DR. EMÍDIO AFONSO (1916
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DR. EMÍDIO AFONSO (1916
Publicado na Voz do Oriente, No. 1, Julho-Setembro 1999, Lisboa no 10º aniversário da sua morte. DR. EMÍDIO AFONSO (1916-1990) António Valentino Fernandes Mississauga, Ontário ... na fé e na lei da descoberta ir em procura do irmão no mar sem fim e a névoa escura. –Fernando Pessoa, Mensagem Magro, sempre chistoso, um cigarrito enrolado pelos próprios dedos, na boca, ao canto, com uma graça fina e fácil, modesto, simples, indiferente no vestir, e com um olhar de quem está à procura de uma solução... era assim o homem que conheci, o vulto que tanto sublimou a ESCOLA MÉDICA DE GOA no domínio da Química e Bioquímica. Alguns anos antes dele, nesta pequena Goa, Indalencio Froilano de Melo se distinguira na Bacteriologia e Microbiologia. A medicina, a advogacia e o presbitério eram as avenidas que nos seculos XIX e XX (primeira metade) se abriam à inteligencia goesa. As duas últimas, é claro, careciam de certas qualidades como, por exemplo, a vocação. E assim na velha tradição greco-romana, a partir de 1801, a ESCOLA MÉDICA de GOA- a primeira na ÁSIA- era por assim dizer, a catalizadora de quantas iniciativas agitavam as mentes dos curiosos do grande mistério da Natureza-mãe, numa Goa de limitados recursos e afastada dos centros da ciência por um quarto da distancia total do globo, pelo menos. Dr. EMÍDIO da CONCEIÇÃO AFONSO nasceu em Pangim, Goa, a dois de Março de 1916, num lar onde a ciência e a arte se combinavam para alimentar mentes jovens. Quando apenas de 20 anos de idade recreou o trabalho de investigação do Dr. R.C. Bose para o estudo da sensitividade das plantas que mereceu encómios do mesmo Dr. Bose. Completou o curso da Escola Médica com a mais alta classificação de vinte valores. Dai em diante iria viver como um recluso no seu laboratório que funcionou numa casinha ao lado da casa onde vivia. É lá que sente que melhor realizaria, muito à maneira dos vaidyas hindus- médicos humanistas- da Goa antiga, o seu ideal de investigador, contribuindo para o avanço da ciência médica e do homem, sempre atento e sensível ao sofrimento humano. Quando o lar estimula... Seu pai, Joaquim António de Jesus Bossuet Afonso, doutor em Medicina, Oftalmologia e Obstetricia pela Univ. JULIUS MAXIMILIANUS de Wurzburg, Bavária, Alemanha, Docent que significaria Professor membro do corpo docente, ocupou-se na investigação de Raios-X, encontrando-se hoje o aparelho utilizado nessas investigações no Museu de Ciências de Bavária. Pelos serviços prestados, principalmente tratamento gratuito aos prisioneiros alemães e austríacos, foi condecorado pelo Ministério de Cultura de Bavária com a medalha de oiro "Bene Merenti". Pioneiro em certos aspectos de oftalmologia, foi porém, no diagnóstico e tratamento de doenças nervosas que o Dr. Bossuet era muito recorrido, isto, quando a Psiquiatria era ainda desconhecida em Goa. O seu casamento com a senhora Albertina Lavinia Esmeralda Dias que trazia ao lar a tradição intelectual e moral do General-Médico Dr. Miguel Caetano Dias, deu ao mundo e à ciência, por "uma tradição genética", seis filhos: Emídio (o primogénito), Elfrida, Melba, Skoda (médico), Miguel Alvaro (doutor em Tecnologia Farmacêutica) e Adriano (doutor em Química). Nos momentos de lazer, o Dr. Emídio recordava-se do muito que deveu aos seus pais, pelo estímulo nas investigações, na aprendizagem do violino e da amizade sincera da família Clemente, seus vizinhos,e do mestre de música Prof. Micael Martins. Todos eles formavam um coro para acompanhar a Liturgia na Igreja de Santa Inês, Pangim. O amor à investigação científica nunca o deixou embaraçado em viver a sua fé como católico ferveroso. Servindo a terra e a Grei Esforço grande igual ao pensamento; Pensamentos em obras divulgadas, e não... desfeitos em chuva e vento. –Camões, Sonetos Em 1941 publica em inglês "COR in VITRO" - an experimental study on Embryology, Histology, Physiology and Pathology of the Heart, obra prima porquanto é usada pela primeira vez uma nova técnica para observação da evolução embriónica do coração de galinha numa ordem perfeita e contínua. O seu segundo passo foi construir seu próprio electrocardiógrafo fixo, com amplificador de válvulas electrónicas, o primeiro em Goa e quiçá, na Índia. Regista o seu "Laboratório ECA" (iniciais do seu nome) onde produzia além de muitos produtos coloidais, a solução injectável GADUSOL (solução coloidal de morruato de cobre) utilizado no tratamento da tuberculose humana. O contributo de Emídio Afonso no estudo da química coloidal levou o Governo Português por Portaria ministerial a conceder-lhe o título de "Professor de Química Coloidal". É convidado pelo director da CONTINENTAL DRUG COMPANY de Bombaim para dirigir os seus departamentos de clínica e farmácia. A partir de extractos de fígado prepara injectáveis de vitaminas e hormonas; extrae do óleo de tubarões, Vit. A e outros óleos essenciais. Patenteia na Índia, o processo de adição de Vit. A e outros óleos essenciais não saturados, ao VANASPATI (óleo vegetal saturado). O diploma é titulado "Enrichment of Hydrogenated Oils with Vit.A and Essential Fatty