Ezra Shane Spira-Cohen O movimento ambientalista em suas
Transcrição
Ezra Shane Spira-Cohen O movimento ambientalista em suas
Ezra Shane Spira-Cohen PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA O movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Sociologia e Política da PUC – Rio. Orientadora: Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva Rio de Janeiro Outubro de 2011 Ezra Shane Spira-Cohen O movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva Orientadora Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio Prof. Liszt Benjamin Vieira Departamento de Direito – PUC-Rio Profa. Maria Sarah da Silva Telles Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio Prof. Valter Sinder Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2011. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador. Ezra Shane Spira-Cohen PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Graduou-se em Desenvolvimento Comparativo e língua espanhola pelo Trinity College de Hartford, Connecticut EUA. Nativo dos Estados Unidos estuda o Brasil e outros países da América Latina de forma comparada. Ficha Catalográfica Spira-Cohen, Ezra Shane O movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU / Ezra Shane Spira-Cohen ; orientadora: Angela Maria de Randolpho Paiva. – 2011. 131 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Sociologia e Política, 2011. Inclui bibliografia 1. Sociologia – Teses. 2. Meio ambiente. 3. Sociedade civil. 4. Esfera pública. 5. Desenvolvimento. I. Paiva, Angela Maria de Randolpho Paiva. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Sociologia e Política. III. Título. CDD: 301 Em memória de Ziggy Spira PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Agradecimentos Aos meus pais, Roy e Eileen, pelo amor, apoio e confiança incondicional. Aos meus irmãos, Ariel e David, por seu exemplo encorajador, e por me incentivar a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA realizar êxito acadêmico. À Ângela Paiva, obrigado por ter desenvolvido essa dissertação comigo. Sem sua orientação e tempo esse trabalho não teria sido realizado. Seu entusiasmo e conhecimento foi uma inspiração que eu espero levar comigo para o futuro. Obrigado pela paciência, as conversas, as correções e por ter compreendido ambas minhas limitações e minhas aspirações. À PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter sido realizado. Aos membros da banca, Liszt Vieira, Sarah da Silva Telles e Valter Sinder. Suas áreas de conhecimento e sua participação no meu exame de qualificação foram fundamentais para a realização desse projeto. Obrigado pela atenção, ideias e críticas que prepararam meu caminho. Aos professores do departamento de Sociologia e Política da PUC por suas aulas, por compartilhar seu conhecimento, e por uma experiência sem preço. À Ana, Mônica e Carla por ajudar um estrangeiro muitas vezes perdido e por oferecer belas dicas para facilitar a navegação burocrática da vida acadêmica. A todos que me ajudaram desenvolver minha habilidade de redação: ao Jonas Lana por sua amizade, à Alessandra Maia por seu apoio, à Marcele e Guilherme por se terem disposto durante os momentos finais deste projeto. Resumo Spira-Cohen, Ezra Shane; Paiva, Angela Maria de Randolpho. O movimento ambientalista em suas arenas discursivas: participação do Brasil e EUA nas conferências da ONU. Rio de Janeiro 2008. 131p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Esta dissertação examina o surgimento do movimento ambientalista como parte de um processo maior de conscientização sobre a proteção do meio ambiente. Observa como, através da abertura de espaço discursivo para a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA participação democrática, as conferências internacionais da ONU sobre o meio ambiente em 1972 e 1992 contribuíram para a formação deste movimento e o próprio conceito do meio ambiente. A discussão utiliza-se dos conceitos que Jürgen Habermas desenvolve na sua teoria de ação comunicativa para destacar a importância da esfera pública e o papel da sociedade civil neste processo. No entanto, a partir de uma comparação da participação do Brasil e os EUA nas duas conferências da ONU, coloca em questão o uso dessa teoria para explicar a atuação desses países e as mudanças ao longo das duas décadas que separaram as conferências. Levanta uma discussão metodológica, inspirada em ideias apresentadas por Michel Foucault, que permite uma análise do surgimento do movimento ambientalista no Brasil e os EUA. Para além disso, contextualiza a participação de ambos os países nas conferências internacionais e a mudança para do foco para o desenvolvimento. Através disso, salienta as tensões entre as perspectivas de Habermas e Foucault, discutindo seus limites e contribuições para esta análise. Palavras-Chave Meio Ambiente; sociedade civil; esfera pública; desenvolvimento. Abstract Spira-Cohen, Ezra Shane; Paiva, Angela Maria de Randolpho (Advisor). The Environmental Movement in its Discursive Arenas: The Participation of Brazil and the USA in UN Conferences. Rio de Janeiro 2008. 131p. Masters Dissertation – Departament of Sociologia e Política, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. This thesis examines the emergence of the environmental movement as part of a larger process of increasing conscientiousness about environmental protection. It looks at how the international UN conferences on the environment in 1972 and 1992 contributed to the formation of this movement, and the concept PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA of the environment, by opening discursive space and allowing for democratic participation. The discussion uses concepts developed by Jürgen Habermas, in his theory of communicative action, to highlight the importance of the public sphere and the role of civil society in this process. However, a comparison of the participation of Brazil and the USA in the two conferences raises questions about the application of this theory. In order to explain the activity of these countries and the changes that occurred during the 20 years that separate the conferences a different perspective is presented. Ideas inspired by Michel Foucault provide a methodological discussion, which permits an analysis of the emergence of the environmental movement in Brazil and the USA. In addition, it contextualizes their participation in the international conferences and helps understand the turn in the international community towards a focus on development. Finally, as a result of the tensions that arise between Habermas and Foucault’s perspectives, the limits and contributions of these authors for the herein analysis are uncovered. Keywords Environment; Civil Society; Public Sphere; Development. Sumário 1. Introdução PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. 1.6. O movimento ambientalista Os discursos ambientalistas A ecopolítica A sociedade civil internacional O Espaço público A esfera pública internacional 9 15 20 24 29 33 37 2. O movimento ambientalista em suas arenas discursivas 41 2.1. 2.2. 43 2.3. 2.4. As origens das conferências ambientalistas A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE) A Conferência das Nações sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) Vinte anos para frente. O que mudou? 47 57 70 3. A formação das arenas discursivas 74 3.1. 3.2. 79 3.3. 3.4. 3.5. A crise ambiental no Brasil e nos EUA A institucionalização do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA O movimento ambientalista no Brasil e nos EUA A participação do Brasil e os EUA nas Conferências da ONU O futuro do movimento ambientalista nas suas arenas discursivas 85 97 104 116 4. Considerações finais 121 Referências bibliográficas 126 1 Introdução A proteção do meio ambiente hoje é um valor muito difundido. Esse é um valor relativamente novo, que faz parte de um processo de transformação cultural abrangente, causado por mudanças econômicas, políticas e sociais. Ronald Inglehart (1990) estudou as mudanças econômicas, sócio-políticas e culturais no Século XX, examinando como estas se relacionavam e se determinavam. Através disso, Inglehart recordou novas atitudes em países altamente industrializados. O estudo indicou mudanças graduais em atitudes tradicionais sobre política, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA trabalho, religião, família e sexo e as relacionou ao nível de segurança econômica e física que certos países realizaram depois da segunda guerra mundial. Nesses países, segundo a hipótese de Inglehart, as pessoas podiam pensar em outras questões uma vez que as necessidades básicas já haviam sido atendidas. A nova ênfase na proteção do meio ambiente faz parte do surgimento de novos valores pós-materialistas relacionados a um senso de comunidade, à auto-expressão e à qualidade de vida. Valores materialistas, que acompanharam a expansão industrial ao longo século XIX e XX, relacionados ao crescimento econômico e acumulação de bens materiais, valorizaram o meio ambiente como um meio para fins industriais e um objeto a ser manipulado. Os novos valores pós-materialistas indicam menos ênfase no crescimento econômico e representam uma visão do mundo menos mecânica onde são destacadas questões sobre o conhecimento e a vida humana nas quais cabe a preocupação sobre o meio ambiente. Ainda seguindo Inglehart, dar prioridade à comunidade e à qualidade de vida não-materialista, em sociedades que tradicionalmente favoreceram ganhos econômicos tem implicações políticas importantes. Os pós-materialistas formam uma política baseada nos valores e se separam de política baseada na classe. Com o surgimento de valores pós-materialistas a política tradicional baseada em alinhamento de classe entra em crise. No conflito ou na negociação política, os movimentos baseados no direito de autodeterminação e de certo nível de 10 qualidade de vida são cada vez mais o veículo para mudança social. Inglehart destaca os novos movimentos sociais – do meio ambiente, de mulheres, e antinuclear – que refletem mudanças culturais abrangentes. “Postmaterialist values underlie many of the new social movements – for the Postmaterialists emphasize fundamentally different value priorities from those that have dominated industrial society for many decades.” (INGLEHART 1990, p. 373). A preocupação sobre a proteção do meio ambiente surgiu como parte das mudanças culturais abrangentes em sociedades que atingiram um nível alto de industrialização. Inglehart estabelece as conexões entre mudanças econômicas, sócio-políticas e culturais e descreve as circunstancias que permitiram a transição de valores materialistas para pós-materialistas. Entretanto, se vai defender aqui que o processo que conduz essa mudança merece mais atenção. Exatamente o que está por detrás da construção dos valores associados com a proteção do meio PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ambiente e com o movimento ambientalista? Como podemos explicar a expansão desses valores e do movimento ambientalista para países do mundo inteiro, não apenas dentre os países altamente industrializados que Inglehart estudou? Para responder a estas perguntas é necessário examinar a construção do próprio conceito do meio ambiente e a formação dos discursos relacionados. O que se refere hoje quando se fala do meio ambiente descreve uma ideia relativamente nova. O meio ambiente é essencialmente um conceito que engloba o mundo natural no qual vivemos. A ideia da natureza serve para separar o mundo das paisagens, as árvores, os animais e as plantas do mundo dos homens. É possível argumentar que essa ideia é tão antiga quanto à ideia do homem (e da mesma maneira as duas tenham se transformado ao longo do tempo). O pensamento moderno dos iluministas colocou a natureza em oposição direta com o homem e com a revolução industrial a natureza foi posta numa posição de subordinação total ao homem. Hoje, a ideia de meio ambiente ajuda a preencher a lacuna entre essas ideias. A novidade desse conceito é que cria uma noção da natureza onde os homens estão intimamente ligados aos processos e sistemas naturais – o que implica que os processos humanos são parte dos processos naturais e um afeta o outro numa relação mútua e complexa. Historiadores localizam a origem do movimento ambientalista nos primeiros protestos contra a poluição e nos primeiros esforços para conservar recursos naturais e preservar a natureza selvagem no final do século XIX (ROME, 11 2003). Nessa época as preocupações sobre os efeitos negativos da industrialização se articularam em termos de saúde pública, de produção industrial garantida ou de patrimônio nacional. Avanços em meados do século XX, com a tecnologia atômica e petroquímica trouxeram novas ameaças ao meio ambiente e mais atenção. Em resposta à expansão industrial e à tecnologia perigosa, crises como a extinção de espécies entraram no foco. Através do estudo de sistemas naturais em seu conjunto e as relações entre organismos vivos, os ecologistas identificaram crises de grandes proporções. Na década de sessenta, a ecologia ganhou mais atenção, com uma conscientização maior sobre a crise ecológica e entrou com força na fileira dos movimentos sociais. O movimento ecologista se destacou nessa década, junto aos movimentos de direitos civis, de mulheres, contra guerra e contracultura. Assim, o conceito do meio ambiente surgiu para englobar outros movimentos com objetivos comuns, juntando os ecologistas, os preservacionistas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA e os conservacionistas, entre outros, sob uma bandeira. O conceito do meio ambiente ligou a natureza com o homem – o ecológico com o social – e o movimento ambientalista se formou de uma gama de ativistas com agendas e demandas diversas. Como um nexo entre a natureza e os homens, o meio ambiente não é apenas pensado em termos ecológicos, biológicos ou científicos. Como um movimento social, o ambientalismo faz o meio ambiente uma questão política com implicações sociais e econômicas, exigindo soluções nesses âmbitos para problemas relacionados com a degradação ambiental. Da perspectiva das ciências sociais, o meio ambiente é uma questão nova e o movimento ambientalista é um objeto complexo e intrigante que exige mais atenção. O movimento ambientalista transcende áreas de estudo e cria novas categorias sociais, culturais e políticas. No âmbito político, o movimento se descola das ideias da direita ou da esquerda e traz uma pauta que transcende as ideologias partidárias. O movimento ambientalista é formado por grupos e indivíduos conscientes dos problemas ambientais e articula as demandas de vários setores da sociedade preocupados com a proteção do meio ambiente. Identificar um único grupo, proposta, ou causa como o movimento ambientalista o faria mais claro, mas isso não é o caso. Sejam ecologistas, preservacionistas, conservacionistas, radicais, reformistas, atuando a nível local, global, ou por uma variedade de causas específicas, todos esses, e mais, formam o movimento ambientalista. Como um 12 movimento social, tentar formar uma agenda clara para a negociação política (mesmo com a diversidade de temas que tratam os ambientalistas) poderia ser uma estratégia útil, mas é difícil. Através da atuação política, motivada pela evidência de degradação ambiental cada vez maior e pela atenção na mídia, a conscientização da sociedade fortalece muitos dos valores associados com a proteção do meio ambiente. Isso não é o caso apenas de países industrializados. Hoje, as demandas para lidar com problemas associados com o meio ambiente se articulam no mundo inteiro e referem não apenas a questões da qualidade de vida das populações, mas também a questões materialistas básicas de desenvolvimento econômico, de saúde, de habitação e de alimentação. Por exemplo, questões como a pobreza podem ser, e são, articuladas de acordo com problemas ambientais. O movimento ambientalista agora é um movimento internacional, cujos valores, ideias e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA discursos foram incorporados por outros movimentos sociais nacionais e internacionais. Através de um tratamento político em acordos internacionais, principalmente nas Nações Unidas, o meio ambiente se tornou uma questão realmente global. As Nações Unidas criaram um modelo discursivo de negociação política internacional no qual o movimento ambientalista internacional se fortaleceu. Na primeira conferência internacional da ONU em 1972 sobre o meio ambiente, organizações não governamentais e de base social participaram nos processos preparativos e nas deliberações para contribuir para formação da agenda ambiental internacional. ONGs internacionais como Greenpeace e o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) surgiram com áreas de atuação que atravessaram as fronteiras nacionais. O caráter único da questão ambiental conecta problemas ambientais e ativistas ao nível local com o nível global. Assim, o papel das Nações Unidas e de negociação multilateral é central para essa questão e a articulação dos problemas relacionados ao meio ambiente por grupos e indivíduos independentes ilustra a formação de um novo espaço público internacional para a negociação de interesses comuns. O movimento ambientalista não apenas espalhou pelo mundo e por outras lutas sociais, mas também atingiu os mais diversos setores da sociedade. Em muitos países, a proteção do meio ambiente entrou no âmbito político, com a formação de partidos verdes, e no âmbito econômico, com indústrias limpas e sustentáveis. 13 O meio ambiente não é apenas uma nova categoria para articular as demandas da sociedade no âmbito político, mas representa uma nova ontologia na qual se pode entender o mundo e se relacionam as pessoas. A mudança para valores pós-materialistas que Inglehart descreve explica as condições para o meio ambiente surgir como conceito e eixo para atividade política, mas não examina o processo de formação dessa nova ontologia em diversos países em contextos distintos. Para fazer isso, este trabalho abordará uma análise ao nível discursivo para considerar a construção do conceito do meio ambiente como parte de um processo intersubjetivo social, não apenas uma mudança cultural num contexto abrangente. O primeiro capítulo aborda uma discussão da formação do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista, destacando a importância da sociedade civil e a esfera pública nesse processo. Apresentar a gama de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA perspectivas que existe dentro do movimento ambientalista permite uma análise da atuação e relações políticas relacionadas à proteção do meio ambiente ao nível internacional. Essa discussão é inspirada no processo discursivo de racionalização comunicativa que Jürgen Habermas usa para explicar a formação de uma ética discursiva, política legítima em sistemas democráticos, e a própria sociedade na qual as pessoas vivem. É através da formação de uma sociedade civil global que o movimento ambientalista se expande e os discursos ambientalistas são disseminados pelo mundo e para os mais diversos setores da sociedade. A partir da teoria de ação comunicativa de Habermas, o segundo capítulo discute duas conferências das Nações Unidas como momentos de racionalização discursiva na formação de consenso sobre o meio ambiente. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE) em 1972 foi uma reunião histórica para a ONU, a sociedade civil global e para o movimento ambientalista. A UNCHE consagrou o meio ambiente como uma questão global e abriu o espaço discursivo no âmbito internacional para a formação de consenso e acordos entre os participantes. Durante as deliberações da UNCHE, um consenso sobre a conexão direta entre os problemas ambientais e as atividades humanas foi determinado e as negociações estabeleceram o rumo para o desenvolvimento do conceito do meio ambiente e para as negociações futuras. A Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) vinte anos depois, em 1992, foi outro momento importante tanto para a construção do conceito do meio ambiente, 14 quanto para a articulação do movimento ambientalista. Nessa conferência, o espaço discursivo expandiu-se, permitindo que novas questões ambientais recebessem atenção nas negociações e nos debates. Esta discussão da UNCHE e da UNCED serve para ressaltar a importância da racionalização comunicativa e do processo discursivo de Habermas – não é para fornecer uma descrição histórica das duas conferências. O conteúdo deste capítulo traça a trajetória do movimento ambientalista neste período e contribui para entender melhor a situação atual do debate internacional sobre o meio ambiente. O terceiro capítulo examina a participação dos EUA e o Brasil na UNCHE e na UNCED. Essa comparação é importante porque ilustra a origem dos debates internacionais nas próprias experiências e agendas nacionais de países participantes. Aqui serão considerados os contextos específicos que determinaram a atuação do Brasil e os EUA. Para fazer isso, é importante nos distanciarmos da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ênfase nos processos discursivos que a teoria de Habermas coloca na formação dos acordos das conferências. Nessa comparação é evidente que uma teoria universal sobre a formação de consenso racional e justo é problemática e que uma análise substantiva contextual ao nível de micropolítica é mais apropriada. Michel Foucault fornece essa perspectiva e entra no debate para definir uma metodologia válida, livre de pressupostos teóricos ou deduções falsas. Sua argumentação permite descobrir os atores menos visíveis e as relações de poder que determinam a participação dos dois países nas conferências da ONU. Ambos, Foucault e Habermas, abordam em suas teorias e críticas um alvo principal a ser resgatado na presente análise. A mudança social e democrática está sempre presente por detrás de qualquer diferença de opinião ou divergência de abordagem entre eles1. A mudança social também reside no centro da discussão sobre o meio ambiente. Como uma das questões mais importantes para a geração atual e as futuras, é necessário alimentar e apoiar o debate contínuo sobre o meio ambiente e explorar todas as possibilidades para realizar as mudanças que são cada vez mais exigidas. O meio ambiente é uma questão que tem caráter interdisciplinar e precisa ser abordado por várias perspectivas de modo independente e transversal – da política à biologia, da economia à climatologia, do 1 Foucault não se preocupava tanto quando Habermas com respeito à continuidade teórica. Assim, Foucault pode assumir várias posições sobre esse tema, mas aqui usamos o lado de Foucault que tem evidência de influência de Toqueville e o projeto democrático Norte-americano. 15 direito à engenharia, da filosofia à física. Assim, as ciências sociais são uma área fértil para essa discussão por entender a possibilidade para análise multidisciplinar e interdisciplinar. Este trabalho pretende contribuir para aprofundar em alguns aspectos relacionados à situação atual do meio ambiente. Este projeto não deve ser pensado de modo algum como acabado ou completo, mas como o início de maior entendimento acadêmico de uma ontologia nova e uma questão crucial que chama a atenção de todos. Acima de tudo, pretende indicar um caminho multidisciplinar, de acordo com o caráter desse tema, a ser aprofundado mais em futuro próximo. O projeto partilha da sensação de que o trabalho do cientista social, tanto na forma de teorias tanto quanto de estudos empíricos, precisa sempre ter algum sentido em relação ao nosso presente e de tomar uma posição crítica para contribuir para o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA projeto maior de mudança social. 1.1. O Movimento Ambientalista Os novos valores pós-materialistas que dão prioridade à qualidade de vida das pessoas e à qualidade do meio ambiente no qual as pessoas vivem resultaram na criação do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista. Embora o meio ambiente seja uma ideia muito difundida, é importante reconhecer que existem vários movimentos ambientalistas voltados para as mais diversas áreas e questões relacionadas ao meio ambiente. Essa diversidade pode ser organizada conforme a causa ou problema específico destacado ou considerando sua área distinta de atuação. Os movimentos ambientalistas podem ser divididos por tema: por exemplo, a questão da poluição, das emissões de CO2, da preservação de floresta ou de espécies animais. Ademais, podem ser identificados por seu alcance local, regional ou nacional. A teoria da ação comunicativa fornece uma base teórica interessante para a análise do movimento ambientalista2. A heterogeneidade que existe dentro do ambientalismo complica uma tentativa de macroanálise – por exemplo, do movimento ambientalista brasileiro ou americano – mas, a partir da teoria de ação 2 Para autores que discutam o movimento ambientalista como um movimento social ver SchererWarren (1996), e Melucci (2001). Para autores que usam Habermas na discussão dos movimentos sociais ver Gohn (2007) e Castells (2007). 16 comunicativa, que estabelece normas gerais para análise, o ambientalismo pode ser compreendido dentro de um processo maior de racionalização comunicativa. Assim, a construção do entendimento comum sobre a ideia do meio ambiente pode ser analisada e comparada em contextos específicos. Assim, esse trabalho foi inspirado pelos conceitos de Habermas, com o alvo de usá-los para melhor entender e analisar o movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos, e não pretende abordar uma análise crítica detalhada da teoria de ação comunicativa. Ao longo de quatro décadas, Jürgen Habermas desenvolveu uma teoria social que sintetiza as teorias e os conceitos mais fundamentais do projeto iluminista dos últimos séculos3. A partir da análise e elaboração crítica de ideias apresentadas por vários teóricos inclusive Mead, Parsons, Weber, Durkheim e Kant, Habermas (1987) desenvolve a teoria da ação comunicativa para entender e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA explicar fenômenos fundamentais da vida social. Segundo a teoria da ação comunicativa, todos os processos de socialização têm origem na linguagem. Isso quer dizer que a base de toda relação social reside na necessidade de se entender e de criar acordos comuns. Habermas procura uma ética discursiva que forma as relações sociais e a localiza dentro do processo de racionalização comunicativa. Uma preocupação central nesse processo é o consenso. Segundo Habermas, a formação de uma sociedade justa e racional é possível através de processos discursivos. Partindo do pressuposto que a linguagem é a base para a organização social que por sua vez cria discursos os quais são institucionalizados e estruturam a sociedade, Habermas explica esse processo usando os conceitos do mundo da vida e sistema para diferenciar entre duas formas de integração e formação social. A diferença e interação entre o sistema e o mundo da vida constrói a base da teoria da ação comunicativa. Os dois são lugares onde ideias, valores e normas sociais são criados e divulgados, mas a forma que esses processos tomam são bastante diferentes. O sistema é definido como totalmente racionalizado e fechado e é representado por conceitos como o mercado, o direito, o capitalismo e outras 3 O trabalho teórico de Jürgen Habermas atravessa várias disciplinas, inclusive as ciências sociais, filosofia, direito, política, psicologia e é considerado um dos filósofos contemporâneos mais importantes. 17 entidades institucionalizadas. O mundo da vida, por outro lado, é o espaço de ideias e valores sociais que se formam a partir da cultura de uma vivência comum e uma ética discursiva. No primeiro, seu modelo total, eficiente, calculado, previsível e controlado, não permite espaço para a racionalização comunicativa. No segundo, por tratar-se de um espaço para a formação e reificação do senso comum de um grupo, através de experiências compartilhadas, os processos de formação de opiniões e acordos sociais são possíveis (HABERMAS, 1987). Nessa teoria, é somente através do mundo da vida, enquanto âmbito de formação cultural de valores, que o sistema e suas instituições, podem ser legitimados. A expansão do mercado e do Estado burocrático ameaça a estrutura comunicativa do mundo da vida e assim existe a tarefa importante da “descolonização” do mundo da vida. Isto quer dizer que os valores que são desenvolvidos ao longo do tempo, no mundo da vida, muitas vezes são dominados PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA por instituições como o Estado. Assim, o mundo da vida é colonizado e a possibilidade para ação comunicativa é restrita. Para garantir a formação legítima de valores e opiniões comuns no mundo da vida, é importante deixar de lado os interesses particulares que os sistemas engendram. Sem a descolonização do mundo da vida, as diferenças numa sociedade não são discutidas, o acordo comum não se realiza e a legitimidade política e institucional entra em crise. (HABERMAS, 1987). A entrada do ambientalismo nos mais diversos setores da sociedade, ao longo dos últimos cinquenta anos, é resultado dos processos referidos na teoria da ação comunicativa. O meio ambiente, um conceito relativamente novo, é uma questão muito difundida atualmente. É uma nova categoria analítica na qual os indivíduos, cientistas e os acadêmicos formulam ideias, e é uma nova base através da qual as pessoas se comunicam e se entendem. O meio ambiente agora faz parte do mundo da vida de muitas sociedades de uma forma sem precedentes, transformando a política, a economia, o cotidiano, os valores e os significados culturais de maneira inegável. Existem vários movimentos ambientalistas, mas as mudanças ao longo dos últimos cinquenta anos chamam a atenção para o movimento ambientalista abrangente que, segundo o pensamento de Habermas, é construído ao nível discursivo através da racionalização comunicativa, da deliberação discursiva e do acordo comum, e que é refletido nas relações entre pessoas, o mundo natural, e o planeta no seu conjunto. 18 Examinar a teoria da ação comunicativa através de uma análise empírica do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos reforça e desvela certos aspectos do pensamento habermaseano. Antes disso, para mostrar as características únicas do movimento ambientalista, uma apresentação do seu surgimento e suas mudanças ilustra a entrada da questão do meio ambiente no mundo da vida de uma forma extensiva e fornece o contexto para as investigações específicas do segundo e terceiro capítulos. * * * Os primeiros grupos ambientalistas, na cena contemporânea, se formaram no final do século XIX e no início do século XX (ROME, 2003). Houve protestos contra poluição em cidades neste período, mas os primeiros grupos particulares PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA enfocaram na preservação de paisagens virgens. Organizações como o Sierra Club surgiram, nessa época nos EUA, que se preocuparam com a grande expansão urbana e industrial que ameaçava espaços abertos e a beleza natural no território nacional. Assim, o movimento para criar parques nacionais visando à preservação e proteção da natureza nasceu e o movimento ambientalista iniciou sua luta primordial para despertar as pessoas para a ideia de que a natureza é patrimônio nacional e que há necessidade de cuidá-la. Ao longo do século XX, essa ideia se expandiu, mas foi a partir dos anos sessenta, através do movimento ecologista, que ela se consolidou e ampliou sua força e alcance. O movimento ecologista nasceu em vários países (principalmente, mas não exclusivamente, nos EUA e em países Europeus4) com um foco não apenas na preservação, mas na existência e na função correta de sistemas naturais. As preocupações dos ecologistas, com os efeitos negativos de processos industriais, resíduos químicos, poluição e lixo nuclear chegaram a um público maior com o lançamento de Silent Spring (1962) pela jornalista americana Rachel Carson. Nesse livro, foram evidenciados os efeitos desastrosos do uso do pesticida DDT, responsável pela dizimação de populações inteiras de insetos e pássaros. O 4 No Brasil, por exemplo, na década dos sessenta começou o movimento para preservar a Amazônia. Esse movimento concentrou no Acre e visava mais a preservação de modos de vida tradicionais, que dependeram do aceso aos materiais ecológicos da floresta, do que a preservação da floresta como um recurso natural a ser utilizado para processos industriais. 19 movimento ecologista chamou a atenção para as ameaças aos sistemas ecológicos e para a falta de proteção institucional que tinham que ser denunciadas e superadas (CARSON, 1962). No contexto da industrialização ao longo do século XX, os conservacionistas formularam seu movimento em resposta à ideia, importante para o modelo de crescimento econômico, de que havia fontes infinitas de matéria-prima para abastecer a produção e expansão industrial. O esgotamento de recursos naturais e a incapacidade de considerar as consequências de empenhos industriais entraram em foco. Em outro momento a ecologia destacou as ameaças crescentes que sistemas naturais inteiros encararam e problemas como extinção receberam atenção. Os ecologistas destacaram os efeitos dos processos industriais e as crises ecológicas resultantes – como no livro de Carson. Através da conscientização maior sobre a crise ecológica na década de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA sessenta, o movimento ecologista chegou ao terreno dos movimentos sociais. Neste contexto, o movimento se expandiu e o conceito do meio ambiente foi utilizado para englobar os movimentos preservacionistas, conservacionistas, e outros que compartilharam objetivos comuns relacionados à proteção do meio ambiente. O movimento ambientalista relacionou a expansão industrial com a degradação do mundo natural, mas a preocupação ambiental permaneceu como meio para garantir e melhorar a qualidade de vida das pessoas e das comunidades. Assim, o movimento ambientalista manteve no seu centro as consequências da degradação para as populações humanas. O conceito abrangente do meio ambiente representa uma mudança na maneira de pensar sobre a natureza, englobando os sistemas ecológicos, os sistemas humanos, e tudo que é o mundo natural. A partir da década de sessenta o meio ambiente virou uma questão importante em contextos nacionais em resposta às condições e às crises particulares de países e regiões. Sua formação paralela com a expansão do regime internacional das Nações Unidas (e a natureza global dessa questão) também consagrou a questão do meio ambiente na política internacional. A entrada do movimento ambientalista com suas articulações diversas e protagonistas diferenciados no palco da política multilateral e da regulação internacional ampliou a discussão do meio ambiente e concretizou a visão do Planeta como um conjunto e a importância das conexões cada vez mais visíveis entre o mundo da natureza e o mundo das pessoas. Através dos mecanismos de deliberação 20 discursiva e da construção de consenso na ONU a questão do meio ambiente se institucionalizou na política e nos valores culturais nos diversos países do mundo. 1.2. Os discursos ambientalistas A racionalização comunicativa é realizada quando as diferenças que existem numa sociedade são discutidas e esse processo contínuo é garantido (HABERMAS, 1987). A ênfase no processo deliberativo e no discurso é importante pela grande diversidade de perspectivas dentro do movimento ambientalista. Uma abordagem discursiva ressalta o ambientalismo como uma nova maneira de ver o mundo e das pessoas se relacionarem com outras e com seus arredores. Pensar no movimento ambientalista como uma coleção de discursos revela simultaneamente as grandes diferenças no pensamento PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ambientalista, e os elementos que o mantém unido como uma nova ontologia abrangente formada por ideias, opiniões, valores e práticas nas sociedades contemporâneas. Os movimentos conservacionista e ecologista formam uma parte grande do movimento ambientalista, mas representam apenas duas perspectivas diferentes de um mosaico maior. Na análise da formação e transformação do movimento ambientalista em contextos diferentes, são vários os discursos ambientalistas que se articulam e as maneiras de interpretá-los. O que John Dryzek (1997) identifica como um discurso representa uma maneira compartilhada de compreender o mundo. Isso reflete o conceito do mundo da vida discutido por Habermas, mas sem o foco nos processos discursivos da racionalização comunicativa que criam essas ideias e valores comuns5. Para Dryzek (1997), na área do meio ambiente, tanto quanto em outras, os discursos são formados por pressupostos, conceitos e contenções, que fornecem a 5 John Dryzek parte do conceito Foucaulteano de ordens de discursos, que destaca as relações de poder complexas que exstem em certas instituições e discursos. A abordagem discursiva de Foucault não destaca o consenso, mas o jogo de poder e o conflito nos processos discursivos que possibilita formas de dominação. Foucault (2001) analisa como os discursos refletem esse jogo de poder e como um poder hegemônico pode ser dominante. Para Dryzek (1997), a dominação de um discurso sobre outros é tão provável quanto a diversidade entre os discursos. Assim, o autor faz um análise que permite a consideração da legitimidade através da racionalização comunicativa enfatizada por Habermas. Para mais discussão sobre esta área, ver o conceito e a crítica de democracia deliberativa de Dryzek (2000). 