A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca
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A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca
1 HÉLIO NORONHA DE DEUS A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca nos contratos de mútuo imobiliário Monografia apresentada à Banca examinadora do Centro Universitário do Distrito Federal como exigência parcial para obtenção do grau de especialista em Direito dos Contratos sob a orientação da Professora Mestre Liliane dos Santos Vieira. Brasília 2008 2 HÉLIO NORONHA DE DEUS A Súmula 308 do STJ e a ineficácia da hipoteca nos contratos de mútuo imobiliário Monografia apresentada à Banca examinadora do Centro Universitário do Distrito Federal como exigência parcial para obtenção do grau de especialista em Direito dos Contratos sob a orientação da Professora Mestre Liliane dos Santos Vieira. Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com menção_____ (__________________________________________). Banca Examinadora: ______________________________ Presidente: Prof. Dr. Instituição a que pertence ______________________________ ______________________________ Integrante: Prof. Dr. Integrante: Prof. Dr. Instituição a que pertence Instituição a que pertence 3 Dedico este trabalho à Vera Lúcia de Oliveira Noronha, minha maior incentivadora. 4 Agradeço aos professores da especialização do Centro Universitário do Distrito Federal, de modo especial à orientadora, Professora Liliane e ao Professor Façanha, pelas orientações e lições imprescindíveis. 5 Podemos dizer que as súmulas são como que uma sistematização de prejulgados, ou, numa imagem talvez expressiva, “o horizonte da jurisprudência”, que se afasta ou se alarga à medida que se aprimoram as contribuições da Ciência Jurídica, os valores da doutrina, sem falar, é claro, nas mudanças resultantes de novas elaborações do processo legislativo. Miguel Reale 6 RESUMO As reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, com base em voto paradigma de autoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, resultaram na Súmula 308 do STJ, que fulmina a eficácia da hipoteca em relação ao promitente comprador de imóvel financiado por mútuo imobiliário, independentemente de sua constituição anterior ou posterior ao compromisso de compra e venda firmado entre a construtora e o adquirente da unidade. O enunciado foi intensamente criticado por credores hipotecários e operadores do direito. Este trabalho é a análise da situação criada pelo STJ e a pesquisa foi realizada com o objetivo de confrontar as argumentações do voto paradigma com as normas do Direito Civil e a doutrina para, ao final, determinar a pertinência, ou não, do entendimento que fundamentou o julgado. Para isso, foi necessário estudar a Hipoteca: seu conceito, histórico, princípios, efeitos e extinção; o Direito Real de Garantia; o Direito do Promitente Comprador de Imóvel: conceito, natureza jurídica, responsabilidade pelos riscos; o Sistema Financeiro da Habitação - SFH: seu histórico e seu mecanismo; a Nova Teoria Contratual: os princípios gerais do Código Civil de 2002, os princípios contratuais do Código Civil de 2002, a autonomia privada, a relatividade dos efeitos contratuais, a força obrigatória dos contratos, a boa-fé, a função social do contrato; a teoria das Redes Contratuais: conceito e aplicação. No trabalho foi utilizado o método dedutivo quanto à abordagem, no confronto entre dos dispositivos legais e as argumentações utilizadas no voto paradigma. Quanto ao procedimento adotou-se o método histórico, no estudo dos vários institutos jurídicos, bem como o comparativo, apontando-se eventuais diferenças de entendimento entre magistrados e doutrinadores. O resultado apontou que, no caso concreto julgado no voto paradigma, houve deturpação na interpretação do mecanismo do SFH, quando o julgador prioriza a garantia por caução de recebíveis em detrimento da hipoteca e admite os compromissos de compra e venda particulares firmados entre construtora e terceiro, sem intervenção do agente financeiro, em nítida afronta às normas do SFH. Embora coerente o entendimento para os casos em que a hipoteca foi contratada depois de firmados os compromissos de compra e venda com os adquirentes, a Súmula 308 do STJ é um equívoco inadmissível quando fulmina sumariamente a eficácia das hipotecas constituídas antes de firmados os compromissos de compra e venda dos imóveis a que se referem, muitas das vezes, com o conhecimento explícito dos adquirentes, sobre a existência prévia de tal hipoteca. Palavras-chave: Súmula 308 do STJ. Direito Civil. Hipoteca. Direito Real de Garantia. Direito do Promitente Comprador de Imóvel. Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Nova Teoria Contratual. Redes Contratuais. Voto paradigma. Nítida afronta às normas do SFH. Equívoco. 7 ABSTRACT The repeated decisions of the Superior Tribunal de Justiça, based on paradigm vote of authorship of the Minister Ruy Rosado de Aguiar, resulted in “Sumula 308”, who fulminate the effectiveness of the mortgage in relation to the purchaser promising, buyer of property financed by mutual real estate, regardless of its constitution before, or after the purchase and sale of compromise reached between the buyer and builder of the unit. The statement was strongly criticized by mortgage lenders and operators of the law. This study is to examine the situation created by the STJ and the research was carried out to confront the arguments of the paradigm vote with the rules of Civil Code and the doctrine to determine the appropriateness or otherwise of the understanding that substantiate the trial. For this reason it was necessary to examine the Mortgage: its concept, history, principles, purposes and extinction, the Real Guarantee Right, the Rights of the Purchaser Promising to buy real estate: concept, juridical nature, responsibility for risks; the Habitation Finance System SFH : Its history and its mechanism, the New Contract Theory: the general principles of the Civil Code of 2002, the contractual principles of the Civil Code of 2002, the private autonomy, the relativity effects of the contract, a binding contract, the good faith, the social function of the contract, the theory of Contractual Networks: concept and application. At research we used the method of the deductive approach in the confrontation between the devices and the legal arguments used in the paradigm vote. As the procedure adopted is the historical method, the study of the various legal institutions, as well as the comparison, pointing up any differences of understanding between judges and doctrine. The result showed that in the case tried in the paradigm vote, there was misrepresentation in the interpretation of the mechanism of SFH, when the judge gives priority to security as collateral-backed at the expense of mortgage and accepts the commitments of sale signed between private construction and the third buyer, without intervention by the financial agent, in a clear affront to the standards of SFH. Although coherent for cases in which the mortgage was hired after the commitments entered into a purchase and sale of the property, the “Sumula 308” is an unacceptable mistake when fulminate briefly the effectiveness of mortgages made before the commitments entered into a purchase and sale of the property, often with the explicit knowledge of buyers on the prior existence of such a mortgage. Keywords: Sumula 308. Civil Code. Mortgage. Real Guarantee Right. Rights of the Purchaser Promising to buy real estate. Habitation Finance System - SFH. New Contract Theory. Contractual Networks. Paradigm Vote. Clear affront. Mistake. 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS SIGLAS FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço SFH – Sistema Financeiro da Habitação STJ – Superior Tribunal de Justiça 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ______________________________________________ 10 1 O Crédito e a Garantia ______________________________________ 15 2 Da Hipoteca _______________________________________________ 18 2.1 Conceito ___________________________________________________ 18 2.2 Histórico ___________________________________________________ 19 2.3 Princípios que regem a Hipoteca _______________________________ 22 2.3.1 Princípio da Especialização ________________________________________ 22 2.3.2 Princípio da Publicidade ___________________________________________ 23 2.4 A Hipoteca conforme a causa__________________________________ 24 2.5 Os efeitos da Hipoteca _______________________________________ 25 2.6 Extinção da Hipoteca_________________________________________ 27 3 Do Direito do Promitente Comprador do Imóvel _________________ 30 3.1 Compromisso de compra e venda: um contrato preliminar? ________ 31 3.2 Direito real do promitente comprador: natureza jurídica____________ 33 3.3 Direito real do promitente comprador: responsabilidade pelos riscos 35 4 Sistema Financeiro da Habitação _____________________________ 37 4.1 Histórico ___________________________________________________ 37 4.2 A Mecânica do SFH e o interesse social _________________________ 39 5 A Nova Teoria Contratual ____________________________________ 45 5.1 Princípios Gerais do Código Civil de 2002 _______________________ 47 5.2 Princípios contratuais no Código Civil de 2002 ___________________ 48 5.2.1 Princípio da Autonomia Privada _____________________________________ 48 5.2.2 Princípio da Relatividade dos efeitos Contratuais _______________________ 50 5.2.3 Princípio da Força Obrigatória dos Contratos ___________________________ 52 5.2.4 Princípio da Boa-fé. _______________________________________________ 55 5.2.5 Princípio da Função Social do Contrato _______________________________ 60 5.3 As redes contratuais _________________________________________ 63 6 A controvérsia da Súmula 308 do STJ _________________________ 67 6.1 O cenário que antecedeu à Súmula _____________________________ 67 6.2 As primeiras decisões judiciais ________________________________ 69 6.3 A polêmica estabelecida ______________________________________ 72 6.3 Análise do voto Paradigma ____________________________________ 76 6.4 A questão da Teoria das Redes Contratuais_____________________ 102 CONCLUSÃO ______________________________________________ 105 REFERÊNCIAS _____________________________________________ 108 10 INTRODUÇÃO Em abril de 2005 uma decisão do Superior Tribunal de Justiça fulminou a eficácia da hipoteca, ainda que instituída de forma legal e regularmente registrada no registro imobiliário. A referida decisão tem âmbito de aplicação limitado aos imóveis que tenham sido prometidos à venda a terceiros, pelas construtoras ou incorporadoras, por meio de compromissos de compra e venda, mesmo sem o repasse do valor da venda em benefício do credor hipotecário. Tal entendimento se constitui na Súmula 308 daquele tribunal, com o seguinte enunciado: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”1. Aparentemente a postura do Egrégio Superior Tribunal de Justiça ofende as normas constantes do Código Civil Brasileiro em relação à propriedade e ao direito real representado pela hipoteca. Até hoje vigente, sem nenhuma alteração, a súmula teve origem em voto paradigma que explorou, em sua argumentação, o fato de ter sido a unidade habitacional do caso concreto, construída mediante empréstimo com recursos do SFH (Sistema Financeiro da Habitação). Os recursos disponibilizados pelo SFH para financiamento da construção da casa própria são repassados às construtoras e incorporadoras pelas instituições financeiras e precisam retornar ao fundo de origem, o que é feito na forma de pagamentos aos bancos e desses aos fundos, pelo resultado das vendas das unidades construídas. Daí os recursos são novamente repassados e emprestados, gerando novos empreendimentos de modo a beneficiar outras pessoas, em um ciclo produtivo. Essa é a dinâmica do SFH. _____________ 1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 308. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=%40docn&&b=SUM U&p=true&t=&l=10&i=31>. Acesso em: 14 jun 2007. 11 Para tanto, ao emprestar às construtoras, os bancos procuram garantir o retorno de tais recursos, quase sempre de origem pública, com a instituição de hipoteca do terreno, que alcança, por óbvio, as unidades habitacionais que nele serão construídas, para posterior venda a terceiros. Não raro, ao procurarem a instituição financeira para obter financiamento, a construtora ou incorporadora já há muito iniciou a pré-venda de unidades, formalizando compromissos de compra e venda com terceiros adquirentes. Quando isso ocorre, o financiamento é contratado depois de formalizados os compromissos de compra e venda, o mesmo ocorrendo, por conseqüência, com a hipoteca que o garante. O correto nesses casos é a constituição de hipoteca somente sobre as unidades ainda não negociadas, ou, se o gravame alcança todas, a devedora deverá entregar à instituição financeira os valores já pagos pelos promitentes compradores e fazer caução, com entrega dos títulos de créditos (recebíveis), correspondentes aos valores ainda não pagos pelos adquirentes. O mais usual, entretanto, é a construtora ou incorporadora procurar obter o financiamento junto ao banco e constituir a hipoteca antes de começar as vendas das unidades, cujos resultados, quando realizadas, servirão para pagar o empréstimo bancário. Ocorre, então, que algumas construtoras, com necessidade de caixa, ou por outros motivos, realizam a promessa de venda de tais unidades sem o conhecimento da instituição financeira credora, quase sempre mediante uso de instrumentos particulares firmados com terceiros que, mesmo sabendo da existência das hipotecas, aceitam assumir os riscos decorrentes de tais contratos. Havendo inadimplemento por parte da construtora ou incorporadora por falta de pagamento, a instituição financeira procura recuperar os recursos emprestados utilizando-se da via judicial, promovendo a execução da dívida, que resulta na penhora dos imóveis hipotecados. Os promitentes compradores, então, sentindo-se prejudicados, promovem ações ordinárias contra a construtora e a instituição financeira pleiteando a 12 regularização da transferência da propriedade e a baixa da hipoteca dos imóveis adquiridos, sob a alegação de que já pagaram o que era devido à construtora, mesmos nos casos em que tiveram conhecimento prévio da existência da hipoteca. Julgadas as ações e os recursos decorrentes, a questão alcançou o Superior Tribunal de Justiça onde, inicialmente, a jurisprudência entendeu que as hipotecas constituídas antes dos compromissos de compra e venda deviam prevalecer, não sendo esse o caso daquelas constituídas depois que a construtora já firmara promessas de compra e venda das unidades gravadas. Entretanto, em julgamento histórico ocorrido em 18 de fevereiro de 1999 no Recurso Especial nº 187.940/SP, em que o Relator, Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior que se manifestou pela não eficácia da hipoteca, utilizando-se de argumentação que se baseou fundamentalmente no princípio da boa-fé objetiva que “impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se (sic) para receber seu crédito da sua devedora”, não lhe sendo permitido “assumir a cômoda posição de negligência na defesa de seus interesses”2. O caso era de hipoteca constituída antes de firmado o compromisso de compra e venda. A esse julgado seguiram-se outras quatorze decisões, todas fundamentadas literalmente na referida argumentação, fazendo surgir a Súmula 308 do STJ que, aparentemente, contraria os textos legais sobre o assunto, ao proclamar que independentemente da época em que foi registrada, a hipoteca não prevalece contra o compromissário comprador, ficando a instituição financeira sem a sua garantia. Este trabalho tem o objetivo de analisar os argumentos do julgado paradigma que, reiterado, resultou na referida súmula, de forma a confrontar a prática que deseja o STJ, com o que nos apresenta a doutrina jurídica com relação à _____________ 2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de Terceiro. Recurso Especial nº 187.940/SP (98/0066202-2). Recorrente: Wulf Falim e Cônjuge. Recorrido: Delfim S/A Crédito Imobiliário. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, DF, 18 Fev. 1999. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199800662022&pv=000000000000 >. Acesso em 21 abr. 2007. 13 hipoteca, ao compromisso de compra e venda, à teoria contratual pós-moderna às normas do Sistema Financeiro da Habitação. A escolha do tema decorreu do aparente conflito gerado pela contraposição do interesse particular de um lado, ao interesse público do outro, bem como da possível lesão que a aplicação da súmula está provocando em detrimento dos milenares direitos reais da propriedade e da hipoteca, o que denota a importância e relevância da pesquisa e do estudo acerca das razões e fundamentos utilizados que resultaram na súmula, de forte interesse para o mundo jurídico. Assim, o problema que se buscou pesquisar identifica-se pelo seguinte questionamento: tendo presentes as normas relacionadas aos Direitos Reais e aos Contratos, constantes do Código Civil Brasileiro3 e, mesmo sabendo o promissário comprador da existência de hipoteca sobre a unidade habitacional beneficiando o agente financeiro, o fato de ter o adquirente realizado o pagamento à construtora, ainda que sem repasse ao agente financeiro, é justificativa suficiente para que se considere tal hipoteca ineficaz frente ao promitente comprador, independentemente se celebrada antes ou depois do compromisso de compra e venda? Do problema apresentado, foram deduzidas as seguintes hipóteses de solução: a) Prevalecem integralmente as argumentações que resultaram na Súmula 308 e a hipoteca celebrada antes ou depois da promessa de compra e venda não deve ter eficácia perante terceiros adquirentes do imóvel; b) Não prevalecem integralmente as argumentações que resultaram na Súmula 308 e a hipoteca celebrada antes da promessa de compra e venda deve ter eficácia perante terceiros adquirentes do imóvel. Dessa forma, tomou-se como objetivo geral, conhecer detalhadamente a fundamentação do principal julgado que resultou na publicação da Súmula 308 do STJ, de forma a confrontá-lo com os institutos legais pertinentes. _____________ 3 BRASIL. Novo código civil: texto comparado: código civil de 2002, código civil de 1916/Sílvio de Salvo Venosa, organizador. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 313. 14 O trabalho teve como linha de evolução a pesquisa para se aprofundar o conhecimento sobre o arcabouço legal e doutrinário dos principais institutos envolvidos na questão, dentre os quais se destacam a hipoteca, o compromisso de compra e venda, o Sistema Financeiro da Habitação, os princípios contratuais do Código Civil de 2002 e a teoria das redes contratuais, além da jurisprudência acerca da questão posta, que pode ser conhecida por acesso ao site do STJ. Foram consultados textos legais, artigos e doutrina, listados em “Referências”, cabendo registrar que o elenco de obras a toda evidência não esgota o trabalho de pesquisa figurando, apenas, como referencial consultado pelo autor. Neste trabalho adotou-se o método dedutivo quanto à abordagem, pesquisando-se e analisando-se a aparente contradição existente entre os dispositivos previstos no Código Civil e legislação relacionada ao Sistema Financeiro da Habitação, frente à argumentação utilizada pelo STJ, que resultou na publicação da Súmula 308. Quanto ao método de procedimento, adotou-se o histórico, com o estudo da evolução de cada um dos institutos jurídicos abrangidos pela pesquisa, bem como da orientação dominante do STJ. Ainda quanto ao procedimento, eventualmente utilizou-se o método comparativo, ao serem comparadas as diferenças de entendimento entre magistrados e doutrinadores. O trabalho de pesquisa deste projeto foi realizado mediante pesquisa no acervo das bibliotecas do Centro Universitário do Distrito Federal - UniDF, do STJ, do Senado Federal e em obras da biblioteca do autor. Além disso, foram realizadas buscas em textos disponíveis na internet, notadamente jurisprudência. 15 1 O CRÉDITO E A GARANTIA Em uma sociedade como a brasileira, onde a orientação econômica é nitidamente capitalista, o crédito tem papel fundamental no fomento dos negócios, na geração de emprego e renda, no decorrente crescimento da produção e da riqueza. Aliás, foi com esse perfil que, na evolução social, o crédito surgiu “como elemento novo a facilitar a vida dos indivíduos e, conseqüentemente, o progresso dos povos”4, transformando-se em alavanca do desenvolvimento. Para tanto, a tranqüila existência do crédito exigiu que se disponibilizasse, aos proprietários do capital, a segurança mínima de que a sua cessão, embora contratual, não se transformaria apenas na mudança de lugar da moeda, mas em troca capaz de assegurar a construção do progresso, de interesse coletivo, e o seu retorno devidamente remunerado. A cessão de crédito sem o correspondente retorno remunerado resultaria no empobrecimento indevido do credor, em contrapartida ao enriquecimento ilícito do devedor. Da mesma forma, se existem vários credores de um determinado devedor e se, porventura, é insuficiente o patrimônio desse devedor para o pagamento das dívidas, tais credores poderiam se ver na situação de receber apenas um percentual de seu crédito originário5, o que também não é do interesse social e coletivo. Resultou daí, portanto, a necessidade de se efetivar a proteção do negócio contra os riscos, por meio da garantia, funcionando como blindagem contra a imprevisão e os contratempos, garantindo o fluxo do capital e a sua futura reutilização por outros interessados. A garantia que se oferece nos negócios pode ser pessoal, ou real, e sempre é voluntária e eventual. Além disso, tem caráter acessório por estar vinculada, por subordinação, a uma outra obrigação, a principal, cujo cumprimento garante. _____________ 4 MARTINS, Fran. Títulos de Crédito – Letra de Câmbio e Nota Promissória. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1, p. 3. 5 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 333. 16 Na garantia pessoal, também denominada fidejussória, além do vínculo natural do negócio em si, constrói-se uma relação jurídica obrigacional entre o credor e uma outra pessoa, o garantidor, que se obriga a dar, a fazer ou a não fazer. Já no caso da garantia real, o cumprimento da obrigação é protegido pela “constituição, em favor do credor, do direito real sobre coisa do devedor” 6, ou de terceiro. Assim, existindo uma dívida, o direito que possui o credor de poder utilizarse do valor de um determinado bem pertencente ao devedor ou a terceiro que o deu em garantia, ou de utilizar-se da renda propiciada por esse bem, sempre com a finalidade de satisfazer seu crédito, é denominado direito real de garantia7. A expressão direito real decorre da correspondente latina ius in re, ou seja, direito exercido diretamente sobre a coisa, sobre um objeto quase sempre corpóreo. O direito real se caracteriza pela aderência do direito à coisa, que prevalece frente a todos (erga omnes) e, dado o seu caráter absoluto, outorga, ao seu titular, o direito de seqüela, ou seja, autoriza-o a buscar a coisa onde quer que ela esteja, seja em poder de quem estiver8. À propósito, assim se manifesta Orlando Gomes: Os atributos de seqüela e preferência atestam sua natureza substantiva e real. O vínculo não se descola da coisa cujo valor está afetado ao pagamento da dívida. Se o devedor a transmite a outrem, continua onerada, transferindose, com ela, o gravame. Acompanha, segue a coisa, subsistindo, íntegro e 9 ileso, seja qual for a modificação que sofra a titularidade do direito. Os direitos reais, dentre os quais os de garantia, constam do artigo 1.225 do Código Civil Brasileiro, a saber: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, _____________ 6 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1. p. 348. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 335. 8 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 5-6. 9 GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 378. 7 17 o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca e a anticrese10. Interessam-nos particularmente, neste estudo, a hipoteca e o direito do promitente comprador do imóvel. _____________ 10 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 259. 18 2 DA HIPOTECA Existem teorias divergentes sobre a origem da Hipoteca. Alguns autores reputam-na originária do direito grego, tendo como fundamento para a defesa de tal posicionamento, a própria etimologia da palavra hypotheca. O instituto já existiria na Grécia de longa data, antes de ser adotado pelo direito romano. Outros autores dão como origem da hipoteca o próprio direito romano, a partir da prática de se oferecer imóveis em garantia de créditos do Estado, com direito ao beneficiário de realizar a venda, caso a dívida não fosse saldada. Eram os praedia subdita uel subsignata. A teoria que dá como origem da hipoteca, o arrendamento de imóveis rurais, entretanto, é a mais seguida.11 Na seqüência, apresenta-se um breve estudo acerca da hipoteca. 2.1 Conceito Como visto, havendo uma obrigação e, em o devedor disponibilizando para o credor um bem de sua propriedade para garantir a dívida, constitui-se para esse credor um direito real, porque vinculado à coisa. Nesse caso, está-se diante de um direito real de garantia. Hipoteca tem natureza jurídica, portanto, de direito real sobre coisa alheia, conferindo, ao credor, preferência frente a terceiros. Além disso, a hipoteca é acessória a uma obrigação, somente existindo enquanto essa perdura. Ao mesmo tempo, tem força suficiente para tornar o direito de propriedade enfraquecido, uma vez que havendo hipoteca, o bem é onerado em sua totalidade e passa a ter restrições por estar vinculado à liquidação da dívida que garante. Sob o ponto de vista técnico, a hipoteca se destina a gravar um bem imóvel, mas a lei admite sua incidência sobre navios e aviões. _____________ 11 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1. p. 352. 