode se desenvolver dentro de 2 a 20 semanas de acordo com da meia-vida do benzodiazepínico usado e a dose utilizada 59 . Desenvolvimento de dependência é mais provável com fármacos de meia vida mais curta e com agonistas omega-1 e omega-2 61. Por outro lado, a drogadição é um conjunto de comportamentos de busca pela droga com preocupações e estratégias com a aquisição, uso compulsivo da mesma apesar das conseqüências adversas do uso. Drogadição não ocorre em todos os usuários crônicos de benzodiazepínicos61. Zolpidem apresenta menor grau de potencial de desenvolvimento de tolerância e dependência do que os BZDs 15. Síndrome de abstinência Interrupção abrupta da droga pode resultar no desenvolvimento da síndrome de abstinência. Esta síndrome reflete uma alteração de comportamento com manifestações autonômicas e alterações psíquicas que ocorrem quando as concentrações do benzodiazepínicos diminuem em usuários crônicos. A síndrome de abstinência é autolimitada e deve incluir sintomas autonômicos como tremor, sudorese e sinais que não estavam presentes antes do uso da droga. Insônia e ansiedade rebote com maior intensidade comparativamente ao período pré-tratamento podem fazer parte da síndrome de abstinência59. Abuso O uso nocivo ou abuso de substâncias psicoativas referem-se a um padrão de consumo REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 206 que está associado a algum tipo de prejuízo biológico, psicológico ou social 15,62. Pacientes com história de abuso de substâncias químicas estão mais propensos a desenvolver uso abusivo com os hipnóticos benzodiazepínicos e nãobenzodiazepínicos. Por outro lado, pacientes sem história de abuso de substâncias químicas para os quais são prescritos benzodiazepínicos, não tendem a desenvolver padrões de uso de droga associados com o abuso. Ao contrário, estes pacientes tendem a usar menos medicação do que o prescrito e reduzem as doses de benzodiazepínicos com o tempo62. Contra-indicações para uso de hipnóticos Hipnóticos devem ser contra-indicados em pacientes com historia de abuso de álcool, abuso de substâncias, mulheres grávidas, doença pulmonar obstrutiva crônica, síndrome da apnéiahipopnéia obstrutiva do sono, miastenia gravis, porfiria e em pessoas com necessidade de operar máquinas perigosas ou veículos63. Uso crônico de hipnóticos benzodiaze-pínicos e não benzodiazepínicos Cerca de 2 a 10% dos pacientes com insônia fazem uso crônico de hipnóticos com uma média de uso de cinco anos15. O uso prolongado de hipnóticos é questionado por 3 razões principais: - Efeitos adversos a longo prazo, - O risco de abuso aumenta como tempo de uso, - Desenvolvimento de tolerância e dependência. Estudos epidemiológicos prospectivos demonstram que o uso de hipnóticos 30 dias por mês está associado com de risco aumentado de mortalidade incluindo as causas para as quais (comorbidades) o uso crônico de hipnóticos foi originalmente indicado15. Existem dois tipos de padrão de abuso de hipnóticos. Os portadores de insônia podem apresentar um perfil de abuso de hipnóticos para alívio de seus sintomas (padrão de abuso como tratamento) combinando diferentes hipnóticos e em menor grau com aumento de doses. O outro tipo de abuso é realizado por pacientes que buscam no abuso de hipnóticos outros efeitos que não relacionados diretamente com o alívio dos sintomas de insônia (padrão de abuso como droga). A Tabela 4 demonstra as principais diferenças entre os dois tipos de abuso15. Neur ociências Neurociências 207 Padrão de abuso como tratamento: - Medicação ainda é clinicamente eficiente para o paciente - Duração do uso e padrão de uso (i.é, uso noturno) é limitado ao contexto do tratamento - Uso em doses terapêuticas - Associação de mais de um agente hipnótico Padrão de abuso como droga: - Medicação é usada em detrimento de outras alternativas terapêuticas não farmacológicas - Duração do uso e padrão de uso (i.é,: uso diurno) não é limitado ao contexto de tratamento - Uso em doses acima das doses terapêuticas Tabela 4- Uso de hipnóticos. Estudos mostram que BZDs apresentam maior grau de desenvolvimento de padrão de abuso como tratamento do que o zolpidem e o zaleplon15. Tolerância ocorre com mais freqüência no contexto do tratamento de ansiedade com os benzodiazepínicos ansiolíticos. Acredita-se que tolerância para os efeitos hipnóticos é de menor grau do que para os efeitos ansiolíticos mas pode aparecer em alguns subgrupos de pacientes com insônia e para alguns tipos de parâmetros como latência de sono, tempo total de sono e ou percepção subjetiva qualidade do sono. Comparativamente, tolerância ocorre mais com os hipnóticos benzodiazepínicos sendo mínima para os novos hipnóticos não-benzodiazepínicos15. Em conclusão, os agonistas do receptor GABAA são os agentes mais eficientes e mais bem estudados no tratamento da insônia com demonstrada eficiência e segurança terapêutica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Oswald I. The why and how of hypnotic drugs. Br. Med. J 1979, 1:1167-1168. 2. Bernik MA. Benzodiazepínicos. EDUSP, 1999 16. DeClerck AC, Bisserbe JC. Short-term profile of zolpidem: objective measures of cognitive effects. European Psychiatry 1997, 12 (suppl 1):15S-20S. 3. Meldelson WB. 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SUMMARY Patent foramen ovale (PFO) occur in 10 to 15% in population. Recently PFO have been found in 45% of patients with cryptogenic stroke and in 23% of patients with atherosclerosis of large vessels. The exact mechanism of association of PFO and stroke is not established. The treatment of stroke and PFO may be clinical, or surgical. Recently percutaneous closure of PFO has been proposed. KEYWORDS: Patent foramen ovale, Stroke INTRODUÇÃO CONCEITO Há mais de um século forame oval patente (FOP) tem sido relacionado a acidente vascular cerebral (AVC), porém somente há algumas décadas seu diagnóstico tem sido feito de maneira não invasiva pelo ecocardiograma, especialmente transesofágico. Apresentamos alguns aspectos de atualização sobre diagnóstico e abordagens terapêuticas. FOP é um forame posicionado caudalmente no septo secundum e cranialmente no septo primum, formando uma válvula que abre com a pressão do átrio direito (AD). Após o nascimento, a pressão do átrio esquerdo (AE) eleva-se além da pressão do AD e mantém a válvula fechada. Na maioria das pessoas o septo primum fundese ao septo secundum fechando o forame. Ocorre FOP quando não há esta fusão (Figura 1). Trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP. 1 - Neurologista – EPM/UNIFESP 2 - Cardiologista – EPM/UNIFESP 3 - Neurologista, Professor Adjunto – EPM/UNIFESP Endereço para correspondência: Rua Dr. Diogo de Faria, 1298, ap 32 – São Paulo, SP - CEP 04037-005 e-mail:[email protected] Trabalho recebido em 15/09/04. Aprovado em 18/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 210 manobra de Valsalva sustentada. Ecocardio-grama transtorácico pode ser usado, porém sem a mesma sensibilidade 4,6. Doppler transcraniano também tem sido utilizado7, juntamente com outros métodos como oximetria de pulso e indicador de diluição, que constituem técnicas validadas, mas pouco sensíveis. Eles não distinguem shunts de outras regiões nem informam morfologia do septo atrial9 (Figura 2). Figura 1 – Esquema da passagem através do forame oval patente. FOP E AVC FOP ocorre em 10 a 15% na população geral1. Em estudos de autópsias sua prevalência varia de 17 a 35% 2. FOP foi considerado causa de acidente vascular cerebral (AVC) pela primeira vez em 1877 por Cohnheim, porém tem sido mais estudado nas últimas décadas, devido a maior freqüência do diagnóstico pelo ecocardiograma transesofágico contrastado. Em estudos recentes FOP foi encontrado em 45% dos pacientes com AVC criptogênicos e em 23% naqueles com doença aterosclerótica de grandes vasos 3,4 . O risco atribuído ao FOP foi de 7% por paciente por ano5. FOP está freqüentemente relacionado a AVC em jovem6-8. O mecanismo fisiopatológico preciso pelo qual FOP causa infarto cerebral não está completamente esclarecido. Acreditava-se que houvesse embolia paradoxal através do FOP, porém na maioria dos casos não se estabelece a origem dos trombos. O próprio FOP poderia ser o foco de fonte embolígena, com a formação de trombos pelo sangue estagnado no túnel, porém, durante o procedimento de fechamento do FOP transcateter não se costuma relatar deslocamento desses trombos. Figura 2 – FOP no ecocardiograma transesofágico TRATAMENTO TRATAMENTO CLÍNICO - O tratamento clínico ainda é o mais utilizado. Não há, porém, evidências a respeito do melhor esquema terapêutico. Tem sido utilizado tanto antiagregação plaquetária como anticoagulação oral. FECHAMENTO CIRÚRGICO DO FOP Tratamento cirúrgico com fechamento do FOP pela toracotomia tem sido proposto, porém bons resultados parecem restringir-se a pacientes jovens10. FECHAMENTO POR CATETER TRANSCUTÂNEO - O fechamento com cateter transcutâneo é feito por punção da veia femoral sob fluoroscopia, o FOP pode ser atravessado escorregando o cateter ao longo do septo primum, vindo da veia cava inferior; uma bainha é locada no átrio esquerdo e um disco é colocado na posição do FOP. Complicações são raras e este método tem-se mostrado seguro6,9. DIAGNÓSTICO Recorrência de evento vascular tem sido estimada em cerca de 3,4 a 11% por ano, nos casos não tratados, contra menos que 4% nos casos submetidos ao fechamento do FOP. O método de escolha é o ecocardiograma transesofágico sensibilizado por injeção de solução salina com microbolhas no final da Cujec, em estudo coorte de pacientes com AVC ou Ataque Isquêmico Transitótio (AIT), concluiu que pacientes que receberam tratamento cirúrgico REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências tiveram menos recorrência de evento vascular do que aqueles que receberam tratamento clínico, e, dentre os tratamentos clínicos, houve melhor evolução naqueles que receberam varfarina do que naqueles que receberam anti-agregantes plaquetários ou não foram tratados5. Contudo, estudo randomizado duplo-cego com grande número de pacientes aponta resultados semelhantes tanto para anticoagulação com varfarina quanto para antiagregação com aspirina 11. Uma revisão sistemática sobre o tema mostrou que tratamento clínico com varfarina foi superior a aspirina e comparável ao fechamento cirúrgico12. 211 Recentemente vem sendo proposto o fechamento transcutâneo, com bons resultados, porém até o momento sem forte evidência proveniente de estudos com boa qualidade metodológica para definir se este tratamento é melhor que os tratamentos tradicionalmente usados 13,14 . PC-trial (Randomized clinical trial comparing the efficacy of percutaneous closure of patent foramen ovale with medical treatment in patients with cryptogenic embolism) é um dos ensaios clínicos randomizados, multicêntricos, em andamento que tenta responder esta questão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lock JE. Patent foramen ovale is indicated, but the case hasn’t gone to trial. Circulation 2000; 101: 838. 8. Di Tulio MR, Sacco RL, Gopal A, Mohr JP, Homma S. Patent foramen ovale as a risk factor for cryptogenic stroke. Ann Intern Med 1992; 117: 461-5. 2. 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Pesquisadores interessados na função do cérebro têm tido oportunidade sem precedentes de examinar a correlação neurobiológica do comportamento humano, contribuindo significativamente para o desenvolvimento da neurociência cognitiva, um campo de pesquisa que combina as estratégias experimentais da psicologia com várias técnicas que examinam como a função cerebral sustenta a atividade mental. Conceituando a inteligência como um prolongamento da adaptação biológica do organismo ao meio e tendo sido evidenciado pela filogênese a ação precedendo a progressiva corticalização de funções, enfatiza-se o desenvolvimento cognitivo como um processo, no qual as atividades do sujeito possibilitam as trocas com o meio de uma forma dinâmica, do nível de organização biológica e neurológica até o cognitivo. Assim, a proposta deste trabalho é refletir sobre o modelo neurobiológico atual e as interpretações comuns com a psicologia genética. Neste artigo serão estudadas algumas aproximações entre estes dois ramos do conhecimento humano, porém, considerando a diferença temporal de mais de 50 anos entre ambas teorias. Unitermos: Psicologia genética, Neurodesenvolvimento, Inteligência, Mente. SUMMARY The purpose of this study is to approach the Jean Piaget’s concepts and the advances in neurosciences, in order to ratify the process in the construction of the mental structures. Researchers interested in the function of the human brain were presented with an unprecedented opportunity to Trabalho realizado:Universidade Estadual de Campinas/Campinas/São Paulo 1 - Pós-graduando, Curso de Pós-graduação em Ciências Médicas. 