21 base para análise, debate, acordo e desacordo. Dryzek aproveita da sua abordagem discursiva para chamar a atenção para o significado abrangente do ambientalismo e para analisar, de uma maneira detalhada, elementos da ação política contemporânea baseada na questão do meio ambiente. No seguinte quadro formado por duas escalas, reformist-radical e prosaic-imaginitive, nas quais se pode comparar e contrastar os discursos ambientalistas diferentes, Dryzek identifica quatro classificações distintas. Classificações de discursos ambientalistas (DRYZEK, 1997, p. 14). Reformist Radical Prosaic Problem Solving Survivalsim Imaginative Sustainability Green Radicalism PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA O discurso da sobrevivência que é categorizado como radical e prosaic enfatiza os limites da capacidade do planeta para manter a vida. É caraterizado como radical no quadro porque questiona o crescimento econômico e os padrões de consumo, e prosaico porque as soluções propostas não são muito imaginativas chamando apenas para mais controle administrativo e científico. Alguns ecologistas, desde os anos 60, formaram seu movimento nessa visão. A crise ecológica e problemas como a poluição e o esgotamento de recursos naturais como petróleo, minerais, florestas, peixes, e terra agrícola, levantaram preocupações sobre a finitude e a fragilidade do planeta. Uma visão que o mundo estava chegando aos seus limites partiu das consequências cada vez mais visíveis do crescimento econômico e populacional. Essa perspectiva permeava o movimento ambientalista nos anos sessenta e foi consagrada em 1972 pelo Clube de Roma no texto The Limits to Growth. Foi um estudo não técnico com a colaboração de uma variedade de cientistas que teve muita influência na formação de posições de vários países (principalmente países europeus e os EUA) durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 19726. (DRYZEK, 1997), (LAGO, 2006). 6 O discurso da sobrevivência contribuiu para o grande apelo inicial por maior controle ambiental por parte dos Estados-Nação e continua tendo grande importância no movimento ambientalista. 22 Com maior potencial para efetuar uma mudança concreta o discurso caracterizado como reformist e prosaic tem uma visão menos apocalíptica que o discurso da sobrevivência. A abordagem prática de environmental problem solving reconhece a crise ambiental e procura soluções dentro das instituições e mecanismos já existentes no sistema econômico e político de sociedades industriais. Essa visão enfrenta a crise ambiental como qualquer outro problema, coordenando esforços burocráticos, democráticos e econômicos, liderada por especialistas e técnicos de diversas áreas. Nos movimentos ambientalistas que ganham influência em governos e instituições políticas e econômicas esse discurso é muito presente. Dentro de environmental problem solving cabem três discursos mais específicos. O administrative rationalism, democratic pragmatism e economic rationalism compartilham os mesmos pressupostos, mas utilizam mecanismos diferentes para realizar soluções. No quadro esses são reformistas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA porque se tratam de mudança dentro do sistema existente, e são prosaicos porque não oferecem soluções criativas (DRYZEK, 1997). No lado oposto do quadro há o discurso radical e imaginative que é extremamente diverso e formado por uma variedade de ideologias, movimentos, partidos, grupos, e pensadores. Dryzek divide o radicalismo verde em duas categorias principais, romantic e rationalistic por uma divergência clara na interpretação desses atores em relação ao racionalismo iluminista. Os verdes românticos não destacam a visão iluminista de progresso e racionalismo porque desejam mudanças na própria maneira com que os indivíduos se relacionam com o mundo e a natureza. Em contraste, de modo mais moderado, os verdes racionalistas reconhecem a crise da relação do homem com a natureza, mas destacam a possibilidade para achar soluções dentro dos princípios iluministas tradicionais da igualdade e dos direitos. Essa perspectiva também permeia uma grande parte do movimento ambientalista. É radical porque rejeita a sociedade capitalista industrial e imaginativo porque visa uma mudança drástica nas relações humanas com o meio ambiente (DRYZEK, 1997). O discurso caracterizado como reformist e imaginative encerra os discursos voltados à sustentabilidade. Essa talvez seja uma proposta comum a todos os elementos do movimento ambientalista, independentemente da forma como incorporam o ambientalismo (pelo menos conceitualmente). Desde os anos noventa, o discurso da sustentabilidade e os movimentos que assumem essa causa 23 foram mais discutidos e divulgados tanto no âmbito internacional quanto no nacional. Quando lida com a crise ambiental, parece que o discurso da sustentabilidade tem a resposta para tudo. Resolve o conflito entre os interesses econômicos e a proteção do meio ambiente, que é um problema destacado nos discursos de economic problem solving. De algum modo a sustentabilidade combina a proteção do meio ambiente, crescimento econômico, justiça social e igualdade, de forma que tem alcance local e global. Os discursos da sustentabilidade são reformistas porque buscam repensar o sistema econômico de produção e consumo, sem um radicalismo inerente, e são imaginativos com respeito às soluções do conflito entre o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente. (DRYZEK, 1997) No discurso de sustentabilidade, o desenvolvimento sustentável foi destacado em 1987 através do Relatório Brundtland. Fruto da Comissão Global do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Meio Ambiente e Desenvolvimento, esse relatório, chamado Our Common Future, virou o documento central na concepção e na realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992. O desenvolvimento sustentável é um discurso integrador que engloba uma gama de preocupações e soluções ambientais. Entretanto, o que significa exatamente na prática continua a ser sujeito a debate7. (COMISSÃO MUNDIAL, 1991). Os discursos resumidos acima não somam o ambientalismo, nem o movimento ambientalista, no seu conjunto. Embora as quatro categorias de discursos ambientalistas apresentadas por Dryzek constituam apenas um ponto de partida na discussão ampla sobre o meio ambiente, formam uma base sólida para a discussão do movimento ambientalista que segue nos próximos capítulos. A diversidade de perspectivas, que às vezes se contrariam, contribui para a criação de consenso legítimo porque um único discurso não domina o debate sobre o meio ambiente. Mostra que todas elas contribuem para construí-lo, e que o movimento ambientalista representa uma gama de ideias e visões sobre as pessoas, sobre a natureza e as sociedades contemporâneas. 7 Outra noção de sustentabilidade que Dryzek (1997) discute é ecological modernization que consegue encontrar meios e fins lucrativos para projetos específicos de sustentabilidade. Esse discurso, e os projetos relacionados, são destacados na Alemanha, Japão, Holanda, Noruega, e Suécia, onde realizaram uma reconstrução econômica e de certas indústrias para realizar um prejuízo menor para o meio ambiente. 24 Depois desta introdução aos discursos ambientalistas diferentes, ainda é difícil hoje em dia ignorar a presença muito forte da sustentabilidade, principalmente do desenvolvimento sustentável, na vida cotidiana em países como o Brasil e os EUA, entre outros. Isso talvez seja pela incorporação desse discurso pelo setor empresarial. Junto aos discursos sobre conservação e “verde”, o desenvolvimento sustentável é usado de maneira frívola em campanhas de marketing e relações públicas. Isso pode ser interpretado como um exemplo da colonização do mundo da vida. Segundo Habermas, com a expansão do mercado, os discursos correm o risco de ser manipulados por instituições onde os processos discursivos que legitimam esses conceitos são ausentes. Hoje se vê os efeitos de interesses particulares, dinheiro, votos e agendas políticas nos discursos ambientalistas. O resultado é a limitação dos processos discursivos e a falta de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA legitimação das questões e debates voltados ao meio ambiente. 1.3. A ecopolítica Uma análise dos discursos ambientalistas ilustra que o meio ambiente é um conceito amplo e objeto de uma variedade de perspectivas e interpretações. Isso pode apontar para caminhos em resposta a crises ambientais e às suas causas, mas para entender melhor a formação dessas perspectivas é importante aprofundar-se na questão da legitimidade. Uma análise puramente discursiva não necessariamente explica a maneira que o grande movimento no âmbito político relacionado às questões do meio ambiente espalhou-se pelo mundo, e nem as mudanças ao longo desse processo. Também, não faz a conexão entre a formação de acordos comuns, através do debate pluralista, e a legitimidade desses, cuja manutenção, pressuposto na teoria de ação comunicativa, é necessária. Como um movimento social, a arena política é fundamental para esse processo e para a criação de consenso. Antes de ganhar espaço no âmbito político, os movimentos ambientalistas particulares de preservação e de conservação trabalharam para criar uma conscientização a nível local em resposta à expansão industrial em locais específicos. Com a transformação política durante os anos sessenta, o movimento ecologista surgiu no contexto maior de contracultura em vários países. Junto aos 25 movimentos de paz, de direitos civis, de mulheres, antinuclear, e outros, a questão ambiental se transformou numa plataforma política de grande alcance nacional e internacional. A partir daí, nasceu uma nova base para a ação política, abrindo o debate político para novos atores e levando novas questões em pauta. O canadense Philippe Le Prestre (2000) discute esse fenômeno usando o termo ecopolítica que refere às relações políticas no âmbito da proteção de recursos naturais e o meio ambiente. (LE PRESTRE, 2000, p. 19 nota roda pé). A ecopolítica teve sua origem junto aos movimentos ambientalistas em contextos nacionais específicos, mas sem dúvida cresceu e amadureceu ainda mais no âmbito internacional. Mais significativo, pelas ramificações globais que resultam da crise ecológica e da degradação ambiental, a proteção do meio ambiente contra certas atividades econômicas e sociais é ligada diretamente às relações políticas e diplomáticas internacionais. Segundo essa conexão, a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA formação e a aplicação de políticas ambientais ao nível nacional são intimamente ligadas à política internacional. Le Prestre (2000) explora isso no livro Ecopolítica Internacional referindo-se às “dimensões de identificação e resolução das questões ambientais” e “às tentativas dos atores internacionais de impor sua definição de segurança em face da natureza e da qualidade de vida das populações...” (LE PRESTRE, 2000, p. 19). Depois de analisar as características da ecopolítica abaixo, e segundo a gama de perspectivas e diferentes discursos ambientalistas apresentados acima, fica evidente que a ação política relacionada às questões do meio ambiente reflete o modelo político democrático e pluralista, representando uma nova forma de participação política a nível global. Dentro da política democrática de negociação de interesses, a ecopolítica constrói o meio ambiente de acordo com os valores, demandas e opiniões que estão em jogo. A crise ambiental e questões ecológicas muitas vezes são chamadas à atenção por cientistas, os quais possuem um papel muito importante para a discussão e definição de preocupações ambientais. Mesmo assim, por exemplo, na discussão de crises ecológicas a nível local ou regional, ou de mudanças climáticas a nível global, esses cientistas não necessariamente são valorizados ou legitimados na criação e implementação de soluções. Isso quer dizer que na política pluralista os problemas ambientais não existem sem o impacto que produzem na sociedade e em certos atores. Também que os valores sociais e morais são maiores que os dados científicos. A definição das preocupações 26 ambientais é relativa e depende do lugar e dos vários fatores históricos, demográficos, culturais, ou econômicos entre outros. Neste sentido a nível internacional, a participação de um Estado, na ecopolítica, vai depender da própria experiência nacional – não numa conclusão ou estudo científico. Portanto, nas palavras de Le Prestre, “não existe melhor decisão”, que depende de dados técnicos e estudos científicos; no mundo de ecopolítica internacional, de acordo com a ênfase procedimental da teoria de ação comunicativa, “o que existe é uma direção.” Essa direção é formada através do debate pluralista. (LE PRESTRE, 2000, p. 24-25). A questão do meio ambiente leva em conta fatores sociais e econômicos na definição dos problemas ambientais e na escolha de suas soluções. A medida dos custos e dos benefícios, que acompanham essa definição, revela o papel da justiça distributiva na ecopolítica. Quando se discute os recursos naturais, quais seriam PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA utilizados, quem os exploraria, quem se beneficiaria dos lucros, o que produzir com eles, e como financiá-lo, sempre há um efeito nas desigualdades já existentes numa sociedade e entre países. Na resolução de problemas ambientais, desigualdades podem ser preservadas ou até exacerbadas porque a política pluralista não necessariamente atende à questão distributiva. A nível nacional, isso é evidente quando a população menos privilegiada, que em muitos casos já sofre as condições ambientais piores, é afetada negativamente por projetos caracterizados como soluções. (Um exemplo típico é de populações deslocadas por projetos considerados de ter benefícios ambientais ou de não prejudicar o meio ambiente – como a construção de barragens). A nível internacional, as implicações distributivas também são evidentes: acordos sobre o meio ambiente deixam alguns países com mais ganhos do que outros, ou não levam em consideração desigualdades já existentes. Assim, não é necessariamente difícil achar uma solução que seja geralmente positiva para todos, mas o problema reside na distribuição dos ganhos. (LE PRESTRE, 2000), (BIERMANN, 2004). De acordo com Le Prestre, os conflitos subjacentes aos problemas ambientais são “inevitáveis e normais”. As oposições formadas na identificação e solução de tais problemas fazem parte do processo político democrático e de negociação de interesses. “Opõem poluidores e vítimas das poluições, interesses nacionais e interesses regionais e mundiais, países ricos e países pobres.” Na implementação de políticas ambientais e na institucionalização da ecopolítica o 27 conflito de jurisdição surge entre governos e entidades administrativas com interesses e trabalhos diferentes. A nível nacional e internacional, organizações internacionais, ONGs e Estados, entram em conflito. Quando os resultados de soluções implementadas não aparecem ou são difíceis de medir, esses conflitos se tornam ainda mais inevitáveis. Assim, está sempre implicada na ecopolítica, tanto no nível nacional quanto internacional, a questão de como administrar os conflitos (LE PRESTRE, 2000, p. 28). Outra característica da ecopolítica chama a atenção para o papel do Estado em relação à sociedade. Na ecopolítica, as relações de poder e de política são reestruturados no âmbito nacional e no internacional. Desde os anos 70, para países em desenvolvimento, a questão ambiental virou central na articulação das políticas de desenvolvimento tomando a forma de denuncias das atividades com maior impacto ecológico. No palco internacional isso transformou a discussão PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA política de uma forma marcante. A ecopolítica se consolidou no final das décadas de oitenta e durante os noventa, a nível nacional, como um lugar para a expressão dos conflitos entre o Estado e a sociedade e um meio para impor políticas de justiça ou de humanitarismo. Isso também foi expresso na política internacional onde os conflitos voltados para as questões ambientais que existem entre Estados no sistema das Nações Unidas foram alteradas para irem além de denúncias e incluir soluções relacionadas à justiça distributiva e o desenvolvimento econômico. (LE PRESTRE, 2000). É importante mencionar que, dentro desse processo político, existe a possibilidade que a ecopolítica trará efeitos perversos, surpresas ou negativas, entre as contradições e as relações inversas – uma característica de qualquer forma de ação política. As incertezas, a falta de conhecimento ou experiência, e a manipulação dos problemas ambientais, ameaças, crises, por partes e interesses particulares são elementos para serem sempre enfrentados. A ecopolítica conhece bem as controvérsias das implicações científicas, políticas, financeiras, econômicas e sociais abundantes. Considerando isso, Le Preste indica que “toda política ambientalista deve fornecer os meios de gestão dos múltiplos dilemas e de proteção contra os efeitos perversos inevitáveis e imprevisíveis.” (LE PRESTRE, 2000, p. 32). No sistema internacional das Nações Unidas, o consenso é um princípio importantíssimo para a negociação. É muito evidente no palco internacional que o 28 consenso na definição de um problema, e assim a sua solução, é mais importante que uma política ideal. Na escala mundial, o consenso é o único jeito para realizar administração bem-sucedida e mudanças nas políticas e práticas da comunidade internacional. O papel de conhecimento científico é central nas questões ambientais, mas pode facilitar ou complicar o consenso. A ciência não pode ditar as escolhas dos responsáveis por decisões, e não necessariamente serve para esclarecer ou diminuir as dúvidas, mas na prática pode servir para adiar uma decisão sobre uma questão que já está sendo discutida. As pesquisas cientificas sobre o aquecimento global é um bom exemplo, no sentido de que por décadas não havia um consenso internacional sobre esse problema e que a sua discussão refletiu outros conflitos entre interesses no âmbito político. (LE PRESTRE, 2000). Uma resolução para o conflito entre a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento econômico seria um equilíbrio que leve em consideração o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA crescimento econômico, a conservação de recursos naturais e a democracia. Num sistema político democrático pluralista, devem ser consideradas as pessoas que são prejudicadas seja por políticas de conservação, ou de não conservação, dos recursos naturais. A conexão entre as pessoas e a natureza exige que o meio ambiente não seja dissociado de objetivos econômicos, sociológicos ou políticos. Essa característica põe em questão as próprias relações entre pessoas e chama para uma forma de contrato social que inclui a natureza como componente fundamental. A ecopolítica tem potencial para colocar no centro da ação política um acordo entre os humanos e a natureza. O antropocentrismo da sociedade moderna industrial é considerado a causa da crise ecológica, mas o antihumanismo do ecologismo radical não é a resposta dentro de um sistema pluralista. O objetivo é achar um equilíbrio que compreenda que os interesses dos humanos e da natureza são mútuos. (LE PRESTRE, 2000). Roberto Guimarães é um analista que no Brasil comenta a ação política baseada em questões relacionadas ao meio ambiente. No livro The Ecopolitics of Development in the Third World (1991), ele também destaca uma nova relação entre as pessoas e o meio ambiente e a importância desta relação na vida cotidiana. Guimarães escreve, “Ecopolitical analysis should generate a more comprehensive understanding about the relationships between people, and between 29 people and nature. This is crucial for advancing knowledge about political systems, and important, too, for generating inputs into policy decisions that affect the daily life of everyone. The time for endless emotional discussions about ecological disaster is over. The environmental awareness of the 1970s has somehow managed to enter our lives. The proliferation of physical fitness programs and the presence of health-food stores and restaurants are but the most visible, perhaps the most superficial, indications of new types of concerns. Changing life-styles, changing positions in the social structure, as well as changing issues in the relations between nations, are subtler, structural signs of humankind's struggle to come to terms with nature.” (GUIMARÃES 1991, p. 16). As mudanças na vida cotidiana, que estão cada vez mais visíveis e significativas, indicam mudanças maiores na forma que a política é feita, nas relações entre pessoas e na maneira que se vê e se entende a natureza – a própria estrutura da sociedade está em transformação. A presença na vida cotidiana das PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA preocupações ambientais pode ser um indicador da formação legitima desses valores e opiniões na base da sociedade. É evidente que a política não apenas apropriou uma nova área de atuação, mas que as próprias visões e determinantes dessa política se transformaram e as relações sociais detrás da atividade política se repensaram em relação à ecologia. 1.4. A sociedade civil internacional O caráter amplo da questão do meio ambiente não é apenas o resultado do seu alcance global, mas é relacionado ao contexto de grandes mudanças na política internacional que ocorreram durante o crescimento da ecopolítica nas últimas décadas. A transformação geral da política global, depois da queda da União Soviética, criou novos espaços na arena de diplomacia internacional e nas Nações Unidas. Também, a abertura política e econômica na América Latina e no Leste Europeu, durante os anos 80 e 90, mudou a paisagem política a nível local e regional para muitos países agora dispostos a sistemas democráticos capitalistas. Como discutido acima, a questão do meio ambiente faz parte da criação de novas relações sociais, inclusive, desde a perspectiva sociopolítica, a relação do Estado com a sociedade. No contexto das transformações políticas e o fortalecimento da ecopolítica, a sociedade civil assume uma nova forma como parte da articulação das demanda do movimento ambientalista. Na construção de 30 uma sociedade civil que olha para além das fronteiras nacionais, o movimento ambientalista se expandiu e se desenvolveu. Uma análise do seu papel e construção é essencial para entender o movimento ambientalista internacional. Sérgio Costa (2002) destaca o despertar do conceito de sociedade civil em resposta aos regimes autoritários e totalitários da América Latina e o Leste Europeu a partir dos anos 70. Depois da abertura política nesses países, novas alianças e organizações transnacionais se formaram e novos atores floresceram com base na sociedade e na associação cívica. Costa também chama a atenção para a ênfase nova em sociedades liberais democráticas no mesmo momento em que a organização na sociedade civil representou uma alternativa às estruturas políticas existentes – como o Estado capitalista, de bem estar social, neoconservador, ou liberal. Assim, a sociedade civil criou novas redes de atuação e de apoio que facilitaram a divulgação e desenvolvimento de grandes questões PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA políticas e sociais8. Com essa nova agitação cívica, o ambientalismo ganhou espaço para se articular e se ligar com outras áreas de atuação política. Abriu o campo para maior desenvolvimento do movimento ambientalista em contextos locais e no âmbito de política internacional. Para Michael Walzer (1995) o conceito da sociedade civil como um lugar de associação humana sem coerção, como as redes de sindicatos, religiosas, de partidos políticos, de cooperativas, de associações de vizinhos e escolares, entre outros, é a melhor resposta para os problemas e conflitos que se encontra na teoria política e na procura para o melhor modo de organizar as sociedades. Isso não quer dizer que o argumento da sociedade civil seja uma alternativa que substituiria as ideologias de democracia, socialismo, capitalismo, ou nacionalismo, mas é uma parte fundamental da organização social e ajuda a entender a pluralidade das sociedades e a corrigir a homogeneidade das ideologias políticas. O argumento de Walzer é apenas uma forma de enfatizar a sociedade civil como um elemento indispensável de sociedades democráticas e que funciona para equilibrar a relação do Estado com a sociedade. O Estado, tanto quanto os cidadãos, enquadram a sociedade civil e ocupam o espaço dentro dela. 8 Para mais sobre a análise de movimentos sociais usando o conceito de redes ver ScherrerWarren (1993), Gohn (2007) e Castells (2007). 31 É evidente no crescimento da ecopolítica a partir dos anos 70 que o movimento ambientalista conquistou muito espaço na política com esse despertar da sociedade civil. A difusão dos conceitos e dos valores do ambientalismo para diversos setores da sociedade é uma indicação disso, porém um exemplo mais empírico é a explosão da quantidade de ONGs que começaram a trabalhar com essa questão. As ONGs se aparecem na sociedade civil, muitas vezes em paralelo ou em parceria com órgãos do Estado. As ONGs ambientalistas também ilustram uma nova atuação política e social que transcende as fronteiras nacionais e que liga o local, regional e o global – um elemento fundamental da nova visão do mundo que tem o ambientalismo no seu centro (CONCA, 1995). O papel das ONGs na política internacional é geralmente considerado de grande importância não apenas para acadêmicos e analistas, mas para os próprios governos que interagem com elas no âmbito político. O que os governos muitas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA vezes não estão de acordo é com respeito à forma de integração das ONGs no processo político e de cooperação com órgãos como a ONU. Com certeza essas organizações da sociedade civil influenciam as políticas e práticas, mas o grau de eficiência do seu papel na resolução dos problemas ambientais não está claro (VIEIRA, 2001). O estudo de Liszt Vieira (2001) contribui para o entendimento das mudanças na política internacional e no movimento ambientalista discutidas acima. É uma investigação detalhada sobre o efeito dos processos da globalização que chama a atenção para a reorientação do papel do Estado junto aos interesses capitalistas no contexto de desterritorialização de instituições tradicionalmente constrangidas por fronteiras nacionais. A sociedade civil também se soltou para crescer no nível global e formar uma rede de interesses públicos, representando a democracia e a diversidade voltada para questões dos direitos humanos, de segurança e o meio ambiente. Para Vieira, é necessário pensar numa sociedade civil global para entender o processo de globalização que está transformando as relações econômicas, políticas, e sociais. Vieira diz: “O conceito contemporâneo de sociedade civil global tornou-se um elemento importante na ressignificação das relações internacionais, que não podem mais ser explicadas apenas em termos de relações entre Estados e mercados. Ele sugere múltiplos caminhos que se entrecruzam no espaço global, numa perspectiva que atribui aos atores um grau de agência 32 que uma visão estadocêntrica não poderia admitir.” (VIEIRA, 2001, p. 2930). Isso segue o argumento de Walzer de que a sociedade civil global é um espaço plural, diverso, e muitas vezes tão influente e legítimo, se não mais, do que quanto o próprio Estado em certas questões ou relacionado a certas agendas. A ecopolítica e o espaço conquistado pelo movimento ambientalista, no âmbito internacional, são características deste fenômeno. Na sua investigação, Vieira também argumenta que a própria ideia da cidadania está em transformação. É importante entrar nesse elemento das mudanças sociais relacionadas à sociedade civil, que aqui é o foco, mas não está no escopo desse trabalho descrever os conceitos tradicionais da cidadania9. Mesmo assim, se tem que considerar que a cidadania e a sociedade civil são noções separadas, mas dependentes. A sociedade civil é formada por grupos que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA visam influenciar a política. A cidadania é ligada a um nível de status dentro do sistema de direito. Quando a sociedade é forte funciona para fortalecer a cidadania, mas quando é fraca é mais fácil para o Estado ou o mercado combatêla. Também, a sociedade civil existe principalmente dentro da esfera pública, onde “... associações e organizações se engajam em debates, de forma que a maior parte das lutas pela cidadania são realizadas em seu âmbito por meio dos interesses dos grupos sociais...” Vieira também destaca a diferença entre a cidadania e a sociedade civil pela relação com o Estado. O autor diz que “... não possa constituir o locus dos direito de cidadania (na noção de Marshal), por não se tratar da esfera estatal, que assegura proteção oficial mediante sanções legais.” (VIEIRA, 2001, p. 37). Junto às transformações no âmbito político, o movimento ambientalista e os conceitos ligados ao ambientalismo criaram novas categorias jurídicas e uma nova perspectiva sobre os direitos e a cidadania. Com o fortalecimento do movimento ambientalista na política internacional os direitos da quarta geração surgiram para considerar o direito de gerações futuras de ter uma vida boa, digna e próspera. Esse conceito exige um cuidado maior sobre o planeta e o meio 9 Para uma introdução aos conceitos tradicionais da cidadania ver Vieira (2001) e para um estudo do desenvolvimento dos direitos que formam a cidadania ver Bobbio (1992). Para uma teoria que usa uma tipologia de cidadania ver Turner (1992). 33 ambiente no presente e traz novas formas de exercício de cidadania. A responsabilidade de cuidar do meio ambiente virou uma questão de direito e assim, a forma que os indivíduos atuam, seja na forma de reciclagem, preservação de recursos como água ou de conscientização própria, se torna uma forma de participação cívica (BOBBIO, 1992). 1.5. O espaço público Nesta seção haverá uma breve discussão sobre espaço social, destacando a esfera pública nos processos discursivos que formam a racionalização comunicativa, antes de aplicá-la ao desenvolvimento do movimento ambientalista. Para trazer a noção de sociedade civil e a ação política empreendida no movimento ambientalista para o estudo sociológico, é fundamental entender a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA esfera pública como lugar de formação e ação de atores políticos. Vieira (2001) faz isso na sua apresentação de três modelos políticos de espaço público para basear a sua discussão sobre as funções e características da sociedade civil. O primeiro é o modelo na tradição republicana, que entende o debate público em linhas definidas por relações de poder e com ênfase no conjunto social. O segundo é na tradição liberal, que pensa no espaço público em termos do mercado onde a competição determina o debate. O terceiro modelo é de um espaço público discursivo, destacado na teoria de Habermas, onde através da linguagem e da deliberação as partes se comunicam e é isso que determina o debate. (VIEIRA, 2001). Duas décadas depois da sua primeira obra principal, The Structural Transformation of the Public Sphere (publicado primeiro em 1962), a Teoria da ação comunicativa (publicado primeiro em 1981) ressalta muitos elementos fundamentais. Antes de estabelecer a teoria que destaca o modelo de espaço público discursivo, Habermas (2003b) fez um estudo sobre a esfera pública burguesa que desenvolveu na Europa durante o século XVIII com o crescimento da burguesia, da econômica liberal, e da política democrática. Nesse livro, Habermas ilustrou o declínio da esfera pública burguesa, ao longo do século XX, com mudanças nas relações do Estado e a sociedade, o surgimento da sociedade de massa e a formação do estado de bem-estar social. 34 A esfera pública burguesa foi um lugar onde esse grupo urbano em ascensão, formado por pessoas com uma igualdade de condições, podia debater e atuar de forma coletiva. O estabelecimento desse espaço contribuiu para a alteração da economia e facilitou o enfrentamento dos poderes políticos tradicionais. De forma geral, ajudou a criar um espaço dentro da sociedade onde indivíduos participaram em processos e discussões que pertenceram à vida pública de uma forma igualada. Habermas, então, chama a atenção para a transformação desse espaço e as mudanças nas relações entre as outras esferas da sociedade. Ele observa que as esferas do Estado, do mercado, do privado, e do público, não tinham as mesmas demarcações claras que antes. Essa observação influenciou conceitos tradicionais da esfera pública e abriu a porta para discussões sobre a esfera pública como um espaço social livre e inclusivo para discussão e participação num plano igualitário10 (HONNETH & JOAS, 1991). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA No trabalho original de Habermas, o conceito da esfera pública aludiu a um ideal de democracia plural e burguesa. Esse idealismo induziu a uma discussão crítica e um debate que produziu uma quantidade grande de literatura representando várias perspectivas. Cohen e Arato (1992) partem do conceito da sociedade civil no qual Habermas trabalha, mas se preocupam com a validade desse modelo hoje em dia e procuram analisar uma esfera pública pós-burguesa. Eles concluem que com a integração complexa do Estado, o mercado e a mídia, no mundo da vida, nos processos de produção cultural e de cultural política, a esfera pública funciona para democratizar as instituições e a política em geral. Os autores fazem uma análise profunda da política democrática contemporânea, chamando por uma reconstrução da sociedade civil, mas mantém a base conceitual nas ideias apresentadas por Habermas. Mais do que uma crítica, como no caso de Fraser, eles oferecem uma extensão analítica da obra de Habermas que chama para mais racionalização do mundo da vida através da expansão e fortalecimento da esfera pública. 10 Uma das críticas mais fortes originou no pensamento feminista. Nancy Fraser (1990) discute os limites da esfera pública burguesa e chama a atenção para a presença de uma variedade de esferas públicas que atuam na negociação de interesses particulares e coletivos. Os chamados subaltern counter publics funcionam na esfera pública para dar voz aos indivíduos e grupos que geralmente não alcançam espaço dentro das esferas públicas mais dominantes (como a esfera pública burguesa). Assim, Fraser crítica o conceito de Habermas enquanto parte desse mesmo para formular sua teoria. 35 Em resposta a essas críticas e discussões, Habermas (2003a) reformula seu modelo de política discursiva e ação baseada no debate e o consenso para resolver os pontos de conflito, mas sempre reitera a importância do conceito em si. Em um texto mais recente sobre esse tema, Direito e Democracia, o autor define a esfera pública como um fenômeno social básico. Não é uma instituição, nem uma organização ou uma estrutura normativa; não regula, mas é um sistema que mesmo que tenha limites internos, é aberto ao exterior. Nas palavras dele, “... a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela, os fluxos comunicacionais são filtradas e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas...” (HABERMAS, 2003a, p. 92). Assim, de acordo com sua teoria da ação comunicativa, essas opiniões fazem parte do mundo da vida e são legitimadas. Embora o trabalho contínuo de Habermas seja aberto e flexível para dialogar com PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA a crítica, está sempre fundado na sua teoria da ação comunicativa. A definição reformulada do conceito da esfera pública é utilizada por Habermas na sua discussão contínua da democracia pluralista na teoria social para tentar examinar a base de legitimação de poder na comunicação e a formação de políticas legítimas ou ilegítimas. Habermas (2003a) aborda a discussão deste conceito usando duas teorias. A primeira sendo uma teoria econômica de democracia que destaca a política deliberativa como um conceito procedimental, e a segunda (que Habermas critica) sendo de um sistema de regulação onde a sociedade tem a capacidade de auto-organização. Na segunda, há uma inadequação em relação ao modelo de política deliberativa de Habermas porque o Estado tem um papel importante de garantir a integração das entidades organizadas na esfera pública. Na primeira, a “política racional da vontade” não deve ser procurada “apenas no nível individual das motivações e decisões de atores isolados, mas também no nível social dos processos institucionalizados de formação de opinião e de deliberação.” (HABERMAS, 2003a, p. 72). Para Habermas, o Estado é um pré-requisito para a regulação social através da administração da lei. Essa ênfase na institucionalização parte da ideia que uma sociedade totalmente descentrada não pode manter a unidade. Assim, um sistema de auto-organização não tem a capacidade de estabelecer um lugar de reprodução da sociedade “em sua totalidade” (HABERMAS, 2003a, p. 75). Aqui, de acordo com o modelo discursivo, a linguagem e o mundo da vida possuem a 36 capacidade de encaixar a sociedade como um todo. Chamando para um Estado mediador, Habermas não aponta para um sistema fechado com uma sociedade paternalista que desconsidera o poder comunicativo que possuem os cidadãos e a sociedade civil. Em vez de ver o Estado como regulador ineficiente pesado com uma sobrecarga, o Estado pode funcionar abertamente para solucionar problemas de regulação e do poder comunicativo. É com essa visão sociopolítica que Habermas discute o conceito da esfera pública e da sociedade civil. Habermas entra em detalhes dizendo que, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA “... a esfera pública é um sistema de alarme dotado de sensores não especializados, porém, sensíveis no âmbito de toda a sociedade. Na perspectiva de uma teoria da democracia, a esfera pública tem que reforçar a pressão exercida pelos problemas, ou seja, ela não pode limitar-se a percebê-los e a identificá-los, devendo, além disso, tematizá-los, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de ser assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar.” (HABERMAS, 2003a, p. 91). A aplicação da teoria da ação comunicativa dentro de um conceito de democracia pluralista, no qual a esfera pública influencia o Estado de direito, traz a socialização baseada na comunicação a um nível de poder comunicativo. Isso acontece através da formação de opiniões focalizadas que podem ser transformadas numa opinião pública de qualidade. Para Habermas, essa influência é possível somente quando as opiniões entram nas “convicções de membros autorizados” e assim causam resultados concretos nas ações de eleitores, funcionários e parlamentares, entre outros. São “processos institucionalizados” que determinam a transformação da opinião pública em poder político, portanto também estabelecem e permitem a medida da legitimidade da influência dessas opiniões (HABERMAS, 2003a, p. 94-95). Segundo esse modelo, a formação da opinião pública é resultado da ação comunicativa de diversos atores na esfera pública. O argumento da sociedade civil de Walzer (1995) explica a composição desses atores e reforça a importância do modelo discursivo para a esfera pública. Na discussão do conceito da sociedade civil, Habermas também responde à crítica e o debate relacionado às suas formulações anteriores. Ele concede que a sociedade civil hoje em dia não é a sociedade civil no sentido liberal, formado pela classe burguesa, nem no conceito 37 marxista original onde a sociedade civil se constitui no espaço que o Estado não está presente. Nas palavras de Habermas, “O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro de esferas públicas.” (HABERMAS, 2003a, p. 99). Habermas chama a atenção para atores e fenômenos novos em sociedades democráticas hoje, como a mídia e os meios de comunicação em massa, que tem um papel importantíssimo na deliberação discursiva e na produção e reprodução PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA do mundo da vida. É claro que não estamos, e nunca estivemos, no tipo ideal da esfera pública burguesa, mas esse conceito mantém seu valor heurístico. Ainda é possível aplicá-lo para analisar a função de política democrática, e também é aplicável no contexto das mudanças no campo político no nível internacional e a reflexão da função da esfera pública no âmbito internacional. A construção de uma esfera pública global é indispensável para a ação política relacionada a questões do meio ambiente, e mantém sua base no modelo discursivo de Habermas. 