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Topicos PT.QXP 16/10/12 10:10 Página 30 Tópicos de cirurgia oral Princípios de sutura na cavidade oral A sutura consiste na reunião ou reposição dos tecidos que foram separados devido a um traumatismo ou a um ato cirúrgico, oferecendo o suporte mecânico necessário para conseguirmos o fecho das incisões e, assim, os tecidos são mantidos em contacto, permitindo uma cicatrização por primeira intenção. As suturas cirúrgicas têm os seguintes objetivos: • Contribuir para a cicatrização das feridas mediante a aproximação dos seus bordos. • Diminuição da tensão entre os bordos da ferida. • Diminuição da hemorragia e controle da hemostase. • Restabelecer a função do parênquima suturado. • Assegurar o fecho dos tecidos. • Evitar a contaminação bacteriana. Agulhas As agulhas são normalmente feitas de aço inoxidável, devem ter o mesmo diâmetro do fio, boa capacidade de penetração, não devem dobrar-se nem partir e têm que se manter imóveis no porta-agulhas. Há uma grande diversidade de curvaturas, desde as 1/4 de círculo até 3/8, 1/2 e 5/8 de círculo, havendo ainda agulhas em forma de “J” e com mais de uma curvatura. A realização de suturas em espaços limitados é facilitada pelo uso de agulhas curvas, que permitem que a sua ponta seja mais facilmente visível após a penetração nos tecidos por movimentos de rotação. Qualquer agulha, seja ela curva ou reta, pode ser de secção redonda ou 30 MAXILLARIS, n o v e m b r o 2 0 1 2 Topicos PT.QXP 16/10/12 10:10 Página 31 Jaime Guimarães Médico dentista. Pós-graduação em Implantologia e Reabilitação Oral no ISCSN. Curso de Especialização em Cirurgia Oral na Universidade de Santiago de Compostela. Fellow of the European Board of Oral Surgery. Diretor do Departamento de Cirurgia e diretor clínico da Malo Clinic (Porto). triangular. As agulhas de secção redonda traumatizam menos os tecidos, deixando apenas um pequeno orifício à sua passagem, mas apresentam maior dificuldade na penetração. As agulhas de secção triangular (lanceoladas) penetram mais facilmente nos tecidos mas, em contrapartida, são mais traumatizantes, uma vez que as suas três arestas penetram como lâminas cortantes. Existem dois tipos de agulhas triangulares: as convencionais (cutting), em que o bordo cortante correspondente ao vértice do triângulo fica voltado para a margem do tecido a suturar, e as do tipo reverse-cutting, nas quais o triângulo tem a orientação inversa. Estas últimas são preferíveis pois apresentam menos risco de rasgarem os tecidos quando são introduzidas. Existem ainda as agulhas do tipo tapercut, que se caracterizam por apresentarem a ponta lanceolada para uma melhor penetração e o corpo de secção redonda para um menor traumatismo. Fios de sutura Qualquer fio de sutura deve ter as seguintes propriedades: • Histocompatibilidade: o fio não deve causar qualquer processo inflamatório ou alteração dos tecidos que o rodeiam. • Resistência: deve haver resistência à tração dos nós para não comprometer a segurança da aproximação dos bordos da ferida. • Flexibilidade: condiciona a adaptação do fio de sutura aos tecidos, de maneira a não os cortar nem alterar a circulação capilar, assim como evitar deiscências ou desgarros. • Ausência de alongamento residual: este aspecto é importante para a manutenção de uma boa aproximação dos bordos da ferida, evitando-se, assim, atrasos na cicatrização e o aparecimento de pontos sangrantes. • Suavidade da superfície: o fio de sutura deve atravessar os tecidos sem os cortar nem lacerar, permitindo, ao mesmo tempo, uma boa fixação dos nós. • Calibre: deve ser o indicado na farmacopeia, de maneira a que possa ser introduzido o mínimo de material estranho necessário à obtenção de uma boa coaptação das margens da ferida. • Segurança dos nós: o material de sutura deve ter a flexibilidade, suavidade de superfície e elasticidade adequadas à obtenção de nós seguros, com o menor número de laçadas. • Ausência de capilaridade: os fios de sutura não devem permitir a circulação de fluídos pela sua espessura, situação que pode originar a propagação da infeção e o aparecimento de fístulas ou pontos sangrantes. Os fios de sutura podem ser classificados segundo a sua natureza (naturais ou sintéticos), a estrutura (monofilamento ou multifilamento) e o comportamento biológico (reabsorvíveis ou não reabsorvíveis). As suturas monofilamento