19 Tem-se, portanto, que hipoteca é real e indivisível, que o credor possui sobre a totalidade da substância de um imóvel, navio, ou avião, embora esses bens permaneçam na posse do proprietário, perdurando o direito, enquanto perdurar a obrigação a qual se vincula e assegurando preferencialmente, ao credor, o cumprimento da obrigação12. O que se busca com a hipoteca é o direito do credor de alcançar o bem gravado em poder de quem quer que esteja, e não a sua propriedade. Pode, assim, “promover sua venda judicial, para se pagar, com preferência sobre outros credores”.13 Importante registrar que é possível a hipoteca de imóveis em construção, como é o caso das edificações de empreendimentos imobiliários com finalidade residencial, mais especificamente a construção de apartamentos, atividade onde até a edição da Súmula 308 do STJ, foi largamente utilizada a hipoteca, medida tida como facilitadora do financiamento para aquisição da casa própria.14 A hipoteca está prevista no Capítulo III, do Título X, do Livro III, Do Direito das Coisas do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 jan. 2002)15. 2.2 Histórico Das teorias sobre o surgimento da hipoteca, já citadas no preâmbulo deste capítulo, a mais aceita é aquela que diz ter o instituto surgido no direito romano a partir do arrendamento de imóveis rurais. Nos primórdios, o direito romano somente conhecia como direito real a propriedade e as servidões, o que se apresentava como um complicador quando _____________ 12 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 389. 13 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 412. 14 IDEM, p. 415. 15 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 281. 20 havia a necessidade de se oferecer uma garantia, que só se viabilizava pela transferência da propriedade do garantidor ao credor. Isto se dava por meio da mancipatio ou da in jure cessio, formas pelas quais o devedor (ou o garantidor) realizava a venda do bem ao credor que, em troca do empréstimo e paralelamente a um pacto de fidúcia (fidúcia cum creditore), se comprometia a retornar a propriedade ao antigo dono, quando do pagamento.16 Tal forma de garantia era benéfica para o credor, mas onerosa em extremo para o devedor, embora, às vezes, lhe fosse permitido manter o bem a título de arrendamento, ou precário. Assim, cedido o bem ao credor, ficava impossibilitado de obter novos empréstimos com suporte em tal lastro, bem como de usufruir da produção que o bem acaso proporcionasse. Além disso, ocorria de ser, o valor do empréstimo, muito inferior ao valor do bem, causando desequilíbrio e risco. É que o credor poderia vir a vender a propriedade, restando ao devedor e antigo dono, a única alternativa de manejar contra o credor a ação fiduciária.17 Posteriormente, ante a necessidade de alugar terras para suas atividades, os arrendatários rurais passaram a contar com o penhor, ou pinnus datum, por meio do qual era cedida, ao credor, a posse dos bens garantidores, sem a transmissão da propriedade. Ora, ainda assim, seus utensílios, gado, escravos, os denominados inuecta et illata seriam repassados aos donos das terras, deixando os arrendatários sem os meios aptos à exploração do terreno arrendado, inviabilizando a atividade e o cumprimento da obrigação. A partir dessa necessidade é que começou a ser admitido o penhor sem a correspondente cessão da posse, denominado pinnus obligatum, que veio a aperfeiçoar-se, no direito de Justiniano, como hypotheca.18 _____________ 16 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 390. 17 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 528. 18 ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1. p. 352353. 21 Essa forma de garantia foi sendo aperfeiçoada ao longo do tempo, a começar pelo uso de se incluir, nos contratos de hipoteca e penhor, reforços de proteção ao credor, como o foi a lex comissoria, pela qual ficava garantido ao credor tornar-se proprietário do bem, caso não se efetivasse o pagamento da obrigação conforme contratado. Essa possibilidade, por ser excessivamente lesiva ao devedor, depois de utilizada durante todo o período clássico romano, foi proibida por Constantino em 326. Posteriormente, pelo pactum de distrahendo, passou-se a permitir ao devedor, ficar com os valores resultantes da venda do bem, feita pelo credor, que superassem o valor da dívida paga, aprimorando-se o instituto e consagrando-se, sob Justiniano, “como essência da hipoteca tal direito de alienação por parte do credor em caso de inadimplemento”19 Esse desenho da hipoteca permanece até os dias de hoje nos diversos direitos onde essa espécie de garantia é adotada. No Brasil, a hipoteca surge a partir das Ordenações, onde no Livro IV, Título 3º, apresenta-se como “direito de credor de dívida garantida por uma coisa, de reivindicá-la do comprador posterior ou exigir dele o pagamento da dívida” conforme Silvio Rodrigues transcreve, em nota de rodapé: Se o devedor, que obrigou alguma coisa ao seu credor, a vender a outrem, ou a alhear por qualquer outra maneira e a passar a seu poder, passará a coisa com seu encargo da obrigação, e poderá o credor demandar o possuidor dela, que ou lhe pague a dívida, porque lhe foi obrigado, ou lhe 20 dê e entregue a dita coisa, por haver por ela pagamento de sua dívida. A Lei nº 317 de 1843 substituiu o texto das Ordenações, permitindo as hipotecas gerais, sem incorporar ao texto legal os fundamentais princípios da especialização e da publicidade. Essa lacuna foi suprida com outra modificação do instituto, estabelecida pela Lei nº 1.237 de 1864, quando se introduziram importantes fundamentos, tais como: a) adotou-se a regra de perfeita identificação do bem a ser hipotecado (Princípio da Especialização); _____________ 19 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 528. 20 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 392. 22 b) criação do registro geral das hipotecas, adotando-se regras para sua inscrição (Princípio da Inscrição); c) instituiu-se a prevalência da hipoteca sobre eventuais outros créditos, obedecendo-se à ordem de inscrição como prioridade em caso de mais de um gravame hipotecário (Princípio da Prioridade). Com base nas legislações anteriores o instituto foi contemplando no Código Civil de 1916 como direito real e tendo por principal fundamentação a publicidade e a especialidade. Dessa forma se manteve no código atualmente em vigor, Lei nº 10.406, de 10 jan. 2002. 2.3 Princípios que regem a Hipoteca Aplicam-se à hipoteca as disposições gerais que regem os direitos reais de garantia, apresentadas nos artigos 1.419 a 1.430 do Código Civil, além das normas específicas, constantes dos artigos 1.467 a 1505, do mesmo código. A exemplo dos demais direitos reais de garantia, a hipoteca é indivisível e não existe por si só, não sendo admitida a hipoteca abstrata em nosso direito. São dois os fundamentais princípios que suportam e complementam o direito hipotecário, a saber: o Princípio da Especialização e o Princípio da Publicidade. 2.3.1 Princípio da Especialização Com base em tal princípio, tem-se que o bem ofertado em garantia deverá estar perfeitamente identificado e delimitado, não havendo dúvidas quanto ao teor, quantidade, extensão e localização. 23 De igual modo, deverá estar perfeitamente clara a obrigação existente, por meio da qual se vincula o bem acessoriamente dado em garantia, explicitando-se os valores devidos, os prazos, taxas de juros, formas de pagamento.21 É a explicitação do negócio jurídico a que se vincula a hipoteca, funcionando como garantia para os terceiros. E é justamente para proteger terceiros a previsão legal de que, em não havendo a perfeita individualização do bem, a hipoteca é ineficaz.22 Assim, não há no direito brasileiro a figura da hipoteca geral e ilimitada. 2.3.2 Princípio da Publicidade Consiste esse princípio na exigência do registro da hipoteca no Registro Imobiliário23. É esse ato que torna o ônus da hipoteca de conhecimento público, sendo “o próprio elemento constitutivo do direito real”24, que confere ao credor o direito erga omnes. “Como direito real, confere ao credor direito de seqüela, permanecendo a garantia, ainda que alienado o bem”.25 Sem o registro a hipoteca pode até ser eficaz entre as partes contratuais, mas não o é frente a terceiros.26 Decorre do registro e, portanto, da publicidade, o princípio da prioridade, segundo o qual e em consonância com a lei, tem preferência o registro mais antigo, de forma a proteger terceiros que pretendem adquirir o imóvel. _____________ 21 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 395. 22 GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 413. 23 IDEM, p. 413. 24 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 396. 25 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 531. 26 IDEM, p. 530. 24 A forma de se promover o registro da hipoteca é regulada pela Lei dos Registros Públicos, Lei nº 6.015/7327, podendo ser feita a qualquer tempo. O ato registral é praticado no cartório imobiliário que jurisdiciona a área onde se localiza o imóvel hipotecado, sendo averbado junto à matrícula, que é o número de ordem identificador do referido imóvel. 2.4 A Hipoteca conforme a causa Conforme a causa que lhe determina a existência, a doutrina aponta três modalidades de hipoteca: a) Legal: não decorre de um título. É um benefício concedido por força de lei a certas pessoas, em determinadas circunstâncias, com finalidade protetora e preventiva. Embora não seja usual em nossos costumes, o artigo 1.489 do atual Código Civil enumera as situações em que ocorre, ficando por conta do Código de Processo Civil, artigos 1.205 a 1.21028, disciplinar o procedimento de sua constituição. b) Judicial: Decorre de uma sentença judicial e, no entendimento de Sílvio Venosa, tratava-se, sem dúvida, de modalidade de hipoteca legal, tendo por objetivo garantir a execução das decisões judiciais.29 Embora não conste da codificação atual, sua regra fundamental, ainda segundo esse autor, estava presente no artigo 824 do Código Civil de 1916 nos seguintes termos: Compete ao exeqüente o direito de prosseguir na execução da sentença contra os adquirentes dos bens do condenado; mas para ser oposto a _____________ 27 BRASIL. Lei Nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1251. 28 IDEM. Código de Processo Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 484-485. 29 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 543. 25 terceiros, conforme valer, e sem importar preferência, depende de inscrição 30 e especialização. c) Convencional: decorre de um contrato, nasce da manifestação livre de vontades das partes contratuais, não existindo, no direito brasileiro, a figura da hipoteca por ato unilateral de vontade. É a modalidade mais utilizada e considerada pela doutrina a mais importante do ponto de vista econômico e técnico31. 2.5 Os efeitos da Hipoteca Com o registro da hipoteca no cartório imobiliário, o credor passa efetivamente a ter o direito real pelo qual o bem garantidor se vincula ao cumprimento da obrigação. Por outro lado, o proprietário do bem hipotecado, seja o próprio devedor, ou terceiro garantidor, passa a ter uma restrição ao seu direito de propriedade, representado pelo ônus que garante o pagamento da obrigação, embora preservando a posse, o direito de uso e gozo, bem como a possibilidade de vendêlo. Entretanto, não poderá tomar atitudes que possam provocar a degradação da garantia. Produz efeitos, ainda, frente a terceiros, em razão da característica que possui o direito real de garantia, de ser oponível erga omnes. Assim, não há como o adquirente de imóvel hipotecado impedir execução do bem, ainda que sob a alegação de desconhecimento da existência da hipoteca. Nesse sentido, temos: Aliás, presume-se negligente o comprador que não se certificou antes da aquisição, do ônus real incidente sobre o objeto do negócio; tanto mais que o mesmo figurava no Registro de Imóveis, onde é obrigatoriamente 32 registrado. _____________ 30 BRASIL. Novo Código Civil: texto comprado: código civil de 2002, código civil de 1916. Silvio de Salvo Venosa, organizador. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 723. 31 Nesse sentido: GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 417. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 538. 32 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 399. 26 Há entendimento doutrinário de que, na verdade, enquanto não se promove a execução da hipoteca, o direito do credor hipotecário é apenas latente e que se o devedor paga a dívida antes do vencimento, “a garantia não se concretiza, embora tenha cumprido sua função”33. Entendemos que não. O estado de garantia se concretiza com a inscrição do registro da hipoteca, concretizando-se, assim, o direito real do credor. O que permanece latente é apenas a possibilidade, ou não, de ser necessária execução judicial, caso ocorra inadimplemento. Latente, portanto, é o direito de execução, e não o direito de garantia. O prazo da hipoteca convencional é aquele estipulado no contrato a que essa garantia real se vincula, podendo ser prorrogado por simples aditivo e a correspondente averbação ao registro, sempre em comum acordo entre as partes. Observe-se que a prorrogação só é possível enquanto ainda não se venceu o título a que se vincula a hipoteca. Se ocorrer o vencimento, o acordo entre as partes e a reconstituição da hipoteca somente será possível mediante novo título e nova inscrição. O artigo 1.485 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 10.931 de 2 de agosto de 2004, determina que o contrato de hipoteca somente poderá subsistir por mais de 30 anos, em havendo novo título e novo registro. Interessante notar que o prazo máximo para a validade da especialização (conjunto de características que perfeitamente identificam o imóvel hipotecado e a correspondente obrigação) é de apenas 20 anos, conforme redação do artigo 1.498 do citado código. 34 Completado este prazo, a especialização deverá ser renovada também mediante averbação ao registro. _____________ 33 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 425. 34 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 282-283. 27 2.6 Extinção da Hipoteca São dois os caminhos para a extinção da hipoteca: o primeiro é pela extinção da obrigação a qual se vincula a garantia hipotecária e o segundo é pela extinção da própria hipoteca, por uma causa que independe do desaparecimento da obrigação. No primeiro caso, ocorre a extinção por via de conseqüência. Por ser direito acessório, a hipoteca se extingue ao ser liquidada a obrigação (direito principal do credor). Já no segundo caso, ocorre a extinção por via principal. A extinção da hipoteca está contemplada no artigo 1.499 do Código Civil 35 e, além de se dar pela extinção da obrigação principal, pode ocorrer pelas seguintes causas: a) pelo perecimento da coisa: se a coisa for destruída parcialmente, a hipoteca permanece sobre o remanescente do bem. Entretanto, se ocorrer destruição do bem, ou do imóvel, a hipoteca desaparece. Interessante registrar que, ocorrendo eventual cobertura de valor em razão de indenização, ”o ônus sub-roga-se no preço”36. b) pela resolução da propriedade: significa dizer que resolvido o domínio do imóvel pelo cumprimento de condição ou transcurso de prazo acordados, resolve-se também a hipoteca concedida por pendência de tal condição37. c) pela renúncia do credor: pode ser por renúncia da dívida, caso em que a hipoteca se extingue por conseqüência, ou por renúncia expressa da hipoteca, caso em que a dívida permanece, passando o crédito à condição de quirografário, ou seja, destituído de qualquer preferência ou privilégio. _____________ 35 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283. 36 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 554. 37 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 414. 28 d) pela remição: já foi tratado anteriormente; é o pagamento, ao credor, de valor pela liberação da hipoteca, que pode dar-se tanto pelo devedor, como por terceiro interessado, e não representa a liquidação total da obrigação. e) pela arrematação ou adjudicação: é o resultado final da execução hipotecária promovida pelo credor. Por meio da arrematação, ou adjudicação, o credor recebe o valor do bem hipotecado, fazendo cumprir a finalidade da garantia real. De acordo com o artigo 1.501 do Código Civil, entretanto, a hipoteca não se extinguirá nesses casos, “(...) sem que tenham sido notificados judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na execução”38. São também causas extintivas da hipoteca: a) a sentença judicial, porque qualquer interessado pode se socorrer da Justiça para fazer valer o seu direito; b) a prescrição da obrigação que, extinguindo a dívida, extingue a hipoteca por conseqüência; c) a perempção, que é o decurso do prazo de validade da hipoteca, de 20 anos, sem que seja promovida nova especialização, que se dá mediante averbação no registro da hipoteca. Interessante notar que depois da edição da Lei nº 10.931/2004, que alterou o artigo 1.485 do Código Civil, passando de 20 para 30 anos o prazo para prorrogação dos efeitos da hipoteca, passou a existir aparente conflito em relação ao prazo de 20 anos para a validade da hipoteca, sem que se faça nova especialização. Assim, mesmo existindo a previsão de 30 anos, se não houver a renovação antes de _____________ 38 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283. 29 decorridos 20 anos, poderá desaparecer a hipoteca, razão que leva a aconselhar a atitude conservadora de observância ao artigo 1.498 do referido código.39 Resta dizer que, embora ocorrendo as causas extintivas da hipoteca, na realidade a efetividade de sua extinção somente se dará com o correspondente registro do fato no registro imobiliário, de forma a fazer efeito frente a terceiros. _____________ 39 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283. 30 3 DO DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR DO IMÓVEL Até o ingresso do Decreto-lei nº 58/1937 na legislação brasileira40, o instituto da promessa de compra e venda de imóveis conferia apenas direitos obrigacionais, que podiam ser modificados a qualquer tempo pelas partes. A novidade introduzida no direito pátrio pelo citado decreto, destinado a regular a venda de terrenos loteados, foi a condição de ser a promessa de compra e venda irretratável, constituindo-se em direito real do compromissário comprador que vier a registrar o contrato, bem como a possibilidade de adjudicação compulsória do imóvel, em se provando o integral pagamento do preço. Legislação posterior tratou de ampliar o alcance do instituto, largamente utilizado no Brasil no campo das transações imobiliárias. Atualmente o assunto está contemplado no Título IX do Livro III do Código Civil sob a denominação “Do direito do promitente comprador”41 A exigência de registro do contrato no cartório imobiliário, constante do texto legal, tem o objetivo de conferir direito real oponível a terceiros. Posicionamento já consolidado do STJ desconsidera tal exigência em algumas situações, como é o caso da Súmula 239 de 30.8.2000: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório imobiliário”. Do mesmo modo, o teor da Súmula nº 84 de 2.7.1993: “É admissível a oposição de Embargos de Terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.42 _____________ 40 BRASIL. Decreto-lei nº 58, de 10.12.1937. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, no cd-rom que acompanha a edição. 41 IDEM. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 275. 42 IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Consultas. Jurisprudência. Súmulas. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em 20 mar. 2008. 31 3.1 Compromisso de compra e venda: um contrato preliminar? O aparato legal sobre os contratos encontra-se previsto no Título V do Livro I da Parte Geral do Código Civil43. Muitos doutrinadores abordam o compromisso de compra e venda como contrato preliminar. A título de exemplo temos Luiz Guilherme Loureiro: “O compromisso de compra e venda é um contrato preliminar, pelo qual, as partes (promitente comprador e promitente vendedor) se vinculam à realização futura de uma compra e venda”44. No mesmo sentido encontramos Sílvio Rodrigues, para quem “a promessa bilateral de compra e venda, contrato preliminar que é, tem por finalidade, como todo contrato preliminar, um contrato definitivo”.45 Esse é o entendimento ainda adotado pelo STJ nos julgados que se referem aos compromissos de compra e venda, como se exemplifica pelo teor do Agravo Regimental do Agravo de Instrumento nº 448.245 – DF (2002/0050066-8), sendo relator o Ministro Luiz Fux.46 Orlando Gomes entende de forma diversa47: O compromisso de venda não é verdadeiramente um contrato preliminar. Não é por diversas razões que contemplam a originalidade de seu escopo, principalmente a natureza do direito que confere ao compromissário. Tem ele, realmente, o singular direito de se tornar proprietário do bem que lhe foi prometido irretratavelmente à venda, sem que seja inevitável nova declaração de vontade do compromitente. Bastará pedir ao juiz a adjudicação compulsória, tendo completado o pagamento do preço. Assim _____________ 43 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200. 44 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 387. 45 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 315. 46 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO CONTRATUAL. NÃO-INCIDÊNCIA. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 448.245 – DF. Agravante: Distrito Federal. Agravado: EJB – Centros Comerciais S.A. e outros. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, DF, 21 nov. 2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%22contrato+definitivo%22&&b=ACO R&p=true&t=&l=10&i=4>. Acesso em 20 de mar. 2008. 47 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 361. 32 sendo, está excluída a possibilidade de ser o compromisso de venda um contrato preliminar, porque só é possível adjudicação compulsória nas obrigações de dar e, como todos sabem, o contrato preliminar ou promessa de contratar gera uma obrigação de fazer, a de celebrar o contrato definitivo. Esse também é o entendimento de José Osório de Azevedo Júnior, segundo o qual a verdadeira transmissão do imóvel se dá no contrato de compromisso, ficando pendente apenas a formalidade de transmissão da propriedade, que a lei exige se dar mediante escritura pública e registro imobiliário. Assim: Uma vez quitado o compromisso, os poderes elementares do domínio estão – em substância – inteiramente consolidados no direito do compromissário comprador, nada mais restando ao compromitente vendedor do que a 48 obrigação (inexorável) de assinar uma escritura. Como se observa, o compromisso de compra e venda se transforma, na prática, em espécie de compra e venda. Se as partes acordassem apenas o desejo de vir a contratar a compra e venda, teríamos a promessa, enquanto contrato preliminar. Ocorre que do compromisso resultam as seguintes obrigações: por parte do vendedor, de dar o bem e de outorgar a escritura; por parte do adquirente, de pagar pela aquisição do bem. Em se efetivando o pagamento, fica pendente apenas a obrigação de fazer do vendedor, que é assinar a escritura definitiva de venda. A aquisição do bem já se processou e em relação ao compromissário, a própria lei lhe atribui o direito real sobre o bem adquirido. É como esclarece José Osório de Azevedo Jr.: Depois de receber o preço o promitente vendedor desliga-se do negócio, pois já transmitiu ao compromissário todo o conteúdo do direito de propriedade. Restou apenas a obrigação de cumprir o rito de assinar uma escritura, que muitas vezes é sonegada para evitar despesas supervenientes (alvarás, impostos etc) e outras vezes para simplesmente criar condições propícias ao desfazimento de um negócio já cumprido pelas 49 partes e inteiramente consolidado no tempo. A toda evidência que o objeto de contratação das partes se resume em obrigação de fazer (o vendedor outorgar a escritura definitiva) e obrigação de dar (o vendedor dar o bem e o adquirente dar o pagamento), demonstrando sua única _____________ 48 AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. ver. ampl. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 19. 33 manifestação de vontade, de forma autônoma. “O compromisso de compra e venda é um contrato, portanto, perfeito e acabado. Não é contrato preliminar típico” 50. O autor deste trabalho abraça esse entendimento. 3.2 Direito real do promitente comprador: natureza jurídica Uma vez que a própria lei consagra o direito do promitente comprador como direito real, a partir da inscrição do compromisso, qual seria a sua natureza jurídica? Evidente que não é o direito de propriedade, que na legislação pátria somente se adquire com a inscrição do título definitivo (em regra escritura pública) no registro imobiliário. Assim, o vendedor continua sendo o proprietário e o compromissário não desfruta de direito real sobre coisa própria, já que ainda não é o dono. Assim, o seu direito é aderente à coisa alheia.51 Tal direito não pode ser considerado, também, direito real de garantia, que tem finalidade diversa. Tais direitos se destinam a assegurar o cumprimento de uma obrigação; não é o caso. Do mesmo modo, está longe de ser identificado como enfiteuse ou usufruto.52 Segundo Orlando Gomes, trata-se de um direito real sui generis53. A lei diz que é direito real à aquisição do imóvel tratado no compromisso, a partir do registro no cartório de imóveis. Isto significa dizer que aquele imóvel está definitivamente vinculado ao compromissário a partir da inscrição do compromisso em cartório, sendo um direito especialmente constituído frente ao promitente vendedor que, por conseqüência, tem o seu direito restringido. _____________ 49 AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. ver. ampl. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 82. 50 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007, v. 5. p. 475. 51 Nesse sentido: RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Direito das Coisas. 27. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5. p. 314. 52 GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 366. 53 IDEM. 34 No entanto, dado o caráter de publicidade do registro, o direito do compromissário tem eficácia de direito real e, portanto, oponível erga omnes, em toda e qualquer situação posterior que possa, de alguma forma, ameaçar a cristalização da sua pretensão de se efetivar na propriedade do bem. Esse é o comando do artigo 5º do Decreto-lei nº 58/37: A averbação atribui ao compromissário direito real oponível a terceiro quanto à alienação ou oneração posterior, e far-se-á à vista do instrumento de compromisso de venda, em que o oficial lançará a nota indicativa do 54 livro, página e data do assentamento. Nesse sentido, Orlando Gomes: Uma vez registrada, o promitente vendedor não pode alienar o bem nem impedir ou dificultar o cumprimento da pretensão do promitente comprador a 55 se tornar seu legítimo proprietário. Entende o mesmo autor que a classificação do direito do promitente comprador como direito real seria um equívoco do legislador resultante da confusão entre a natureza e a eficácia de pretensão à criação de um direito sobre um imóvel. O direito do promitente comprador não é substancialmente um direito absoluto como todo direito real, visto que se dirige, ao ser constituído, contra a pessoa do 56 compromitente ou promitente vendedor (grifos conforme o original). Como resultado prático dessa situação, tem-se que o compromissário comprador é o beneficiário no caso de eventual desapropriação; pode requerer divisão da coisa comum; tem assegurado o direito de reivindicação e lhe cabem as acessões e benfeitorias, mas os riscos correm por sua conta57. _____________ 54 BRASIL. Decreto-lei nº 58, de 10.12.1937. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, no cd-rom que acompanha a edição. 55 GOMES, Orlando. Direitos Reais.19. ed. ver. atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 366-367. 56 IDEM. 57 IDEM. 35 3.3 Direito real do promitente comprador: responsabilidade pelos riscos Problema que sempre se levanta quando se trata da existência de um compromisso de compra e venda de imóveis, é a questão da responsabilidade pelos riscos decorrentes do negócio e do bem transacionado. Para determinar de quem é o risco sobre o bem negociado, normalmente aplica-se o princípio segundo o qual, res perit domino58. Assim, no caso de bens móveis o risco se transfere com a tradição (entrega) da coisa. Já no caso de bens imóveis, é sabido que a transferência do domínio ocorre no exato momento do registro da propriedade no cartório imobiliário. Assim, aplicando-se o referido princípio, não haveria risco para o promitente comprador enquanto não registrada a escritura definitiva no registro de imóveis. Mas não é isso o que ocorre. O artigo 492 do código civil esclarece que “até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”.59 Aqui, em se tratando de imóvel, o termo tradição deve ser encarado em seu sentido literal de entrega do bem, porque óbvio se tratar o artigo de toda espécie de compra e venda de bens, eis que incluído no título “Das Várias Espécies de Contrato”. Como observa José Osório de Azevedo Jr: O que deve vigorar para os imóveis é o disposto nesse mesmo art. 492 do CC/2002, entendendo-se a tradição em seu sentido próprio de entrega da posse material da coisa, e não como elemento causador da transferência da propriedade, já que, nesse sentido, jamais poderia ser aplicado aos 60 imóveis. Em se tratando, pois, de compromisso de compra e venda, está feito o negócio e o promitente comprador, ao tomar posse do imóvel, como se dono fosse, assume todos os riscos e vantagens decorrentes, como se o domínio tivesse, a _____________ 58 O risco é de quem tem o domínio da coisa (tradução livre). BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 204. 60 AZEVEDO JR., José Osório de. Compromisso de compra e venda. 5. ed. ver. ampl. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 89. 59 36 não ser no caso de existência de disposição em contrário, constante do próprio contrato. Analisados os institutos da hipoteca e do compromisso de compra e venda, necessário se faz, ao escopo do trabalho que se propõe, conhecer os principais pontos relacionados ao Sistema Financeiro da Habitação. 37 4 SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO O Sistema Financeiro da Habitação, ou SFH, como é comumente conhecido, foi criado pela Lei nº 4.380 de 21 de agosto de 1964, com o objetivo de dar solução para o grave problema habitacional que afligia o País. Referida lei criou o Banco Nacional da Habitação – BNH e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, para viabilizar a atuação conjunta do Estado, dos agentes financeiros e da sociedade, de forma a facilitar o acesso à casa própria. 4.1 Histórico O problema habitacional urbano no Brasil foi primeiramente observado durante o segundo Império (1840/1889). A situação agravou-se com a abolição da escravatura, medida que fez despejar nas ruas das cidades, enorme contingente de pessoas totalmente desamparadas, desprovidas de quaisquer meios materiais. As obras de urbanização do centro do Rio de Janeiro afastam os núcleos familiares mais pobres para a periferia, fazendo proliferar os primeiros cortiços e favelas.61 Entretanto, foi no decorrer do Estado Novo de Getúlio Vargas que o Estado passou a agir de forma mais marcante na área da habitação, com adoção de medidas de âmbito federal, por intermédio dos institutos de previdência e da Prefeitura do então Distrito Federal (Rio de Janeiro), que reorientaram a estratégia de atuação. Os recursos dos institutos para construção de conjuntos habitacionais de grande porte e a atuação da prefeitura para medidas de erradicação de favelas. 62 _____________ 61 PASTERNAK TASCHNER, Suzana - Política Habitacional no Brasil: Retrospectiva e Perspectivas. In: Cadernos de Pesquisa do LAP 21. Revista de Estudos sobre Urbanismo, Arquitetura e Preservação. São Paulo: FAUUSP, set-out. 1997. 62 ARAGÃO, José Maria. Sistema financeiro da habitação: uma análise sócio-jurídica da gênese, desenvolvimento e crise do sistema. Curitiba: Editora Juruá, 1999, p. 19. 38 Apesar disso, o problema agravou-se dia a dia, principalmente com o fenômeno da migração de parcela da população, da zona rural para a zona urbana, culminando com a instituição, mediante a Lei 4.380, de 21.8.1964, do Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Segundo o artigo 8º da referida lei: O Sistema Financeiro da Habitação, destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, será integrado: I – Pelo Banco Nacional da Habitação; II – pelos órgãos federais, estaduais e municipais, inclusive sociedades de economia mista em que haja participação majoritária do Poder Público, que operem, de acordo como disposto nesta Lei, no financiamento de habitações e obras conexas; III – pelas sociedades de crédito imobiliário; IV – Pelas fundações, cooperativas, mútuas e outras formas associativas para construção ou aquisição da casa própria, sem finalidade de lucro, que se constituirão de acordo com as diretrizes desta Lei, as normas que forem baixadas pelo Conselho de Administração do Banco Nacional de Habitação e serão registradas, autorizadas a funcionar e fiscalizadas pelo Banco 63 Nacional da Habitação. É importante notar que construtoras, incorporadoras e adquirentes não são partes integrantes do SFH; são apenas beneficiários do sistema, personagens que somente ao Sistema estarão ligados, se ligação direta sua houver com um daqueles integrantes. Serviam como lastro para os financiamentos, os recursos acumulados pela poupança dos cidadãos, posteriormente acrescidos pelos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, atualizados por correção monetária, mesma prática adotada para corrigir os empréstimos habitacionais daí resultantes, mantendo-se o equilíbrio do sistema. É o que explica Roberto Carlos Martins Pires:64 _____________ 63 BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 121. 64 PIRES, Roberto Carlos Martins. Temas controvertidos no Sistema Financeiro da Habitação. Rio de Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2004, p. 3. 39 A Instituição Financeira utiliza o dinheiro daqueles que depositaram em cadernetas de poupança (ou FGTS), entrega-o ao vendedor do imóvel e recebe de volta do comprador em parcelas, para, aos poucos, recompor o lastro do saldo dos poupadores. Como se depreende, o SFH nasceu com forte cunho social, evidenciado tanto pela preocupação do Estado em manter equilibrada a relação entre a remuneração dos recursos e a atualização das dívidas dos mutuários, quanto pela própria característica dos recursos alocados: poupança popular e recursos do trabalhador. Já na sua criação, portanto, o princípio que se evidencia é o da prevalência do interesse social e dos direitos e garantias individuais, sobre o mero interesse econômico.65 4.2 A Mecânica do SFH e o interesse social No artigo primeiro da Lei nº 4.380 de 21 de agosto de 1964 fica evidente o aspecto da relevância social, ao ser definido o papel do Estado (Governo Federal) na questão: Formulará a política nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente pelas classes da 66 população de menor renda. , Evidencia-se, de forma cristalina, que o interesse social maior que a lei deseja proteger é justamente a possibilidade de, mediante o uso de recursos da poupança e do trabalhador, possibilitar o financiamento da aquisição da casa própria especialmente para as famílias de menor renda. O principal público-alvo do SFH é, portanto, a parcela da população que não possui condições financeiras para adquirir sua moradia, sem o uso de financiamento. _____________ 65 FERREIRA, Tereza Cristina. A função social do contrato e a polêmica acerca da capitalização de juros do SFH. In: 1º Prêmio ABECIP de monografia em Crédito Imobiliário e Poupança. São Paulo: Et Cetera Editora, 2007, p. 17. 66 BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 117. (grifo nosso). 40 Objetivo não menos importante é o estímulo que se concede à construção civil, especificamente no campo de habitações de interesse social, ou seja, justamente aquelas moradias que possam ser direcionadas ao público-alvo do Sistema. O princípio da priorização para o hipossuficiente torna-se evidente e inquestionável a partir da redação dos artigos 11 e 12, onde são estabelecidos os critérios mínimos para a aplicação dos recursos. O legislador direciona a maior parte para empreendimentos com previsão de construção de moradias de valor unitário de até cem vezes o maior salário mínimo vigente no País. Entendeu, também, que não poderiam ser aplicados os recursos do SFH em imóveis cujos preços fossem superiores a quatrocentas vezes o maior salário mínimo vigente no País, quando tais recursos fossem intermediados por entidades estatais, ou superiores a quinhentas vezes o referido salário mínimo, no caso de entidades privadas, em outra clara demonstração do interesse social de se privilegiar o hipossuficiente. A reforçar este entendimento, na redação do mesmo artigo é estabelecido que no caso de imóveis com preço entre trezentas e quatrocentas vezes o mesmo salário, somente poderá ser financiado com recursos do SFH, 80% (oitenta por cento) do preço, ficando os restantes 20% (vinte por cento) a serem pagos pelo adquirente mediante uso de recursos próprios e, portanto, não pertencentes ao SFH. De tudo isso tem-se que o SFH é um sistema de caráter social que busca aproximar três personagens necessários: a) a instituição financeira que disponibiliza os recursos controlados (Poupança e FGTS) para a construtora; b) a construtora que se utiliza de tais recursos para construir o empreendimento e, por meio de intermediação da referida instituição, vender a moradia ao cidadão hipossuficiente; e c) o cidadão hipossuficiente que adquire a moradia da construtora, mediante financiamento da mesma instituição financeira, fechandose o círculo de movimentação da moeda que, mediante os pagamentos feitos pela construtora e pelo adquirente final à 41 instituição financeira, ao longo do prazo de cada financiamento, retorna à sua origem, Poupança ou FGTS, devidamente corrigida. Leitura atenta da citada lei demonstra que a garantia para a instituição financeira é a hipoteca do terreno, à qual se agrega posteriormente a construção, com base na indivisibilidade do direito real de garantia que a hipoteca possui e que já foi visto anteriormente. A previsão está claramente explícita no artigo 62, nos seguintes termos: Os oficiais do registro de imóveis inscreverão, obrigatoriamente, os contratos de promessa de venda, promessa de cessão ou de hipoteca celebrados de acordo com a presente Lei, declarando expressamente que os valores deles constantes são meramente estimativos, estando sujeitos os saldos devedores, assim como as prestações mensais, às correções do 67 valor, determinadas nesta Lei. A hipoteca em benefício da instituição financeira, atingindo terreno e todas as construções feitas sobre ele, permanece durante a fase de construção e individualização das unidades. Na comercialização, a hipoteca de cada unidade será liberada concomitante ao retorno dos respectivos recursos (Poupança e FGTS) ao SFH, mediante intermediação da instituição financeira autorizada. Em havendo financiamento para o adquirente, surgirá nova hipoteca a vincular o imóvel, mas, agora, gravando apenas a unidade habitacional repassada ao adquirente e garantindo somente a parcela de dívida por ele assumida junto ao SFH. É assim que foi concebido e é assim que deve funcionar. Legislação posterior instituiu alterações que objetivaram, tão somente, facilitar a implementação do Sistema, como é o caso da Lei nº 4.591 de 16 de dezembro de 1964 sem, contudo, em nada alterar o dispositivo e mecanismo anterior. De acordo com o artigo 22 dessa lei, os créditos abertos por instituições _____________ 67 BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 143. (grifo nosso). 42 financeiras e destinados a financiar empreendimentos da iniciativa privada em projetos de conjuntos de unidades habitacionais de interesse social “poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado”.68 Nota-se que o comando verbal, poderão, é apenas uma alternativa colocada à disposição das instituições financeiras para adotar, nos casos de seu interesse, a sistemática de garantia por caução dos títulos de crédito (recebíveis), decorrentes dos compromissos que vierem a ser assumidos por adquirentes das unidades, sejam promessas de venda, sejam vendas a termo. Em momento algum se cogitou de impedir, ou de substituir, o uso da garantia hipotecária pela garantia de caução. E tanto isto é fato que posteriormente, por intermédio da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 199069, mais especificamente em seu artigo 9º, o legislador volta a afirmar a preferência pela hipoteca como garantia nas aplicações (leia-se nas operações de crédito) que envolvam recursos do FGTS, como é o caso dos empréstimos concedidos com base nas regras do SFH: Art. 9º As aplicações com recursos do FGTS poderão ser realizadas diretamente pela Caixa Econômica Federal, pelos demais órgãos integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e pelas entidades para esse fim credenciadas pelo Banco Central do Brasil como agentes financeiros, exclusivamente segundo critérios fixados pelo Conselho Curador do FGTS, em operações que preencham os seguintes requisitos: I – garantias: a) hipotecária; b) caução de créditos hipotecários próprios, relativos a financiamentos concedidos com recursos do agente financeiro; c) caução dos créditos hipotecários vinculados aos imóveis objeto de financiamento; _____________ 68 BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 147. 69 IDEM. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 205. 43 [...] § 5º As garantias, nas diversas modalidades discriminadas no inciso I do caput deste artigo, serão admitidas singular ou supletivamente, considerada a suficiência de cobertura para os empréstimos e financiamentos concedidos. É explícita e cristalina a opção do legislador em preferir e indicar o uso da hipoteca como primeira opção a garantir os empréstimos. Além disso, a mecânica do SFH previu a divulgação das regras do Sistema nos locais dos empreendimentos, como medida protetora aos adquirentes. Nesse sentido foi a orientação quanto à divulgação de anúncios de comercialização e a obrigatoriedade de se disponibilizar, para consulta pelo interessado, das condições específicas de cada operação (leia-se empreendimento), conforme previsão dos artigos 10 e 11 do Decreto nº 63.182, de 27 de agosto de 1967 70. Transcrevemos o parágrafo único do artigo 11: Será garantida, ao adquirente, a possibilidade de consulta, no local de venda, do resumo da operação financiada pelo BNH, do contrato padrão da transação específica e demais instrumentos de informação que forem necessárias ao juízo sobre a legalidade e oportunidade da transação. Não há, portanto, que pairar qualquer dúvida acerca da intenção do legislador de privilegiar o hipossuficiente financeiramente, e de proteger os recursos da poupança e do trabalhador (FGTS), utilizados na viabilização da política de financiamento de moradias por meio do Sistema Financeiro Habitacional. Em primeiro lugar, pelo rigor no direcionamento dos recursos; em seguida pela previsão de correção monetária para preservar o poder de compra dos recursos aplicados ao longo do tempo; e, por último, mas não menos importante, na clara preferência pela utilização da hipoteca, por acreditar que a força decorrente de sua situação de direito real de garantia, oponível erga omnes, seria suficiente à proteção dos recursos necessários ao pagamento da instituição financeira, de forma a facilitar o seu retorno à fonte de origem para, daí, financiar outros empreendimentos e atender outras famílias. _____________ 70 BRASIL. Decreto nº 63.182, de 27 de agosto de 1967. Estabelece normas a respeito dos planos de financiamento para a aquisição da casa própria, no Sistema Financeiro da Habitação, e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 346. 44 Essa intenção espelha o princípio da prevalência do social sobre o particular. Ao privilegiar o hipossuficiente e indicar mecanismos de garantia que evitam a evasão os recursos que suportam o SFH, o legislador está privilegiando o equilíbrio social, a sociedade como um todo, frente a interesses particulares e individuais. Assim, conhecidos os principais fundamentos da hipoteca e do compromisso de compra e venda, e feita uma explanação sobre o Sistema Financeiro da Habitação, seus fundamentos e objetivos, apresenta-se, a seguir, um capítulo sobre a denominada Nova Teoria Contratual, ou Teoria Contratual Pós-moderna, cujos efeitos já são sentidos na legislação e jurisprudência brasileira. O estudo é de fundamental importância para a melhor compreensão do problema analisado neste trabalho. 45 5 A NOVA TEORIA CONTRATUAL O direito passou por fortes alterações nos últimos trinta anos. Reflexo de uma sociedade extremamente consumista, em que a circulação de bens (comércio) tem papel fundamental, inclusive na aproximação dos povos e absorção de costumes, o Direito se transforma, passando a substituir seu conteúdo abstrato e generalizante por instrumentos legais cada vez mais concretos e específicos, que se evidenciam pela relevância social. Assim é que a pós-modernidade procura questionar as noções e posicionamentos clássicos. Baggio Torres resume bem esse quadro: Se a sociedade moderna dos séculos XVIII e XIX foi marcada pelo individualismo, pela busca de segurança e certeza do direito, pela autonomia da vontade e pelo Estado de Direito, este, após a Primeira Guerra Mundial, é sucedido pelo Estado Social de Direito, cujas características principais são a preocupação com os direitos sociais e a intervenção estatal na atividade econômica. Existe hoje, portanto, uma verdadeira crise dos paradigmas do direito 71 clássico. Nesse sentido, é de lapidar clareza o pensamento do Ministro José Augusto Delgado: O que o mundo jurídico revela à humanidade é a impossibilidade de a sociedade, em razão da necessidade de cada vez mais o homem ser valorizado na preservação de sua dignidade e de sua cidadania, continuar sendo dirigida por normas de cunho individualista e com objetivos de 72 proteger, apenas, o patrimônio. No Brasil, o fato que desencadeou a aceleração dessa trajetória foi a Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, concebendo um verdadeiro “direito social” ao inserir os direitos de personalidade e os princípios de proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da solidariedade social (art. 3º, I), bem como promovendo a institucionalização da interferência do Estado nas relações contratuais, protegendo as camadas mais frágeis da sociedade, _____________ 71 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 27. DELGADO, José Augusto. O Contrato no Código Civil e a sua Função Social, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 322. São Paulo. 2004, p. 10. 72 46 determinando limites, tornando menos desigual a igualdade conferida pelas leis, apenas formal e aparente.73 Nessa linha, surgiram leis especiais que trataram especificamente de contratos tais como o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), a Lei de locação (Lei nº 8.078/1991), e a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998).74 No entendimento de Baggio Torres, “antigos paradigmas, como a autonomia privada e a liberdade de contratar, hoje cedem lugar à preocupação com os efeitos do contrato na sociedade e à proteção dos interesses legítimos das partes contratantes”.75 Evidente, portanto, a mudança que sofre o instituto do contrato. A maioria dos doutrinadores definiu o contrato como um ato jurídico entre duas ou mais partes, que acordam entre si para modificar, constituir ou extinguir um vínculo jurídico de natureza patrimonial. Entretanto, o fundamento contratual há muito não mais se alicerça no clássico pacta sunt servanda76, princípio da força obrigatória, que não admite a revisão do conteúdo dos contratos. Primeiramente admitiu-se a revisão contratual em casos especiais, quando os efeitos da relação fossem alcançados por fatos imprevistos e inevitáveis (teoria da imprevisão). Hoje, “os civilistas da nova geração têm buscado um novo dimensionamento para o conceito de contrato, levando-se em conta valores existenciais atinentes à proteção da pessoa humana”,77 visão pela qual o contrato não apenas envolve as partes contratuais, mas também produz efeitos perante terceiros78. _____________ 73 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 29. 74 BRASIL. Legislação citada disponível in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007. 75 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 31. 76 Em tradução livre: contratos existem para ser cumpridos. 77 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 39. 78 IDEM. Nesse sentido, Flávio Tartuce, na página 39 da obra citada, apresenta conceito pósmoderno de contrato da lavra de Paulo Nalin, segundo o qual o contrato seria “a relação jurídica 47 Nesse cenário, “o trabalho do jurista, do aplicador do direito deixa de ser o de mero repetidor de regras contidas no Código Civil, mas sim, de verdadeiro intérprete das normas à luz dos fundamentos constitucionais”79. 5.1 Princípios Gerais do Código Civil de 2002 O código vigente a partir de 2002 deixa de lado o excessivo rigor conceitual, para apresentar, em várias oportunidades, preceitos genéricos e cláusulas gerais, que funcionam como verdadeiras janelas abertas, que oportunizam aos operadores do direito a defesa de novas teses e, aos aplicadores, amplitude maior de interpretação mediante subsunção de conceitos ali deixados tais como proteção da boa-fé, da ética, da moral e dos bons costumes, caracterizando o Princípio da Eticidade.80 Da mesma forma, decorrente da hiperatividade da sociedade de consumo, que levou o Homem a ser valorizado como centro do Direito Privado, surge a prevalência do social sobre o individual, do coletivo sobre o particular, da pessoa sobre o patrimônio, da vida sobre a economia, constituindo-se o Princípio da Socialidade.81 Quanto a isso, é válido citar que desde a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto Lei 4.657/1942) que se inseriu, no ordenamento jurídico brasileiro o Princípio da Socialidade, conforme comanda o seu artigo 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”82 _____________ subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros”. 79 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 38-39. 80 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 55. 81 IDEM, p. 58. 82 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 164. 48 Finalmente, o Princípio da Operabilidade, que tem como princípio anexo a simplicidade. Tal princípio está presente também na abertura proporcionada pelas cláusulas gerais do novo código, que ampliam a margem de interpretação e aplicação, dando efetividade ao direito, tornando-o prático, efetivamente concreto. Evitou-se o tecnicismo jurídico do código anterior e procurou-se eliminar as dúvidas.83 Já no campo do direito contratual, a simplicidade e a presença do Princípio da Operabilidade, percebem-se pela clareza conferida ao assunto, ao apresentar as várias espécies de contrato de forma taxativa, com conceitos individualizados, sem deixar pendente nenhuma dúvida. 5.2 Princípios contratuais no Código Civil de 2002 Como visto, portanto, ao se analisar qualquer relação contratual, como é o caso deste estudo, há de se ter em mente os princípios gerais do novo Código Civil, de Eticidade, Socialidade e Operabilidade. Além desses, as relações contratuais passaram a ser norteadas por princípios específicos, como a seguir se apresenta. 