Outsiders - WordPress.com

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Coleção
A N T R O P O lO G iA so c ia l
diretor: Gilberro Velho
•O R iso e o Risível
Verena Alherci
■ A Teo ria Vivida
M ariza Peirano
• O utsiders
Howard S. Becker
■ C ultura e R azão Prática
• A ntropologia C ultural
Franz Boas
• O Espírito M ilitar
• Evolucionism o C ultural
■ O s M ilitares e a R epública
Celso C astro
■ Da Vida N ervosa
Luiz Fernando Duarte
• Bruxaria, O rácu lo s e M agia
entre o s Azande
E.E. Evans-Pritchard
•G a ro ta s de Prog ram a
M aria Dulce Gaspar
■ H istória e C ultura
• Ilhas de H istória
• M etáfo ras H istóricas e
R elidades M íticas
M arshall Sahlins
• O s M andarin s M ilagrosos
lilizabcih Travasse:
•A n tro p olo g ia U rbana
• Desvio e Divergência
• Individualismo e C ultura
• P ro je to e M etam o rfo se
• Rio de Ja n eiro : C ultura,
P o lítica e C on flito
• Su bjetividade e Socied ade
• A U to p ia U rb ana
Gilberro Velho
• Nova Luz so bre
a A ntropologia
• O bservand o o Islã
C lifford Geertz
• O C otid ian o da P olítica
K arina K u sch rir
• C ultura: um C o n ce ito
A ntro p oló g ico
Roque de Barros Laraia
■ P esquisas U rbanas
Gilberto Velho e
Karina Kuschnir
• O M istério do Sam b a
• O M undo Funk C arioca
Hermano Vianna
• Bezerra da Silva:
Prod u to do M orro
Lericia Vianna
■A utoridade & A feto
Myrinm Lins de Barros
• O M undo da A strologia
• G u erra de O rixá
Yvonne Maggie
• So cied ad e de Esquina
• De O lho n a Rua
Ju lia 0 ’Donnell
Luis Rodolfo Vi lhe na
W illiam Foore Whyrc
Howard S. Becker
Outsiders
Estudos de sociologia do desvio
Tradução:
Maria Luiza X. de A. Borges
Revisão técnica:
Karina Kuschnir
IFCS/UFRJ
á ^Z A H A R
Rio de Janeiro
Título original:
Outsiders
(Studies in the Sodology o f Deviance)
Tradução autorizada da edição norte-aint.icana
publicada em 1991 por The Frce Press, uma divisão
da Sim on 8. Schuster, Inc., de Nova York, FUA
Copyright v 1963, The Free Press of Glenroe
Copyright renovado ® 1991, Howard S. Becker
Copyright do Capítulo 10, "A teoria da rotulação reconsiderada"
1973,
Howard S. Becker
Copyright do prefácio ® 2005, Howard S. Becker
Copyright da edição em língua portuguesa
Jorge Zahar Editor Ltda.
2009:
rua México 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
lél.r (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800
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A reprodução rião-autorizada -jesta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Capa: Bruna Benvegnu
Ilustração da capa: © Steve Winter/Getty Im ages
CIP-Brasil. C ataloaação-na-fonte
S in d ic a to Nacional dos Editores de Livros, RJ.
B35óo
Becker, Howard Gaul, 1928Outsiders: estu dos de sociologia do desvio / Howard S. Becker;
tra du ção Maria Luiza X. de Borges; revisão técn ica Karina Kuschnir. - l.e d .
- Rio de Jan eiro : J trg e Zahar Ed.. 2008.
(A n tro p o lo g ia social)
Tradução d e: O u ts id e rs : studies in th c s oc iology o f deviance
In c lu i b ib lio g ra fia e índice
ISBN 9 7 8 -8 5 -3 7 8 -0 1 0 8 -6
1. D esajust3m ento social. I . Titule.
CDD: 302.542
0 8-4049
C0'J: 316.624
As vezes não tenho tanta certeza de quem tem
o direito de dizer quando uma pessoa está louca
e quando não. Às vezes penso que nenhum de nós é
totalmente louco e que nenhum de nós é totalmente
são até que nosso equilíbrio diga ele é desse jeito.
É como se não importasse o que o sujeito faz, mas a
forma como a maioria das pessoas o vê quando ele faz.
Wiiliam Faulkner, Enquanto eu agonizo
(São Paulo, Mandarim, 2001, tradução de Wladir Dupont).
Sum ário
Prefácio, 9
1
Outsiders, 15
Definições de desvio, 17
Desvio e as reações dos outros, 21
Regras de quem?, 27
2
Tipos de desvio: um m odelo seqüencial, 31
Modelos sim ultâneo e seqüencial de desvio, 33
Carreiras desviantes, 36
3
Tornando-se um usuário de maconha, 51
Aprender a técnica, 55
Aprender a perceber os efeitos, 57
Aprender a gostar dos efeitos, 61
4
Uso de maconha e controle social, 69
Fornecim ento, 71
Sigilo, 76
Moralidade, 82
5
A cultura de um grupo desviante:
o músico de casa noturna, 89
A pesquisa, 93
Músico e "quadrado", 94
Reações ao co n flito , 100
Isolam ento e auto-segregação, i05
6
Carreiras num grupo ocupacional desviante:
o músico de casa noturna, 111
"Panelinhas" e sucesso, 112
Pais e esposas, 123
7
As regras e sua im posição,
129
Estágios de im posição, 136
Um caso ilu s tra tiv o : a Lei da Tributação da Maconha, 141
8
Empreendedores m orais,
153
Criadores de regras, 153
0 destino das cruzadas morais, 157
Im positores de regras, 160
Desvio e em preendim ento: um resumo, 167
9
0 estudo do desvio: problemas e sim patias, 169
10
A teo ria da rotulaçãa reconsiderada,
0 desvio como ação co le tiva, 183
A desm istifícação do desvio, 189
Problemas morais, 194
Conclusão, 206
Notas, 209
Referências b ib lio g rá fica s,
Agradecim entos, 228
ín d ice reinissivo, 229
219
179
P r e fá c io *
Outsiders não inventou o campo do que hoje se chama “desvio”.
Outros estudiosos já haviam publicado idéias semelhantes (em
especial Edwin Lemert e FrankTannenbaum,1ambos mencionados
neste livro). Mas Outsiders diferiu de abordagens anteriores em
vários aspectos. Para começar, foi escrito de maneira muito mais
clara que o texto acadêmico usual. Não me cabe nenhum mérito
risso. Tive bons professores, e meu mentor, Everell I lughes, que
orientou minha dissertação e com quem depois colaborei estrei­
tamente em vários projetos de pesquisa, era fanático pela escrita
clara. Ele considerava inteiram ente desnecessário usar termos
abstratos, vazios, quando havia palavras simples que diriam a
mesma coisa. E me lembrava disso com freqüência, de modo que
meu reflexo foi sempre procurar a palavra simples, a frase curta,
o modo declarativo.
Além de ser mais compreensível que grande parte dos textos
sociológicos, metade de Outsiders consistia em estudos empíricos,
relatados em detalhe, de tópicos “interessantes” para a geração de
estudantes que ingressava então nas universidades norte-am eri­
canas, em contraste com teorizações mais abstratas. Escrevi sobre
m úsicos que trabalhavam em bares e outros locais modestos,
tocando uma música que tinha uma espécie de aura romântica, e
escrevi sobre a maconha que alguns deles fumavam, a mesma ma­
conha que muitos daqueles estudantes experimentavam e de cujos
efeitos aprendiam a gostar (exatamente com o a análise sugerida nos
textos). Esses temas, que penetravam mais ou menos suas próprias
* Prefácio à edição dinamarquesa dc O utsiders, publicada por Hans Reitzel
Publishers em 2005.
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Outsiders
vidas, fizeram de Outsiders uma obra que os professores, muitos
dos quais partilhavam o interesse dos alunos por drogas e música,
gostavam de indicar em seus cursos. O livro assim se tornou urna
espécie de texto-padrão em cursos para estudantes jovens.
Mais uma coisa acontecia na época. A sociologia atravessava
uma de suas “revoluções” periódicas, em que estruturas teóricas
mais antigas eram reavaliadas e criticadas. Naquele tempo, no
início dos anos 1960, os sociólogos estudavam tipicam ente o
crim e e outras formas de transgressão perguntando o que levava
as pessoas a agirem daquele modo, violando normas comumente
aceitas e não levando vidas “normais”, com o diziam todas as nossas
teorias, em que haviam sido socializados, inclusive para aceitá-las
com o o modo segundo o qual se deveria viver. As teorias da época
variavam naquilo que consideravam as principais causas desse
tipo de com portam ento anti-social, com o consum o excessivo
de álcool, crim e, uso de drogas, má conduta sexual e uma longa
lista de contravenções. Alguns atacavam as psiques das pessoas
que se comportavam mal — suas personalidades tinham falhas
que as faziam com eter essas coisas (o que quer que fossem “essas
coisas”). Outros, mais sociológicos, culpavam as situações em que
as pessoas se viam e que criavam disparidades entre o que lhes
haviam ensinado a almejar e sua real possibilidade de alcançar
esses prêmios. Jovens da classe trabalhadora — a quem haviam
ensinado a acreditar no “sonho am ericano” de mobilidade social
ilimitada e depois se viam refreados por empecilhos socialmente
estruturados, com o a falta de acesso à educação, que tornariam
a mobilidade possível — poderiam então “apelar para” métodos
desviantes de mobilidade, com o o crime.
Essas teorias, porém, não soavam verdadeiras para sociólogos
de uma nova geração, menos conformistas e mais críticos com refe­
rência às instituições sociais da época, menos dispostos a acreditar
que o sistema de justiça criminal jamais cometia erros, que todos os
criminosos eram pessoas más que haviam feito as coisas más de que
eram acusadas, e assim por diante. Voltaram-se assim para a busca de
respaldos teóricos de várias fontes. Muitos descobriram explicações
Prefácio
em abordagens marxistas para a análise dos efeitos patológicos do
capitalismo. Alguns — e fui um deles — encontraram uma base fi rme em teorias sociológicas fora de moda, que de certa forma ficaram
esquecidas quando os pesquisadores abordaram o campo do crime
e do que era então chamado de “desorganização social”.
Em poucas palavras, a pesquisa nessas áreas da vida social
fora dominada por pessoas cuja profissão e cujo trabalho diário
consistiam em resolver “problemas sociais”, atividades que criavam
dificuldade para alguém em condições de fazer alguma coisa a
respeito. Assim, o crime se tornava por vezes um problema para
alguém resolver. (Nem sempre, porque muitos crim es eram, como
sempre foram ,'tolerados, visto que era muito difícil detê-los ou
que muitos lucravam com eles.) Esse “alguém” era em geral uma
organização cujos membros cuidavam daquele problema em tem­
po integral. Assim, o que veio a se cham ar de sistema de justiça
crim inal — a polícia, os tribunais, as prisões — recebeu conven­
cionalm ente a tarefa de extirpar o crime ou pelo menos contê-lo.
Eles m ontaram o aparato de combate e contenção do crime.
Com o em todos os grupos profissionais, as pessoas nessas
organizações de justiça crim inal tinham seus próprios interesses e
perspectivas a proteger. Parecia-lhes óbvio que a responsabilidade
pelo crim e pertencia aos criminosos, e não havia dúvida quanto a
quem eram eles: as pessoas que suas organizações haviam apanhado
e prendido. E sabiam que o problema de pesquisa im portante era:
“Por que as pessoas que idemificamos como criminosos fazem as
coisas que identificamos como crimes?” Essa abordagem levou-as —
e aos muitos sociólogos que aceitavam esta como a questão de pes­
quisa importante — a confiar enormemente, para a compreensão
do crim e, nas estatísticas que essas organizações geravam: a taxa
de criminalidade era calculada com base nos crimes denunciados
à polícia, não necessariamente uma medida precisa, urna vez que
as pessoas freqüentemente não denunciavam os crimes, e a polí­
cia muitas vezes “ajustava” os números para mostrar ao público,
às companhias de seguros e aos políticos que estava fazendo um
bom trabalho.
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Outsiders
Havia na tradição sociológica 1: 111*1 abordagem alternativa
cujas raízes remontavam ao famoso dito de W.l. Thom as: “Se os
homens definem situações como reais, elas são reais em suas con­
seqüências.’” Isto é, as pessoas agem com base em sua compreensão
do mundo e do que há nele. Formular os problemas da ciência
social dessa maneira torna problemática a questão de como as
coisas são definidas, dirige a pesquisa para a descoberta de quem
está definindo que tipos de atividade e de que maneira. Nesse caso,
quem está definindo que tipos de atividades com o criminosas e
com quais conseqüências? Pesquisadores que trabalhavam nessa
tradição não aceitavam que tudo que a polícia dizia ser crime
"realm ente” o fosse. Pensavam, e sua pesquisa confirmava, que
ser chamado de crim inoso e tratado com o tal não tinha conexão
necessária com qualquer coisa que a pessoa pudesse realmente ter
feito. Era possível haver uma conexão, mas ela não era automática
ou garantida. Isso .significava que a pesquisa que usava as estatísticas
oficiais estava cheia de erros, e a correção desses erros podia levar
a conclusões muito diferentes.
Outro aspecto dessa tradição insistia em que todos os envol­
vidos numa situação contribuíam para o que acontecia nela. A
atividade de todos devia fazer parte da investigação sociológica.
Assim, as atividades das pessoas cujo trabalho era definir o crime e
lidar com ele integravam o “problema do crim e” e um pesquisador
não podia simplesmente aceitar o que diziam por seu significado
manifesto, ou usar isso como base para trabalho posterior. Embora
contrariando o senso comum, isso produzia resultados interessan­
tes e originais.
Outsiders seguiu esse cam in h j. Nunca pensei que fosse uma
abordagem nova. Tratava-se antes cio que faria um bom sociólogo,
seguindo as tradições do ofício. É comum hoje dizer que toda nova
abordagem produziu 0 que o historiador da ciência Thom as Kuhn
chamou de “revolução científica”.3 Mas eu diria que essa abordagem
do desvio não foi nenhum a revolução. No máximo, diriamos que
foi uma contra-revolução que devolveu à pesquisa sociológica
nesta área o cam inho certo.4
Piefacio
Comecei falando sobre crime. Mas agora, no parágrafo anterior,
mencionei esta área de trabalho como focalizada no “desvio”. Essa é
uma mudança significativa. Ela redireciona a atenção para um pro­
blema mais geral do que a questão de quem comete crime. Em vez
disso, leva-nos a olhar para todos os tipos de atividade, observando
que em toda parte pessoas envolvidas em ação coletiva definem certas
coisas como “erradas”, que não devem ser feitas, e geralmente tomam
medidas para impedir que se faça o que foi assim definido. De for­
ma alguma essas atividades serão todas criminosas — em qualquer
sentido da palavra. Algumas regras são restritas a grupos específicos:
judeus que observam os princípios de sua religião não devem comer
alimentos que não sejam kosher, mas os demais são livres para fazêlc. As regras dos esportes e dos jogos são semelhantes: não importa
como você mova uma peça do xadrez, contanto que esteja jogando
xadrez com alguém que leva as regras a sério, e qualquer sanção pela
violação das regras vigora apenas na comunidade do xadrez. Dentro
dessas comunidades, porém, operam os mesmos tipos de processo
de fabricação de regras e de detecção dos que as violam.
Numa outra direção, certos comportamentos serão considera­
dos incorretos, mas nenhuma lei se aplica a eles e nem há qualquer
sistema organizado para detectar os que infringem a regra informal.
Alguns desses comportamentos, em aparência triviais, poderiam
ser vistos com o infrações de regras de etiqueta (arrotar onde não
deveríamos, por exemplo). Falar sozinho na rua (a menos que você
esteja segurando um telefone celular) será visto com o incomum
e levará as pessoas a achá-lo um pouco esquisito, mas, na maioria
das vezes, nada será feito com relação a isso. Ocasionalmente, essas
ações fora do comum incitam de fato os outros a concluir que
você pode ser um “doente mental”, e não apenas “grosseiro” ou
“esquisito”. Nesse caso, sanções podem entrar em jogo, e lá vai você
para o hospital. Erving Goffman, meu colega na pós-graduação,
explorou essas possibilidades minuciosamente, em especial em seu
estudo dos hospitais psiquiátricos.5
O term o “desvio” foi usado por Goffman, por mim e por
muitos outros para abranger todas essas possibilidades, usando
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14
Outsiders
um método comparativo de descobnr um processo básico que
assumia muitas formas em diversas situações, sendo que apenas
uma delas é crim inosa. As várias formulações que propusemos
atraíram muita atenção e várias críticas, algumas das quais foram
respondidas no último capítulo desta versão revista de Outsiders.
Ao longo dos anos, porém , produziu-se ampla bibliografia em
torno dos problemas de “rotulação” e “desvio”, e não reexaminei
o livro para levá-la em consideração.
Se fizesse essa revisão, daria grande peso a uma idéia que Gil­
berto Velho, o eminente antropólogo urbano brasileiro, acrescentou
à mistura,6 a qual, a meu \cr, elucida certas ambigüidades que
criaram dificuldade para alguns leitores. Sua sugestão foi reorientar
ligeiramente a abordagem, transformando-a num estudo do pro­
cesso de acusação, de modo que suscitasse essas perguntas: quem
acusa quem? Acusam-no de fazer o quê? Em quais circunstâncias
essas acusações são bem-sucedidas, no sentido de serem aceitas
por outros (pelo menos por alguns outros)?
Não continuei a trabalhar na área do desvio. Mas encontrei
uma versão ainda mais geral do mesmo tipo de pensamento que
é útil no trabalho que venho realizando há muitos anos na socio­
logia da arte. Problemas semelhantes surgem ali, porque nunca
está claro o que é ou não “arte”, e os mesmos tipos de argumento
e processo podem ser observados. No caso da arte, claro, ninguém
se incomoda se o que faz é chamado de arte, de modo que temos o
mesmo processo visto no espelho. O rótulo não prejudica a pessoa
ou a obra a que é aplicado, como acontece em geral com rótulos
de desvio. Em vez disso, acrescenta valor.
Com isso quero dizer apenas que o terreno que eu e outros
mapeamos no campo do desvio ainda está vivo e é capaz de gerar
idéias interessantes a serem pesquisadas.
1
Outsiders*
Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos
e em algumas circunstâncias, impô-las. Regras sociais definem situa­
ções e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando
algumas ações como “certas” e proibindo outras com o “erradas”.
Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a
infringiu pode ser vista com o um tipo especial, alguém de quem
não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo.
Essa pessoa é encarada com o um outsider.
Mas a pessoa assim rotulada pode ter uma opinião diferente
sobre a questão. Pode não aceitar a regra pela qual está sendo
julgada e pode não encarar aqueles que a julgam competentes ou
legitimamente autorizados a fazê-lo. Por conseguinte, emerge um
segundo significado do termo: aquele que infringe a regra pode
pensar que seus juizes são outsiders.
Tentarei a seguir elucidar a situação e o processo designados
por esse termo ambíguo: a situação de transgressão da regra e de
imposição da regra e os processos pelos quais algumas pessoas vim
a infringir regras, e outras a impô-las.
Cabe fazer algumas distinções preliminares. Há grande nú­
mero de regras. Elas podem ser form almente promulgadas na
form a de lei, e, nesse caso, o poder de polícia do Estado será usado
para impô-las. Em outros casos, representam acordos informais,
* A edição anterior deste capitulo em português optou por traduzir outsiders por
“marginais e desviantes", assinalando que “marginais" significava, nesse contexto,
alguém que está do lado de fora,para além das margens de determinada fronteira
ou limite social. Na presente edição, optou -se por manter o termo outsider porque
seu uso já se tornou consagrado nas ciências sociais. IN.K. 1’.)
15
16
Outsiders
recém-estabelecidos ou sedimen lados com a sanção da idade e da
tradição; regras desse tipo são impostas por sanções informais de
vários tipos.
De maneira sem elhante, quer uma regra tenha força de lei
ou de tradição, quer seja simplesmente resultado de consenso, a ta­
refa de impingi-la pode ser o encargo de algum corpo especializado,
com o a polícia ou o com itê de ética de uma associação profissional;
a imposição, por outro lado, pode ser uma tarefa de todos, ou pelo
menos a tarefa de todos no grupo a que a regra se aplica.
Muitas regras não são impostas, e, exceto no sentido mais
formal, não constituem o tipo de regra cm que estou interessado.
Exemplos disso são as leis que proíbem certas atividades aos do­
mingos, que permanecem nos códigos legais, embora não sejam
impostas há 100 anos. (É importante lembrar, contudo, que é possível
reativar uma lei não imposta por várias razões e recuperar toda a sua
força original, como ocorreu recentemente com relação às leis que
regulam a abertura de estabelecimentos comerciais aos domingos
em Missouri.) Regras informais podem morrer de maneira seme­
lhante por falta de imposição. Estou interessado sobretudo no que
podemos chamar de regras operantes efetivas de grupos, aquelas
mantidas vivas por m eio de tentativas de imposição.
Finalmente, o grau em que uma pessoa é outsider, em qual­
quer dos dois sentidos que m encionei, uaria caso a caso. Encara­
m os a pessoa que com ete uma transgressão no trânsito ou bebe
um pouco demais num a festa com o se, afinal, não fosse muito
diferente de nós, e tratam os sua infração com tolerância. Vemos o
ladrão como m enos sem elhante a nós e o punim os severamente.
Crim es com o assassinato, estupro ou traição nos levam a ver o
transgressor com o um verdadeiro outsider.
Da mesma maneira, alguns dos que violam regras não pensam
que foram injustamente julgados. Quem comete uma infração no
trânsito geralmente aprova as próprias regras que infringiu. Alcoó­
latras são muitas vezes ambivalentes, por vezes sentindo que aqueles
que os julgam não os compreendem, outras vezes concordando que
a bebida compulsiva é maléfica. No extremo, alguns desviuntes J io -
Outsiders
mossexuais e viciados em drogas são bons exemplos) desenvolvem
ideologias completas para explicar por que estão certos e por que
os que os desaprovam e punem estão errados.
Definições de desvio
O outsider — aquele que se desvia das regras de grupo — foi ob­
jeto de muita especulação, teorização e estudo científico. O que os
leigos querem saber sobre desviantes é: por que fazem isso? Como
podemos explicar sua transgressão das regras? Que há neles que os
leva a fazer coisas proibidas? A pesquisa científica tentou encontrar
respostas para estas perguntas. Ao fazê-lo, aceitou a premissa de
senso com um segundo a qual há algo inerentemente desviante
(qualitativamente distinto) em atos que infringem (ou parecem
infiingir) regras sociais. Aceitou também o pressuposto de senso
com um de que o ato desviante ocorre porque alguma característica
da pessoa que o com ete torna necessário ou inevitável que ela o
cometa. Em geral os cientistas não questionam o rótulo “desviante”
quando é aplicado a atos ou pessoas particulares, dando-o por
certo. Quando o fazem, aceitam os valores do grupo que está for­
mulando o julgamento.
Observa-se com facilidade que diferentes grupos conside­
ram diferentes coisas desviantes. Isso deveria nos alertar para a
possibilidade de que a pessoa que faz o julgamento de desvio e o
processo pelo qual se chega ao julgamento e à situação em que ele
é feito possam todos estar intimamente envolvidos no fenômeno.
À medida que supõem que atos infratores de regras são inerente­
m ente desviantes, e assim deixam de prestar atenção a situações e
processos de julgamento, a visão de senso comum sobre o desvio
e as teorias científicas que partem de suas premissas podem deixar
de lado uma variável importante. Se os cientistas ignoram o cará­
ter variável do processo de julgamento, talvez, com essa omissão,
limitem os tipos de teorias que podem ser desenvolvidos e o tipo
de compreensão que se pode alcanç.ir.1
18
Outsiders
Nosso prim eiro problem a, portanto, é construir uma defini­
ção de desvio. Antes diSsSO, consideremos algumas das definições
que os cientistas usam , atualm ente, vendo o que é deixado de
lado quando as tom am os com o ponto de partida para o estudo
dos outsiders.
A concepção mais simples de desvio é essencialmente estatística,
definindo com o desviante tudo que varia excessivamente com relaç.io à média. Ao analisar os resultados de um experimento agrícola,
um estatístico descreve o pé de milho excepcionalmente alto e o
pe excepcionalmente baixo com o desvios da média. De maneira
semelhante, podemos descrever como desvio qualquer coisa que
difere do que e mais comum. Nessa concepção, ser canhoto ou ruivo
é desviante, porque a maioria das pessoas é destra e morena.
Assim formulada, a concepção estatística parece simplória, até
trivial. No entanto, ela simplifica o problema pondo de lado muitas
questões de valor que surgem usualmente em discussões sobre a
natureza do desvio. Ao avaliar qualquer caso particular, basta-nos
calcular a distância entre o com portamento envolvido e a média.
Mas essa é uma solução simples demais. A procura com semelhante
definição retorna com um resultado heterogêneo — pessoas ex­
cessivamente gordas ou magras, assassinas, ruivas, homossexuais
c infratoras das regras de trânsito. A mistura contém pessoas com umente consideradas desviantes c outras que não infringiram
absolutamente qualquer regra. A definição estatística de desvio, em
suma, está longe demais da preocupação com a violação de regras
que inspira o estudo científico dos outsiders.
Uma concepção menos simples, mas m uito mais com um , de
desvio o identifica como algo essencialmente patológico, revelando
a presença de uma “doença”. Essa concepção repousa, obviamente,
numa analogia inédica. Quando está funcionando de modo eficien­
te, sem experimentar nenhum desconforto, o organismo humano
é considerado “saudável”. Quando não funciona com eficiência, há
doença. Diz-se que o órgão ou função em desajuste é patológico.
Há, é claro, pouca discordância quanto ao que constitui um estado
saudável do organismo. Há muito menos concordância, porém,
Outsiders
quando se usa a noção de patologia, de maneira análoga, para des­
crever tipos de comportamento vistos com o desviantes. Porque as
pessoas não concordam quanto ao que constitui comportamento
saudável. É difícil encontrar uma definição que satisfaça mesmo um
grupo tão seleto e limitado como o dos psiquiatras; é impossível
encontrar um a definição que as pessoas aceitem em geral, tal como
aceitam critérios de saúde para o organismo.2
Por vezes as pessoas concebem a analogia de maneira mais
estrita, porque pensam no desvio com o produto de doença men­
tal. O com portamento de um homossexual ou de um viciado em
drogas é visto com o o sintoma de uma doença mental, tal como a
difícil cicatrização dos machucados de um diabólico é vista como
um sintoma de sua doença. Mas a doença mental só se assemelha
à doença física na metáfora:
A partir de coisas como sífilis, tuberculose, febre tifóide, carcinomas e
fraturas, criamos a classe “doença”. De início, essa classe era composta
apenas de alguns itens, todos os quais partilhavam o traço comum da
referência a um estado de estrutura ou função perturbada do corpo
humano como uma máquina físico-química. Com o passar do tem­
po, no entanto, outros itens foram adicionados a essa classe. Eles não
foram acrescidos, contudo, por serem doenças físicas recém-descobertas. A atenção do médico havia se desviado desse critério e passara
a se concentrar, em vez disso, na incapacidade e no sofrimento como
novos critérios de seleção. Assim, a princípio lentamente, coisas
como histeria, hipocondria, neurose obsessivo-compulsiva e depressão
foram adicionadas à categoria de doença. Depois, com crescente zelo,
médicos e especialmente psiquiatras passaram a chamar de ‘"doença”
(isto é, evidentemente, doença mental) absolutamente tudo em que
podiam detectar qualquer sinal de mau funcionamento, com base
em não importa que regra. Portanto, a agorafobia é doença porque
não se deveria ter medo de espaços abertos. A homossexualidade
é doença porque a heterossexualidade é a norma social. Divórcio é
doença porque indica o fracasso do casamento. Crime, arte, lide­
rança política indesejada, participação em questões sociais ou o
19
20
Outsiders
ab an d o n o dessa p a rlicip a ç a o •
io d as essas c m u itas i m iras coisas
fo ram co n sid erad as sin ais d e d o en ça m e n ta l.'
A metáfora médica limita o que podemos ver tanto quanto a
concepção estatística. Eia aceita o julgamento leigo de algo como
desviante e, pelo uso de analogia, situa sua fonte dentro do indi­
víduo, impedindo-nos assim de ver o próprio julgam ento como
parte decisiva do fenômeno.
Alguns sociólogos usam um modelo de desvio baseado essen­
cialmente nas noções médicas de saúde e doença. Consideram a
sociedade, ou uma parte de uma sociedade, e perguntam se há nela
processos cm curso que tendem a diminuir sua estabilidade, redu­
zindo assim sua chance de sobrevivência. Rotulam esses processos
de desviantes ou os identificam com o sintomas de desorganização
social. Discriminam entre aqueles traços da sociedade que promo­
vem estabilidade (e são portanto “funcionais'’) e os que rompem
a estabilidade (e são portanto “disfuncionais”). Essa concepção
tem a grande virtude de apontar para áreas de possível perturbação
numa sociedade de que as pessoas poderiam não estar cientes.4
É mais difícil na prática do que parece ser na teoria especificar
o que é funcional e o que é disfuncional para uma sociedade ou
um grupo social. A questão de qual é o objetivo ou meta (função)
de um grupo — e, conseqüentemente, de que coisas vão ajudar ou
atrapalhar a realização desse objet*vo — é muitas vezes política.
Facções dentro do grupo discordam e m anobram para ter sua
própria definição da função do grupo aceita. A função do grupo ou
organização, portanto, é decidida no conflito político, não dada
na natureza da organização. Se isso for verdade, é igualmente ver­
dadeiro que as questões de quais regras devem ser impostas, que
com portam entos vistos com o desviantes e que pessoas rotuladas
com o outsiders devem também ser encarados com o políticas.'’
A concepção funcional do desvio, ao ignorar o aspecto político
do fenôm eno, lim ita nossa com preensão.
Outra concepção sociológica é mais rehuivística. Ela identifi­
ca o desvio com o a falha em obedecer a regras do grupo. Depois
Outsiders
que descrevemos as regras que um grupo impõe a seus membros,
podemos dizer com alguma precisão se uma pessoa as violou ou
não, sendo portanto, nesta concepção, desviante.
Essa concepção é mais próxima da minha, mas não dâ peso sufi­
ciente às ambigüidades que surgem ao se decidir quais regras devem
ser tomadas como o padrão de comparação com referência ao qual o
comportamento é medido e julgado desviante. Uma sociedade tem
muitos grupos, cada qual com seu próprio conjunto de regras, e as
pessoas pertencem a muitos grupos ao mesmo tempo. Uma pessoa
pode infringir as regras de um grupo pelo próprio fato de ater-se às
regias de outro. Nesse caso, ela é desviante? Os proponentes dessa
definição talvez objetem que, embora possa surgir ambigüidade em
relação às regras peculiares de um ou outro grupo na sociedade, há
algumas regras que são geralmente aceitas por todos, caso em que
a dificuldade não surge. Esta, claro, é uma questão de fato, a ser
resolvida por pesquisa empírica. Duvido que existam muitas dessas
áreas de consenso e considero mais sensato usar uma definição que
nos permita lidar com as situações ambíguas e com aquelas sem
ambigüidade.
Desvio e as reações dos outros
A concepção sociológica que acabo de discutir define o desvio
como a infração de alguma regra geralmente aceita. Ela passa en ­
tão a perguntar quem infringe regras e a procurar os fatores nas
personalidades e situações de vida dessas pessoas, e que poderiam
explicar as infrações. Isso pressupõe que aqueles que infringiram
uma regra constituem uma categoria homogênea porque com e­
teram o mesmo ato desviante.
Tal pressuposto parece-me ignorar o fato central acerca do
desvio: ele é criado pela sociedade Não digo isso no sentido em
que é com um ente compreendido, de que as causas do desvio estão
localizadas na situação social do desviante ou em “fatores sociais”
que incitam sua ação. Quero dizer, isto sim, que grupos sociais criam
22
Outsiders
desvio a o fazer as regras cuja in fração com tiru i desvio, e ao aplicar
essas regras a pessoas particulares e rotulá-las com o outsiders.
Desse ponto de vista, o desvio n ão é uma qualidade do ato que a
pessoa comete, mas um a conseqüência da aplicação por outros
de regras e sanções a um “inhator". O desviante é alguém a quem
esse rótulo foi aplicado com sucesso; o com portam ento desviante
é aquele que as pessoas rotulain com o tal.6
Com o o desvio é, entre outras coisas, uma conseqüência das
reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos do desvio não
podem supor que estão lidando com uma categoria homogênea
quando estudam pessoas rotuladas de desviantes. Isto é, não podem
supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante
ou infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode
não ser infalível; algumas pessoas podem ser rotuladas de desvian­
tes sem ter de fato infringido uma regra. Além disso, não podem
supor que a categoria daqueles rotulados conterá todos os que
realmente infringiram uma regra, porque muitos infratores podem
escapar à detecção e assim deixar de ser incluídos na população
de “desviantes” que estudam. À medida que a categoria carece de
homogeneidade e deixa de incluir todos os casos que lhe pertencem,
não é sensato esperar encontrar fatores comuns de personalidade
ou situação de vida que expliquem o suposto desvio.
O que é, então, que pessoas rotuladas de desviintes têm em
comum? No m ínim o, elas partilham o rótulo e a experiência de
serem rotuladas com o desviantes. Com eçarei minha análise com
esta similaridade básica e verei o desvio com o o produto de uma
transação que tem lugar entre algum grupo social e algutm que é
visto por esse grupo com o infrator de uma regia. Estarei menos
interessado nas características pessoais e sociais dos desviantes que
no processo pelo qual eles passam a ser considerrdos outsiders e
suas reações a esse julgamento.
Malinowski descobriu, muitos anos atrás, a utilidade dessa
concepção para a compreensão da natureza do desvio, em seu
estudo nas ilhas Trobriand.
Outsiders
Um dia uma explosão de gemidos e uma grande comoção me reve­
laram que ocorrera uma morte em algum lugar na vizinhança. Fui
informado de que Kima’i, um garoto que eu conhecia, de cerca de
16 anos, caíra de um coqueiro e morrera.... Descobri que um outro
rapaz fora gravemente ferido por alguma misteriosa coincidência.
E no funeral havia obviamente um sentimento de hostilidade entre
a aldeia em que o menino morreu e aquela para onde seu corpo foi
levado para ser enterrado.
Só muito mais tarde consegui descobrir o verdadeiro significado
desses eventos. O garoto se suicidara. A verdade era que ele infringira
as regras de exogamia, e a parceira de seu crime era sua prima materna,
a filha da irmã He sua mãe. Isso foi sabido e geralmente reprovado,
mas nada se fizera até que o amante rejeitado da moça, que quisera
desposá-la e sentira-se pessoalmente injuriado, tomou a iniciativa. Esse
rival ameaçou primeiro usar magia negra contra o jovem culpado, mas
isso não surtiu muito efeito. Depois, uma noite, ele insultou o culpado
em público — acusando-o de incesto à vista de toda a comunidade e
lançando-lhe certas expressões intoleráveis para um nativo.
Para isso, só havia um remédio; só restava uma saída ao infeliz
rapaz. Na manhã seguinte ele vestiu um traje festivo, enfeitou-se e,
tendo subido num coqueiro, dirigiu-se a toda a comunidade; falando
em meio às folhas do coqueiro, despediu-se dela. Explicou as razões
para o gesto desesperado e também lançou uma acusação velada
contra o homem que o impelira para a morte, diante do que se tornou
dever de seus companheiros de clã vingarem-se em seu nome. Depois
gemeu alto, como é o costume, saltou de um coqueiro de cerca de 18
metros de altura e morreu no ato. Seguiu-se uma luta na aldeia, em
que o rival foi ferido; e a briga repetiu-se durante o funeral....
Se fôssemos indagar sobre o assunto entre os nativos de Trobriand, descobriríamos ... que eles demonstram horror à idéia de
violação das regras de exogamia e acreditam que males, doença e
até morte podem resultar de um incesto clãnico. Esse é o ideal da lei
nativa, e em questões morais é fácil e agradável aderir estritamente
ao ideal — ao julgar a conduta de outros ou expressar uma opinião
sobre conduta em geral.
Outsiders
Quando se trata da aplicação da moralidade e de ideais à vida real,
contudo, as coisas podem assumir uni? feição diferente. No caso
descrito, era óbvio que os fatos não corresponderiam ao ideai de
conduta. A opinião pública não ficou em nada ultrajada pelo conhe­
cimento do crime, nem reagiu diretamente — teve de ser mobilizada
por um relato público do crime e por insultos lançados ao culpado
por uma parte interessada. Mesmo assim ele teve de levar a cabo, ele
próprio, a puniçuo.... Sondando mais profundamente a questão e
colhendo informação concreta, descobri que a violação da exogamia
— no tocante a relações sexuais, não a casamento — não é de modo
algum uma ocorrência rara, e a opinião pública é leniente, embora
decididamente hipócrita. Se o caso for levado adiante em segredo
e com certo grau de decoro, e se ninguém em particular provocar
tumulto, a “opinião pública” vai mexericar, mas não exigirá nenhuma
punição severa. Se, ao contrário, irromper uni escândalo, todos se
voltarão contra o casal culpado e, por força de ostracismo ou insultos,
um ou outro poderá ser levado ao suitidio.'
Se um ato é ou não desviante, portanto, depende de como
outras pessoas reagem a ele. Uma pessoa pode cometer um incesto
clânico e sofrer apenas com mexericos, contanto que ninguém faça
uma acusação pública; mas será impelida à m orte se a acusação
for feita. O ponto é que a resposta das outras pessoas deve ser vista
com o problemática. O simples fato de uma pessoa ter cometido
uma infração a uma regra não significa que outros reagirão como
se isso tivesse acontecido. (Inversamente, o simples fato de ela não
ter violado uma regra não significa que não possa ser iralada, em
algumas circunstâncias, com o se o tivesse feito.)
O grau em que outras pessoas reagirão a um ato dado como
desviante varia enorm em ente. Diversos tipos de variação parecem
dignos de nota. Antes de mais nada, há variação ao longo do tempo.
Uma pessoa que se considera praticante de certo ato “desviante”
pode em um m om ento despertar reações muito mais lenientes
do que em algum outro momento. A ocorrência de “campanhas”
contra vários tipos de desvio ilustra isso claramente. Km diversos
Outsiders
momentos, os agentes da lei podem decidir fazer um ataque em
regra a algum tipo particular de desvio, como jogos de azar, vício
em drogas ou homossexualidade. É obviamente muito mais peri­
goso envolver-se numa dessas atividades quando uma campanha
está em curso que em qualquer outro momento. (Num estudo
rnuito interessante sobre notícias a respeito da criminalidade nos
jornais do Colorado, Davis descobriu que a quantidade de crimes
noticiados nos jornais do estado mostrava muito pouca associação
com mudanças reais na quantidade de crimes que ocorriam no
território. E, além disso, que a estimativa das pessoas sobre o au­
mento da criminalidade em Colorado estava associada ao aumento
na quantidade de notícias de crime, não a qualquer aumento na
quantidade de crim es.8)
O grau em que um ato será tratado com o desviante depende
também de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele.
Regras tendem a ser aplicadas mais a algumas pessoas que a outras.
Estudos da delinqüência juvenil deixam isso muito claro. Meninos
de áreas de classe média, quando detidos, não chegam tão longe no
processo legal com o os meninos de bairros miseráveis. O menino
de classe média tem menos probabilidade, quando apanhado pela
polícia, de ser levado à delegacia; menos probabilidade, quando
tevado à delegacia, de ser autuado; e é extremamente improvável
que seja condenado e sentenciado/' Essa variação ocorre ainda que
a infração original da norma seja a mesma nos dois casos. De
maneira semelhante, a lei é diferencialmente aplicada a negros
e brancos. Sabe-se muito bem que um negro que supostamente
atacou uma mulher branca tem muito maior probabilidade de
ser punido que um branco que comete a mesma infração; sabese um pouco m enos que um negro que mata outro negro tem
m enor probabilidade de ser punido que um branco que comete
hom icídio.10 Este, claro, é um dos principais pontos da análise que
Sutherland faz do crim e do colarinho-branco: delitos cometidos
por empresas são quase sempre processados com o causa civil, mas
o mesmo crim e cometido por um indivíduo é usualmente tratado
como delito crim inal.1'
25
26
Outsiders
Algumas regras são impostas som ente quando resultam em
certas conseqüências. A mãe solteira fornece um claro exemplo.
Vincent salienta, que relações sexuais ilícitas raramente resultam
em punição severa ou censura social para os infratores.i: Se uma
moça engravida em decorrência dessas atividades, no entanto, a
reação dos outros provavelmente será severa. (A gravidez ilícita
é também um interessante exemplo da imposição diferencial de
regras sobre diversas categorias de pessoas. Vincent observa que
pais solteiros escapam da severa censura infligida à mãe.)
Por que repetir estas observações banais? Porque, tomadas em
seu conjunto, elas sustentam a proposição de que o desvio não é
uma qualidade simples, presente em alguns tipos de com porta­
mento e ausente em outros. É antes o produto de um processo que
envolve reações de outras pessoas ao comportamento. O mesmo
com portam ento pode ser uma infração das regras num m omento
e não em outro; pede ser uma infração quando cometido por uma
pessoa, mas não quando cometido por outra; algumas regras são
infringidas com impunidade, outras não. Em suma, se um dado ato
é desviante ou não, depende em pai te da natureza do ato (isto é, se
ele viola ou não alguma regra) e em parte do que outras pessoas
fazem acerca dele.
Pode-se o bjetar que essa é uma simples crítica term inológi­
ca m enor, que, afinal, podemos definir term os da maneira que
quiserm os e que, se alguns querem falar do com portam ento
de violação de regra como desviante ^em referência às reações
dos outros, são livres para fa/.ê-lo. Isso é sem duvida verdade.
Talvez valesse a pena, contudo, referir-se a tai com portam ento
com o com p o rta m en to d e v iolação d e regra, e reservar o termo
desvian te para aqueles rotulados com o tal por algum segmento
da sociedade. Não insisto em que esse uso seja seguido. Mas de­
veria ficar claro que, à medida que um cientista usar “desviante"
para se referir a qualquer com portam ento de violação de regra,
e tom ar com o seu objeto de estudo apenas aqueles que foram
rotu lados desviantes, será estorvado pelas disparidades entre as
duas categorias.
Outsiders
Se tom am os com o objeto de nossa atenção o comportamento
que vem a ser rotulado de desviante, devemos reconhecer que não
podemos saber se um dado ato será categorizado como desviante
até que' a reação dos outros tenha ocorrido. Desvio não é uma
qualidade que reside no próprio comportamento, mas na interação
entre a pessoa que comete um ato e aquelas que reagem a ele.
Regras de quem?
Venho usando o termo “outsiders” para designar aquelas pessoas
que são consicjeradas desviantes por outras, situando-se por isso
fora do círculo dos membros “normais” do grupo. Mas o termo
contém um segundo significado, cuja análise leva a um outro im ­
portante conjunto de problemas sociais: “outsiders”, do ponto de
vista da pessoa rotulada de desviante, podem ser aquelas que fazem
as regras de cuja violação ela foi considerada culpada.
Regras sociais são criação de grupos sociais específicos. As
sociedades modernas não constituem organizações simples em
que todos concordam quanto ao que são as regras e com o elas
devem ser aplicadas em situações específicas. São, ao contrário,
altamente diferenciadas ao longo de linhas de classe social, linhas
étnicas, linhas ocupacionais e linhas culturais. Esses grupos não
precisam partilhar as mesmas regras e, de fato, freqüentemente
não o fazem. Os problemas que eles enfrentam ao lidar com seu
ambiente, a história e as tradições que carregam consigo, todos
conduzem à evolução de diferentes conjuntos de regras, À m edi­
da que as regras de vários grupos se entrechocam e contradizem,
haverá desacordo quanto ao tipo cie comportamento apropriado
em qualquer situação dada.
Imigrantes italianos que continuaram fabricando seu próprio
vinho para si e para os amigos durante a Lei Seca estavam agindo
adequadamente segundo os padrões dos imigrantes italianos, mas
violavam a lei de seu novo país (com o também o faziam, é claro,
muitos de seus velhos vizinhos norte-americanos). Pacientes que
28
Outsiders
consultam vários médicos, da perspectiva de seu próprio grupo,
talvez estejam fazendo o necessário para proteger sua saúde, asse­
gurando-se de conseguir o que lhes parece ser o m elhor médico
possível; da perspectiva do médico, porém, o que fazem é errado,
porque viola a regra da confiança que o paciente deveria deposi­
tar em seu médico. O delinqüente de classe baixa que luta para
defender seu "território” faz apenas o que considera necessário e
direito, mas professores, assistentes sociais e a polícia vêem isso
de maneira diferente.
Em bora se possa afirm ar que muitas regras ou a m aioria
delas conta com a concordância geral de todos os membros de
uma sociedade, a pesquisa empírica sobre uma determinada regra'
em geral revela variação nas atitudes das pessoas. Regras formais,
im postas por algum grupo especialm ente constituído, podem
diferir daquelas de fato considerada:, apropriadas pela maioria
das pessoas.'1 Facções de um grupo podem discordar quanto ao
que chamei de regras operantes efetivas. Mais im portante para o
estudo do comportam ento de hábito rotulado como desviante,
as perspectivas das pessoas que se envolvem são provavelmente
muito diferentes das visões daquelas que o condenam. Nesta última
situação, uma pessoa pode sentir que está sendo julgada segundo
normas para cuja criação não contribuiu e que não aceita, normas
que lhe são impostas por outsiders.
Em que medida e em que circunstâncias pessoi,s tentam
im por suas regras a outros que não as aprovam? Vamos distin­
guir dois casos. No prim eiro, som ente aqueles que são realmente
membros do grupo têm algum interesse em fazer e im por certas
regras. Se um judeu ortodoxo desobedece às leis da k a sh r u t*
somente outros judeus ortodoxos verão isso com o transgressão.
Cristão ou judeus não-ortodoxos não considerarão um desvio
nem teriam nenhum interesse cm intervir. No segundo caso, inte­
grantes de um grupo consideram im portante para seu bem -estar
que membros de alguns outros grupos obedeçam a certas regras.
‘ Regras alim entara judaicas. (N.T.l
Outsiders
Assim, algumas pessoas consideram extrem am ente im portante
que aqueles que praticam as artes terapêuticas atenham-se a cer­
tas regras; é por isso que o Estado licencia médicos, enfermeiros
e outros, e proíbe todos os não licenciados de se envolver em
atividades terapêuticas.
À medida que um grupo tenta impor suas regras a outros na
sociedade, somos apresentados a uma segunda questão: quem, de
fato, obriga outros a aceitar suas regras e quais são as causas de seu
sucesso? Esta é, claro, uma questão de poder político e econômico.
Mais adiante iremos analisar o processo político e econômico pelo
qual as regras são criadas e impostas. Aqui, é suficiente observar que as
pessoas estão sempre, de fato, im pon do suas regras a outras, aplican­
do-as mais ou menos contra a vontade e sem o consentimento desses
outros. Em geral, por exemplo, regras são feitas pelos mais velhos
para os jovens. Embora a juventude norte-americana exerça uma
forte influência cultural — os meios de comunicação de massa são
feilos sob medida para seus interesses, por exemplo — , muitos tipos
importantes de regras são criados para os jovens pelos adultos. Regras
relativas ao comparecimento na escola e ao comportamento sexual
não são formuladas tendo-se em vista os problemas da adolescência.
De fato, adolescentes se vêem cercados por regras concernentes a
esses assuntos feitas por pessoas mais velhas e acomodadas. Vê-se
como legítima essa atitude, porque os jovens não são considerados
sensatos nem responsáveis o bastante para traçar regras adequadas
para si mesmos.
Da mesma maneira, é verdade, em muitos aspectos, que os ho­
mens fazem regras para as mulherej em nossa sociedade (embora
nos Estados Unidos isso esteja mudando rapidamente). Os negros
véem-se sujeitos às regras feitas para eles por brancos. Os nascidos
no exterior e aqueles etnicamente peculiares de outra maneira
muitas vezes têm regras elaboradas para eles pela minoria anglosaxã protestante. A classe niédia traça regras que a classe baixa deve
obedecer — nas escolas, nos tribunais e em outros lugares.
Diferenças na capacidade de fazer regras e aplicá-las a outras
pessoas são essencialmente diferenciais de poder (seja legal ou ex-
30
O utsiders
tralegal). Aqueles grupos cuja posição social lhes dá armas e poder
são mais capazes de im por suas regras. Distinções de idade, sexo,
etnicidade e classe estão todas relacionadas a diferenças em poder,
o que explica diferenças no grau em que grupos assim distinguidos
podem fazer regras para outros.
Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de
pessoas a tipos particulares de com portam ento, pela rotulação
desse com portam ento como desviante, devemos também ter em
mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são
universalmente aceitas. Ao contrário, constituem objeto de conflito
e divergência, parte do processo político da sociedade.
2
Tipos de desvio:
um modelo seqüencial
Não é minha intenção aqui afirmar que somente atos considerados
desviantes por outros são “realmente” desviantes. Mas é preciso
reconhecer que esta é uma dimensão importante, que deve ser
levada em conta em qualquer análise de comportamento desviante.
Com binando essa dimensão com outra — se um ato adequa-se
ou não a um a regra particular — , podemos construir o seguinte
conjunto de categorias para a discriminação de diferentes tipos
de desvio.
D ois desses tipos demandam muito pouca explicação. Com ­
portam ento ap rop ria d o é simplesmente aquele que obedece à
regra e que outros percebem como tal. No outro extremo, o tipo
desviante pu ro de comportamento é aquele que desobedece à regra
e é percebido com o tal.*
Tipos de comportamento desviante
Comportamento apropriado
Comportamento infrator
P erce b ido c o m o d e s v ia n te
Não p e rc e b id o com o d e s v ia n te
ÍÒ è sy p if li
* Convém lembrar que essa classificação deve sempre ser usada tia perspectiva de
um dado conjunto de regras; ela não leva em conta as complexidades, já discutidas,
que aparecem quando há mais de um conjunto de regras disponível para ser
usado pelas mesmas pessoas ao definir o mesmo ato. Além disso, a classificação
se refere a dois tipo? de comportamento, e não a tipos de pessoa, a atos e não a
personalidades. O comportamento de uma mesma pessoa pode obviamente ser
apropriado em algumas atividades e desviante em outra;».
31
32
Outsiders
As duas outras possibilidades são de interesse mais amplo. A
situação falsam en te acu sado é aquela a que criminosos muitas vezes
se referem com o *bu m n i p A pessoa é vista pelos outros como se
tivesse cometido uma ação imprópria, embora de fato não o tenha
feito. Falsas acusações ocorrem mesmo em tribunais, onde a pes­
soa é protegida por regras processuais e de prova. Provavelmente
ocorrem ccm muito m aior freqüência em contextos não legais, em
que salvaguardas processuais não estão disponíveis.
Um tipo de caso ainda mais interessante é encontrado no ou­
tro extremo, o desvio secreto. Aqui, um ato im próprio é cometido,
mas ninguém o percebe ou reage a ele como uma violação das
regras. Com o no caso da falsa acusação, ninguém sabe realmente
em que medida o fenôm eno existe, mas estou convencido de que
a quantidade é bastante grande, muito mais do que pensamos.
Uma oreve observação me convence de que isso é verdade. A
maioria das pessoas provavelmente vê o fetichism o (e o fetichismo sadomasoquista em particular) como uma perversão rara e
exótica. Vários anos a trás, no entanto, tive ocasião de examinar
o cauiiogo de um vendedor de fotografias pornográficas desti­
nadas exclusivamente a devotos dessa especialidade. O catálogo
não continha nenhuma foto de nus, nenhuma foto de qualquer
versão do ato sexual. Em contrapartida, continha páginas e mais
páginas de fotos de moças vestindo cam isas-de-fcrça, usando
botas com saltos de 15 centímetros de altura, empunhando chi­
cotes, algemadas e espancando-se umas às outras. Cada página
servia de amostra para nada menos que 120 fotos estocadas pelo
vendedor. Um cálculo rápido revelou que o catálogo anunciava
para venda imediata algo entre 15 c 20 mil diferentes fotografias.
O próprio catálogo era dispendiosamente impresso, e esse fato ao
lado do número de fotos ã venda, indicava que o vendedor tinha
um negócio florescente e uma clientela bem grande. No entamo,
não topamos com fetichistas sadomasoquistas a toda hora. O b­
* Acusação ou punição injustas feitas sem base em evidências - algo equivalente
á polícia p ren d e alguém “suspeito" para .iveriguaçao. (N .R .!'. )
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
viam ente, eles são capazes de manter em segredo sua perversão
( “Todas as encomendas enviadas num envelope simples”) .1
Observações semelhantes foram feitas por estudiosos da h o­
mossexualidade, relatando que muitos homossexuais são capazes
de ocultar seu desvio de companheiros não desviantes. E muitos
usuários de narcóticos, com o veremos adiante, são capazes de
ocultar sua adição dos não-usuários com que se associam.
Os quatro tipos teóricos de desvio, que criamos ao fazer uma
classificação cruzada de tipos de comportamento e das reações que
evocam, distinguem fenômenos que diferem em aspectos importan­
tes, mas são usualmente considerados semelhantes. Se ignorarmos
as diferenças, pçderemos cometer a falácia de tentar explicar vários
tipos de coisas da mesma maneira c ignorar a possibilidade de que
exijam variadas explicações. Um menino que inocentemente dá
umas voltas por perto de um grupo delinqüente pode ser preso
com eles, alguma noite, com o suspeito. Ele aparecerá nas estatís­
ticas oficiais como delinqüente tanto quanto aqueles que estavam
realmente envolvidos em delitos. Os cientistas sociais que se empe­
nham em desenvolver teorias para explicar a delinqüência tentarão
explicar sua presença nos registros oficiais da mesma maneira como
se esforçam para explicar a presença dos outros.2Mas os casos são
diferentes. A mesma explicação não servirá para ambos.
M odelos s im u ltâ n e o e s e q ü e n cia l de desvio
A discriminação de tipos de desvio pode nos ajudar a compreender
como o comportamento desviante se origina. Fará isso ao nos permi­
tir desenvolver um modelo seqüencial do desvio que leva em conia
a mudança ao longo do tempo. Antes de discutir o próprio modelo,
porém, consideremos as diferenças entre o modelo seqüencial e o
simultâneo no desenvolvimento do comportamento individual.
Antes de mais nada, observemos que quase toda pesquisa
sobre desvão lida com o tipo de questão que surge quando ele é
encarado como patológico. Isto é, a pesquisa tenta descobrir a
33
34
Outsiders
“etiologia” da “doença”. Busca desvelar as causas do com porta­
mento indesejado.
Essa investigação é tipicamente empreendida com as ferra­
mentas da análise multivariada. As técnicas e ferramentas usadas na
pesquisa social contêm invariavelmente um compromisso teórico e
metodológico, e este é o caso aqui. A análise multivariada pressupõe
(ainda que seus usuários possam de fato saber melhor sobre isso) que
todos os fatores que operam para produzir o fenômeno sob estudo
o fazem simultaneamente. Ela busca descobrir que variável ou que
combinação de variáveis poderá “predizer” melhor o comportamen­
to sob estudo. Asmiti, uma pesquisa sobre a delinqüência juvenil pode
tentar descobrir se é o quociente de inteligência, a área em que uma
criança vive, se ela vem ou não de um lar desfeito, ou uma combina­
ção desses fatores que explica o fato de ela ser delinqüente.
Na verdade, porém, todas as causas não operam ao mesmo
tempo, e precisamos de um modelo que leve em conta o fato de
que padrões de com portamento se desenvolvem numa seqüência
ordenada. Ao explicar o uso de maconha por um indivíduo, como
veremos adiante, devemos lidar com uma seqüência de passos, de
mudanças no comportamento e nas perspectivas do indivíduo, a fim
de compreender o fenômeno. Cada passo requer explicação, e o que
opera com o causa em um passo da seqüência pode ter importânci i
desprezível em ouiro. Precisamos, por exemplo, de um tipo de ex­
plicação de com o uma pessoa chega à situação em que a maconha
lhe é facilmente disponível, e outro tipo de explicação sobre p< r
que, dada a disponibilidade da droga, ela se inclina a experimentala pela primeira vez. E precisamos ainda de outrr explicação: por
que, tendo-a experimentado, a pessoa continua a usá-la. De alguma
maneira, cada explicação constitui uma causa necessária do com
portamento. Üu seja, ninguém pode se tornar usuário de maconha
se não tivei dado cada passo. Essa pessoa precisa ter tido acesso à
droga, experimentado-a e continuado seu uso. A explicação de cada
passo é assim parte da explicação do comportamento resultante.
No entanto, as variáveis que explicam cada passo, tomadas
separadamente, não distinguem entre usuários e não-usuários. A
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
variável que permite a uma pessoa dar determinado passo pode
não operar porque ela ainda não atingiu o estágio no processo em
que é possível dá-lo. Suponhamos, por exemplo, que um dos passos
na formação de um padrão habitual de uso de drogas — dispo­
sição para experimentar a droga — seja realmente resultado de
uma variável de personalidade ou de orientação pessoal, com o a
alienação de normas convencionais. A variável da alienação pes­
soal, contudo, só produzirá uso de drogas em pessoas que estão em
condições de experimentá-las porque participam de grupos em que
elas estão disponíveis; pessoas alienadas e para as quais as drogas
não estão disponíveis não podem iniciar a experimentação e, por
conseguinte, n ão podem se tornar usuárias, por mais alienadas que
sejam. A alienação poderia, portanto, ser uma causa necessária do uso
de drogas, mas só é critério de prisão entre usuários e não-usuários
num estágio particular do processo.
Uma concepção úti! no desenvolvimento de modelos seqüen­
ciais de vários tipo de comportam ento desviante c a de carreira.3
Originalmente desenvolvido em estudos de ocupações, o conceito
se refere
seqüência de movimentos de uma posição para outra
num sistem a ocupacional, realizados por qualquer indivíduo
que trabalhe dentro desse sistema. Além disso, inclui a noção de
“contingência de carreira”, aqueles fatores tios quais depende a
mobilidade de uma posição para o itra . Contingências de carreira
incluem tanto fatos objetivos de estrutura social quanto mudanças
nas perspectivas, motivações e desejos do indivíduo. Em geral,
no estudo de ocupações, usamos o conceito para distinguir entre
os que têm uma carreira “bem-sucedida” (quaisquer que sejam os
termos em que o sucesso é definido dentro da ocupação) e aqueles
que não têm. Ele pode ser usado também para discernir diversas
variedades de resultados de carreiras, ignorando a questão do
“sucesso”.
O modelo pode ser facilmente transformado para o estudo de
carreiras desviantes. Ao modificá-lo dessa maneira, não deveríamos
restringir nosso interesse àqueles que seguem uma carreira que os
leva a desvios cada vez maiores, àqueles que, em última análise,
Outsiders
assumem uma identidade e um m odo de vida extrem amente des­
viantes. Deveríamos considerar também os que têm um contato
mais fugaz com o desvio, cujas carreiras os afasta dele rumo a
maneiras de viver convencionais. Assim, por exemplo, estudos de
delinqüentes que não se tornam crim inosos adultos poderiam nos
ensinar mais que os de delinqüentes que progridem no crime.
Irei considerar a seguir as possibilidades inerentes à aborda­
gem do desvio como carreira. Depois passarei a um estudo de um
tipo particular de desvio: o uso de maconha.
C arreiras d e svia n te s
O primeiro passo na maioria das carreiras desviantes é o cometim ento de um ato não apropriado, um ato que infringe algum
conjunto particular de regras. Com o explicar o primeiro passo?
As pessoas usualmente pensam em atos desviantes com o
motivados. Acreditam que a pessoa que com ete um ato desviante,
mesmo pela primeira vez (e talvez especialmente pela primeira vez),
pratica-o de propósito. Seu propósito pode ser ou não inteiramente
consciente, mas há uma força motivacional por trás dele. t.ogo pas­
saremos à consideração de casos de não-conformidade intencional,
mas primeiro quero salientar que muilos atos não apropriados são
cometidos por pessoas que nao têm intenção alguma de lazê-lo;
estes demandam claramente uma explicação diferente.
Atos não intencionais de desvio provavelmente são explicados
de maneira relativamente simples. Eles implicam uma ignorância
da existência de regra, ou do tato de que ela é aplicável nesse caso,
ou a essa pessoa particular. Mas é necessário explicar a falta de
conhecimento. Com o pode alguém saber que seu ato é impróprio?
Pessoas profundamente envolvidas numa subeultura particular
(como uma subeultura religiosa ou étnica) podem simplesmente
não ter consciência de que nem todos agem “daquela maneira”
e assim com eter uma impropriedade. Pode. de lato, haver áreas
estruturadas de ignorância dc regras particulares. Marv Haas sa­
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
lientou o interessante caso dos tabus vocabulares interlinguais.4
Palavras perfeitamente apropriadas numa língua podem ter um
sentido “grosseiro” em outra. Assim, a pessoa que usa uma palavra
comum em sua própria língua descobre que chocou e horrorizou
5eus ouvintes que vêm de uma cultura diferente.
Ao analisar casos de não-conformidade intencional, as pes­
soas geralmente perguntam sobre a motivação: por que a pessoa
quer fazer a coisa desviante que faz? A pergunta pressupõe que a
diferença básica entre os desviantes e os que se conform am resi­
de no caráter de sua motivação. Foram propostas muilas teorias
para explicar por que alguns têm motivações desviantes e outros
não. Teorias psicológicas encontram a causa de motivações e atos
desviantes nas primeiras experiências do indivíduo, produzindo
necessidades inconscientes que devem ser satisfeitas para que ele
mantenha seu equilíbrio. Teorias sociológicas procuram fontes
socialmente estruturadas de “tensão” na sociedade, posições sociais
sujeitas a tais demandas conflitantes, de modo que o indivíduo
busca uma maneira ilegítima de resolver os problemas que sua
posição lhe apresenta. (A famosa leoria da anomia de Merton se
encaixa nessa categoria.)5
Mas os pressupostos em que essas abordagens se fundam
podem ser inteiramente falsos. Não há razão para se supor que
somente aqueles que finalmente cometem um alo desviante têm
o impulso de fazê-lo. É muito mais provável que a maioria das
pessoas experim ente impulsos desviantes com freqüência. Pelo
menos em fantasia, as pessoas são muito mais desviantes do que
parecem. Em vez de perguntar poi que desviantes querem fazer
coisas reprovadas, seria melhor que perguntássemos por que as
pessoas convencionais não se deixam levar pelos impulsos des­
viantes que têm.
Uma espécie de resposta para essa pergunta pode ser encon­
trada no processo de compromisso pelo qual a pessoa ‘'norm al”
torna-se progressivamente envolvida em instituições e compor­
tam ento convencionais. Ao falar em com prom isso, refiro-m e
ao processo através do qual vários tipos de interesses tornam-se
37
38
Outsiders
ligados de modo restrito a certas linhas de comportamento às quais
são formalmente alheios,^ O que acontece é que o indivíduo, em
conseqüência de ações que praticou no passado ou da operação
de várias rotinas institucionais, descobre que deve aderir a certas
linhas de com portam ento, porque muitas outras atividades que
não aquela em que está envolvido de forma direta serão adversa­
mente afetadas se não o fizer. O jovem de classe média não deve
abandonar a escola porque seu futuro profissional depende do
grau de instrução. A pessoa convencional não deve satisfazer seus
interesses por narcóticos, por exemplo, porque está em jogo muito
mais que ú busca de prazer imediaio; talvez julgue que o emprego,
a família e a reputação na vizinhança dependem de que continue a
evitar a tentação.
De fato, o desenvolvimento normal das pessoas em nossa so ­
ciedade ( p provavelmente em qualquer sociedade) pode ser visto
como uma série de compromissos progressivamente crescentes com
normas e instituições convencionais. A pessoa “norm al”, quando
descobre em si um impulso desviante, é capaz de controlá-lo pen­
sando nas múltiplas conseqüências que ceder a ele lhe produziria.
Já apostou demais em continuar a ser normal para se peim itir ser
dominada por impulsos não-convencionais.
Isso sugere que ao exam inar casos de não-conform idade
intencional, devemos perguntar como a pessoa consegue evitar o
impacto de compromissos convencionais. Ela pode fnzé-lo de duas
maneiras. Antes de mais nada no curso de seu desenvolvimento, a
pessoa pode ter evitado de algum modo alianças embaraçosas com
a sociedade convencional. Assim, é possível que esteja livre para se­
guir seus impulsos. A pessoa que não tem uma reputação a zelar ou
um emprego convencional a conservar pode seguir seus impulsos.
Não apostou nada em continuar a parecer convencionai.
A maioria das pessoas, contudo, permanece sensível a códigos
de conduta convencionais e tem de lidar com suas sensibilidades
para se envolver num ato desviante pela primeira vez. Sykes e Matza
sugeriram que os delinqüentes realmente sentem fortes impulsos
para cumprir a lei, e iidam com eles mediante técnicas de neutrali­
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
zação: “Justificações para o desvio que são vistas como válidas pelo
delinqüente, mas não pelo sistema legal ou pela sociedade em geral.
Eles distinguem várias técnicas para neutralizar a força dos valores
de aceitação da ordem.
À medida que se pode definir o delinqüente como aquele que carece
de responsabilidade por suas ações desviantes, a reprovação dele
mesmo ou de outros é claramente reduzida em eficácia como a in­
fluência repressora.... O delinqüente se aproxima de uma concepção
de si como uma“bola de bilhar”, vê a si mesmo como irremediavel­
mente impelido para novas situações.... Aprendendo a se ver mais
como objeto de ação do que como agente, o delinqüente prepara o
caminho pafa ô desvio em relação ao sistema normativo dominante
sem a necessidade de um ataque frontal às próprias normas....
Uma segunda técnica importante de neutralização centra-se
no dano ou prejuízo envolvido no ato delinqüente.... Para o delin­
qüente, ... a transgressão pode ser uma questão de ter alguém sido
ou não claramente prejudicado por seu desvio, e isso é passível de
uma variedade de interpretações.... O roubo de automóvel pode
ser visto como “empréstimo”, e luta de gangues como uma disputa
privada, um duelo como disputa travada de comum acordo entre
dois grupos, sem importância, portanto, para a comunidade em
geral....
Sua própria indignação moral ou a dos outros pode ser neu­
tralizada por uma insistência em que o dano não está errado à luz
das circunstâncias. O dano, pode-se afirmar, não é realmente um
dano; é antes uma forma de legítima retaliação ou punição.... Ata­
ques a hon ossexuais ou a pessoas suspeitas de homossexualidade,
investidas contra integrantes de grupos minoritários que teriam
sido apanhados “fora de lugar”, vandalismo como vingança contra
uma autoridade escolar ou professor injusto, roubos de um lojista
trapaceiro — tudo pode ser, aos olhos do delinqüente, danos infli­
gidos a um transgressor. ...
Uma quarta técnica de neutralização parece envolver uma con denação dos condenadores.... Seus condenadores, pode ele afirmar,
39
40 Outsiders
são hipócritas, desviantes disfarçados, ou impelidos por despeito
pessoal.... Com esse ataque aos outros, a transgressão de seu próprio
comportamenio é mais facilmente reprimida ou ignorada. ...
