construção e validação de um instrumento para avaliar
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construção e validação de um instrumento para avaliar
83 CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UM INSTRUMENTO PARA AVALIAR A APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES EM ELETROMAGNETISMO. Marcos Mitsuo Minegishi83 Geide Rosa Coelho84 RESUMO: Apresentamos uma pesquisa de caráter instrumental, cujo objetivo principal foi desenvolver e validar um instrumento quantitativo para avaliar o entendimento conceitual dos estudantes em eletromagnetismo. O desenvolvimento desses instrumentos se faz necessário, pois, para analisar o desenvolvimento conceitual dos estudantes é preciso que tenhamos instrumentos validos para que possamos interpretar a complexidade dos conceitos de eletromagnetismo e o entendimento desses conceitos por parte dos estudantes. Utilizamos o tratamento Rasch para dados dicotômicos, para análise dos dados, pois por meio deste, podemos ordenar os itens do questionário por nível de complexidade e ordenar os estudantes quanto aos seus entendimentos dos conceitos de eletromagnetismo. O instrumento desenvolvido mostrou-se válido e constituiu-se como uma importante ferramenta para o professor. Palavras-chave: Aprendizagem conceitual. Eletromagnetismo. Instrumento quantitativo. Tratamento Rasch. Abstract: We present an instrumental nature survey. The main objective of the research was to develop and validate a quantitative instrument to assess student’s conceptual understanding of electromagnetism. The development of these instruments is necessary. To examine the conceptual development of students in this area, we must have valid and reliable instruments to interpret the complexity of the electromagnetism concepts and the understanding of these concepts by the students. The Rasch treatment for dichotomous data analysis allowed transforming data not directly measurable on psychometric interval scales, allowing the ordination of these questionnaire items by level of complexity and also the ordering of the students regarding their understanding on the concepts of electromagnetism. It has proven to be a valid and reliable instrument for the proposed objectives and established itself as an important tool for the teacher to reflect on their teaching actions. Keywords: Conceptual learning. Electromagnetism. Qualitative instruments. Rasch treatment. 83 Licenciado em Física do Centro de Ciências Exatas da Universidade Federal do Espírito Santo. Email: [email protected]. 84 Doutor em Educação, Professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, Professor dos programas de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Física também da Universidade Federal do Espírito Santo. 84 INTRODUÇÃO Um consenso entre os professores e pesquisadores da área de ensino de ciências, é que ao final da escolarização básica o estudante deve ter aprendido os principais modelos da ciência e os diversos conceitos envolvidos em sua construção. Para atender a esse propósito é preciso investigar a aprendizagem dos estudantes nos diversos domínios da física. Segundo Brasil85, a partir das diretrizes estabelecidas pelo PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais – para o Ensino Médio, os conhecimentos da Física ganharam novos significados que são voltados para a formação de um cidadão contemporâneo, atuante e solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade. Levando em consideração essas diretrizes, o ensino de física no Ensino Médio deve ter como objetivo a formação de cidadãos capazes de compreender e participar do mundo em que vivem, mesmo que estes não tenham mais qualquer contato escolar. Maloney, et al.86, sinalizam que o magnetismo e a eletricidade envolvem uma área conceitual muito ampla que ainda depende do entendimento de outros domínios como força, energia e campo. Diferente dos conceitos de mecânica em que o estudante pode estar mais familiarizado, pois os fenômenos são visualizados mais facilmente no seu cotidiano, o eletromagnetismo exige um nível de abstração maior por