5.2.1 Princípio da Autonomia Privada A vontade é a força que move o homem e o diferencia dos demais seres vivos. Da vontade humana surge o ato jurídico, diferente do fato natural. A relação contratual teve sua origem na vontade humana e na liberdade de fazer valer essa vontade, transformando-a em um acordo entre partes. _____________ 83 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 65. 49 Assim, desde o direito romano, o Princípio da Autonomia da Vontade foi consagrado como um paradigma do direito contratual, de caráter subjetivo, tendo adquirido relevância ímpar no século XIX, a partir das idéias liberais e da Revolução Francesa. As limitações impostas no decorrer do século XX pelas legislações específicas que, entretanto, foram abraçadas pelo novo código, acabaram por dar novo perfil à autonomia de contratar. Assim é que o artigo 421 do novel instituto consagra que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”84. Havendo restrições, a autonomia passa a não mais ser da vontade, mas da pessoa que contrata. Substitui-se o subjetivismo da vontade do que se quer, pelo lado objetivo, real, do que se é possível querer. Neste sentido: A constituição do contrato, atualmente, deve ser encarada a partir de uma soma de fatores e não mais decorrente apenas da vontade pura dos contratantes, delineando-se o significado do princípio da autonomia privada, pois outros elementos de cunho particular influenciarão na formação e no 85 conteúdo do negócio jurídico patrimonial. Embora não impeça a autonomia privada, a função social do contrato atenua a sua amplitude, principalmente quando estão presentes interesses que vão além do círculo previsto na relação contratual. Nesse sentido é preciso estar atento ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais, que “impede que uma pessoa possa ser atingida ou prejudicada por contrato celebrado entre outras pessoas e do qual não participou”.86 _____________ 84 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200. 85 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 177. 86 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 49. 50 5.2.2 Princípio da Relatividade dos efeitos Contratuais Os efeitos dos contratos alcançam apenas as partes contratuais. Esta é a leitura da antiga regra res inter alios acta, allis nec prodest nec nocet87 pela qual o negócio celebrado não poderia beneficiar, nem prejudicar, pessoas estranhas à relação contratual e que configura o Princípio da Relatividade dos Efeitos do Contrato. Classicamente é reconhecido, entretanto, que tal princípio encontra limitações quando oposto, por decorrência do princípio da publicidade, à eficácia erga omnes presente no Direito das Coisas, como no caso da hipoteca, já visto neste estudo. Assim é que pode acontecer de um determinado contrato causar prejuízos a terceiro, não participante do negócio: Nesses casos, o direito intervém, estabelecendo que o contrato é ineficaz perante terceiros. Com relação a estes, é como se o contrato não tivesse sido concluído. É o que ocorre, por exemplo, quando A vende a B grande parte de seu patrimônio, o que prejudica os interesses de C, credor de A que vê diminuídas as garantias de seu crédito e, portanto, as possibilidades de ser satisfeito... Note-se que o contrato é válido e produz efeitos entre as partes; simplesmente tais efeitos não são oponíveis em relação ao terceiro 88 prejudicado. Na própria legislação civil existem exceções postas que mitigam a amplitude desse princípio. Assim é o caso do artigo 436 e seguintes do Código Civil vigente, em que se prevê a estipulação em favor de terceiro.89 Da mesma forma, se inscrevem as previsões de promessa de fato de terceiro, artigos 439 e 440 e de responsabilidade dos herdeiros, artigo 1.792 do mesmo código.90 _____________ 87 Os atos dos contraentes não aproveitam, nem prejudicam terceiros (tradução livre). LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 50. 89 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200. 90 IDEM, p. 201 e p. 308. 88 51 Além disso, outra previsão que atenua o princípio da relatividade dos efeitos contratuais são as previsões dos artigos 17 e 29 do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/199091 pelas quais todos os prejudicados por um efeito danoso, mesmo sem relação direta de consumo com o fornecedor, adquirem o status de consumidor por equiparação, para efeito de aquisição de direitos. Mais recentemente, em tempos pós Constituição de 1988 e Código Civil de 2002, chegou-se a afirmar que o crescimento em importância da função social do contrato rompeu por inteiro a idéia de que a avença contratual não poderia beneficiar, ou prejudicar terceiros. Entendemos não ser bem assim. Nesse sentido: Na verdade, o entendimento pelo qual a função social dos contratos representaria um inteiro rompimento com o princípio da relatividade dos efeitos constitui um exagero. Essa interpretação contraria a própria concepção do princípio da autonomia privada e a própria concepção de contrato como típico instituto de direito obrigacional. De qualquer forma, deve-se reconhecer que a função social dos contratos quebra parcialmente 92 com a relatividade dos efeitos. Assim, se por um lado, em uma visão mais conservadora e de linhagem positivista, temos que pelo princípio da relatividade das convenções “é natural que terceiros não possam ficar atados a uma relação jurídica que lhes não foi imposta pela lei nem derivou de seu querer”93, por outro, há que se ter em mente as mais recentes orientações doutrinárias e jurisprudenciais de se permitir o preenchimento da cláusula geral da função social do contrato quebrando, incidentalmente e parcialmente, a relatividade dos efeitos. _____________ 91 BRASIL. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 815 e 816. 92 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 192. 93 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v.3. p. 17. 52 5.2.3 Princípio da Força Obrigatória dos Contratos Este princípio decorre do princípio da autonomia da vontade. É a consagração, como força de lei, daquilo que se convenciona entre as partes, obrigando-as ao cumprimento do que se estipulou. Embora não esteja especificamente tratado no Código Civil vigente, as previsões para os casos de inadimplência, constantes dos artigos 389 e seguintes94 afastam “qualquer dúvida quanto à manutenção da obrigatoriedade das convenções como princípio do nosso ordenamento jurídico”95. Não é demais lembrar, aqui, o ensinamento de Orlando Gomes: Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente o seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os 96 contratantes, força obrigatória. Assim, o risco é inerente ao pacto contratual e está presente no momento em que os contratos são celebrados, devendo o seu cálculo ser levado em consideração por cada um dos contratantes, enquanto no uso de sua liberdade privada de contratar, não podendo simples prejuízo acaso decorrente ser alegado como motivo para o cancelamento do compromisso. Ocorre, porém, que no decorrer do tempo contratual, eventualmente podem se alterar drasticamente as condições em que foi firmado um determinado contrato de pacto continuado, sem possibilidade de previsão anterior, resultando em graves prejuízos para as partes. _____________ 94 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 196. 95 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 183. 96 GOMES, Orlando. Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 36. 53 Dessa realidade é que a partir da primeira metade do século XX consolidouse a aplicação da Teoria da Imprevisão, como forma de evitar danos decorrentes de força maior e caso fortuito. Explicando o teor da referida teoria, assim ensina Sílvio Rodrigues em nota de rodapé: A cláusula rebus sic standibus, elaborada pelos pós-glosadores, esposa a idéia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente. Contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic standibus intelliguntur. Tal idéia se inspirava em princípio de eqüidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, pois haveria o indevido enriquecimento daquele, 97 com o injustificado empobrecimento deste. O novo código civil admitiu a resolução do contrato por onerosidade excessiva, conforme previsões contidas do artigo 478 ao artigo 480. 98 De igual modo, a intervenção na relação contratual encontra amplo amparo no Código do Consumidor.99 Embora ainda se reconheça a importância da estabilidade e segurança para as relações contratuais, fornecidas pela força obrigatória, não se pode mais, à luz da nova teoria, conceber o contrato como elemento isolado do mundo fático e jurídico. Do mesmo modo ocorrido em relação aos princípios anteriormente vistos, os ventos da nova teoria contratual também perpassam pelo princípio da força obrigatória, uma vez mais capitaneados pela função social do contrato. _____________ 97 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v.3. p. 21. 98 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 203. 99 IDEM. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 813. 54 Entretanto, “não se pode concordar com eventual posicionamento que possa surgir, no sentido de que o princípio da força obrigatória do contrato foi definitivamente extinto pela codificação emergente”100. Não se pode simplesmente apagar por completo a força obrigatória que emana da vontade individual das partes, e que é o principal elemento a garantir a estabilidade e segurança jurídica das relações. Este princípio está ali, presente em todas as relações contratuais e assim deve permanecer. Tão-somente terá sua prevalência afastada, quando – e se – necessidade houver de intervenção judicial. Nesse caso, tem prevalecido a aplicação da cláusula geral da função social do contrato. Assim o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no Recurso Especial nº 857548/SC, tendo sido relator o Ministro Luiz Fux, em cuja ementa consta: 5. Deveras, consoante cediço, o princípio pacta sunt servanda, a força obrigatória dos contratos, porquanto sustentáculo do postulado da segurança jurídica é princípio mitigado, posto sua aplicação prática estar condicionada a outros fatores, como, por v.g., a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a onerosidade excessiva. 6. O Código Civil de 1916, de feição individualista, privilegiava a autonomia da vontade e o princípio da força obrigatória dos vínculos. Por seu turno, o Código Civil de 2002 inverteu os valores e sobrepõe o social em face do individual. Desta sorte, por força do Código de 1916, prevalecia o elemento subjetivo, o que obrigava o juiz a identificar a intenção das partes para interpretar o contrato. Hodiernamente, prevalece na interpretação o elemento objetivo, vale dizer, o contrato deve ser interpretado segundo os 101 padrões socialmente reconhecíveis para aquela modalidade de negócio. _____________ 100 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 187. 101 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo. Sistema Financeiro da Habitação . FCVS. Cessão de obrigações e Direitos. Contratos de Gaveta. Transferência de Financiamento. Ausência de concordância da mutuante. Possibilidade. Precedentes do STJ. Recurso Especial nº 857.548 – SC (2006/0119305-5). Recorrente: Caixa Econômica Federal, Recorrido: Dejair Welther Machado Pereira, Interessado: Banco Banestado S.A. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, DF, 4 de outubro de 2007. STJ, Brasília, 2007. Disponível em: <https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro= 200601193055&dt_publicacao=08/11/2007. Acesso em 20 mar. 2008. 55 5.2.4 Princípio da Boa-fé O princípio da boa-fé sempre foi consagrado como princípio geral do direito, ao lado de outros tais como o da proteção à vida, à liberdade, à dignidade humana. Para Silvio Rodrigues, a boa-fé “é um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar”102. Entende Luis Guilherme Aidar Bondioli que: A boa-fé objetiva é, assim, uma espécie de precondição abstrata de uma relação ideal (justa), disposta como um tipo ao qual o caso concreto deve se amoldar. Ela aponta, pois, para um comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes, a fim de garantir o respeito ao direito da outra. Ela é um modelo principiológico que visa garantir a ação e/ou conduta sem qualquer abuso ou nenhum tipo de obstrução ou, ainda, lesão à outra 103 parte... No campo do direito dos contratos assume, no entanto, especial importância com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) 104, merecendo de Cláudia Lima Marques o seguinte comentário: A grande contribuição do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) ao regime das relações contratuais no Brasil foi ter positivado normas específicas impondo o respeito à boa-fé na formação e na execução dos contratos de consumo, confirmando o princípio da boa-fé como um princípio geral do direito brasileiro, como linha teleológica para a interpretação das normas de defesa do consumidor (artigo 4º, III, do CDC), como cláusula geral para a definição do que é abuso contratual (artigo 51, IV do CDC), como instrumento legal para a realização da harmonia e eqüidade das relações entre consumidores e fornecedores no mercado brasileiro (artigo 4º, I e |II, do CDC) e como novo paradigma objetivo limitador da livre iniciativa e da autonomia da vontade (artigo 4º, III, do CDC combinado com 105 artigo 5º, XXXII, e artigo 170, caput e inc. V, da Constituição Federal. _____________ 102 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 28. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v.3. p. 60. 103 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo. 2005, p. 11-12. 104 BRASIL. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 815. 105 MARQUES, Cláudia Lima. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade de 56 Em seguida é consagrado no próprio Código Civil de 2002 que, em seu artigo nº 422, declara: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boafé”.106 A boa-fé se apresenta, portanto, como mais uma cláusula geral a mitigar o antigo hermetismo contratual. No campo da nova teoria contratual o debate não se restringe aos efeitos do contrato no espaço social, mas também com o comportamento individual das partes e o seu reflexo na relação, motivo para que devam os contraentes, comportarem-se de forma honesta e leal, sob risco de invalidação do negócio.107 Ensina Luiz Guilherme Loureiro que: A boa-fé não constitui uma noção que possa ser perfeitamente delimitada em termos rígidos, mas antes, é um estado de espírito que se identifica nas ações humanas. Essa ambigüidade conceitual pode ser uma vantagem ou 108 pode trazer inconvenientes. Embora alguns autores entendam que só existe a boa-fé em seu caráter objetivo, que seria apenas um dever de agir, regra de conduta “composta basicamente pelo dever fundamental de agir em conformidade com os parâmetros de lealdade e honestidade”, 109 a maioria da doutrina admite também a boa-fé subjetiva, que seria: estado psicológico do sujeito, quando da manifestação da vontade... Ao analisar a boa-fé subjetiva, parte-se da idéia de que o sujeito pensa estar agindo corretamente, ou então, acredita possuir um direito que não o 110 alcança, ou seja, o sujeito confia em uma situação inexistente. O autor deste trabalho acompanha a maioria. _____________ cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor: parecer. In: Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 31, p. 134, jul-set. 1999. 106 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200. 107 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 51. 108 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 69. 109 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo. 2005, p. 11. 110 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 49 50. 57 O dever de agir com lealdade e honestidade surge nítido no comando do citado artigo 422 do Código Civil, quando determina a necessidade de se guardar o princípio da boa-fé e probidade tanto na conclusão do contrato, como em sua execução. Entretanto, a boa-fé se desdobra: é objetiva, alcançando, inclusive, tanto a fase pré-contratual, como a conclusão do contrato, mas deve estar presente, também, na execução e ao depois do termo contratual, enquanto dever de agir com lealdade. É o compromisso de honrar. Nessa linha de raciocínio opera Paulo Luiz Netto Lôbo: A melhor doutrina tem ressaltado que a boa-fé não apenas é aplicável à conduta dos contratantes na execução de suas obrigações, mas aos comportamentos que devem ser adotados antes da celebração (in contrahendo) ou após a extinção do contrato (post pactum finitum). Assim, para fins do princípio da boa-fé objetiva são alcançados os comportamentos 111 do contratante antes, durante e após o contrato. Resulta lógico pensar, portanto, que a boa-fé que acompanha a preparação, conclusão, execução e termo do contrato, é dinâmica, por ser intrínseca ao comportamento individual das partes. Em sendo dinâmica, traz no seu bojo a faceta subjetiva, pautando-se pelo estado psicológico do sujeito quando de seu agir na relação contratual, sua intenção de honrar: é a presença inequívoca da boa-fé em seu viés subjetivo, permeando a sua conotação objetiva. É na percepção de sua oposta que melhor identificamos o subjetivismo da boa-fé: A boa-fé subjetiva admite sua oposta: a má-fé subjetiva. Vale dizer, é possível verificarem-se determinadas situações em que a pessoa age de modo subjetivamente mal intencionado, exatamente visando iludir a outra parte que, com ela, se relaciona. Fala-se, assim, em má-fé no sentido 112 subjetivo, o dolo de violar o direito da outra pessoa envolvida. Assim é que, em se faltando a boa-fé subjetiva, surge, de pronto, uma situação dolosa, capaz de demandar a intervenção do Juiz: a má-fé, caracterizada _____________ 111 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios dos Contratos e Mudanças Sociais, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 329. São Paulo. 2005, p. 16. 112 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo. 2005, p. 11. 58 geralmente pelo “não fazer aquilo que, direta ou indiretamente, possa dificultar ou impedir o alcance do resultado pretendido”.113 Portanto, “quem não está em estado de ignorância (aspecto subjetivo) e, apesar disso, age, sabendo ou devendo saber que vai prejudicar direitos alheios, procede (aspecto objetivo) necessariamente de má-fé”114 Quem apresenta essa idéia de forma bem clara é Flávio Tartuce: Dentro do conceito de boa-fé objetiva reside a boa-fé subjetiva, já que uma boa atuação presume ou relaciona-se com uma boa intenção. Portanto, toda vez que há previsão de boa-fé objetiva, também está prevista a 115 subjetiva, pela relação de mutualismo que os conceitos denotam. Entendido o Princípio da Boa-fé na relação contratual, vale registrar que citando o artigo 422 do Código Civil, assim se manifestou Celso Marcelo de Oliveira, tratando de contratos inseridos no escopo do estudo que ora se desenvolve: Como se vê, neste artigo, a boa-fé está inserida como uma cláusula geral implícita a todos os contratos civis e comerciais, com destaque aos contratos de crédito imobiliário e os regidos pela Carteira Hipotecária e pelo Sistema Financeiro de Habitação bem como associou a boa fé ao que se 116 denominou de princípio da “probidade”. A boa-fé objetiva é, portanto, precondição posta para que a relação contratual seja considerada justa e leal, de forma a garantir o efetivo respeito ao direito de uma e de outra parte. Assim é que surgindo o conflito entre as partes, o magistrado certamente levará em consideração a forma como elas atuaram, verificando as condutas e identificando, se for o caso, os desvios causados pela ausência da boa-fé: Ele deve, então, num esforço de construção, buscar identificar qual o modelo previsto para aquele caso concreto, qual seria o tipo ideal esperado para que aquele caso concreto pudesse estar adequado, pudesse fazer justiça às partes e, a partir desse “standart”, verificar se o caso concreto nele se enquadra, para, daí extrair as conseqüências jurídicas exigidas. [...] _____________ 113 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 79. 114 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007, p. 57. 115 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 201. 116 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Manual de Crédito Imobiliário. Campinas: LZN, 2005, p. 84. (aspas no original). 59 Não resta dúvida: a boa-fé objetiva é o atual paradigma da conduta na 117 sociedade contemporânea. Aqui, mais uma vez sucumbe o pacta sunt servanda. Quando o magistrado interpreta a relação contratual de acordo com a cláusula geral da boa-fé, busca “muitas vezes o que as partes quiseram com o negócio – e não necessariamente o que escreveram no instrumento obrigacional”.118 Uma jurisprudência de aplicação do princípio da boa-fé objetiva citada pela doutrina é o próprio caso tratado neste estudo, da Súmula 308 do STJ. Entende Tartuce que: Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba não repassando o dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da súmula, que a boa-fé objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria possível a restrição do direito real. Em suma, sendo preceito de ordem pública a boa-fé objetiva vence a 119 hipoteca. A boa-fé exerce as funções de interpretação, integração e de controle das relações contratuais, conforme se depreende da leitura do artigo 187 do novo Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.120 Tendo isso em conta, é importante ressaltar, aqui, a associação feita pelo artigo 422 do Código Civil, entre os princípios da Boa-fé e da Probidade. Se no direito público a probidade é personificada como princípio autônomo da _____________ 117 BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. As Reformas do Código de Processo Civil e os Embargos Declaratórios, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 327. São Paulo. 2005, p. 12. 118 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 213. 119 IDEM, p. 224. (destaque no original). 120 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 183. 60 Administração Pública, no direito contratual privado “é qualidade exigível sempre à conduta de boa-fé... Pode dizer-se que não há boa-fé sem probidade”.121 5.2.5 Princípio da Função Social do Contrato Assim como a autonomia privada, a relatividade dos efeitos contratuais, a força obrigatória e a boa-fé objetiva, a função social do contrato é princípio contratual consagrado pelo Código Civil de 2002 que, em seu artigo 421 determina: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”122. Entende Tartuce que o escopo desse princípio é “analisar o contrato a partir do meio social que o circunda, tendo eficácia não só entre as partes contratantes, como também para além das partes contratantes”123. Segundo o Ministro José Augusto Delgado, esse princípio “caracteriza uma operação que determina o exame do negócio celebrado dentro de um prisma que nenhuma lesão de direito tenha sido causada a qualquer componente da sociedade”124 Paulo Luiz Netto Lobo clarifica mais: O princípio da função social determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles, pois os interesses sociais são prevalecentes. Qualquer contrato repercute no ambiente social, ao promover peculiar e determinado 125 ordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico jurídico. _____________ 121 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios dos Contratos e Mudanças Sociais, in: Revista Jurídica – Repositório Autorizado de Jurisprudência, n. 329. São Paulo. 2005, p. 16. 122 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 200. 123 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 232. 124 DELGADO, José Augusto. O Contrato no Código Civil e a sua Função Social, in: Revista Jurídica – Doutrina Cível, n. 322. São Paulo. 2004, p. 11. 125 LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Contratuais. In: A Teoria do Contrato e o Novo Código Civil. Nossa Livraria, p. 15-16. 61 Grande parte dos doutrinadores entende que a função social do contrato se baseia na função social da propriedade, apontando como argumento, a redação do parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil, que dispõe: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”126. O autor deste trabalho não concorda com tal posicionamento. Acompanha o entendimento contrário da Professora Daisy Gogliano: E, claramente, o artigo 186 da Constituição Federal traça os parâmetros, as diretrizes para que a função social seja cumprida, nestas palavras: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. Portanto, diante dos requisitos traçados constitucionalmente, não há que se falar em possível analogia entre a função social da propriedade rural com a função social do contrato, ou mesmo com a função social da propriedade 127 urbana. Complementa-se o pensamento da ilustre professora com o registro de que a função social da propriedade urbana consta especificamente do artigo 182, parágrafo 2º da Constituição Federal: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”128. Do mesmo modo, não há que se falar em analogia entre função social do contrato e função social da propriedade urbana. Criticando duramente a adoção do princípio da função social como razão e motivo determinante da liberdade de contratar, conforme inserido no novo Código Civil, Daisy Gogliano continua: _____________ 126 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 324. 127 GOGLIANO, Daisy. A Função Social do Contrato (Causa e Motivo). In: Revista Jurídica – Doutrina Cível, n. 334. São Paulo. 2005, p. 13. 128 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 59. 