Controles internos e externos podem ser neutralizados sacrifi­
cando-se as exigências da sociedade mais ampla diante das impo­
sições dos grupos sociais menores a que o delinqüente pertence,
como os “irmãos”, a gangue, a turma de amigos.... O aspecto mais
importante é que o desvio em relação a certas normas pode ocorrer
não porque as normas sejam rejeitadas, mas porque outras normas,
consideradas mais prementes ou envolvendo maior lealdade, ganham
precedência.7
Eni alguns casos, é posirível que um ato não apropriado oareça
necessái io ou conveniente para uma pessoa em geral cumpridora da
lei. Empreendido na busca de interesses legítimos, o ato desviante
se torna, se não de todo apropriado, pelo menos não de todo im ­
próprio. Encontram os um bom exemplo num romance que trata
de um jovem médico ítalo-americano.'* O rapaz, recém-saído da
escola de medicina, gostaria de ter uma clientela que não se fun­
dasse em sua nacionalidade. Sendo italiano, porém, tem dificuldade
em ganhar aceitação de profissionais ianques de sua comunidade.
Um dia é subitamente solicitado por um dos maiores cirurgiões a
tratar de um caso para ele e pensa que finalmente será admitido
no sistema de recomendações dos melhores médicos da cidade.
Quando o paciente chega a seu consultório, porém, constata que se
trata de um caso de aborto ilegal. Vendo, de maneira equivocada, a
recomendação como o primeiro passo numa relação regular com
o cirurgião, ele realiza a operação. Esse ato, embora impróprio, é
considerado necessário para a construção de sua carreira.
Mas estamos menos interessados na pessoa que comete um ato
desviante apenas uma vez do que naquela que mantém um padrão
de desvio por am longo período de tempo, faz do desvio uma ma­
neira de viver, organiza sua identidade em torno de um padrão de
com portam ento desviante. Não é sobre os que fazem experiências
casuais com a homossexualidade (e que apareceram em números
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
tão surpreendentemente expressivos no Relatório Kinsey) que que­
remos saber, mas sobre a pessoa que segue um padrão de atividade
homossexual durante toda a sua vida adulta.
Um dos mecanismos que levam da experimentação casual a
um padrão mais permanente de atividade desviante é o desenvol­
vim ento de motivos e interesses desviantes. Examinaremos esse
processo em detalhe mais adiante, quando considerarmos a carreira
do usuário de maconha. Aqui é suficiente dizer que muitos tipos
de atividade desviante provêm de motivos socialmente aprendi­
dos. Antes de se envolver na atividade em bases mais ou menos
regulares, a pessoa não tem noção dos prazeres que dela podem
ser obtidos; tom a conhecimento deles no curso da interação com
desviantes mais experientes. Aprende a ter consciência de novos
tipos de experiência e a pensar neles com o prazerosos. O que
certam ente pode ter sido um impulso aleatório de experimentar
algo novo torna-se um gosto estabelecido por algo já conhecido e
experimentado. Os vocabulários nos quais motivações desviantes
são expressas revelam que seus usuários os adquirem na interação
com outros desviantes. O indivíduo aprende, cm suma, a participar
de uma subcultura organizada em torno da atividade desviante
particular.
As motivações desviantes têm um caráter social mesmo quan­
do a maior parte da atividade é realizada de uma forma privada,
secreta e solitária. Nesses casos, vários meios de com unicação
podem assumir o lugar da interação face a face na introdução do
indivíduo à cultura. As fotografias pornográficas que mencionei
anteriorm ente eram descritas para possíveis compradores em
linguagem estilizada. Palavras comuns eram usadas numa termino­
logia técnica destinada a despertar paladares específicos. A palavra
“servidão'’, por exemplo, era empregada repetidas vezes para aludir
a fotos de mulheres algemadas ou presas em camisas-de-força. Não
se adquire gosto por “fotos de servidão” sem ter aprendido o que
são e com o podem ser apreciadas.
Um dos passos mais decisivos no processo de construção de
um padrão estável de comportamento''desvianie talvez seja a expe­
42
Outsiders
riência de ser apanhado e rotulado publicamente de desviante. Se
alguém dá ou não essa passo, depende menos do que ele faz do que
daquilo que outras pessoas fazem, do foto de elas imporem ou não
a regra que ele violou. Vou considerar em detalhe, adiante, as cir­
cunstâncias nas quais a imposição tem lugar, mas duas observações
são necessárias. Antes de mais nada, ainda que ninguém descubra
a impropriedade ou imponha as regras contra ela, o indivíduo que
cometeu a impropriedade pode agir ele próprio como impositor.
Pode marcar a si mesmo com o desviante em razão do que fez e
punir-se de uma maneira ou de outra por seu comportamento.
Esse não t sempre ou necessariamente o caso, mas pode acontecer,
Segundo, pode haver casos como aaueles descritos por psicanalistas
em que o indivíduo realmente quei ser apanhado e perpetra seu
ato desviante de tal maneira que quase certamente seiá.
Em qualquer dos casos, ser apanhado e marcado com o des­
viante tem importantes conseqüências para a participação social
mais ampla e a auto-imagem do indivíduo. A mais importante é
uma mudança drástica em sua identidade pública. Cometer o ato
impróprio e ser apanhado lhe confere um novo status. Ele revelouse um tipo de pessoa diferente do que supostamente era. É rotulado
de “bicha”, "viciado”, “maluco” ou “doido”," e tratado com o tal.
Ao analisar as conseqüências da adoção de uma identidade
desviante, vamos fazer uso da distinção que Hughes estabelece
entre traços de status principais e auxiliares.’ Hughes observa que
a maioria dos siatus tem um traço-enave que serve para distinguir
entre os que os possuem ou não. Assim, o medico, não importa
o que mais possa ser, é alguém que tem um certificado afirmando
que preencheu certos requisitos e está licenciado para praticar a
medicina; esse é o traço principal, Como Hughes mostra, na so­
ciedade norte-americana presui.ie-se também informalmente que
um médico tenha vários traços auxiliares: a maioria das pessoas
espera que ele seja da classe média alta, branco, do sexo masculi­
no e protestante. Se não for assim, tem-se a impressão de que de
' No original, fttirly,ihpefrk> u U llut c Iiiihilic. (N .l.)
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
certo modo não preencheu os requisitos. De maneira semelhante,
embora a cor da pele seja o traço principal para determinar quem
é negro e quem é branco, espera-se informalmente que os negros
tenham certos traços de status, e não tenham outros; as pessoas
ficam surpresas e vêem como anomalia o fato de um negro ser
um médico ou professor universitário. As pessoas freqüentemente
possuem o traço de status principal, mas carecem de algumas das
características auxiliares informalmente esperadas; por exemplo,
alguém pode ser médico, mas do sexo feminino ou negro.
Hughes lida com esse fenômeno em relação a status que são
bem vistos, desejados ou desejáveis (observando que se pode
possuir as qualificações formais para ingressar num status, e ainda
assim ter o pleno acesso negado pela falta dos traços auxiliares
apropriados), mas o mesmo processo ocorre no caso de status
desviantes. A posse de um traço desviante pode ter um valor sim­
bólico generalizado, de modo que
ís
pessoas dão por certo que
seu portador possui outros traços indesejáveis presumivelmente
associados a ele.
Para ser rotulado de criminoso só é necessário cometer um
único crim e, isso é tudo a que o termo formalmente se refere. No
entanto a palavra traz consigo muilas conotações que especificam
traços auxiliares característicos de qualquer pessoa que carregue o
róíulo. Presume-se que um homem condenado por arrombamenro, e por isso rotulado de criminoso, seja alguém que irá assaltar
outras casas; a polícia, ao recolher delinqüentes conhecidos para
investigação após um crim e, opera com base nessa premissa.
Além disso, considera-se provável que cie com ela também outros
tipos de crime, porque se revelou uma pessoa sem “respeito pela
lei”. Assim, a detenção por um ato desviante expõe uma pessoa à
probabilidade de vir a ser encarada como desviante ou indesejável
em outros aspectos.
Há outro elemento na análise de Hughes que podemos tomar
emprestado com proveito: a distinção entre status principal e su­
bordinado.10 Alguns status, em nossa sociedade como em outras,
sobrepõem-se a todos os outros e têm certa prioridade. Raça é um
43
44
Outsiders
deles. O pertencimento à raça negra, tal como socialmente definida,
irá sobrepujar a maior parte das outras considerações na maioria
das outras situações; o fato de alguem ser médico, ou de classe
média ou do sexo feminino não o protegerá contra o fato de ser
tratado em primeiro lugar com o negro, e depois com o qualquer
um desses aspectos. O status de desviante (dependendo do tipo de
desvio) é esse tipo de status principal. Uma pessoa recebe o status
como resultado da violação de uma regra, e a identificação prova-se
mais importante que a maior parte das outras. Ela será identificada
prim eiro com o desviante, antes que outras identificações sejam
feitas. Formula-se a pergunta: “Que tipo de pessoa infringiria uma
regra tão importante?” E a resposta é dada: “Alguém que é diferente
de nós, que não pode ou não quer agir como um ser humano moral,
sendo portanto capaz de infringir outras regras importantes.” A
identificação desviante torna-se a dominante.
Tratar uma pessoa com o se ela fosse em geral, e nao em par­
ticular, desviante produz uma profecia auto-realizadora. E'a põe
em movim ento vários mecanismos que conspiram para moldar a
pessoa segundo a imagem que os outros têm dela." Em primeiro
lugar, após ser identificada com o desviante, ela tende u ser impedida
de participar de grupos mais convencionais, num isolamento que
talvez as conseqüências específicas da atividade desviante nunca
pudessem causar por si mesmas caso não houvesse o conhecimento
público e a reação a ele. Por exemplo, ser homossexual pode não
afetar a capacidade que uma pessoa tem de realizar serviç is de
escritório, mas ser conhecido como homossexual num escritório
talvez torne impossível continuar trabalhando ali. De maneira
semelhante, ainda que os eleitos de drogas opiáceas possam não
prejudicara capacidade de trabalho de uma pessoa, ser conhecida
com o viciada provavelmente a lará perder o emprego. Nesse caso,
o indivíduo encontra dificuldade em se conformar a outras regras
que não tem intenção ou desejo de infringir, e se descobre forçosa­
m ente desviante também nessas áreas. O homossexual privado de
um emprego “respeitável” pela descoberta de seu desvio pode ser
levado a assumir ocupações não-convencionais, marginais, em que
Tipos de desvio: um m odelo seqüencial
isso não faz tanta diferença. O viciado em drogas se vê impelido
para outros tipos de atividade ilegítima, como roubo e furto, por­
que os empregadores respeitáveis se recusam a tê-lo por perto.
Quando apanhado, o desviante é tratado de acoido com o
diagnóstico popular que descreve sua maneira de ser, e esse tra­
tamento pode, ele mesmo, de maneira semelhante, produzir um
desvio crescente. O viciado, popularmente visto como um indivíduo
sem força de vontade, que não consegue se privar dos prazeres in­
decentes que lhe são fornecidos pelas drogas opiáceas, é tratado de
forma repressiva. Proíbem-no de usar drogas. Como não consegue
obter drogas legalmente, tem de obtê-las ilegalmente. Isso impele o
mercado para a cjapdestinidade e empurra o preço das drogas para
cima, muito além do legítimo preço de mercado corrente, para um
nível que poucos têm condições de pagar com um salário comum.
Portanto, o tratamento do desvio do drogado situa-o numa posição
em que será provavelmente necessárii ■recorrer a fraude e crime para
sustentar seu hábito.12 O comportamento é uma conseqüência da
reação pública ao desvio, não um efeito das qualidades inerentes
ao ato desviante.
Expressa de maneira mais geral, a questão é que o tratamento
dos desviantes lhes nega os meios comuns de levar adiante as ro­
tinas da vida cotidiana acessíveis à maioria das pessoas. Em razão
dessa negação, o desviante deve necessariamente desenvolver roti­
nas ilegítimas. A influência da reação pública pode ser direta— como
nos casos antes considerados — ou indireta
conseqüência do
caráter integrado da sociedade cm que o desviante vive.
As sociedades são integradas no sentido de que os arranjos so­
ciais numa esfera de atividade se enredam com outros arranjos em
outras esferas de maneiras particulares e dependem da existência
desses outros arranjos. Certo tipo de vida no trabalho pressupõe
determinado tipo de vida familiar, como veremos quando consi­
derarmos o caso do músico de casa noturna.
Muitas variedades de desvio criam diliculdades ao não se
coadunar com expectativas em outras áreas da vida. A homossexua­
lidade é um bom exemplo. Os homossexuais têm dificuldades em
46
Outsiders
qualquer área de atividade social em que os interesses sexuais nor­
mais e as tendências para se casar são vistos com o inquestionáveis.
Em organizações de trabalho estáveis, com o grandes organizações
comerciais ou industriais, há com freqüência m omentos nos quais
o homem que quer obter sucesso deveria se casar; se não o fizer,
tornará difícil para ele fazer as coisas necessárias para ter sucesso
na organização e frustrará suas ambições. A necessidade do casa­
mento muitas vezes cria problemas bastante difíceis para o homem
normal, e põe o homossexual em situação quase impossível. Dc
maneira semelhante, em alguns grupos de trabalho masculinos, em
que se exigem proezas heterossexuais para se conservar a estima no
grupo, o homossexual encontra-se em óbvias dificuldades. A nãocorrespondência à expectativa dos outros pode obrigar o indivíduo
a tentar maneiras desviantes de alcançar resultados automáticos
para a pessoa normal.
E evidente que nein Iodos aqueles apanhados em ato desviante
e rotulados de desviantes se encaminham de modo inevitável para
um desvio maior, com o já foi sugerido em m inlus observações
anteriores. As profecias nem sempre se confirm am , os mecanis­
mos nem sempre funcionair. Que fatores tendem a tornar mais
lento ou deter o m ovimento rumo a um desvio crescente? Em que
circunstâncias eles entram em jogo?
Uma sugestão sobre com o a pessoa pode se imunizar contra
a progressão do desvio encontra-se num recente estudo acerca de
delinqüentes juvenis que procuram homossexuais.13 Esses meninos
agem como prostitutos homossexuais para homossexuais adultos
confirmados. No entanto, eles próprios não se tornam homosse­
xuais. Vários fatores contribuem para a suspensão desse tipo de
desvio sexual. Em primeiro iugar, os meninos estão protegidos
contra a ação da polícia pelo lato de serem menores. Se forem
detidos num ato homossexual, serão tratados com o crianças ex­
ploradas, em bora de fato sejam eles os exploradores; a lei torna o
adulto culpado. Em segundo lugar, eles encaram os atos sexuais
em que se envolvem simplesmente com o um m eio de ganhar
dinheiro mais seguro e rápido que o roubo ou atividades seme­
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
lhantes. Em terceiro, os padrões de seu grupo de iguais, embora
permita a prostituição homossexual, tolera-a apenas com o uma
atividade, proibindo os menores de obter qualquer prazer especial
com ela ou de favorecer qualquer expressão de carinho por parte
do adulto com que eles têm relações. Infrações dessas regras, ou
outros desvios em relação à atividade heterossexual normal, são
severamente punidas pelos companheiros do menino.
A prisão pode não levar ao desvio crescente se a situação na qual
o indivíduo é detido pela primeira vez ocorrer num momento em
que ainda lhe é possível escolher entre linhas alternativas de ação.
Confrontado pela primeira vez com as possíveis conseqüências
finais e drásticas'do que está fazendo, talvez decida que não quer
tomar o caminho desviante, e volte atrás. Se fizer a escolha certa,
será bem recebido na comunidade convenciona!; mas se der o passo
errado, será rejeitado e iniciará um ciclo progressivo de desvio.
Ray m ostrou, no caso de viciados em drogas, como pode ser
difícil reverter um ciclo desviante.'* Ele salienta que us viciados
freqüentemente tentam se curar, e que a motivação subjacente a
essas tentativas é um esforço para mostrar a não drogados cujas
opiniões respeitam que não são realmente tão maus quanto se
pensa. Q u an d ) conseguem se livrar de seu hábito, descobrem, para
sua consternação, que as pessoas continuam a tratá-los como se
fossem drogados (com base, aparentemente, na premissa de que
"um a vez drogado, sempre drogado”).
Um passo final na carreira de um desviante é o ingresso num
grupo desviante organizado. Quando uma pessoa faz um movi­
m ento definido para entrar num grupo organizado — ou quando
percebe e aceita o fato de que iá o fez — , isso tem torte impacto
sobre sua concepção de si mesma. Certa vez uma viciada me contou
que o m om ento em que se sentiu realmente viciada foi aquele 110
qual percebeu que não tinha mais nenhum amigo que não fosse
viciado em drogas.
Membros de grupos desviantes organizados têm, claro, algo em
co n u m : o desvio. Ele lhes dá um sentimento de destino comum,
de estar no mesmo barco. A partir desse sentimento de destino
48
O utsiders
com um , da necessidade de enfrentar os mesmos problemas, de­
senvolve-se uma jultura desviante: um conjunto de perspectivas e
entendimentos sobre como é o mundo e como se deve lidar com
ele — e um conjunto de atividades rotineiras baseadas nessas
perspectivas. O pertencimento a um grupo desse tipo solidifica a
identidade desviante.
O ingresso num grupo organizado tem várias conseqüências
para a carreira do desviante. Antes de mais nada, os grupos desviantes tendem, mais que iiul;víduos desviantes, a racionalizar sua
posição. Num extremo, eles desenvolvem uma justificativa histórica,
legal e psicológica muito complicada para a atividade desviante. A
comunidade homossexual é um bom exemplo. Revistas e livros pu­
blicados por homossexuais para homossexuais incluem artigos sobre
homossexuais famosos na história. Contem artigos so b a a biologia e
a fisiologia do sexo, destinados a mostrar que a homossexualidade
é uma resposta sexual^normaP’. Incluem artigos jurídicos, rc:vindicando liberdades civis para os homossexuais.15Tomado em conjunto,
esse material fornece uma filosofia operacional parac homossexual,
explicando-lhe por que ele é como é, que outras pessoas também
foram assim, e por que está certo ser assim.
A m aior parte dos grupos desviantes tem uma fundamen­
tação autojustificadora (ou “ideologia”), em bora raramente tão
bem elaborada quanto a dos homossexuais. Ao mesm o t^mpo
que esses argumentos atuam, como foi mostrado anteriormente,
para neutralizar as atitudes convencionais que os desviantes ainda
podem encontrar em si mesmos cm relação a seu próprio com ­
portamento, desempenham também uma outra função. Fornecem
ao indivíduo razões que parecem sólidas para levar adiante a linha
de atividade que iniciou. Uma pessoa que aplaca suas próprias
dúvidas adotando a racionalização passará a apresentar um tipo de
desvio baseado em princípios e coerenie do que lhe seria possível
antes de adotá-la.
A segunda coisa que acontece quando alguém ingressa num
desses grupos é que aprende como levar adiante sua atividade des­
viante com um mínimo de contratempo. Todos os problemas que
Tipos de desvio: um modelo seqüencial
enfrenta para escapar da imposição da regra que está infringindo
foram enfrentados antes po ro u lios. Soluções foram encontradas.
Assim, o jovem ladrão encontra-se com ladrões mais velhos, mais
experientes, que lhe explicam com o se livrar de mercadoria rou­
bada sem correr o risco de ser apanhado. Cada grupo desviante
tem um grande repertório de conhecimento sobre assuntos desse
tipo, e o novo recruta o aprende rapidamente.
Assim, o desviante que ingressa num grupo desviante orga­
nizado e institucionalizado tem mais probabilidade que nunca
de continuar nesse caminho, Ele aprendeu, por um lado, como
evitar problemas; por outro, assimilou uma fundamentação para
continuar.
Outro fato merece atenção. As fundamentações dos grupos
desviantes tendem a conter um repúdio geral às regras morais da
convenção, às instituições convencionais e a todo o mundo con­
vencional. Examinaremos uma subeultura desviante adiante, ao
considerar o caso do músico de casa noturna.
49
3
Tornando-se um
usuário de maconha
Um núm ero desconhecido mas provavelmente muito grande de
pessoas nos Estados Unidos usa maconha. Elas fazem isso embora
fum ar maconha seja ao mesmo tempo ilegal e reprovado.
O fenôm eno do uso da maconha recebeu muita atenção» em
particular de psiquiatras e agentes da lei. A pesquisa feita — como
freqüentemente ocorre com pesquisas sobre comportamentos con ­
siderados desviantes — diz respeito sobretudo à questão: por que
fazem isso? Tentativas de explicar o uso da maconha apõiam-se com
firmeza na premissa de que a pre.sença de qualquer tipo particular
de com portam ento num indivíduo pode ser mais bem explicada
com o resultado de algum traço que o predispõe ou motiva a se
envolver nesse com portam ento. No caso do uso de maconha,
esse traço é de hábito identificado com o psicológico, com o uma
necessidade de devanear e fugir de problemas psicológicos que o
indivíduo não é capaz de enfrentar.1
Não me parece que essas teorias possam explicar adequada­
mente o uso de maconha. Esse uso é um caso interessante para as
teorias do desvio, porque ilustra a maneira como motivos desviantes
realmente se desenvolvem no curso da experiência com a atividade
desviante. Para reduzir uma argumentação complexa a poucas pa­
lavras: ao invés de os motivos desviantes levarem a comportamento
desviante, ocorre o contrário; o comportamento desviante acaba por
produzir a motivação desviante. impulsos e desejos vagos — neste
caso, provavelmente com maior freqüência, uma curiosidade acerca
do tipo de experiência que a droga induz — são transformados
em padrões definidos de ação por meio da interpretação social de
uma experiência física em si mesma ambígua. O uso de maconha é
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Outsiders
uma função da concepção que o indivíduo tem dela e dos usos a que
ela se presta, e essa concepção se desenvolve à medida que aumenta
a experiência do indivíduo com a droga.A pesquisa relatada neste capítulo e no seguinte diz respeito à
carreira do usuário de maconha. Neste, examinamos o desenvolvi­
mento da experiência física imediata do indivíduo com a maconha.
No próximo, consideramos o modo como ele reage ao:; vários con­
troles sociais que se desenvolveram em torno do emprego da droga.
O que tentamos compreender aqui é a seqüência de mudanças na
atitude e na experiência que leva ao iiso cie m aconha p o r prazer, Essa
maneira de formular o problema requer uma pequena explicação. A
maconha não produz adição, pelo menos não no mesmo sentido çm
que o álcool e as drogas opiáceas. O usuário não experimenta nenhu­
ma síndrome de abstinência e não exibe qualquer ânsia inextirpável
pela droga.-' O padrão mais freqüente de uso poderia ser denominado
“recreativo”. Lança-se mão da droga ocasionalmente pelo prazer que
o usuário encontra nela, um tipo de comportamento relativamente
casual em comparação com aquele associado ao uso de drogas que
geram dependência. O relatório do Comitê sobre Maconha da Pre­
feitura da Cidade de Nova Vbrk enfatiza esse aspecto:
Uma pessoa pode ser fumante confirmado por um período pro­
longado e abandonar a droga voluntariamente sem experimentar
ânsia fo r ela ou exibir sintomas de abstinência. Pode, em algum
momento posterior, retornar ao uso. Outros podem permanecer
usuários infrequentes do cigarro, lumando-o apenas uma ou duas
vezes por semana, 011 apenas quando 0 “contexto social" requer par­
ticipação. Ocasionalmente um de nossos investigadores associou-se
a um usuário de maconha. O investigador trazia â baila o assunto
do fumo. Isso levava invariavelmente à sugestão de que obtivessem
alguns cigarros de maconha. Procuravam um lugar onde maconhei­
ros costumavam se reunir* e, se ele estivesse fechado, o fumante e
' No original, iea-ptui A expressão é definida no próprio relatório iom o um quarto
ou apartamento em que pessoas se reúnem para fumar maconha. (N.T.)
Tornando-se um usuário de maconha
nosso investigador retomavam calmamente sua atividade anterior,
como a discussão da vida em geral ou um jogo de sinuca. Não havia
aparentemente qualquer sinal indicativo de frustração no fumante
por não ter podido satisfazer seu desejo da droga. Consideramos este
ponto extremamente significativo* uma vez que é em tudo contrário
à experiência de usuários de outros narcóticos. A ocorrência de uma
situação semelhante com um usuário de morfina, cocaína ou heroína
resultaria numa atitude compulsiva da parle do viciado em drogas
para obter a droga. Se não conseguisse obtê-la, haveria as óbvias ma­
nifestações físicas e mentais de frustração. Isso pode ser considerado
como uma presumível evidência de que não há verdadeira adição
no sentido médico associada ao uso de maconha.1
Ao usar a expressão “uso por prazer”, pretendo enfatizar o
caráter não compulsivo e casual do comportamento. (Pretendo
tam bém elim inar de consideração aqui aqueles poucos casos em
que a maconha é fumada unicamente por seu valor de prestígio,
como um sím bolo de certo tipo de pessoa, sem que absolutamente
nenhum prazer derive de seu uso.)
A pesquisa que estou prestes a relatar não foi planejada de
modo a constituir um teste decisivo das teorias que relacionam o
uso de maconha a algum traço psicológico do usuário. Ria mostra,
no entanto, que explicações psicológicas não são em si suficientes
para indicar a razão do uso de maconha e que talvez não sejam
m esmo necessárias. Pesquisas que tentam provar essas teorias
psicológicas depararam com duas grandes dificuldades, nunca
satisfatoriamente resolvidas, que a teoria aqui apresentada evita.
Em primeiro lugar, teorias baseadas na existência de algum traço
psicológico de predisposição têm dificuldade de explicar aquele
grupo de usuários que aparece em números bastante grandes em
todos os estudos5 e que não exibe o traço ou os traços considerados
causadores do comportamento. Em segundo, teorias psicológicas
encontram dificuldade de explicar a grande variabilidade do com ­
portam ento de um dado indivíduo com relação à droga ao longo
do tempo. A mesma pessoa que, num momento, é incapaz de usar a
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Outsiders
droga por prazer, num estágio posterior será capaz e estará desejosa
de fazê-lo, e, mais tarde ainda, se tornará <Xc novo incapaz de usá-la
dessa maneira. Tais mudanças, difíceis de explicar a partir de uma
teoria baleada nas necessidades de “fuga” do usuário, são facilmente
compreensíveis com o conseqüências de mudanças em sua concep­
ção da droga. De maneira semelhante, se pensarmos no usuário de
maconha com o alguém que aprendeu a vê-la com o algo que pode
lhe dar prazer, nào teremos dificuldade alguma em compreender
a existência de usuários psicologicamente “norm ais”.
Ao fazer o estudo, lancei mão do método da indução analítica.
Tentei chegar a uma formulação geral da seqüência de mudanças
na atitude e experiência individual que sempre ocorriam quando o
indivíduo tornava-se desejoso e capaz de usav maconha por prazer,
c nunca ocorria ou não en1 permanentemente mantida quando a
pessoa não estava disposta a usar maconha por prazer. O método
requer que todos os casos colhidos na pesquisa comprovem a hipó­
tese. Se for encontrado um caso que não a comprove, o pesquisador
é obrigado a alterar a hipótese paia que corresponda ao caso que
provou que sua idéia original estava errada/’
Para desenvolver e testar minha hipótese sobre a gênese do
uso de m aconha por prazer, realizei 50 entrevistas com usuários
da droga. Eu havia sido músico profissional de casa noturna
durante alguns anos quando fiz o estudo, e minhas prim eiras
entrevistas foram com pessoas que havia conhecido no meio
musical. Pedi-lhes que me pusessem em contato com outros
usuários que estivessem dispostos a discutir suas experiência.1
comigo. Colegas que trabalhavam num estudo de usuários de
drogas opiáceas colocaram à minha disposição algumas entre­
vistas que continham , além de material sobre drogas opiáceas,
material suficiente sobre o uso de maconha que fornecesse um
teste de minha hipótese.7 Embora, por fim, metade das 50 entre­
vistas tivessem sido feitas com m úsicos, a outra metade cobria
uma ampla variedade de pessoas, incluindo operários, mecânicos
e profissionais liberais. A am ostra, evidentem ente, não é de m a­
neira alguma “aleatória”; não seria possível obter um a am ostra
Tornando-se uni usuário de maconha
aieatória, uma vez que ninguém conhece a natureza do universo
do qual ela deveria ser extraída.
Ao entrevistar usuários, focalizei na história da experiência
da pessoa com a maconha, procurando mudanças importantes
em sua atitude com relação a ela e no seu uso efetivo, e as razões
dessas mudanças. Quando foi possível e apropriado, usei o jargão
do próprio usuário.
A teoria com eça com a pessoa que chegou a ponto de se dis­
por a experimentar maconha. (Discuto com o ela chegou a isso no
próxim o capítulo.) Ela sabe que ouiros usam maconha para “ter
um barato”, mas não sabe o que isso significa de maneira concreta.
Está curiosa com relação à experiência, ignorante do que ela pode
ser e temerosa de que possa ser mais do que espera. Os passos de­
lineados a seguir — se a pessoa passar por todos eles e mantiver as
atitudes neles desenvolvidas — a deixarão desejosa e apta a usar a
droga poi prazer quando a oportunidade se apresentar.
A p re n d e r a té c n ic a
O noviço em geral não fica no barato na primeira vez que fuma
maconha, c várias tentativas são necessárias para induzir esse es­
tado. Uma explicação para isso pode ser que a droga não é fumada
"da maneira apropriada”, isto é, de um modo que assegure dosagem
suficiente para produzir sintomas reais de embriaguez. A maioria
dos usuários concorda que ela não pode ser fumada com o tabaco
para que a pessoa fique no barato.
Inalar muito ar, sabe, e ,... não sei como descrever isso, você não
fuma maconha como um cigarro, você aspira muito ar e faz descer
bem fundo, em seu sistema, e depois segura ele ali. Tem de segurar
o ar ali o máximo de tempo possível.
Sem o uso de alguma técnica desse tipo, a droga não produzirá
qualquer efeito, e o usuário será incapaz de entrar no barato:8
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O problema com pessoas assim |que não são capazes de entrar no
baratoJ t apenas que não estão fumando direito, só isso. Ou não
ct.âo segurando tentpo suficiente, ou estão inalando ar demais, e
não a fumaça, ou o contrário, ou alguma coisa desse tipo. Muita
gente simplesmente não fuma maconha direito, então é claro que
nada vai acontecer.
Se nada acontece, é manifestamente impossível para o usuário
desenvolver uma concepção da droga como Lm’, objeto oue pode ser
consumido por prazer, e portanto o uso não continuará. O primeiro
passo na seqüência de eventos cjue deve ocorrer para que a pessoa
se torne usuária é que ela precisa aprender a empregar a técnica
adequada de fumar, de modo que seu uso da droga produza efeitos
em termos dos quais sua concepção sobre ela possa mudar.
Tal mudança é, como seria de esperar, resultado da participa­
ção do indivíduo em grupos nos quais a maconha e usada. Neles
o indivíduo aprende a maneira adequada de fumar a droga. Isso
pode ocorrer mediante ensinamento direto.
Eu estava filmando como se íosse um cigarro comum. Ele disse: “Não,
não faça assim, falou: Sugue, sabe, inale e segure nos pulmões ale
você... por um período de tempo.”
Perguntei: “Há algum limite de tempo para segurar?”
Ele disse: Não, .só até »'ocê sentir que quer soltar, soltar.” Então
eu fiz isso umas três ou quatro xeszs.
Muitos novos usuários tem vergonha de adm itir ignorância
e, fingindo já saber, devem aprender por meios mais indiretos de
observação e imitação:
Cheguei como se já tivesse dado um tapa [fumado maconha|
muitas vezes antes, sabe. Não queria parecer principiante. Sabe,
como se não soubesse coisa nenhuma sobre isso — como fumar,
ou o que ia acontecer, ou o quê. Fiquei só observando o cara como
um falcão
não desgrudei os olhos dele um segundo, porque
Tomando-se um usuário de maconha
queria fazer tudo exatamente como ele. Observei como segurava,
como fumava, e tudo. Depois, quando ele me passou o baseado,
eu simplesmente fumei tranqüilo, como se soubesse exatamente
da coisa. Segurei como ele tinha segurado e dei uma puxada exa­
tamente como ele tinha feito.
Ninguém que entrevistei continuou a usar m aconha por
prazer sem aprender uma técnica que fornecesse uma dosagem
suficiente para que os efeitos da droga se manifestassem. Somente
quando isso era aprendido tornava-se possível a emergência de
uma concepção da droga como um objeto que podia ser usado
por prazer. Sem tal .concepção, o uso da maconha era considerado
sem sentido e não prosseguia.
A prend er a p e rce b e r os e fe ito s
Mesmo depois que aprende a técnica adequada de fumar, o novo
usuário pode não ter um barato e não formar uma concepção da
droga com o algo que pode ser usado por prazer. Um comentário
feito por um usuário sugeriu a razão dessa dificuldade para ter um
barato e indicou o passo seguinte no caminho que leva alguém a
se tornar usuário:
Na verdade, vi um car.t que estava no maior barato e não sabia disso.
[Como assim, cara?)
Bom, é muito estranho, eu reconheço, mas eu vi. O sujeito ficou
meu amigo, e afirmava que nunca tinha ficado no barato, um desses
caras, e ele ficou completamente doidão. E cont inuava insistindo que
não estava no barato. Assim, tive de provar para ele que estava.
Que significa isso? Sugere que ter um barato consiste em dois
elementos: a presença de sintomas causados pelo uso da maconha
e o reconhecimento desses sintomas e sua vinculaçao, pelo usuário,
com o uso da droga. Isto é, não basta que os efeitos estejam presen­
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Outsiders
tes; p o r si s ó s , e le s n ã o f o rn e c e m a u to m a ti c a m e n te a e x p e riê n c ia d e
e s ta r n ri b a ra to . A n te s d e te r e ssa e x p e riê n c ia , o u s u á r io p r e c is a s e r
c a p a z d e m o s t r á - l o s p a ra si m e s m o e a s s o c iá -lo s c o n s c ie n te m e n te
a o fato d e te r f u m a d o m a c o n h a . L»e o u t r a m a n e ira , q u a is q u e r q u e
•sejam os e fe ito s re a is p r o d u z id o s , ele c o n s id e r a q u e a d r o g a n ã o
tev e e fe ito a lg u m s o b re ele. “A chei q u e ela n ã o t in h a n e n h u m e fe ito
s o b re m im o u q u e o s o u t r o s e s ta v a m e x a g e r a n d o o e fe ito s o b re
eles, e n te n d e ? A c h e i q u e p io v a v e lm c n te e r a p sic o ló g ic o , sab e.” lissus
p e s so a s p e n s a m q u e a c o is a to d a é u m a ilu s ã o e q u e o d e s e jo d e
e n t r a r n u m b a r a t o leva o u s u á r io a s e e n g a n a r , a c r e d i ta n d o q u e
a lg u m a c o is a e stá a c o n te c e n d o q u a n d o d e fa to n ã o e s tá . E las n ã o
c o n ti n u a m u s a n d o m a c o n h a , s e n ti n d o q u e a d r o g a “ n ã o faz n a d a
p a ra elas.
D e m o d o típ ic o , p o r é m , o n o v iç o t e m fé (d e s e n v o lv id a a p a r t i r
d e s u a o b s e rv a ç ã o d e u s u á n o s q u e d e fa to t ê m b a r a to ) d e q u e a
d ro g a r e a lm e n te p r o d u z i r á a lg u m a e x p e riê n c ia n o v a , e c o n tin u a
a e x p e riê n c ia a té q u e ela o faça. Seu m a lo g r o e m te r u m b a r a t o o
p re o c u p a , e e p ro v á v e l q u e ele i n te r r o g u e u s u á rio s m a is e x p e rie n te s
o u p r o v o q u e c o m e n t á r i o s s o b re isso. N e ssa s c o n v e rs a s , e le s e d á
c o n ta d e d e ta l h e s e sp ec ífic o s d e s u a e x p e riê n c ia q u e ta lv e z n a o
tiv e sse n o t a d o , o u q u e talvez, tiv e sse, m a s n ã o id e n tific a r a c o m o
s in to m a s d o b a ra to .
Não fiquei n o b a ra to n a p n m eir.i w / . ... Acho que n ão segurei a co.sa
tem po suficiente. Provavelmente-soltei, sabe,a gente fica com um p o u ­
co de m edo. N a segunda vez eu n ão tive certeza, e ele [um com panheiro
de fum o) m e disse, q u a n d o lh e p erguntei sobre alguns d os sintom as,
e coisa e tal, c o m o eu podia ficar sabendo, você s a b e .... Então ele me
disse para se n ta r nu m tam borete. Eu sentei — acho que sentei n u m
tam borete de b a r — , e ele disse: “Deixe os pés p e n d u ra d o s”, e depois,
qu an d o desci, rneus pés estavam m u ito frios, sabe.
E com ecei a sen tir a coisa, saca. Aquela foi a p rim e ira vez. D epois,
cerca d e um a sem an a r r ais tard e , m ais o u m en o s p o r aí, eu realm ente
consegui. Essa foi a p rim e ira vez q u e tive u m g ran d e a ta q u e de riso,
sabe c o m o é. Então soube q u e rea lm e n te estava n o barato.
Tornando-se um usuário de maconha
U m d o s s in to m a s d e e s ta r n o b a r a t o é s e n tir u m a f o m e in te n s a .
N o c a so s e g u in te , o n o v iç o se d á c o n ta d iss o c e n tr a n o b a r a t o p e la
p r im e ir a vez:
Eles só m o rria m de rir d e m im p o rq u e eu estava co m e n d o tanto.
Eu só m andava para d e n tro |devoravaJ u m m o n te d e co m id a, e
eles ficavam só rin d o de m im , .sacou? De vez em q u a n d o eu olhava
p a ra eles, p e n san d o p o r q ue estai iam rin d o , en te n d e , sem saber o
que eu estava fazendo. (Bom , m as eles não acab aram lhe co n ta n d o
p o r q u e estavam rindo?j Sim. sim , eu re p e tia :11Ei, cara, o q u e esta
acontecendo?” Você sabe, eu perguntava: “O q u e está acontecendo?’',
e de repente çu m e senti esquisito, sabe. “C ara, você esta no m aio r
b arato, sabia? Você está rtoidào.” Eu respondi: “ N ão esto u m esm o?”
C o m o se eu não soubesse o q ue estava acontecendo.
O a p r e n d iz a d o p o d e o c o r r e r d e m a n e ira s m a is in d ir e ta s :
Eu ouvia peq u en o s co m en tário s feitos p o r o u tra s pessoas. A lguém
dizia: “M inhas pernas estão parecendo de b o rra c h a ”, e não posso
m e lem b rar de todos o s co m en tário s q u e eram leitos p o rq u e eslava
m u ito aten to , o u v in d o todas aquelas dicas so b re c o m o eu devia
m e sentir.
O n o v iç o , e n tã o , a n s io s o p o r t e r e s sa s e n s a ç ã o , a p r e n d e c o m
o s o u t r o s u s u á r i o s a lg u n s r e f e r e n te s c o n c r e to s d o t e r m o “ b a ­
r a t o ” e a p lic a e s sa s n o ç õ e s à s u a p r ó p r i a e x p e r iê n c ia . O s n o v o s
c o n c e i t o s t o r n a m p o s s ív e l p a r a e le lo c a liz a r e sse s s in t o m a s e n tr e
s u a s p r ó p r i a s s e n s a ç õ e s e i n d ic a r p a r a si m e s m o “a lg o d if e r e n te ”
e m s u a e x p e r iê n c ia q u e a s so c ia c o m o u s o cia d r o g a . É s o m e n t e
q u a n d o p o d e fa z e r is s o q u e e n t r a n o b a r a to . N o c a s o a s e g u ir, o
c o n tr a s te e n t r e d u a s e x p e riê n c ia s s u c e s s iv a s d e u m u s u á r i o d e ix a
c la r a a i m p o r t â n c i a c r u c ia l d a c o n s c iê n c ia d o s s in t o m a s p a r a se
o b t e r u m b a r a t o e r e e n f a tiz a o i m p o r t a n t e p a p e l d a i n te r a ç ã o
c o m o u t r o s u s u á r i o s n a a q u is iç ã o d o s c o n c e ito s q u e t o r n a m essa
c o n s c i ê n c ia p o s s ív e l:
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Outsiders
[Você ficou n o b a ra to a prim eira vez que fumou?J Fiquei, com certeza.
Se bem que, p e n san d o m elhor, ach o que não. isto é, d aq u ela prim eira
vez foi m ais o u m e n o s co m o u m p o rre leve. Fiquei feliz, acho, você
sabe o q ue eu q u e ro dizer, M as eu realm ente n ão sabia q u e estava n u m
barato, entende. Foi só d epois d a segunda vez q u e e n tre , n u m b arato
que m e dei co n ta d e q u e fiquei n o b a ra to na p rim eira vez. Untão eu
soube que a lgum a coisa d iferen te estava aco ntecendo.
(C om o soube?] C o m o soube? Se •>q u e aconteceu com igo aquel.'no ite acontecesse co m você, você ia saber, acredite. T ocam os a p r i­
m eira m úsica p o r q u ase d u as h o ras — u m a m úsica! Im agine, cara!
Subim os no e s tra d o e to cam o s essa única m úsica, co m eçam o s às
9h. Q u a n d o a c ab a m o s, olhei m eu relógio, e ra m 10h43. Q uase d uas
ho ras n u m a m ú sic a só. E não pareceu n ad a d e m ais.
Q u e ro dizer, você sabe, ela fa/ isso com a gente. H c o m o se vocé
tivesse m u ito m ais tem p o , u m a coisa assim . De q u a lq u e r m an eira,
q u a n d o \,u vi isso, c a ra , foi dem ais. F.u sabia q u e devia realm ente
esta r n o b a ra to se u m a coisa dessas p o d ia acontecer. F n tã o eles m e
explicaram q u e era isso que ela fa/ia com a gente, você tin h a u m a
percepção d ife re n te d o ttm p o e de tu d o . União m e d ei conta d e que
era assim q ue a coisa fu n cionava. L a tão eu saquei. Na prim eira vez.
provavelm ente e u m e senti d aq u ele ieito, m as n ã o sabia o q u e estava
a contecendo.
F. s o m e n te q u a n d o s e t o r n a c a p a z d e te r u m b a r a t o n e s se
s e n ti d o q u e o p r i n c i p i a n t e c o n ti n u a a u s a r m a c o n h a p o r p r a z e r .
F.m I o d o s o s c a s o s n o s q u a is o u s o p r o s s e g u i u , o u s u á r i o h a v ia
a d q u ir i d o o s c o n c e i t o s n e c e s s á r io s c o m q u e e x p r e s s a r p a r a si
m e s m o o fa to d e q u e e x p e r i m e n t a v a n o v a s s e n s a ç õ e s c a u s a d a s
p e la d r o g a . Is to é , p a r a q u e o u s o c o n t i n u e , é n e c e s s á r io n ã o
a p e n a s u s a r a d r o g a d e m o d o q u e p r o d u z a e fe ito s , m a s t a m b é m
a p r e n d e r a p e r c e b e r e sse s e fe ito s q u a n d o e le s o c o r r e m . D e ssa
m a n e i r a , a m a c o n h a a d q u ir e s e n ti d o p a r a o u s u á r i o c o m o u m
o b je to d e q u e se p o d e la n ç a r m ã o p o r p raz e r.
C o m a c re s c e n te e x p e riê n c ia , o u s u á r io d e s e n v o lv e u m a m a io r
p e rc e p ç ã o d o s e fe ito s d a d r o g a ; c o n ti n u a a p r e n d e n d o a t e r u m b a ­
Tornando-se um usuário de maconha
r a to . E le e x a m in a a te n ta m e n te su c essiv as e x p e riê n c ia s , p r o c u r a n d o
n o v o s e fe ito s , c e rtif ic a n d o - s e d e q u e o s a n tig o s c o n ti n u a m p r e s e n ­
tes. A p a r t i r d iss o , d e s e n v o lv e -s e u m c o n ju n t o e stá v e l d e c a te g o ria s
p a r a a e x p e r im e n ta ç ã o d o s e fe ito s dn d r o g a c u ja p r e s e n ç a p e rm ite
a o u s u á r io t e r u m b a r a t o c o m fa c ilid a d e .
À m e d id a q u e a d q u ir e m e sse cc n j u n to d e c a te g o r ia s , o s u s u á ­
r io s s e t o r n a m connaisseurs. C o m o e s p e c ia lis ta s e m v in h o s fin o s,
s ã o c a p a /e s d e e s p e c ific a r o n d e u m a p la n ta p a r t i c u l a r fo i c u ltiv a d a
e e m q u e é p o c a d o a n o foi c o lh id a . E m b o r a g e r a lm e n te n ã o seja
p o s s ív e l s a b e r s e e ssa s a tr ib u iç õ e s s ã o c o rr e ta s , é v e rd a d e q u e eles
d i s t in g u e m e n tr e lo te s d e m a c o n h a , n ã o s o m e n t e s e g u n d o a p o ­
tê n c ia , m a s ta m b é m c o m re la ç ã o a o s d ife r e n te s tip o s d e s in to m a
p r o d u z id o s .
A c a p a c id a d e d e p e rc e b e r o s e fe ito s d a d r o g a d e v e s e r m a n tid a
p a ra q u e o u s o c o n tin u e ; se to r p e r d id a , o u s o d e m a c o n h a cessa.
D o is tip o s d e e v id ê n c ia s u s te n ta m e ssa a fir m a ç ã o . P r im e ir o , p e s­
s o a s q u e se t o r n a m u s u á rio s in v e te ra d o s d e á lc o o l, b a r b itú r ic o s
o u d r o g a s o p iá c e a s n ã o c o n ti n u a m a f u m a r m a c o n h a , e m g r a n d e
p a r te p o r q u e p e rd e m a c a p a c id a d e d e d i s t in g u i r e n tr e s e u s e fe ito s
e o s d a s o u t r a s d ro g as.* E las n ã o s a b e m m a is s e a m a c o n h a lh es
d á b a ra to . S e g u n d o , n a q u e le s p o u c o s c a so s e m q u e u m in d iv íd u o
u s a m a c o n h a e m q u a n ti d a d e s ta is q u e e s tá s e m p r e 110 b a ra to , ele
t e n d e a s e n ti r q u e a d ro g a n ã o faz e fe ito s o b re e le , v isto q u e falta o
e le m e n to e s se n c ia l d e u m a d ife r e n ç a p e rc e p tív e l e n tr e s e n tir- s e n o
b a r a t o e s e n tir - s e n o r m a l. N essa s itu a ç ã o , o u s o te n d e a s e r a b a n ­
d o n a d o p o r c o m p le to , m a s d e f o rm a t e m p o r á r ia , d e m o d o q u e o
u s u á r i o p o s s a n o v a m e n te s e r c a p a z d e p e rc e b e r a d ife re n ç a .
Aprender a gostar dos efeitos
M a is u m p a s s o é n e c e s s á r io p a ra q u e o u s u á r io q u e j á a p r e n d e u a
te r u m b a r a t o c o n tin u e a u s a r m a c o n h a . E le d e v e a p r e n d e r a g o s ta r
d o s e fe ito s q u e a c a b a d e a p r e n d e r a e x p e rim e n ta r. As s e n sa ç õ e s
p r o d u z id a s p e la m a c o n h a n ã o s ã o a u to m á tic a o u n e c e s s a r ia m e n te
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62
O utsicitiih
a g ra d á v e is . O g o s to p o r la l e x p e riê n c ia é s o c ia lm e n te a d q u ir i d o , d e
g ê n e r o n ã o d ife r e n te d o g o s to a d q u ir i d o p o r o s tr a s o u J r y m a r tín i.
O u s u á r i o s e n te - s e t o n to , s e d e n to ; s e u c o u r o c a b e lu d o f o rm ig a ; e la v a lia m a l o t e m p o e a s d is ta n c ia s , h ssa s c o is a s s ã o a iira d á v e is? M e
n ã o te m c e rte z a . P a r a q u e c o n ti n u e a u s a r m a c o n h a , d e v e c o n c lu ir
q u e sâ o . D e o u t r a m a n e i r a , te r u m b a ra to , a in d a q u e s e ja u m a
e x p e riê n c ia b a s ta n te r e a ', s e rá u m a e x p e riê n c ia d e s a g r a d á v e l q r.e
e le p r e f e r ir ia e v ita r.
O s e fe ito s d a d r o g a , q u a n d o p e rc e b id o s p e la p r im e ir a v e /,
p o d e m s e r fis ic a m e n te d e s a g r a d á v e is o u p e lo m e n o s a m b íg u o s :
C om ecei a se n tir o efeito e n ão sabia o q u e estava a co n tecen d o ,
sacou? O q ue era aquilo? F. fuiuei m u ito enjoado. A ndei pela sala,
fiquei a n d a n d o pela sala te n ta n d o nie livrar; d e início a q u ilo m e
d e ix o u ap e .ia s a ssu sta d o , sabe. I u n ão eslava a c o stu m a d o com
aquele tipo de sensação.
A lé m disso» a i n te r p r e t a ç ã o in g ê n u a q u e o n o v iç o d á p a ra
o q u e e s tá a c o n te c e n d o p u d e c o n íu n d i - lo e a m e d r o n tá - lo J n d u
m a is , e m p a r t i c u l a r se e le c o n c lu i, c o m o m u it o s fa z e m , q u e e stá
f ic a n d o lo u c o :
Achei que estava lo u co , sabe. T udo q u e as pessoas m e faziam só m e
alvoroçava. N ão c o nseguia m an te r urna conversa, m in h a cabeça d i­
vagava, e eu ficava p e n san d o sem parar, ah , n ã o sei, coisas estran n as,
c o m o ou v ir m úsica d ife r e n te .... Fico co m a sensação d e q u e não
posso falar c o m n in g u ém . V ou v ira r u m c o m p le to m ané.
D a d a s essas p r im e ir a s e x p e riê n c ia s tip ic a m e n te a s s u s ta d o ra :, e
d e s a g r a d á v e is , o i n ic ia n te n ã o d a r á c o n ti n u i d a d e a o u s o , a m e n o s
q u e a p r e n d a a r e d e f in ir as s e n sa ç õ e s c o m o a g ra d á v e is :
O fereceram o b a g u lh o p a ra m im e eu ex p erim en tei. Vou lhe dizei
u m a coisa. Jam ais gostei disso, d e jeito n e n h u m . Isto é, n ão e ra u m a
coisa d e q ue eu p u d esse gostar. 1Bom , você ficava n o b a ra to q u a n d o
Tornando-se um usuário de maconha
fum ava?] Ah, ficava, eu tin h a sensações m u ilo claras. M as n ã o gos­
tava delas. Q u e r dizer, eu tin h a um a p o rção d e reações, m as eram
so b re tu d o reações de m edo. [Você ficava am ed ro n tad o ?] Ficava. Eu
n ã o gostava daquilo. N ão tin h a a im pressão d e relaxar c om aquilo,
você sabe. Se você não consegue relaxar com u m a coisa, você não
consegue g ostar dela, acho q u e não.
E m o u t r o s c a so s , as p r im e ir a s e x p e riê n c ia s f o ra m ta m b é m
c la r a m e n te d e s a g ra d á v e is , m a s a p e s so a t o r n o u - s e u s u á r ia d e m a ­
c o n h a . I ss o s ó a c o n te c e u , n o e n ta n t o , d e p o is q u e u m a e x p e riê n c ia
p o s te r io r lh e p e r m i ti u r e d e f in ir as s e n sa ç õ e s c o m o a g ra d á v e is .
[A p rim e ira experiência deste h o m em foi ex tre m a m e n te desag ra­
dável, envolvendo distorção de relações espaciais e son o ras, sede
violenta e pânico pro d u zid o p o r esses sintom as. 11)epois da prim eira
vez, eu d iria q ue n ão fum ei d u ra n te cerca d e d ez m eses a u m ano.
... N ão era um a coisa m oral; era p o rq u e eu lin h a ficado assustado
c om u m b arato tão g rande. E n ão q ueria p assar p o r a q u ilo de novo,
isto ê, m in h a reação era: “ Bom , se é isso que eles cham am d e barato,
n ã o c u rto isso.” ... P or isso n ão fum ei d u ra n te q uase u m ano, p o r
causa d iss o ....
M eus am igos co m eçaram , e con seq ü e n te m e n te eu com ecei de
novo. M as não tive m ais, n ão tive aquela m esm a reação inicial depois
q u e com ecei a fum ar de novo.
[Em interação com seus am igos, ele se lo rn o u capaz d e e n ­
c o n tra r prazer nos efeitos da droga e fin alm en te to rn o u -se u su ário
regular. ]
E m n e n h u m c a s o o u s o c o n ti n u a s e m u m a r e d e fin iç ã o d o s
e fe ito s c o m o a g ra d á v e is .
E ssa re d e f in iç ã o o c o rr e tip ic a m e n te e m in te r a ç ã o c o m u s u á ­
r io s m a is e x p e rie n te s q u e , d e d iv e rs a s m a n e ir a s , e n s in a m o n o v iç o
a e n c o n t r a r p r a z e r n e s sa e x p e riê n c ia a p r in c í p io tã o a s s u s ta d o r a .,u
P o d e m tra n q ü i li z á - l o q u a n to a o c a r á te r t e m p o r á r i o d a s s e n sa ç õ e s
d e s a g r a d á v e is e m in i m i z a r s u a g r a v id a d e , c h a m a n d o a te n ç ã o a o
64
Outsiders
m e s m o t e m p o p a r a o s a s p e c to s m a is p r a z e r o s o s . U m u s u á r io
e x p e r ie n te d e s c re v e c o m o lid a c o m r e c é m - c h e g a d o s a o u s o d e
m aconha:
Bom , às vezes eles e n tra m n u m g rande barato. A pessoa co m u m nâo
está preparada pa ra isso, e é u m pouco a m e d ro n ta d o r par.* eles, às
vezes. Isto é, eles já ficaram de p o rre, e n tram n u m Ixirato m ais forte
que q u alquer coisa q u e c o n su m iram .íiiles c uao sabem o que esla
acontecendo co m eles. Porque pensam q u e o b a ra to vai co n tin u ar
aum entando, a um en tan d o , ité que eles percam a c .tbeça o u com ecem a
agir de m aneira esquisita, essas coisas. Você tem m eio q u e tranqüilizar
eles, explicar q ue não estão realm ente ficando m alucos nem nada, que
vão hc a r bem . Você tem d e convencer a não ter m edo. Picar falando
com eles, tranqüilizan d o , dizendo que está tu d o b em . K c o n ta r sua
p ró p ria h istória, vocé sabe: “A m esm a coisa a conteceu comigo. Você
vai passar a gostar disso depois d e um tem p o " C o n tin u a r falando desse
jeito; logo a gente consegue fazer eles deixarem d e ficar apavorados.
Além disso, eles vêem a gente fazendo isso, e nad a d e horrível está
acontecendo com a gente, e isso lhes d á m ais confiança.
O u s u á r i o m a is e x p e r ie n te p o d e ta m b é m e n s in a r o n o v iç o a
r e g u la r a q u a n ti d a d e c o m m a i o r c u id a d o , cie m o d o a e v ita r q u a l­
q u e r s in t o m a s e v e r a m e n te d e s c o n fo rtá v e l, c o n s e r v a n d o a o m e ^ m o
t e m p o o s a g ra d á v e is . F in a lm e n te , e n s in a a o n o v o u s u á r i o q u e ele
p o d e “p a s s a r a g o s ta r d is s o d e p o is d e u m t e m p o ”. E is i n a - l h e a
c o n s id e r a r a g ra d á v e is e ssa s e x p e riê n c ia s a m b íg u a s a n te s d e fin id a s
c o m o d e s a g ra d á v e is . O u s u á r io m a is a n tig o n o in c id e n te a s e g u ir é
u m a p e s s o a c u jo s g o s lo s m u d a r a m d e s sa m a n e ir a , e s e u s c o m e n ­
t á r io s t ê m o e fe ito d e a ju d a r o s o u t r o s a fa z e r u m a re d e f in iç ã o
s e m e lh a n te :
U m a nova u su á ria leve sua p rim e ira ex p e riê n cia d o s efeito s da
m ac o n h a e ficou a m e d ro n ta d a e histérica. Ela “teve a im pressão de
q ue estava m eio d e n tro e m eio fora da sala” e e x p e rim e n to u vários
sin to m a s físicos a larm an tes. U m d o s u su ário s m ais experientes q u e
Torrando-se um usuário de maconha
estava lá c o m e n to u : “Ela está chateada p o r estar n u m b a ra to desses.
Eu d aria tu d o p ara e n tra r n u m b a ra to igual. Faz a n o s q u e n ão ten h o
um desses.”
E m s u m a , o q u e a n te s fo i a m e d r o n ta d o r e d e s a g ra d á v e l t o rn a se, d e p o is q u e u m g o s to p ela m a c o n h a é d e s e n v o lv id o , p ra z e ro s o ,
d e s e ja d o e p r o c u r a d o . O p r a z e r e in tr o d u z id o p e la d e fin iç ã o fa v o ­
rável d a e x p e riê n c ia q u e u m a p e s so a a d q u ir e d e o u tr a s . S e m isso, o
u s o n ã o p ro s s e g u irá , p o r q u e a m a c o n h a n ã o s e rá , p a ra o u s u á rio ,
u m o b je to d e q u e ele p o d e la n ç a r m ã o p o r p r a /e r .
A lé m d e s e r u m p a s so n e c e s s á rio p a ra q u e a lg u é m se t o r n e u m
u s u á rio , isso re p r e s e n ta u m a i m p o r ta n t e c o n d iç ã o p a r a a u tiliz a ç ã o
c o n s ta n te . É m u ito c o m u m q u e o s e x p e rie n te s t e n h a m s u b ita m e n te
u m a v iv ê n c ia d e s a g ra d á v e l o u a s s u s ta d o ra , q u e n ã o p o d e m d e fin ir
c o m o p r a z e r o s a , s e ja p o r q u e c o n s u m i r a m u m a q u a n ti d a d e m a io r
d e m a c o n h a d o q u e a h a b itu a l, seja p o r q u e a m a c o n h a q u e u s a ra m
•se rev e la d e q u a lid a d e m a is p o te n te d o q u e e s p e r a v a m . O u s u á rio
te m s e n s a ç õ e s q u e v ã o a lé m d e q u a lq u e r c o n c e p ç ã o q u e te m d o
q u e é fic a r n o b a r a t o e v ê -se n u m a s itu a ç ã o m u it o s e m e lh a n te
á d o n o v iç o , in q u ie t o e a s s u s ta d o . P o d e p ô r a c u lp a n u m a d o s e
e x c essiv a, o u s im p le s m e n te s e r m a is c u id a d o s o n o f u tu r o . M a s
ta lv e z faça d is s o u m a o c a s iã o p a ra r e p e n s a r s u a a ti t u d e e m r e la ç ã o
à d r o g a e d e c id ir q u e ela n ã o p o d e m a is lh e d a r p ra z e r. Q u a n d o
iss o o c o r r e , e n ã o é s e g u id o p o r u m a re d e f in iç ã o d a d r o g a c o m o
c a p a z d e p r o d u z i r p ra z e r, o u s o c e ssa rá .
A p r o b a b i l id a d e d e q u e ta l r e d e f in iç ã o o c o r r a d e p e n d e d o
g r a u d a i n te r a ç ã o d o i n d iv íd u o c o m o u t r o s u s u á rio s . Q u a n d o e ssa
i n te r a ç ã o é i n te n s a , o in d iv íd u o é r a p id a m e n te d e m o v id o d e se u
s e n ti m e n t o c o n tr a o u s o d e m a c o n h a , N o c a so a s e g u ir, p o r o u t r o
la d o , a e x p e riê n c ia fo i m u it o p e r t u r b a d o r a , e a s c o n s e q ü ê n c ia s d o
i n c i d e n te r e d u z i r a m a i n te r a ç ã o d a p e s s o a c o m o u t r o s u s u á r io s
a q u a s e z e ro . O u s o fo i i n te r r o m p id o p o r tr ê s a n o s e só r e c o m e ­
ç o u q u a n d o u m a c o m b in a ç ã o d e c ir c u n s tâ n c ia s , p r in c ip a lm e n te
a r e t o m a d a d e re la ç õ e s c o m o u t r o s u s u á rio s , t o r n o u p o ssív e l u m a
r e d e f in iç ã o d a n a tu r e z a d a d ro g a :
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Outsiders
Fui d em ais, eu tin h a d ad o só u m as q u a tro tragadas e n ão conseguia
n e m tir a r a q u ilo d a b o c a , tão g ra n d e e ra o m e u b a ra to , e fiquei
realm ente m aluco. N o p o rão, saca, eu não consegui m ais ficar lá. M eu
coração b atia m u ito forte, eu estava ficando fo ra de m im ; pensei que
estava p e rd e n d o a cabeça p o r com p leto . F.ntão fui e m b o ra depres,.a
daquele p orão, e u m o u íro sujeito, u m cara fora de si, m e disse: “N ã '\
n ã o m e deixe, cara. F ique aqui.” E não consegui.
Saí c a m in h a n d o , estava cin co abaixo d e zero, eu pensei que
ia m o rre r e a b ri o so b re tu d o ; estava su a n d o , estava tra n sp ira n d o .
M in h a s e n tr a n h a s estavam t o d a s ,... e cam in h ei u n s do i q u a rte i­
rões e d esm aiei atrá s d e u m arb u sto . N ão sei q u a n to tem p o fiquei
d e ita d o ali. A cordei c estava m e se n tin d o p io r, não posso d escrever
a quilo de jeito n e n h u m , e n tã o fui p a ra u m a pista d e b oliche, cara,
e ten te i agir n o rm a lm e n te , fui te n ta r jo g ar sin u ca, saca, ten tei agir
n o rm a lm e n te , e n ão co n seg u ia Hcar deitad o , n ão conseguia ficar
d e pé, n ão co n seg u ia ficar sen tad o . Subi e m e deitei o n d e alguns
c aras q ue m a rc a m os p in o s se d e ita m , e a q u ilo n ã o m e a ju d o u , e
fui p a ra o c o n s u ltó rio d e u m m édico. Ia e n tr a r lá e d izer ao m éd ico
q u e m e tirasse d o m eu to r m e n to ,... p o rq u e m eu co ração b atia tão
forte, vocé s a b e . ... E n tão , depoi.s, to d o fim d e se m a n a e u com eçava
a ficar m alu c o , v en d o coisas ali e s o fre n d o o d iab o , sabe, to d o f p o
de coisas a n o rm a is .... Eu realm en te a b a n d o n ei p o r u m longo tem p o
n a q u e la época.
(Ele foi a u m m éd ico q u e d efin iu seus sin to m a s c o m o os de um
colapso c a u sa d o p o r "n erv o sism o ” e “an sied ad e”. E m b o ra n ã o esti­
vesse m ais u sa n d o m aco n h a, teve algum as recorrências dos sintom as
que o levaram a su sp eitar q u e “eram só os seus n erv o s”. 1 Então parei
de m e p reo c u p a r, sabe; foi m ais o u m en o s u n s 36 m eses m ais tard e
que c o m e te i d ? novo. Éu só dava u ns tap in h a s, sabe? [Ele reto m o u
o ritm o de u s o inicial n a c o m p a n h ia d o m esm o u s u á rio -a m ig o com
q u em estivera envolvido n o in cid e n te original.)
U m a p e s so a , p o r ta n to , n ã o p o d e c o m e ç a r a u s a r m a c o n h a
p o r p ra z e r, o u c o n t i n u a r s e u u s o p o r p ra z e r , a m e n o s q u e a p r e n d a
a d e f i n i r s e u s e f e i to s c o m o a g ra d á v e is , a n i e n o s q u e a m a c o n h a
Tornando-se um usuário de maconha
s e t o r n e e c o n ti n u e a s e r u m obj-*to q u e e la c o n s id e r e c a p a z d e
p r o d u z ir p raz e r.
E m r e s u m o , u m i n d iv íd u o s ó se rá c a p a / d e f u m a r m a c o n h a
p o r p r a z e r q u a n d o a tra v e s s a u m p r o c e s s o d e a p r e n d iz a g e m p a r a
c o n c e b ê - la c o m o u m o b je to q u e p o d e s e r u s a d o d e s sa m a n e ira .
N i n g u é m se t o r n a u s u á r i o s e m ( ! ) a p r e n d e r a f u m a r a d r o g a d e
u m a m a n e i r a q u e p r o d u z a e fe ito s íe a is ; (2 ) a p r e n d e r a r e c o n h e ­
c e r o s e fe ito s e a s so c iá -lo s a o u s o d a d r o g a ( a p r e n d e r , e m o u t r a s
p a la v r a s , a te r u m b a r a to ) ; e (3 ) a p r e n d e r a g o s ta r d a s s e n sa ç õ e s
q u e p e rc e b e . N o c u rs o d e s se p ro c e s s o , o s u je ito d e s e n v o lv e u m a
d is p o s iç ã o o u m o tiv a ç ã o p a r a u s a r m a c o n h a q u e n ã o e sta v a e n ã o
p o d e r i a e s ta r p r e s e n te q u a n d o c o m e ç o u , p o is e n v o lv e c o n c e p ç õ e s
d a d r o g a q u e s ó se ri? p o ssível f o r m a r a p a rt ir d o tip o d e e x p e riê n c ia
re a l a n te s d e ta lh a d o , e d e p e n d e d e la s . A o c o n c lu ir esse p ro c e s s o ,
e le e s tá d e s e jo s o e é c a p a z d e u s a r m a c o n h a p o r p ra z e r.
Ele a p r e n d e u , e m s u m a , a r e s p o n d e r “ S im ” à p e rg u n ta : “ É
a g ra d á v e l? ” A d ire ç ã o q u e s e u u s o d a d r o g a a s s u m e a p a r t i r d is s o
d e p e n d e d e s u a c a p a c id a d e d e r e s p o n d e r “S im ” a e ssa p e r g u n ta , e,
a d e m a is , d e s u a c a p a c id a d e d e r e s p o n d e r “S im ” a o u tr a s p e rg u n ta s
q u e s u rg e m à m e d id a q u e to m a c o n s c iê n c ia d a s im p lic a ç õ e s d o fa to
d e q u e a s o c ie d a d e re p r o v a a p r á tic a : “ É c o n v e n ie n te ? ” “ É m o ra l? ”
D e p o is o u e a p e s so a a d q u ir iu a c a p a c id a d e d e o b te r p r a z e r p e lo u s o
d a d r o g a , e s se u s o c o n ti n u a r á p o s s ív e l p a r a ela. C o n s id e ra ç õ e s d e
m o r a l id a d e e c o n v e n iê n c ia , o c a s io n a d a s p o r re a ç õ e s d a s o c ie d a d e ,
p o d e m in te r f e r ir n o u s o e in ib i-lo , m a s e ste c o n ti n u a a s e r u m a
p o s s ib ilid a d e e m te r m o s d a c o n c e p ç ã o q u e a s o c ie d a d e t e m d a
d r o g a . O a to só se t o r n a im p o s s ív e l q u a n d o se p e r d e a c a p a c id a d e
d e d e s f r u ta r a e x p e riê n c ia d e e s ta r n o b a ra to , p o r u m a m u d a n ç a n a
c o n c e p ç ã o d o u s u á r io s o b re a d r o g a , o c a s io n a d a p o r c e rto s tip o s
d e e x p e riê n c ia q u e v iv e u c o m e la .