parte dos alunos, pois sua familiarização em situações concretas com esse assunto pelo estudante é, em geral, menor. O PCN sinaliza que o desenvolvimento da abstração deva ser gradual e por este estar diretamente associado ao desenvolvimento conceitual, consideramos que a construção e validação de instrumentos para avaliar a aprendizagem conceitual dos estudantes de eletromagnetismo possam auxiliar o professor de física ao oferecer parâmetros em relação ao desenvolvimento conceitual de cada estudante de eletromagnetismo, auxiliando na tarefa de fazer com estes conceitos tenham um significado para os estudantes. Assim, 85 BRASIL 2006. 86 MALONEY, D.P.; O’KUMA, T.L.; HIEGGELKE, C.J.; HEUVELEN, A.V.. 2001. 85 nessa pesquisa estabelecemos como objetivo geral, desenvolver e validar um instrumento para avaliar o entendimento conceitual dos estudantes em eletromagnetismo e, como objetivo específico pretendeu analisar o entendimento de estudantes de Ensino Médio referentes aos conceitos de eletromagnetismo e Interpretar os conceitos que apresentam maior complexidade de entendimento por parte dos estudantes. CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS E MODELOS MENTAIS Vamos iniciar nossa discussão trazendo a interpretação de Anderberg apud Coelho87 para a palavra concepção. Segundo o autor a concepção pode ser entendida como “conteúdos de pensamento que dão significado a um referencial intencionado” ou ainda como os “resultados de uma relação qualitativa entre o indivíduo e o fenômeno a ser explorado”88. Já em relação às “concepções alternativas”, Coelho89, sinaliza que pode ser entendido como concepções que representam entendimentos parciais ou incompletos com relação às acepções científicas de um determinado conceito que as pessoas usam para dar significado ao mundo. Uma série de estudos foi realizada na década de 1970 para mapear e interpretar concepções dos estudantes sobre temas científicos que são ensinados nas escolas de Educação Básica e em Universidades. Um desses estudos foi o CSEM (Conceptual Survey of Electricity and Magnetism) realizados por Maloney et al.90. Nesta pesquisa foi construído um instrumento no formato de questionário com 32 itens de múltipla escolha. A partir da análise dos resultados obtidos nesse estudo foi possível detectar uma série de dificuldades que os estudantes têm na aprendizagem neste domínio da física, além de dar aos professores de física, dados que servem para suas reflexões a respeito do currículo e a metodologia de ensino empregado nas salas de aulas. Nos últimos anos houve um crescente interesse na pesquisa de modelos, analogias e modelos mentais. Tal fato se deve ao esgotamento do 87 2011 ANDERBERG, 2000 apud COELHO, 2011, p.22 89 COELHO, G. R. 2011. 90 2001 88 86 programa de pesquisas de concepções alternativas e para a necessidade de “[...] encontrar novos instrumentos para superar as conhecidas dificuldades de se ensinar e aprender Ciências”91. Para Borges, um modelo mental é o conhecimento sobre uma determinada questão ou domínio que usamos para pensar sobre eles por meio de uma simulação mental. A inferência que alguém faz sobre um determinado tema depende do modelo adotado por este indivíduo. Aprender, usando essa abordagem, para Borges implica em construir modelos mentais mais produtivos para pensar e falar sobre um sistema. Em uma análise de estudos de concepções de estudantes, apontou-se que existe uma tendência na evolução de tais concepções92. Para Borges, uma similar progressão deve ocorrer utilizando a abordagem dos modelos mentais. Nesta pesquisa seguimos a abordagem dos modelos mentais e nos baseando nos estudos de Borges. Em um estudo sobre modelos mentais de eletromagnetismo, este autor criou um instrumento que foi capaz de captar modelos mentais a partir daquilo que um modelo qualquer pode responder: Como é o sistema? Como funciona? O que faz? E para que serve? Este instrumento consistia em diversas situações problemas que sujeitos com diferentes experiências/conhecimentos sobre o tema eletromagnetismo93, tinham que resolver. Alguns dos principais modelos encontrados pelo autor nessa pesquisa foram confrontados com algumas concepções detectadas pelo instrumento desenvolvido nesta pesquisa. TRATAMENTO RASCH A partir da perspectiva Rasch, as soluções para muitos problemas de medições inquietantes são obvias e computacionalmente triviais, desde que o instrumento seja adequado. Segundo Mead94, esta simplicidade é ponto forte do tratamento Rash. Os modelos Rasch usam “dados observáveis de forma qualitativa para construir medidas intervalares de grandezas não observáveis 91 BORGES, A. T. 1998,: p. 7 DRIVER, R., LEACH, J., SCOTT, P. and WOOD-ROBINSON, V. 2008. 