62 Portanto, esse motivo – função social – só pode ser visto a partir do experienciado e, para tanto, precisamos compreender o que se entende por função social. Cada qual a seu modo dirá que está a realizar uma “função social”. O capitalista, o empresário, etc., naquele slogan, como “gerador de empregos”. O consumidor, o cidadão comum, o hipossuficiente, igualmente, argüirá em seu benefício a “função social”, a reclamar o abatimento do preço em face da onerosidade excessiva. Não se sabe o que é função social. Depende do tempo. [...] Cada sujeito buscará, dentro de uma possível compreensão subjetiva, a sua função social. O que é social para um não será para o outro, dada a relatividade do conceito. Em nome da “função social”, etérea, abstrata, em nome e por conta da proteção do mais débil e do mais fraco, instala-se a insegurança jurídica no tráfico social. Institutos decantados ao longo de séculos perdem-se no esquecimento, a saber: a teoria da imprevisão, a cláusula rebus, a resolução por onerosidade excessiva e todos os demais princípios que informam o contrato. Facilmente, a decantada função social pode tornar-se impregnada de ideologia, quando em nome dela o aplicador do Direito, segundo a sua concepção subjetiva, buscará um motivo para arrancar o contrato de seu equilíbrio natural. E a justiça contratual será pisoteada, no momento em que 129 a função social ficar a mercê de mecanismos político-institucionais. O contrato é instrumento de distribuição e circulação de riquezas. Entendemos que a função social do contrato é contribuir para que ocorra eqüitativa distribuição dessas riquezas, assegurando que a relação contratual per si não provoque o enriquecimento ilícito de nenhuma das partes. Assim expressa Luiz Guilherme Loureiro, falando sobre a função social do contrato: Destarte, a função social do contrato representa um poder-dever positivo, exercido no interesse da sociedade. Para Ripert, “as partes têm a liberdade de estipular o que lhes for mais conveniente, no que tange à circulação da riqueza e nas trocas patrimoniais, desde que observado o interesse maior 130 da sociedade [...] Assim, o interesse maior é o da sociedade. Uma vez que se respeitam a função social do contrato e a ordem pública, as partes contratuais podem travar sua luta pelo melhor resultado, não sendo ilícita a busca pela maior vantagem. Evidente que em um mundo de desiguais, a propalada igualdade absoluta soa fora de propósito. _____________ 129 GOGLIANO, Daisy. A Função Social do Contrato (Causa e Motivo). In: Revista Jurídica – Doutrina Cível, n. 334. São Paulo. 2005, p. 39. 130 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 59. 63 É normal e não contraria a função social que uma das partes obtenha vantagem patrimonial, ainda que com prejuízo de outrem. [...] O que o conceito de função social do contrato não admite é a submissão do interesse coletivo pelo interesse privado; luta contratual desleal; o abuso da superioridade de um dos contratantes; a eliminação da eqüidade que deve cercar o contrato ou a conduta imoral de aproveitar-se do estado de perigo, 131 de sua inexperiência ou da premente necessidade do co-contratante. Como se observa, a exemplo do que já ocorria nas relações contratuais firmadas ao abrigo do Código de Defesa do Consumidor, com o advento do novo Código Civil, o contrato, mais que mero instrumento de circulação de riquezas, se transforma, em razão de sua função social, em instrumento de circulação de riquezas com equilíbrio, de forma equânime e justa.132 Caberá ao Juiz, quando instado a tanto, aplicar a medida corretora, sempre tendo em mente que Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Segundo o modelo do direito constitucional, o contrato deve ser 133 interpretado em conformidade com o princípio da função social. No bojo da nova teoria contratual, portanto, a função social do contrato é princípio de extrema importância a ser observado, quando necessária a intervenção judicial. 5.3 As redes contratuais Vistos os princípios contratuais sob o manto do Código Civil de 2002, e antes que se passe a comentar diretamente sobre a Súmula 308 do STJ, é importante falar sobre um outro fenômeno surgido no campo da teoria contratual pós-moderna, a denominada Teoria das Redes Contratuais. _____________ 131 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 60. 132 Nesse sentido: TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 42. 64 Segundo Andreza Cristina Baggio Torres: A teoria das redes contratuais nada mais é do que uma forma de ver as relações contratuais como verdadeiros sistemas, os quais buscam apresentar vínculos complexos e conexos de forma ordenada, por 134 intermédio da noção de unidade dos objetivos contratuais. Assim, sempre que se estiver diante de diversos personagens, ligados por relações contratuais autônomas que sejam conexas, mas que contribuem para permitir ou facilitar o consumo de um bem ou serviço, estar-se-á diante de uma rede contratual. A conexidade contratual está relacionada com a finalidade e com o objeto das relações contratuais. Importante, portanto, saber distinguir quando ocorre a conexidade. Segundo Cláudia Lima Marques, A conexidade é, pois, o fenômeno operacional econômico de multiplicidade de vínculos, contratos, pessoas e operações para atingir um fim econômico unitário e nasce da especialização das tarefas produtivas, da formação de redes de fornecedores no mercado e, eventualmente, da vontade das 135 partes. Já Andreza Cristina Baggio Torres, citando Rodrigo Xavier Leonardo, entende que: Ocorre o fenômeno do coligamento negocial (sic) quando se está na presença de uma pluralidade de contratos coexistentes e, entre eles, se dá um nexo de tal natureza que os torna dependentes ou interdependentes, de modo que a validade e a eficácia de um é condicionada à eficácia e 136 validade do outro. Mas a mesma autora alerta: Não se deve confundir com a conexidade aqui estudada, da qual se pode dizer ser juridicamente qualificada, a conexidade ocasional ou material, da qual se fala quando as diversas declarações são casualmente reunidas em um só contexto. [...] _____________ 133 LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios Contratuais. In: A Teoria do Contrato e o Novo Código Civil. São Paulo: Nossa Livraria, 2004, p. 19. 134 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 67. 135 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 105. 136 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 68. 65 A mera identidade do objeto dos vários acordos realizados em cadeia não é suficiente para qualificar esses contratos como conexos. Para que seja juridicamente relevante tal ligação, é necessário que os contratos apresentem alguma forma de dependência estrutural entre si, ou que sejam 137 informados por um objetivo global comum. Dessa forma, havendo uma rede de contratos significa dizer que: (i) existe um contrato principal (ou um determinado número de contratos principais) no qual se traça a globalidade do objetivo; (ii) outros contratos (secundários ou terciários, e assim por diante) se inserem, e o objetivo de cada qual – direta ou indiretamente – está voltado ao alcance do objetivo global; (iii) a rede de contratantes expande-se até que um número suficiente de contratantes – partes, principal contratante ou outros contratantes – estejam vinculados entre si, com o intuito de que seja alcançado o objetivo 138 global. Trazendo a teoria para o caso concreto, seria um contrato principal aquele firmado entre o banco financiador e a construtora de um determinado empreendimento residencial e, secundários, aqueles firmados entre o mesmo banco financiador, terceiros adquirentes das unidades residenciais de referido empreendimento e a construtora enquanto vendedora das unidades, formando uma rede contratual cujo objetivo global comum é a disponibilidade de unidades residenciais e sua venda e compra. Assim, embora a relação entre construtora e banco não seja de consumo, em havendo o contrato firmado entre o banco e o terceiro adquirente do imóvel (consumidor) a relação de consumo se instala, ficando ambos, construtora e banco, submetidos ao Código de Defesa do Consumidor em relação ao adquirente do imóvel, em nítido vínculo de rede contratual. Este o entendimento demonstrado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, proferido em Apelação Cível no processo nº 1998.04.01.028982-6 (Laura Regina Mendes Bernardes contra Caixa Econômica Federal e Construtora Khouri Ltda.), em 7.11.2000, sendo órgão julgador a 4ª Turma139. Diz mais a autora paranaense: _____________ 137 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 69-70 138 IDEM, p. 82-83. 139 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Jurisprudência. Disponível em: < http://www.trf4.gov.br/trf4/jurisjud/resultado_pesquisa.php >. Acesso em: 19 abr 2008. 66 Aqueles que se unem em redes de contratos para colocar no mercado de consumo determinado produto ou serviço, devem prestigiar o equilíbrio desse sistema negocial, e [...] a estabilidade, a persistência temporal e o equilíbrio próprios às redes de contratos devem ser alcançados pelo reconhecimento de deveres laterais de conduta entre as partes que compõem o sistema, os quais nascem da realidade objetiva sistêmica por 140 essas partes criadas. Quanto aos deveres laterais de conduta, assim se expressa Noronha: São aqueles que somente apontam procedimentos que é legítimo esperar por parte de quem, no âmbito de um específico relacionamento obrigacional (em especial quando seja contratual ou ainda pré-contratual ou póscontratual, e até supra-contratual, isto é, neste caso sendo concomitante com o contrato, mas indo além dele), age de acordo com os padrões socialmente recomendados de correção, lisura e lealdade, que caracterizam 141 o chamado princípio da boa-fé contratual. Além disso, Andreza Cristina Baggio Torres aponta que no âmbito de uma rede de contratos existem três deveres laterais principais: I) contribuição para a manutenção do sistema; II) observância da reciprocidade das obrigações; e III) dever de proteger as relações internas que guarda em si, também, o dever de lealdade e de transparência. Afirma a autora: Todas as partes envolvidas na rede negocial deverão buscar o equilíbrio não só dos contratos individualmente observados, mas de todo o sistema, o que também pode ser obtido por meio de uma correspectividade (sic) sistemática das prestações entre os integrantes do sistema e perante 142 terceiros, no nosso caso, os consumidores. Finalmente, é importante frisar que, em momento algum, a individualidade de cada contrato será abalada, ou destruída. Cada um, per si, apresenta seus requisitos essenciais de validade dos negócios jurídicos tais como o consentimento, objeto e causa próprios.143 _____________ 140 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 85. 141 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. Fundamentos do Direito das obrigações. Introdução à Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 149. 142 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 88. 143 IDEM, p. 69 e 72. 67 6 A CONTROVÉRSIA DA SÚMULA 308 DO STJ Neste capítulo apresentar-se-á a descrição dos fatos que levaram ao surgimento dos inúmeros processos judiciais em que os interesses antagônicos representados pelas instituições financeiras de um lado, pretendendo a excussão da hipoteca do imóvel e o promitente comprador por outro lado, pretendendo a propriedade do mesmo imóvel, desacompanhado do ônus hipotecário. Apresentar-se-á, também, detalhada crítica do Voto Paradigma, a partir do qual uma série de julgados de igual teor acabou por consolidar o entendimento que resultou na Súmula 308 do STJ. Na análise do referido voto, o autor procurará aplicar os estudos apresentados nos capítulos anteriores. 6.1 O cenário que antecedeu à Súmula No Brasil, o mercado da construção civil funciona, na grande maioria das vezes, com a concessão às construtoras e incorporadoras, por parte da rede bancária, de financiamentos que permitem a edificação das moradias, para posterior venda e resgate do débito, ficando as construtoras e incorporadoras com o respectivo lucro. O mercado sabe, de antemão, que a construção de tais imóveis foi ou será, financiada por um banco que deles detém, ou irá deter, a hipoteca, a ser liberada quando de sua venda aos adquirentes finais, quase sempre mediante empréstimos concedidos pelo próprio banco que financiou a obra. Em todos esses empreendimentos existe, à entrada, placa anunciando tratar-se de obra financiada. Nos contratos firmados entre o banco e as construtoras e/ou incorporadoras normalmente consta a completa descrição do terreno onde será levantado o 68 empreendimento, indicando-se sua matrícula e a descrição do empreendimento, muitas vezes com detalhamento sobre a tipologia e metragem de cada unidade habitacional, caracterizando-se a hipoteca mediante o registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis que jurisdiciona do respectivo terreno. Os pretendentes à aquisição sabem, portanto, que existe um credor e uma hipoteca vinculados a tais imóveis. Não é medianamente razoável ter entendimento diferente disso. Em muitos casos, entretanto, a incorporadora se antecipa e realiza, antes de constituir o financiamento, a promessa de compra e venda das futuras unidades, ainda na planta, firmando acordos individuais com os promitentes compradores, para entrega futura dos bens. Nesses casos, a hipoteca que irá beneficiar o banco financiador da obra certamente será constituída em data posterior aos compromissos de compra e venda que venham a ser firmados com cada um dos adquirentes finais. Ocorre de igual modo, de a construtora e/ou incorporadora realizar a venda de unidades individuais a terceiros, mediante compromissos de compra e venda de caráter particular, feitos depois de já registrada a hipoteca que beneficia a instituição financeira, mas sem o prévio conhecimento do banco. Na maioria desses casos o adquirente tem conhecimento da existência da hipoteca, bem como sabe que o empreendimento foi financiado pelo banco e que a venda das unidades destina-se ao pagamento do empréstimo pela construtora e/ou incorporadora, informações, às vezes, constantes do próprio instrumento de promessa que assina. Com o surgimento da crise financeira que atingiu a indústria da construção civil, primeiramente no final dos anos oitenta quando o Governo Federal determinou o contingenciamento de recursos para o setor habitacional, notadamente aqueles oriundos do FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e, posteriormente, no início da década de noventa, com o choque econômico provocado pelo advento do Plano Real, inúmeras construtoras e incorporadoras passaram a ter graves problemas de caixa. 69 Como forma de aliviar a falta de recursos, a crise levou essas empresas a se utilizarem, preferencialmente, dos compromissos de compra e venda firmados com terceiros, sem o conhecimento ou anuência dos bancos credores e sem promoverem a devida amortização junto ao contrato de financiamento do empreendimento. Deixando de honrar o contrato firmado com a instituição financeira, construtoras e incorporadoras tornaram-se inadimplentes, resultando em grande número de processos de execução judicial nos quais os bens dados em garantia por hipoteca vieram a ser penhorados. Com a medida, o que o credor objetivou foi o recebimento do crédito emprestado e, para tanto, pugnou pela prevalência de seu direito de seqüela, buscando a realização da garantia hipotecária, que normalmente se dá mediante leilão público no decorrer do processo de execução. Nesse momento, surge o conflito de interesses: a) de um lado a instituição credora busca se valer de seu direito real, promovendo a realização da hipoteca para receber o crédito representado pelo contrato de mútuo que possui com a construtora e/ou incorporadora; b) de outro, o promitente comprador de unidade do empreendimento que, tendo realizado a integralidade do pagamento à construtora ou incorporadora, para adquirir o imóvel, vê o bem que lhe foi prometido, em risco iminente, e busca se valer, também, de seu direito real, exigindo a baixa da hipoteca, e regularização da propriedade desacompanhada de qualquer ônus. 6.2 As primeiras decisões judiciais Passaram, então, os promitentes compradores, a acionar a Justiça em busca da liberação da hipoteca de seus imóveis, sob a alegação de que a totalidade do preço do bem junto à construtora e/ou incorporadora já havia sido paga. 70 Em relação àquelas unidades vendidas a terceiros adquirentes anteriormente ao contrato de financiamento firmado entre construtora e/ou incorporadora e o banco financiador, a jurisprudência do STJ considerou nulas as hipotecas constituídas depois de celebrado o compromisso de compra e venda. Neste sentido o Agravo no Recurso Especial nº 561.807 – GO (2003/0129042-4) da Terceira Turma do STJ, sendo relatora a Ministra Nancy Andrighi, cujo acórdão data de 23.3.2004. No voto, afirmando que “É pacífico, neste STJ, o entendimento que declara a nulidade da hipoteca outorgada (pela construtora à instituição financeira) após a celebração da promessa de compra e venda com o promissário-comprador” 144., a relatora cita decisões precedentes a saber: Recurso Especial nº 78.459/RJ, relator Ministro Ruy Rosado Aguiar, Quarta Turma, Diário de Justiça de 20.5.1996; Recurso Especial nº 146.659/MG, relator Ministro César Asfor Rocha, Quarta Turma, Diário de Justiça de 5.6.2000; Recurso Especial nº 287.774/DF, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, Diário de Justiça de 2.4.2001; Recurso Especial nº 296.453/RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, Diário de Justiça de 3.9.2001; Recurso Especial nº 329.968/DF, relator Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, Diário de Justiça de 4.2.2002; e Recurso Especial nº 334.829/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Diário de Justiça de 4.2.2002.145 _____________ 144 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Civil. Direito Processual Civil. Agravo no recurso especial. Impugnação específica. Inépcia. Prequestionamento. Ausência. Hipoteca. Nulidade. AgRg no Especial nº 561.805 – 60 (2003/0129042-4). Agravante: Banco Itaú S/A. Agravado: Dora Vieira Bresler Ministra Nancy Andrighi. Brasília, DF, 23 mar. 2004. Disponível em: < https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301290424&dt_publicacao=19/04/2004>. Acesso em 21 abr. 2008. 145 IDEM. 71 Essa foi a mesma situação verificada no REsp nº 498.862/GO relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, sendo recorrente o BB Banco de Investimentos S.A. e recorridos a ENCOL S.A. e Outro, de 2.12.2003.146 Tal jurisprudência consolidou-se e, em relação à ela, houve ampla assimilação. Até anos recentes, em razão de estarem as hipotecas devidamente registradas no Cartório Imobiliário pertinente desde a constituição do mútuo e, quase sempre, antes da celebração da promessa particular de compra e venda firmada entre construtora e terceiros, promitentes compradores, prevalecia o entendimento judicial de eficácia da hipoteca frente a tais compradores. Neste sentido apontou a decisão de 27 de junho de 2002, constante do Recurso Especial nº 314.122 PA (2001/0035891-8) da Terceira Turma do STJ, sendo relator o Ministro Ari Pargendler, cuja ementa dispõe: CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTERIOR. Se, à data da promessa de compra e venda, o imóvel já estava gravado por hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata de direito real oponível erga omnes; o cumprimento da obrigação de escriturar a compra e venda do imóvel sem quaisquer onerações deve ser exigida de quem a assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial 147 conhecido, mas não provido. Ensina Tartuce que “Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o consumidor pela conduta da incorporadora que acaba não repassando o dinheiro ao agente financiador”.148 _____________ 146 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Promessa de Compra e Venda. Imóvel adquirido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Hipoteca constituída pela construtora junto ao agente financeiro. Dissídio. Precedentes da Corte. Resp nº 498.862/GO. Recorrente: BB Banco de Investimentos S.A. Recorrido: ENCOL S.A. e Outro. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, 2 dez. 2003. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=resp+187940&&b=ACOR&p =true&t=&l=10&i=16>. Acesso em 14 jun. 2007. 147 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Civil. Promessa de Compra e Venda. Hipoteca Anterior. Recurso Especial nº 314.122 PA (2001/0035891-8). Recorrente: Ney Ronaldo Gomes da Silva e Cônjuge. Recorrido: Caixa Econômica Federal. Ministro Ari Pargendler. Brasília, DF, 27 jun. 2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=HIPOTECA+E+PROMI TENTE&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=17>. Acesso em 14 jun. 2007. 148 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 224. 72 Concorda o autor deste trabalho que, na situação posta, a hipoteca não deve prevalecer, mas por fundamentação diversa: é que, aqui, o agente financeiro foi quem assumiu o risco de financiar empreendimento que já contava com unidades previamente vendidas, não podendo contra elas prevalecer hipoteca registrada em data posterior à venda que já era do conhecimento da credora. Nesse particular, é oportuno registrar, como já o foi feito no capítulo dedicado ao Direito do Promitente Comprador, o posicionamento consolidado do STJ, que desconsidera a exigência de registro do compromisso no cartório imobiliário nas situações da Súmula nº 239: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório imobiliário”; bem como da Súmula nº 84: “É admissível a oposição de Embargos de Terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”.149 Assim, entende-se que é perfeitamente correta a visão do STJ no que se refere à ineficácia ante os promissários compradores, da hipoteca registrada depois de firmado o compromisso de compra e venda entre eles e a construtora, ou incorporadora. 6.3 A polêmica estabelecida Entretanto, com o acirramento da crise imobiliária e a falência de muitas construtoras e incorporadoras, dentre elas a Encol, então considerada a maior do País no mercado habitacional, surgiu a situação de restarem os promitentes compradores, teoricamente compradores de boa-fé e parte mais fraca, com o risco de perda do bem que lhes fora prometido por compromisso de compra e venda, uma vez que, para todos os efeitos legais, tais bens permaneciam no patrimônio daquelas empresas. _____________ 149 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Consultas. Jurisprudência. Súmulas. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em 20 mar. 2008. 73 Então, também no caso de hipotecas constituídas antes da celebração dos compromissos de compra e venda, o STJ passou a admitir entendimento divergente por considerar que não atingia, “a garantia hipotecária do financiamento, o terceiro adquirente da unidade, o qual responde, apenas, pelo pagamento de seu débito” 150. O julgado considerado paradigma para diversos outros posteriores, e em todos eles citados como fundamentação, aconteceu no Recurso Especial nº 187.940 – SP (98/0066202-2), Quarta Turma, sendo relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, publicado no Diário de Justiça em 21.6.1999, constando de sua ementa: O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois os adquirentes da casa própria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel, 151 e a da construtora do prédio. Seguindo a mesma orientação, houve o Recurso Especial nº 399.859/ES. Recorrente: Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES. Recorrido: Associação dos Proprietários de Unidades Habitacionais do Edifício Plaza Gimenez. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, Brasília, DF, 19 dez. 2001, onde se faz constar que: O adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, 152 nos termos do art. 22 da Lei n 4.864/65” _____________ 150 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito Civil. Hipoteca. Precedente da Corte. Recurso Especial nº 399859/ES. Recorrente: Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES. Recorrido: Associação dos Proprietários de Unidades Habitacionais do Edifício Plaza Gimenez. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 19 dez. 2001. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=encol%20hipoteca >. Acesso em 14 jun. 2007. 151 IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de Terceiro. Recurso Especial nº 187.940/SP (98/0066202-2). Recorrente: Wulf Falim e Cônjuge. Recorrido: Delfim S/A Crédito Imobiliário. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, DF, 18 Fev. 1999. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=1998 00662022&pv=000000000000>. Acesso em 21 abr. 2007. 152 IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Direito Civil. Hipoteca. Precedente da Corte. Recurso Especial nº 399859/ES. Recorrente: Banco do Estado do Espírito Santo – BANESTES. Recorrido: Associação dos Proprietários de Unidades Habitacionais do Edifício Plaza Gimenez. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Brasília, DF, 19 dez. 2001. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/ pesquisar.jsp?b=ACOR&livre=encol%20hipoteca >. Acesso em 14 jun. 2007. 