1
4
Uso de maconha e controle social
A p r e n d e r a g o s ta r d e m a c o n h a é u m a c o n d iç ã o n e c e s s á ria m a s
n ã o s u fic ie n te p a r a q u e u m a p e s s o a d e s e n v o lv a u m p a d r ã o e stá v e l
d e u s o d a d ro g a . Ela p rec isa l u ta r a in d a c o m as p o d e ro s a s fo rç a s d e
c o n tr o l e s o c ia l q u e fa z e m o a to p a re c e r in c o n v e n ie n te , im o r a l o u
am bos.
Q u a n d o u m c o m p o r t a m e n to d e s v ia n te o c o r r e n u m a s o c ie ­
d a d e — c o m p o rta m e n to q u e z o m b a d e su as n o rm a s e d e seus
v a lo r e s b á s ic o s — , u m e le m e n to d e s u a e m e r g ê n c ia é u m c o la p s o
d o s c o n tr o l e s s o c ia is q u e u s u a lm e n te o p e r a m p a r a m a n t e r a f o r ­
m a v a lo r iz a d a d e c o m p o r t a m e n to . E m s o c ie d a d e s c o m p le x a s , o
p r o c e s s o p o d e s e r m u it o c o m p lic a d o , u m a v e z q u e o s c o la p s o s
d o c o n tr o le s o c ia l s ã o m u it a s vezes c o n s e q ü ê n c ia d o in g re s s o d e
p e s s o a s n u m g r u p o c u ja c u lt u r a e c o n tr o le s s o c ia is p r ó p r i o s o p e ­
r a m e m s e n ti d o c o n tr á r i o a o s d a s o c ie d a d e m a is a m p la . F a to re s
i m p o r t a n t e s n a g ê n e s e d o c o m p o r t a m e n t o d e s v ia n te , p o r t a n t o ,
p o d e m s e r p r o c u r a d o s n e s s e p r o c e s s o p e lo q u a l p e s s o a s s ã o
e m a n c i p a d a s d o s c o n tr o l e s d a s o c ie d a d e e t o r n a m - s e se n sív e is
à q u e le s d e u m g r u p o r e s trito .
O s c o n tr o l e s s o c ia is a f e ta m o c o m p o r t a m e n t o in d iv id u a l,
e m p r im e ir o lu g a r , p e lo u s o d o p o d e r , a a p lic a ç ã o d e s a n ç õ e s . O
c o m p o r t a m e n to v a lo r iz a d o é r e c o m p e n s a d o , e o c o m p o r t a m e n to
n e g a ti v a m e n t e v a lo r iz a d o é p u n i d o . C o m o s e ria d ifíc il m a n t e r o
c o n tr o l e c a s o a i m p o s iç ã o se t o r n a s s e s e m p r e n e c e s s á r ia , s u r g e m
m e c a n i s m o s m a is s u ti s q u e d e s e m p e n h a m a m e s m a f u n ç ã o .
E n t r e e le s e s tá o c o n tr o l e d o c o m p o r t a m e n to , o b t i d o i n f l u e n ­
c ia n d o - s e a s c o n c e p ç õ e s q u e a s p e s s o a s t ê m d a a tiv id a d e a s e r
c o n tr o l a d a e d a p o s s ib ilid a d e o u e x e q ü ib ilid a d e d e s e e n v o lv e r
69
70
O utsiders
n e ta . E ssa s c o n c e p ç õ e s s u r g e m e m s itu a ç õ e s s o c ia is e m q u e e la s
s ã o c o m u n i c a d a s p o r p e s s o a s c o n s id e r a d a s r e s p e itá v e is e v a lid a ­
d a s p e la e x p e r iê n c ia . T ais s itu a ç õ e s p o d e m s e r o r d e n a d a s d*.- ta l
m a n e i r a q u e o s i n d iv í d u o s p a s s a m a c o n c e b e r a a tiv id a d e C o m o
d e s a g r a d á v e l, i n c o n v e n i e n te o u im o r a l, n ã o d e v e n d o p o i t a i lo
se r p ra tic a d a .
E ssa p e rs p e c tiv a n o s c o n v id a a a n a lis a r a g ê n e se d o c o m p o r ­
ta m e n to d e s v ia n te c m te r m o s d c e v e n to s q u e to r n a m as sançõcf»
in e fic a z e s , e d e e x p e riê n c ia s q u e a lte r a m as c o n c e p ç õ e s , d e m o c o
q u e o c o m p o r t a m e n t o se t o r n a u m a p o s s ib ilid a d e c o n c e b ív e l p a r a
a p e s so a . N e s te c a p ítu lo a n a lis o e sse p r o c e s s o n o c a so d o u s o d e
m a c o n h a . M in h a q u e s tã o b á s ic a é: q u a l ê a s e q ü ê n c ia d e e v e n to s e
e x p e riê n c ia s p e la q u a l u m a p e s so a se t o r n a c a p a z d e le v a r a d ia n t e
o u s o d e m a c o n h a , a p e s a r d o s e la b o r a d o s c o n tr o le s s o c ia is q u e
f u n c i o n a m p a r a e v ita r ta l c o m p o r t a m e n to ?
M u ita s f o r ç a s p o d e r o s a s o p e r a m p a ra c o n t r o l a r o u s o d e
m a c o n h a n o s E s ta d o s U n id o s . O a to é ileg al e p a s sív e l d e p u n iç õ e s
s e v e ra s . S u a ile g a lid a d e to r n a o a c esso à d r o g a d ifíc il, e r g u e n d o
o b s tá c u lo s i m e d ia to s d i a n t e d e q u a lq u e r u m q u e d e s e je u s á -la . Ü
u s o e fe tiv o p o d e s e r p e rig o s o , p o is p r is ã o e e n c a r c e r a m e n to sã o
s e m p r e c o n s e q ü ê n c ia s p o ssív eis. A lé m d iss o , c a so a fa m ília , o s a m i ­
go s o u o p a tr ã o d e u m u s u á r io d e s c u b r a m q u e e le u tiliz a m a c o n h a ,
eles p o d e m lh e a tr i b u ir as c a ra c te r ís tic a s a c e s s ó r ia s q u e d e h a b it o
e s tã o s u p o s ta m e n t e a s s o c ia d a s a o u s o d e d r o g a s . A c r e d ita n d o q u e
o f u m a n t e é irr e s p o n s á v e l e i n c a p a z d e c o n tr o l a r o p r ó p r i o c o m ­
p o r ta m e n t o , q u e talv e z a té e s te ja lo u c o , p o d e m p u n i - l o c o m v á rio s
tip o s d e s a n ç õ e s in f o r m a is , m a s e x tr e m a m e n te e fic a ze s, c o m o o
o s tr a c is m o o u a r e tir a d a d e a fe to . F in a lm e n te , d e s e n v o lv e u -s e u m
c o n j u n t o d e id é ia s t r a d i c i o n a is d e f i n i n d o a p r á t i c a c o m o u r n a
v io la ç ã o d e im p e r a tiv o s m o r a is , c o m o u m a to q u e lev a à p e rd a
d o a u to c o n t r o l e , à p a ra lis ia d a v o n t a d e e, p o r fim , à e s c r a v id ã o
à
d r o g a . E ssas id é ia s , q u e sã o triv ia is , c o n s ti tu e m fo rç a s e fic a ze s n a
p re v e n ç ã o d o uso de m ac o n h a .
A c a r r e ir a d o u s u á r i o d e m a c o n h a p o d e s e r d i v id id a e m trê s
e s tá g io s , c a d a q u a l r e p r e s e n ta n d o u m a m u d a n ç a d i s t in t a e m s u a
Uso de maconha e controle social
re la ç ã o c o m o s c o n tr o le s s o c ia is d a s o c ie d a d e m a is a m p la e c o m
a q u e le s d a s u b c u lt u r a e m q u e s e v e rific a o u s o d e m a c o n h a . O
p r im e ir o e s tá g io é r e p r e s e n ta d o p e lo iniciante, a p e s s o a q u e f u m a
m a c o n h a p e la p r im e ir a vez; o s e g u n d o , p e lo usiuírio ocasional, c u jo
c o n s u m o é e s p o rá d ic o e d e p e n d e d e f a to r e s fo rtu ito s ; e o te rc e iro ,
p e lo usuário regular, p a r a q u e m f u m a r se t o r n a u m a r o tin a s is te ­
m á tic a , e m g e ra l d iá ria .
C o n s i d e r e m o s p r im e ir o o p r o c e s s o p e lo q u a l v á rio s tip o s
d e c o n tr o l e s o c ia l to r n a m - s e p r o g re s s iv a m e n te m e n o s e fic a z e s à
m e d id a q u e o u s u á r i o p a s sa d e u m e s tá g io a o u t r o , o u , a lt e r n a t i ­
v a m e n te , o m o d o c o m o o s c o n tr o le s im p e d e m e sse m o v im e n to ,
p e r m a n e c e n d o e ficazes. O s p r in c ip a is tip o s d e c o n tr o le a s e re m
c o n s id e r a d o s sã o : (a ) c o n tr o le p e la l im ita ç ã o d o f o r n e c im e n to
d a d r o g a e d o a c esso a e la; ( b ) c o n tr o le p e la n e c e s s id a d e d e e v ita r
q u e n ã o - u s u á r io s d e s c u b r a m q u e a p e s so a é u s u á ria ; (c ) c o n tr o le
p e la d e fin iç ã o d o a to c o m o im o r a l. A a n u la ç ã o d a e fic á c ia d e s se s
c o n tr o le s , n o s n ív e is e n a s c o m b in a ç õ e s a s e re m d e s c r ito s , p o d e
s e r c o n s id e r a d a u m a c o n d iç ã o e s se n c ia l p a r a o u s o c o n s ta n te e
a u m e n ta d o de m aco n h a.
Fornecimento
O u s o d a m a c o n h a é l im ita d o , e m p r im e ir o lu g ar, p o r leis q u e t o r ­
n a m a p o s s e o u a v e n d a d a d r o g a pa ssív e is d e se v era s p u n iç õ e s . Isso
r e s trin g e s u a d is tr ib u iç ã o a fo n te s ilíc itas n ã o fa c ilm e n te acessív eis à
p e sso a c o m u m . P a ra co m e ç a r a f u m a r m ac o n h a , u m a p esso a deve
p a r t i c i p a r d e a lg u m g r u p o p o r i n te r m é d io d o q u a l e ssas f o n te s d e
f o r n e c im e n to se t o r n e m acessíveis p a r a e la , e m g e ra l u m g r u p o o r ­
g a n iz a d o e m t o r n o d e v a lo re s e a tiv id a d e s o p o s to s a o s d a s o c ie d a d e
c o n v e n c io n a l m a is a m p la .
N e s s e s c ír c u lo s n ã o -c o n v e n c io n a is , e m q u e a m a c o n h a j á é
u s a d a , a p a r e n t e m e n te tr a t a - s e a p e n a s d e u m a q u e s tã o d e t e m p o
a té q u e s u rja a s itu a ç ã o n a q u a l é d a d a a o r e c é m -c h e g a d o u m a
c h a n c e d e f u m á -la :
72
Outsiders
Eu estava c o m aqueles caras q u e c o n h ecia cia escola, e u m tin h a u m
pouco, e eles foram p u x a r fu m o e a c h ara m q u e e u puxava tam b é m ,
não m e p e rg u n ta ra m , eu n ão quis ficar ch u p an d o o dedo, e n tão não
disse n a d a e fui até os fu n d o s desse lugar com cies. Eles estavam
e n ro la n d o u n s b aseados.
E m o u t r o s g r u p o s a m a c o n h a n ã o e s tá im e d i a t a m e n t e p r e ­
s e n te , m a s a p a r tic ip a ç ã o n o g r u p o p r o p ic ia re la ç õ e s c o m o u t r o s
c m q u e ela e s tá d is p o n ív e l:
M as o p ro b lem a era q u e a g en te n ão sabia o n d e d escolar algum .
N e n h u m de n o s sabia o n d e c o n seg u ir o u c o m o d e sc o b rir o n d e
conseguir. B om , havia aquela g a ro ta lá. ... fila tin h a u m as am igas
negras e tin h a p u x a d o fu m o antes com elas. Talvez u m a o u du.is
vezes. M as sabia u m p o u c o m ais sobre isso q u e q u a lq u e r u m de nós.
Ela conseguiu descolar u m pouco, p o r m eio dessas am igas negras,
e um a n o ite tro u x e alguns baseados.
N o s d o is c a s o s , ta l p a r tic ip a ç ã o fo rn e c e a s c o n d iç õ e s e m q u e
a m a c o n h a se t o r n a d is p o n ív e l p a ra u m p r im e ir o u so . E la p r o p ic ia
ta m b é m as c o n d iç õ e s p a r a o e s tá g io s e g u in te d e uso ocasional, e m
q u e o i n d iv íd u o f u m a m a c o n h a d e m a n e ir a e s p o r á d ic a e irre g u la r.
Q u a n d o u m a p e s s o a c h e g o u , p o r e x p e riê n c ia s a n te r io r e s , a u m
p o n to e m q u e é c a p a z d e fu m a r m a c o n h a p o r p raz e r, o uso , de
in íc io , t e n d e a s e r u m a f u n ç ã o d a d i s p o n ib ilid a d e . A p e s s o a u s a a
d r o g a q u a n d o e s lá c o m o u t r a s q u e tê m u m f o r n e c im e n to ; q u a n d o
esse n ã o é o c a so , o u s o ce ssa . E la t e n d e , p o r ta n t o , a f lu t u a r e m
te r m o s d a s c o n d içõ e s d e d is p o n ib ilid a d e c ria d a s p o r s u a in te r a ç ã o
c o m o u t r o s u s u á r io s . U m m ú s ic o n e s se e s tá g io d isse:
Eu p u x o fu m o so b re tu d o q u a n d o tra b a lh o to can d o . E não ten h o
tocado quase n a d a u ltim a m e n te .... Veja, esto u casado h á 12 anos
agora, e realm ente não toquei m u ito desde então. Tive d e arran jar um
serviço d iu rn o , você sabe, e n ã o p u d e to ca r m u ito . N ão tive m u ito s
tra m p o s, e n tã o realm en te n ão puxei m u ito fum o.
Uso de maconha e controle social
É c o m o eu digo, a única h o ra em q u e rea lm e n te e n tro nessa é
q u a n d o e sto u tra b a lh a n d o com jazzistas q u e fu m a m , e n tã o ta m ­
b é m fum o. É c o m o eu digo, fazia talvez u n s seis m eses q u e n ã o
puxava fum o. N ã o puxei fu m o esse te m p o to d o . D epois, d esde
q u e com ecei a to c a r a q u i, faz três sem an as, te n h o fu m a d o to d a
sex ta-feira e to d o sábado. É assim q u e a coisa fu n cio n a com igo.
[O b se rv a d o d u ra n te um p e río d o d e sem an as, este h o m em
m o stro u -s e c o m p le ta m e n te d e p e n d en te d e o u tro s m em b ro s da
o rq u estra em q u e trabalhava o u d e m úsicos q u e ap areciam n o b ar
pa ra o b ter q u a lq u e r m aconha. J
Se u m u s u á r io o c a s io n a l c o m e ç a a se m o v e r e m d ire ç ã o a u m
m o d o d e c o n s u ih o m a is r e g u la r e s is te m á tic o , iss o s ó s e rá p o ssív e l
se e le e n c o n tr a r u m a f o n te d e f o r n e c im e n to m a is e stá v e l q u e os
e n c o n tr o s f o r t u it o s c o m o u t r o s u s u á rio s , e isso s ig n ific a e s ta b e ­
le c e r c o n e x õ e s c o m p e s s o a s q u e s e d e d ic a m a tr a f ic a r n a rc ó tic o s .
E m b o r a c o m p r a s e m g r a n d e s q u a n tid a d e s s e ja m n e c e s s á ria s p a ra o
u s o r e g u la r, e la s g e ra lm e n te n ã o s ã o fe ita s c o m e ssa in te n ç ã o ; m a s ,
u m a v e z feita s , t o r n a m d e fa to esse u s o p o s s ív e l, c o is a q u e n ã o e ra
a n te s . E ssas c o m p r a s t e n d e m a s e r fe ita s q u a n d o o u s u á rio se t o r n a
m a is s e n sív e l a o s c o n tr o l e s d o g r u p o q u e u s a d ro g a s :
E u estava a n d a n d o c o m to d o aquele b an d o d e gente q u e pu x av a
fu m o naquela época. E eles estavam sem p re m e abastecendo, você
sabe, até que aquilo ficou em baraçoso. Eu estava realm ente co n stran ­
gido p o r n u n c a te r n e n h u m , p o r n ão p o d e r r e tr ib u ir ... Então andei
p e rg u n ta n d o o n d e p o d ia conseguir, e co m p rei pela p rim e ira vez.
A lé m d isso , c o m p r a r d e u m tra f ic a n te é m a is e c o n ô m ic o , v is to
q u e n ã o h á in te r m e d iá r io s , e o c o m p r a d o r d e q u a n tid a d e s m a io r e s
o b t é m , c o m o n o m u n d o u s u a l d o s n e g ó c io s , u m p r e ç o m e n o r .
N o e n ta n to , p a r a fa z e r essas c o m p r a s , o u s u á rio p re c is a te r u m
“c o n ta t o ” — c o n h e c e r a lg u é m q u e se d e d ic a a o trá fic o d e d ro g a s .
O s tra fic a n te s o p e r a m ilic ita m e n te ,e p a ra faz e r n e g ó c io s c o m eles a
p e s s o a p re c is a s a b e r o n d e o s e n c o n tr a r e s e id e n tific a r p a r a e les d e
74
Outsiders
ta l m o d o q u e n ã o h e s ite m e m la z e r v e iu la . Isso é b a s ta n te d itic il
n o c a s o d e p e s s o a s q u e e s tã o a p e n a s c a s u a lm e n te e n v o lv id a s c o m
g r u p o s q u e u s a m d ro g a s . M a s, à m e d id a q u e a p e s s o a se to., n a m ais
id e n tific a d a c o m esses g r u p o s , e é v ista c o m o m a is d i g n a d e c o n ­
fia n ç a , o c o n h e c i m e n t o n e c e s s á r io e a s a p r e s e n ta ç õ e s a tra f ic a n te s
t o r n a m - s e d is p o n ív e is p a r a ela. A o s e r d e f in id o c o m o in te g r a n te
d e u m g r u p o , u m i n d iv íd u o é t a m b é m c la s s ific a d o c o m o a lg u é m
q u e p o d e s e r s e g u r a m e n te c o n s id e r a d o c a p a z d e c o m p r a r d r o g a s
s e m p ô r o s o u t r o s e m p e rig o .
M e s m o q u a n d o a o p o r t u n i d a d e s e to r n a acessív el p a r a eles,
m u it o s n ã o se a p ro v e ita m . O p e rig o d e p r is ã o in e r e n te a tal a to os
im p e d e d e te n ta r:
Se ela fosse livrem ente d istrib u íd a, acho que eu provavelm ente a ti ria
ã m ão o tem po todo. M as... [ Você q u e r dizer, se n ão losse c o n tra a
lei?] É. [Bem, en tão isso significa q u e você n ão q u e r se envolver...j
Bem, eu n ão q u e ro ficar envolvido dem ais, você sabe. N ão q u ero
chegar p e rto d em ais d as p essoas q u e traficam , q u e e stão m u ito m e­
tidas nisso. N unca tive n e n h u m a dificu ld ad e em c o n seg u ir algum
bagulho. Eu s ó , ... alg u ém se m p re tem u m p o u co e a gente p o d e
conseguir q u a n d o quer. P or que, exatam ente p o r que eu n u n ca entrei
nesses c ontatos m ais o u m en o s d iretos, os traficantes, ach o q u e você
explicaria isso com base n o fato d e q u e n u n c a sen ti necessidade de
g arim par, d e c o rre r atrás.
E sses t e m o r e s e n t r a m e m a ç ã o s o m e n te e n q u a n t o a le n ta tiv u
n ã o é fe ita , p o r q u e , d e p o is q u e ela foi r e a liz a d a c o m s u c esso , o
in d iv í d u o é c a p a z d e u s a r a e x p e riê n c ia p a r a r e a v a lia r o p e rig o
e n v o lv id o ; a n o ç ã o d e p e rig o n ã o im p e d e m a is a c o m p r a . E m vez
d is s o , o a to é a b o r d a d o c o m u m a c a u te la r e a lis ta q u e r e c o n h e c e
a p o s s ib ilid a d e d e p r is ã o s e m e x a g e rá -la . O c o m p r a d o r s e s e n te
s e g u ro , c o n ta n t o q u e o b s e rv e p r e c a u ç õ e s e le m e n ta r e s , d e s e n s o
c o m u m . E m b o r a m u it o s d o s e n tr e v is ta d o s tiv e s s e m c o m p r a d o ,
a p e n a s p o u c o s r e la ta r a m q u a lq u e r d ific u ld a d e d e t ip o leg a l, q u e
e le s a tr i b u ir a m à falta d a s d e v id a s p re c a u ç õ e s .
Uso de maconha e controle social.
P a ra a q u e le s q u e e s ta b e le c e m c o n e x õ e s , o u s o r e g u la r é m u ita s
vezes i n te r r o m p id o p e la p r is ã o o u d e s a p a r e c im e n to d o h o m e m d e
q u e m c o m p r a m s u a p ro v is ã o . N e ssa s c ir c u n s tâ n c ia s , o u s o r e g u la r
s ó p o d e p r o s s e g u ir se o u s u á r io fo r c a p a z d e e n c o n tr a r u m a n o v a
f o n te d e f o r n e c im e n to . E ste r a p a z tev e d e a b a n d o n a r o u s o p o r
a lg u m te m p o q u a n d o :
B om , o T om foi pa ra a cadeia, eles o p re n d e ra m . D e p o is o C ram er.
C o m o foi m esm o q ue a c o n te c e u ? ... A h, sim , eu m e io q u e devia
a lg u m d in h e iro pa ra ele, e n ão o vi d u r a n te u m b o m tem p o ;
q u a n d o ten te i vê-lo ele tin h a se m u d a d o , e n ã o co n seg u i d esco ­
b rir p a ra o n d e o sujeito tin h a ido . E n tão isso, foi esse c o n ta to ....
[E n tão você rea lm e n te n ão sabia o n d e conseguir?] N ão. [E n tão
parou?] P arei.
A i n s ta b ilid a d e d a s fo n te s d e f o r n e c im e n to é u m im p o r ta n t e
c o n tr o le s o b re o u s o r e g u la r e r e fle te d e m a n e i r a i n d ir e ta o e m p r e ­
g o d e s a n ç õ e s le g a is p e la c o m u n i d a d e n a p r is ã o d o s q u e tra f ic a m
d r o g a s . A i m p o s iç ã o d a le i c o n tr o l a o c o n s u m o , n ã o d is s u a d in d o
o s u s u á r io s d ire ta m e n te , m a s t o r n a n d o p r e c á r ia s as fo n te s d a d ro g a
e d i f i c u lta n d o o a c e sso a elas.
C a d a e s tá g io d e u so , d a in ic ia ç ã o à r o tin a , te m p o r ta n t o s e u
m o d o típ ic o d e f o rn e c im e n to , o q u a l d e v e e s ta r p r e s e n te p a r a q u e
e s se n ív el o c o r r a . A ssim , o s m e c a n is m o s q u e o p e r a m p a ra lim it a r a
d i s p o n ib ilid a d e d a d ro g a r e s trin g e m t a m b é m s e u u so . N o e n ta n to ,
a p a r t i c i p a ç ã o e m g r u p o s e m q u e a m a c o n h a é c o n s u m i d a c ria as
c o n d iç õ e s n a s q u a is o s c o n tr o le s q u e l im ita m o a c esso a e la d e ix a m
d e o p e ra r . E ssa p a rtic ip a ç ã o ta m b é m e n v o lv e m a io r s e n s ib ilid a d e
c o m re la ç ã o a o s c o n tr o le s d o g r u p o u s u á r io , d e m o d o q u e h á
fo rç a s p r e s s i o n a n d o e m d ire ç ã o à u tiliz a ç ã o d a s n o v a s fo n te s d e
f o rn e c im e n to . C o n s e q ü e n te m e n te , p o d e -s e d iz e r q u e m u d a n ç a s n a
p a r tic ip a ç ã o n o g r u p o e n o p e r t e n c im e n to a e le le v a m a m u d a n ç a s
n o n ív e l d e u s o , a o a fe ta r o a c esso d o in d iv íd u o à m a c o n h a n a s
c o n d iç õ e s p r e s e n te s , e m q u e a d r o g a s ó e stá d is p o n ív e l p o r i n te r ­
m é d io d e d is t r ib u i d o r e s ilegais.
75
Outsiders
Sigilo
O u s o da m a c o n h a é l im ita d o ta m b é m à m e d id a q u e in d iv íd u o s
a c o n s id e r a m i n c o n v e n ie n te o u a c r e d ita m q u e i rã o ju lg á - la c o m o
tal. Essa in c o n v e n iê n c ia , real o u p r e s u m id a , p r o v é m d o fa to o u d a
c re n ç a d e q u e , se n ã o - u s u á r io s d e s c o b r ire m q u e a lg u é m u s a a droga*
s a n ç õ e s d e u m t ip o i m p o r t a n t e s e rã o a p lic a d a s . A c o n c e p ç ã o q u e o s
u s u á rio s tê m dessas s a n ç õ e s e vaga, p o r q u e p o u c o s d e le s p a re c e m ter
p a s sa d o p o r a lg u m a e x p e riê n c ia d e s se t ip o o u t e r c o n h e c id o a lg u é m
q u e as v iveu; e m s u a m a io r ia , o s u s u á rio s d e m a c o n h a s ã o d e s v ia n te s
se c re to s. E m b o ra e le s n ã o s a ib a m o q u e e s p e r a r e s p e c ific a m e n te e m
m a té r ia d e p u n iç ã o , as lin h a s g e ra is s ã o c la ra s: te m e m o r e p ú d io
p o r p a r te d e p e s so a s d e c u jo r e s p e ito e a c e ita ç ã o n e c e s s ita m , t a n to
p r á tic a q u a n to e m o c io n a lm e n te . Isto é, s u p õ e m q u e ;.u as re la ç õ e s
c o m n ã o - u s u á r io s s e rã o p e r tu r b a d a s e r o m p id a s c a so e ste s v e n h a m
a d e s c o b rir, e lim it a m e c o n tr o l a m se u c o m p o r t a m e n to à m e d id a
q u e e ssa s re la ç õ e s c o m o u ts id e r s s ã o im p o r ta n t e s p a r a ele.
E sse t ip o d e c o n tr o l e p e rd e a fo rç a n a in te r a ç ã o c o m o u t r o s
u s u á r io s e n o d e s e n v o l v i m e n t o d a e x p e r iê n c ia c o m a d r o g a , à
p r o p o r ç ã o q u e o u s u á r i o p e rc e b e q u e , m e s m o q u e lh e a p liq u e m
sa n ç õ e s , e m c a so d e d e s c o b e r ta p e lo s n ã o -u s u á r io s , iss o n ã o p re c is a
n e c e s s a r ia m e n te o c o rr e r . E m c a d a n ív el d e u so , h á u m a v a n ç o n essa
c o m p r e e n s ã o q u e t o r n a p o ssív e l o p r ó x im o e s tá g io .
P a ra o in ic ia n te , essas c o n s id e ra ç õ e s s ã o f u n d a m e n ta is e p r e c i­
s a m s e r s u p e ra d a s p a ra q u e o u s o seja e m p r e e n d id o . S e u s m e d o s são
c o n te s ta d o s p e la v isã o d e o u tr o s — u s u á rio s m a is e x p e rie n te s — q u e
a p a re n te m e n te ju lg a m h a v e r p o u c o o u n e n h u m p e rig o e p a re c e m
se e n v o lv e r n a a tiv id a d e i m p u n e m e n te . Se a lg u é m “e x p e rim e n tü
u m a v e z ”, p o d e a p la c a r s e u s te m o re s c o m o b s e rv a ç õ e s d e sse tip o . A
in te ra ç ã o c o m o u t r o s c o n s u m id o re s p r o p o rc io n a , a ssim , a o in ic ia n te
ra c io n a liz a ç õ e s p a r a faz e r a p r im e ir a te n ta tiv a .
Se p e rs is te e m f u m a r m a c o n h a , o n o v iç o p e rc e b e r á q u e p o d e
c o n s u m i- la t a n t a s v e z es q u a n ta s q u is e r, d e s d e q u e se ja c u id a d o s o e
se a s s e g u re d e q u e n ã o h a v e rá n ã o - u s u á r io s p r e s e n te s , n e m h a v e rá
ris c o d e i n tr o m i s s ã o p o r p a r te d e le s. E sse t ip o d e p e rs p e c tiv a é u n i
Uso de maconha e controle social
p r é - r e q u is ito n e c e s s á rio p a ra o c o n s u m o o c a sio n a l, e m q u e a d ro g a
é f u m a d a q u a n d o o u t r o s u s u á r io s c o n v id a m a lg u é m a se j u n t a r ;i
eles. E m b o r a p e r m i ta esse e s tá g io d e u s o , tal p e rs p e c tiv a n ã o d á
m a r g e m p a r a o c o n s u m o re g u la r, p o r q u e o s m u n d o s d e u s u á rio e
n ã o -u s u á r io , e m b o r a s e p a r a d o s n u m g r a u q u e p e rm ite a p e rs is tê n ­
c ia d o p a d r ã o d e u s o o c a sio n a l, n ã o s ã o c o m p le ta m e n te se g re g a d o s.
O s p o n to s d e c o n ta to e n tr e esses d o is u n iv e rs o s p a re c e m p e rig o s o s
p a r a o u s u á rio o c a s io n a l, q u e d e v e , p o r ta n t o , r e s trin g ir o c o n s u m o
à q u e la s o c a siõ e s q u e to r n a m im p ro v á v e l esse e n c o n tr o .
O u s o r e g u la r, p o r o u t r o la d o , im p lic a u m c o n s u m o s is te m á ti­
c o e r o ti n e ir o d a d r o g a q u e n ã o le v a e m c o n ta e s sa s p o s s ib ilid a d e s
e p la n e ja o s p e r í o d o s p a r a s e u c o n s u m o . É u m m o d o q u e se b a s e ia
e m o u t r o t ip o d e a ti t u d e e m r e la ç ã o a o ris c o d e s e r d e s c o b e r to p o r
n ã o - u s u á r io s , q u e se b a s e ia n a c o n v ic ç ã o d e q u e a m a c o n h a p o d e
s e r f u m a d a d e b a ix o d o n a riz d e n ã o -u s u á r io s ; o u , a lte rn a tiv a m e n te ,
n a a d o ç ã o d e u m p a d r ã o d e p a r tic ip a ç ã o s o c ia l q u e r e d u z q u a s e
a z e ro o s c o n ta t o s c o m n ã o - u s u á r io s . S e m e sse a ju s te n a a titu d e ,
n a i n te r a ç ã o o u e m a m b o s , o c o n s u m i d o r é o b r ig a d o a p e r m a ­
n e c e r n o e s tá g io d o u s o o c a s io n a l. Esses a ju s te s p o d e m te r lu g a r
e m te r m o s d e d u a s c a te g o ria s d e ris c o s e n v o lv id o s : p r im e ir o , q u e
n ã o - u s u á r io s d e s c u b r a m a lg u é m e m p o s s e d e m a c o n h a ; s e g u n d o ,
q u e a lg u é m s e ja i n c a p a z d e e s c o n d e r o s e fe ito s d a d r o g a q u a n d o
e s tá n a c o m p a n h i a d e n ã o - u s u á r io s .
A s d ific u ld a d e s d o a s p ir a n te a u s u á rio re g u la r, n o p r im e ir o
c a so , sã o ilu s tr a d a s p e lo s c o m e n tá r io s d e u m r a p a z q u e f ra c a s so u
n a te n ta tiv a d e fa z e r u s o r e g u la r e n q u a n to m o ra v a c o m o s p a is:
Eu n ão gostava de ter m ac o n h a pela casa, sabe? |F o r qué?] Bom ,
pensava q u e talvez m in h a m ãe pudesse a ch á-la, o u alg o assim .
(Q ue acha q u e ela diria?] Ali, b e m , você s a b e .... B om , eles n u n ca
m en cio n am isso, sabe, nada sobre viciados em d ro g as o u q u alq u er
coisa desse tip o , m as seria realm ente u m a coisa ru im 110 m eu caso,
eu sei, p o r causa d a grande fam ília d e que venho. E m in h as irm ãs e
irm ãos, eles iriam rnc a rrasar. [E você não q u e r que isso aconteça?!
N ão, acho q ue não.
78
Outsiders
N esse s c a so s , p r e v e r as c o n s e q ü ê n c ia s d a d e s c o b e r ta d o s e ­
g r e d o i m p e d e a p e s s o a d e m a n t e r a p r o v is ã o m ín i m a p a r a o u s o
re g u la r. O c o n s u m o c o n ti n u a irr e g u la r , u m a v e z q u e d e p e n d e d e
e n c o n tr o s c o m o u t r o s u s u á r io s e n ã o p o d e o c o r r e r s e m p r e q u e o
u s u á r i o d e s e ja .
A m e n o s q u e d e s c u b r a u m m é t o d o p a r a s u p e r a r e ssa d if i­
c u ld a d e , a p e s s o a s ó p o d e a v a n ç a r p a r a o u s o r e g u l a r q u a n d o
a r e la ç ã o q u e i m p e d e o c o n s u m o c r o m p i d a . As p e s s o a s n ã o
c o s tu m a m d e ix a r s e u s la re s e s u a s fa m ília s p a r a f u m a r m a c o n h a
r e g u la r m e n te . M a s se o fa z e m , n ã o i m p o r ta p o r q u e ra z ã o , o u so
r e g u la r, a té e n tã o v e ta d o , t o r n a - s e u m a p o s s ib ilid a d e . U s u á r io s
r e g u la re s c o n fir m a d o s m u ita s vezes c o n s id e r a m s e ria m e n te o e feito
d o e s ta b e le c im e n to d e n o v a s r e la ç õ e s s o c ia is c o m n ã o - u s u á r io s
s o b re s e u u s o d a d ro g a :
Eu não m e casaria com alguém q u e brigasse com igo se eu fizesse isso
[fum asse m ac o n h a ], sabe. Isto é, n ão m e casaria co m u m a m u lh e r
q u e fosse tão desconfiada a p o n to d e p e n sar q u e eu faria algum a
c o is a .... Isto é, você sabe, tip o fazer m al a m im m esm o o u ten tar
fazer m al a d g u é m .
S e ta is lig a ç õ e s s ã o e s ta b e le c id a s , o u s o te n d e a r e t o r n a r a o
e s tá g io o c a s io n a l:
[Este h o m em havia usado m aconha b em in ten sam en te, m as sua m u ­
lher era contra.] Claro, íoi em grande parte p o r causa d a m in h a m ulher
q ue parei. H ouve algum as ocasiões em que tive v o n ta d e ... n ão fiquei
realm ente fissurado, m as ia g o star de fu m ar u m pouco. [ Ele n ão pôde
c o n tin u a r lu a n d o a droga exceto vrregularm ente, naquelas ocasiões
em q u e estava longe da presença c do co n tro le d a m ulher.]
Se a p e s s o a in g re s s a q u a s e t o ta l m e n te n o g r u p o d e u s u á rio s ,
o p r o b le m a d e ix a d e e x is tir s o b m u ilo í' a s p e c to s , e é p o s s ív e l q u e o
c o n s u m o r e g u la r o c o r r a , e x c e to q u a n d o se fa z u m a n o v a c o n e x ã o
c o m o m u n d o m a is c o n v e n c io n a l.
Uso de maconha e controle social
Se u m a p e s s o a f u m a m a c o n h a d e m a n e ir a r e g u la r e r o tin e ir a ,
é q u a s e in e v itá v e l — u m a v e z q u e , n u m a s o c ie d a d e u r b a n a , esses
p a p é is n ã o p o d e m s e r m a n t i d o s c o m p l e ta m e n te s e p a r a d o s — q u e
u m d ia se v e ja d r o g a d a n a c o m p a n h i a d e n ã o - u s u á r io s d e q u e m
d e s e ja e s c o n d e r s u a p rá tic a . D a d a a v a rie d a d e d e s in to m a s q u e
a d r o g a p o d e p r o d u z ir , é n a tu r a l q u e o u s u á r io te m a q u e p o s s a
re v e la r, p e lo c o m p o r t a m e n to , q u e e s tá d r o g a d o , q u e p o s s a s e r i n ­
c a p a z d e c o n tr o l a r o s s in to m a s e, a s sim , r e v e la r s e u se g re d o . E sses
f e n ô m e n o s , c o m o a d ific u ld a d e e m se c o n c e n t r a r e le v a r a d ia n t e
u m a c o n v e rs a n o r m a l, g e ra m n a p e s s o a o te m o r d e q u e t o d o s sa i­
b a m e x a ta m e n te p o r q u e e la e s tá s e c o m p o r t a n d o d e s sa m a n e ira ,
d e q u e o c o m p o r t a m e n to s e ja i n te r p r e t a d o d e f o rm a a u to m á ti c a
c o m o u m s in a l d e c o n s u m o d e d r o g a .
O s q u e a v a n ç a m p a ra o u s o r e g u la r c o n s e g u e m e v ita r esse d ile ­
m a . P o d e a c o n te c e r, c o m o fo i o b s e rv a d o a n te r io r m e n te , q u e eles p a s ­
s e m a p a r tic ip a r q u a s e c o m p le ta m e n te d o g r u p o s u b c u ltu ra i e m q u e
a p r á tic a te m lu g ar, d e m o d o a e sta b e le c e r u m a q u a n tid a d e m ín i m a
d e c o n ta to c o m n ã o -u s u á r io s c o m c u ja o p in iã o se im p o r ta m . C o m o
esse is o la m e n to d a s o c ie d a d e c o n v e n c io n a l r a r a m e n te é c o m p le to , o
u s u á rio p re c is a a p r e n d e r o u t r o m é t o d o d e e v ita r o d ile m a , m é t o d o
q u e é o m a is im p o r ta n te p a r a a q u e le s c u ja p a rtic ip a ç ã o n u n c a é tã o
c o m p le ta m e n te s e g re g a d a . E le c o n s is te e m a p r e n d e r a c o n tr o la r o s
efe ito s d a d r o g a q u a n d o e stá n a c o m p a n h ia d e n ã o -u s u á r io s , d e
m o d o q u e e stes p o s s a m s e r e n g a n a d o s , e o s e g re d o m a n tid o , m e s m o
q u e a p e s s o a c o n tin u e e m i n te r a ç ã o c o m eles. Se a lg u é m n ã o c o n s e ­
g u e a p r e n d e r isso, e x iste m a lg u n s g r u p o s d e s itu a ç õ e s e m q u e n ã o
o u s a fic a r d r o g a d o e n o q u a l o u s o r e g u la r n ã o é possível.
Sabe, cara, v o u lhe c o n ta r u m a coisa q u e realm ente m e arrasa, é
rea lm e n te terrível. A lgum a vez você e n tro u n o b arato e d ep o is teve
d e e n c ara r sua família? Eu realm ente ten h o pavor disso. C o m o ter de
falar co m m e u pai, m inha m ãe o u irm ão s, cara, é realm en te dem ais.
Eu rea lm e n te n ão consigo. T enh o a im p ressão de q u e estão m e
m a n ja n d o [observando! e sabern q u e estou doidão. É u m a sensação
horrível. O d eio isso.
80
Outsiders
A m a io r ia d o s u s u á rio ^ te m e s sa s s e n s a ç õ e s e p a s sa a o c o n s u ­
m o r e g u la r — q u a n d o p a ssa — s o m e n te se o c o r r e r u m a e x p e riê n c ia
d a s e g u in te o r d e m , m u d a n d o suo c o n c e p ç ã o d a s p o s s ib ilid a d e s d e
d e te c ç ã o :
[Então você fazia isso m u ito .d e inicio?] N ão, n ã o dem ais. C o m o eu
disse, tin h a um p o u c o d e m edo. M a s fin alm en te, foi p o r volta de
1948 q u e realm ente com ecei a fu m a r p a ra valer. [D o que você tin h a
m edo?] B om , cu tin h a m ed o de ficar d ro g ad o e n ão ser cap az Je
me de sem p e n h a r, e n te n d e , q u e r dizer, tin h a m ed o d e relaxar e ver o
que iria acontecer. E specialm ente n o trab alh o . Eu n ã o p o d ia confiai
e m m im q u a n d o en tra v a n o b arato . T in h a m e d o d e ficar d o id ão
dem ais e p erd er c o m p le ta m e n te a co nsciência, o u fazer bobagem .
N ão q u e ria ficar p e rtu rb a d o d em ais.
[C om o s u p e ro u isso?] Bom , são essas coisas, cara. U m a n o ite eu
puxei u m fum o e de rep en te m e senti realm ente ótim o , relaxado, você
sabe, fiquei rea lm e n te n u m a b o a. D esde e n tã o fui capaz d e fu m a r
tan to q u a n to q u e ria sem te r n e n h u m p ro b le m a com isso. S em pre
consigo controlar.
N a e x p e riê n c ia típ ic a , o u s u á rio se v ê n u m a p o s iç ã o e m q u e
d e v e fazer, q u a n d o d r o g a d o , a lg o q u e te m c e rte z a d e n ã o p o d e r
r e a liz a r n e ssa c o n d iç ã o . P a ra su a s u rp r e s a , d e s c o b re q u e c o n je g u e se
d e s e m p e n h a r b e m e a in d a e s c o n d e r d o s o u t r o s o f a to d e e s ta r s o b
in flu ê n c ia d a d r o g a . U m a o u m a is o c o rr ê n c ia s d e s se t ip o p e rm ite m
a o u s u á rio c o n c lu ir q u e p o d e c o n ti n u a r s e n d o u m d e s v ia n te s e c re ­
to , q u e s u a c a u te la fo i e x c essiv a e b a s e a d a n u m a p r e m is s a falsa. Se
e le d e se ja u s a r a d r o g a r e g u la r m e n te , n ã o s e rá m a is d i s s u a d id o p o r
e sse m e d o , p o is p o d e u s a r tal e x p e riê n c ia p a r a ju s tif ic a r a c re n ç a
d e q u e o s n ã o - u s u á r io s n u n c a p r e c is a m sa b er.
[Sugeri q u e m u ito s u su ário s ach am difícil realizar seu trab alh o com
eficiência q u a n d o d ro g ad o s. O e n trev istad o , u m m cc in ic o , res p o n ­
deu com a h istó ria d e com o su p ero u essa barreira.]
!s^o n ã o m e in co m o d a tan to . Tive u m a experiência u m a vez
que p rovou isso p a ra m im . Eu tin h a id o a u m a festa d o b a ru lh o na
Uso de maconha e controle social
n oite an te rio r. Piquei m u ito doido. C o m m aco n h a e bebida ta m ­
bém . Fiquei tão alto q u e a inda estava b a ra tin a d o q u a n d o fui p a ra o
trab alh o n o d ia seguinte. E eu tin h a um serviço m u ito im p o rta n te
a fazer. D evia s e r pratica m e n te perfeito ■— negócio de precisão. O
chefe a n d a ra até m e in stru in d o p o r vário s dias, ex p lican d o com o
fazê-lo e tu d o o mais.
[Ele foi p a ra o trab alh o m aconhado e, até o n d e podia se lem brar,
devia ter feito o serviço, em b o ra não tivesse n e n h u m a lem b ran ça
clara disso, já q u e c ontinuava in te ira m en te d ro g a d o .)
Por volta d e 15h45, finalm ente caí em m im e pensei: “M eu Deus!
O que e sto u fazendo?” E n tão tratei de p a ra r e fui p a ra casa. Q u ase
n ão d o rm i a n o ite to d a, p re o c u p a d o , p e n san d o se tin h a ferra d o
tu d o n aquele serviço o u não. A pareci n a m a n h ã seguinte, o chefe
verificou tu d o , e eu tin h a feito o m ald ito serviço com perfeição. E n ­
tão, d e p o is disso, rea lm e n te deixei d e m e preo cu p ar. Já fui tra b a lh a r
co m p le ta m e n te d o id ão algum as m an h ã s. N ão tive a b so lu tam en te
p ro b le m a a lgum .
O p r o b le m a n ã o é ig u a lm e n te i m p o r ta n t e p a r a to d o s o s u s u á ­
r io s . A lg u n s d e le s e s tã o p r o te g id o s p o r s u a p a rtic ip a ç ã o s o c ia l;
eles e s tã o c o m p l e ta m e n te in te g r a d o s a o g r u p o d e s v ia n te . T o d o s
o s s e u s c o m p a n h e ir o s s a b e m q u e u s a m m a c o n h a e n i n g u é m se
i m p o r ta , a o p a s s o q u e s e u s c o n ta to s c o n v e n c io n a is s ã o r a r o s e s e m
i m p o r tâ n c i a . A lé m d iss o , a lg u m a s p e s s o a s e n c o n tr a m s o lu ç õ e s
id io s s in c r á tic a s q u e lh e s p e r m i te m a g ir q u a n d o d r o g a d a s s e m q u e
n in g u é m p e rc e b a .
Eles [os rapazes da vizinhança] n u n c a sabem se estou ou não d ro g a ­
do. Em geral estou, m as eles n ão sabem . S em p re tive fam a, d u ra n te
to d o o e n sin o m édio, de ser m eio pateta, sabe, en tão n ão im p o rta
o q ue eu faça, n inguém presta m u ita atenção. Posso ficar d ro g ad o
im p u n e m en te q uase em q u a lq u e r lugar.
E m s u m a , a s p e sso a s lim ita m s e u u s o d e m a c o n h a e m p r o p o r ­
ç ã o a o g ra u d e m e d o q u e s e n te m , rea l o u n ã o , d e q u e n ã o -u s u á r io s
81
82
Outsiders
im p o r ta n te s p a ra cies d e s c u b r a m q u e c o n s o m e m d ro g a s e re a ja m d e
m a n e ira p u n itiv a . Esse tip o d e c o n tr o le p e rd e a fo rç a q u a n d o o u s u á ­
r io d e s c o b re q u e s e u s m e d o s s ã o e x cessiv o s e irr e a is , q u a n d o p assa
a c o n c e b e r a p r á tic a c o m o a lg o q u e p o d e s e r m a n t i d o e m s e g re d o
c o m re la tiv a fa c ilid a d e . C a d a e s tá g io d e u s o s ó p o d e o c o r r e r d e p o is
q u e a p e s s o a re v iu s u a c o n c e p ç ã o d o s p e rig o s e n v o lv id o s n e le .
Moralidade
N o ç õ e s c o n v e n c io n a is d e m o r a l id a d e sã o o u t r o m e io p e lo q u a l o
u s o d e m a c o n h a é c o n tr o l a d o . O s i m p e r a tiv o s m o r a i s b á s ic o s q u e
o p e r a m a q u i s ã o o s q u e e x ig e m q u e o in d iv í d u o s e ja r e s p o n s á v e l
p o r s e u p r ó p r i o b e m - e s ta r , e c a p a z d e c o n tr o l a r s e u c o m p o r t a m e n ­
to r a c io n a lm e n te . O e s te r e ó tip o d o v ic ia d o e m d r o g a s r e t r a t a u m a
p e s so a q u e v io la esses im p e r a tiv o s . U m a re c e n te d e s c riç ã o d o u s u á ­
r io d e m a c o n h a ilu s tr a o s p r in c ip a is t ra ç o s d e sse e s te r e ó tip o :
Nos prim e iro s estágios de intoxicação a força d e v o n tad e é d e s tru í­
da, e inibições e restriçõ es são liberadas; as b a rre ira s m o rais são
d e rru b a d a s, o q u e resu lta m u itas vezes em devassidão e scxuaüaade.
O n d e a instabilidade m en tal é inerente, o c o m p o rtam e n to é em geral
violento. U m egoísta gozará d e delírios d e g ran d eza, o ind iv íd u o
tím id o sofrerá de ansied ad e, c o agressivo m u itas vezes desejará r e ­
c o rre r a atos de violência e crim e. T endências laten tes são liberadas,
e e m b o ra o sujeito possa sab er o q u e está a co n tecen d o , to rn o u -se
im p o ten te para evitá-las. O uso co n stan te p ro d u z in capacidade p ara
o tra b a lh o e d eso rien tação da v o n tad e .1
T e m o s d e a c re s c e n ta r a isso , c la ro , a id é ia d e q u e o u s u á r i o se
t o r n a u m e s c ra v o d a d r o g a , d e q u e se r e n d e v o l u n ta r ia m e n t e a u m
h á b it o p a r a o q u a l n ã o h á s a íd a . A p e s s o a q u e lev a e sse e s te r e ó tip o
a s é rio c o n f r o n t a - s e c o m u m o b s tá c u lo a o u s o d a d r o g a . E la n ã o
c o m e ç a rá , m a n t e r á o u a u m e n t a r á s e u u s o d e m a c o n h a a m e n o s
q u e p o s s a n e u tr a liz a r s u a s e n s ib ilid a d e a o e s te r e ó tip o , a c e ita n d o
Uso de maconha e controle social
u m a v is ã o a lte rn a tiv a d a p r á tic a . D e o u t r o m o d o , irá, c o m o o faria
a m a i o r p a r t e d o s m e m b r o s d a s o c ie d a d e , c o n d e n a r a si m e s m a
c o m o u m o u t s i d e r d e s v ia n te .
O in ic ia n te p a r t i lh o u e m a lg u m m o m e n t o a v isã o c o n v e n c io ­
n a l. N o c u rs o d e s u a p a rtic ip a ç ã o n u m s e g m e n to n ã o -c o n v e n c io n a l
d a s o c ie d a d e , c o n tu d o , é s u s c e tív e l d e a d q u ir i r u m a v isã o m a is
“e m a n c i p a d a ” d o s p a d rõ e s m o r a is im p líc ito s n a c a ra c te r iz a ç ã o
h a b itu a l d o u s u á r io d e d r o g a s , p e lo m e n o s a p o n t o d e n ã o r e je ita r
s u m a r ia m e n te a tiv id a d e s p o r q u e s ã o c o n d e n a d a s p o r c o n v e n ç ã o .
T alvez a o b s e rv a ç ã o d e o u t r o s c o n s u m id o re s o lev e a a p lic a r s u a
re je iç ã o d o s p a d r õ e s c o n v e n c io n a is a o c a so e s p e c ífic o d o u s o d e
m a c o n h a . E ssa in te r a ç ã o , p o r ta n t o , te n d e a f o r n e c e r as c o n d iç õ e s
q u e p e r m i te m a o n o v iç o e s c a p a r d a in flu ê n c ia d a s n o r m a s — p e lo
m e n o s o b a s ta n t e p a r a q u e e le a r r is q u e u m a p r im e ir a e x p e riê n c ia
c o m a d ro g a .
N o c u r s o d e u m a m a i o r e x p e riê n c ia c o m g r u p o s q u e u s a m a
d r o g a , o n o v iç o a d q u ir e u m a s é rie d e ra c io n a liz a ç õ e s e ju stific ativ a s
c o m a s q u a is p o d e r e s p o n d e r a o b je ç õ e s q u a n to ao u s o o c a s io n a l,
c a s o d e c id a e n v o lv e r-s e n e le . Se e le m e s m o s u s c ita r a s o b je ç õ e s d a
m o r a lid a d e c o n v e n c io n a l, e n c o n tr a r á r e s p o s ta s p r o n ta s d isp o n ív e is
n o f o lc lo re d o s g r u p o s q u e f u m a m m a c o n h a .
U m a d a s r a c io n a liz a ç õ e s m a is c o m u n s é q u e as p e s so a s c o n ­
v e n c io n a is e n tr e g a m - s e a p r á tic a s m u ito m a is n o c iv a s , e q u e u m
v íc io c o m p a r a tiv a m e n te p e q u e n o c o m o f u m a r m a c o n h a n ã o p o d e
s e r e r r a d o q u a n d o c o isa s c o m o o u s o d e á lc o o l s ã o tã o a ceitas:
(E n tão você n ã o c u rte álcool?] N ão, n ão c u rto n em u m pouco. [Por
q u e não?) N ão sei. R ealm ente n ã o curto . Bom , veja, o negócio é o
seguinte. A ntes q ue e u chegasse à idade em q u e os g aro to s com eçam
a beber, já estava p u x a n d o fum o e via as v antagens d isso,sabe, isto é,
n ã o h avia n e n h u m e n jô o e e ra m u ito m ais b arato . Essa foi u m a d as
p rim e ira s coisas q ue a p rendi, cara. P ara q u e você q u e r beber? B eber
é b obeira, sabe. f. tão m ais b a ra to p u x a r u m fu m o e a g ente n ão tem
enjôo, não e sujo e tom a m en o s tem po. E cl.i realm ente passou a ser
a coisa, sabe. Então eu puxei fum o antes d e beber, saca ...
Outsiders
(Q ue quer dizer co m "esi-n toi uniii das» p rim e ira s coisas que
apre n d e u ”?] B om , q u ero dizer, c co m o eu digo, eu estava co m eçando
a tra b a lh a r c o m o m ú sico q u a n d o com ecei a p u x ar fu m o , e estava
tam bém em co n d içõ es d e b e b e r n o trab alh o , sabe. I" aqueles caras
m e m o strara m q ue e ra b o bagem beber, files tam b é m n ão bebiam .
R a c io n a liz a ç õ e s a d ic io n a is p e r m i te m a o u s u á r i o s u g e rir p a ra
si m e s m o q u e o s e fe ito s d a d r o g a , a o in v é s d e n o c iv o s , s ã o d e fa to
b e n é fic o s:
Já fltmei alguns que fizeram eu m e se n tir... m u ito revigorado, e m e dá
tam bém um ó tim o apetite. D eixa a gente co m m u ita fom e. Isso p ro ­
vavelm ente é b o m para algum as pessoas que estão m agras dem ais.
F in a lm e n te , o u s u á rio , n e s se e s tá g io , n ã o e stá u s a n d o a d r o g a o
te m p o to d o . S e u u s o é p la n e ja d o ; c o n s id e r a - o a p r o p r i a d o e m c e rta s
o c a siõ e s , n ã o e m o u t r a s . A p r ó p r i a e x i s t ê n e a d e s se p la n e ja m e n to
lh e p e r m i te a s s e g u r a r a si m e s m o q u e c o n tr o l a a d r o g a , e ela t o r ­
n a -s e u m s ím b o lo d a i n o c u id a d e d a p r á tic a . E le n a o se c o n s id e r a
u m e s c ra v o d a d r o g a p o r q u e é c a p a z d e se a te r a o s e u p l a n o — e
s e a té m — , s e ja q u a l f o r a q u a n ti d a d e q u e s e p r o p o n h a c o n s u m ir.
O fato d e h a v e r o c a s iõ e s e m q u e , a p r in c íp io , ele n ã o u s a a d r o g a ,
p o d e lh e s e rv ir c o m o u m a p r o v a p a r a s i m e s m o d e s u a lib e r d a d e
c o m re la ç ã o a e la .
G osto de p u x a r fu m o e puxo p rin c ip alm en te q u a n d o esto u relaxan­
do, fazendo alg u m a coisa d e q u e gosto, c o m o o u v ir m úsica clássica
realm ente b oa, o u talvez ver u m lilm e o u algo assim , o u o u v ir u m
p ro g ra m a d e rádio. A lgum a coisa q u e eu gosto d e fazer, não p a rti­
cip a n d o cm ... c o m o .... }ogo golfe d u ra n te o verão, sabe, e u n s caras
com qu e m eu jog o p u x a ra m fu m o e n q u a n to estavam jo g an d o , eu
n ão p u d e e n te n d e r isso p o rq u e, vocé sabe, q u a n d o a g en te está
p a rtic ip a n d o d e u m a coisa, q u e r q u e a cabeça esteja n aq u ilo e nada
m ais, e se você e stiv e r,... p o rq u e eu acho, e u sei q u e ela faz a gente
relaxar e ... n ã o ach o q u e vocé p o ssa fazer isso tam b e m .
Uso de maconha e controle social
O i n d iv í d u o q u e a c e ita e s sa s id é ia s p o d e a d o t a r u m m o d o
d e u tiliz a ç ã o o c a s i o m l p o r q u e r e o r g a n iz o u s u a s n o ç õ e s m o r a is d e
m a n e ir a a p e r m i ti - l o , s o b re tu d o a o a d q u ir i r a c o n c e p ç ã o d e q u e o s
v a lo re s m o r a i s c o n v e n c io n a is s o b re d r o g a s n ã o s e a p lic a m a e sta
d r o g a q u e e le c o n s o m e , e q u e , d e t o d o m o d o , o u s o q u e faz d e la
n ã o se t o r n o u excessivo.
Se a u tiliz a ç ã o p r o g r id e a té o p o n t o d e se t o r n a r r e g u la r e s is ­
te m á tic a , p o d e m r e s s u r g ir q u e s tõ e s m o r a i s p a ra o u s u á rio , p o is ele
p a s sa a g o ra a p a re c e r, p a ra si m e s m o e p a r a o s o u tro s , o “v ic ia d o e m
d r o g a s ” d a m ito lo g ia p o p u la r . E le p r e c is a se c o n v e n c e r d e n o v o —
p a r a q u e o .u so r e g u la r p o s s a c o n t i n u a r — d e q u e n ã o c r u z o u
essa lin h a . O p r o b le m a e a p o s s ív e l s o lu ç ã o s ã o a p re s e n ta d o s n a
d e c la r a ç ã o d e u m u s u á r io r e g u la r:
Sei q u e n ão está se to rn a n d o u m h á b ito , m as eu fiquei u m p o u co
preocupado em saber se seria fácil parar, então tentei, fcstava fu m an d o
o tem p o todo, en tão sim plesm ente parei p o r um a sem ana inteira para
ver o q ue iria acontecer. N ão aconteceu nada. Então fiquei sabendo
q u e estava tu d o legal. Desde e n tã o ten h o usado tan to q u a n to quero.
C laro, não gostaria de ser u m escravo disso ou nada desse gênero,
m as não acho q ue isso aconteceria, a m en o s que eu fosse n eurótico
o u coisa parecida, e não acho q ue seja, n ão a tal ponlo.
A ra c io n a liz a ç ã o a n te rio r, d e q u e a d ro g a te m e fe ito s b e n é fic o s,
p e r m a n e c e in a lte r a d a e p o d e a té s o fr e r u m c o n s id e r á v e l d e s e n v o l­
v im e n to . M a s a q u e s tã o s u s c ita d a n a ú ltim a c ita ç ã o p r o v a - s e m a is
p e r t u r b a d o r a . E m v ista d o c o n s u m o a u m e n t a d o e re g u la r d a d ro g a ,
o u s u á r io n ã o te m c e rte z a d e s e r r e a lm e n te c a p a z d e c o n tr o lá - lo , d e
q u e n ã o se t o r n o u ta lv e z e s c ra v o d e u m h á b ito v ic io s o . T estes s ã o
f e ito s — o u s o é a b a n d o n a d o e a s c o n s e q ü ê n c ia s a g u a rd a d a s — ,
e, q u a n d o n a d a d e a d v e rs o o c o r r e , o u s u á r io é c a p a z d e c o n c lu ir
q u e n ã o h á o q u e te m e r.
O p r o b le m a , c o n tu d o , é d ifíc il p a r a a lg u n s d o s u s u á r io s m a is
s o fis tic a d o s , q u e e x tr a e m s u a s n o r m a s m o r a is m e n o s d o p e n s a ­
m e n t o c o n v e n c io n a l q u e d a “ te o r ia ” p s iq u iá tr ic a p o p u la r . O u s o o s
86
Outsiders
p r e o c u p a , n ã o e m t e r m o s c o n v e n c io n a is , m a s p e lo q u e p o d e in d ic a r
a c erca d e s u a s a ú d e m e n ta l. A c e ita n d o o p e n s a m e n to c o rr e n te s o b re
a s c a u s a s d o u s o d e d r o g a s , e les r a c io c in a m q u e n in g u é m iria u s a r
d r o g a s e m g r a n d e s q u a n ti d a d e s a m e n o s q u e h o u v e s s e “a lg o ” d e
" e r r a d o ” c o m ele, a m e n o s q u e h o u v e s s e a lg u m d e s a ju s te r e u r ó t ic o
q u e t o m a s s e as d r o g a s n e c e s s á ria s . F u m a r m a c o n h a t o r n a - s e u m
s ím b o lo d e f ra q u e z a p s íq u ic a e, e m ú ltim a a n á lis e , d e f ra q u e z a
m o ra l. Isso p r e d is p õ e a p e s so a c o n tr a a c o n ti n u a ç ã o d o u s o r e g u la r
e c a u s a u m r e t o r n o a o c o n s u m o o c a s io n a l, a m e n o s q u e u m a n o v a
ju stific a ç ã o s e ia d e s c o b e r ta .
llo m ,e u m e p e rg u n to se o m elh o r é não to m a r coisa n e n h u m a . Isso
ê o q ue dizem . Se b e m q u e já ouvi p siq u iatras dizerem : “Puxe to d o
o fum o q u e q uiser, m as não to q u e e m h e ro ín a ”
[F o m , parece sensato. J É, m as q u a n ta s pessoas conseguem isso?
N ão há m u ita s .... A cho que 75% o u talvez u m a po rcen tag em ainda
m aio r d as pessoas q ue puxam fu m o tê m u m p a d rã o d e c o m p o rta ­
m en to q u e as levaria a p uxar cada vez m ais fu m o e a se d istanciar cada
vez m ais das coisas. Acho q u e eu m esm o ten h o esse p adrão. Mas acho
que ten h o consciência disso, e n tão ach o q u e posso com batê-lo.
A n o ç ã o d e q u e t e r c o n s c iê n c ia d e u m p r o b le m a é re s o lv ê -lo
c o n s ti tu i u m a a u to iu s tif ic a tiv a n a c ir c u n s tâ n c ia a n te r io r . Q u a n d o
n ã o é p o ssível e n c o n t r a r e x p lic a çõ e s, o c o n s u m o c o n ti n u a e m b a s e s
o c a sio n a is , e o u s u á r i o e x p lic a su as ra z õ e s e m t e r m o s d a c o n c e p ç ã o
q u e te m d a te o r ia p s iq u iá tr ic a :
Bom , a c re d ito q u e as pessoas q u e se e n tre g a m ao c o n s u m o de
narcóticos, álcool e beb id a, q u a lq u e r estim u la n te desse tipo, nesse
nível, pro v av elm en te estão p ro c u ra n d o a fuga d e u m .\stado m ais
sério q u e o d o u su á rio m ais ou m en o s o casio n al. N ão ach o q u e eu
esteja fu g in d o d e nad a. A cho que, ap esar disso, perceb o q u e ain d a
tenho m u ito o q u e me a ju s ta r.... Hntào, n ão p o sso d iz e r q u e ten h a
n e n h u m a d o e n ç a ne u ró tica o u ineficiência s é r a co m que esteja
te n ta n d o lidar. M as n o caso d e c e rto s co n h ecid o s m eu s, pessoa*
Uso de maconha e controle social
q ue são alcoólatras crônicas o u viciadas em n arcóticos, ou fum antes
m u ito habituais, ten h o visto, ac o m p a n h a n d o essa condição, alguns
desajustes em sua? p ersonalidad es tam b ém .
C e r t a s c o n c e p ç õ e s d e c u n h o m o r a l s o b r e a n a tu r e z a d o
c o n s u m o d a d r o g a e o s u s u á rio s in flu e n c ia m , a s sim , o f u m a n te
d e m a c o n h a . Se e le f o r i n c a p a z d e in v a lid a r o u i g n o r a r e ssa s c o n ­
c e p ç õ e s , o u s o n ã o o c o r r e r á d e m a n e ir a a lg u m a ; e o g r a u d e u s o
p a re c e e s ta r r e la c io n a d o c o m o g r a u e m q u e a s c o n c e p ç õ e s d e ix a m
d e t e r in flu ê n c ia , s u b s titu íd a s p o r ra c io n a liz a ç õ e s e j u s tific a tiv a s
c o r r e n te s e n tr e u s u á rio s .
E m s u m a , u m a p e s s o a s e s e n tir á liv re p a ra u s a r m a c o n h a à
m e d id a q u e p a s se a c o n s id e r a r as c o n c e p ç õ e s c o n v e n c io n a is s o b re
e la c o m o as id é ia s m a l f u n d a m e n ta d a s d e o u ts id e r s e as s u b s titu a
p e la v is ã o “inside” q u e a d q u ir i u p o r m e io d e su<? e x p e riê n c ia c o m
a d r o g a n a c o m p a n h i a d e o u t r o s u s u á rio s .
87
A cultura de um grupo desviante:
o músico de casa noturna
E m b o r a o c o m p o r t a m e n to d e s v ia n te s e ja c o m f r e q ü ê n c ia p r o s c r i t o p o r le i — r o tu l a d o d e c r i m in o s o s e p r a tic a d o p o r a d u lto s ,
o u d e d e li n q ü e n te , se p r a tic a d o p o r jo v e n s — , a q u i e s te n ã o é
n e c e s s a r ia m e n te o c a so . O s m ú s ic o s d e c a sa n o t u r n a , c u ja c u ltu r a
in v e s tig a m o s n e s te e n o p r ó x im o c a p ítu lo , s ã o u m e x e m p lo p e r t i ­
n e n te . E m b o r a s u a s a tiv id a d e s e s te ja m f o r m a lm e n te d e n t r o d a lei,
s u a c u lt u r a e o m o d o d e v id a s ã o s u fic ie n te m e n te e x tra v a g a n te s
e n ã o -c o n v e n c io n a is p a r a q u e e le s s e ja m r o tu la d o s d e o u ts id e rs
p e lo s m e m b r o s m a is c o n v e n c io n a is d a c o m u n id a d e .
M u ito s g r u p o s d e s v ia n te s , e n tr e o s q u a is o s m ú s ic o s d e c a sa
n o t u r n a , s ã o e s tá v e is e d u r a d o u r o s . C o m o to d o s o s g r u p o s estáv eis,
d e s e n v o lv e m u m m o d o d e v id a c a ra c te rís tic o . P a ra c o m p r e e n d e r
o c o m p o r t a m e n to d e a lg u é m q u e é m e m b r o d e u m g r u p o d e s se
t ip o é n e c e s s á r io e n te n d e r ta l m o d o d e v id a .
R o b e r t R e d fie ld e x p re s s o u a c o n c e p ç ã o d e c u ltu r a d o a n t r o ­
p ó lo g o d a s e g u in te m a n e ira :
Ao falar de “c u ltu ra ”, tem os e m m en te os en te n d im e n to s convencio­
n ais, m an ifesto s em a to e a rte fa to q u e c a racterizam as sociedades.