93 Os sujeitos da pesquisa eram compostos técnicos em eletricidade, estudantes do 1º ano e do 3º ano do Ensino Médio, estudantes de um curso técnico, engenheiros e professores de física. 94 MEAD, R. A, 2008. 92 87 como o parâmetro de um indivíduo e o parâmetro do item produzido, dessa forma, faz medidas comparáveis”95. Como temos o propósito de validar instrumentos para analisar o entendimento dos estudantes dos conceitos do eletromagnetismo, segundo Mead, informações sobre os parâmetros dos itens e as estatísticas fornecidas pela análise Rasch serão utilizados para atender a esse propósito. Os modelos da família Rasch são utilizados para examinar especialmente a hierarquia entre as performances das pessoas ou dos itens que compõem um teste, apresentando em uma mesma escala logit, a proficiência das pessoas e a estimativa para a dificuldade dos itens. Esses modelos convertem uma escala ordinal em uma escala intervalar produzindo medidas comparáveis. Outro fator associado à natureza desses modelos é que eles obedecem ao princípio da objetividade específica. Segundo esse princípio é possível você comparar a proficiência das pessoas sem fazer referência aos itens, da mesma forma é possível analisar os itens sem se referir à proficiência das pessoas. Outros dois pontos fortes da modelagem Rasch são a unidimensionalidade, quando há somente uma dimensão medida pelo conjunto total dos itens; e a independência local dos itens, ou da objetividade específica. Fazendo ajustes no instrumento é possível atingir bons parâmetros quanto a estes pontos. Nesta pesquisa, utilizamos o mais familiar dos modelos da família Rasch, que é o modelo para a análise de dados dicotômicos. CONSTRUÇÃO DO INSTRUMENTO E A COLETA DE DADOS A construção de instrumentos à mensuração educacional é muito importante para estabelecer reflexões dos educadores sobre suas ações pedagógicas. Para Raymundo96, com a experiência de pesquisadores que se dedicaram à construção de tais instrumentos, foi possível estabelecer três princípios no que se refere à construção desses instrumentos: 95 WRIGHT, B. D., LINACRE, J. M. 2008. 96 RAYMUNDO, V. P., 2009, p. 86-93 88 O primeiro princípio diz que a medida do desempenho escolar é fundamental para uma educação eficiente; o segundo afirma que os instrumentos de medida facilitam as observações que o professor faz do desempenho do aluno. O terceiro diz que todos os objetivos educacionais importantes podem ser 97 mensurados . Mas para atingir estes princípios, segundo Raymundo (2009), o construtor desses instrumentos deve minimizar a possibilidade de julgamentos subjetivos além de transformar um teste num instrumento hábil, com objetivos de verificação e avaliação. Para tanto, é importante que o instrumento possua dois requisitos básicos: a fidedignidade e a validade. A construção de um teste que utiliza medidas psicométricas “[...] só é possível devido à acessibilidade a computadores e a pacotes estatísticos”98. É o caso de nossa pesquisa, pois envolve tais medidas e a análise de dados foi feita utilizando um programa computacional que foi construído utilizando cálculos matemáticos probabilísticos. A construção do instrumento desta pesquisa procurou seguir as recomendações acima e foi realizada em forma de um teste com questões que enfocam os principais conceitos e diversas concepções alternativas e modelos mentais em Eletromagnetismo amplamente difundidas na literatura educacional. Foram gerados dois testes a partir de um banco de quarenta