reflexos da exploração do petróleo no território fluminense
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reflexos da exploração do petróleo no território fluminense
Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 240 REFLEXOS DA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO NO TERRITÓRIO FLUMINENSE: IMPACTOS, NORMATIVAS E INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS. Maria de Lourdes Pinto Machado Costa(a), Aline Couto da Costa(b), Diana Bogado Correa da Silva(c). a - Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Federal Fluminense UFF ([email protected]) b - Professora dos Cursos de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Engenharia de Produção Institutos Superiores de Ensino do CENSA - ISECENSA ([email protected]) c - Acadêmica da EAU - Programa PIBIC / Universidade Federal Fluminense ([email protected]) Resumo Esta contribuição tem seus fundamentos nos resultados obtidos no desenvolvimento de pesquisas, nas quais se investigou os municípios do Estado do Rio de Janeiro que convivem com o processo de urbanização, proveniente de uma das atividades econômicas mais dinâmicas do País e do Estado: o setor de petróleo e gás. Identifica impactos positivos e negativos ocorridos sobre este universo e inúmeras transformações que vêm se processando nos espaços urbanos e rurais locais, geralmente com reflexos nas respectivas escalas microrregionais segundo diversas naturezas, contemplando questões afetas às administrações locais, aplicação evolutiva de normativas atinentes àquelas atividades, com ênfase nos municípios litorâneos, no pós-1990. Constata o quadro geral de modificações relativas às ações municipais com os royalties, e procura extrair das observações efetuadas sobre os municípios, os rebatimentos sócio-espaciais, com implicações econômicas, culturais, ambientais e institucionais, mediadas pela gestão pública, políticas urbanas e intervenções urbanísticas materializadas no período. Palavras-chave: Urbanização, Intervenções Urbanísticas, Royalties do Petróleo, Municípios Fluminenses, Estado do Rio de Janeiro Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 241 Introdução O território Fluminense, as administrações municipais e o advento do Petróleo O território no Estado do Rio de Janeiro tem formação antiga de sua malha de comunicações terrestres, algumas desde a época de colonização das terras brasileiras, a partir do início do século XVI, com as ordens política e econômica precedendo a social, no curso de seu desenvolvimento. As administrações municipais ganharam atribuições ao longo do tempo. Mas só em 1946, a Constituição estabeleceu princípios mais próximos da atual organização municipal. Porém, a sobrevivência da maior parte dos municípios ficou, até recentemente, na dependência dos fundos especiais federais. Na Constituição de 1988, cresceu a competência municipal, inclusive tributária, ocasião em que se estabeleceu, entre outros, critérios para a emancipação de municípios. As atribuições municipais foram ampliadas, somando-se ao que possuía, em termos do uso e ocupação do solo. Mas o trazer maior responsabilidade sobre a gestão de seu território, conviveu com o peso dos encargos nem sempre acompanhados de respaldo financeiro imediato em seus respectivos orçamentos. Assim, os municípios estiveram cativos de suas receitas próprias e transferidas. Com a descentralização administrativa, tornou-se necessário o aumento de recursos a serem disponibilizados aos municípios: Fundo de Participação dos Municípios (FPM), repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). No caso do Estado do Rio de Janeiro ainda há o repasse dos royalties do petróleo, já que possui em seu território uma importante província petrolífera do Brasil. Com o advento da exploração e produção offshore do petróleo nos municípios litorâneos, a maioria lindeira à Bacia de Campos, a aplicação dos recursos provenientes da arrecadação geralmente vinha alocada no distrito-sede, passando, Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 242 posteriormente, a ser também destinada às sedes distritais dos municípios emancipados1. A atividade petrolífera configurou um novo ciclo econômico, que acelerou o crescimento das cidades, principalmente quanto ao processo de urbanização. O repasse regular dos recursos financeiros provenientes dessa atividade possibilitou muitos investimentos aos municípios beneficiários, tornando-se um instrumento expressivo no planejamento e na gestão urbana. Entre muitos eventos que se tornaram correntes em relação à urbanização provocada pela nova atividade - seja pós emancipações municipais, seja pela emergência de inúmeros interesses neste cenário, seja pela chegada de diferentes atores sociais – está o fato de certos municípios se ressentirem