O s “entendim entos” são os significados atrib u íd o s a atos e objetos. Os
significados são convencionais, e p o r ta n to c u ltu rais, à m ed id a q u e
se to rn a ra m típicos p a ra o s m e m b ro s dessa s o cied ad e em razão da
in te rc o m u n ic a ç ã o e n tre si. U m a c u ltu ra é, p o r co n seg u in te, u m a
a b stra çã o : é o c o n ju n to d e tip o s ao qu al ten d e m a se c o n fo rm a r
o s significados q u e os d ife ren te s m em b ro s da so cied ad e a trib u e m
a u m m esm o a to o u o b je to . O s sign ificad o s sáo exp resso s em
ações e nas p ro d u çõ e s de ações, a p a rtir d os q u a is os inferim os;
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Outsiders
p o d e m o s assim id en tific ar ta m b é m a “c u ltu ra
c o m o a m ed id a
q u e o c o m p o rta m e n to co n v en cio n al d o s m e m b ro s d a socied ad e
é o m e s m o pa ra to d o s.'
H u g h e s o b s e r v o u c,u e a c o n c e p ç ã o a n tr o p o l ó g ic a d a c u ltu r a
p a re c e s e r m a is a d e q u a d a p a r a a s o c ie d a d e h o m o g ê n e a , a s o c ie ­
d a d e p r im it iv a c o m a q u a l o a n tr o p ó l o g o tra b a lh a . M a s o t e r m o ,
n o s e n ti d o d e u m a o r g a n iz a ç ã o d e e n te n d i m e n t o s c o m u n s a c e ito s
p o r u m g r u p o , é ig u a lm e n te a p lic á v e l a o s g r u p o s m e n o r e s q u e
c o m p õ e m u r n a s o c ie d a d e m o d e r n a c o m p le x a , g r u p o s é tn ic o s ,
r e lig io s o s , re g io n a is , o c u p a e io n a is . i. p o ssív e l m o s t r a r q u e c a d a
u m d e s s e s g r u p o s t e m c e rto s tip o s d e e n te n d i m e n t o c o m u n s e,
p o r t a n t o , u m a c u ltu r a .
S e m p re q u e u m g r u p o d e pesso as te m p a rc ia lm e n te u m a v ida
c o m u m com u m p e q u e n o g rau d e iso lam en to em relação a o u tra s
pessoas, um a m esm a posição na sociedade, p ro b le m as c o m u n s e
talvez alguns inim ig o s c o m u n s, ali se c o n stitu i u m a c u itu ra. Pode
ser a c u ltu ra fantástica d o s infelizes q u e, te n d o se to rn a d o viciados
e m h e ro ín a , p a rtilh a m u m p raz e r p ro ib id o , u m a tragédia e um a
b a ta lh a c o n tra o m u n d o co n vencional. P ode ser a c u itu ra d e u m p ar
d e crianças que, e n fren tan d o os m esm os pais po d ero so s e arbitrários,
c ria m u m a linguag em e u m c o n ju n to d e co stu m e s p ró p rio s q u e
pe rsiste m esm o q u a n d o elas »e to rn a m g ran d e s e po d ero sas c o m o
o s pais. Pode ser a c u ltu ra d e u m g ru p o d e e stu d a n tes que, desejosos
de se to rn a r m édicos, v êem -se d ian te d os m esm o s cadáveres, testes,
pacientes com plicad o s, professores e o rie n ta d o re s /
M u it o s s u g e r i r a m q u e c u l t u r a s u r g e e s s e n c i a l m e n t e e m r e s ­
p o s ta a u m p r o b le m a e n f r e n ta d o c m c o m u m p o r u m g r u p o u e
p e s s o a s , à m e d i d a q u e e la s s ã o c a p a z e s d e i n te r a g i r e se c o m u n x a r
e n t r e si d e m a n e i r a eficaz.-1 P e s s o a s q u e s e e n v o lv e m e m a ti v i d a ­
d e s c o n s id e r a d a s d e s v ia n te s e n f r e n ta m t ip i c a m e n te o p r o b le m a
d e q u e s u a c o n c e p ç ã o a r e s p e ito d o q u e fa z e m n ã o é p a r t i lh a d a
p o r o u t r o s m e m b r o s d a s o c ie d a d e . O h o m o s s e x u a l a c h a q u e s u a
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
v id a s e x u a l é a d e q u a d a , m a s o s o u t r o s n ã o p e n s a m isso . O la d r ã o
j u lg a q u e é a p r o p r i a d o p a r a e le r o u b a r , m a s n i n g u é m m a is a c h a
iss o . Q u a n d o p e s s o a s q u e s e e n v o lv e m e m a ti v id a d e s d e s v ia n te s
t ê m o p o r t u n i d a d e d e in te r a g ir , é p ro v á v e l q u e d e s e n v o lv a m u m a
c u l t u r a c o n s ti tu í d a e m t o r n o d o s p r o b le m a s d e c o r r e n te s d a s d i ­
f e r e n ç a s e n t r e s u a d e f in iç ã o d o q u e fa z e m e a d e f in iç ã o a d o ta d a
p o r o u t r o s m e m b r o s d a s o c ie d a d e . E las d e s e n v o lv e m p e rs p e c tiv a s
s o b r e s i m e s m a s e s u a s a tiv id a d e s d e s v ia n te s e s o b r e s u a s r e la ç õ e s
c o m o u t r o s m e m b r o s d a s o c ie d a d e . ( A lg u n s a to s d e s v ia n te s , c la ro ,
s à o c o m e t id o s is o l a d a m e n t e , e a s p e s s o a s q u e o s c o m e t e m n ã o
t ê m o p o r t u n i d a d e d e d e s e n v o lv e r u m a c u lt u r a . E x e m p lo s d is s o
■>ão o p i r o f n a n ía c o c o m p u l s iv o o u o c l e p t o m a n í a c o .4) C o m o
o p e r a m d e n t r o d a c u l t u r a d a s o c ie d a d e m a is a m p l a , p o r é m
d if e r e n t e m e n t e dela> e ssa s c u lt u r a s s ã o m u it a s v e z es c h a m a d a s
d e s u b c u lt u r a s .
O m ú s ic o d e c a sa n o t u r n a , a c u ja c u lt u r a o u s u b c u lt u r a e s te
c a p ítu lo é d e d ic a d o , p o d e s e r d e fin id o s im p le s m e n te c o m o a lg u é m
q u e t o c a m ú s i c a p o p u l a r p o r d i n h e i r o . E x e rc e u m a o c u p a ç ã o
d o s e to r d e s e rv iç o s e a c u ltu r a d e q u e p a r tic ip a te m s e u c a r á te r
d e te r m i n a d o p e lo s p r o b le m a s c o m u n s d e s se tip o d e o c u p a ç ã o d e
s e rv iç o . E sses tra b a lh o s d i s tin g u e m - s e e m g e ra l p e lo f a to d e , n e le s,
o t r a b a lh a d o r e n t r a r e m c o n ta t o m a is o u m e n o s d ir e to e p e sso a l
c o m o c o n s u m i d o r fin a l d o p r o d u to d e s e u t ra b a lh o , o c lie n te p a r a
q u e m e x e c u ta o s e rv iç o . C o n s e q ü e n te m e n te , o c lie n te é c a p a z d e
d i r i g ir o u t e n t a r d i r i g ir o tr a b a lh a d o r e m s u a t a r e ia e d e a p lic a r
s a n ç õ e s d e v á rio s tip o s , v a r i a n d o d e s d e a p re s s ã o i n f o r m a l a té a
r e c u s a d o s e rv iç o , q u e p a s sa a ser s o lic ita d o a o u t r a s d a s m u ita s
p e s s o a s q u e o e x e c u ta m .
O c u p a ç õ e s d e s e rv iç o r e ú n e m u m a p e s s o a c u ja a tiv id a d e e m
t e m p o i n te g r a l e s tá c e n tr a d a n e s se o fíc io — e c u jo e u e s tá p r o ­
f u n d a m e n te e n v o lv id o n e le — e o u t r a c u ja r e la ç ã o c o m o s e rv iç o
p r e s ta d o é m u i t o m a is c a su a l. T alvez s e ja in e v itá v e l q u e as d u a s
te n h a m v is õ e s a m p la m e n te d ife r e n te s a r e s p e ito d e c o m o o s e rv iç o
d e v e s e r r e a liz a d o . D e m o d o típ ic o , m e m b r o s d e o c u p a ç õ e s n o
s e to r d e s e rv iç o s c o n s id e r a m o c lie n te in c a p a z d e j u lg a r o v a lo r
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Outsiders
p r ó p r i o d o s e rv iç o c se r e s s e n te m a m a r g a m e n t e d a s t e n ta tiv a s q u e
e le faz p a r a e x e rc e r c o n tr o l e s o b r e o tr a b a lh o . E m c o n s e q ü ê n c ia ,
s u rg e m c o n flito s e h o s tilid a d e s , o s m é t o d o s d e d e fe s a c o n tr a i
i n te r f e r ê n c ia e x te r n a t o r n a m - s e u m a p r e o c u p a ç ã o d o s m e m b r o s
d o g r u p o , e u m a s u b c u lt u r a se d e s e n v o lv e e m t o r n o d e s se c o n ju n t o
d e p r o b le m a s .
O s m ú s ic o s a c h a m q u e a ú n ic a m ú s ic a q u e v a le a p e n a t o c a r
é o q u e c h a m u m d e “ja z z ”, t e r m o q u e p o d e s e r p a r c ia lm e n te d e ­
fin id o c o m o a q u e la m ú s ic a p r o d u z i d a s e m re f e r ê n c ia à s d e m a n ­
d a s d e o u ts id e rs . N o e n ta n t o , e le s tê m d e s u p o r t a r a in c e s s a n te
in te r fe r ê n c ia n o q u e to c a m p o r p a r t e d e p a tr õ e s e d o p ú b lic o . O
p r o b le m a m a is á r d u o n a c a r r e ir a d o m ú s ic o m é d io , c o m o i re m o s
ver, é a n e c e s s id a d e d e e s c o lh e r e n tr e s u c e s s o c o n v e n c io n a l e se u s
p a d r õ e s a rtís tic o s . P i r a a lc a n ç a r s u c e s s o , ele s e n te n e c e s s id a d e d e
se “ t o r n a r c o m e r c ia l”, is to é, t o c a r d e a c o r d o c o m o s d e s e jo s d o s
n ã o - m ú s ic o s p a ra q u e m t r a b a lh a ; a o faz ê -lo , s a c rific a o r e s p e ito d e
o u t r o s m ú s ic o s e , a s s im , n a m a i o r ia d o s c a s o s , s e u a u to - r e s p e ito .
Se c o n t i n u a r riel a s e u s p a d r õ e s , e s ta r á e m g e ra l c o n d e n a d o a o
fra c a s s o n a s o c ie d a d e m a is a m p la . O s m ú s ic o s s e c la s s ific a m d e
a c o rd o c o m o g r a u e m q u e c e d e m a o s o u ts id e r s ; o co n tim n m t v a ria
d e s d e o m ú s ic o d e “j a z z ”, n u m e x tr e m o , a té o m u s ic o “c o m e r c ia l”,
n o o u tr o .
F o c a liz a re i a d ia n t e o s s e g u in te s p o n t o s : (1 ) a s c o n c e p ç õ e s
q u e o s m ú s ic o s t ê m d e n m e s m o s e d o s n ã o - m ú s ic o s c o m q u e m
t r a b a lh a m e o s c o n f lito s q u e lh e s p a r e c e m in e r e n te s a e s sa r e ­
la ç ã o ; ( 2 ) o c o n s e n s o b á s ic o s u b ja c e n te à s r e a ç õ e s d e m ú s ic o s
c o m e r c ia is e d e ja z z d i a n t e d e s s e c o n flito ; e (3 ) o s s e n ti m e n t o s d e
is o la m e n to q u e o s m ú s ic o s e x p e r i m e n t a m e m re la ç ã o à s o c ie d a d e
m a is a m p l a , e o m o d o c o m o s e s e g re g a m d o p ú b lic o e d a c o m u ­
n i d a d e . O s p r o b le m a s q u e s u r g e m d a d i f e r e n ç a e n t r e a m a n e i r a
c o m o o s m ú s ic o s d e f i n e m s e u tr a b a lh o e a q u e la s c o m o a s p e s s o a s
p a r a q u e m t r a b a lh a m o s c o n c e b e m p o d e m s e r c o n s id e r a d o s u m
p r o t ó t i p o d o s p r o b le m a s q u e o s d e s v ia n te s e n f r e n ta m a o lid a r
c o m o u t s i d e r s q u e tê m u m a v is ã o d if e r e n te d e s u a s a tiv id a d e s
d e s v ia n te s .5
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
A pesquisa
C o lh i o m a te ria l d e s te e s tu d o p o r m e io d e o b s e rv a ç ã o p a r tic ip a n te ,
in te r a g in d o c o m m ú s ic o s n a v a rie d a d e d e s itu a ç õ e s q u e c o m p õ e m
s u a s v id a s d e tra b a lh o e lazer. N a é p o c a e m q u e fiz a p e s q u is a , e u
e r a p i a n is ta p ro fis s io n a l h á a lg u n s a n o s e a lu a v a e m c írc u lo s m u ­
s ic a is d e C h ic a g o . Iss o fo i e m 1948 e 1949, p e r ío d o e m q u e m ú s i­
c o s a p ro v e ita v a m o s b e n e fíc io s p re v is to s p e lo G .I. Bill.* A s s im , o
fa to d e e u f re q ü e n ta r a u n iv e r s id a d e n ã o m e d ife re n ç a v a n o m e io
m u sic a l. T r a b a lh e i c o m m u ita s b a n d a s d e d ife re n te s tip o s d u r a n t e
esse p e r í o d o e fiz a m p la s a n o ta ç õ e s s o b re o s e v e n to s q u e o c o rr ia m
e n q u a n to esta v a c o m o u tr o s m ú sic o s . A m a io r ia d a s p e s so a s q u e e u
o b s e rv a v a n ã o s a b ia q u e e u estava fa z e n d o u m e s tu d o s o b re m ú sic o s.
R a r a m e n te e u realizava a lg u m a e n tre v is ta fo rm a l, c o n c e n tr a n d o - m e
a n te s e m o u v i r e r e g is tr a r a s c o n v e rsa s h a b itu a is q u e o c o rr ia m e n tr e
o s m ú s ic o s . A m a i o r p a r te d e m in h a s o b s e rv a ç õ e s fo i re a liz a d a n o
t r a b a lh o e a té n o p a lc o , e n q u a n to t o c á v a m o s . C o n v e rs a s ú te is p a r a
m e u s o b je tiv o s o c o r r i a m m u ita s vezes n o s c o s tu m e ir o s “ m e rc a d o s
d e e m p r e g o ”, n o s e s c r itó r io s d o s in d ic a to lo cal, o n d e m ú s ic o s à
p r o c u r a d e t r a b a lh o e líd e re s d e b a n d a à p r o c u r a d e h o m e n s p a ra
c o n tr a ta r se r e u n ia m n a s tarde.s d e s e g u n d a - f e ir a e s á b a d o .
O m u n d o d o m ú s ic o d e c a sa n o t u r n a é e x tr e m a m e n te d ife ­
r e n c ia d o . A lg u n s to c a m s o b r e lu d o e m b a re s e cafés, e m b a ir r o s
d is ta n te s o u n a á re a c e n tra l. A lg u n s to c a m c o m b a n d a s m a io re s , e m
s a iõ e s d e d a n ç a e b o a te s . O u tr o s , e m vez d e tr a b a lh a r r e g u la rm e n te
n u m lu g a r, a tu a m c o m b a n d a s q u e to c a m e m b a ile s p r iv a d o s e
fe sta s e m h o té is e c lu b e s c a m p e s tr e s . O u t r o s h o m e n s a in d a to c a m
c o m b a n d a s fa m o s a s, n a c io n a lm e n te c o n h e c id a s , o u tra b a lh a m e m
e s tú d io s d e r á d io e te le v is ã o . O s q u e tra b a lh a m c m c a d a t ip o d e
c o n te x to tê m p r o b le m a s e a titu d e s c a ra c te rís tic o s d e s se c o n te x to .
E u to c a v a p r in c ip a lm e n te e m b are? e c a b a ré s , e o c a s io n a lm e n te c o m
v á rio s tip o s d e b a n d a q u e fa z ia m a p re s e n ta ç õ e s a v u lsa s. M a s tin h a
b a s ta n te c o n ta t o c o m m e m b r o s d o s o u tr o s g r u p o s — p o r m e io do
’ G.I. Bill o f Rights, o u T he Servicemcn*s R eadjustm ent Acl, lei sancionada cm
ju n h o de 1944 q u e garantia aos militares veteranos um u am pla gainu de benefícios,
inclusive din h eiro para o pagam ento de estudos universitários. (N .T.)
94
Outsiders
e n c o n tr o s e m serv iç o s o c a s io n a is e n o p r é d io d o s in d ic a to — p a ra
p o d e r c o lh e r e v id ê n c ia s d c s u a s a titu d e s e a tiv id a d e s .
Q u a n d o c o m p le ta v a a p e sq u isa , tra b a lh e i c o m o m ú sic o e m d o is
o u t r o s lu g a re s : u m a p e q u e n a c id a d e u n iv e rs itá ria ( C h a m p a ig n -U rb a n a , I llin o is ) e u m a c id a d e g r a n d e , e m b o r a n ã o t ã o g r a n d e q u a n to
C h ic a g o (K a n sa s C ity , M is s o u ri). H á d is p a rid a d e s n a o rg a n iz a ç ã o d a
p ro fis sã o d e m ú sic o a sso c ia d as às d ife re n ç a s d e t a m a n h o d a s c id a d e s.
E m C h ic a g o , é m u ito m a is fácil p a ra u m m ú s ic o e sp e c ia liz a r-s e . Ele
p o d e sei m ú s ic o d e s a lã o d e d a n ç a , o u tr a b a lh a r s o m e n te e m c a b a ­
rés e b o a te s ( c o m o e u faz ia ). N a s c id a d e s m e n o r e s , n e n h u m d esses
tip o s d e t r a b a lh o e x iste e m q u a n tid a d e s u fic ie n te , e, a lé m d isso , h á
m e n o s m ú sic o s c m p r o p o r ç ã o à p o p u la ç ã o . U m m ú sic o , p o r ta n to ,
p o d e s e r c h a m a d o p a r a to c a r e m q u a lq u e r u m d o s v á rio s c o n te x to s
q u e d e sc re v i, seja p o r q u e te m p o u c a e sco lh a q u a n to a o n d e to ca r, seja
p o r q u e o líd e r d e b a n d a q u e p r o c u r a a lg u é m p a ra t r a b a lh a r c o m ele
te m p o u c a o p ç ã o e n tr e o s m ú sic o s d isp o n ív e is. E m b o ra e u n ã o te n h a
m a n t i d o r e g is tro s fo rm a is d e m ir .h a s e x p e riê n c ia s n e s se s o u tr o s
c o n te x to s , n e n h u m d e le s fo rn e c e u d a d o s q u e e x ig issem m u d a n ç a s
n a s c o n c lu s õ e s a q u e c h e g u e i c o m b a s e n o s m a te ria is d e C h ic a g o .
Músico e "quadrado"
O s is te m a d e c re n ç a s s o b r e o q u e s ã o o s m ú s ic o s e o q u e s ã o o s
p ú b lic o s é r e s u m id o e m u m a p a la v r a e m p r e g a d a p e lo s p r im e ir o s
p a r a se r e f e r ir a o s o u t s i d e r s — “q u a d r a d o ” [squaré]. E la é u tiliz a d a
c o m o s u b s ta n tiv o e a d je tiv o , d e n o ta n d o ta n t o u m t ip o d e p e s s o a
q u a n to u m a q u a lid a d e d e c o m p o r t a m e n to e o b je to s . R e fe re -se 10
tip o d e p e s s o a q u e é o o p o s to d o q u e t o d o m ú s ic o é, o u d e v e ria ser;
e u m a m a n e ira d e p e n s a r, s e n tir e se c o m p o r t a r ( c o m s u a e x p re s s ã o
e m o b je to s m a te r ia is ) o p o s ta à q u ilo q u e o s m ú s ic o s a p re c ia m .
O m ú s ic o é c o n c e b id o c o m o u m a r tis ta q u e p o s s u i u m m is te ­
r io s o d o m a r tís tic o q u e o d is tin g u e d e to d o s o s d e m a is . P o s s u in d o
esse d o m , ele d e v e ria e s ta r liv re d e c o n tr o le p o r p a r te d e o u ts id e rs
q u e n ã o o d e tê m . O d o m e a lg o q u e n ã o p o d e se r a d q u ir i d o p e la
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
in s tr u ç ã o ; o o u t s i d e r ja m a is p o d e r á , p o r ta n t o , to r n a r - s e m e m b r o
d o g r u p o . U m t r o m b o n is t a d isse : “ N ã o s e p o d e e n s in a r u m s u je ito
a t e r b a tid a . O u e le te m o u n ã o te m . Se n ã o te m , v o c ê n ã o p o d e
lh e e n s in a r isso.”
O m ú s i c o a c h a q u e e m n e n h u m a c ir c u n s tâ n c ia s e d e v e ria
p e r m i t i r q u e u m o u t s i d e r lh e d iss e s s e o q u e to c a r o u c o m o to c a r .
D e f a to , o e le m e n to m a is f o r t e n o c ó d ig o d o s c o le g a s é a p r o i ­
b iç ã o d e c r i t ic a r o u t e n t a r p r e s s i o n a r d e q u a lq u e r m a n e i r a u m
o u t r o m ú s ic o n a s it u a ç ã o re a l d e t o c a r “n o t r a b a l h o ”. Se n ã o é
p e r m i t i d o n e m a u m c o le g a i n f l u e n c i a r o tr a b a lh o , é im p e n s á v e l
q u e s e p e r m i ta q u e u m o u t s i d e r o faç a .
E ssa a ti t u d e é g e n e ra liz a d a n u m s e n tim e n to d e q u e o s m ú sic o s
s ã o d ife r e n te s d e o u t r o s t ip o s d e g e n te e m e lh o r e s q u e eles, n ã o
d e v e n d o a s s im e s ta r s u je ito s a o c o n tr o le d e o u ts id e r s e m q u a l­
q u e r e s fe ra d a v id a , e m p a r t i c u l a r e m s u a s a tiv id a d e s a rtís tic a s . O
s e n ti m e n t o d e s e r a lg u é m d ife r e n te q u e lev a u m a v id a d ife r e n te é
a rr a ig a d o , c o m o in d ic a m o s s e g u in te s c o m e n tá rio s :
E stou lhe dizendo, o s m úsicos são diferen tes das o u tra s pessoas.
Falam de m a n e ira diferente, ugem de m an e ira diferente, parecem
diferentes. S im plesm ente n ã o são c o m o as o u tra s pessoas, só iss o ....
Sabe, é difícil deixar a profissão de m úsico p o rq u e a g en te se sente
tão d iferente d o s o utros.
O s m ú sic o s vivem u m a vid a e xó tica, c o m o n u m a selva o u
coisa parecida. Q u a n d o com eçam , são garotos c o m u n s d e cidades
pequenas — m as, depois q ue e n tra m nessa vida, m u d am . É com o
u m a selva, com a diferença q ue a selva deles é u m ô n ib u s quente,
a p in h a d o . Você vive esse tip o c e vida d u ra n te u m tem p o e fica
com p le ta m e n te diferente.
É ó tim o ser m úsico, n u n c a vou m e arrep en d er. C o m p ree n d o
coisas q u e o s q u a d ra d o s n u n c a com preen d erão .
U m e x tr e m o d e s sa c o n c e p ç ã o é a c re n ç a d e q u e s o m e n te m ú ­
s ic o s s ã o se n sív e is e n ã o -c o n v e n c io n a is o b a s ta n te p a ra c o n s e g u ir
d a r v e rd a d e ira s a tis fa ç ã o se x u a l a u m a m u lh e r.
96
Outsiders
F o r te m e n te i m b u í d o s d e s u a d ife r e n ç a , o s m ú s ic o s a c re d ita m
t a m b é m n ã o t e r q u a l q u e r o b r ig a ç ã o d e i m i ta r o c o m p o r t a m e n to
c o n v e n c io n a l d o s q u a d r a d o s . D a id é ia d e q u e n i n g u é m p o d e d i ­
z e r a u m m ú s ic o c o m o to c a r d e c o r r e l o g ic a m e n te a n o ç ã o d e q u e
n i n g u é m p o d e d iz e r a u m m ú s ic o c o m o fa z e r c o is a a lg u m a . A ssim ,
o c o m p o r t a m e n to q u e z o m b a d e n o r m a s s o c ia is c o n v e n c io n a is é
m u it o a d m i r a d o . H is tó r ia s re v e la m e ssa a d m i r a ç ã o p o r a tiv id a d e s
b a s ta n t e i n d iv i d u a is , e s p o n tâ n e a s , a le g r e m e n t e i rr e s p o n s á v e is ;
m u it o s d o s m a is f a m o s o s ja zzm e n s ã o r e n o m a d o s c o m o “p e r s o n a ­
lid a d e s ”, e s u a s p r o e z a s s ã o a m p l a m e n t e r e c o n ta d a s . P o r e x e m p lo ,
u m c o n h e c id o jazztnan ficou fa m o so p o r t e r s a lta d o n o ca v alo d e u m
p o lic ia l q u e e s ta v a p a r a d o e m fre n te à b o a te e m q u e t ra b a lh a v a e ir
c a v a lg a n d o . O m ú s ic o c o m u m g o s ta d e c o n ta r h is tó r ia s d e c o isa s
n ã o - c o n v e n c io n a is q u e fez:
T ocam os n o baile e dep o is q u e o trab alh o te rm in o u fizem os as m alas
p a ra e n tra .- n o velho ô n ib u s e voltar a D etro it. A u m a p eq uena d is­
tância d a cidade, o ô n ib u s sim plesm ente se recu so u ?. funcionar. H a ­
via gasolina, m as ele sim plesm ente n ã o n d a v a . U ns caras desceram e
ficaram p o r ali resm un g an d o . De repente alguém disse: “Vam os tacar
fogo nele!” E n tão alguém tiro u u m p o u c o de gasolina d o s tnnques
e b o rrifo u em volta, e n co sto u um fósforo e... xispe! Sim plesm ente
virou fum aça. Q u e experiência! O ô n ib u s q u e im a n d o e os caras em
volta g rita n d o e b a te n d o palm as. Foi realm en te u m espetáculo.
is s o é m a is q u e id io s s in c r a s ia ; é u m v a lo r o c u p a c io n a l b á sic o ,
c o m o in d ic a d o p e la s e g u in te o b s e rv a ç ã o d e u m jo v e m m ú sic o :
“ S a b e , o s m a i o r e s h e r ó is n o m e io m u s ic a l s ã o o s g r a n d e s e x c ê n ­
tric o s . Q u a n t o m a is m a lu c o u m c a ra se m o s t r a , m a i o r e le é ,e m a is
to d o s g o s ta m d e le .”
A ssim c o m o r.ã o d e s e ja m s e r o b r ig a d o s a v i '’e r e m te r m o s
d e c o n v e n ç õ e s s o c ia is , o s m ú s i c o s n ã o t e n t a m i m p i n g ir e s sa s
c o n v e n ç õ e s a o s o u t r o s . P o r e x e m p lo , u m m ú s ic o d e c la r o u q u e
a d i s c r im in a ç ã o é tn ic a é e r r a d a , já q u e t o d o m u n d o t e m d ir e ito a
a g ir c o m o q u is e r e a c re d ita r n o q u e q u is e r:
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
M erda, n ã o a c redito em n e n h u m a d iscrim in ação desse tipo. As p es­
soas são pessoas, n ão im p o rta q u e sejam latin as, judias, irlandesas,
polacas o u o quê. Só os tre m en d o s q u a d ra d o s se im p o rta m com a
religião delas. Isso n ã o significa p o rra n e n h u m a p a ra m im . Cada
u m tem d ire ito a a cred itar n o q ue b em e n ten d e. É isso q u e eu acho.
Claro, eu m esm o n u n c a vou à igreja, m as n ã o critico q u em vai. Tudo
b e m se você g o sta desse tip o de coisa.
O m e s m o m ú s ic o c lassificava d e e r r a d o o c o m p o r t a m e n to
se x u a l d e u m a m ig o , e m b o r a d e fe n d e s s e o d i r e i to q u e o in d iv íd u o
te m d e d e c id i r o q u e é c e rto e e r r a d o p a r a si m e s m o .
Eddie trepa dem ais p o r aí; ele vai acabar se m ata n d o o u sendo m o rto
p o r algum a garota. E depois ele tem u m a ó tim a m u lh e r tam bém . Não
deveria tratá-la desse jeito. M as foda-se, isso é problem a dele. Se é assim
que ele q u e r viver, se é feliz desse jeito, en tão é assim que tem d e ser.
M ú s ic o s t o le r a r ã o c o m p o r ta m e n to e x tr a o rd in á rio n u m c o leg a
m ú s ic o s e m fa z e r te n ta tiv a a lg u m a d e p u n i - l o o u c o ib i-lo . N o i n ­
c id e n t e a s e g u ir, o c o m p o r t a m e n to d e s c o n tr o la d o d e u m b a te r is ta
le v o u a b a n d a a p e r d e r u m t ra b a lh o ; 110 e n ta n to , p o r m a is fu rio s o s
q u e e stiv e sse m , e m p r e s ta r a m - lh e d in h e ir o e se a b s tiv e ra m d e p u n ilo d e a lg u m a m a n e ira . Se a lg u é m c r e p r e e n d e s s e , te ria s id o u m a
q u e b r a d o s c o s tu m e s .
te r r y :
Q u a n d o chegam os lá, a p rim e ira coisa q u e aco n teceu foi
q u e a b a te ria dele n ã o apareceu. O p ro p rie tá r io teve d e sair e
p r o c u r a r u m a b a te ria em todr, p a rte p a ra ele, e n isso a m asso u
um p á ra -la m a . Vi n o a to q u e n ã o e stáv am o s co m e ç a n d o bem . E
Jack! C ara, o p a trã o é u m latin o velho, você sabe, n ã o estava p a ra
conversa fiada, ele d irig e um a casa de jogo; n ã o aceita d esaforo de
nin g u ém . E n tão ele disse a Jack; “O q u e você vai lazer sem bateria?”
Jack resp o n d e u :" F ic a feio, p apito, vai d a r tu d o a -rto , voa* vai ver."
Pensei q u e o velho fosse p e rd e r as estrib eiras. Q u e m an e ira d e falar
com o p a trã o , ('a ra , ele o lh o u em volta c o m logo nos o lh o s. Eu
Outsiders
sabia q u e n ã o iría m o s ficar d e p o is d essa. Ele m e p e rg u n to u : “Esse
b a te ris ta é b o m d a cabeça?” Eu resp o n d i: “N ã o sei, n u n c a o vi a n ­
t e s ” E a c a b a m o s c o n ta n d o p a ra ele q u e v ín h am o s to c a n d o ju n to s
havia seis m eses. E n tão isso a ju d o u tam b é m . C laro , q u a n d o Jack
c o m e ç o u a to ca r, foi o fim . T ã o alto! E n ã o to c o u u m a b a tid a de
jeito algum . Só u sava o b u m b o p ara as b atid as m ais fo rtes. Q u e tip o
d e p ercussão e ra aquela? Q u a n to ao m ais, era u m a b o a tu rm in h a .
... Era um b o m tra b a lh o . P o d eríam o s te r ficado lá p a ra s e m p r e ....
B om , d e p o is q u e to ca m o s u m as d u as seq üências, o p a trã o n o s disse
q ue e stá v a m o s fora.
b ec k e r:
je rry :
Q u e aconteceu d ep o is q u e vocês fo ra m despedidos?
O p a trã o d eu 20 p au s p ara cada u m e disse p a ra voltarmo.-.
p a ra casa. C o m o gastam o s 17 d ó lares p a ra o tra n s p o rte d e id a e
v olta, fatu ram o s três peio trab alh o . C laro, v im o s m u ita s árvores.
Três p au s, m erd a , n ã o fatu ram o s n e m isso. E m p re stam o s u n s sete
o u o ito p a ra o Jack.
D e s s e m o d o , o m ú s ic o v ê a si e a o s s e u s c o le g a s c o m o p e s so a s
c o m u m d o m e s p e c ia l q u e as t o r n a d ife r e n te s d e n ã o - m ú s ic o s e
q u e n ã o e s tã o s u je ita s a se u c o n tr o le , seja 110 d e s e m p e n h o m u sic a l,
s e ja n o c o m p o r t a m e n t o s o c ia l c o m u m .
O q u a d r a d o , p o r o u t r o la d o , n ã o p o s s u i esse d o m e sp ec ia l
n e m q u a lq u e r c o m p r e e n s ã o d a m ú s ic a o u d o m o d o d e v id a d o s
q u e o p o s s u e m . O q u a d r a d o é v isto c o m o u m a p e s so a ig n o r a n t e e
in to l e r a n t e , q u e d e v e s e r te m id a , u m a v e z q u e p r o d u z a s p re s s õ e s
q u e f o rç a m 0 m ú s ic o a t o c a r d e m a n e ira n ã o a rtís tic a . A d ific u ld a d e
d o m ú s ic o r e s id e n o fa to d e q u e o q u a d r a d o e s tá e m c o n d iç õ e s d e
i m p o r s u a v o n ta d e : se n ã o g o s ta r d o t ip o d e m ú s ic a to c a d o , n a o
p a g a rá p a r a o u v i - l a u m a s e g u n d a vez.
S e m c o m p r e e n d e r n a d a d e m ú s ic a , o q u a d r a d o a a v a lia s e ­
g u n d o p a d r õ e s e s tr a n h o s a o s m ú s ic o s e n ã o r e s p e ita d o s p o r eles.
U m s a x o fo n is ta c o m e r c ia l c o m e n t o u s a rc a s tic a m e n te :
N ã o faz a m e n o r diferen ça o q u e lo cam os, o m o d o c o m o tocam os
É tã o sim ples q u e q u a lq u e r u m q u e ten h a to cad o p o r m .üs d e um
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
m ês consegue se virar. O c ara toca u m refrão n o p ian o , o u coisa
parecida, d epois os saxes o u o u tro s in stru m e n to s rep etem aquilo em
uníssono. É m u ito fácil. M as as pessoas n ã o se im p o rta m . C o n ta n to
que consigam o u v ir o baterista está tu d o b em . Elas o u v em a b a te ria ,
assim sabem p ô r o p é dire ito d ian te d o e sq u erd o e o p é e sq u erd o
d ian te d o direito. E se conseguirem a p re n d e r a assoviar a m elo d ia,
ficam felizes. Q u e m ais p o d e ria m querer?
A s e g u in te c o n v e rs a ilu s tr a a m e s m a a titu d e ;
jo e :
Se você saísse d o e s tia d o e and asse e n tre as m esas, alguém
diria: “Rapaz, gosto m u ito d a sua banda." Só p o rq u e você tocava
suavem ente e o saxofonista tam b é m tocava violino, o u coisa q u e o
valha, os q u a d ra d o s gostavam ...
d ic k :
Foi c o m o q u a n d o eu trabalhei n o M . Club. Todos o s caras q u e
tin h a m sido m eu s colegas n o e nsino m éd io co stu m av am ir e c u rtir
a b a n d a .... Foi u m a d as piores b a n d a s em q u e já trab alh ei, m as eles
achavam u m a m aravilha.
jo e :
A h, é, eles são um a cam bada de q u a d ra d o s, d e to d o m odo.
C o n s id e ra - s e q u e a “q u a d r a d ic e ” p e n e tr a to d o s o s a s p e c to s d o
c o m p o r t a m e n to d o q u a d r a d o , a s sim c o m o se u o p o s to , o “a v a n ç o ”
é e v id e n te e m t u d o q u e o m ú s ic o faz. O q u a d r a d o p a re c e fa z e r
t u d o e r r a d o , é r is ív e l e r id íc u lo . O m ú s ic o se d iv e r te m u it o se
s e n ta n d o e o b s e r v a n d o o s q u a d r a d o s . T o d o s t ê m h is tó r ia s p a ra
c o n t a r s o b re a s to lic e s ris ív e is d e q u a d r a d o s . U m h o m e m c h e g o u
a p o n t o d e s u g e r i r q u e o s m ú s ic o s d e v ia m t r o c a r d e lu g a r c o m as
p e s s o a s q u e e s ta v a m s e n ta d a s a o b a lc ã o d o c a fé o n d e tra b a lh a v a ;
a fir m a v a q u e e la s e r a m m a is e n g ra ç a d a s e d iv e r tid a s d o q u e e le
ja m a is c o n s e g u ir ia ser. T o d o s o s ite n s d o v e s tu á r io , fala e c o m p o r ­
t a m e n t o q u e d ife r e m d a q u e le s d o m ú s ic o s ã o c o n s id e r a d o s n o v a s
e v id ê n c ia s d a in s e n s ib ilid a d e e i g n o râ n c ia in e r e n te s d o q u a d ra d o .
C o m o o s m ú s ic o s t ê m u m a c u lt u r a h e r m é ti c a , e s sa s e v id ê n c ia s
s ã o m u ita s e s e r v e m a p e n a s p a r a fo rta le c e r s u a c o n v ic ç ã o d e q u e
m ú s ic o s e q u a d r a d o s s ã o d o is tip o s d ife r e n te s d e p e sso a .
99
ICO
Outsiders
M a s t a m b é m te m e -s e o q u a d r a d o , u m a vez q u e é v is to c o m o
a f o n te m á x im a d a p re s s ã o c o m e r c ia l. É a ig n o râ n c ia d o q u a d r a d o
q u e o b r ig a o m ú s ic o a t o c a r o q u e c o n s id e r a m ú s ic a r u im a fim
d e te r s u c esso .
b e c k e r:
C o m o você se sente e m relação i s pessoas p a ra q u e m t( ca,
o público?
dave:
Eles são u m saco.
becker:
lm v e :
P or q u e d ’z isso?
B om , p o rq u e, s e vocé e s t á n u m a b an d a com ercial, eles gostam ,
e assim vocc tem de to car m ais coisas m elosas. Se vocé está tra b a ­
lh a n d o n u m a b a n d a b o a, eles n ao g o stam , e isso é u m saco. Se você
está tra b a lh a n d o n u m a b a n d a b o a e eles gostam , é u m saco tam b ém .
A gente os detesta d e q u a lq u e r m an e ira , p o rq u e sabe q u e eles n ão
co n h e ce m nada. Eles são sim p le sm e n te u m g ra n d e saco.
A ú l t i m a a f ir m a ç ã o re v e la q u e a q u e le s q u e te n t a m e v ita r s e r
q u a d r a d o s a in d a sã o c o n s id e r a d o s c o m o tal, p o r q u e a in d a lh es t a k a
a c o m p r e e n s ã o a p r o p r i a d a , q u e s ó u m m ú s ic o p o d e t e r
eL*s
n ã o c o n h e c e m n a d a ”. A s s im , o fã d e ja z z n ã o é m a is r e s p e ita d o
q u e o s o u t r o s q u a d r a d o s . Su a a p re c ia ç ã o d o ja z z n ã o e s tá b a s e a d a
n u m a c o m p r e e n s ã o e e le a g e e x a ta m e n te c o m o o s o u t r o s q u a d r a ­
d o s . P e d irá m ú s ic a s e t e n ta r á in flu e n c ia r a e x e c u ç ã o d o m ú s .c o ,
e x a ta m e n t e c o m o o u t r o s q u a d r a d o s .
O m ú s ic o se v ê a s sim c o m o u m a r tis ta c ria tiv o q u e d e v e ria
e s ta r liv r e d e c o n tr o l e e x te r n o , u m a p e s so a m e l h o r q u e a q u e le s
o u t s i d e r s q u e c h a m a d e q u a d r a d o s — q u e n ã o c o m p r e e n d e m su a
m ú s ic a n e m seu m o d o d e v id a , p o r c u ja c a u sc , n o e n ta n t o , eie d e v e
t o c a r d e m a n e i r a c o n tr á r ia a s e u s id e a is d e p ro lis s à o .
Reações ao conflito
M ú s ic o s d e j a z z e c o m e rc ia is c o n c o rd a m f u n d a m e n ta lm e n te e m sua
a titu d e e m re la ç ã o a o p ú b lic o , e m b o r a v a rie m n a m a n e ira c o m o
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
e x p re s s a m esse c o n s e n s o b ásico. D o is te m a s c o n flita n te s c o n s titu e m
a b a s e d a c o n c o rd â n c ia : (1 ) o d e s e jo d e a u to - e x p re s s ã o d e a c o rd o
c o m a s c re n ç a s d o g r u p o d e m ú s ic o s e (2 ) o r e c o n h e c im e n to d e q u e
p re s s õ e s e x te rn a s p o d e m f o rç a r o m ú s ic o a se p riv a r d e sa tisfa z e r esse
d e se jo . O ja z z m a n te n d e a e n fa tiz a r o p r im e ir o , o m ú s ic o c o m e rc ia l
o s e g u n d o ; m a s a m b o s r e c o n h e c e m e s e n te m a fo rç a d e c a d a u m a
d e ssa s in flu ê n c ia s . C o m u m à s a titu d e s d e a m b o s o>s t ip o s d e m ú s ic o
é u m i n te n s o d e s p re z o e d e s a p r e ç o p e lo p ú b lic o q u a d r a d o , p o r c u ja
c u lp a o s m ú s ic o s d e v e m “se t o r n a r c o m e r c ia is ” p a ra t e r s u c e sso .
O m ú s ic o c o m e rc ia l, e m b o r a c o n s id e r e o p ú b lic o q u a d r a d o ,
o p t a p o r s a c rific a r o a u to - r e s p e i to e o re s p e ito d e o u t r o s m ú s ic o s
(a s r e c o m p e n s a s d o c o m p o r t a m e n to a rtís tic o ) p e la s r e c o m p e n s a s
m a is s u b s ta n c ia is d o t r a b a lh o e stá v e l, a r e n d a m a i o r e o p r e s tíg io
d e s f r u ta d o p e lo h o m e m q u e se t o r n a c o m e rc ia l. U m m ú s ic o c o ­
m e r c ia l c o m e n to u :
Eles tê m u m ó tim o tip o do g e n te a q u i, tam b é m . É claro q u e são
q u a d ra d o s. N ão estou te n ta n d o neg;ir isso. Sem d ú v id a são u m
b a n d o d e q u a d ra d o s fodidos, m as, p o rra , qu em paga as contas? Eles
pagam , e n tã o você tem d e tocar o q ue eles qu erem . Isto é, qu e m erda,
você n ã o p o d e g a n h a r a \ ida se n ão toca r paru os q u a d ra d o s. Q u a n ­
tas p o rra s de pessoas você pensa q ue n ão são q u a d ra d o s? D e 100
pessoas, você teria sorto se 15% n ão fossem q u a d ra d o s. Isto é, talvez
os profissionais liberais — m édicos, advogados, esse pessoal — ,
eles p o d e m n ão ser q u a d ra d o s, m as a pessoa m édia n ã o passa de
u m m ald ito q u a drado. C laro, o pessoal do cin em a n ão é assim . M as,
fora o pessoal d o c inem a e os profissionais, são io d o s u n s g ran d e s
q u a d ra d o s.6N ão sabem nada.
Vou lhe contar. Isso e um a coisa q u e apren d i u n s irês anos atrás.
Se você qu iser fa tu ra r algum , tem de agrad ar aos q u ad rad o s. São eles
q u e pagam as contas, e você tem de tocai para eles. Um b o m m úsico
n ão consegue a rra n ja r em prego. Você tem de to car u m m o n le de
m erda. M as, q ue diabo, vam os encarar. Q u ero viver bem . Q u e ro
g a n h a r algum din h eiro ; q u e ro ter u m carro, saca. Por q u a n to tem p o
a gente consegue se o p o r a isso ? ...
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Outsiders
N ã o m e e n te n d a m a l. Se v o cé c o n s e g u e g a n h a r d in h e ir o
to c a n d o jaz z , ó tim o . M as q u a n to s c aras c o n seg u e m isso? ... Se
você p u d e r to c a r jazz, ó tim o , c o m o eu disse. M as se v o cê e stá n a
p o rca ria d e urn e m p re g o ru im , n ã o lern c o m o e v ilar, te m d e ser
c om ercial. Q u e r dizer, os q u a d ra d o s e stão p a g a n d o o seu salário ,
e n tã o o m e lh o r e você se a c o stu m a r co m isso, é a eles q u e você
tem de a gradar.
O b s e r v e q u e e s te m ú s i c o a d m i t e q u e é m a is “r e s p e itá v e l” s e r
i n d e p e n d e n t e d o s q u a d r a d o s e m a n if e s ta d e s p re z o p e lo p ú b lic o ,
c u ja “q u a d r a d i c e ” é re s p o n s á v e l p o i t o d a a s itu a ç ã o .
E s s e s h o m e n s e x p r e s s a m o p r o b le m a p r i n c i p a l m e n t e e m
t e r m o s e c o n ô m ic o s .
Q u e ro dizer, m erd a , se você está to ca n d o p a ra u m b a n d o d e q u a d ra ­
d os, está to ca n d o p a ra um b a n d o d e q u a d ra d o s. Q u e p o r ra você vai
fazei? Você nSo p o d e e m p u rra r isso pela goela deles abaixo. B om ,
acho q ue você p o d e fazer eles engolirem isso, m as, afinal, eles estão
lhe pagando.
O ja z z m a n s e n te a n e c e s s id a d e d e .satisfazei a a u d iê n c ia c o m
.2P Õ
u ai i n te n s id a d e , e m b o r a s u s te n t a n d o q u e n ã o se d e v e c e d e r a ela.
s ja z z m e n , c o m o o u t r o s , a p r e c ia m e m p r e g o s e stá v e is e b o n s , e
s a b e m q u e p r e c is a m s a tis fa z e r o p ú b lic o p a ra c o n s e g u i- lo s , c o m o
a s e g u in te c o n v e rs a e n tr e d o is jo v e n s ja z z m e n ilu s tra :
ühahuh:
N ão h á n e n h u m e m p reg o e m q u e você possa to car jazz.
Você tem de to ca r ru m b a s, canções po p u lares e tu d o o m ais. Você
n ã o consegue nada to ca n d o jazz. C ara, n ã o q u e ro b rig a r a m in h a
vid a inteira.
e d d ie :
Bem , você q u e r se divertir, n ão quer? Você n ã o seria feliz
to c a n d o coisas c om erciais. Vocé sabe disso.
c h a rlie :
A cho q u e n ã o h á m eio d e u m su jeito j*er feliz. P orque sem
dúvida é u m saco to c a r m úsica com ercial, m as é u m h o rro r n u n ca
fazer n a d a e to ca r jazz.
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
e d d s e : M eu D eus, p o r q ue vocè n ã o p o d e ser b em -su ced id o to can d o
ja z z ? ... Isto é, v ocê p o deria ter u m g ru p in h o ó tim o e ain d a to car
arra n jo s, m as b o n s, saca.
c h a b l i e : Você n u n c a c o n se g u iria a rr a n ja r e m p re g o p a ra u m a
banda assim .
e d d i e : Bem , você p o d e ria ler u m a p u tin h a
sexy p ara ficar d e p é na
frente, c a n ta r e rebolar o traseiro p a ra os caretas fq u a d ra d o s]. Assim
conseguiria em prego. E ainda p o d e ria to ca r m u ito b em q u a n d o ela
n ã o estivesse ca n ta n d o .
c h a r l i e : Bem , n ã o era as s im q u e era a b a n d a d e Q? Você gostava
daquilo? G ostava d o jeito que ela cantava?
EDDiE:‘ N ã o , c a ra , m as a gente tocava jazz, sabe.
c h a r l i e : Você gostava d o tip o d e jazz q u e tocavam ? Era m eio co ­
m ercial, n ã o era?
e d d i e : Era, m a s p o d e ria ter sido ótim o .
c h a r u e : É , m as se tivesse sido ó tim o vocês n ão teriam c o n tin u a d o
tra b a lh a n d o . A cho que vou ser sem p re infeliz. É assim q u e as coisas
são. O sujeito vai sem pre estar m al consigo m e s m o .... N unca haverá
n e n h u m tip o d e em prego realm en te b o m p ara u m m úsico.
A lé m d a p r e s s ã o p a r a a g r a d a r a o p ú b lic o q u e e m a n a d o d e s e jo
q u e o m ú s ic o t e m d e m a x im iz a r s a lá r io e r e n d a , h á p re s s õ e s m a is
im e d ia ta s . M u ita s v e z es é difíci! s u s te n t a r u m a a ti t u d e in d e p e n d e n te . P o r e x e m p lo :
Trabalhei n u m c asam ento italiano n o S outhw est Side o n tem à noite,
co m Johnny Ponzi. Tocamos m eia h o ra, fazendo os arran jo s especiais
q u e d e s u sam , q ue são rnuite p ou co com erciais. Então u m velho ita ­
liano (o sogro d o noivo, com o descobrim os m ais tarde) com eçou a
gritar: “Toquem um as polcas, to q u em u m po u co d e m úsica italiana.
A h, vocês n ã o p restam , vocês são ruins.” Johnny sem p re ten ta evitar o
inevitável nesses casam entos, ad ian d o a exeeuç .10 d e m úsica p o p u lar
e n q u a n to pode. Eu perguntei:“C ara, p o r q u e não tocam os u m pouco
dessas coisas agora e acabam os co m isso?” Tom respondeu: “Acho que
se com eçarm os a fazer isso, vam os ter d e fazer a n o ite inteira.” Johnny
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Outsiders
disse: “O uçam , H o w a rd .o noivo, é u m sujeito realm ente excelente. Ele
nos disse para to ca r o q u e q uiséssem os e n ão d a r n e n h u m a atenção
ao q ue as pessoas dizem , p o r isso n ão se p reocupem .”
O velho c o n tin u o u g rita n d o e logo o noivo ch eg o u e disse: “O u ­
çam , co m p an h eiro s. Sei q u e vocês não q u erem to car nad a dessas
m erdas, e não q u ero que lo q u em , m as é m eu sogro, en tendem . Só não
qu ero deixar m inha m u lh er sem graça p o r causa dele, p o r isso toquem
u m pouco d e m úsica latina p ara m an ter o velho sossegado, certo?”
Johnny correu os o lhos sobre nós. e íe / u m gesto d e resignação.
Ele disse: “C e rto , v am os to ca r a ‘Beer B arrei Polka’.” T om disse:
“Q u e m erda! Lá vam os nós." l o c a m o s isso e d epois lo ca m o s um a
d an ça italiana, a “Tarantella”
Às v e z es o e m p r e g a d o r faz u m a p re s s ã o q u e lev a ?Xé u m ja z z m an in tr a n s ig e n te a c e d e r, p e lo m e n o s e n q u a n to d u r a o tra b a lh o .
Eu estava fazendo um a apresentação-solo p o r u m a n o ite no Y, na
rua X. Q u e saco! N a segunda p a rte d e “Sunny S id e\ toquei o refrão e,
depois, um po u co de jazz. De repente o p atrão se d e b ru ç o u sobre o
lado d o balcão e gritou: “Viro m ico d e circo se alguém neste lugar sou­
ber q u e m úsica você está tocando!” E to d o m u n d o no lugar escutou.
Q ue q uadradão! O q u e eu podia fazer? N ão disse nada, só continuei
tocando. C laro q u e foi u m saco.
U m t a n t o i n c o e r e n te m e n t e , o m ú s ic o q u e r s e n tir q u e e stá
a lc a n ç a n d o o p ú b lic o , e m ie e s le o b tê m a lg u m p / a / c r c o m seu
t r a b a lh o , e isso t a m b é m o lev a a c e d e r a d e m a n d a s d o p ú b lic o .
U m h o m e m fa lo u :
G osto m ais de to c a r q u a n d o há alguém para ouvir. A g en te tem a
im pressão de q u e n ão h á m u ito se n tid o em to ca r se não há ninguém
para n o s nu vi r. Isto é, afinal, m úsica é p ara isso — p a ra as pessoas
ouv ire m e terem pn.zcr. É p o r isso q u e n ão m e im p o rto m u ito em
locar m úsica m elosa. Se algucm gosta disso, e n tã o d e certo m o d o
isso m e dá p razer. A cho q u e sou m eio d iletan te. M as g o sto d e deixar
as pessoas felizes dessa m an eira.
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
E ssa d e c la r a ç ã o é u m ta n t o e x tr e m a ; a m a io r ia d o s m ú sic o s ,
p o r é m , é s u fic ie n te m e n te se n sív e l p a r a q u e r e r e v ita r o d e s a g r a d o
a tiv o d o p ú b lic o . “ É p o r isso q u e g o s to d e tra b a lh a r c o m T o m m y ”, d iz
o m ú sic o . “ P elo m e n o s , q u a n d o v o c ê sai d o p a lc o , to d o m u n d o n o
l u g a r n ã o e s tá o d ia n d o v ocê. É u m s a co tr a b a lh a r n e ssa s c o n d iç õ e s ,
e m q u e t o d o m u n d o n o lu g a r s im p le s m e n te d e te s ta a b a n d a to d a .”
Isolamento e auto-segregação
O s m ú s ic o s s ã o h o s tis a s e u s p ú b lic o s , te m e ro s o s d e te r d e s a c rific a r
s e u s p a d r õ e s a rtís tic o s a o s q u a d r a d o s . Eles e x ib e m c e rto s p a d rõ e s
d e c o m p o r t a m e n to e c re n ç a q u e p o d e m s e r c o n s id e r a d o s a ju s te s
a e s sa s itu a ç ã o . E sses p a d rõ e s d e is o la m e n to e a u to - s e g re g a ç ã o s ã o
e x p re s s o s n a s itu a ç ã o rea l d e e x e c u ç ã o m u sic a l e n a p a rtic ip a ç ã o
n o in te r c u r s o s o c ia l d a c o m u n id a d e m a is a m p la . A p r in c ip a l f u n ­
ç ã o d e s se c o m p o r t a m e n to é p r o te g e r o m ú s ic o d a in te r fe r ê n c ia
d o p ú b lic o q u a d r a d o e, p o r e x te n s ã o , d a s o c ie d a d e c o n v e n c io n a l.
S u a p r in c ip a l c o n s e q ü ê n c ia é in te n s ific a r o s ta tu s d o m ú s ic o c o m o
u m o u ts id e r, p o r m e io d a o p e ra ç ã o d e u m c ic lo d e d e s v io c re s ­
c e n te q u e , p o r s u a vez, a u m e n t a .is p o s s ib ilid a d e s d e d ific u ld a d e s
a d ic io n a is .
E m re g ra , o m ú s ic o e stá e s p a c ia lm e n te iso la d o d o p ú b lic o .
T r a b a lh a s o b re u m a p la ta fo r m a , q u e fo rn e c e u m a b a rr e ir a física e
im p e d e a in te r a ç ã o d ire ta . Esse is o la m e n to é b e m - v i n d o , p o r q u e o
p ú b lic o , c o m p o s to d e q u a d r a d o s , é s e n ti d o c o m o p o te n c ia lm e n te
p e rig o s o . O m ú s ic o te m e q u e o c o n ta t o d i r e t o c o m o p ú b lic o só
p o s s a le v a r a in te r fe r ê n c ia n a e x e c u ç ã o m u sic a l. Ê m a is s e g u ro ,
p o r ta n t o , e s ta r iso la d o e n a d a te r a v e r c o m e le . U m a v e z e m q u e
esse is o la m e n to n ã o foi p r o p o r c io n a d o , u m m ú s ic o c o m e n to u :
U m a o u tra coisa sobre casam entos, cara. Você ti ca ali m esm o n o chão,
bem n o m eio d as pessoas. Você n ã o p o d e escap ar delas. É d iferente
se você toca n u m bnile o u n u m b ar.'N u m salão d e dan ça você fica
em cim a d e um palco, o n d e eles n ão p o d em lhe alcançar. A m esm a
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coisa n u m salão de coquetel, você fica n o alto a trá s d o balcão. M as
n u m casam en to , cara, você fica bem n o m eio deles.
Q u a n d o d e s p ro v id o s d a s b a r r e ir a s físicas e m g e ra l fo rn e c id a s ,
o s m ú s ic o s m u it a s ve z es im p r o v is a m as s u a s p r ó p r i a s b a rr e ir a s e
s e g re g a m - s e e fic a z m e n te d e se u p ú b lic o .
Eu tin h a u m tra b a lh o n u m c a sa m e n to ju d aico sáb ad o à noite. ...
Q u a n d o cheguei, o resta n te d o s rapazes já estava lá. C o m o o ca­
sam ento atrasara, as pessoas estavam apenas c o m e ç a n d o a com er.
D ecidim os, depois que conversei com o noivo, to car d u ran te o jantar.
S en tam o -n o s n u m c a n to afastad o do salão. Jerry p u x o u o p ia n o de
m o d o que ele b lo q u easse u m p eq u en o espaço q u e ficou assim se p a ­
rad o d o res»io d a s pessoas. T ony in stalo u sua b ate ria nesse :spaço, e
Jerry e Jo hnny ficaram ali e n q u a n to tocam os. Q u is d eslocar o p ian o
de m o d o q u e o s rapazes p u d essem li-.ar do pé d ian te d ele e p e rto d o
público, m as Je rry disse, m eio em to m d e b rin c a d e ira : "N ão, cara.
Preciso ter algum a pro teção c o n tra o s q u ad rad o s.” Assim , deixam os
as coisas c o m o e s ta v a m ....
Jerry teve d e passar p a ra a fren te d o p ian o , m as, d e novo m eio
c o m o b rin c a d e ira , tevt d e p ô r d u as cadeiras d ian te de si, q u e o sep a­
ravam d o público. Q u a n d o u m casal pegou as cad eiras para se senta.',
Jerry pôs duas o u tra s em seu lugar. Johnny p e rg u n to u : “C ara, pc.r
que não nos se n ta m o s nessas cadeiras?" Jerry resp o n d eu : “ Não, c a r;\
D eixe-as aí. Isso é a b a rrica d a para m e p ro teg er d o s q u a d ra d o s.”
M u ito s m ú s ic o s , d e m a n e ira q u a s e reflex a, e v ita m e s ta b e le c e r
c o n ta to c o m i n te g r a n te s d o p ú b lic o . Q u a n d o a n d a m n o m e io d e ­
les, d e h á b ito e v ita m o l h a r n o s o lh o s d o s q u a d r a d o s , t e m e n d o q u e
isso e s ta b e le ç a a lg u m a re la ç á o a p a r t i r d a q u a l o q u a d r a d o v iria a
s o lic ita r m ú s ic a s o u t e n t a r in flu e n c ia r a e x e c u ç ã o m u s ic a l d e a l­
g u m a o u t r a m a n e ir a . A lg u n s e s te n d e m esse c o m p o r t a m e n to a su a
a tiv id a d e so c ia l c o m u m , f o ra d e s itu a ç õ e s p ro fis s io n a is . A té c e rto
p o n to isso é in e v itá v e l, p o r q u e a s c o n d iç õ e s d e t r a b a lh o — tra b a lh o
m a d r u g a d a s a d e n tr o , g r a n d e m o b ilid a d e g e o g rá fic a , e a s s im p o r
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
d i a n t e — t o r n a m d ifíc il a p a r tic ip a ç ã o so cial f o ra d o g r u p o p r o ­
fissio n a l. Q u a n d o se t r a b a lh a e n q u a n to o s o u t r o s d o r m e m , é d ifíc il
t e r u m a i n te r a ç ã o s o c ia l n o r m a l c o m a s p e sso a s. Isso fo i c ita d o p o r
u n i m ú s ic o q u e h a v ia d e ix a d o a p ro fis sã o , c o m o u m a e x p lic a ç ã o
p a rc ia l d e s u a a ç ã o : “E 6 ó t im o t r a b a lh a r e m h o r á r i o s r e g u la re s ,
ta m b é m , q u a n d o v o c ê p o d e v e r p e s so a s e m vez d e ir tr a b a lh a r to d a
n o ite .” A lg u n s m ú s ic o s m a is jo v e n s q u e ix a m -s e d e q u e o s h o r á r i o s
d e t ra b a lh o to r n a m difícil p a ra eles e sta b e le c e r c o n ta to s c o m g a ro ta s
“d ire ita s ”, u m a v e z q u e im p e d e m o n a m o r o c o n v e n c io n a l.
G r a n d e p a r te d a s e g re g a ç ã o , p o r é m , se d e s e n v o lv e a p a r t i r
d a h o s tilid a d e e m r e la ç ã o a o s q u a d r a d o s . A a ti t u d e é v ista e m s e u
lim ite e n tr e os “X A v e n u e B o y s”, u m g r u p o d tja z z m e n ra d ic a is q u e
r e je ita a c u ltu r a n o r te - a m e r i c a n a in toto. A q u a lid a d e d e s e u s e n ti­
m e n t o e m re la ç ã o a o i n u n d o e x te r n o é in d ic a d a p e lo títu lo p r iv a d o
q u e u m h o m e m d e u à s u a m ú s ic a -te m a : “ Sc v o c ê s n ã o g o s ta m d o
m e u je ito a b ic h a lh a d o , f o d a m -s e .” * A c o m p o s iç ã o é tn ic a d o g r u p o
e r a m a is u m in d ic a d o r d e q u e s u a a d o ç ã o d e a titu d e s a rtís tic a s e
s o c ia is e x tr e m a s fa z ia m p a r t e d e u m a re je iç ã o to ta l d a s o c ie d a d e
n o r te - a m e r i c a n a c o n v e n c io n a l. C o m p o u c a s e x c eç õ e s, o s h o m e n s
p r o v in h a m d e g r u p o s n a c io n a is m a is a n tig o s , m a is in te i r a m e n t e
a s s im ila d o s : irla n d e s e s , e s c a n d in a v o s , a le m ã e s e in g le se s. A lé m
d iss o , d iz ia -s e q u e m u ito s v in h a m d e fa m ília s ric a s e d a s cla sse s
s o c ia is m a is a lta s . E m s u m a , s u a re je iç ã o a o c o m e r c ia lis m o n a
m ú s ic a e a o s q u a d r a d o s n a v id a s o c ia l fazia p a r t e d o e m b a r g o a
to d a a c u ltu r a n o r te - a m e r i c a n a e rg u id o p o r h o m e n s q u e g o z a v a m
d e u m a p o s iç ã o p riv ile g ia d a , m a s e ra m in c a p a z e s d e c o n s e g u ir u m
a ju s te p e s s o jl s a tis fa tó rio d e n tr o d e la .
T o d o s o s in te re s s e s d e s se g r u p o e n fa tiz a v a m se u is o la m e n lo
d o s p a d r õ e s e in te re s s e s d a s o c ie d a d e c o n v e n c io n a l. Eles s e a s s o ­
c ia v a m q u a s e e x c lu s iv a m e n te c o m o u t r o s m ú s ic o s e m o ç a s q u e
c a n ta v a m o u d a n ç a v a m e m b o a te s n a á re a d e N o r th C la rk S tre e t
d e C h ic a g o , e t in h a m p o u c o o u n e n h u m c o n ta to c o m o m u n d o
* No original, “IfYou D oii’t Likc m y Q ueer Ways You C an Kiss My Fucking Ass”.
(N .T.)
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c o n v e n c io n a l. E r a m d e s c r ito s p o litic a m e n te d a s e g u in te m a n e ira :
“ E les d e te s ta m e sta f o r m a d e g o v e rn o d e q u a lq u e r m a n e ira e a
c o n s id e r a m r e a lm e n te r u im .” E r a m in fa tig a v e lm e n te c rític o s d a s
e m p r e s a s e d o s tra b a lh a d o r e s » d e s ilu d id o s d a e s tr u tu r a e c o n ô m ic a
e c ín ic o s c o m r e la ç ã o a o p r o c e s s o p o lític o e a o s p a r t i d o s p o lític o s
c o n t e m p o r â n e o s . R e lig iã o e c a s a m e n to e r a m c o m p l e ta m e n te
re je ita d o s , a s sim c o m o a s c u lt u r a s a m e r ic a n a s p o p u l a r e s é ria , e
s u a le itu ra r e s tr in g ia - s e e x c lu s iv a m e n te a o s e s c r ito r e s e filó so fo s
avant-garde m a is h e r m é tic o s . E m a r t e e m ú s ic a s in f ô n ic a , in te r e s ­
s a v a m -s e s o m e n t e p e lo s d e s e n v o lv im e n to s m a is h e rm é tic o s . E m
to d o c a so , a p re s s a v a m - s e a in d ic a i q u e s e u s in te re s s e s n ã o é r a m o s
d a s o c ie d a d e c o n v e n c io n a l, e q u e p o r t a n t o se d ife r e n ç a v a m d e la . E
raz o á v e l s u p o r q u e a p r in c i p a l fu n ç ã o d e s se s i n te re s s e s fo sse t o r n a r
essa d ife r e n c ia ç ã o in e q u i v o c a m e n t e c la ra .
E m b o r a e n c o n tr a s s e m s e u d e s e n v o lv im e n to m a is e x tre m e '
e n tr e o s “ X A v e n u e B o y s”, o is o la m e n to e a a u te - s e g r e g a ç ã o e ra m
m a n if e s ta d o s t a m b é m p o r m ú sic o s m e n o s d e s v ia n te s . O s e n tim e n ­
to d e e s ta r is o la d o d o r e s ta n te d a s o c ie d a d e e r a c o m f re q ü ê n c ia
m u ito fo rte ; a s e g u in te c o n v e rs a , q u e tev e lu g a r e n tr e d o is jo v e r s
jfízznien, ilu s tr a d u a s re a ç õ e s a o s e n ti m e n t o d e is o la m e n to .
eddie:
Sabe, cara, d e te sto as pessoas. N ã o s u p o rto e sta r no m eio de
qu a d ra d o s. Eles m e irrita m tan to q u e sim p le sm e n te n ã o co n sig r
sup o rtá -lo s.
c h a rlie :
Vocé n ã o devia s e r assim , cara. N ão deixe q u e eles o irritem .
A penas ria deles. É o q u e eu faço. S im p lesm en te ria de tu d o q u e
fazem . É a ún ica m an eira <ie co n seg u ir s u p o rta r isso.
U m jo v e m m ú s ic o j u d e u , q u e se id e n tific a v a c la r a m e n te c o m
a c o m u n i d a d e ju d a i c a , s e n tia c o n t u d o s e u is o la m e n to p ro fis s io n a l
c o m i n te n s id a d e s u fic ie n te p a ra la z e r as. s e g u in te s d e c la r a ç õ j s .
Sabe, u m p o u c o de c o n h e cim en to é u m a coisa perigosa. Foi o q u e
m e aco n teceu q u a n d o com ecei a tocar. Eu realm en te tin h a a im ­
pressão de q u e sabia dem ais. De certo m o d o , eu sabia, o u sentia,
A cultura de um grupo desviante: o músico de casa noturna
q u e to d o s o s m eu s am igos d o b a irro eram verdadeiros q u a d r a d o s
e e s tú p id o s ....
