UN- Rapport femmes GB_UN- Rapport femmes GB

Transcrição

UN- Rapport femmes GB_UN- Rapport femmes GB
UNIOGBIS
Gabinete Integrado das Nações Unidas
Para a Consolidação da Paz
na Guiné-Bissau
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DA CONSCIÊNCIA, PERC
EÇÃO
À PRÁTICA POLÍTICA
A Participação
das Mulheres
na Política e na Tomada de Decisão
na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO
À PRÁTICA POLÍTICA
GABINETE INTEGRADO DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA A CONSOLIDAÇÃO DA PAZ NA GUINÉ-BISSAU (UNIOGBIS)
Dedicatória
FICHA TÉCNICA
Título: "A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau - Da consciência, perceção à
prática política"
Autores: Miguel de Barros e Odete Costa Semedo
Comité de Revisão: Sara Negrão (Coord.), Linda de Souza, Elisabete
Vilar e Vanilde Furtado
Colaboração: Bubacar Turé e Caterina Viegas
Photo da capa: Filipa Oliveira (ACEP)
Edições: UNIOGBIS
Concepção Gráfica / Impressão: ByReg’
Tiragem: 1 000 exemplares
Copyright © 2013 United Nations /Todos os direitos reservados.
Depósito Legal: 1ª Edição (Outubro de 2013)
Esta obra presta honra a todas as
mulheres e homens da Guiné-Bissau
que em diferentes épocas contribuíram e alimentaram ensejos para que
hoje possamos ter consciência de
que é preciso resistir e lutar, mas
com sentido de justiça, de busca da
igualdade e do bem-estar para a
geração presente e futura.
Homenagem
À Fernanda Pinto Cardoso “Nandinha”
(1964-2011), ativista e uma das associadas mais ativas da Plataforma
Política das Mulheres (PPM), da qual
assumiu a liderança e lutou pela
igualdade de género e empoderamento das mulheres, juntando e motivando mulheres de todos os partidos políticos e organizações de
mulheres. Enquanto jornalista, foi
uma excelente profissional, exemplo
de mulher que conseguiu brilhar na
sua profissão e lembrar-se sempre
da importância das suas funções
profissionais na luta pela promoção
das mulheres guineenses, na defesa
dos seus direitos e na procura de
uma melhor visibilidade.
6
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
7
Agradecimentos
Agradece-se:
À Unidade do Género da UNIOGBIS por acreditar na importância e necessidade de um estudo
exaustivo como este, dando assim um grande contributo no resgate e preservação da história e
memória das lutas das mulheres guineenses.
Uma palavra de especial apreço à coordenadora da Unidade do Género da UNIOGBIS, Sara Negrão,
pela sua perseverança e paciência que, mesmo num contexto de golpe de Estado, permitiu dar
continuidade aos trabalhos que subsidiaram a elaboração deste diagnóstico. Aos seus auxiliares,
Caterina Viegas e Bubacar Turé, por terem sido incansáveis no apoio à recolha de informações e
organização da logística nos diferentes momentos do trabalho de campo. Os resultados aqui
apresentados não teriam sido os mesmos sem o apoio e contributo de algumas instituições e
pessoas, às quais estendemos os nossos agradecimentos: à Assembleia Nacional Popular (ANP), à
Primatura, à Comissão Nacional de Eleições (CNE), à Imprensa Nacional (INACEP), ao Instituto
Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE) e ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
(INEP). Às deputadas Aurora Sanó, Martina Moniz, Nhima Cissé; às ex-combatentes de liberdade
da pátria Carmen Pereira, Francisca Lucas Pereira e Teodora Inácia Gomes; às senhoras Diana LimaHandem, Filomena Tipote, Antonieta Rosa Gomes, Isabel Almeida, Fátima Vaz Lopes, Samarise
Barbosa, Djamila Barreto Lopes, Ísis Djanira Semedo e Elci Pereira Dias; aos senhores jornalistas
Fernando Jorge Pereira e Tony Tcheka; aos senhores Somaila Sani, Leónico Pereira Tavares, Dionísio
Gomes, Nélson Constantino Lopes, Carlos Lineu Tolentino, Huco Monteiro e Carlos Vaz.
A todas e todos quantos nos apoiaram, direta ou indiretamente, com informações, imagens, dados
estatísticos e/ou se disponibilizaram para nos alertar sobre factos e acontecimentos que poderiam
passar despercebidos, as nossas mantenhas di gardisimenti.
8
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
9
Prefacio
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Siglas e Abreviaturas
14
1. Introdução
Sumário
16
1.1. Objetivos do Estudo
20
1.2. Resultados
20
1.3. Metodologia
21
2. Consciência, Perceções e Práticas sobre
a Participação Política das Mulheres
na Guiné-Bissau
24
3. As mulheres e as Estruturas de Poder
Tradicionais na Guiné-Bissau
30
4. Participação Política das Mulheres Guineenses
e o Acesso ao Poder de Decisão Formal
na Guiné-Bissau
42
4.1. A Vigência Democrática: dinâmicas de participação e protagonismo
das mulheres guineenses num contexto de instabilidade política
e governativa
49
4.2. Influência das mulheres na política e nas tomadas de decisão:
o papel das Organizações da Sociedade Civil e das redes femininas
55
4.2.1. As Organizações da Sociedade Civil (OSC)
56
4.2.2. Redes e Plataformas Políticas das Mulheres
61
5. Em Jeito de Conclusão: Lições e Ilações
68
6. Recomendações
70
7. Referências Bibliográficas
74
8. Anexos
78
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
11
Prefácio
Ao
longo da História da Guiné Bissau, as mulheres têm demonstrado uma forte
capacidade de intervenção na liderança política, nos esforços de consolidação da paz, na luta pelos direitos humanos, bem como no desenvolvimento
economico e social. No entanto, o contexto de instabilidade política e governativa tem constituído um entrave à continuídade na adopção e implementação de políticas e processos públicos que permitam fazer face aos constrangimentos que as
impedem de gozar em pleno os seus direitos humanos, particularmente os direitos civis e políticos.
A realização deste estudo parte da necessidade de dar uma maior visibilidade e valorizar o papel
assumido pelas mulheres enquanto protagonistas na política formal e ativa, bem como no poder
tradicional. Pretende assim contribuir para o fortalecimento de conhecimentos especificos ao
contexto da Guiné Bissau, através de informação sobre os constrangimentos e as oportunidades à
participação política das mulheres, lançando pistas de reflexão e programação, para que organizações nacionais e internacionais possam melhor promover a participação das mulheres em todas
as esferas da vida pública com base no conceito de democracia, quer na sua dimensão representativa, quer na participativa e inclusiva.
O estudo insere-se no quadro do mandato do UNIOGBIS de proceder à abordagem integrada de
género de acordo com as Resoluções do Conselho de Segurança 1325 (2000) e 1820 (2008) sobre
as Mulheres, Paz e Segurança. A ênfase nos esforços para garantir o direito das mulheres a uma
maior participação nas esferas de tomada de decisão prende-se com um compromisso firme assumido pelo Secretário Geral das Nações Unidas de apoiar os Estados Membros em assegurar processos politicos nacionais inclusivos, com a plena participação de mulheres. Este direito tem origem
no princípio da não discriminação e do gozo igualitário do direito à participação política, tal como
referido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como em outros instrumentos principais de direitos humanos, nomeadamente na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW).
Na Guiné Bissau, de acordo com os dados apurados para este estudo, tem havido uma tendência
inversa, ou seja, a maior percentagem de mulheres na Assembleia Nacional Popular foi alcançada
em 1988-94 (20 porcento), quando ainda vigorava o regime monopartidário. Desde então tem havido um declínio, havendo hoje apenas 10 porcento. O aumento na participação feminina no periodo
pós independência parece estar ligado a um forte apelo à participação das mulheres em todos os
níveis da luta de libertação nacional. Este tipo de incentivos e motivações não voltaram a ser enfatizados. Apesar de se terem criado, em vários momentos da História pós independência, estruturas
e mecanismos nacionais com a finalidade de elevar o estatuto das mulheres, estes tiveram pouco
impacto devido a fatores relacionados à instabilidade sucessiva.
Ora é exatamente neste prisma que o presente estudo procura analisar estas questões, dandolhes um cunho mais abrangente, enquadrando os níveis de participação nos vários contextos politicos, sociais e económicos vividos na História da Guiné Bissau, desde o periodo pré-colonial até à
atualidade, analisando as medidas, opções políticas e instituições que têm ou não promovido uma
participação igualitária de homens e mulheres na tomada de decisão nacional. Por outro lado, uma
das contribuições fundamentais do estudo baseia-se na perspectiva de enquadrar e correlacionar
os diferentes níveis de participação e o papel das mulheres na sociedade guineense, seja no poder
tradicional, na sociedade civil, no setor privado, ou ainda na arena das organizações de mulheres
vocacionadas para promover os seus direitos humanos e em particular a sua participação política
e partidária.
Sendo este estudo abrangente, mas não exaustivo, espero que constitua uma ferramenta para reflexões mais aprofundadas sobre a paridade na política ativa e formal de todos os cidadãos e cidadãs guineenses. Espero também que promova discussões e inspire medidas para que possamos
avançar com firmeza para uma melhor participação das mulheres em todas as estruturas de tomada
de decisão e contribuir desse modo para uma sociedade mais justa e igualitária, em que os interesses e as necessidades de todos estejam representados nas decisões e nos processos políticos
nacionais num verdadeiro sentido de promoção da cidadania.
A nível mundial verifica-se um crescimento considerável da participação das mulheres em Parlamentos Nacionais, de 11.3 porcento em 19951 para 20.5 porcento em 20122. No entanto, considerando que as mulheres constituem mais de metade da população mundial, este número continua a
ser preocupantemente baixo, pois apenas 17 porcento de Estados (33 países) têm atualmente 30
porcento ou mais mulheres nos seus parlamentos3 em todo o mundo.
José Ramos-Horta
Representante Especial do Secretário Geral
das Nações Unidas na Guiné Bissau
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A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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Siglas e Abreviaturas
AD
AMAE
AMIC
ANP
AQUALEICA
BCEAO
BRINFOR
BRS
CBV
CDC
CEAMC
CEDAW
CFPPM
CICER
CNE
CNMT
CNPAPN
OMGB
CRE
CSNU
DICOL
EAGB
ENAVI
EUA
FCG-SD
FEMUGUI
FLING
ILAP
IMC
INACEP
INDE
INEP
JAAC
MASPF
MERCOSUL
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Ação para o Desenvolvimento (Organização Não Governamental)
Associação das Mulheres de Atividades Económicas
Associação dos Amigos da Criança
Assembleia Nacional Popular
Associação de Quadros Leigos Católicos
Banco Central dos Estados da África Ocidental
Brigada Nacional de Formação
Banco Regional de Solidariedade
Comissão de Boa Vontade
Convenção sobre os Direitos da Criança
Comissão Especializada da ANP para Assuntos da Mulher e da
Criança
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres
Ciclo de Formação em Participação das Mulheres na Política e
nas Esferas de Decisão na Guiné-Bissau
Central de Cervejas e Refrigerantes da Guiné-Bissau
Comissão Nacional de Eleições
Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras da UNTG
Comité Nacional para o Abandono de Práticas Nefastas
Organização das Mulheres da Guiné-Bissau
Comissão Regional de Eleições
Conselho de Segurança das Nações Unidas
Empresa de Distribuição de Combustíveis Ldª
Empresa de Energia e Água da Guiné-Bissau
Empresa Pública de Produção de Galinhas e Ovos
Estados Unidos da América
Fórum Cívico Guineense-Social Democracia
Federação das Mulheres Guineenses
Frente de Libertação Nacional da Guiné
Inquérito Ligeiro Para a Avaliação da Pobreza
Instituto da Mulher e Criança
Imprensa Nacional, Empresa Pública
Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
Juventude Africana Amílcar Cabral
Ministério dos Assuntos Sociais e da Promoção Feminina
Mercado Comum do Sul- União Aduaneira de Cinco Países da
América do Sul
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
MSCCPD Movimento da Sociedade Civil para Consolidação da Paz e
Democracia
NADEL Associação Nacional para o Desenvolvimento Local Urbano
OSC Organizações da Sociedade Civil
PAIGC Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde
PCD Partido da Convergência Democrática
PND Partido da Nova Democracia
PNIEG Política Nacional para a Igualdade e Equidade de Género
PPM Plataforma Política das Mulheres
PRS Partido da Renovação Social
PUSD Partido Unido Social Democrata
RA Rede Ajuda (Organização Não Governamental)
REMAMP Rede das Mulheres Africanas, Ministras e Parlamentares
REMPSECAO-GB Rede de Mulheres para a Paz e Segurança da Comunidade Económica para o Desenvolvimento da África Ocidental - Antena da
Guiné-Bissau
RENLUV Rede Nacional de Luta contra a Violência no Género e na Criança
RGB-MB Resistência da Guiné-Bissau - Movimento Bâ-Fata
RMCP Rede de Mulheres Construtoras de Paz
SINAPROF Sindicato Nacional de Professores
SINIM MIRA ONG de luta contra as práticas tradicionais nefastas contra a
saúde da mulher e crianças,
particularmente a Mutilação Genital Feminina.
SOLIDAMI Instituto Nacional de Coordenação da Ajuda Não Governamental
(Solidariedade e Amizade)
SUINAVE Empresa de Carnes Suínas e Aves Domésticas
TINIGUENA Organização Não Governamental Ambientalista
UDEMU União Democrática das Mulheres
UEMOA União Económica Oeste Africana
UM União para a Mudança (partido político)
UNIOGBIS Gabinete Integrado das Nações Unidas Para a Consolidação da
Paz na Guiné-Bissau
UNTG União Nacional dos Trabalhadores da Guiné-Bissau (Central Sindical)
UPG União Patriótica Guineense (partido político)
URTG União Revolucionária dos Trabalhadores Guineenses
VdP Voz de Paz (organização Não Governamental)
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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1. Introdução
As grandes conquistas relativamente ao avanço dos direitos humanos das mulheres foram alcançadas através de movimentos da sociedade civil de mulheres, que conseguiram mobilizá-las em
torno de causas comuns. São exemplos disso o movimento do sufrágio das mulheres (direito ao
voto e de se candidatar para cargos políticos) que teve origem em França no fim do século XVIII,
alastrando depois a todo o mundo. Formaram-se inúmeras organizações nacionais e internacionais
de mulheres, que, em conjunto, conseguiram influenciar a arena política nacional e internacional
para conquistarem o direito de as mulheres participarem em todos os domínios da política (ANDERLINI, 2007; GOETZ, 2009; 2009a).
Pode dizer-se que, apesar de estarem presentes em todas as esferas da vida, as mulheres são quase
sempre relegadas para segundo plano. Segundo Barros e Semedo (2012), as responsabilidades de
que são incumbidas não são tidas como significativas ou de grande importância para a comunidade,
apesar de as atividades subjacentes às suas responsabilidades serem vitais para a comunidade.
Na tomada das grandes decisões elas são dispensadas, assim como na tomada de decisões que
têm a ver com a comunidade e com a sua própria vida. Estamos a falar dos séculos passados, de
um passado recente da História de algumas comunidades, mas esse cenário, infelizmente, ainda
hoje, no século XXI, é vivido por milhares de mulheres em vários países do mundo.
No entanto, apesar de alguma evolução positiva em termos de direitos cívicos, económicos e sociais,
a política continuou a ser o espaço da sociedade dominado por valores e atitudes masculinos, mantendo-se um reduzido acesso pelas mulheres a esse “território”. Em países desenvolvidos, os movimentos feministas alargaram as suas ações para se concentrarem em outros aspetos que permitem
uma transformação das agendas políticas e dos princípios de governação, com a finalidade de os
tornar mais sensíveis às questões de género; em contrapartida, embora haja um esforço redobrado
no sentido de se integrar um maior número de mulheres nos países em vias de desenvolvimento,
tem-se verificado um retrocesso da participação das mulheres na esfera de decisão.
É o caso da Guiné-Bissau, onde as mulheres representam a maioria da população, mas fazem parte
dos grupos vulneráveis (BANCO MUNDIAL, 2009; ILAP, 2010): apresentam níveis notoriamente
mais baixos de educação do que os homens; uma baixa representação na administração pública;
desempenham os trabalhos mais precários com rendimentos mais baixos e acumulando trabalho
doméstico e trabalho produtivo; os casamentos e gravidezes precoces são outros
fatores que lhes diminuem o acesso às oportunidades de educação e desenvolvimento
profissional4; contribuem para a subsistência do agregado familiar através de trabalho
informal com baixo rendimento; uma baixa prevalência de casamentos formais; a falta
de regulamentação do pagamento de pensões alimentícias para pais separados e
ficando, na maior parte dos casos, as mulheres com os filhos para educar; existe um
cada vez maior número de mulheres chefes de família; e, ainda, o sistema de segurança
social que só cobre uma pequena parte da força de trabalho formal, maioritariamente
masculina.
sendo levadas a cabo, tanto no país quanto a nível da sub-região e mundiais. E são disso exemplos,
apenas para citar alguns, as Conferências Mundiais sobre Mulheres das Nações Unidas de Nairobi,
em 1985, a Conferência das Nações Unidas, de Viena, sobre Direitos Humanos em 1993 e a de Pequim sobre as Mulheres em 1995, que tem como principal objetivo o favorecimento de uma política
integrada de género nos processos de desenvolvimento e criar as condições necessárias para a
participação das mulheres nas instituições estatais como sujeitos de pleno direito.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 1979
e a Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 31 de Outubro de 2000,
vêm alertar as nações para a existência de atropelos aos direitos humanos, sobretudo aos das mulheres que vivem nos países em situação de conflito. O Protocolo adicional à Carta Africana sobre
os Direitos do Homem e dos Povos respeitante aos Direitos da Mulher, tambem conhecido pelo
Protocolo de Maputo, foi ratificado pela Guine Bissau em 2003. Contém uma visão ampla dos direitos humanos das mulheres, tendo em conta os problemas especificos encontrados em Africa,
como por exemplo o direito das viúvas à herança, a proibição de casamentos forçados e precoces
e o direito à integridade física e à proibição de todas as práticas tradicionais nefastas, tais como a
mutilação genital feminina.
Estas conferências, assim como as resoluções que dali saíram, mostraram a pertinência e a urgência
de realçar que todos são sujeitos sociais com os mesmos direitos humanos (à vida, à educação, à
saúde, ao trabalho, à participação política), sejam mulheres ou homens, e que podem e devem cada
uma e cada um representar-se e não ser, forçosamente, representado pelo outro.
Mulheres guineenses na conferência internacional da defesa dos direitos das mulheres
(Moscovo, 1979: Arquivo Francisca Lucas Pereira).
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A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Nos países pós-conflito e/ou em situações de instabilidade política e governativa, como é o caso
guineense, o impacto destes mecanismos parece reduzido e as atividades são, na maior parte das
vezes, pontuais, dispersas e nem sempre constituem prioridade. As razões apontadas para esta
debilidade são maioritariamente os reduzidos fundos externos de apoio a estes mecanismos. No
entanto, há que ponderar sobre outras causas e constrangimentos que possam estar na origem
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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destas fraquezas. Realce-se que durante o processo de recolha de informações para a realização
do presente estudo, foram identificadas outras causas, como, por exemplo, a falta de vontade política por parte dos líderes nacionais (vontade essa que deveria traduzir-se em ações concretas
como apoios institucionais); a ausência de mecanismos de implementação de medidas concretas
de apoio às mulheres; a falta de um movimento nacional de mulheres coeso que possa conferir uma
maior legitimidade e apropriação das suas causas comuns (facto subjacente à consequente falta
de um grupo de pressão forte e metódico); a falta de políticas nacionais orientadas para as causas
e ações comuns das mulheres; as reduzidas capacidades institucionais, entre outras.
É na base deste quadro que o Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz
na Guiné-Bissau (UNIOGBIS), decidiu realizar o presente estudo/ levantamento de necessidades
em colaboração com a ONU Mulheres, com vista a uma análise aprofundada da situação das mulheres na política, tendo em conta os seus constrangimentos no acesso ao processo político, bem
como a identificação dos sucessos e suas origens. O estudo teve em conta as motivações e os esforços realizados pelas próprias mulheres, por um lado, e, por outro, a forma como os contextos
sociais, económicos, políticos, históricos, culturais e tradicionais serviram de alicerce ou de obstáculo para uma participação efetiva da camada feminina.
Assim, o utilizar género enquanto conceito que dá conta do caráter socialmente construído de identidades com base no sexo ou perspetiva analítica para aumentar a capacidade de formular novos
sentidos não pode subsumir, segundo Mcfadden (sd) e Chow & Lyter (2002), a ideia de que o
conceito e a categoria de género podem esconder a diversidade de posições, ideias, estatutos e
necessidades de mulheres e homens maid do que aquilo que revela. Assim, é importante na perspetiva de Karim (1995), dar conta de todas as formas concretas através das quais as mulheres assumem os seus problemas, as suas resistências e alternativas nos diversos contextos sociais e
temporais.