itens sendo que cada item é vinculado a uma questão que apresenta uma situação problema em eletromagnetismo. Cada questão vem seguida de dois a seis itens. Questões de vestibular e do ENEM foram adaptadas para a criação deste banco. Um teste foi aplicado na turma do 4º ano do curso técnico em eletrotécnica e outro na turma de 3º ano do curso técnico em mecânica, ambos de uma escola técnica estadual localizada no bairro República do município de Vitória – ES. Uma discussão mais aprofundada sobre a construção deste instrumento assim como os testes produzidos para a aplicação nas turmas pode ser encontrados em Minegishi99. 97 98 99 RAYMUNDO, V. P.,p. 87 RAYMUNDO, 2009, p.89 MINEGISHI, M. M., 2013. 89 Esse tipo de pesquisa exige uma intervenção no ambiente de ensino, entretanto com o intuito de manter a validade ecológica do ambiente de aprendizagem, procuramos intervir o mínimo possível. Utilizamos nesta pesquisa um teste com questões cujas saídas eram dicotômicas em que o acerto foi o julgamento correto, por parte do estudante, sobre a veracidade (V) ou a falsidade (F) da proposição de cada item. A construção de testes padronizados com itens fechados é uma metodologia bem conhecida e razoavelmente simples e seguirá os padrões clássicos desse desenvolvimento como os propostos por Borges, Borges e Talim100 e Fernandes e Talim101. Vale ressaltar ainda que os estudantes foram incentivados a participar da pesquisa, pois os testes aplicados geraram uma nota que posteriormente foi incorporado à média trimestral. Segundo Raymundo, testes realizados por examinandos motivados possuem fidedignidade alta. Foram voluntários desta pesquisa, 36 alunos do 4º ano do curso Técnico em Eletrotécnica integrado ao Ensino médio e outros 20 alunos do 3º ano do curso Técnico em Mecânica integrado ao Ensino Médio do turno Noturno da Escola Estadual Arnulpho Mattos. O instrumento foi aplicado no 3º trimestre do ano letivo de 2012 no mês de Setembro. O fato dos cursos serem técnicos nos incentivou na escolha, visto que poderíamos investigar se os alunos do curso de Eletrotécnica, por terem matérias técnicas em que fundamentos do eletromagnetismo são utilizados, teriam maior facilidade em aprender os conceitos do eletromagnetismo do que os alunos do curso de Mecânica. VALIDADE DO INSTRUMENTO Para Raymundo, a validação é o processo de examinar a precisão de uma determinada predição ou inferência realizada a partir dos resultados de um teste. Se valida não propriamente o teste em si, mas a interpretação dos dados decorrentes de um procedimento específico. A validação inicia-se desde o momento que o mesmo é idealizado e prossegue durante todas as etapas até a interpretação dos resultados. Existem três aspectos da validade que 100 101 BORGES, O.; BORGES, A. T., TALIM, S., 2007.. FERNANDES, S. A.; TALIM, S. 2009. 90 correspondem aos objetivos de um teste: 1) Validade de conteúdo. 2) Validade de critério. 3) Validade de construto. Para esta autora, a validade de conteúdo refere-se ao julgamento sobre o instrumento. Neste aspecto o instrumento é julgado se realmente ele cobre os diferentes aspectos do seu objetivo, não desviando deste. A finalidade da validade de critério é verificar se o instrumento é capaz de identificar os itens que são efetivamente melhores para uma determinada atividade, ou seja, se o instrumento é capaz de ordenar adequadamente de acordo com o fim. Já a validade de construto possibilita determinar qual a característica educacional que explica a variância (medida de dispersão dos resultados em relação à média) do teste ou, então, qual o significado do teste. Em outras palavras: Será que o instrumento realmente mede aquilo que se propõe a medir? “A validação de construto não se limita a validar um teste; o seu alcance é bem mais amplo, centrando-se o seu objetivo na validação da teoria em que se apoiou a construção do instrumento”102. A validação do conteúdo, segundo Raymundo, não pode ser determinada estatisticamente e pode ser resultado do julgamento de especialistas. A validação do conteúdo do instrumento utilizado foi realizada pelo