com a nem sempre gradativa mudança no perfil de sua população, por causa da assimilação precoce de diversas identidades exógenas, em comparação àquela dos moradores até então presentes. O dinamismo da integração aos eixos de expansão da urbanização e crescimento demográfico2 - à remodelação dos espaços urbanos com equipamentos que traduzem a anunciada lógica de bem-estar e modernidade, à especulação imobiliária, à estruturação do mercado de trabalho e à vinda de pessoas de fora do município para nele trabalhar - geram desafios crescentes quanto à recomposição das identidades locais. O ritmo vertiginoso do crescimento tem, em grande parte, desencadeado descaracterizações de diferentes naturezas, sobretudo físicas e ambientais, em 1. Entre 1986 e 1990, foram instalados: Arraial do Cabo, Italva, São José do Vale do Rio Preto, Paty do Alferes, Itatiaia e Quissamã. Em 1993, mais onze municípios: Cardoso Moreira, Belford Roxo, Guapimirim, Queimados, Quatis, Varre-Sai, Japeri, Comendador Levy Gasparian, Rio das Ostras, Aperibé e Areal. Outros dez se instalaram em 1997: São Francisco de Itabapoana, Iguaba Grande, Pinheiral, Carapebus, Seropédica, Porto Real, São José de Ubá, Tanguá, Macuco e Armação dos Búzios. O mais novo município fluminense é Mesquita, (2001). Hoje são 92 municípios no total, no Estado do Rio de Janeiro. 2. Cf. COSTA, M. L. P. M. Reestruturação do Território no Processo de Urbanização - Dispersão Urbana no Estado do Rio de Janeiro. Mesa de Interlocução de Pesquisa O Processo de Urbanização e as Formas de Tecido Urbano mais Recentes Manifestadas sobre os Territórios. XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vitória: UFES, 2010. Os resultados do estudo apontaram para: consolidação de eixos e formação mais recente de corredores de urbanização no Estado do Rio de Janeiro (um deles provocado pelas atividades do petróleo), criação de centralidades em função de novos pólos econômicos e de nova territorialidade, devido à presença de grandes projetos regionais. Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 243 decorrência da chegada dos grandes contingentes populacionais e da ação desses atores externos à municipalidade. O quadro é em geral agravado pela deficiência generalizada de prestação dos serviços públicos e da disponibilização de equipamentos comunitários. Metodologia Em termos gerais, a pesquisa contou com expressivos levantamentos de fontes primárias e secundárias, leitura de bibliografia selecionada, com a análise e a interpretação de dados e informações disponibilizadas pelos órgãos públicos e instituições privadas, com montagem de um panorama relativo à influência dos royalties do petróleo no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro e de seus Municípios. Apoiou-se em visitas de campo locais e na realização de entrevistas junto a técnicos e representantes de instituições e entidades de interesse da investigação, que acompanharam a elaboração de diretrizes e propostas de intervenções, bem como de moradores locais, no contexto da exploração petrolífera no território fluminense. Buscou-se compreender como a atividade petrolífera se instalou no universo estadual, com sua formação de muitas singularidades, a alocação de políticas que influenciaram as dinâmicas das Regiões de Governo Fluminenses, destacando-lhes os marcos e inflexões nos municípios conviventes com a exploração, desenvolvimento e produção do petróleo na ocupação costeira do Estado. O petróleo como motor da transformação O petróleo sempre mobilizou a sociedade brasileira. Tema importante para a soberania nacional e recorrente ao se discutir o desenvolvimento do País, a atividade petrolífera traz um alerta desde a primeira metade do século XX, com a discussão do “Petróleo é nosso”3. A descoberta de petróleo na Bacia de Campos (Figs. 01 e 02), sua exploração em escala comercial e a implantação de uma base operacional da Petrobras em Macaé, para o acompanhamento da exploração e produção, fizeram com que a partir da 3 Uma breve recuperação de momentos desse percurso faz recordar alguns fatos, entre eles: pressão para que o monopólio exercido pela Petrobrás nas atividades básicas do petróleo e gás fosse extinto, através da Constituinte de 1987/88, confrontação de forças por ocasião da Revisão Constitucional, em que se manteve o quadro e a disseminação de idéias neoliberais favorecendo a privatização da empresa, com a suspensão do referido monopólio constitucional, por força da Lei 9478/1997. Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 244 década de 1980 o estado visse refletido o crescimento dos então núcleos urbanos que lhes deram abrigo, assim como o aumento de sua arrecadação, além do aparecimento de novos agentes, de comércio e serviços, e de subsidiárias da indústria do petróleo. Esta indústria é reconhecida pela Agência Nacional de Petróleo (2000) como o conjunto de atividades econômicas relacionadas com a exploração, desenvolvimento, produção, refino, processamento, transporte, importação e exportação de petróleo, gás natural outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados. Figura 01: Mapa Descobertas dos campos de petróleo. Fonte: PETROBRAS, 2008. Figura 02: Mapa: Litoral do Estado do Rio de Janeiro, delimitado pela projeção dos limites municipais (ortogonais e paralelos) e a posição dos poços produtores de petróleo e gás natural que compõem a Bacia de Campos. Fonte: PIQUET (2003) Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 245 Deve-se ressaltar que nos últimos anos, a indústria do petróleo que se configurou a partir das atividades de pesquisa, exploração e produção transformaram profundamente a economia, a sociedade e o território dos municípios produtores brasileiros. No entanto, mais do que a própria formação da indústria petrolífera, foram os royalties que contribuíram fundamentalmente para tais mudanças. A princípio, julga-se que os royalties, por ser uma espécie de pagamento associado à venda de um bem do patrimônio público, devem ser direcionados somente ao governo federal, já que no Brasil os recursos naturais do subsolo pertencem à União. No entanto, algumas justificativas fundamentam a aplicação destas compensações financeiras recolhidas pela União, nas regiões produtoras. Uma delas é que o processo de implantação da atividade petrolífera gera uma elevada demanda por serviços públicos e infra-estrutura em geral. Há também a necessidade de se indenizar ou de se compensar os impactos causados por essas atividades. Ademais, é preciso analisar a questão que envolve a qualidade finita do adensamento urbano causado pela atividade petrolífera, caracterizado pelo cenário previsível de movimentos de saída de capitais e de pessoas nos territórios que atendem à atividade de exploração de recursos não renováveis (LEAL, SERRA, 2003). Embora bastante questionadas quanto ao aspecto quantitativo, duas questões básicas devem ser consideradas em relação aos critérios de distribuição dos recursos provenientes dos royalties. A primeira é que eles são compensatórios em função da Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 246 venda de um bem do patrimônio público da União e, por isso, sua administração deve considerar a justiça intergeracional. A segunda refere-se aos contextos regionais e locais, já que estes devem buscar a diversificação produtiva como alternativa à finitude prevista destes recursos. Além da compreensão da divisão dos royalties em esferas governamentais distintas, a apresentação da matriz legal, que fundamenta essa distribuição, possibilita o entendimento de como ocorreram as mudanças no regimento tributário do setor petrolífero. Anteriormente, a carga fiscal recaía sobre o consumo de derivados, sendo a produção praticamente desonerada de impostos. Com as novas regulamentações, a partir da década de 1950, um novo regime passou a tributar fortemente a produção, aumentando os valores dos royalties e, no final dos anos 1990, estabelecendo a participação especial. Consequentemente, diversas normativas que regulam a cobrança e a distribuição dessa compensação financeira foram criadas e/ou alteradas a fim de dar respaldo aos impactos da economia petrolífera, produzindo transformações significativas na organização e produção do espaço. Evolução das normativas de distribuição dos royalties em face das transformações e respectivas demandas A Lei 2.004 de 03 de outubro de 1953 foi a primeira a introduzir o pagamento de royalties sobre a produção de petróleo e gás natural no Brasil, estabelecendo o valor da compensação em 5% do valor de referência do barril, em relação à produção terrestre (onshore), ou seja, em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres. Com isso, beneficiou estados e municípios, dividindo essa alíquota respectivamente em 4% e 1%. A incidência de royalties sobre a produção marítima (offshore) ocorreu com o Decreto-lei 523, de 08 de abril de 1969, mas estados e municípios só foram beneficiados a partir da Lei 7.453, de 27 de dezembro de 1985, com alíquota de 1,5% cada. Essa lei teve um caráter inovador na medida em que estabeleceu que os municípios deveriam aplicar os recursos previstos, preferencialmente, em energia, pavimentação de rodovias, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ao meio-ambiente e saneamento básico. Em 1986, a Lei 7525 alterou o termo Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 247 preferencialmente por exclusivamente, evidenciando a preocupação com a infraestrutura das cidades que já sofriam os impactos da indústria petrolífera. Nesse momento, constatou-se uma