Por isso, o estudo toma em consideração o estatuto das mulheres em alguns dos vários grupos étnicos e os direitos e não-direitos que o Direito Consuetudinário lhes reserva; foi dada, ainda, uma
atenção especial às formas como as mulheres vêm o seu papel na política, o modo como os políticos
e outros formadores de opinião o vêm e promovem ou não. Esta dimensão foi considerada importante, na medida em que o papel dos partidos políticos é considerado fundamental na determinação
das perspetivas para as mulheres que aspiram a um cargo público. Segundo Barros e Semedo (2012),
os partidos podem também determinar até que ponto as questões que concernem e preocupam
especialmente as mulheres se tornam parte do debate político nacional e são tidas em conta, de
uma forma séria e comprometida, no sentido de se legislar sobre o aumento da participação política
das mulheres. Esta posição é reforçada por Monteiro (2008: 115) quando refere que a persistente
sub-representação feminina interpela o próprio sistema de representação democrática, com responsabilidades para os partidos políticos pela tendência para a sua masculinização.
chefes de família, mulher baloberu 6, das rainhas e rei femia 7 das mandjuandadi 8, das filhas mais
velhas – que arcam com a responsabilidade da gestão do lar e com o cuidado dos irmãos mais
novos –, vulgarmente apelidadas “matchumindjer” [Maria-rapaz], nas comunidades guineenses, por
essas mulheres assumirem protagonismos não baseados no sexo biológico ou classe social, mas
assente muito mais nas relações intergeracionais de estatuto e de relacionamento com o chão,
conforme assevera Amadiume (1995).
No entanto, há que notar que não se pode falar de feminismo, mas sim de uma multiplicidade de
feminismos, existindo várias correntes de pensamento, que têm evoluído ao longo do tempo, bem
como através das contribuições de feministas de todas as regiões do mundo. Especificamente no
que se refere à integração das mulheres em processos de desenvolvimento, surgiu nos anos 70 a
abordagem de Mulheres e Desenvolvimento. Esta estava baseada na suposição de que as mulheres
se encontravam excluídas dos processos de desenvolvimento económico e social e reclamavam a
sua participação enquanto agentes activas desses mesmos processos. O resultado desta abordagem foi uma maior visibilidade e incremento do papel produtivo das mulheres, no entanto os seus
papéis reprodutivos foram desvalorizados, o que veio a gerar um acréscimo de trabalho e responsabilidades para as mulheres.
A abordagem Género e Desenvolvimento surge em reação a esta primeira abordagem (anos setenta)
e introduz o entendimento da situação das mulheres na sociedade enquanto produto dos processos
de socialização, colocando ênfase na interacção de uma série de variáveis, como por exemplo idade,
sexo, cultura, etnia, meio geográfico, entre outras. Estas determinam questões como relações de
poder, acesso e controlo sobre recursos, divisão social de tarefas, etc.
Esta abordagem utiliza instrumentos de análise que permitem identificar e analisar as relações de género no âmbito de um determinado
contexto sem recorrer a suposições generalizadas sobre o papel e estatuto das mulheres e homens na sociedade, desta forma constituindo
um instrumento de análise que, à partida, está fundado sobre o reconhecimento de que as questões de género são mutáveis e diferem em
cada contexto particular, não se podendo simplesmente importar modelos.9
É com base nesses pressupostos que, finalmente, se procurou identificar e analisar a forma como mecanismos institucionais governamentais
e não-governamentais, bem como políticas e ações afirmativas, podem
ter favorecido ou condicionado o acesso das mulheres à política e ainda
contribuir para a sua melhoria.
Num outro diapasão, Cunha (2011) chama a atenção para os vieses universalistas dos feminismos5
ocidentais que codificam e reduzem a heterogeneidade das mulheres a categorias fechadas. O potencial do caráter etno e logo-cêntrico da categorização feminista dominante esconde a complexidade e a diversidade das experiências
sociais, materiais, simbólicas, políticas e de poder das mulheres, mostrando o quanto podem ser desadequados os conceitos de patriarcado
e género (CUNHA, 2011: 24). São os casos dos papeis de mulheres
18
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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1.1. Objetivos do Estudo
1.3. Metodologia
Se, em termos globais, o estudo visa identificar o nível de participação das mulheres no processo
político, constrangimentos e sucessos no acesso e exercício do poder político e elaborar recomendações de medidas para apoiar um maior acesso das mulheres ao poder formal, em termos específicos foram definidos os seguintes pontos:
Inicialmente prevista para um período de sessenta dias, a realização do presente estudo acabou
por ser mais alargada devido a fatores ligados a sucessivas mudanças e instabilidades políticas e
governativas que abalaram o país. Primeiramente, o falecimento do Presidente da República (Janeiro 2012) e a consequente substituição e marcação das eleições presidências antecipadas (Abril
de 2012), colidiu com o trabalho de campo, condicionou a mobilização e a disponibilidade das nossas entrevistadas devido à campanha eleitoral, chegando algumas entrevistas a serem canceladas
no próprio dia. Depois de uma análise realizada pela equipa de trabalho e tomando em consideração que a maior parte das entrevistadas se manifestaram disponíveis só depois das eleições e, tomando em consideração a possibilidade da realização de uma segunda volta, foi quaseimprodutivo
realizar o trabalho de campo com a profundidade necessária e desejável.
• Realizar um breve historial da participação e mobilização popular e política das mulheres
na Guiné-Bissau;
• Identificar, descrever e analisar os mecanismos e níveis de participação das mulheres ao
nível dos partidos políticos;
• Analisar a participação das mulheres nas eleições (presidenciais e legislativas);
• Avaliar a presença das mulheres a nível dos poderes legislativo, judicial e local;
Finalmente, foram elaboradas recomendações para o desenvolvimento de ações e programas que
podem apoiar e fortalecer um movimento nacional de mulheres, tendo em conta a diversidade de
mulheres em contextos sociais, económicos, geográficos, culturais, religiosos e étnicos a nível nacional.
1.2. Resultados esperados
De acordo com os Termos de Referência, esperou-se com o estudo atingir quatro (4) resultados, a
saber:
• Disponibilizadas informações capazes de ajudar na compreensão das motivações,
possibilidades e constrangimentos relacionados à participação política das mulheres na
Guiné-Bissau desde a independência à atualidade;
• Analisadas as formas como as mulheres desempenham seus papéis, especialmente se têm
em conta questões de género e direitos das mulheres na sua agenda e ação governativa;
• Identificadas, descritas e analisadas as formas de funcionamento das instituições que
devem promover as mulheres na política;
• Produzidas e disponibilizadas recomendações para um programa para elevar a
participação das mulheres na política e um maior acesso das mulheres ao poder político
formal.
20
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Nesta base, continuou-se com os trabalhos no que concerne a redação da parte introdutória e de
contextualização do estudo (metodológica e teórica) e foram reprogramadas as entrevistas para
depois da divulgação dos resultados da 2ª volta (caso viesse a acontecer). Contudo, o ambiente
político ficou radicalmente insustentável e polarizado tendo subjacente as disputas político-partidárias, devido à não-aceitação dos resultados verificados na primeira volta por parte dos candidatos
derrotados, por alegada fraude, e consequentemente, pelo golpe de Estado militar no meio do processo eleitoral, concretamente nas vésperas do início da segunda volta.
Com mais um condicionalismo, a metodologia até aqui adotada tornou-se quase obsoleta, pois a
maior parte das protagonistas não estavam (e ainda não estão no momento de redação deste texto)
em condições de responder individualmente a algumas perguntas relacionadas às questões políticas; alem disso, atendendo aos níveis de desconfiança que a realização das entrevistas podiam
suscitar, a equipa achou por bem apresentar uma nova proposta de recolha e de produção do estudo.
Foi deste modo que as recolhas de informação passaram por momentos de capacitação, através
da realização de um ciclo de formação destinado às mulheres10 inseridas nas organizações políticas
(partidos) e da sociedade civil (Sindicatos, Media, ONGs, Redes de organizações feministas) como
meio de diagnóstico dos problemas e de auscultação de opiniões das mulheres sobre os constrangimentos à sua participação; de identificação de pistas de trabalho com vista à projeção de um programa que visa a elevação da sua participação política; de dotar as participantes de ferramentas
de intervenção pública e política, favorecendo maiores possibilidades de influência e de participação na tomada de decisões ao nível nacional.
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
21
O ciclo de formação decorreu em Bissau e foi subdivido em 4 módulos, num horário diário das 9.00h
às 17.00h, com o seguinte calendário:
Módulos
1
Temáticas
Noções de Política
e Participação das
Mulheres
Datas
Objetivos
25-26/07/12
- Apresentar a situação das mulheres guineenses nos vários
estatísti-setores da vida pública e na família, por meio de dados estatísti
cos;
- debater a situação das mulheres na família; a posição ocupada
pelas mulheres nas esferas de decisão em comparação com os
homens;
- como é feita a educação para a cidadania com ênfase na
educação política e participação das mulheres;
- de que forma a escola e a comunidade contribuem, ou não, para
a participação feminina na política.
2
Participação das
mulheres no
processo leitoral
01-02/08/12
- Entender como o processo eleitoral afeta as mulheres;
- identificar os constrangimentos à participação das mulheres
no processo eleitoral;
- potenciar as medidas que favoreçam o aumento e a plena
participação das mulheres no processo eleitoral.
3
Competências
para a ação
política das
mulheres
08-09/08/12
- Ganhar competências para a organização de eventos; ganhar
competências para participar de forma eficaz em reuniões e
eventos;
- ganhar competências para falar em público;
- ganhar competências para confrontar ideias, argumentar e
defender as suas opiniões em debates públicos.
4
Mobilização das
mulheres em torno
de causas comuns
15-16/08/12
- Entender a importância das ações comuns entre as mulheres e
organizações de mulheres;
- analisar as organizações de mulheres a nível local tendo em
conta as suas limitações e oportunidades;
- identificar recomendações para fortalecer a ação das mulheres
em torno de ações comuns;
- entender a necessidade e componentes para o desenvolvimento
de uma estratégia para a ação comum.
O recurso à metodologia de investigação-ação, enquanto prática educativa de transformação social
(SILVA, 2011), não só permitiu o desenvolvimento de competências das mulheres para a sua
participação política (discursos, comportamentos, atitudes e práticas), mas também desafiar formas
de pensar e organizar, usando técnicas de “pedagogia ativa11” através de jogos, dramatizações,
imagens, estudos de casos, testemunhos e discussões para evidenciar os problemas
(constrangimentos) e aprender com esses mesmos problemas, no sentido de providenciar uma
orientação para um processo que ajude as mulheres a superar essas limitações, envolvendo-as de
forma objetiva em prol da transformação das suas realidades.
Assim, a investigação participativa é um processo de ação social que se inclina a favor dos(as)
dominados(as), oprimidos(as), pobres, discriminados(as). Porque é central a sua preocupação com
as relações de poder, democracia e as suas interações, a investigação participativa não vê qualquer
contradição entre os objetivos do empowerment coletivo e o aprofundamento do conhecimento
social (SILVA, 2011: 106), sendo que as suas atividades integram,
segundo Hall (1981): a) envolvimento das pessoas na definição e análise
das problemáticas sociais que as afetam; b) a educação enquanto
processo que resulta na formulação de novos entendimentos e formas
de ver o mundo; e c) a ação onde as descobertas alicerçam uma ação
orientada e informada (SILVA, 2011: 106).
De acordo com Barros e Semedo (2012), a metodologia deste tipo de
ação de formação remete as participantes (formadoras e formandas)
para uma perspetiva de cidadania ativa12, enquanto prática social e
política que se desenvolve através de processos democráticos
partilhados de empoderamento individual e coletivo, dando espaços a
surgimento de novos conhecimentos e produção de tecnologias de
emancipação social e política.
Aspeto da sessão de capacitação das mulheres em matéria de participação política (Bissau, 2012, Foto: Miguel de Barros).
22
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
23
2. Consciência, Perceções e Práticas
sobre a Participação Política das
Mulheres na Guiné-Bissau
As mulheres foram, durante muito tempo, deixadas na sombra da história. O desenvolvimento da
antropologia e a ênfase dada à família, a afirmação da história das «mentalidades», mais atenta
ao quotidiano, ao privado e ao individual, contribuíram para as fazer sair dessa sombra. E mais
ainda o movimento das próprias mulheres e as interrogações que suscitou. «Donde vimos? Para
onde vamos?», pensavam; e dentro e fora das universidades levaram a cabo investigações para
encontrarem os vestígios das suas antepassadas e sobretudo para compreenderem as raízes da
dominação que suportavam (e suportam) e as relações entre os sexos através do espaço e do
tempo (DUBY e PERROT, 1991: 7).
Consciência, perceções, participação são conceitos que, ligados à prática política das mulheres na
Guiné-Bissau, nos conduzem ao quotidiano dos sujeitos de direitos mulheres e homens, pois é no
convívio diário que os conflitos, as tensões, as liberdades e o impedimento de viver as liberdades
individuais são expressas nas suas mais diversas formas; é também no quotidiano que surgem as
tentativas de resolução de conflitos reinventados sob várias roupagens.
Se tomarmos o conceito de consciência como o lado humano que abrange a experiência, o
processamento de tudo aquilo que é vivenciado pelo indivíduo durante a experiência, o subjetivo,
ela aparece-nos como algo que é mais do que a perceção do mundo; a consciência é, nessa linha,
ser do mundo e ser no mundo, isto é, agir e interagir socialmente, o que faz dela o depositário da
memória e também das expetativas individuais. Na mesma senda, a perceção é definida como a
nossa atenção sobre as coisas e situações que, desencadeada por um processo de observação,
reconhecimento e discriminação, permite aos indivíduos terem o sentido de destrinçar objetos e
situações.
da vida pública. Porém, se por um lado hoje é reconhecida a necessidade de as mulheres terem
uma participação mais ativa na política, e se elas estão presentes em quase todos os setores,
considera-se, por outro lado, que é ainda cedo para grandes regozijos, dado que é pequeno o
número de mulheres no setor público, sobretudo na política e nas esferas de decisão, onde o
verdadeiro poder está instalado.
Diante da consciência que se tem da fraca participação das mulheres na política e no poder, as
organizações da sociedade civil, nacionais e internacionais, as organizações das mulheres e os
sucessivos governos da Guiné-Bissau têm procurado conhecer quais as razões subjacentes a essa
questão. Os dados estatísticos apontam para números e taxas; os diagnósticos mostram que por
detrás desses números estão os fatores educativos, culturais, históricos, económicos; a experiência
e as histórias de vida contadas por mulheres mostram-nos que muitas respostas a esta situação
anómala estão na educação familiar e na escola, espaços das primeiras interações das crianças e
dos/as jovens com o meio, e desses com pessoas estranhas à família. São lugares de excelência da
construção de mentalidades e estruturação de atitudes, quer através da imitação dos colegas ou
dos adultos que se consideram modelos a serem copiados, quer por meio daquilo que é transmitido
pelos professores e pelas professoras e dos manuais esclolares: estereótipos, adjetivações,
desqualificações que por vezes provocam a baixa autoestima e funcionam como fator de
desencorajamento na tomada de decisão de participar na política e de lutar para atingir os mais
altos patamares da política.
Podemos questionar sobre qual a perceção que as mulheres guineenses têm da própria participação
política e se existe uma consciência política que as motive a lutar por uma melhor participação.
Em resposta a estas questões e valendo-nos de entrevistas a antigas combatentes da liberdade
da pátria e de testemunhos das participantes do Ciclo de Formação em Participação das Mulheres
na Política e nas Esferas de Decisão na Guiné-Bissau (CFPPM), as mulheres corroboraram o
encorajamento que a camada feminina recebeu do líder Amílcar Cabral durante o processo da luta
de libertação. Aquele líder exortou as mulheres a participarem, chamando a atenção para a
necessidade do empenho pessoal de cada uma, com vista à sua emancipação. Isso faria e fez com
que houvesse um reconhecimento das mulheres como parceiras dos homens durante essa epopeia.
A participação política está intrinsecamente interligada e articulada à consciência política. Betânia
Gonçalves (2007) considera que a qualidade e o tipo de consciência política mantêm uma relação
de interdependência, tendo em conta todo o caminho percorrido na socialização política do sujeito;
e deve-se ter em consideração o contexto histórico, político, cultural e social, enquanto fatores
que influenciam na construção da consciência e da participação políticas de cada pessoa.
Analisando a participação política das mulheres guineenses, através dos dados estatísticos e de
relatos na primeira pessoa, podemos referir que, se no passado, o espaço das mulheres no mundo
– e na Guiné-Bissau em particular – era exíguo, restrito à vida doméstica, hoje a evolução das
sociedades permite alguma participação das mulheres na vida pública, deixando estas,
paulatinamente, de estarem circunscritas às atividades do privado, a ocuparem-se apenas do
marido, dos filhos e da casa para terem uma participação mais efetiva e mais presente nos setores
Sessão da proclamação unilateral da indepndência nacional (Madina de Boé, 1974: Arquivo Francisca Lucas Pereira).
24
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
25
Amílcar Cabral conseguiu a proeza de uma participação equilibrada de homens e mulheres, que se
reconhecia em ações concretas como a distribuição de tarefas e responsabilidades aos militantes
de ambos os sexos: Comissários e Comissárias políticas, Comités de tabanca compostos por homens
e mulheres, Conselho Superior de Luta, Comité Executivo de Luta, Bureau Político que contavam
com homens e mulheres, e em queas mulheres participavam na tomada de decisões. Pode-se afirmar
que Cabral despertou a consciência política das mulheres, ação que foi sendo consolidada através
da formação de mulheres e homens – na escola do Partido e no exterior –, tanto no âmbito políticoideológico quanto nas vertentes profissionais.
Conhecendo as culturas guineenses, os nossos dogmas e idiossincrasias, Cabral apostou fortemente
na formação/informação, tentando desmistificar algumas práticas que podiam ser nefastas aos
propósitos da participação das mulheres na luta, lembrando às e aos combatentes que A luta de
libertação é um ato de cultura.
Pode-se afirmar que a luta de libertação nacional foi um período de mudança na vida das mulheres
guineenses, pois foi um momento em que a perspetiva de vida da camada feminina se alterou: o
espaço de ação alarga-se do
privado, doméstico para o público;
a militância política e a participação
como guerrilheira e profissional das
mais diversas áreas, abrindo-se,
assim, o caminho para a grande
aventura da construção da
cidadania
das
mulheres
guineenses.
Em relação às opiniões das
mulheres que participaram no Ciclo
de Formação, elas falaram da
reduzida participação das mulheres
na política e nas esferas de decisão,
sobretudo se comparada com a era
do partido único, reconhecendo
que muitos ganhos conseguidos
durante a luta de libertação e nos
primeiros
tempos
após
a
independência foram perdidos;
asseveraram
que
esses
ganhos/perdas estão ligados ao
cumprimento de objetivos bem
traçados, com vista ao alcance da
independência, pois isso exigia de
cada um e de cada uma o
Aspeto do jornal do PAIGC demonstrando níveis de sucessos conseguidos até 1972 nos domínios da educação e formação de quadros,
com ênfase para a questão das mulheres (Boké, 1972: Arquivo PAIGC).
26
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
cumprimento escrupuloso da disciplina partidária e rigor no cumprimento das tarefas e todos
sabiam que não tinham só direitos, mas também deveres a cumprir. Afirmaram, ainda, que a atual
reduzida participação das mulheres na esfera política não se deve à falta de uma consciência
política, mas sim a uma consciência política modelada por uma educação familiar e uma sociedade
que limita as mulheres, por culturas com aspetos prejudiciais à participação das mulheres na vida
pública. E deram vários exemplos, tais como:
• O seguimento escrupuloso de certas práticas negativas, supostamente culturais, e tradicionais
como, por exemplo, a divisão de trabalhos domésticos, privilegiando os rapazes que ficam
sem fazer nada ou vão brincar enquanto as meninas apoiam as mães nas lides caseiras e são,
desde tenra idade, sobrecarregadas com vários trabalhos, muitos deles inapropriados para
as suas idades;
• Na condição de estarem, o menino e a menina, a frequentar a escola, quando se encontram
em casa, a menina é chamada a ajudar a mãe nas tarefas do lar, enquanto o rapaz é deixado
sem tarefas o que lhes permite ir jogar e interagir com outras pessoas da sua idade ou passar
mais tempo a fazer trabalhos de casa;
• Os rapazes têm mais liberdade de falar e são treinados a discutir e a serem persistentes, pois
serão no futuro, conforme reza a tradição, chefes de família. Omi ka ta moli [o homem não
deve ser mole/ o homem deve ser firme]; matchu ka ta tchora [o verdadeiro homem/macho
não chora], são adágios guineenses que vêm reforçar a ideia do macho que deve ser forte;
• O casamento forçado e precoce no núcleo familiar, negociado pelo pai e os tios sem
conhecimento e aceitação da adolescente: a menina é preparada para se casar, a partir dos
13 e 14 anos (mais nas zonas rurais e dependendo muitas vezes do seu desenvolvimento físico).
Em contrapartida, nenhum rapaz é obrigado a casar- se na idade de 14 anos;
• As meninas são educadas para serem obedientes e submissas aos mais velhos e ao marido.
Elas devem guardar segredo quando são violentadas pelos seus parceiros, porque devem
preservar o casamento e o respeito da comunidade: sufridur ta padi fidalgo [as que sofrem
são recompensadas], mindjer ku seta kasamenti ta padi fidjus ku bali [a mulher que aceita
sacrificar-se no casamento, tem filhos empreendedores e felizes] são provérbios guineenses
que encorajam o silenciamento das mulheres.