professor de Física da instituição onde a pesquisa foi realizada. Já a validade de critério e de construto foi realizada mediante o tratamento Rasch. Concordamos com Molenaar e Hoijtink 103 quando eles afirmam que os modelos Rasch oferecerem os melhores métodos de ajuste e apresentam-se de uma forma bem simples, pois leva em consideração somente o escore dos sujeitos ao responderem a um teste e o escore de cada um dos itens que compõe o teste. Por isso, adotou-se como critério para a validação dos instrumentos de medida a análise das estatísticas resultantes do modelamento Rasch, principalmente, o ajuste dos itens e a unidimensionalidade do instrumento. 102 103 RAYMUNDO, 2009, p.88 MOLENAAR,I.W.,HOIJTINK, H., 1996. p. 27-45 91 Segundo Coelho104 uma estratégia utilizada para avaliar a qualidade de um instrumento é analise da unidimensionalidade. A unidimensionalidade é desejável em uma escala, pois a análise da proficiência do sujeito e da dificuldade do item só faz sentido se avaliamos um único atributo ou uma única dimensão latente. Por isso, quando analisamos a unidimensionalidade do instrumento, estamos interpretando se o instrumento passa pelo critério de validade de construto. METODOLOGIA DE ANÁLISE DE DADOS Utilizamos nesta pesquisa o programa computacional WINSTEPS, pois este, segundo Linacre e Wright105, geram os escores de um tratamento Rasch. Os resultados obtidos após o tratamento vêm em forma de estimativas para a proficiência dos estudantes, a complexidade dos itens e as estatísticas de ajuste para interpretarmos os critérios de validade de construto, validade de critério, fidedignidade e unidimensionalidade dos instrumentos106. A partir das estimativas geradas, podemos de forma objetiva descrever os resultados dos testes para todos os alunos, individualmente e também analisar as questões por conceito eletromagnético explorado. A dimensionalidade de uma escala ou instrumento pode ser verificada a partir da interpretação de duas estatísticas de ajuste e a análise da variância dos dados. Se apenas um fator fosse responsável pelos resultados em um teste, então esse fator explicaria 100% da variância observada, mas isso é praticamente impossível. Por isso, para verificar a unidimensionalidade da escala devemos verificar se a primeira dimensão (dimensão Rasch) explica a maior parte da variância nos dados. Linacre107 sugere que para garantir a unidimensionalidade da escala, a variância explicada na primeira dimensão seja maior que 50% (R2 > 0,50). Analisar a Variância significa avaliar a 104 105 106 107 2011 LINACRE, J. M.; WRIGHT, B. D., 2000. COELHO, 2011 LINACRE, J. M., 2009. 92 dimensionalidade da escala do instrumento. A unidimensionalidade é uma propriedade fundamental que as escalas devem apresentar, pois elas sinalizam para em que proporção o construto que nos propomos a investigar em uma pesquisa está presente na escala (e consequentemente no instrumento que gerou a escala). Não podemos pensar que o construto que pretendemos investigar coresponderá a 100% da variância dos dados (nas pesquisas educacionais, por exemplo, outros fatores são inerentes ao processo de avaliação), mas podemos pensar em “grau” de unidimensionalidade. Algumas estatísticas resultantes do tratamento Rasch nos permite fazer inferência sobre a unidimensionalidade da escala. Para interpretarmos a unidimensionalidade da escala e, consequentemente, do instrumento que a gerou, interpretaremos a tabela 23 gerada pelo software WINSTEPS. Nessa tabela, são estimados os valores para a variância “Empírica” e “Modelada” e para Coelho108 é desejável que esses valores estejam próximos. Depois analisaremos a Tabela 3.1 do WINSTEPS que descreve um destes testes: a estatística RMSE (Root Mean Square standard Error). RMSE é a raiz quadrada do erro médio da variância calculada para as medidas dos sujeitos (competências) e para as medidas dos itens (dificuldade). Esta estatística é composta de duas parcelas: Modelada RMSE e Real RMSE. É desejável que os seus valores sejam aproximadamente iguais. Isto demonstra que divergência nos dados tem pouco efeito na precisão