Você sabe, é e ngraçado. Q u a n d o você se sen ta naquele estrad o
ali, sente-se diferente dos o u iro s. Eu até consigo e n te n d e r co m o
os g e ntios se sentem em relação aos ju d eu s. Você vê essas pessoas
se ap ro x im arem , e elas parecem judias, ou têm u m p o u q u in h o d e
so ta q u e , o u algo assim , e elas pedem u m a ru m b a o u u m a p o rcaria
dessas, e eu realm ente penso: “Q ue q u a d ra d o s irrita n te s, esses j u ­
d eu s”, exatam ente com o se eu m esm o fosse goy. É isso q u e q u ero
dizer q u a n d o falo que a gente a p re n d e dem ais sen d o m úsico. Isto é,
você vê m uitas coisas e a d q u ire lim a perspectiva tão am p la d a v ida
q ue a pessoa c o m u m sim plesm ente n ão tem .
E m o u t r a o c a siã o , o m e s m o h o m e m o b s e rv o u :
Sabe, desde q ue sai para tra b a lh a r realm en te fiquei d e tal jeito que
posso conversar co m alguns daqueles caras 110 bairro.
IQ u er d izer q u e tin h a dificuldade em talar c om eles antes?!
Ikm», eu sim plesm ente ficava p o r ali e iuu> sabia o q u e di/er.
Ainda tenho dificuldade para conversar com aqueles caras. Tudo
que eles d izem parece b o b o e desinteressante.
O p ro c e s s o d e a u to -s e g re g a ç ã o é e v id e n t e e m c e rta s e x p re ssõ e s
s im b ó lic a s , e m p a r t i c u l a r n o u s o d e u m a g íria p r o fis sio n a l q u e
i d e n tific a r a p id a m e n te 0 h o m e m q u e a p o d e u s a r a d e q u a d a m e n te
c o m o a lg u é m q u e n ã o é q u a d r a d o , e r e c o n h e c e r c o m ig u a l r a p i ­
d e z , c o m o o u ts id e r , a p e s s o a q u e a e m p r e g a in c o r r e t a m e n t e o u
n ã o a u tiliz a . A lg u m a s p a la v ra s s e d e s e n v o lv e ra m p a ra d e s ig n a r
p r o b le m a s p r o fis s io n a is e a titu d e s p e c u lia re s d e m ú s ic o s , e típ ic o
d e la s é “q u a d r a d o ”. Essas e x p re s s õ e s p e r m i te m q u e o s m ú s ic o s
d is c u ta m p r o b le m a s e a tiv id a d e s p a ra o s q u a is a lin g u a g e m c o m u m
n ã o f o r n e c e u m a te r m in o l o g ia a d e q u a d a . H á , c o n tu d o , m u ita s
p a la v r a s q u e s ã o m e r o s s u b s titu to s p a r a e x p re s s õ e s c o m u n s , s e m
a c re s c e n ta r n e n h u m n o v o s ig n ific a d o . P o r e x e m p lo , e stes s ã o s in ô ­
n im o s d e d in h e ir o : lootygold,geetz e bread E m p re g o s s ã o c h a m a d o s
109
110
Outsiders
d e gigs. H á i n ú m e r o s s in ô n i m o s p a r a m a c o n h a , o s m a is c o m u n s
s e n d o gage, pot, charge , tea e shit.
A f u n ç ã o d e sse c o m p o r t a m e n t o é in d ic a d a p o r u m jo v e m
m ú s ic o q u e e sta v a d e ix a n d o a a ti \ id a d e :
M as e sto u satisfeito p o r eslar d e ix a n d o a profissão. E stou en jo a d o de
ficar no m eio d e m úsicos. I tá ta n to ritu al e c erim ô n ia .sem sentido.
F.les têm d e falar u m a língua especial, se vestir d e m an e ira d iferen te,
usai u m tip o d iferente d e ó culos. F, tu d o isso n ão significa p o rcaria
algum a, a não ser: “N ó s so m o s diferentes.”
6
Carreiras num grupo ocupacionat
desviante: o músico de casa noturna
Já d is c u ti — e m p a rtic u la r a o c o n s id e r a r o d e s e n v o lv im e n to d o u s o
d e m a c o n h a — a carreira desviante ( is to é, o d e s e n v o lv im e n to d e
u m p a d r ã o d e c o m p o r t a m e n to d e s v ia n te ) . G o s ta ria d e e x a m in a r
a g o ra os, tip o s d e c a rr e ir a q u e d e s e n v o lv e , e n tr e m ú s ic o s d e ca sa
n o t u r n a , u m g r u p o d e “o u t s i d e r s ” q u e s e c o n s id e r a “d ife r e n te ”, e
é a s s im c o n s id e r a d o p e lo s o u t r o s . M a s e m v ez d e m e c o n c e n t r a r
n a g ê n e se d e m o d o s d e s v ia n te s d e c o m p o r ta m e n to , v o u p e r g u n t a r
q u a is sã o as c o n s e q ü ê n c ia s , p a ra a c a rr e ir a o c u p a c io n a l d e u m a
p e s s o a , p r o d u z i d a s p e lo fato d e o g r u p o o c u p a c io n a l e m q u e ela
faz e ssa c a rr e ir a s e r u m g r u p o d e s v ia n te .
A o u s a r o c o n c e ito d e c a rre ira p a r a e s tu d a r o d e s tin o d o in d iv í­
d u o d e n tr o d e o rg a n iz a ç õ e s o c u p a c io n a is , H u g h e s d e fin iu -a c o m o :
O bjetivam ente,... u m a série do status e funções claram ente definidos,
... seqüências típicas dc* posição, realização, responsabilidade e a té de
aventura.... Subjetivam ente, um a carreira é u m a perspectiva m óvel em
q ue u m a pessoa vè sua vida c o m o u m to d o e in terpreta o significado
d e seus vários atributos, ações c as coisas que lhe acontecem .1
A d is c u s s ã o d o s e s tá g io s d a c a rr e ir a m é d ic a d e s e n v o lv id a p o r
H all c o n c e n tr a - s e m a is e s p e c ific a m e n te n a c a rr e ir a c o m o u m a s é rie
d e a ju s ta m e n to s à “ re d e d e in s titu iç õ e s , o r g a n iz a ç õ e s fo rm a is e
re la ç õ e s i n f o r m a is ” e m q u e a p r o fis sã o é p r a tic a d a .2
O s p e rfis d e c a rre ira s c a ra c te rístic o s d e u m a o c u p a ç ã o g a n h a m
s u a f o rm a a p a r t i r d o s p r o b le m a s p e c u lia re s a ela. E stes, p o r s u a vez,
s ã o u m a f u n ç ã o d a p o s iç ã o d a o c u p a ç ã o vis-à-vis o u t r o s g r u p o s
n a s o c ie d a d e . O s p r in c ip a is p r o b le m a s d o s m ú sic o s , c o m o v im o s ,
g ira m e m t o r n o d a m a n u te n ç ã o d e s u a lib e rd a d e d ia n te d o c o n tro le
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Outsiders
s o b re s e u c o m p o r t a m e n t o a rtís tic o . O c o n tr o l e é e x e rc id o p e lo s
o u ts id e rs p a ra q u e m o m ú s ic o tr a b a lh a , q u e u s u a lm e n te ju lg a m seu
d e s e m p e n h o e r e a g e m a ele c o m b a s e e m p a d r õ e s m u it o d ife re n te s .
A r e la ç ã o a n ta g ô n i c a e n tr e m ú s ic o s e o u t s i d e r s m o ld a a c u ltu r a d o
m ú s ic o e p r o d u z t a m b é m a s p r in c ip a is c o n tin g ê n c ia s e o s p o n t o s
d e c ris e e m s u a c a rr e ir a .
E s tu d o s d e o c u p a ç õ e s m a is c o n v e n c io n a is c o m o a m e d ic in a
m o s t r a r a m q u e o s u c e s s o o c u p a c i o n a l ( ta l c o m o d e f in id o p o r
m e m b r o s d a o c u p a ç ã o ) d e p e n d e d e se e n c o n tr a r u m a p o s iç ã o p a r a
si n a q u e le g r u p o o u n a q u e le s g r u p o s q u e c o n tr o la m as r e c o m p e n sa s
d e n tr o d a o c u p a ç ã o , e q u e a s aç õ es e o s g e s to s d e co le g a s d e s e m ­
p e n h a m u m g r a n d e p a p e l n a d e c is ã o d o re s u lta d o d a c a rr e ir a d e
q u a lq u e r i n d iv íd u o .3O s m ú s ic o s n ã o s ã o e x c e ç ã o a essa p ro p o siç ã o ,
e c o m e ç a re i c o n s id e r a n d o s u a s d e fin iç õ e s d e s u c e s s o o c u p a c io n a ! e
o m o d o c o m o o d e s e n v o lv im e n to d e c a rre ira s m u sic a is d e p e n d e d a
in te g r a ç ã o b e m - s u c e d id a n a o r g a n iz a ç ã o d a p ro fis s ã o d e m ú sic o .
M a s a h i s t ó r ia d a c a rr e ir a d o m ú s ic o n ã o se re s u m e a isso. O
p ro b le m a d a lib e r d a d e e m face d o c o n tro le e x te rn o c ria c e rta s c o n tin ­
g ências d e c a rre ira a d ic io n a is q u e a c re s c e n ta m a lg u m a s c o m p lica ç õ e s
à e s tr u tu r a d a o c u p a ç ã o ; c o n s id e ra re i e sses a s p e c to s e m se g u id a .
P o r fim , a f a m ília d o m ú s ic o ( ta n t o a q u e la e m q u e ele n a s c e u
q u a n to a q u e ele c r i a a o se c a s a r ) te m u m i m p o r ta n t e e fe ito s o b r e
s u a c a r r e ir a .4 P ais e e s p o s a s s ã o t ip i c a m e n te n ã o - m ú s ic o s e, c o m o
o u ts id e r s , m u ita s vezes n ã o c o m p r e e n d e m a n a tu r e z a d a lig a ç ã o
d o m ú s ic o c o m s e u t ra b a lh o . As in c o m p r e e n s õ e s e d iv e rg ê n c ia s
q u e s u rg e m f r e q ü e n te m e n te a lte r a m a d i r e ç ã o d a c a r r e ir a d e u m
m ú s ic o e , e m a lg u n s c a so s, p r o v o c a m s e u e n c e r r a m e n to .
"Panelinhas"* e sucesso
O m ú s ic o c o n c e b e o s u c e s s o c o m o u m m o v im e n to a tra v é s d e u m a
h i e r a r q u i a d e e m p r e g o s d is p o n ív e is . A o c o n tr á r i o d o t r a b a lh a d o r
* N o original,
(N.T.J
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
in d u s t r ia l o u d o s f u n c io n á r io s d e c o la r in h o - b r a n c o , e le n ã o i d e n ­
tific a s u a c a rr e ir a c o m u m e m p r e g a d o r ; e s p e ra m u d a r d e e m p r e g o
c o m f re q ü ê n c ia . U m r a n q u e a m e n t o in f o r m a l m e n t e r e c o n h e c id o
d e s se s e m p r e g o s — le v a n d o e m c o n ta a r e n d a e n v o lv id a , a s h o r a s
d e t r a b a lh o e o g r a u p e r c e b id o d e r e c o n h e c im e n to d a re a liz a ç ã o
p e la c o m u n i d a d e — c o n s titu i a e sca la p e la q u a l u m m ú s ic o a v a lia
s e u s u c e s s o s e g u n d o o t ip o d e e m p r e g o q u e d e h á b ito te m .
N o n ív e l m a is b a ix o d e s s a e s c a la e s tá o h o m e m q u e to c a
e s p o r a d i c a m e n te e m p e q u e n o s b a ile s , re c e p ç õ e s d e c a s a m e n to
e a tiv id a d e s s e m e lh a n te s , e te m s o r te q u a n d o rec e b e p e la t a b e la
d o s in d ic a to . N o n ív el s e g u in te e s tã o a q u e le s h o m e n s q u e tê m
e m p r e g o s e s tá v e is e m “e s p e lu n c a s ” — b a re s e b o a te s d e c la s s e
in fe r io r , p e q u e n o s c a b a ré s e tc . — o n d e a r e m u n e r a ç ã o é b a ix a
e o r e c o n h e c im e n to d a c o m u n i d a d e é a in d a m a is b a ix o . O n ív el
s e g u in te é c o m p r e e n d id o p o r a q u e le s h o m e n s q u e tê m e m p r e g o s
e stá v e is e m b a n d a s lo ca is d e s a lõ e s d e b a ile d e b a ir r o e p e q u e n a s
b o a te s e s a lõ e s d e c o q u e te l “ re s p e itá v e is ” e m á re a s m e lh o r e s d a c i ­
d a d e . E sses lu g a re s p a g a m m a is q u e as e s p e lu n c a s , c q u e m tra b a lh a
n e le s p o d e e s p e r a r s e r r e c o n h e c id o c o m o b e m - s u c e d id o e m s u a
c o m u n i d a d e . A p r o x im a d a m e n te e q u iv a le n te s a e ste s sã o a q u e le s
q u e tr a b a lh a m n a s c h a m a d a s “o r q u e s t r a s f a m o s a s d e cla sse B ”, a
s e g u n d a c la s s e d a s o r q u e s t r a s d e d a n ç a n a c io n a l m e n t e c o n h e ­
c id a s . O n ív e l s e g u in te c o n s is te e m h o m e n s q u e t r a b a lh a m e m
b a n d a s “ f a m o s a s d e c la sse A” e e m o r q u e s tr a s lo ca is q u e to c a m n a s
m e lh o r e s b o a te s , h o té is , g r a n d e s c o n v e n ç o e s e tc . O s s a lá rio s sãio
b o n s , o s h o r á r io s s ã o leves, e o s h o m e n s e s p e r a m s e r r e c o n h e c id o s
c o m o b e m - s u c e d id o s d e n tr o e f o ra d a p ro fis sã o . A s p o s iç õ e s m a is
a lta s n e s sa e s ca la s ã o o c u p a d a s p o r h o m e n s q u e p e rte n c e m a o s ta f f
d e e s ta ç õ e s d e rá d io , te le v is ã o e te a tro s . O s s a lá r io s s ã o a lto s , o s
h o r á r io s fo lg a d o s , e o s e m p r e g o s s ã o r e c o n h e c id o s c o m o o e p íto m e
d a r e a liz a ç ã o n o m u n d o d a m ú sic a lo ca l e c o m o a tiv id a d e s d e a lto
n ív e l d e re s p e ita b ilid a d e p o r p a r te d o s o u ts id e rs .
U m a r e d e d e “p a n e lin h a s ” in fo r m a is , in te rlig a d a s , d is tr ib u i o s
e m p r e g o s d is p o n ív e is n u m d a d o m o m e n to . P a ra o b t e r tra b a lh o e m
q u a lq u e r n ív el, o u p a r a a v a n ç a r a té o s e m p r e g o s n u m n o v o n ív e l,
313
114
Outsiders
a p o s iç ã o q u e u m a p e s s o a o c u p a n a re d e é d e g r a n d e i m p o r tâ n c ia .
As “p a n e lin h a s ” s ã o u n id a s p o r la ç o s d e o b r ig a ç ã o , o s m e m b r o s
a p a d r i n h a m - s e u n s a o s o u t r o s n a o b t e n ç ã o d e e m p r e g o s , seja
c o n t r a t a n d o - s e u n s a o s o u t r o s q u a n d o tê m p o d e r p a r a t a n to ,
se ja r e c o m e n d a n d o - s e u n s a o s o u t r o s p a r a a q u e le s q u e fa z e m as
c o n tr a ta ç õ e s p a r a u m a o r q u e s t r a . A r e c o m e n d a ç ã o c d e g r a n d e
i m p o r tâ n c i a , p o is é a s s im q u e i n d iv í d u o s d is p o n ív e is t o r n a m - s e
c o n h e c id o s p e lo s q u e c o n tr a ta m ; a p e s s o a d e s c o n h e c id a n ã o s e rá
c o n tr a ta d a , e o p e r t e n c im e n to a e ssa s “ p a n e la s ” a s s e g u r a a u m
m ú s ic o q u e e le t e m m u it o s a m ig o s q u e o r e c o m e n d a r ã o p a r a as
p e s s o a s c e rta s .
A ssim , o p e r t e n c im e n to à s “ p a n e la s ” p r o p o r c i o n a e m p r e g o
e stá v e l a o in d iv íd u o . U m h o m e m e x p lic o u :
Veja, fu n cio n a assim . M in h a m ão direita aq u i, são cin co m úsicos.
M inha m ão esquerda, são inai.s c in to . Agora u m d estes rapazes aqui
consegue una e m preg o . Ele escolhe os h o m en s p a ra ele apenas e n tre
os sujeitos deste grupo . Sem pre q u e u m deles consegue u m em prego,
na tu ra lm e n te c o n tra ta esse sujeito. Vocé vê, p o rta n to , co m o a coisa
funcion*1. Eles nuiica c o n tra ta m n in g u ém q u e n ã o esteja na panela.
Se um deles tra b a lh a , to d o s trab alh am .
O m ú s ic o e s ta b e le c e e c im e n ta e ssas r ela ç õ es c o n s e g u in d o e m ­
p r e g o s p a r a o u t r o s h o m e n s e o b r ig a n d o - o s a r e t r ib u i r o favor.
Havia u n s sujeitos nesta b a n d a p a ra q u e m eu tin h a c o nseguido bons
em pregos, e eles con tin u a v a m a o cu p á-lo s d esd e en tão . C o m o u m
d a queles tro m b o n ista s. Eu o co loquei n u m a boa b a n d a . Um dos
tro m p etistas ta m b é m .... Você sabe co m o isso fu n cio n a. U m líder lhe
pede u m h o m em . Se ele g o star d o sujeito q u e você lh e a rra n ja , toda
vez q u e precisar de u m , vai lhe pedir. Desse m o d o você consegue
em p reg ar todos os seus am igos.
A s e g u r a n ç a v e m d o n ú m e r o c d a q u a li d a d e d a s re la ç õ e s
a s s im e s ta b e le c id a s . P a r a te r u m a c a r r e ir a , é p r e c is o t r a b a lh a r ;
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
p a r a g o z a r d a s e g u ra n ç a d e e m p r e g o e stá v e l, é p re c is o te r m u it o s
“c o n ta t o s ” :
Você tem de fazer co n ta to s desse tipo p ela c idade in teira, até que se
crie um a situação na qu?l q u a n d o q u a lq u e r pessoa q u iser alguém
ela o cham e. E ntão você nunca ficará sem trabalho.
C o n v é m o b s e rv a r c e rta s e m e lh a n ç a c o m a o r g a n iz a ç ã o i n f o r ­
m al d a p r á tic a m é d ic a . O s m ú s ic o s c o o p e ra m e n tr e si r e c o m e n d a n ­
d o - s e u n s a o s o u t r o s p a ra e m p r e g o s d e m a n e ir a m u ito p a re c id a
co m a q u e m em b ro s da
f r a te r n id a d e i n te r n a ” m é d ic a c o o p e ra m
e n tr e si e n c a m i n h a n d o p a c ie n te s u n s a o s o u t r o s . ' O s d o is c o m ­
p le x o s in s t it u c io n a i s d ife r e m , c o n tu d o , p e lo fa to d c q u e a p r á tic a
m é d ic a (a n ã o s e r n a s m a io r e s c id a d e s ) te n d e a g i r a r e m t o r n o d e
a lg u n s g r a n d e s h o s p ita is q u e u m a o u p o u c a s d e s sa s f ra te r n id a d e s
p o d e m c o n tr o la r . N a m ú sic a , o n ú m e r o d e lo c o s p o s s ív e l é m u it o
m a io r, c o m u m a p r o life ra ç ã o p r o p o r c io n a lm e n te m a i o r d a o r g a n i­
z a ç ã o ; p o r c o n s e g u in te , c a d a in d iv íd u o te m m e lh o r e s c o n d iç õ e s d e
e s ta b e le c e r o s c o n ta to s c e rto s p a r a si, e , p o r ta n t o , h á u m a re d u ç ã o
d o p o d e r d e q u a lq u e r “p a n e lin h a ” p a rtic u la r.
A lé m d e u m g ra u d e g a ra n tia d e tra b a lh o p a ra s e u s in te g ra n te s ,
a s “p a n e lin h a s ” f o rn e c e m a in d a ro ta s p e la s q u a is u m a p e sso a p o d e
se d e s lo c a r a o lo n g o d o s n ív eis d e e m p re g o s . E m v á ria s “p a n e la s ”
o b s e rv a d a s , o s p a r tic ip a n te s p r o v in h a m d e m a is d e u m n ív el d a
h ie r a rq u ia ; a s s im , h o m e n s d e p o s iç ã o in f e r io r p o d ia m se a s so c ia r
a h o m e n s d e u m n ív el m a is a lto . Q u a n d o u m e m p r e g o se to r n a
d is p o n ív e l n u m p l a n o m a is a lto d a e sca la , u m h o m e m d o n ív el
in f e r io r p o d e s e r a p a d r i n h a d o p o r a lg u é m d e c a te g o r ia m a is a lta,
q u e o r e c o m e n d a , o u c o n tr a ta , e se r e s p o n s a b iliz a p e la q u a lid a d e
d e s e n d e s e m p e n h o . U m m ú s ic o q u e p e r te n c ia a o s ta f f d e u m a
r á d io d e s c r e v e u o p r o c e s s o n e s se s te r m o s :
A o u tra m an e ira de ser u m sucesso é te r u m a p o rção d e am igos.
Você deve to ca r b em , m as p recisa te r am igos em diferentes bandas,
e q u a n d o alguém sai de u m a b a n d a , eles se esforçam p a ra encaixar
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Outsiders
você. Uma pessoa leva m uito tem po para se firmar dessa maneira.
Eu levei uns dez anos para conseguir o emprego que lenho agora.
Sc c h o m e m assim a p a d rin h a d o tiver u m b o m d esem p en h o ,
p o d e rá estabelecer o u tra s relações in fo rm ais n o novo nível, e nele
co n seg u ir m ais em pregos. O b o m d esem p en h o no tra b a lh o é n e ­
cessário p ara q u e ele se estabeleça p le n am en te n o n o v o nível, e os
p ad rin h o s exibem g ran d e an sie d ad e com relação ao d esem p en h o
de seus protegidos. O ap a d rin h a m e n to m ú ltip lo d escrito nesse in
cidente, em m in h as anotações d e cam p o , ilustra qu e essa ansiedade
tem orig e m nas ob rig açõ es co m relação a colegas:
Um amigo meu me perguntou se eu iria trabalhar aquela noite. Quan
do lhe disse que não, ele me levou até um outro sujeito que, por sua
vez, me levou até um velho com forte sotaque italiano. Esse homem
me perguntou: “Então, você toca piano?” Respondi: “ loco. Mas toca
bem?” Eu disse: “Sim.” file falou: “'foca bem? Lé bastante bem?” Eu
respondi: “Razoavelmente Dc que .se trata?” Ele disse: “ t um clube
aqui no Loop. Ê das 2Jh as 4h3G, paga US$2,50 a hora. lem certeza
de que é capaz?” Respondi: “Certamente!" Ele tocou meu ombro e
disse: “Certo. £ qu j eu tenho de lhe fazer estas perguntas. Isto é, eu não
sei, não sei como você toca, realmente tenho de perguntai, entende? ’
Respondi: “Claro." Ele falou: “Você sabe, preciso ter certeza, é um
lugar no centro. Bom, aqu> está. Ligue para este núm ero e diga-laes
que M antuno m andou você ligar... Mantuno. Entenda, preciso ter
certeza de que vai se sair bem, do com rário estou frito. Vá, ligue para
eles agora. Lembre-se, M antuno lhe disse para você ligar.”
Ele me deu o núm ero. Liguei e consegui o emprego. Q uando
sj*í
da cabine, meu amigo, que tinha originado a transação, se aprox1m ou e falou:“Tudo certo? Conseguiu o emprego?” Respondi: “Sim,
muitíssimo obrigado.” Ele disse: "Tudo bem. Ouça, faça um bom
trabalho. Isto é, se for música comercial, toque música comercial.
Que diabo! Quer dizer, .«e você não fizer isso, eu é que estarei com
o traseiro na reta, você sabe. E não é nem só o meu, é o do Tony e o
daquele outro cara. São quatro traseiros diferentes."
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
E m su m a, a ob ten ção d essej em pregos m elhores req u er da
pessoa ta n to co m petência q u a n to con stituição d e relações infor­
m ais d e o b rig ação m ú tu a co m h o m e n s que p o d em indicá-los p ara
eles. Sem o m ín im o necessário d e com petência, a pessoa não pode
te r u m b o m d e sem p en h o n o novo nível, m as essa com petência
só resu ltará n o tip o a p ro p ria d o de tra b alh o caso se te n h a feito os
c o n ta to s a p ro p riad o s. Para os p ad rin h o s, com o indica a citação
an terio r, o sistem a o p era 110 sen (ido de levar h o m e n s disponíveis à
aten ção daqueles que têm em p reg 's a preencher, e de lhes fornecer
recru tas d e q u em se p o d e es p erar u m d esem p en h o ad e q u ad o .
A carreira b em -sucedida p o d e ser vista com o u m a série desses
passos, ta d a q ual u m a seqüência d e ap ad rin h am e n to , desem penho
s atisfató rio e estabelecim ento de relações a cada novo nível.
O bservei u m a sem elhança entre a carreira do m úsico e carreiras
na m edicina e na indústria, revelada n o fato de que o funcionam ento
b em -su ced id o e a m obilidade profissional são funções d a relação
d o in d iv íd u o co m u m a rede d c organizações inform ais com posta
p o r seus colegas. Passarei agora à variação nessa form a social típica
criada pela forte ênfase dos m úsicos na m anutenção de.sua liberdade
p ara to car sem a interferência d e não-m úsicos, vistos com o pessoas
q u e n ão d isp õ em da com preensão e da apreciação d o s m isteriosos
d o n s artísticos. C o m o é difícil (se não im possível) alcançar a liber­
d ad e desejada, a m aioria dos ho m e n s considera necessário sacrificar
os p ad rõ es d e sua profissão em alg u m grau, de m o d o a satisfazer as
d em an d as de públicos e daqueles qu e controlam as o p o rtu n id ad es
d e em prego. Isso cria u m a o u tra dim ensão de prestígio profissional,
baseada n o g rau em q u e u m a pessoa se recusa a m odificar seu d e ­
s em p e n h o em deferência a dem an d as externas — de um extrem o,
d e “to c a r o q u e você sente”, ao o u tro , d e “to c ar o que as pessoas
q u erem o u v ir”. O ja zzm a n toca o q u e sente, e n q u a n to o m úsico
com ercial aten d e ao gosto do público; a m elhor síntese d o po n to de
vista com ercial é u m a declaração atrib u íd a a um m úsico com ercial
d e m u ito sucesso: “Faço q u alq u er coisa p o r um dólar.”
C o m o salien tei a n te rio rm e n te , os m úsicos sen te m q u e há
u m con flito in e ren te a essa situação, e qu e não se pode ag rad a r ao
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Outsiders
pú b lico e m a n te r ao m e sm o te m p o a p ró p ria in teg rid a d e artística,
A seguinte citação, to m a d a d e u m a en trev ista com u m m úsico do
staff d e u m a estação de rád io , ilu stra o tip o de pressão q u e gera
esses conflitos n o s e m p reg o s de nível m ais alto:
O im portante no estúdio é não cometer nenhum erro, entende?
Eles não se im portam se você toca uma coisa bem ou não, contanto
que toque todas as notas e não erre. È claro, você se importa se a
coisa não soa bem, mas eles não estão interessados nisao.... Não se
im portam em com o i-occsoa quando passa por aquele microlo.ie,
estão interessados só no lado comercial. Isto é, você pode ter algum
orgulho pessoal nisso, mas eles nau se im portam .... h isso que yocê
tein de fazer. Dê a ele aquilo de que já sabe que ele gosta.
O em p reg o c o m m a io r prestigio é, p o rta n to , aquele em q u :
o m úsico tem de sacrificar sua in d e p en d ên cia artístic a e o co n se­
q ü en te p restíg io e m term o:; profissionais. U m m úsico com ercial
de m u ito sucesso p ro fesso u respeito pela in d e p en d ên cia artística
ao m e sm o te m p o q u e enfatizava seu efeito negativo sobre o d e ­
senvolvim ento d a carreira:
Eu sei, você provavelmente gosta de tocar iazz. (Llaro que entendo. Eu
costumava me interessar por jr.z/, mas descobri que não compensava.
As pessoas não gostavam de jazz. Rins gostam de rumbas. Afinal, isto
é um negócio, não é mesmo? Se você está nele para ganhar a vida,
não pode jogar jazz em cima das pessoas o tem po todo, elas não
vão aceitar. Então vocé tem de tocar o que elas querem, são elas que
pagam as contas. Isto é, não me entenda mal. Se um sujeito consegue
ganhar a vida tocando jazz, ótimo. Mas eu gostaria de conhecer o
sujeito que consegue fazer isso. Se você quiser chegar a algum lugar,
tem de ser comercial.
O s ja z ztn e n , p o r o u tro lado, se q u eix am d a baixa posição do s
em p reg o s disp o n ív eis para eles em te rm o s d e ren d a e o u tra s coisas
além d o prestígio artístico.
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
Assim , as “p an e las” cujo acesso u m a pessoa deve c o n q u ista r
p a ra alcan çar sucesso e seg u ran ça são co m p o stas p o r h o m e n s
in d isc u tiv e lm e n te com erciais em sua orie n taçã o . As m a io res reco m p en sas da profissão são co n tro lad as p o r pessoas q u e ab rira m
m ã o d e alg u ns d o s p ad rõ es profissionais m ais básicos, e é preciso
fazer sacrifício sem e lh an te p ara ter alg u m a chance de chegar às
p o siçõ es desejáveis:
Veja, se você toca música comercial desse tipo, consegue entrar
nessas “panelinhas” que têni todos os bons empregos, e pode real­
mente se dar bem . Toquei em alguns dos melhores empregos da
cidade — o Q. Club e lugares assim — , c é isso que tem de íazer.
Toque desse jeito e iique amigo desses caras, depois você nunca
terá de se preocupar. Pode ler certeza de talurar aquela grana toda
semana e é isso que im porta.
As “p an e lin h as” co m p o stas p o r ja z z n m i não oferecem n ad a a
seus integrantes além do prestígio de m a n ter a integridade artística;
as “ panelas” com erciais fornecem segurança, m obilidade, renda e
p restigio social.
Esse conflito é u m gran d e problem a p a ra o m úsico, e o desen ­
volv im en to de su a carreira dep en d e de sua reação a ele. E m bora eu
não te n h a co lhido n en h u m d a d o sobre esse p o n to , parece razoável
su p o r que a m aioria dos hom ens en tra na m úsica com u m g ran d e
respeito p elo jazz e a Cberdade artística. N um certo p o n to do desen ­
volv im en to d a carre ira (que varia d e u m indivíduo para o u tro ), o
conflito to rn a -se aparente, e o m úsico se dá conta de que é im possí­
vel alcançar o tip o de sucesso q u e deseja e m a n te r a independência
de ^eu d e sem p en h o m usical. Q u a n d o a in c om patibilidade dessas
m etas to rn a -se óbvia, algum tip o de escolha deve ser feito, ainda q u e
p o r om issão, d e te rm in a n d o assim d fu tu ro curso da carreira.
U m a resposta p a ra o dilem a é evitá-lo, ab a n d o n a n d o a p ro fis­
são. Incapaz d e e n c o n tra r um a solução satisfatória para o problem a,
o in d iv íd u o in te rro m p e sua carreira. A justificativa desse passo é
revelada n a seg u in te declaração d e alguém q u e o deu:
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É melhor pegar um emprego com o qual você sabe que ficará de­
prim ido, no qual você espera iicar arrasado, que ter um emprego
na música, que poderia ser excelenlc, mas não C. Por exemplo, vocé
entra no comércio, mas não sabe nada sobre isso. Então imagina
que vai ser uma amolação e espera por isso. Mas a música pode ser
tão legal que, quando não é, torna-se uma grande decepção. Então,
é m elhor ter algum outro tipo de emprego, que não deixe você
arrasado dessa maneira.
V im os a gam a das respostas para esse d ilem a p o r p a rte d a q u e ­
les q u e p e rm a n e c e m n a profissão. O jcizznum ig n o ra as dem an d as
d o p ú b lico p ara se ater aos p ad rõ es artísticos, e n q u a n to o m usico
com ercial faz o o posto , am bos s e n tin d o a pressão das duas forças.
M eu interesse aq u i é d isc u tir a relação dessas respostas co m as
perspectivas da ca rreira.
O h o m e m q u e o p ta p o r ig n o ra r pressões com erciais vê-se efe­
tiv am e n te im p e d id o de te r acesso a em pregos d e m a io r prestígio e
ren d a, e d e ingressar naquelas “panelas" qu e lhe p ro p o rc io n a ria m
s eg u ran ça e a o p o rtu n id a d e de d e sfru ta r essa m o b ilid a d e. Poucas
pessoas estão dispostas a a d o ta r u m a posição tão ex trem a
o j
são
capazes disso; a m a io ria tra n sig e e m algum g rau. O p a d rã o de
m o v im en to envolvido nessa tran sig ên cia é u m fen ô m en o co m u m
de c a rre ira , m u ito co n h e cid o e n tre os m úsicos e co n sid e rad o p ra ­
tic a m e n te inevitável:
Estive com K.E. Eu disse: "Vocé não pode me conseguir alguns
contratos para tocar?” Ele respondeu, im itando um dos “velhos :6
"Não, meu filho, quando vocé criar juízo e virar com .Tcial, vou po­
der lhe ajudar, mas não agora.” Com a voz normal, continuou: “Por
que você não se moderniza? Meu Deus, acho que estou liderando«’
tendência rum o ao comercialismo. Eu certamente escolhi isso com
muita intensidade, não foi?”
N esse p o n to decisivo de su a carreira, o in d iv íd u o julga n e­
cessário fazer u m a m u d a n ça rad ical em sua au to -im a g em ; te m de
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
a p re n d e r a p en sar em si m e sm o d e um a nova m aneira, a se ver
co m o u m tip o diferente d e pessoa:
Acho que esse negócio comercial realmente me pegou. Você sabe,
mesmo quando tenho um tn. balho em que se espera que a gente
toque jazz, em que a gente pode se soltar e tocar qualquer coisa, eu
penso em ser comercial, em tocar o que as pessoas ali querem ouvir.
Eu costumava ir para um trabalho com a idéia de tocar o melhor
que pudesse, só isso, só tocar da melhor maneira possível. E agora
vou para um trabalho e penso automaticamente: "O que essas pes­
soas vão querer ouvir? Será que elas querem ouvir o estilo Kenton,
ou algo tipo Dizzy Gillespie [orquestras de jazz], ou algo tipo Guy
Lombardo (orquestra comercialj, ou o quê?” Não consigo deixar
de pensar isso com meus botões. Eles realmente meteram isso em
mim, acho que me dom inaram .
M u d an ça m ais d rástica da au to -im a g em relacionada a esse
dilem a de carre ira está presente n a seguinte declaração:
Vou lhe dizer, concluí que a única coisa a lazer é realmente virar
comercial — tocar o que as pessoas querem ouvir. Acho que há
um bom lugar para o cara que dá a eles exatamente o que querem.
A melodia, só isso. N enhuma improvisação, nada de técnica — só
a pura melodia. Vou lhe dizer, poi; que eu não deveria tocar desse
;eito? Afinal, vamos parar de nos enganar. Na maioria, não somos
realmente músicos, somos apenas instrum entistas. Isto é> penso
em mim mesmo como uma espécie de trabalhador comum, sabe.
Não faz sentido tentar me enganar. A maioria desses caras é só ins­
trum entista, eles não são músicos de verdade, de maneira alguma,
deveriam parar de tentar se enganar achando que são.
U m a to m a d a de decisão com o esta e a passagem p o r um a
m u d a n ça co m o esta de au to -im a g em ab rem ca m in h o p ara um
m o v im e n to ru m o aos níveis m ais altos d a h ie rarq u ia de em pregos
e c riam as co n d ições nas quais o sucesso co m p leto é possível, se a
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Outsiders
pessoa for capaz d e tira r proveito d a o p o rtu n id a d e estabelecendo
e m a n te n d o os c o n tato s ap ro p riad o s.
U m m o d o de ajustar-se às realidades do trabalho sem sacrificar
o auto-respeito é a d o ta r a o rientação d o artesão. O m úsico q u e faz
isso não está m ais p reocupado com o tipo de m úsica qu e toca. O que
o interessa é u n ic am en te se a toca corretamente, se possui as habilida­
des necessárias p ara fazer o trabalho co m o deve ser teito. E ncontra
seu orgulho e auto-respeito na capacidade de “ tirar de tetra qualquer
tip o de m úsica, em te r sem pre um d esem p en h o adequado.
As habilidades necessárias p ara m a n te r essa orien tação variam
co m o tip o de lu g a r em que o m úsico toca. O h o m e m q u e trabalha
em bares co m g ru p o s peq u e n o s se o rg u lh a rá de co nhecer centenas
(o u até m ilhares) de m úsicas e ser cap az d e tocá-las em q u alq u er
tom . O h o m e m q u e tra b alh a n u m a g ran d e b an d a se o rg u lh a rá de
sua s o n o rid a d e e d o virtu o sism o técnico. O h o m e m q u e trabalha
n u m a b o ate o u n u m e stú d io d e rádio se gaba d e sua capacidade de
ler à p rim e ira vista q u a lq u e r tip o d e m úsica co m fidelidade e p re ­
cisão. C o m o esse tip o de orie n taçã o te n d e a p ro d u zir exatam ente o
qu e o e m p re g a d o r q u e r e n u m nm -l su p e rio r de qualidade, levará
provavelm ente a o sucesso ocupacional.
É m ais fácil m a n te r a o rie n ta ç ã o d o a rte sã o nos p rin c ip a is
ce n tro s m u sicais do país: C hicago, N ova York, Los A ngeles. N essas
cid ad es, o v o lu m e d e tra b a lh o d isp o n ív e l é g ra n d e o b asta n te
p a ra p e rm itir u m a especialização, e u m m ú sic o p o d e se d e d ic a r
re s o lu ta m e n te a ap e rfe iç o a r u m ú n ic o tip o d e c o m p e tê n c ia té c ­
nica. E n c o n tra m -s e m úsicos d e a sso m b ro so v irtu o sism o nesses
centros. Em cid ad es m e nores, em c o n tra p o siç ã o , não h á tra b a lh o
suficiente d e tip o alg u m p a ra q u e o m ú sic o se especialize, e eles
são ch a m ad o s a fazer u m p o u c o de tu d o . E m b o ra as h ab ilid a d es
necessárias se s u p e rp o n h a m — a s o n o rid a d e , p o r exem plo, é
s e m p re im p o rta n te — , cada q u a l te m área s e m q u e é ap e n as
m in im a m e n te co m p e te n te . U m tro m p e tis ta p o d e to c a r excelen­
te jazz e se s a ir b e m em p e q u e n o s g ru p o s , m a s ler m al e te r u m
d e s e m p e n h o b e m p io r q u a n d o tra b a lh a co m u m a g ra n d e b an d a .
É difícil m a n te r o o rg u lh o co m o a rte sã o q u a n d o se é c o n tin u a ­
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
m e n te c o n fro n ta d o com tra b a lh o s p ara os q u ais se tem ap e n as
as h ab ilid a d es m ín im a s.
Em resum o, a ênfase que os m úsicos dão em estar livres da
interferência inevitável em seu trab alh o cria um a nova dim ensão
d o prestígio profissional q u e de tal m aneira en tra cm conflito co m
o prestígio d o em prego an teriorm ente, u m a vez discutido que n ão
se p o d e o cu p a r ao m esm o tem po u m a posição elevada nos dois. As
m aiores recom pensas estão nas m ãos daqueles que ab riram m ão de
su a in d ep en dência artística e pedem sacrifício sem elhante daqueles
q u e recru tam para essas posições m ais altas. Isso cria um dilem a para
o m úsico, e sua resposta d eterm in a o curso lu lu ro de sua carreira.
A recusa a se su jeitar significa que to d a esperança de conseguir
e m p reg o s de prestígio e re n d a elevados deve ser a b a n d o n a d a ,
e n q u a n to ceder às pressões com erciais lhe abre o c a m in h o do su ­
cesso. (E studos de o u tra s ocupações d everiam dedicar atenção a
esses aspectos das contingências d e carre ira q u e ta m b é m se ligam
aos p ro b lem as colocados pelas relações de trab alh o com clientes
o u fregueses.)
Pais e esposas
O b serv ei q ue os m úsicos este n d em seu desejo de liberdade de
in terferên cia ex tern a em seu tra b alh o a u m se n tim en to g enerali­
zad o de q u e n ão deveriam ser to lh id o s pelas convenções com u n s
d a so cied ad e. O eth o s da profissão fo m e n ta u m a ad m iração pelo
c o m p o rta m e n to e sp o n tâ n eo e individualista e um desdém pelas
reg ras da sociedade em geral. É d e,e sp era r q u e os m em b ro s de
u m a o c u p a ç ã o co m esse e th o s teiJham p ro b le m a s d e co n flito
q u a n d o en tra re m em c o n tato m ais p ró x im o com essa sociedade.
U m p o n to d e c o n tato está n o trabalho, em que o público é a fonte
d t p ro b le m as. O efeito dessa área de p ro b le m as sobre a carreira
foi d escrito an terio rm e n te.
O u tra área de c o n tato en tre profissão e sociedade é a fam ília.
O p e rte n c im e n to a fam ílias vincula o m úsico a pessoas quadradas,
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Outsiders
o u tsid e rs q u e se atê m ãs convenções sociais cuja au to rid a d e o m ú ­
sico n ã o reco n h ece. Essas relações e n c e rra m g erm er d e co n flito
q u e p o d e m se m a n ife s ta r co m co n seq ü ên c ias d esastro sas p a ra a
c a rre ira e /o u a relação fam iliar. Esta seção ex p licará em d etalh e
a n a tu re z a desses co n flito s e seu efeito so b re a carreira.
A fam ília d o indivíduo tem gran d e influência sobre sua escolha
de o cu p a ção pelo seu p o d er d e p a tro c in a r e a ju d a r o neófito -ia
carreira q u e escolheu . Hall, em sua discussão do s estágios iniciais
da carre ira m é d ica, observa que:
Na maioria dos casos, a família ou
on amigos
desempenharam uiv
im portante papel imaginando o perfil da carreira e reforçando os
esforços do recruta. Proporcionaram es.se reforço encorajando,
ajudando a estabelecer as rotinas apropriadas, propiciando a pri­
vacidade necessária, de.ieslimulando o com portam ento anôm alo e
definindo as recompensas do dia-a-dia.7
O s pais d o m ú sic o em geral n ã o aju d am o desenvolvim ento
de sua ca rre ira dessa m a n eira. Ao co n trá rio , c o m o u m ho m e m
observou: “M eu D eu s, a m a io ria dos caras tem u m a b rig a terrível
c o m os pais q u a n d o d ec id e e n tra r n a profissão u e m úsico.” A
razão é clara: seja qual for a classe d e q u e ele pro v en h a, é ó b \ io
p ara a fam ília d o possível m úsico q u e ele está in g re ssan d o n u m a
profissão que estim u la seu ro m p im e n to com os pad rõ es conven­
cionais d e c o m p o rta m e n to d o seu m e io social. Fam ílias d e classe
baixa parecem ficar ex trem am en te aílitas co m a irre g u larid a d e d o
em prego n o m e io m usical, e m b o ra haja evidências de que algum as
estim u la ram esse tipo d e carreira, vendo-a com o u m a possível rota
de m o b ilid ad e. N a fam ília de classe m édia, a escolha da m úsica em
casas n o tu rn a s co m o o cupação é vista com o u m m o v im en to ru m o
à vida b o êm ia, envolvendo u m a possível p e rd a d e prestígio ta n to
para o indivíduo co m o para a fam ília, sen d o p o r isso vigorosam ente
co m b atid a C onsiderável pressão é feita so b re a pessoa p a ra que
desista de sua escolha:
Carreiras num grupo ocupacional desviante: o músico de casa noturna
Sabe, todo m undo achou horrível quando decidi ser músico. ...
Lembro que me formei na escola secundária num a quinta-feira
e deixei a cidade na segunda-feira para pegar um trabalho. Meus
pais ficaram discutindo comigo e todos os meus parentes também.
Eles me fizeram passar um m au bocado. ... Teve um tio meu que
foi drástico, dizendo que aquela não era uma vida normal, que eu
nunca poderia me casar, e toda aquela conversa.
O co n flito tem d o is efeitos típicos sobre a carreira. P rim e iro ,
o possível m ú sic o pode, em lace da pressão da fam ília, desistir da
m úsica co m o profissão. U m ajuste c o m o esse é bastan te c o m u m
n o estágio inicial da ca rreira. Por o u tro lado, o jovem m ú sic o
p o d e ig n o ra r os desejos da sua fam ília e c o n tin u a r sua ca rreira,
caso em q u e m u itas vezes é priv a d o d o apoio fam iliar m ais cedo
d o q u e e m o u tra s circunstâncias, e deve com eçar a “b atalh ar p o r
c o n ta p ró p ria ” a b rin d o seu c a m in h o sem o p atro c ín io n e m a
aju d a fin an ceira q u e de o u tro m o d o p o d eriam estar disponíveis.
N a m ú sica, p o ría n to , a carreira com eça u sualm ente — se é q u e
co m eça — sem a aju d a e o incentivo d a fam ília típicos de ca rre iras
e m m u itas o u tra s ocupações.
D ep o is q u e se casa e estabelece a p ró p ria fam ília, o m ú sic o
e n tra n u m a relação em que as convenções da sociedade lh e são
ap resentadas de m a n eira im ediata e poderosa. Sua m ulher, em geral
n ão -m ú sica, espera que ele, com o m a rid o , seja um c o m p an h eiro
e pro v ed o r. E m algum as ocupações n ã o há n en h u m conflito en tre
as d e m a n d a s d o tra b alh o e da fam ília. Em o u tra s, há conflito, m as
existem soluções socialm ente san cio n ad as aceitas p o r a m b o s os
cônjuges, co m o , p o r exem plo, n a p rática m édica. Em ocupações
d esviantes, co m o a profissão de m úsico, as expectativas pro fissio ­
nais não se c o a d u n a m em absoluto co m as expectativas leigas, co m
co n seq ü en tes dificuldades p a ra o jnúsico.
O s m ú sic o s ach am que o s im perativos de seu tra b alh o d ev e m
te r precedência sobre os de suas fam ílias, e agem em co n fo rm id ad e
co m isso:
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Outsiders
Cara, minha mulher é um a garota excelente, mas não há jeito de
ficarmos juntos, não enquanto eu estiver trabalhando com o m ú­
sico. N enhum jeito, nenhum jeito mesmo. Logo que nos casamos,
era ótimo. Eu estava trabalhando na cidüde, ganhando uma boa
grana, todo m undo estava feliz. Mas quando esse trabalho acabou,
fiquei sem nada. Então recebi uma oferta para viajar. Bem, que diabo,
eu precisava do dinheiro, aceitei. Sally disse: “Não, quero você na
cidade, comigo.” Ela preferia que eu fosse trabalhar num a fábrica!
Bom, foi uma grande merda. Então fui embora com a banda. Que
diabo, gosto demais Ja profissão. Não vou abrir mão dela por Sallv
ou por qualquer outra mulher.
É provável q u e o c a sam en to se to rn e u m a luta p e rm a n e n te em
to rn o dessa questão; o desfecho d a luta d e te rm in a a in te rru p ç ã o
o u a c o n tin u id a d e da ca rre ira m usical d o m a rid o , com o ilu stra o
s eg u in te in c id en te re tira d o de m in h as an o taçõ es d e cam po:
Os rapazes do Z. Club estão tentando convencer Jay Marlowe a voltar
a trabalhar lá em horário integral. Ele está dividindo a semana com
alguém agora. Conseguiu um emprego diurno no mesmo escritório
em que a mulher dele trabalha, fazendo contabilidade ou algum pe­
queno serviço de escritório. Os rapazes estão tentando convencò-io
a deixar isso. Ao que parece, a mulher dele é totalm ente contra.
Jay foi músico a vida inteira, pelo que sei; provavelmente é a
primeira vez que tem um emprego diurno. Gene, o baterista do Z.
Club, me disse: “É bobagem dele ter um emprego diurno. Q uanto
pode ganhar ali? Provavelmente não fatura mais de 30, 35 por
semana. Ele fatura isso em três noites aqui. É claro, a m ulher dele
queria que deixasse a profissão. Ela não gostava da idéia de todas
essas madrugadas, e as garotas que fazem ponto nos bares, esse tipo
de coisa. Mas, afinal, quando um cara pode fazer alguma coisa e
ganhar mais dinheiro, por que haveria de pegar um emprego triste
e trabalhar por um a ninharia? Não faz sentido. Além disso, por que
vai se deprimir assim? Ele preferiria estar tocando, e é uma amolação
para ele ter a porcaria desse emprego diurno, então,por que deveria
Carreiras num grupo ocjpacio nal desviante: o músico de casa noturna
se agarrar a ele?” Johnny, o saxofonista, d isse: “Sabe por quê? Porque
a mulher dele o obriga a se agarrar ao emprego.1’ Gene falou: “ Ele
não devia deixar que ela mandasse nele desse jeito. Pelo am or de
Deus, minha patroa não me diz o que fazer. Ele não deveria tolerar
essa merda.”
Eles começaram a fazer alguma coisa em relação ao caso. An­
daram convidando Jay para ir à pista de corridas com eles nos dias
de semana, e ele andou faltando ao trabalho para ir. Depois de uma
dessas ocasiões, Gene disse: “Cara! A mulher dele ficou enlouquecida!
Ela não quer que ele dê uma mancada e perca esse emprego, e sabe
que estamos metidos nisso. Acha que somos más influências. Bom,
«acho que somos mesmo, do ponto de vista dela.”
[Algumas semanas depois Marlowe deixou seu emprego diurno
e voltou à màsica.]
P ara o u tro s m úsicos q u e sentem m ais fo rte m en te suas re s ­
p o n sab ilid ad e s fam iliares a situ ação n ão é tão sim ples. A in seg u ­
ra n ç a ec o n ô m ica da profissão d e m úsico to rn a difícil ser u m b o m
p ro v e d o r e p o d e ob rig a r o ind iv íd u o a a b a n d o n a r a profissão, u m
d o s p a d rõ e s típicos d e resp o sta a essa situação:
Não, não tenho trabalhado muito. Acho que vou pegar um maldito
emprego diurno. Você sabe, quando você 6 casado é um pouco di­
ferente. Antes era diferente. Eu trabalhava, não trabalhava, dava no
mesmo. Se precisava de dinheiro, pedia cinco emprestados a m inha
mãe. Agora aquelas contas simplesmente não esperam. Q uando
você é casado, tem de estar sempre trabalhando, ou não dá conta
do recado.
M esm o q u e a carreira n ão seja in te rro m p id a dessa m a n eira,
as d em an d as d o casam ento exercem um a pressão m u ito fo rte q u e
im p ele o m ú sic o a se to rn a r com ercial:
Se você quiser continuar trabalhando, tem de suportar um pouco de
m erda de vez em quando.... Eu não m e importo. Tenho uma mulher
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Outsiders
e quero continuar trabalhando. Sc algum quadrado se aproxima c
me pede para tocar “ Heer Barrei Polka , eu apenas sorrio e to c o a
música.
O ca sam en to p ode, assim , acelerar a o b te n ç ã o de sucesso
a o fo rçar u m a decisão que p ro p o rc io n a , e m b o ra n ão g aran ta, a
o p o rtu n id a d e d e ingresso naq u elas “p an e lin h as1 co m ercialm en te
o rie n ta d a s q u e são m ais capazes d e m a n te r seus in teg ran tes em
tra b a lh o perm an en te .
A fam ília, p o rta n to , co m o u m a instituição q u e exige J o m ú ­
sico q u e ele se c o m p o rte co n v en cio n alm en te, cria-lh e pro b lem as
de pressões, lealdades e u ito -im a g e n s conflitantes. S ua resp o sta a
esses problem as tem u m efeito decisivo sobre a du ra ç ã o e a direção
de sua carreira.
7
As regras e sua im posição
C o n sid era m o s algum as características gerais dos desviantes e os
processos pelos quais eles são ro tu lad o s de o u tsid e rs e p assam a
se ver c o m o tal. E xam inam os as cu ltu ras e os p ad rõ es típicos de
carre ira d e d o is g ru p o s d e ou tsid e rs: usu ário s dc m aco n h a e m ú ­
sicos de casa n o tu rn a . A gora é h o ra de co n sid e rar a o u tra m e tad e
da equação: as pessoas q u e fazem e im p õ em as leis às quais os
o u tsid e rs n ão se co n fo rm am .
(
A q u estã o aq u i é sim plesm ente: q u a n d o as regras são feitas
e im p o stas? Já observei que a existência de u m a regra n ão asse­
g u ra au to m aticam en te q u e ela sefá im posta. H a m u itas variações
n a im p o s iç ã o d e regras. N ã o p o d e m o s explicá*la in v o c a n d o
alg u m g ru p o a b stra to sem pre vigilante; não é possível dizer q u e
a “so cied ad e” é p reju d icad a a ca d a in fração e age p ara re s ta u ra r
o eq uilíb rio . P o deríam os postular, n u m extrem o, u m g ru p o em
q u e este seria o caso, em q u e to d a s as regras fossem ab so lu ta e
au to m a tic a m e n te im postas. M as im ag in a r esse caso ex trem o serve
ap en as p a ra d eix ar m ais claro o fato de q u e os g ru p o s sociais n ã o
são u su alm en te assim . O m ais típ ico é que as regras sejam im p o s­
ta s so m e n te q u a n d o algo provoca sua im posição. A im posição,
p o rta n to , re q u e r explicação.
A ex p licaç ão rep o u sa sobre; v árias prem issas. P rim e iro , a
im p o sição d e u m a regra é u m e m p reen d im en to . A lguém — u m
e m p re e n d e d o r — deve to m a r a |iniciativa d e p u n ir o cu lp ad o .
S egundo, a im posição o co rre q u a n d o aqueles qu e q u erem a regra
im p o sta lev am a infração à aten ção d o público; u m a infração n ã o
p o d e ser ig n o ra d a depois q u e é td rn a d a pública. E m o u tra s p a la ­
v ras, a im p o sição o co rre q u a n d o alguém delata. Terceiro, pessoas
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d e d u ra m , to rn a n d o a im posição necessária, q u a n d o vêem algum a
vantagem nisso. O interesse pessoal as estim ula a to m ar a iniciativa.
F inalm ente, o tip o de interesse pessoal q u e leva à im posição varia
com a co m p lex id ad e d a situ ação em q u e a im p o sição te m lugar.
Vam os co n sid erar vários casos, o b serv an d o o m o d o com o interesse
pessoal, iniciativa e pub licid ad e in terag em co m a com plexidade da
situação p a ra p ro d u z ir ta n to im p o sição q u a n to a n ão -im p o sição
de regras.
L e m b rem o s o exem plo de M alinow ski, d o ilhéu d e T ro b rian d
que co m etera incesto clânico. Todos sabiam o q u e ele estava lazen do, m as n in g u é m fez coisa algum a a respeito. Então o ex-am ante da
m oça, qu e p re te n d e ra se ca sar co m ela e p o r conseguinte se sentira
pesso alm en te p reju d icad o com a escolha de o u tro h o m e m , to m o u
o assu n to e m s u a s p ró p ria s m ãos e acusou K im a’i p u b licam en te ue
incesto. Ao fazer isso, altero u a situação, de m o d o q u e K im a’i n ão
teve escolha sen ão se suicidar. A qui, n u m a socieoade de e s tru tu ra
relativ am en te sim ples, n ão há conflito e m relação à regra; to ü o s
co n c o rd a m q u e o incesto clânico é errad o . U m interesse pessoal
evoca a iniciativa de alguém , ele pode assegurar a im posição to r ­
n a n d o a in fra ção pública.
T a m b é m n ão h á conflito sem e lh an te em relação à im posição
d e regras nas situações m en o s o rg an izad as da vid a u rb a n a a n õ m m a. M as a co n seq ü ên cia é diferente, pois a essência do acordo en tre
as pessoas é q u e elas n ão vão in terferir — o u ch a m ar a atenção para
— nas m ais flagrantes violações da lei. O m o ra d o r da cidade 'r a ta
d e sua p r ó p ria vid a e n ad a faz com relação a infrações de regras, a
m e n o s q u e s u a vida seja afetada. S im m el ro tu lo u a a titu d e u rb a n a
típica d e “reserv?”:
Se reações internas fossem respostas aos nossos contatos exlornos
contínuos com inúm eras pessoas, em núm ero tão grande quanto
na cidade pequena, onde se conhece quase todo m undo que se en­
contra e onde se tem uma relação positiva com quase todo m undo,
ficaríamos completamente atomizados internam ente e entraríamos
num estado psíquico inimaginável. Em parte esse fato psicológico
As regras e sua imposição
e em parte o direito à desconfiança que os homens têm diante dos
elementos incertos da vida metropolitana exigem nossa reserva. Em
conseqüência dessa reserva, muitas vezes não conhecemos nem de
vista aqueles que foram nossos vizinhos por anos. E é essa reserva
que, aos olhos dos que m oram em cidades pequenas, nos faz parecer
frios e sem coração. De fato, se não me engano, o aspecto interior
dessa reserva exterior não é somente indiferença, mas, com mais
freqüência do que percebemos, uma ligeira aversão, um m útuo
estranhamento e repulsa que se transform arão em raiva e horror no
mom ento de um contato mais íntimo, seja qual for sua causa....
Essa reserva, com sua implicação de aversão oculta, aparece por
sua vez como a forma ou o disfarce de um fenômeno mental mais
geral da metrópole: ela assegura ao indivíduo um tipo e um grau
de liberdade pessoal que não têm analogia em outras condições.1
V ários an o s atrás, u n ia revista nacional p u b lico u u m a série
d e fo to g ra fias ilu s tra n d o a reserv a u rb a n a . U m h o m e m ja z ia
in co n scien te n u m a m o v im en tad a ru a de cidade. In ú m e ras fotos
m o strav am pedestres q u e ignoravam sua existência ou a percebiam
e em seg u id a desviavam os olhos p ara tra ta r da p ró p ria vida.
A reserva, em b o ra tip ica m en te e n c o n tra d a e m cidades, não
é característica de to d a vida u rb an a. M uitas áreas urb an as — al­
g u n s b airro s m iseráveis e zonas etn icam en te h o m ogêneas — têm
algo d o ca rá te r de u m a cidade1p eq u e n a; seus h ab itan tes vêem
tu d o q u e o co rre na vizinhança com o se fossem da sua conta. O
citad in o exibe su a reserva m ais ac en tu ad a m en te em áreas públicas
a n ô n im a s — os T im es S quares e S tate S treets — , o n d e p o d e se n tir
q u e n a d a d o q u e acontece é responsabilidade sua e q u e h á agen­
tes d a lei presentes, com a obrigação d e lidar com q u alq u er coisa
ex trao rd in ária. O acordo de ig n o ra r infrações de regras repousa
em p a rte n o co n h e cim e n to de que a im posição p o d e ser deixada
a carg o desses profissionais.
E m situ açõ es e stru tu ra d a s m ais com plexas, há m a io r p o s ­
sib ilid ad e d e in terp reta çõ es divergentes da situ a ção e possíveis
co n flito s com relação à im posição de regras. Q u a n d o u m a o rg an i­
13 í
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Outsiders
zação c o n té m d o is g ru p o s q u e co m p etem pelo p o d er — c o m o na
in d ú stria , em q u e a d m in istra d o re s e em p reg ad o s d isp u ta m pelo
c o n tro le d a situ ação de tra b a lh o — , o conflito p o d e ser crônico.
N o e n ta n to , precisam en te p o r ser u m tra ço p ersiste n te da o rg a ­
nização, talvez o c o n flito n u n ca se to rn e declarado. Em vez disso,
os dois g ru p o s, en re d a d o s n u m a situ ação q u e a p risio n a a am bos,
vêem vantagem em p e rm itir q u e o o u tro co m eta certas infrações
e n ã o as d en u n c ia m .
M elvillc D alto n e stu d o u a in fração sistem ática de regras p o r
em p reg ad o s d e org an izaçõ es in d u striais, lojas d e d e p a rta m e n to s e
e stab elecim en to s d e tra b alh o sim ilares. Ele relata q u e os em p reg a­
dos com freqüência se apossam de serviços e m ateriais pertencentes
à org an ização p a ra seu pessoal, ob serv an d o q u e isso seria em geral
c o n sid e ra d o fu rto . A gerência te n ta d eter esse desvio d e recursos,
m as poucas vezes te m sucesso. Em geral, p o rém , não leva o assunto
à aten ção pública. E n tre o s exem plos de ap ro p ria ç ã o in d é b ita de
recu rso s da co m p a n h ia , D alto n cita os seguintes:
Um contram estre m ontou urna oficina mecânica em sua casa,
equipando-a com m aquinaria cara retirada da oficina em que
trabalhava. O saque incluiu um a furadeira fixa, um torno limador,
um torno mecânico, cortadores e brocas, equipamento de bancada
c uma m áquina polidora.
O capataz da oficina de carpintaria de uma grande fabrica, artesão
de origem européia, passava a m aior parte do dia de trabalho fabri­
cando objetos domésticos — berços, janelas duplas para o inverno,
mesas e itens similares feitos per encom enda— para executivos mais
graduados. Em troca, recebia de presente vinhos e alimentos.
U m operário de oficina escrevia todas as suas cartas no trabalho,
usando materiais e selos da companhia.
f.Tm técnico de raiosX num hospital furtava presuntos e comida enla­
tada e sentia-se no direito de fazé-lo porque seu sal.irio era baixo.
As regras e sua im posição
Um executivo industrial aposentado mamiou construir um aviário
com 1] unidades tm oficinas da fábrica e encarregou o pessoal de seu
serviço de instalá-lo em sua casa. Carpinteiros da fábrica reparavam
e recondicionavum o viveiro todas as primaveras.
Acréscimos às construções de um iate clube local, cujos m uitos
membros trabalhavam nas fábricas pilhadas, eram leitas por traba­
lhadores de empresas durante o horário de trabalho com materiais
das fábricas.
Chefes de departamentos de vestuário em lojas de departamentos
maj-cavam mercadorias que desejavam para seu uso pessoal como
“estragadas” e rebaixavam os preços de maneira condizente. Vendiam
também itens de liquidação acima do preço para acumular um fundo
em dinheiro contra o qual a apropriação de itens para uso pessoal
pudesse ser debitada.2
D alto n d iz q u e ch a m ar todas essas ações d e fu rto é n ão co m ­
p re e n d e r o q u e interessa. D e fato, insiste ele, a gerência, m e sm o
c o n d e n an d o oficialm ente o fu rto d e n tro da organização, estava em
co n lu io com ele; n ã o se tra ta dc u m sistem a de fu rto em absoluto,
m a s d e u m sistem a d e recom pensas. As pessoas q u e se a p ro p ria m
de serviços e m ateriais pertencentes à organização na realidade são
recom pensadas n ão oficialm ente p o r contribuições extraordinárias
q u e fazem p ara o fu n c io n a m e n to d a organização, con trib u içõ es
p a ra as q uais n ã o existe u m sistem a legítim o de recom pensas. O
cap ataz q u e e q u ip o u sua oficina m ecânica dom éstica c o m m á q u i­
n as d a fábrica estava d e fato sen d o reco m p en sad o p o r ter a b a n d o ­
n a d o o cato licism o e se to rn a d o m a ço m a fim d e d e m o n stra r sua
a p tid ã o p a ra u m p o s to d e supervisão. P erm itia-se ao técnico de
raios X fu rta r co m id a d o hospital p o rq u e a ad m in istração sabia
q u e n ão estava lhe pag a n d o u m salário suficiente para exigir sua
lealdade e o trabalho árduo.1As regras não são im postas porque dois
g ru p o s q u e co m p etem pelo p o d er — gerência e trabalhadores —
e n c o n tra m v antagens m ú tu as em ig n o ra r as infrações.
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D o n ald Roy descreveu transgressões de regras sem elhantes
n u m a oficina m ecânica, m o s tra n d o m ais u m a vez q u e u m g ru p o
n ão vai d e la ta r o o u tro se am bos forem parceiros n u m sistem a ca­
racterizado p o r u m eq u ilíb rio de p o d e r e interesse. O s o p erad o re s
de m á q u in a q u e Roy estu d o u eram pagos p o r peça, e a in fração de
regras o co rria q u a n d o tentavam “se d a r b e m ” — g an h a r m u ito
m ais d o q u e seu p ag a m en to básico p o r h o ra e m d eterm in ad as
tarefas. C om freqüência só p o d ia m conseguir isso tra b a lh a n d o às
pressas e fazendo o serviço d e um a m a n eira proibida pelas regras da
co m p an h ia (ig n o ra n d o precauções de segurança ou u san d o ferra­
m entas e técnicas não p erm itid as nas especificações d a tarefa).4 Rcv
descreve u m “cartel da oficina” q u e colaborava com os op erad o re s
d e m á q u in a na transgressão d e ro tin as fo rm a lm en te estabelecidas
d a oficina.3 In sp eto res, en c arreg ad o s do d ep ó sito de ferram en ta s,
estoquistas e co n tro la d o re s de h o rá rio , to d o s p articip av am , a ju ­
d a n d o o s m e cân ic o s a se d a r bem .
Por ex e m p lo , o p e ra d o re s d e m á q u in a s n ão d ev iam m a n te r
nelas as fe rra m e n ta s que não fossem usadas p ara o serviço que
estavam fazendo. Roy m o s tra co m o , q u a n d o essa nova regra foi
p ro m u lg ad a, os aju d an tes d o d e p ó sito de fe rra m e n ta s d e início a
o b ed e ciam . M as c o n s ta ta ra m q u e ela provocava a reu n ião co n s ­
ta n te d e u m b a n d o em volta da ja n e la da sala de ferram en ta s,
u m g ru p o d e h o m e n s queixosos q u e to rn a v am difícil o d ia de
tra b a lh o d o aju d a n te . P o r conseguinte, p o u co d epois q u e a regra
foi a n u n c ia d a , o s a ju d a n te s co m eçara m a in frin g i-la , d eix a n d o os
ho m en s m a n te re m as ferram en tas em sua m á q u in a ou e n tra r e sair
do d e p ó sito co m o b em e n te n d ia m . A o p e rm itir q u e os m e cân ic o s
in frin g isse m a regra, os a ju d a n te s d o d e p ó sito de fe rra m e n ta s
facilitavam su a p ró p r ia situação; n ão e ra m m ais in c o m o d a d o s
pelas queixas de o p e ra d o re s ab o rrecid o s.
O p ro b le m a da im posição d e regras to rn a -se m ais com plicado
q u a n d o a situ a ção c o n té m vários g ru p o s rivais. A u co m o d ação e
a conciliação são m ais difíceis, p o rq u e há m ais interesses em jogo,
e é m ais provável q u e o conflito seja d ec larad o insolúvel. Nessas
circu n stân cias, o acesso a canais d e p u b licid a d e to rn a -se u m a va­
As regras e sua imposição
riável im p o rta n te , e aqueles cujo interesse exige que as regras n ã o
sejam im p o stas te n ta m im p ed ir a n otificação de infrações.