• A violência psicológica sobre as meninas – que pode acontecer na família e na escola –
através de adjetivos que as desqualificam e minimizam a sua imagem e/ou menosprezam as
suas capacidades e que podem ter como consequência o medo de enfrentar desafios,
confrontar ideias e de defender a sua opinião publicamente.
Assim, entende-se que as conquistas devem começar pela busca de ganhos mais elementares como,
por exemplo, decidir a própria vida (a escolarização/formação, a escolha do marido/parceiro, a
decisão sobre o número de filhos, a gestão do próprio rendimento, uma educação de filhas e filhos
como pessoas de direitos e deveres iguais, etc.). Estas ideias são lançadas pelas próprias mulheres
que falam daquilo que consideram uma espécie de mea culpa, já que são elas que permanecem
mais tempo com as crianças e sentem-se também responsáveis pelos comportamentos destas.
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
27
Todavia, entendem que o desequilíbrio na distribuição de tarefas entre filhos e filhas, assim como
as atitudes que penalizam as filhas em relação aos filhos, é algo automático, que vem de dentro,
porque foram educadas assim, aceitando os clichés e assumindo o discurso estereotipado sobre
si. É disso exemplo quando uma das nossas entrevistadas afirma que:
Para que possa haver mudanças visíveis, as mulheres devem ter coragem de participar, pois elas
têm medo de estar na política; por outro lado, as mulheres não são unidas nos momentos em que
devem estar e em defesa dos seus interesses. As mulheres são capazes de apoiar os homens, mas
vacilam muito quando estão diante de uma candidata, de uma mulher (FLP: 2012).
Escutamos, ainda, afirmações como esta:
Quando fui eleita deputada e já na Assembleia, quis concorrer a membro de mesa da Assembleia,
pude contar com o apoio dos homens do meu partido, pois as mulheres não votaram em mim. Tive
um grande medo de não conseguir vencer e faltava-me confiança em mim (AS:2012).
Apesar de todas as dificuldades encontradas no processo da sua integração no mundo da política,
as mulheres vão ganhando experiência, militando nos partidos políticos e reeducando-se, conforme
as idiossincrasias, reforçando a sua consciência política. Nesta linha, uma das formandas do Ciclo
de Formação testemunhou:
A política parecia-me algo muito estranho, que não me interessava. A minha primeira tentativa de
entrar para um partido político não resultou. Senti-me discriminada, e não levei avante esse intento.
Quando inscrevi-me no partido XXX em 1997, não entendia nada e não percebia o que se fazia na
política. Quando percebi o que era a política, que na política há ganhos e oportunidades, comecei
a participar ativamente, tendo tomado parte nas conferências dos quadros do partido, engajandome seriamente. Não tive problemas com os homens, mas com as mulheres tive muitos. Não me
aceitavam, mas resisti, fiz campanha porta a porta… Fui ativa e astuta durante essa campanha para
o congresso, e as que me desdenharam, quando viram o meu empenho, passaram a ser minhas
amigas. Mobilizei as minhas filhas e sobrinhas que me apoiaram. Eramos cinco a concorrer, e eu
fiquei na 3ª posição. Construí o meu próprio espaço e hoje faço parte da direção do meu partido
(MIM: 2012).
Deste modo, e revelando-se premente a tomada de medidas conducentes à melhoria da
participação das mulheres na política, os sucessivos governos guineenses assumiram compromissos,
assinando acordos, ratificando convenções internacionais como, por exemplo, a Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW), a Convenção sobre
os Direitos da Criança (CDC). A par disso, e ao longo de décadas, várias Conferências regionais e
mundiais sobre Mulheres foram e vêm sendo realizadas: em Nairobi, sobre as Mulheres (1985), em
Viena, sobre Direitos Humanos (1993), em Pequim, sobre as Mulheres (1995). Os Objetivos de
Milénio para o Desenvolvimento que surgem a partir da Declaração do Milénio adotada em 2000;
a Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), de (2000). Realce-se que
a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres chama
a atenção dos Estados membros, de forma enérgica, para a existência de violações aos direitos
humanos das mulheres sobretudo das que vivem nos países em situação de conflito; apela ainda a
que sejam considerados crimes de guerra, e punidos como tal, todas as atrocidades cometidas
contra as mulheres durante os conflitos, como, por exemplo, a violação sexual.
Estes eventos revelam-se instrumentos de persuasão a uma atenção à luta das mulheres para o
seu empoderamento e uma melhor participação política e incitam os Estados a procederem à
elaboração de planos nacionais, com vista à integração da perspetiva género nos planos setoriais
de desenvolvimento. No caso da Guiné-Bissau, a Política Nacional para a Igualdade e Equidade de
Género (PNIEG)13, as ações de formação, informação e capacitação, as campanhas de sensibilização
têm sido um dos caminhos para alertar as mulheres e homens guineenses para a necessidade de
conhecer os fatores que impedem a participação das mulheres na política, reforçar a consciência
política das mulheres e melhorar a sua participação nas esferas de decisão.
Todavia, para além das situações mais visíveis de discriminação e violência contra as mulheres,
vividas no quotidiano, existem outras mais subtis: embora existam leis que expressam a igualdade
entre as pessoas (Artigos 24, 25, 26 da Constituição da República da Guiné-Bissau), leis que
apontam para igual responsabilidade de pais e mães na educação de filhos e filhas e outras que
apelam à não discriminação em função do género, a realidade é que estas e outras do mesmo âmbito
se revelam ineficazes por falta de instrumentos e instituições empenhados na sua implementação
e acompanhamento.
Tendo as mulheres consciência desses fatores negativos à sua participação política, um espaço
masculinizado e muitas vezes hostil, elas enveredam pelos trilhos da Sociedade Civil, das
Organizações Não Governamentais, valendo-se, também, daquilo que vem sendo o percurso das
mulheres ao longo dos tempos.
Assim, cada testemunho dado revela experiências de amadurecimento, de crescimento pessoal das
mulheres, as suas inseguranças e desafios no espaço político, mas sobretudo a preocupação com
os modos de mudar a atual situação, fazendo com que as mulheres possam unir-se em torno de
objetivos comuns. A fraca participação feminina afeta as mulheres a nível mundial, por isso a busca
de soluções é também mundial, expressas em Agendas globais em que cabem as preocupações de
cada país membro das Nações Unidas.
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A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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3. As mulheres e as Estruturas do
Poder Tradicionais na Guiné-Bissau
Apresentar o percurso das mulheres guineenses no acesso ao poder, e em particular nas estruturas
tradicionais, impõe que se debruce sobre os seguintes aspetos: Que percurso as mulheres herdaram
das suas antepassadas? Qual a situação atual das mulheres no que respeita ao acesso ao poder?
Qual a situação do país em termos de regime político: democrático, excludente, permissivo? O
poder é acessível às mulheres? E o poder tradicional, que herança/respostas oferece? Quais os
pontos fortes /aspetos positivos, os problemas/riscos atuais ou previsíveis do ponto de vista do
percurso das mulheres no acesso ao poder e em termos da igualdade de oportunidades? De que
instrumentosdispomos para determinar/responder a estas questões?
Os vários fragmentos da história da Guiné-Bissau a que se pode ter acesso mostram-nos um poder
tradicional organizado piramidalmente com Régulos ou Reis no topo, seguidos de chefes religiosos
(Baloberu, Djambakus, Tcholonadur, Imames), na sua grande maioria homens, que gozam de grande
prestígio na comunidade, seguidos dos súbditos na base da pirâmide. Entre os Régulos e o povo
encontram-se, nessas sociedades chamadas verticais, as várias castas divididas por ofícios; nas
ditas sociedades horizontais, em que não existe a figura de régulo bem definida, há conselhos de
anciãos e o povo, sem uma divisão/ estratificação clara de castas ou linhagens superiores e
inferiores. Em ambas, as mulheres aparecem sempre nos grupos de filhas, esposas, mães, irmãs,
sobrinhas, etc., apesar de terem funções importantes e bem definidas no mundo doméstico e de
participarem em atividades sociais relevantes para a
comunidade. Há grupos que são exceções à regra,
são aqueles em que a linha das sucessões é
matrilinear, outros há em que mulheres e meninas
dirigem cultos religiosos como sacerdotisas e são
responsáveis pelos cuidados do templo tradicional
ou Baloba.
Os referidos fragmentos da história tipificam as
mulheres da costa ocidental africana como
dinâmicas, envolvidas nos mais variados negócios. A
imagem das mulheres registada entre o século XVIe
princípio do século XX apresenta o seu dinamismo
ligado ao intenso movimento comercial dos
Lançados14 ou Tongomaus na Costa ocidental
africana. As nharas, esposas desses comerciantes
que agiam à margem da Coroa portuguesa, tinham
um papel importante, pois vão surgir auxiliando os
maridos nos atos comerciais e como intermediárias.
Quando sentiam os seus negócios ameaçados, eram
capazes de iniciativas extremas. Brito (1993) faz
referência à revolta dirigida por Bibiana Vaz contra a
praça de Cacheu, em 1686, iniciada com a prisão do Capitão-mor, quando a nova administração15
proíbe o comércio com estrangeiros - num momento em que os naturais queriam manter a liberdade
de comerciar e de escolher os seus parceiros comerciais (SEMEDO, 2010).
As mulheres, muitas delas pertencentes às famílias nobres locais (filhas de régulos), contraíram
matrimónio com estrangeiros, sobretudo comerciantes, tendo dado origem aos chamados ‘filhos
da terra’. Esses casamentos “contribuíram para a miscigenação, e foram veículos valiosíssimos,
embora clandestinos, de aculturação nos dois sentidos”, na conceção de Pinto Bull (1989), que
afirma, também, serem os Lançados um fator positivo na formação do crioulo guineense; e nós
acrescentamos, pelo relacionamento, nem sempre pacífico e consentido, com as mulheres nativas.
Conforme Correia e Lança, 1890; Barcellos, 1899-1913, v.3, citados por Havik (2006):
Se na época colonial fora possível simplesmente ignorar ou silenciar a presença de mulheres, as
ñaras, sobretudo as mais poderosas, eram figuras incontornáveis. O facto de um governador incluir
em um dos seus relatórios um esboço “biográfico” sobre uma delas, Ña Aurélia Correia, baseado
em testemunhos orais, indica o prestígio de que esta mulher gozou na Guiné, mesmo depois da
sua morte (HAVIK, 2006: 13).
No século XIX, com a administração colonial já instalada e o núcleo dos denominados kristons em
processo de formação e consolidação, as grandes casas de família, gans16, podiam ser, na época,
ou empregados da administração pública, empregados comerciais, de fábricas ou proprietários de
pontas [quintas]. Estas senhoras faziam das suas casas autênticas
escolas de formação no domínio de lavores (corte e costura,
bordados), culinária e demais artes caseiras consideradas dons
necessários para uma boa dona da casa, numa sociedade em que
às mulheres era reservado o espaço doméstico com todas as
atividades dali inerentes, excluindo-as, na maioria das vezes, do
acesso à escola – reservado aos rapazes.
Recorde-se que as escolas públicas eram escassas e que as
primeiras escolas femininas foram criadas apenas em 1881,
conforme consta do Boletim Official do Governo da Província da
Guiné Portugueza, nº 2, de 1881. Assim, nesses espaços familiares
(gans), a mulher tinha um papel importante, pois para além de
confecionar e vender produtos caseiros que geravam rendimentos
para a família, “era ela quem se encarregava de administrar e
controlar, in loco, as atividades agrícolas e comerciais. Era a
mulher quem estava em contacto mais direto com os
trabalhadores” (MIRANDA, in CARDOSO, 1996: 301).
As mulheres desdobravam-se, ainda, em atividades (fora de casa)
geradoras de rendimento como contributo para a economia
doméstica, participando no comércio informal enquanto
comerciantes, retalhistas ou revendedoras. Muitas eram
proprietárias de bens domésticos, de rebanhos de gados, de
Mulher Baloberu da etnia Bijagó (Ilha de Formosa, 2008.
Foto: Emanuel de Ramos)
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A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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propriedades herdadas dos pais ou adquiridas com os próprios meios. A tradição permitia a
algumas, dependendo do seu grupo étnico, serem proprietárias da casa de família por viverem sós
e terem pessoas a criar e educar sob suas expensas. Outras realizavam os seus próprios negócios,
podendo guardar os seus lucros, e portanto fazer a sua gestão.
Sublinhamos que o próprio governo colonial também se valeu das potencialidades das mulheres
que tinham espírito de liderança. Essas eram levadas a juntar outras mulheres dos bairros
periféricos de Bissau, sobretudo as que participavam nas mandjuandadi, sempre que
havia visitas oficiais, inaugurações e festividades locais. Destacamos, entre várias
anónimas, a figura de Maria Obiara Sambu17 que jogava o papel de coordenadora de
ações recreativas, não só junto das mulheres, mas também junto dos jovens que
apoiava. Fez do anexo da sua casa, no bairro de Chão de Papel, o estúdio de ensaio
de grupos musicais do seu bairro. Apoiou a criação do conjunto musical “Chave
d’Ouro”, tendo-os beneficiado com instrumentos musicais para a banda, que mais
tarde viria a chamar-se “Nkassa Kobra”. Sempre que havia visitas oficiais de
governadores à então capital da província, Obiara Sambu era chamada a juntar as
mulheres de várias mandjuandadi para a festa de receção dos hóspedes.
No que se refere ao poder tradicional, se observarmos a ação das mulheres, desde
os tempos mais remotos aos nossos dias, daremos conta de que elas (nas comunidades ditas
animistas) têm uma participação mais ativa ao nível dos cultos aos ancestrais, deuses ou Irans18,
através das cerimónias religiosas realizadas nas Balobas, como baloberu [sacerdotisas], djambakus
[vidente e curandeiro] (caso da etnia Papel, Manjaca) e casos há em que uma mulher pode ser ao
mesmo tempo djambakus e baloberu. As mais jovens, algumas de tenra idade, são levadas para
esses locais de culto como katandera, ou seja, meninas que ajudam a cuidar da limpeza das Balobas
e abastecimento de água para os potes ali colocados, recipientes que também funcionam como
bebedouro, usados por pessoas que frequentam o local de culto ou as que por ali passam.
Tanto as baloberu, djambakus, quanto as katandera
gozam de grande respeito e prestígio na comunidade,
pois esta reconhece nelas o dom de comunicar com
os ancestrais como intérpretes, videntes e auxiliares
religiosas, respetivamente, e entende, também, que
do desempenho dessas mulheres pode depender a
sua sorte ou má fortuna.
No caso concreto dos Bijagós, este grupo étnico tem
uma estrutura matrilinear, sendo o nome do clã
transmitido pela mãe; o responsável do filho é o
irmão da mãe, mesmo estando o pai vivo. As
cerimónias religiosas são orientadas pelas mulheres,
as Okinkas, rainhas ou sacerdotisas.
Os bijagós têm uma relação especial com os seus
antepassados, considerados entidades espirituais, e
Grupo de Mandjuandade Flur d’Armonia
acreditam na sobrevivência das almas dos mortos.
(Bissau, 2008: Arquivo Odete C. Semedo).
São as mulheres bijagós que, nas cerimónias
concernentes, entram em comunhão-possessão com as almas – orebok-oshó – de indivíduos que
morreram antes de celebrar as cerimónias de iniciação. E são elas a darem a maturidade cultural a
esses indivíduos ao mesmo tempo que completam as próprias cerimónias de iniciação e adquirem
a própria identidade cultural como mulheres e como força autónoma na sociedade bijagó
(SCANTAMBURLO, 2003).
Revisitando o Direito Consuetudinário guineense, num breve olhar a alguns grupos étnicos
(islamizados e animistas), apenas em termos ilustrativo, sobre os direitos das mulheres, constatase que entre os balantas, as mulheres não exercem o poder de decisão relevante nas tabancas,
sejam elas casadas ou viúvas, salvo nas situações em
que não exista um homem que esteja em condições
de exercer esse cargo. No campo religioso, os
titulares do poder espiritual, podem ser escolhidos
entre as mulheres que tenham celebrado a cerimónia
do casamento e entre os homens que já foram ao
fanadu, cerimónia tradicional da circuncisão, porém,
as mulheres só podem assumir funções nesse campo
depois de consultados as/os djambakus, ou seja,
os/as videntes.
As mulheres balantas podem celebrar negócios,
poupar e guardar os seus ganhos, mas não podem
vender terrenos de cultivo, podendo somente ceder
gratuitamente o direito de cultivo. Num casamento
celebrado segundo os seus usos e costumes, a casa
de morada da família pertence ao marido. Em caso
de separação e divórcio do casal, a mulher não pode
pedir a tutela dos filhos; e em caso da morte do
Mulheres bijagos durante a cerminónia de toka tchur
(Ilha de Formosa, 2009, Foto: Emanuel Ramos)
Aspeto de uma feira semanal (Bula, 2008, Foto: Miguel de Barros).
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A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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marido, a mulher não fica com os bens que pertenciam àquele, com exceção dos bens de uso
doméstico e de uso de pequena importância19.
Já entre os Manjacos, as mulheres podem exercer o poder de decisão na tabanca, na condição de
serem responsáveis de uma família autónoma. Elas podem celebrar negócios e conservar o dinheiro
ganho com essa atividade. Num casal, a mulher pode gastar o seu próprio dinheiro e pode também
gastar o dinheiro do casal, se tiver o consentimento do marido. As mulheres manjacas podem ser
proprietárias de bens domésticos, mas o dono da casa de habitação não pode ser uma mulher. Elas
não podem ser proprietária dos celeiros onde se guardam os cereais, porém, hoje, já é possível
encontrar mulheres proprietárias de celeiros, nas tabancas, e elas podem ser proprietárias de
rebanhos de gado.
O casamento para as mulheres manjacas é uma obrigação moral e elas têm liberdade de escolher
com quem vão casar, embora a família possa pressionar no sentido da escolha de alguém que julgue
mais interessante para a linhagem. Num casamento realizado de acordo com os rituais manjacos,
a casa de morada da família, os terrenos de cultivo, os bens domésticos do casal, os rebanhos e os
animais domésticos pertencem ao marido.
Segundo a tradição manjaca, é crime não dar qualquer liberdade à mulher, assim
como escravizar uma mulher; e a “pena” prevista para este tipo de crime começa com
advertências ao marido feitas pela família da mulher. Em caso de não respeito aos
avisos dados, a família pode retirar a mulher ao marido. No caso de a mulher querer
a separação, ela pode solicitar, mesmo que o marido não esteja de acordo. Porém,
em caso de separação, ela não pode pedir a tutela dos filhos, salvo se estes forem
menores (sete anos é a idade indicativa). Em caso da morte do marido, a mulher não
fica com os bens que a este pertenciam. Porém, se a mulher se sentir prejudicada
numa questão relacionada com heranças, ela pode recorrer à autoridade tradicional
competente. Realce-se que não existe a prática da excisão nas mulheres desta
etnia20.
Entre o grupo étnico Mandinga, as mulheres podem
celebrar negócios e conservar o dinheiro ganho,
porém devem informar os respetivos maridos acerca
dos ganhos. Elas podem gastar o seu próprio
dinheiro e o do casal, desde que o marido seja
informado do destino das quantias gastas. Elas
podem ser proprietárias de animais domésticos e
também de bens domésticos, quando os levam para
o casamento ou os conseguem adquirir por meios
próprios.
As mulheres não podem ser proprietárias da casa da
morada de família, dos terrenos de cultivo, dos bens
domésticos do casal, dos rebanhos e dos animais
domésticos, pois pertencem ao marido. Porém, caso
tenham herdado do pai, elas podem ser proprietárias
de casas de habitação, terrenos de cultivo e de
Aspeto das mulheres manjacas em traje tradicional
rebanhos de gado. Podem celebrar negócios
(Ilha de Jeta, 2004, Foto: Romy Matos)
relativos aos terrenos de cultivo de que sejam
proprietárias, devendo o marido estar a par de tais transações.
As mulheres mandingas têm a obrigação de casar a partir dos 14 ou 15 anos, dependendo do seu
crescimento físico e, na maioria dos casos, os pais decidem com quem as filhas se casam. É possível
o divórcio entre mulher e homem casados segundo os rituais mandingas e a separação pode ocorrer
por iniciativa da mulher. Os maus-tratos, o incumprimento da obrigação alimentar, a impotência do
marido estão entre os motivos que a mulher pode invocar para obter a separação e o divórcio.
É crime o marido bater frequentemente e “sem motivos” na mulher e este crime tem como pena a
mulher ser retirada ao marido. É crime o marido dizer
mal e ofender a mulher sem razão; este crime tem
também como pena a mulher ser retirada ao marido.
E em caso de separação os filhos ficam com o pai,
com a exceção dos menores. No caso de morte do
marido, a mulher viúva deve voltar a casar-se e
nesses casos ela casa com um dos irmãos do seu
falecido marido. Em termos de sucessão, as mulheres
podem herdar em caso de morte do pai, mas na do
marido a mulher não fica com os bens que pertenciam
àquele.