global das medidas109. Através da estatística INFIT/MNSQ utilizada pelo WINSTEPS é possível analisar a qualidade psicométrica dos itens ou em outras palavras ajustar os itens ao modelo. Segundo Linacre110, para esse ajuste, os valores encontrados entre 0.5 e 1.5 são considerados aceitáveis para a confiabilidade das medidas. Coelho111 sinaliza que o MNSQ corresponde à significância da qualidade dos itens do instrumento e considera o valor unitário como o de um ajuste perfeito do item ao modelo. Podemos também analisar a complexidade dos conceitos 108 2011 Linacre, comunicação pessoal, 22/02/2010 110 2009 111 2011 109 93 transportados aos itens interpretando o parâmetro de dificuldade desses, e medir a proficiências dos estudantes através do parâmetro das pessoas. RESULTADOS E DISCUSSÕES Ao conduzir a análise Rasch, verificaremos inicialmente à estatística de ajuste dos itens ao modelo. Essa estatística inclui uma análise denominada INFIT, que segundo Borges e Mendes112 é uma estatística mais sensível aos comportamentos desviantes que afetam os itens próximos do nível medido de atitude do indivíduo e também é a estatística mais relevante para analisar a qualidade dos itens. Para Coelho113, essa análise é baseada na variação entre o padrão de resposta observada e o padrão de resposta esperado pelo modelo desenvolvido. A importância de realizar essa análise é que ela determina a consistência da medida realizada, ou ainda podemos dizer que ela determina o ajuste dos itens ao modelo. O MNSQ é a média quadrática da estatística INFIT e determina a significância da análise. Se os valores encontrados nessa estatística não estão no intervalo de confiança desejável, uma revisão no modelo deve ser realizada, antes de estimar seus parâmetros. Todos os valores estão entre 0.5 e 1.5, portanto dentro das especificações. Para Coelho114, o MSQN corresponde à significância da qualidade dos itens do instrumento. O valor igual a 1 significa que o ajuste do item ao modelo foi perfeito. Entretanto, não se pode esperar que todos os itens fiquem perfeitamente ajustados. Obtivemos resultados próximo a 1115, significando que todos os itens estão bem ajustados ao modelo e que as medidas são consistentes e confiáveis. O WINSTEPS não desconsiderou nenhum estudante da amostragem o que significa que todos esses alunos geraram dados confiáveis. O próprio programa retira resultados não confiáveis. Logo houve um adequado ajuste das pessoas ao modelo. 112 BORGES, O; MENDES, I. 2007. 2011 114 2011 115 Os resultados foram obtidos em tabelas resultantes do tratamento Rasch executado pelo WINSTEPS e podem ser encontrados em Minegishi (2013). 113 94 Os valores encontrados para a variância empírica e a variância modelada foram de 16.8% e 16.7%, portanto valores próximos de acordo com o esperado, que asseguram a unidimensionalidade da escala. Quanto aos resultados para REAL RMSE e MODELO RMSE, para os indivíduos encontramos os valores de 0.42 e 0.41 e para os itens encontramos os valores 0.40 e 0.39. Era desejável que os valores fossem aproximadamente iguais. Isso demonstrou que a divergência nos dados tem pouco efeito na precisão global das medias e que temos um único construto sendo avaliado, portanto podemos considerar que o instrumento refletiu o entendimento dos estudantes em relação aos conceitos de eletromagnetismo. Com a “régua” (figura abaixo) podemos visualizar mais facilmente o nível de dificuldade dos itens, que estão do lado direito, e o nível de proficiência de cada estudante em eletromagnetismo, que está do lado direito da régua. Podemos verificar que o aluno “ELE05” é mais proficiente que os demais quando o assunto é o eletromagnetismo. Ele obteve 70% de acertos. Com relação aos itens, verificamos que ocorreu uma dispersão maior quanto à complexidade inerente a cada item, sendo o item 19 o mais complexo com 75,5% de erros, e o item 5 o menos complexo com 95% de acertos.116 116 A correlação entre item e conceito pode ser encontrada no trabalho de Minegishi, 2013 95 Figura 1 – Mapa de variáveis: Complexidade dos itens e nível de entendimento dos estudantes Analisando os itens com menos acertos podemos discutir sobre a dificuldade de entendimento dos conceitos associados a estes pelos estudantes. Destacamos aqui os três itens mais difíceis para os alunos e os conceitos associados: o item 19, 39 (corresponde ao “3927a” da régua na figura 1) e o item 31. O item 19 é relacionado ao conceito da força magnética em função da velocidade de uma partícula, da carga elétrica desta partícula e um Campo Magnético. 