2 - Professora Livre Docente, Departamento de Neurologia, Faculdade de Ciências Médicas e do Centro de Investigação em Pediatria (CIPED). 3 - Professora Assistente Doutora, Faculdade de Educação e Laboratório de Psicologia Genética. · Membros do Grupo de Pesquisa: Neurodesenvolvimento, Escolaridade e Aprendizagem, registrado no CNPq e certificado pela instituição de origem. Endereço para correspondência Vanda Maria Gimenes Gonçalves Departamento de Neurologia/Faculdade de Ciências Médicas - Universidade Estadual de Campinas CP: 6111; CEP: 13081-970 Campinas/São Paulo e-mail: [email protected] Trabalho recebido em 01/10/04. Aprovado em 04/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 213 examine the neurobiological correlation of human behavior and they contributed significantly to the development of the field of cognitive neuroscience, a field of research that combines the experimental strategies of psychology with techniques to actually examine how brain function supports mental activities. The concept of intelligence as an extension of biological adaptation of the human body to the environment confirms what we have known all along, and the action preceding the progressive corticalization of functions has been evidenced. We emphasize the comprehension of the cognitive development as a process in which the man’s activity makes the exchange with the environment in a dynamic way, from the biological and neurological organization until the cognitive level. So, our objective is to think about a current neurobiological model and to compare with concepts of the genetic psychology. In this paper will be studied some interaction between the two areas, considering that it has been nearly 50 years between both. Keywords: Genetic psychology, Neurodevelopment, Intelligence, Mind. INTRODUÇÃO Ao se contemplar o panorama atual das ciências que buscam explicar o homem, identifica-se a interseção de suas fronteiras. Os limites rígidos de seus objetos e métodos são agora transpostos. Para se compreender o fenômeno humano nenhuma ciência basta por si, não obstante todas serem necessárias. Como ilustra Omnès1 as raízes comuns da realidade não respeitam os sítios definidos de nossas preferências. As resistências do real obrigam a modificar posições, porquanto ele não se reduz à maneira como se prefere olhar, mas exige que a pesquisa coordene várias abordagens científicas para explicá-lo ou pelo menos para construir um modelo mais próximo da realidade. Assim, várias ciências se uniram a partir da década de 80 do século passado constituindo as neurociências2. Pesquisadores interessados na função do cérebro tem tido novas oportunidades sem precedentes de examinar a correlação neurobiológica do comportamento humano, contribuindo significativamente para o desenvolvimento da neurociência cognitiva, um campo de pesquisa que combina as estratégias experimentais da psicologia com várias técnicas que examinam como a função cerebral sustenta as atividades mentais3. A neurociência cognitiva aborda temas de importância como, por exemplo, os aspectos de normalidade e de alteração de memória, atenção, linguagem, motivação, emoção e consciência. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Apesar dos avanços, alguns pesquisadores têm questionado a habilidade desta abordagem em analisar a função cerebral, se as mesmas são suficientemente refinadas para verdadeiramente esclarecer sobre a relação entre comportamento humano e função cerebral4. Um ponto chave para avaliar tal preocupação é a habilidade de relacionar os trabalhos em neurociência cognitiva e neuroimagem com aqueles em outras áreas de neurociências. Entre as questões mais importantes está como relacionar a neuroimagem funcional com a biologia celular e neurofisiologia das células cerebrais e sua microvasculatura. Além disso, tem sido questionado se a neurociência cognitiva e os instrumentos da neuroimagem têm oferecido nova compreensão sobre a função e organização cerebral, ou apenas tem confirmado o que já era conhecido3. Gonçalves5 refere que um dos objetivos da neurociência cognitiva é relacionar o período do desenvolvimento cognitivo com o desenvolvimento neural para elucidar a neurobiologia da cognição. Discussões sobre o desenvolvimento neurocognitivo foram por muito tempo dominados e abafados pelo debate nature-nurture. Atualmente, a maioria dos investigadores valoriza ambos: o papel do controle biológico imposto pelo genótipo e o papel da informação ambiental na expressão gênica e outros eventos químicos e fisiológicos do desenvolvimento. O desenvolvimento neurocognitivo depende da interface dinâmica e complexa entre eventos genéticos predetermi- Neur ociências Neurociências nados e eventos ambientais. O grau de interface é altamente variável nos diferentes sistemas neurocognitivos, conduzindo a diferentes graus e adequação de tempo de sensitividade às aferências ambientais, para as diferentes funções cerebrais. Conforme Mesulam, a informação sensorial passa por elaboração associativa extensa e modulação atencional na medida em que se torna incorporada à cognição6. Esse processo ocorre ao longo de um núcleo sináptico hierárquico que inclui o córtex cerebral sensorial primário, zonas unimodais, zonas heteromodais, áreas límbica e paralímbica. A organização sináptica resultante permite que cada evento sensorial inicie resultados múltiplos cognitivos e comportamentais. A tarefa maior do sistema nervoso é configurar a maneira como a informação sensorial se torna vinculada a respostas adaptativas e experiências significativas. Do ponto de vista cognitivo, novas estruturas estão se construindo nos diferentes estágios de desenvolvimento como uma resposta do organismo às estimulações ou solicitações do meio. A partir da interação fundamental