A mulher não pode recusar a prática da excisão,
senão poderá ficar isolada na sociedade, ter muita
dificuldade em encontrar um marido e ser proibida
de participar em algumas cerimónias. Hoje, com a
aprovação da lei que proíbe a mutilação genital
feminina, esta prática está sendo desencorajada, pois
é punida pela lei21.
Aspeto das mulheres mandingas preparando a comida para as festividades
da Tabanca (Tabato, 2008, Foto: Miguel de Barros)
Mulheres balantas durante a plantação de arroz (Mansoa, 2008, Foto: Augusta Henriques)
34
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
35
No grupo étnico Mandinga, a mulher é sempre ouvida na resolução dos conflitos que lhe dizem
respeito em matéria de negócios e de propriedade22.
Entre os Fulas, as mulheres podem exercer o poder de decisão, se não existirem homens designados
para o efeito. E elas só podem celebrar negócios (relativos a casas de habitação e a terrenos de
cultivo) com a autorização do marido. Mas, mesmo quando casadas, as mulheres podem gastar o
seu próprio dinheiro e conservar o dinheiro que ganham com a realização de negócios. Elas podem
ser proprietárias de casa de habitação, bens domésticos, casa da morada de família, casas ou
celeiros onde se guardam os cereais, animais domésticos.
As mulheres casam, normalmente, entre os 14 e os 18 anos, dependendo da comunidade e da sua
maturidade. Num casamento celebrado de acordo com os rituais fula, a casa de morada da família,
os terrenos de cultivo, os bens domésticos do casal, os rebanhos e os animais domésticos ficam
normalmente à responsabilidade do marido como cabeça de casal.
O divórcio e a separação não exigem mútuo acordo. A separação pode ocorrer por iniciativa da
mulher mesmo que o marido não esteja de acordo, e os fundamentos para obter o divórcio e a
separação evocados pela mulher podem ser vários, de maus-tratos e agressões que provoquem
lesões graves até infidelidade - o facto de a mulher estar a ser enganada pelo marido com outra
mulher pode ter relevância na apreciação do pedido de divórcio ou separação do casal. Em caso
de separação, a mulher pode exigir a propriedade dos bens a que entenda ter direito, não
prevalecendo a vontade do marido em caso de desentendimento. Num
divórcio, as mulheres recebem apoio económico para as despesas
relativas aos filhos até estes atingirem sete anos ou a maioridade, caso
fiquem à guarda da mãe. Em caso de discordância quanto ao destino
dos filhos, quem decide é a família do casal ou, não sendo encontrada
uma solução no âmbito familiar, a estrutura de poder tradicional da
tabanca.
Em caso de falecimento do marido, as mulheres podem receber bens
deixados pelo morto, mas elas não herdam em igualdade com os
homens. Assim, na repartição dos bens, os filhos ficam com três quartos
dos bens e as filhas com o quarto restante. A mulher pode
normalmente recorrer à autoridade tradicional competente se entender
que ficou prejudicada numa questão relacionada com heranças. Ainda
em caso de falecimento do marido, a mulher pode decidir casar com
alguém da família deste, irmão ou primo.
É crime, entre os Fulas, fazer uma mulher escrava, podendo a pena
variar de admoestação oral, separação do casal ou o infrator ser banido
do convívio da tabanca; e é igualmente crime o marido prender a
mulher em casa e não a deixar sair, a pena para este crime vai da
admoestação, o isolamento da pessoa que praticou o ato à separação
do casal. Se o marido bater frequentemente na mulher e se disser mal
e ofender a mulher sem razão para isso são crimes punidos com penas
que vão da advertência/admoestação - o marido é aconselhado a
36
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Aspeto das mulheres fulas preparando uma refeição (Arredores de Pirada, 2007, Foto: Miguel de Barros)
abandonar essa prática -, o isolamento da pessoa que praticou o ato à separação do casal. A mulher
pode recusar a prática de sexo com o seu marido, desde que tenha justificação válida para isso
(como menstruação, doença, ou gravidez na última fase).
É crime ganhar dinheiro por meio da promoção da prática de prostituição das mulheres. Este crime
é penalizado com advertência para que o comportamento cesse, sob pena de o contraventor ser
expulso da tabanca. A prática da excisão é obrigatória, porém, hoje (desde Julho de 2011) é proibida
e punida por lei.
A mulher fula é sempre ouvida na resolução dos conflitos que lhe dizem respeito em matéria de
negócios ou de propriedade23.
Dentre os mais de vinte e dois grupos étnicos guineenses, os casos acima apresentados são
exemplos adaptados a partir do resultado do Projeto de Recolha e Codificação do Direito
Consuetudinário Vigente na Guiné-Bissau, um quadro traçado apenas para ilustrar o panorama do
direito que a tradição e os costumes reservam às mulheres. São imagens de ambientes em que elas
vivem e como estão representadas no poder tradicional e como as leis tradicionais as protegem ou
não.
O panorama mostra um poder espiritual ou campo religioso onde as mulheres desempenham
funções de relevo por serem autoridades, sobretudo entre os Bijagós, Papeis e Manjacos. Em outros
grupos, como os Balantas, as mulheres podem exercer a função nesse campo, mas apenas quando
não há homens para o fazer e mesmo nesses casos há que consultar os ancestrais e
Irans através dos djambakus. Nos grupos islamizados, os titulares (imames, almames)
do poder espiritual ou guias religiosos são sempre homens.
Na maioria dos grupos étnicos, as mulheres não podem ser proprietárias de certos
bens, só em caso de não haver homens; elas, ao gerirem os seus bens, devem prestar
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
37
contas ao marido, informando sobre o destino dos valores gastos. Porém, constata-se que na
realidade algumas mulheres – um número não significativo – chegaram/chegam a construir riquezas
que, todavia, não controlavam/controlam plenamente, pois a supervisão da terra, das propriedades,
dos gados eram/são da responsabilidade dos homens.
Em relação à participação das mulheres nas reuniões da tabanca onde muitas decisões são
ponderadas e tomadas, dependendo do assunto e daquilo que os mais velhos entenderem que é
interessante elas assistirem, as mulheres chegam a participar de alguns desses eventos, mas nem
sempre podem tomar palavra. Todavia, como as mulheres têm liberdade de cantar, sem restrição,
sobretudo quando pertencem a linhagem dos djidius [trovadores ou griot] ou são djamudur
[carpideiras], ou, ainda, quando são simplesmente cantadeiras ou repentistas nas suas coletividades
(mandjuandadi), as mulheres aproveitam as ocasiões de festa ou outras manifestações culturais
para enaltecerem os Régulos, as grandes famílias e expressarem os seus sentimentos. Esses textos
cantados, construídos no ambiente doméstico ou durante as festas, mostram-se lugares de
expressão de tensões latentes na
comunidade: tensões familiares,
sociais, políticas; e pode-se ler e viver,
em cada uma das cantigas, uma
história de vida, porque as mulheres
cantam a desobediência aos pais e as
consequentes punições, o amor, a
amizade, as injustiças, as violências
doméstica e da guerra (SEMEDO,
2010).
O facto de as mulheres poderem, por
exemplo, em algumas comunidades,
celebrar negócios; poupar e guardar
os seus ganhos; gastar o seu próprio
dinheiro e o do casal; o facto de, na
maioria das comunidades, a mulher ser
sempre ouvida em matéria de negócios
Aspeto de uma reunião das mulheres associadas da Zona Verde
e de propriedades que lhe dizem
(Bercolom, 2008, Foto: Miguel de Barros)
respeito; e, ainda, o de que a mulher
pode separar-se ou divorciar do
marido sem que isso exija mútuo acordo, é um legado que traduz a dinâmica das mulheres nas
respetivas comunidades, no passado, mostrando-se como um ponto de apoio para vencer os
obstáculos que hoje ainda se opõem à participação das mulheres.
O Direito tradicional reconhece alguns direitos das mulheres e quando eles são violados o
contraventor é punido. Estes preceitos, aliados às dinâmicas em favor do empoderamento das
mulheres são precedentes que servem de pilares para as mulheres intimarem os decisores políticos
a procederem a ações afirmativas em favor da sua melhor participação no poder político.
baseada na ideia de que a mulher deve obediência ao marido. Assim, se por um lado existem
interdições à violação dos direitos das mulheres, por outro lado muitas dessas violações são
consideradas como justo castigo à uma suposta falta cometida pelas mulheres. Por exemplo, se
uma mulher sentiu a necessidade de sair de casa para resolver um assunto pessoal, se o fez sem o
consentimento do marido e se, em consequência dessa saída, o marido lhe bater, qual será a
posição da comunidade? Naturalmente, a mulher será considerada culpada porque desobedeceu
ao seu marido. Como este, há muitos casos em que os direitos das mulheres são atropelados, mas
justificados. Na mesma linha, também encontramos exemplos que mostram que o verdadeiro poder
está nas mãos dos homens. São os maridos os que detêm a posse da terra, do celeiro, do gado.
São os filhos a herdarem três quarto da herança dos pais, ficando as filhas com o pouco que resta.
Deve-se realçar que estes fatores, embora constituam, à primeira vista, pontos fracos, eles
apresentam-se, também, como uma chamada de atenção no que respeita aos esforços a serem
feitos no sentido de definir em que setor prestar maior atenção e que estratégias e ações
desenvolver. São pontos a serem revistos na luta das mulheres para o seu empoderamento,
porquanto será necessário um trabalho de sensibilização, formação com vista à mudança de
mentalidades e de atitudes tanto de mulheres quanto de homens. Isso poderá conduzir à aceitação
das mulheres bem-sucedidas nos negócios da terra e outros, enquanto ponteiras ou empresárias
bem-sucedidas, sem o epíteto de feiticeira ou daquela que tem pacto com os Irans, tal como o
homem é aceite e aplaudido quando demonstra grande capacidade de gestão.
Hoje em dia, com os ventos da mudança e mesmo diante de uma sociedade confrontada com os
avanços das novas tecnologias de informação e comunicação; e perante processos de
desenvolvimento que requerem o envolvimento da mulher, exigindo dela maior engajamento, ainda
estamos diante de uma sociedade em que também se assiste às mais abomináveis violações dos
direitos humanos das mulheres. Uma situação que parece controversa, já que, ao mesmo tempo
que se reconhece a indispensabilidade da participação das mulheres, ainda lhe é vedado o acesso
à escola, às esferas de decisão e ao poder. Estamos a falar do poder formal: de dirigir, de estar na
cúpula da organização/empresa ou do partido a que pertence; ou poder informal: estar na direção
da organização da sociedade civil, das associações de base comunitárias, no comércio informal, na
gestão de pontas e outras atividades empreendedoras e geradoras de negócios e de rendimentos
sustentados. Parece, pois, que as portas do poder formal estão ‘enferrujadas’ e por isso de difícil
acesso para as mulheres. Que fazer? Como lubrificar as dobradiças e fazer mover as portas para
melhorar o acesso? Com que aspetos positivos se pode contar, para além dos sinais acima
apontados?
É necessário conhecer o grau de ‘ferrugem’, isto é, o diagnóstico da situação e elaborar estratégias
para desconstruir a linguagem estereotipada que desqualifica as mulheres. E aqui o ponto forte é
que esse trabalho de criar os fundamentos vem sendo feito: existem leis aprovadas, acordos
assinados, convenções ratificadas sobre os direitos humanos das mulheres, políticas nacionais
elaboradas, tais como a PNIEG; algumas mulheres têm consciência da situação em que se encontram
em relação à participação equitativa de homens e mulheres nas esferas do poder, tanto nas zonas
rurais onde mais prevalece a tradição, quanto nas áreas urbanas. Porém, falta o essencial para a
consolidação daquilo que é, ainda em alguns casos, uma perceção não aprofundada das mulheres
Tudo isso mostra que existe uma História do trabalho realizado pelas mulheres, que há vestígios
de bases de proteção das mulheres no poder tradicional, ainda que muito frágeis e marcados por
uma mentalidade tendente a justificar alguns maus-tratos como justos ou merecidos, porquanto
38
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
39
sobre a sua situação, assim como o clima de paz e de tranquilidade que permitirá também consolidar
as parcerias existentes, atrair novos parceiros, construir sinergias e realizar as ações previstas no
quadro da PNIEG, assim como outros programas de ação que visam a melhoria da participação das
mulheres nas esferas de decisão.
A par dessas tarefas, há que fazer com que as promessas feitas às mulheres pelos políticos e
decisores sejam cumpridas, numa conjugação com os inúmeros esforços que vêm sendo feitos pelas
mulheres em torno de objetivos comuns, através das suas organizações e as da sociedade civil que
representam as mulheres em fora nacionais, regionais e mundiais. Isso, também, porque, se por um
lado, se revela difícil o acesso das mulheres ao poder formal, por motivos que já foram acima
apontados, por outro lado o mercado informal revela-se um terreno de mais fácil acesso para as
mulheres e é uma outra porta para a participação política das mulheres.
40
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
41
4. Participação Política das Mulheres Guineenses
e Acesso ao Poder de Decisão Formal
na Guiné-Bissau
instituições políticas e postos de decisão ficou aquém das conquistas da luta, e progressivamente
foi acentuando desigualdade entre os sexos, sobretudo no nível da representatividade nos órgãos
de soberania e noutras estruturas governamentais, assim como no setor privado.
O mais intrigante é que, quando se compara o período de vigência do regime de partido único e o
Quadro 1: Representação das mulheres guineenses nas estruturas de poder: Assembleia Nacional
Popular (ANP)
Regime
O conceito de participação política é extremamente complexo na medida em que inclui um conjunto
de estruturas, práticas, atividades e atores orientados para a influência dos seus interesses, mediante
processos políticos nos quais se implicam. Nesta base, a participação política, dentro dos limites e
padrões estipulados pelo sistema político democrático representativo, é orientado para espaços
das decisões políticas nem sempre inclusivas e satisfatórias, cujo protagonismo dos partidos políticos
enviesa o sentido do conceito de poder, no sentido de reciprocidade das relações humanas.
No contexto africano, esses processos ganham ainda maior intensidade de complexificação na medida em que obedecem as lógicas subjetivas de diferentes sociedades e culturas com formas e estruturas de poder e papéis específicos aos atores em jogo. Tomando em consideração o carácter
violento da dominação colonial e a consequente desestruturação de lógicas e instâncias de gestão
do poder e da administração de ações públicas, este contribuiu para a reprodução de lógicas de
poder de força na pós-independência em vários países.
Na Guiné-Bissau, a participação equilibrada de homens e mulheres nas estruturas de tomada de
decisões esteve no cerne da mobilização e organização do movimento libertador e da luta de libertação nacional, elementos hoje que se encontram no cerne do funcionamento da democracia pluralista. Porém, a dinâmica dos processos políticos e das estruturas de decisão política na formulação
de ações públicas, têm sido marcadas por uma perspetiva paradoxal, deixando a ideia de retrocesso
significativo. Para Gomes (2009: 71) no período pós-independência, a posição das mulheres nas
Datas/Legislaturas
Mulheres
Homens
Percentagem
Mulheres (%)
Obs
Monopartidarismo
1973-1976 (I)
1976-1984 (II)
1984-1989 (III)
1988-1994 (IV)
10
19
22
30
110
131
128
120
8,3
12,6
14,6
20
Multipartidarismo
1994-1999 (V)
9
91
9
1999-2004 (VI)
7
95
7,8
2004-2008 (VII)
13
87
11
PAIGC detém maioria
relativa
2008-2012 (VIII)
10
90
10
PAIGC detém maioria
qualificada
PAIGC
Redução de círculos
eleitorais para 102 (2
lugares atribuídos à
diáspora – África e
Europa)
PRS detém maioria
relativa
da democracia, tomada em consideração a representação das mulheres nos principais órgãos de
decisão, denota-se de facto uma sub-representação das mulheres, quando se esperava o contrário,
como é o caso do poder legislativo, ou seja, o parlamento (ver o quadro 1), no qual se verifica uma
grande disparidade entre a representação de homens face a mulheres e sendo ainda que na legislatura que antecede a abertura política a representação das mulheres deputadas chegou a atingir vinte (20) por cento, mas caindo logo a seguir para nove (9) por cento e
não voltando mais a esse número volvidos quase vinte anos após as primeiras eleições
democráticas24.
Em termos interpretativos, denota-se igualmente que a VIª legislatura (1999-2004)
foi a que teve a menor representação das mulheres guineenses no parlamento, fato
que em nosso entender, foi influenciado pelo conflito político-militar de 1998-99, impactando de uma forma vigorosa no aumento do protagonismo masculino através da
cultura de “matchundadi 25”, enfraquecendo a presença das mulheres na lista dos
partidos políticos, ora enfraquecidas quer na sua capacidade mobilizadora, quer financeiramente, acabando por aceitar candidatos com mais capacidades económicas.
Por outro lado, os principais partidos políticos no concurso ao pleito eleitoral, nas
primeiras eleições multipartidárias em 1994, apresentaram listas nas quais ficou patente a sub-representação das mulheres, fruto de uma prática musculada na luta pelo
Antigas combatentes continuando a luta pelos direitos das mulheres no período da liberalização política
(Canchungo, sem data, Arquivo: Carmen Pereira)
42
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
43
Quadro 2: Candidaturas apresentadas pelos partidos políticos nas primeiras eleições multipartidárias (1994)
Percentagem
das mulheres
Representação
das mulheres
em posição
elegível
% da representação
das mulheres
em posição
elegível
3
4
21
4
1
3
60
3,7
0
1
180
222
50
29
17
3
16
4
6
10
6
1
12,3
7,4
5,5
62
0
0
130
207
12
8
16
9
4
3
3
12
19
7
10,2%
6
33
3,7
3,7
7,2
Partidos
políticos
Nº de
candidatos
FCG-SD
FLING
PAIGC
14
76
PCD
PUSD
PRS
RGB-MB
UM
TOTAL
223
902
Nº de
candidatas
(mulheres)
92
6,2%
Nº de
deputados
eleitos
6
100
poder em benefício dos homens. O quadro 2, demonstra que, a priori, a constituição das listas dos
candidatos a deputado atrofiou as possibilidades de aumento de representação das mulheres no
parlamento, tendo em conta que a base de constituição das listas já fora desigual.
Não obstante a esses resultados, foram eleitas duas mulheres para a mesa da Assembleia, a 1ª Vice-Presidente e a 2ª Secretária, respetivamente. As comissões especializadas e a comissão permanente passaram a contar com a presença das mulheres,
que segundo Gomes (2009: 74), deve-se a pressão de diversas organizações femininas, com destaque para o Instituto da Mulher e Criança - IMC26, através de um projeto
sobre a integração da abordagem do género na política de boa governação, aumentando assim a participação das mulheres nas estruturas parlamentares.
Retrato do logo da UNDEMU desenhado na parede
(Arquivo: UDEMU)
44
Relativamente ao poder executivo, a democratização
do sistema político favoreceu uma evolução positiva
no que concerne a criação de estruturas políticas,
como foi o caso da criação em 1991 do Ministério dos
Assuntos Sociais e da Promoção Feminina (MASPF),
com o mandato de coordenação e implementação de
políticas de valorização do papel das mulheres no
processo de desenvolvimento nacional. Embora este
pelouro tivesse como meta garantir a participação
plena das mulheres guineenses no processo de decisão, alguns autores (GOMES, 2009) consideram
que só conseguiu atingir parcialmente a sua meta,
principalmente ao nível das zonas urbanas, mas também condicionado pela falta de capacidade financeira devido à crise económica na altura, agravada
pelo conflito político-militar de 1998/99.
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Do nosso ponto de vista, o fracasso das ações do ministério deveu-se a uma má interpretação do
regime que, ao invés de definir uma estratégia nacional e uma ação programática visando maior
equidade na transição política, acabou por estender e transferir o mandato da organização de
massa das mulheres (União Democrática das Mulheres – UDEMU) para o ministério, pois os mandatos das duas entidades eram coincidentes, deixando transparecer uma clara atitude de conservação do poder, usando essa organização sem que realmente as mulheres fossem as mais
beneficiadas.
Nesta base, não constitui surpresa que o grosso das pastas que as mulheres são chamadas a liderar
sejam na maioria dos assuntos sociais (educação, saúde, solidariedade, família), demonstrando a
reprodução de uma visão estereotipada da extensão das ocupações domésticas das mulheres para
o espaço público.
Volvidos quase vinte anos após a realização das primeiras eleições multipartidárias na Guiné-Bissau,
não chega a quinze (15) por cento o número de mulheres que participaram no governo, em catorze
(14) executivos, como demonstra o quadro 3:
Quadro 3: representação da mulher guineense nas estruturas de poder: Governo
Ano
Mulheres
Homens
Total
Percentagem
das Mulheres (%)
198927
1
30
31
3,33
Último governo do regime de partido único
(Carlos Correia, 1º Ministro)
199428
2
22
24
9,09
Governo de PAIGC (Manuel Saturnino da Costa,
1ºMinistro)
199629
2
23
25
8,70
Governo de Iniciativa Presidencial (Carlos
Correia, 1º Ministro)
199830
1
15
16
6,67
Governo de PRS em coligação com RGB-MB
(Caetano Ntchama, 1º Ministro)
200031
2
21
23
9,52
Governo de PRS (Faustino Imbali, 1º Ministro)
200132
2
20
22
10
Governo de PRS (Alamara Nhassé, 1º Ministro)
33
2001
3
22
25
13,64
Governo de PRS (Mário Pires, 1º Ministro)
200234
3
16
19
18,75
Governo de Transição (Artur Sanha, 1º Ministro)
200335
4
12
16
33,33
Governo de PAIGC (Carlos Gomes Jr, 1º Ministro)
36
2004
4
21
23
19,05
Governo de Iniciativa Presidencial (Aristides
Gomes, 1º Ministro)
200537
2
26
28
7,69
Governo de Iniciativa Presidencial (Martinho
Ndafá Cabi, 1º Ministro)
200738
5
24
29
20,83
Governo de Iniciativa Presidencial (Carlos
Correia, 1º Ministro)
200839
3
18
21
16,67
Governo de PAIGC (Carlos Gomes Jr, 1º Ministro)
40
2009
6
25
31
24
Governo de Transição (Rui Barros, 1º Ministro)
201241
2
28
30
7,4
Governo de Foram catorze (14) Governos após a
implantação do regime democrático e todos eles
foram chefiados por homens.