Acids from Shark Oil". Regressa a Goa onde estabelece de novo a sua clínica. O governo de Goa oferece-lhe o posto de Director do Laboratório de Análises Clínicas, Químicas, Bromatológicas e Toxicológicas, pois, num concurso aberto ao público, nenhum candidato tinha concorrido para esse cargo. Por inerência é também Professor da Escola Médica de Goa e também director do Gabinete de Análises dos Serviços Militares. Escolhe para seu Assistente no Laboratório, o médico Dr. Teófilo de Jesus Fernandes e para idêntico cargo na Escola Médica, o farmacêutico Dr. João de Sousa Proença. Após estudo e treino no National Institute of Health, Bethesda, U.S.A., com uma bolsa de estudo da WHO, regressa a Goa em 1959 e reassume os seus cargos. Cria uma escola para treino de analistas de laboratório onde o primeiro a ser admitido foi seu ex-aluno, farmacêutico António Valentino Fernandes que mais tarde viria a ser seu Assistente no Laboratório de Análises. A modernização dos métodos de análises clínicas, químicas e toxicológicas, a introdução de micrométodos enzimáticos colorimétricos, pela primeira vez em Goa, levam-no a construir primeiro um colorímetro fotoeléctrico e mais tarde adquirir o Klett-Emerson, o mais moderno colorímetro de então. Constrói aparelhagem apropriada para métodos manométricos, introduz exames bacteriológicos com provas de sensibilidade aos antibióticos e é um dos pioneiros no uso de papel de acetato de celulose na electroforese de proteinas de soro humano. Mais tarde introduz a immunoelectroforese em gel de agar; começa a investigar as hemoglobinas anormais, doenças do fígado, cancros e tumores. Esses trabalhos de investigação estão publicados em inúmeros artigos, em revistas internacionais e de especialização como Nature, Clin.Chim.Acta., Clin.Acta, J.of Clin. Pathol., etc., sendo os seus trabalhos citados em vários livros didáticos. À distância do tempo... Numa Goa de recursos limitados ele acreditou que se podia fazer ciência e a "fez" e marcou como pioneiro, em Goa, na introdução de métodos modernos de apoio ao diagnóstico, tratamento, medicina legal, etc., nas décadas dos cinquenta a setenta. É lá que está o mérito do Dr. Emídio Afonso. Maõs mágicas ? Casos difíceis... e lá recorriam ao Dr. Emídio. Um dos casos anedóticos foi o de um doente que se encontrava baixado no Hospital Escolar de Pangim, com uma urémia de 250-260 mG%. Usa pela primeira vez a diálise de sangue, fabricando ele próprio um aparelho em que utiliza o papel de celofane como membrana de diálise, fazendo baixar, em cinco horas, o teor de urea para o normal de 40 mG%. Outro caso inédito foi o do doente, comerciante de Pangim, em coma no mesmo Hospital Escolar. Nesses dias estava o Dr. Emídio na fase de terminar o desenvolvimento duma modificação do aparelho de Natelson para a determinação de CO2 no sangue. Sabendo do caso, corre ao hospital para fazer a colheita especial da amostra de sangue; após o doseamento manda injectar um soluto de sua preparação. No dia seguinte um grande alarde na enfermaria quando veem o doente sentado na cama como pessoa normal. No aconchego do seu próprio lar Dedicado à arte, violinista, as suas tardes em família seriam no dizer de quem os conhecia de perto, como serões de arte, de música, de vida no Campal. Acompanhado ao piano pela sua irmã Elfrida animava as festas tradicionais da Escola Médica. Deu recitais. Mãos de artista pintava a aguarela e óleo, esculpia em madeira e pedra e ajudou a sua mãe na composição de figuras feitas em concha- trabalhos muito apreciados em exibições. Do seu casamento com a farmacêutica Maria Ivone dos Remédios Gomes da Costa, natural de Lourenço Marques, nasceram: Nélia Maria, Bossuet, Celestino (todos médicos), Sérgio (Ph.D em Física), Paulo (jornalista) e Ana Maria. Laudemus viros Gloriosos ... -Ecl. 44,10. Efectivamente é nosso dever louvar varões insignes. Conviver com o Dr. Emídio Afonso foi um encanto e uma educação. A virtude através dêle aparecia "como a suprema elegância da Vida" como escreveu algures Eça de Queirós. Havia nele uma harmonia carinhosa que não nascia sòmente das suas tradições de família e formação académica, mas do nobre fundo da sua inteira vivência. Se aqui à beira-mar, o meu indício Na areia o mar com ondas três o apaga, Que fará na alta praia Em que o mar é o Tempo? ODES de Ricardo Reis. e António Valentino Fernandes, natural de Lourenço Marques, Moçambique, farmacêutico - analista, foi Assistente do Laboratório de Análises de Goa, Assistente de Bioquímica do Laboratório de Saúde Pública e Assistente do Laboratório de Alimentos e Drogas dos Serviços de Saúde de Goa. Emigra para o Canadá e trabalha como analista-clínico, senior, do Departamento de Bioquímica do Toronto General Hospital. Hoje aposentado, vive e reside na província de Ontario, Canadá. Interesses: aprecia bons livros e música clássica do período barroco e romântico. Casado com Maria Helena Miranda e Fernandes, tem dois filhos: Luís (Engenheiro Eléctrico e Ciência de Computador), Sílvio (Engenheiro Aeroespacial e Mecânica), e uma filha: Natasha Maria (formada em Bioquímica (Hns.) e Farmácia). Todos vivem no Canadá.
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