74 A partir do momento em que as decisões do STJ sobre o assunto passaram a buscar sustentação no Princípio da boa-fé objetiva, conjugado com as previsões da Lei nº 4.864/65153 o entendimento se alargou e a sucessão de julgados resultou na edição, em 30.3.2005, com publicação em 25.4.2005, da Súmula 308, que proclamou: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”154. Tal entendimento, embora aparentemente pacificado no âmbito do STJ, tendo sido utilizado, inclusive, como embasamento para inúmeras decisões posteriores, tanto de primeiro, como de segundo graus, é alvo de acirrados debates no meu jurídico. A primeira impressão que se tem é de que a decisão do Egrégio Tribunal agride de forma violenta o milenar instituto da hipoteca. Sobre isto, cite-se a manifestação de Bruno Mattos Silva: Isso significa que a hipoteca celebrada nessas condições não é um direito real, uma vez que não pode ser oposta contra terceiros. O que é essa hipoteca então? Mero direito pessoal da instituição financeira contra a incorporadora, que é a própria parte com a qual o banco celebrou um contrato, ou seja, algo absolutamente inócuo. Logicamente não é possível direito de garantia sem natureza real em que o garante e o devedor são a 155 mesma pessoa. Entende o mesmo autor, não se poder alegar boa-fé por parte dos promitentes compradores, nos casos de assinatura da promessa de compra e venda depois de registrada a hipoteca: Essa situação é totalmente diferente, não havendo razão para se alegar boa-fé ou aplicar o Código do Consumidor para proteger o comprador que comprou o imóvel já hipotecado! Uma situação é a pessoa que adquire um imóvel já hipotecado; outra é a situação da pessoa que adquire um imóvel _____________ 153 BRASIL. Lei nº 4.864/65. Cria medidas de estímulo à Indústria de Construção Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4864.htm>. Acesso em 18 jun. 2007. 154 IDEM. Superior Tribunal de Justiça. Consultas. Jurisprudência. Súmulas. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 14 jun. 2007. (grifo inexistente no original) 155 SILVA, Bruno Mattos e. População pagará a conta da nova Súmula do STJ. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 27 maio 2005. Disponível em: < http://conjur.estadao.com.br/static/text/35041,1>. Acesso em: 19 jun. 2007. 75 que, posteriormente, vem a ser hipotecado com fundamento em uma 156 cláusula contratual manifestamente nula. (destaque no original). Tartuce também entende que a Súmula 308 é exemplo de aplicação do princípio da boa-fé: A referida súmula visa justamente proteger esse consumidor restringindo os efeitos da hipoteca às partes contratantes. Isso diante da boa-fé objetiva, já que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frente à incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica que rege a 157 incorporação imobiliária. Entretanto, a ressalva “ignorando toda a sistemática jurídica que rege a incorporação imobiliária” abre espaço para que se tenha o entendimento de que, em sabendo a sistemática (ou em conhecendo previamente a existência da hipoteca), o promitente comprador assumiu o risco, não podendo, ao depois, alegar somente a boa-fé para pleitear a baixa hipotecária. Diferente é o que ocorre nos casos em que o compromisso de compra e venda foi firmado antes de registrada a hipoteca, quadro em que não existe controvérsia. Nesse caso, se quando realizou a compra o bem se encontrava livre de ônus, configura-se a boa-fé do adquirente. A questão mais polêmica da Súmula 308 do STJ, portanto, é exatamente quanto às hipotecas firmadas em data anterior aos compromissos de compra e venda. Para melhor compreender a questão é preciso estudo acurado do inteiro teor do Voto Paradigma, que se transformou na fonte das argumentações utilizadas em decisões posteriores que, reiteradas, provocaram o surgimento da referida súmula. _____________ 156 SILVA, Bruno Mattos e. Análise crítica da Súmula 308 do STJ: alcance, conclusões e perspectivas. In: Jus Navigandi. Teresina, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6869>. Acesso em: 12 jan. 2007. 157 TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção Prof. Rubens Limongi França: v. 2. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007, p. 224. 76 6.3 Análise do voto Paradigma Embora, aparentemente, fosse dispensável, optou-se, aqui, pela transcrição do inteiro teor do voto paradigma, proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do Recurso Especial nº 187.940 – São Paulo (98/0066202-2) em julgamento ocorrido em 18.2.1999158. A transcrição objetiva dar o mais completo entendimento sobre o voto paradigma, bem como apresentar, intercaladamente, os comentários sobre as fundamentações do relator. Afinal, todas as decisões posteriores que culminaram na divulgação da súmula tomaram por parâmetro tais fundamentações. Importante, portanto, apresentar por primeiro o Relatório: RELATÓRIO O Exmo. Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar Wulf Falim e s/m opuseram embargos de terceiro à penhora realizada no processo de execução promovido por Delfim S/A – Crédito Imobiliário (em liquidação) contra a Unimov – Empreendimentos e Construções S/A. que recaiu sobre o apartamento nº 42 do Edifício Ouro Verde, situado na Alameda Tietê nº 588, em São Paulo/SP, alegando que são promissários compradores e possuidores do imóvel desde 07 de outubro de 1973, conforme escritura pública inscrita no Registro de imóveis, outorgada pela Construtora Marcovena S/A, antecessora da executora Unimov – Empreendimentos e Construções S/A. A sentença julgou procedentes os embargos de terceiro, declarando insubsistente a penhora. A embargada apelou e a eg. 3ª Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, por votação majoritária, negou provimento ao recurso, extraindo-se do v. acórdão o seguinte passo: “[...] Todavia, no caso, não se pode falar em execução da unidade compromissada porque integra o edifício, cuja construção foi financiada e porque teriam os embargantes pago mal, pagando à „UNIMOV‟. Com efeito, examinando-se o contrato de mútuo e garantia hipotecária, de fls. 110/123, verifica-se que a financiadora instituiu como sua mandatária a _____________ 158 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sistema Financeiro da Habitação. Casa própria. Execução. Hipoteca em favor do financiador da construtora. Terceiro promissário comprador. Embargos de Terceiros. Recurso Especial nº 187.940/SP. Recorrente: Wulf Falim e Cônjuge. Recorrido: Delfim S/A Crédito Imobiliário. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Brasília, DF, 19 fev.1999. Disponível em http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=199800662022&pv=000000000000 Acesso em 14 jun. 2007. 77 Construtora Marcovena S/A, que depois foi adquirida pela Unimov, que incorporou a obra, podendo compromissar as vendas e receber o preço das unidades para repasse em seguida. É o que se vê das cláusulas 20 a 22, do contrato de financiamento, às fls 118/119 dos autos, sendo certo que, no caso, em não tendo havido o repasse dos créditos pela mutuária à mutuante, os adquirentes por tal descumprimento não podem responder com suas unidades porque integrariam elas a garantia hipotecária. Assim, face aos termos do contrato a mutuante, em verificando a inadimplência da mutuária e sabedora das vendas, deveria notificar os compromissários para que passassem a pagar seus débitos diretamente em seus escritórios. E não simplesmente aguardar os débitos se avolumarem para, escudando-se na garantia hipotecária, executar os adquirentes, que não foram inadimplentes, que cumpriram com seus compromissos e que se encontram na posse direta dos imóveis. Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo não se pode afirmar em relação à embargada. Por tais motivos nega-se provimento ao recurso, mantendo a bem lançada sentença de primeiro grau.” (fls. 510/511). Aqui já se faz necessária uma intervenção. Como se depreende do relatório, tanto na sentença de primeiro grau, quanto na decisão da 3ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, não atentou-se para o importante registro de que a possibilidade contratual de venda das unidades individualizadas a terceiros vem seguida da obrigação “de receber o preço das unidades para repasse em seguida”. Assim é que a simples possibilidade da venda não elide a obrigação da devedora de imediatamente recolher o respectivo valor do gravame hipotecário à credora, para permitir a liberação da hipoteca. Se assim não o fez, a construtora agiu contra o contrato existente frente à credora e agiu de má-fé em relação aos promitentes compradores porque ao longo dos anos insistiu em não repassar o resultado da venda à credora, deixando de cumprir o que contratou com os adquirentes, que seria promover a liberação da hipoteca. Mais uma vez é importante citar o ensinamento de Andrezza Cristina Baggio Torres: “quem não está em estado de ignorância (aspecto subjetivo) e, apesar disso, 78 age, sabendo ou devendo saber que vai prejudicar direitos alheios, procede (aspecto objetivo) necessariamente de má-fé”159. Aliás, quanto à atitude da construtora, é oportuno citar jurisprudência do Recurso Especial n.º 316.640-PR, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, onde é dito: “fere a boa-fé objetiva da relação contratual a atitude da construtora que primeiro celebra o compromisso de compra e venda de imóvel com o promissáriocomprador e depois onera-o com hipoteca em favor de terceiro”160. Como se vê, o inverso também caracteriza a má-fé: primeiro contrata hipoteca com a credora e depois celebra compromisso de compra e venda com o promissário comprador sem providenciar a liberação da hipoteca conforme contratado. Alegam os julgados, em ambas as instâncias, que a credora “sabedora da venda” nada fez para buscar seu crédito. Ora, a credora nunca foi devidamente avisada sobre a realização das vendas; delas não tinha conhecimento. Em contrapartida, os julgados não mencionam que também os promitentes compradores, como primeiros interessados, nada fizeram contra a construtora e sua sucessora para ver liberada a hipoteca tão logo realizado o pagamento, apesar de terem prévio conhecimento da existência do gravame e, conseqüentemente, dos riscos que dele poderiam advir. Que garantia tinham os promitentes compradores? Nenhuma. A credora, ao contrário, tinha a garantia da hipoteca de todo o imóvel (não apenas da unidade em questão) e não necessariamente, àquela altura, a medida da execução do crédito mostrar-se-ia oportuna e indicada, frente à amplitude do negócio que mantinha com a devedora. E tanto isto é fato, que a própria decisão da 3ª Câmara, ao início, relata que “Todavia, no caso, não se pode falar em execução da unidade compromissada porque integra o edifício”. Então, se integra, não foi desmembrada. Não foi _____________ 159 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna. As redes contratuais na sociedade de consumo. Curitiba: Juruá, 2007, p. 57. 160 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.° 316.640-PR. 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, J. 18 mai. 2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br> Acesso em: 22 jul. 2007. 79 desmembrada porque não houve pagamento à credora; permanece a hipoteca e o direito de seqüela. Estava legalmente garantida a credora. Conclui-se, pois, que a alegação da 3ª Câmara, que foi acompanhada pelo Voto Paradigma, não se sustenta: a credora agiu, sim, no momento que lhe pareceu oportuno. A execução deu-se em época que ela, credora interessada, considerou a correta. Quem manteve-se inerte, sem agir, foram os promitentes compradores, que tiveram tempo mais que suficiente para buscarem junto à construtora, com quem mantinham contrato, o cumprimento da obrigação de providenciar a liberação da hipoteca, repassando o produto da venda à credora e não o fizeram. Ora, a conclusão deveria ser inversa: se alguém houve com culpa, só poderia ser os promitentes compradores, e não a “embargada” credora, que, ao promover a execução que resultou em penhoras, fez valer o seu direito de seqüela, fundado em lei e decorrente de ato jurídico perfeito, que foi o contrato firmado com a construtora e a hipoteca registrada no cartório imobiliário. Aliás, esse foi o entendimento posterior, quando a mesma 3ª Câmara, em decorrência de embargos infringentes, considerou também, em seu reposicionamento, a argumentação de voto vencido na decisão anterior e de julgamento antecedente da 4ª Câmara do mesmo Tribunal: Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados. A embargada Delfim opôs embargos infringentes, com fundamento no d. voto vencido, tendo a eg. Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil acolhido o recurso em acórdão com a seguinte fundamentação, no que interessa: “É de se notar que do compromisso de compra e venda realizado entre os embargados e a mutuária construtora, devidamente registrado, consta expressamente a existência do ônus da hipoteca sobre o imóvel transacionado (fl. 53). F., na certidão expedida pelo 13º Cartório de Registro de Imóveis, da Capital há também menção expressa dessa garantia real.” (fl. 54). Assim, valendo-se do direito real hipotecário que possui gravando o imóvel, a embargante na execução que move a mutuária construtora fez efetivar penhora sobre o mesmo. O insigne Clóvis Bevilaqua após analisar o instituto da hipoteca nos diversos sistemas jurídicos contemporâneos, passa a considerá-lo à luz de nosso direito, afirmando que adere á coisa gravada, seguindo-a por toda a parte, 80 sendo exclusiva, provida de ação real, prevalecendo contra todos (Direito das Coisas – II Vol – 5ª Ed. – Pág. 131 – Forense – S/D – Rio). Traz como conseqüência ao credor o denominado direito de seqüela. O preclaro juiz prolator do voto vencido analisou a questão sub-judice com acerto e precisão dando-lhe o único enfoque possível, data vênia dos votos vencedores, à luz do direito pátrio. Já o eminente Lafaiete definia a hipoteca como sendo direito real constituído em favor do credor sobre imóvel do devedor ou de terceiro, tendo por fim sujeitá-la, exclusivamente ao pagamento da dívida, sem todavia tirá-la da posse do dono (Direito das Coisas – 172 A 278). O art. 810, I e II, do CC ao dispor que os imóveis e seus acessórios podem ser objeto de hipoteca, refere-se aqueles do art. 43, I e II, e do art. 61, III, do mesmo estatuto legal. Este Sodalício por diversas vezes teve a oportunidade de apreciar casos semelhantes aos dos presentes autos, figurando em um dos pólos da ação a embargante, e a e. Quarta Câmara, tendo como relator o eminente juiz Octaviano Santos Lobo, na Apel. nº 506.906/1-SP, decidiu que: „Diante da publicidade do registro da hipoteca inscrita em 05/01/73 (fls. 109), não podiam os adquirentes, quer ignorá-la, quer pactuar como senão existisse ou o gravame fosse ônus de outrem... inoponível, portanto, o direito possessório invocado com base em direito de cessão de compromisso de regramento especial de direito hipotecário sobre a regra genérica do art. 1046 do CPC: insuscetível de tutela a posse ou propriedade, a teor do art. 1046 do CPC, quando ao ingressar na posse do imóvel, já havia a publicidade do registro hipotecário anterior, por cuja „ignorantia neminem excusat’; o ingresso na posse e propriedade do apartamento pela embargante deu-se ciente, presumidamente, a adquirente do débito hipotecário que eventualmente poderia ter executado, não pode a embargante beneficiar-se agora da própria negligência, quando da aquisição do imóvel, devendo assumir os riscos do negócio, pela forma e ousadia realizada.‟ Assevera o ilustre relator que a credora hipotecária é terceira quanto ao pactuado, alheia às obrigações que só vinculam os contratantes embargados e mutuária construtora, assumindo os primeiros os riscos da segunda não cumprir com o que prometeu, ou seja, assumir a responsabilidade pela liquidação do débito para com a mutuante embargante. Mesmo que se conclua ter a embargante anuído tacitamente com a venda da unidade autônoma para os embargados, não está por tal motivo afastado do ônus real que grava o imóvel, eis que não se insere nas hipóteses de sua extinção elencada no art. 849 e seus incisos do CC. Alfonso de Cossio Y Corral, jurista espanhol em completo e profundo estudo sobre o direito hipotecário ensina que: „Como todo complejo normativo, el ordenamiento hipotecário se funda en una serie de princípios generales que dotan a sus normas de un sentido unitario. Tales princípios non son axiomas inconcusos sino más bien creaciones técnicas, instrumentos idóneos para conseguir en la realidadd las finalidades específicas perseguidas por la institucionón registral: esta finalidad se legitima por consideraciones éticas y utilitarias, esto es, por la necessidad de proteger la buena fe y, en medida en que lo sirven 81 eficazmente, lo legitiman también los princípios creados por la técnica jurídica para su logro, siempre que los mismos no lesionen otros intereses superiores de mayir rango.‟(sic) (Instituciones de Derecho Hipotecario – 1ª Ed. – pág. 34 e segs. – Civitas – 1986 – Madrid). Apesar das graves censuras e objeções que juristas de renome fazem ao indigitado instituto, tendo alguns afirmado que se trata de instituto repugnante à ética, está inserido em nosso sistema jurídico, tendo sido bem absorvido pelo mundo negocial, apresentando-se como um gravame, em virtude do qual um imóvel fica sujeito, em proveito do credor, ao pagador de um crédito que lhe pertence, influência direta BGB, parágrafo 1113. As demais questões suscitadas na impugnação, entre elas a referente à aplicação da Lei nº 8.009/90 refogem por completo do objeto da advertência, contudo quanto a tal matéria, as exceções do art. 3º contemplam-na. Ante o exposto, acolhe-se os embargos, subsistindo a penhora sobre o indigitado bem, invertendo-se o ônus da sucumbência.” (fls. 605/609). Diante de tal decisão, correta, no entendimento deste autor, os embargantes promoveram o Recurso Especial de que ora se trata e que viria a se transformar no paradigma para outras decisões semelhantes e posteriores. Assim é que continua o Relatório: Rejeitados os declaratórios, os embargantes ingressaram com recurso especial por ambas as alíneas, alegando afronta aos arts. 22, 23 §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.864/65, 85 do Cód. Civil, 2º, § 1º e 5º da LICC, além de divergência com a Apelação em Mandado de Segurança nº 94.04.47071-6RS, in DJU de 18.01.95, pág. 1.349. Segundo afirmam, no sistema financeiro da habitação, com regulação específica, o agente do crédito teria como garantia a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais, devendo proceder de acordo com o previsto naquela legislação, em caso de inadimplemento do seu financiado, construtor do prédio. Aduzem que, “além de não poder existir a garantia hipotecária sobre bem futuro, temos também presente a liberação tácita da referida hipoteca por parte Delfim S/A (sic) a partir do momento que a venda das unidades era obrigação da construtora, com prazo exíguo, e o agente financeiro outorgou-lhe procuração para este fim, forneceu-lhe contrato padrão, autorizou a venda e o recebimento das prestações e, ainda, renovou o contrato de mútuo exigindo outras garantias hipotecárias, tudo revelando incompatibilidade com intenção de no futuro próximo vir a excutir a garantia hipotecária dos imóveis construídos com os recursos do Sistema Financeiro da Habitação e dos próprios mutuários adquirentes finais. A própria renegociação também se caracteriza como um ato de remissão irreversível.” Sustentam, outrossim, que o aresto recorrido afronta os princípios gerais do direito, da legalidade e da moralidade. Comprovam dissídio com julgado no sentido de que “no contrato de adesão, interpreta-se com prevalência a vontade das partes com a manifestação escrita, sendo certo que, na aquisição de imóveis do SFH, o pacto era firmado na presunção de que as prestações seriam reajustadas de acordo com a variação salarial da categoria do mutuário.” (AP/MS 94.04.47071-6/RS). Requerem, afinal, a procedência dos embargos de terceiro, anulando-se “a hipoteca lavrada em afronta ao disposto na lei especial e a responsabilização exclusiva da 82 depositária legal dos valores pagos pelos recorrentes a arcarem com a dívida que constituíram e inadimpliram.” Nas contra-razões a recorrida alega deserção do recurso em razão do pagamento e juntada do preparo fora do prazo, além de faltar ao apelo as condições de admissibilidade e inocorrência da apontada violação aos dispositivos legais elencados. O d. MP/SP opinou pelo improvimento do recurso especial. (fls. 669/673). Indeferido na origem, manifestou-se o agravo de instrumento nº 170.917-SP (autos apensos), que provi para melhor exame. Solicitados os autos. É o relatório. Note-se, por ser de fundamental importância, que o Ministério Público opinou pela rejeição do Recurso Especial, ou seja, manifestou-se favorável à manutenção da decisão anterior que consagrava a hipoteca, subsistindo a penhora. Passa-se à análise do Voto Paradigma: O Exmo. Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar 1. [...] 2. Versa o presente recurso sobre a possibilidade de execução de imóvel hipotecado ao agente financeiro (instituição de crédito imobiliário), em garantia de dívida da construtora ou incorporadora do edifício (devedora), já tendo sido o bem objeto de contrato de promessa de compra e venda celebrado com terceiro, que pagou integral ou parcialmente as suas prestações à promitente vendedora, e que vem a sofrer a penhora do apartamento que adquiriu, na execução promovida pela instituição de crédito imobiliário por inadimplemento da construtora, devedora hipotecária. De início, e para o bem da verdade, é preciso esclarecer – uma vez mais – que no caso concreto de que se trata, a hipoteca foi regularmente constituída, resultando de contrato firmado entre construtora e agente financeiro, antes de firmado o compromisso de compra e venda entre a construtora e o compromissário comprador. De tal compromisso, nunca houve formalização de notícia ao agente financeiro que somente veio dele tomar conhecimento muito tempo depois, quando da apresentação dos embargos de terceiro na execução que promoveu contra a construtora inadimplente. A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do negócio realizado, tratando-se de aquisição da casa própria com incorporadora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais. 83 Chama atenção, a declaração de que “A causa deve ser examinada e julgada nas circunstâncias do negócio realizado”. Assim também acredita o autor deste trabalho. Quanto a essa declaração, será objeto de melhor análise mais à frente. Merece ser revista a afirmativa “tratando-se de aquisição da casa própria com incorporadora do prédio, com ou sem financiamento por agente financeiro aos adquirentes finais”. Na verdade, o correto seria dizer “tratando-se de aquisição da casa própria de propriedade da incorporadora do prédio, por adquirentes finais, sem financiamento por agente financeiro”. Desde logo fica definido que o negócio de financiamento e a venda das unidades habitacionais ocorreu no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, como se pode ver da cláusula 4ª, do contrato de financiamento de Delfin S/A – Crédito Imobiliário, exeqüente, com a construtora Marcovena Ltda., onde é feita referência à vigência da legislação do BNH, e à cláusula 12, onde se afirma que o contrato está vinculado ao SFH. Faço esse registro inicial porque é preciso definir que o financiamento concedido à empresa construtora tinha o fim único de permitir a construção de um prédio destinado a venda. Os terceiros adquirentes fariam o pagamento das suas prestações com recursos próprios diretamente à construtora, ou obteriam um financiamento pessoal junto à mesma ou a outra instituição financeira, hipótese em que tocaria a esta saldar o débito do promissário comprador perante a construtora, ficando o imóvel hipotecado em favor da instituição que financiou o promissário comprador, adquirente final (mutuário). Nessa situação, cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar-se da construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela em relação aos terceiros adquirentes. De pronto observa-se a existência de afirmativa não condizente com a realidade dos fatos. Por tratar-se de idéia fundamental na formalização do entendimento que levou ao voto, infelizmente tal afirmativa foi disseminada na seqüência de votos e julgados que o acompanharam, acabando por gerar a Súmula 308. O equívoco está em que, apesar do contrato firmado entre o agente financeiro e a construtora estar inserido nas normas do SFH, o caso não se trata de venda de unidade habitacional no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. 84 Ocorre que de acordo com o artigo 8º da Lei nº 4.380/64 161, das partes envolvidas apenas o agente financeiro Delfin S/A, fazia parte do SFH. Uma vez que não houve sua participação no compromisso de compra e venda firmado pela construtora e adquirente final, tal contrato é espúrio no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, foi feito à revelia de suas normas e por elas não está amparado. Mais, ao afirmar ao final da citação acima que cabe ao financiador “Nessa situação... cobrar-se da construtora, sobre os bens dela, sua devedora”, o que efetivamente a Delfin S/A fez ao promover a execução e indicar à penhora os bens hipotecados que ainda permaneciam na propriedade da Construtora, o voto omitiu a importante circunstância de que o agente financeiro não participou da promessa de venda, dela não tinha conhecimento, não havendo, portanto, como “cobrar-se [...] sobre os créditos dela (construtora) em relação aos terceiros adquirentes”. A mecânica do SFH é explicada quando o voto cita a legislação específica: Relembro algumas disposições legais sobre o Sistema Financeiro da Habitação: a) em primeiro lugar, as sociedades de crédito imobiliário, como a Delfin S/A – Crédito imobiliário, ora recorrida e autora do processo de execução, são órgãos integrantes do sistema financeiro da habitação (art. 8º, III, da Lei nº 4.380/64), submetidas à legislação específica; b) em segundo lugar, “as sociedades de crédito imobiliário somente poderão operar em financiamento para construção, venda ou aquisição de habitações mediante: I – abertura de crédito a favor de empresários que promovam projetos de construção de habitações para venda a prazo; II – abertura de crédito para a compra ou construção de casa própria com liquidação a prazo de crédito utilizado; III – desconto, mediante cessão de direitos de receber a prazo preço da construção ou venda de habitação; IV – outras modalidades de operações autorizadas pelo Banco Nacional de Habitação.” (art. 39 da lei nº 4.380/64); _____________ 161 BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para a aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 121. 