1.6. A esfera pública internacional Muita crítica do modelo original da esfera pública burguesa nasce na visão idealista que a apresenta como um espaço aberto, neutro e pluralista. No seu estudo inicial da transformação desse espaço social, Habermas não enfrentou o fato que esse ideal nunca foi realizado. Contudo, em resposta à crítica, ele simultaneamente reconhece os limites desse modelo e defende a sua essência. No texto sobre a esfera pública hoje em dia, Manuel Castells (2008) destaca que o conceito da esfera pública atual é muito diferente do tipo ideal burguês, mas afirma a importância desse modelo ideal pelo seu valor analítico. Castells usa o conceito da esfera pública habermaseana para analisar o debate público em sistemas democráticos. A esfera pública nas palavras de Castells “is the 38 cultural/informational repository of the ideas and projects that feed public debate.” É onde são facilitadas a atuação, o debate e a influência da sociedade civil no sistema político de representação baseada no equilíbrio entre o Estado, a sociedade civil, e os cidadãos (CASTELLS, 2008, p. 79). Embora a evidência histórica seja contra a noção da esfera pública como um lugar neutro e aberto para a construção de significados, ainda se pode destacar o papel importante desse espaço na construção das políticas nas quais uma sociedade opera. Neste são formadas, deformadas e reformadas as representações e opiniões de uma sociedade nas quais, na teoria de ação comunicativa, formam o mundo da vida. Castells chama a atenção para duas formas sociopolíticas que esses processos estão construídos em cima do tecido cultural dentro do mundo da vida. A primeira é unilateralmente por instituições políticas numa expressão de dominação e a segunda, por outro lado, por indivíduos grupos e associações da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA sociedade civil, e pelo Estado, na esfera pública. Na primeira forma os indivíduos não fazem parte das instituições e por isso a comunicação não acontece entre os atores e a falta de legitimidade no sistema representativo resulta numa crise de autoridade. Na segunda forma, de cooperação entre setores variados da sociedade, a estrutura e dinâmica do sistema político e dos processos políticos são definidas e facilitam a política democrática legítima (no sentido habermaseana). A democracia é fundada na relação do Estado e a sociedade civil e quando a sociedade não tem voz dentro da esfera pública o Estado como resultado não funciona para servir a sociedade (CASTELLS, 2008). Vieira, junto com Castells, chama a atenção para a crise na esfera pública nacional dentro do contexto dos novos processos de globalização e o efeito desta na função e no papel do Estado. Eles enfatizam três elementos desse novo contexto: primeiro apontam para a importância da sociedade civil global, e a formação de uma esfera pública internacional; segundo afirmam a existência da sociedade civil global, nesse novo contexto, junto às formas de governança global como a ONU e entidades regionais como nas Américas, na África e na Europa; finalmente destacam que no espaço político e institucional onde o poder soberano não aplica a esfera pública internacional é formada pelas relações entre Estados e atores não estatais. Aqui, é possível inferir que o mesmo processo de formação de valores, opiniões e consenso através da racionalização comunicativa, que acontece a nível 39 nacional, aplica para o âmbito internacional, mas, a este nível, as formas e a construção da esfera pública são menos claras. A reativação da esfera pública garante a prática de cidadania e a função do sistema democrático baseado na representação dentro do novo contexto de política internacional. Nas palavras de Castells, a crise na esfera pública nacional torna a esfera pública internacional muito relevante. Ele diz que “without a flourishing international public sphere, the global sociopolitical order becomes defined by the realpolitik of nation-states that cling to the illusion of sovereignty despite the realities wrought by globalization.” (CASTELLS, 2008, p. 80), (VIEIRA, 2001). Essa dinâmica tem implicações para o movimento ambientalista e para a ecopolítica voltada às questões como a crise ecológica e à procura por sustentabilidade e soluções para os problemas ambientais. Uma questão atual que o mundo vivencia é que os processos econômicos, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA políticos e sociais estão com um alcance muito além das fronteiras e barreiras nacionais. “Not everything or everyone is globalized, but the global networks that structure the planet affect everyone.” (CASTELLS, 2008, p. 81). A década de setenta foi uma época importante para essa transformação estrutural em relação a muitas questões, inclusive a questão ambiental. Com a UNCHE em Estocolmo, a primeira reunião desse tipo na comunidade internacional, a questão do meio ambiente se tornou central junto às questões tradicionais da comunidade internacional como a segurança e os direitos humanos. Junto a essas questões, e talvez de forma maior, o meio ambiente é uma questão que é relevante para o mundo inteiro. Olhando pela lente dos processos globalizados, o meio ambiente torna o mundo menor do que nunca. A política e as chamadas para soluções voltadas a essa questão revelam os limites de fronteiras nacionais. A sociedade civil global é um termo que junta formas de organização variadas (que podem ser contraditórias e competitivas) e sua ascensão é, em parte, devido ao papel diminuído do Estado soberano e o fortalecimento de um regime internacional. Uma análise do movimento ambientalista a nível internacional reflete a incapacidade do Estado de lidar com uma questão de alcance global, e destaca a atuação da sociedade civil global e o surgimento da esfera pública global nos debates e nos processos democráticos (VIEIRA, 2001). Neste sentido, se destaca as conferências da ONU sobre o meio ambiente como lugares de estabelecimento de maior espaço público a nível internacional e como momentos 40 discursivos para a articulação de diversos interesses e a racionalização comunicativa. A análise da UNCHE e a UNCED revela mudanças ao longo dos vinte anos que as separaram e indicam a ascensão e o caráter do movimento PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ambientalista, além de refletir sobre o debate sobre o meio ambiente. 2 O movimento ambientalista em suas arenas discursivas A discussão sobre o papel da sociedade civil global é fundamental num estudo sobre o movimento ambientalista. No entanto, trata-se de um desafio, visto que essa tarefa nos leva à águas não muito navegadas. Não existem as mesmas referências e relações claras entre sociedade e Estado nas quais os conceitos tradicionais da sociedade civil foram construídos. Como apresentado no capítulo anterior, e como destacam Vieira (2001) e Habermas (2003a), a sociedade civil funciona hoje em dia num campo independente que ultrapassa e transforma o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Estado e o mercado. No âmbito internacional, a sociedade civil menos transcende as definições e demarcações das fronteiras nacionais. Até bem pouco tempo havia o Estado, como entidade estruturante, e a sociedade, como coletivo de indivíduos ou de instituições. Agora, no âmbito internacional e nacional, existe a sociedade civil independente dos Estados, na forma de uma grande rede de associações, organizações e movimentos, cujos membros se aproveitam de uma variedade de eventos, fóruns, congressos, e outras arenas discursivas para atuarem. As Nações Unidas constituem um sistema político internacional, onde a sociedade civil global atua, estabelecendo um espaço público para o debate e a negociação, bem como para a formação de consensos e acordos comuns. Além das reuniões e conferências oficiais sobre temas específicos, a Carta das Nações Unidas criou um mecanismo para garantir a participação de entidades não estatais. O ECOSOC (o Conselho Econômico e Social) é um importante órgão que viabiliza a participação direta de representantes não estatais nos processos e decisões políticos da ONU. O papel do Estado continua destacado no sistema da ONU, mas, mesmo assim, os debates entre Estados (como no conselho de segurança), e com entidades não estatais (como a sociedade civil global no ECOSOC) facilitam a criação do consenso e, portanto, a formação legitima de opiniões a serem traduzidas na forma de políticas e normas internacionais. No âmbito das questões ambientais, pelo caráter e história própria do movimento ambientalista, a sociedade civil internacional criou muitos espaços para se 42 articular e participar nos processos discursivos da ONU. Comparado a outras questões centrais debatidas na ONU, como os direitos humanos ou a segurança, o meio ambiente conseguiu atravessar uma gama de temas da política internacional, ganhando na década de setenta uma atenção que vem crescendo exponencialmente. A questão do meio ambiente não entrou subitamente no debate da ONU. Antes dos anos 70, esteve presente em debates sobre questões mais tradicionais, como a segurança alimentar ou a proliferação nuclear. A partir de 1972, no entanto, entraram em discussão as relações entre seres humanos e meio ambiente, e possíveis consequências das mesmas, as quais se tornaram uma questão básica nos debates e para a formação política (GALIZZI, 2005). Nesse ano foi realizado a UNCHE (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano), evento no qual o meio ambiente foi apresentado como um assunto que deveria ser PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA discutido de maneira independente, em razão de importância que lhe foi atribuído na época. Esse debate ao nível internacional marcou novas prioridades, mas em 1972 o foco permaneceu na poluição industrial e na preservação. Neste momento, ainda não foi percebido como uma questão global de importância para o mundo inteiro. A conferência foi um evento muito importante para o movimento ambientalista, a ecopolítica e a sociedade civil, por seu tamanho, alcance e formato. A conferência estabeleceu um espaço público aberto à articulação de elementos da sociedade civil e de Estados, fortalecendo desse modo o próprio o movimento ambientalista no sistema internacional. A UNCHE foi um momento discursivo onde a negociação e a formação de opiniões num sistema plural de deliberação discursiva consagraram o movimento ambientalista e um conjunto de conceitos e valores relacionados. Vinte anos depois, em 1992, foi realizada a UNCED (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento), marcando um segundo momento discursivo importante, na qual a legitimidade do movimento ambientalista e os debates e políticas efetuados em 1972 foram rediscutidos e consolidados. Antes de entrar em detalhes sobre os processos de preparação das conferências, críticas e resultados, é essencial entender porquê e como esses eventos surgiram. Examinar as origens das conferências contextualizará sua realização, contribuindo para uma análise mais aprofundada do papel da sociedade 43 civil nos processos discursivos e nas transformações do movimento ambientalista contidas. 2.1. As origens das conferências ambientalistas A Resolução 2398 (1968) da Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu a fundação administrativa e conceitual para a UNCHE, que aconteceria em 1972. Na ocasião, foi proclamado que os seres humanos deveriam estar no centro dos problemas ambientais e, a partir disso, as atividades humanas tornaram-se centrais para o entendimento da crise ecológica. A postura oficial da ONU destacou três pontos: a) que a ameaça ao meio ambiente era uma criação humana, b) que existia a necessidade de remover os obstáculos existentes à cooperação internacional que impediram a procura por soluções a nível nacional e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA internacional, e c) que a conferência tratava de interesses de toda a espécie humana. A Resolução começa declarando que “...the relationship between man and his environment is undergoing profound changes in the wake of modern scientific and technological developments.” Mais a frente, o documento destaca que “...the need for intensified action at the national, regional and international level in order to limit and, where possible, eliminate the impairment of the human environment and in order to protect and improve the natural surroundings in the interest of man.” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1968). Esse documento estabelece claramente, portanto, desde as primeiras linhas, a articulação da questão do meio ambiente em relação às atividades humanas dentro da ONU. Antes, a proteção ao meio ambiente fazia parte dos debates na ONU, mas somente em relação ao sistema econômico internacional e à sua organização. Neste contexto, a discussão foi limitada às questões de produção e extração de recursos. Não obstante, a partir dos anos setenta, o debate sobre o meio ambiente saiu dos limites das questões econômicas tradicionais e, através do debate pluralista dentro da ONU, ganhou maior alcance (TAVARES, 1999). Sem dúvida, a UNCHE estabeleceu a direção para o debate sobre o meio ambiente para as décadas seguintes, chegando aos mais diversos setores da sociedade em diferentes partes do mundo. A Conferência foi resultado direto da 44 atenção internacional crescente aos problemas e aos efeitos cada vez mais evidentes e graves das crises ecológicas. O campo político se abriu para além da discussão sobre preservação e conservação, incorporando ao debate questões sobre a qualidade de vida geral das populações no mundo, como, por exemplo, o alívio da poluição. Os conceitos e princípios consolidados durante a UNCHE, através deste novo espaço discursivo para a racionalização comunicativa, formaram a base para ação política relacionada às questões do meio ambiente e para a elaboração da agenda ambiental atual. Uma mudança significativa na direção e foco do movimento ambientalista é evidente dentro do espaço de discussão constituído durante a UNCHE, mas as origens dos valores, perspectivas e discursos, associados com isso residiram apenas principalmente na sociedade civil dos países altamente industrializados. Embora crises ecológicas tivessem criado situações problemáticas em países com PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA os mais variados perfis, situados nos hemisférios sul e norte, a atenção da sociedade civil e da opinião pública às questões ambientais tiveram origem na Europa Ocidental, Austrália, Japão e Estados Unidos. Nas décadas dos 60 e 70, no contexto da Guerra Fria, as questões sobre o meio ambiente, como outros temas políticos ou econômicos, se destacaram sob a lente do conflito político e ideológico entre o Ocidente e o Oriente. Assim, o questionamento do modelo de desenvolvimento industrial, que foi central na articulação do movimento ambientalista durante essa época, foi utilizado como mais uma arma ideológica. Nos países capitalistas, por exemplo, era fácil explicar as crises ambientais globais como resultado do modelo socialista de industrialização. Seguindo essa linha de análise, a prática de chamar a atenção para as falhas do socialismo soviético revela mais uma fonte possível para o fortalecimento do movimento ambientalista nos países capitalistas mencionados acima. Outro elemento importante na formação do movimento ambientalista e da opinião pública sobre o tema nesses países, que não por acaso eram os mais economicamente poderosos, foi o fato que desde o fim da Segunda Guerra Mundial passaram por vinte anos de crescimento econômico ininterrupto. Como resultado, a classe média fortalecida havia suprido relativamente as necessidades 45 básicas de saúde, habitação, educação e alimentação.1 Assim, foi possível para a sociedade civil, e a sociedade em geral, formar novas prioridades, destacar novas ideias na base da sociedade e fundar novos comportamentos e práticas. Em outros países com uma sociedade civil ativa durante as décadas dos 60 e 70, do Leste Europeu e América Latina, por exemplo, a preocupação estava voltada às liberdades básicas e às questões de direitos políticos e civis. Em países como EUA, Austrália e Japão, os grandes setores da sociedade dotados de meios políticos e econômicos para considerar os efeitos de ações humanas sobre a ecologia, tinham a capacidade de olharem-se no espelho, de questionar o que viam e de adotar medidas para alterar seu modo de vida. Com a ajuda de livros como Silent Spring (1962) de Rachel Carson, no contexto de transformação cultural maior da década dos 60, a sociedade civil foi mobilizada. A opinião pública foi impactada e mudanças nos padrões de produção e consumo entraram em foco PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA (LAGO, 2006). No contexto de transformação cultural ampla e da introdução de novas práticas ambientalmente “consciente” na base da sociedade, a UNCHE marca a transição do meio ambiente como uma questão predominantemente científica para uma questão cada vez mais política e econômica. Ao nível internacional, em países com graus diferentes de desenvolvimento, industrialização e riqueza (financeira e natural), essa transição foi abordada de acordo com o contexto interno de cada país. Portanto, na ONU, havia fortes diferenças de opinião, expectativas e necessidades entre os participantes da conferência. Nesse contexto, destacou-se o lado político e econômico do debate relacionado à questão do meio ambiente, e uma grande divisão entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento em torno do conteúdo do debate na UNCHE e das direções a serem tomadas (BIERMANN, 2004). Na UNCHE, dois textos científicos influenciaram muito a formação das opiniões, principalmente dos países desenvolvidos, afetando o desenho da questão ambiental em linhas econômicas e políticas. The Limits to Growth (1972), do Clube de Roma, foi escrito por diversos autores e cientistas e representou a visão pessimista do modelo de desenvolvimento presente. Destacou que a origem da 1 Ronald Inglehart (1990) observou a substituição desses valores materialistas para novos valores pós-materialistas que enfatizam a qualidade de vida das comunidades e das pessoas. 46 crise ecológica encontrava-se em um modelo de desenvolvimento que não considerava o fato dos recursos naturais serem finitos. Chamou a atenção para a necessidade de transacionar as tendências de crescimento atual para um modelo equilibrado a fim de evitar uma crise catastrófica global. Aqui, a questão do crescimento econômico de países em desenvolvimento, que queriam seguir o modelo industrial, foi destacada como uma ameaça a ser evitada. Também, o livro Blueprint for Survival (1972) anunciava uma crise global catastrófica, chamando a atenção para a necessidade de limitação e controle da população mundial. Esse último também destacou o crescimento populacional de países em desenvolvimento. Os dois textos representaram uma grande parte do pensamento e discurso dos países desenvolvidos expressos antes e durante a UNCHE. Apresentaram um diagnóstico baseado nas projeções e conclusões de certos cientistas, negadas pelos representantes de países em desenvolvimento. Por isto, e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA por seu caráter alarmante, levantaram diferenças de interesses entre países com graus diferentes de desenvolvimento gerando, como resultado, ainda mais discussão política e econômica pouco fundamentada pelos termos científicos (LAGO, 2006). A divisão entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento com respeito às questões ambientais, tanto a nível internacional quanto a nível nacional, foi estabelecida e destacada na UNCHE. Os países ricos valorizaram conforto, saúde mental, redução da poluição e qualidade de vida, enquanto os países que não alcançaram o mesmo nível de desenvolvimento econômico priorizaram a exploração de recursos para necessidades materialistas básicas de comida, vestuário e habitação. Um símbolo como uma chaminé enfumaçada poderia ter, nesse sentido, significados muito diversos em países diferentes. Embora as perspectivas não fossem iguais, ocorreu na UNCHE, entretanto o fato histórico de publicação de documentos que apresentavam objetivos compartilhados por países que a rigor possuíam graus de desenvolvimento muito diferentes. Uma nova era da política internacional e do movimento ambientalista nasceu com o acordo firmado para avançar na cooperação internacional e no tratamento da questão ambiental (UDALL, 1973). A UNCHE permanece um marco histórico para o movimento ambientalista, ao nível da política internacional e do espaço público global. Como um momento discursivo, a conferência faz parte de um processo contínuo de 47 realização de um entendimento comum sobre o meio ambiente. Através dos processos discursivos, os países que não possuíram as condições políticas e econômicas para disseminar as críticas relacionadas à crise ecológica na opinião pública, e não desenvolveram um movimento interno forte na sociedade civil, participaram nos debates e na formação dos acordos. O nível dessa inclusão e a qualidade do debate determinariam a influência e a legitimidade da nova agenda ambiental e do movimento ambientalista. 2.2. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE) A UNCHE, em Junho de 1972, aconteceu em Estocolmo e foi a primeira grande reunião das Nações Unidas dedicada à questão do meio ambiente, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA marcando a articulação da questão do meio ambiente pela comunidade internacional. Entre os 113 países que estariam presentes na conferência, representantes dos governos de apenas os seguintes 27 países participaram no Comitê Preparatório: Argentina, Brasil, Canadá, Chipre, Cingapura, Costa Rica, EUA, França, Gana, Guiné, Índia, Irã, Itália, Iugoslávia, Jamaica, Japão, Ilhas Maurício, México, Nigéria, Países Baixos, Reino Unido, República Árabe Unida, Suécia, Tchecoslováquia, Togo, União Soviética e Zâmbia (LAGO, 2006). Desde as reuniões preparatórias, foi visível que o caminho para Estocolmo havia deixado os países em desenvolvimento insatisfeitos. Esses países apresentavam uma variedade de perspectivas, inclusive a percepção de que as preocupações sobre o meio ambiente somente pertenciam aos países industrializados. Através da política multilateral, acharam que os países desenvolvidos queriam impor legislação ambiental através das normas internacionais para reprimir ou ameaçar o futuro desenvolvimento da indústria e dos setores produtivos. O Secretário-Geral da UNCHE, Maurice Strong, foi sensível às atitudes dos países em desenvolvimento e destacou a importância de considerá-las para assegurar a legitimidade e o sucesso da conferência. Um passo grande no processo preparatório foi a Resolução 2657 da XXV Assembléia Geral (1970), que declarou a necessidade de considerar as políticas ambientais no contexto de desenvolvimento econômico e social e levar em conta as necessidades dos países em desenvolvimento. Strong destacou a importância da inclusão desses 48 países na discussão preparatória e na realização da conferência, adotando uma série de medidas para garanti-la (LAGO, 2006). O Secretário-Geral convocou o Grupo de Peritos sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em Junho 1971, no qual foi produzido o Founex Report on Development and Environment (nomeado pela cidade na Suíça, onde se reuniram os participantes), voltado diretamente às relações entre o meio ambiente e o desenvolvimento. O documento expressou as preocupações de países em desenvolvimento, ressaltando as tensões entre países com graus diferentes de desenvolvimento. Estabeleceu, ainda, a base para os debates e as políticas a ser desenvolvidos na UNCHE. Com o apoio de países em desenvolvimento, o Relatório Founex ilustrou a sua postura, estabelecendo muitos conceitos que seriam incluídos na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, um dos três documentos principais produzidos na UNCHE. Vários princípios chamaram a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA atenção para as consequências das novas preocupações ambientais da comunidade internacional da perspectiva dos países em desenvolvimento como, por exemplo, a) os efeitos negativos nas exportações dos países em desenvolvimento resultantes de regulação ambiental, b) a necessidade de monitorar barreiras comerciais baseadas em preocupações ambientais e c) os altos custos financeiros para compensar os padrões ambientais elevados. Contudo, o Relatório Founex chamou a atenção para a potencialidade do ambientalismo para fomentar o desenvolvimento. Países podiam aproveitar das considerações ambientais para criar novas indústrias e produtos; portanto, a responsabilidade ambiental não necessariamente significava um mau negócio para a grande do mundo, podendo atender a necessidades de desenvolvimento. Esses princípios não apenas estabeleceram o tom da UNCHE, determinando ainda argumentos da agenda ambiental que se tornariam clássicos da negociação política internacional para as próximas décadas (MAURICESTRONG.net, 1971), (LAGO, 2006). O Relatório Sobre o Estado do Meio Ambiente foi coordenado por Barba Ward e René Dubos em 1971, durante a terceira sessão do Comitê Preparatório em Nova York, e foi outro texto fundamental para o processo preparatório da conferência em Estocolmo. Esse segundo Relatório, que criou preocupação para alguns países em desenvolvimento pela possibilidade de contrariar os princípios de Relatório Founex, teve contribuições principalmente de especialistas identificados com o movimento ambientalista de países desenvolvidos. Assim, 49 ecoava no texto o tom alarmante sobre o impacto humano no futuro do planeta, expresso pelos países presentes na conferência. Depois do processo preparatório, esse Relatório foi publicado como um livro, cujo título trazia o mote central da conferência: Only One Earth (WARD & DUBOS, 1972), (LAGO, 2006). Sem dúvida, Only One Earth destacou as preocupações dos países desenvolvidos, mas, como implicado nesse slogan, defende a importância da cooperação internacional para lidar com as questões ambientais. Embora essa mensagem seja chave para a UNCHE e para o futuro do movimento ambientalista internacional, a declaração de Only One Earth foi problemática para os países em desenvolvimento que questionaram para quem e na visão de quem existe apenas uma terra. A perspectiva que prescrevia a limitação do crescimento econômico, ou sua interrupção, foi estabelecida de diferentes maneiras em textos influentes como The Limits to Growth e Blueprint for Survival, sendo, entretanto, plenamente PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA rejeitada pelos países em desenvolvimento. A consideração dessas duas perspectivas opostas pela conferência indica o seu caráter discursivo. Como o Secretário Geral Maurice Strong indicou com seu apoio para a reunião em Founex a forte participação dos países em desenvolvimento no processo preparatório aumentou a possibilidade de sucesso em Estocolmo. Para o movimento ambientalista e para a ação política voltada às questões ambientais, 1972 foi marcante não apenas pela formação de espaço discursivo que fomentou a racionalização comunicativa — que comparada com 1992 vinte anos depois foi bastante incipiente — como também pela maior participação da sociedade civil a nível internacional. A conferência abriu o processo preparatório à observação por ONGs, as quais tiveram uma influência sobre a agenda geral e sobre os representantes dos governos presentes. As ONGs agiram como consultores no processo de preparação e na realização da conferência e seu papel foi central no estabelecimento da agenda (TAVARES, 1999). Embora não houvesse precedente para a participação de ONGs em termos numéricos, a sua presença ressaltou o já descrito desequilíbrio: somente 10% das ONGs representaram países em desenvolvimento. A participação limitada de representantes da sociedade civil desses países, por circunstâncias políticas e sociais internas, foi um fator significante da inclusão de opiniões alternativas na UNCHE e da direção do movimento ambientalista internacional (CONCA, 1995), (HAAS, 1992). 50 Embora os países em desenvolvimento clamassem por reformas, como levantado no Relatório Founex, pode-se entender essa postura como defensiva. A base do conflito envolvendo a questão ambiental residiu no setor produtivo, concentrando-se nas áreas industrial, de agricultura e de energia. Tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento esses setores resistiram muito à regulação e a legislação ambiental. No final da década dos 60 e o início dos 70, diante de novas leis e restrições, o setor produtivo teve que responder às demandas ambientais. Em alguns casos o setor produtivo chegou a incorporar os valores e práticas do movimento ambientalista. Em outros casos, para não prejudicar os fins produtivos e ainda para demonstrar compromisso com a proteção ambiental, contornou legislação ambiental existente e manipulou a atenção da opinião pública e da mídia. Uma maneira de manter o status quo produtivo em países desenvolvidos no novo contexto foi desviar a atenção para os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA países em desenvolvimento, livrando-se dessa maneira da responsabilidade ambiental. A resposta foi uma postura defensiva contra o peso da responsabilidade de mudar. Como resultado, no debate internacional, essas tensões e a resistência contra a necessidade de mudar, funcionaram para tirar a atenção, em países desenvolvidos tanto quanto nos em desenvolvimento, de demandas internas para maior proteção do meio ambiente e poucos avanços reais aconteceram (LAGO, 2006). Para nações pobres, normas internacionais como ponto de partida para lidar com crises ambientais significaram a restrição do seu desenvolvimento econômico, enquanto os países ricos continuaram a consumir a grande maioria dos recursos do planeta. Assim, para quem valorizava uma abordagem multilateral, como para o político americano Stewart L. Udall (1973), foi estabelecida uma divergência entre o Norte e o Sul que implicou na limitação dos resultados da cooperação internacional. A respeito da UNCHE, Udall observa que “...two diametrically opposite approaches to the environment met head-on at Stockholm and the predictable result was an impasse which produced only promised studies and token reforms.” (UDALL, 1973, p. 724). Esse impasse pode ser traduzido em um elemento fundamental que separou esses grupos. Para os países altamente industrializados, a proteção do meio ambiente foi abordada de forma autônoma da economia. Por exemplo, nos EUA, o Clean Air Act (1963 /1970) e a subsequente criação do Environmental 51 Protection Agency (1970) se dirigiam ao controle e à avaliação científica e legislativa. Não atendeu às questões sobre a estrutura social e a economia nacional. Nos países em desenvolvimento, por outro lado, a abordagem da questão ambiental não podia ser separada da questão econômica e social. Assim, a proteção ambiental não podia tomar a mesma forma daquela adotada em países como os EUA. Proteção em si, definida por técnicos e recursos científicos, significava limitar o desenvolvimento econômico e o não uso de recursos naturais. Não podia aliviar a degradação ambiental porque nos países em desenvolvimento os problemas eram outros. Isso quer dizer que a pobreza e a desigualdade social extrema nesses países exigiam uma abordagem para a questão ambiental que considerasse as conexões diretas entre a economia, a sociedade e a proteção ambiental (HAAS et al., 1992). Trinta anos depois da UNCHE, Maurice Strong fez algumas reflexões no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA livro Worlds Apart: Globalization and the Environment (2003). Ele destaca três elementos da conferência: a) que as diferenças entre países em desenvolvimento e os mais industrializados ficaram claras e não foram resolvidas, b) que os temas do meio ambiente e o desenvolvimento se tornaram centrais nas negociações internacionais, e c) que o maior sucesso e impacto para o futuro das Nações Unidas foi a criação de um modelo para negociações e acordos cooperativos que inclui os países em desenvolvimento ao debate (STRONG, 2003). Segundo Habermas, essa ênfase procedimental e discursiva criou a base para a racionalização comunicativa necessária para a questão ambiental e os acordos estabelecidos se institucionalizarem de forma legitima e justa. Conforme a perspectiva, ou o assunto específico, a UNCHE pode ser considerada um sucesso ou um fracasso. A falta de consenso sobre o resultado da conferência e a complexidade dos assuntos relevantes permite dizer que não foi um sucesso total, tampouco um fracasso total. De qualquer modo, é possível apontar para as áreas em que a UNCHE produziu resultados concretos. Com a participação das ONGs e a aprovação de dois textos importantes, a UNCHE consagrou o meio ambiente como uma questão nova para a ação política e como um meio para relacionamento entre nações e povos. O primeiro texto importante foi uma declaração de princípios, A Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment (1972), no qual 26 princípios foram estabelecidos, refletindo os conceitos da Resolução 2398 (1968), documentando o consenso 52 internacional sobre as questões ambientais. O segundo texto foi “O Plano de Ação para o Meio Ambiente Humano”, que listou 109 recomendações a serem adotadas pelo sistema internacional e consideradas pelos Estados-membro para lidar com as questões ambientais. (LAGO, 2006), (GALIZZI, 2005), (TAVARES, 1999). Outro resultado importante da UNCHE foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP). Esse órgão virou um tipo de consciência ambiental da ONU cuja declaração de missão reflete o tono da conferência – “To provide leadership and encourage partnership in caring for the environment by inspiring, informing, and enabling nations and peoples to improve their quality of life without compromising that of future generations.” (UNEP, Mission Statement). O UNEP promove debates sobre questões ambientais a nível nacional e regional, e como resultado facilita o relacionamento com ONGs nacionais e internacionais (TAVERES, 1999). O Programa produziu uma PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA movimentação abrangente de expansão das discussões sobre o tema pela sociedade civil e pelo movimento ambientalista. Nos países onde não havia muita atuação na área ambiental, a UNEP estimulou a criação de entidades nacionais e ONGs focadas na questão do meio ambiente aptas a tratar de situações nacionais e a dialogar com o sistema internacional. Em muitos casos, a UNEP depende de ONGs e da sociedade civil para coletar informações não distorcidas (por governos ou setores resistentes à fiscalização internacional ambiental) e para preencher os espaços não ocupados pelos Estados (LAGO, 2006). Um dos resultados mais importantes, embora menos visível ou tangível que os documentos e instituições, foi o fortalecimento da própria ONU no que diz respeito ao seu modelo multilateral de organização e de negociação internacional. Essa conquista gerou uma série de outras conferências e debates nos anos seguintes e, segundo os conceitos na teoria de ação comunicativa, representa a racionalização das instituições internacionais através de processos discursivos. O tema ambiental entrou definitivamente na agenda internacional multilateral, destacando novas prioridades, valores e ideias, e estabelecendo uma fundação para futuras negociações relacionadas ao meio ambiente. A criação do UNEP, o apoio das ONGs e a articulação dos seus interesses nesse cenário, expandiram a possibilidade para a futura cooperação e coordenação com a sociedade civil. Em Estocolmo a sociedade civil global se definiu de uma nova forma, diversificando-se, e onde as diferenças entre as ONGs que atuaram na área 53 ambiental ficaram claras. Aqui os diferentes discursos ambientalistas começaram a surgir e se relacionar: ONGs naturalistas ou conservacionistas, trabalhando dentro do discurso científico; outras mais tradicionais, enfocando nas questões originais do movimento ecologista; e ainda ONGs militantes, questionando o desenvolvimento industrial e o modelo econômico internacional. A partir da UNCHE, a gama de perspectivas e discursos ambientalistas começou a crescer e se desenvolver. O precedente que a conferência estabeleceu, em relação à participação de ONGs, favoreceu a expansão do movimento ambientalista e a sua base na sociedade civil (LAGO, 2006), (LE PRESTRE, 2000). A UNCHE efetuou a fundação institucional para ação e negociação política em relação a questões do meio ambiente, estabelecendo uma base discursiva a fim de buscar consensos na comunidade internacional. Da perspectiva dos países em desenvolvimento, um consenso internacional tinha que levar em PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA conta seus interesses em relação ao desenvolvimento econômico. Esses países exigiram garantias ou reparações para as perdas resultantes das restrições impostas pelos novos padrões ambientais relacionadas, por exemplo, à redução da renda das exportações e ao surgimento de novos custos decorrentes de adequações à legislações ambientais. Ademais, esses países apoiaram resoluções protegendo os princípios de direito nacional de soberania e de exploração de recursos naturais próprios estabelecidos no Princípio 21 da Declaração da UNCHE (UNEP, 1972). O sucesso dos países em desenvolvimento em estabelecer e fazer avançar sua agenda constituiu uma faca de dois gumes. Embora a conferência houvesse fomentado acordos sobre as 109 recomendações que formam o Plano de Ação, a intenção original de criar consenso e estabelecer normas internacionais foi prejudicada. Stewart L. Udall, político e acadêmico americano, que passou a toda a carreira destacando a importância das questões ambientais, vocalizou sua crítica no artigo “Some Second Thoughts on Stockholm” (1973) depois da conferência dizendo que a cooperação internacional foi subvertida e que o estabelecimento de normas concretas foi limitado pelos interesses políticos e econômicos nacionais. Udall não comemorou o novo regime internacional da proteção ao meio ambiente pelo fato de não constituir reformas e normas concretas para sua implementação e pela falta de vontade política por parte de países, desenvolvidos ou não, para produzir um caminho progressista no sistema internacional (UDALL, 1973). 