U m ex em p lo ad e q u ad o p o d e ser e n c o n tra d o n o p ap e l do
p ro m o to r pú b lico. U m a de suas obrig ações é s u p erv isio n a r jú ris
d e instru ção . Estes são convocados p a ra o u v ir evidências e d ec id ir
sc dev em ser p ro ferid as acusações co n tra indivíduos q u e su p o sta ­
m e n te v io laram a lei. E m b o ra em geral se restrin jam a casos q u e
o p r o m o to r lhes ap resen ta, os jú ris de in stru ç ão tê m o p o d e r de
realizar investigações p o r conta p ró p ria e pro ferir acusações q u e
n ã o fo ram su g eridas pelo p ro m o to r. C o n scie n te de sua m issão de
p ro te g er o interesse público, u m jú ri de in stru ção p o d e ac h ar q u e
o p ro m o to r lhe o cu lta coisas.
E, na verd ade, o p ro m o to r p o d e esta r o cu ltan d o algum a coisa.
Ele p o d e te r p a rticip ad o de acordos feitos en tre políticos, po lícia
e crim in o so s p a ra p e rm itir o vício, a depravação, o jogo e o u tra s
fo rm as de crim e; m e sm o que n ão esteja d ire tam en te envolvido,
talvez te n h a o b rigações políticas c o m aqueles q u e estão c o m p ro ­
m etid o s. É difícil e n c o n tra r u m a conciliação viável en tre os in te ­
resses d o crim e, de políticos co rru p to s e os de u m jú ri d e in stru ç ão
d e te rm in a d o a fazer seu tra b alh o — m ais difícil que e n c o n tra r
ac o rd o s s a tisfa tó rio s en tre dois g ru p o s de p o d e r q u e o p e ra m
n a m e sm a fábrica.
O p ro m o to r co rru p to , c o n fro n ta d o com esse dilem a, te n ta
tira r p a rtid o d a ignorância do p ro ced im en to legal p o r parte d o
jú ri. O casionalm ente, porém , ouvim os falar de u m jú ri de in stru ção
“fo ra de co n tro le” que venceu a resistência do p ro m o to r e com eçou
a investigar o s assu n to s de q u e este desejava m a n tê-lo afastado.
D an d o m o stra s de iniciativa e g erando p u blicidade em baraçosa,
o jú r i fo ra de co n tro le expõe infrações até e n tã o ocu ltad as d o c o ­
n h ec im en to pú blico e provoca m uitas vezes um a am pla ca m p a n h a
c o n tra to d o tip o de co rru p çã o . A existência de jú ris de in stru ç ão
fo ra de co n tro le n o s lem b ra que a fu n ção do p ro m o to r c o rru p to
é p recisam en te im p e d ir q u e eles oc o rra m .
A iniciativa, gerada p o r interesse pessoal, arm a d a co m p u b li­
cid ad e e co n d icio n ad a pelo caráter d a organização, é p o rta n to a
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variável-chave na im posição da regra. A iniciativa op era da m aneira
m a is im ed ia ta n u m a s itu a ç ã o em q u e há a c o rd o fu n d a m e n ta l
co m relação às regras a serem im postas. U m a pessoa c o m um
interesse a ser aten d id o divulga u m a in fra ção e pro v id ê n cias são
to m ad as; se n e n h u m a pessoa co m iniciativa aparecer, n e n h u m a
p ro v id ê n cia é to m ad a. Q u a n d o dois g ru p o s c o m p e te m pelo p o d er
na m e sm a organização, a im p o sição só o c o rre rá q u a n d o falharem
os sistem as de conciliação q u e caracterizam su a relação; d e o u tro
m o d o , o interesse d e to d o s será m ais b e m ate n d id o p e rm itin d o se q u e as infrações co n tin u e m . Em situ açõ es q u e c o n têm m u ito s
g ru p o s d e interesse rivais, o resu ltad o é variável, d e p e n d e n d o do
p o d e r relativo d o s g ru p o s envolvidos e d e seu acesso aos canais de
p u b licid a d e. V erem os a ação de to d o s esses fatores n u m a situação
c o m p lex a q u a n d o e x a m in arm o s a h istó ria da Lei de T ributação
d a M aco n h a.
Estágios de imposição
A ntes de tra ta r dessa h istó ria, no e n ta n to , irei co n sid e ra r o p r o ­
b lem a da im posição de regras d e u m a o u tra perspectiva. Vimo.i
co m o o processo p elo qual regras são im p o stas varia em diferentes
tip o s de e s tru tu ra social. V am os acrescen tar agora a d im en são do
te m p o e co n sid e rar brevem ente os vários estágios pelos qu ais passa
a im p o sição de u m a regra — sua h istó ria natu ral.
A h istó ria n a tu ra l difere da h istó ria p o r dizer respeito ao que
é g en é rico a u m a classe de fenôm enos, n ã o ao qu e é único em cada
caso. Ela busca d esco b rir o q u e í típico de u m a classe de eventos,
não o n » e os fa / d ife rir — a reg u larid ad e, em vez da idiossincrasia.
A ssim , estarei interessado aq u i naquelas características d o pro ces­
so pelo qu al regras são feitas e im p o stas q u e são genéi icas a esse
pro cesso e co n stitu em seus sinais distintivos.
Ao co n sid e ra r os estágios no desenvolvim ento d e u m a regra
e d e sua im p o sição , vou u sar u m m o d e lo legal. Isso não significa
qu e o q u e te n h o a dizer se aplica s o m en te à legislação. O m esm o
As regras e sua imposição
processo oco rre tam bém no desenvolvim ento e im posição de regras
m e n o s fo rm a lm e n te constituídas.
R egras específicas e n c o n tra m suas origens naquelas d ec lara­
ções vagas e generalizadas de preferência que os cientistas sociais
m u itas vezes c h a m am de valores. E stu diosos p ro p u s e ra m m u itas
d efinições d iferentes de valor, m as n ão precisam os e n tra r nessa
co n tro v érsia. A definição p ro p o sta p o r Talcott Parsons serv irá tã o
b em q u an to q u alq u er outra: “U m elem ento de um sistem a sim b ó li­
co p a rtilh a d o q u e serve com o u m critério ou p ad rão para a seleção
en tre altern ativ as de o rie n ta ç ã o in trin secam en te ab e rtas n u m a
situ ação p o d e ser ch a m ad o de v alor ”bA igualdade, p o r exem plo, é
u m v alo r n o rte -am erican o . Sem pre q u e possível, preferim os tra ta r
as pessoas co m igualdade, sem referên cia às diferenças en tre elas.
A lib erd ad e d o in d iv íd u o é ta m b ém u m valor n o rte -am erican o .
P referim o s p e rm itir q u e as pessoas façam o q u e desejam , a m e n o s
q u e haja fortes razões em contrário.
O s valores, co n tu d o , são guias insatisfatórios p ara a ação. O s
padrões' d e seleção q u e co rp o rificam são gerais, d iz en d o -n o s q u al
d e várias lin h a s alternativas de ação seria preferível, q u a n d o to d a s
as o u tra s coisas são iguais. M as to d a s as o u tra s coisas ra ra m e n te
são iguais n as situações concretas d a vida cotidiana. Tem os d ificu l­
d ad e em relacio n a r as generalidades de u m a declaração d e valor
com os d etalh es com plexos e específicos de situações cotidianas.
N ão p o d e m o s relacio n a r de m aneira fácil e clara a vaga n o ç ã o de
ig u ald ad e co m a realidade, de m o d o q u e é difícil sab er q u e lin h a
específica d e ação o valor reco m en d aria n u m a dada situação.
O u tra d ificuldade n o uso de valores com o guia p a ra a ação
reside n o fato de q ue, p o r serem eles tão vagos e gerais, p o d em o s
m a n te r valores conflitantes sem ter consciência d o conflito. F ica­
m o s cientes de sua inadequação com o base p ara a ação q u an d o ,
n u m m o m e n to d e crise, percebem os q u e não podem os decidir qual
d o s cursos conflitantes de ação recom endados para nós deveríam os
ad o tar. A ssim , p ara to m a r u m exem plo específico, esposam os o
v alo r d a igu ald ade, e isso n o s leva a p ro ib ir a segregação racial.
M as esp o sam o s ta m b ém o v alor d a liberdade individual, q u e nos
137
138
Outsiders
im pede de in terferir nas ações d e pessoas q u e p raticam a segregação
em suas vidas privadas. Q u a n d o u m n eg ro q u e possu i u m barco
a vela a n u n c ia , com o aco n teceu rece n tem en te , q u e n en h u m iate
clube n a área de N ova York o a d m itiria co m o sócio, desco b rim o s
q u e nossos valores n ã o p o d e m n o s aju d ar a d ec id ir o q u e deve ser
feito acerca disso. (O co n flito surge ta m b é m en tre regras específi­
cas, co m o q u a n d o u m a lei estad u al p ro íb e a integração racial nas
escolas p ú b licas e a lei federal a exige. M as, nesse caso, existem
p ro c e d im e n to s judiciais p a ra resolver o conflito.)
C o m o v alo ies só p o d e m fo rn ece r u m guia geral p ara a ação,
e não são úteis na decisão q u a n to a cursos de ação em situações
concretas, as pessoas desenvolvem regras específicas m ais estre ita­
m en te ligadas às realidades d a vida cotidiana. O s valores fornecem
as p rem issa s m aio res dac quais se d ed u z em regras específicas.
As pessoas co n v e rtem valores em regras específicas e m s itu a ­
ções p ro b le m áticas. Elas percebem alg u m a área de sua existência
c o m o p ro b le m ática ou difícil, exigindo ação.7A pós co n sid e rar os
vários valores a que subscrevem , elas escolhem u m o u m ais com o
pertinentes a suas dificuldades c deduzem deles um a regra especifica.
A regra, fo rm u lad a para ser coerente com o valor, e n u n c ia com
relativa prech.ão quais ações são i provadas e qu ais são p roibidas,
as situ açõ es a q u e a re g ia é aplicável e as sanções associadas à sua
infração.
O tip o ideal de u m a regra específica é u m a lei cu id ad o sam en te
fo rm u la d a , b em ap o iad a na in te rp re ta ç ã o ju ríd ica . Tal reg ra não
é am b íg u a. Ao c o n trário , seus dispositivos são precisos; a pessoa
sabe c o m m u ita precisão o q u e p o d e e o q u e n ão p o d e fazer e o
q u e acontecerá se fizer a coisa errad a. (Esse e o tip o ideal. E m sua
m aio ria, as regras não são tão precisas e seguras; e m b o ra sejam
m u ito m e n o s am b íg u as q u e os valores, elas ta m b é m p o d e m no*
c a u sar d ificu ld a d es q u a n d o tem os de d ec id ir q u a n to aos cursos
d e ação.)
Ju stam e n te p o rq u e os valores são am bíguos e gerais, podem os
in te rp re tá -lo s d e várias m a n eiras e d e d u z ir deles m u ito s tip o s «Je
regras. U m a regra p o d e ser coerente com um d a d o valor, mas re^i .in
As regras e sua imposição
m u ito d iferen tes ta m b ém p o d em ter sido deduzidas do m e sm o
valor. A lém disso, regras n ão serão ded u zid as de valores, a m en o s
q u e situ açõ es problem áticas no s incitem a fazê-lo. P o d em o s d es­
c o b rir q u e certas regras qu e no s parecem d ec o rre r de m o d o lógico
d e u m v alo r am p lam en te aceito n ão foram sequer cogitadas pelas
p essoas q u e su sten ta m esse valor, seja p o rq u e não su rg ira m situ a ­
ções e p ro b le m a s que exigissem a regra, seja p o rq u e tais pessoas
n ã o se d ã o c o n ta d a existência de u m pro b le m a. M ais u m a vez,
u m a reg ra específica, q u a n d o d ed u z id a do v alor geral, p o d e ria
conflitar co m o u tra s regras deduzidas de ou tro s valores. O conflito,
q u e r seja con scientem ente conhecido, q u e r apenas im plicitam ente
reco n h ecid o , p o d e inibir a criação d e um a regra p articular. Regras
n ã o d e c o rre m au to m a tic a m e n te d e valores.
C o m o u m a regra p o d e satisfazer a u m interesse m as co n flita r
co m o u tro s interesses d o g ru p o q u e a form ula, em geral se to m a
cu id ad o , ao elab o rar u m a regra, p ara assegurar que ela realizará so­
m e n te o q u e deve, e nada m ais. Regras específicas são circunscritas
co m restriçõ es e exceções, de m o d o q u e não in terfiram em valores
q u e co n sid erem os im p o rtan tes. As “leis cie o bscenidade” são um
exem plo. O objetivo geral dessas leis é que m atérias m o ra lm e n te
rep u g n an tes não deveriam scr tran sm itid as publicam ente.M as isso
conflita co m u m o u tro valor im p o rtan te, o da livre expressão. A lém
disso, co n flita co m interesses com erciais e dc carre ira d e au to res,
d ram atu rg o s, editores, livreiros e pro d u to re s teatrais. V ários ajustes
e restrições fo ram feitos, de tal m o d o que a lei, tal c o m o ag o ra se
en c o n tra, carece do am plo alcance desejado pelos q u e ac re d ita m
p ro fu n d a m e n te q u e a o bscenidade é algo pernicioso.
Regras específicas p o d e m ser corporificadas em leis. P o d em
ta m b é m ser sim p lesm en te co n su e tu d in á ria s n u m g ru p o p a rti­
cular, d efen d id as apenas p o r sanções inform ais. As regras legais,
n a tu ra lm e n te , tê m m a io r p ro b ab ilid a d e de ser precisas e claras;
regras in fo rm ais e c o n su etu d in ária s são m ais provavelm ente vagas
e passíveis d e várias in terp retaçõ es em grandes áreas.
M as a h istó ria n atu ral de u rn a regra não te rm in a co m a de­
d u çã o de u m a regra específica de um valor geral. Hsta últim a tem
139
Outsiders
ain d a d e ser aplicada em casos p articu lares a pessoas particulares.
D eve rece b er su a c o rp o rific a ç ã o final em a to s p a rtic u la re s de
im posição.
V im os em cap ítu lo a n te rio r q u e ato s d e im p o sição n ã o d e­
c o rrem a u to m a tic a m e n te da infração d e u m a regra. A im posição
é .seletiva, e d ife ren cia lm e n te seletiva e n tre tip o s d e pessoa, cm
d iferentes m o m e n to s e em dife ren tes situações.
P odem os q u e s tio n a r se to d a s as regras seguem a seqüência
d o valor geral a té o ato p a rtic u la r de im posição, passan d o p o r
u m a regra específica. V alores p o d e m c o n te r u m p o ten cial não
u tü izad o — regras ain d a n ão ded u zid as q ue, nas circunstânc«as
a p ro p ria d a s, se desenvolvem em regras específicas com pletar. De
m a n e ira sem e lh an te, m u itas regras específicas ja m a is são im p o s­
tas. P o r o u tro lado, haverá alg u m a regra que não te n h a base em
a lg u m v alo r geral? O u ato s d e im posição q u e não e n c o n tre m sua
justificação em alg u m a regra particular? M uitas regras, claro, tã o
in te ira m e n te técn icas, e p o d em o s dizer q u e tê m n ão base em um
v alor geral, m as n u m esforço p ara estabelecer a p az en tre o u tra s
regras an terio res. As regras específicas que g o v ern am transações
co m títu lo s são p rovavelm ente desse tipo. Elas parecem m e n o s
u m esforço p a ra im p le m e n ta r u m v alor geral q u e u m esforço
p ara reg u lariza r o fu n cio n am en to J e u m a in stitu iç ão com plexa.
D e m a n eira sem e lh an te, p o d e m o s e n c o n tra r ato s de im posiçãc
b aseados em reg ras in v e n tad as n o m o m e n to u n ic a m e n te par?
justificar o ato. A lgum as das atividades in fo rm ais e extralegais de
policiais recaem nessa categoria.
Se reco n h e cem o s esses casos c o m o desvios do m o d e lo da
h istó ria n a tu ra l, o m o d e lo se aplica a q u a n ta s das coisas em qne
p o d eríam o s e s ta r interessados? Essa é u m a q u estã o de fato, a ser
so lu cio n ad a p o r pesquisa sobre vários tip o s de reg ra em diferentes
situações. N o m ín im o , sabem os q u e m u itas regras seguem essa
seqüência. A lém disso, q u a n d o a seqüência não é seguida o rig i­
n alm en te, m u ita s vezes é obedecida retro ativ a m en te. Isto é, un»a
regra p o d e ser fo rm u la d a sim p lesm en te paru serv ir ao interesse
especial de alg u ém e m ais ta rd e se en c o n tra r u m a justificativa p ara
As regras e sua imposição
ela em alg u m v alor geral. D a m e sm a m a n eira, u m ato esp o n tâ n eo
d e im p o sição p o d e ser legitim ado p ela criação de u m a regra a q u e
ele p o d e se relacionar. N esses casos, a relação form al de geral p ara
específico é p reserv ad a, a in d a q u e a seqüência te m p o ral te n h a
sid o alterada.
Se m u ita s regras g an h a m sua form a m o vendo-se p o r u m a
seq ü ên cia, d e u m valor geral p ara u m ato específico de im posição,
o m o v im en to através d a seqüência n ã o é autom ático o u inevitável.
P ara explicar os passos dessa seqüência, devem os nos c o n c en trar no
em preendedor, que providencia p ara que o m ovim ento ocorra. Se os
valores gerais são transform ados n a base para qu e deles se d eduzam
regras específicas, cum pre p ro c u ra r a pessoa que se encarregou de
assegurar a d ed u ção das regras. E se regras específicas são aplicadas
a pessoas específicas em circunstâncias específicas, devem os p r o ­
c u ra r v er q u e m se encarregou d e assegurar a aplicação e im posição
das regras. E starem os interessados, p o rta n to , no em p reendedor,
n as circu n stân cias em q u e ele aparece e com o aplica seus instintos
em p reen d ed o res.
Um caso ilustrativo: a Lei de Tributação da Maconha
S u p õ e-se e m geral q u e a prática d e fu m a r m a co n h a foi im p o r ta ­
da d o M éxico p ara os Estados U nidos, p o r m eio dos estados do
Sudoeste, A rizona, N ovo M éxico e Texas, to d o s com consideráveis
p o p u laçõ es d e língua espanhola. C o m e ço u -se a n o ta r o uso de
m a c o n h a n a d écada de 1920, m as, com o se tratava de u m fe n ô ­
m e n o n o v o e ap a re n te m e n te i estrito a im igrantes m exicanos, n ã o
se expressou m u ita preocupação com ele. (O co m p o sto m édico
p rep ara d o co m a planta da m a co n h a já era conhecido havia algum
te m p o , m as n ão era freq ü en tem e n te p rescrito p o r m édicos n o rte a m erica n o s.) E m 1930, apenas 16 estados haviam ap ro v ad o leis
p ro ib in d o o u so da m aconha.
Em 1937, con tu d o , o Congresso dos Estados U nidos apro v o u a
Lei d e T ributação da M aconha, destinada a rep rim ir o uso d a d ro ­
141
1 <42
Outsiders
ga. S egundo a teo ria esboçada, d everíam os en c o n trar, na h istó ria
dessa lei, a h istó ria de um em p re e n d e d o r cuja iniciativa e reali­
zação su p e ra ra m a ap atia e a indiferença pú b licas e cu lm in a ram
n a aprovação da legislação federal. A ntes d e p assar à h istó ria da
p ró p ria lei, taV ez devam os ex a m in a r o m o d o co m o tem as se m e ­
lhantes h av iam sid o tra ta d o s n a legislação n o rte -a m e ric a n a , p ara
co m p re e n d e r o c o n tex to cm q u e a tentativa de re p rim ir o uso da
m a co n h a teve lugar.
O uso de álcool e ó p io no s listados U nidos tin h a u m a longa
h istó ria, p o n tu a d a p o r tentativas de repressão.8 Três valores fo r­
neciam leg itim id ad e para as ten tativ as d e ev itar o uso de tóxicos e
narcóticos. U m valor legitim ador, co m p o n en te do qu e foi ch am ado
de ética p ro te sta n te , afirm a q u e o indiv íd u o deveria exercer c o m ­
p leta resp o n sab ilid ad e pelo q u e faz e pelo q u e lhe acontece; n u n c a
dev eria fazer n a d a q u e pudesse cau sar p erd a de a u to co n tro le. O
álcool e as drogas opiáceas, em grau s e d e m aneiras variadas,levam
as pessoas « p e rd e r o co n tro le so b re si m esm as; seu uso, p o rta n to ,
é u m m a l. U m a pessoa em b riag ad a co m álcool m u itas vezes perde
o c o n tro le sobre sua ativ id ad e fLica; os ce n tro s d o ju lg am e n to no
cérebro são ta m b ém afetados. U su á rio s de drogas opiáceas têm
m a io r pro b ab ilid a d e d e n ca r en to rp e c id o s e, assim , m e n o r chance
d e co m e te r atos te m erário s. M as se to rn a m d e p e n d e n te s da droga
p ara ev itar s in to m as d e ab stin ên cia, e nesse sen tid o p erd e m o
co n tro le sobre suas ações; com o é difícil conseguir a d roga, têm
d e su b o rd in a r o u tro s interesses à sua obtenção.
O u tro v alor n o rte -a m e ric a n o legitim ava as ten tativ as de re­
p rim ir o uso de álcool e drogas opiáceas: a d esaprovação de ações
em p re e n d id a s no ú n ic o in tu ito d e a lcan ça r e sta d o s d e êxtase.
Talvez em razão d e nossa forte ênfase cu ltu ral no p ra g m a tism o e
no utilitarism o, os n o rte -am erican o s sen tem -se em geral im p o rtu ­
n ad o s e am bivalentes co m relação a q u a lq u e r ti} o de experiência
de êxtase. N ão c o n d e n a m o s a experiência, p o rém , ap e n as q u a n d o
ela é o s u b p ro d u to ou a recom pensa de açõer. que c o n sid e ram o s
ap ro p ria d a s em si m esm as, c o m o tra b alh o á rd u o o u fervor reli­
gioso. S om ente q u a n d o as pessoas perseguem o êxtase pelo êxtase
As regras e sua imposição
co n d e n am o s sua ação c o m o busca de “prazer ilícito , expressão qu e
te m sen tid o real p ara nós.
O terceiro valor q u e f o r n e c i a base para as tentativas de repressão
era o h u m an itarism o . R eform adores acreditavam q u e as pessoas
escravizadas pelo uso de álcool e ó p io se beneficiariam de leis que
to rn a ssem im possível p ara elas ceder à sua fraqueza. As fam ílias dos
b êb ad o s e viciados em drogas se beneficiariam igualm ente.
Esses valores forneciam a base p ara regras específicas. A 18*
E m e n d a e o V olstead A ct p ro ib ira m a im p o rta ç ã o de b eb id as
alcoólicas p a ra os Estados U n id o s e sua fabricação d e n tro d o país.
O H a rris o n A ct p ro ib iu n a p rática o uso d e drogas opiáceas p a ra
to d o s os fins, exceto os m edicinais.
A d fo rm u lar essas leis, to m o u -se cuidado p ara n ão in te ife rir
n o q u e era co n sid e rad o co n ic legítim o interesse d e o u tro s gru p o s
n a sociedade. O H arriso n Act, p o r exem plo, foi redigido de form a
a p e rm itir q u e as equipes m édicas continuassem a u sar m o rfin a
e o u tro s d eriv ados d o ó p io p ara alívio d a d o r e o u tro s objelivos
m édicos q u e lhes parecessem ap ro p riad o s. A lém disso, a lei foi
cu id ad o sam en te fo rm u lad a p ara evitar conflitos co m o disp o si­
tivo c o n stitu cio n al q u e reserva dire ito s de policia p ara o s vários
estados. De aco rd o com essa restrição, a lei foi ap resen tad a com o
u m a m ed id a de taxação, trib u ta n d o fornecedores não licenciados
de dro g as opiáceas com u m im posto exorbitante, ao m esm o tem po
q ue p erm itia aos fornecedores licenciados (so b re tu d o m édicos,
d en tistas, veterinários e farm acêuticos) p agar um a taxa nom inal.
E m b o ra justificado c o n stitu cio n alm en te com o u m a m ed id a fis­
cal, o H a rris o n Act era de lato u m a m edida policial, e foi assim
in terp reta d a p o r aqueles a q u e m se co n iio u sua im posição. U ma
co nseqüência d a aprovação da lei foi a criação, em 1930, da Agencia
Federal de N arcóticos no â m b ito do D e p arta m en to do Tesouro.
O s m esm os valores q u e levaram à proibição do uso de álcool
e drogas opiáceas fo ram aplicados ao caso da m aconha, e parece
lógico q u e isso te n h a sido feito. No en tan to , o p o u co q u e m e foi
co n tad o - - p o r pessoas q u e conheceram bem o período, sobre o
uso da m a co nha no fim tia década de I '■>20 e início da década de
143
144
Outsiders
1930 — m e leva a c re r q u e havia u m a im posição relativam ente
frouxa d as leis locais existentes. Essa, afinal, foi a época da Lei Seca,
e a polícia tin h a assu n to s m ais prem en tes a tratar. A p arentem ente,
n e m as a u to rid a d e s públicas n em os agentes da lei consideravam
o uso de m a c o n h a u m p ro b le m a sério. Q u a n d o o n o ta v am de
alg u m a m a n eira, p rovavelm ente o p u n h a m de lado co m o se nào
justificasse m a io res ten tativ as d e im posição. O fato d e o p reço da
m a co n h a ser m u ito m ais baixo antes da apro v aç ão de legislação
federal é u m in d ício de co m o as leis eram d eb ilm e n te im postas.
Isso sugere qu e havia p o u co perig o em vendê-la e q u e a im posição
d as leis n ã o era seria m en te em p reen d id a .
A té o D ep a rta m e n to do Tesouro, em seu relató rio d e 1931,
m in im iz o u a im p o rtâ n c ia do problem a:
G rande interesse público foi suscitado por artigos de jornal que
aparecem de tempo em tempo sobre os males do abuso da maco­
nha, ou cânham o-indiano, e mais atenção foi concentrada em casos
específicos relatados sobre o abuso da droga do que terir. ocorrido
de outra forma. Essa publicidade tende a exagerar a extensão do
mal e torna provável a suposição de que há uma difusão alarmante
do consum o indevido da droga, quando o aum ento real desse uso
talvez nào tenha sido excessivamente grande.4'
A A gência d e N arcóticos do D e p a rta m e n to d o T esouro gerou
a m a io r p a rte da iniciativa q u e p ro d u z iu a Lei de T rib u taçã o da
M aco n h a. E m b o ra seja difícil s ab er qu ais eram o s m otivos dos
fu n c io n á rio s da agência, p recisam o s su p o r ap e n as q u e eles p er­
c e b eram u m a á re a de tra n sg ressão q u e p erten cia p ro p ria m e n te à
sua ju risd iç ã o e to m a ra m m edidas p ara inseri-la ali. O interesse
p essoal q u e satisfizeram ao p re s s io n a r no se n tid o de fo rm u lar
u m a legislação referente à m a co n h a era c o m u m a m u ito s fu n c io ­
nário s: o de d e s e m p e n h a r a c o n te n to a tarefa q u e lhes havia sido
atrib u íd a e cm a d q u irir os m elh o res in s tru m e n to s p ara levá-la a
cabo. O s esforços d a agência as s u m ira m d u as form as: c o o p e ra r
no d esen v o lv im e n to de legislação e sta d u al q u e dissesse respeito
As regras e sua imposição
ao u so d e m a c o n h a e fo rn ecer fatos e n ú m e ro s para relatos jo r n a ­
lísticos d o p ro b le m a. Esses são dois im p o rta n te s m o d o s d e ação
d isp o n ív eis p a ra to d o s os e m p reen d ed o re s q u e b uscam a ad o ç ã o
d e regras: p o d e m arre g im e n ta r o a p o io d e o u tra s organizações
in teressad as e desenvolver, co m o uso d a im p ren sa e de o u tro s
m eio s d e co m u n icaç ão , um a a titu d e pú b lica favorável em relação
à regra p ro p o s ta . Se os esforços tê m êxito, o p ú b lico fica a p a r
d e u m p ro b le m a preciso, e as org an izaçõ es ap ro p ria d a s agem de
c o m u m a c o rd o p a ra p ro d u z ir a reg ra desejada.
A A gência Federal de N arcóticos co o p e ro u ativ am en te co m
a C o n ferên cia N acional de D elegados sobre Leis E staduais U n i­
form es n o d esenvolvim ento de leis unificadas sobre narcóticos,
e n fatizan d o , e n tre o u tra s questões, a necessidade de c o n tro la r o
u so de m a c o n h a .10 Em 1932, a C onferência a p ro v o u u m p ro je to
de lei. A ag ên cia com entou:
As presentes limitações constitucionais parecem exigir medidas
de controle dirigidas contra o tráfico interestadual de cânhnmoindiano, a serem adotadas peios vários governos estaduais, e não
pelo governo federal, e a orientação tem sido exortar as autoridades
estaduais em geral a fornecer a legislação necessária, com atividade de
imposição de apoio, para proibir o tráfico, exceto para fins médicos
legítimos. A lei estadual dc narcóticos uniforme proposta,... com
texto opcional aplicando-se i restrição do tráfico de cânham o-in­
diano, foi recomendada como uma lei adequada para a consecução
dos objetivos desejados.11
Em seu relatório de 1936, a agência estim u lo u seu:; parceiros
nesse esforço co operativo a se e m p en h arem mais e su g eriu q u e a
in terv en çã o federal talvez fosse necessária:
Na ausência de legislação federal adicional, a Agência de Narcóticos
não pode, portanto, mover nenhum a guerra própria contra o tráfico.
...A droga tornou-se objeto de am plo e crescente abuso cm muitos
estados, e a Agência de Narcóticos vem tentando por isso convencer
145
246
Outsiders
os vários estados tia urgente necessidade de vigorosa imposição de
leis locais referentes à cannubis |m aconha).12
A segunda frente cie ata q u e tia A gência a o p ro b le m a da m a­
conha consistiu n u m esforço a fim de d esp ertar o p ú b lico p a ra o
perigo, p ro m o v e n d o u m a “c a m p a n h a ed ucacional descrevendo a
droga, sua identificação e efeitos nocivos”. 13 E sp eran d o ap a re n te­
m e n te q u e o interesse p ú b lico pudesse estim u la r os estad o s e as
cidades a fazer m a io res esforços, a agência disse:
Na ausênda de legislação federal sobre o assunto, os estados e as
cidades deveriam assumir legitim am ente a responsabilidade de
prover medidas vigorosas para a extinção dessa erva daninha letal,
sendo, portanto, de esperar que todos os cidadãos com espírito
público abracem com determinnçao o m ovimento recomendado
pelo Departamento do Tesouro no sentido de reclamar a imposição
intensificada das leis relativas à m aconha.4
A agência n ão se restrin g iu à ex o rtação em relató rio s d e p a r­
ta m en tais. Seus m é to d o s para perseg u ir a legislação d esejada são
descritos nu m a passagem qu e tra ta da c a m p an h a p o r leis estaduais
u n ifo rm es sobre narcóticos:
A pedido de várias organizações que lidam com esse ussunto [leis
estaduais uniformes], foram preparados na Agência Federal de Nar­
cóticos artigos para publicação por essas organizações em revistas e
jornais. Um interesse público inteligente e favoravelmente disposto,
útil para a adm inistração das leis sobre narcóticos, foi despertado
e m antido.15
Q u a n d o a c a m p a n h a pela legislação federal c o n tra a m a co ­
n h a se aproxim ava de u m desfecho b em -su c ed id o , os esforços d.i
agência p ara co m u n ic a r no público sua convicção da urgência do
pro b le m a deram f.u to s a b u n d a n tes. O n ú m e ro d e artigos sobre
m a conha p u b licad o s em revistas po p u la res in d icad o pelo n ú m e ro
As regras e sua imposição
in d e x ad o n o R e a c k rs Guicie atin g iu um recorde. N u m p erío d o
de d o is an o s ap areceram 17 artigos, m u ito m ais q u e em q u alq u er
p erío d o sim ilar an tes ou depois.
A rtigos sobre maconha indexados em
The Readefs Guide to Periodical Literoture
l i ! ! ! ! ! 3811
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D os 17 a rtig o s , dez re c o n h e c ia m e x p lic ita m e n te a a ju d a
d a ag ên cia fo rn ece n d o fatos e n ú m e ro s, o u davam ev id ên cias
im plícitas d e te r recebido aju d a ao u sar latos o n ú m e ro s que h a ­
viam ap arecid o a n terio rm e n te, em publicações da agência ou em
d ep o im en to s p e ra n te o C ongresso sobre a Lei de T ributação da
M aco n h a. (C o n sid era re m o s ad ian te as audiências sobre o projeto
de lei p ro m o v id as pelo C ongresso.)
U m a clara indicação da influência da agência no p rep aro de
artig os jo rn a lístico s pode sei en c o n trad a u.i recorrência de certas
h istó rias d e atro cid ad es relatadas pela p rim eira vez pela agência.
P o r ex em p lo , n u m artig o p u blicado na A m erican M agazine, o
p ró p rio deleg ad o d e narcóticos relatou o seguinte incidente:
147
1 48
Outsiders
Uma família inteira foi assassinada por um jovem viciado {em ma­
conha] na Flórida. Quando policiais chegaram à casa, encontraram
o rapaz cambaleando em meio a um m atadouro humano. Ele havia
assassinado com um machado o pai, a mãe, dois irmãos e uma irmã.
Parecia atordoado.... Não tinha lembrança alguma de ter cometido
o crime múltiplo. Os policiais o conheciam usualm ente como um
jovem sensato, bastante calmo; agora estava deplorável mente louco.
Eles procu.aram a razão. O rapaz disse que adquirira o hábito de
fum ar algo que seus jovens amigos chamavam de 'ímuggles’\ um
nom e infantil para maconha.'*
C inco dos 17 a rtig o s pub licad o s d u ra n te o p erío d o rep etiram
essa h istó ria, m o s tra n d o assim a in flu ên cia d a agência.
O s artigos d estin ad o s a d esp ertar o público p ara os perigos
da m a co n h a id en tificav am o uso da d ro g a com o u m a violação do
VãlrtT- a * oM tn^ntroiA - A-\ p roibição da busca d " “prazeres ilíci­
to s”, le g itim an d o assim a c a m p an h a c o n tra a m a co n h a r.os olhos
d o público. Esses, claro, eram os m esm os valores a q u e se havia
apelado d u ra n te a c a m p a n h a p o r legislação p ro ib in d o o uso de
álcool e drogas opiáceas p ara fins ilícitos.
A A gência Federal de N arcóticos forneceu, p o rta n to , a m a io r
parte do e m p re e n d im e n to q u e p ro d u z iu a consciência pú b lica do
p ro b le m a e c o o rd e n o u v ação p o r p a rte de o u tra s organizações de
im posição. A rm a d o s co m os resultados d e seu em p reen d im en to ,
representantes d o D ep ar ta m e n to d o Tesouro fo ram ao C ongresso
co m o p ro je to d a Lei d e T ributação da M aconha e ped iram sua
aprovação. As audiências do C o m itê sobre R ecursos da C âm ara dos
D ep u ta d o s, q u e an a liso u o pro je to p o r cinco dias d u ra n te abril c
m aio de 1937, fo rn ece u u m caso claro da op eraç ão de e m p re e n d i­
m e n to e do m o d o com o ela devia a te n d e r a o u tro s inter;sses.
O co n su lto r-g e ra l assistente d o D e p a rta m e n to d o T esouro
ap re se n to u o p ro je to aos congressistas co m estas palavras: “O s
p rin c ip ais jo rn a is do s Estados U nidos reco n h e ceram a gravidade
desse p ro b le m a e m u ito s deles d efen d e ram legislação federal p ara
co n tro la r o trá fico de m a co n h a."1. A pós explicar a base c o n s titu ­
As regras e sua imposição
cio n al d o p ro je to d e lei — tal com o o H arriso n Act, foi fo rm u lad o
c o m o u m a m ed id a fiscal — , ele os tra n q ü ilizo u so b re possíveis
efeitos so b re negócios legítim os:
O projeto é formulado de maneira tal, contudo, a não interferir
materialm ente em nenhum uso industrial, médico ou científico
que a planta possa ter. Como a fibra de cânham o e artigos m a­
nufaturados com ela [barbante e cordam e leve] são obtidos dos
inofensivos tálos m aduros da planta, todos esses produtos foram
com pletam ente eliminados do texto do projeto, definindo-se o
termo maconha’ no projeto de modo a excluir de seus dispositivos
o talo m aduro e seus compostos ou fabricantes. Há também algüns negócios com sementes de maconha para fins de plantação
e uso na fabricação de óleo, o qual é finalmente empregado pela
indústria de tintas e vernizes. Como as sementes, diferentem ente
uu í«*lc m aduro, contêm n droga, a mesma exceção com pleta não
pode ser aplicada nesse caso.18
Ele assegurou, alem disso, qu e os m édicos raram en te usavam
a droga, de m o d o que a p roibição não ac arreta ria n en h u m c o n ­
tra te m p o p ara eles o u p a ra a in d ú stria farm acêutica.
O s m e m b ro s do co m itê estavam p ro n to s p ara fazer o q u e
fosse necessário, e d e fato p e rg u n ta ra m ao delegado de n arcóticos
p o r q u e essa legislação era pro p o sta so m en te naquele m o m en to .
Ele explicou:
Dez anos atrás só ouvíamos falar dela no Sudoeste. Foi somente
nos últimos anos que ela se tornou uma ameaça nacional.... Temos
recomendado legislação estadual uniforme nos vários estados, e foi
somente no último mês que a última assembléia legislativa estadual
adotou a legislação.1''
O delegado relato u q u e m u ito s crim es eram com etidos sob
a in flu ên cia da m a c o n h a e d eu exem plos, in c lu in d o o caso do
assassinato em m assa na F lórida. Salientou que os baixos preços
149
O utside rs
da droga n aq u e le m o m e n to to rn a v a m -n a d u p la m e n te perigosa,
p o rq u e estava disponível p a ra q u a lq u e r pessoa q u e tivesse dez
centavos de sobra.
F ab ric an tes d e óleo d e sem e n te de c â n h a m o expressaram
c e rtas o b je çõ es à lin g u ag em d o p ro je to , q u e foi ra p id a m e n te
alterad a p a ra a te n d e r às suas especificações. U m a o b je ção m ais
séria, p o ré m , veio d a in d ú s tria d e alim e n to p ara aves, q u e na ép o ­
ca usava cerca de 1,81 m ilh ã o de q uilos de sem e n te d e câ n h am o
p o r ano. S eu re p re s e n ta n te p e d iu d escu lp as ao C o n g resso p o r
aparecer n o ú ltim o m in u to , d e c la ra n d o q u e ele e seus colegas não
h av iam p erce b id o até po u co antes q u e a p lan ta d a m a c o n h a a q u e
o p ro je to se referia era a m e sm a d e q u e eles o b tin h a m u m im p o r­
ta n te in g re d ien te d e seu p ro d u to . T e stem u n h as g o vernam entais
h av iam in sistid o p a ra que a p ro ib ição atingisse n à o só as folhas
e flores, m as ta m b é m os g rão s, p o rq u e c o n tin h a m u m a pequena
q u a n tid a d e d o p rin c íp io ativo d a d ro g a e p o d ia m ser u sad o s para
fu m ar. O s fab rican te s de a lim e n to p a ra aves s u ste n ta ra m que z
inclusão da se m e n te sob os dispositivos do p ro jc ío prejudicaria
seus negócios.
Para ju stifica r o p e d id o d e isenção, os re p re se n ta n te s dos
fabricantes salien ta ra m o efeito benéfico d a sem e n te de cânham o
sobre p o m b o s:
| Bla| é um ingrediente necessário do alimento para pom bos porque
contem um a substancio oleosa que è um valioso ingrediente da co­
mida de pombos, c não conseguimos encontrar nenhum a semente
capaz de tom ar seu lugar. Se substituirm os o cânham o por alguma
coisa, ela tende a mudar o caráter dos (ilhotes de pom bos nascidos
em cativeiro.'0
O congressista R o bert L D o u g h to n , da C aro lin a do N orte,
indagou: "Essa sem e n te tem so b re os p o m b o s o m esm o efeito
qu e a d ro g a exerce sobre seres h u m a n o s? ” O rep resen tan te dos
fabricantes disse: “ N unca notei isso. Uia te n d e a resta u ra r
e m e lh o rar as aves.’” 1
As regras e sua imposição
E n fren tan d o séria oposição, o governou a b ra n d o u sua infle­
xível insistência n o dispositivo sobre sem entes, ob servando que a
esterilização das sem entes p o d eria to rn á -las inofensivas. “Parecen o s q u e o ô n u s da prova cabe ao governo, ali, q u an d o poderíam os
p reju d icar u m a in d ú stria legitim a.”22
E lim in ad as essas dificuldades, o p ro jeto tra n sito u facilm en­
te. O s fu m a n tes de m aconha, im p o ten tes, desorganizados e sem
m o tiv o s p u b licam en te legítim os p ara ataq u e, n ão enviaram re­
p resen tan te às audiências e seu p o n to de vista não teve registro
n o s anais. S em oposição, o pro je to foi ap rovado ta n to na C âm ara
d o s D ep u ta d o s q u a n ta no S enado, no m ês de iulho seguinte. A
iniciativa da agência p ro d u zira u m a nova regra, cuja im posição
su b se q ü en te aju d aria a criar un ia to v a classe dc outsiders — os
u su ário s d e m aco nha.
D ei um exem plo extenso to m a d o do cam po da legislação fe­
deral. O s p arâm etro s básicos deste caso, po rém , seriam igualm ente
aplicáveis n ã o só à legislação em geral, m as ao desenvolvim ento dc
re g ra s d e u m tip o m ais inform al. O n d e q u e r q u e regras sejam cria­
das e aplicadas, deveríam os estar atentos qu an to à possível presença
de u m in d iv íd u o ou g ru p o em p reen d ed o r. Suas atividades p odem
ser p ro p ria m e n te cham auas de em preendim ento m onil, pois o que
e m p reen d em é a criação de uni novo frag m en to cia constituição
m o ral da sociedade, seu código de ce rto e errado.
O n d e q u e r q u e regras sejam criadas e aplicadas, deveríam os
esp erar e n c o n tra r pessoas que te n ta m a rreg im en tar o apoio de
g ru p o s assem elhados e u sam os m eios de com unicação disponíveis
p ara desenvolver u m clim a de o p in iã o favorável. O n d e eles não
desenvolvem esse apoio, p o dem os esp erar o fracasso do e m p reen ­
d im e n to .21
E, o n d e q u e r qu e regras sejam criadas e aplicadas, esperam os
q u e o s processos de im posição to m em form a de acordo com a co m ­
plex id ad e d a organização, re p o u sa n d o so b re a base de acordos
c o m p artilh ad o s em grupos mais sim ples e resu llan d u de m anobras
e b arg an h as p o líticas nas e stru tu ras com plexas.
8
Empreendedores morais
As regras são p ro d u to da iniciativa de alguém e pudem os pensar nas
p essoas q u e ex ibem essa iniciativa com o em preendedores morais.
D u as espécies relacionadas — criadores de regras e im positores
de regras — o cu p a rã o a nossa atenção.
Criadores de regras
O p ro tó tip o d o criad o r de regras, m as não a única variedade, com o
verem os, é o refo rm a d o r cruzado. Ele está interessado no co n teú d o
das regras. As existentes n ão o satisfazem po rq u e há algum m al que
o p e rtu rb a p ro fu n d a m e n te . Ele julga q u e nada pode estar ce rto n o
m u n d o até q u e se façam regras p ara corrigi-lo. O p era co m u m a
ética absoluta; o q u e vê é total e verdadeiram ente mal sem nen h u m a
qualificação. Q u alq u e r m eio c válido p ara extirpá-lo. O cru za d o é
fervoroso e p ro b o , m u itas vezes h ipócrita.
É ap ro p riad o pen sar em reform ado res com o cruzados p o rq u e
eles ac re d ita m tip ica m en te q u e sua m issão é sagrada. O defensor
d a Lei Seca p ro p o rc io n a u m excelente exem plo, assim c o m o a
pessoa q ue q u e r elim in ar o vício e a delinqüência sexual, o u aquela
q u e q u er e x tirp a r o jogo.
Esses ex em plos sugerem que o cru za d o m o ra l é u m in tro ­
m e tid o , in teressado em im p o r su a p ró p ria m o ra l aos o u tro s. M as
esta é u m a visão unilateral. M uitos cru za d o s m orais tê m fortes
m o tiv açõ es h u m a n itá rias. O cru za d o n ão está interessado apenas
em levar o u tra s pessoas a fazerem o q u e julga certo. Ele acredita
q u e se fizerem o q u e é certo será b o m p ara elas. O u pode p en sar
l5 i
154
Outsiders
q u e sua refo rm a ev itará certos tipos d e exploração d e u m a pessoa
p o r o u tra . O s d efensores da Lei Seca não p en sav am que estavam
sim plesm ente im p o n d o sua m oral aos outros, mas q u e criavam con­
d ições p a ra m e lh o ra r o m o d o de viver das pessoas im p ed id a s pelo
álcool d e gozar d e u m a vida realm ente boa. O s abolicionistas n ã o
estavam sim p lesm en te te n ta n d o im p e d ir os d o n o s de escravos
de fazer a coisa errad a ; buscavam a ju d ar os escravos a o b te r u m a
v ida m elhor. E m razão da im p o rtân c ia do m otivo h u m a n itá rio ,
os cru za d o s m o ra is (ap esar da devoção relativam ente obcecada .\
sua cau sa p articu lar) m u ita s vezes em p restam seu a p o io a o u tra s
cru za d as h u m a n itá rias. Joseph G usfield salientou:
O movimento norte-am ericano da temperança durante o Século
xix foi parte de um esforço geral em prol da valorização do ser
hum ano por meio de uma melhoria da moralidade e das condições
econômicas. A mistura de icligioso, igualitário e hum anitário foi
um a faceta im portante do reformismo moral de m uitos m ovi­
mentos. Os adeptos da temperança formavam uma ampla parcela
de m ovimentos como o sabatarianismo, a abolição, os direitos da
mulher, o agrarianismo e tentativas humanitárias de m elhorar o
destino dos pobres. ...
Em seus objetivos secundários, a União Cristã de Mulheres
pela tem perança (vvctu , na sigla em inglês) revelava um grande
interesse pela melhoria do bem -estar das classes baixas. Era ativa
nas campanhas em prol da reforma penal, pela redução da jornada
de trabalho e salários mais altos para os trabalhadores, pela abolição
do trabalho infantil e por muitas outras atividades humanitárias e
igualitárias. Nos anos 1880 a w c t u trabalhou pela introdução de
leis para a proteção de moças trabalhadoras contra 1 exploração por
hom ens.’
C o m o d iz G usfield,2 “o refo rm ism o m o ra l desse tip o sugere
u m m o d o de ap roxim ação de u m a classe d o m in a n te co m relação
aos m e n o s favoravelm ente situ a d o s na e s tru tu ra ec o n ô m ica e s o ­
cial”. C ruzados m orais q u erem , d e m o d o típico, a ju d ar o s q u e estão
Empreendedores morais
abaixo deles a alcançar um m e lh o r status. O u tra qu estã o é sab er se
os q u e estão abaixo deles gostam sem pre dos m eios p ropostos p ara
su a salvação. M as esse fato — que as cruzadas m orais são em geral
d o m in a d a s p o r aqueles sih u id o s nos níveis su p erio res da estriilu n i
social — significa q u e eles acrescentam ao p o d er q u e ex traem da
leg itim id ad e de sua posição m o ra l o p o d e r q u e extraem d e sua
p o sição su p e rio r na sociedade.
N atu ralm en te, m u itas cruzadas m orais o b tê m a p o io de p es­
soas cu jo s m otivos são m e n o s p u ro s q u e os do s cruzados. A ssim ,
alguns in d u strialistas apoiavam a Lei Seca p o r p en sarem q u e ela
lhes forneceria um a força de trabalho mais m anejável.3 D e m aneira
sem elh an te, corre p o r vezes o ru m o r d e q u e o s interesses do jogo
em N evada ap ó iam a oposição à legalização do jogo na C alifórnia,
p o rq u e isso afetaria g rav em en te seu negócio, q u e dep e n d e, n u m a
m e d id a su b stancial, da po p u la ção d o sul da C alifórnia.4
O c ru z a d o m o ral, n o e n ta n to , esta m ais p reo c u p a d o co m
fins d o q u e co m m eios. Q u a n d o se tra ta d e redigir regras esp e­
cíficas (tip ica m en te n a fo rm a de legislação a ser p ro p o sta a u m a
A ssem bléia estadual o u ao C ongresso F ederal), ele c o m freqüência
re co rre ao conselho de especialistas. A dvogados e ju ristas m u itas
vezes d esem p en h am esse papel. Agências g o vernam entais em cuja
ju risd ição o p ro b le m a recai p o d em ta m b ém ter o c o n h e cim e n to
necessário, com o a A gência F ederal de N arcóticos, n o caso do
p ro b le m a da m aconha.
À m e d id a q u e a ideologia psiq u iátrica se to rn a cada vez m ais
aceitável, co n tu d o , aparece u m novo especialista — o p siq u ia tra.
S u th erlan d , em sua discussão sobre a h istó ria n a tu ra l das leis a
respeito d o psicopata sexual, ch a m o u atenção p ara a influência do
p siq u ia tra .5 Ele sugere o seguinte com o condições necessárias p ara
q u e se a d o te a lei do psicopata sexual, estip u lan d o q u e u m a pessoa
“d ia g n o stica d a com o p sicopata sexual po d e ser co n fin ad a p o r u m
p erío d o in d efinido n u m ho sp ita l estadual para insanos”:6
Primeiro, essas leis são usualmente promulgadas depois que um esta­
do de medo foi despertado na comunidade por alguns crimes sexuais
1
156
Outsiders
graves cometidos em rápida sucessão. Isso c ilustrado cm Indiana,
onde uma lei foi aprovada após três ou quatro ataques sexuais em
Indianápolis, com issassínatos em dois. Chefes de família com pra­
ram armas e cães de guarda, e o estoque de cadeados e correntes nas
lojas de ferragens da cidade foi com pletamente esgotado....
Um segundo elemento no processo de desenvolvimento de leis
sobre o psicopata sexual é a atividade agitada da com unidade em
conexão com o medo. A atenção da comunidade está concentrada em
crimes sexuais, as pessoas vêem perigo nas mais variadas situações
e sentem a necessidade e a possibilidade de controlá-las....
A terceira fase no desenvolvimento dessas leis relativas ao psícopata sexual foi a designação de um comitê. Este reúne as muitas
recomendações conflitantes de pessoas e grupos de pessoas, tenta
determ inar “fatos", estuda procedimentos em outros estados e faz
recomendações, que geralmente incluem projetos de lei. Embora o
temor geral de hábito se reduza em alguns dias, o comitc tem o dever
formal de perseverar em seus esforços até que se tom em medidas
positivas. O terror que não resulta num comitê tem m uito menor
probabilidade de resultar num a lei.
N o caso da:, leis sobre o p sicopata sexual, em geral n ão há
n e n h u m a agência go v ern am en ta l en carreg ad a de lid a r co m des­
vios sexuais d e m a n eira especializada. F o r isso, q u a n d o surge a
necessidade d e conselho especializado na form ulação da legislação,
as pessoas m u ita s vezes se vo ltam para o g ru p o profissional m ais
estre itam en te rsso c iad o a esses problem as:
Em alguns estados, quando o desenvolvimento de lei sobre o psico­
pata sexual está no estágio do comitê, os psiquiatras desempenharam
um im portante papel. Os psiquiatras, mais que quaisquer outros,
foram o grupo de interesse por trás das leis. Um comitê de psiquia­
tras e neurologistas em Chicago redigiu o projeto que se tornou a
lei sobre a psicopatia sexual de Illinois; o projeto foi patrocinado
pela Ordem dos Advogados de Chicago e pelo procurador estadual
de Cook County, e loi promulgado to m pouca oposição na sessáo
Empreendedores morais
seguinte da Assembléia Legislativa estadu.il. Em Minnesota, todos
os membros do comitê do governador, exceto um, eram psiquiatras.
Em YVisconsin, a Milwaukee Neuropsychiatric Society participou da
pressão sobre a Milwaukee Crime Commission pelu promulgaçao
de uma lei. Em Indiana, o comitê do procurador-geral recebeu da
American Psychiatric Association cópias dc todas as leis sobre o
psicopata sexual promulgadas em outros estados.s
A in fluência de psiq u iatras em o u tra s esferas do d ireito c ri­
m in al a u m e n to u nos últim os anos.
D e q u a lq u e r fo rm a, o im p o rta n te neste exem plo não é qu e os
p sio u ia tras estejam se to rn a n d o cada vez m ais influentes, m as q u e
o cru za d o m oral, em algum m o m e n to do desenvolvim ento d e sua
cru zad a, req u e r m u itas vezes os serviços de u m profissional capaz
de fo rm u la r as regras ap ro p riad as de fo rm a adequada. O p ró p rio
cru za d o m u itas vezes não está preo cu p ad o com esses detalhes. Para
ele b asta asseg u rar o p o n to principal; e deixa sua im plem entação
para o u tro s.
A o d eix ar a redação da regra específica nas m ãos de o u tro s,
o cru za d o ab re a p o ria p ara m u itas influências im previstas. Pois
os q ue red ig em legislação p ara os cru za d o s têm seus p ró p rio s in ­
teresses, q u e p o d e m afetar a lei q u e prep ara m . É provável q u e as
leis so b re o p sicopata sexual redigidas p o r psiq u ia tras co n ten h am
m u ito s tra ço s n u n c a p reten d id o s pelos cidadãos qu e encabeçaram
as ca m p an h as p a ra “fazer alg u m a coisa com relação aos crim es
sexuais”, traço s q u e refletem , co n tu d o , os interesses profissionais
d a p siq u ia tria organizada.
0 destino das cruzadas morais
U m a cru za d a p o d e alcançar notável sucesso, co m o aconteceu ao
m o v im en to pela Lei Seca co m a aprovação da 18J E m enda. P ode
fracassar co m p letam en te, com o o co rreu na ca m p an h a p ara elim i­
n ar o uso do tabaco ou o m ovim ento antivivissecção. Pode alcançar
lf>7
158
Outsiders
g ra n d e sucesso, m as apenas p ara ver seus g an h o s g rad u alm en te
red u zid o s p o r m u d a n ças na m o ra lid a d e p ú b lica e crescentes res­
trições im p o sta s a ele p o r in terp reta çõ es judiciais; esse foi o caso
da cru z a d a c o n tra a litera tu ra pornográfica.
U m a co n seq ü ên cia im p o rta n te de u m a cru za d a b em -su c e­
d ida, claro, é o estabelecim ento de u m a nova regra o u co n ju n to
de regras, em geral c o n c o m ita n te à criação d o m e can ism o a p ro ­
p ria d o de im posição- Irei co n sid e rar essa co n seq ü ên cia em algum
m o m e n to ad ian te. O u tro resu ltad o d o sucesso de u m a cruzada,
p o ré m , m erece atenção.
Q u a n d o u m in d iv íd u o o b té m sucesso na e m p reitad a de p r o ­
m over o esta b elec im e n to de u m a no v a regra — ao en c o n tra r, p o r
assim dizer, seu G raal — , ele p erd e um a ocupação. A cru zad a que
ab so rv eu ta n to d e seu te m p o , energia e paixão está enc errad a. É
provável q ue, ao iniciar sua cru za d a, fosse u m am ad o r, alguém qu e
se envolveu nela p elo seu interesse na questão, pelo c o n teú d o da
regra q u e q u eria ver estabelecida. K enneth B urke o b serv o u certa
vez q u e a u c u p a ç.lo de
líit.
h o m e m n o d e se to r n a r sua p re o c u ­
pação. A eq u ação fu n cio n a ta m b ém ao c o n trário . A preo cu p a çao
d e u m h o m e m p o d e se to r n a r sua ocupação. O q u e com eçou com o
um interesse a m a d o r p o r u m a q u estã o m o ra l p o d e se to r n a r u m
tra b alh o d e te m p o integral; de fato, p ara m u ito s refo rm ad o res,
to rn a -se ex a tam e n te isso. O sucesso da cru za d a, p o rta n to , deixa o
cru za d o sem u m a vocação. Esse ho m e m , confuso, p o d e generalizar
seu interesse e d esco b rir algo novo p ara e n c arar co m alarm e, u m
novo m al acerca d o qual algo deve ser feito. T o rn a -se u m d esco ­
b rid o r p ro fissio n al de erro s a serem co rrigidos, de situações que
d e m a n d a m novas regras.
Q u a n d o a cru za d a p ro d u z iu u m a g ran d e organização d e d i­
cada ã sua causa, funcionário;; da organização têm m a io r p ro b a ­
b ilidade q u e o c ru za d o in d iv id u al de p ro c u ra r novas causas para
esposar. Esse proce.sso oco rreu d e m aneira d ram ática no cam p o dos
p ro b le m as de saú d e, q u a n d o a F undaçao N acional p ara a Paralisia
In fan til pôs fim à sua p ró p ria m issão ao d esco b rir um a vacina que
e lim inava a p o lio m ie lite ep id êm ica. A d o ta n d o o n o m e m enos
Empreendedores morais
restritiv o de A F undação N acional, os fu n cio n ário s rap id am en te
d esco b rira m n ovos pro b lem as de saú d e aos quais a organização
p o d ia d ed icar en ergias e recursos.
A
cru z a d a m aisu ced id a, seja. aquela q u e d escobre que sua
m issão n ã o atra i m a is adeptos, seja a q u e alcança sua m e ta s o m e n ­
te p a ra p erd ê-la d e novo, p o d e seguir dois cursos. P or u m lado,
p o d e sim p lesm en te desistir de su a m issão o rig in al e co n c en trar-se
n a p reserv ação d o q u e resta da organização c o n stru íd a. Esse, de
ac o rd o co m u m estudo, foi o destino do M o v im en to T ow nsend.v
P o r o u tro , o m o v im e n to m a lo g rad o p o d e a d e rir rig id am e n te a
u m a m issão cad a vez m en o s p o p u la r, com o fez o m o v im en to pela
Lei Seca. G usfield descreveu atu ais in teg ran tes d a w c t u co m o
“m o ralizad o ras d e rro ta d a s”. 10À m ed id a que a o p in ião d o m in a n te
d o s E stados U n idos volta-se cada vez m ais c o n tra a tem perança,
essas Fnulheres n ã o ab ra n d a ra m su a a titu d e em relação à bebida.
A o c o n trário , to rn a ra m -s e ressentidas co m as pessoas antes “res
peitáveis” q u e d eix aram de ap o ia r o m o v im en to pró -te m p eran ç a.
A classe social d e q u e os m e m b ro s da w c t u p ro v êm m u d o u da
c la ss c
m é d ia alta p a ra a classe m édia baixa. A tualm ente, a w c t u
p asso u a atacar a classe m édia, d e qu e antes o b tin h a apoio, vendo
esse g ru p o c o m o u m foco de aceitação do c o n su m o m o d e rad o de
álcool. As seguintes citações de en trevistas feitas p o r G usfield com
líderes d a w c t u dão u m a idéia d a “m o ra liz ad o ra d erro tad a”:
Assim que esta união foi organizada, tínhamos muitas das senhoras
mais influentes da cidade. Mas agora elas passaram a achar que
nós, senhoras contrárias a se tom ar um coquetel, somos um pouco
esquisitas. Temos a mulher de um empresário e a mulher de um
ministro, mas as mulheres do advogado e do médico nos evitam.
Não querem ser consideradas esquisitas.
Tememos a moderação mais que qualquer outra coisa. Beber
tornou-se em tal grau um a parte de tudo — até em nossa vida na
igreja e em nossas faculdades.
A moderação se insinua nos boletins oficiais da igreja. Eles a guar­
dam em suas geladeiras.... O pastor aqui acha que a igreja foi muito
159
1 60
Outsiders
longe, que eles estão fazendo demais para ajudar a l. usa da tempe­
rança. Ele tem medo de pisar em calos de pessoas influentes.11
A penas a lg u n s c ru z a d o s, p o rta n to , a lc a n ç a m su cesso em
sua m issão e criam , ao g e ra r u m a nova reg ra, u m novo g ru p e
d e o u ts id e rs. E n tre os b e m -su c e d id o s , a lg u n s d e s c o b re m q u e
têm um gosto p o r cru za d as e p ro c u ra m novos p ro b le m a s para
atacar. O u tro s c ru za d o s fracassam em sua te n tativ a e su sten ta m
a org an izaçã o q u e c ria ra m , a b a n d o n a n d o sua m issão c a ra c te ­
rística e c o n c e n tra n d o -s e no p ro b le m a da p ró p ria m a n u ten çã o
organizacional, ou se to rn a m eles m esm os ou tsid ers, co n tin u a n d o
a esp o sar e p reg ar u m a d o u trin a q u e soa cada vez m ais esquisita
co m o passar d o tem po.
Impositores de regras
As conseqüências m ais óbvias d e a m a cru za d a bem -su c ed id a é a
criação de um novo c o n ju n to d e regras. C o m isto, desco b rim o s
m u ita s vezes q u e é g e ra d o u m novo c o n ju n to d e ag ên cias de
im p o sição e de fu n cio n ário s. P or vezes, claro, agências existentes
assu m em a ad m in istra ção d a nova regra, m as n a m a io r p arte das
vezes se p ro d u z u m novo c o n ju n to a c im positores de regras. A
im posição da Lei H arriso n pressagiou a criação da A gência Federal
d e N arcóticos, assim com o a aprovação da 18* Em en d a levou à for
m a ção d e agências po liciais en c arreg ad as de ap licar u Lei Seca.
C o m o estabelecim ento de organizações de im p o siio res de
regras, a cruzada to rn a -se institucionalizada. O que com eçou com o
u m a c a m p a n h a p a ra con v e n cer o m u n d o d a n ec essid ad e mora*
d e um a regra to rn a -se finalm ente um a organização d ed icad a à sua
im posição. Assim com o m o v im en to s políticos radicais se tr a n s ­
fo rm a m e m p a rtid o s políticos o rg an izad o s, e seitas evangélica.-,
vigorosas se to rn a m d en o m in açõ e s religiosas m o d e rad as, o re s u l­
tado final d a cru zad a m oral é um a força policial. Desse m odo, para
co m p reen d er com o as regias q u e criam um a nova clas .e de outsiders
Empreendedores morais
são ap licad as a pessoas p articu lares, precisam os c o m p reen d er os
m o tiv o s e interesses da polícia, o s im positores das regras.
E m b o ra alguns policiais te n h a m sem dúv id a u m a espécie d e
interesse m issio n á rio em re p rim ir o m al, é provavelm ente m u ito
m ais típ ico q u e o policial d isp o n h a de certa visão n e u tra e objetiva
d e seu tra b alh o . Ele está m e n o s p reo cu p a d o com o co n teú d o d e
q u a lq u e r regra p a rtic u la r q u e co m o fato d e q u e é seu tra b alh o
im p o r a regra. Q u a n d o as regras são alteradas, ele p u n e o q u e
an tes era c o m p o rta m e n to aceitável, assim com o deixa de p u n ir o
c o m p o rta m e n to q u e foi le g itim ad o p o r u m a m u dança nas regras.
O im p o sito r, p o rta n to , p o d e n ã o estar interessado no co n teú d o da
le g ra c o m o tal, m as so m en te n o fato de que a existência d a regra
lhe forn ece u m em prego, u m a profissão e u m a raison d ’être.
C o m o a im posição d e ce rtas regras fornece u m a justificativa
p ara seu m o d o d e vida, o im p o sito r te m dois interesses qu e cond ic io n am su a ativ idade de im posição: p rim eiro , ele deve justificar a
existência de su a posição; segundo, deve ganhar o respeito daqueles
co m q u em lida.
Esses interesses n ão são peculiares de im positores de regras.
M em b ro s d e to d a s as ocupações sen tem necessidade de justificar
seu tra b a lh o e gan h a r o respeito de o u tro s. O s m úsicos, com o
v im o s, g o stariam de fazer isso, m as têm dificuldade em e n c o n tra r
m a n eiras de convencer os clientes de seu valor. Z eladores m a lo ­
g ram em g a n h a r o respeito dos m o ra d o re s de u m prédio, m as
desen v o lv em u m a ideologia q u e enfatiza sua resp o n sab ilid ad e
quase p rofissional de m a n te r em sigilo o co n h e cim e n to ín tim o
d o s m o ra d o res que ad q u irem no curso de seu tra b a lh o .'2 M édicos,
advogados e o u tro s profissionais q u e são m ais bem -su ced id o s em
g an h ar o respeito de clientes desenvolvem m ecanism os elaborados
p ara m a n te r u m a relação p ro p ri; m ente respeitosa.
Ao ju stificar a existência de sua posição, o im p o sito r de regras
en fren ta u m d u p lo problem a. P o r u m lado, deve d e m o n stra r para
os o u tro s q u e o problem a ain d a existe; as regras q u e su p o stam e n te
deve im p o r têm algum .sentido, p o rq u e as infrações o co rrem . P or
o u tro lado, deve m o stra r q u e suas tentativas de im posição são
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Qutsiders
eficazes e valem a pen a , q u e o m a l co m qu e ele su p o stam e n te deve
lid a r está sen d o d e fato e n fre n ta d o a d e q u a d a m e n te . P o rtan to ,
organizações de im posição, cm p a rlic u la r q u a n d o estão em busca
de recursos, oscilam cm geral en tre dois tip o s d e afirm ação. P ri­
m eiro, d izem que, em dec o rrê n cia de seus esforços, o problem a
a q u e se d ed icam se ap ro x im a d e u m a solução. M as, ao m esm o
te m p o , dizem q u e o p ro b le m a está talvez m ais grave que n u n ca
(e m b o ra n ã o p o r cu lp a delas p ró p ria s) e re q u e r u rn esforço re­
n o v a d o e in tensificado p a ra m a n tê -lo sob co n tro le. E ncarregados
da im posição p o d e m ser m ais v eem entes q u e q u a lq u e r pessoa em
sua in sistência de q u e o p ro b le m a c o m q u e d ev e m lid ar c o n tin u a
presen te, d e fato m ais q u e n u n ca . Ao fazer essas afirm ações, esses
en carregados da im posição fo rnecem bo a razão p a ra q u e a posição
q u e o c u p a m c o n tin u e a existir.
P o d e m o s ta m b é m n o ta r q u e e n c a rre g a d o s e agências de
im p o sição te n d em a fo rm a r u m a visão pessim ista d a n atureza
h u m a n a . Se n ão ac re d ita m realm en te n o p ec ad o o rig in al, pelo
m e n o s g o stam d e en fatiza r as dificuldades q u e tê m p a ra levar as
pessoas a c u m p rir regras: as características d a natureza h u m a n a
q u e levam as pessoas p ara o m al. São céticos em relação a tentativas
d e re fo rm a r os infrato res.