85 Entretanto, não foi dito - mas necessita ficar registrado para melhor entender-se a matéria - que o “desconto, mediante cessão de direitos de receber a prazo o preço da venda de habitação” somente é possível, se as partes – agente financeiro e construtora – celebrarem contrato nesse sentido, em que tais títulos de crédito sejam identificados e entregues por caução ao credor. Isso jamais ocorreu no caso julgado. c) em terceiro “os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado. § 1º Nas aberturas de crédito garantidas pelas (sic) caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido. § 2º Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir, diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.”(art. 22 da Lei nº 4.864/65) Uma vez mais o que se afirma merece reparo. Como se pode observar da alínea “c” do parágrafo acima transcrito, cuja redação foi retirada do art. 22 da Lei nº 4.864/65162, a previsão de se garantir os créditos abertos em benefício das construtoras e incorporadoras “pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” é apenas uma possibilidade à disposição do agente financeiro, e não uma obrigação. Assim é que os créditos concedidos pelas “Caixas Econômicas, bem como” pelas “sociedades de crédito imobiliário poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais”. _____________ 162 BRASIL. Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965. Cria estímulo à indústria de construção civil. In: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 159. 86 No caso concreto (como na grande maioria dos casos), preferiu o agente financeiro a garantia hipotecária, contratada de forma legítima e anteriormente às vendas das unidades. No comentário do trecho anterior da citação, apesar de existir a possibilidade de caução de títulos no contrato firmado entre Delfin S/A e a construtora, em nenhum momento é dito que houve a identificação e a entrega de tais títulos de crédito para caução junto à credora. Ou seja, a cessão de títulos de crédito (recebíveis) prevista, não se concretizou. Ao contrário, firmou-se um compromisso apenas entre a construtora e o promitente comprador, fora do SFH, no qual o adquirente ficava ciente da existência de uma hipoteca resultante de dívida da vendedora, que onerava o bem que pretendeu comprar. A promessa de compra e venda foi feita sem a anuência do agente financeiro, único integrante do SFH no presente caso. Talvez em razão da fragilidade dos argumentos até aqui utilizados, o voto busca amparo em citação de ilustres juristas. Entretanto, a própria citação, ao explicar a transitoriedade da relação jurídica que a construtora estabelece com o agente financeiro e com os adquirentes finais dos imóveis produzidos, só vem reforçar a necessidade de haver vínculo contratual entre todos os envolvidos pra trazê-los ao abrigo das normas do SFH. Atentos a essas características é que os pareceristas Profs. Miguel Reale, Miguel Reale Jr. E Pedro Alberto do Amaral Dutra assim descreveram a relação negocial do agente financeiro, do construtor e do adquirente: “A relação jurídica que o construtor estabelece, primeiro com o agente financeiro que lhe empresta recursos para a construção do imóvel, e, a seguir, com os adquirentes finais aos quais vende as unidades habitacionais, é transitória – e assim sua presença no circuito negocial do SFH – porquanto satisfaz o construtor sua dívida com o agente financeiro ao ceder a este o crédito resultante da venda das unidades habitacionais, para cuja compra irão os adquirentes finais buscar financiamento junto ao mesmo agente financeiro.” “Os adquirentes finais tomam empréstimo junto às sociedades de crédito imobiliário – que vencerá correção monetária e juros – para compra a prazo dos imóveis do construtor, e este cede o crédito destas alienações à sociedade de crédito imobiliário, em quitação do empréstimo que com ela contraíra.” („O Sistema Financeiro da Habitação, Estrutura, Dirigismo Contratual e a Responsabilidade do Estado‟, in “A Atividade de Crédito Imobiliário e Poupança”, ABECIP, p. 11) 87 Ora, o que afinal demonstram os ilustres juristas é que a dívida da construtora deve ser paga com o resultado da venda das unidades habitacionais, mediante o financiamento das aquisições a ser concedido pelo agente financeiro diretamente aos adquirentes finais (e aí, sim, esses seriam incluídos no âmbito das normas do SFH), ou, então, mediante contrato de cessão de crédito firmado entre construtora e agente financeiro, com identificação, entrega e caução dos títulos resultantes das vendas que permitirá, à construtora, vender diretamente as unidades. Nenhuma dessas possibilidades foi adotada no caso em julgamento. A única forma que restou, portanto, para direcionar o resultado da venda da unidade em questão à amortização da dívida foi, justamente, o leilão no bojo do processo de execução. Continuando a transcrição do voto: A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora: havendo transferência, por escritura pública de compra e venda ou de promessa de compra e venda, o crédito da sociedade de crédito imobiliário passa a incidir sobre “os direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado” (art. 22 da lei nº 4.864/65), sendo ineficaz em relação ao terceiro adquirente a garantia hipotecária instituída pela construtora em favor do agente imobiliário que financiou o projeto. Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado, especialmente para respeitar os interesses do terceiro adquirente de boa-fé, que cumpriu com todos os seus compromissos e não pode perder o bem que lisamente comprou e pagou em favor da instituição que, tendo financiado o projeto de construção, foi negligente na defesa do seu crédito perante a sua devedora, deixando de usar os instrumentos próprios e adequados previstos na legislação específica desse negócio. Por óbvio, de tudo o que até agora foi visto, conclui-se que são inadequadas as premissas em que se baseia o Voto Paradigma, em relação às afirmações acima. Por primeiro, não se pode olvidar que a hipoteca foi legalmente constituída sobre patrimônio da construtora, e não do adquirente. Patrimônio esse que permaneceu íntegro, apesar da existência do compromisso de compra e venda, uma vez que na legislação brasileira ainda permanece vigente a norma que estabelece que “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”, conforme artigo 1.245 do Código Civil. Vai mais além a 88 redação de seu parágrafo primeiro: “Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”163 Assim, utilizando-se das palavras do próprio Relator, podemos afirmar que “A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade da devedora.” Portanto, a hipoteca é válida. Além disso, já foi visto exaustivamente que quando assinou a promessa de compra e venda da unidade com a construtora, o compromissário comprador estava ciente da existência da hipoteca, licitamente constituída. Por segundo, já foi demonstrado que a redação do artigo 22 da lei nº 4.864/65164 trata de uma opção do Credor, e não de uma obrigatoriedade. Ainda assim, a cessão de crédito por caução exige, além de contrato formalizado, a existência física dos títulos de crédito correspondentes à venda da unidade habitacional e a sua entrega ao credor, o que não existiu no caso julgado sob comento. “Assim foi estruturado o sistema e assim deve ser aplicado”. Continuando: As regras gerais sobre a hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema financeiro da habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora. O mecanismo de defesa do financiador será o recebimento do que for devido pelo adquirente final, mas não a excussão da hipoteca, que não está permitida pelo sistema. Mais uma vez nota-se um engano no teor do voto. Basta uma leitura atenta dos instrumentos legais que normatizam o Sistema Financeiro da Habitação para se verificar que a hipoteca é a garantia preferencial apontada pelos legisladores, como forma de assegurar o retorno dos capitais _____________ 163 BRASIL. Código Civil. in: Vade Mecum / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto. Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 261. 164 IDEM. Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965. Cria estímulo à indústria de construção civil. In: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 159. 89 públicos emprestados, grande parte oriunda do FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, patrimônio do Trabalhador Brasileiro. Este é o caso da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990165, (que em momento algum foi citada no Relatório ou no Voto) mais especificamente em seu artigo 9º, onde o legislador afirma a preferência pela hipoteca como garantia nas aplicações (leia-se nas operações de crédito) que envolvam recursos do FGTS, como é o caso dos empréstimos concedidos com base nas regras do SFH. Depois de indicar a hipoteca como a primeira da lista de garantias a serem utilizadas, a mensagem do parágrafo quinto do referido artigo 9º é cristalina em concluir que as Instituições Financeiras deverão procurar o mais elevado nível de segurança e garantia para tais créditos, inclusive com a possibilidade de acumular instrumentos garantidores: “As garantias, nas diversas modalidades discriminadas no inciso I do caput deste artigo, serão admitidas singular ou supletivamente, considerada a suficiência de cobertura para os empréstimos e financiamentos concedidos.” (destaque do autor deste trabalho). Eis, pois, que no caso concreto o agente financeiro agiu corretamente ao exigir a hipoteca para a concessão de recursos no âmbito do SFH. Poderia tê-la substituído singularmente por caução de títulos, mas preferiu ter essa última possibilidade como garantia suplementar. Tanto isto é verdade, que deixou registrada a possibilidade de receber os títulos de crédito em caução em substituição da hipoteca, no caso de ocorrer a venda das unidades na forma da cláusula 18 do contrato firmado entre o agente financeiro e a construtora. Entretanto, o agente financeiro nunca foi procurado, quer seja pela construtora vendedora, quer seja pelos interessados em adquirir a casa própria. Além disso, da redação do artigo 3º da Lei nº 5.741/71, que dispõe sobre a proteção do financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, evidencia-se a preferência pela hipoteca: “O devedor será citado para _____________ 165 BRASIL. Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. IN: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 205. 90 pagar o valor do crédito reclamado ou depositá-lo em juízo no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de lhe ser penhorado o imóvel hipotecado”166 (destaque do autor deste trabalho). Apesar disso, a redação do voto continua se baseando em premissas inadequadas: Tanto assim que o contrato firmado entre a Delfin S/A (mutuante) e a construtora (mutuária) dispôs especificamente sobre o modo pelo qual seriam transferidas as obrigações aos terceiros adquirentes, o qual é inconciliável com a execução da hipoteca contra os adquirentes: Ora, não há incompatibilidade alguma em se constituir a hipoteca e contratar, supletivamente, a possibilidade de substituí-la, quando das vendas a terceiros adquirentes, pela caução dos títulos resultantes dessas vendas. Já foi visto que são formas suplementares de garantia; é do texto da lei, logo, não é inconciliável a execução da hipoteca, se ao longo da vida contratual a construtora, não apresentou os títulos de crédito à credora, para que se efetivasse a caução e se liberasse a hipoteca. Aliás, na própria redação do voto, ao transcrever as cláusulas contratuais firmadas entre o agente financeiro e a construtora, evidencia-se que esse seria o caminho correto de se cumprir a obrigação contratual, sem causar danos às partes contratantes ou a terceiros: - “Clausula 18. – A mutuária liberar-se-á de suas obrigações junto à mutuante, no que pertine ao principal e encargos relativos ao financiamento, transferindo esse ônus, em proporção, aos adquirentes das unidades imobiliárias em construção, ou pagando, a qualquer tempo, tudo o que for devido à mesma mutuante. - “Cláusula 21. – Havendo alienações de unidades durante a fase de construção, a mutuária ficará obrigada a entregar à mutuante, juntamente com os respectivos contratos de compromisso de compra e venda, devidamente registrados em cartórios, os títulos representativos de parte de preço e relativos a poupança. § 1º - Os títulos mencionados nesta cláusula ficarão com a mutuante, como garantia subsidiária do cumprimento da obrigação assumida pela mutuaria, no que pertine á execução das obras financeiras. _____________ 166 BRASIL. Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971. Dispõe sobre a proteção do financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação. In: SILVA, Francisco Paulo da. FELIPE, Adriana Severo. Sistema financeiro da habitação: doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Iglu Editora, 2000, p. 169. 91 § 2º - A mutuante, á proporção que for recebendo dos mutuários finais o valor dos títulos que lhe foram entregues, irá procedendo ao depósito das correspondentes importâncias em conta de DPL da mutuaria.” 3. Ainda que não houvesse regra específica traçando esse modelo, não poderia ser diferente a solução. O princípio da boa-fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se (sic) para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. Claríssimo está que a obrigação de entregar os títulos à credora é da construtora, e não da credora de por eles procurar, ou notificar terceiros, já que nunca se deu conhecimento, à ela, credora, que as unidades haviam sido negociadas por promessa de compra e venda. Nunca se lhe foram apresentados títulos para caução. Enquanto credora, “precatou-se para receber o seu crédito da sua devedora” como forma de melhor garantir a restituição dos recursos de origem pública ao seu destino inicial. Primeiro constituiu legalmente a hipoteca como garantia de recebimento do crédito emprestado e, depois, manejou, no momento em que negocialmente considerou ideal, a execução do débito inadimplido. Se negligência houve, foi da construtora que não apresentou os títulos para caução e desviou os recursos da venda da unidade, agindo de má-fé frente ao seu contratante, o compromissário comprador, em relação contratual da qual o agente financeiro nunca participou. Se mais negligência houve, foi do adquirente, que assinou o compromisso de compra e venda ciente da existência da hipoteca e da dívida que ela garantia, nunca tendo se preocupado quanto a isso, somente vindo a se manifestar muito depois, por embargos, quando o processo de execução movido pela credora logrou êxito no pedido de penhora da unidade. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados 92 pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. O voto omite o fato de que o contrato firmado entre construtora e adquirente final foi feito fora do SFH, ou seja, em surdina, sem que se informasse ao agente financeiro, funcionando quase como orquestração para evitar o pagamento do valor da venda, quebrando a própria lógica prevista nas normas do Sistema Financeiro da Habitação. Objetiva-se, com tal omissão, dar conotação justa àquilo que nasceu espúrio. Já ficou aqui demonstrado que a hipoteca é justa. É direito real constituído anteriormente ao outro direito real presente no caso, que é o do promitente comprador. Naufraga o direito real do promitente comprador frente ao direito real da hipoteca, porque nascido depois e já maculado pelo conhecimento prévio da existência dessa mesma hipoteca. Esse é o efeito que a lei lhe confere e lhe atribui; não há que se procurar atribuir outro efeito. Registre-se que milhares de projetos habitacionais foram financiados pelo SFH, e milhares de adquirentes incluídos no sistema por terem a chancela do agente financeiro, quer por financiamento, quer por liberação de hipoteca mediante pagamento à vista, nunca sofreram a excussão de hipoteca sobre seu imóvel para pagar dívida alheia. Tais adquirentes agiram corretamente, de forma prudente, contando com o conhecimento e anuência do agente financeiro, e adquiriram a propriedade de suas unidades. Não operaram com riscos desnecessários advindos de compromissos feitos fora das normas do sistema, fadados a resultar em prejuízo, ante a existência prévia de hipoteca. Aliás, nesse sentido, foi a decisão da própria Terceira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo que fez nascer o Recurso Especial cujo Relatório e Voto ora se comenta. Mas, prossegue o voto: Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador que deixa de lado os mecanismos que a lei lhe alcançou, para instituir sobre o imóvel – que possivelmente nem existia ao tempo do seu contrato, e que estava destinado a ser transferido a terceiro, - uma garantia hipotecária pela dívida 93 da sua devedora, mas que produziria necessariamente efeitos sobre o terceiro. Aqui se busca, apenas, dar efeito ao discurso. É amplamente sabido que a hipoteca originariamente constituída sobre o terreno (principal) se estende aos imóveis nele construídos posteriormente (acessório). Além disso, essa possibilidade normalmente vem registrada sob forma de cláusula em contratos para construção e incorporação de imóveis. Evidente, também, pelo que já se demonstrou neste trabalho, que não houve nenhuma espécie de abuso de direito pelo financiador quando optou pela garantia hipotecária: a opção consta da lei e a hipoteca é anterior ao compromisso de compra e venda. No comum dos negócios, a existência de hipoteca sobre o bem objeto do contrato de promessa de compra e venda é fator determinante da fixação e abatimento do preço de venda, pois o adquirente sabe que a presença do direito real lhe acarreta a responsabilidade pelo pagamento da dívida. Não é assim no negócio imobiliário de aquisição da casa própria de edificação financiada por instituição de crédito imobiliário, pois que nesta o valor da dívida garantida pela hipoteca não é abatido do valor do bem, que é vendido pelo seu valor real, sendo o seu preço pago normalmente mediante a obtenção de um financiamento concedido ao adquirente final, este sim, garantido com hipoteca pela qual o adquirente se responsabilizou, pois essa é a sua dívida. É exato o afirma-se no voto no parágrafo acima. O único reparo é que em vez da expressão “este sim”, para ser mais correto, deveria ter adotado “este também garantido por hipoteca”. É que nos negócios dentro do SFH, o imóvel gravado por hipoteca garante a dívida da construtora somente até que recolhido o seu valor ao agente financeiro. Se a venda é feita por financiamento novo oferecido pelo agente financeiro ao adquirente, este se insere no âmbito do SFH e, por óbvio, afasta-se a primeira hipoteca e surge uma nova, gravando o bem já na propriedade do adquirente. É assim que funciona o sistema. Uma vez que no caso concreto a venda foi feita à socapa, sem o conhecimento do credor, e considerando o entendimento posto no voto, pode existir até a possibilidade de que essa venda fora do SFH tenha sido feita sob conluio, com abatimento de preço, devido à existência da hipoteca; por que não? 94 Das três personagens que participaram do negócio, dois com intuito de lucro (portanto, correndo riscos) e um com o propósito de adquirir a casa própria, os dois primeiros negligentes e inadimplentes, - o primeiro por escolher mal o seu financiado e por deixar de adotar as medidas permitidas na lei para receber o seu crédito sem causar prejuízo a terceiros, o segundo por não pagar o financiamento recebido, - somente correu o risco e perdeu o terceiro, que adquiriu e pagou. Não concorda o autor do trabalho com a afirmativa exarada no voto. Risco nenhum correu a construtora: vendeu e recebeu. O risco ficou para quem comprou sabendo da existência prévia de hipoteca devidamente constituída. Por força da decisão que se comenta, o prejuízo foi imposto ao agente financeiro, quando se sabe que a construtora agiu de má-fé e o adquirente permitiu, impávido, essa atitude, de certa forma até tornando-se conivente. Ora, o que o adquirente pagou não foi pela baixa da hipoteca, mas pela promessa de compra do imóvel. A baixa da hipoteca pressupõe a entrega, pela devedora ou pelo adquirente, do valor da venda ao credor hipotecário: é da essência desse direito real. Isso jamais ocorreu. E continua o voto: Inteiramente aplicável a observação feita por Fernando Noronha ao examinar o tema à luz do princípio da boa-fé objetiva: “Na verdade, credor e agente financeiro sabem que são as prestações que forem sendo pagas pelos adquirentes que assegurarão o reembolso do financiamento concedido. Portanto, se a empresa interrompe os pagamentos devidos, o agente financeiro deveria reconhecer a eficácia, em relação a si, dos pagamentos anteriores feitos pelos adquirentes e, para garantir direitos futuros, deveria notificar estes para que passassem a depositar as prestações subseqüentes, sob pena de se sujeitarem aos efeitos da hipoteca assumida pelo incorporador.” (O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais, ed. Saraiva, 1994, fls. 182/183) De forma alguma se aplica ao caso concreto a observação citada. Omite a redação do voto que o credor jamais foi informado da existência da promessa de venda! Como notificar? O caso citado se aplica somente àqueles em que a venda é feita com a anuência do credor, mediante recebimento de títulos e caução. A seguir, o voto transcreve trecho da sentença proferida nos autos, em grau inferior, que já havia sido revertida quando do julgamento dos embargos 95 infringentes, na 3ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, e cujos argumentos praticamente são os mesmos apresentados no Relatório do Recurso Especial: 4. A situação dos autos foi assim apreciada na r. sentença de lavra da Dra. Lilia Lúcia Venosa: “Quanto ao mérito, como bem ponderaram os Embargantes, há manifesto abuso de direito da Embargada em penhorar a unidade autônoma construída com recursos obtidos pela mutuária-executada, em decorrência da inadimplência desta, já que é ela, Embargada, quem agiu negligentemente, ao ter permitido a venda das unidades autônomas, bem como deixado de notificar os adquirentes a lhe pagarem diretamente as prestações pagas à construtora-mutuária. Ora, não se pode impingir aos adquirentes a responsabilidade por débito da construtora quando o Agente Financiador concorreu indiretamente com a sua ocorrência, em conseqüência de sua má administração, que resultou inclusive em sua liquidação, amplamente noticiada no país. Com efeito, celebraram os Embargantes típico contrato de adesão, em que não cabe discussão acerca das cláusulas nele dispostas. Enquanto o adquirente paga, não sem prolongado sacrifício, as prestações de sua casa própria, a construtora-mutuária, muitas vezes, deixa de cumprir o contrato de mútuo, sem que sobre ela recaia as conseqüências jurídicas de tal inadimplemento, já que sobre as unidades autônomas pesa o ônus da hipoteca a garantir tal contrato. E ao invés de a mutuante, sabedora da situação financeira da mutuária, providenciar a intimação dos adquirentes para que lhe paguem diretamente as prestações do preço da unidade autônoma, mantém-se inerte até que o débito lhe permita a constrição das unidades hipotecadas, deparando-se o adquirente, de um dia para outro, sem concorrer com qualquer ato de inadimplência, com um ato constritivo que poderá levá-lo a perder o imóvel onde reside, bem como as prestações pagas ao longo, quiçá, de toda sua vida laboral. A tal situação deve se pôr um termo e vem sendo alterada pela jurisprudência dos nossos Tribunais, com temperança à letra fria da lei, como nos espelham os arestos colacionados pelos Embargantes em especial o aresto da lavra do Eminente Relator Celso pinheiro Franco, carreado aos autos a fls. 83/84, em cujo voto rico em fundamentos acolhe a pretensão dos adquirentes em caso semelhante. Ora, sendo o contrato de mútuo, por sua natureza, eminentemente intuito personae, era obrigação da Embargada ter pleno conhecimento das condições financeiras da construtora-mutuária ao longo da relação negocial, cabendo-lhe acautelar-se quando iniciou o inadimplemento por parte desta, intimando os adquirentes a lhe pagar diretamente o que vinham pagando àquela, mormente em se tratando de Sociedade de Crédito Imobiliário criada para viabilizar a política nacional da habitação e planejamento territorial, que visa a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria. Apesar de ter sido constituído o ônus hipotecário antes de os Embargantes adquirirem a unidade autônoma penhorada, contratando cientes do mesmo, o que se deve perquirir é se houve liberdade de contratar por parte dos adquirentes, ou seja, se aquiesceram, mediante livre manifestação de vontade, na constituição de tal ônus. 96 Ora, a liberdade de contratar não se verificou no caso vertente, à evidência, pois é fato incontroverso que a aquisição de casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação se dá através de contratos com cláusulas preestabelecidas, regulamentadas pelo Governo Federal. Assim sendo, contrataram sem efetivamente querer onerar sua unidade autônoma e garantir, com ela, dívida de outrem. Tal fato é crucial para vislumbrar-nos a dimensão da situação inferior em que é colocado o adquirente da casa própria em face do nosso ordenamento jurídico, no qual todas as regalias, garantias e abusos são concedidos aos detentores do capital, mesmo considerando-se que a Embargada está sujeita às normas do Sistema Financeiro da Habitação, instituído precipuamente para atender os reclamos habitacionais da população mais carente. O citado julgado tenta caracterizar o compromisso assinado entre a construtora e o compromissário comprador como contrato de adesão. Ora, o compromisso firmado não obedeceu às normas do SFH que, conforme alega a própria sentença, existe “com cláusulas preestabelecidas, regulamentadas pelo Governo Federal”. Tratou-se, então, de compromisso negociado e livremente firmado entre construtora e adquirente, e somente entre eles, com base no que acordaram entre si, sem obediência a nenhum contrato padrão ou a cláusulas pré-estabelecidas. O compromisso não foi firmado sob as normas do SFH. Não se caracteriza como contrato de adesão. O agente financeiro dele não participou nem foi informado! Portanto, se houve, ou não, liberdade para se contratar o compromisso de compra e venda, não pode a credora, parte alheia ao negócio, ser penalizada com a perda dos efeitos da hipoteca constituída legalmente e da qual o adquirente tinha conhecimento prévio da existência. Ora, ao assinar o compromisso onde constou cláusula específica dando notícia da existência da hipoteca, o adquirente aquiesceu e assumiu os riscos de tal cláusula decorrentes! Desnecessário, pois, qualquer comunicado posterior. Cabia a ele, adquirente que assumiu o risco, acompanhar os fatos e tomar, em relação a quem lhe prometeu vender, as medidas necessárias para fazer valer o contrato entre eles firmado. Assim se comportou a credora frente à sua devedora, manejando o instrumento judicial cabível que foi a execução da dívida. Diante desse fato, não há 97 que se acusar o agente financeiro de omisso. Fez o que legalmente podia fazer, e não podia mais que isso, como pretende o citado julgado. Evidente está que a não liberação da hipoteca conforme acordado entre a construtora e o promitente comprador não decorreu de ato ou omissão do agente financeiro, que nem parte era na relação contratual. Alegar que uma possível demora na providência da execução tenha prejudicado o promitente comprador é querer deslocar o foco da questão, é não admitir a realidade da omissão do próprio interessado, o adquirente. Além disso, é sabido que em negócios da magnitude de um financiamento imobiliário, a execução é o último recurso que se busca, depois de esgotados todas as alternativas negociais possíveis entre agente financeiros e seu cliente, a construtora. Esse processo pode, sim, levar tempo, mas não significa por si só que tenha havido omissão do agente financeiro. Nunca houve ligação jurídica entre agente financeiro e promitente comprador, quer seja no âmbito do SFH, quer seja fora dele! Se é hipossuficiente o adquirente, não o é frente ao agente financeiro, mas sim em relação a quem lhe vendeu. E o voto avança, transcrevendo mais o citado julgado: Como conceitua Saleilles, in de la personalitè juridique, lição XXII, p. 547, o abuso de direito é corretivo indispensável ao exercício do direito subjetivo, de forma a conciliar os direitos da comunidade e os do indivíduo. Alvino Lima, por seu turno, com maestria escreve, in Culpa e Risco: „O maior prejuízo social constitui, pois, o critério fixador do ato abusivo, no caso do abuso de direito, causando danos a terceiros, num erro de conduta imputável moralmente ao agente, mas no exercício de um direito causador de um dano socialmente mais apreciável. A responsabilidade surge, justamente, porque a proteção do exercício deste direito é menos útil socialmente do que a reparação do dano causado pelo titular deste mesmo direito...