transformação do perfil produtivo dos municípios da Bacia de Campos. As atividades econômicas tradicionais em crise, como a indústria salineira e a produção de cana-de-açúcar, associada à pecuária bovina, deram lugar à indústria do petróleo. O processo foi bastante percebido nos municípios litorâneos, que receberam atividades industriais e terciárias, provocando um dinamismo demográfico e, consequentemente, significativas transformações na produção do espaço. Um dos exemplos foram as novas estruturas espaciais decorrentes das dinâmicas no processo de (re)distribuição da população no território das cidades. A mão-de-obra pouco qualificada tendeu a residir nos pólos produtivos, geralmente em áreas periféricas, mas os mais qualificados estabeleceram estratégias residenciais diferenciadas, ocupando bairros novos e exclusivos nas mesmas cidades ou instalaram-se em municípios vizinhos menores por oferecerem melhor qualidade de vida (MONIÉ, 2003). Aliada à indústria do petróleo, a consolidação do turismo como estratégia de diversificação da economia aumentou os impactos na região. Dessa forma, a ocupação do solo em vários municípios litorâneos da Bacia de Campos refletiu a mudança na economia do lugar e se deu sob duas formas: a legal, através de parcelamentos destinados a residências de veraneio e de um novo contingente de mão-de-obra qualificada; e a ilegal, com as áreas de ocupação que se desenvolveram de maneira espontânea, dando origem a um traçado bastante irregular. Posterior à promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Lei 7.990 de 28 de dezembro de 1989 alterou a distribuição dos royalties em terra e na plataforma continental. Manteve o valor da alíquota em 5%, que para a produção onshore, ficou dividida em: 70% (que corresponde a 3,5%) aos estados produtores, 20% (ou 1%) aos municípios produtores, e 0,5% (ou 1%) aos municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de petróleo e gás natural. No caso da produção offshore, coube 1,5% aos estados confrontantes com os poços produtores, 1,5% aos municípios confrontantes com os poços produtores e suas respectivas áreas geoeconômicas, 0,5% aos municípios com instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, 1% ao comando da Marinha, e 0,5% para Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 248 constituir um Fundo Especial a ser distribuído entre os Estados e Municípios da Federação4. Isso beneficiou ainda mais os municípios, pois o Fundo Especial passou a ser dividido na proporção de 80% para os municípios e 20% para os estados. Além disso, acrescentou 10% aos municípios onde se localizassem instalações de embarque e desembarque de petróleo ou de gás natural; sendo que para acomodar esta alteração, o percentual dos estados foi reduzido de 80% para 70%, para a lavra ocorrida em terra; e o percentual do fundo especial foi reduzido de 20% para 10% para a lavra ocorrida na plataforma continental. Entretanto, a mesma normativa suprimiu a exigência setorial de destinação desse recurso, apenas vedando a aplicação dos mesmos em pagamentos de dívidas e quadro de pessoal, caracterizando um retrocesso, que foi retificado com o Decreto 01, de 11/01/1991, mas novamente alterado com a Lei do Petróleo (1997). A Lei 9.478, de 06 de agosto de 1997, ou Lei do Petróleo, trouxe mudanças significativas quanto à política energética nacional, instituindo o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que ficou responsável pelo controle e distribuição dos royalties. Quanto ao valor de compensação, possibilitou o aumento da alíquota de 5% até 10% em função da rentabilidade dos campos petrolíferos, definindo critérios de distribuição desse excedente, que também beneficiaram estados e municípios. Ademais estabeleceu, nos casos de grande volume de produção ou de grande rentabilidade, o pagamento da participação especial. O Estado do Rio de Janeiro contou com arrecadação extra, a partir de meados dos anos 1990, com a exploração do Petróleo na Bacia de Campos, responsável por cerca de 80% relativa à produção de petróleo e 49% concernente ao gás natural, sobretudo pela arrecadação advinda dos campos de Albacora, Marlim e Roncadoro (ANP, 2000), 4 Considerando a disposição geográfica dos poços de extração do petróleo, foram determinadas três zonas: ZPP (Zona de Produção Principal), ZPS (Zona de Produção Secundária) e ZL (Zona Limítrofe). Os municípios da ZPP são os confrontantes com poços produtores e aqueles que possuem três das seguintes instalações industriais: processamento, tratamento, escoamento e armazenamento de petróleo e/ou gás natural, de acordo com a Lei No. 7.525/1996(z), a partir de delimitação feita pelo IBGE, através do decreto No. 93.189, de 29 de agosto de 1986. A ZPS atinge aqueles atravessados por dutos de escoamento da produção do poço produtor e a ZL atinge aqueles que indiretamente são afetados pelas atividades petrolíferas, e são vizinhos aos da ZPP. (BARRETO, 2008). Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 249 que ao mesmo tempo geraram pagamento das participações especiais aos municípios vizinhos. Também o Estado do Rio de Janeiro repassou a todos seus municípios uma parcela retirada dos 6,56% que recebeu pelos royalties, independente do rateio da ANP (BARRETO, 2008). A produção do petróleo na Bacia tem trazido um aumento gradativo nos orçamentos municipais em geral, com percentagem crescente nas receitas dos municípios, influenciando seus diferentes setores. As receitas próprias, referentes ao Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU e ao Imposto sobre Serviços - ISS, vêm se tornando relativamente menores perante a presença dessa nova arrecadação, na maioria das vezes sendo ultrapassadas por ela. A partir da Lei 9.478/97, mais do que qualquer outra atividade econômica e mais do que qualquer outro instrumento - como a arrecadação de impostos, por exemplo foram os royalties que se tornaram a principal fonte de renda para os municípios beneficiários. Com a preocupação com a questão da finitude destes recursos, as administrações municipais optaram pelo incentivo ao turismo, como estratégia de dinamização da economia. Sendo assim, foram realizadas obras de infra-estrutura com o objetivo de agregar valores à cidade e atrair pessoas e empreendimentos. Em função disso, foi iniciada uma fase de planejamento para a execução de projetos de urbanização, paisagismo, infra-estrutura e embelezamento da cidade, sendo estes instrumentos mais voltados para o impulso ao turismo e à prestação de serviços hotelaria e gastronomia, comércio, construção civil, dentre outros -, consolidando-os enquanto principais atividades econômicas dos municípios litorâneos da Bacia de Campos. No entanto, os royalties nem sempre são distribuídos a ponto de beneficiar nas mesmas proporções os diversos setores, ou aqueles reconhecidamente prioritários. De uma forma geral, na rubrica Habitação e Urbanismo vem sendo injetado considerável montante, embora isto não signifique, por exemplo, construções de unidades residenciais para segmentos de baixa renda, no sentido de minimizar o déficit habitacional fluminense ou local, pois os recursos muitas vezes são aplicados em obras de maior visibilidade, conforme determinação de muitas administrações governamentais locais, mediante a criação de áreas de lazer nas orlas, de urbanização de praças centrais e pavimentação de ruas. Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 250 Os processos de intervenção urbanística no território O processo de decantação do entendimento sobre as intervenções no território fluminense passa por diferentes escalas e recortes espaciais, sendo necessário revelar-se, inicialmente, a concepção de território. Para HAESBAERT (2006), o conceito de território guarda sempre um significado relacional. E pode se inscrever para as ciências sociais e políticas segundo diversas perspectivas, tanto sob visão mais totalizante quanto parcial, para o vínculo sociedade-natureza (e sociedade-espaço), no sentido de abrigar um complexo conjunto de relações sociais e espaciais, econômicas, políticas e culturais historicamente circunscritas a determinados períodos ou existência de grupos sociais. O mesmo autor (2004) ao expor a concepção de território-rede, considera que a ligação entre territórios se exime de ser contínua, uma vez que ela pode se expressar pela intermediação de aeroportos, estradas, portos, e até de dutos, entre outros, sem descartar a comunicação imediata e virtual pela internet, combinando fluxos materiais e imateriais. Engendrou-se um modelo, no Brasil, a partir dos anos 1990, referente à forma de intervenção físico-territorial nas cidades, sobretudo com a descoberta da importância assumida pelos espaços públicos, visando abrigar projetos urbanos, protagonizados, muitas vezes, pela parceria público-privada. A produção do espaço nas cidades tem acompanhado o movimento do capital, segundo renovados estágios econômicos. Desde a Revolução Industrial, as cidades surgem com seus problemas urbanos, de localização de residências em função da relação com os locais de produção, com a industrialização sendo responsável pela forma de materialização do meio construído, sujeitos intermitentemente a normativas de ordenação desses espaços. Nos tempos atuais, produção e consumo de bens buscam resgatar símbolos, forjam cenarizações, sugerem valores subliminares das memórias coletivas locais, respaldados pelo marketing e pela tecnologia, instigando a adoção rápida de novos valores, com conseqüências na gestão institucional, na forma de utilização do espaço e