entre o sujeito e o meio desencadeiam-se as assimilações e acomodações que terminam em equilibrações que tendem à conservação das estruturas, mas produzem também suas modificações7. Essas colocações introduzem a complexidade do que seja compreender o homem a partir de uma perspectiva multifacetada: da neurobiologia à psicologia cognitiva. É uma busca que requer a cooperação interdisciplinar. Ponderando esses aspectos, encontrou-se no modelo neurobiológico atual sobre a mente interpretações comuns com a psicologia genética, na medida que tenta explicá-la como resultado da interação corpo-cérebro. Neste artigo serão estudadas algumas aproximações entre estes dois ramos do conhecimento humano, porém, com uma diferença temporal de mais de 50 anos. O epistemólogo e psicólogo Jean Piaget, preocupado em elaborar uma teoria do conhecimento, questionou a origem sensorial do conhecimento científico 8. Origem que desde Aristóteles até nossos dias tem sido aceita sem questionamentos mais profundos. Parece tão evidente que apenas os sentidos dão conta de REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 214 toda a significação do mundo, que não nos ocorre hipotetizar a necessidade de sua participação, mas de maneira não suficiente na elaboração do conhecimento. Na verdade, esta questão compõe uma outra que tem sido discutida ao longo dos séculos por filósofos e cientistas: a natureza objetiva dos sistemas explicativos. O conhecimento da física será uma cópia do real? As explicações em biologia reproduzem a realidade da vida? Vários pensadores ora se posicionaram de acordo com o empirismo com nuances próprios, ora de acordo com o racionalismo que coloca o homem como a medida do mundo. Tentativas inúmeras de superação dessas oposições foram feitas até encontrar hoje vasto panorama epistemológico, nos vários ramos da ciência que explicam que o homem, pela própria natureza e funcionamento dos sentidos, constrói representações aproximativas da realidade, o denominado conhecimento. Na medida em que a pesquisa avançou para o infinitamente pequeno, os átomos, e para o infinitamente distante, a origem do universo, buscou-se modelo explicativo construído pela imaginação humana que se distanciou dos dados perceptivos. Procurou-se, por trás dos efeitos, remontar ao funcionamento da realidade não perceptível em sua causalidade. Pouco a pouco a matemática libertou-se do mundo, dando-se conta de que estava tratando de relações puras, independentes de qualquer conteúdo específico. A evolução dos modelos atômicos mostrou bem o esforço aproximativo da realidade atual, sem, contudo, alçar-se à pretensão de apresentar a realidade em si mesma. O avanço no estudo do sistema visual humano mostrou que não se tem fotografia da realidade no cérebro, mas representações no lobo occipital que se construíram a partir das transduções analógicas e digitais ao longo do trajeto subcortical e cortical da imagem visual9. Emoção, humor e motivação modulam o impacto neural dos eventos sensoriais de uma maneira que reflete o valor subjetivo desses eventos para o indivíduo6. Esta questão foi discutida por outro grande autor e neurologista. Damásio referiu serem os sentimentos a representação mental de alterações fisiológicas que caracterizam as emoções10. O principal alvo da resposta emocional é o corpo: Neur ociências Neurociências meio interno, vísceras e sistema músculoesquelético, mas há também alvos dentro do cérebro, como os núcleos monoaminérgicos no tegmento do tronco encefálico. O resultado da resposta do corpo é a criação de um estado emocional, envolvendo ajustes no balanço homeostático. O resultado das respostas do cérebro é uma alteração no modo de operação cerebral durante os ajustes emocionais do corpo, cuja conseqüência é, por exemplo, a mudança na atenção direcionada para o estimulo. Damásio também apresentou um modelo plausível para a mente humana, esboçando uma explicação neurobiológica11. Apresentou a idéia de que o organismo como um todo é necessário para explicar o pensamento. Alegou que o corpo proporciona uma referência fundamental para a mente, retomando o problema da percepção que a seu ver não se reduz a receber informações sensoriais, mas evoca a ação do organismo sobre o meio ambiente. Outro aspecto relevante faz convergir às ponderações de Piaget e Damásio, autores de áreas diferentes e em tempos diferentes: não é apenas a natureza biológica desta questão, mas a compreensão da função adaptativa da mente e da inteligência. Em realidade, é esta proposição que faz com que haja tanta identidade entre suas explicações. Superando a dicotomia cartesiana pensamento versus corpo, cada um estabelece a seu modo e em seu campo específico, um contínuo corpo-mente no qual se encontram extremos que se tocam por uma indiferenciação gradativa. Essas duas realidades não se justapõem, mas a primeira é referência para a outra sem que a última a ela se reduza. Este contínuo é um prolongamento de formas adaptativas tanto quanto os sentidos se desenvolvem e aperfeiçoam para aprimorar a ação. Piaget descreveu a inteligência como o estado de equilíbrio para o qual tendem todas as estruturas cognitivas e não como uma faculdade12. Opinião semelhante foi referida por David Weschler 13. Este a considerava como “um efeito, mais do que uma causa, isto é, um resultado de capacidades que se interagem, inclusive as não intelectivas”. Damásio propôs um modelo interacionista para explicar a existência da mente11. Acreditou que o REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 215 corpo é uma referência básica para o cérebro construir suas representações adaptativas. Assim, observa-se em Damásio a retomada da questão piagetiana de entender as funções mentais, a própria inteligência como um prolongamento de formas adaptativas do organismo. Pouco a pouco a visão fragmentada do psíquico vai sendo substituída nas ciências do homem pela visão estruturalista14, que apontou a coordenação de ações como condição de aprendizado. Esse aspecto se reflete na coordenação de sistemas de Luria nas unidades funcionais 15 , nos neurofisiologistas que descobriram áreas de sensação, associação e integração16. A inteligência não está definida no início, mas é um