‟ E ainda: „Distinguem-se, pois, as esferas do ato ilícito e do abusivo, ambos geradores de responsabilidade; naquele transgridem-se os limites objetivos traçados pela própria lei, negando-se ou excedendo-se ao direito; no ato abusivo, há obediência apenas aos limites objetivos do preceito legal, mas fere-se ostensivamente a destinação do direito e o espírito da instituição.‟ Portanto, no caso vertente, não se pode cerrar os olhos à importante questão social posta em julgamento. Em momento algum foi noticiado aos Embargantes o inadimplemento da construtora, cuja obrigação por ela contraída junto à Embargada garantiam com suas unidades, a fim de que 98 alguma providência pudessem tomar para evitar o lesivo ato constritivo ora sub judice.” (fls. 411/414) A questão vista de forma isolada, remete para o perigoso campo do relativismo. Quando isto ocorre, é necessário que se pese acuradamente o risco de dano social advindo da questão posta. O julgado apela para o foco social pretendendo fazer, de um promitente comprador descuidado e omisso, a vítima. Não há que se dizer que em momento algum ele foi noticiado do inadimplemento da construtora para que pudesse tomar providências no sentido de evitar ato lesivo constritivo. Ao assinar compromisso em que se noticiava a existência da hipoteca o adquirente foi informado da existência de um compromisso entre construtora e o agente financeiro. Cabia a ele, portanto, ser diligente e vigilante na proteção de seu interesse, e não a terceiros. Ora, a função social do contrato firmado entre construtora e agente financeiro não se mistura á função social do compromisso firmado isoladamente entre adquirente e construtora. No primeiro, o escopo social é amplo e a função do contrato é permitir a construção das moradias, de forma a oportunizar a sua aquisição pelos interessados, por intermédio do SFH. No segundo, o escopo social é reduzido. Se fosse a contratação feita à luz das normas do SFH, o compromisso teria atingido sua função social de inserir o adquirente no rol daqueles possuidores da casa própria. Mas o compromisso foi maculado pela má-fé da construtora demonstrada no decorrer da vida contratual entre as partes, ao nunca providenciar o repasse dos recursos ao agente financeiro para permitir a baixa da hipoteca, além de ter havido a inércia do promitente comprador em fazer valer o seu direito frente á construtora. No caso concreto, o que o julgado realiza é exatamente o que previu a professora Daisy Gogliano: “Facilmente, a decantada função social pode tornar-se impregnada de ideologia, quando em nome dela o aplicador do Direito, segundo a sua concepção subjetiva, buscará um motivo para arrancar o contrato de seu equilíbrio natural.167 _____________ 167 GOGLIANO, Daisy. A Função Social do Contrato (Causa e Motivo). In: Revista Jurídica – Doutrina Cível, n. 334. São Paulo. 2005, p. 39. 99 Não pode ser socialmente defensável a teoria de que o erro isolado de um adquirente que contratou mal, fora do SFH, correndo e assumindo os riscos, possa causar prejuízo a terceiro que não participou da relação contratual, o agente financeiro, em detrimento de enriquecimento ilícito de quem agiu de má-fé ao não cumprir o acordado, a construtora. Esqueceu-se o julgado que, diferentemente do adquirente do caso concreto, outros adquirentes que agiram conforme a lei, com cuidado, e contrataram corretamente, pelas vias regulares conforme estabelecem as regras do SFH, não tiveram prejuízo, nem causaram danos ao perfeito funcionamento previsto pelo Sistema e de interesse social. Privilegiar o erro individual em detrimento do socialmente correto é, isto sim, agir contra o social. Julgar nesse sentido é não observar a função social do contrato. O adquirente tem direito frente a quem lhe vendeu, de exigir a liberação da hipoteca, mas não o tem em relação à credora, que jamais cometeu ato ilícito ou abusivo. Quanto à alegada inércia da credora, aparentemente não procede tal entendimento. O agente financeiro tomou, sim, as medidas assecuratórias cabíveis: por primeiro, constituindo legalmente a hipoteca do empreendimento; por segundo, buscando a execução da dívida quando julgou ser o momento oportuno em sua convivência contratual com a construtora. Não cabia ao agente financeiro o dever de avisar ou proteger quem – sem o seu consentimento ou conhecimento – adquiriu (mal) imóvel garantidor de crédito por hipoteca. Assim, embora seja excelente a lição de Aníbal Lima, não se aplica ao caso, porque não se tratou de ato abusivo. 5. Ainda considero que a financiadora instituiu a construtora sua mandatária, a evidenciar que apenas desta tem a receber, conforme ficou bem evidenciado no voto do em. Dr. Remolo Palermo, quando do julgamento da apelação: “Com efeito, examinando-se o contrato de „Mútuo‟ e garantia hipotecária, de fls. 110/123, verifica-se que a financiadora instituiu como sua mandatária a Construtora Marcovena S/A, que depois foi adquirida pela „UNIMOV‟, que incorporou a obra, podendo compromissar as vendas e receber o preço das unidades para repasse em seguida. É o que se vê das cláusulas 10 1 22, do contrato de financiamento, às fls. 118/119 dos autos, sendo certo que, no caso, em não tendo havido o repasse dos créditos pela mutuária à mutuante, os adquirentes por tal 100 descumprimento não podem responder com suas unidades porque integrariam elas a garantia hipotecária. Assim, face aos termos do contrato a mutuante, em verificando a inadimplência da mutuaria e sabedora das vendas, deveria notificar os compromissários para que passassem a pagar seus débitos diretamente em seus escritórios. E não simplesmente aguardar os débitos se avolumarem para, escudando-se na garantia hipotecária, executar os adquirentes, que não foram inadimplentes, que cumpriram com seus compromissos e que se encontram na posse direta dos imóveis. Portanto, a execução da mutuária, no caso, não pode prejudicar os direitos dos compradores, eis que não se houveram com culpa, sendo que o mesmo não se pode afirmar em relação á embargada.” (fls. 510/511) Essa argumentação não mais se sustenta depois do que aqui já se apresentou. Uma vez mais a argumentação é direcionada no sentido de tentar-se aplicar o “dever ser” do SFH ao caso concreto, que ocorreu totalmente à revelia das normas do Sistema. O agente financeiro contratou sim, a possibilidade de celebração de compromisso de compra e venda; mas objetivando que ocorresse o “repasse em seguida”, que significa de imediato. Para isso ser possível, os contratantes do compromisso de compra e venda deveriam “em seguida” à sua assinatura, ter comunicado o fato à credora e repassado o produto da venda em amortização da dívida. Não o fizeram. O direito real da hipoteca pode e deve, prevalecer sobre o direito real do compromitente comprador porque, sem sombra de dúvida, foi constituído anteriormente, de forma idônea e legal, ao contrário do direito do compromissário no caso concreto: constituído sem o cuidado que a boa prática indica. Tem sim, a credora, direito à execução e penhora do bem, em decorrência do direito de seqüela. 6. Por fim, refiro que esta eg. Quarta Turma já apreciou situação assemelhada, quando do julgamento do REsp nº 78.459/RJ, e assim decidiu: “Embargos de terceiro. Promessa de compra e venda. Execução hipotecária. Imóvel financiado pelo SFH. O promissário comprador que adquire imóvel financiado pelo SFH e emite notas promissórias em favor da construtora, que as cede fiduciariamente ao agente financeiro, tem ação de embargos de terceiro contra a penhora do seu apartamento, efetuada na execução promovida pela financeira, ou por quem o (sic) substituiu, contra a construtora e promitente vendedora, pois a sua responsabilidade se limita ao pagamento do seu débito, que pode ser executado diretamente contra ele pela credora que recebeu os títulos em cessão fiduciária. 101 Recurso conhecido e provido” Uma vez mais o teor do julgado denota ausência de argumentos sólidos e tanto isto é fato que, como último recurso, lança exemplo de decisão da Quarta Turma (REsp nº 78.459/RJ) totalmente diferente do caso concreto. O exemplo colado diz respeito a “promissário comprador que adquire imóvel financiado pelo SFH e emite notas promissórias em favor da construtora, que as cede fiduciariamente ao agente financeiro”. Aqui, sim, dentro das normas do SFH, foram emitidos os títulos de créditos resultantes do compromisso de venda do imóvel e tais títulos foram efetivamente cedidos fiduciariamente ao agente financeiro, totalmente diferente do que ocorreu no caso que se julga. Não há que se falar em semelhança. Entretanto, assim entendeu o julgador que assim finaliza seu emblemático voto: “7. Por isso, conheço do recurso, por ofensa aos dispositivos legais acima citados e lhe dou provimento para restabelecer a r. sentença. É o voto”. Aqui termina a análise do voto que pioneiramente apresentou o entendimento no âmbito do STJ, de que a hipoteca constituída antes da celebração da promessa de compra e venda, não teria eficácia perante os adquirentes do imóvel. À época em que foi proferido o voto que posteriormente foi considerado paradigma, tramitavam nos tribunais centenas de processos tratando de casos parecidos, à sombra do rumoroso caso da falência da ENCOL, sendo que a maioria tratava de hipotecas constituídas depois dos compromissos de compra e venda, casos esses em que a defesa da ineficácia da hipoteca apresentava-se coerente. Assim, tudo indica que essa realidade, aliada ao apelo dramático que tais casos possuem, tenha nublado a visão dos julgadores e feito deslizar a razão pelos trilhos do relativismo, levando-se à uma conclusão formatada para um caso específico, mas que se tornou genérica e, aplicada de forma massificada e sem levar em conta as particularidades de cada caso, tornou-se um paradigma. 102 6.4 A questão da Teoria das Redes Contratuais Para o bem da verdade, julgamos ser necessário tratar aqui, de teoria jurídica recente que justificaria a existência de deveres que extrapolam a própria relação contratual em si, fazendo efeitos fora dela. Estamos falando da Teoria das Redes Contratuais, estudada no capítulo 5 deste trabalho. Tratando do assunto, especificamente em relação á Súmula 308 do STJ, o ilustre professor Rodrigo Xavier Leonardo, aponta: Ocorre que, sob a perspectiva tradicional da teoria geral dos contratos, a celebração de contratos de fornecimento de crédito (mútuo) e contratos de compra e venda entre partes diferentes, mediante instrumentos contratuais diferentes, não poderia resultar em nenhuma comunicação inter-eficacial. Ora, segundo o princípio dos efeitos relativos, cada contrato é res in t er alio s act a, aliis n eq u e n o cet n eq u e p ro d est . Noutras palavras: o contrato gera efeitos apenas entre as partes, não gerando benefícios nem 168 tampouco ônus para quem não participou do ato de auto-normatização. Assim é que no caso concreto, uma vez que o agente financeiro não participou da relação contratual havida entre construtora e adquirente, por meio do compromisso de compra e venda, não haveria como tal contrato gerar efeitos, positivos, ou negativos, em relação ao agente financeiro. Isto, à luz da tradicional teoria contratual. A teoria das redes contratuais vem explicar a possibilidade de geração de efeitos para fora da relação, de forma a alcançar terceiros não diretamente ligados a um determinado contrato. Explica o mesmo professor: A noção de redes contratuais remete o intérprete ao reconhecimento de que entre relações contratuais aparentemente diversas pode haver um determinado vínculo capaz de gerar conseqüências jurídicas autônomas – verdadeiros efeitos para-contratuais, para além das fronteiras dos contratos 169 singulares. Entretanto, o mesmo autor alerta: _____________ 168 LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo Superior Tribunal de Justiça. Conferência. IV Curso de formação continuada da Escola Superior da magistratura do Estado do Maranhão. Disponível in: < http://www.rodrigoxavierleonardo.com.br/ arquivos/20071112140750.pdf>. Acesso em 11 fev. 2008. 169 IDEM. 103 É importante frisar que uma rede de contratos não pode ser confundida com um simples conjunto de contratos ou com uma pluralidade de contratos aleatoriamente disposta. Para haver uma rede contratual, é necessário que entre os dois ou mais contratos que formam o sistema exista um vínculo funcional, um nexo objetivo, que justifique a percepção de uma rede: a ligação entre os diversos contratos deve refletir uma mesma operação 170 econômica que é propiciada ou potencializada pela união referida. E vai mais além: A unidade dos elementos pertencentes ao sistema criado por uma rede contratual se dá mediante a averiguação objetiva dos seguintes requisitos: a) conexão entre os contratos; b) o surgimento de uma causa sistemática: c) 171 a verificação de um propósito comum. A falta de qualquer um desses elementos impede a existência de uma 172 verdadeira rede de contratos. No citado artigo, o Professor Rodrigo Xavier Leonardo, fazendo referência a voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 316.640/PR173 e ao Voto Paradigma já neste trabalho analisado, ressalta que esses julgados, embora em nenhum momento especifiquem a situação de existir uma “rede contratual”, reconhecem a existência de uma única operação econômica, apesar de “afirmar-se a diversidade de relações jurídicas existentes entre incorporador, instituição financeira e consumidor”. Daí conclui o professor estarem os julgados inferindo tratar-se de “relações jurídicas contratuais unidas em rede”.174 Ocorre, como já visto neste trabalho, que toda a fundamentação dos referidos julgados tomou como parâmetro a situação do “dever ser” para obter suas conclusões, e não a do caso concreto. Imaginou-se a operacionalização de financiamento de empreendimento residencial e a posterior venda das unidades _____________ 170 LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo Superior Tribunal de Justiça. Conferência. IV Curso de formação continuada da Escola Superior da magistratura do Estado do maranhão. Disponível in: < http://www.rodrigoxavierleonardo.com. br/arquivos/20071112140750.pdf>. Acesso em 11 fev. 2008. 171 IDEM. 172 IDEM. Redes Contratuais no Mercado Habitacional.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P. 148. 173 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.° 316.640-PR. 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, J. 18 mai. 2004. Disponível em <http://www.stj.gov.br> Acesso em: 22 jul. 2007. 174 LEONARDO, Rodrigo Xavier. A súmula nº 308 e a adoção da teoria das redes contratuais pelo Superior Tribunal de Justiça. Conferência. IV Curso de formação continuada da Escola Superior da magistratura do Estado do maranhão. Disponível in: < http://www.rodrigoxavierleonardo.com.br /arquivos /20071112140750.pdf>. Acesso em 11 fev. 2008. 104 habitacionais construídas na forma prevista pelo SFH, e não na forma que efetivamente ocorreu, na situação em julgamento. Concorda o autor deste trabalho que é aplicável na situação ideal de financiamento, construção e venda dos imóveis, a aplicação da Teoria das Redes Contratuais. Entretanto, não se aplica dita teoria no caso em que duas partes, de forma isolada e sem que a terceira (agente financeiro) tome conhecimento, celebram entre si contrato restrito, deixando de existir o dever lateral de transparência entre as partes, procurando fugir do “propósito comum” que se efetivaria com o repasse do resultado da venda ao agente financeiro. É o que se depreende da obra do referido professor que, nos casos de constituição de hipoteca depois de firmados os compromissos de compra e venda entre a construtora e os adquirentes, ensina: A despeito de inexistir relação jurídica contratual direta da instituição financeira com o consumidor, ainda assim, reconhece-se o dever lateral sistemático de transparência como peça fundamental para o regular funcionamento da rede. Nesse sentido, pode-se dizer que, quando um terreno é hipotecado para garantir financiamento concedido à construtora para realização de empreendimento imobiliário destinado à venda para consumidores, para que sejam oneradas as unidades construídas, é necessário que os compromissários compradores sejam avisados da constituição do gravame 175 e concordem com essa disposição. Ora, do texto pode-se concluir que, do mesmo modo, no caso de hipotecas constituídas antes de celebrados os compromissos de compra e venda, para o regular funcionamento da rede é necessário que o agente financeiro seja avisado da celebração dos compromissos, de forma a cumprir-se “o dever lateral sistemático de transparência, fundamental para o regular funcionamento da rede”. Se isto não ocorre, não funciona a rede contratual. No caso concreto isto não ocorreu, portanto, não há que se aplicar ao caso a Teoria das Redes Contratuais. _____________ 175 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P. 232. 105 CONCLUSÃO Realizado o estudo dos principais institutos de direito envolvidos na questão levantada pela edição da Súmula 308 do STJ, bem como analisado criteriosamente o Voto Paradigma e outros julgados pertinentes, chega-se ao final do trabalho proposto. Do questionamento inicialmente posto, conclui-se que, à luz dos estudos realizados, não devem prevalecer integralmente as argumentações que resultaram na Súmula 308. Entende o autor deste trabalho que: a) para as hipotecas registradas depois de celebrados os compromissos de compra e venda entre construtora e adquirentes dos imóveis, é perfeitamente aplicável o teor da súmula, não devendo tais hipotecas ter eficácia frente aos compromissários compradores; b) entretanto, a hipoteca constituída antes de celebrados os compromissos de compra e venda deve ser prestigiada, em sua condição de direito real de garantia. Somente em casos muito específicos, em que se comprove sem sombra de dúvida ter havido culpa da instituição financeira para o prejuízo, a hipoteca celebrada antes da promessa de compra e venda perderia a eficácia perante terceiros adquirentes do imóvel. Das experiências vivenciadas pelo pesquisador em suas atuais atividades profissionais como empregado da Empresa Gestora de Ativos – EMGEA, empresa pública sucessora da Caixa Econômica Federal nos créditos decorrentes de financiamentos concedidos a empresas construtoras, a maioria deles no âmbito do SFH, nota-se que têm ocorrido desvios na aplicação do que inicialmente se pretendeu com a edição da Súmula 308 do STJ. Derivadas da decisão sumulada, e muitas vezes sem o aprofundamento necessário no estudo de cada caso, mas tão somente alegando-se a incidência da referida súmula, diversas sentenças judiciais estão determinando a liberação das hipotecas de unidades vendidas pelas construtoras a terceiros, sem a anuência da 106 credora, mas com o prévio conhecimento, pelos adquirentes, da existência do gravame hipotecário. Tal procedimento vem causando sérios prejuízos aos cofres públicos, notadamente em relação aos financiamentos originariamente contratados pela Caixa Econômica Federal e outros bancos estatais, simplesmente porque, de modo geral, os juízes nem chegam a apreciar detalhadamente o caso isolado, impondo-lhes a solução sumulada como paradigma intocável. Importante registrar que casos isolados existirão, onde será perfeitamente aplicável o entendimento que se extrai dos julgados que resultaram na súmula, inclusive em se tratando de hipotecas firmadas antes da celebração dos compromissos de compra e venda, a depender de fatos específicos que possam demonstrar, sem sombra de dúvidas, ter sido a instituição financeira quem deu causa ao prejuízo. Esta foi a observação feita pelo Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Maringá: Entendo que a dimensão da mencionada súmula deve ser bem considerada, sob pena de levar risco de desestruturação ao sistema de financiamento habitacional, por destruição da garantia real de retorno do capital público emprestado. Penso que deve ser aplicada com redobrado cuidado em situações especiais, para proteção de interesses de pessoas ou grupos desinformados, onde fique evidenciado uma omissão importante e culposa do agente financeiro. De outra forma, aplicada em qualquer caso que preencha condições meramente formais, em quantidade massificada pelo país afora, coloca em risco a sustentabilidade do sistema de financiamento habitacional, a cargo da empresa pública CEF, responsável pela alocação e retorno dos recursos financeiros, com possíveis reflexos para o FGTS, fundo público de proteção ao trabalhador que lastreia os financiamentos. Assim como o direito de moradia, a natureza pública dos recursos e a necessidade de retorno dos financiamentos têm importância fundamental, não podendo ser desconsiderado em qualquer caso. O ordenamento jurídico é pródigo em indicativos de preferência e cuidado com o interesse público. A Constituição veda usucapião sobre bens imóveis públicos. A Lei nº 5.741/71, art. 20, estabelece que é crime a invasão ou ocupação de imóvel objeto de financiamento do SFH. O subsídio com dinheiro público somente pode ser concedido por lei. A transferência de responsabilidade particular ao Poder Público, neste caso a CEF, agente de política social pública do Poder Executivo Federal, somente 107 pode ocorrer, mesmo no âmbito do judiciário, em caso de culpa 176 justificável. Assim, em que pese o elevando conhecimento dos julgadores, estamos convictos que a Súmula 308 do STJ, em sua redação atual, trata-se de equívoco nascido de solução que se pretendeu dar a caso único, alegando alcance social, mas que serviu de paradigma, permitindo que outros Juízes a aplicassem em casos concretos diferentes, causando prejuízos para as instituições financeiras, na maioria das vezes estatais, e permitindo o enriquecimento ilícito de quem agiu com notória má-fé, as construtoras e incorporadoras. Certo é que casos existem em que as construtoras e incorporadoras são também vítimas das circunstâncias e comprovam que agiram de boa-fé, merecendo deslinde diferenciado. O que não se pode aceitar passivamente é que, sob a alegação de aplicação do novo direito contratual pós-moderno, uma decisão isolada seja massivamente estendida a milhares de outros casos, sem nenhum controle como o permite a redação atual da súmula, generalizando o que seria específico, consagrando o enriquecimento ilícito e atribuindo o prejuízo a terceiros que não deram causa. Conclui-se, pois, que, ainda que sob o ângulo da teoria contratual pósmoderna, a Súmula 308 do STJ está a merecer reparos em sua redação, de forma a evitar a consagração da injustiça. _____________ 176 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ação Ordinária- Procedimento Comum – Ordin nº 2005.70.03.006364-4/PR – Sentença em 22. Ago. 2007. Juiz: José Jácomo Gimenes. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfpr&documento =1886178&DocComposto=&Sequencia=&hash=e740710b60ed119b05b769760c0ba97a> 108 REFERÊNCIAS ALVES, José Carlos Moreira. 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