não têm interstícios onde se possam alojar bactérias, mas, em contrapartida, são mais difíceis de manusear e são necessárias mais laçadas para fixar cada nó do que as multifilamento. As suturas multifilamento são geralmente mais flexíveis e fáceis de manusear e proporcionam nós mais seguros, mas têm a desvantagem de permitir um fenómeno de capilaridade MAXILLARIS, n o v e m b r o 2 0 1 2 31 Topicos PT.QXP 16/10/12 10:10 Página 32 Tópicos de cirurgia oral e possível colonização bacteriana. Este facto pode aumentar o risco de infeção das feridas operatórias, particularmente com as suturas não reabsorvíveis. As suturas podem ser revestidas ou sofrer um tratamento com uma variedade de agentes por vários motivos: para melhorar o manuseamento e a passagem através dos tecidos, para ocluir os interstícios ou para retardar a reabsorção. As fibras naturais como a seda, com a sua superfície ligeiramente rugosa, permitem nós melhor apertados do que as superfícies lisas das fibras naturais. No entanto, os fios multifilamento acumulam fluídos, resíduos e microorganismos que podem ser irritantes para as feridas. Para prevenir isto, as suturas podem ser revestidas com cera ou silicone. Outros materiais que têm sido usados são a parafina e o teflon. O nó é sempre o ponto mais fraco de qualquer material de sutura. Muitos dos falhanços das suturas estão relacionados com a quebra ou o desfazer do nó. Assim, a força e segurança dos nós têm grande importância no sucesso de uma sutura. A força dos nós vai depender da capacidade de alongamento do fio e também do seu coeficiente de fricção. Quanto mais deslizante for o fio, mais tendência vai haver para o nó se desfazer. A segurança dos nós também depende da memória do material, isto é, a tendência para voltar à sua forma original, depois de feito o nó. Um fio com grande memória como o Nylon tende a desapertar-se, ao contrário da seda que, por ter uma memória reduzida, permite fazer nós bem apertados e seguros. Independentemente da natureza do material de sutura, a segurança dos nós aumenta com o aumento do número de laçadas. Reação tecidular O conhecimento da reação dos tecidos aos diversos materiais de sutura é muito importante, porque esta resposta vai condicionar a cicatrização das feridas operatórias. Uma reação tecidular excessiva pode resultar no rompimento da sutura, atraso na cicatrização, formação de granulomas e predisposição à infeção. A resposta celular aos fios de sutura, reabsorvíveis ou não reabsor víveis, envolve geralmente a forma- 32 MAXILLARIS, n o v e m b r o 2 0 1 2 ção de uma banda de tecido fibroso encapsulando a sutura. • Materiais reabsorvíveis: os fios de catgut, hoje em dia praticamente em desuso, provocam uma reação mais intensa do que as suturas sintéticas. O catgut simples é o material que provoca maior reação tecidular, com formação precoce de um exsudado prolongado e muito evidente, associado a alguma necrose dos tecidos. O catgut crómico provoca uma reacção menos intensa mas, ainda assim, persistente. Após se dar toda a reabsorção do catgut, este é substituído por uma densa massa de macrófagos. A absorção e degradação dos fios de catgut envolve principalmente enzimas proteolíticas das células fagocíticas. A reacção tecidular ao Dexon, Vicryl, Supramid, PDS e Maxon é mínima, sendo a reação ao Dexon substancialmente mais duradoura. Por serem materiais sintéticos, a sua degradação dá-se principalmente por hidrólise. Algumas bactérias e enzimas são capazes de influenciar o grau de hidrólise. • Materiais não reabsorvíveis: todos os fios de sutura não reabsorvíveis provocam menos reação tecidular do que o catgut. Os materiais não sintéticos, como a seda, induzem uma resposta mais forte do que os sintéticos. A intensa reação provocada pela seda deve-se ao efeito combinado da sua configuração (entrançada) e dos seus constituintes químicos (proteínas). Entre os materiais sintéticos, os do tipo multifilamento induzem uma reação mais intensa do que os monofilamento. O polipropileno monofilamento, por exemplo, provoca uma reação mínima. Os fios de poliamida 6 e monofilamento 6.6 têm um comportamento semelhante ao polipropileno. Em relação ao polivinildifluoretano, a reação tecidular é considerada como sendo praticamente nula. As suturas de Nylon multifilamento induzem uma resposta ligeiramente maior. As suturas Gore-Tex (politetrafluoretileno expandido), apesar