A visão cética e pessim ista d o im p o sito r d e regras é reforçada,
claro, p o r sua experiência diária. Ele vê, à m e d id a q u e realiza seu
tra b a lh o , a evidência d e q u e o p ro b le m a co n tin u a presente. Vê as
pessoas q u e rep etem c o n tin u a m e n te as transgressões identifican­
d o -se c la ra m e n te a seus o lh o s com o o u tsid e rs. N ãn é, con tu d o ,
u m vôo excessivam ente g ra n d e d a im ag in a ção ü u p o r q u e u m a cias
razões subjacentes p ara o pessim ism o do im p o sito r co m relação
à n atu reza h u m a n a e as possibilidades d e refo rm a é o fato de que,
fosse a n atu reza h u m a n a perfeita, e pu d essem as pessoas ser refo r­
m a d as d e m o d o p e rm an en te , seu tra b alh o deixaria d e existir.
Da m e sm a m a n eira, u m im p o sito r de regras provavelm ente
ac re d ita rá ser necessário q u e as pessoas com q u em lida o respei­
tem . Se n ã o o fizerem , será m u ito difícil realizar seu trabalho; seu
s e n tim e n to d c seg u ran ça n o tra b a lh o será perd id o . P o rtan to , boa
Empreendedores morais
p arte d a ativ id ad e d e im posição é d edicada n ão
à
im posição efetiva
d e regras, m as à im posição de respeito às pessoas co m q u e m o
im p o sito r lida. Isso significa q u e u m a pessoa p o d e ser ro tu lad a de
desv ian te n ã o p o rq u e realm en te in frin g iu u m a regra, m as p o rq u e
m o stro u d esresp eito pelo im p o sito r d a regra.
O estu d o d e policiais n u m a p eq u e n a cid ad e in d u strial reali­
zad o p o r Westley, fornece u m b o m exem plo desse fenôm eno. Em
sua en trev ista, ele p erg u n to u ao policial: “Q u a n d o acha q u e u m
policial te m razão p a ra b a te r n u m sujeito?” C o n stato u que “pelo
m e n o s 3 7 % d o s h o m e n s acreditavam q u e e ra legítim o usar v io ­
lência p a ra im p o r respeito”.13Ele faz algum as citações reveladoras
n as suas entrevistas:
Bom, há casos. Por exemplo, quando você detém um sujeito para
u m interrogatório de rotina, digamos um “espertinho” e ele começa
a responder e a lhe dizer que você não vale nada e esse tipo de coisa,
r Você sabe que pode prender um homem sob acusação de perturba­
ção da ordem , mas essa acusação quase nunca se sustenta. Então o
que você faz num caso desses é provocar o cara até que ele lance um
com entário que lhe permita esbofeteá-lo justificadamente. Depois,
se ele reagir, você pode dizer que resistiu à prisão.
Bom, um prisioneiro merece apanhar quando chega ao ponto
de tentar ficar por cima.
Você tem de ser rude quando a linguagem de um homem fica
m uito ruim , quando ele está tentando te fazer de bobo diante dc
todo m undo. Acho que a maioria dos policiais tema tratar bem as
pessoas, mas em geral você tem de ser bastante rude. É a única m a­
neira de pôr um sujeito no seu lugar, de fazê-lo mostrar um pouco
de respeito.14
O q u e W estley descreve é o uso d e u m m eio ilegal para im p o r
respeito ao s o u tro s. C laram en te, q u a n d o u m im p o sito r de regras
te m a o p çã o de im p o r u m a regra ou não, a diferença no q u e faz
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1G4
Outsiders
p o d e ser causada pela a titu d e d o in fra to r em relação a ele. Se o
ín fra to i for respeitoso, o im p o sito r p o d e suavizar a situação. Se
foi desrespeitoso, as sanções p o d e rã o lhe ser aplicadas. W estl zy
m o s tro u q u e esse diferencial te n d e a o p e ra r n o caso de in frato res
de regras d e trânsito, q u a n d o a liberdade de ação do policial é quase
m á x im a .1-*M as p ro v av elm en te o p e ra em o u tra s áreas tam b ém .
Em geral, o im p o sito r de regras tem g ra n d e p o d e r d e p o n ­
d eração em m u ita s áreas, ainda q u e apenas p o rq u e seus recurso s
n ã o são suficientes p a ra fazer lace ao vo lu m e d e transgressõ es
co m q u e deveria lidar. Isso significa q u e não p o d e ata c a r tu d o
ao m e sm o te m p o , e nessa m e d id a tem d e c o n te m p o riz a r co m o
m al. N ão p o d e fazer to d o o serviço e sabe disso. Age co m calm a,
n a su p o sição de q u e o s pro b lem as com q u e lida estarão presentes
p o r m u ito te m p o . Estabelece p rio rid ad es, lid a n d o co m u m a coisa
de cada vez, e n fre n ta n d o os pro b lem as m ais u rg en tes de im ed ia to
e d eix an d o o u tro s p a ra m ais tarde. Sua a titu d e em relação a seu
tra b alh o , em sum a, é profissional. Falta-lhe o fervor m o ra l ingênuo
característico do cria d o r da regra.
Se o im p o sito r n ão vai atacar todos os casos de q u e tem co­
n h ec im en to ao m e sm o tem po, ele precisa te r u m a base p ara deciòir
q u a n d o im p o r a regra, qu e pessoas com etendo qu ais atos devem ser
ro tu lad as c o m o desviantes. U m critério para selecionar pessoas e o
in te rm e d iá rio * e n tre a policia e os crim in o so s. A lgum as pessoas
tem influência política o u know -how suficiente p a ra serem capazes
d e ev itar tentativas de im posição, se não no m o m e n to da detenção,
pelo m e n o s n u m estágio p o ste rio r d o processo. M u ita s vezes essa
fu n ção ép ro fissio n a liza d a; alguém exerce a tarefa em te m p o in te ­
gral, esta n d o disp o n ív el p a ra q u a lq u e r u m q u e q u eira co n tra:á-lo .
U m la d rão profissional descreveu esses in term e d iário s assim:
Em toda cidade grande hd uni interm ediário habitual para ladrões
profissionais. Ele não tem agenles, não se oferece e raram ente aceita
’ No original,fixer, intermediário crire a polícia e os criminosos, l.abitualmenu
usando nmodos escusos ou ilegais, mediante remuneração. (N.F..T.)
Empreendedores morais
algum caso exceto o de um ladrão profissional, assim como estes
raram ente procuram alguém exceto ele. Esse sistema centralizado e
monopolista de livrar ladrões profissionais é encontrado em prati­
camente todas as cidades grandes e em muitas das pequenas.16
São p rin c ip alm en te os ladrões profissionais q u e sabem sobre
o in te rm e d iá rio e suas operações; a conseqüência desse critério
d e selecio n ar pessoas a q u e m aplicar as regras é q u e os am ad o res
te n d e m a ser ap a n h ad o s, co n d e n ad o s e rotulados co m o desviantes
co m m u ito m a io r freqüência q u e o s profissionais. C o m o observa
o la d rão profissional:
Pelo m odo como o caso é tratado no tribunal, dá para saber se há ura
intermediário envolvido. Q uando o guarda não tem muita certeza
de que apanhou o homem certo, ou o testemunho do guarda e do
queixoso não coincidem, ou o promotor não endurece com o réu, ou
, o juiz é arrogante em sua decisão, você pode sempre ter certeza de que
alguém fez o trabalho. Isso não acontece em muitos casos de furto,
porque há um caso de profissional para 25 ou 30 de amadores que
não sabem nada sobre o intermediário. Esses amadores levam a pior
todas as vezes. Os guardas espinafram o ladrão, ninguém contraria
seu testemunho, o juiz faz um discurso c todos ficam com o mérito
de deter uma onda de ci imes. Q uando o profissional ouve o caso
que precede imediatamente o seu, ele pensa: “Ele deveria ter pego
90 anos. São os malditos amadores que causam toda essa vigilância
nas lojas.” O u então pensa: “Não é uma vergonha para esse guarda
prender esse garoto por um par de meias, quando daqui a alguns
minutos vai concordar com uma pequena multa para mim por furtar
um casaco de pele?” Mas se os guardas não prendessem os amadores
para reforçar seus registros de condenação, não poderiarn encaixar
neles o relaxamento com os profissionais.17
C o m o n ão têm interesse no c o n teú d o d e regras p articu lares
p ro p ria m e n te ditas, os im positores de regras m uitas vezes d esen ­
volvem sua p ró p ria avaliação privada tia im p o rtân c ia dos vários
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1 66
Outsiders
tip o s d e reg ras e infrações. Esse c o n ju n to d e p rio rid a d e s p o d e
dife rir c o n sid e rav elm en te daquelas esposadas pelo público geral.
P or exem plo, u su ário s de drogas ac re d ita m , de m o d o típ ico (e
alguns policiaià m e co n firm aram isso pesso alm en te) que a polícia
n ã o co n sid era o uso de m a co n h a um p ro b le m a tão im p o rta n te
o u u m a prática tã o perigosa q u a n to o uso de drogas opiáceas. A
polícia baseia essa conclusão n o fato de q ue, em sua experiência,
u su ário s d e dro g as opiáceas co m etem o u tro s crim es (co m o fu rto
o u p ro stitu içã o ) n o in tu ito d e o b te r drogas, ao passo qu e u su á rio s
de m a co n h a n ã o fazem isso.
O s im p o sito re s, p o rta n to , re s p o n d e n d o às pressões d e sua
p ró p ria situação d e tra b alh o ,ap lica m as regras e criam outsiders de
u m a m a n e ira seletiva. Se u m a pessoa q u e co m ete um ato desviante
será de fato ro tu la d a d e desviante d ep en d e d e m u ita s coisas alheias
a seu c o m p o rta m e n to efetivo: d ep en d e de o agente da lei sen tir
que dessa vez deve d a r algum a d e m o n stra ç ã o d e qu e está fazendo
seu tra b a lh o a fim de ju stifica r sua posição; de o in fra to r m o s tra r
a devida d eferên cia ao im p o sito r; dc o “in term e d iário ” e n tra r em
ação o u n ão ; e d e o tipo de ato c o m etid o esta r in clu íd o na lista de
p rio rid a d e s d o im p o sito r.
O im p o sito r profissional carece de fervor, e u m a ab o rd ag e m
ro tin e ira n o tr a to com o m al p o d e p ô -lo em dificuldade c o m o
criad o r d a regra. Este, co m o dissem os, está p reo cu p a d o com o c o n ­
te ú d o das regras. Ele as vê co m o os m eios pelos quais o m al p o d e
ser rep rim id o . N ã o co m p reen d e a ab o rdagem de longo alcance que
o im p o sito r tem d o s m esm os p ro b le m as e n ã o consegue en te n d e r
p o r q u e to d o o m a l q u e se m anifesta n ã o p o d e ser re p rim id o ao
m e sm o tem po.
Q u a n d o a p esso a in teressad a no c o n te ú d o de u m a regra
co m p re e n d e o u te m sua atenção d e s p e rta d a p ara o fato d e que
os im p o sito res estã o lid an d o seletivam ente co m o m al q u e o p re o ­
cu p a , sua snnta ira p o d e d esp ertar. O profissional é ce n su rad o p o r
ver o m al de m a n e ira leviana dem ais, p o r n ão c u m p rir seu dever.
O e m p re e n d e d o r m o ra l, a cu jo p ed id o a regra foi feita, su rg e
n o v a m e n te p ara d iz e r q u e o resu ltad o da ú ltim a cru zad a n ã o foi
Empreendedores morais
satisfató rio , o u qu e os ganhos antes o b tid o s fo ram po u co a po u co
red u zid o s e perderam -se.
Desvio e empreendimento: um resumo
D esvio — n o sen tid o em que v en h o u san d o o te rm o , de erro p u ­
b licam en te ro tu la d o — é sem pre o resu ltad o de em p reen d im en to .
A ntes q u e q u alq u er ato possa ser visto com o desviante, e antes qu e
os m e m b ro s d e q u alq u er classe de pessoas possam ser ro tu lad o s
e tra ta d o s co m o outsiders p o r co m eter o ato, alguém precisa te r
feito a regra q u e define o ato com o desviante. Regras não são feitas
auto m aticam en te. A inda que um a prática possa ser prejudicial n u m
sen tid o o bjetivo p ara o g ru p o em q u e o co rre, o d a n o precisa ser
d esco b erto e m o stra d o . C abe que as pessoas sejam levadas a se n tir
q u e algo deve ser feito acerca dela. P ara q u e u m a regra seja criad a,
alg u ém deve ch a m a r a aten ção d o público p ara esse assunto, d a r
o im p u lso necessário p ara q u e as coisas sejam realizadas e d irig ir
as en erg ias su scitadas n a direção ce rta. O desvio é p ro d u to d e
e m p re e n d im e n to n o sentido m ais am plo; sem o em p reen d im en to
necessário p ara que as regras sejam feitas, o desvio que consiste na
infração d a regra não p o d eria ed stir.
O desvio é ta m b é m p ro d u to de em p reen d im en to no m ais
estreito e p articu lar sentido. D epois que passou a existir, u m a regra
deve ser aplicada a pessoas particulares antes que a classe a b stra ta
dos outsiders criada pela regra se veja povoada. Infratores devem ser
d escobertos, identificados, presos e con d en ad o s (ou notados com o
“d ife ren tes"e estigm atizados por sua n ão -i o n fo rm id ad e.co m o no
caso de g ru p o s desviantes legais com o os m úsicos de casa n o tu rn a ).
Essa tarefa em geral é atrib u ição dos im positores profissionais, os
quais, ao im p o r regras já existentes, criam desviantes particulares
q ue a sociedade vê com o outsiders.
É u m fato in teressante q u e a m a io r parte da pesquisa e da
especulação científica sobre o desvio diga respeito às pessoas que
infringem regras, não àquelas que as criam e im põem . Se quiserm os
167
168
Outsiders
a lcan çar u m a co m p reen são plena d o c o m p o rta m e n to desviante»
precisam os levar em co n ta esses dois focos possíveis de investigação.
C u m p re ver o desvio, e os ou tsid e rs qu e p erso n ificam a concepção
abstrata, com o u m a conseqüência de um processo de interação en tre
pessoas> algum as das quais, a serviço d e seus p ró p rio s interesses, fa­
zem e im p õ em regras q u e a p a n h am o u tra s — que, a serviço de seus
p ró p rio s interesses, co m etera m ato s ro tu la d o s d e desviantes.
9
0 estudo do desvio:
problemas e sim patias
A d ificu ld ad e m a is persistente n o estu d o científico do c o m p o r­
ta m e n to d esviante é a falta de dados sólidos, a escassez d e fatos e
in fo rm açõ es em q u e basear nossas teorias. É u m tru ísm o dizer q u e
u m a teo ria q u e n ão esteja estreitam ente vinculada a u m a a b u n d â n ­
cia de fatos sobre o assu n to que se p ro p õ e a explicar provavelm ente
n ã o será m u ito útil. U m a inspeção n a bibliografia científica sobre
o co m p o rta m e n to desviante m o stra rá, no e n ta n to , que ela analisa
u m a g ra n d e p ro p o rç ã o de te o ria com relação aos latos. U m crítico
d e estu d o s sobre delinqüência juvenil m o stro u que a m elhor fonte
disp o n ív el de fatos sobre gangues de jovens ainda é T he Gang, de
F rederick T h rash er, p u b licad o pela p rim e ira vez em 1927.*
Isso n ã o q u er d iz er q u e não haja estu d o s d e co m p o rta m e n to
d esv ian te. H á, m as eles são, em geral e com p oucas exceções n o ­
táveis, in a d eq u ad o s p ara o tra b alh o de teorização que devem os
realizar, e isso de duas m aneiras. P rim eiro, não há sim plesm ente
estu d o s suficientes p ara nos fornecer fatos so b re as existências de
desviantes tal com o eles as vivem. E m bora haja um gran d e n ú m e ro
d e estu d o s sobre d elin q ü ên cia juvenil, é m ais provável q u e se ba­
seiem em registros d e trib u n ais q u e em observação direta. M uitos
estu d o s co rrelacio n am a incidência de d elinqüência co m fatores
co m o tip o de b airro , tip o de vida fam iliar o u d e personalidade.
M u ito p o u co s nos d izem em d etalh e o q u e u m d elin q ü en te ju v e­
nil faz em sua ro tin a diária de atividade e o que ele pensa sobre si
m e sm o , a sociedade e suas atividades. Q u a n d o teorizam os sobre
d elin q ü ên cia juvenil, som os p o rta n to ob rig a d o s a in fe rir o m o d o
d e vida d o jovem delinqüente de estudos fragm entários e de relatos
jo rn a lís tic o s / em lugar de b asear nossas teorias em co n h ecim en to
170
Outsiders
ad e q u ad o dos fen ô m en o s q u e te n tam o s explicar. É co m o se buscás­
sem os, c o m o os an tro p ó lo g o s o u tro ra tin h a m d e fazer, c o n s tru ir
u m a descrição do s ritos de iniciação de um a trib o africana distan te
a p a rtir dos relatos dispersos e in co m p leto s de alguns m issionários.
(T em os m e n o s razão d o que tin h a m os a n tro p ó lo g o s p ara nos
v alerm o s d e descrições a m a d o ra s fragm entárias. Seus objetos de
estu d o estavnm a m ilhares de q u ilô m e tro s d e d istâ n cia , em selvas
inacessíveis; os n ossos estão m ais p e rto de casa.)
E s tu d o s d e c o m p o r ta m e n to d e s v ia n te são in a d e q u a d o s
p a ra a te o rizaç ão d e u m a s eg u n d a m a n e ira , m ais sim ples. N ão
ex istem e m n ú m e ro su ficien te. M uitos tip o s d e d esv io ja m ais
fo ra m c ie n tific a m e n te d escrito s, ou os e s tu d o s s ã o tão p o u co
n u m e ro s o s q u e c o n s titu e m u m m e ro co m eço . P o r e x e m p lo ,
q u a n ta s d escriçõ es so cio ló g icas ex istem do m o d o d e v id a de
h o m o ssex u ais d e v ário s tipos? C o n h e ç o ap e n as alg u m as, e estas
a p e n a s d eix am claro q u e há u m a vasta v aried ad e d e c u ltu ra s e
tip o s sociais a serem d e s c rito s .3 P ara to m a r u m caso a in d a m ais
ex trem o , u m a área d e d e s / io da m a io r im p o rtâ n c ia p ara teó rico s
da socio lo g ia p ra tic a m e m e não foi e s tu d a d a . T rata-se d aq u e la di
desv io d e c o n d u ta p ro fissio n al. É b e m sab id o , p o r ex e m p lo , q u e
os co m itê s éticos d a s associações p ro fissio n ais de a d v o g a d o s e
m é d ico s tê m m u ito tra b a lh o . N o e n ta n to , ap e sa r d a a b u n d â n c ia
de d escriçõ es sociológicas d o c o m p o rta m e n to e da c u ltu ra p r o ­
fissionais, p r a tic a m e n te n ã o te m o s e stu d o s do c o m p o r ta m e n to
a n tié tic o d e pro fissio n ais.
Q u ais são as co n seq ü ên cias dessa insuficiência d e d ad o s p ara
os estu d o s do desvio? U m efeito, c o m o in d iq u ei, é a co n stru ç ão
de te o ria s falhas o u in a d e q u a d a s. A ssim c o m o p recisam o s de
descriçõ es a n a tô m ic a s precisas de an im ais an tes de co m e ç a r a
te o rizar so b re fu n c io n a m e n to fisiológico e b io q u ím ic o , e a fazer
ex p e rim en to s com eles, ta m b ém precisam os de descrições precisas
e d etalh ad a s da an a to m ia social antes de sab er ex a tam e n te sobre
qu e fe n ô m e n o s d e v e ría m o s c o n s tru ir teorias. Para re c o rre r ao
exem plo d o h o m ossexualism o, nossas teorias são provavelm ente
m u ito in a d eq u ad as caso acred item o s q u e to d o s o s hom ossexuais
0 estudo do desvio: problemas e simpatias
são m e m b ro s m a is o u m e n o s c o n firm ad o s de su b c u ltu ra s h o ­
m ossexuais. U m estu d o recente revela u m im p o rta n te g ru p o de
p a rtic ip a n te s d e relações hom ossexuais que n e m são h o m o sse­
xu ais co n firm ad o s. Reiss m o s tro u q ue, p a ra m u ito s delin q ü en tes
juvenis, a p ro stitu içã o m asculina é um a m a n eira relativam ente
segura de g an h a r d in h e iro . Eles n ão se consideram hom ossexuais
e, q u a n d o atin g em u m a idade em q u e p o d e m p a rtic ip a r de tip o s
d e d elin q ü ên cia m ais agressivos e lucrativos, ab a n d o n am a p rá tic a .'
O u an tas o u tras variedades de c o m p o rta m e n to hom ossexual aguar­
d a m d esco b erta e descrição? E q ue efeito exerceria sua d escoberta
e descrição so b re nossas teorias?
N ão tem o s, p o rta n to , estu d o s suficientes do c o m p o rta m e n to
desviante. N ão d isp o m o s de estudos de tip o s suficientes deste c o m ­
p o rta m e n to . A cim a de tu d o , não co n tam o s co m m u ito s trabalhos
em q u e o p e s q u iia d o r te n h a conseguido estabelecer u m c o n tato
estreito com aqueles a q u e m estuda, de m o d o a se inteirar do caráter
com plexo e m ú ltip lo d a atividade desviante.
A lgum as d as razões p a ra essa deficiência são técnicas. N ão e
fácil estu d a r desviantes. C o m o são co n sid e rad o s o u lsid e rs pelos
d em ais m em b ro s da sociedade, e com o eles p ró p rio s te n d em a
c o n sid e ra r o s d em ais in te g ra n le s da sociedade ou lsid e rs, o es­
tu d io so q u e deseja desco b rir os fatos acerca d o clesvio tem u m a
sub stan cial b arreira a tra n sp o r antes q u e lhe seja p e rm itid o ver
o q u e precisu. C o m o será provavelm ente p u n id a se vier à luz, a
atividade d esv iante tende a ser m a n tid a oculta, não exibida ou
alard ead a p ara ou tsid e rs. O estudioso d o desvio precisa convencer
aqueles a q u em estuda de qu e não haverá perigo para eles, de qu e
n ão sofrerão em conseqüência do q u e lhe revelarem . O pesquisador,
p o rta n to , deve interagir intensa e co n tin u am en te com os desviantes
q u e q u e r estu d ar, de m o d o q u e estes possam conhecê-lo b em o
suficiente p ara avaliar de algum m o d o se as atividades dele afetarão
ad v ersam en te as suas.
A queles q ue com etem atos desviantes se prolegem de várias
m an eiras co n tra outsiders in tro m etid o s. O desvio d en tro de in s ­
titu içõ es co n v encionais organizadas é m u itas vezes pro teg id o p o r
172
Outsiders
u m a espécie de a c o b e rta m e n to . Assim , m e m b ro s das profissões
liberais em geral n ão falam so b re casos d e p rática an tiética em
público. A ssociações profissionais lidam com esses assuntos p riv a ­
d am en te, p u n in d o cu lp ad o s a seu p ró p rio m o d o , sem publicidade.
A ssim , m édicos viciados em n arcóticos recebem pu n iç õ es relativa­
m e n te leves q u a n d o o caso chega ao co n h e cim e n to de au to rid ad es
enc arreg ad as d e im p o r a lei.5 U m m é d ico qu e é pego fu rta n d o dos
esto q u e s de narcó tico s de um ho sp ita l é em geral sim plesm ente
in s ta d o a d eix ar o estab elecim en to ; n ão é en treg u e à polícia. Para
fazer pesquisa em g ra n d e s org an izaçõ es in d u striais, educacionais
e d e o u tro s tipos, é preciso o b te r a perm issão dos q u e as dirigem .
Se p u d e re m , os a d m in is tra d o re s da org an ização lim itam a área
de investigação d e m a n e ira q u e o cu lte o desvio q u e n ão querem
divulgar. M elville D alto n , ao descrever sua p ró p ria ab o rd ag e m ao
estu d o da in d ú stria, diz:
Em nenhum caso fiz um contato oficial com a cúpula administrativa
de qualquer das firmas para obter aprovação ou apoio para a pes­
quisa. Várias vezes vi outros pesquisadores fazerem i:'.so e observei
que os adm inistradores de nível mais alto montavam o cenário e
limitavam a investigação a áreas especificas— foi a da administração
propriam ente dita— ,com o se o problema existisse num vácuo. Os
resultados cm alguns casos eram então vistos como "experimentos
controlados”, que em forma rinal pareciam um material impressio­
nante. M íi >os sorrisos maliciosos de um pessoal com edido que se
divertia em manipular os pesquisadores, as avaliações feitas sobre es­
tes e suas descobertas, e as arcas freqüentemente triviais para as quais
funcionários alertas e temerosos guiavam a investigação — tudo
suscitava questões acerca de quem controlava os experimentos.6
M em b ro s de g ru p o s desviantes q u e não têm o ap o io d is s im u ­
lado de profissões o rg an izad as o u estab elecim en to s u sam o u tro s
m é to d o s p ara esconder o qu e estão fazendo da visão externa. C om o
suas ativ id ad es o co rrem sem o b enefício de p o rta s in stitu cio n al m e n te tra n c a d a s ou p o rtõ e s vigiados, h om ossexuais, viciados em
0 estudo do desvio: problemas e simpatias
d ro g as e crim in o so s p recisam m a q u in a r o u tro s m eios p a ra m a n ­
tê -las escondidas. D e m o d o típico, fazem g ran d es esforços p ara
co n d u z ir suas atividades e m segredo, e as atividades públicas em
q u e se envolvem têm lugar e m áreas relativam ente controladas. Por
exem plo, p o d e haver u m b a r q u e sirva de p o n to de reu n ião p ara
ladrões. E m b o ra m u ito s d o s ladrões d a cidade po ssam estar d is ­
poníveis n u m só lugar p ara u m p esquisador q u e q u eira estudá-los,
se calarão q u a n d o ele en tra n o recinto, recusando-se a estabelecer
q u alq u er relação co m ele o u fingindo ig n o râ n cia das coisas em
q u e está interessado.
Esses tip o s d e sigilo criam dois pro b lem as para a pesquisa. Por
u m lado, o p esq u isad o r tem o p ro b le m a de e n c o n tra r as pessoas
em q u e está interessado. C o m o e n c o n tra r u m m édico viciado em
drogas? C o m o localizar hom o ssex u ais de v ários tipos? Se quisés­
sem o s estu d a r a divisão d e h o n o rá rio s en tre ciru rg iõ es e clínicos
gerais, co m o pro cederíam os p ara e n c o n tra r as pessoas q u e p a r­
ticip a m desses arran jo s e ter acesso a elas? U m a vez enc o n trad as,
h á p p ro b le m a d e convencê-las de q u e po d em d is c u tir conosco o
p ro b le m a d o desvio e m segurança.
O u tro s p ro b lem as se a p resen tam para o estu d io so d o desvio.
A fim d e o b te r u m relato preciso e com pleto d o q u e os desviantes
fazem , d e quais são seus p ad rõ es d e associação, e assim p o r diante,
o e stu d io so deve passar pelo m e n o s algum te m p o observ an d o -o s
em seu ha b ita t, en q u a n to d e se m p e n h a m suas atividades com uns.
M as isso significa q u e deve, p o r algum tem po, a d o ta r h o rário s
in u sita d o s e p e n e tra r n o q u e são p ara ele áreas d esconhecidas e
p o ssivelm en te perigosas da sociedade. P ode ler d e passar a noite
a c o rd a d o e d o rm ir d u ra n te o dia, p o rq u e assim fazem as pessoas
q u e estu d a , e isso p o d e ser difícil em razão de seus com prom issos
co m a fam ília e o trab alh o . A lém do m a is, o processo de c o n q u is­
ta r a co n fian ça daqueles q u e e stu d a m o s p o d e co n s u m ir m u ito
te m p o , d e m o d o q u e talvez seja preciso ded icar meses a tentativas
relativc.m ente infrutíferas de aproxim ação. Isso q u e r dizer q u e essa
v a rie d a d e d e pesquisa d em an d a m ais te m p o q u e tip o s correlatos
d e e s tu d o em instituições respeitáveis.
174
Outsiders
Estes são problemas técnicos, e e possível encontrar meios de
superá-los. É mais difícil lidar com os problemas morais envolvidos
no estudo do desvio.
Isso é parte do problema geral do ponto de vista que deve­
ríamos assumir em relação ao nosso objeto de estudo, de como
deveríamos avaliar coisas convencionalmente consideradas más,
de onde depositamos nossas simpatias. Esses problemas surgem,
claro, na análise de qualquer fenômeno social. Podem ser agravados
quando estudamos o desvio porque as práticas e as pessoas que
pesquisamos são convencionalmente condenadas.7
Ao descrever a organização social e o processo social — em
particular, ao descrever as organizações e os processos relativos
aos desvios — , que ponto de vista devemos adotar? Com o há em
geral várias categorias de participantes em qualquer organização ou
processo social, devemos optar entre adotar o ponto de vista de um
ou oulro desses grupos ou o de um observador externo. Herbert
Blumer afirmou que as pessoas agem fazendo interpretações da
situação em que se encontram e depois ajustando seu com porta­
mento de maneira a lidar com a situação. Portanto, prossegue ele,
devemos adotar o ponto de vista da pessoa ou do grupo (a “unidade
atuante”) em cujo comportamento estamos interessados e:
Apreender o processo de interpretação pelo qual eles consiroem
suas ações.... Para apreendei o processo, o estudioso deve assumir
o papel da unidade atuante cujo comportamento está investigando.
Como a interpretação esta sendo feita pela unidade atuante em
termos de objetos designadt s e avaliados, significados adquiridos e
decisões tomadas, o processo de\o ser encarado do ponto de vis‘ a
dela.... Tentar apreender o processo interpreiativo permanecendo
distante como um pretenso observador “objetivo", e recusar-se a
assumir o papel da unidade atuante, é arriscar-se ao pior tipo de
subjetivismo — o observador objetivo provavelmente preencherá
o processo de interpretação com suas próprias conjecturas, em vez'
de apreender o processo tal como ocorre na experiência da unidade
atuante que o emprega.*
0 estudo do desvio: problem as e simpatias
Quando estudamos os processos envolvidos no desvio, portan­
to, devemos adotar o ponto de vista de pelo menos um dos grupos
envolvidos, seja o daqueles que são tratados com o desviantes, seja
o daqueles que rotulam os outros como tais.
É possível, claro, ver a situação de ambos os lados. Mas isso
não pode ser feito simultaneamente. Não podemos construir uma
descrição de uma situação ou processo que de alguma maneira
unifique as percepções e interpretações dos dois grupos envolvidos
num processo de desvio. Não podemos descrever uma “realidade
superior” que dê sentido a ambos os conjuntos de concepções. É
possível descrever as perspectivas de um grupo e ver como elas se
enredam ou deixam de se enredar com as do outro grupo: as pers­
pectivas de infratores de regras à medida que coincidem e conflitam
com as perspectivas daqueles que as impõem, e vice-versa. Mas não
podemos compreender a situação ou processo sem dar peso pleno
às diferenças entre as perspectivas dos dois grupos envolvidos.
É da natureza do fenômeno do desvio que a dificuldade que
qualquer pessoa encontra para esludar os dois lados do processo
e capitar precisamente as perspectivas de ambas as classes de par­
ticipantes, infratores e imposiiores de regras. Não que isso seja
impossível, mas a necessidade de ganhar acesso a situações e à
confiança dos envolvidos num período razoável de tempo significa
que provavelmente vamos estudai o quadro a partir de um lado
ou de outro. Seja qual for a classe de participantes que escolhemos
estudar, e cujo ponto de vista escolhemos portanto adotar, seremos
provavelmente acusados de “tendenciosidade". Será dito que não
estamos fazendo justiça ao ponto de vista do grupo oposto. Ao
apresentar as racionalizações e justificativas que um grupo oferece
para fazer as coisas com o faz, daremos a impressão de aceitar essas
racionalizações e justificativas e de acusar os outros participantes
da transação com as palavras de seus oponentes. Se estudamos
viciados em drogas, eles certamente nos dirão, e seremos obriga­
dos a relatar, que acreditam que os outsiders que os julgam estão
errado,>e são inspirados por motivos vis; Se chamarmos a atenção
para aqueles aspectos das experiências do drogado que parecem,
175
176
O utsiders
aos olhos dele, confirmar suas crenças, daremos a impressão de o
estar desculpando. Por outro lado, se vemos o fenômeno do vício
do ponto de vista dos agentes da lei, eles no.; dirão — e seremos
obrigados a relatar — que acreditam que os viciadcs são tipos
crru n o so s, lêm personalidades perturbadas, não têm moral nem
são dignos de confiança. Seremos capazes de mostrar os aspectos
das experiências do agente que justificam cs.,a concepção. Ao
fazê-lo, parecerá que estamos concordando com essa perspectiva.
Em ambos os casos, seremos acusados de apresentar uma \ isão
unilateral e distorcida.
Mas este não é realmente o caso. O que estamos apresentan­
do não é uma visão distorcida da ‘'realidade”, mas aquela que se
apresenta às pessoas que estudamos, a realidade que elas criam
por meio de suas interpretações de sua experiência e em termos
da qual agem. Sc não conseguirmos apresentar essa realidade não
teremos alcançado pkna compreensão sociológica do fenômeno
que buscamos explicar.
Que ponto de vista devemos apresentar? Há duas considera­
ções aqui, uma estratégica e outra ligada à índole ou à moral do
pesquisador. A consideração estratégica é que o ponto de vista
da sociedade convencional em relaçao ao desvio é em geral bem
conhecido. Portanto, devemos estudar as concepções daqueles
que participam de atividades desviantes, porque dessa maneira
elucidamos a parte mais obscura do quadro. Esta, contudo, é uma
resposta simples demais. Suspeito que, na verdade, conhecemos
muito pouco sobre os pontos de vista de qualquer das duas partes
envolvidas no fenômenc do desvio. Embora seja verdade que não
sabemos muito sobre como os próprios desviantes vêem suas
situações, também é verdade que não estamos inteiramente a
par> porque não os estudamos o suficiente, de outros pon>os de
vista envolvidos. Não temos conhecimento de quais são todos
os interesses dos impositores de regras. Tam pouco sabemos
em que medida membros comuns da sociedadr convencional
realmente partilham, em algum grau, as perspectivas de grupos
desviantes. David Ma t/a sugeriu recentemente que as formas
0 estudo do desvio: problemas e simpatias
características do desvio juvenil — delinqüência, política ra­
dical e boêmia — são de fato extensões ocultas de perspectivas
adotadas de forma menos extrema por membros convencionais
da sociedade. Assim, a delinqüência é uma versão despojada da
cultura adolescente; a política radical e uma versão extrem a do
vago liberalismo contido no pendor norte-americano para “fazer
o bem"; e a boêmia pode .ser simplesmente uma versão extrema
da vida frívola das fraternidades universitárias, por um lado, e
do tema do intelectual sério na vida universitária, por outro.9
Considerações estratégicas, portanto, não nos dizem que ponto
de vista deveríamos descrever.
Mas considerações ligadas à índole ou à moral do pesqu isador
tampouco nos dão uma resposta. Podemos, contudo, estar cientes
de alguns dos perigos envolvidos, ü principal reside no lato de
que o desvio tem fortes conexões com sentimentos de rebeldia
juvenil. Não é um assunto sobre o qual as pessoas pensem com
tranqüilidade. Elas sentem que o desvio é inteiramente errado
e deve ser abolido, ou, ao contrário, que é algo a ser estimulado
— um corretivo importante para a conformidade produzida pela
sociedade moderna. As personagens do drama sociológico do des­
vio, mais ainda que as de outros processos sociológicos, parecem
ser heroínas ou vilãs. Expomos a depravaçào de desviantes ou
expomos a depravação daqueles que lhes impoem as regras.
Devemos nos precaver contra essas posições. É uma situação
muito parecida com a das palavras obscenas. Alguns pensam que
elas nunca deveriam ser usadas. Outras gostam de escrevê-las
nas calçadas. Em ambos os casos, essas palavras são vistas como
algo especial, dotadas de um m a n a * particular. Mas certamente é
melhor vê-las simplesmente com o palavras que chocam algumas
pessoas e deliciam outras. Passa-se o mesmo com o com porta­
mento desviante. Não devemos vê-lo com o algo especial, depra­
vado ou, de alguma maneira mágica, melhor que outros tipos de
* Força ou qualidade de origem mágica ou sobrenatural que povos do Pacifico Sul
acreditavam manisiVstar sua eficácia em determinadas situações. (N.R.T.)
177
178
Outsiders
com portam ento, Cumpre vê-lo simplesmente com o um tipo
de com portam ento que alguns reprovam e outros valorizam,
estudando os processos pelos quais cada uma das perspectivas,
ou ambas, é construída e conservada. Talvez a melhor garantia
contra qualquer dos dois extremos seja o contato esfeito com as
pessoas que estudamos.
10
A teoria da rotulação reconsiderada*
Os fenômenos desviantes proporcionam h«i muito tempo um dos
temas centrais do pensamento sociológico. Nosso interesse teórico
pela natureza da ordem social combina-se com o interesse prático
por ações consideradas prejudiciais aos indivíduos e à sociedade,
dirigindo nossa atenção para a ampla arena dos comportamentos
que, segundo o caso, são chamados de crime, vício, incontormismo,
aberração, excentricidade ou loucura. Quer concebamos isso como
um fracasso da socialização e do sistema de sanções ou simples­
mente com o transgressão c mau comportamento, queremos saber
por que pessoas agem de maneiras desaprovadas.
Nos últimos anos, uma abordagem nuturalística desses fenô­
menos1 passou a se concentrar numa interação enlre aqueles que
são acusados de estar envolvidos na transgressão e os que fazem essa
acusação. Várias pessoas2 contribuíram para o desenvolvimento
do que foi chamado de maneira infeliz de “teoria da rotulação”.
Desde as formulações iniciais, muitos criticaram, ampliaram e
questionaram esses esforços; outros contribuíram com importantes
resultados de pesquisas,
Gostaria de reconsiderar esses desenvolvimentos e ver em
que pé estamos.3 Que foi realizado? Que críticas foram feitas? Que
mudanças devemos fazer em nossas concepções? Trôs tópicos em
especial merecem discussão: a concepção do desvio com o ação
coletiva; a desmistificação do desvio; e os dilemas morais da teoria
* Este artigo foi apresentado pela primeira vez na reunião da British Sociologica]
Association, Londres, em abril de 1971. Vários amigos fizeram comentários úteis
sobre um rascunho anterior. Quero agradecer especialmente a Eliot Freidí.on,
Blanche Geer, Irving Louis Horowitze John I. Kitsu.se.
179
180
Outsiders
do desvio. Em cada caso» pretendo que minhas considerações
se apliquem à pesquisa e à análise sociológica de maneira geral,
reafirmando a fé de que o campo do desvio não ó nada especial,
apenas mais um tipo de atividade humana a ser estudado e com ­
preendido.
Eu poderia começar resolvendo de forma sumária algumas
questões em aparência difíceis, de uma maneira que deixará darí*
minha insatisfação com a expressão “teoria da rotulação” Nunca
pensei que as formulações originais feitas por mim mesmo e por
outros merecessem ser chamadas de teorias, pelo menos não icori.is
do tipo inteiramente sistematizado — o que elas vêm sendo critica ­
das agora por n ão ser. Muitos autores queixaram-se de que a teori \
da rotulação não fornece uma explicação etiológica do desvio,1
nem diz como as pessoas que cometem atos desviantes passam a
fazê-lo — e especialmente por que cias o fazem, enquanto outras
à sua volta não. Por vezes os críticos sugerem que uma teoria foi
proposta, mas estava errada. Assim, alguns pensaram que a teoria
tentava explicar o desvio pelas reações que outros manifestavam
com relação a ele. Depois que alguém era rotulado de desviante,
segundo essa paráfrase, começava a fazer coisas desviantes, mas
não antes. Pode-se refutar facilmente essa teoria pela referência a
fatos da experiência cotidiana.
Os proponentes originais da posição, contudo, não apresen­
taram soluções para a questão etiológica. Tinham objetivos mais
modestos. Queriam ampliara área abarcada pelo estudo dos fenô­
menos desviantes, incluindo nela atividades de outros, além do ator
pretensamente desviante. Supunham, é claro, que ao fazê-lo, c ã
medida que novas fontes de variação fossem incluídas nos cálculos,
todas as questões que os estudiosos do desvio convencionalmente
consideravam ganhariam um aspecto diferente.
Além disso, o ato de rotular, tal com o praticado por empreen­
dedores morais, embora importante, não pode ser concebido como
a única explicação para o que pretensos desviantes realmente fazem.
Seria tolice propor que assaltantes atacam simplesmente porque
alguém os rotulou de assaltantes, ou que tudo que um homos­
A teoria da rotulação reconsiderada
sexual faz resulta do fato de alguém tê-lo chamado de homosse­
xual. No entanto, uma das contribuições mais importantes dessa
abordagem foi centrar a atenção no modo com o a rotulação põe
o ator em ciicunstâncias que tornam mais difícil para ele levar
adiante as rotinas normais da vida cotidiana, incitando-o a ações
“anormais” (como quando um registro de passagem pela prisão
torna mais difícil ganhar a vida numa ocupação convencional,
predispondo assim o sujeito a ingressar numa atividade ilegal). O
grau em que a rotulação tem esse efeito é, contudo, uma questão
empírica, a ser resolvida pela pesquisa em casos específicos e não
por fi a t teórico.5
Finalmente, a teoria, quando concentra a atenção nas ações
inegáveis daqueles oficialmente encarregados de definir desvio,
não faz uma caracterização empírica dos resultados de instituições
sociais particulares. Sugerir que definir alguém com o desviante
pode, em certas circunstâncias, dispô-lo a uma linha particular de
ação não é o mesmo que di/.er que hospitais psiquiátricos sempre
tornam as pessoas loucas, ou que prisões sempre transformam
pessoas cm criminosos contumazes.
A rotulação alcançou sua importância teórica de uma maneira
inteiramente diferente. Classes de atos, e exemplos particulares
deles, podem ou não ser considerados desviantes por qualquer
das várias audiências pertinentes que os vêem. A diferença na de­
finição, no rótulo aplicado ao ato, influencia o que cada um , tanto
públicos quanto atores, faz subseqüentemente. Como observou
A’bert Cohen,6 a teoria criou um espaço de propriedades de quatro
células mediante a combinação de duas variáveis dicotômicas, o
cometimento ou o não-cometimento de um dado ato e a definição
desse ato com o desviante ou não. Não se trata de uma teoria sobre
uma das quatro células resultantes, mas sobre todas quatro e suas
inter-relações. Em qual dessas células efetivamente localizamos o
desvio propriamente dito é menos importante (apenas uma ques­
tão de definição, embora, com o todas essas questões, não-trivial)
que compreender o que perdemos ao considerai apenas qualquer
uma das células sem ver sua conexão com as outras.
181
182
Outsiders
Minha própria formulação original criou alguma confusão ao
referir-se a uma dessas variáveis com o comportamento “obediente”
(em contraposição a “infrator da regra”). A distinção sugeria a
existência anterior do uma determinação de que a infração da
regra ocorrera, embora, claro, fosse justamente o que a teoria se
propunha a questionar. Penso que é melhor descrever a dii nensão
como comelimenlu e náo-cometimeniode um dado ato. km geral,
é claro, estudamos aqueles atos que outros provavelmente definem
com o desviantes; isso maximiza nossas chances de ver o complexo
drama de acusação i* definição que está no centro de nosso campo
de estudo. Assim, podemos estar interessados em saber se umii
pessoa fuma maconha ou se envolve em atos homossexuais em
banheiros públicos, em parte porque esses atos tem probabilidade
de ser definidos com o desviantes quando descobertos. No;. os
examinamos também, claro, com o fenômenos interessante» sob
outros aspectos. A;»sim, ao estudar o uso de m aconha, podemos
focalr/ar o modo com o as pessoas aprendem, por intermédio da
interação social, a interpretar sua própria experiência física.7 Au
estudar encontros homossexuais em banheiros públicos, podemos
examinar com o as pessoas coordenam suas atividades por meio
de com unicação tácita.* Podemos também perguntar com o a alta
probabilidade de que o ato seja definido com o desviante afeta o
aprendizado da atividade e sua continuação. É útil ter um termo
que indique que outros irão provavelmente definir tais atividades
com o desviantes sem lazer disso um juízo científico sobre se o ato
é de fato desviante. Sugiro que chamemos tais atos de “potencial­
mente desviantes”
A teoria da rotulação, portanto, nem é uma teoria, com todas
as realizações e obrigações que o título implica, nem está tão exclu­
sivamente centrada no ato da rotulação como alguns pensaram. É
antes uma maneira de considerar um domínio geral da atividade
humana; uma perspectiva cujo valor aparecerá, se aparecer, na
maior compreensão de coisas antes obscuras. (Movido por meu
desagrado pelo rótulo convencional dado à teoria, vou me referira
ela, daqui em diante, com o uma teoria interacionista do desvio.)
A teoria da rotulação reconsiderada
0 desvio como ação coletiva
Os sociólogos concordam que o que estudam é a sociedade, mas
o consenso só persiste se não exam inarmos com muita atenção a
natureza da sociedade. Preliro pensar o que estudamos em termos
de a ç ã o coletiva. As pessoas agem, com o principalmente Mead e
Blumerv deixaram claro, ju n tas. Elas fazem o que fazem com um
olho no que outras fizeram, trstão fazendo e podem fazer no futuro.
Uma pessoa tenta adequar sua própria linha de ação às ações de
outras, assim como cada uma delas ajusta suas próprias ações em
desenvolvimento ao que vê outros fazendo e espera que façam.
O resultado de rodo esse ajustamento e acomodação pode ser
chamado de ação coletiva, especialmente se tivermos em mente
que o termo cobre mais que apenas um acordo coletivo cons­
ciente para, digamoí', entrar em greve, estendendo-se também a
participar de uma aula na escola, fazer uma refeição juntos, ou
atravessar a rua — cada uma dessas coisas v ista com o algo feito
por uma grande quantidade de pessoas juntas.
Não pretendo, ao usar termos como “ajustamento” e “acomo­
dação”, sugerir uma visão excessivamente pacífica da vida social, ou
qualquer necessidade de que as pessoas sucumbam a coações sociais.
Quero dizer apenas que em geral as pessoas levam em conta o que
está acontecendo à sua volta e o que provavelmente irá acontecer,
depois que elas decidirem o que farão. O ajustamento pode consistir
em decidir que, como a polícia vai olhar aqui, vou pôr a bomba ali,
bem como em resolver que, como a polícia vai vigiar, acho que não
vou mais fazer bomba nenhuma nem pensar mais nisso.
Não pretendi tampouco, na discussão anterior, sugerir que
a vida social consiste apenas em encontros face a face entre
indivíduos. As pessoas podem se envolver em interação intensa e
persistente ainda que nunca tenham se encontrado face a face: a
interação de colecionadores de selos tem lugar em grande parte
pelo correio. Além disso, o dar e tomar da interação, a acomodação
e o ajustamento mútuo de linhas de atividade ocorrem iguaJmente
entre grupos e organizações. O processo político que envolve o
183
184
Outsiders
drama do desvio tem esse caráter. Organizações econômicas, asso­
ciações profissionais, sindicatos, iobistas, empreendedores morais e
legisladores, todos inteiagem para estabelecer as condições em que
aqueles que representam o Estado ao impor as leis, por exemplo,
interagem com aqueles que presumivelmente as violaram.
Se podemos ver quaiquer tipo de atividade humana como cole­
tiva, também podemos fazê-lo com o desvio. O que redunda disso?
Um resultado é a visão geral que quero chamar de “interacionista”.
Em sua forma mais simples, a teoria insiste que consideremos todas
as pessoas envolvidas em qualquer episódio de pretenso desvio.
Quando o fazemos, descobrimos que essas atividades exigem
cooperação aberta ou tacita de muitas pessoas para ocorrer de lal
maneira. Quando trabalhadores tramam para restringira produ­
ção industrial, eles o ta/em com a ajuda de inspetores, homens da
manutenção e o homem no depósito de ferramentas.10 Quando
membros de urna firma industrial furtam, eles o fazem com a
cooperação ativa de outros acima e abaixo deles na hierarquia
da empresa." Essas observações, por si sós, lançam dúvida sobre
teorias que procuram as origens de atos desviantes na psicologia
individual, pois teríamos de postular um encontro miraculoso
de formas individuais de patologia para explicar as formas com ­
plicadas de atividade coletiva que observamos. Com o é difícil
cooperar com pessoas cujo equipamento para testar a realidade é
inadequado, aquelas que sofrem de dificuldades psicológicas não
se ajustam bem a conspirações criminosas.
Quando encaram os o desvio com o ação coletiva, vemos
imediatamente que as pessoas agem atentas às reações de outros
envolvidos nessa ação. Elas levam em conta o modo com o seus
companheiros avaliarão o que fazem, e com o essa avaliação afetará
seu prestígio e sua posição: os delinqüentes estudados por Short
e Strodtbecku fizeram algumas das coisas que os puseram em
dificuldades porque queriam manter as posições de estima que
possuíam em suas quadrilhas.
Quando consideramos todas as pessoas e organizações envol­
vidas num episódio de comportamento potencialmente desviante,
A teoria da rotulação reconsiderada
descobrimos também que a atividade coletiva cm curso consiste
em mais do que atos nos quais se alegou a má ação de alguém.
É um drama complexo, em que fazer acusações de transgressão
é um traço central. De fato, Erikson e Douglas,14 entre outros,
identificaram o estudo do desvio com o essencialmente aquele da
construção de reafirmação de significados morais na vida social
cotidiana. Alguns de seus principais atores não se envolvem eles
próprios na má ação, aparecendo antes com o impositores da lei
ou da moralidade, como pessoas que se queixam de que outros
atores estão agindo mal, que as prendem, apresenlam-nas perante
autoridades legais ou lhes administram punições. Se observarmos
por período suficiente e com atenção suficiente, descobrimos que
fazem isso às vezes, mas não o tempo todo; com algumas pessoas,
mas não com outias; em alguns lugares, mas não em outros.
Essas discrepáncias lançam dúvida sobre noções simples com
relação a quando alguma coisa é, afinal, errada. Vemos que os pró­
prios atores muitas vezes discordam quanto ao que é desviante,
e com freqüência duvidam do caráter desviante de um ato. Os
tribunais divergem; a polícia tem restrições mesmo quando a lei
í clara; aqueles envolvidos na atividade proscrita discordam das
definições oficiais. Além disso, constatamos que alguns atos que,
por padrões comumente reconhecidos, deveriam claramente ser
definidos com o desviantes não o são por ninguém. Vemos que
impositores da lei e da moralidade muitas vezes contemporizam,
permitindo que alguns atos passem despercebidos ou livres de
punição porque seria muito difícil averiguá-los; porque possuem
recursos limitados e não poderiam perseguir todo o mundo; por­
que o infrator tem poder suficiente para se proteger contra suas
incursões; porque foram pagos para fazer vista grossa.
Se um sociólogo procura categorias nítidas de crime e desvio,
e espera ser capaz de dizer claramente quando alguém cometeu um
desses atos, de modo a procurar seus cor relatos, todas essas anom a­
lias lhe parecem importunas. Talvez tenha a esperança de eliminá-las
por meio de técnicas aperfeiçoadas de coleta e análise de dados. A
longa história das tentativas de criar esses instrumentos deve nos
185
186
O utsiders
dizer que a esperança não se justifica: essa área do esforço humano
não sustentara uma crença na inevitabilidade do progresso.
O problema não é técnico. É teórico. Podemos construir defi­
nições viáveis, seja de ações particulares que as pessoas poderiam
cometer, seja de catcgorias particulares de desvio tal como o mundo
(em especial, mas não apenas, as autoridades) as define. Mas não
podemos fazes as duas coincidirem completamente, porque elas
r.âo coincidem empiricamente. Elas pertencem a dois .sistemas
distintos, embora em parte sobrepostos, de ação colei iva. Um
consiste nas pessoasque cooperam para produzir o ato em questão.
O outro, nas pessoay que cooperam no drama da moralidade pelo
qual a “transgressão” é descoberta e tratada, quer esse processo yeja
formal e legal, quer Inteiramente informal.
Grande parte da acalorada discussão sobre teorias interaciunistas vem de um equívoco em que se usa a palavra “desvio” para
designar dois processos distintos que têm lugar nesses dois sistemas.1'*
Por outro lado, alguns analistas querem que “desvio” designe atos
que, para qualquer membro “sensato” da sociedade, ou por uma
definição consensual (como violação de uma regra ale^adainente
existente, raridade estatística ou patologia psicológica), são errados.
Eles querem se concentrar no sistema de ação em que esses atos ocor­
rem. Os mesmos analistas também pretendem aplicar a palavra às
pessoas detidas e tratadas como se tivessem cometido esse aio. Nesse
caso, querem se concentrar no sistema de ação em que tais juízos
ocorrem. Esse equívoco com relação ao termo não causa nenhuma
imprecisão quando, e somente quando, aqueles que cometem o ato
e aqueles detidos forem os mesmos. Sabemos que não são. Portanto,
se tomamos com o nossa unidade de estudo aqueles que cometeram
o ato (admitindo que podemos identificá-los), incluímos necessaria­
mente alguns que não foram detidos e rotulados; se tomamos como
nossa unidade aqueles que foram detidos e rotulados, incluímos
necessariamente alguns que nunca cometeram c ato mas foram
tratados com o se o tivessem feito.15
Nenhuma das alternativas agrada. O que os teóricos interacionislas fizeram foi tratar os dois sistemas como distintos, observando
A teoria da rotulação reconsiderada
a sobreposição e a interação que ocorre entre eles, mas não pres­
supondo sua ocorrência. Assim, pode-se estudar a gênese do uso
de drogas, como Lindesinith e eulh fizemos, e lidar com questões
etiológicas, nunca supondo, no entanto, que o que as pessoas estu­
dadas fazem tem qualquer conexão necessária com uma qualidade
genei alizada de desvio. Ou se pode, com o muitos estudos recentes
fizeram, estudar o drama da retórica e da ação moral em que
imputações de desvio são feitas, aceitas, rejeitadas e discutidas.17
O principal efeito da teoria interacionista foi focalizar a atenção
nesse drama como um objeto de estudo, e especialmente focalizar
alguns participantes relativamente não estudados dele — aqueles
suficientemente poderosos para impor suas imputações de desvio:
polícia, tribuna»s, médicos, autoridades escolares e pais.
Pretendi, em minhas próprias formulações originais, enfatizar
a independência lógica entre atos e os juízos que pessoas fazem
deles. Essa formulação, no entanto, continha ambigüidades que
beiravam a contradição, especialmente no tocante à noção de “des­
vio secreto”.18O exame dessas ambigüidades e de algumas possíveis
soluções para elas nos mostra que o desenvolvimento frutífero da
teoria reside provavelmente numa análise mais detalhada do que
fizemos até agora a respeito do desvio como ação coletiva.
Se começamos dizendo que um ato é desviante quando é
assim definido, que sentido pode ter chamar um ato de um caso
de desvio secreto? Com o ninguém o definiu como desviante, ele
não pode, por definição, ser desviante; mas “secreto” indica que
nós sabemos que ele é desviante, mesmo que ninguém mais o saiba.
Lorber19resolveu parcialmente esse paradoxo sugerindo que, numa
importante classe'de casos, o próprio ator definiu sua ação como
desviante, ainda que tenha conseguido impedir que outros tenham
conhecimento dela, acreditando ser ela realmente desviante ou
reconhecendo que outros acreditariam nisso.
Mas e se o autor não fizesse essa definição? E se, o que é ainda
mais significativo, não houvesse atos que os cientistas reconheces­
sem com o passíveis de ser assim definidos? (Tenho em mente aqui
delitos como bruxaria; não podemos imaginar o caso de uma bruxa
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13 8
Outsiders
secreta, já que “sabemos” que ninguém pode realmente cupular
com o Diabo, ou convocar demônios.20) Em nenhum dos dois casos
podemos contar com a autodefinição para resolver o paradoxo.
Mas é possível estender a idéia de Lorber vendo que ela implica
um procedimento qut, se aplicado pelas pessoas apropriadas, as
levaria a fazer tal juízo, dados os “fatos” do caso particular. Pessoas
que acreditam em bruxaria têm meios de decidir quando um ato
de bruxaria foi praticado. Podemos conhecer o suficiente sobre as
circunstâncias para saber que, se essas pessoas usarem tais métodos,
o que descobrirem as levará a concluir que ocorreu bruxaria. Mo
caso de delitos menos imaginários, é possível saber, por exemplo,
que uma pessoa tem em seu bolso materiais que, caso a polícia a
revistasse, a tornaria sujeita a unia acusação de posse de drogas.
Em outras palavras, des“ io secreto consiste em ser vulnerável
aos procedimentos com um ente usados para a descoberta de um
tipo particular de desvio, em estar numa posição em que será fácil
fazer a definição persistir. O que torna isso coletivo é o caráter
coletivamente aceito dos procedimentos de descoberta e prova.
Mesmo com esse adendo, contudo, as dificuldades persistem.
Numa outra importante classe de casos — a construção de regias
ex p o s tfa c to — não pode haver nenhum desvio secreto po rq je a
regra só passou a existir depois que se alegou que o ato em ques­
tão foi com etido.21 Processos de detecção de casos podem trazer à
tona os fatos que alguém usa depois para provar o cometimemo
de um ato desviante, mas a pessoa não poderia ter sido desviante,
secretamente ou não, porque a regra não existia. No entanto é
perfeitamente possível que ela seja definida com o desviante, talvez
quando o que possa ter feito vem a público e alguém decide que,
se não havia nenhuma regra contra isso, deveria haver. Nesse caso,
a pessoa seria secretamente desviante antes?
O paradoxo se resolve quando reconhecemos que, com o todas
as outras formas de atividade coletiva, os atos e as definições no
drama do desvio têm lugar ao longo do tempo, e diferem de um
m om ento para outro. Definições de com portam ento ocorrem
seqüencialmente, e um ato pode ser definido com o não desviante
A teoria da rotulação reconsiderada
em t, e desviante em t2, sem que isso implique que foi ambas as
coisas simultaneamente. Fazendo uso de nosso resultado anterior,
vemos que um ato poderia n ão ser secretamente desviante em t (
porque nenhum procedimento então em uso produziria evidên­
cias de um ato que juizes competentes considerariam desviante. b
poderia ser secretamente desviante em t: , porque, com o se criou
uma nova regra nesse ínterim, agora existe um procedimento que
permite essa determinação.
A última formulação nos lembra o importante papel que o
poder desempenha em teorias interacionistas do desvio.22 Em que
circunstâncias fazemos e impomos regras ex post fa c to 7. Penso
que a investigação empírica mostrará que isso ocorre quando um
participante numa relação é desproporcionalmente poderoso, de
modo que pode fazer sua vontade prevalecer acima das objeções
de outros, mas deseja manter uma aparência de justiça e racionali­
dade. Isso ocorre, caracteristicamente, na relação entre pais e filhos,
e em arranjos similarmente paternalistas, como funcionários de
obras sociais e beneficiários, ou professor e aluno.
Ao se considerar o desvio uma forma de atividade coletiva, a
ser investigada, em todas as suas facetas, com o qualquer outra
atividade coletiva, vemos que o objeto de nosso estudo não é um
ato isolado cuja origem devemos descobrir. Em vez disso, o ato
que alegadamente ocorreu, quando ocorreu, tem lugar numa rede
complexa de atos envolvendo outros, e assume parte dessa com ­
plexidade por causa da maneira como diferentes pessoas e grupos
o definem. A lição se aplica a nossos estudos de todas as outras
áreas da vida social. Aprender isso não nos livrará por completo
do erro, contudo, pois nossas próprias teorias e nossos métodos
apresentam persistentes fontes de dificuldades.
A desmistificação do desvio
Os sociólogos criaram dificuldades para si mesmos com seu hábito
praticamente indefectível de tornar eventos e experiências comuns
189
190
O utsiders
misteriosos. Lembro-me — uma de minhas primeiras experiências
na pós-graduação — de Erncst Burgess alertando nossa turma de
noviços para o perigo de se deixar seduzir pelo senso comum. Ao
mesmo tempo, Everetl I íughes nos recomendava prestar rigorosa
atenção ao que podíamos ver e ouvir com nossos prónrios olhos
e ouvidos. Alguns de nós pensamos que haveria uma contradição
entre os dois imperativos, ma* reprimimos nossa inquietação para
preservar a sanidade.
Ambas as injunções tem um substancial cerne de verdade.
O senso comum, em um de seus sentidos, pode nos enganar. Esse
senso com um é a sabedoria tradicional da tribo, a mistura das
coisas que todo munde sabe”, que as crianças aprendem à me­
dida que crescem, os estereótipos da vida cotidiana. Ele inclui
generalizações da ciência social sobre a natureza dos fenômenos
sociais, correlações entre categorias sociais (por exemplo, entre
raça e crime, ou classe e inteligencia) e a etiologia de condições
sociais problemáticas, como pobreza e guerra. As gereralizações de
senso com um assemelham-se às da ciência social em sua estrutura
formal; diferem amplamente em sua imunidade a observações
contraditórias. As generalizações da ciência social, em princípio e
muitas vezes de fato, mudam quando novas observações mostram
que são incorretas. As generalizações de senso comum, não. Esst
tipo de senso com um , em particular porque seus erros não são
aleatórios, favorece as instituições estabelecidas.
Outro s*gnificado de senso com um sugere que o homem
comum, com a cabeça não estorvada por teorias extravagantes
e noções professorais abstratas, pode ao menos ver o que está ali
bem debaixo do seu nariz. Filosofias tão diversas quanto o prag­
matismo e o zen-budismo cultuam o respeito pela capacidade
que o homem com um tem, com o Sancho Pança, de ver que um
moinho de vento é realmente um moinho de vento. Pensar que se
trata de um cavaleiro montado em seu cavalo é, seja com o você o
considere, um erro real.
Os sociólogos muitas vezes ignoram as injunções dessa versão
do senso com um . Não podemos transformar moinhos de vento em
A teoria da rotulação reconsiderada
cavaleiros. Freqüentemente, porém, transformamos atividade coleti­
va — pessoas fazendo coisas juntas— em substantivos abstratos com
os quais a ligação com pessoas fazendo coisas juntas é tênue. Assim,
de modo típico, perdemos o interesse pelas coisas mais comuns que
as pessoas realmente fazem. Ignoramos o que vemos porque não é
abstrato, e perseguimos as “forças” e as “condições” invisíveis que
aprendemos a pensar que são tudo que interessa à sociologia.
Sociólogos noviços com freqüência têm muita dificuldade
em fazer pesquisa de campo porque não reconhecem a sociologia,
tal com o a leram, na atividade humana que vêem por toda parte.
Passam oito horas observando uma fábrica ou uma escola, e re­
tornam com duas páginas de anotações e a explicação de que' não
aconteceu nada de importante”. Querem dizer que não observaram
nenhum caso de anomia, estratificação, burocracia ou qualquer
outro dos demais tópicos sociológicos convencionais. Não vêem
que inventamos esses termos para lidar de forma conveniente com
vários casos de pessoas fazendo coisas juntas que concluímos serem
suficientemente semelhantes de maneiras específicas para que os
tratemos com o iguais para fins de análise. Desdenhando o senso
„ comum, os noviços ignoram o que acontece à sua volta. Deixando
de registrar os detalhes da vida cotidiana em suas anotações, não
os podem usar para estudar abstrações como anomia, ou outras
que eles próprios poderiam construir. Um importante problema
metodológico é sistematizar o procedimento pelo qual avançamos
de uma apreciação de detalhes etnográficos para conceitos úteis na
consideração de problemas com que chegamos à nossa pesquisa
ou de que nos demos conta desde então.
Inversamente, as pessoas que os sociólogos estudam muitas
vezes têm dificuldade em reconhecer a si mesmas e às suas ativi­
dades nos relatos sociológicos escritos sobre elas. Deveríamos nos
preocupar com isso mais do que o fazemos. Não deveríamos esperar
que leigos fizessem nossas análises para nós. Mas tampouco devería­
mos ignorar aquelas questões que os leigos habitualmente levam
em conta quando descrevemos o modo como desempenham suas
atividades ou fazemos suposições a esse respeito. Muitas teorias do
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Outsiders
desvio postulam, implícita ou explicitamente, que um conjunto
particular de atitudes é subjacente ao cometimento de algum ato em
potencial transgressor, mesmo que a teoria se baseie em dados (como
registros oficiais) que nada podem revelar sobre isso. Consideie as
descrições do estado de espirito do ator encontradas nas teorizrções sobre anomia, de Durkheim a Cloward e Ohlin, passando por
Merton. Se as pessoas estudadas não podem se reconhecer nessas
descrições sem serem instruídas, deveríamos prestar atenção.
Não são som ente as descrições de seus próprios estados
mentais que os atores não conseguem reconhecer. Muitas vezes
não conseguem reconhecer os atos em que supostamente se
envolveram, porque o sociólogo não os observou com cuidado,
ou não prestou atenção alguma a seus detalhes quando o fez. A
omissão tem sérios resultados. Torna impossível para nós inserir
as reais contingências da ação em nossas teorias, fazê-las levar em
conta os constrangimentos e as oportunidades de fato presentes.
Podemos nos ver teorizando sobre atividades que nunca occrrem
da maneira com o as imaginamos.
Se olharmos com atenção para o que observamos, veremos
muito provavelmente as questões para as quais a teoria interacionifta
chama a atenção. Veremos que pessoas que se envolvem em utos
convencionalmente considerados desviantes não são motivadas por
forças misteriosas, incognoscíveis. Elas fazem o que fazem mais ou
menos pelas mesmas razões que justificam as atividades mais comuns.
Veremos que regras sociais, longe de serem fixas e imutáveis, são
continuamtnte reconstruídas em cada situação, para que se ajustem
à conveniência, à vontade e à posição de poder de vários participan­
tes. Veremos que atividades consideradas desviantes exigem muitas
vezes redes elaboradas de cooperação que dificilmente poderiam
ser sustentadas por pessoas que sofressem de dificuldades mentais
incapacitantes. A teoria interadonista pode ser uma conseqüência
quase inevitável de submetermos nossas teorias do desvio à correção
da observação atenta das coisas de que elas pretendem tratar.