54 Udall ressalta neste texto as tensões entre países com graus diferentes de desenvolvimento. Segundo o autor, a partir da UNCHE, os países ricos tinham que considerar as demandas e preocupações dos países em desenvolvimento. Entretanto os desenvolvidos acreditavam que seguir o caminho atual do modelo de desenvolvimento inevitavelmente resultaria em descuido e negligência ambiental nos países em desenvolvimento. Para Udall, faltou uma visão alternativa de desenvolvimento que permitisse uma mudança maior, exigida pela situação da época. Ao outro lado da brecha política, As propostas dos países desenvolvidos para restrições ambientais que limitariam taxas de desenvolvimento, representaram para muitos países um caminho para intensificar a desigualdade econômica já existente no sistema econômico internacional. Assim, os limites da nova consciência global e da cooperação internacional ficaram claros. Udall expressa a decepção dos ambientalistas que esperavam que a conferência criasse PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA medidas para correções e ações para enfrentar a crise ecológica. No entanto, para essas pessoas, a UNCHE acabou sendo um exercício de retórica eloquente e não um palco para iniciar planos de ação decisivos (UDALL, 1973). Como um momento discursivo, segundo a teoria de ação comunicativa de Habermas, a UNCHE possibilitou a criação de um espaço aberto para os argumentos em disputa, embora, para muitos observadores, os avanços concretos alcançados tenham sido pouco expressivos. A crítica de Udall coloca em questão a capacidade da racionalização comunicativa de sair do âmbito da linguagem e entrar no âmbito institucional e de mudança concreta. As decepções de Estocolmo levantaram questões muito importantes nos debates sobre o meio ambiente e na política multilateral das Nações Unidas. Udall percebeu a incapacidade dos Estados-nação contemporâneos para lidar com a crise ecológica global e fornecer soluções para mudanças progressistas. A conferência tinha muito potencial, mas falhou porque os grandes assuntos ecológicos eram considerados menores do que outros temas caros às discussão políticas entre nações pobres e seus vizinhos mais ricos, como, por exemplo, os conflitos internacionais desencadeados em tempos de Guerra Fria. Nesse contexto de compromisso perpétuo e diplomacia cautelosa, a UNCHE tornou-se mais uma luta por força ideológica e contestação ousada; não foi um lugar para articular uma visão de toda a humanidade para cooperação internacional e proteção mútua do meio ambiente. A conferência representou uma 55 oportunidade para a descolonização dos interesses geopolíticos e ideológicos do mundo das relações internacionais e para mudar o foco ao meio ambiente. Os participantes receberam um mandato legítimo, justificado e apoiado, para abrir mais espaço para a realização dos processos voltados ao entendimento comum. As expectativas eram altas, mas as possibilidades desse espaço foram limitadas com a tendência de preservar as forças ideológicas e políticas já existentes. Udall expressou essa decepção quando resumiu sua crítica: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA “The innocuous declarations and vague agreements at Stockholm clearly attest to the current unwillingness of nations to subordinate their narrow interests to our imperiled global ecosystem. While some have praised the Conference as a momentous step forward, I submit that history will judge Stockholm as a missed opportunity, a failure to think holistically and to identify the approaching perils of global catastrophes.” (UDALL, 1973, p. 728). Para Udall a necessidade de pensar holisticamente para encarar a crise ecológica global foi prejudicada pelas grandes divergências da conferência e pela proteção de interesses particulares. Udall critica como a reunião de Estocolmo acentuou a maneira descentralizada e fragmentada de lidar com as questões ambientais. Setores e programas diferentes da ONU abordaram tarefas diferentes relacionadas aos novos desempenhos ambientais. Por exemplo, pesquisar sobre o uso do solo para a eliminação ou tratamento de resíduos e reciclagem foi delegado na Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento industrial, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e a Organização Mundial de Saúde. Da mesma forma descentralizada entidades muito diferentes foram indicadas para compartilhar informações entre si a fim de alcançar melhores resultados em trabalhos realizados separadamente por cada uma delas: a Comissão Oceanográfica Intergovernamental junto a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a Organização Mundial Meteorológica, a Organização Marítima Internacional, a Organização Mundial de Saúde, a Agência Internacional de Energia Atômica, a Organização Internacional Hidrográfica, e o Conselho Internacional para a Exploração do Mar. Todos esses braços do sistema internacional continuam trabalhando de forma descentralizada para promover discussões, troca de informações e a definição de normas. Contudo, a preocupação apresentada por Udall é a dificuldade neste sistema de criar políticas muito 56 substantivas. A UNCHE criou a Secretaria do Meio Ambiente das Nações Unidas e o Environment Coordination Board (parte do UNEP) como órgãos centralizados para lidar com questões ambientais, que não têm uma ênfase gerencial e nem o poder para capitanear e desenvolver um programa internacional. Para Udall falta ao esquema organizacional a concentração necessária de recursos para administrar ações que se dirigem à crise ecológica (UDALL, 1973). Esse caráter descentralizado também é refletido nas 109 recomendações aprovadas na UNCHE. Falta uma direção unificada e organizada para a efetivação das mesmas, as quais são frequentemente abordadas por mais de uma instituição. Embora a inclusão de perspectivas, valores e ideias nos debates e nos resultados da conferência seja objeto de crítica por Udall, não se pode desprezar o efeito legitimador que ela produz do ponto de vista da teoria da ação comunicativa. A incapacidade de pensar holisticamente e identificar o perigo iminente de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA catástrofes globais pede um entendimento comum compartilhado, possibilitado pela ação comunicativa. A UNCHE não criou normas concretas e mecanismos para enforcar legislação ambiental, mas criou uma estrutura para a organização multilateral e espaço para o debate pluralista. Através de uma análise dos resultados da UNCHE é possível reconhecer aquilo que Habermas destaca na teoria da ação comunicativa. Não se trata de buscar uma conclusão sobre os efeitos da conferência, mas antes, de compreender a conferência como o início de um processo. Não era necessário para os participantes chegar a um acordo ou a uma conclusão final ou que fosse ótima, dentro do quadro limitado de possibilidades. O que vale, e o que tem efeito legitimador, é a realização dos processos que possibilitam a formação de tal acordo ou conclusão, algo que reside no coração da teoria da ação comunicativa. A existência de um espaço discursivo que permita a ocorrência da racionalização comunicativa, não necessariamente tem uma correlação com caráter quantitativo de resultados. No contexto de busca de políticas e regulações internacionais para lidar com a crise ecológica e gerenciar os recursos naturais, a legitimidade da discussão não produz eficiência e políticas concretas. Segundo a teoria da ação comunicativa, os sistemas são eficientes, mas são fechados e totalizadores. A eficiência exigida por alguns para lidar com a crise ecológica não é legítima porque neste caso os interesses particulares determinam o debate e não um processo discursivo aberto e pluralista. Só através da racionalização do mundo 57 da vida – dos processos discursivos que fomentam a racionalização comunicativa, do debate pluralista, e da participação da sociedade civil – as políticas e instituições burocráticas são legítimas. 2.3. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED) A UNCED foi outro momento discursivo importante para o movimento ambientalista e para o sistema internacional da ONU. Como seu antecedente em Estocolmo, a UNCED quebrou recordes. Foi a maior reunião de países e organizações nacionais e internacionais até aquela data. Em Inglês, o chamado Earth Summit, e em Português conhecido como a Rio-92, promoveu uma reunião sem precedentes de representantes de governos e da sociedade civil do mundo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA inteiro. Em Junho de 1992, a cidade do Rio de Janeiro quebrou recordes recebendo um total de representantes de 172 países, dos quais 108 eram chefes de Estado ou de governo. Além disso, foi marcado pela a grande presença da sociedade civil organizada em diversas ONGs. Segundo os dados das Nações Unidas, 1.400 ONGs participaram diretamente na conferência, enquanto membros de mais 7.000 ONGs formaram um evento paralelo, chamado Fórum Global. O evento incluiu ainda quase 10.000 jornalistas (UNITED NATIONS, 1997). Sem dúvida, a Rio-92 foi o momento de maior interesse no meio ambiente do século XX. Segundo a Resolução 44/228 (1989), que convocou a UNCED, depois de considerar resoluções do ECOSOC, do UNEP e recomendações de países membros, a conferência teria como objetivo “elaborate strategies and measures to halt and reverse the effects of environmental degradation in the context of increased national and internacional efforts to promote sustainable and environmentally sound development in all countries.” (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1989). Na Rio-92, os debates chegaram além dos problemas associados com a poluição e a conservação. O meio ambiente virou uma questão com proporções globais. Da Resolução 44/228, nasceu o processo preparatório para a realização da Rio-92. Esse texto estabeleceu 23 objetivos para a conferência, divididos em quatro grupos: (i) identificar estratégias regionais e globais; (ii) reunir objetivos 58 relacionados à degradação ambiental e o quadro econômico mundial; (iii) incluir questões sobre a formação de recursos humanos, educação, cooperação, e informação; (iv) abordar os encaminhamentos institucionais para a execução das decisões da conferência (LAGO, 2006). A Resolução também estabeleceu a convocação de cinco sessões preparatórias (PrepComs) abertas aos membros da ONU para negociar acordos sobre três temas centrais: a mudança climática, a diversidade biológica e as florestas. Esses foram claramente construídos como questões globais. Ademais, objetivou a criação de uma “Carta da Terra”, mais tarde intitulada como Declaração do Rio, destacando o caminho futuro para a realização do desenvolvimento sustentável, e, ainda, de um Plano de Ação, que, por visar o século diante, seria chamado de “Agenda 21”. Mesmo que a Agenda 21 não fosse o documento mais importante do processo preparatório, com certeza foi o mais extenso. Com 40 capítulos, o Plano PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA de Ação teve 85% de suas proposições aprovadas pelos participantes ao final dos cinco PrepComs. Esses dados indicam a grande tarefa e dificuldade para alcançar o consenso e a participação coletiva dos membros da ONU (LE PRESTRE, 2000). Na Rio-92, os debates e o número de participantes foram muito maiores que em Estocolmo. Portanto, e dentro do modelo da ONU baseado no consenso, cresceu também a importância de estabelecer um entendimento comum. A Agenda 21 foi resultado do processo de criação de consenso entre a comunidade internacional, e as ideias e princípios nela expressados definiram o futuro do debate sobre o meio ambiente dentro e fora da ONU. Para resumir, o Plano de Ação conferiu novas dimensões ao sistema internacional visando estimular todos os setores da sociedade, os governos, a sociedade civil, os setores produtivos, acadêmicos e científicos, a abordar o desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 destacou a cooperação internacional entre esses setores para poder mudar o pressuposto limitador que separava o desenvolvimento econômico da proteção do meio ambiente (LAGO, 2006). O processo preparatório foi construído sobre quatro eixos principais. Aquele em que governos chegariam a um acordo sobre a agenda e aos conteúdos através de reuniões preparatórias e desenvolvimento de posições regionais ou entre países com interesses comuns, chamado de eixo político. Aquele onde especialistas independentes e de organizações internacionais definiram os problemas e as opções possíveis para resoluções, chamado o eixo científico. 59 Aquele em que ONGs ambientalistas, desenvolvimentistas e sociais influenciariam a agenda propondo soluções, chamado o eixo civil. Finalmente, o eixo em que os participantes negociariam e assinariam as convenções sobre a diversidade biológica, a mudança climática e as florestas (LE PRESTRE, 2000). Para o eixo civil, o processo preparatório foi de importância primária. Desde a Resolução 44/228 de 1989 até a realização da Rio-92 destacou-se o tamanho e forma de organização por parte de ONGs de diversos tipos. O UNEP, criado em Estocolmo, contribuiu nesse sentido com a primeira pressão institucionalizada para ampliar a participação da sociedade civil no sistema internacional. Esse crescimento das ONGs provavelmente foi motivado pelas mudanças na política internacional e regional ocorridas durante as décadas de 70 e 80, relacionado a um fortalecimento da sociedade civil e dos movimentos sociais e, consequentemente, do próprio movimento ambientalista. As ONGs PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ambientalistas se expandiram e a necessidade de assegurar a participação de ONGs de países desenvolvidos e em desenvolvimento, no debate tornou-se clara. No início do processo preparatório estavam presentes somente organizações ambientalistas e grupos lobistas industriais dos EUA, Canadá e a Europa Ocidental. No entanto, antes do fim dos cinco PrepComs, 1.420 organizações do mundo inteiro foram autorizadas a participar na Rio-92, através de um processo mais flexível de credenciamento (TAVARES, 1999). A Resolução 44/228 convidava ONGs internacionais e nacionais, membros ou não da ONU ou da ECOSOC, a contribuir na preparação da Rio-92. Houve uma série de conferências regionais para coordenar as posturas que se diferenciaram de acordo com os tipos de organização e de regiões, além de outras reuniões políticas como, por exemplo, a do G7 e da União Europeia, destinadas à estabelecer suas posições particulares. Estados produziram e apresentaram relatórios sobre suas experiências nacionais, resumindo os progressos e problemas relacionados ao desenvolvimento sustentável nos seus territórios. No total, 75 documentos como estes foram recebidos em 1991, e 139 em 1992, que, juntos, somavam cerca de 18.000 páginas. Além da coleta dessa grande quantidade de informação, a Resolução 44/228 estabeleceu a maior participação de ONGs em um processo preparatório para uma conferência internacional, as quais contribuíram diretamente na formação da agenda da conferência e, portanto, nos textos produzidos. Além disso, a sociedade civil foi representada não apenas por 60 essas organizações, mas pela comunidade científica, industrial e numerosos sindicatos (LE PRESTRE, 2000). A diversidade de participantes em 1992 reflete o fato de que a questão ambiental tinha alcançado um público muito maior. Uma das mudanças mais evidentes, de 1972 para 1992, foi a entrada da questão ambiental na teoria econômica e no mundo dos negócios. A perspectiva empresarial, que exerceu grande influência na Rio-92, foi expressa no livro Mudando o Rumo: uma perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente (1992), publicado pelo empresário suíço Stephan Schmidheiny. O otimismo do fim da Guerra Fria foi acompanhado por incerteza e crise nos discursos e estruturas políticas e econômicas tradicionais. Isto sacudiu o mundo dos negócios no mundo inteiro. O meio ambiente e o desenvolvimento econômico se destacaram como as áreas de preocupação mais elementar, resultado não apenas da nova dinâmica da PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA política internacional, mas também da aceitação das inegáveis ligações entre esses campos. Em 1992, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu e se consolidou como o discurso quase oficial comum aos campos do movimento ambientalista e das empresas, por prometer a conciliação da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento econômico (LAGO, 2006). Imediatamente, a Rio-92 propunha a criação de um novo mundo. O rumo do desenvolvimento sustentável podia resolver a crise ambiental e a crise de desenvolvimento para gerar mais prosperidade de uma maneira douradora. Nas palavras de Le Prestre (2000), duas décadas depois da UNCHE, caso a comunidade internacional “... se empenhasse em catalisar a cooperação internacional em favor de uma seria de ações concretas e ambiciosas com vistas ao crescimento econômico, à melhora da qualidade de vida dos indivíduos e à proteção do meio ambiente natural.” (LE PRESTRE 2000, p, 202). O conceito de desenvolvimento sustentável, adotado na Rio-92, foi anteriormente consolidado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como a Comissão Brundtland por ser presidida, desde sua criação em 1983, pela Primeira-Ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland. O relatório que essa Comissão publicou primeiro em 1987, Nosso Futuro Comum (1991) – conhecido como o Relatório Brundtland – antecipava a proposição das ideias e dos procedimentos adotados na Rio-92, dando o tom para as próximas duas décadas de política internacional relacionada 61 às questões ambientais. Seu significado pode ser comparado com a do Relatório Founex na época da UNCHE na medida em que ofereceu alternativas que não excluíram o desenvolvimento dos países pobres e as preocupações sobre os padrões de produção e consumo de países mais ricos. Em Estocolmo, a maior parte do êxito foi relacionada à consideração da perspectiva dos países em desenvolvimento. Por isso, o Secretário-Geral Maurice Strong, responsável pelo forte apoio do Founex, foi chamado novamente para presidir a conferência em 1992. No Relatório Brundtland, foi estabelecido o foco no desenvolvimento sustentável como uma abordagem integral do problema ambiental. Ele destacou ainda o papel especial das ONGs, expressando a necessidade de estimular mais a criação dessas organizações e a atuação das mesmas para compensar as falhas de governos e manter o interesse público e político voltado à proteção ambiental. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Assim, essa visão, que chegou a dominar o discurso do movimento ambientalista, não apenas juntou os elementos econômicos e ambientalistas através da conclusão que os dois se reforçaram mutuamente, mas, consolidou a importância das ONGs nessa discussão (LAGO, 2006), (TAVARES, 2000), (COMISSÃO MUNDIAL, 1991). Provavelmente a maior diferença da Rio-92 quando comparada a UNCHE de 1972, foi não apenas o aumento do volume e da participação de ONGs, como também o fato de que parte significativa desses órgãos eram provenientes de países em desenvolvimento (que em 1972 somente representava 10% das ONGs), fruto da atividade política crescente em vários países desde a década dos 70 e do fortalecimento da sociedade civil principalmente nos países da América Latina e no Leste Europeu. Com essa expansão da sociedade civil, explodiu o número de ONGs na década dos 90. A dinâmica interna entre as ONGs, e em relação ao sistema da ONU, determinou em parte o procedimento da Rio-92. Havia grupos distintos de ONGs com perspectivas, abordagens e objetivos diferentes. As ONGs políticas, como, por exemplo, os representantes de Partidos Verdes da Europa e de países em desenvolvimento, sentiram-se frustrados com a tendência da Rio-92 a reproduzir os debates de Estocolmo e com os limites das ONGs para influenciar a política. As ONGs interessadas em uma transformação social abrangente, através de consciousness-raising, em vez de pressionar diretamente com uso da ação política, formaram um grupo distinto e igualmente frustrado. De qualquer 62 maneira, esses grupos e organizações estavam presentes e podiam vocalizar suas atitudes e prioridades para contribuir com debate crescente sobre o meio ambiente (CONCA, 1995). A variedade de ONGs que participaram na Rio-92 foi expressiva. Algumas eram ambientalistas, outras desenvolvimentistas; algumas eram grandes entidades, outras buscavam serem mais visíveis; algumas estavam presentes para promover uma agenda política, outras participaram para formar um estatuto consultivo oficial; algumas faziam parte de delegações nacionais, outras eram independentes. As mais ativas eram as ONGs internacionais como a União Internacional para a Conservação da Natureza (WWF), o Environmental Defense Fund (EDF), Greenpeace e os Amigos da Terra. Essas não representaram nações especificas, agindo internacionalmente, mas geralmente apoiavam uma agenda ambiental que refletia os interesses dos países em desenvolvimento nas questões sobre os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA padrões de consumo, as transferências financeiras, a reforma econômica internacional e o controle de instituições internacionais de desenvolvimento. Assim, essas ONGs enfatizaram essas questões, apoiando a ação direta para a implantação de políticas. Procuraram ainda ampliar os debates sobre questões ambientais aproveitando-se do contexto de abertura à participação política e de desenvolvimento de democracia local, que no fim legitimaria ainda mais o modelo discursivo internacional (LE PRESTRE, 2000), (GALIZZI, 2005). A criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD) como órgão de implementação e regulação de políticas internacionais ressaltou o papel das ONGs na UNCED e o fortaleceu no sistema internacional. Embora a CSD e os documentos importantes produzidos na conferência abrissem muito espaço para as ONGs, ainda permaneceram limites à sua influência, pois mesmo que o número de ONGs envolvidas na Rio-92 tenha superado as expectativas, devido ao processo de credenciação flexível, nem todas tiveram acesso. Isso não impediu, contudo, a participação das organizações que desejavam acompanhar a conferência. Um Fórum paralelo ao Rio-92 foi formado por aquelas as quais estava vedado acesso direto às negociações oficiais. O “Fórum Global” criou um espaço alternativo de discussão, aproveitando-se da visibilidade favorecida pela presença dos meios de comunicação internacional para se envolver nos debates da Rio-92. A influência das ONGs que tinham acesso direto às negociações também era limitada. O fato de que muitas ONGs receberam financiamento de governos 63 limitou a sua participação como um terceiro setor independente. Além disso, o acordo sobre a Declaração e a Agenda 21 não resultou em mecanismos que exigidos para fazerem os Estados-membro da ONU a cumprirem as ações previstas, diminuindo dessa maneira o peso da influência das ONGs (TAVARES, 1999), (LE PRESTRE, 2000). As ONGs tinham mais influência nas áreas da Agenda 21 onde não encontravam resistências pelos Estados. Eram as áreas para as quais os governos ainda não haviam adotado políticas específicas. Em geral, eles estavam a favor da proposta, ou não temiam que teriam que comprometer recursos financeiros substanciais. Em outras palavras, tratavam-se das áreas apenas relacionadas a questões não polêmicas. A dinâmica de compromisso entre as ONGs e os Estados criou uma atmosfera que não divergiu das negociações e compromissos firmados entre Estados (TAVARES, 1999). No espírito de debate aberto e pluralista, além PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA da negociação entre os participantes, havia uma forma de negociação entre os temas diversos que as ONGs representavam. Os temas globais abrangentes que receberam muita atenção no sistema da ONU, como os direitos humanos, a saúde e populações indígenas, se cruzaram com a agenda ambiental e por vezes diluíram as fronteiras das questões ambientais. Nesse contexto, ficou difícil determinar onde terminavam as preocupações ambientalistas e onde começavam os interesses sobre outras questões (TAVARES, 1999), (CONCA, 1995). No fundo da variação entre perspectivas e agendas representadas na Rio92 havia uma nova divisão no mundo. Isso existia em Estocolmo, mas, devido ao novo contexto político internacional nos anos 90, essa nova ordem se tornou central aos debates e aos resultados. A conferência em Estocolmo estava restrita a divisões definidas pela Guerra Fria e relacionadas a problemas de economia política e soberania nacional. A Rio-92 refletiu uma nova divisão global delineada economicamente e não politicamente. Não existia mais a separação política do Oriente comunista e Ocidente capitalista. Agora o mundo estava dividido entre o Norte e o Sul, embora essa nova divisão tenha continuado tão arbitrária em termos geográficos quanto a anterior. Essa organização espacial localizou a maioria dos países industrializados no hemisfério norte e os países considerados em desenvolvimento no hemisfério sul. Assim, como em Estocolmo, através da interação entre governos e organizações de países com graus diferentes de desenvolvimento e de riqueza, dos mais industrializados aos menos 64 industrializados, existiram prioridades e perspectivas diferentes com respeito ao meio ambiente. A grande distância entre o grau de desenvolvimento dos países do Norte e do Sul foi acompanhada pelas diferenças entre os dois grupos. A nova divisão do mundo e o novo contexto político internacional deram um novo aspecto ao debate de 1992. O aumento no número de ONGs participantes (liderado pelo Brasil desde a UNCHE) que favoreceu a representação de países em desenvolvimento e o fortalecimento dos seus interesses no debate internacional ressaltou o novo caráter da discussão de 1992 (BIERMANN, 2004). No final dos anos 80 a discussão sobre a convenção a respeito das mudanças climáticas aconteceu dentro da UNEP com a Organização Metrológica Mundial (WMO), que tinha uma orientação técnica e científica. A partir de 1990, a mudança dessa negociação na Assembleia Geral da ONU, para um campo político e econômico, beneficiou os países em desenvolvimento. Isso PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA atendeu melhor aos interesses dos países em desenvolvimento na medida em que queriam melhorar os índices econômicos antes de levar em consideração os índices ecológicos. No debate pluralista do sistema internacional a questão do meio ambiente foi tratada na Rio-92 de uma maneira que permitiu melhor entendimento e acordo entre países e legitimou os resultados da conferência (LAGO, 2006). Como em Estocolmo, os resultados da Rio-92 foram diversos. Nesse momento discursivo de grandes proporções, os objetivos foram sujeitos a interesses e estratégias políticas diferentes. Da mesma maneira que alguns países adotaram uma postura defensiva durante a UNCHE para proteger interesses nacionais, na Rio-92 o objetivo principal para alguns Estados foi de bloquear ou impedir os acordos com respeito aos elementos contrários aos seus interesses particulares. Nas negociações sobre mudanças climáticas, por exemplo, os países produtores de petróleo objetivaram a resistência total; da mesma maneira os Estados Unidos bloquearam avanços com respeito à redução de emissões. Por outro lado, os países puderam adotar uma estratégia ativa e objetivar dirigir um debate relevante para impor sua definição sobre problemas específicos ou soluções propostas. Para a decepção de muitos, as posturas defensivas e os interesses políticos de países e grupos particulares ressaltaram as negociações de Estocolmo, dificultando um debate aberto e produtivo (LE PRESTRE, 2000). 65 A divisão do Planeta entre Norte e Sul provou-se problemático para a definição dos interesses e os objetivos que determinaram o debate da UNCED. Na Rio-92, os interesses dos países do Sul foram destacados como se formassem um grupo uniforme, embora suas demandas não necessariamente formassem um bloco único. Tampouco, da mesma maneira, os objetivos homogêneos dos países desenvolvidos criaram problemas na definição das agendas. Mesmo assim, de forma geral, os países industrializados compartilharam os objetivos de evitar a obrigação financeira gerada por medidas e soluções acordadas na conferência, e de impedir a criação de novas instituições fortes para gerenciá-las. Não queriam que a Rio-92 se transformasse num debate sobre desenvolvimento e medidas para fomentá-lo, as quais gerariam efeitos negativos para suas economias nacionais (LE PRESTRE, 2000). Os países industrializados apoiaram, entre outros temas, um acordo sobre PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA florestas, convenções sobre mudança climática e biodiversidade, a ação internacional que visava os problemas ambientais numa escala mundial, o princípio do poluidor-pagador, e mais estudos técnicos e científicos sobre os impactos ambientais. Ainda entre esses países, objetivos diferentes às vezes os dividiram em grupos opostos. A União Europeia e o G7, por exemplo, eram grupos que mantinham os interesses comuns descritos acima, embora divergissem quanto a outros objetivos2 (LE PRESTRE, 2000). Para os países em desenvolvimento, a formação de uma agenda compartilhada poderia ter ajudado na negociação com os interesses dos países industrializados. Havia a oportunidade de criar uma visão alternativa dos problemas ambientais a nível mundial, mas as diferenças internas e os objetivos individuais limitados dos países em desenvolvimento dificultaram um acordo entre eles mesmos. O maior obstáculo na Rio-92 foi a visão míope direcionada apenas às vantagens de curto prazo e ao resultado financeiro imediato ao invés de olhar além, em busca de reformas a longo prazo. Os países em desenvolvimento foram agrupados de maneiras diferentes: entre estes havia os mais pobres, os destituídos, ou os ricos em recursos naturais 2 A EU é uma união política e econômica que destaca os interesses comuns regionais relacionados à instituições como cortes e bancos. O G7 também é um grupo com interesses políticos e econômicos de representantes de sete países industrializados. 66 (todos possuindo objetivos diferentes e por contrários). Outros grupos formados por esses mesmos países eram o G77, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC), a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) e as economias em transição. Embora esses grupos não formassem um grupo unido, os PrepComs que precederam a Rio-92 facilitaram a criação de uma agenda geral dos países em desenvolvimento na qual se encontravam priorizadas a pobreza dos Estados e dos indivíduos. Os países em desenvolvimento também acordaram que os problemas ambientais resultavam do modo de consumo abusivo dos países ricos e do sistema internacional desigual, os quais podiam ser resolvidos através do desenvolvimento. Assim, o foco na soberania e no direito de utilizar recursos naturais permaneceu e a maioria se opôs a uma convenção obrigatória sobre as florestas, fonte econômica importante para muitos países em desenvolvimento, como o Brasil. O G77 (com 130 membros) reafirmou o direito dos princípios de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA desenvolvimento, aproveitando-se da questão ambiental para conseguir apoio para seus objetivos de crescimento econômico, de controle sobre ações de bancos internacionais de desenvolvimento e de obtenção de ajuda financeira para cumprir os novos compromissos de proteção do meio ambiente (LE PRESTRE, 2000), (BIERMANN, 2004). O tamanho e dimensões da Rio-92 era inédito e, como em Estocolmo, os documentos produzidos e aprovados forneceram uma base para as negociações futuras no sistema internacional. A importância da questão do meio ambiente na agenda internacional, vinte anos depois da UNCHE, foi reafirmada e seu significado reiterado. O fato de a conferência ter sido realizada em um país em desenvolvimento refletiu que a questão e a preocupação ambiental ao nível global não existia apenas nos países ricos, e também que o espaço público para debate e participação da sociedade civil estava mais aberto. Sob diversos pontos de vista, a conferência foi um grande sucesso, embora tenha sido objeto de críticas importantes. Na Rio-92, pela utilização do documento que a funda, Nosso Futuro Comum (1991), e pela influência e participação dos governos e ONGs de países em desenvolvimento, o desenvolvimento sustentável se destacou como conceito principal e duradouro. Este documento estabeleceu a sustentabilidade na base de um novo paradigma de cooperação internacional, embora seu significado e função não tenham ficado muito claros. A definição do desenvolvimento sustentável 67 adotado na Rio-92 foi bastante vaga, e continua assim até hoje, dificultando um acordo sobre o conceito, que por esse motivo ficou aberto à interpretação e manipulação. “Afinal, o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração de recursos, a orientação dos investimentos, os rumos de desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras.” (COMISSÃO MUNDIAL, 1991, p. 10). Essa linguagem geral da Comissão Brundtland é muito atraente, mas assim que o desenvolvimento sustentável surgiu como uma maneira de formar as relações entre os países surgiram preocupações sobre sua compatibilidade com os processos de globalização contemporânea. Para alguns, o rumo de globalização econômica e política representava um obstáculo para implementação desse novo paradigma face ao crescimento do modelo neoliberal, de empresas transnacionais e dos padrões elevados de produção e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA consumo (LAGO, 2006). Além do fortalecimento do desenvolvimento sustentável como o discurso ambientalista dominante, outros temas principais eram estabelecidos nos textos produzidos durante todo a deliberação da conferência. A Declaração do Rio e a Agenda 21 eram os documentos mais definitivos: expressaram o interesse da comunidade internacional na cooperação, visando à ligação entre o desenvolvimento e o meio ambiente, estabelecendo medidas para realizar os objetivos mútuos. Os temas das florestas, mudanças climáticas e biodiversidade também receberam atenção específica, apesar de não ter-se chegado a um acordo geral sobre eles. Uma Declaração sobre as Florestas foi escrito e todos os participantes concordaram sobre o conteúdo. Convenções sobre mudanças climáticas e sobre a diversidade biológica foram discutidas, mas não receberam o mesmo reconhecimento nos anos que seguiram à Rio-923 (LE PRESTRE, 2000), (GALIZZI, 2005). 3 Um acordo sobre a convenção sobre biodiversidade foi bastante apoiado, mas com certeza não foi consensual. Os EUA, por exemplo, com fortes interesses dos setores de agricultura e biotecnologia em mente, resistiram a essa negociação. Quatro anos depois, em 1996, os EUA assinaram o acordo que falta ser ratificado no Congresso. O acordo sobre mudanças climáticas foi destacado por vários países e especialistas. A falha dessa negociação não impediu o avanço da questão. A convenção basear-se-ia na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima que produziu mecanismos internacionais sem precedentes como o Protocolo de Kioto, o qual recebeu apoio abrangente quando assinado em 1997. 68 Como na discussão de Estocolmo, definir a Rio-92 como um sucesso ou um fracasso é uma tarefa difícil. Contudo, é importante descrever os documentos e os resultados concretos da conferência e analisar os pontos de crítica junto às perspectivas diferentes nas quais se originaram. Vinte anos após Estocolmo, perduravam visões negativas e positivas sobre o êxito desse evento. Chegar a uma conclusão sobre a Rio-92 não é simples porque não foi um sucesso ou um fracasso uniforme. Para o Secretário-Geral Maurice Strong, qualquer análise ou conclusão sobre a conferência deve ser baseada nos seguintes pontos: a) na assinatura de convenções; b) na aprovação de uma Carta da Terra e um Plano de Ação; c) num acordo sobre financiamento e transferências de tecnologia; c) em reformas institucionais; e d) no fortalecimento do UNEP. Essas são as áreas concretas, nas quais se pode medir a qualidade do debate e a legitimidade dos resultados da Rio92 (LE PRESTRE, 2000). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Na sua análise da conferência, Le Prestre (2000) identifica três categorias onde as críticas se originam. Em primeiro lugar, aquelas proferidas pelas ONGs da América do Norte e Europa, para as quais não havia sido criado uma “Carta da Terra” com compromissos firmes e reformas concretas para enfocar mais nas áreas de mudança climática, biodiversidade e florestas. Elas responsabilizaram os Estados obstrucionistas como os EUA por essa falha. Em segundo, as críticas dos Estados que procuraram reformar o sistema econômico internacional através da proteção ambiental. Finalmente, das ONGs e indivíduos que destacaram que, embora fossem marginalizados pelo favorecimento dos movimentos transnacionais na agenda ambientalista, faltou questionar as estruturas políticas dominantes que mantiveram o sistema político e econômico global. Para muitos, a preparação era por demais parecida com a de Estocolmo, na medida em que enfatizava Estados e era desequilibrada pela forte influência do mundo dos negócios e das grandes ONGs do Norte. Assim, refletindo algumas críticas feitas à UNCHE, as prioridades aos problemas dos países em desenvolvimento não eram realmente atendidas, não passando de vagas promessas financeiras (LE PRESTRE, 2000). Uma grande decepção para as ONGs e os países em desenvolvimento foi a fraqueza dos meios estabelecidos para implementar as indicações da Agenda 21. Em vez de reforçar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) criado em Estocolmo, a Rio-92 criou a Comissão para o 69 Desenvolvimento Sustentável (SDC) como órgão de implementação. A SDC e as duas convenções foram encabeçadas por representantes não independentes nomeados por governos, fator que limitou o progresso e mudanças concretas. No nível nacional, de acordo com a Agenda 21, vários países criaram Comitês para o desenvolvimento sustentável para examinar a implementação dos princípios e recomendações, mas seu impacto passou a depender da atuação política contínua da sociedade e participação dos governos4. Não foi criado um mecanismo concreto dentro do sistema internacional. Tampouco criaram-se mecanismos independentes e eficientes nos países que aderiram ao desenvolvimento sustentável (LE PRESTRE, 2000). A falta de mecanismos e de resultados concretos na Rio-92 coloca em questão a legitimidade dos debates e dos acordos estabelecidos nela. Para responder a isso, segundo os critérios do Secretário Geral Maurice Strong, a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA conferência foi um sucesso apenas em parte. Contudo, quando se vê a Rio-92 como parte de um processo maior de mudança política e ontológica, seu valor como um momento discursivo fica ainda mais claro. Sem dúvida, a Rio-92 fortaleceu o movimento ambientalista, as ONGs, a sociedade civil internacional, e o caráter cooperativo das Nações Unidas. Para Philippe Le Prestre (2000), a Rio-92 foi bastante significativa. Ele escreve: “Os acordos internacionais no âmbito da ecopolítica não constituem fins em si mesmos, mas iniciam um processo. Não definem objetivos absolutos e inamovíveis ou um mandato de ação imperativa, mas servem de base a negociações e ajustamentos futuros entre os atores interessados, definindo seus parâmetros. Por conseguinte, a Conferência do Rio não foi um ponto culminante de um processo, porém uma etapa que permite compreender os limites das utopias, a complexidade dos mecanismos e as dimensões múltiplas dos problemas. Ela forneceu um meio de mobilização contínua dos governos e sociedades civis e um quadro intelectual que permitirá a consideração de interesses diversos. A despeito dos seus limites, a Conferência do Rio criou um potencial de progresso substancial e mostrou a via para uma inserção melhor da dimensão ambientalista nas políticas econômicas e nos processos de decisão.” (LE PRESTRE, 2000, p. 240). 4 A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima na Rio-92 foi assinado por quase todos os países do mundo, mas não fixou obrigações. Só nos anos seguintes os países entraram em acordos que estabeleceram obrigações sobre a redução de emissões de gases do efeito estufa, como o já citado Protocolo de Kioto. 70 Como um espaço discursivo, a Rio-92 forneceu a racionalização comunicativa, e pelo seu caráter político, a mediação de ideias e valores centrais nesse debate as legitimou, abrindo o caminho para sua institucionalização a nível nacional e internacional. A gama de representantes que participaram da conferência e o alcance da discussão demonstram a tendência desse processo a criar mais atividade na sociedade civil – assim, o próprio processo se legitima. Através dos processos discursivos, estes foram se institucionalizando e legitimando novos conceitos, valores e opiniões. Entrou na discussão por exemplo a) a precaução para evitar danos ao meio ambiente de nações vizinhas; b) o princípio de cooperação para proteger o meio ambiente através de notificações sobre quaisquer catástrofes e de compartilhar outras informações que pudessem afetar a outras nações; c) a definição da tarefa de estudar o impacto do princípio PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA de poluidor-pagador e a responsabilidade comum e diferenciada; d) a importância da consideração dos direitos e necessidades de gerações presentes e futuras e a participação de populações em decisões que pudessem afetá-las (LE PRESTRE, 2000), (GALIZZI, 2005). Esses princípios talvez não se concretizaram como compromissos por seus signatários, mas estabeleceram essas normas através de um processo discursivo que, segundo a teoria de ação comunicativa, tem o potencial de criar e transformar políticas e instituições refletidas nas práticas e opiniões públicas, criando um regime de normas e valores com base na cultura e no mundo da vida racionalizado das sociedades. 2.4. Vinte anos para frente. O que mudou? Todo o processo preparatório oficial da Rio-92, de 1989 até a realização da conferência em 1992, aconteceu durante uma época de grandes mudanças no palco internacional, com o estabelecimento de novas relações entre países e novas possibilidades políticas e diplomáticas: foi a época do fim da Guerra Fria e da redemocratização de países de América latina, um momento de mudança geral para a organização da ONU e para a sociedade civil global. Para o movimento ambientalista, esse período marcou o momento da mundialização da questão ambiental. Neste novo contexto, os problemas ecológicos e a degradação do meio 71 ambiente apontada pelos indicadores ambientais alcançaram um público muito maior. Diferentemente da conferência de 1972, realizada em plena Guerra Fria, em 1992 não havia as mesmas barreiras políticas ou ideológicas que dificultavam a cooperação internacional, impedindo a busca por soluções viáveis para crises como as ambientais, e a questão global se tornou o foco. No contexto da Rio-92, surgiu um novo otimismo sobre o futuro mundial. O fim do grande conflito que dividiu o mundo durante quase meio século abriu as portas para novas possibilidades políticas, econômicas e sociais a muitos povos, governos e indivíduos. Novas perspectivas surgiram com visões diferentes e grandes esperanças; entre as quais se destaca o “eco”, um conceito apropriado do movimento ecologista e inserido numa ampla gama de áreas para expressar o interesse e valorização da natureza (BENZ, 2000). O meio ambiente e as preocupações dos ambientalistas começaram a receber cada vez mais atenção, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA deixando de ser objeto apenas de especialistas. Em 1992, o ambientalismo já tinha sido estabelecido no debate e nos órgãos internacionais, como um espaço discursivo mais aberto com maior papel da sociedade civil nacional e internacional. No período entre 1972 e 1992 a ampliação da mobilização política relacionada às ameaças das crises ecológicas e às questões do meio ambiente não foi exponencial ou sequer estável. Na verdade, ao longo dos anos 70 e 80, houve uma variação notável no grau de interesse por essas questões em todo o mundo. Houve fases de mobilização onde programas foram adotados, e políticas e instituições foram criadas, mas houve também uma contra corrente de progressivo desinteresse. As razões dessa instabilidade são complexas, mas o fator econômico é sempre um bom indicador do sucesso ou falha de movimentos progressistas e reformistas em geral. A década dos 80, por exemplo, foi marcada pela definição de prioridades em um cenário de estagnação econômica de países europeus e de reestruturação econômica radical nos EUA. Durante a década dos 70, as políticas ambientais, como as de controle de poluição, foram bem-sucedidas e não implicaram em custos altos. Entretanto, na década seguinte houve um novo clima econômico acompanhado por preocupações a respeito de uma nova onda ambientalista. Pelos interesses políticos e do mercado que foram consagrados na década dos 80, as críticas profundas aos elevados padrões de produção e consumo encararam resistência. Neste contexto, os países mais industrializados tenderam a 72 transferir a responsabilidade por crises ambientais aos países menos desenvolvidos, para justificar a falta de atenção interna ao problema5 (LAGO, 2006), (TAVARES, 2000). O rumo do movimento ambientalista e das políticas nacionais e internacionais de 1972 até 1992 direcionou-se a uma reformulação de prioridades relacionada uma tendência à variação do nível de atenção ao meio ambiente. Na sociedade civil, depois da conferência de Estocolmo, o foco e importância dada à preocupação ambiental não rendeu frutos, embora tenha sido resultado na Rio-92. No cenário internacional, as mudanças políticas e diplomáticas, bem como os debates vinculados nas duas conferências, colocaram o meio ambiente em uma posição que ultrapassa o sistema tradicional da ONU de negociação entre Estados. Pelo caráter específico das questões ambientais, havia mais necessidade de consultar cientistas e ONGs, fazendo com que o campo de relações internacionais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA mudasse. A comparação dos processos de preparação e organização entre a UNCHE e o UNCED reflete essas mudanças, além do fato de serem processos de mão dupla. Fora do âmbito político internacional, que longe de representar um sistema perfeito, surgiram novos interesses agora aliados com o movimento ambientalista e novas relações entre a sociedade e o Estado. O caráter aberto do debate público das duas conferências abriu espaço para a discussão sobre os problemas ambientais, as crises ecológicas e as possíveis soluções. O papel da sociedade civil neste processo permitiu a elaboração de formas abrangentes de ecopolíticas. Os documentos importantes das conferências e a criação dos órgãos como o UNEP e a SDC permitiram a ampliação da participação da sociedade civil nesse debate. Portanto, a UNCHE e a UNCED deram a tom para a ampliação do espaço discursivo a nível internacional tanto quanto a nível nacional. Os resultados da UNCED foram importantes, mas a dificuldade de criar acordos concretos demonstrou uma crise no modelo discursivo da ONU e deu a tom aos impasses futuros na política ambiental internacional. Examinar as conferências como momentos discursivos marcantes revela o significado da relação entre as mudanças sociais ocorridas nos últimos cinquenta 5 O desastre nuclear de Chernobyl ocorrido na então União Soviética é exemplo disso. 73 anos e o conceito, o entendimento e a discussão sobre o meio ambiente. Através do espaço discursivo, e o debate sobre o meio ambiente que este forneceu, novas opiniões e valores sobre o mundo, a sociedade e o futuro se desenvolveram, formando novos entendimentos sobre a natureza, a política, e a sociedade civil. Os valores e os discursos ligados ao movimento ambientalista alcançaram os mais diversos setores da sociedade, ganhando legitimidade por terem promovido mudanças com base na cultura não impostas por entidades como o Estado ou o mercado, como demonstrado pelo nível de abertura dos debates apresentados anteriormente. Para que se possa entender melhor os debates promovidos a nível internacional nas duas conferências, é prudente examinar casos específicos do movimento ambientalista e a ecopolítica a nível nacional brasileiro americano e entender as diferentes posturas adotadas pelos diversos participantes nos debates realizados na ONU. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Apesar dos impasses, o debate pluralista sobre o meio ambiente funcionou durante as duas conferências, e nos vinte anos que as separaram, como a força legitimadora da questão ambiental e do ambientalismo como um novo conceito ontológico e uma maneira diferente de entender o mundo. Junto a isso, grupos e atores da sociedade civil cresceram como força social através do cultivo de valores, defesa e estabelecimento de normas associados ao movimento ambientalista. Este movimento, formado por grupos relacionados com diversos temas, trabalhou para abrir o espaço ao debate sobre o meio ambiente. Através das Conferências de 1972 e 1992, a sociedade civil entrou em uma nova etapa. As transformações de 1972 para 1992 são acompanhadas por mudanças sofridas pelo movimento ambientalista e de sua força para legitimar a ação política, os conceitos e os valores relacionados às questões sobre o meio ambiente. 3 A formação das arenas discursivas A teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas ajuda a explicar como os valores e conceitos relacionados à proteção do meio ambiente se formam num processo discursivo para criar políticas e instituições. Através do debate aberto, plural e democrático, têm-se as condições para formar políticas legitimas, com base e apoio nos valores e ideias compartilhados no mundo da vida. Durante a UNCHE e a UNCED, vimos que a participação dos países em desenvolvimento, de ONGs e representantes da sociedade civil podem contribuir para a legitimação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA do sistema de cooperação internacional e para o consenso resultado das duas Conferências. Entretanto, ainda que ambas as Conferências fossem momentos discursivos importantes na formação de um entendimento comum sobre problemas ambientais globais e sobre a necessidade da cooperação internacional, houve muita dificuldade para criar soluções consensuais a fim de fortalecer, por exemplo, a proteção do meio ambiente dentro de instituições e políticas concretas. Habermas destaca a democracia e o debate como pressupostos para a formação de valores e normas legítimos. Sua abordagem universalista para examinar a formação de instituições e políticas pode ser considerada uma forma de macropolítica que destaca os processos discursivos como uma das bases necessárias para o consenso democrático. Pelo caráter procedimental das duas Conferências em questão, tal abordagem parece adequada. As instituições democráticas criadas durante a UNCHE e a UNCED, como o UNEP e a CSD, contribuíam para a ética discursiva que Habermas identifica como integrante do caminho legítimo para a mudança social e democrática. Todavia, algumas críticas à perspectiva adotada por Habermas apontam que sua ênfase nos pré-requisitos de um espaço discursivo aberto e pluralista pode nos distrair da realidade no terreno e, por isso, haveria a necessidade de uma abordagem menos idealista (FLYVBJERG, 1998). Outro autor, Michel Foucault, como Habermas, também se interessa pela função e pela formação social de instituições nas sociedades modernas em relação 75 a temas filosóficos da razão e da subjetividade. Os dois autores muitas vezes representam duas perspectivas muito diferentes e por suas abordagens distintas muitos concluem que eles não se falam. Os dois autores tratam da emancipação de indivíduos. Enquanto Habermas acredita que isso seja possível através de uma sociedade racional e justa, Foucault discorda com o pressuposto que a racionalidade e justiça resultariam em emancipação. Para Foucault mesmo numa sociedade racional e justa existem relações de poder, dominação e subordinação onde a emancipação não se realiza e é sempre precisa. Similarmente os dois formam teorias sobre o discurso, mas, para Habermas, o discurso permite a organização social e institucionalização nas quais uma sociedade justa e racional é construída. Para Foucault, o discurso é algo mais concreto onde a dominação e as relações de poder se manifestam. Diferentemente de Habermas, Foucault não empreende uma teoria PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA abrangente e definitiva que se preocupe tanto com consistência. Foucault estabelece teorias sobre discurso, conhecimento e outros temas, mas, ao invés de apresentar uma teoria geral, ele se utiliza de mecanismos metodológicos para formar sua análise em oposição a uma teoria geral. Através de uma análise do poder, ao invés de uma teoria, Foucault examina certas instituições nas sociedades modernas e descobre elementos e características menos visíveis durante a aplicação de uma teoria geral. O alvo não é explicar estruturas e práticas sociais, mas se utilizar de uma análise crítica para expandir as dimensões da definição do poder para chegar além de discussões relacionadas a modelos legais de poder legítimo, ou modelos institucionais relacionados com o Estado, e descobrir os micro elementos e atores por detrás (DREYFUS & RABINOW, 1983). A partir de uma análise de poder, os meios para realizar a ética discursiva, que Habermas localiza na racionalização comunicativa, existem ao nível das ideias. Desta perspectiva, nas conferências da ONU, uma análise que enfatiza os processos discursivos não considera o contexto no qual as agendas diversas foram estabelecidas. Olhando o conteúdo das conferências, Habermas destaca a situação na qual os participantes determinaram o debate. Enquanto isso, Foucault formaria uma microanálise substantiva dos próprios participantes e dos discursos que estão presentes (FLYVBJERG, 1998), considerando que o espaço discursivo das conferências não existiu num vacum. Antes dos processos discursivos que formaram o consenso, os participantes chegaram ao debate com sua própria 76 bagagem e sua própria agenda – as normas e valores de cada país, que são produtos de situações e experiências específicas nacionais. Segundo o pensamento de Foucault isso determinaria a agenda e influenciaria o debate. Numa discussão sobre as relações entre o direito, a verdade e o poder, Foucault levanta alguns conceitos que podem ser aplicados na análise do surgimento do movimento ambientalista, sua institucionalização e sua entrada em diversos setores da sociedade. Na coletânea Microfísica do Poder, Foucault (2009) ressalta o direito como instrumento de dominação e, assim, possui um poder produtivo. Para Habermas, a instituição do direito precisa passar pelos processos de racionalização comunicativa para contribuir à organização da sociedade e para a produção cultural no mundo da vida. Foucault analisa a instituição do direito de forma diferente para tentar descobrir como ela pode ser mais democrática. Assim, Foucault claramente discorda da abordagem PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA habermaseana. “O sistema do direito, o campo do judiciário são canais permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O direito deve ser visto como um procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e não como uma legitimidade a ser estabelecida.” (FOUCAULT, 2009 p. 182). Os dois autores se preocupam muito com a intersubjetividade. Habermas destaca a ação comunicativa e processos discursivos como mecanismos de individualização, mas Foucault parte do conceito de poder produtivo e o mecanismo para produção de sujeitos. Considerando a importância que Foucault dá em não criar universais ou formar totalidades, uma contradição aparece – na sua análise, o poder toma o lugar como um conceito totalizador. Habermas (1994) percebe essa contradição e expressa uma preocupação sobre o conceito de poder como uma força de controle total. Esta situação não deixa espaço para a ação comunicativa e ignora a questão de agenciamento individual, que é muito importante para Habermas. Lembrando que Foucault não propõe uma teoria de poder e sua perspectiva parte de observações históricas e contextuais, podemos ultrapassar as preocupações de Habermas nessa área e nos valer das considerações metodológicas de Foucault. É claro que a abordagem do Foucault difere da de Habermas. Esse estudo sobre o movimento ambientalista e sobre a importância da ampliação e participação da sociedade civil na política internacional e nas Conferências da ONU foi fortemente inspirado nos conceitos habermaseanos, mas questioná-los 77 pode contribuir para essa discussão. O propósito não é formar uma dupla teoria, mas usar o pensamento de Foucault para abrir mais os conceitos que estão discutidos aqui. Um debate teórico sobre Habermas e Foucault não é no escopo deste trabalho, mas usar Foucault para enriquecer o levantamento metodológico implica uma crítica dos conceitos de Habermas que é importante considerar. Para Foucault, se pode fazer uma análise descendente que usa uma teoria generalizante, mas também pode fazer uma análise ascendente. Segundo o autor, a segunda opção é metodologicamente mais válida. É possível deduzir fenômenos de um fato geral global, no caso de uma análise descendente, mas, dessa maneira, se pode chegar a uma gama de conclusões que não necessariamente levam tudo em conta. Isso é um resultado que todo cientista social precisa considerar, mas parece que para Foucault o problema não é a intenção em si de encaixar tudo numa teoria totalizadora. É melhor “examinar historicamente, partindo de baixo, a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA maneira como os mecanismos de controle puderam funcionar.” (FOUCAULT, 2009, p. 185). Assim, não corre o risco de fechar um assunto para a análise. Em relação ao surgimento do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos, não significa que houve uma transformação nas opiniões das pessoas que resultaram na legitimação e na criação de políticas ambientais, mas pode-se deduzir várias coisas partindo do pressuposto geral de que a possibilidade por processos discursivos resultou na disseminação do movimento ambientalista para diversos setores da sociedade e sua institucionalização com leis e órgãos ambientais. Ao invés disso, Foucault recomenda olhar desde baixo as origens dessas instituições e do ambientalismo1. Abordar uma discussão sobre a analítica do poder de Foucault pode abrir a análise do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos para além da preocupação com a legitimidade dos modelos legais e institucionais. Para Foucault, perguntar se políticas, normas, valores, práticas e opiniões são legítimos é uma questão falsa, ou uma distração das relações de poder múltiplas e os processos de subjugação e dominação que sempre estão em jogo (mesmo quando 1 A falta de discussão sobre o meio ambiente nos textos de Foucault instigou alguns autores nos últimos vinte anos a fazer análise crítica do ambientalismo de perspectivas teóricas inspiradas na obra de Foucault. A extensão do conceito de bio-poder introduzido na Historia da Sexualidade para eco-poder é um exemplo que, entre outras ideias, é discutido por vários autores na coletânea Discourses of Environment (Org. DARIER, 1999). 78 legítimo). Antes de perguntar sobre a legitimidade ou o consenso, seria prudente analisar a formação única e as mudanças internas nos dois países para poder entender suas participações nas Conferências da ONU. As diferenças políticas, históricas, econômicas e sociais entre o Brasil e os Estados Unidos determinaram o desenvolvimento distinto dos movimentos ambientalistas e, portanto, o desempenho diferente e variável nas Conferências da ONU. As diferenças que serão discutidas entre a história e política nos dois países demonstrarão que, embora durante o período entre 1972 e 1992 a legislação e regulamentação ambiental fossem fortalecidas e a atuação da sociedade civil expandisse os processos dessas mudanças, as circunstâncias eram muito diferentes. O surgimento dos conceitos, ideias, normas e valores que promovem a proteção do meio ambiente não fazem parte de um processo uniforme e sua racionalização ou entrada no mundo da vida (no sentido habermaseano) ao nível nacional é muito PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA diferenciada. Uma análise comparativa a nível nacional tentará estabelecer uma ponte entre o movimento ambientalista em contextos nacionais e a maneira que as questões são enfrentadas a nível nacional. Comparar e contrastar são ferramentas metodológicas que vão ajudar a entender a tendência maior da expansão do movimento ambientalista para diversos setores da sociedade, seu fortalecimento na atuação e na função da sociedade civil e as transformações que acompanharam e formaram essa mudança abrangente. As diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos tomam várias formas dependendo da área ou da época. As situações internas em 1972 visando a Conferência em Estocolmo foram muito diferentes da Rio-92. Os dois países podem ser analisados desde várias perspectivas usando abordagens distintas. Para a seguinte análise, os temas dos capítulos anteriores, como o processo maior da entrada dos valores e a consciência na sociedade geral e a importância da sociedade civil nos processos de institucionalização e na legislação ambiental, serão discutidos. Todavia, uma discussão sobre as relações complexas e fatores internos e externos que determinaram a forma e desenvolvimento desses temas contribuirá para entender melhor a transformação na atuação dos países no sistema internacional e no seu papel na negociação multilateral. Estudos nas áreas sociais, tanto quanto nas políticas e econômicas, que comparam o Brasil e os Estados Unidos podem ter um tom que expressa uma inadequação por parte do Brasil, ou que o modelo ou sistema do país Norte- 79 americano são preferíveis ao brasileiro. De nenhuma maneira, essa comparação tenta estabelecer, por exemplo, que o Brasil está inadequado para gerenciar os seus recursos naturais ou para lidar com a comunidade internacional, e sequer argumentar que o movimento ambientalista ou as políticas ambientais nos EUA representam um modelo a ser atingido. De fato, desde uma perspectiva objetiva, o Brasil e os Estados Unidos são candidatos de primeira linha para uma comparação dessa natureza. Além de serem países ricos em recursos naturais, estes desempenharam papéis centrais na UNCHE e na UNCED e nos debates sobre o meio ambiente global. Os dois países de uma forma ou outra enfrentaram crises ambientais significantes e passaram por processos de conscientização e valorização ambiental. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA 3.1. A crise ambiental no Brasil e nos EUA Toda discussão sobre o meio ambiente – a conservação, a ecopolítica, a regulação ambiental, o desenvolvimento sustentável – tem sua origem na crise ambiental. A Conferência de Estocolmo em 1972 estabeleceu o consenso na comunidade internacional, ao dizer que os problemas ambientais e as crises ecológicas afetaram o mundo inteiro e o meio ambiente humano era um assunto junto às questões tradicionais de segurança e direitos humanos para as Nações Unidas considerar. Embora um consenso internacional sobre a necessidade de discutir essa questão fosse estabelecido, surgiram dois conflitos fundamentais que ressoariam daí por diante. Primeiro, que as crises ecológicas atingem países diferentes e populações diferentes. Segundo, que as soluções também trarão benefícios diferentes para países diferentes. Uma teoria que examina os processos democráticos do sistema internacional de cima para baixo, como a teoria de ação comunicativa, não leva isso em conta. Para uma análise mais sensível à diferença e aos conflitos aqui, podemos usar a abordagem de Foucault que procura as relações de poder por detrás desse processo. A crise ambiental permaneceu o assunto subjacente em 1972 e 1992, mas seu significado variava entre os diferentes participantes das Conferências e mudou durante o período de vinte anos, dependendo da situação de cada país. Desde Estocolmo, os efeitos diferenciados da crise ambiental mostraram que os 80 interesses de alguns serão favorecidos dependendo da direção das políticas e as deliberações da ONU. Em 1972, a posição de países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, destacou que esses países partiram de um lugar desfavorável no empenho ambiental por serem mais suscetíveis aos problemas ambientais e por terem maior dificuldade de programar soluções por falta de condições tecnológicas e financeiras. O desequilíbrio ficou claro entre países como Brasil e os Estados Unidos no contexto internacional, mas os desequilíbrios internos dentre dos países participantes não necessariamente foram evidentes. Analisando as Conferências a partir da teoria de ação comunicativa, seria muito fácil perder essa visão. Por exemplo, a participação do Brasil foi central para a formação da agenda dos países em desenvolvimento e o caráter deliberativo das duas conferências facilitou a participação democrática bem sucedida e a racionalização comunicativa na comunidade internacional. Entretanto, esse PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA processo teve consequências para as populações diversas dentro do Brasil, que uma universalização normativa não revela. Desde as primeiras crises ecológicas, antes de Estocolmo, e até hoje, os setores da sociedade, dentro de fronteiras nacionais, mais vulneráveis aos efeitos negativos de degradação ambiental não são visíveis. Quando olhamos a partir de baixo, é possível ver ao nível nacional as consequências internas não apenas dos problemas ambientais, mas também dos debates internacionais na formação dos discursos, políticas e instituições. Problemas do meio ambiente que têm alcance global – poluição, mudança climática, desmatamento e destruição de biodiversidade – têm efeitos diretos para populações locais e regionais. Em Estocolmo, ainda que a comunidade de países desenvolvidos se preocupasse com as crises ambientais no Brasil, principalmente o desmatamento da Amazônia, o foco permaneceu na política nacional. A delegação brasileira defendeu a degradação ambiental e afirmou o direito de gerenciar seus próprios recursos. O Brasil defendeu a expansão de indústria e projetos de desenvolvimento econômico com o princípio de soberania – essencialmente afirmaram o seu direito de poluir (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Pelos desníveis de desenvolvimento industrial e de infraestrutura entre os Estados Unidos e o Brasil em meados do século XX, os efeitos negativos de degradação ambiental e sensibilização sobre crises atingiram populações de forma e tamanho diferentes. Entretanto, na década de sessenta, o Brasil se tornou o 81 segundo exportador na agricultura, atrás dos Estados Unidos que permaneceram o primeiro. Os grandes empreendimentos agrícolas nos dois países tinham seus preços para o meio ambiente, mas a transição para um sistema de produção industrializado no Brasil foi mais recente e mais rápido comparada como os EUA. Assim, os efeitos negativos de aplicação de fertilizantes químicas e pesticidas, na forma de perda da camada superficial de solo, erosão acelerada, desertificação, e maior desmatamento para garantir a produção agrícola contínua, ficaram cada vez mais evidentes (GUIMARÃES, 1991). A expansão de agricultura industrial fez parte do período de grandes projetos desenvolvimentistas durante as décadas de cinquenta e sessenta no Brasil. O resultado foi o aumento de produção com culminação no milagre econômico da década de setenta, mas resultou em poluição descontrolada e condições ambientais perigosas. A expansão do setor industrial, principalmente metal mecânico, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA direcionada para automotores e bens de consumo duráveis, e o setor químico, orientado a petroquímica, criaram situações de crise ecológica flagrante. Os exemplos dos polos industriais de Cubatão e Camaçari e do programa de mineração de Grande Carajás representaram o melhor das políticas desenvolvimentistas, mas na década dos setenta se tornaram os maiores desempenhos de destruição ambiental. Neste período a qualidade de vida material aumentou no Brasil, mas resultou em grandes custos para a qualidade de vida em termos mais abrangentes, relacionados ao meio ambiente onde todos viviam (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Nos Estados Unidos, o boom industrial a partir da segunda guerra mundial também resultou em maior poluição do ar, água e solo, colocando as populações internas em maior perigo. O uso de químicas e pesticidas na indústria agrícola aumentou e a devastação e extinção de ecossistemas e de espécies piorou. Um exemplo marcante dos efeitos desastrosos da industrialização desenfreada durante a década de sessenta foi em Ohio onde o Rio Cuyahoga, desprovido de vida aquática e localizado em uma das regiões mais industrializadas do país, pegou fogo inúmeras vezes pela contaminação extrema de petróleo e resíduos industriais (UNITED STATES, 1992). As crises ecológicas têm efeitos e níveis de urgência diferentes em situações diferentes. Os problemas relacionados à escassez de recursos e à exploração e manipulação do mundo natural são muito antigos, mas a partir da 82 década de sessenta, com o surgimento do movimento ambientalista internacional, as crises ecológicas para o mundo inteiro se referiam à interação entre atividades humanas e os sistemas naturais. Essa definição também colocou a resolução das crises ambientais em pauta e identificou o poder das pessoas de controlar o meio ambiente imediato (GUIMARÃES, 1991). A UNCHE em 1972 e a UNCED em 1992 foram dois momentos importantes que marcaram duas transformações na maneira de pensar sobre o meio ambiente. Nos Estados Unidos, como em países europeus e outros países industrializados, a década de sessenta sofreu a expansão do movimento ambientalista, para além da conservação rumo a uma visão ampla ecológica que destacou a interdependência e a saúde de ecossistemas. Assim, em Estocolmo, onde esses países levantaram suas preocupações, a crise ecológica foi definida por sua conexão com outros sistemas naturais e pela relação com os sistemas sociais e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA humanos. A UNCHE tratou do meio ambiente humano, como conjunto de sistemas naturais e humanos, e colocou a questão da crise ecológica em relação direta com as atividades humanas. Junto ao próprio conceito do meio ambiente, a definição das crises ecológicas se retirou do mundo natural e expandiu para englobar os efeitos negativos para os ecossistemas e para as populações humanas. Na Rio-92, por várias mudanças ao longo dos vinte anos que separaram as duas Conferências, a definição da crise ambiental sofreu outra transformação quando sua solução foi declarada na forma de desenvolvimento sustentável – o conceito novo que estabeleceu uma ponte entre o crescimento econômico e a proteção do meio ambiente. Partindo do pensamento habermaseano, essa transformação faz parte do processo de racionalização comunicativa e o consenso, mas se partimos de uma abordagem que não esteja preocupada com a expansão ou criação de novas estruturas democráticas (como a de Habermas), outra imagem surge. Desde que as preocupações sobre a crise ambiental que chegaram à agenda internacional, os Estados Unidos e Brasil expressaram sua necessidade de manter o crescimento econômico. Os países tinham que aceitar o fato que a crise ambiental foi um obstáculo significativo para a expansão industrial e tinham que responder às demandas de setores da sociedade civil, ao nível nacional e internacional, para resolver esse conflito. A maneira que reagiram o Brasil e os Estados Unidos a essa situação foi muito diferente. Não necessariamente refletiu os processos 83 discursivos do sistema internacional, mas claramente refletiu as origens distintas da crise ambiental nos dois países e seu desempenho para resolvê-la – a resposta foi resultado mais do conflito do que o consenso. A crise ambiental nos Estados Unidos, quando reconhecida, é considerada o resultado de expansão industrial e de má gestão de recursos naturais. Em Estocolmo essa percepção foi evidente na maneira que, junto a outros países industrializados, os EUA chamaram para controlar o desenvolvimento industrial em países menos industrializados como o Brasil. Houve uma proposta para estabelecer um Fundo Mundial que definiria os recursos naturais como patrimônio mundial, refletindo a perspectiva dos EUA, mas foi rejeitada completamente pelo Brasil e outros países em desenvolvimento que possuíram grande patrimônio natural e exigiram o direito soberano nacional para explorá-lo (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). A política internacional complexa, que visava PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA normas e instituições para a comunidade internacional inteira incorporar funcionou, neste caso, para fortalecer a soberania nacional de países. Habermas pressupõe que a soberania é necessária para a regulação através da lei, mas, em Estocolmo a posição do Brasil chocou com as propostas para regulação e institucionalização. Os elementos políticos e econômicos ao nível nacional e a relação complexa dentre a comunidade internacional fortaleceram a soberania nacional. Os processos discursivos em Estocolmo não conseguiram direcionar a ação dos participantes para um processo aberto e democrático. Pelo contrário, segundo uma analise inspirada no pensamento de Foucault, esses funcionaram para reforçar relações de poder existentes e criar outras novas. Para o Brasil, como os EUA, as crises ambientais tinham origem nos processos de industrialização, mas no contexto de acordo e regulação internacional sua definição chegou além disso. A crise ambiental e os novos valores associados com o movimento ambientalista se tornaram uma fonte para o desenvolvimento econômico nacional com novos produtos e indústrias que visavam soluções ambientais (MAURICESTRONG.net, 1971). Essa nova visão respondeu às propostas que limitaram o caminho dos países em desenvolvimento para realizar padrões materialistas elevados. Partindo dos conceitos de Foucault apresentados acima, essa agenda nasceu claramente no modelo dominante de desenvolvimento – caracterizado pelo sistema econômico acumulativo, o 84 crescimento de bens, a industrialização, a tecnologia e a dominação da natureza – não na sua racionalização através dos processos discursivos da Conferência. Em 1973 o Brasil se localizou na frente de uma tendência que ligou o desenvolvimento com as questões ambientais de uma maneira que não desviou o rumo que objetivou satisfazer as necessidades básicas da população através do crescimento econômico. Partindo dessa perspectiva, o conceito de ecodesenvolvimento surgiu, chamando para um modelo de desenvolvimento que minimiza os impactos ambientais, sem restringir a satisfação de necessidades básicas e a qualidade de vida das populações. Depois das deliberações em Estocolmo e o consenso sobre a conexão entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente, a comunidade internacional identificou-se com esse conceito e o novo manual para o movimento ambientalista internacional foi publicado pela Comissão Brundtland com seu nome revelador: Nosso Futuro Comum (1991). O PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA livro chamava para uma nova ética de desenvolvimento e para tomar a