TOTAL
42
323
363
13
Foram catorze (14) Governos após a implantação
do regime democrático e todos eles foram
chefiados por homens.
Observação
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
45
Ao contrário de Cabo-Verde, que partilhou com a Guiné-Bissau o mesmo processo de luta pela independência, a instalação do regime do partido único no pós-independência e a adesão ao multipartidarismo nos inícios dos anos noventa, país em que nas vésperas da liberalização política não
se contava com nenhuma mulher no governo (GOMES, 2011:150), a Guiné-Bissau fez o processo inverso, sendo que na abertura política havia 2 mulheres no governo, num total de vinte e seis (26)
ministros. Tome-se em consideração que a instabilidade política permanente que o país tem vivido
concorre para que nenhuma legislatura tenha conseguido chegar ao fim, dificultando assim a consolidação democrática e a não efetividade de políticas a médio e longo prazos: catorze (14) primeiros-ministros em dezoito (18) anos.
Quadro 4: aspeto comparativo da representação das mulheres guineenses nas estruturas de poder:
governadoras e administradoras de região do pós-conflito 1998/99 à atualidade
Governadores
Período
2000/02
2002/03
2004/05
2005/08
2009/Abril12
Pós Abril 12
TOTAL
Administradores
Mulheres
Homens
Percentagem
Mulheres (%)
Mulheres
Homens
0
2
8
6
6
0
20
2
5
6
6
20
20
20
3
3
6
33
30
32
7
39
10
23,1
4
23
2
2
2
1
9
Percentagem
Mulheres (%)
6,1
16,7
33
31
9,4
9,1
19,4
32
191
12,5
12,0
Da análise do quadro acima constata-se que tem havido mais progressos no que diz respeito à presença das mulheres a nível da estrutura governativa desconcentrada do que da centralizada, neste
caso o governo, chegando as governadoras a atingirem vinte por cento durante uma década e as
administradoras a posicionarem-se no global com doze por cento. A participação das mulheres a
nível de governos regionais consegue suplantar quer a presença das mulheres no governo quer no
parlamento.
AElementos
variável do
instabilidade
constituium
crucialquatro
de desequilíbrio,
na medida
em que
desengoverno da VIIª
Legislatura noelemento
qual se destacam
mulheres integrantes
(da esquerda
paraadireita):
Lurdes luta
Vaz, Secretária
de Estado
do Turismo, Odete
Costanuma
Semedo,
Ministra dada
Saúde
Pública
, Eugénia Saldanha
patrimonial
do Estado”,
freada
pelo acesso
e conservação
do poder,
perspetiva
“visão
Araújo, Ministra da Solidariedade Social, Família e Luta Contra a Pobreza Saúde Pública e Isabel Buscardini, Ministra
dos Combatentes da Liberdade de Pátria (Bissau, 2004, Arquivo: Lurdes Vaz).
vem minando a tranquilidade governativa. E a combinação de recursos limitados e a disputa pela
sua posse têm sido, desde sempre, potenciais fatores da instabilidade e da luta política na GuinéBissau, porquanto as posições administrativas não são encaradas como um serviço a prestar à comunidade, mas como uma antecipação dos privilégios que o exercício da função garante (NÓBREGA,
2003). Baseado nesses pressupostos, compreende-se a ausência, na lei eleitoral, de qualquer tipo
de mecanismo regulamentador da participação equitativa de homens e mulheres no processo eleitoral.
Por outro lado, sustenta-se que é deste modo que até agora o país não conseguiu avançar para as
autarquias locais, algo que, do nosso ponto de vista, poderia favorecer uma via alternativa de socialização no poder por parte das mulheres guineenses, sobretudo se tomarmos em consideração
as possibilidades de candidaturas independentes. Dos dados obtidos sobre a situação desde as
primeiras eleições pós-conflito político militar de 1998/99 (quadro 4), verifica-se o seguinte:
No que concerne ao poder judicial, o estado situacional da sub-representação das mulheres guineenses não difere muito dos outros poderes acima analisados. Embora o país conte com uma mulher na presidência (já no seu segundo e último mandato) da sua instância máxima, Supremo Tribunal
da Justiça, a presença das mulheres é fraca, na medida em que, dentre 79 juízes, as mulheres representam apenas 16,46%. Já a nível da Procuradoria-Geral da república, constata-se que, dos 80
magistrados, as mulheres representam apenas 15% (ver o quadro 5).
Quadro 5: Representação das mulheres guineenses nas estruturas de poder: Poder Judicial
Instituição
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Sexo
Homens
Magistratura
Judicial
ProcuradoriaGeral da
República
Mulher
Total
Percentagem
da Mulher (%)
8
1
11,11
9
Juiz(a) Desembargador(a)
Juíz(a) de Direito
Juiz(a) do Setor
8
23
27
0
10
2
0
30,3
6,9
8
33
29
Procurador(a) Geral
Procurador(a) geral-adjunto
66
10
5
13
1
2
16,46
9,09
28,57
79
11
7
53
9
68
12
14,52
15
80
Juiz(a) Conselheiro(a)
Total
Total
46
Categoria
Delegados(as)
62
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
47
Importa dizer que, embora os vários momentos de instabilidade e tensão política vividos ao longo
de 2012 não permitiram a recolha e atualização dos dados do setor judicial, constatou-se que nos
últimos dois anos (2010-2012) houve uma evolução positiva da presença de mulheres ao nível do
Tribunal Regional de Bissau e do Tribunal de Comércio. Dos vinte e cinco (25) juízes de direito, catorze (14) são mulheres.
4.1. A Vigência Democrática: dinâmicas de participação
e protagonismo das mulheres guineenses num
contexto de instabilidade política e governativa
De acordo com as entrevistas feitas no local, constata-se que:
A Guiné-Bissau afirma ser um país democrático. Uma bandeira hasteada, sobretudo, depois da
abertura política em 1991 e assinalada pela revisão da Constituição da República e que culminou
com a queda do artigo IV. Este expressava que o PAIGC era a força política dirigente da sociedade
e do Estado. Outros eventos importantes que então se destacaram foram a aprovação, a 9 de Maio
de 1991, da Lei Quadro dos Partidos Políticos e o processo de liberalização económica e adesão da
Guiné-Bissau à UEMOA iniciada em 1987, com raízes desde 1983. Estes factos fizeram com que aos
olhos do mundo a Guiné-Bissau fosse classificada como um dos países em vias de democratização.
Eram os ventos da mudança trazidos, também, pelas transformações que na época se vivia, sobretudo, no leste europeu. Era necessário, pelo menos, flexibilizar o PAIGC, enquanto partido no poder
pressionado a abrir-se, mas de que forma este partido se propunha a fazer isso?
Essa evolução tem sido lenta e quase inexpressiva. Digo isto porque, apesar de ter aumentado o
número de magistradas judiciais, as mulheres continuam sem assumir cargos de maior relevo. Até
à data apenas uma mulher atingiu o topo da hierarquia na carreira, a atual presidente, não
existindo nenhuma outra mulher a desempenhar as funções de juíza conselheira, nem de juíza
desembargadora (…) por outro lado, ao nível dos juízes de direito, o número de magistradas
continua a ser inferior ao de magistrados, porque não se deve esquecer que, para além do Tribunal
Regional de Bissau, existem outros Tribunais Regionais no interior do país. (Samarise Barbosa,
Juíza de Direito e em funções na Vara Cível do Tribunal Regional de Bissau, 2012)
No cômputo geral, as análises da presença das mulheres guineenses nas estruturas de decisão ao
longo dos anos, demonstraram que o processo tem sido lento, cheio de vulnerabilidades e com retrocessos preocupantes, porém as mulheres conseguirem romper com alguns preconceitos sobre
os “lugares dos homens e das mulheres” num contexto onde as desigualdades de direitos e de
oportunidades entre os sexos continuam a penalizar aquelas que constituem a maioria da população nacional, contundindo as bases em que assenta um país democrático: os direitos humanos, e
neste caso, os das mulheres.
De partido único no poder, o PAIGC passa a partilhar o espaço político com as demais formações
partidárias então criadas e com outras que já existiam, mas que, por razões óbvias, não podiam
manifestar-se se não no exterior. Porém, para muitos analistas a abertura política tinha a ver com
os fracassos das políticas de liberalização que levaram os regimes autocráticos a iniciarem a abertura política, como uma forma de recuperar o controle do sistema. Para outros, “são os pressupostos
ideológicos e os efeitos sociais do liberalismo que contribuem para minar as bases do sistema monolítico e agudizam a crise deste sistema político inadaptado ao novo ambiente em movimento”
(KOUDAWO, 2001: 134-135).
Apesar das tensões e controvérsias próprias de momentos de transição política e económica, o
processo de abertura política foi se fazendo com decomposições e recomposições do xadrez político
até às primeiras eleições pluralistas. Nesse processo, as mulheres tiveram pouca visibilidade enquanto protagonistas, aparecendo apenas como a claque de candidatos e partidos. Vejamos, em
termos abreviados, o quadro das eleições que viriam a ser marcadas, todas elas, por dúvidas sobre
as vitórias de partidos e candidatos, conturbações e conflitos:
Maria do Céu Silva Monteiro (no centro de branco), convidada de honra do VI encontro dos presidentes do Supremo
Tribunal da Justiça do Mercosul (Brasil, 2008, Arquivo: http://www.stf.jus.br/encontro6/cms/vertexto.asp?pagina=galeriafoto).
Na sequência do processo de abertura política foi criada a Comissão Nacional de Eleições (CNE),
facto que demonstrava que as bases estavam sendo preparadas para as eleições. Contudo, não
houve nenhuma figura feminina nesse órgão. E das eleições de 1994 às de 2012, nenhuma estrutura
diretiva da CNE teve mulheres, com a exceção da presidência que teve a sua vigência de 2000 a
2004 em que foi indigitada/nomeada uma senhora para o cargo de presidente da CRE de Bissau,
na pessoa de Maria Segunda Teixeira. As mulheres vão aparecer a ocupar sempre as funções administrativas, como as de secretária e as de Agentes Eleitorais. Lembre-se que o/a presidente da
CNE tem o voto de qualidade em casos de empates de candidatos.
Em relação às eleições, em 1994 tiveram lugar as primeiras eleições multipartidárias (presidenciais
e legislativas) da Guiné-Bissau. Registou-se uma candidatura feminina, a de Antonieta Rosa Gomes.
Essas eleições foram ganhas pelo candidato do PAIGC e por este partido. Antes do fecho desse
ciclo eleitoral o país assistiu a um conflito político-militar que durou onze meses, de 7 de junho de
1998 a maio de 1999.
48
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
49
Após esse conflito que derrubou o Presidente João Bernardo Vieira, foram realizadas novas eleições em que
aparece Antonieta Rosa Gomes, mais uma vez, como
única mulher a candidatar-se. Kumba Yalá e o seu partido PRS ganharam, tendo este assumido o cargo de presidente da República em 2000.
Em 2003, antes do fecho do ciclo eleitoral e m que foi
eleito, um golpe de Estado derrubou Kumba Yalá e leva
à presidência interina o senhor Henrique Pereira Rosa.
Em abril de 2004, tiveram lugar as eleições legislativas
e em 2005 as presidenciais que reconduziram João Bernardo Vieira (Nino) ao mais alto cargo da nação guineense, depois de um exílio de quase sete anos.
A 3 de março de 2009 o Presidente João Bernardo Vieira
foi assassinado – tendo o então presidente da ANP, Raimundo Pereira, passado a exercer o cargo de Presidente
Interino – facto que motivou a realização das eleições
presidenciais antecipadas, marcadas para 28 de junho de 2009. Estas viriam a ser vencidas por
Malam Bacai Sanhá que morre de doença a 9 de Janeiro de 2012, tendo sido substituído por Raimundo Pereira, ainda Presidente da ANP.
Cartaz de campanha da primeira candidata às eleições presidenciais na GuinéBissau (1994, Arquivo: Antonieta Rosa Gomes)
Na sequência desses acontecimentos, é marcada a eleição presidencial antecipada, para Junho de
2012, para a qual catorze pré-candidatos apresentaram candidatura, sem nenhuma presença feminina. O Supremo Tribunal de Justiça, então presidida por uma mulher – Maria do Céu Silva Monteiro
–, viria a aprovar nove candidaturas, e foram as de Afonso Té, Baciro Djá, Carlos Gomes Júnior,
Henrique Pereira Rosa, Kumba Ialá, Luís Nancassa, Manuel Serifo Nhamadjo, Serifo Baldé e Vicente
Fernandes.
Carlos Gomes Júnior foi o candidato mais votado, secundado por Kumba Ialá e, como consequência,
ficaram apurados para a segunda volta. O escrutínio não viria a ter lugar, na sequência de perturbações políticas que vai culminar com um golpe de Estado perpetrado pelos militares a 12 de Abril
de 2012. Realce-se que em todas essas convulsões as mulheres não aparecem no primeiro plano,
mas, sim, nos bastidores do conflito como apoiantes de candidatos em conflito.
Voltando aos partidos políticos, eram muitos e constituíam uma aparente maioria, todavia não
conseguiram vitória nas primeiras eleições multipartidárias, ganhas pelo antigo partido único, que
(volta ao) continua no poder. É neste contexto de vários partidos, dentre os quais se
contava com o Fórum Cívico Guineense/ Social Democracia (FCG-SD) liderado por uma
mulher – Antonieta Rosa Gomes42 – que vamos assistir a uma queda drástica do número de deputadas na Assembleia Nacional Popular guineense (ANP), numa conjuntura em que era suposto o número de mulheres ascender. E esta realidade vai
contrastar com a participação ativa de mulheres nas campanhas eleitorais. Elas são
chamadas, em massa, para apoiarem as máquinas dos candidatos ou dos partidos:
cozinham, dançam, apelam a outras mulheres a participarem, porém e curiosamente
50
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
elas não se vêm como candidatas e não há nenhuma chamada de atenção visível no sentido de
alertá-las a que lutem para constarem como cabeças de lista e a que aspirem a lugares de decisão
nos seus partidos. E mesmo perante a existência de um partido político liderado por uma mulher,
considera-se que não houve um trabalho forte da líder desse partido direcionado às mulheres, e a
reação da camada feminina foi de indiferença e/ou de pouca adesão a essa formação política.
Relativamente a esta questão, quando as participantes do Ciclo de Formação em Participação das
Mulheres na Política e nas Esferas de Decisão foram confrontadas com esse facto e questionadas
sobre a fraca adesão das mulheres ao partido liderado por uma mulher, as respostas quase unânimes das participantes foram:
(i) A líder desse partido não é simpática; (ii) Ela julga-se importante; (iii) Passa pelas pessoas e não
cumprimenta; (iv) Não relaciona bem com ninguém; (v) Ela não tem jeito para a política, porque
não sabe cativar as pessoas; (vi) Ela só começou a falar um pouco com as pessoas quando quis
votos, ali a maioria das mulheres não aderiu e muitas já tinham os seus partidos.
Perante essas inferências, as formandas foram questionadas sobre o que se mostrava mais importante, se o juízo de valores – a maneira de estar dessa líder na sua vida particular, o seu comportamento – ou a iniciativa, que ela teve, de criar uma formação política. Chamou-se a atenção das
participantes para aquilo que deveria/deve ser privilegiado, a causa comum das mulheres (a sua
exclusão) e o que a existência desse partido poderia ter representado para as mulheres: uma oportunidade para muitas mulheres participarem na política e de as mulheres se envolverem em torno
do que poderia ser transformado nessa causa comum.
Outra chamada de atenção foi no sentido de questionar se as participantes (ou pessoas da sua
convivência) fizeram/fazem as mesmas exigências aos líderes masculinos: ser simpático, cumprimentar as pessoas, relacionar bem e cativar militantes. Parece que às mulheres, para além da sua
competência e capacidade é-lhes exigido que, por um lado, prolonguem o afeto e a simpatia do espaço privado, estendendo-o à vida política/pública e por outro lado que assumam também uma
postura de homem, imitando a dureza e a frieza masculinas, uma espécie de mulheres adoptadas,
conforme Conceição Osório rotula algumas parlamentares moçambicanas “que absorvem o modelo
de intervenção masculino, utilizando a agressividade, a confrontação, o espírito de superioridade
para se imporem”; reafirmando, ainda, que “raramente estas mulheres intervêm em defesa dos direitos humanos das mulheres, considerando-se acima da realidade concreta que mantém a mulher
(…) em submissão” (OSÓRIO, 200443).
Não é raro escutar-se, também no nosso meio, afirmações como: “i ta bisti nan son saia, ma es i omi
limpu” [Ela usa saia, mas o que temos ali é um homem de verdade] ao se dirigir às mulheres que assumem chefias, lideranças ou direções de empresas, de partidos ou associações com rigor, disciplina, profissionalismo e que não são condescendentes com os/as que não cumprem as regras
básicas da organização. Mas, será que ao assumirem essa postura essas mulheres não estarão a
entrar no “jogo político” de criar o próprio espaço num ambiente construído e gerido por homens?
Se sim, faltará, no caso, que essas mulheres construam igualmente a atitude de defender os interesses e os direitos humanos das mulheres.
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
51
As constatações acima conduzem a um necessário revisitar da participação das mulheres durante
a Luta de Libertação Nacional, os primeiros momentos da independência, e o papel das mulheres
durante os conflitos que vêm assolando o país. Conforme já se afirmou, o período da luta de libertação nacional mostrou ser uma ocasião de viragem na vida das mulheres. Apesar de ser uma altura
em que se viveu lado a lado com a violência, numa escala inimaginável – a desumanidade da
guerra –, tratava-se de uma violência de fora para dentro. Havia um inimigo comum (o colonizador)
a combater e os que aderiram à luta uniram-se em torno desse objetivo comum orientado por programas ideológicos bem delineados.
Hoje, contrariamente ao que se viveu nesse período, a violência é de dentro para dentro, as guerras
são fratricidas, as violências são geradas também no próprio país e é masculinizada, numa afirmação
de matchundadi sempre suportada pelo uso da força de armas de fogo. Segundo os analistas políticos, esses conflitos cíclicos têm a sua origem nas crises políticas e militares aliadas às ”dificuldades nascidas da passagem da teoria de Estado revolucionário à prática administrativa num
contexto mal preparado para esta experiência” (KOUDAWO, 2001: 131). O país viu-se mergulhado
em conflitos, os cidadãos foram obrigados a criar uma estratégia de sobrevivência e de convivência
com a violência interna. Neste contexto, é pouco ou quase nulo o número de mulheres que tomam
parte ativa nos conflitos, preocupando-se a maioria da população feminina com a segurança dos
filhos e dos seus bens. Parece, contudo, que tudo isso pode estar ligado, também, ao facto de, no
efetivo militar guineense, constar um número muito reduzido de mulheres com uma ainda menor
representação nos lugares de chefia das Forças Armadas.
Tomando como exemplo o conflito político-militar de Junho de 1998 a Maio de 1999, constatou-se
que não houve uma participação significativa de mulheres, enquanto militares e nas frentes de combate, tanto da parte dos revoltosos quanto do Governo. As mulheres colaboraram mais nos bastidores, na preparação da alimentação, na comunicação social, na ajuda humanitária, etc.
Mulheres soldados desfilando no dia dos heróis nacionais (Bissau, 2005: Arquivo: Lurdes Vaz).
52
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Da parte dos então membros da Assembleia Nacional Popular, duas mulheres destacaram-se pela
sua participação na Comissão da Boa Vontade44, Teodora Inácia Gomes45 e Francisca Vaz Turpin46,
na ocasião ambas deputadas. Essa Comissão, segundo Cardoso (2008), era o primeiro envolvimento
direto da sociedade civil nos atos de negociação pela paz. Constituída por cidadãos comuns, a Comissão tinha como finalidade “evitar que o conflito perdurasse e se alastrasse a outras regiões do país”, tendo-se envolvido nas negociações
com o então Presidente da República, João Bernardo Vieira, e o Brigadeiro Ansumane Mané, chefe da autoproclamada Junta Militar, os dois
protagonistas daquele conflito.
A ação dessa Comissão, aliada à intervenção de organizações sub-regionais e das Nações Unidas, teria resultado em assinaturas de acordos, algumas sessões de cessar-fogo, mas que acabavam sempre não
sendo respeitadas pelas partes em conflito.
Da parte da Junta Militar, destacou-se, já não pela positiva, Djatu Camará, pela adesão às ações de propaganda belicista difundidas nas
emissões da Rádio Bombolom, então batizada com o nome de Voz da
Junta Militar, após ter sido tomada de assalto pela rebelião. Conhecida
por “Pomba Branca” nas zonas controladas pelos revoltosos, Djatu Camará tinha um tempo de antena que usava, igualmente, para trocar galhardetes com os locutores da Rádio Nacional (RDN), controlada pelo
governo. A linguagem usada por esses locutores, na maioria das vezes,
era instigadora e de apelo à violência. Este exemplo, embora registado
como um caso isolado, pode desconstruir, em certa medida, a ideia,
algo generalizada, de que as mulheres devem entrar na política porque
são mais pacificas do que os homens. Outrossim, e apesar de se reconhecer nas mulheres sensibilidade para as causas sociais, pretende-se
mostrar que também existe o risco de as mulheres caírem na intolerân-
Aspeto das mulheres fulas preparando uma refeição (Arredores de Pirada, 2007, Foto: Miguel de Barros)
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
53
cia; dali a necessidade de sensibilizar e formar mulheres e homens para o exercício político. Sendo
este exercício uma das práticas da cidadania, portanto um direito que assiste tanto aos homens
quanto às mulheres, excluir a camada feminina da política significa afastar as mulheres dos centros
de decisão, o que evidencia o afastamento da camada que representa os interesses de mais de metade da população dos lugares onde as decisões são tomadas.
4.2. Influências das mulheres na política e nas tomadas
de decisão: o papel das Organizações da Sociedade
Civil e das redes femininas
Existem inúmeros exemplos de que as mulheres têm a mesma capacidade de cometer atos bélicos
e/ou que podem provocar conflitos violentos ou situações de intolerância, da mesma forma que
os homens, por isso não se deve essencializar a “natureza” e a “sensibilidade” da mulher como
condição para a sua participação política, mas partir do princípio de que as mulheres são sujeitos
de direito, assistindo-lhes o direito ao exercício de cidadania.
Num panorama minimalista, a questão da participação política das mulheres é muitas vezes apresentada como um problema do “mercado político”, ou seja, oferta dos partidos às mulheres e a
(in)disponibilidade das mulheres para a vida política e partidária. Na Guiné-Bissau, este preceito
fica completamente obsoleto, se tivermos em conta a própria fraqueza das estruturas partidárias
em apresentar propostas de inclusão de mulheres, dado que os partidos tendem a não ser nem
democratas e nem do interesse dos cidadãos e cidadãs (considerando que as suas bases sociais
são quase inexistentes) diante da competição política que se mostra desvirtualizada e ancorada
em duas formas principais:
Vale destacar, ainda na sequência desse conflito, o papel da então Governadora da região de Gabu,
Satu Camará Pinto47, que ao despoletar do conflito de 7 de Junho se encontrava nos EUA em missão
de serviço. Regressou ao país e à Região de Gabu (1997-1999) onde entrou em negociação tanto
com os militares do governo ali colocados, quanto com o chefe da Junta Militar, tendo conseguido
que não houvesse derramamento de sangue nessa região. Os revoltosos acabaram por tomar Gabu,
sem que houvesse resistência dos militares que ali se encontravam. Tal atitude foi aplaudida, pois
teria poupado vidas humanas. A nível da região os comentários que se ouviam era sobre como a
governadora tinha sido matchu [macho/homem], ao solicitar o encontro com o Brigadeiro Ansumane
Mané, para discutir a questão do não prolongamento da guerra à região de Gabu.
Em relação à não participação ativa das mulheres nos conflitos, este facto pode ter a sua origem
não apenas no número de efetivo feminino nas forças armadas, mas também numa quase exclusão
das mulheres nos órgãos de decisão do partido, então partido/Estado no período pós independência e nos governos subsequentes, porquanto é nas esferas de decisão que os maiores conflitos têm
lugar. É pois na cúpula que se geram as tensões políticas de difícil gestão pelos atores, e que na
maioria das vezes requer a intervenção de uma terceira parte que vai sair no seio da Sociedade
Civil organizada. E esta tem-se mostrado como o lugar onde as mulheres tomam parte e assumem
uma liderança exemplar.
• Governar em forma de “único partido”, através de fechamento de canais a outras formações
políticas na oposição: isto passa pela distribuição dos cargos públicos e técnicos aos militantes do partido no governo, favorecimento de um regime de empresariado associado ao
partido no governo, financiamento à criação de organizações filantrópicas e de solidariedade
do circuito do governo e do controle das ações mediáticas, asfixiando o campo da ação dos
partidos na oposição;
• Violência (verbal, física e moral) na competição democrática, baseado nos golpes de Estado:
funciona como forma eficaz de alterar a ordem democrática e acesso ao poder político e económico, independentemente dos resultados eleitorais. Os sucessivos golpes de Estado têm
levado o país a ser gerido «de transição a transição» por governos ditos de unidade nacional,
gerando um grupo de atores amplamente dependentes da profissão política, conseguindo
deste modo angariar fundos para sustentar a sua base eleitoral, de aliança e/ou suporte (militar).
Assim, se é verdade que a democracia eleitoral não criou, na Guiné-Bissau, práticas de participação
com direito à representação política, torna-se clara a necessidade de reformulação das bases políticas para atores engajados na vida pública e política, para além dos partidos, do concurso ao
poder político e às lógicas de atuação das organizações formalizadas (BARROS, 2012). Para Tripp
(1988), esta perspetiva é deveras crucial para compreender a sociedade civil em África no que se
refere à questão do género, advertindo que a vida organizacional das mulheres não é devidamente
considerada, uma vez que as suas lutas políticas não são limitadas apenas ao espaço político, mas
também doméstico.
54
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
55
4.2.1. As Organizações da Sociedade Civil (OSC)
Borges (2011) argumenta que, para as mulheres no contexto guineense, as associações providenciam
uma oportunidade para aprender e para se comprometer com a política e através da participação
nas atividades por elas organizadas (e o desempenho dos cargos associativos) contribui para o
treino de competências organizativas e burocráticas modernas, assim como de valores mais abstratos que as informam. Segundo esta autora, ao participarem de uma praxis quotidiana nas associações, as mulheres acabam inseridas num processo de educação informal de atividades
organizativas e técnicas, que contribui para a elaboração-reelaboração das culturas populares e
para a formação para a cidadania. E a vida associativa por vezes é o ponto de partida para outras
responsabilidades a nível local ou nacional (BORGES, 2011: 2006-207).
Exemplificando, Barros e Rivera (2010: 615), atestam que esta forma de “engenharia social” desencadeada por agentes como as Mandjuandades, bideiras48 têm influenciado aspetos comportamentais e relacionais de grande parte dos guineenses, permitindo a afirmação não só de sociabilidades
como de construção de alternativas de emprego, geração de rendimento e até influências na governação, alicerçados nas redes sociais, entre o localismo e o cosmopolitismo, como sujeitos sociais,
contribuindo assim para desconstruir a dicotomia formal/informal mostrando a sua relação e intersecções.
Para Cardoso (2008: 6), esta dinâmica da cidadania, embora lenta,
transcende os limites do imediato, abrangendo valores e expectativas,
gerando, ainda, uma visão alternativa da sociedade. Esta, por sua vez,
encontra-se ao mesmo tempo enraizada no passado e ancorada no
mundo moderno, no espaço de exercício dos valores democráticos,
através de uma autorregulação ética e de uma autonomia que a cidadania seccionada no seio do Estado moderno é incapaz de oferecer,
no caso particular da GuinéBissau (Cardoso, 2008: 6).
De acordo com Barros
(2012), pode-se considerar
que o contributo mais significativo da Sociedade Civil
guineense teve incidência
em três polos: a) no assegurar dos serviços de base
(acesso à educação, saúde);
b) na promoção dos direitos
humanos e da cidadania; c)
na informação, sensibilização e consciencialização
(ambiente, conservação, diversificação da produção).
Entretanto, deste processo,
destacam-se mulheres que
lideraram este decurso,
56
Augusta Henriques em ação de sensibilização ambiental na Área Marinha Protegida Comunitária das Ilhas Urok (Ilha de
Formosa, 2007: Arquivo: Tiniguena).
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
como também estiveram no pioneirismo da criação das ONGs mais importantes no país (quer pela dimensão dos grupos beneficiários, das
zonas de intervenção, das temáticas, do número dos recursos humanos
e volumes de financiamento e de projetos), de que são exemplos os
casos da Augusta Henriques49 (Tiniguena, 1991), Diana Lima-Handem50
e Isabel Garcia Almeida51 (Alternag, 1991), Isabel Nosolini52 e Isabel
Levy53 (AD, 1991).
No pós-conflito de 1998/99, assistiu-se uma maior vitalidade das organizações das mulheres a par das dos jovens (HANDEM, 2008; BARROS, 2010; 2012) e a consagração da ação das OSC em mais dois polos
de atividades: a) o trabalho e a economia local (defesa dos direitos das
mulheres e crianças trabalhadoras, microcrédito e atividades geradoras
de rendimento e investimento em sectores não de subsistência); b) a
participação política (ação em rede não espontânea e estruturada para
influência de leis favoráveis às mulheres). Nesta fase, destacaram-se figuras femininas como a Olívia Ferrage54 (CNMT/UNTG), Adelaide Taborda55 (AMIC) Fátima Camara de Barros56 (AMAE), Alice Mané57 (RA),
Fatumata Djau Baldé58 (Sinim Mira), Avelina Semedo Djaló59 (NADEL),
Filomena Mascarenhas Tipote60 (Voz de Paz), entre outras.
A SOLIDAMI61 (1990:41), em termos gerais, já postulava a importância
das ONGs na introdução de variáveis novos na análise de diferentes
categorias de beneficiários dos projetos, demonstrando uma certa preocupação no sentido de desenvolver ações em direção única ou principalmente às mulheres, contribuindo para que estas sejam vistas e
encaradas como uma “entidade social”, como força de
trabalho, da economia e da cidadania. Esta dimensão foi
reforçada nos anos seguintes com maior incremento das
ações que visaram a redução das desigualdades sociais
gritantes que se verificavam em termos de direito ao
acesso à saúde e educação e contribuiu para a revitalização anímica principalmente das zonas rurais, através
do desenvolvimento de iniciativas de cariz comunitário
não só através das ONGs, mas também, pelas igrejas e
associações camponesas, grupos de interesses e clubes,
contribuindo para a redução do impacto da ausência do
Estado nas zonas rurais. Foi assim que surgiram iniciativas que permitiram a construção de centros hospitalares
e escolares geridos pela própria comunidade beneficiária
(são os casos da rede das escolas de autogestão e das
Filomena Tipote durante as auscultações
escolas comunitárias; mutualidades de saúde; implemendas Forças de Defesa e Segurança no âmtação de rádios comunitárias; bancos de cerais comunibito do Programa Voz de Paz (Bissau, Ano
tários, gestão de florestas comunitárias…).
2009, Arquivo do VdP).
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
57
No entanto, as OSC, incluindo grupos de mulheres, organizações profissionais e meios de comunicação social, embora demonstrando alguma capacidade de ação, faltam-lhes condições estruturais
para a expressão política, ficando completamente dependentes da agenda dos doadores, devido
à ausência de mecanismos de financiamentos internos (KOUDAWO, 1996; SANGREMAN ET AL,
2006; HANDEM, 2008; CARDOSO, 2008; BARROS, 2012). Elas não conseguem eficazmente desempenhar o seu papel em "controlar" se as ações das lideranças que regem estão em coerência
com aquilo que é exigido pelas regras de governança e o Estado de Direito.
o definhamento da evolução positiva da participação desta categoria social na vida pública, como
também assumir o protagonismo da sua ação política e pública. Quando fomos mapear e analisar
a lista das mulheres guineenses que já desempenharam funções de chefia na administração de empresas (públicas e/ou privadas) de grandes dimensões, num primeiro olhar demos conta que:
• o maior contingente das mulheres guineenses não se encontram nas atividades económicas
formais, confirmando as tendências da inserção no setor informal desde a liberalização económica e os impactos do programa de ajustamento estrutural (HAVIK, 1995), vinculadas a
uma lógica de “economia afetiva”, a qual tentam suprir o horizonte de incerteza e a ausência
do welfare;
No que se refere às organizações que trabalham no domínio da igualdade de género, Barros (2012:
44) defende que a visão e abordagem da articulação entre as OSC e o Estado não é algo que ainda
esteja generalizado e apropriado ao nível do país, se tomarmos em consideração as ações, estratégias e durabilidade de intervenção no terreno. Essa abordagem é sustentada pela fraqueza das
capacidades institucionais, muito dependentes do ponto de vista financeiro, por um lado, e por
outro, as entidades com maiores possibilidades de apoio e permanência no terreno, centram o seu
apoio às organizações formais e estatais, particularmente o IMC. Sendo o IMC, desde a sua criação,
encarado pelos sucessivos governos como um espaço de projeção de lideranças partidárias femininas para gestoras de programas e fundos de apoio às mulheres ao nível nacional, acaba por projetar um modelo de ação mais engajado na agenda do partido que sustenta o governo, com vista a
sua nomeação, do que agir em favor da promoção da defesa dos direitos das mulheres
guineenses62.
No nosso entendimento, a estratégia de cooptação do IMC coloca-nos perante uma
questão importante na potenciação da participação política das mulheres na esfera
de decisão e do poder formal, que é a questão económica. A fraca capacidade económica (a par dos baixos níveis académicos) das mulheres guineenses tem provocado
• das empresas com maior volume de capital financeiro, todas são dominadas por homens,
contribuindo para que a sociedade empresarial guineense funcione igualmente como espaço fechado e de reprodução da dominação masculina, sem compromisso com a transformação
socioeconómica da sociedade guineense, contribuindo muito a
promiscuidade política para essa realidade, devido à lógica dos
“empresários do regime63”;
• a liberalização económica e política não foram favoráveis à presença das mulheres na governação das empresas públicas, na medida em que das cinco (5) empresas lideradas por elas,
apenas uma (1) teve lugar durante a vigência democrática, as restante quatro (4) aconteceram
no período do partido único (ver o quadro 6);
Quadro 6: Representação das mulheres guineenses na liderança de Empresas desde a independência à atualidade
N° Tipo
Designação da Empresa
de
Empresa
1
Pública ENAVI
SUINAVE
2 Pública CICER
Ramo de Atividade
Ano
Período
Pecuária
Agropecuária
Industria
Partido Único
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Ações Políticas
/Públicas
Isabel Levy Ribeiro
Diretora e Fundadora
Diretora-Geral
Adjunta
Diretora-Geral
Membro da ONG AD/ e Coordenadora da Rede
das Escolas de Verificação Ambiental
Maria Rosa
Robalo Rosa
Plataforma Política das Mulheres
Industria
Francisca Vaz Turpin Diretora
Administrativa
Deputada/Presidente de Partido/ex-Candidata
Presidencial/ex-Presidente de Câmara Municipal/
Diplomata
4 Pública EAGB
5 Privada RUMU. Sarl
6 Privada Grupo SOFIB/Western Union
7 Privada BECAO/BRS
8 Privada Fátima Camara de Barros, Lda
Energia
Fátima Vaz Lopes
Munira Jawad
Macária Barai
Ex-presidente e membro do Rotary Club Bissau
Secretária de Estado de Cooperação Internacional
Presidente CACI/WIPNET/FUNDEI/AQUALEICA
Comércio
Financeiro
Financeiro
Pesca/Transformação/
Liberalização
Comércio
Política
Construção Civil/Hotelaria/
Comércio
Transformação/Comércio
58
Funções
3 Pública DICOL
9 Privada Maimuna Capé, Lda
Grupo de Ministras, Deputadas e Líderes na sede do IMC (Bissau, Ano ?, Arquivo: IMC).
Personalidade
10 Privada Enicor/Filho, Lda
11 Privada Aparthotel Terraços Ruby, Sarl. Hotelaria
Comércio
12 Privada Mapete, Sarl
Diretora-Geral
Administradora
Diretora Executiva
Zenaida Cassama
Diretora. Geral
F. Camará de Barros Administradora
Patrocina atividades de solidariedade social
Presidente da AMAE /Dirigente da UDEMU
Maimuna Capê
Administradora
Patrocina atividades de solidariedade social
Emília Correia
Osvaldina Adão
M. Pereira Tecanhe
Administradora
Admin. e fundadora
Administradora
Governadora da Região de Biombo
Teatro e música de intervenção
Membro e tesoureira da AMAE
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
59
Denota-se que das doze (12) mulheres com experiência na governação das médias e grandes empresas (públicas e privadas), todas elas desenvolvem ações de cariz política e/ou filantrópicas em
diferentes domínios sociais (transformando-se em figuras públicas), chegando mesmo algumas delas
a estarem associadas a estruturas do poder político formal ao nível nacional e local (presidente da
Câmara, ministras, deputada, governadora de região) e ainda no concurso a postos políticos, incluindo a Presidência da República.
4.2.2. Redes e Plataformas Políticas das Mulheres
A mobilização das mulheres e dos homens, com vista a uma contribuição
equitativa na luta de libertação e nos destinos da Nação e do Estado
emergentes, através da primeira organização de massas criada pelo
PAIGC, a UDEMU, nos inícios da guerra para a independência (1961), visando a escolarização massiva das raparigas nas zonas libertadas e a
defesa dos direitos das mulheres nos tribunais populares, constituíram
os principais fatores explicativos da então participação cidadã das mulheres. Esta participação era considerada como sendo de um nível elevado, relativamente tanto à própria história do país e as diversas
culturas étnicas, como à realidade então vigente na matéria nos outros
países da sub-região (LIMA-HANDEM, 2012).
Na fase pós-independência, Forest (1992: 53) considera que as organizações de massa criadas pelo partido libertador com objetivo de mobilizar a população para o desenvolvimento nacional, aparentemente,
serviam para aplicar uma estratégia governamental exclusivista e antidemocrática em relação à sociedade. Esta tese é reforçada por Mendy
(1996), que demonstra a existência de esforços concertados do partido-estado em controlar os diferentes grupos sociais, nos quais se incluem as mulheres.64
Fátima Vaz Lopes, Diretora-geral da empresa de Eletricidade e Águas da Guiné-Bissau (2000 – 2001), no seu gabinete de
trabalho, ladeada dos seus colaboradores (Bissau, 2001, Aqruivo: Fátima Vaz Lopes)
A relação de empoderamento económico faz com que os sujeitos se conectem na sociedade pública
e política. O empoderamento económico eleva as mulheres à consciência de atriz em que aprendem
e ganham confiança numa possível outra relação entres homens e mulheres, desde a igualdade e
equidade de género à capacidade de ação e maior protagonismo, parte fundamental na relação
com as comunidades locais. Este é o ponto fundamental da relação de empoderamento feminino
para a plena participação na atividade política, pois parece algo não consciente, mas o facto das
mulheres empresárias, mesmo que não estejam diretamente orientadas para a vida política, procurarem a materialização de uma forma de fazer “política alternativa” demonstra uma consciência
política forte e um comprometimento com causas, factos que as dotam de condições de potenciais
candidatas aos concursos políticos e ao poder.
Com a adesão do país ao multipartidarismo, fruto de pressões externas
e internas num contexto da falência do Estado suportado pelas políticas de Ajustamento Estrutural, teve como consequências imediatas a
afirmação e o reconhecimento de outros atores sociais coletivos (para
além dos partidos políticos) enquanto agentes que participam nas decisões, lutam pela diminuição
das desigualdades sociais, políticas e económicas (BARROS, 2012: 38). É neste quadro que é criado
em 1992, a Associação de Mulheres das Atividades Económicas (AMAE), uma organização de dimensão nacional que congrega as mulheres produtoras e empresárias (formais e informais). Esta
rede de mulheres e organizações, desempenhou nos anos noventa, um papel relevante na promoção
das mulheres no sector económico através de créditos para a produção e comercialização e conseguiu ainda colocar à volta da mesa de concertação e construção de alianças, mulheres de diferentes
esferas e estatutos sociais.
No entanto, embora a dinâmica de mobilização das mulheres no setor económico e financeiro tenha
sofrido com o conflito político-militar de 1998/1999 um efeito negativo nas suas atividades e na
vida organizacional da AMAE, chegando ao ponto de gerar algum conflito interno (HANDEM, 2008:
23), não obstante a isso, pode-se considerar que este conflito de uma forma geral, foi um teste favorável à responsabilização e compromisso da SC, que se organizou no denominado Movimento da
Sociedade Civil para Consolidação da Paz e Democracia65 e na Rede de Solidariedade para com a
Guiné-Bissau66.
Nesta fase, a mobilização das mulheres nas estruturas de natureza política interventiva e também
norteadas pelas questões do género aumentaram e contribuiram sobretudo para a mudança de um
paradigma interventivo, dantes numa lógica partidária e unilateral para a das redes e plataformas
políticas. Segundo Butiam Có (no prelo: 26-28), foi nesse contexto que se criou a Comissão de Boa
Vontade (CBV) e a Rede de Mulheres Construtoras de Paz (RMCP) presidida pela Macária Barai67.
60
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
61
A experiência dessas dinâmicas contribuíram para que algumas das figuras femininas, imbuídas do
espírito de maiores possibilidades de influência face às desigualdades e violação dos direitos de
alguns grupos sociais, criassem ao nível da Assembleia Nacional Popular (parlamento), a Comissão
Especializada para Assuntos da Mulher e Criança (CEAMC). Salienta-se que membros desta comissão parlamentar integram ainda organizações e redes regionais, com destaque para a Redes de
Mulheres para a Paz e Segurança da Comunidade Económica para o Desenvolvimento da África
Ocidental (CEDEAO), cuja primeira Secretária Geral foi a Tenente-coronel Cadi Seidi68 e a Rede das
Mulheres Africanas, Ministras e Parlamentares (REMAMP), liderada, primeiro, por Henriqueta Godinho Gomes69 e depois pelas deputadas Isabel Buscardini70 e Martina Moniz71.
Presidente do Comité Nacional Contra as Práticas Nefastas intervindo na assinatura da Fatwa contra a MGF (ANP, 2013, Foto:
Elisabete Vilar).
Uma das mais importantes conquistas desta fase foi,
sem dúvida, a aprovação da lei que visa prevenir, combater e reprimir a excisão (mutilação) genital feminina
(Lei nº 14/2011) que teve um engajamento forte do Comité Nacional Contra as Práticas Nefastas à Mulher e
Criança em articulação com a Comissão especializada
da Assembleia para a Mulher e Criança (CEAMC) sob a
liderança da deputada Nhima Cissé72 e a Plataforma Política das Mulheres (PPM)73, através de realização de
eventos de lobby e sensibilização junto do governo, comunidades religiosas islâmicas, parlamentares e Presidente da República74. Um outro exemplo que
demonstra o estado do ativismo do movimento das mulheres guineenses foi o trabalho desenvolvido para a
existência de uma legislação que sanciona e desencoraja a violência doméstica no país, um processo liderado pela CEAMC em articulação com a Rede Nacional
de Luta Contra a Violência no Género e na Criança RENLUV75, em fase de finalização para a submissão à
mesa da ANP na próxima legislatura.
reitos das mulheres76 e a criação nos finais da primeira metade do ano 2000 do Ministério da Mulher. Ainda, com o poio do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na
Guiné-Bissau (UNIOGBIS), foi elaborado e publicado um Guia para Jornalistas sobre os Direitos Humanos e o Género nos Media como também foi difundido num jornal nacional, durante um ano, entrevistas com mulheres guineenses na promoção dos seus direitos.
A dinâmica destes exemplos demonstra que, se bem mobilizadas, as redes e o(s) movimento(s) das
mulheres têm uma enorme influência, conseguem concretizar objetivos e atingir metas que vão ao
encontro dos seus interesses. Podem também influenciar processos nacionais e políticos de forma
a incluir as suas perspetivas e necessidades, bem como aumentar a participação de mulheres oriundas de organizações de mulheres e ativistas pelos seus direitos, em estruturas de tomada de decisão nacional. Pois ao integrar no poder político as mulheres que têm uma história de ativismo pelos
direitos das mulheres, existem maiores garantias de que elas defendam os seus interesses e uma
maior probabilidade de um laço forte entre as organizações de mulheres da sociedade civil e as
instituições governamentais (BARROS e SEMEDO, 2012).
Todavia, a construção, animação e expansão das redes e plataformas nacionais existentes para
além das estruturas institucionalizadas, tem sido pouco uniforme, disperso e abaixo das possibilidades e capacidades de mobilização das mulheres, sendo no entanto, muita das vezes concorrenciais, motivado pela necessidade de disporem de novas perspetivas de legitimação, possibilidades
de influência na arena política e acesso aos fundos externos. Como resultado, na atualidade existem
uma multiplicidade de redes e plataformas (quadro nº 7) com as mesmas protagonistas (de sempre
e em fase de envelhecimento), concentradas na capital Bissau e nem sempre se incorpora aquelas
(mulheres) que possuem maior conhecimento e competências necessárias para fazer a rutura com o statu quo vigente e ainda de forma a emprestar mais energia e longevidade às redes.
Importa dizer que todo este processo beneficiou de um quadro político-institucional propício concretizado com a assinatura e ratificação das principais convenções internacionais que protegem os di-
Consultas Regionais para Quadro Estratégico para a Consolidação da Paz (Quinhamel, 2008, Foto: Sara Negrão)
62
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
63
Quadro 7: Mapeamento das redes políticas das mulheres guineenses
N°
1
Plataforma
Política das
Mulheres (PPM)
Tipo de
organização
Objetivos
Temáticas
prioritárias
Nº de
Membros
Ano de
criação
Política
e Cívica
Visibilidade da mulher na esfera de Politica
decisão
Eleições
Alfabetização
Sensibilização Educação
Capacitação
11 Organizações 2008
de mulheres
+ Organizações
de mulheres de
todos os partidos
políticos
2
Comissão
PolíticoEspecializada
institucional
para Assunto da
Mulher e da
Criança (CEAM)
Loby e advocacia a favor dos
direitos e liberdades das mulheres
e crianças,
Direitos, liberdades,
garantias e deveres
fundamentais.
É composta por 2007
deputadas em
ativo (atualmente
são 5).
3
Rede das
Mulheres
Ministras e
Parlamentares
(REMAMP)
Zelar pela aplicação de
recomendações saídas das
conferências regionais,
internacionais, aprovadas e
reconhecidas pelo Estado da
Guiné-Bissau; Encorajar ações
tendentes à eliminação de
barreiras que impedem a
participação ativa e efetiva das
mulheres na vida pública e no
exercício das responsabilidades
políticas;
Reforçar a colaboração entre as
mulheres membros do governo e
parlamentares para uma melhor
compreensão das questões do
género e desenvolvimento.
Políticas públicas, na
perspetiva da igualdade
do género; Luta contra o
VIH/SIDA;
57 Membros
Contribuir para prevenção,
redução e combate à violência
baseada no género e criança.
Educação para
Cidadania;
Proteção e Reinserção
das Vitimas; Combate à
IST-VIH/SIDA
40 ONGs e
Associações de
base
Empoderamento de
mulheres;
Liderança feminina
Mulheres
2002
oriundas de
todos os partidos
pelíticos +
organizações de
mulheres e +
Organização de
sociedade civil
4
5
6
64
Nome
Políticoinstitucional
Rede Nacional
de Luta contra a
Violência no
Género e na
Criança
(RENLUV)
Cívica
Federação das
Mulheres
Guineenses
(FEMUGUI)
Política e
Cívica
Organização das Cívica
Mulheres da
Guiné-Bissau
(OMGB)
Promoção de mulheres na esfera
de decisão
Lutar para a participação de
mulheres na esfera de decisão;
Lutar pela paz democracia e justiça
social;
Procurar a igualdade de género
Participação de
mulheres na esfera de
decisão;
Combater VBG;
Paz democracia e
direitos humanos de
mulheres
2003
2003
Mulheres
2012
oriundas dde
diferentes
partidos políticos
e organização de
mulheres
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Obs
7
Comité Nacional Política e
para o Abandono Cívica
de Práticas
Nefastas
(CNPAPN)
Sensibilizar a população para o
abandono de práticas nefastas
Excisão, casamento
precoce; VBG, Direitos
humanos das mulheres;
equilíbrio de género;
escolarização de
raparigas; tráfico de
seres humanos
Organizações de 1995
mulheres que
lutam param a
promoção dos
direitos humanos
de mulheres
8
Rede Paz e
Segurança para
as Mulheres de
Espaço da
CEDEAO antena
da Guiné-Bissau
(REMPSECAOGB)
Coordenar e otimizar as funções e
as iniciativas das mulheres na
prevenção de conflitos, a
manutenção da paz e segurança, a
reconstrução pós-conflito e
promoção dos direitos humanos,
particularmente das mulheres e
outros grupos vulneráveis, a fim de
garantir a paz duradoura e o
Desenvolvimento sustentável na
Guiné-Bissau;
Promover uma parceria estratégica
para a equidade e igualdade de
Género, empoderamento e
igualdade de oportunidades entre
os sexos em matéria de paz e
segurança no país.
Paz e
Segurança ( R-1325 et
1820 CSNU, prevenção,
gestão, resolução de
conflitos, género etc.)
Desenvolvimento
Durável.
Fazem parte dela 2009
todas as
organizações que
trabalham no
domínio de
género, paz e
segurança
Funcionamento com
dificuldades
Falta da sede
própria
Cívica
Ė uma rede regional
que abrange os 15
países da CEDEAO.
Um elemento curioso ao longo deste processo é a fraca implicação das jovens raparigas. Uma das
questões possíveis para compreender esta situação é lançar um olhar ao processo da educação cívica e da socialização política da nova geração de mulheres guineenses. Ou seja, faz sentido questionar, em que medida a não projeção da ação cívica da nova geração de mulheres em organizações
políticas e movimentos de mulheres como estas plataformas são condicionadas pelas formas organizativas dessas organizações ou pela situação política que o país enfrenta?
Verifiquei que nessas redes há muita pouca gente na camada de 30-40 anos de idade. O facto de
estarem mulheres mais experientes e a ausência das jovens com formação académica (quer as que
estudaram na diáspora ou nas universidades em Bissau), diminui a possibilidade de uma história
mais rica de partilha intergeracional e construção coletiva de um referencial no país, ao invés de
ser uma perspetiva utilitária ou individualista das “mindjeris garandis”. (Filomena Djassi/ Projeto
Musqueba, participante na sessão de apresentação da OMGB, Bissau, 12/10/2012)
Esta afirmação, enquanto um dos obstáculos à maior expressividade e aumento do grau da adesão
das mulheres às redes, transporta-nos para a dimensão da reprodução dos valores culturais que
já não constituem instrumentos de legitimação das lideranças nas sociedades em desenvolvimento
e nem suficientemente capazes de responder aos desafios da complexificação dos problemas que
as sociedades enfrentam, em particular as mulheres, na medida que, em alguns casos, são funções
que exigem a dominação de certas competências técnicas, comunicacionais e de uso de tecnologias,
que colocam a nova geração em condição de vantagem. Segundo Borges (2007), o habitus histórico
do associativismo feminino na África Ocidental tem sido fundamentado na posição social das mulheres nas sociedades linhageiras, em que as hierarquias baseadas na senioridade e género, dis-
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
65
pensam a participação das mulheres no poder e autoridades públicas, e instituiam assimetrias que
marginalizavam socialmente as mulheres, o que teria propiciado os motivos, os meios e as oportunidades para a sua autonomia e individualização, concorrendo para o fenómeno do associativismo
voluntário feminino.
Porém, na nossa perspetiva, um dos grandes desafios das redes das mulheres na Guiné-Bissau,
passa exatamente por conseguir o efeito agregador e inclusivo de outras atrizes (jovens, mulheres
nas zonas rurais, mulheres de sindicatos profissionais e associadas às atividades da economia informal, líderes das ONGs, mulheres ligadas ao setor da investigação) de modo a que se possa
construir um caminho coletivo e direcionado para objetivos concretos e a liderança da sua agência
social, económica e política.
Por fim, uma dimensão não menos importante, prende-se com uma permanente e excessiva associação das entidades que operam no domínio do género (instituições estatais, parlamentares, redes
e ONGs) com as crianças. Sobre esta preocupação algumas especialistas defendem que:
É algo que retira o foco às mulheres e à igualdade de género, limitando e reafirmando o papel das
mulheres enquanto mães, enfatizando que são elas que têm a primazia da responsabilidade sobre
as crianças, não promovendo a ideia de uma responsabilização partilhada entre pais e mães e a
sociedade em geral. (…) Devia haver o instituto da promoção da igualdade de género (ou algo
semelhante) separado do instituto da criança. A igualdade de género iria incluir também a proteção
e promoção da igualdade de género nas crianças, mas seria nessa perspetiva e não na de
flagrantemente associar as mulheres às crianças ou coloca-las no mesmo nível de vulnerabilidade.
(Sara Negrão, Conselheira Género do UNIOGBIS, Bissau, 26/10/2012)
66
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
67
5. Em Jeito de Conclusão:
Lições e Ilações
Que perceções, que consciência e que prática política se espera das mulheres guineenses? Também com a intenção de um olhar mais atento e que chame a atenção para as questões da inclusão das mulheres na política e nas esferas de decisão, debruçamo-nos sobre o processo de participação política das mulheres na Guiné-Bissau, o que requereu revisitar alguns dados estatísticos
que apontam as mulheres como a maioria da população, mas que fazendo parte dos grupos vulneráveis, apresentando níveis notoriamente mais baixos de educação do que os homens, a desempenhar os trabalhos mais precários e com rendimentos mais baixos, para além de acumularem
o trabalho doméstico e produtivo.
Inferimos que em pleno século XXI, os casamentos e gravidezes precoces continuam sendo fatores
que diminuem o acesso das mulheres guineenses às oportunidades de educação e participação
mais ativa, tanto na vida profissional quanto na política. Esta última continua a ser a fação da sociedade dominada por valores, atitudes e linguagens masculinos aos quais subjazem estereótipos
que desqualificam as mulheres. Apropriada também pelas mulheres, essa linguagem estereotipada
contribui para baixar a autoestima destas, desencorajando a sua participação nos debates públicos
e em defesa das suas ideias.
Ao analisarmos a evolução das motivações sobre a participação das mulheres guineenses nas estruturas de poder e influência de decisão, tomamos em consideração oito (8) dimensões analíticas
(base de recrutamento; ideologias dominantes; canais de socialização política; papeis atribuídos,
intervenções exigidas; níveis hierárquicos atingidos; elementos de status adquiridos) cruzadas com
diferentes períodos da nossa história (pré-colonial, colonial, luta de libertação nacional e pós-independência – partido único, liberalização política, pós-conflito 1998/99), demos conta que o protagonismo feminino conseguiu impor um paradigma na relação entre o Estado e a Sociedade Civil,
que não se resume meramente à dimensão da luta pelo poder, mas sim inclui a influência de opiniões, decisões, atitudes, comportamentos e práticas, constituindo assim uma componente fundamental das relações entre as pessoas, sociedades e instituições, sob forte influência dos meios de
comunicação de massas (ver em anexo, o quadro síntese, nº 8).
Concluímos que o favorecimento de uma política integrada de género nos processos de desenvolvimento, a criação de condições necessárias para a participação das mulheres nas instituições estatais como sujeitos de pleno direito passa, necessariamente, pela estruturação de instituições de
seguimento da implementação dessas políticas e leis que protegem as mulheres. Tal estruturação
encontra obstáculo nos países em conflito ou em situações de golpes de Estado, pois não é tida
como prioridade, acabando por ser relegada para o segundo plano. Nessas condições as atividades
realizadas acabam por ser pontuais e/ ou dispersas.
68
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
O estudo indicou, também, que o interesse das mulheres são múltiplos e não podem ser tidos ou
vistos como um pacote único, tendo em conta a diversidade das suas atividades, o espaço geográfico (zona rural ou cidade), as gerações e as necessidades de cada grupo de mulheres. Assim, as
ações em prol do empoderamento das mulheres são também diversas, bem como a linguagem a
utilizar nas abordagens devem ser adequadas a cada realidade, contudo com o foco/eixo comum,
ou seja, o que lhes afeta: as questões de exclusão/inclusão; a busca de alternativas para o seu
empoderamento, a diversificação da parceria com vista à melhoria da sua participação na tomada
de decisões e na política. Inferimos, ainda, que ao se mostrar o campo político como mais fechado
e que restringe a partição das mulheres, estas vão fortalecer-se na sociedade civil. Nesta linha, as
organizações não governamentais vão tornar-se viveiros do empreendedorismo feminino, chegando
essas organizações a ser o braço do governo, preenchendo muitos vazios deixados por este nos
domínio da educação, da saúde, da proteção do ambiente, do crédito às mulheres, entre outros.
Aqui também conta muito a influência de opiniões e as práticas. Encontramos, assim, associações
da sociedade civil disputando influências no domínio do meio ambiente, direitos humanos, igualdade
do género, exclusão, inclusão, etc.. Sem querer propriamente disputar o poder político; assistimos
às organizações ou associações ambientalistas a criticarem a forma como as empresas exploram
os recursos. Algumas organizações femininas questionam a posição das mulheres na esfera do
poder, enquanto outras defendem simplesmente a preservação dos valores morais.
O revisitar dos vários momentos sociopolíticos da Guiné-Bissau mostrou-nos a forma como as próprias mulheres se vêm e como elas cresceram ou desistiram de participar na política, com base em
experiências próprias. Por outro lado, o estudo demonstrou quão importante são os partidos políticos na promoção, ou não promoção, política das mulheres. Um olhar sobre os estatutos e regulamentos internos dos partidos apontou como estes instrumentos condicionam a participação e a
ascensão das mulheres nos órgãos de decisão dos mesmos, revelando-se como meios muito masculinizados e frequentemente incompatíveis com as necessidades de conciliação da vida pública,
profissional, familiar e pessoal. Nesta senda, as qualidades julgadas como necessárias à participação pública e política são percecionadas como masculinas (mesmo que informal), legitimando e reforçando a participação das mulheres em setores decorrentes da denominada maternidade social.
Porém, as mulheres vêem nas ações afirmativas uma das vias para desencadear processos de inclusão das mulheres, tanto ao nível da revisão e/ou criação de leis que protegem e incluem as mulheres – da formação, do acesso ao microcrédito e ao crédito –, quanto da participação nos órgãos
superiores das organizações em que participam (ONGs, associações, partidos políticos, sindicatos)
através de leis internas e transitórias e do sistema de cotas.
Baseado nesta constatação, torna-se necessários desencadear ações de lobby em prol das ações
afirmativas nos setores sociais (saúde, educação, sistema de providência), no setor laboral e empresarial (ao nível nacional e comunitário), como também a adoção de política de quotas para representação das mulheres nos partidos políticos e no parlamento, que possibilitem e favoreçam a
construção e projeção de lideranças femininas com capacidade de influência e de decisão no espaço
governativo e de poder. Estas deverão ser acompanhadas por meio de um observatório das mulheres, com vista a monitorizar a evolução das políticas e os progressos das mulheres para alcançar
a igualdade de género na Guiné-Bissau, como demonstra o quadro nº 9 (em anexo).
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
69
3. Criação de um observatório sobre as mulheres (medir e publicar dados sobre a
evolução dos progressos das mulheres e as razões dos seus eventuais insucessos)
para assegurar um conhecimento fidedigno sobre o avanço da situação das mulheres
e da igualdade de género a nivel nacional. Desta forma poder-se-á, mais facilmente,
desenhar políticas, programas e medidas adequadas, bem como avaliar o impacto
dessas medidas;
6. Principais Recomendações
Partindo do pressuposto que as recomendações aqui apresentadas servirão para que as entidades
que operam no domínio do género (instituições estatais, parlamentares, redes e ONGs) possam intervir com base num modelo que permita agir da «antecipação à ação pela apropriação». Isso implica promoção de processos de participação cívica e política verdadeiramente inclusivos que
potenciem a cidadania.
ANTECIPAÇÃO
Reflexão prospetiva
AÇÃO
Vontade estratégica
4. Fomento de aprendizagens dos papeis públicos e políticos por parte das raparigas
através do apoio aos programas de atribuição de bolsas de estudo especificas para
meninas e programas de identificação e formação de jovens raparigas com poetencial
para liderança;
5. Fomentar a mudança de mentalidades e de atitudes por parte das raparigas, dos
rapazes e da sociedade em geral, através da integração da Educação para a Cidadania
e da História da participação das mulheres na luta de libertação nacional e na política
nos curricula escolares e nos curricula universitários nas áreas das Ciências Sociais;
6. Promover o diálogo intergeracional, debates interativos e estudos sobre a História
das Mulheres, incluindo a discussão sobre os papeis tradicionais de homens e
mulheres e os desafios das sociedades e economias modernas.
APROPRIAÇÃO
Motivação e mobilização
b) Organizações e Redes de Mulheres:
1. Fomento de modelos femininos que possam servir às jovens como referência ou pontos de
contacto, renovando as suas estruturas e dando maior dinamismo às Redes e Plataformas,
por um lado, e por outro, combatendo a invisibilidade das mulheres, enquanto elementos
ativos nos processos de tomada de decisão;
Assim, recomenda-se aos atores a aplicação de pedagogias de emancipação, baseadas nas práticas
feministas de conscientização que promovem diálogo e ação, assente na abordagem género e desenvolvimento, quer ao nível da capital, quer nas zonas rurais. Nesta base, essas recomendações
são dirigidas a três entidades-tipo (governamentais, redes/plataformas de mulheres e comunidade
internacional).
2. Organização anual e temática do Fórum das Mulheres Guineenses, com vista a dar
visibilidade às suas ações, mobilizar sensibilidades de militâncias para as suas causas e
aproximar as organizações que operam nas diversas regiões do país;
3. Identificação e capacitação de jovens mulheres com potencial para liderança, através de
ações de formação, bolsas de estudo e o seu envolvimento nas redes e organizações de
mulheres existentes;
a) Instituições públicas e governamentais:
1. Revisão do quadro legal nacional e adoção de medidas reguladoras, à luz da CEDAW
e outras leis internacionais ou regionais, que tenham em conta a proteção e inclusão
das mulheres com base numa maior e melhor integração da perspectiva de igualdade
de género;
2. Adoção de ações afirmativas, tendo como uma das políticas a aplicação transitória
do sistema de quota para assegurar uma representação significativa de mulheres nos
partidos políticos e no parlamento;
70
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
4. Criação duma plataforma de organizações de mulheres por meio de processos, princípios
e práticas democráticas e participativas, com a finalidade de favorecer uma maior coesão,
desenvolver ações conjuntas de lobby sobre questões de interesse comum, mobilizar
recursos e capacitar as mulheres para uma melhor e mais abrangente intervenção.