À medida que tanto o senso comum quanto a ciência nos re­
comendam olhar atentamente para as coisas antes de começarmos
A teoria da rotulação reconsiderada
a teorizar sobre elas, a obediência à recomendação produz uma
teoria complexa que ieva em conta as ações e reações de todos os
envolvidos em episódios de desvio. Ela deixa para a determinação
empírica (em vez do estabelecimento por suposição) questões
como a real ocorrência ou não dos atos alegados e a precisão ou
não dos relatórios oficiais, e em que grau. Em conseqüência (e esta
é uma fonte de grande dificuldade para estilos mais antigos de
pesquisa sobre o desvio), surge uma grande dúvida com relação à
utilidade das várias séries estatísticas e dos registros oficiais que os
pesquisadores se acostumaram a usar. Não reenumerarei as princi­
pais críticas aos registros oficiais, as defesas que foram feitas deles
e os novos usos sugeridos para eles, mas observarei simplesmente
que um exame mais atento de pessoas agindo juntas nos mostrou que
registros também são produzidos por pessoas que agem juntas, e
devem ser compreendidos nesse contexto.23
A ligação entre uma teoria interacionista do desvio e a confiança
na intensa observação de campo como importante método de coleta
de dados dificilmente pode ser acidental. Por outro lado, penso que
não é uma ligação necessária. A teoria interacionista se desenvolve
a partir de uma disposição de espírito que leva o lugar-comum a
sério e não se contentará com forças invisíveis e misteriosas como
mecanismos explanatórios. Essa disposição de espírito floresce
indubitavelmente quando alguém se defronta de modo contínuo
com os detalhes das coisas que se propõe a explicar com toda sua
complexidade. É mais fácil construir infratores míticos, e atribuirlhes aquelas qualidades que mais se harmonizam com nossas ex­
plicações hipotéticas, se tivermos apenas fragmentos de fatos como
os que poderíamos encontrar num arquivo oficial ou nas respostas
a um questionário. Como .Galtung sugeriu em outra conexão,M
constructos míticos não podem se defender contra o ataque dos
fatos produzidos pelo conhecimento íntimo.
Algumas pessoas notaram que uma ênfase excessiva 11a obser­
vação de primeira mão pode levar a nos limitarmos, de maneira
não intencional, àqueles grupos e lugares a que podemos ter
acesso facilmente, deixando assim de estudar as pessoas e grupos
193
194
O utsiders
poderosos que podem se defender contra nossas incursões. Dessa
maneira, a preferência por uma técnica observacional poderia tra­
balhar contra a recomendação teórica de estudar todos os partici­
pantes do drama do desvio e anular algumas das vantagens de uma
abordagem interacionista. Podemos nos proteger contra e?se perigo
variando nossos métodos ou sendo mais engenhosos em nosso uso
de técnicas observacionnis. Mills,” entre outros, demonstra u varie­
dade de métodos que podem ser usados para estudar os poderosos,
cm especial o esludo daqueles documentos que se tornam públicos
por inadvertência, em virtude do mecanismo interno de agências
governamentais, ou porque os poderosos por vezes lutam ertre si e
por isso nos fornecem dados. De maneira semelhante, podemos fazer
uso de técnicas de entrada discreta e acesso acidental para culher
dados observacionais diretos.26 (Problemas relevantes de acesso e
amostragem são discutidos em vários artigos em Habenstein.” )
Os sociólogos têm sido em geral relutantes em fazer o exame
atento do que se encontra debaixo de seus narizes, e que recomendei
aqui. Essa relutância contaminou especialmente os estudos do desvio.
Sua superação produziu o mesmo ganho em estudos do desvio que
movimentos similares produziram em estudos da indústria, da edu­
cação e de comunidades. Aumentou também a complexidade moral
de nossas teorias e pesquisas, e passo agora a esses problemas.
Problemas morais
Problemas m orais surgem em toda pesquisa sociológica, nus
são suscitados de maneira especialmente provocativa por teorias
interacionistas do desvio. Criticas morais vieram do centro e da
direita política; da esquerda política e dos “malucos-beleza'*.*
Teorias interacionistas foram acusadas de dar ajuda e conforto
* No original,frorn leftficld. Trata-sc de uma metáfora tirada do jogo de beisebol,
sem referência ao campo político. A meliior tradução foi discutida com o autor,
optando-se por utilizar a expressão consagrada no Brasil po.- uma música de
Raul Seixas. (N.R.T.)
A teoria da rotulação reconsiderada
ao inimigo, quer esse inimigo fossem aqueles que perturbam a
estabilidade da ordem existente, quer fosse o establishment. Elas
foram acusadas de esposar abertamente normas não-convencionais, de se recusar a apoiar posições contrárias ao establishment
e a crítica maluco-beleza de parecer apoiar causas contrárias ao
establishment — ao mesmo tempo que sutilmente favorece o
status quo.
As teorias interacionistas como subversivas. Muitos críticos (não
necessariamente conservadores, embora alguns sejam) acreditam
que as teorias interacionistas do desvio atacam aberta ou dissi­
muladamente a moralidade convencional, recusando-se de modo
deliberado a aceitar sua definição do que é ou não desviante, e
questionando as suposições com base nas quais as organizações
convencionais que lidam com desvios operam . Lem ert, por
exemplo, diz:
À primeira vista, a sociologia do desvio parece propor uma ma­
neira relativamente neutra ou científica de estudar certos tipos de
problemas sociais. No entanto, sua disposição, o tom e a escolha
de temas de pesquisa revelam uma postura crítica forte e determi­
nada em relação à ideologia, aos valores e métodos de agências de
controle social dominadas pelo Estado. Em afirmações extremas,
o desvio é descrito como pouco mais que o resultado de uma tomada
de decisão arbitrária, fortuita1ou tendenciosa, a ser compreendido
como um processo sociopsicológico pelo qual grupos procuram
criar condições para perpetuar valores estabelecidos e modos de
comportamento, ou aumentar o poder de grupos especiais. Uma
impressão deixada é que as agências de controle social são descritas
e analisadas de modo a expor seus malogros 110 que tentam fazer e a
violação incidental de “direitps inalienáveis” e da “liberdade”. Vista
desse modo, a sociologia do desvio é mais crítica social que ciência.
Oferece pouco para facilitar e promover aqueles tipos de decisões e
controles efetivamente necessários para a manutenção da qualidade
única de nossa sociedade — a liberdade de escolha.28
19 5
196
O utsiders
Esses críticos pensam que a determinação ética de tratar pon­
tos de vista oficiais e convencionais como coisas a serem estudadas,
em vez de aceitá-los como fatos ou verdades evidentes, é um ataque
daninho à ordem social.-*
Consideremos de novo a crítica de que a “teoria da rotulação”
confunde irremediavelmente o que se propunha a esclarecer com
sua explicação. Se ela trata o desvio apenas como uma questão
de definição por parte daqueles que reagem a ele, mas postula ao
mesmo tempo um “algo desviante a que eles reagem”, então o desvio
deve existir de algum modo antes da reação. Alguns críticos não se
concentram nas reais dificuldades lógicas que considerei anterior­
mente, mas insistem antes que deve haver alguma qualidade de ato
que pode ser considerado desviante, independentemente da reiçãu
de quem quer que seja. Eles em geral encontram essa qualidade na
violação, pelo ato, de uma regra aceita.'0 Consideram perversos os
teóricos que não admitem que alguns atos são realm ente desviar tes,
pelo menos no sentido da violação de uma regra.
Mas teóricos interacionistas, nada especialmente perversos,
enfatizaram a independência de ato e reação, criando um espa­
ço de propriedades de quatro células mediante a combinação
do cometimento ou não-cometimento de um ato em potencial
desviante com uma reação definidora de desvio ou sua ausência.
O que parece ter incomodado os críticos nesse processo é que o
termo “desvio” foi depois com mais freqüência aplicado ao par de
células caracterizado por atos definidos com o desviantes, quer os
atos alegados tivessem ocorrido ou não. A escolha provavelmente
reílete a relutância dos analistas cm parecer aprovar a classificação
depreciativa de atos em potencial desviantes. A relutância originase de seu reconhecimento do caráter intrinsecamente situacional
das regras, que existem apenas no consenso para sempre renovado
de uma situação após outra, e não com o incorporações específicas
persistentes de um valor básico.-11
Seja como for, tivessem os interacionistas chamado tipicamen­
te de desviante o cometimento de atos em potencial desviantes,
fosse qual fosse a reacão a eles, teria havido menos queixas. Muitos
A teoria da rotulação reconsiderada
de nós usávamos o termo de modo frouxo para cobrir os três casos
em que o desvio poderia estar envolvido: cometimento de um ato
potencialmente desviante sem reação definidora de desvio; reação
definidora de desvio sem cometimento; e sua coexistência. Essa
frouxidão merece crítica, mas o importante é que nenhuma dessas
três coisas é ela mesma toda a história do desvio. Esta reside na
interação das três partes envolvidas.
Para retornar à questão mais ampla, o verdadeiro ataque à
ordem social é insistir em que todos os participantes são objetos
apropriados de estudo. A definição anterior do campo do desvio
com o o estudo das pessoas que supostamente violaram regras
respeitava essa ordem, isentando de estudo os criadores e os im­
positores de regras. Se alguém é isento de estudo, isso significa que
suas pretensões, teorias e afirmações de fato não estão sujeitas a
escrutínio crítico.32
A relutância interacionista em aceitar teorias convencionais
levou a uma atitude crítica em relação a assertivas de autoridade
e moralidade convencional e a uma hostilidade com relação às
análises interacionistas por parte de seus porta-vozes e defensores.
Assim, representantes da polícia afirmam que a maioria dos po­
liciais é honesta, exceto pelas poucas maçãs podres presentes em
qualquer barril. Investigações sociológicas mostrando que a má
conduta da polícia resulta de imperativos estruturais que fazem
parte da organização do trabalho da corporação provocam “defe­
sas” da polícia contra cientistas sociais. De maneira semelhante,
a afirmação de que a doença mental é uma questão de definição
social33 provoca a resposta de que as pessoas internadas nos hos­
pitais psiquiátricos estão realmente doentes;3'1essa resposta passa
ao largo da questão do caráter social da definição, mas diz respeito
à questão moral implícita, ao sugerir que os psiquiatras, afinal,
sabem o que estão fazendo.
As teorias interacionistas como favoráveis ao establishment.
Pelas razões que acabam de ser sugeridas, as teorias interacionistas
parecem (e são) bastante “de esquerda”. Intencionalmente ou não,
197
19 8
Outsiders
são corrosivas dos modos convencionais de pensamento e das insti­
tuições estabelecidas. Apesar disso, a esquerda criticou essas teorias,
e de uma maneira que espelha objeções feitas de um ponto de vista
mais centrista.35 Assim com o aqueles que aprovam as instituições
existentes não gostam do modo com o as teorias interacionistas
põem seus pressupostos e sua legitimidade em questão, aqueles
que consideram as instituições existentes corrompidas se queixam
de que as teorias não dizem isso. Todos eles se queixam de uma
postura moral ambígua, situando o problema numi lamentável
ideologia “isenta de valores” que pretende a neutralidade quando
de fato esposa uma ideologia “radical” ou “meramente liberal”,
conforme o caso.36
O problema, claro, decorre de algum equívoco quanto à
noção de ser isento de valor. Penso que todos os cientistas sociais
concordam que, dados uma pergunta e um método para chegar
a uma resposta, qualquer cientista, sejam quais forem seus va­
lores, políticos ou outros, deveria chegar basicamente à mesma
resposta, aquela dada pelo mundo dos fatos inelutáveis que está
“lá fora”, não im porta o que pensemos sobre ele. À medida que
um sociólogo de esquerda se propõe a basear a ação política em
achados de pesquisa, seus próprios ou de outros, ele deveria se
esforçar para tanto e esperar que isso seja factível. De outro modo,
suas ações podem fracassar em razão daquilo que seus valores o
impediram de ver.
Essa formulação simples não pode ser contestada. Mas todos
os cientistas sociais deixam de atingir essa meta em algum grau,
e o erro pode resultar, de uma maneira ou de outra, dos valores
do cientista. Podemos contar mal os cidadãos negros no censo
porque não pensamos que vale a pena o trabalho extra que pode
ser necessário para procurá-los, dado seu estilo de vida. Podemos
deixar de investigar a corrupção na polícia porque julgamos im ­
provável que ela exista — ou porque seria inconveniente chamar
atençSn para Hn, caso exista. Podemos sugerir que somos capazes
de compreender protestos políticos mediante o exame das perso­
nalidades dos que protestam, sugerindo assim que as instituições
A teoria da rotulação reconsiderada
contra as quais eles protestam não desempenham nenhum papel
no desenvolvimento de seus atos de dissidência. Podemos fazer
trabalhos que ajudarão as autoridades a lidar com arruaceiros,
com o seria o caso se descobríssemos correlatos do radicalismo
que autoridades escolares, empregadores e a polícia usassem para
eliminar arruaceiros potenciais.
As questões morais tornam-se mais prementes à medida que
passamos da noção técnica de liberdade de valor para a escolha
de problemas, as maneiras de formulá-los e os usos que podem
ser feitos dos resultados. Algumai dessas dificuldades decorrem
do fracasso da sociologia em levar a si mesma a sério, em seguir a
injunção que quase toda versão de possa teoria básica contém, mas
que é talvez mais clara na teoria interacionista: estudar todos os
participantes de uma situação e suas relações.37 Seguir essa injunção
nos leva automaticamente à corrupção da polícia onde ela existe e
tem alguma coisa a ver com o que estamos estudando. Seguindo-a,
não estudaríamos o protesto polítiço como se ele envolvesse apenas
os que protestam. Uma sociologia isenta de valores que seguisse
rigorosamente seus próprios preceitos não incomodaria a esquerda
dessa maneira.
1
A questão do uso dos resulta,dos, contudo, não pode ser re­
solvida tão facilmente. Tampoucò o problema que atormentou
muitas associações profissionais: se os sociólogos profissionais
têm algum direito a uma opinião especial — em virtude de serem
sociólogos — sobre questões morais e políticas. Constatamos que
eles poderiam, onde isso se justifica, reivindicar conhecimento
especializado com relação às conseqüências de diferentes políticas.
E verificamos que poderiam estar especialmente preocupados em
saber de quem são os interesses a que estão servindo. Parece-nos
mais difícil, porém, comprovar a afirmação de que os sociólogos,
em virtude de sua ciência, têm algum conhecimento especial, ou
direito à nossa atenção, com relação a questões morais. Por quê?
Porque a ciência, dizemos, é isenta de valores. Passamos então a
fazer distinções tênues, impossíveis de se manter na prática, entre
o sociólogo como cientista e o sociólogo como cidadão. Pois todos
199
20 0
Outsiders
nós concordamos que o sociólogo cidadão não só pode adotar
posições morais, com o não deve evitar fazê-lo.
Não podemos manter essa? distinções na prática porque,
com o E d e P demonstrou de maneira tão vigorosa, averiguar fatos,
construir teorias científicas e chegar a juízos éticos são coisas que
não podem ser tão nitidamente separadas.v; Embora nao possamos
deduzir logicamente o que deve ser feito a partir de premissas so­
bre o que é, juízos éticos responsáveis dependem em grande parte
de nossa avaliação do modo com o o mundo e seus componentes
estão construídos, com o funcionam e do que são capazes. Essas
avaliações se apoiam em bom trabalho científico. Elas influenciam
nossas decisões éticas, fazendo-nos ver toda a complexidade moral
do que estudamos; a forma particular com o nossos compromissos
éticos gerais são corporificados numa dada situação; com o nos­
sos compromissos éticos contingentes com valores com o justiça,
saúde, misericórdia ou razão se entrecruzam, convergem e entram
em conflito.
Nosso trabalho trata continuamente de questões éticas; é
moldado e dirigido, de forma permanente, por nossas preocupa­
ções éticas. Não queremos que nossos valores atrapalhem nossa
apreciação da validade de nossas proposições sobre a vida social,
mas não podemos evitar que influenciem nossa escolha de objetos
e hipóteses, ou a utilização de nossos resultados. Essa influência
tampouco deveria nos incomodar. Ao mesmo tempo, é impossível
evitar que nossos juízos éticos sejam influenciados pelo crescente
conhecimento com o qual nos confronta nosso trabalho científico.
Ciência e ética se interpenetram.
Tomemos o uso da maconha. Nosso julgamento deve mudar
quando substituímos sua interpretação como entrega desenfreada a
um prazer perverso pela visão de que é uma implacável compulsão
psíquica para tranqüilizar conflitos interiores, com o propõem as
teorias e os dados psiquiátricos. Ni >sso julgamento muda novamen­
te quando a vemos com o uma recreação relativamente inofensiva,
cujas pior es conseqüências, sociais e individuais, parecem provir do
modo com o não-usuários reagem aos usuários.® Aqueles de nós
A teoria da rotulação reconsiderada
preocupados em maximizar a liberdade humana passarão então
a se concentrar na questão do dano relativo causado pela grati­
ficação do prazer em contraposição à sua repressão. Poderíamos
estudar a operação de sistemas de imposição, o desenvolvimento
de grupos de interesse entre os burocratas e empresários que os
operam, as forças que os desviam de suas finalidades deliberadas
e a irrelevância destas para as situações e conseqüências do uso —
tudo isso por meio da busca do valor da liberdade. Estaríamos
preparados para descobrir que as premissas em que nossas inves­
tigações se baseiam são incorretas (que, por exemplo, os sistemas
de imposição operam de fato de maneira eficiente e honesta para
lidar com sérias dificuldades para o$ indivíduos e a comunidade),
e conduziríamos nossa pesquisa de maneira a tornar possível uma
descoberta com o esta.
Sociólogos que partem de outras posições éticas poderiam
investigar as pressões dos pares, a .mídia e outras fontes de in­
fluência pessoal que levam ao uso de drogas e, assim, ao colapso
da ordem social por intermédio do mecanismo de libertação de
coações sociais. Poderiam exam inar a maneira sutil com o essas
pressões forçam as pessoas a usar drogas e limitam a liberdade da
maneira geral temida pelas teorias psicológicas anteriores, ainda
que o m ecanismo envolvido seja outro. Também eles estariam
preparados para descobrir que suas premissas e hipóteses são
inválidas. Sociólogos que deixassem por completo de investigar a
questão expressariam com isso sua crença de que é moralmente
apropriado ignorá-la.
As teorias interacionistas tio desvio sao censuradas quando
os críticos consideram esse quadro complexo das relações entre
pesquisa científica e juízo m oral sutil demais e insuficientemente
direto. Assim com o os críticos centtistas se queixam da relutância
perversa da teoria inteiacionista em reconhecer que estupro, rou­
bo e assassinato são realm en te desviantes, os críticos de esquerda
afirmam que ela se recusa a reconhecer a opressão de classe, a
discriminação racial e o imperialismo co m o lealmente desviantes;
ou ap o b rezaea injustiça realm en te onio pioblct nas sociais— seja
201
202
Outsiders
corno for que as pessoas os definam.11 Ambos os lados querem ver
suas concepções éticas prévias incorporadas ao trabalho científico
na forma de asserções factuais não inspecionadas, baseadas no
uso implícito de juízos éticos sobre os quais há um elevado grau
de consenso.
Assim, se eu disser que o estupro é realm en te desviante, ou que
o imperialismo é realm en te um problema social, estou sugerindo
que esses fenômenos têm certas características empíricas que, todos
nós concordaríamos, os tornam repreensíveis. Poderíamos, com
nossos estudos, ser capazes de estabelecer exatamente isso; mas
muito freqüentemente nos pedem que o aceitemos por definição.
Definir algo com o desviante ou com o um problema social torna
a demonstração empírica desnecessária e nos protege da descoberta
de que nossa concepção prévia é incorreta (quando o mundo não
é com o o imaginamos). Quando protegemos nossos juízos éticos
de testes empíricos, encerrando-os em definições, cometemos o
erro que chamo de sentimentalismo.42
Os cientistas muitas vezes querem fazer com que uma com ­
binação complexa de teorias sociológicas, evidências científicas
e juízos éticos pareça não passar de uma simples questão de defi­
nição. Cientistas que assumiram sérios compromissos de valor (não
importa de que variedade política ou moral) parecem em especial
propensos a querer isso. Por que as pessoas querem disfarçar sua
inoral com o ciência? Muito provavelmente compreendem ou in­
tuem a vantagem retórica contemporânea de não ter de admitir que
se faz “apenas um juízo m oral” e alegar que se trata de um achado
científico. Todos os participantes de qualquer controvérsia social
e moral importante irão tentar ganhar essa vantagem e apresentar
sua posição moral com o tão axiomática que pode ser incorporada
sem problema aos pressupostos dessa teoria, pesquisa e dogma
político. Sugiro à esquerda, com a qual partilho simpatias, que
deveríamos atacar a injustiça e a opressão direta e abertameme,
mais que alegar que o juízo de que essas coisas são más pode de
algum modo ser deduzido de princípios sociológicos básicos ou
justificado somente por achados empíricos.
A teoria da rotulação reconsiderada
Nossas disposições e nossos juízos éticos, embora desempe­
nhem a justo título um papel em nosso trabalho científico, deveriam
ter uma atribuição diferente em cada uma das várias atividades que
constituem o trabalho de um sociólogo. Quando testamos nossas
hipóteses e proposições contra a evidência empírica, tentamos m i­
nimizar sua influência, temendo que nosso raciocínio guiado por
nossos desejos dê tom a nossas conclusões. Quando escolhemos
problemas para pesquisa, contudo, levamos em conta (juntamente
com questões práticas, com o o acesso ao objeto de estudo, e pre­
ocupações teóricas, como a probabilidade de chegar a conclusões
gerais significativas) a relação de nossos resultados potenciais
com problemas éticos que nos interessam. Queremos descobrir se
nossos juízos iniciais são corretos, que possibilidades de ação estão
abertas para nós e para outros atores na situação, que proveito po­
deria ser tirado do conhecimento que esperamos reunir. Quando
decidimos que ações empreender com base em nossos resultados,
e quando decidimos a quem dar conselhos, nossos compromissos
éticos dominam claramente nossas escolhas — mesmo que ainda
queiramos ser precisos em nossa avaliação das conseqüências de
qualquer dessas ações. Finalmente, por vezes partimos das ações
que queremos empreender e das pessoas que queremos ajudar, e
com base nisso escolhemos problemas c métodos.
As críticas "maluco-beleza". Alguns críticos afirmaram que as
teorias interacionistas do desvio, embora pareçam contrárias ao
establishment, de fato o apóiam, ao atacar funcionários de nível
inferior de instituições opressivas, deixando ilesos os superiores
hierárquicos responsáveis pela opressão e, de fato, ajudando-os,
ao dedurar subordinados indisciplinados.4-4
No estado atual de nosso conhecimento, só podemos lidar com
essas questões especulativa mente. Não se apresentou qualquer evi­
dência em apoio a essa crítica, re m poderíamos encontrar facilmente
evidências para refutá-la. Ela diz respeito à orientação ética geral das
teorias interacionistas, bem ccm o a questões factuais das conseqüên­
cias da pesquisa e da teorizaçào, e pode ser contestada nesse terreno.
203
204
Outsiders
As teorias interacionistas do desvio, com o as teorias inte­
racionistas em geral, prestam atenção à forma com o os atores
sociais se definem uns aos outros e a seus am biente;. Prestam par­
ticular atenção a diferenciais no poder de definir; no modo com o
um grupo conquista e usa o poder de definir a maneira com o ou­
tros grupos serão considerados, compreendidos e tratados. Elites,
classes dominantes, patrões, adultos, homens, brancos — grupos de
status superior em geral — mantém seu poder tanto controlando
o modo com o as pessoas definem o mundo, seus componentes e
suas possibilidades, e também pelo uso de formas mais primitivas
de controle. Podem usar meios mais primitivos para estabelecer
hegemonia. Mas o controle baseado na manipulação de definições
e rótulos funciona mais suavemente e custa menos, e os grupo?
de status superior o preferem. O ataque à hierarquia começa com
urna ofensiva a definições, rótulos e concepções convencionais de
quem é quem e o que é o quê.
A história nos impeliu cada vez mais na direção de modos dis­
farçados de controle baseados no monitoramento das definições *
rótulos aplicados às pessoas. Exercemos controle acusando pessoas
de atos desviantes de vários tipos. Nos Estados Unidos, indicia­
mos dissidentes políticos por uso ilegal de drogas. Quase todos os
Estados modernos fazem uso de diagnósticos, estabelecimentos e
pessoal psiquiátricos para confinar tipos politicamente perturba­
dores tão variados quanto Ezra Pound ou Z.A. Medvedev.*4 Quando
estudamos com o os empreendedores morais conseguem fazer com
que regras sejam criadas e como impositores aplicam essas regras
em casos particulares, estamos estudando como os grupos de status
superior de todo tipo mantêm suas posições. Em cutras palavras,
estudamos algumas das lormas de opressão e os meios pelos quui;
elas obtém o status de normal, “cotidiana” e legítima.
A m aior parte das pesquisas no modo interacionista con­
centrou-se nos participantes imediatos de dramas localizados de
desvio: os que se envolvem em várias formas de crime e vicio, e
aqueles impositores coin que se encontram em suas rotinas diárias.
Tendemos mais a estud ir policiais, alendeiites de hospitais psiquia-
A teoria da rotulação reconsiderada
tricos, guardas de prisão, psiquiatras e assemelhados, e menos seus
superiores ou os superiores de seus superiores. {H á exceções: o
estudo da administração carcerária feito por Messinger, pesquisa
entre gerentes industriais de Dalton; a aplicação feita por Skolnick
da teoria do desvio à política de protesto nos Estados Unidos.45)
Mas, além de não ser exclusivo nem inevitável, o foco em au­
toridades de nível inferior tem o efeito real de lançar dúvida sobre
autoridades de nível mais alto responsáveis pelas ações de seus su­
bordinados. Elas podem ordenar essas ações explicitamente, de for­
ma velada — de modo que possa negar tê-lo feito, se necessário — ,
ou simplesmente permitir que aconteçam por incompetência ou
descuido. Se as ações são repreensíveis, as autoridades superiores,
de uma maneira ou de outra, têm parte da culpa. Mesmo que ne­
nhum general tenha jamais sido levado a julgamento pelo massacre
em My Lai, aqueles acontecimentos abalaram a confiança que as
pessoas podiam ter na correção moral da ação militar no Vietnã
e de seus responsáveis de nível mais alto. De maneira semelhante,
quando compreendemos com o os psiquiatras de escola operam
com o agentes das autoridades escolares, e não de seus pacientes,46
perdemos parte da fé que temos nas instituições da psiquiatria
convencional. A rapidez com que porta-vozes oficiais, nos ní­
veis mais altos, se movem para se opor a análises de corrupção,
incompetência ou injustiça, mesmo quando envolvem os níveis
mais baixos, deveria nos deixar ver, pelo menos tão claramente
quanto eles, o grau em que essas análises atacam as instituições
tanto quanto seus agentes, e os superiores tanto quanto seus su­
bordinados. Esse tipo de pesquisa tem especial contundência moral
quando nos permite inspecionar a prática de uma instituição à luz
de seus próprios objetivos expressos e das descrições que gostam de
fazer a respeito de sua ação. Em razão disso, nosso trabalho tem
invariavelmente uma tendência crítica quando produz algo que
pode ser interpretado com o uma avaliação das operações de uma
sociedade ou de qualquei de suas purlcs,
20 5
206
O utsiders
Conclusão
A abordagem interacionista do desvio serviu para elucidar os
fenômenos que foiam convencionalmente estudados sob essa ru­
brica, mas também para complicar a visão moral que temos deles.
A abordagem interacionaista inicia essa dupla tarefa de elucidação
e complicação pondo os sociólogos a par de que devem incluir um
conjunto mais amplo de pessoas e eventos em seus estudos dos
fenômenos desviantes, sensibilizando-os para a importância de
um conjunto mais amplo de fatos. Estudamos todos os partici­
pantes desses dramas morais, tanto acusadores quanto acusados,
não oferecendo uma isenção convencional de nossas indagações
profissionais a ninguém, por mais respeitáveis ou altamente situa­
dos que sejam. Examinamos cuidadosamente as atividades reais
em questão, tentando compreender as contingências da ação para
todos os envolvidos. Não aceitamos a invocação de nenhuma força
misteriosa em ação no drama do desvio, respeitando aquela versão
do senso comum que concentra nossa atenção no que podemos ver
claramente, bem com o naqueles eventos e interesses que deman­
dam mais sutileza na coleta dos dados e na análise teórica.
Num segundo nível, ? abordagem interacionista mostra aos
sociólogos que um elemento importante em todos os aspectos do
drama do desvio é a imposição de definições — de situações, atos e
pessoas — por aqueles poderosos o bastante ou legitimados o bas­
tante para tanto. Uma plena compreensão exige o estudo completo
daquelas definições e dos processos pelos quais elas se desenvohem,
adquirem legitimidade e são consideradas óbvias.
Esses dois níveis de análise dão à abordagem interacionista,
nas atuais circunstâncias, um caráter radical. Ao fazer de empreen­
dedores m orais (bem com o daqueles a quem eles procuram
controlar) objetos de estudo, essas análises violam a hierarquia
de credibilidade da sociedade. Elas questionam o monopólio da
verdade e “toda a história” sustentada pelos que ocupam posições
de poder e autoridade. Sugerem que precisamos descobrir por
nós mesmos a verdade sobre fenômenos supostamente desviante?,
A teoria da rotulação reconsiderada
em vez de confiar em relatos oficiais certificados que deveriam
ser suficientes para qualquer hom cidadão. Adotam uma postura
relativística diante das acusações e definições de desvio levantadas
por pessoas respeitáveis e autoridades constituídas, tratando-as
com o a matéria-prima de análise da ciência social, e não como
afirmações de verdades morais inquestionáveis.
As análises interacionistas dos fenômenos desviantes tornamse radicais num último sentido, ao serem tratadas com o radicais
por autoridades convencionais. Quando autoridades — políticas
e outras — exercem poder em parte por meio de ocultamento e
mistificação, uma ciência que torna as coisas mais claras ataca
inevitavelmente as bases desse poder. As autoridades cujas insti­
tuições e jurisdições tornam-se o objeto de análises interacionistas
atacam essas análises por sua “tendenciosidade”, a não-aceitação
da sabedoria e dos valores tradicionais, seu efeito destrutivo sobre
a ordem pública/7
Essas conseqüências da análise interacionista complicam nos­
sa posição moral com o cientistas pelo próprio fato de elucidar o
que está se passando em arenas morais como tribunais, hospitais,
escolas e prisões. Elas tornam impossível ignorar as implicações
morais de nosso trabalho. Mesmo que queiramos fazer isso, essas
autoridades que se sentem sob ataque destroem a ilusão de uma
ciência neutra ao insistir que somos responsáveis por essas impli­
cações — como, claro, de fato somos.
Essa discussão de desenvolvimentos recentes na teoria do des­
vio constitui o início de uma consideração da significação moral da
sociologia contemporânea. Podemos fazer maiores progressos com
relação a esse intricado problema por meio de exames similares
em outros campos da sociedade, com o o estudo de instituições
educacionais, serviços de saúde, as forças armadas, a indústria e
o comércio — de fato, em todas as outras áreas em que o estudo
sociológico esclarece as atividades de pessoas e instituições, influen­
ciando, assim, as avaliações morais que fazemos delas.
207
Notas
Prefácio, (p.9-14)
1. E.M. Lemert, Socialpathology: A Systematic Approach to the Theory
o f Sociopathic Behavior, F. Tannenbaum, Crime and the Community.
2. W.I. Thomas e D.S. Thomas, The Chihl in America: Behavior Problems and Programs, p.572.
3. T. Kuhn, The Structure ofScientific Revolutions.
4. Ver a interessante discussão em S. Cole, “The Growth of Scientific
Kitowledge”.
5. E. Goffman, Asylums.
6. G. Velho, “Accusations, Family Mobilily and Deviant Behavior”;
“Stigmatization and Deviance in Copacabana”.
1. Outsiders, (p.15-30)
1. D.R. Cressey, “Criminological Research and the Definition of
Crimes”.
2. Ver a discussão in C. VVright Mills, “The Proiessional Ideology of
Social Pathologists”.
3. T. Szasz, The Mylh o f Mental lllness, p.4‘l 5; ver também E. Goffman,
“The Medicai Model and Mental Hospitalization”, in Asylums, p.321-86.
4. R.K. Merton, “Social Probli ms and Sociological Theory”; e T Parsons> The Social System, p.249-325.
5. H. Brotz identifica do mesmo modo como política a questão de
quais fenômenos são “funcionais” ou “disluncionais” “Functionalism
and Dynamic Analysis".
6. As niais importantes entre as primeiras formulações dessa con­
cepção podem ser e n co n tra d a sS em F. Tannenbaum, Crime and the Com­
munity; e E.M. Lemert, Social Pathology. Um artigo recente expressando
posição muito parecida com a minha é o d e ). Kitsuse, “Societal Reacüon
to Deviant Behaviour”.
210
Outsiders
7. B. Malinowski» CrtmeantiCuswm in Savage Society, p.77-80. Reprodu­
zido COJ.J a permissão dc í luinonilics Press e Routledge & Kegan Paul, Ltd.
8. F. f. Davis. Crime News in Colorado Newspapers”.
9. A.K. Cohen e J.R Short Jr., “Juvenile Delinquency” in R. Merton e
R.A. Nisbet (orgs.), Contemporary Social Problems, p.87.
10. H. Garfinkel, “Research Notes on Inter- and Intra-Racial Homicides”.
11. E.H. Sutherland, “YVhite CoJlar Criminality”.
12. V. Clark. Unmarried Mothers, p.3-5.
13. A.M. Rose e A.E. Prell, “Does the Punishment Fit the Crime?".
2. Tipos de desvio: um modelo seqüencial, (p.31-49)
1. Ver também a discussão de J.J. Kilpatrick, The Smut Peddlers, p. t-77.
2. Beneficiei-me enormemente da leitura de um artigo inédito de John
Kitsuse sobre o uso de estatísticos oheiais 11a pesquisa sobre o desvio.
3. Ver E.C. Hughes, Meu and Their Work, p.56-67, 102-15 e 157 -68;
O. Hall, “The Stages of the Medicai Career”; H.S. Becker e A.L. Strauss!
“Careers, Personality and Adult Sócialization”.
4. M.R. Haas, “Interlingual Word Taboos”.
5. R.K. Merton, Social TheOry w id Social Struanre, p.131-94.
6. Lidei mais extensamente com este conceito em “Notes on Jie Concept
of Commitment”. Ver também E. Goflman, Encounters: Two Studies in the So ciology o f lnteraction, p.88-110; e G.P. Stone, Clothinç and Social Relations.
7. G.M. Sykcs e D. Matza,“ lèchniques of Neutralization”.
8. Guido D’Agostino, Olives on the Apple Tree. Sou grato a Everett C
Hughes por ter chamado minha atenção para esse romance.
9. E.C. Hughes, “Dilemmas and Contradiclkms of Status”
10.Ibid.
11. Ver M. Ray,“The Cycle of Abstinence and Relapse among Heroin
Addicts”.
12. Ver Drug Adrficticn: Crime ar Diseiise?.
13. A.J. Reiss Ir., “The Social Integration of Queers and Peers".
14. Ray, op.cit.
15. One e 7 he KUittachiue Review
sa o
revistas desse tipo.
3. Os primeiros passos de um usuário de maconha, (p.5i-67)
^ 1. Ver como exemplos d-ssa abordagem: E. Mareovitz e HJ. Meyers.
“The Marihuana Addict in ,he Army"; H.S. GaskilI, "Mar.huana, an
Notas
Intoxicant”; S. Charen e L Porelman,“PersonalÍty Stüdiesof Marihuana
Addicts”.
2. Esse ponto de vista teórico origina-se da discussão que G.H. Mead
faz da noção de “objetos”, Minâ, Selfand Suciety, p.227-80.
3. Cf. R. Adams, “Marihuana’; Bulletin o f the New York Academy o f
Medicine, p.705-30.
4. New York City Mayors Coramittee on Marihuana, The Marihuana
Problem in the City o f New York, p.12-3.
5. Cf. L. Kolb, “Marihuana"; W. Broraberg, “Marihuana: APsychiatric
Study”.
6. O método é descrito cm A.R. Lindesmith, üpiate Addiction, cap.l.
Houve considerável discussão sobre esse método na literatura. Ver, ern
particular, R.H. Turner, “The Quest for Universais in Sociological Re­
search”, e a bibliografia citada ali.
7. Quero agradecer a Solomon Kóbrin e a Harold Finestone por me
terem disponibilizado essas entrevistas.
8. Um farmacologista observa que esse ritual é de fato uma forma
extremamente eficiente de introduzir a droga na corrente sanguínea. Ver
R.P. Walton, Marihuana: America's New Drug Problem, p.48.
9. “Fumantes declararam íepetidamente que o consumo de uísque
enquanto se fuma anula a potência da droga. Eles acham muito ditícil
ficar no ‘barato’ enquanto tomam uísque, e por isso os fumantes não
bebem enquanto usam a ‘erva?’ (New York City Mayor s Committee on
Marihuana, op.cit., p. 13.)
10. Charen e Perelman, up.cit., p.679.
4. Uso de maconha e controle social, (p.69-87)
1. H.j. Anslinger e W.F. Tompkins, The irafjic in Narcotics, p.21-2.
5. A cultura de um grupo desviante:
o músico de casa noturna, ^p.89-no)
1. R. Redfield, The Folk Culture ofYumtaiu p. 132.
2. E.C. Hughes, Studcnú Culture mui hrspcctives: Lecturesoii Medica!
i,nd General Education, p.28-9.
3. Ver A.K. Cohen, Dclinquent Boys; R.A. Cloward e L.E. Ohlin,
Delinquency and Opportunily, H.S. Becker, B. CJeei, F..C. Hughes e A.L.
Strauss, Boys in Whitc.
211
212
O utsiders
4. D.R. Cres:;ey,“Role Theory, Differential Association, and Compulsive Crimes”, p.444-67.
5. Para ourros estudos do músico de jazz, ver: C.L. Lastrucci, “The
Professional Dance Musician”; W.B. C«tmeron,“SocioIogieai Notes on the
Jam Session”; A.P. Merriam e R.W. Mack, “The Jazz Community”.
6. A maioria dos músicos não admitiria essas exceções.
6. Carreiras num grupo ocuparional desviante:
o músico de casa noturna, ( p . m - 28)
1. H.C. Hughes, “ínstitutional Office and the Person” p.409-10.
2 .0 . Hall, "The Stages of a Medicai Career”, p.327.
3. Ver E.C. Hughes, French Canada in Transition, p.52-3; M. Dalton,
Informal Factors in Career Achievement", para discussões da influência
dos grupos de colegas sobre carreiras em organizações industriais; e Hall,
op.cit., para uma análise similar da influência de colegas na profissão
médica. O conceito de “fraternidade interna” de Hall refere-se ao grupo
que é assim capaz de exercer a maior influência.
4. Ver a discussão em H.S. Becker, “The Implications of Research
on Occupational Careers for a Model of Household Decision-Making”
p.239-54; H.S. Becker e A.L. Strauss, “Careers, Personality, and Adult
Soda!{??tion"
5. Hall, op.cit., p.332.
6. "Velhos” ["oIdguys'\ c o termo geralmente usado pjlos mais jovens
para se referir às “panelinhas” que controlam os empregos mais desejá­
veis.
7. Hall, op.cit., p.328. Ver também H.S. Becker, “The implications of
Research on Occupational Careers” op.cit.; JAV. Cirper e H.S. Becker.
“Adjustments to Conflicting Expectations in the Developnunt of Iden­
tification with an Occupation”.
7.
As regras e sua imposição,
(p .1 2 9 - 5 1 )
1. K.H. Wolff, The Sociology o f Ceorg Simrnel, p.415-6.
2. M. Dalton, Mcn Who Muntige, p.! 99-205.
3. Ibid., p. 194-215.
4. D. Roy,“Quota Restriction and Coldbtkking in a Machine Shop"
5. D. Roy, “Efficiency and 'The Fix’”.
6. T. Parsons, The Social System, p. 12.
Notas
7. Para uma abordagem dos problemas sociais do ponto de vista da
história natural, ver R.C. Fuller e R.R. Meyers,“Some Aspects of a Theory
of Social Problems”.
8. Ver J. Krout, The Origins o f Prohibition-, C. Terry e M. Pellens, The
Opium Problem; DrugAddicdon: Crime or Disease?.
9. U.S. Treasury Department, Traffic in Opium and Other Dangerous
Drugs fo r the Year ended December 31,1931, p. 51.
10. Ibid., p. 16-7.
11. Bureau of Narcotics, U.S. Treasury Department, Traffic in Opium
and Other Dangerous Drugs fo r the Year ended December 31,1932, p. 13.
12. Ibid., Bureau of Narcotics, U.S. Treasury Department, Traffic
in Opium and Other Dangerous Drugs for the Year ended December 31,
1936, p.59.
13. Idem.
14. lbid.,p.30.
15. Ibid., p.61.
16. H.J. Anslinger e C.R. Cooper, “Marihuana: Assassin of Youth”,
p. 150.
17. Taxation o f Marihuana, p.7.
. 18. Ibid., p.8.
19. Ibid., p.20.
20. Ibid., p.73-4.
21. Idem.
22. lbid.,p.85.
23. Gouldner descreveu um caso pertinente na indústria, em que a
tentativa que um novo gerente 4'ez de lançar mão de regras que não haviam
sido impostas por um longo tempo (e assim, de fato, criar novas regras)
teve como conseqüência imediatr uma greve intempestiva não autorizada
pelo sindicato; ele não havia angariado apoio nem desenvolvido um clima
de opinião favorável pela manipulação de outros grupos na fábrica. Ver
A.W. Gouldner, Wildcat Strikc.
8. Empreendedores morais, (p.153-68)
1. J.R. Gusfield, “Social Siructure and Mural Reform”, p.223.
2. Ibid.
3. Ver R.G. McCarthy, Drinking and Intoxiiation, p.395-6.
4. Isso é sugerido em Oscar Lewis, Sagebrush Casinos, p.233-4.
5. E.H. Sutherland, “The Diffusion of Sexual Psychopath Laws”,
p. 142-8.
213
21 4
Outsiders
6. Ibid., p. 142.
7. Ibid., p. 143 -5.
8. Ibid., p.145-6.
9. Sheldon, Messinger, “Organizational Transformation”, p.3-10.
10. Gunsfield, op. cit., p.227-8.
11. Ibid., p.227,229-30.
12. Ver R. Gold, “Janitors Versus Tenants”.
13. W.A. Westlcy, “Violence and the Police", p.39.
14. Ibid.
15. William A. Westley, “The Police: A Sociological Study of Law,
Custom and Morality”.
16. E.H, Sutherland (org.), The Trojhm m it T hief p.87-8.
17. Ibid., p.91-2.
9. 0 estudo do desvio: problemas e simpatias,
(p. 1 6 9 -7 8 )
1. David J. Bordua,“Delinquent Subcultures”, TheAnnals o f the Ame­
rican Academy o f Political and Social Science, n.338, nov 1961, p. 119-36.
2. Dois livros recente:;, muito conhecidoò e influentes, sobre delinqü­
ência juvenil são baseados nesse tipo de dados fragmentários. Ver A.K.
Cohen, Delinquent Boys; e R.A. Clovvard e L.E. Olhin, Delinquency and
Opportunity.
3. E. Hooker, “A Preliminary Analysis of Group Behavior of Homosexuals”; M. Leznoff e W.A. Wesíley/The Homosexual Community”; H.L.
Ross, The Hustler in Chicago"; A.J. Reiss Jr.,‘'The Social Integration of
Peers and Queers”.
4. Reiss, op.cit.
5. C. Winick, “Physician Narcolic Adclicts", p. 177.
6. M. Dalton, M ai Who Manage, p.275.
7. Ned Polsky sugere, numa coinimic.tç.Hi privada, que uni dos pru
blemas morais gira em torno do envolvimento do cientista em atividad<ilegal, Embora eu não tenha tratado deste ponio, concordo plenamente
com seus pensamento.s sobre o assunto, que reproduzo aqui com siu1
permissão:
“Se alguém quer efetivamente estudar desviantes infratores da lei
enquanto se envolvem em desvio em seu contexto natural, isto é, fora
da prisão, deve tomar a decisão moral de infringir ele próprio a lei. Não
precisa ser um observador participante’ e cometer os atos desviantes sob
estudo, mas tem de testemunhar tais atos ou receber confidências sobre
eles c não denunciá-los. Assim, o investigador tem de decidir, quando
Notas
necessário, que irá “obstruir a justiça” ou ser "cúmplice” antes ou de­
pois do fato, ao pleno sentido legal desses termos. Não terá condições
de discernir alguns aspectos vitais do comportamento criminalmente
desviante e da estrutura de subculturas infratoras a menos que tome
essa decisão moral, faça os desviantes acreditarem nele e os convença
ademais de sua capacidade de agir em conformidade com sua decisão.
Este último aspecto talvez possa ser negligenciado com delinqüentes
juvenis, porque eles sabem que um profissional que os estuda está quase
sempre livre de pressões da polícia no sentido de dar informações; mas
criminosos adultos não têm essa certeza, e por isso se preocupam com
as intenções do investigador e com sua simples capacidade de continuar
inabalável sob interrogatório policial.
“Raramente cientistas sociais satisfizeram essas exigências. É por
isso que, nos Estados Unidos, embora apenas seis entre cada 100 cri­
mes importantes conhecidos pela polícia resultem em condenações à
prisão, uma parte tão grande de nosso pretenso conhecimento socio­
lógico sobre a criminalidade se baseia apenas em pessoas presas. O
sociólogo — não podendo ou não querendo ser ele mesmo definido
por criminosos de uma maneira que lhe permitiria observá-los en­
quanto trabalham e se divertem rotineiramente — coleta seus dados
de desviantes que estão presos ou envolvidos de alguma outra forma
com a lei, uma amostra distorcida em que amadores e incompetentes
estão super-representados, em que os sujeitos são vistos num contexto
artificial e não são sistematicamente estudados tal como atuam em geral
em seus contextos naturais. Assim, o sociólogo muitas vezes conhece
menos que o jornalista sobre as subculturas desviantes verdadeiramente
contemporâneas — em particular aquelas compostas por criminosos
profissionais adultos.”
8. H. Blumer,“Society asSymholieInternetion”,p .)88.
9. O. Matza,“Subterranean Traditions of Youth”, p.l 16-8.
10. A teoria da rotulação reconsiderada, (p.l7 9 - 2 0 7 )
1. D. Matza, Becoming Devinnt.
2. F. Tannenbaum, Crime tiudCommuuiiy; E. Lemert, Social Pathology;
]. Kitsuse,“Social Reaction to Deviant Behaviour”; K. Erikson, Wüyward
Puritans; H.S. Becker, Outsiders, entre outros.
3. Cf. E. Schur, “Reactions to Deviance”.
4. J. Gibbs, “Conceptions of Deviant Behavior'-, l>. Bordua, “Recent
Trends”; R.L. Akers, “Problems in the Sociology of Deviance”.
215
¥
21 ô
Outsiders
5. Ver H.S. Becker, Outsiders, p.44-5; E.M. Lemert, op.cit., p.71-6;
M. Ray“The Cyclc of Abstinence and Relapse among Heroin Addicts’1;
E.M. Lemert, Huttmn Deviance, Social Problems, and Social Control.
6. A. Cohen,“The Sociology of the Deviant Act”; Deviance and Control,
“Deviant Behavior”.
7. H.S. Becker, op.cit.
8. L. Humplireys, Tearoom Trade.
9. G.H. Mead, Mind, Selfand Society; H. Blumer, “The Mctliodological
Position of Symbolic Interacionism”.
10. D. Roy,“Efficiency and the ‘Fix’”
11. M. Dalton. Meti Who Managc.
12. J.F. Short e F.L. Srodtbeck, Group Process an d Gang Delinquency.
13. K.T. Erikson, op.cit.; J.D. Douglas, “Deviance and Respectability”.
14. Um bom exemplo é R. Alvarez, “Informal Reactions to Deviance
in Simulated Work Organizations: A Laboratory Experiment”
15. J. Kitsuse e A.V. Cicourel, M
A Note on tht Uses of Officiul
Statistics”.
16. A.R. Lindesmitli, Addiction and Opiates.
17. Por exemplo,). Gusfield, Sy mbolic Crusadc.
18. Jack Katz e John 1. Kitsuse ajudaram-me enormemente a reexa­
minar o problema do desvio secreto.
19. J. Lorber, “Deviance and Performance".
20. H. Selby, Not Every Man Is Humble.
21. J. Katz, “Deviance, Charisma and Rule-Defined Behavior”.
22. I.L. Horowitz e M. Liebowitz. “Social Deviance and Politicil
Marginality”.
23. Ver J. Kitsuse e A. Cicourel, “A Note on the Uses oí Official
Statistics”; E. Bittner e H. Garfinkel, “‘Good’ Organizational Reasons for
Bad Clinic Records”; A. Cicourel, The Social Organization ofjuvenile
Justice’, A. Biderman e A.j. Reiss Jr., “On Exploring the Oark Figure”; J.D.
Douglas, The Social Meanings o f Suicide.
24. J. Galtung, “Los factores socioculturales y el desarrollo de la so­
ciologia en America Latina”.
25. C. Wright Mills, The Power Elite.
26. H.S. Becker e R. Mack, “Unobtriisive Hntry and Accidental Access
to Field Data"
27. R.W. Habenstein (org.), Pathways to Data.
28. E.M. I emert, Hunuin Dcvfance, Social Problems, and Social Control,
p.24,
Notas
29. D. Bordua, “Recent Trends”.
30. Por exemplo, J. Gibbs, “Conceptions of Deviant Behavior”;
R, Alvarez, “Informal Reactions to Deviance in Simulated Work
Organizations”.
31. Ver o conceito de “ordem negociada”, A.L. Strauss et al., Psychiatric
Ideologists and Institutions.
32. H.S. Becker, “Whose Side Are We On?”
33. Por exemplo, T.J. Scheff, Being Mentally III.
34. W. Gove, “Societal Reaction as an Explanation of Mental Illness’1';
“Who Is Hospitalized”.
35. Richard Berk sugeriu-me que a dificuldade crônica em decidir
quem é de esquerda ou “radical” leva a uma situação em que as críticas que
estou discutindo, embora possam vir de pessoas que se identificam assim
e são assim identificadas por outros, não brotam, contudo, de uma análise
marxista da sociedade, que talvez tenha mais direito ao rótulo. Ele sugere
ainda que essa linha de críticas poderia se concentrar no grau em que é
possível estabelecer uma continuidade entre a análise de agrupamentos
de classe da sociedade como um todo, característica dessa tradição, e o
estudo mais intensivo de unidades menores, característico das teorias
interacionistas do desvio. Penso que a continuidade existe, embora não
esteja em condições de provar isto analiticamente.
36. M. Mankoff, "Power in Advanced Capitalist Society”; A. Liazos,
“The Poverty of the Sociology of Deviana,“.
37. H. Blumer, “Threats lrom Agency-Determined Research”.
38. A. Edel, Ethical JudgntnU.
39. lrving Louis Horowitz despertou meu conhecimento tardio do
trabalho de Abraham Edel.
40. Ver J. Kaplan, Man/mana: The New Prohibilion; E. Goode, The
Marihuana Smokers.
41. Ver M. Mankoff,“On Alienation, Structural Strain and Deviance”.
A seguinte declaração corporifica esses temas: “Mas não é igualmente um
fato social, ainda que poucos de nós atribuamos muita atenção a ele» que
a economia corporativa mata e mutila mais, é mais violenta que qual­
quer violência cometida pelos pobres (objetos usuais dos estudus sobre
violência)? Por que raciocínio e necessidade é a ‘violência’ dos pobres
nos guetos mais digna de nossa atenção que os campos de treinamento
militar que entorpecem recrutas para os horrores de matar o ‘inimigo’
(‘seres humanos orientais’, como aprendemos durante o julgamento de
Catley)? Mas como esses atos não são rotulados de ‘desviantes’, como
são ocultos, institucionais e normais, suas qualidades de ‘desviantes’ são
217
21 8
Outsiders
negligenciadas, e eles não se tornam parte da província da sociologia do
desvio. Apesar de suas melhores intenções liberais, esses sociólogos pare­
cem perpetuar as próprias noções que pensam desmascarar, e outras das
quais não têm consciência(A. Liazos, "The Povertry of the Sociology
of Deviance”, p. 110-1)
42. Feio menos um comentador (A.W. Gouldner, ”Tiie Sociologist
Partisan”) interpretou erroneamente minha crítica do sentimentalismo
como um medo da emoção. \ definição dada no texto de “Whose Side
Are Wc On?” (H.S. Becker, p.245) deixa bem claro o que eu realmente t;uis
dizer: “Somos sentimentais, em especial quando nossa razão é que prefe­
riríamos não saber o que está acontecendo, caso saber fosse violar alguma
simpatia de cuja existência talvez possamos nem ter conhecimento.”
43. Por exemplo, A. Gouldner, op.cit.
44. T Szasz, Psychiatric Justice.
45. Respectivamente, S.L. Messingjr, Strategies ofControl; D. Dalton,
Men Who Manage: Fusions o f Feeling atui Theory in Administratum; J.
Skolnick, The Polilics o f Protest.
46. T. Szaz,»”The Psychiatrist as Double Agent”.
47. Para uma discussão mais completa da noção de sociologia radi­
cal, ver H.S. Becker e I.L. Horo'.vitz, “Radical Politi cs and Sociological
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W in ic k ,
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Agradecimentos
Quatro capítulos deste livro foram publicados em forma ligeira­
mente diferente em outros lugares. O Capitulo 3, no A m erican
Jou rn al o f Sociology, v.LIX (nov 1953); o Capítulo 5 apareceu no
mesmo periódico, v.LVII (set 1951 .'.Ambos são reproduzidos aqui
com a permissão do Jou rn al e da University o f Chicago Press. O
Capítulo 4 foi publicado em Human Orgnnization, n. 12 (primavera
1953), e é reproduzido neste livro com a permissão da Society for
Applied Anthropology. O Capítulo 6 foi publicado em S ocial Problem s, n.3 (jul 1955), e é republicado com a permissão da Society
for the Study o f Social Problems.
O material do* capítulos 3 e 4 foi originalmente preparado como
tese de mestrado cm sociologia na Universidade de Chicago, sob a
orientação de Everett C. Hughes, W. Lloyd Warner e Harvey L Smith.
Dan C. Lortie comentou o rascunho inicial de um dos textos.
Fiz a pesquisa em que os capítulos 5 e 6 se baseiam enquanto
era membro do Chicago Narcotics Survey, num projeto empreen­
dido pela Chicago Area Projects Inc., com a ajuda de uma sub­
venção do National Institute o f Mental Health. Harold Finestone,
Eliot Freidson, Erving Goffman, SoJomon Kobrin, Henry McKay,
Anselm Strauss e o falecido R. Richard Wohl fizeram uma leitura
critica das versões iniciais desses textos.
Sou profundamente grato a Blanche Geer, que leu e discutiu várias
versões de todo o manuscrito comigo. Meu pensamento sobre ques­
tões de desvio, assim com o sobre todos os assuntos sociológicos,
deve muito a meu amigo e professor F.vcrctt C. Hughes.
Dorothy Seelinger, Kathryn james e Lois Stoops datilografa­
ram as várias versões do manuscrito com paciência e cuidado.
228
índice remissivo
A dain s, R oger, 5 2n
A gência Fed eral d e N a rcó tico s, 1435 1 ,1 6 0
alim en to para aves, in d ú stria de,
1 4 9 - 5 0 , 151n
A m erican B a r A ssociation , 4 5 n , 142n
A m erican M ed icai A ssocia tion , 45n,
142n
Anslinger, H . J.> 8 2 n , 148n
apreensão, ex p eriên cia d e, por
desv ian tes, 4 1 - 6
au to-seg reg ação, 1 0 4 -1 0
Becker, H ow ard, 3 5 n , 3 8 n , 9 0 n , 1 12n,
I2 4 n
B lum er, H c rb c rt, 1 7 4 , 174n
B ordua, D avid )., 16 9 n
B rom b erg , VValter, 53n
Brotz, I low ard , 2 0 »
Burke, K en n cth , 158
C a m ero n , W illia m B ru ce, 92n
C arper, Jam es W ., 1 24n
carreiras, 3 5 -6 , 1 11 -2
C h am p oig n -U rb a n a , Illin ois, 94
C h aren , S ol, 51 n
C hicago , Illin ois, 93
C low ard , R ich a rd A., 9 0 n , 169n,
C o h en , A lbert K .> 2 5 n ,9 0 n , 169n
C olorad o, c rim e n o , 25
C om itê sobre M acon h a d o Frefeito da
C o n fe rê n u a N atio n al de D elegados
sobre Leis Estaduais Unilorm es, 145
C o op er, C .oiirtnoy Ryley, 148n
Ciressey, D o n ald R ., I7 n . 9 1 n ,
c ria d ores de regras, 153-8
cru zadas m o rais, 153-60
cu ltu ra , 89 -9 1
D ‘Agostim u C u id o , 4 0 n
D alton , M clville, I I2 n , 1 3 2 - 4 , 133n,
1 7 2 ,1 72n
D avis, F. lam cs, 25n
d elin q ü ên cia ju v en il, 3 2 - 5 ,3 8 - 4 0 ,
4 6 - 7 ,1 6 9 7 0 , 1 7 4 , 174n
D ep a rtam en to d o Tesouro dos
E stados l-n ido» (A gência de
N arcótiv osl, 1 4 3 -5 1 ,1 6 0
desviante
falsatiK iite j i u sado. <1 -2
secreto, 3 1 -3
desvio
c o n lu io o rgan izacio n al no, 131-5
d etinii,i'es cien tificas d c , 16-21
d efin ido p or reações d c outros,
20-7
n áo -in ien clo n a is, 3 6 -7
p rob lem as m etod ológ icos n o
estud o do, 171-4
p rob lem as m o ra is n o estud o do,
174-8
tip o s de, 3 1 -2
C id ad e de Nova York, 5 2 -4 ,6 0 -1
C o m itê sob re R ecu rsos da C âm ara
em p reen d ed or m o ral, 1 4 1 -2 ,1 5 3 -6 8
d o s D ep u tad o s, 148-51
co m p ro m isso , 3 7 -9
Fin csto n e, I larold. 5*111,2 2 8
23 0
Outsiders
h reid son , E lin t, 228
Krout, Jo h n , 142n
F uller, R ich ard C ., 138n
F u n d a çã o N acional c o n tra a Paralisia
In fa n til, 158 -9
fu rto n a in d ú stria e n o co m ércio ,
1 31-4
L astru cci, C a rio L., 9 2 n
Lem ert, E. M ., 9 , 9 n , 22n
Lewis, O scar, 155n
Leznoff, M au rice, 170n
L in d esm ith , A lfred J., 54n
G a rfin k el, H aro id , 2 5 n
L o rtie, D an C ., 2 28
G askill, H erb ert, 52n
G eer, B la n eh e, 9 0 n , 2 2 8
G offm an, Erving, 1 3 ,13n, 20n , 3 8 » , 228
m á cond u ta p rofissional, 3 9 -4 1 ,1 7 0 - 3
m aco nha
G o ld , R ay, 161n
ap reciação d os e feito s, 6 1 - 7 , 6 1 n
G ou ld n er, A lvin W ., 1 5 ' n
percepção dos efeitos, 5 6 -6 2
G usfield , Joseph R ., 1 5 3 - 3 , 154n ,
fo rn ec im en to d e, 7 1 -6
1 5 9 - 6 0 , 159n
Lei d e Taxação, 141-51
técn ica d e fum ar, 5 4 -7
H aas, M a ry R ., 3 6 . 3 7 n
H al!, O sw ald, 3 5 n , 1 1 1 ,1 1 l - 2 n ,
1 1 5 n , 1 2 4 , 124n
h o m ossex u alid ad e, 4 0 - 1 ,4 4 -8 , 1 7 0-2
M cC arthy, R aym on d G ., 155n
M ack, R aym ond 'V ., 9 2 n
M cKãy, H enry, 2 2 8
M alinow ski, Bronisluw , 2 4 n , I3 0 n
H o o k er, Evelyn, I7 0 n
M arcov itz, Eli, 51 n
H ugh es, E verett C ., 3 5 n , 4 0 n , 4 2 -4 ,
M attachine Review 4 8 n
4 2 n , 9 0 n , 111, l l l n , 2 2 8
M atza, D avid, 3 8 - 4 0 , 4 0 n , 1 7 6 , 1 77n
M ead , G eorg e H erb ert, 52n
id eologias desviantes, 4 7 -9
M c rriam , Alan P .,9 2 n
ileg itim id ad e, 2 5 -6
Mc-rton, R ob ert K ., 2 0 n , 2 5 n , 3 7 , 37n
im p o sito res de regras, 160-7
M essinger, S h eld o n , 159n
p o d er d isc ric io n á rio d c s , 165-6
M eyers, H enry J., 5 1 n
rela çõ es com cria d ores d'.* regras,
M eyers, R .R ., 138n
1 6 5 -7
M ills, C. W right, I9 n
in d u çã o a n a lítica , 54
m od elos seq ü enciais, 3 3 -6
in te rm e d iá rio e n tre p o licia e
m o tiv ação, 3 6 - 7 ,4 0 - 2 , 5 1 - 2 ,6 7
c rim in o so s (fixer), 1 6 4-6
m ú sicos, 8 9 - 1 2 8 ,9 2 n , 101 n
iso la m tn to , 1 0 4 -1 0
carreiras, 1 1 1 -28
Jam es, K a th ry n , 2 2 8
co m erciais, 9 1 - 3 ,1 0 1 - 2 ,1 1 8 - 2 2
jú r i d e in stru çã o , 134 -6
con flito fam iliar, 1 2 4 -8
panelinh as, 1 1 4 -8
ideologia, 94-101
Kansas C ity , M i.ssouri, 9 4
ia z z .9 1 - 3 ,1 0 6 -9 , 118-9
K h u n , T h o m a s, 12
linguagem , 1 0 9 -1 0
K ilp a trick , Jam es Ja ck so n , 33n
reações a co n flito p rofissio n al,
K itsu se , J o h n , 2 2 n , 33n
1 0 0 - 5 ,1 2 0 -3
K o b r in , S o lo jn o n , 5 4 n , 228
ap ad rin h am en to , 1 1 4 -8
K olb, L au rence, 53n
sucesso, d efin içõ es de, 1 1 2-4
índice remissivo
n arcó tico s
a d icto s, 4 4 - 6 ,4 8 - 9 ,1 7 5 - 6
neu traliz a çã o d e valores
co n v en cio n a is, 3 8 -4 0
S im m el, G eorg , 131n
S m ith , H arvey L., 2 28
status, traço s d e, 4 2 -4
Sto n e, G rego ry P., 38n
N isb ert, R o b ert A ., 2 5 n
S toop s, Lois, 228
o cu p açõ es d e s erv iço, 9 1 -2
Su theriand , Edw in H .,2 5 n , 155n ,
Strauss, A n selm , 3 5 n , 9 0 n , 112n , 2 28
O h lin , Lloyd E ., 9 0 n , 169n
O ne, 4 8 n
165n
Sykes, G resh am , 3 8 , 40n
Szasz, T h o m a s, 20 n
P arson s, T alcott, 2 0 n , 1 37n
Pellens, M ildred , 142n
tab u s vocabulares interliguais, 37
P erelm an, Luis, 5 1 n , 63n
T a n n cn b au m , F ran k , 9 , 9 n , 2 2n
p o líc ia , 1 6 0 ,1 6 3 -6
Terry, C h arles, 142n
p o rn o g ra fia , 3 2 - 3 ,1 3 8 - 9
T h o m a s, W .I., 12
P r e ll.A rth u r E .,2 8 n
T h ra sh er, Frederick , 169
p ro m o to ria p ú b lica , 1 3 4 -6
Tom p kins, W illiam , 82n
p sico p ata sexual, leis sobre, 1 55-7
p siq u iatras, 1 5 5 -8
Tow nsend, M o v im en to , 159
trad ições o cu ltas, 177
T u rn er, Ralph H ., 54n
“qu ad ra d os”, 9 4 - 5 ,9 8 - 1 0 1 ,1 2 3 - 8
uso de tn a co h a .3 4 -6 , 5 1 - 8 7 ,5 5 n , 6 1 n
ra ça , p u n içã o d e c rim es por, 2 5 -6
Ray, M arsh, 4 4 n , 4 7 n
e in teração c o m n ão -u su ários,
7 5 -8 2
R edfield, R o b ert, 8 9 , 9 0 n
níveis de, 7 0 - 1
regras
d iferenciad as p o r g rupo social»
e m oralidade, 8 1 -7
e ideologia psiq uiátrica, 8 5 -7
2 7 -3 0
c o m o prod u to de
Velho, G ilb erto , 14
em p reen d im e n to , 1 2 9 -3 1 , 140-
valores, 1 37-40
1 ,1 6 6 -8
V in cen i, C lark, 26n
c o m o prod u to d e p rocesso
p o lítico , 2 9 - 3 0 ,1 3 8 - 5 1
W allo n , R. P., 55n
específicas, 1 3 7 -4 0
W arner, W. Lloyd, 228
estág ios d e im p osição, 136-41
Wesdey, W illiam A., 1 6 3 , 16 3 -4 n ,
v ariedades d e, 15-6
170 n
R e is s.A lb e rt J., J r .,4 6 n , 1 7 0 - In
W in ick, C harles, I72n
R eitzel, H ans, 9
W oh l, R R ich ard, 228
reserva u rb a n a , 1 3 0 -2
WollV, Kurt 11., 131 n
R o se .A rn o ld M .,2 8 n
R o ss, H . L aurence, 17Gn
Roy, D on ald , 134n
Seelinger, D orothy, 228
S h o rt, Jam es E , Jr., 2 5 n
U n ião C ristã de M ulheres pela
T em peran ça, 1 5 3 - 5 ,1 5 9 -6 0
; 1 Nòs' pnoS' 1960, Outsiders, do renbmado d e n tis ta social norte-am ericano !
1 ^Hqward S. Becker, Lançou uma estim ulante proposta, ao argum entar — lanj- *
/çarido, m ão,de pesquisas1— que o jdesvio’ social era um fenôm eno'm ais 1
1 ’ çôríium do que habitualm ente se ^ewsavaj e que era incorreta a sabedoria
, convencionalèe^undo a qual os desviànteá sociais <eram seres patológicos.
De modo bem mais fom pleto, eles s£TÍam participantes de um sis.tema dé
1 trelações e,interações consti^ut!ivo«da própria vida social.
É$tè éstudo sem inal'de, Becker conserva seu caráter inovador .de inve stil '* gação, profunda a iréspeito de indivíduos que,não seguem as regras e sua
, posição na sociedade considerada "rfQrmat". Mais ainda, Becker mostra ^ue
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, O S ; g r u p o s q u a l i f i c a d o s d e o u t s id e r s r-’ a e x e m p l o d e , c o n s u m id o r e s d ç m a . c o n h a pú; r n ú s ic p s v d e j a z z ’- t è m s u a s p r ó p H ã S r e g r a s e s e u s c o n c e it o s d e ;
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"Combinação fe liz de boa sociologia e facilidade de leitu ra. Pa/a os s o c i q • ' •' logo£'eUüdiostis do com portam ento desviante, é um livro essencial. Para os.
1 lètgós e não-èspeciaiistas, ê a rriais in U ru tiva e interessante introdução ao <
tfíiTia'" The A nn ati, American Academy o /P o litic a l and Social Science
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! teJSe houvesse outros trabalhos.co.mo este com sua fusão de cuidadosa
. observação^ sofisticação teórica -,.a compreensão do desvio social já estaria m u itç mais ovançjda.'" American SociológicaI Rebiewt
L E IA TA M B ÉM :
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Segredos e truques da pesquisa
Howard Becker
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Desvio e divergência
Gilberto Velho 1 1, , D *
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Sociedade d t esquina
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Os estabelecidos e os ouK idçrs
Norbert Elias
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