tempo, no contexto das novas dinâmicas urbanas, açodadas pela nova ordem Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 251 ditada pela mundialização da economia. Vale lembrar o conceito de intervenção dado por PORTAS (1986), quando se aplica à cidade existente. Ela é entendida como o conjunto de programas e projetos públicos ou de iniciativas autônomas que incidem sobre tecidos urbanizados dos aglomerados antigos ou relativamente recentes, tendo em vista sua reestruturação, revitalização funcional, recuperação ou reabilitação setorial e cultural. As características dos projetos e intervenções urbanas marcam diferentes gerações, passando pela grife de autores notáveis. E dos anos 1980 em diante, estes aparecem apadrinhados pelo planejamento estratégico, sob forma de intervenções pontuais, com participação de diferentes atores da sociedade para a discussão, mas de maneira bem mais restrita do que aquela normalmente formulada pelo planejamento e desenvolvimento urbano, com participação mais abrangente e democrática dos extratos sociais. A associação com o caráter da visibilidade das intervenções passa a ser um dos principais alvos dos autores de projetos e da administração que os contratou, sendo ela em qualquer instância. De modo geral, os administradores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro que sofrem influências da economia do petróleo têm optado por projetos políticos de cidade, orientados para a promoção do crescimento econômico e para a atração de investimentos através do turismo, como meio de diversificar a economia e minimizar os impactos causados pela possível finitude dos royalties na região (COSTA, 2008). Conseqüentemente, é possível identificar o processo de turistificação do lugar, ou seja, o tratamento e a acomodação do território para a finalidade turística, demonstrado através da implantação de projetos urbanos, muitas vezes sob o paradigma da modernização e do embelezamento. Dessa forma, evidencia-se que estes projetos constituem a nova maneira de intervir no espaço da cidade. Ações como recuperação de frentes marítimas, revitalização de beira-rio e orla marítima, renovação de áreas centrais, reurbanização de áreas degradadas, construção de praças e edifícios emblemáticos, dentre outros, tornam-se uma constante na produção do espaço urbano. Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 252 Com o intuito de atrair ainda mais investimentos produtivos, diversificar a economia dos municípios, estimular o turismo de negócios e gerar empregos, há também a formação de distritos industriais, com a consolidação de pólos empresariais voltados para a prestação de serviços. Intervenções urbanísticas desse tipo objetivam a preparação da cidade para vocações futuras, para além da indústria petrolífera, e articulam uma estratégia forte ao redor de apostas urbanas e sócio-econômicas de grande vulto e longa duração em relação ao desenvolvimento da cidade. Na presente fase, experimenta-se a dos grandes projetos de âmbito regional, que no caso fluminense vem provocando a interiorização da economia, sobretudo apoiada em antigos e novos pólos, a exemplo de Campos de Goytacazes e Macaé (antes apenas secundário), respectivamente, que hoje carreiam parte significativa de recursos investidos no Estado. Entre outros grandes projetos estão: a implantação de portos, a construção do Arco Metropolitano e, sobretudo, a instalação do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro - COMPERJ, todos com forte poder (re)estruturador do espaço, uma vez que interferem tanto no universo interurbano (incluindo áreas rurais), quanto no universo intra-urbano e, na medida em que constituem novas “ilhas de produtividade”, provocam transformações na rede urbana até então existente e nas hierarquias urbano-regionais. Cabe lembrar que os impactos sócio-espaciais sofridos pelos municípios, principalmente litorâneos, da Bacia de Campos demonstram que a transformação radical e rápida da estrutura produtiva de uma região provoca efeitos complexos e muitas vezes irreversíveis e excludentes sobre a organização e produção do espaço, o que deve ser considerado quando da proposta, implementação e gestão desses novos projetos. Considerações Finais Os municípios brasileiros têm a tradição de lutar por maiores recursos em seus orçamentos. A nova oportunidade surgiu para os que abrigavam a exploração/refino do petróleo no território nacional (onze estados da federação). Entre eles, destacamse os da faixa litorânea fluminense que, desde a exploração na Bacia de Campos atinge 80% da receita total adquirida com essa atividade. Inúmeras transformações Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 253 vêm ocorrendo nos espaços urbanos e rurais dos municípios, muitas vezes com reflexos nas respectivas