5. Estabelecer ligações sistemáticas e contínuas com o governo e especificamente com as
mulheres que se encontram no poder formal para as sensibilizar para uma maior
intervenção em favor dos direitos das mulheres, bem como assegurar a participação das
mulheres em todas as instâncias de tomada de decisão.
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
71
c) Organizações de cooperação multi/bilateral que intervêm no domínio de género na Guiné-Bissau:
1. Fomento de redes de apoio à cooperação entre as organizações das mulheres, as
organizações juvenis femininas, com a finalidade de incentivar e/ ou reforçar a participação
cívica e política dessas organizações, com vista a uma maior coordenação de esforços e
concretização de projetos com impacto na sociedade.
2. Desenvolvimento de linhas de apoio e financiamento para possibilitar às mulheres o
acesso à vida política e particularmente o concurso aos cargos públicos (ANP, Presidência
da República, lideranças de partidos Políticos);
3. Obrigatoriedade da inclusão de uma linha género nos programas e projetos de
desenvolvimento (setoriais ou nacionais);
4. Transferibilidade de processos como a auditoria de género nos programas e projetos
financiados;
5. Apoio à criação e dinamização de um observatório das mulheres, com a finalidade de
medir e publicar dados sobre a evolução dos progressos das mulheres para alcançar a
igualdade de género, através de parcerias com instituições nacionais de pesquisa e
entidades congéneres ao nível regional;
6. Apoio às ações de capacitação nos domínios técnicos relacionados com a abordagem de
género e desenvolvimento e as várias dimensões de empoderamento das mulheres, bem
como aspetos técnicos relacionados à gestão e administração das organizações e redes.
72
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
73
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76
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
77
8. Anexos
Quadro 8: síntese de diagnóstico e da análise de estratégias emancipadoras
Tipo de Organizações
Tipo de Organizações
Pressupostos
Estatais
Atores não estatais
Partidárias
Sindicatos
Comunic. Social
ONGs
Org. Religiosas
- Dados do senso;
- Relatório do inquérito à
avaliação da pobreza;
- Resultados da avaliação do
Criação da
Existência de muitas Existência de
Associação de
ONGs com vocação organizações cívicas DENARP II;
- relatórios anuais das
mulheres jornalistas; para o trabalho no
lideradas por
Existência de
domínio de género e mulheres em todas instituições concernentes (IMC,
LGDH, ONU Mulheres).
mulheres jornalistas; lideradas por
as congregações.
Existência de alguns mulheres.
programas de
promoção das
mulheres;
Obstáculos
estruturais
- Relação entre homens
ens e mulheres estabelecidos
e
no espa
espaço doméstico; - Precariedade da situação
familiar (mães solteiras);
ras); - Desigualdades no
o acesso a educ
educação; - Condições perante o trabalho.
Pontos fortes
Existência de um mecanismo nacional
para as mulheres
Processo realizado para a elaboração da
PNIEG contemplou formaçao e consulta
com todos os Ministérios principais
Existência da PNIEG e estudos
associados.
Existência de mulheres e organizações de mulheres
nos princiapis partidos;
Existência de uma Plataforma Política das Mulheres;
Consciência das mulheres dos partidos políticos
sobre a necessidade de pomover as mulheres.
Existência de
organização de
defesa dos direitos
laborais das
mulheres com
gabinete de apoio
jurídico
Pontos fracos
Financiamento e recursos humanos do
IMC limitados;
Estrutura institucional do IMC não
adequada à implementação dos seus
estatutos;
Abolição do Ministério da Mulher;
Politização da liderança do IMC;
Não aprovação da PNIEG em Conselho
de Ministros devido à instabilidade
política;
Insuficiência de leis especificas para a
proteção e promoção das mulheres;
Poucas oportunidades para as mulheres na política e
especialmente na liderança dos partidos; Fraca
coesão e ações das mulheres entre os diferentes
partidos políticos; ausência de políticas de ação
afirmativa nos
para
os partidos políticos;; q
quadro
dro legal par
ra as
Peridod
erecíficas
idod pos
lib
liber
l ralizacao
o contempla medidassP
espe
eespecíficas
paraasaliberalizacao
eleições não
participação das mulheres;
Pouca moblização Existem alguns
em torno de causas programas na TV e
comuns.
rádio sobre
interesses
especificos das
mulheres, mas estes
istematica-nao sao istematica
mente concertados
com as organizacões
de mulheres e nao
fazem parte de uma
estratégia mais
abrangente de
advocacia a nao ser
quando são
encomendados por
algumas
organizacões ou
campanhas
especificas
Fraca capacidade
institucional das
ONGs;
Líderes das ONGs
de mulheres muitas
vezes têm outras
ocupações a tempo
inteiro; Politização
dos postos de
liderança das ONGs;
Ausência de
processos
democráticos de
gestão e liderança
das ONGs; Falta de
coordenação e
colaboração entre as
ONGs e entre estas
e o IMC; pouca
credibilidade para
conseguir fundos
externos
As iniciativas
inserem-se mais no
âmbito de cariz
social e algumas
vezes reproduzem o
discurso de
subalternidade das
mulheres face aos
homens
Ratificação da CEDAW; Implementação
da lei contra a mutilação genital
feminina;
Aprovação e implementação da PNIEG;
Doadores externos;
Formalização e fortalecimento da Plataforma Politica
das Mulheres; Revisão do quadro legal para as
eleições; Existência de potenciais mulheres líderes;
Existência de mulheres líderes na sociedade civil;
Existência de mulheres qualificadas da nova geração
- Mobilização para
criação de
sindicatos
socioprofissionais
de mulheres
(professoras,
enfermeiras,
engenheiras)
Existência de
doadores interessainteressados em fortalecer
capacidades e
ações; experiências
anteriores com
sucesso de
mobilização e
coordenação em
torno de causas
comuns (ex: lei da
MGF); Coordenação
em torno da PNIEG
Forte capacidade de
gestão das suas
organizações e
serviços (saúde e
educação);
mobilização e
capacidade de
influência a
mulheres e homens
Potencialidades
78
Monitorização
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
politica (1991 - 1999)
Doadores externos;
Fortalecimento e
operacionalização
da associação de
mulheres jornalistas
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
79
Tipo de Organizações
Pressupostos
Estatais
Tipo de Organizações
Atores não estatais
Partidárias
Sindicatos
80
Monitorização
Comunic. Social
ONGs
Org. Religiosas
Riscos
Instabilidade política;
Fraca capacidade para a implementação
da PNIEG;
Fraca responsabilização dos setores que
Enfraqueci-devem implementar a PNIEG; Enfraqueci
mento das doações externas devido à
instabilidade;
Desatualização da PNIEG devido á
morosidade
Estratégias
emancipadoras
1- Favor
Favorecer
construção e projeção de lideranças com capacidade de influência e negociação ao
recer a constr
nível da
das
plataformas existente; 2- desencadear ações de lóbi em prol das ações
as redes e pla
afirmativas nos setor
setores sociais (saúde, educação, sistema de providência), no setor laboral e
empresarial
nível nacional e comunitário); 3- Adoção de política de quotas para representação
empressarial (ao níve
das mulheres nos pa
partidos políticos e no parlamento; 4- Criação de um observatório da mulher
(medir e publicar dad
dados sobre a evolução dos progressos das mulheres para alcançar a igualdade
entre ggéneros).
éneros)
éneros).
Cenários
para o futuro
Rea:tiva
Promover a inclusão das mulheres e dos seus problemas específicos nas
estruturas em diferentes escalas resolvendo os seus problemas mais imediatos.
Pré-ativa:
Promover as mudanças e as ruturas necessárias para colocar em causa os
sistemas discriminatórios, estejam eles onde estiverem.
Pró-ativa:
Procura gerar os dois anteriores a partir das consciências e conhecimentos
insurgentes das mulheres.
Instabilidade política pode agravar divisões
partidárias entre mulheres potenciais líderes;
Revisão do quadro eleitoral sem contemplar a
participação das mulheres; falta de motivação e
segurança para criar maior coesão e agenda comum
entre as mulheres;
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Promiscuidade de campos (sociedade política vs sociedade
civil)
Moralizacão das
questões relaciona
relaciona-das com a igualdade
de género;
Propagação das
ideias de submissão
das mulheres
Nº e qualidade de Políticas,
Programas e Legislações com
abordagens que integram o
género.
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
81
Síntese evolutiva das motivações sobre a participação das mulheres guineenses nas estruturas de
poder e influência de decisão
82
Periodo colonial
Pos-independcia
Dimensões
analíticas
Período pré-colonial
Luta de libertação nacional
1.
Bases de
recrutamento/
mobilização
Iniciativas comuni
comuni-tárias com base na
idade e/ou
experiência de vida,
em linhagens
consideradas nobres.
Ter estatuto de civilizado, saber
ler e escrever, com formação
básica (professora primária,
enfermeira) para exercício
profissional, mas excluindo a
participação na política.
Animadoras culturais utilizadas
pelo poder colonial
Ser maior de idade e estar na
zona ocupada pelo PAIGC.
Comités do Bairro/Setor;
UDEMU; Administração
pública
UDEMU; grupos
associativos
(Mandjuandades);
grupos de interesse
(Bideiras)
Partidos Políticos
2.
Ideologias
dominantes
Educação/orientação
com base nos
ensinamentos da
tradição.
Fascismo.
Socialismo revolucionário
Centralismo do Estado
(Estadocracia)
Economia de Mercado
(liberalismo)
Democracia liberal e
multipartidária
3.
Canais de
socialização
política
Conselho de anciãos;
agrupamento de
mulheres, a família e
a comunidade.
Ação Nacional Popular; Família
(casos de famílias engajadas na
resistência), alguns grupos dos
considerados destribalizados
(crioulos), que ganharam
consciência da sua condição de
colonizado. A participação das
mulheres é menos visível.
Mobilização porta à porta,
Comícios de sensibilização., ações
políticas junto às populações;
Zona controlada pela Resistência
(ZCPR) e também nas ASCC.
Estruturas de Massas
(juventude – JAAC;
mulheres – UDEMU;
trabalhadores - UNTG);
Comités de tabanca, de
setor e de bairro;
Grupos de mandjuandade
Grupos de interesse
económicos (bideiras)
Associações locais e
comunitárias
Organizações da
sociedade civil
(associações e ONGs);
redes e plataformas cívicas
e políticas
4.
Competências
requeridas
Experiência de vida.
Nas áreas sob controle colonial
(ASCC): Ser assimilada; nem
sempre o grau académico foi uma
condição, desde que as mulheres
fossem líderes na sua comunidade
popula-e pudessem mobilizar a popula
ção em favor do colonizador.
Ter consciência política e a
perceção da presença colonial e
as suas consequências.
Ter espirito de militância
e disciplina partidária
Ter redes sociais ativas e
capacidade da sua
mobilização e ainda
organização de eventos
Ter consciência política
crítica; ter capacidade
de demonstração da
participação nas
atividades do partido
Ter Qualificação
académica; aptidões e
competenciais sociais e
organizacionais;
experiência profissional,
cívica e política
5.
Papeis
atribuídos
Vendedora
ambulante,
Comerciante,
intermediária em
comércios com
estrangeiros,
responsável por
todos os trabalhos
domésticos e
cuidados da família.
Professora, parteira enfermeira,
socorrista, deputada da Ação
Nacional Popular; revendedoras,
costureiras.
Como guerrilha, responsáveis
políticas, comandantes e outras
responsabilidades a nível da
cúpula/esfera de decisão,
educadoras
Cargos de funcionárias no
aparelho administrativo
público;
Gestoras de eventos de
mobilização de membros
para ação económica,
social e política
Membresia partidária,
participação
Liderança da agenda e das
estruturas de decisão;
protagonistas da
promoção da paz
6.
Intervenções
exigidas
Educação e cuidado
dos filhos, sobretudo
as filhas, cuidar do
marido e da casa em
geral. Cuidar das
atividades geradoras
de rendimento,
pequeno comércio
Como profissionais da sua área de
formação; deputadas, como
animadoras culturais e
responsáveis pela educação das
meninas nas grandes casas de
família (gans).
Como guerrilheira, responsáveis
políticas, comandantes e outras
responsabilidades a nível da
cúpula-
Como militantes,
profissionais técnicas das
áreas sociais e cultutais
Como gestorias,
mediadoras e
empreendedoras de
actividades de pequenas
e média iniciativas
empresarias e comerciais
Maior participação
política e pública
Maior esclarecimento e
participação política;
maior capacidade de
penetração nas estruturas
de decisão e ainda
visibilidade no espaço
público e mediático 7.
Níveis
hierárquicos
atingidos
Vendedora
ambulante,
Comerciante,
intermediária em
comércios com
estrangeiros,
sacerdotisa
Elas ficam pelo nível intermédio,
fornecendo informações e agindo
de acordo com as orientações dos
administradores coloniais, mesmo
quando são deputadas da ANP.
Comité de tabanca, comissárias
políticas, membros do CC e do BP,
guerrilheira, organizadoras de
ações culturais.
Quadros profissionais
Quadros técnicos e
empresárias
Quadros técnicos e de
enquadramento
Dirigentes de topo
8.
Elementos
de status
conquistados
Atribuidos na base
das linhagens étnicas
detentoras do poder
Baseados na negação da condição
cidadã
Status legal e políticos
status legais e políticos
conquistados através da
formação do Estado
Baseado em status
pessois adquiridos
Baseado em status
sociais atribuídos
Status posicionais
conquistados
Partido Único
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Liberalização económica
Liberalização política
Pos conflito p
politico-militar
/
de 1998/99
Associações comuni
comuni-tárias; Organizações
Não Governamentais
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
83
Lista de Mulheres que ocuparam cargos públicos de maior relevo no aparelho de Estado na Guiné-Bissau
Período/etapas
Luta de libertação
nacional (1961-1974)
Período de partido
único (1975-1990)
Peridod pos liberalizacao
politica (1991-1999)
Nome
Estatuto/Função
Partido
1. Carmen Pereira
Membro de Comité Executivo da
Luta/Presidente da Assembleia Nacional
Popular/Presidente da UNTG/Ministra da
Saúde/ membro do Conselho de Estado
PAIGC
2. Teodora Inácia
Gomes
Presidente do Instituto
Amizade/Deputada/membro do Conselho
de Estado
PAIGC
1. Francisca Lucas
Pereira
Governadora de Bolama/ Presidente da
Câmara Municipal de Bissau/Ministra do
Interior
PAIGC
2. Henriqueta
Godinho Gomes
Ministra da Saúde
Conselheira do Presidente da República
PAIGC
3. Satu Camará
Pinto
Deputada/Governadora da região de
Gabú/Governadora da região de
Cacheu/Ministra do Interior
PAIGC
1. Antonieta Rosa
Gomes
Presidente de Partido/Candidata
presidencial/Ministra da Justiça/Ministra
dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
Internacional
FCG-SD
2. Francisca Vaz
Turpin
Deputada/ Presidente da Câmara Municipal
de Bissau /Presidente UPG//Embaixadora
da Guiné-Bissau na República da Gâmbia
RGB-MB /
UPG
3. Maria Odete da
Costa Semedo
Diretora da Escola Normal Superior/
Diretora Geral de Ensino/ Ministra da
Educação/Ministra da Saúde
PAIGC
4. Eugénia Saldanha
Araújo
Deputada/Ministra da
Solidariedade/Ministra da Saúde
PAIGC
Lista de Mulheres que ocuparam cargos públicos de maior relevo na Guiné-Bissau
Período/etapas
Pós-conflito político
militar a atualidade
(2000-2011)
Período de partido
único (1975-1990)
Nome
Partido
1. Maria do Céu Silva
Monteiro
Presidente do Supremo Tribunal da Justiça
Independente
2. Filomena
Mascarenhas
Tipote
Ministra da Solidariedade/Ministra da
Defesa/ Ministra dos Negócios Estrangeiros
e Cooperação Internacional
PRS
3. Isabel Buscardini
Ministra dos Antigos Combatentes da
Liberdade da Pátria e 2ª Vice-Presidente da
ANP
PAIGC
Directora Geral do INDE/ Responsável do
EVF/ Ministra da Educação
Independente
4. Maria de Fátima
da Silva Barbosa de
Oliveira
84
Estatuto/Função
A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
Peridod pos liberalizacao
politica (1991-1999)
Pós-conflito político
militar a atualidade
(2000-2011)
5. Mariama Bá
Biaguê
Ministra da Saúde
PRS/EU
6. Maria Munira
Jauad Ribeiro
Directora Geral do Comércio/Secretária de
Estado da Cooperação
Internacional/Embaixadora na República da
Gâmbia/Embaixadora indicada para a
Venezuela
PRS
7. Fatumatá Djau
Baldé
Presidente do Instituto da Mulher e
Criança/ Ministra dos Negócios Estrangei
Estrangei-ros e da Cooperação Internacional
PRS
8. Helena Nosolini
Embaló
Ministra das Pescas/Ministra da Economia,
Plano e Integração Regional
Independente
9. Adiatu Djaló
Nandigna
Deputada/Ministra da Cultura Juventude e
dos Desportos/Ministra dos Negócios
Estrangeiros e Cooperação
Internacional/Ministra da Comunicação
Social, dos Assuntos Parlamentares e
Porta-voz do Governo
PAIGC
10. Carmelita Pires
Ministra da Justiça
PUSD
11. Fátima Fati Turé
Deputada/Membro do Concelho de
Estado/Ministra da Solidariedade
PAIGC
12. Maria de Lurdes
Vaz
Ministra do Turismo/Ministra da Solidarie
Solidarie-dade Social, Mulher, Família e Luta Contra a
Pobreza
PAIGC
13. Martina Moreira
Moniz
Secretária de Estado da
Solidariedade/Deputada/Primeira
Secretaria da ANP
PAIGC
14. Evarista de
Sousa
Deputada/Ministra da
Agricultura/Governadora de região de
Biombo
PAIGC
15. Iracema do
Rosário
Presidente do Instituto da Mulher e Criança
PAIGC
16. Gabriela
Fernandes
Secretaria de Estado do Orçamento
PAIGC
17. Nhima Cissé
Deputada e presidente de comissão
especializada parlamentar para mulher e
criança
PAIGC
18. Maria da
Conceição Vaz
Deputada
PUSD
19. Satu Djassi
Governadora de Região Quínara
PAIGC
20. Nheta Na Onsa
Administradora de Setor Mansoa/
Governadora de Oio
PAIGC
21. Salimato Zulmira
Jaló
Administradora de Setor Safim e de Bula
PAIGC
22. Matilde Indequi
Governadora de Oio/Deputada
PAIGC
23. Zinha Sanca
Administradora Setor de Nhacra
PAIGC
24. Emília Correia
Governadora de Região de Biombo
PRS
25.Maria Mussuel
Embalo
Administradora do Safim
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
85
Os autores
Miguel Marcos José de Barros é pós-graduado em Sociologia e Planeamento
(ISCTE/Portugal), investigador associado ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
da Guiné-Bissau – INEP, do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e
Consciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro – NETCCON/URFJ e ainda
membro do Conselho para o Desenvolvimento de Pesquisa em Ciências Sociais em África
– CODESRIA. Tem publicado e desenvolvido pesquisas nos domínios da juventude,
sociedade civil, participação política, mídia, migrações e música rap. Atualmente
desempenha funções de Diretor de Programa no âmbito da ONG guineense Tiniguena –
“Esta Terra é Nossa”.
Maria Odete da Costa Soares Semedo é Doutora em Letras (PUCMINAS/Brasil), escritora,
professora e investigadora permanente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas da
Guiné-Bissau (INEP) e Responsável do Serviço de Publicações dessa instituição.. Membro
efetivo da revista ContraPonto, periódico do Programa de Pós-graduação em Letras da
PUCMINAS, foi Ministra da Educação Nacional, Ministra da Saúde Pública e ainda
presidente da Comissão Nacional para UNESCO. Tem obras publicadas no país e no
estrangeiro, assim como trabalhos divulgados em várias antologias literárias, revistas,
jornais nacionais e internacionais e desenvolve estudos nos domínios da cultura, literatura
e tradições; mulheres, identidades, transformações sociais e políticas. Recentemente foi
nomeada Reitora da Universidade Amílcar Cabral.
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A Participação das Mulheres na Política e na Tomada de Decisão na Guiné-Bissau
DA CONSCIÊNCIA, PERCEÇÃO À PRÁTICA POLÍTICA
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UNIOGBIS
O Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação
da Paz na Guiné-Bissau, UNIOGBIS, foi criado pelo Conselho
de Segurança da ONU através da sua resolução 1876 (2009) por
um período inicial de 12 meses, a contar de Janeiro de 2010,
e foi prolongado até 31 de Dezembro de 2011, através da resolução
1949 (2010) do Conselho de Segurança. O mandato da missão foi
novamente estendido pela resolução 2030 (2011) por um período
adicional de 14 meses até 28 de Fevereiro de 2012.