Swap de proteção cambial
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Swap de proteção cambial
1 Miguel Augustin Kreling [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Sul http://www.ufrgs.br/universidadeviva/ O SWAP DE PROTEÇÃO CAMBIAL E O CONTINGENCIAMENTO DO CRÉDITO AO SETOR PÚBLICO NO BRASIL Miguel Augustin Kreling1 INTRODUÇÃO Inúmeras empresas brasileiras que atuam no mercado internacional – e, assim, possuem ativos e passivos em moeda estrangeira – vêm tentando fazer frente à flutuação cambial, a fim de estabilizar seus custos e melhorar seu planejamento financeiro. O recurso de que essas empresas têm lançado mão é o hedge. Esse instrumento, no contexto da volatilidade dos mercados emergentes com câmbio livre, tem sido cada vez mais utilizado por toda a sorte de empresas. As empresas estatais – entre as quais se incluem as de economia mista – têm, contudo, encontrado certa resistência, por parte de alguns bancos, em aceitar realizar a operação, sob a alegação de que o contingenciamento do crédito ao setor público ser-lhes-ia um empecilho. Entretanto, o mercado no qual as empresas estatais atuam é extremamente competitivo, nacional e internacionalmente, e também é compartilhado pelas empresas privadas. Permitir a estas, mas não àquelas, que se protejam através do hedge, implica desequilibrar as condições de concorrência, favorecer a umas em detrimento das outras – o que é inadmissível em um mercado positiva e minimamente concorrencial e, até mesmo, inviável às empresas estatais. Assim, o hedge passa a ser compreendido como um ditame da boa administração, não podendo a empresa competitiva subtrair-se à sua utilização. Nestes termos, coloca o problema Luis Mélega: “Assim expostas as noções do ‘hedging’, noções essas comuns no mercado de produtos, e descartadas as operações que possam revelar mera especulação, chega-se à conclusão de que este tipo de negócio não deve ser definido, face às empresas comerciais e/ou industriais que o praticam, como simples operação eventual ou aplicação financeira. Em essência essa operação é medida de cautela que se destina a eliminar ou diminuir os riscos inerentes às oscilações de preço, sendo por isso mesmo providência que deve se arrolada entre aquelas que necessariamente precisam ser adotadas pelas administrações conscientes, no desempenho das atividades que a empresa se propôs a exercitar” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se) 1 Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq “Mercosul e Direito do Consumidor” sob a coordenação da Profa. Dra. Cláudia Lima Marques. 2 É sob esse contexto que surgiu a nossa preocupação com o enquadramento legal da operação de swap de proteção cambial ante os normativos que dispõem sobre o contingenciamento do setor público. As hipóteses e as modalidades de swap e hedge são muito variadas. Suas estruturas, de caso a caso, podem mudar tanto que, por vezes, resta até mesmo difícil entender por que são ainda identificadas pelo mesmo nome. Basta, para tanto, lembrar que existem swaps de moedas, de taxa de juros, de mercadorias (commodities), de títulos mobiliários e que o hedge (isto é, a proteção) pode ou não ser operacionalizado mediante swap. Em virtude da desnecessidade, para os fins propostos, de avaliarem-se todas as modalidades existentes, este estudo limitar-se-á à análise de uma operação padrão, a que muitas empresas estatais vêm sabidamente recorrendo (doravante, a OPERAÇÃO). A OPERAÇÃO tem por finalidade proteger o passivo circulante que uma empresa tem em dólar contra a variação da taxa de câmbio. Consiste em um acordo pelo qual ela se obriga perante determinado banco a pagar-lhe, em data determinada (estipulada em consonância com a data em que seu passivo vence no futuro), o valor equivalente ao passivo contratado corrigido segundo uma taxa (por exemplo, 105% do CDI), em troca do mesmo valor, na mesma data, a ser pago pelo banco, só que corrigido segundo a variação cambial do dólar em relação ao real (moeda em que uma suposta empresa possui ativos). Essa operação é dita sem caixa pois não implica movimentação financeira quando de sua contratação, situação essa que perdura até à data acordada, em que se fará a liquidação da diferença entre as duas prestações, cabendo então, a uma das partes (à empresa ou oa banco), pagar o saldo apurado, feita a devida compensação. Caso a variação percentual do dólar tenha sido superior à da outra taxa usada como referência para a correção da contraprestação, então incumbirá ao banco pagar à empresa justamente aquele valor que, em razão da desvalorização do real, lhe faltará para fazer frente ao passivo previamente fixado em dólar. Caso ocorra o contrário, a empresa deverá pagar ao banco precisamente a quantia a mais que agora tem, em virtude da apreciação do real, em relação àquela da qual originalmente (na data da contratação da OPERAÇÃO) dispunha para saldar o débito em dólar. 1. A competência para regular as operações de swap e hedge As operações de swap no Brasil são reguladas pelo Conselho Monetário Nacional, conforme dispõe a Lei 4595, de 31 de dezembro de 1964, em seu artigo 4o , inciso XXXI: “Art. 4o Compete privativamente ao Conselho Monetário Nacional: XXXI - Baixar normas que regulem as operações de câmbio, inclusive swaps, fixando limites, taxas, prazos e outras condições”. Podendo as operações de hedge serem concebidas como uma espécie dentre as operação de swap, de cujo gênero elas se distinguem por sua especial finalidade – a de proteção (e não de especulação) – , entende-se compreendidas as de hedge – inclusive a OPERAÇÃO – no conceito de swaps previsto pela norma. 3 Por isso, neste estudo, far-se-á freqüentemente referência a normativos do Banco Central (BACEN), e, ainda, muito especialmente, a Resoluções e Circulares baixadas pelo Conselho Monetário Nacional (doravante, o CMN). 2. A questão terminológica É conveniente, já de antemão, dissipar qualquer dúvida que possa existir a respeito dos conceitos de swap e hedge, bem como definir se a OPERAÇÃO padrão, sob análise, constitui, afinal, swap e/ou hedge. O Conselho Monetário Nacional define as operações de swap (ou swaps) como “aquelas realizadas para liquidação em data futura que impliquem na troca dos resultados financeiros decorrentes da aplicação, sobre valores ativos ou passivos, de taxas ou índices utilizados como referenciais” (art. 1o , § 1o , I da Resolução 2873, de 26 de julho de 2001). Essa definição tem-se mantido, em sua substância, constante desde 1994, quando da edição da primeira resolução tendo por objeto a regulação das operações de swap.2 Note-se a generalidade da definição legal das operações de swap, que consistem, fundamentalmente, em uma permuta financeira, independentemente dos valores de base ou dos índices empregados para sua correção. Portanto, o swap define-se em função de seu meio operacional – a permuta de duas somas que, de início, tendem a ser equivalentes, mas que, ao final, uma vez que corrigidas por taxas diversas, tendem a discrepar – independentemente do fim colimado pelas partes. Neste sentido, explica Francesco Rossi: “Il contratto di swap si presenta infatti come uno strumento “multiuso” o polivalente, a seconda della finalità in concreto perseguita da ciascuna delle parti che, come annota la dotritta finanziaria e aziendalistica, può essere quella di sfruttare opportunità di arbitraggio oppure quella del c.d. hedging oppure ancora quella del c.d. traiding. È così possibile che lo stesso contratto di swap, ad esempio, sia concluso da una parte allo scopo di coprirsi da un rischio preesistente mentre dalla controparte per finalità meramente speculative (...). (...) [É] così anche per il contratto di swap che, come la dottrina finanziaria e aziendalistica ha puntualmente rilevato, può servire tre scopi diversi: la riduzione dei costi di un finanziamento (o l’incremento dei rendimenti di un investimento) sfruttanto delle oportunità di arbitraggio (c.d. arbitrage), la copertura di un rischio di prezzo (rischio di tasso di interesse, rischio di cambio, rischio di base tra due diversi tassi di interesse variabili: c.d. hedging) ovvero la speculazione (c.d. traiding)” (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 611-612). 