responsabilidade da qualidade do meio ambiente para as futuras gerações através do desenvolvimento sustentável. A conexão entre o desenvolvimento e o meio ambiente é um pressuposto importante para o Brasil. A ideia que os dois objetivos de desenvolvimento e da proteção e preservação do meio ambiente não eram mutuamente exclusivos foi consagrado em 1971 no Relatório Founex e recebeu muita atenção no debate internacional, culminando na Conferência das Nações sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro vinte anos depois. No Brasil ficou evidente que problemas como a falta de saneamento e infraestrutura básica, desmatamento, perda de diversidade biológica e cultural e poluição extrema deveriam ser abordados juntos com uma visão de desenvolvimento medido não apenas medido por indicadores econômicos (GUTBERLET, 1998). O significado da crise ambiental no Brasil, não foi apenas uma questão técnico-científica uma vez que o desenvolvimento foi colocado na balança. Para os EUA, um modelo de desenvolvimento que incorporou a questão ambiental junto à questão social não combinou com sua visão da crise ambiental que foi limitada a termos técnicos e econômicos. Como um país altamente industrializado, o esgotamento de recursos foi uma questão importante. Assim, em Estocolmo, os EUA destacou o gerenciamento da crise ambiental e a sua contribuição técnico-científica à comunidade internacional visando garantir o 85 futuro acessos a recursos naturais. No Brasil, a abundância de recursos naturais não criou preocupação sobre esgotamento de recursos. Pelo contrário, a visão da crise ambiental foi ligada ao não uso correto desses e à falta de gerenciamento ambiental. A crise ambiental foi vista de uma maneira muito diferente em 1972 pelo Brasil e pelos EUA. Na Rio-92, o desenvolvimento sustentável consagrou a perspectiva brasileira, e houve uma transformação na dos EUA de acordo com isso. Ainda não incorporou muitos dos conceitos consagrados em Nosso Futuro Comum, lidando com as desigualdades internacionais e a necessidade de programar políticas que levam isso em conta, mas, vinte anos depois de Estocolmo, a visão dos Estados Unidos se transformou para destacar a necessidade de garantir a qualidade do meio ambiente para futuras gerações – uma consideração que cabia na perspectiva preocupada com o esgotamento de recursos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA naturais (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1969), (UNITED STATES, 1992). Essa transformação, de acordo com Habermas, implica um consenso internacional sobre a maneira de pensar sobre a crise ambiental e sobre os valores relacionados. Embora o modelo discursivo das conferências facilitasse isso, não são evidentes as mudanças no contexto e os fatores históricos, econômicos e políticos que estavam no jogo. 3.2. A institucionalização do movimento ambientalista no Brasil e os EUA Antes de discutir os fatores específicos que determinaram a formação do movimento ambientalista e a conscientização sobre os problemas ambientais no Brasil e nos EUA, uma apresentação do processo de institucionalização estabelecerá uma base histórica e cronológica importante. A partir da segunda guerra mundial, com o nível de segurança física e econômica alcançado em países altamente industrializados, mudanças abrangentes culturais resultaram no surgimento do movimento ambientalista em países como os EUA, Austrália, Japão e países do Oeste Europeu (INGLEHART, 1990). Nesses países, uma classe média se formou e atingiu um padrão de vida que ultrapassou as necessidades básicas e permitiu críticas ao modo de consumir e produzir. A partir da década de sessenta, depois de duas décadas de uso maior de químicas, pesticidas, e outros 86 contaminantes do ar, água e solos, um movimento nos Estados Unidos que chamou atenção para a crise ecológica entrou com força e se espalhou para outros setores da sociedade. No Brasil, a crise ambiental também instigou as primeiras mobilizações sociais contra os processos industriais, mas não fez parte das transformações culturais abrangentes ligadas à capacidade de satisfazer necessidades básicas da população2. Na década de cinquenta, grupos conservacionistas na região Sul e Sudeste do Brasil formaram em resposta ao desenvolvimento industrial rápido, expressando preocupações sobre a preservação de flora e fauna nessa região. Nos EUA, a preocupação ambiental se formou dentro de um contexto de mudança cultural maior e novos valores pós-materialistas que priorizaram a qualidade de vida das pessoas e das comunidades. No Brasil, a questão era outra. Os grupos conservacionistas chamaram para a proteção de animais e da natureza e, na década PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA de sessenta, em resposta ao desmatamento na Amazônia, um movimento surgiu chamando para a preservação dos recursos naturais. Marina Silva conhece bem essa história e conta sobre o início do movimento ambientalista “antes de ser ambientalista”. Ela relata que antes de discutir o meio ambiente do tamanho mundial, no Brasil existia uma “... luta por um estilo de viver e produzir no qual a floresta era o centro, provedora, uma presença da qual não podíamos abrir mão...” (SILVA, 2006, p. 11). Da mesma maneira que toda discussão sobre a proteção do meio ambiente surge da questão da crise ambiental, o início dos movimentos ambientalistas no Brasil e nos EUA se localiza no conflito contra a expansão industrial. Mesmo com esse elemento compartilhado, as intenções e os alvos do movimento eram muito diferentes. Nos EUA, as lutas originais para a preservação e conservação se preocuparam com o esgotamento de recursos para manter os processos e a produção industrial. Na década de sessenta, os ecologistas se preocuparam com a preservação dos recursos, destacando a sobrevivência de ecossistemas inteiros e as suas interligações. No Brasil, havia um movimento conservacionista estabelecida, e preocupação de comunidades no Acre sobre a expansão industrial. Esse último, não visava a manutenção dos processos industriais. A motivação foi a preservação 2 Só depois na década de oitenta que o Brasil chegou a sofrer os efeitos da industrialização que igualava os Estados Unidos durante a década de sessenta. 87 de um estilo não industrial de produzir e viver. Esse movimento não considerou a floresta como um recurso industrial esgotável, mas como o centro de uma maneira de viver particular que não separava a floresta, como meio de produção, do resto da vida social. As grandes diferenças fundamentais entre a história, política e sociedade fazem parte de uma crítica local da formação do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA. Essas diferenças devem estar no centro de qualquer análise ou comparação. Para voltar ao contraste entre Foucault e Habermas, Michael Kelly (1994) ressalta que a teoria de ação comunicativa distingue entre uso de poder legítimo e ilegítimo. Nessa divisão, a crítica e o poder são separados e a crítica serve como a ferramenta do poder legítimo para manter o poder ilegítimo sob o controle. Isso é evidente na maneira que a sociedade civil, na teoria da ação comunicativa, funciona para tanto limitar o poder quando para legitimar ou PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA questionar as políticas do Estado. Embora Foucault, pelo lado teórico, discorde de Habermas porque considera a crítica em si como uma forma de poder – ainda existem laços comuns. Essa discordância entre Foucault e Habermas é mais uma fonte de inspiração para essa análise sobre o movimento ambientalista e pode se aprofundar na discussão do movimento ambientalista. Foucault chama para uma crítica local, sem normas universais com pressupostos sobre os resultados (KELLY, 1994). Os problemas ambientais no Brasil, no início do movimento ambientalista, eram resultados diretos não apenas do estilo de desenvolvimento que destacava o crescimento econômico, durante as décadas de cinquenta e sessenta, mas do conjunto de características institucionais e sociopolíticas complexas. Elementos do desenvolvimento institucional, social e político do país exacerbaram os efeitos negativos dos processos industriais. A conexão entre os interesses econômicos e políticos, por exemplo, criou um sistema que gerava e sustentava grandes desigualdades e contrastes extremos de riqueza e pobreza. As alianças entre os setores populares e as elites políticas, desde o governo de Getúlio Vargas na década de trinta, também diminuiu a capacidade para mobilização de setores da sociedade marginalizados, que eram atingidos pelos efeitos negativos de expansão industrial e pela crise ambiental. Até a década de noventa, a natureza não ficou na frente das preocupações desenvolvimentistas no Brasil – nem nas esferas públicas ou privadas. Pelo contrário, a ideia ampla que os recursos naturais abundantes no 88 país eram inesgotáveis criou um tipo de anestesia com respeito ao meio ambiente. Ligar o meio ambiente com o desenvolvimento não era apenas parte de um jogo político estratégico nas Conferências das Nações Unidas. Desde as primeiras políticas desenvolvimentistas, os dois conceitos eram considerados duas faces da mesma moeda (GUIMARÃES, 1991). Nos Estados Unidos, o contexto histórico e político no qual o movimento ambientalista se desenvolveu, na imagem contemporânea, foi o de grandes mudanças sociais. O surgimento dos movimentos sociais na década de sessenta que enfrentaram estruturas políticas tradicionais e lutaram contra a guerra em Vietnã, para os direitos civis e de mulheres, entre outros grupos, criou o pano de fundo para o movimento ambientalista estar inserido na onda “contracultura”. O sistema democrático consolidado realizou políticas que refletiram atividade maior por parte da sociedade civil. As demandas dos movimentos sociais, inclusive o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ambientalista, entraram na política e na consciência da população maior. A década de sessenta foi uma época de grande dificuldade para a evolução dos movimentos sociais no Brasil de forma geral a partir da instalação do regime militar em 1964. A repressão política durante a década seguinte resultou no exílio de uma parte significante de ativistas políticos. No contexto de ditadura militar, todavia existia pressão de setores da sociedade civil e um movimento que chamou a atenção para a crise ecológica e os problemas ambientais, mas as preocupações sobre o meio ambiente eram marginalizadas com o foco da sociedade civil nos direitos e liberdades civis. Ao longo das décadas de setenta e oitenta, o Brasil virou a décima primeira economia industrial do mundo, mas desde a época póssegunda guerra mundial, em termos de desenvolvimento medido além de PIB, não houve crescimento. A partir da ditadura militar, o chamado “milagre” foi apenas em termos econômicos. Junto ao crescimento dos indicadores econômicos, a desigualdade aumentou e o Brasil ficou entre os países piores da região. Esse contraste seria um grande fator na maneira que o Brasil lidaria com a crise ambiental e na formação do movimento ambientalista (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Outro elemento importante na comparação do desenvolvimento do movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos é o grau diferente de industrialização. Antes de pensar no meio ambiente global ou numa conferência internacional, os movimentos ambientalistas, ao longo do século vinte 89 construíram suas lutas e agendas em resposta aos efeitos negativos de industrialização ao nível local e regional. Não é um fato desconhecido que os Estados Unidos, até a década de sessenta, alcançou a posição do país mais industrializado do mundo. A indústria não foi mais concentrada no nordeste e a grande maioria das regiões reivindicavam sua participação no sonho americano de satisfazer os desejos materiais. No caso do Brasil, um país considerado em desenvolvimento, a industrialização nessa época foi parcial e sua concentração nas regiões Sul e Sudeste contribuiu para o aumento de desigualdade social e econômico que até hoje o país enfrenta. O nível de industrialização, junto ao contexto político e social, determinou a formação do movimento ambientalista nos dois países. Faz sentido que no Sul e Sudeste brasileiro o movimento para proteção e conservação ambiental se formou primeiro. Desde a década dos cinquenta, a sociedade civil começou a se preocupar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA com a crise ambiental. A grande maioria de ONGs ambientalistas se formou durante as décadas dos oitenta e noventa, mas em 1951 foi criada a Associação Rio Grandense de Proteção aos Animais, em 1955 A União Protetora do Ambiente Natural em Rio Grande do Sul, e em 1958 a Fundação Brasileira para Conservação da Natureza no Rio de Janeiro (JACOBI, 2003). No Sul e Sudeste brasileiro, a industrialização rápida e o movimento que surgiu em resposta aos efeitos negativos refletiram o desenvolvimento nos Estados Unidos, mas foi muito mais localizado. Nos Estados Unidos, o movimento ambientalista conseguiu manter força e influência, mesmo com graus diferentes de sucesso, ao longo das décadas dos sessenta, setenta e oitenta. Como resultado, a criação dos valores e normas com respeito à proteção do meio ambiente foi mais difundida. Os EUA experimentaram uma conscientização na base da sociedade sobre a questão ambiental e o sucesso do movimento ambientalista para influenciar a política variava por fatores internos e externos. Mesmo quando não houve progresso na agenda ambientalista, ou quando o movimento perdeu terreno, os ativistas, dentro de fora da política, continuaram na sua luta (HOPGOOD, 2003). No centro das transformações que ocorreram no movimento ambientalista durante as décadas de setenta, oitenta e noventa reside a institucionalização dos novos conceitos e valores em normas e políticas ambientais. No Brasil e nos Estados Unidos, a década de setenta marcou uma época de nova legislação ambiental extensiva. A entrada das ideias e valores relacionados com o 90 movimento ambientalista na política nacional e local faz parte do processo maior da entrada do movimento ambientalista em diversos setores da sociedade. Leis e órgãos ambientalistas ao nível de políticas federais e estaduais criaram um regime institucional que assumiram o desempenho de proteção do meio ambiente através de regulação e fiscalização. Uma introdução à criação de legislação ambiental e às políticas particulares no Brasil e nos EUA consiste de evidências concretas das mudanças no movimento ambientalista nesses países. Portanto, é importante para explicar as mudanças na sua participação nas Conferências da ONU. Na década de sessenta, a legislação ambientalista nos Estados Unidos reforçou e contribuiu para a conscientização mais ampla da sociedade sobre problemas ambientais. Novas leis federais e instituições foram efetivadas para restaurar e manter a qualidade do meio ambiente. O regime institucional concentrava na regulação de contaminantes do ar e água, e estabeleceu processos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA para a análise e revisão de programas ou ações do governo federal que poderiam afetar o meio ambiente. Legislação conservacionista das décadas posteriores também foi fortalecida com novas leis para controlar resíduos tóxicos e para proteger espécies de plantas e animais durante a década de setenta, expandindo a institucionalização dos novos valores e preocupações ambientais (UNITED STATES, 1992). A partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone em 1872, as leis federais ambientais concentraram-se na conservação de flora e fauna e paisagens em parques nacionais nos EUA. A legislação nacional sobre água e ar, que foi promulgada durante a década de sessenta, mantinha um papel apenas de pesquisa e assistência técnica, deixando o controle de poluição e a proteção de recursos nas mãos dos governos locais e estaduais. A partir do primeiro Earth Day, em Abril de 1970, que marcou a conscientização ampla nos Estados Unidos, na comunidade internacional, e uma nova percepção do meio ambiente na sua totalidade, o governo federal percebeu os limites dos programas atuais e começou um novo período de legislação ambiental. Ao longo das décadas de setenta e oitenta, o governo criou leis gerais de avaliação ambiental e estatutos direcionados a recursos específicos como ar e água junto a tipos de poluição específicos, criando mecanismos de reforço em tribunais civis e criminais (UNITED STATES, 1992). As novas leis formaram o chão que marcou as mudanças na abordagem do governo federal, e as instituições criadas pelo executivo e o Congresso para 91 trabalhar em paralelo as novas leis formaram as paredes da nova estrutura política. O Conselho de Qualidade Ambiental (CEQ), criado em 1970, foi um mecanismo que estudou os programas federais que podiam afetar o meio ambiente e fazer recomendações para o Presidente baseadas nas descobertas. Além disso, em 1970, o Presidente Nixon criou a Agência para a Proteção do Meio Ambiente (EPA) para executar os estatutos específicos sobre recursos naturais, tais como a água e o ar, e a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica (NOAA) para gerenciar e monitorar programas nessas áreas. A adoção de normais ambientais no nível federal estimulou a criação de instituições no nível estadual onde foram criados departamentos e instituições de proteção ambiental – os mais inovadores serviriam como modelos para outros governos estaduais e até o para o governo federal (UNITED STATES, 1992). Durante a década de sessenta no Brasil, a política ambiental foi voltada à PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA industrialização, aos programas de substituição das importações e aos interesses desenvolvimentistas. O meio ambiente dentro da legislação e regulação jurídica foi voltada à apropriação dos recursos naturais. Assim, diferentemente dos Estados Unidos, onde durante esta década a legislação ambiental controlava contaminantes, a legislação federal no Brasil foi limitada ao uso e exploração de água, flora e fauna (JACOBI, 2003). O governo federal criou políticas como a Política Nacional de Sanitização (1967) e órgãos como o Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica (1965), o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (1967) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (1970), com objetivos desenvolvimentistas claros, principalmente de expansão dos centros urbanos, da matriz elétrica, da rede rodoviária e da indústria agrícola (GUIMARÃES, 1991), (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Um caso importante no início da década de setenta de uma fábrica no Rio Grande do Sul que foi responsável por provocar péssimas condições ambientais na cidade de Porto Alegre, com respeito à poluição extrema da água e o ar, indica o desempenho das políticas ambientais nacionais e a falha do governo militar em lidar com esse tipo de problema. Uma solução para este problema surgiu depois de dois anos de pressão, por parte de grupos ambientalistas, com o cerramento da fábrica em 1973. Mesmo assim, durante essa época, o Brasil defendeu a poluição como um meio de crescimento econômico. Como no caso do Rio Grande do Sul, a legislação ambiental do governo militar se pautava apenas na poluição industrial 92 urbana – e somente sob a pressão da sociedade civil ao nível local. Quando a legislação ambiental foi cumprida, qualquer fiscalização limitava-se apenas as atividades das empresas privadas, deixando os projetos públicos do governo sem responsabilização. Tampouco, no setor rural, as atividades como desmatamento, erosão e contaminação de rios por fertilizantes e herbicidas continuaram sem intervenção oficial (ALEXANDRE, 2003). Em resposta direta à instância de contaminação ambiental no Rio Grande do Sul, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA) foi criada em 1973 (GUIMARÃES, 1991). Sob o Ministério do Interior, a SEMA visava os seguintes desempenos: a) examinar as implicações ambientais do desenvolvimento nacional e do progresso tecnológico, b) acompanhar a função de órgãos e entidades ambientais e c) aumentar as normas e padrões de preservação do meio ambiente (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Evidente na criação da SEMA foi o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA foco no gerenciamento de recursos mais do que no controle de poluição do ar, água e solo. Mesmo assim a estrutura do órgão marcou uma nova fase na institucionalização das ideias e valores relacionados à proteção do meio ambiente no Brasil. A ideologia do governo militar com respeito ao desenvolvimento foi muito expressa nas leis ambientais e nas novas instituições. Além disso, a ideologia do Estado que destacou a segurança nacional e o exercício do poder soberano no uso de recursos naturais deu o tom às políticas ambientais. Embora o Decreto-Lei 1.413 e o Decreto 76.389 de 1975 estabelecessem controles importantes sobre poluição industrial, a proteção do meio ambiente foi motivo secundário. Contido nessa legislação, o Executivo tirou o direito de governos locais de parar atividades econômicas por razões ambientais, afirmando o poder único do Estado de interromper atividades consideradas importantes para o desenvolvimento econômico (GUIMARÃES, 1991). Nas políticas ambientais da década de setenta nos Estados Unidos, os direitos de indivíduos (destacados na Constituição Americana) eram reforçados na implementação de regulação ambiental o estabelecimento de procedimentos, como compensação financeira no caso de tomada de propriedades particulares, antes de sancionar por transgressões ambientais. Também, junto à estrutura da Constituição, as leis ambientais federais permitem cidadãos indivíduos a possibilidade de aplicar os estatutos ambientais, 93 levando os responsáveis para tribunal civil, quando as atividades de entidades estatais ou privadas lhes afeitaram (UNITED STATES, 1992). No Brasil e nos Estados Unidos, uma política nacional ambiental foi estabelecida durante a década de setenta com foco na poluição do ar, água e solo, refletindo o processo maior de transformação social e cultural através da conscientização de diversos setores da população. No Brasil, a política ambiental existia claramente no papel, mas isso não significava que os representantes de interesses ambientais, dentro e fora do governo podiam ganhar poder político suficiente para agir neste campo. Sem recursos financeiros, ficou difícil para a rede de profissionais, instituições e leis que visavam à proteção ambiental fazerem efeito. Dados do Banco Mundial mostraram que de 1978 a 1980 a porção de PIB gasta nos programas ambientais foi menos do que 0,3 por cento. Outros cálculos colocaram o número para o Brasil na faixa de 0,065 por cento. Por outro lado, no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA mesmo período, os Estados Unidos gastaram 2,5 por cento do PIB em programas ambientais. Essa grande diferença mostra o compromisso dos governos para apoiar as políticas ambientais e a capacidade dessas instituições como a EPA nos Estados Unidos e a SEMA no Brasil (GUIMARÃES, 1991). Embora não seja possível concluir que essa porcentagem é um valor numérico representativo do nível de preocupação ambiental nos dos países, ainda mais considerando que o PIB nos EUA antes dos gastos em programas ambientais era muito maior que o do Brasil, o que serve para indicar a atenção que recebeu dentro dos contextos nacionais particulares. As políticas ambientais expandiram-se no Brasil, no papel, durante a década de setenta, a pesar do pouco financiamento. Nos Estados Unidos, pela natureza informativa dos programas nacionais relacionados ao meio ambiente, havia certo nível de financiamento do governo federal que contribuiu apenas para a expansão de estudos e para apoio técnico – não necessariamente para a aplicação de leis e de sanções. As políticas ambientais no Brasil foram criadas dentro da estrutura centralizada do regime militar, dificultando sua aplicação e expansão; sem a participação e influência direta de governos locais e a sociedade civil. Nos Estados Unidos, a criação de programas nacionais centralizou a geração de dados e disponibilizou recomendações maiores para os governos federais e os governos estaduais. Dessa forma, a regulação e aplicação relacionadas às políticas 94 americanas permaneceram nas mãos de governos locais, um fator que possibilitou participação cívica. O ambientalismo que conhecemos hoje em dia nasceu nos contextos políticos, econômicos e históricos particulares ao Brasil e EUA que contribuíram para a formação do movimento ambientalista e para a institucionalização de normas e regulação ambientais. Podemos rastrear o desenvolvimento do movimento ambientalista desde a década de sessenta, ao longo das Conferências em 1972 e 1992, diretamente até o presente. Já foi estabelecido, segundo a teoria de ação comunicativa, que os valores e conceitos associados com a proteção do meio ambiente espalharam-se para diversos setores da sociedade. A atuação do movimento ambientalista internacional e a sociedade civil global participaram nos processos discursivos do sistema da ONU para criar acordos comuns internacionais. A linha que conecta a UNCHE e a UNCED parece que faz parte de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA uma evolução progressiva coerente para chegar a um entendimento cada vez mais informado e legitimo. Se considerarmos a preocupação metodológica de Foucault sobre a aplicação de uma teoria geral, essa continuidade pode ser analisada melhor. Ao invés de procurar a continuidade histórica e as conexões que formam uma linhagem concreta, Foucault aponta para os momentos de divergência, de revolução ou de ruptura para entender a formação histórica social. Uma análise que procura apenas continuidade não percebe outras forças, às vezes menos visíveis, que estão no jogo. Essa questão surge do objetivo compartilhado dos dois autores – a emancipação de indivíduos – e reside no coração da divergência entre eles, sendo aplicável para a discussão do meio ambiente. Para Habermas, a formação social discursiva que gera uma sociedade justa e racional é o caminho para a emancipação dos indivíduos. Dreyfus e Rabinow (1983) destacam uma leitura de Foucault que identifica a emancipação real ocorre nesses momentos de ruptura e revolução. Um foco na continuidade histórica que liga as Conferências de 1972 e 1992 é resultado de uma analise dos processos e regras que foram estabelecidos dentro desses momentos discursivos. Segundo essa leitura de Foucault pode negligenciar diferenças e conflitos reais (DREYFUS & RABINOW, 1983). Na análise do movimento ambientalista nas Conferências da ONU existia uma continuidade clara ao nível internacional e também ao nível nacional, mas 95 não foi uniforme ou consistente. Assim, baseando-se em Foucault, para entender melhor a participação única do Brasil e os EUA, seria importante levar em conta as diferenças que as separam. Ainda que a década de oitenta fosse de expansão de legislação ambiental no Brasil e nos EUA, de maior conscientização pública e atuação por parte da sociedade civil, houve grandes mudanças institucionais e sociais que determinaram os debates na Conferência em 1992. A década de oitenta foi de grandes mudanças para a institucionalização da proteção do meio ambiente, definindo claramente as mudanças na participação do Brasil e os EUA em Estocolmo e na Rio-92. A Política Nacional de Meio Ambiente de 1981 criou a base para a legislação ambiental e a maneira de abordar a política ambiental no Brasil dos anos seguintes até os dias de hoje (ALEXANDRE, 2003). Essa política, estabelecida na Lei 6.938, destacou conceitos como poluidor-pagador e a necessidade de conciliar crescimento PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA econômico com preservação do meio ambiente. Além disso, a Lei 6.938 estabeleceu a nova política ambiental junto ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) que estabeleceu a administração federal, de órgãos estaduais, municipais e ONGs. Adicionalmente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) recebeu o papel consultivo e deliberativo do SISNAMA e “tem por finalidade assessorar, estudar e propor ao governo federal diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais, bem como deliberar sobre normas e padrões compatíveis com a preservação do meio ambiente.” (COMISSÃO INTERMINISTERIAL 1991). A década de oitenta nos Estados Unidos foi de reestruturação econômica severa. O governo Reagan que durou desde 1981 a 1989 programou políticas econômicas seguindo uma ideologia de mercados desregulados, poder estatal reduzido e maior globalização econômica. As políticas federais ambientais da década de setenta representaram a expansão de regulação estatal e uma barreira para a expansão econômica, portanto os estatutos ambientais eram desafiados e seu poder minado. Mesmo assim, no contexto de cortes orçamentais por programas nacionais e desequilíbrio econômico, os Estados Unidos assinaram a Convenção de Viena em 1985, um acordo multilateral que baniu o uso de químicos que causam a degradação do ozônio. A participação nesse acordo apenas apoiava legislação nacional que foi estabelecido em 1978 contra o uso de certos 96 químicos. No fundo, assinar essa Convenção foi motivado mais para proteger os interesses econômicos nacionais diante da competição no mercado global, por países que não sofreram as mesmas restrições, e foi cumprido somente com o apoio expressa do setor químico-industrial (HOPGOOD, 2003). Uma mudança grande na política ambiental brasileira ocorreu ao longo da abertura política na década de oitenta. A expansão de programas e instituições ambientais foi possível com mais participação da sociedade civil e partidos políticos através de eleições diretas a nível estadual em 1982 e o Brasil experimentou uma nova onda de institucionalização ambiental ao nível estadual e local. Assim, a Associação Brasileira de Entidades do Meio Ambiente (ABEMA) foi criada, composta por órgãos estaduais e federais e resposta à fragilidade institucional e política do governo militar junta à demanda social para fortalecer o SISNAMA e as políticas ambientais nacionais (COMISSÃO PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA INTERMINISTERIAL, 1991). A transição democrática no Brasil implantou uma nova estrutura institucional para o meio ambiente. O Decreto 91.145 de 15 de Março de 1985, a mesma data da declaração da Nova Republica, criou novos órgãos cujos projetos ligaram o desenvolvimento diretamente como o meio ambiente. Com este objetivo, o novo Presidente Sarney criou o Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU) que abordou políticas dedicadas a uma gama de desempenhos sob esse ângulo inclusive a habitação, sanitização básica e educação ambiental. Assim, a facilidade de criar órgãos construiu uma estrutura institucional grande, mas não correspondeu a valores e práticas na sociedade. Com a mudança para um regime democrático, a transição ou transferência de poder político foi acompanhada por um processo de consolidação institucional. Após a Constituição de 1988 e as eleições nacionais abertas o programa Nossa Natureza chamou a atenção para o compromisso do novo governo de lidar com questões ambientais e para sua ruptura com o regime militar. Isso resultou numa mudança maior na estrutura institucional com a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989. A nova instituição englobou várias Agências ligadas a essa área como, por exemplo, o Instituo Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e em 1990 a SEMA entrou sob essa nova megaestrutura definindo seu caráter integrado e 97 estabelecendo-se como “o grande executor da política ambiental e de gerir de forma integrada essa área no país.” (www.ibama.gov.br). 3.3. O movimento ambientalista no Brasil e nos EUA A abertura política no Brasil durante a década de oitenta ocorreu no contexto maior de transformação política global e nova movimentação na sociedade civil principalmente na América Latina e o Leste Europeu. Os novos movimentos sociais enfrentaram questões novas e aproveitaram de novas redes nas quais articularam suas demandas e lutas (COSTA, 2002). O período de ditadura militar no Brasil criou um ambiente de desmobilização social com ênfase na privatização de interesses individuais e grupos junto ao bem estar individual e de familiares mais próximas. O governo militar realizou uma forte repressão aos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA movimentos sociais e desenvolvimento comunitário autônomo, resultando na despolitização de organização coletiva e a esterilização de questões e problemas sociais inclusive aqueles relacionados com o meio ambiente (GUIMARÃES, 1991). No contexto da ditadura militar, as preocupações ambientais estavam presentes entre certos grupos profissionais e de especialistas, principalmente a partir de 1979 com a volta de exilados de países europeus, mas para os movimentos de direitos políticos e de cidadania a questão do meio ambiente permaneceu secundária. Movimentos sociais voltados aos problemas de pobreza e necessidades básicas não tinham uma visão que ligava o meio ambiente com desigualdade e justiça. Ademais, o legado de governança militar tecnocrática, que procurava legitimação no crescimento econômico através da intervenção Estatal, definiu a necessidade de preservar o meio ambiente como a antítese do desenvolvimento nacional (JACOBI, 2003). O discurso oficial durante a ditadura indicou que uma visão mais ampla do meio ambiente foi um obstáculo ao desenvolvimento e que o meio ambiente apenas significava flora e fauna. Nos Estados Unidos, a continuidade democrática ao longo das décadas de sessenta, setenta e oitenta permitiu participação e influência estável (mesmo que variassem durante anos diferentes) do movimento ambientalista e elementos da sociedade civil nos processos políticos. O sistema político americano possui 98 mecanismos particulares como o lobbying para incentivar a participação da sociedade nas decisões políticas. Desde a década de sessenta cientistas, grupos da sociedade civil e corporações tiveram uma presença no processo legislativo e buscaram influenciar a criação e implementação de políticas ambientas (FALKNER, 2005). Diferentemente do movimento ambientalista no Brasil, o movimento nos Estados Unidos foi muito mais ligado durante as décadas de setenta e oitenta às transformações internacionais nos âmbitos políticos e econômicos. As mudanças na relação entre a sociedade e o Estado, junto ao alcance global das questões ambientais, criaram uma situação excelente para a expansão internacional do movimento ambientalista. O movimento ambientalista internacional, ONGs internacionais e os grupos da sociedade civil internacional ficaram próximos ao movimento pioneiro nos Estados Unidos (muitas ONGs internacionais eram PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA sedeados nos EUA). Durante as décadas de setenta e oitenta, através de atuação e pressão forte por parte da sociedade civil, sistemas de proteção da camada de ozônio e de preservação de espécies foram criados estabelecendo uma base para a crítica de países europeus por serem atrasados nessas áreas (FALKNER, 2005). No Brasil, houve um processo mais exogêneo. O movimento ambientalista internacional incorporou o Brasil na agenda ambientalista global durante a década de setenta. A Amazônia se tornou uma palavra-chave para ambientalistas no mundo todo pelo desmatamento que o modelo desenvolvimentista brasileiro encorajava. No Brasil, a questão de desmatamento foi uma das mais destacadas e foi significante por ser o primeiro ponto onde o movimento ambientalista expandiu para outros setores da sociedade civil e foi incorporado por outros movimentos. Não foi até o final da década de oitenta que a preocupação sobre industrialização urbana e poluição juntou com questões sobre pobreza, desigualdade e justiça, mas a questão sobre a preservação de florestas juntou com o movimento seringueiro desde a década de setenta3 (JACOBI, 2003). O movimento ambientalista expandiu ainda mais para outros setores da sociedade, incorporando outras questões sociais. A sua expansão na política nacional refletiu mudanças maiores em certas partes da sociedade brasileira: inclusive a volta dos exilados em 1979, alguns dos quais tinham participado no 3 Movimento liderado pelo sindicalista e ativista Chico Mendes. 