ponto de chegada graças às trocas e atualizações que o organismo estabelece com o meio. O conhecimento, na visão de Damásio, confirmando Piaget, não pode ser visto como produto dos sentidos e não está definido no genoma; tem por base as ações do organismo que são representadas por duas vias: o sentir e o sentir que está sentindo. Há interação dos mapas somatosensoriais e motores numa representação e integração continuadas. Pode-se supor que uma informação já representada é assimilada repetidamente sem alteração dos mapas e acomodada quando se diferencia. Desde os estudos evolucionistas, compreender as possibilidades da espécie não dispensa a comparação da ontogênese e da filogênese17. As aquisições estruturais e funcionais ganharam nova compreensão com os estudos etológicos. Das descrições embriológicas históricas de Von Baer comparando as etapas estruturais dos fetos ao estudo longitudinal da inteligência humana, a adaptabilidade dos organismos se complexifica utilizando recursos cada vez mais sofisticados: da especialização sensorial às elaborações complexas da razão humana18. Piaget propôs que a ação inteira e não a sensação nem a percepção isoladas originam os nossos conhecimentos científicos. A ação, para este autor, é central para a compreensão da inteligência em seu caráter operatório e transformador. O conhecimento não se reduz a vivência, o que seria empirismo, e nem somente explicação, o que seria racionalismo, mas a uma estruturação do vivido no qual o caráter Neur ociências Neurociências transformador da ação possibilita assimilar o real às estruturas prévias19. No seu livro Psicologia e Epistemologia, Piaget traduz suas hipóteses da seguinte forma8: Os nossos conhecimentos não provêm nem da sensação nem da percepção isolada, mas da ação inteira da qual a percepção constitui somente a função de sinalização. O próprio da inteligência não é, com efeito, contemplar, mas “transformar”, e o seu mecanismo é essencialmente operatório. Ora, as operações consistem em ações interiorizadas e coordenadas em estruturas de conjunto (reversíveis, etc), e se quer dar conta deste aspecto operatório da inteligência humana, é, pois, da própria ação, e não apenas da percepção, que convém partir. Os processos de assimilação orgânicos fornecem a visão de quanto à incorporação de elementos do ambiente supõe a intensa atividade do organismo. O simples fato de a alimentação requerer um conjunto de ações orgânicas para a digestão e somente posterior integração dos elementos à estrutura do organismo, mostra o quanto é simplista a visão de internalização do 216 meio social e ambiental, que não considere a atividade transformadora do indivíduo. A concepção da inteligência como fenômeno evolutivo adaptativo implica a existência de mecanismos funcionais assimilativos tanto quanto os outros sistemas orgânicos. Segundo Piaget a inteligência transforma o mundo modificando-o de duas maneiras8: • Modificando as posições, o movimento ou a natureza do objeto do conhecimento para lhe explorar a natureza; • Enriquecendo-o com propriedades ou relações novas que conservam as suas propriedades ou relações anteriores, mas que as completam através de sistemas de classificações, ordenações, estabelecimentos de correspondência, enumerações ou medidas, etc. São essas duas maneiras de agir sobre o mundo, respectivamente ação física e ação lógicomatemática, que a par da percepção constituem as fontes dos conhecimentos científicos. A ação naturalmente precede a encefalização tanto ontogeneticamente quanto na filogênese. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Omnès R. Filosofia da ciência contemporânea. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora UNESP, 1996. 2. Lent R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Editora Atheneu, 2001. 3. Marcus ER. 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O paciente foi avaliado no início e no término de cada período de tratamento através de um questionário elaborado pelas autoras, baseado no Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) e Gross Motor Function Measure (GMFM). Resultados: De acordo com o questionário aplicado (que totaliza 63 pontos), no início do primeiro período de tratamento, foi constatado um total de 32 pontos e ao final do mesmo, 30 pontos. Houve portanto, uma perda de 2 pontos neste período. Antes de iniciar o segundo período de tratamento o paciente obteve 24 pontos, havendo uma perda neste período de 6 pontos. Ao término do segundo período de tratamento o paciente apresentou 23 pontos, o que representa a perda de um ponto. Para este trabalho foi definido como manutenção do quadro clínico uma perda de até 4 pontos no somatório total do questionário, quando comparado a primeira com a segunda avaliação, a segunda com a terceira e a terceira com a quarta. Conclusão: Foi concluído que a hidroterapia é um recurso fisioterápico capaz de retardar a progressão desta doença. Unitermos: Distrofia Muscular de Duchenne, Hidroterapia, Fisioterapia. SUMMARY The Duchenne´s muscular dystrophy is the most common and serious form of the dystrophy’s. It shows degenerative and hereditary character, with progressive and irreversible evolution. Objective: To verify if the Hydrotherapy is capable to delay the progression of the pathology. Material and method: Participated of this study a 9 years old boy with DMD that was submitted to two treatment periods, with interval among the same ones. In each period it was accomplished 21 sessions, 3 times a week, with duration of 40 min and obeying a specific protocol. The patient was evaluated in the beginning and in the end of each treatment period through a questionnaire elaborated by the authors, based on Pediatric Trabalho realizado:Unilavras 1- Acadêmica do Curso de Fisioterapia – UNILAVRAS 2- Fisioterapêuta, Mestre, Professora do Curso de Fisioterapia – UNILAVRAS Endereço para correspondência: Débora Fernandes de Melo Vitorino Rua Padre José Poggel, 506 Lavras, MG - Tel: (35)3694-8141 email- [email protected] Trabalho recebido em 16/09/04. Aprovado em 23/11/04 REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 218 Evaluation of Disability Inventory (PEDI) and on Gross Motor Function Measure (GMFM). Results: In agreement with the elaborated questionnaire (that totals 63 points), in the beginning of the first treatment period, a total of 32 points was verified and at the end of the same, 30 points. There was therefore, a loss of 2 points in this period. Before beginning the second treatment period the patient obtained 24 points, having a loss in this period of 6 points. At the end of the second treatment period the patient presented 23 points that represents the loss of a point. For this work it was defined as maintenance of clinical status, one loss up to 3 points in the total sum of the questionnaire, when compared the first with the second evaluation, second with the third and the third with fourth. Conclusion: It was concluded that it is a physiotherapic resource capable on delay a progression of these pathology. Keywords: Duchenne Muscular Dystrophy, Hydrotherapy, Physiotherapy INTRODUÇÃO As distrofias musculares (DM) compreendem um grupo heterogênio de doenças de caráter hereditário e caracterizam-se por comprometimento grave, progressivo e irreversível da musculatura esquelética, devido a um defeito bioquímico intrínseco da célula muscular e onde não se encontra evidências clínicas ou laboratoriais de envolvimento do cordão espinhal ou sistema nervoso periférico ou da junção neuromuscular1-3. O grau de progressão das DM, a idade de manifestação dos primeiros sintomas e os principais músculos atingidos variam entre os tipos de distrofias musculares conhecidas4. A Distrofia Muscular tipo Duchenne é a forma mais comum de distrofia muscular com ocorrência na infância. Caracteriza-se por apresentar um período pré-clínico, iniciando os sinais e sintomas por volta dos dois ou três anos, evoluindo de forma progressiva e irreversível, com fraqueza muscular, déficit funcional, contraturas, deformidades e diminuição da capacidade vital respiratória. Acomete principalmente a musculatura esquelética, podendo atingir a musculatura cardíaca e o sistema nervoso5,6. Atualmente, a prevalência da Distrofia Muscular de Duchenne está estimada em torno de um para cada três mil e quinhentos nascidos vivos do sexo masculino. No Brasil, ocorrem por ano, cerca de 700 novos casos da distrofia2,6,7. Caracteriza-se pela deficiência ou ausência da proteína distrofina na superfície da membrana da célula muscular8. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 O diagnóstico da DMD pode ser estabelecido, na maioria dos casos, através da história familiar, de achados clínicos, laboratoriais e genéticos, podendo ser utilizados, eventualmente, exames eletrofisiológicos e histológicos. Os valores enzimáticos, principalmente de CK, biópsia muscular e análise de DNA são amplamente explorados na caracterização da doença4,6. Cerca da metade das crianças adquirem marcha independente até os dezoito meses de idade. Embora existam variações na evolução do quadro clínico, normalmente, os afetados por DMD não são capazes de andar após os dezesseis anos de idade2. O tratamento é extremamente limitado. Não existe até o momento uma terapia efetiva em bloquear ou reverter o processo da distrofia muscular4,9-12. A presença da fisioterapia na vida desses pacientes é de vital importância12-15. Com a evolução da doença, uma das opções da manutenção de uma fisioterapia efetiva está relacionada com a transferência da atividade física para o meio aquático, isto é, hidroterapia8. A Hidroterapia é um recurso que vem crescendo no Brasil e começa a ser aceito como opção de tratamento para as Distrofias Musculares Progressivas. Devido as propriedades físicas da água, a movimentação voluntária e adoção de diversas posturas podem ser facilitadas e os exercícios de alongamento muscular podem ser realizados com alívio da dor e melhora da funcionalidade, além de facilitar os exercícios Neur ociências Neurociências respiratórios, o treino de marcha e, principalmente, as atividades recreacionais5. MATERIAL E MÉTODO 1. Amostra Participou deste estudo uma criança do sexo masculino, virgem de tratamento fisioterápico, com idade cronológica de 9 anos compatível com a idade motora, capacidade funcional definida por Leitão e colaboradores - fase 1 e diagnóstico médico de distrofia muscular de Duchenne, desde junho de 2002 16. Antes de iniciar o estudo, o responsável pela criança assinou um termo de consentimento livre e esclarecido. 2. Local O estudo foi realizado no setor de piscina terapêutica da Clínica de Fisioterapia Risoleta Neves que pertence ao Centro Universitário de Lavras, UNILAVRAS. A piscina possui 5,0 m de largura, 9,0 m de comprimento e 1,30 m a 1,70 m de profundidade, com barras paralelas, rampa, piso antiderrapante e temperatura entre 30°C a 32°C. 3. Instrumentação A pesquisa foi realizada utilizando os seguintes equipamentos: - Tablado (100 cm de comprimento; 0,80 cm de largura e 0,80 cm de altura); - Tapete de flutuação da marca ISP; - Step da marca ISP (0,50 cm de comprimento; 0,30 cm de largura e 0,20 cm de altura) - Flutuadores em forma de macarrão e halteres da marca Slade e - Brinquedos em geral. 4. Procedimento Para a coleta de dados foi elaborado um questionário de avaliação baseado nos questionários Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI)17 e Gross Motor Function Measure (GMFM)18, titulado como “Avaliação das atividades funcionais em portadores de distrofia muscular de Duchenne”. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 219 O PEDI, teste funcional norte-americano, criado em 1992, foi usado para a avaliação de crianças com paralisia cerebral, por meio de entrevista com os pais para informar sobre os aspectos funcionais do desenvolvimento nas áreas de auto-cuidado, mobilidade e função social. O GMFM é um instrumento de observação padrão, desenhado e validado para medir alterações na função motora grave, em determinado tempo em crianças com paralisia cerebral. O questionário elaborado é composto por 21 itens, sendo 14 na área de mobilidade e 7 na área de atividades de vida diária, totalizando 63 pontos. Para a avaliação é necessário que a criança realize as atividades propostas e de acordo com seu desempenho receberá uma pontuação segundo o escore: 0 ponto – não realiza 1 ponto – realiza com auxílio 2 pontos – realiza com dificuldade 3 pontos – totalmente independente. Para este trabalho foi definido com melhora na manutenção do quadro clínico uma perda de até 3 pontos, equivalente a aproximadamente 5% do valor total do questionário, quando comparado a primeira com a segunda avaliação e a terceira com a quarta. A criança foi submetida a dois períodos de tratamento - de outubro a dezembro/2003 e de fevereiro a maio/2004 – 71 dias de tratamento, três vezes por semana, 40 minutos cada sessão, totalizando 21 sessões em cada período e com um intervalo de 75 dias entre os mesmos, no qual o responsável pela criança assinou um termo de responsabilidade. O paciente foi avaliado pelo questionário descrito anteriormente no início e no término de cada período de tratamento. As sessões de hidroterapia obedeceram ao seguinte protocolo: - Alongamento dos músculos posteriores dos membros inferiores; - Fortalecimento dos membros superiores e inferiores; Neur ociências Neurociências - Flutuação com auxílio de um macarrão entre as pernas, estimulando o equilíbrio; - Brincadeiras em ortostatismo, estimulando a criança a pegar objetos enquanto o terapeuta cria turbulência ao seu redor; - Oscilações de lado para o outro, com a criança segura pela parte proximal dos membros superiores; - Controle de tronco e equilíbrio realizados pela criança com movimentos ativos dos membros superiores unilateral, bilateralmente e alternadamente; - Controle de tronco e equilíbrio utilizando tapete flutuador; - Exercícios respiratórios com a criança sentada e na horizontal enquanto flutua; - Movimentos lentos proporcionando relaxamento e redução da dor, com o paciente flutuando com a ajuda do terapeuta. RESULTADO No início do primeiro período de tratamento, o paciente apresentou um total de 32 pontos no questionário “Avaliação das atividades funcionais em portador de distrofia muscular de Duchenne”, sendo 19 pontos na área de mobilidade e 13 pontos nas AVD’s. Ao final do mesmo, apresentou um total de 30 pontos, sendo 18 na área de mobilidade e 12 nas AVD’s. Houve, portanto uma perda de 2 pontos (Tabela 1). No início do segundo período de tratamento, o paciente obteve um total de 24 pontos no mesmo questionário, sendo 13 pontos na área de mobilidade e 11 pontos nas AVD’s. Ao término deste período, foi verificado um total de 23 pontos, sendo 13 pontos relacionados à área de mobilidade e 10 pontos referentes as AVD’s. Houve, portanto uma perda de 1 ponto (tabela 2). DISCUSSÃO De acordo com os critérios definidos neste estudo, a hidroterapia foi eficaz na manutenção do quadro clínico do paciente com distrofia muscular de Duchenne. Tal situação pode ser evidenciada ao analisarmos os resultados onde, pode-se constatar, uma perda de 2 pontos no REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 220 somatório do questionário, quando comparado a primeira com a segunda avaliação e uma perda de 1 ponto, comparando a terceira com a quarta. Era previsto um período de tratamento contínuo, pois , segundo Caromano 4, trata-se de uma doença de caráter progressivo2. Embora tenha sido esclarecida ao responsável a importância da fisioterapia na qualidade de vida destes pacientes, o mesmo, ao se aproximar das férias escolares se recusou a comparecer ao tratamento (de dezembro/2003 a janeiro/2004), se propondo a continuá-lo ao término do período de férias. É importante ressaltar que o tempo de tratamento – 71 dias, foi semelhante ao período de intervalo – 75 dias. Este intervalo foi um dos obstáculos encontrado durante a realização do estudo. Portanto, quando se compara a segunda avaliação (final do primeiro período de tratamento) com a terceira (início do segundo período de tratamento), sendo este o período em que a criança permaneceu sem tratamento, foi constatado uma perda de 6 pontos, evidenciando assim, uma rápida progressão da doença. Amanajás em seu estudo, afirmou que condutas fisioterapias adequadas, iniciadas precocemente, podem retardar a evolução clínica desta patologia e prevenir a instalação de complicações secundárias, proporcionado melhor qualidade de vida5. Quanto à classificação segundo Leitão e colaboradores, a criança permaneceu na fase 1 durante todo o período do estudo16. A satisfação, alegria e prazer demonstrado pela criança a cada sessão e a cada conquista em termos de realização de exercícios e os resultados adquiridos neste trabalho, alertam para a importância da realização de mais estudos relacionando a hidroterapia com a Distrofia Muscular de Duchenne. CONCLUSÃO A hidroterapia é um recurso capaz de retardar a progressão da Distrofia Muscular de Duchenne. Esperamos abrir novas perspectivas e estimular a realização de novos estudos nessa área, com um número maior de pacientes para confirmação destes achados. Neur ociências Neurociências 221 Área Pontuações Área Início Término Perda Mobilidade 19 18 1 AVD’s 13 12 Total 32 30 Pontuações Início Término Perda Mobilidade 13 13 0 1 AVD’s 11 10 1 2 Total 24 23 1 Tabela 1- Pontuação adquirida através do questionário “Avaliação das atividades funcionais em portadores de distrofia muscular de Duchenne’’ no primeiro período de tratamento Tabela 2- Pontuação adquirida através do questionário “Avaliação das atividades funcionais em portadores de distrofia muscular de Duchenne’’ no segundo período de tratamento REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Erazo-Torricelli R. Updates in muscular dystrophies. Rev Neurol 2004; 39(9):860-71. 2. Levy JA. Doenças musculares: estudo clínico e diagnóstico. 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ERRATA Na Revista Neurociências, edição “ Volume 12 nº2”, no artigo Avaliação da recuperação motora de pacientes hemiplégicos através do protocolo de desempenho físico Fugl-Meyer, páginas de 94 a 100,considerar: onde se lê Fulg o correto é Fugl.A pontuação total para membro superior é 66, não 24 como publicado na tabela 1.Na tabela 3,a PM de ombro-braço é 36 e não 14, e a de mão-punho é 24 e não 14.No anexo 01.Protocolo de desempenho Físico de Fugl-Meyer a escala apresentou um erro no ítem II, referente a Movimento.O correto seria dividir as tarefas em a e b, sendo que (a) seria até supinação de antebraço, recebendo o nome de sinergia flexora e (b) daí em diante, completando os três ultimos ítens, com o nome de sinergia extensora. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Neur ociências Neurociências 222 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO A Revista Neurociências é voltada à Neurologia e às ciências afins. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, realizados por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em temas de cunho prático. São aceitos artigos em português, inglês e espanhol. Os artigos devem ser inéditos e fica subentendido que serão publicados exclusivamente nesta revista, com o que se comprometem seus autores. O Corpo Editorial da revista reserva-se o direito de avaliar, aceitar ou recusar artigos. Quando aceitos, sugerir modificações para aprimorar seu conteúdo, se necessário, aperfeiçoar a estrutura, a redação e a clareza do texto. Para publicação, será observada a ordem cronológica de aceitação dos artigos. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Para avaliação, devem ser encaminhados ao Editor Chefe em disquete e poderão ser utilizados editores de texto “Word”, alternativamente no formato “doc”. Deverão também ser enviadas três cópias do texto original digitado. Adotar as recomendações abaixo. Título: em português e em inglês ou espanhol e em inglês, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação. A Revista prefere títulos informativos. Autor(es): referir nome(es) e sobrenome( s) do modo como preferir para indexação, seu grau e posição. Referir a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir o título maior de cada autor ou grupo de autores, ex.: 1- Professoradjunto, 2 - Pós-graduando, 3 - Residente. Identificar o endereço para correspondência. Resumo e Summary: devem permitir uma visão panorâmica do trabalho, contendo objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras. Orientamos os autores a produzirem resumos estruturados. Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia consulte descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br) Texto: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução, material (casuística) e método, resultados, comentários (discussão e conclusões), referências bibliográficas, eventualmente agradecimentos, suporte financeiro. Não repetir no texto dados que constem em tabelas e ilustrações. Quadros, Gráficos e Tabelas: até cinco, apresentadas em páginas separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de ordem, título e legenda. Ilustrações: até duas figuras com tamanho não superior a 6 cm x 9 cm cada uma. Fotos em preto e branco bem contrastadas; eventuais detalhes com setas, números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número de ordem, nome do autor e do artigo, com etiqueta colada no verso e nela marcada na parte superior. Não grampear e nem colar as ilustrações, embalar cada uma em separado. Encaminhar separadamente as respectivas legendas. Ilustrações reproduzidas de textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de reprodução, tanto do autor como da publicadora. Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado, a despesa será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde que sua publicação seja autorizada pela editora. O material recebido não será devolvido aos autores. Manter os negativos destas. REVISTA NEUROCIÊNCIAS V12 N4 - OUT/DEZ, 2004 Referências: Até o máximo de 30 (para artigos originais ou de atualização), restritas á bibliografia essencial ao conteúdo do artigo. Para artigos de revisão, até 100 referências. Todos os autores e trabalhos citados no texto devem constar na listagem de referências bibliográficas. As referências bibliográficas devem ser ordenadas consecutivamente na ordem na qual os autores são mencionados no texto e citar todos os autores no máximo de 6, quando ultrapassar citar os 3 primeiros seguidos de et al. As referências serão indicadas no fim do trabalho. No texto as citações devem seguir o sistema numérico, isto é, são numerados por ordem de sua citação no texto, utilizando-se números arábicos sobrescritos e entre parênteses normalizada de acordo com o estilo Vancouver (www.icmje.org). Exemplo Sistema-Numérico Cerri et al.(1) detectaram... Velasco et al.(2) verificaram.... Os títulos de periódicos deverão ser abreviados de acordo com o Index Medicus. a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do Periódico ano; volume: página inicial – final Ex.: Lagos JC, Gómez MR. Tuberous sclerosis: reappraisal of a clinical entity. Proc Mayo Clin 1967; 42: 26-49. b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora; ano. Ex.: Diener HC, Wilkinson M, eds. Drug-induced headache. 2nd ed. New York: Spriger-Verlag; 1996. c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. Editor(es) do livro e demais dados sobre este, conforme o item anterior. Ex.: Zee Ch, Go JL, Lefkowitz M. Advanced imaging of intraventricular and paraventricular lesions involving the third ventricule. In: Apuzzo, MLJ, ed. Surgery of the third ventricule. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1998. p.465-78. d) Resumos: Autor(es). Título, seguido de [abstr]. Periódico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso): página(s) Ex.: Enzensberger W, Fisher PA. Metronome in Parkinson’s disease [abstract]. Lancet 1996; 34:1337. e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no texto entre parênteses f) Tese: Autor, título da obra, seguido por [Tese] ou [dissertação], cidade: instituição; ano. Ex.: Kaplan SJ. Post-hospital home health care: the elderley’s access and utilization [dissertation]. St. Louis: Washington Univ.; 1995. g) Documento eletrônico: Agentes dopaminérgicos no tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas. Disponível no site: http//www.sindromedaspernasinquietas.com.br, com data e hora do acesso. Categoria: O próprio autor deve indicar a qual categoria pertence seu texto. a) artigo original b) artigo de revisão c) artigo de atualização d) relato de caso Endereço para enviar artigos para revista Neurociências: Prof.Dr. Gilmar Fernandes do Prado Endereço: R: Cláudio Rossi, 394 – Jardim da Glória São Paulo – S.P - CEP: 01547-000 Telefone: 5081-6629 – FAX: 5572-8205 E-mail: [email protected]