75,5% dos estudantes que analisaram esse item 96 marcaram como verdadeira a proposição de que a força magnética depende da velocidade da partícula e de sua massa, o que nos leva a deduzir que os estudantes se confundiram com a segunda Lei de Newton em que a força realmente depende da massa, ou seja, houve uma troca de concepções de mecânica com eletromagnetismo. Os alunos ainda não se desvincularam do modelo mecânico. No item 39, o conceito envolvido foi o da Lei de Lenz em que o sentido de uma corrente induzida é tal que o campo magnético produzido pela corrente se opõe à variação do fluxo magnético que induziu a corrente e a força eletromotriz induzida tem o mesmo sentido que a corrente induzida. A proposição do item foi a de que a corrente induzida é causada pela simples presença do campo magnético. Os estudantes que erraram neste caso, considerando os modelos mentais de Borges117, ainda não admitem o Modelo Científico ou Eletrodinâmico118 definido por esse autor. O item 31 traz o conceito da Lei de Indução de Faraday que diz que uma corrente é produzida pela variação do fluxo magnético e da mesma forma a variação da corrente elétrica produz um fluxo magnético variante. Este conceito possibilitou a construção dos transformadores. A proposição do item era de que não haveria voltagem no secundário de um transformador ao ligar duas pilhas no primário deste. Os estudantes que erraram marcaram como verdadeiro a proposta de que não houve voltagem no secundário, pois o número de espiras era insuficiente. Aqui também os alunos ainda não consolidaram o Modelo Científico ou Eletrodinâmico. O mesmo conceito explorado no item 31 também foi associado aos itens 33, 34, 35 e 36. Respectivamente 57,6%, 60,6%, 45,5% e 42,4% dos estudantes erraram esses itens. Esses percentuais indicam que boa parte dos estudantes aprenderam os conceitos envolvidos nos itens. Diferente do item 31, esses itens dispunham, além de um gráfico para a análise dos estudantes, da equação da Lei de Faraday. A equação pôde ser aplicada diretamente pelos 117 1998 É caracterizado pela ideia de que uma corrente elétrica sempre cria um campo magnético em torno do condutor: o eletroímã é visto como um ímã temporário, que pode ser controlado através da corrente, mesmo quando não há um núcleo sólido ou quando ele não conduz eletricidade. As pessoas que usam tal modelo explicam sem problemas o seu funcionamento e comportamento. Este e outros modelos podem ser encontrados no trabalho de Borges (1998). 118 97 alunos, o que não era o caso no item 31. Índices maiores de acertos podem ser explicados por esses detalhes. Os itens considerados menos complexos, aqueles nos quais a maior parte dos estudantes acertou sinalizam que os mesmos podem ter aprendido os conceitos associados a estes. Os itens com mais acertados foram os de número 5 e 14. O item 5 foi extremamente fácil com; 95% dos estudantes acertaram-no, ou seja, esses estudantes não apresentaram dificuldades em reconhecer que a existência de um ímã está associada à constituição de um dipolo magnético. No item 14 verificou-se que 85% dos estudantes concordam que um eletroímã atrai um ímã qualquer a uma pequena distância. Podemos afirmar que o Modelo em que Borges119 trata o Magnetismo como nuvem (ou área de influência)120 está consolidada nos estudantes. Verificamos que a maioria dos estudantes está alocada acima da linha média da régua, o que nos leva considerar que a média da proficiência dos estudantes em eletromagnetismo está acima da média de complexidade dos itens e isso significa que os estudantes conseguem entender a maior parte dos conceitos mobilizados pelos itens do instrumento, com menor probabilidade para entender os conceitos referentes aos itens 19 e 3927a. Vale destacar que tanto os estudantes da turma de Eletrotécnica como os da Mecânica estão uniformemente distribuídos ao longo da régua. É importante ressaltar que o curso de Eletrotécnica têm em sua grade curricular disciplinas técnicas que utilizam os conceitos do eletromagnetismo. Esse fato não influenciou no desempenho desses alunos em relação aos estudantes de Mecânica, que não são favorecidos por estas disciplinas em sua grade curricular, o que nos levam a acreditar no empenho e nas mediações do professor em sala de aula. 119 1998 Tal modelo acrescenta que a ação dos ímãs se manifesta dentro de uma região limitada de influência. Objetos dentro daquela região são atraídos, enquanto que objetos que não são atraídos estão fora do alcance do ímã, isto é, do ''campo magnético''. Tais pessoas referem-se ao padrão de limalha de ferro espalhada em torno de um ímã como o campo magnético dele. O magnetismo é causado pela organização interna dos átomos e moléculas segundo arranjos especiais - um objeto está magnetizado quando seus átomos estão ordenados. O campo magnético é descrito como uma nuvem ou como uma atmosfera envolvendo os corpos magnetizados. Embora as pessoas falem em polos magnéticos, eles não entram nas suas explicações. 120 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS Destacamos inicialmente, devido ao processo de validação e das qualidades psicométricas alcançadas pelo instrumento desenvolvido para essa pesquisa, que o mesmo constituiu-se como uma ferramenta eficiente para avaliar o entendimento dos estudantes em eletromagnetismo, logo, seguramente podemos recomendá-lo para outros professores de física avaliarem seus estudantes. Apesar de o tratamento Rasch possuir grande potencial para uso restrito em pesquisas educacionais devido à complexidade para a análise de dados, o instrumento desenvolvido nesta pesquisa constituiu-se em uma excelente ferramenta para ser usado por qualquer professor de física para ensinar eletromagnetismo aos seus estudantes, bastando para esse fim, saber interpretar as respostas dos itens deste instrumento, como fizemos neste trabalho. Para melhorar ainda mais os resultados de suas aulas, o professor, a partir dos dados obtidos, pode refletir sobre suas ações pedagógicas. Umas dessas reflexões podem dar origem a uma nova metodologia de ensino a acrescentar aos demais utilizados. Ficam bem claro quais são as limitações dos estudantes no aprendizado dos conceitos trabalhados em cada item do instrumento. Um exemplo foi o conceito da Lei de Indução de Faraday em que a grande maioria dos estudantes não atingiu o Modelo Científico proposto por Borges121. Para este pesquisador, aprender implica em construir modelos mentais mais sofisticados. Instrumentos como este elaborado nesta pesquisa, podem auxiliar o professor para que ele possa tomar ações pedagógicas mais precisas para alcançar este objetivo. Finalmente, atendendo aos objetivos específicos desta pesquisa, por meio do desenvolvimento e validação de um instrumento para avaliar o entendimento conceitual de estudantes em eletromagnetismo. Nessa pesquisa, pudemos analisar o entendimento dos estudantes do Ensino Médio nos 121 1998 99 conceitos de eletromagnetismo e interpretar os conceitos que apresentam maior complexidade de entendimento por parte dos estudantes. REFERÊNCIAS ANDERBERG, E. Word meaning and conceptions. An empirical study of relationships between students’ thinking and use of language when reasoning about a problem. Instructional Science, v. 28, p. 89–113, 2000. BRASIL Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o Ensino Médio: Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencian.pdf. Acesso em 04 de julho de 2013. BORGES, A. T. Modelos Mentais de Eletromagnetismo. Universidade federal de Minas Gerais, Colégio Técnico, Belo Horizonte - MG, Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 15, n. 1: p. 7-31. 1998. BORGES, O.; BORGES, A. T., TALIM, S. 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