de serem do tipo monofilamento, têm um comportamento distinto devido à sua estrutura porosa. Estes poros permitem a incorporação de fibroblastos e outras células inflamatórias, havendo assim uma forte ligação entre a sutura e o tecido envolvente. Este facto torna-se benéfico para o fecho de feridas internas ou para a fixação de membranas. Em contrapartida, faz com que não deva ser usado Topicos PT.QXP 16/10/12 10:10 Página 33 Tópicos de cirurgia oral em pele ou em situações em que a sutura necessite de ser removida, porque esta infiltração dos tecidos torna a sua remoção mais difícil. As suturas de aço inoxidável provocam uma reação tecidular praticamente nula. A cicatrização das feridas operatórias e a escolha do fio de sutura Torna-se importante saber se a presença de um material de sutura pode aumentar ou não as possibilidades de infeção de uma ferida operatória e se esta pode variar em função do material utilizado. Em relação às suturas não reabsorvíveis, os fios multifilamento predispõem a uma maior infeção da ferida operatória do que os seus equivalentes na forma monofilamento. Os fios de seda enrolados estão associados a maior ocorrência de infeção do que os fios de seda simples. Estes factos demonstram que a estrutura dos fios não reabsorvíveis é mais importante do que os seus constituintes químicos. Os fios de catgut (simples e crómico) têm um comportamento pior do que os fios sintéticos. Uma vez que se verifica uma associação estreita entre a adesão bacteriana às suturas e a infeção das feridas operatórias, tem sido estudada, em animais, a impregnação dos fios de sutura com agentes antibacterianos (penicilina, neomicina, sulfamidas) e desinfetantes (clorhexidina). O objetivo da sutura é manter os tecidos unidos até que se atinja um grau de cicatrização que a torne desnecessária. Não existe uma sutura ideal, com aplicação em todas as situações e, assim, a escolha do fio a usar será sempre de compromisso. Ao escolhermos uma sutura, devemos tomar em consideração as características dos tecidos em termos de resistência e capacidade de cicatrização. Estes aspetos serão importantes na escolha das dimensões do fio e a sua natureza reabsorvível ou não reabsorvível. Os tecidos que cicatrizam rapidamente e não estão sob tensão podem ser suturados com fios reabsorvíveis. Os tecidos sujeitos a forças de tensão ou que têm uma cicatrização mais demorada, requerem um suporte prolongado, devendo ser suturados com fios não reabsorvíveis. Os fios de sutura funcionam como corpos estranhos e, apesar dos mais recentes monofilamentos sintéticos serem quase completamente inertes, os fios naturais e entrançados originam uma significativa resposta inflamatória. Uma vez estabelecida a colonização das suturas por bactérias, a sua erradicação torna-se muito difícil. Isto pode predispor a uma infeção, com possível formação de abcessos e deiscência da ferida operatória. As suturas devem ser evitadas, ou utilizadas com extrema precaução, na presença de infeções estabelecidas, casos onde podemos ter de optar por uma cicatrização por segunda intenção ou adiar o fecho primário da ferida. O cirurgião tem à sua disposição uma vasta gama de suturas, podendo fazer a sua escolha tendo em conta a resistência dos fios, a natureza dos tecidos a suturar e as características de absorção, risco de infeção e reação tecidular associadas ao material de sutura. Outros fatores a considerar são o tipo de incisão, a técnica de sutura a empregar e o aspeto dos tecidos a suturar. Os fios de seda ainda são muito utilizados em cirurgia oral, apesar de não ser um material de eleição. A sua natureza multifilamentar permite um fácil manuseamento e a obtenção de nós seguros. Um aspeto importante para a sua grande utilização é o baixo custo comparativamente aos fios sintéticos. Os principais inconvenientes da seda são o fenómeno de capilaridade e a rugosidade da sua superfície, que proporciona a aderência de placa bacteriana, fatores que contribuem para a ocorrência de reação tecidular e possibilidade de infeção das feridas operatórias. As suturas reabsorvíveis podem ser usadas em crianças para se evitar a sua remoção e, em todas as idades, na sutura do interior dos lábios e mucosa jugal ou no soalho da boca, quando o edema pós-operatório pode dificultar a sua remoção. MAXILLARIS, n o v e m b r o 2 0 1 2 33
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