99 movimento verde na Europa, e a abertura política de eleições locais em 1981. Com a transição democrática em 1985, houve um boom na atuação e no numero de novas entidades ambientalistas. Os grupos locais que agiram na década de setenta eram 45, no início da década de oitenta, mas em 1985 já passavam de 400 para chegar à faixa de 600 ao final da década (ALEXANDRE, 2003). Houve uma influência ideológica grande durante a década de oitenta do movimento ambientalista nos EUA e Europa principalmente no Sul e Sudeste do Brasil. Uma parte significativa do movimento no Brasil tomou a posição do movimento contra o modelo urbano e industrial de produção que chamou a atenção para os efeitos dos empreendimentos humanos nos países industrializados. A Associação Protetora do Meio Ambiente (AGAPAN) adotou essa perspectiva, destacando o uso de agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Através da participação política renovada ao nível local na década de oitenta, essa ONG PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA conseguiu aprovar a primeira lei estadual de agrotóxicos em 1983. Essa lei pioneira serviu como um modelo para outros estados e foi exportado para Santa Catarina, Paraná e São Paulo, onde aprovaram leis parecidas em 1984 (JACOBI, 2003). Num estudo sobre os ecologistas no Brasil, Eduardo Viola (1991) identifica duas fases no desenvolvimento do movimento ambientalista e a partir disso faz uma análise sociológica que reflete as mudanças políticas discutidas acima. A primeira fase foi fundacional, de 1971 até 1986, quando os ecologistas estabeleceram uma agenda clara que se estabeleceu diretamente em oposição política ao governo militar. A segunda fase foi transicional a partir da abertura política em 1985, quando o movimento começou a passar por um processo de complexificação e multissetorialização. Essa fase, durante a década de oitenta, com os verdes entrando na política local e a sociedade civil com mais espaço para ação e articulação, representou o momento em que os valores e ideias que fazem parte do movimento ambientalista espalharam para diversos setores da sociedade. Nos EUA, o desenvolvimento do movimento foi bastante diferente. Em 1984 o diretor do Environmental Defense Fund, Fred Krupp, escreveu um artigo para Wall Street Journal discutindo as três fases do movimento ambientalista americano. A primeira fase, ao longo do início do século vinte, abordava a questão de exploração extrema de recursos naturais com chamadas para preservação e conservação. A segunda fase partiu da conscientização na década de 100 sessenta, destacado pela publicação do livro Silent Spring, e foi definida pelo objetivo de parar poluição e degradação ambiental através de ação direta, lobbying, e processos judiciais. A terceira fase, em meados da década de oitenta, objetivou achar alternativos para os projetos ambientalmente destrutivos. Mesmo com necessidades legitimas detrás desses novos projetos, ficou evidente que soluções de longo prazo serão achados em modelos sustentáveis (BRULLE, 2000). O foco em reformas do movimento ambientalista nos EUA ressalta o caráter técnico e científico das organizações e instituições ambientais americanas, e os projetos e soluções que desempenham. Uma abordagem reformista explica a expansão de ONGs e grupos ambientalistas desde a década de oitenta, sem a criação de quase nenhuma iniciativa nova. O foco na análise científica de problemas ambientais faz uma crítica da estrutura institucional, mas isso não gera PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA novas visões alternativas para basear uma sociedade sustentável (BRULLE, 2000). Nos EUA, o movimento ambientalista e a ecopolítica são geralmente limitados pelos debates científicos e o fato que o papel das cientistas e expertos é maior do que o papel dos cidadãos nos processos e debates políticos que visam à reforma política e institucional. As organizações com o perfil reformista não conseguem manter um nível de independência e são influenciadas pelos interesses do mercado e o Estado. As relações dentro do sistema política americana são ainda mais complexas. Embora o foco na ciência e na orientação de expertos não abra espaço público para debate pluralista, a formação de políticas ambientais ainda é susceptível à influência de ideologia através de formas de pseudo-ciência4. Em resumo, o surgimento do movimento e as mudanças que sofreu ao longo das décadas formacionais são reflexões da complexidade política, econômica e histórica que define o ambiente social e cultural do Brasil e os EUA. O desenvolvimento dos valores e conceitos ambientais no Brasil e nos EUA aconteceu de forma distinta com abordagens e ênfases diferentes. No Brasil, pelos grandes contrastes na sociedade, o desenvolvimento foi bastante complexo por ter havido uma forte divergência regional, resultando num movimento pouco 4 A participação do Presidente Bush na Rio-92 foi determinado por uma opinião científica que discordava do consenso internacional sobre a mudança climática e a maioria dos cientistas nos EUA (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a). 101 centralizado. Desde as lutas no Acre, durante a década de sessenta, aos seringueiros, que ligaram suas demandas sociais com o meio ambiente na década de setenta, até os ambientalistas do Sul e Sudeste, cuja luta ecoava os movimentos nos Estados Unidos e na Europa em resposta aos efeitos negativos de industrialização urbana, o movimento no Brasil não se consolidou e juntou com outras questões sociais importantes. Esse tipo de mistura de agendas por um lado funcionou para espalhar os conceitos e valores ambientais para diversos setores da sociedade e por outro lado deixou menos clara a articulação das demandas e valores ambientais. Nos EUA, um exemplo bastante diferente, o desenvolvimento do movimento ambientalista no contexto das grandes mudanças culturais da década de sessenta estabeleceu os valores e conceitos relacionados com a proteção do meio ambiente como um ponto de resistência social. A incorporação dessas ideias PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA na política, desde 1970, foi limitada à abordagem técnico-científica que refletiu a tendência para separar as questões sociais (levantadas pelos movimentos sociais durante a década de sessenta) de outras questões, evitando a criação de uma visão holística sobre problemas e soluções ambientais. O poder dos EUA para exportar as crises ambientais para outros países, seja no discurso ou com projetos reais, é um elemento importante das mudanças no movimento ambientalista. Desde Estocolmo, os EUA se preocuparam com a degradação ambiental em países em desenvolvimento e a partir da década de oitenta, (principalmente com NAFTA na década de noventa) deslocou os efeitos negativos industriais para fora das fronteiras nacionais. A exportação do movimento ambientalista para a sociedade civil internacional reflete esse fenômeno. Até o conceito de desenvolvimento sustentável, quando é ressaltado, normalmente é direcionado a outros países, aos menos desenvolvidos, sem relacioná-lo aos problemas internos. O movimento ambientalista no Brasil surgiu de forma bissetorial, formado por grupos pequenos de base e agências estatais ambientalistas, e se tornou complexo e multissetorial, formado por uma variedade de setores entre a sociedade civil e o governo com graus diferentes de integração e institucionalização5 (ALEXANDRE, 2003). O estilo de desenvolvimento 5 Para uma lista dos oito setores da sociedade que formam o movimento ambientalista ver Viola & Leis (1995). 102 exclusivo e o legado de um Estado grande e uma sociedade civil pequena, junto a outros fatores históricos, resultaram em uma organização do movimento de cima para baixo por linhas corporativistas. Além disso, a ordem patrimonial no Brasil, que destaca o reconhecimento apenas pelo Estado, não garante uma atenção nos processos jurídicos quando um conceito ou valor entra apenas na lei. Ademais, o fortalecimento do movimento ambientalista internacional e a adoção da Amazônia como causas globais, junto aos ativistas exilados com conexões no exterior determinaram o caráter do movimento ambientalista (GUIMARÃES, 1991). Tudo isso é evidente através de uma análise baseada nos pressupostos da teoria da ação comunicativa. Para Habermas, a abertura da esfera pública para a atividade da sociedade civil e os processos discursivos internacionais criaram as condições para a racionalização comunicativa. Pelo outro lado, havia fatores econômicos e políticos que influenciaram o caráter do movimento que são menos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA visíveis e que surgiram desta análise inspirada no pensamento de Foucault. Fatores como a entrada do Brasil no mercado internacional e a pressão, a partir de Estocolmo, de outros governos para o Brasil atender às normas ambientais internacionais também contribuíram para a formação do movimento ambientalista. No Brasil, portanto, podemos resumir que a formação do movimento ambientalista foi um processo de cima para baixo; das instituições do Estado e as demandas do mercado, e de fora para dentro; de padrões da comunidade internacional e de normas internacionais. Nos EUA, o movimento ambientalista surgiu no contexto de mudanças sociais amplas, valores pós-materialistas e a onda “contra cultura” da década de sessenta. Junto a isso, a ênfase constitucional em autonomia estadual e local no âmbito político, mesmo com a criação de políticas e instituições nacionais, formou um movimento com caraterísticas de um movimento de base abrangente. A formação de políticas, reformas, normas e valores associados com a proteção do meio ambiente tinha um caráter muito diferente que no Brasil. Nos EUA a formação do movimento foi mais na direção de baixo para cima com iniciativas de grupos particulares e negociação política diretamente com representantes nos governos locais. O deslocamento da atividade do movimento ambientalista para a sociedade civil global pode ser evidência da abertura de uma esfera pública internacional, segundo a teoria de Habermas, mas, da perspectiva de Foucault, isso pode distrair da origem desse movimento na necessidade de garantir o futuro 103 acesso a recursos naturais. Assim, a exportação do movimento para a sociedade civil global deu outro característica à formação do movimento ambientalista nos EUA. Ao contrário do Brasil, nos EUA o processo de formação do movimento ambientalista foi de baixo para cima; da base dos movimentos sociais, e de dentro para fora; do âmbito nacional para o internacional. Ambos os autores podem contribuir para a discussão do movimento ambientalista. Obviamente, seus focos diferentes destacam elementos diferentes da formação deste movimento. Habermas destaca a importância da sociedade civil como veículo para a expressão de valores culturais no âmbito político, mas não considera diretamente as relações de poder complexas que existem dentro da sociedade civil e que se manifestam nas relações entre a sociedade e o Estado. Uma análise baseada no pensamento de Foucault, pelo outro lado, não captura a importância da sociedade civil na negociação com o Estado e na formação dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA valores associados com a proteção do meio ambiente. Os dois autores têm limites para a discussão sobre o movimento ambientalista no Brasil e nos Estados Unidos. Mesmo assim, contribuem para entender melhor a formação e transformação do movimento ambientalista. Os EUA criaram políticas e instituições ambientais em resposta às demandas novas da sociedade civil, mas isso não sempre era o caso. Os interesses da comunidade empresarial em vários casos contrariam os interesses de grupos ambientalistas e influenciaram a direção da política. Nas décadas de setenta e oitenta, as questões que o movimento ambientalista ressaltou mais e que receberam mais atenção e mais apoio no âmbito político eram questões que não se chocaram com os interesses econômicos de grandes empresas. No caso de CFCs, as empresas americanas já tinham desenvolvido substitutos para o uso domestico dessa substância. Assim, não houve resistência grande do setor industrial em a legislação passou com bastante facilidade (HOPGOOD, 2003). São complexas as relações e fatores ao nível nacional que determinam o caráter único de movimento ambientalista. Nos Estados Unidos, a influência de atores do mercado e do setor empresarial pode limitar ou facilitar a institucionalização dos valores e conceitos relacionados à proteção do meio ambiente. Mesmo assim, não se pode subestimar o trabalho de ativistas e grupos locais e o poder das estratégias que aprenderam durante as lutas dos movimentos sociais durante a década de sessenta. Sem a pressão de ativistas, dentro e fora do 104 governo, o meio ambiente não receberia a mesma atenção. Com cada vez maior conscientização pública sobre preocupações ambientais, a partir da década de setenta, os ativistas aproveitaram mais dos meios legais e civis de combater poluição e contaminação6. 3.4. A participação do Brasil e os EUA nas Conferências da ONU Há elementos de continuidade e descontinuidade que marcam a participação dos EUA e o Brasil nas Conferências de 1972 e 1992. As mudanças nas posições oficiais e atuação das delegações são claras, mas são relativas às transformações de ênfase e na maneira de abordar a questão ambiental no debate internacional. Na nova atmosfera internacional, com a separação da União Soviética, ocorreram grandes mudanças na política ambiental, mas não corresponderam às mudanças ao PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA nível nacional entre Estocolmo e a Rio-92. A partir de uma análise da participação do Brasil e dos EUA nas duas conferências, é possível identificar uma linha contínua e clara que atravessa a UNCHE e a UNCED que reflete ambos a afirmação dos interesses nacionais, apesar das chamadas para cooperação internacional, e o caráter particular do movimento ambientalista nos dois países. Desde o primeiro compromisso do governo americano a participar em Estocolmo, destacou-se o papel dos EUA como líder global e a necessidade de incentivar a cooperação internacional. No contexto da Guerra Fria, de forma geral, foi muito importante para o líder do mundo livre manter seu papel como a bússola moral na comunidade global e sua influência na política internacional. Essa mentalidade foi expressa na conexão dos efeitos de mudanças ambientais com o bem-estar humano e o usufruto de direitos humanos básicos. O Presidente Nixon apoiava a participação dos EUA na conferência, o reconhecimento de uma crise global e a responsabilidade comum de gerenciá-la. Os EUA foram não apenas conscientes da sua capacidade de fornecer liderança no desenvolvimento de métodos com esse alvo, mas também do fato que sua participação não era simplesmente altruística e que havia muitos benefícios potenciais7 (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1969). 6 Sobre movimentos ambientalistas de base nos EUA ver Dunlap & Mertig (1992). 7 É importante notar o elemento financeiro da discussão dentro do Congresso sobre a 105 A atuação multilateral dos EUA em 1972 refletiu preocupação com a influência do bloco Afro-asiático, principalmente com respeito à questão da China após a mudança política em 1971 (BARBER, 1973). Com a influência dos países em desenvolvimento e do Relatório Founex, as primeiras políticas multilaterais sobre o meio ambiente, discutidas em Estocolmo, não refletiram a agenda nacional americana. Isso foi diferente de outros temas políticos como o comércio internacional, o narcotráfico e o terrorismo. Questões de poluição eram discutidas dentro de órgãos internacionais como a OTAN e a OECD, mas nesses grupos todos os países membros compartilharam altas taxas de industrialização e os EUA possuiu um papel dominante. Na ONU, não tinha essa vantagem nem a homogeneidade e a agenda internacional estabelecida em Estocolmo foi mais difícil de controlar (HOPGOOD, 2003). Nas deliberações que conduziram a UNCHE, tornou-se evidente que a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA chave para o gerenciamento do meio ambiente ficou na política – não na ciência (HOUSE CONGRESSIONAL RECORD, 1970). No sistema internacional, os EUA se percebiam como uma força construtora e modernizadora e, na área do meio ambiente, promovia uma abordagem apolítico da maneira que percebia os temas de segurança, riqueza, democracia e direitos humanos (HOPGOOD, 2003). A trajetória da Conferência em 1972 abriu a discussão sobre o meio ambiente e a agenda internacional para as posições de países em desenvolvimento. Houve um momento discursivo importante para o movimento ambientalista e para a disseminação dos valores relacionados à proteção do meio ambiente. Ao nível substantivo, a partir do pensamento de Foucault, a politização das questões ambientais pelos conflitos e divergências entre países como o Brasil e os EUA que se apresentavam ao longo da UNCHE criou uma atmosfera de conflito. A partir de isso houve negociações e acordos entre participantes representando governos e da sociedade civil. participação dos EUA nas Conferências da ONU. Uma tarefa muito grande desse braço do governo é a alocação dos recursos financeiros com respeito a qualquer questão. Na discussão sobre a UNCHE ao final da década de sessenta e o início de setenta a discussão evidencia apoio forte para a participação na Conferência, mas evitou qualquer compromisso de apoio financeiro. As resoluções que comprometeram a participação dos EUA em Estocolmo foram emendadas para fazer claro o não compromisso financeiro. A contribuição para as políticas multilaterais, como do UNEP, se estabeleceu depois de Estocolmo e era discutida e renegociada ao longo da década de setenta e oitenta. 106 A visão internacional dos EUA durante a Conferência foi de líder e defensor de políticas multilaterais de controle e regulação para proteger o meio ambiente global. A percepção internacional do Brasil foi bastante complexa e conflitante. Foi visto como um país sob um regime militar que defendeu de maneira absoluta uma ênfase no crescimento econômico e não no crescimento demográfico, com um currículo péssimo nas áreas de direitos humanos e preservação da natureza e caraterizado por tendências nacionalistas e ambições nucleares. Considerando todos os aspectos, a opinião pública e a posição dos governos nos países ricos sobre o Brasil (como outros regimes autoritários) foi dividida. Criticaram os abusos de direitos humanos e do meio ambiente, mas apoiaram o governo militar por ser inimigo do comunismo e por seu objetivo comum de investimento econômico (LAGO, 2006). Alguns jornalistas caracterizaram a atuação dos delegados brasileiros em PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Estocolmo como obstrucionistas ou como vilãs da Conferência. É verdade que o Brasil representou uma barreira para a realização da agenda definida pelos países industrializados, mas todos os assuntos defendidos pelo Brasil, mesmo o conflito com a Argentina sobre o Rio Pará, tinham o apoio de outros países em desenvolvimento. De fato, o caminho estabelecido pelo Brasil foi seguido por muitos outros países. Na verdade para Maurice Strong, o Secretário Geral, o Brasil foi central para a participação dos países em desenvolvimento e o sucesso da conferência (GUIMARÃES, 1991). A reflexão clara das posições brasileiras no Relatório Founex, resultado da reunião em 1971 de um grupo de 27 países, indicou a influência forte do Brasil e o fato de que a sua agenda tinha bastante apoio. A perspectiva dos EUA e outros países ricos, definida pelo Clube de Roma em textos como The Limits to Growth (1972), viu o desenvolvimento econômico como um obstáculo a um meio ambiente mais saudável. Pelo contrário, o Brasil buscava uma postura clara que o desenvolvimento econômico era o único instrumento para superar problemas ambientais e que a responsabilidade maior ficou nas mãos dos países ricos que possuíram maiores meios e recursos financeiros e tecnológicos. O sucesso da delegação para confrontar a agenda dos países industrializados é evidente nos próprios documentos que resultaram das deliberações da UNCHE. Através de negociação intensa, o paragrafo 4 do Preâmbulo da Declaração das Nações Unidas que liga a maioria dos problemas ambientais com a falta de desenvolvimento e os 107 Princípios 8-12, sobre a importância de desenvolvimento contínuo e a transferência de recursos, bem como as Recomendações 1, 10 e 103-105 do Plano de Ação, reproduziram as afirmações e posições brasileiras quase palavra por palavra (GUIMARÃES, 1991). O argumento brasileiro, em relação às chamadas do Clube de Roma por controle de população e as projeções sobre os limites aos recursos naturais do planeta, foi baseado na sua posição que afirmou a soberania nacional e tinha os seguintes elementos: a) que todos os países têm o direito a uma parte dos recursos do planeta é um pressuposto falso, b) que problemas ambientais na preferia não eram por sobre uso, mas pelo uso insuficiente de recursos disponíveis, c) que isso era refletido na falta de conhecimento sobre a relação entre poluição e crescimento econômico que pode ser relacionada à incerteza sobre recursos potenciais; e finalmente d) que controle populacional não leva em conta relações PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA entre população e quantidade de recursos ou densidades e que é irresponsável e imoral (GUIMARÃES, 1991). A agenda ambiental nacional no Brasil focava no crescimento demográfico e o gerenciamento de recursos naturais. Desta perspectiva, a delegação brasileira em Estocolmo demonstrou para o mundo que a poluição era problema dos países ricos e as soluções para as preocupações sobre escassez de recursos naturais nesses países não eram compatíveis com o desenvolvimento e a soberania nacional. O controle de população e a relação dos recursos naturais para o Brasil significavam menor autonomia na exploração e uso dos seus recursos naturais para o beneficio e as necessidades dos países mais ricos. Com a remoção dessa ideia, a cooperação e apoio internacional se tornou um caminho bem sucedido para o desenvolvimento econômico no Brasil (LAGO, 2006). A defesa da soberania nacional surgiu principalmente da questão principal na agenda brasileira em Estocolmo relacionado aos planos para o grande projeto hidroelétrico no Rio Pará que marca a fronteira internacional entre Brasil e Argentina. Isso foi evidente na ênfase no princípio de evitação de efeitos negativos aos partidos, através de cooperação internacional. O Brasil afirmou na disputa com Argentina que a construção da barragem não ia impedir a exploração do Rio por parte de Argentina, que o princípio sobre o fornecimento de informações sobre atividades que podem ter efeitos em áreas de jurisdição e que a ONU deve ficar fora do assunto. Esse conflito deu o tom às posições brasileiras e 108 destaque ao princípio de soberania nacional. No espírito de diplomacia internacional, Strong mantinha seu apoio forte para as posições da delegação brasileira, inclusive para a importância da soberania, chamando para novas formas de soberania que leva em conta a cooperação junto à responsabilidade e aos interesses comuns (GUIMARÃES, 1991). A Conferência em Estocolmo favoreceu os países desenvolvidos desde sua concepção. Assim, o Brasil tinha que reagir às pressões desses países e defenderse contra a tentativa percebida do uso das questões ambientais no âmbito internacional como um instrumento para limitar o crescimento econômico e como resultado manter a desigualdade entre os países ricos e pobres. No seu estudo sobre as Conferências ambientais da ONU, André Aranha Corrêa do Lago (2006) comenta que a atitude do Brasil em Estocolmo foi fascinante. Considerando o contexto autoritário, olhando para trás, o caráter da sua posição foi bastante PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA democrático. Ironicamente a posição defendida pelo Brasil foi mais democrática do que a posição do Clube de Roma que influenciou os países desenvolvidos. Lago escreve, “... o Brasil ajudou a bloquear a agenda ambiental pelo temor à criação de instrumentos que legitimassem a diminuição da soberania, temor que só se justificava pelos abusos que eram cometidos pelo Governo, principalmente na área de direitos humanos. Essa análise estaria baseada no princípio de que a agenda proposta pelos países ricos era “progressista”. Em retrospecto, no entanto, é indiscutível que as soluções propostas pelos países ricos em 1972 se revelaram muito mais incorretas e pouco democráticas do que a luta dos países em desenvolvimento para que a agenda ambiental fosse inserida no contexto mais amplo do desenvolvimento.” (LAGO, 2006, p. 142). Dez anos depois da Conferência em Estocolmo, os Estados Unidos entraram num período em que o movimento ambientalista expandiu, com novas questões e entidades relacionadas ao meio ambiente. Simultaneamente, a institucionalização que marcou a década de setenta enfrentou uma onda de resistência política principalmente do Executivo. Numa audiência chamada “Review of the Global Environment Ten Years After Stockholm”, de 1981, consistindo de três dias de deliberações com declarações de representantes do governo e da sociedade civil, o Senador Caliborne Pell, que fez parte da delegação americana em 1972, relatou sua experiência para o Congresso. Ele destacou, entre os resultados de Estocolmo, a importância dos resultados menos tangíveis como o 109 reconhecimento do UNEP, do alcance global da degradação ambiental e da necessidade para cooperação internacional. Também ressaltou o fato que o Terceiro Mundo reconheceu a sua própria responsabilidade e papel no contexto de crise ambiental. Durante a audiência, o Senador comentou que o Estado deixou o papel de líder no desempenho de resolver os problemas ambientais através do esforço cooperativo internacional (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1982). Ao longo da década de setenta, pelo caráter descentralizado da política federal americana, o Executivo diminuiu o apoio financeiro para o UNEP. Os governos de Carter e de Reagan cortaram a contribuição para o UNEP de 80% (HOPGOOD, 2003). Isso não necessariamente significou que o país perdeu interesse ou reduziu sua ênfase na questão ambiental, mas indica que retirou seu compromisso para a política multilateral. Na década de setenta e oitenta, houve um distanciamento claro dos acordos multilaterais por parte dos Estados Unidos. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA A questão do meio ambiente global mudou de foco nessa época. O financiamento para o UNEP reduziu drasticamente enquanto o orçamento para programas unilaterais e bilaterais aumentou. Em 1978, a Agência para Desenvolvimento Internacional (AID) recebeu US$13,000 do governo federal para programas internacionais e em 1983 aumentou para US$152,000. A AID concentrou seus programas em países específicos, em conjunto com governos locais e vizinhos, voltado a projetos específicos de assistência – esses não visavam diretamente a questão ambiental, mas mantinham um objetivo de ser ambientalmente correto (HOUSE OF REPRESENTATIVES, 1982). Essa mudança não indica necessariamente uma queda no apoio para políticas ambientais internacionais, mas sim uma atitude relutante sobre o multilateralismo e sobre o desenvolvimento de lei ambiental consuetudinária na comunidade internacional. Nesta época os Estados Unidos eram o maior poluidor e consumidor de recursos naturais do em termos de volume e per capita. A negação de responsabilidade dos países em desenvolvimento por degradação ambiental que originou em países industrializados foi uma área de preocupação para os EUA. O estabelecimento do princípio de responsabilidade comum, mas diferenciado, os deixaria numa posição desfavorecida. Na Rio-92 o princípio da precaução refletiu essa desigualdade de responsabilidade entre países e foi um fator pela resistência dos Estados Unidos contra a Convenção sobre a Biodiversidade. Esse princípio recebeu bastante apoio através da natureza 110 deliberativa dos acordos multilaterais que aumenta o poder e influência de Estados pequenos e diminua o poder de Estados poderosos como os EUA. A pesar da falta de controle sobre os debates multilaterais, os EUA adotaram abordagens alternativas na área de proteção ambiental que incluem: ação unilateral, políticas regionais, ênfase em participação de indivíduos, corporações e ONGs em parcerias com o setor público e privado (BRUNNÉE, 2004). A posição americana durante Estocolmo e a Rio-92 foi formada claramente pelo conflito com a agenda de outros países e pelos interesses nacionais. Segundo Habermas, o caráter discursivo das conferências construiu uma plataforma para a negociação e o consenso. Os processos discursivos criaram a base para a formação das ideias e o entendimento comum, mas uma análise mais profunda revela outra situação. As conferências não permitiram a dominação dos interesses de um país poderoso como os EUA, e criou um modelo onde a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA participação de outros países e outros interesses foram possíveis, mas os debates permaneceram sob o controle dos interesses particulares dos participantes. De acordo com o pensamento de Foucault, esses interesses produziram o debate, e a satisfação dos interesses alinhados ao conteúdo debate, os quais são apenas determinados no processo discursivo segundo a teoria de Habermas, foi limitada – os interesses do meio ambiente e os representantes da proteção ambiental foram secundários. As mudanças econômicas no Brasil ao longo das décadas de setenta e oitenta, com crescimento urbano, agricultural e industrial, criou uma situação onde o Brasil não podia mais reclamar que a agenda ambiental dos países industrializados foi dissociável da sua. As crises ambientais que atingiram a classe média nos Estados Unidos e outros países industrializados durante a década de sessenta, abalaram ao Brasil na década de oitenta com cidades poluídas e acidentes ambientais. Assim, os problemas ambientais de países ricos, que o Brasil negou em Estocolmo como ameaças à soberania nacional e ao crescimento econômico, se tornaram problemas legitimamente brasileiros (LAGO, 2006). A mesma situação de degradação que provocou o movimento ambientalista surgir nos EUA durante a década de sessenta chegou ao Brasil na década de oitenta junto à abertura política e a possibilidade maior de articulação da sociedade civil. Com espaço maior para ação e deliberação a meados da década de oitenta, o meio ambiente foi relacionado com a questão de justiça social e o 111 dialogo entre ativistas sindicais, o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra, movimentos comunitários periféricos, e os seringueiros e índios da Amazônia fortaleceu a sociedade civil após um período longo de ditadura militar (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). No contexto de abertura política e de mobilização social, os ambientalistas influenciaram outros movimentos sociais que conseguiram incorporar os conceitos e os valores da proteção ambiental nas suas agendas, mesmo quando não identificaram com o movimento ambientalista. A espalha do movimento ambientalista parece evidência dos benefícios dos processos discursivos, mas, para Foucault, a abertura da esfera pública para atividade da sociedade civil no Brasil não é tão ideal quanto Habermas afirmaria. Salienta o fato que a diversidade dos novos movimentos sociais pode sofrer sob uma busca para uma moralidade universal que, segundo a teoria da ação comunicativa, sai da ética discursiva. Isso não é necessariamente sensível à PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA diversidade que existe nas políticas dos novos movimentos sociais e, na criação de consenso, pode criar novas formas de dominação em nome do “bem comum” (FLYVBJERG, 1998). De 1972 para 1992, o discurso brasileiro nas Conferências da ONU mudou em relação à situação política nacional. A questão da soberania durante o governo militar foi uma ferramenta política estratégica para justificar e legitimar as suas ações. A soberania nacional permaneceu um tema principal para o Brasil, mas em 1992 mudou para ser ressaltada quando surgiram ameaças que o regime democrático percebeu. Depois da ditadura, o Brasil chegou a admitir que a sua situação nacional tivesse uma relação com a comunidade internacional e o que ocorria internamente podia ser de interesse de outros países. Mesmo assim, aderiram à afirmação que as políticas ambientais nacionais eram de sua inteira responsabilidade (LAGO, 2006). A Constituição de 1988 foi um grande teste da capacidade do movimento ambientalista influenciar a política. Dispositivos foram inseridos no documento através de força e pressão nova de organizações e ativistas ambientalistas. Também, militantes do Partido Verde entraram nas eleições locais e nacionais, provocando novas alianças com setores não ambientais (COMISSÃO INTERMINISTERIAL, 1991). Mesmo que as pressões externas da comunidade política internacional e sociedade civil global, o governo Brasileiro mudo seu discurso principalmente através da reação da sociedade civil brasileira à 112 transparência política nova. O desrespeito ao meio ambiente tomou uma conotação negativa por ser associado ao período militar, e no final da década de oitenta a questão ambiental entrou na política e foi fortalecida no Governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) (LAGO, 2006). Partindo da análise inspirada em Foucault, a política ambiental foi parte da ruptura política com o regime militar. Essa ruptura teve um efeito produtivo, na forma de novas políticas e instituições. Desta perspectiva, os movimentos sociais eram o veículo para essa transição, mas sua origem reside em um momento de partida. Como para Suécia em 1972, o sucesso da Conferência em 1992 foi muito importante para o Brasil. Assim, o país tinha que ter posições firmes, mas também tinha que levar em consideração a necessidade de ajudar no consenso. Em Estocolmo, o Brasil teve uma atitude de confronto, uma vez que os representantes se defenderam contra a proposta original da UNCHE por ameaçaram as PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA possibilidades de crescimento econômico. Na Rio-92, com sua nova imagem internacional no jogo, o Brasil adotou uma atitude cooperativa. Não tinha por que se opor à discussão geral do desenvolvimento sustentável, que resolveu o confronto de 1972 entre o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente. Mesmo assim, sua posição mais aberta continuou com um tom defensivo ressaltando as divergências entre países ricos e pobres. Na área de mudança climática, o Brasil professou a importância da cooperação internacional e o princípio de responsabilidade diferenciada em face das relações do Norte e o Sul enquanto os EUA resistiram a cooperar durante a Rio-92. Com o estabelecimento deste princípio, o Brasil apoiou a ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (que levou à criação do Protocolo de Kioto) pelo esclarecimento de metas para países desenvolvidos e em desenvolvimento de acordo com sua capacidade diferenciada. Na Rio-92, a chamada por cooperação e a preservação do meio ambiente não foi mais um ponto de resistência para o Brasil – o problema real foi a desigualdade entre os países ricos e pobres. A área da biodiversidade foi de interesse particular para o Brasil em 1992. O país com a maior biodiversidade do mundo enfatizou muito a Convenção sobre Diversidade Biológica, indicando a importância crescente face à tecnologia nova e biotecnologia (LAGO, 2006). A mudança de política e discurso do Brasil entre 1972 e 1992 foi um elemento importante no desenvolvimento do sistema internacional de proteção do 113 ambiente. O Brasil foi um grande ator na ONU na questão sobre o meio ambiente e, a pesar das diferencias durante as etapas diferentes, a posição do Brasil foi de liderança. (LAGO, 2006). Em Estocolmo, os Estados Unidos se esforçou para tomar uma posição de liderança, mas a partir da Rio-92 a vontade de entrar em acordos multilaterais diminuiu. Desde 1992, os EUA não foram mais os líderes em políticas ambientais globais. Nas décadas de setenta e oitenta foram pioneiros na legislação ambiental e na criação de sistemas de proteção da camada ozônio e de preservação de espécies. Ficou claro na Rio-92 que o país tinha perdido interesse em tratados ambientais novos. Não tinha que mostrar mais os problemas de países socialistas, questionou o consenso científico internacional e negou a ideia de ação precatória diante de crises ambientais (FALKNER, 2005). A política americana relacionada à UNCED foi bastante resistente. Mesmo com uma posição de desacordo, pelo seu poder econômico, politico e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA diplomático, os EUA não podia negar seu papel como líder mundial durante a Rio-92. Contra as chamadas do Congresso americano, da opinião pública e da comunidade internacional o Presidente Bush foi orientado para não participar na Conferência. As razões pela não participação do Presidente americano concentraram na inclusão de metas concretas e cronogramas na Convenção sobre Mudança Climática. Apesar disso, depois de concessões por parte de países europeus, Bush decidiu no último momento de ir à Conferência e participar na maior reunião de chefes de Estado e um momento histórico para o meio ambiente (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1990), (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992b). Os EUA não foram simplesmente obstrucionistas na Rio-92. Sua participação foi uma função do seu poder na estrutura internacional e da diplomacia ambiental. De grande medida, a atuação dos EUA na formação de políticas e acordos ambientais internacionais pode ser entendida como uma tentativa de exportação dos objetivos de políticas nacionais ambientais ou para proteger os interesses econômicos domésticos contra ameaças de regulação internacional (FALKNER, 2005). Numa declaração para o Congresso um mês antes da Rio-92, o Senador John Kerry chamou a atenção para essa análise, lamentando que, 114 “... the U.S. negotiating position has been to weaken language, to substitute generalities for specifics, guidelines for binding schedules, vague promises for firm commitments, and we seem to have taken the lead not in trying to break through the obstacles to global cooperation but rather to paper them over and to achieve not the strongest possible set of agreements but, rather, a set of least-common-denominator agreements designed to produce the appearance of doing something while minimizing the reality. And nowhere has this tendency been more visible or more damaging than our leadership, so-called, in the area of global warming.” (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992b, p. 7) Quando a questão de mudança climática chegou à agenda internacional na década de oitenta, os EUA foram um dos únicos países que tinham dado atenção para esse assunto. O argumento maior contra a assinatura da Convenção sobre Mudanças Climáticas sustentou que o conteúdo do acordo seria usado apenas como uma vantagem para os competidores dos EUA, aproveitando as restrições grandes e custos potenciais altas os quais o país teria que lidar. O Presidente Bush PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA não foi para a Rio-92 quase exclusivamente pela proposta de limitar e estabilizar emissões de CO2 até o ano 2000 aos níveis de 1990 – mesmo quando isso foi possível, de acordo com projeções dentro do próprio governo, e talvez ia acontecer de qualquer jeito. Os países Europeus, que se dedicaram muito mais para esse objetivo cederam na negociação com os EUA e tiraram os cronogramas concretos, eventualmente colocando linguagem intencionalmente vaga em prol do alvo de estabilização das emissões de efeito de estufa (HOPGOOD, 2003). Na área da biodiversidade os EUA também começaram na vanguarda. Para racionalizar os tratados internacionais já existentes sobre espécies ameaçadas e florestas tropicais, os EUA começaram o esforço inicial para a proteção global da biodiversidade. Enquanto isso, na Rio-92, surgiu resistência no Executivo contra a linguagem contido na Convenção sobre Diversidade Biológica sobre a transferência de tecnologias e financiamento. Essa posição indicou o medo de perder seu lugar dominante na indústria de biotecnologia e para proteger os produtos alimentares biologicamente modificados (HOPGOOD, 2003). Durante a Rio-92, depois das negociações e das emendas na linguagem da Convenção sobre Mudanças Climáticas os EUA a assinaram e logo depois a convenção (que não possuiu compromissos concretos) foi ratificada8. A Convenção sobre a 8 Quando a Convenção sobre Mudanças Climáticas adotou o Protocolo de Quioto em 1997 os EUA foi resistente aos elementos vinculativos. Assinou em 1997, mas nunca foi ratificado no Congresso. Mudanças de política do governo Bush em 2003 resultou no abandono do acordo. 