2 As operações de swap eram anteriormente definidas como “as operações consistentes na troca dos resultados financeiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art. 1o § 1o da Resolução 2138, de 29 de dezembro de 1994); e “as operações consistentes da troca dos resultados financeiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art. 1o § 1o da Resolução 2042, de 13 de janeiro de 1994). 3 As operações de swap eram anteriormente definidas como “as operações consistentes na troca dos resultados financeiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art. 1o § 1o da Resolução 2138, de 29 de dezembro de 1994); e “as operações consistentes da troca dos resultados financeiros decorrentes da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos utilizados como referenciais” (art. 1o § 1o da Resolução 2042, de 13 de janeiro de 1994). 4 Já o hedge (ou hedging), por oposição, configura operação de cobertura contra um risco4 – no caso, o da disparidade entre moedas – e que, desse modo, defini-se em função do fim – o de proteção – que, pelo menos, uma das partes, tem em vista ao contratar, independentemente do meio pelo qual se instrumentaliza. Por conta disso, tem-se que o hedge pode ser instrumentalizado de diversas formas, dentre as quais se destaca a compra de títulos públicos referenciados em moeda estrangeira – como as Obrigações do Tesouro Nacional, denominadas, no jargão do mercado, de “OTNs Cambiais”, muito utilizadas até 1989, quando o governo brasileiro extinguiu-as. Essas obrigações “possibilitavam ao seu portador optar, quando de seu resgate, pela correção baseada nos coeficientes da Secretaria do Planejamento, ou pela correção baseada nos coeficientes calculados pelo Banco Central do Brasil com base na variação da cotação do cruzado [sic] no mercado de câmbio” (BASTOS, Celso Ribeiro. KISS, Eduardo Amaral Gurgel. O hedge e o contrato de hedge. In BASTOS, Celso Ribeiro. Contratos internacionais: compra e venda internacional, carta de crédito comercial, o hedge e contrato de hedge. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 167.). Assim, o hedge é essencialmente proteção contra um risco, seja o de variações de taxas de juros, de paridades entre moedas ou de preços de mercadorias. É o que explica Nelson Eizirik: “A finalidade do contrato futuro, de proteção contra a variação de preços, pode ser verificada em todas as modalidades de hedge, independentemente do bem objeto do contrato, que pode ser mercadorias, ativo financeiro, moeda, ações etc. Nesse sentido, vale referir que no Direito norte-americano todos os ativos que podem ser objeto de contratos a futuro, sejam mercadorias, sejam ativos financeiros, são considerados commodities e submetidos à regulamentação e fiscalização do Commodity Futures Trading Commission” (EIZIRIK, Nelson. Aspectos jurídicos dos mercados futuros. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n. 81, jan. - mar. 1991, p. 25). Em reforço, é válido também, mutatis mutandis, o ensinamento de Roque Antonio Carraza: “De fato, ninguém duvida que pode haver – e quase sempre há – uma oscilação de preços entre estes dois marcos temporais. Noutros falares, quem pratica operações a termo assume o risco (álea) de ter assinalados ganhos (lucros) ou vultuosas perdas (prejuízos), dependendo da alta ou da baixa dos preços dos produtos negociados. Justamente para afastar os riscos assumidos pelos operadores do mercado a termo é que surgiu o mecanismo da cobertura, mais conhecido como hedge ou hedging. É ele que estabiliza as possibilidades de ganho. No hedge temos, de um lado, os que transferem o risco (os hedgers) e, do outro lado, os que aceitam suportá-lo (os epeculadores), que, diga-se de passagem, não estão envolvidos na atividade produtiva. (...) Esta operação conjunta, que tem por escopo neutralizar uma posição de risco, por meio de outra equivalente, tem o nome técnico de hedge (ou hedging). (...) O hedge (que, em inglês, literalmente significa “cerca, muro, barreira, limite”) é, em resumo, um proteção ou cobertura de risco. Isto explica porque é denominado, em vernáculo, contrato de cobertura. E, realmente, o hedge é, em última análise, um contrato de cobertura contra riscos decorrentes da normal variação de preços. Em temos mais técnicos, tem por finalidade ilidir riscos inerentes às operações de venda e compra, com execução diferida. Não é a toa que Keynes enfatizava que, em última 4 Esse é o foco da Circular nº 2.348, de 30 de julho de 2003, editada pela Diretoria do BACEN. 5 análise, o hedge é um “seguro de preços”, já que tem por escopo reduzir os riscos da normal variação de preços, para quem realiza venda a futuro, isto é, venda para entrega futura de mercadorias ou ativos financeiros” (CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedge internacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n. 27, dez. 1997, 152-153). (grifou-se) Carlos Augusto da Silveira Lobo também explica que o hedge define-se por sua finalidade de proteção, independentemente do objeto a ser protegido: “A principal função dos mercados futuros não é, portanto, propiciar a circulação de mercadorias e produtos agrícolas, mas sim assegurar aos agentes econômicos, que, pela natureza, se sujeitam naturalmente a riscos de determinada natureza, um mecanismo eficaz (o hedging) para se protegerem contra os riscos decorrentes de mudanças de preços no futuro. São esses riscos o objeto das negociações; não as mercadorias ou outros ativos, que servem de base aos contratos de futuros. Ora, esse mecanismo de hedging funciona da mesma forma, não somente para proteger contra riscos de variação futura de preços de mercadorias e produtos agrícolas, como também em relação aos riscos inerentes a qualquer espécie de ativos ou passivos, tangíveis ou intangíveis, cujos valores estejam sujeitos a variações insuspeitadas no futuro. (...) Hoje há uma extensa gama de valores futuros nos pregões, ensejando aos usuários a obtenção de hedging para quase toda espécie de riscos, não somente os relativos a preços de mercadorias, como também os referentes a valores futuros de diversos ativos financeiros e outros interesses. Há mercado de futuros de câmbio, de juros, de índices de ações e de vários outros valores abstratos cuja variação no futuro acarreta risco para quem exerce uma atividade econômica” (LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Os mercados de futuros. Revista de direito mercantil: industrial, econômico e financeiro. São Paulo, Malheiros, n. 124, out.dez. 2001, p. 150). Curiosamente, cada vez mais, o hedge vem descobrindo no swap um meio eficiente de operacionalizar a proteção colimada, enquanto que o swap vem tendo no hedge uma de suas aplicações mais importantes à estabilidade econômicofinanceira. É dessa forma que ambas as operações entrecruzam-se e, até certo ponto, confundem-se. Entretanto, sendo hedge o fim, e swap o meio, deve-se deixar claro que nem todo swap visa ao hedge, e que nem todo hedge processa-se na forma de swap. Entre as esferas de operações abrangidas por ambas categorias, há uma intersecção na qual o swap é hedge, já que a permuta financeira objetiva proteção, e o hedge é swap, vez que a proteção se opera mediante permuta financeira. Diversa não é a posição de Roque Antonio Carraza: “Entendemos que as operações de swap, que visam proteger ativos financeiros contra riscos de oscilação de preços ou de taxas, podem ser consideradas operações de hedge, pelo menos para fins de dispensa de retenção do imposto sobre a renda na fonte (“IR-fonte”) das pessoas jurídicas (cf. art. 77, da Lei nº 8.981/95)” (CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedge internacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n. 27, dez. 1997, 155). (grifou-se) É precisamente este o caso da OPERAÇÃO sob exame. A ela poder-se-á referir, portanto, tanto por hedge quanto por swap, desde que não se perca de vista que uma é também a outra e vice-versa. 6 3. O contingenciamento do crédito ao setor público Contingenciar significa controlar, limitar, no caso, o crédito ao setor público. O contingenciamento do crédito ao setor público é uma determinação do CMN que deve se compreendida dentro do contexto de uma série de medidas – cujo melhor exemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal – que se vêm tomando desde 2000, com o escopo de implementar uma maior responsabilidade na gestão dos recursos públicos, prevenindo riscos, corrigindo desvios e promulgando uma ação fiscal planejada e transparente. O objetivo desse contingenciamento é, a toda evidência, evitar um endividamento excessivo do setor público – já que o paternalismo estatal tende a sinalizar às instituições financeiras a possibilidade de conceder-lhe limites mais generosos de crédito – prezando por sua saúde financeira. O contingenciamento do crédito ao setor público foi consolidado e teve suas regras assim redefinidas pela Resolução nº 2.827, de 29 de março de 2001, do CMN, verbis: “Art. 1º. Limitar o montante das operações de crédito de cada instituição financeira e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil com órgãos e entidades do setor público a 45% (quarenta e cinco por cento) do Patrimônio de Referência (PR), nos termos da regulamentação em vigor.” (grifou-se) A questão delicada é a qualificação ou não da OPERAÇÃO como “operação de crédito”. Essa se constitui, por isso mesmo, no cerne dão estudo, uma vez que é desse enquadramento (ou não) da OPERAÇÃO como “operação de crédito” que haverá de decorrer sua sujeição às regras que tratam do contingenciamento do crédito ao setor público. Para a Resolução nº 2.827, por operação de crédito deve-se entender – no que talvez diga respeito mais diretamente à OPERAÇÃO (art. 1o, § 1o, II, e): “II – por operação de crédito: (...) e) toda e qualquer operação que resulte, direta ou indiretamente, em concessão de crédito e/ou captação de recursos de qualquer natureza, inclusive com uso de derivativos financeiros.” (grifou-se) Observe-se que o conceito central desta definição é a “concessão de crédito” e a “captação de recursos de qualquer natureza”. O “uso de derivativos financeiros” – em cujo conceito se pode incluir o swap – é um mero adendo explicativo que, a bem da verdade, não integra a definição de operação de crédito, mas, tão-somente lembra ao aplicador da norma que derivativos financeiros podem ser – porém não necessariamente o são – utilizados na concessão de crédito ou captação de recursos. 5 A natureza de sociedade controlada decorre da definição legal de acionista controlador expressa no art. 116 da Lei de Sociedades por Ações, que assim dispõe: Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. 7 Assim, resta claro que, sem concessão de crédito ou captação de recursos – mesmo que se empreguem derivativos financeiros – não há operação de crédito. Resta, assim, imprescindível analisar a operação de swap de proteção cambial para verificar se nela há ou não concessão de crédito. Da solução dessa indagação depende a possibilidade de empresas estatais realizarem a OPERAÇÃO sem ou com o empecilho do contingenciamento do crédito ao setor público instituído pelo ato normativo acima referido. Tal empecilho torna-se significativo à medida que os bancos, em geral, tendem a já ter comprometida a parcela de 45% de seu Patrimônio de Referência com órgãos e entidades do setor público, ou, ainda que não os tenham, pode implicar na majoração das taxas e spreads aplicados por conta da utilização desse limite percentual. Ademais, cumpre registrar que costuma não convir às empresas estatais, a fim de superar, por outra via, o empecilho do contingenciamento do crédito ao setor público, dar em garantia formal e exclusiva ao banco duplicatas originárias de vendas mercantis ou prestação de serviços, conforme lhes faculta o art. 9o, § 1o, I, alínea a da Resolução nº 2.827 do CMN. 4. Swap de proteção cambial é operação de crédito? Cumpre enfatizar que os normativos do CMN que regulam o contingenciamento do crédito ao setor público só adquirem relevância no caso concreto se a OPERAÇÃO for qualificada, perante eles, como uma operação de crédito. Por isso, o cerne da questão está em averigüar a verdadeira natureza do swap de proteção cambial, a fim de determinar se ele implica ou pode implicar concessão de crédito. Eventual resposta positiva exigiria exame mais detido da OPERAÇÃO, porquanto atrairia a incidência do ato normativo que impõe o contingenciamento de crédito ao setor público. De outra parte, uma resposta negativa – confirmando a inexistência de uma operação de crédito – praticamente resolveria, neste particular, a questão, afastando a incidência do normativo em tela. Desse modo, a análise importará no exame do conceito de crédito, da estrutura da operação de hedge e sua natureza jurídica, para, ao final, cotejar o crédito e o hedge e, ao cabo, extremar-lhes a distinção. Caberá ainda, de resto, apontar razões de ordem teleológica – isto é, concernentes aos fins visados pela medida do contingenciamento – para demonstrar a impropriedade da identificação do hedge com a concessão de crédito. 5. A conceituação da ‘operação de crédito’ A primeira advertência a ser feita quando se busca precisar o significado da expressão ‘operação de crédito’ empregada no normativo em tela é a de que o termo ‘crédito’ pode ser entendido em diferentes acepções. Como bem demonstra Fábio Konder Comparato,6 há, basicamente, três noções de crédito: a moral, a econômica e a jurídica. A noção moral prende-se à própria etimologia da palavra, uma vez que creditum, filiado a credere, significa crença ou confiança; e, neste sentido, o creditor é aquele que crê, confia. No plano econômico, como mostra Comparato, os economistas contemporâneos põem em destaque que o crédito importa, principalmente, uma operação em que o creditante 6 COMPARATO, Fábio Konder. O seguro de crédito: estudo jurídico. São Paulo: RT, 1968. p. 26-31. 8 se priva do uso da riqueza transferida ao creditado durante certo tempo. Momentaneamente, o creditante se priva da liquidez de parte de seu patrimônio diante da perspectiva de reavê-lo no futuro. A noção jurídica de crédito, por sua vez, não guarda relação com a econômica, podendo assumir contornos diversos.7 Essas considerações são importantes porquanto se deve ter bem presente que o termo ‘crédito’, tal qual empregado na Resolução, somente pode ser entendido em sua acepção econômica, o que decorre do próprio contexto no qual se insere (ato normativo destinado a contingenciar o endividamento do setor público). Basta isso para pôr-se em evidência o não-enquadramento da OPERAÇÃO como a prática de uma ‘operação de crédito’, tal como prevista na Resolução. De outra parte, o dicionário Aurélio define o crédito como cessão de mercadoria, serviço ou importância em dinheiro, para pagamento futuro. Forma-se o crédito, por conseguinte, quando se dispõe a terceiro um determinado ativo, mediante o compromisso do recebimento de outro ativo no futuro. Maria Helena Diniz não se afasta muito dessa conceituação: “Troca de bens atuais por futuros, ensejando circulação de valores ou mercadorias. Antecipação de recursos (mercadorias, dinheiro, uso de imóveis, serviços, títulos etc.), que se transformará em prestação futura, feita por uma pessoa a outrem, tendo garantia de uma pagamento posterior, em razão da confiança depositada na pessoa a quem se entrega a coisa” (CRÉDITO. In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1, p. 916.). Os dicionaristas econômicos, Arthur Seldon e F. G. Pennance, reforçam essas mesmas idéias – a do lapso temporal entre prestações e a da confiança na contraprestação futura: “Concessão de permissão por uma entidade a outra par obter a posse de alguma coisa possuída pela primeira (v.g., uma haver, dinheiro ou serviço), sem pagamento no momento do recebimento; qualquer transferência de bens, serviços ou dinheiro, em troca de bens, serviços ou dinheiro a serem recebidos em data futura; ou, sob uma forma mais evoluída , transferência de dinheiro em troca de uma promessa de restituição futura. O significado original do vocábulo (do latim credere) é: depositar confiança em, confiar em, fiar-se, crer em. (...) A essência de uma transação de crédito é a promessa de pagar em uma data futura” (CRÉDITO. In: SELDON, Arthur; PENNANCE, F. G. Dicionário de Economia. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A., 1975. p. 120.). Para o dicionarista Houaiss, consiste ele na “vantagem que se obtém em negociação em que haja intercâmbio de alguma coisa, imediatamente adquirida, por outra que ainda se receberá; comutação de um bem presente por um bem futuro”. Por fim, Paulo Sandroni não poderia ser mais claro quanto aos elementos essenciais do crédito: “CRÉDITO. Transação comercial em que um comprador recebe imediatamente um bem ou serviço adquirido, mas só fará o pagamento depois de algum tempo determinado. Essa transação pode também envolver apenas dinheiro. O crédito inclui duas noções fundamentais: confiança, expressa na promessa de pagamento, 7 Basta referir que a posição de credor de terceiro pode decorrer, inclusíve, da prática de ilícitos civis. 9 e tempo entre a aquisição e a liquidação da dívida” (CRÉDITO. In.: SANDRONI, Paulo. Dicinário de Economia. São Paulo: Abril, 1985. p. 96.). Está presente, invariavelmente, no conceito de operação de crédito, a idéia de troca de bens presentes por bens futuros. Daí se afirmar que a definição de crédito contém dois elementos essenciais, a saber: a confiança e o tempo. Neste sentido, convém transcrever a lição de Fábio Konder Comparato: “O negócio de crédito é o negócio jurídico bilateral em que há necessariamente um intervalo de tempo entre prestação e contraprestação, como ocorre no mútuo e na venda a crédito”.8 Ora, no caso da OPERAÇÃO, inexiste intervalo de tempo a mediar a prestação da empresa em relação à contraprestação do banco com que se vai contratá-la. As prestações a que ambas as partes se comprometem são assumidas simultaneamente – no ato da contratação do hedge – para execução também simultânea – no ato da liquidação da operação. Por conta disso, não há a figura do credor e do devedor, sendo, inclusive, indeterminável, ao tempo da contratação, a natureza do resultado que advirá da liquidação. 6. Os elementos constitutivos do swap de proteção cambial Interessa, por ora, assinalar os elementos constitutivos do hedge, mais especificamente, os da OPERAÇÃO, a fim de precisar sua estrutura e sua natureza. Podem-se classificar seus elementos, para fins de mera investigação, em elementos de fim e elementos de meio. Aqueles dizem respeito ao objetivo da OPERAÇÃO, ou melhor, à OPERAÇÃO enquanto hedge. Estes, ao instrumento pelo qual se processa a OPERAÇÃO, diga-se, à OPERAÇÃO, enquanto swap. É a sua concatenação ordenada que constitui a OPERAÇÃO, põe-na em funcionamento e confere-lhe natureza jurídica. Os elementos de fim são (i) a proteção (hedge) contra o risco da variação cambial, ou, mais precisamente, o da desvalorização do real frente ao dólar – seu fim imediato – e (ii) a estabilização do passivo da empresa hedgeada – seu fim mediato. A própria denominação da operação – hedge – já fala por si, já destaca a importância que seu fim imediato – a proteção – assume em sua configuração. Nesse sentido, ensina Luiz Mélega: “‘Hedge’ ou ‘hedging’ é expressão inglesa que tem o sentido de cerca, muro, barreira, limite. Na técnica dos negócios a termo a expressão se conceitua como proteção, cobertura de risco, cautela que deve ser adotada por todo negociante ou industrial consciente” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se) Para esse autor, é justamente a proteção – ou seja, a cobertura de riscos decorrentes da oscilação cambial – que é a essência, o fator econômico que reúne 8 COMPARATO, Fábio Konder. O seguro de crédito: estudo jurídico. São Paulo: RT, 1968. p. 31. 10 em torno de si todos os demais elementos da operação, conferindo-lhe unidade conceitual e sentido existencial: “Configura-se, na espécie em exame, uma pluralidade de contratos individualizados, na excelente síntese de Oscar Barreto Filho, pluralidade essa cuja interdependência existe por mera junção de um fator econômico que lhes é externo, como seja a cobertura de riscos decorrentes da oscilação ou variação de preços” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 55). Tal é a evidência e a necessidade dessa constatação que até mesmo o BACEN já reconheceu legislativamente a finalidade de proteção do hedge, ex vi do disposto na Circular nº 2.348, de 30 de julho de 1993, arts. 1o, 3o e 4o. O fim último – mediato – do hedge é o seu efeito econômico, qual seja, o de estabilizar o passivo da empresa. Troca-se, por intermédio do hedge, uma posição incerta – possibilidade de ganhar concomitante com o risco de perder – por outra certa – em que abre-se mão de eventual evolução favorável do câmbio em nome da garantia de que, pelo menos, não se virá a experimentar perda superior a previamente estimada. Nesse sentido o ensinamento de Oscar Barreto Filho: “A oscilação de cursos entre a data do fechamento e a da liquidação, como é óbvio, enseja certa álea, que se traduz na probabilidade de perda concomitante à probabilidade de lucro. Daí o mecanismo de hedging, utilizado exatamente para cobrir os riscos assumidos pelos operadores do mercado a termo, de modo a estabilizar as possibilidades de ganho” (BARRETO FILHO, Oscar. As operações a termo sobre mercadorias: hedging. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n. 29, 1978, p. 11-12). (grifou-se) Esse instrumento é fundamental ao empresário que, por exemplo, deseja planejar, de antemão, seus custos, a fim de poder realocar, e com segurança, mais recursos a reinvestimentos, de tal modo que não reste comprometido o capital de giro da empresa, seu fluxo de caixa, e, em última análise, sua própria saúde econômico-financeira. Essa a posição de Oscar Barreto Filho: “A esta operação conjunta, que objetiva salvaguardar uma posição de risco por outra equivalente, mas de sentido contrário, é que os anglo-saxões denominam de hedge ou hedging (que literalmente significa cerca, muro, barreira, limite e na técnica dos negócios conceitua-se como proteção ou cobertura de risco). Operação análoga permitirá a um industrial programar os custos de estoques ou de matérias-primas” (BARRETO FILHO, Oscar. As operações a termo sobre mercadorias: hedging. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n. 29, 1978, p. 11-12). Cabe, por último, ressaltar que a finalidade de proteção (hedge) é um elemento externo à operação de swap. A operação de swap em si e por si não basta para averiguar-se a existência de hedge. Necessário se faz perquirir a vontade, o ânimo, a intencionalidade das partes ao contratá-la: 11 “Nesta altura de nosso discurso já podemos proclamar que os contratos futuros visam acautelar as partes contra o risco da provável variação de preço do bem ou ativo financeiro negociado, em relação à sua cotação, no momento da celebração da avença. Neles, as partes não querem apenas comprar bens ou ativos financeiros. Querem, sim, proteger-se, o mais possível, da variação de preços. Suas vontades manifestam-se neste sentido” (CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedge internacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n. 27, dez. 1997, 154). (grifou-se) Subjetividade esta que se pode provar, por exemplo, mediante a comprovação de que há, de fato, relações subjacentes a serem cobertas, de que existem, enfim, dívidas nomeadas em moeda estrangeira a que o hedger há de fazer frente. Aliás, outra não é a preocupação do BACEN ao regular as operações de h e d g e , como se denota de sua Circular 2.348, de 30 de julho de 1993, especialmente quando fala, no art. 6º, na “legitimidade da transação de hedge”.9 E é o que expõe, outrossim, Caio Mário da Silva Pereira: “A fim de se acobertar das oscilações de mercado, os interessados ajustam então operações casadas, iguais e em sentido contrário, no mercado à vista e no mercado à termo, de tal modo que se defendem contra a variação das cotações. (...) A interdependência factual de contratos equivalentes tem por finalidade precípua reduzir os riscos do mercado bolsista” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. A nova tipologia contratual no direito civil brasileiro. Revista forense, Rio de Janeiro, Forense, n. 281, jan. – mar. 1983, p. 11). Discriminados os elementos de fim, passa-se aos de meio. Estes compreendem: (i) a permuta de posições financeiras; (ii) a liquidação futura da diferença; (iii) a ausência de movimentação financeira (sem caixa); (iv) a extrapatrimonialidade contábil; e (v) a simultaneidade perfeita entre as prestações. Todos esses elementos acham o seu sentido no todo, eis a razão pela qual devem ser apreendidos conjuntamente e em função da unicidade da OPERAÇÃO. A OPERAÇÃO, a fim de alcançar seu fim (hedge), desenvolve-se por meio de uma permuta (swap) de posições financeiras a ser liquidada em data futura. Tal data tende a aproximar-se daquela em que o hedger tem de cumprir sua obrigação em moeda estrangeira. As posições financeiras partem de uma mesma base – que tende a ser a quantia, em reais, equivalente à obrigação do hedger em dólar na data em que contrata a operação de hedge – mas são corrigidas por índices diversos 9 “Art. 6.. No caso de transações de “hedge” cujo direito ou obrigação subjacente não se sujeite a registro no Banco Central do Brasil / FIRCE ou se refiram à proteção contra variações de preços de mercadorias, as operações de câmbio destinadas às remessas necessárias, usuais e normais à cobertura dos riscos podem ser celebradas observado o disposto nos parágrafos seguintes. Parágrafo 1.. Devem os bancos assegurar-se da legitimidade da transação de “hedge” pela existência de transação comercial ou financeira geradora dos direitos ou das obrigações objeto do “hedge”, expressa por escrito e consubstanciada em documentos privados ou emitidos, formalizados ou instituídos pelo Poder Público, tais como mas não limitados a : A – contratos mercantis de exportação e de importação de mercadorias ou de serviços, bem como de negociação no mercado interno de mercadorias com preços cotados em bolsa no exterior, independentemente do meio de comunicação utilizado (carta, telex, fax etc), observada a forma usual empregada nas relações comerciais; B – registros de exportação no SISCOMEX, guias de importação, documento que comprove o enquadramento da exportação nos programas PROEX ou FINAMEX, contratos de câmbio de exportação liquidados antes do embarque das mercadorias (pagamento antecipado). Parágrafo 2.. Nas transações de “hedge” de preços de mercadorias para as quais ainda não existam as transações comerciais subjacentes e respectivos documentos, os bancos assegurar-se-ão da legitimidade do “hedge” mediante rigorosa avaliação e qualificação do cliente, nos termos dos itens III e IV da Resolução n.º 1.620, de 26.07.89, do Conselho Monetário Nacional”. (grifou-se) 12 (uma pelo CDI, por exemplo, outra, v.g., pela variação da cotação do dólar). Aí está a razão da liquidação (netting ou set-off), da apuração do saldo que uma parte deverá pagar a outra. Assim, a liquidação futura da diferença entre as duas prestações contrapostas é elemento essencial à OPERAÇÃO e, portanto, de vital importância à sua caracterização. É o que defende Francesco Rossi: “La compensazione (set-off) tra le obbligazioni reciproche (nella stessa valuta) che hanno origine dal medesimo contratto riveste un ruolo assai rilevante nel contratto di swap quando le scadenze delle reciproche obbligazioni coincidono (...)” (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 604). Oscar Barreto Filho põe em destaque, com propriedade, que a liquidação futura da diferença, enquanto elemento indissociável da venda a termo, não se pode confundir com a venda para entrega futura, já que nesta não há obviamente a possibilidade da liquidação: “Ademais, permite-se nas operações a termo que, ao invés da entrega efetiva das mercadorias negociadas, se procede à liquidação por diferença, mediante o pagamento da variação entre a cotação do registro do contrato e a do dia anterior ao da liquidação. Nisto se distingue a venda a termo da venda pura e simples para entrega futura, porque nesta última os contratos só podem ser executados mediante a entrega física da mercadoria” (BARRETO FILHO, Oscar. As operações a termo sobre mercadorias: hedging. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. São Paulo, RT, n. 29, 1978, p. 11-12). (grifou-se) A relevância da liquidação resta reforçada à medida que ela revela outro característico essencial à configuração da OPERAÇÃO. Se o adimplemento do contrato de hedge condensa-se e, de certa forma, reduz-se à liquidação futura da diferença, fica evidente a ausência de movimentação financeira ao contratar-se a operação. Ou seja, diferentemente do que costuma ocorrer em outras operações, inclusive em determinadas modalidades de hedge, a OPERAÇÃO não implica o comprometimento físico de nenhuma quantia para o hedger. A operação, de início, não importa movimentação de caixa, podendo ser apontada, no momento exato em que contratada, como de custo zero; daí falar-se, no jargão do mercado, em operação de hedge sem caixa. Consiste somente na contratação, em tese – sem qualquer efeito, de imediato, sobre a realidade física – de obrigações contrapostas que haverão de compensar-se mutuamente no futuro. É exatamente por essa razão que a OPERAÇÃO, contabilmente, é extrapatrimonial, isto é, não é lançada nem como débito nem como crédito quando de sua armação, podendo, só no futuro, converter-se em crédito ou débito, conforme a relação da variação cambial com o outro índice acordado. É o que aponta, mais uma vez, Francesco Rossi: “Esiste anche una definizione che, ai fini contabili e a livello regolamentare, inquadra gli swaps tra le operazioni “fuori bilancio” e annette in pratica rilevanza al “differenziale di tassi” che determina i pagamenti contrattualmente dovuti tra le parti” 13 (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 612). Em razão da própria incerteza e iliquidez da apuração futura do saldo a pagar (o qual pode ser, como visto, tanto positivo quanto negativo para o hedger), não haveria como registrar contabilmente a operação. Há de aguardar-se seu termo final, o termo da liquidação, a fim de determinar efetivamente o resultado financeiro do que se contratou. Aí resta evidente a tônica aleatória do negócio, conexa à não-homogeneidade natural das prestações. É neste sentido que assiste razão a Francesco Rossi: “[R]esta altresì acquisito che si tratta senz’altro di un contratto atipico, come già rilevato dalla dottrina, la cui funzione di scambio potrebbe spiegarsi immaginando una sorta di permuta finanziaria, dove il denaro scambiato non fungerebbe da prezzo, ma troverebbe la sua ragione di essere proprio nella disomogeneità finanziaria delle reciproche prestazioni pecuniarie, in ragione della diversità delle valute e/o delle scadenze delle obbligazioni stesse e/o solo della diversità dei parametri applicati. Questa disomogeneità sarebbe del resto elemento naturale della permuta e quindi di per sé escluderebbe la necessità di fare ricorso al concetto dell’aleatorità del contratto per spiegare l’alea economica che le parti inevitabilmente si assumono, essendo il negozio basatto sullo scambio di “flussi” finaziari dissimili” (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 613-614). (grifou-se) Por fim, releva notar que desses característicos salientados decorre que as duas obrigações, de ambas as partes, são adimplidas simultaneamente. Não há lapso temporal entre um e outro adimplemento, que, de tão simultâneos, chegam a converter-se em um único só – o da liquidação – dada a compensação recíproca. Eis aqui talvez o característico mais relevante do swap para o presente estudo – o da simultaneidade perfeita entre as prestações, simultaneidade essa que é indissociável da essência da OPERAÇÃO, e que, por isso mesmo, lhe dá o tom. Ao nosso ver, bastaria essa constatação – já que a hipótese de mútuo resta, de plano, afastada – para concluir-se inevitavelmente que não é possível identificar qualquer resquício do conceito de crédito no swap que se pretende praticar com a OPERAÇÃO. Se ambas as operações são simultâneas, se não há uma prestação presente assumida tendo em vista determinada contraprestação futura, não pode haver crédito. 7. A natureza jurídica do swap de proteção cambial Ao afirmar-se que o hedge, ou mesmo o swap, não é operação de crédito – em virtude da incompatibilidade do conceito de crédito tanto com o de proteção (hedge) quanto com o permuta financeira (swap) – coloca-se, então, a pergunta: afinal, o que vem a ser o hedge? Qual a sua natureza jurídica? O exame cuidadoso da doutrina revela que a pesquisa científica tem alcançado conclusões sumamente divergentes quanto à qualificação jurídica do swap contratado com o intuito de hedge. 14 Essa diversidade de opiniões – provenientes de tantos e tão abalizados autores – torna extremamente tormentosa a identificação precisa da natureza jurídica dessa modalidade de contrato. Todavia, pelas razões que se haverão de detalhar a seguir, afigura-se relevante, para efeito de responder à consulta que nos foi formulada, muito mais afastar a qualificação jurídica da OPERAÇÃO como subsumível a uma operação de crédito, do que, propriamente, resolver a questão da identificação precisa da natureza jurídica; tarefa essa, aliás, como já se disse, ainda não bem resolvida pela doutrina. Em suma, para afastar a atração à espécie do contingenciamento de crédito ao setor público basta dizer que a OPERAÇÃO não é operação de crédito. Esse enfoque eminentemente prático que se está dando à perquirição da natureza jurídica da OPERAÇÃO – procurando avançar na busca de sua natureza jurídica na medida em que tal pesquisa apresente resultados concretos relevantes – ao invés de criticável (muitos se apressariam em acoimá-lo de escapista), nos parece perfeitamente alinhado com as lições proferidas por um insigne jurisconsulto argentino, Genaro Carrió. Escrevendo sobre os esforços desmedidos comumente despendidos pelos juristas na tentativa de identificar a natureza jurídica dos mais variados institutos, Carrió sublinha que, na grande maioria das vezes, tal busca pode ser tida como uma verdadeira ‘enfermidade profissional’, posto que dela não resultam conseqüências práticas relevantes. Transplantando o raciocínio desenvolvido por Carrió para o caso presente, ter-se-ia uma justificativa teórica para limitar a busca empreendida no presente estudo à demonstração da natureza jurídica que a OPERAÇÃO não tem. Vale dizer, bastaria demonstrar que o swap contratado com o intuito de hedge não pode ser tido como operação de crédito, o que se afigura de per si bastante para afastar qualquer cogitação acerca da incidência do contingenciamento de crédito imposto ao setor público. Feita essa ressalva, não custa, todavia, fazer, ainda que brevemente, o registro das teorias desenvolvidas pela doutrina com o fito de precisar a natureza jurídica dessa espécie contratual. A propósito, os autores, conforme confiram maior destaque a um ou outro característico da OPERAÇÃO, identificam-na ora como mais próxima do contrato de seguro, ora do de permuta, ou, ainda, enveredam pelo caminho (tantas vezes mais cômodo) da atipicidade. Os escritores que justapõem, com recurso à analogia, o contrato de hedge ao de seguro, ressaltam sua finalidade protetiva, securitizadora, estabilizadora de uma dada posição financeira lastreada em moeda estrangeira. Nesse sentido, preleciona Miguel Florestano Neto: “Porém, há outra espécie de swap: o que possui intuito de hedge, de trava, de seguro contra fortes oscilações nos diversos mercados. (...) Nesse sentido, o agente econômico, consciente de que as flutuações mercadológicas são inevitáveis, contrata com os demais uma operação que o permite ficar imune a essas fortes alterações. Contrata, pois, um hedge. Nesse sentido, possuindo um ativo indexado ao dólar norte-americano, por exemplo, que varia – exatamente na mesma proporção – que o seu passivo (também atrelado à mesma moeda), realiza um swap. Percebe-se que, ao final da operação toda, seu resultado líquido é zero. (...) Por isso que, ao final, não há ganho: o resultado líquido da operação é 15 efetivamente zero, isto é, não ocorre acréscimo patrimonial e, portanto, não há renda” (FLORESTANO NETO, Miguel. O imposto de renda nas operações de swap. Repertório IOB de Jurisprudência, nº 22/2001, 2a quinzena de novembro, p. 661). (grifou-se) Aproveita, Miguel Florestano Neto, para apontar que, do próprio contexto econômico do hedge, tendo em vista o encadeamento das operações em que se insere, resulta seu caráter não-especulativo, visto inexistir possibilidade de ganho, não podendo dele advir renda. Inegável resta assim sua função meramente protetiva, isto é, de seguro. É o que também sublinha Riccardo Agostinelli: “La funzione delle premesse è appunto quella di precisare che lo swap tra banche e/o intermediari finanziari non viene utilizzato di “scommettere” sulle flutuazioni dei tassi di interesse o di cambio o per operazioni di arbitraggio, ma come strumento volto ad “equilibrare” le posizioni debitorie (o creditorie) dei soggetti contraenti. In altri termini, a fronte della strema difficoltà (si non addirittura dell’impossibilità) di assumere debiti o crediti “su misura”, ossia comportamenti “rischi controllabili” alla luce della situazione finanziaria generale, le parti ricorrono allo swap per “barattare” e “bilanciare” detti rischi, sia pure lasciando inalterate le posizioni debitorie o creditorie originariamente assunte. Come asserva l’ABI nella relazione introduttiva, tali premesse hanno la funzione di illustrare l’interesse perseguito dalle parti ed ‘ffermare l’effetivo fondamento causale dei contratti di (...) swap’” (AGOSTINELLI, Riccardo. I modelli “ABI” di interest rate e currency swap. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLV/II, mar. – apr. 1992, p. 264). (grifou-se) Com outras palavras, porém, dentro da mesma linha de raciocínio – realçando a cautela oferecida contra os riscos das oscilações cambiais – registram os comentários feitos na Itália pela ABI à circular pertinente que lá regulamenta a matéria: “Circa le caratteristiche specifiche del contratto in esame, va rilevato che nelle premesse (...) è affermato il fondameto causale dei domestic currency swap, evidenziandosi che l’interesse perseguito dalle parti è quello di cautelarsi – con riferimento alle posizioni debitorie e creditorie in divisa estera derivanti dalle varie operazioni poste in essere nell’ambito della propria attività – dal rischio delle oscillazioni del tasso di cambio con la lira” (Circolare ABI Roma, 12 Novembre 1991. Contratti bancari-tipo (po. 1195-II). Norme relative alle operazioni di “inetrest rate swap” e di “domestic currency swap” tra aziende di credito e/o società finanziarie. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLV/II, mar. – apr. 1992, p. 270). (grifou-se) Luiz Mélega, por sua vez, também aproxima o contrato de hedge do de seguro, atribuindo àquele a mesma causa econômico-social deste: “Quando um negociante se obriga a fornecer bens acabados por um determinado preço e verifica que o custo das matérias-primas subiu, de tal modo que lhe impede obter qualquer lucro, não pode se socorrer do instituto jurídico do seguro, porque não existe uma apólice de seguro de custos que lhe dê a proteção adequada. Pode ele, contudo, proteger-se por outra maneira igualmente eficiente, 16 qual seja, recorrer ao mercado a termo como forma de proteção contra os riscos de perda” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 51). (grifou-se) No mesmo sentido, pode-se transcrever ainda os seguintes excertos: “O hedge tem a finalidade de proteger alguém de eventuais perdas resultantes de aumento do valor de suas obrigações ou da redução do valor de seus bens. Assim, dentre os diversos conceitos da palavra hedge, o que importa ao presente estudo é o significado de proteção, resguardo (cf. Novo Michaelis, Dicionário ilustrado, p. 490) (BASTOS, Celso Ribeiro. KISS, Eduardo Amaral Gurgel. O hedge e o contrato de hedge. In BASTOS, Celso Ribeiro. Contratos internacionais: compra e venda internacional, carta de crédito comercial, o hedge e contrato de hedge. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 165). (grifou-se) “De um modo geral, a expressão ‘hedging’ abrange toda a precaução tomada no sentido de reduzir um risco, seja do produtor, do comerciante ou do industrial, na extensão em que optem pelo que presumem ser o momento ideal para vender ou comprar as mercadorias ou matérias-primas que constituem o objeto dos seus respectivos ramos de atividade” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 50-51). (grifou-se) Os autores que aproximam a operação de swap de proteção cambial ao contrato de permuta visualizam em ambos uma troca (swap) de duas prestações heterogêneas. Além disso, e sobretudo, pretendem eles subsumir sua hipótese fática à disciplina jurídica do contrato de compra e venda, por força dos dispositivos legais que lhes equiparam o tratamento jurídico, a exemplo do art. 533 do Código Civil Brasileiro e do art. 155510 do Código Civil Italiano. Entre aqueles que esposam essa tese destaca-se Francesco Rossi, conforme se confere no trecho abaixo: “Sarà semmai utile che le parti concordino per loro volontà l’aleatorietà del contratto (cfr. art. 1469 c.c.) per sottrarlo alle conseguenze della risoluzione per eccessiva onerosità sopravvenuta e della rescissione per lesione. Il riferimento alla permuta aiuta quindi ad individuare il regime codicistico cui fare riferimento per stabilire di volta in volta in concreto la disciplina applicabile al contratto: questa è, a mio avviso, quella della compravendita, cui l’art. 1555 c.c. fa rinvio, in quanto compatibile con la permuta. Si tratterebbe in ogni caso di una permutta di “diritti” (cfr art. 1552 c.c.) ad effetti obbligatori perché ha per oggetto crediti reciproci con scadenze future, certi nell’an, ma non nel quantum: da ciò discende che potrebbe essere applicabile la disciplina della permuta di cose generiche (cfr. art. 1378 c.c.) ove il c.d. passagio del rischio coincide con l’estinzione del rischio di credito all’ato dell’adempimento delle reciproche obbligazioni pecuniarie alle relative scadenze, salvo che possa operare la compensazione per effetto della coincidenza delle valute e delle scadenze delle obbligazioni stesse. (...) Nella permuta tipica, che può avere ad oggetto il transferimento di “diritti” diversi dalle cose (cfr. art. 1552 c.c.), il danaro può essere scambiato tra le parti ma non funge mai da prezzo della controprestazione” 10 “1555. Applicabilitá delle norme sulla vendita permuta, in quanto siano con questa compatibili.” . – Le norme stabilite per la vendita (1470) si applicano alla 17 (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 613-614). (grifou-se) Por fim, não são poucos os juristas que defendem ter o contrato de swap com intuito de hedge certa autonomia, constituindo um contrato diverso de qualquer outro tipificado em lei, restando-lhe, assim, natureza atípica. É o que, em certo sentido, aponta Luiz Mélega: “Perseguindo como finalidade a cobertura contra riscos inerentes às operações de venda e compra com execução diferida, o ‘hedging’não se caracteriza pela unidade formal de determinado esquema negocial” (MÉLEGA, Luiz. As operações de “hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, São Paulo, RT, n. 35, jul. – set. 1979, p. 52). (grifou-se) Francesco Rossi, autor que talvez tenha feito, na doutrina italiana, uma dos mais profundos e sérios estudos sobre o tema em discussão, embora propugne a qualificação da operação como permuta (de direitos), não deixa de admitir, em benefício de sua integridade intelectual, que o maior indício de sua atipicidade está em que o contrato de swap de proteção cambial não pode ser perfeitamente reconduzido a qualquer figura contratual típica: “Le opinioni peraltro divergono sulla causa dello scambio, che viene al meno in parte ricondotta a contratti tipici diversi: al mutuo reciproco, una fattispecie dalla quale lo swap di valute sembra aver avuto origine; alla compravendita a termine di danaro; all’assicurazione, in virtù della finalità di copertura di un rischio per lo più perseguita dalle parti; infine al contratto a premio o al c.d. contratto differenziale semplice, di cui si ammetterebbe la tipizzazione come autonoma categoria contrattuale da considerare assolutamente diversa dalla scommessa. Si tratta di accostamenti più o meno marcati che non revocanno comunque in dubbio la rilevata atipicità del contratto” (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 609-610).” 8. O swap de proteção cambial e a operação de crédito Adotando, nas suas linhas essenciais, o conceito econômico de crédito, a Lei de Responsabilidade Fiscal enquadrou na definição do art. 29, inciso III, aquelas operações em que a Administração obtém disponibilidade financeira em face de um compromisso financeiro futuro, ou adquire bens para pagamento financiado. Nas hipóteses contempladas em Lei, a Administração passa a dispor de um bem, inclusive recurso monetário, do qual não dispunha, em razão de compromisso presente para cumprimento da obrigação em data futura. Semelhante é a definição adotada pela Circular no 2.827 do BACEN, art. 1o, § 1o, II, ‘e’. Na operação de swap, em sua modalidade sem caixa, o compromisso assumido não gera passivo financeiro para qualquer das partes (hedger e instituição financeira), na medida em que nenhuma delas adianta o cumprimento de seu dever. Desincumbem-se, ambas, das respectivas obrigações no mesmo instante 18 (liquidação simultânea), o que se verifica pela apuração do saldo a ser pago na data de liquidação ajustada antecipadamente. Mais preciso não poderia ter sido Ari Cordeiro Filho ao extremar o hedge ou swap de proteção cambial do conceito de crédito: “[N]os swaps, não há concessão de crédito, estipulação de mútuo, financiamento, desconto, adiantamento ou qualquer outro contrato que possa sugerir desembolso de recursos de uma parte com o estabelecimento da contraprestação da outra parte (principal e juros). Não há capital desembolsado a ser remunerado; portanto, não há juros a pagar, por mútuo ou financiamento. Da permuta de resultados financeiros pode resultar um saldo devedor ou um saldo credor, mas a tipificação de um endividamento não se esgota nesta constatação de saldo” (CORDEIRO FILHO, Ari. Swaps – aspectos jurídicos. Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem, São Paulo, RT, n. 11, jan. - mar. 2001, p. 79). (grifou-se) Por sua vez, Roque Antônio Carraza parece chegar à mesma conclusão: “Embora sejam, quase sempre, realizadas por instituições financeiras, as operações de swap não possuem natureza de aplicação financeira. São realizadas no “mercado de balcão” e, nelas, não se dá a efetiva movimentação de ativos, mas, apenas, a troca de resultados financeiros entre as partes contratantes” (CARRAZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda – operações de hedge internacional. Revista dialética de direito tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, n. 27, dez. 1997, 155). (grifou-se) E, igualmente, Francesco Rossi: “Quindi le prestazioni pecuniarie reciproche non hanno in alcun modo la funzione né di prezzo per l’acquisto di un bene, né di interesse o altro corrispettivo per il godimento di un capitale” (ROSSI, Francesco. Profili giuridici del mercato degli swaps. Banca, borsa e titoli di credito: Rivista di dottrina e giurisprudenza. Milano, Giuffrè, n. XLVI/V, set. – ott. 1993, p. 613). (grifou-se) Assim, como bem o define a doutrina especializada, o swap de proteção cambial consiste numa operação de proteção que tem por finalidade estabilizar a exposição financeira, sem importar nova obrigação financeira ou elevação do respectivo passivo. É por esse motivo que, apesar de envolver a promessa de uma prestação futura, o swap não configura – nos termos da LRF e do direito privado – uma "operação de crédito", capaz de fazer incidir os limites de contingenciamento previstos na regulamentação emanada do Banco Central. 9. O swap de proteção cambial e o mercado de balcão A Resolução no 2.873 do BACEN, assim como as Resoluções no 2.042 e 2.138, que a antecederam, autoriza a realização de operações de swap no mercado de balcão, por sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários. 19 Portanto, segundo a ótica adotada pelo Banco Central, pode-se concluir que o swap não é considerado uma operação de crédito, eis que a sua prática é extensiva a entidades que não atuam na captação e intermediação da poupança pública. De acordo com a Circular no 2.367 do BACEN, que institui e regulamenta o Sistema de Registro de Operações de Crédito com o Setor Público, somente operações realizadas pela Administração com instituições financeiras e sociedades de leasing estão sujeitas à comunicação ao Banco Central.11 10. A interpretação teleológica da Resolução nº 2.827 A Resolução nº 2.827, de 29 de março de 2001, do Conselho Monetário Nacional (CMN), deve ser interpretada segundo o fim por ela colimado. Seu fim é a proteção do setor público contra o endividamento excessivo. E é precisamente a não-realização do hedge de moedas (currency swaps) que pode contribuir para gerar ou agravar o endividamento. Exatamente por isso, sob pena de subverter-se a mens legis, a operação de hedge não pode ser entendida como operação de crédito (art. 1º § 1º II e), para efeitos da Resolução nº 2.827. Outro aspecto importante a considerar diz com o fato de a Resolução nº 2.827 ter sido baixada no contexto da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (a Lei de Responsabilidade Fiscal). O arcabouço legal no qual esse normativo se insere tem por objetivo, como é cediço, limitar a possibilidade de endividamento do setor público. A Lei de Responsabilidade Fiscal explicita este objetivo, logo de início (art. 1º, § 1º): “A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar” (grifou-se) O meio através do qual a Resolução nº 2.827 procura atingir tal objetivo – o da responsabilidade fiscal – consiste justamente em restringir a concessão de crédito ao setor público. A interpretação dos conceitos previstos nesta Resolução não pode, portanto, perder de vista tal intento que lhe é subjacente, sob pena de torná-la inoperante ou desvirtuá-la dos objetivos para os quais fôra editada. Por isso, ao interpretar-se o conceito de operação de crédito (art. 1º caput), dela constante, deve-se modular sua extensão de modo a viabilizar e a maximizar a proteção dispensada ao setor público. Lógica diversa relegaria a Resolução ao fracasso. O hedge visa à proteção contra a flutuação do câmbio. Por meio dele, podese trocar (swap) um passivo incerto – suscetível à variação cambial – por outro certo – a ela insuscetível, já que protegido (hedgeado) – podendo-se, assim, predeterminar custos e lograr melhor planejamento financeiro. Os efeitos deletérios produzidos pela recente desvalorização do Real sobre os balanços de muitas empresas nacionais constituem vívido exemplo de como a não11 “Art. 1 o ... Parágrafo 2 o. Para efeito desta Circular, entende-se por operação de crédito a realização de empréstimos, financiamentos e arrendamento mercantil, o desconto de títulos, a concessão de adiantamentos e a prestação de garantias de qualquer natureza pelas instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, em que figurem como obrigado ou coobrigado os Órgãos e Entidades do Setor Publico.” (grifou-se) 20 adoção de mecanismos de proteção contra a variação cambial pode resultar num agravamento crítico do endividamento. Situação essa que resta sobremaneira agravada no caso de empresas que não possuem qualquer receita em moeda estrangeira proveniente de exportações; exportações essas que, em hipótese diversa, constituiriam um hedge natural a uma eventual exposição cambial passiva. Se o hedge, contudo, é entendido como operação de crédito, para efeito do disposto na Resolução nº 2.827, o setor público fica desprovido desse instrumento de neutralização da volatibilidade cambial, permanecendo à mercê de variações imprevisíveis, cujos efeitos podem ser sumamente nefastos à sua operação. Note-se que, entre a Resolução nº 2.827, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a operação de hedge há uma identidade de finalidade – a de propiciar o planejamento financeiro e a prevenção de riscos. A própria Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu primeiro artigo, inclui a prevenção de riscos dentre os fins precípuos por ela colimados. São elas, todas as três, instrumentos que concorrem para o mesmo fim. Sem sentido, portanto, vedar o hedge, sob a alegação de incompatibilidade com o fim visado pelo contingenciamento do crédito ao setor público. Por isso, se o hedge for entendido como operação de crédito, a Resolução nº 2.827 produzirá efeito contrário ao que pretende. Eis a impropriedade de tal interpretação. CONCLUSÃO Com amparo nas considerações expendidas conclui-se que: (i) a OPERAÇÃO não constitui operação de crédito para efeito do disposto na Resolução nº 2.827 do Conselho Monetário Nacional, não estando sujeita, por conseguinte, ao contingenciamento do crédito ao setor público; (ii) o Banco Central do Brasil deveria baixar um normativo que assegurasse às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central de que elas não precisariam observar os limites e condições impostos pela Resolução nº 2.827 para que sejam autorizadas a contratarem operações de swap de proteção cambial tais qual a analisada nesta pesquisa com empresas estatais e demais entidades públicas; e (iii) assim sendo, as empresas estatais e privadas no Brasil poderão, quanto à disponibilidade de meios para neutralizar o risco da variação cambial desfavorável em transações internacionais, voltar a competir em igualdade de condições em um mercado justamente concorrencial. 21 BIBLIOGRAFIA AGOSTINELLI, Riccardo. 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