escalas microrregionais. Essas transformações na organização e produção dos espaços são impulsionadas pela compensação financeira proveniente da exploração e indústria petrolífera, que são regulamentadas por normativas que tentam dar respaldo aos impactos dessa economia. Entretanto, verifica-se que a legislação poderia ser mais eficiente em relação aos critérios de aplicação dos royalties e participações especiais, a fim de possibilitar o princípio da justiça intergeracional e o desenvolvimento pleno, que abrange não só a dimensão econômica, como também a social, ambiental, cultural, espacial, dentre outras, e que depende, em muito, da atuação política e administrativa dos poderes públicos. Pensar e gerir as cidades que contam com os royalties do petróleo revela novas demandas de instituições governamentais, de ação privada e de associações representativas da sociedade, em face das mutantes realidades e da própria sociedade. A acumulação de políticas urbanas não atendidas e serviços não providos já provocavam graves impactos. O olhar atento da parte de alguns setores e a participação consciente de segmentos sociais ainda estão longe de provocar uma eficácia na estruturação organizacional nas escalas local e regional, fortalecimento da municipalidade ou a atuação articulada entre entidades. Dentro desse panorama, faz-se necessário que o planejamento se dê nas várias instâncias de poder, para garantir as bases para um desenvolvimento mais sensato, nos níveis regional e local, dando condições para se regular a implantação de infraestrutura, ao extrapolar os limites administrativos, de serviços nas diferentes escalas de atendimento, de qualificação de mão-de-obra, além da possibilidade de (re)orientar linhas condizentes de pesquisa, entre outras diretrizes e ações, de naturezas pública e privada. Não se deve esquecer que a par dos empregos e atividades prometidas, promissoras do desenvolvimento, existem as demandas anteriores, que configuram situações crônicas acumuladas, a serem revistas devido às novas condições, para serem também atendidas, de antigos moradores das áreas dos municípios atingidos. Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 254 Uma questão recorrente que se constata é a da discussão generalizada dos direitos aos royalties (43% da arrecadação de royalties do País para os municípios fluminenses e 18% para os municípios das demais unidades da federação), quando na realidade não se observa as grandes transformações desses territórios, o uso de seus recursos e as contaminações negativas provenientes dos grandes projetos e empreendimentos nessas áreas. Neste contexto situam-se os municípios envolvidos com a exploração e produção de petróleo e gás, que começaram por reverter a curva do decréscimo econômico, antes registrado no Estado do Rio de Janeiro. Urge, com isso, identificar, analisar e buscar formas de gestão dos recursos disponibilizados, em especial para aqueles que vão conviver com a implantação de futuros e grandes projetos, como o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro – COMPERJ, com suas altas demandas de recursos hídricos e habitação de suporte ao empreendimento, de dimensões locais, metropolitanas, e regionais mais amplas. Um dos maiores objetivos de avaliação reflete o aumento da responsabilidade pelos resultados do administrador público perante a sociedade, que deve tomar mais assento nesse acompanhamento, bem como para o crescimento da confiança pública nos serviços prestados. O exercício exige um incessante processo de deliberação e decisão. Se não existir um planejamento adequado, as tomadas de decisão começam a ocorrer de forma desordenada, porque não podem ser prorrogadas, em função de necessidades emergentes e cobranças da população. Na realidade, a prefeitura opera com a qualidade permitida por sua estrutura, mesmo que as questões envolvidas requeiram ampliação das escalas de debates. A cultura organizacional tem influência decisiva sobre a qualidade da gestão que, por sua vez, está relacionada com as práticas de trabalho enraizadas na interação de indivíduos e grupos, na organização e divisão das funções, na delegação de responsabilidades, na relevância dada aos núcleos de planejamento e controle. Como não existe uma organização ideal, ela nunca estará pronta e acabada, mas sim em constante transformação, e a participação das pessoas que nela trabalham será fundamental no constante processo de mudança. Impactos sociais, ambientais e urbanos das atividades petrolíferas: o caso de Macaé Cap. 2-7: Maria Lourdes P M Costa e cols. - Pag 255 Bibliografia AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. Anuário Estatístico da Indústria Brasileira do Petróleo. Rio de Janeiro: ANP, 2000. 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