115 Diversidade Biológica foi assinado por virtualmente todos os países na Rio-92, menos os EUA. A resistência dos EUA ao acordo sobre mudança de clima e as concessões que ocorreram deu o tom aos outros debates e debilitou as negociações da Convenção sobre Diversidade Biológica e sobre as Florestas (BRUNNÉE, 2004), (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a). Desde a Rio-92, e ainda mais a partir das negociações do Protocolo de Quioto, os EUA se tornaram uma força recalcitrante no âmbito de negociação e política ambiental multilateral. A participação no debate e nos acordos desde 1972 até os dias de hoje é resultado da atuação dos ativistas dentro e fora do governo que constantemente enfrentam barreiras e resistência, sejam do próprio governo ou do setor empresário. Através do sistema política pluralista, aos poucos e com muita dedicação, os ativistas conseguiram fortalecer os EUA numa rede complexa de multilateralismo (HOPGOOD, 2003). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA A partir da Rio-92, a questão do meio ambiente recebeu muita atenção no Brasil. Pelas grandes reservas de recursos naturais, a extensão da sua diversidade biológica, a ênfase na indústria de energias renováveis e sua participação na política multilateral, o Brasil se tornou o país mais identificado com o meio ambiente (SILVA, 2006). Como uma nação fundada em um orgulho profunda da natureza, (o próprio nome é um tipo de árvore), o meio ambiente cabia facilmente na cultural brasileira. A maneira que a questão do meio ambiente foi ligada com outras questões centrais para o Estado e a sociedade civil, e que pode ser abordado de uma variedade de perspectivas, a integraram nos valores nacionais de modo legítimo. Mesmo assim, a questão do meio ambiente continua complexa. Políticas e instituições se fortaleceram, mas permanecem bastante limitadas nas áreas de implementação e fiscalização. A promoção da conscientização da população por parte da sociedade civil colocou o meio ambiente na lista de prioridades e interesses gerais nacionais, mas hoje ainda não alcance a sociedade inteira. Pelo processo de desenvolvimento econômico nas últimas décadas, o Brasil passa por duas situações: primeiro, que é similar aos países desenvolvidos, que tem que alterar padrões de produção e consumo para lidar com as crises ambientais, e segundo, que possui outra parte da população que não tem acesso às necessidades 116 mais básicas, fazendo difícil considerar a dimensão ambiental do desenvolvimento (LAGO, 2006). O Brasil tem grande potencial para ampliar o debate sobre a realização do desenvolvimento através da criação de padrões de produção e consumo que são ambientalmente, economicamente e socialmente sustentáveis. O fato que países desenvolvidos como só EUA tem recursos financeiros e tecnológicos maiores não necessariamente significa que seria mais fácil para esses conseguir criar um modelo mais sustentável. Esses países enfrentem grandes obstáculos políticos e sociais para mudar seus padrões de produção e consumo. É possível identificar a vantagem do Brasil nesse âmbito por ser um país de potência média, território extensivo, densidade populacional baixa, e contrastes sociais profundos. O Brasil possui condições únicas para realizar um avanço qualitativo em muitas áreas, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA dentre destas a área ambiental (LAGO, 2006). 3.5. O futuro do movimento ambientalista em suas arenas discursivas Olhando para o futuro, é importante lembrar o passado e entender como e porquê chegamos ao presente e quais são as possibilidades para frente. A questão do meio ambiente mudou bastante desde a Conferência em Estocolmo. A partir de 1972, a politização da questão ambiental na arena internacional discursiva descobriu pontos de divergência entre países como os Estados Unidos e o Brasil, resultando na transformação da agenda internacional, da maneira que as Nações Unidas abordam a questão ambiental e o próprio conceito do meio ambiente. Neste processo, o meio ambiente se tornou uma questão central nos objetivos da maioria do mundo de se desenvolverem e atingirem um nível maior de bem estar material e social. Através da politização do debate, se distanciando do foco na ciência sobre a crise ambiental, o conflito entre o crescimento econômico e a proteção de meio ambiente encontrou uma resolução. Para o Brasil esses dois objetivos se reforçaram mutualmente e o desenvolvimento sustentável se tornou conceito consagrado no Estado, no mercado, e na sociedade civil. As mudanças na participação dos EUA e o Brasil na UNCHE e na UNCED ocorreram de acordo com uma continuidade ao nível nacional relacionada ao contexto e os interesses particulares. Os EUA, o pioneiro na 117 política ambiental, desempenhou um papel central em Estocolmo como líder global. No entanto, na Rio-92, foi muito resistente aos debates. Essa diferença não necessariamente indica uma mudança na atuação americana com respeito à questão ambiental e a política internacional. Pelo contrário aponta para uma continuidade clara. A sua participação em Estocolmo foi lógica pela necessidade de exportar os padrões nacionais já existentes para o âmbito internacional para evitar maior competição no mercado internacional. Na Rio-92, os debates e os acordos específicos não corresponderam aos interesses particulares (na verdade alguns foram diretamente contra seus interesses) e, como resultado, a política multilateral foi quase abandonada. Da maneira que as mudanças na participação dos EUA nas Conferências da ONU indicam uma continuidade ao nível nacional, para o Brasil isso é ainda mais verdadeiro. Mesmo com uma ruptura política clara no período entre PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Estocolmo e a Rio-92, os interesses nacionais determinaram a participação do Brasil na política ambiental internacional. Em 1972, a sua agenda foi determinada pelas políticas desenvolvimentistas do governo militar e o foco na soberania nacional para justificar essas políticas que resultaram em degradação ambiental flagrante. Em 1992, após da abertura econômica ao longo das décadas de setenta e oitenta e da transição democrática, os projetos desenvolvimentistas visavam as oportunidades no mercado internacional. Para o Brasil, liderar as negociações internacionais sobre a questão ambiental e desenhar as políticas internacionais assegurava os próprios interesses econômicos e as possibilidades de crescimento. O país tinha interesse em receber a UNCED, mas não queria sediar a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável que poderia ser um obstáculo ao desenvolvimento de indústria nacional e de recursos naturais. O trabalho abordado acima se trata de um tema complexo que atravessa várias áreas de estudo e análise. Além da comparação entre os EUA e o Brasil, a variável temporal acrescenta outra dimensão de análise e de dificuldade. Jürgen Habermas forneceu uma teoria abrangente que formou uma base grande para pensar sobre as conferências da ONU como momentos discursivos importantes da construção do conceito do meio ambiente e do movimento ambientalista. O pensamento de Michel Foucault questionou o uso de uma teoria universal para esse tipo de análise e ajudou a aprofundar mais nessa análise. Para Habermas, o projeto de Foucault parte de um conceito do social que não é sociológico. Neste 118 sentido, e segundo sua ênfase metodológica na genealogia, o pensamento de Foucault representa o de um historicista radical que, pelo caráter histórico deste trabalho, tinha uma contribuição significativa (HABERMAS, 1994). Depois de nos distanciarmos da teoria de Habermas, agora com uma visão mais profunda do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA, podemos voltar para examinar a sua aplicação. É importante não esquecer os instrumentos que Foucault fornece e os objetivos que ressalta, mas às vezes é necessário possuir mais do que instrumentos e indicações. A questão ambiental agora recebe bastante discussão e atenção – o que falta é ação imediata e concreta. Na hora de agir, de criar políticas, de negociar ou abordar qualquer tipo de atividade social significativa e urgente é preciso um nível de convicção de razão ou moralidade. Para Habermas, a análise de Foucault não facilita isso. O que resta é a importância de um alvo como a ética discursiva (HABERMAS, 1994). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA Mesmo com as relações complexas e os fatores internos e externos que determinaram a participação do Brasil e dos EUA nas Conferências, o modelo discursivo da ONU legitimou o debate e os acordos comuns que os produziu. A importância das Conferências internacionais como arenas discursivas democráticas para a questão do meio ambiente é evidente no fato que hoje o conceito de proteção ambiental atinge os mais diversos setores da sociedade. Na teoria da ação comunicativa, a criação de uma visão coerente do mundo é possível através do debate público. Isso é evidente pela atividade da sociedade civil, ambos os níveis internacional e nacional. Todavia, olhando o Brasil e os EUA ao nível nacional, a formação dos conceitos, valores, normas e opiniões associadas com a proteção do meio ambiente não necessariamente correspondem à atuação no debate internacional. Considerando os limites de uma teoria abrangente, após uma análise detalhada que descobre as relações complexas que determinam a política nacional e internacional, é possível aplicar a teoria da ação comunicativa para comparar o movimento ambientalista no Brasil e nos EUA. O modelo discursivo desenvolvido por Habermas fornece uma estrutura teórica para comparar a racionalidade e moralidade de ordens sociais diferentes. A proposta aqui não é tão grandiosa, principalmente depois de considerar os limites de uma análise descendente, de cima para baixo a partir de uma teoria universal. Assim, concentrando nos processos discursivos de criar uma visão coerente relacionada 119 aos valores e conceitos do movimento ambientalista no Brasil e nos EUA, é possível analisar sua racionalização e criar um quadro comparativo no qual se pode interpretar a legitimidade do desenvolvimento desses conceitos e do próprio movimento ambientalista. Nos EUA, a formação do movimento ambientalista de baixo para cima, com forte participação da sociedade civil, através do debate público e aberto no sistema democrático resultou numa conscientização abrangente na base da sociedade para legitimar as políticas e instituições que visam a proteção da natureza e o próprio conceito do meio ambiente. No Brasil, a falta de participação da sociedade civil durante o período inicial de formação de normas e políticas ambientais teve uma efeito deslegitimador no qual os valores associados com a proteção do meio ambiente não entraram na cultura de forma geral. A partir da abertura política no Brasil, a explosão de entidades que pautavam pela questão do PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA meio ambiente abriu o espaço discursivo e contribuiu para uma conscientização maior, mas o poder do Estado permanece como força motriz da política. Assim a expansão progressiva do Estado burocrático ameaça os processos de racionalização comunicativa e a formação de uma visão coerente do meio ambiente na sociedade. Nos EUA, pela mesma estrutura política que garante um espaço discursivo para a sociedade civil atuar, há ameaças para a construção de uma visão coerente sobre a questão do meio ambiente. Aqui são menos ligados ao Estado e mais com as forças do mercado e o setor empresário. A influência desses sistemas na racionalização dos conceitos que determinam a visão do meio ambiente é refletida na atuação nas Conferências e o destaque dos interesses nacionais na negociação internacional, indicando a necessidade de abrir ainda mais o espaço discursivo para a racionalização comunicativa. Mesmo com as limitações nos debates que formaram as Conferências da ONU em 1972 e 1992, e a dificuldade de criar acordos comuns que estabeleceram passos concretos e compromissos definitivos para os participantes, os debates fazem parte de um processo maior. A teoria da ação comunicativa não destaca o resultado dos processos discursivos, mas o próprio processo em si. As conferências discutidas aqui refletem esse principio. Logo depois da sua participação na Rio-92 o Senador Al Gore comenta sobre sua experiência na UNCED. 120 “My own impressions are at this moment that this meeting was a tremendous success for the world community, in that a very powerful learning process took place for people of all nations around the world and their leaders. I believe deeply that the substantive policy and program changes necessary to protect the Earth's environment will come more easily after the Earth summit than before the Earth summit. There is a danger, however, and that is that people will have the impression that substantive changes were made there when precious few were actually concluded. Most of the success was psychological and symbolic. That is not to discount the importance of what was achieved there. It is rather to underscore the urgent necessity to make use of this success in accelerating the changes in policy now so urgently needed.” (SENATE CONGRESSIONAL RECORD, 1992a). A participação dos EUA e o Brasil em Estocolmo e na Rio-92 contribuía para a formação desse processo, mas pelos fatores complexos que determinam essa participação e a tendência dos interesses nacionais a dominar o debate é importante buscar espaços para a articulação de outros interesses e para processos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA discursivos menos limitados. O modelo discursivo das Conferências da ONU tem muito potencial para esse tipo de expansão. A partir da Rio-92, a aplicação maior do conceito de governança, usando órgãos e instituições especializadas, para lidar com as questões do meio ambiente criou o potencial para distanciar a política ambiental do sistema político tradicional. Sair do modelo de política internacional baseado na negociação interestadual possibilita um projeto mais aberto para a participação da sociedade civil global e os processos discursivos que poderiam oferecer e criar soluções coerentes, legítimas e justas para os problemas ambientais. 4 Considerações Finais Este trabalho foi um estudo do movimento ambientalista como parte de uma transformação abrangente de atitudes por parte de diversos setores da sociedade. Mostrou como a proteção ao meio ambiente não é apenas um valor crescente, mas também como faz parte de uma nova ontologia na qual as pessoas se relacionam e enfrentam o mundo. Vimos que o movimento ambientalista e o próprio conceito do meio ambiente foram construídos ao longo dos últimos cinquenta anos e, neste período, se transformaram e se definiram de maneiras diferentes em contextos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA diferentes. Pelo caráter global desta questão, e seu fortalecimento paralelo ao desenvolvimento do sistema das Nações Unidas, não foi por acaso que foi destacado o papel central da política e negociação internacional. Quando pensamos no meio ambiente e no movimento ambientalista, a imagem é muito abrangente e pode tomar várias formas, dependendo da perspectiva ou contexto. No Brasil e nos EUA, o significado desses é bastante diferente. Foi observado que a participação desses países nas conferências da ONU refletiu diretamente tanto as suas experiências e circunstâncias particulares como as transformações dessas ao longo do tempo. Percebeu-se que os fatores políticos, históricos e econômicos formaram agendas diferentes em contextos diferentes, sendo determinados por relações internas e externas complexas entre a sociedade e o Estado. Ao final das contas, tanto para o Brasil quanto para os EUA, as mudanças na participação nas conferências refletiram simultaneamente as mudanças na agenda internacional e as demandas econômicas nacionais. Foi visto que a discussão do conceito do meio ambiente pode ser abordada de várias maneiras. Dentro dessa discussão existem elementos concretos a ser medidos nas áreas técnicas e científicas, mas ficou registrado que o meio ambiente é um conceito abrangente e socialmente construído. Foram utilizados conceitos, inspirados no trabalho teórico de Jürgen Habermas, para entender melhor a formação dessa nova ontologia. Partindo da hipótese de que a linguagem reside na base da organização social, a teoria de ação comunicativa de Habermas (1987) 122 procura estabelecer as condições para a formação de sociedades justas e racionais através de processos discursivos. Através da racionalização comunicativa, o consenso é possível e assim ideias como o meio ambiente são formadas dentro do mundo da vida e em relação com os sistemas (arena das instituições coercivas ausente dos processos de racionalização e legitimação). Usamos essas ideias para examinar os debates e os acordos que a UNCHE e a UNCED produziram e foi ressaltada a importância da abertura do espaço discursivo no âmbito internacional para a participação de países em desenvolvimento e representantes da sociedade civil. A ênfase no papel da sociedade civil no avanço e disseminação dos conceitos e valores associados com a proteção ambiental mostrou uma nova categoria para a associação e atividade política. Como ressaltaram Guimarães (1991) e Le Prestre (2000), na década de sessenta, a atmosfera política foi tal que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA a questão ambiental se transformou numa plataforma política que transcendeu as fronteiras nacionais, ligando demandas locais, nacionais e globais. A ecopolítica surgiu como uma nova plataforma para atuação no âmbito político internacional, tendo papel muito importante na formação do conceito do meio ambiente e influenciando movimentos nacionais. Entre Estocolmo e a Rio-92, acompanhamos o surgimento de um movimento ambientalista internacional que trouxe novas questões sociais, econômicas e políticas ao debate sobre o meio ambiente e novos valores e conceitos associados com a proteção do meio ambiente. Na discussão da ecopolítica foi ressaltada a importância do espaço discursivo democrático como um pré-requisito para o processo de racionalização comunicativa. Autores como Walzer (1995) e Costa (2002) mostraram, junto aos conceitos que a teoria de Habermas (2003) trouxe para essa análise, a importância da sociedade civil como mediador de poder estatal que transformou os discursos capazes de solucionar problemas, em questões de interesse geral (HABERMAS, 2003, p. 99). Assim, foi salientado que o surgimento da sociedade civil global junto à articulação do movimento ambientalista ao nível internacional afetou a criação de políticas e instituições legítimas com base em acordo pluralista e em entendimento comum. A partir da discussão de Liszt Vieira (2001), foram vistas as mudanças recentes na relação entre a sociedade e o Estado que criaram um novo cenário para a formação de consenso e acordos sobre o meio ambiente. Essas mudanças se 123 evidenciaram nas conferências internacionais da ONU sobre o meio ambiente em 1972 e 1992. Vimos a importância da sociedade civil global para a abertura do espaço discursivo da ONU e a atividade e fortalecimento do movimento ambientalista no sistema internacional. O papel da sociedade civil se destacou desde 1972, mas em 1992 foi ainda maior. Costa (2002) contribuiu para entender essa mudança, focando a luz na nova atividade da sociedade civil neste período. A partir daqui, foi ressaltado que a reativação da sociedade civil em países da América Latina e o Leste Europeu e os novos movimento sociais possibilitaram a abertura dos debates sobre o meio ambiente e a disseminação maior por diversos setores da sociedade. A concepção da UNCHE e a UNCED como dois momentos de racionalização comunicativa e a discussão das mudanças entre 1972 e 1992 ajudaram para refletir sobre as mudanças no movimento ambientalista e no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA consenso sobre problemas ambientais e soluções possíveis. Foi visto que os países desenvolvidos que estabeleceram a agenda original das conferências enfrentaram resistência de países em desenvolvimento, originando das demandas para considerar a satisfação das necessidades básicas da maioria da população no mundo. Foi evidenciado que a divisão entre esses países resultou numa mudança na maneira de abordar a questão do meio ambiente. Assim, ficou registrado que, no fundo, o meio ambiente foi menos pensado desde uma perspectiva científica. De maneira geral, a proteção do meio ambiente se tornou uma questão cada vez mais política e econômica, principalmente com consagração do conceito de desenvolvimento sustentável na Rio-92. Partindo da perspectiva de Habermas, que procura estabelecer um consenso racional, moral e legitimo, são os processos discursivos que importam e que determinam a legitimidade dos resultados. Ficou registrado que o caráter altamente procedimental das conferências da ONU representam exemplos interessantes para medir e examinar a formação do conceito de meio ambiente. Dessa perspectiva, quando olhamos a UNCHE e a UNCED como arenas discursivas para a racionalização comunicativa e a criação de consenso, foi evidente o valor da participação da sociedade civil e da deliberação democrática. Foi estabelecido que as conferências, embora não tivessem criado políticas obrigatórias e instituições concretas, tinham um valor simbólico importante para a 124 formação do conceito do meio ambiente, o movimento ambientalista e as negociações futuras. Olhando um pouco mais os fatores específicos que determinaram os debates na UNCHE e na UNCED, descobrimos o papel importante das experiências nacionais particulares dos participantes. Foram examinados os casos específicos do Brasil e EUA, e percebeu-se que existiam atores específicos e relações complexas de poder que determinaram o conteúdo e a direção dos debates nas conferências. Foi destacado que para Habermas o processo e a formação do consenso determinariam os resultados, mas a partir de uma abordagem inspirado no pensamento de Foucault foi aplicado um olhar mais profundo. Foi revelado que atores e fatores menos visíveis ao nível nacional e internacional determinaram e definiram os próprios processos discursivos das conferências, e consequentemente produziram os resultados (ou a falta de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA resultados). A partir do estudo a nível nacional sobre o desenvolvimento do movimento ambientalista e os valores e conceitos associados com a proteção do meio ambiente no Brasil e nos EUA, foi visto a importância do contexto histórico, econômico e político-social na formação das agendas e na participação nas conferências. Foi argumentado, segundo uma perspectiva baseada nas ideias de Foucault, que conceitos universais, como a ética discursiva que Habermas pressupõe, devem ser questionados. Embora possam tirar a atenção das relações de poder que atuam nos processos discursivos e produzem os debates, não necessariamente devem ser descartados. Vimos que uma análise contextual no nível da micropolítica revela elementos importantes na formação dos debates democráticos e os processos discursivos relacionados à questão do meio ambiente e ao movimento ambientalista. A partir desta perspectiva, interesses em conflito, principalmente interesses econômicos nacionais, que determinaram os debates durante a UNCHE e a UNCED, são mais bem compreendidos em todas as suas dimensões. Esse estudo foi, sobretudo, uma tentativa de examinar e entender melhor uma das questões contemporâneas mais imperativas e indispensáveis. Mostrou a importância do sistema internacional da ONU para a formação, disseminação e legitimação das preocupações sobre o meio ambiente. Tentou estabelecer uma visão multidimensional do movimento ambientalista e o próprio conceito do meio 125 ambiente. Afastamos da visão abrangente inspirada na teoria de Habermas sobre a função procedimental das conferências para adotar um olhar contextual e crítico, mas no processo voltamos para a importância de projetos democráticos coerentes e otimistas. Uma questão como essa exige ação e determinação que Habermas facilita pela sua teoria clara e destinada explicitamente à mudança social justa e moral. Esse trabalho foi apenas o início de um caminho para frente e de projetos futuros para explorar todos esses temas, teorias e objetos que foram introduzidos aqui. Além da pesquisa e da bibliografia extensivas, uma lição importante surge aqui que destaca que a destinação sempre depende do caminho percorrido – mesmo numa situação urgente como a crise ambiental. Da mesma maneira, em vez de uma pesquisa acabada, esse projeto deve ser pensado como um processo, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA um passo à frente, ou uma passagem por uma entrada nova e interessante. 5 Referências bibliográficas ALEXANDRE, Agripa Faria. A perda da radicalidade do movimento ambientalista brasileiro uma nova contribuição à crítica do movimento. Ambiente e educação. n.8, p. 73-94, 2003. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA BARBER, Hollis W. The United States vs. The United Nations. International Organization. v.27, n.2 p. 139-163, Spring 1973. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2706095>. Acesso em: 21 Mar. 2011. BENZ, Brad. Let it Green: The Ecoization of the Lexicon. American Speech. v. 75, n. 2, p. 215-221, Summer 2000. Disponível em: <http://muse.jhu.edu/journals/as/summary/v075/75.2benz.html>. Acesso em: 23 Mar. 2011. BIERMANN, Frank. Ecological Interdependence and State Power: Explaining the Bargaining Success of Developing Countries in Gloval Environmental Negotiations. Apresentado no 45th Annual Convention of the International Studies Association, Montréal, Québec, Canada, 17-20 March 2004. Disponível em: <http://www.allacademic.com/meta/p72556_index.html>. Acesso em: 27 Jan. 2011. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRULLE, Robert J. Agency, Democracy, and Nature: The U.S. Environmental Movement from a Critical Theory Perspective. Cambridge Massachusetts: The MIT Press, 2000. BRUNNÉE, Jutta. The United States and International Environmental Law: Living with and Elephant. EJIL. v. 15, p. 617-649, 2004. Disponível em: <http://ejil.org/pdfs/15/4/373.pdf>. Acesso em: 21 Jul 2011. CARSON, Rachael. Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin, 1962. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Vol. 1. Tradução de Roneide Cenancio Majer, Klauss Brandini Gerhardt. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. ______. The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks, and Global Governance. In: The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science. n. 616, p. 78-93, 2008. Disponível em: <http://ann.sagepub.com/content/616/1/78>. Acesso em: 26 Mar. 2011. COHEN, Jean; ARATO, Andrew. Politics and the Reconstruction of the Concept of 127 Civil Society. In: Cultural-Political Interventions in the Unfinished Project of Enlightenment. (Orgs. Axel Honneth et al.). Cambridge (Massachusetts): The MIT Press, 1992. COMISSÃO INTERMINISTERIAL PARA PREPARAÇÃO DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. O desafio do desenvolvimento sustentável: Relatório do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília, 1991. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1991. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA CONCA, Ken. Greening the United Nations: Environmental Organisations and the UN System. Third World Quarterly. v.16, n.3, p. 441-457, Sep. 1995. Dispnível em: <http://www.jstor.org/stable/3992886>. Acesso em: 28 Fev. 2011. COSTA, Sergio. As cores de ercília: esfera pública, democracia, configurações pósnacionais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. DARIER, Éric (Org.). Discourses of the Environment. Oxford: Malden, 1999. DREYFUS, Herbert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault: Beyond Structuralism and Hermeneutics. Chicago: University of Chicago Press, 1983. DRYZEK, John S. The Politics of Earth: Environmental Discourses. Oxford: Oxford University Press, 1997. ______. Deliberative Democracy and Beyond: Liberals, critics, contestations. Oxford: Oxford University Press, 2000. DUNLAP, Riley E.; MERTIG, Angela G. American Environmentalism: The U.S. Environmental Movement 1970-1990. Philadelphia: Taylor & Francis, 1992. FALKNER, Robert. American Hegemony and the Global Environment. International Studies Review. n.7, p. 585-599, 2005. Disponível em: <http://personal.lse.ac.uk/falkner/_private/2005%20ISR%20%20American%20Hegemony.pdf>. Acesso em: 21 Mar. 2011. FLYVBJERG, Brent. Habermas and Foucault: thinkers for civil society? In: British Journal of Sociology. v. 49, n. 2, p 210-233, June 1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/pss/591310>. Acesso em: 29 Set. 2010. FOOT, Rosemary, et al. Introduction In: US Hegemony and International Organizations: United States and Multilateral Institutions. (Orgs. Rosemary Foot et al.) Oxford: Oxford University Press, 2003. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização de Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2009. 128 ______. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001. FRASER, Nancy. Rethinking the Public Sphere: A Contribution to the Critique of Actually Existing Democracy. In: Social Text. n.25/26, p. 56-80, 1990. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/466240> Acesso em: 28 Jan. 2011. GALIZI, Paolo. From Stockholm to New York, via Rio and Johannesburg: Has the Environment Lost its Way on the Global Agenda? In: Fordham International Law Journal. v. 29, n. 5, p. 952-1008, 2005. Disponível em: <http://ir.lawnet.fordham.edu/ilj/vol29/iss5/3>. Acesso em: 26 Abr. 2011. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 2007. GOLDSMITH, Edward et al. A Blueprint for Survival. The Ecologist. v. 2, n. 1, 1972. Disponível em: <http://www.theecologist.info/key27.html>. Acesso em: 30 Jan. 2011. GUIMARÃES, Roberto P. The Ecopolitics of Development in the Third World. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1991. GUTBERLET, Jutta. Desenvolvimento Desigual. São Paulo: Fundação KonradAdenauer-Stiftung e.V., 1998. HAAS, Peter M. et al. Appraising the Earth Summit: How should we judge UNCED's success? Environment. v. 34, n.8, p. 26-33, 1992. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/008-570/008-570.html>. Acesso em: 28, Abr. 2011. HABERMAS, Jürgen. The Theory of Communicative Acrion. Vol. 2. Tradução de Thomas McCarthy. Boston: Beacon Press, 1987. ______. Direito e democracia: ente facticidade e validade. Vol. 2. 2 ed. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janiero: Tempo Brasileiro, 2003a. ______. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a um categora da sociedade burguesa. 2 ed. Rio de Janiero: Tempo Brasileiro, 2003b. ______. Some Questions Concerning the Theory of Power. In: Critique and Power: Recasting the Foucault/Habermas Debate. (Org. Michael Kelly). Cambridge: The MIT Press, 1994. HONNETH, Axel; JOAS, Hans (Orgs.). Introdução In: Communicative Action: Essays on Jürgen Habermas's The Theory of Communicative Action. Cambride (Massachusetts): MIT Press, 1991 HOPGOOD, Stephen. Looking Beyond the 'K-Word': Embedded Multilateralism in American Foreign Environmental Policy. In: US Hegemony and International 129 Organizations. (Orgs. Rosemary Foot et al.). Oxford: Oxford University Press, 2003. HOUSE CONGRESSIONAL RECORD. “Politics and the Environment” - A Timely Speech by Dr. Edward C. Crafts. p. 10346-10349, 6 April 1970. Disponível em: <https://web.lexis-nexis.com/congcomp>. Acesso em: 27 Mai 2011. HOUSE OF REPRESENTATIVES SUBCOMMITTEE ON INTERNATIONAL ORGANIZATIONS AND MOVEMENTS OF THE COMMITTEE ON FOREIGN AFFAIRS. U.S. Participation in 1972 United Nations Conference on Human Environment. Resoluções 523 e 562, 13 Nov. 1969. Lex: U.S. Government Printing Office, Washington, 1970. Disponível em: <https://web.lexis-nexis.com/congcomp>. Acesso em: 27 Mai 2011. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ______. Review of the Global Environment 10 Years After Stockholm. 30 Mar, 1, 20 Apr 1982. Lex: U.S. Government Printing Office, Washington, 1982. Disponível em: <https://web.lexis-nexis.com/congcomp>. Acesso em: 27 Mai 2011. INGLEHART, Ronald. Culture Shift in Advanced Industrial Society. Princeton: Princeton University Press, 1990. JACOBI, Pedro. Movimento ambientalista no Brasil: prepresentação social e complexidade de articulação de práticas coletivas. In: Patrimônio Ambiental. (Org. W. Ribeiro). São Paulo: EDUSP, 2003. Disponível em: <http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/pub/jacobi_movimento%20ambientalista-brasiledusp.pdf>. Acesso em: 23 Mar. 2010. KELLY, Michael. Introdução In: Critique and Power: Recasting the Foucault/Habermas Debate. (Org. Michael Kelly) Cambridge: The MIT Press, 1994. LAGO, André Aranha Corrêa do. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: O Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2006. Disponível em: <http://www.funag.gov.br>. Acesso em: 21 Jan. 2011. LE PRESTRE, Philippe. Ecopolítica internacional. 2 ed. Tradução Jacob Gorender. São Paulo: Editora Senac, 2000. MEADOWS, Donella H. et al. The Limits to Growth: A Report for the Club of Rome's Project on the Predicament of Mankind. New York: Universe Books, 1972. MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Tradução de Maria do Carmo Alves do Bomfim. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. MAURICESTRONG.net. The Founex Report on Development and the Environment. 1971. Disponível em: <http://www.mauricestrong.net/20100228149/founex/founex/founex-reportenvironment-development/all-pages.html>. Acesso em: 28 Jan. 2011. 130 ROME, Adam. “Give Earth a Chance”: The Environmental Movement and the Sixties. The Journal of American History. v.90, n.2, p. 525-554, Sep. 2003. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3659443>. Acesso em: 23 Mar. 2011. SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Edições Loyola, 1993. SCHMIDHEINY, Stephan. Mudando o rumo: uma perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente. Tradução de Lourdes Vignoli. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1992. SENATE CONGRESSIONAL RECORD. The Earth Summit. Vol. 138, No. 86, 16 June, 1992a. Disponível em: <https://web.lexis-nexis.com/congcomp>. Acesso em: 27 Mai 2011. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ______. The Earth Summit. Vol. 138, No. 79, 4 June, 1992b. Disponível em: <https://web.lexis-nexis.com/congcomp>. Acesso em: 27 Mai 2011. ______. The Global Environment. Vol. 136, No. 87, 11 July, 1990. Disponível em: <https://web.lexis-nexis.com/congcomp>. Acesso em: 27 Mai 2011. SILVA, Marina. Prefácio In: Estocolmo, Rio, Joanesburgo: O Brasil e as três conferências ambientais das Nações Unidas. (André Aranha Corrêa do Lago). Brasília: FUNAG, 2006. Disponível em: <http://www.funag.gov.br>. Acesso em: 21 Jan. 2011. STRONG, Maurice. Stockholm plus 30, Rio plus 10 : creating a new paradigm of global governance. In: Worlds Apart: Globalization and the Environment. (Org. James Gustave Speth). Washington D.C.: Island Press, 2003. TAVARES, Rocardo Neiva. As organizações não-governamentais nas Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco, Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de Estudos Estratégicos, 1999. TURNER, Brian. Outline of a Theory of Citizenship. In: Dimensions of Radical Democracy: pluralism, citizenship, community. (Org. Chantal Mouffe). London: Versso, 1992. UDALL, Stewart L. Some Second Thoughts on Stockholm. The American University Law Review. v. 22, p. 717-732, 1973. Disponível em: <http://www.wcl.american.edu/journal/lawrev/22/udall.pdf?rd=1> Acesso em: 17 Abr. 2011. UNEP. Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment. 16 Jun. 1972. Disponível em: <http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=97&Articl eID=1503 >. Acesso em: 28 Jan. 2011. ______. Mission Statement. Disponível em: 131 <http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=43>. Acesso em: 28 Jan. 2011. UNITED NATIONS. Earth Summit: United Nations Conference on Environment and Development (1992). 23 May 1997. Disponível em: <http://www.un.org/geninfo/bp/enviro.html >. Acesso em: 28 Abr. 2011. UNITED NATIONS GERERAL ASSEMBLY. Problems of the Human Environment. Resolução 2398, 23 Sessão, 16 Dez. 1968. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/243/58/IMG/NR024358.pdf?OpenElement >. Acesso em: 26 Abr. 2011. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0912422/CA ______. United Nations Conference on the Human Environment. Resolução 2657, 7 Dez. 1970. Disponível em: <http://daccess-ddsny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/349/22/IMG/NR034922.pdf?OpenElement >. Acesso em: 26 Abr. 2011. ______. United Nations Conference on Environment and Development. Resolução 44/228, 22 Dez. 1989. Disponível em: <http://www.un.org/documents/ga/res/44/ares44-228.htm>.Acesso em: 26 Abr. 2011. UNITED STATES. United Nations Conference on Environment Development. United States of America National Report. 1992. and VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001. VIOLA, Eduardo. O movimento ambientalista (1971-1991): da denúncia a conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável. In: Ecologia, Ciência e Política. (Org. M. Goldenberg). Rio de Janeiro: Revan, 1991. VIOLA, Eduardo; LEIS, Hector. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-92: o desafio de uma estratégia globalista viável. In: Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafio para as Ciências Sociais (Org. Eduardo Viola et al.). São Paulo: Cortez, 1995. WALZER, Michael. The Civil Society Argument. In: Theorizing Citizenship. (Org. Ronald Beiner). Albany: State University of New York Press, 1995. WARD, Barbara; DUBOS, René. Uma terra somente: a preservação de um pequeno planeta. Tradução de Antônio Lamberti. (Org. Mário Guimarães Ferri). São Paulo: Editora Edgard Blucher Ltda, 1972. WWW.IBAMA.GOV.BR. História do IBAMA. Disponível <http://www.ibama.gov.br/institucional/historico>. Acesso em: 1 Out. 2011. em: