Nº 1 - 2008/2 - Colégio Jardim Anchieta
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Nº 1 - 2008/2 - Colégio Jardim Anchieta
Dandelion é uma publicação semestral do Colégio Jardim Anchieta. As opiniões emitidas são de responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução dos artigos desta revista, desde que citada a fonte. Comissão de pareceristas Ana Paula D. Köhler Zanella Carmem Dresch Chirlei Lima Eduardo Mendes Silva Conselho Editorial Ana Paula D. Köhler Zanella Eduardo Mendes Silva Revisão José Vendelino Köhler Projeto Gráfico Eduardo Mendes Silva Impressão e Acabamento POSTMIX Soluções Gráficas www.postmix.ind.br EDITORIAL Ana Paula D. Köhler Zanella Pedagoga, Pós-graduada em Gestão da Administração Escolar, diretora do CJA há 17 anos e instrutora do curso Gerencial da Rede Pitágoras de Ensino para a Região Sul. Com o objetivo de estimular o fortalecimento, a ampliação e o crescimento da produção acadêmica na temática da educação em diferentes áreas do conhecimento, valorizando práticas e experiências educativas de qualidade, que possam servir de modelo para outros profissionais, a revista Dandelion se apresenta nesta sua segunda edição. Já no seu número de estréia pudemos perceber a aceitação e repercussão desta publicação, pois o trabalho científico ofertado à comunidade gerou uma ampla discussão sobre os vários “olhares educacionais” apresentados na revista. Nosso intuito é o de gerar aos leitores a oportunidade da aquisição de novos conhecimentos capazes de influir no aprimoramento de suas práticas, fomentando e reconhecendo as melhores experiências científicas que visam o desenvolvimento de estudos e pesquisas na área de educação, possibilitando uma reflexão dos profissionais com atuação prática de sala de aula. Tiragem 30 exemplares - Distribuição Gratuita Direção Ana Paula K. Zanella [email protected] Coordenação Pedagógica Carmem Dresch [email protected] EDITORIAL Eduardo Mendes Silva Técnico em Informática, bacharel em Design, graduando de Pedagogia e aluno do programa de pós-graduação em Gestão Escolar da Rede Pitágoras. Professor e Coordenador de Comunicação do Colégio Jardim Anchieta. Chirlei Lima [email protected] Coordenação Administrativa Daniela Machado [email protected] Coordenação de Comunicação Eduardo Mendes Silva [email protected] Secretaria Georgea Bonelli Luciane de Miranda Juliana de Oliveira Cardoso [email protected] Contato Rua Abílio Costa, 69 - Santa Mônica Fpolis /SC - CEP: 88037-150 (48) 3234-5174 / 3028-0225 www.cjanchieta.com.br Conforme anunciado em nosso "nº ZERO", a cada edição, um convidado abre a sessão de artigos. Desta vez, contamos com a contribuição do Professor Marcelo Cunha da Paz, diretor do Colégio Darwin (Fortaleza/CE). Mais do que um convite à reflexão sobre a temática abordada, a presença de seu artigo na Dandelion é uma evidência de um projeto baseado na cooperação entre educadores. Devemos enfatizar que essas trocas, esse compartilhar de idéias e de saberes pode ser mais intenso, pode ser mais freqüente. São milhares as escolas, os educadores, as experiências vividas em nossas regiões (ou nos outros cantos do país!). Quanto mais de educação pensarmos, debatermos e realizarmos, mais frutos dela iremos colher. Por tudo isso, um agradecimento especial a todos que contribuíram com este número e, de forma adiantada, para todos aqueles que, sem esquecer do senso crítico, escolherem uma direção e "assoprarem" este dente-de-leão (Dandelion) permitindo que as idéias aqui apresentadas sejam disseminadas, carregadas suavemente pelo ar. EDITORIAL POR UMA CULTURA DA PAZ 2 Marcelo Cunha da Paz 5 O FENÔMENO BULLYING Da informação à intervenção 7 Adriana Leal Brum Silva A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO 13 Liliana Raquel Gava E AGORA, JOSÉ? É LENDO QUE APRENDEMOS A ESCREVER? 17 Alessandra Barcelos APRENDENDO A APRENDER Relações entre a Pampaedia de Comenius, a Indagação proposta por Dewey e os atuais desafios da educação 21 Eduardo Mendes Silva A MÚSICA GERA GRANDES CONHECIMENTOS Suzete Neves Pessi 25 POR UMA CULTURA DA PAZ Vivemos em uma sociedade em que a violência predomina em nosso cotidiano. Estamos nos acostumando a assistir telejornais que mais se assemelhem a programas policiais, dado ao elevado número de notícias que falam de assassinatos, mortes, tiros. A imprensa em geral ajuda a difundir essa cultura de violência, pois como se diz popularmente “é o que vende” e sem percebermos, deixamos que nossa vida seja permeada por essa distorção da condição natural de Paz do ser humano. Essa cultura de violência também tem impulso em nossas escolas, pois não temos em nossos currículos disciplinas, nem mesmos conteúdos, que promovam uma cultura de Paz. Caminhamos em via oposta, na vida estudantil o aluno estuda 1ª Guerra, 2ª guerra, Guerra do Paraguai, Guerra dos 100 anos, Guerra das Malvinas, Guerra da secessão e uma infinidade de conflitos. Além disso, temos grandes matadores como Duque de Caxias, Napoleão ou até mesmo Hitller, que recebem a alcunha de conquistadores, senão heróis. Porém, não ensinamos a nossos alunos a História do indiano Mahatma Gandhi ou de Martin Luther King Júnior, nem mesmo o nosso brasileiro Chico Mendes ou o ídolo Pop John Lennon. O que há de comum entre eles? Todos de alguma forma promoveram a cultura de Paz. Gandhi liderou uma revolução sem armas que pregava a não-obediência pacífica e sem dar um tiro venceu as tropas inglesas e libertou seu pais do domínio britânico. O ponto comum triste a se lembrar sobre os pacifistas acima é que todos foram assassinados por arma de fogo. Olhando para a Educação Infantil, que todos sabemos que é a base de qualquer aluno, temos também uma evocação da cultura de violência nas parlendas de ninar, observemos as letras a seguir: Marcelo Cunha da Paz Graduado em Administração pela Universidade Federal do Ceará e Pós-graduando em Gestão Escolar pela Faculdade Pitágoras. É diretor do Colégio Darwin desde 2001. O Colégio Darwin é uma instituição que atua em toda a Educação Básica. Situado na cidade de Fortaleza, tem 9 anos de atuação e utiliza o material da Rede Pitágoras de ensino. O acompanhamento individual dos alunos e o trabalho voltado para difundir a cultura de Paz são diferenciais do colégio. [email protected] "Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, sambalelê precisava é de umas boas palmadas" 5 domingo de Setembro temos o Dia municipal da Paz de Fortaleza, que foi instituído através de uma lei municipal, e nesse dia é realizada na Av. Leste Oeste a Grande caminhada pela Paz que já se encontra em sua 4ª edição. È um evento lindo no qual as pessoas vestem branco a cantam músicas de Paz em todo o trajeto. Vale a pena viver essa experiência. Que tal fazer a caminhada da paz em sua cidade? Lembrando que o objetivo da caminhada (não é passeata, pois essa é de protesto contra algo) é promover a Paz e não combater a violência, pois já está mais do que provado que o combate à violência só tem gerado mais violência. Espero ter contribuído com uma nova forma de pensar para nossas escolas. E por favor, se gostou do artigo, não vá dizer por aí que eu Arrebentei ou Matei a Pau. “O cravo brigou com a rosa debaixo de uma sacada, o cravo saiu doente e a rosa despedaçada” “Boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta” “Atirei o pau no gato, mas o gato não morreu” “Nana nenê que a Cuca vem pegar” Que mensagens essas músicas passam a nossas crianças? Medo, violência, repressão e sem percebermos cantamos achando a coisa mais linda do mundo, e eles, coitados, repetem. Até no esporte temos uma cultura de violência impregnada, senão vejamos, o jogador que faz mais gols é Matador ou artilheiro, as torcidas cantam Gritos de Guerra, um jogo eliminatório é chamado de mata-mata, uma grande contratação é uma bomba e se o estádio esta cheio é por que está bombando. Para mudarmos essa situação e promovermos uma nova realidade, precisamos primeiro estar em Paz conosco. O Movpaz, ONG, que visa difundir a cultura de Paz em nossa sociedade, prega que a Paz se encontra em três aspectos: Paz interior, Paz social e Paz ambiental. Devemos trabalhar nesses aspectos, porém, primeiramente temos que atingir a Paz interior para a partir dai passarmos a idéia adiante. Existe um verbo na língua Portuguesa que não foi usado por nenhum escritor de renome, nem dos mais clássicos aos contemporâneos, podem pesquisar, e esse verbo se chama Pazear. Se é verbo é ação, portanto temos que agir em prol da Paz e multiplicar essa cultura em nossas escolas. Que tal fazer um concurso de redação em que se utilize o verbo Pazear dentro do texto? Outra forma de Pazear é ajudar a promover a caminhada Paz de nossa cidade. Todo segundo 6 O FENÔMENO BULLYING Da informação à intervenção O termo é estranho, mas o significado é bem conhecido. A palavra bullying se refere às agressões e humilhações de forma intencional e repetida, praticadas por um grupo de estudantes contra um colega ou contra outro grupo de colegas. Algo até comum no dia-a-dia escolar, mas que está longe de ser considerado normal. São xingamentos, ofensas, constrangimentos ou agressões físicas que geram angústia, sofrimento e podem causar danos psicológicos imensuráveis nas vítimas. Essas agressões, que costumam aparecer na adolescência, estão sendo detectadas entre crianças, cada vez mais cedo. A falta de informação colabora com a perpetuação das “pequenas crueldades”. O fenômeno ocorre também, por exemplo, no ambiente de trabalho (assédio moral), através da internet (cyberbullying) e também do telefone celular. Já há no mundo inteiro trabalhos e pesquisas a respeito. O bullying não é um fenômeno moderno, mas apenas agora vem sendo reconhecido como causador de danos e merecedor de medidas especiais para a sua prevenção e enfrentamento. O importante é detectar o bullying quanto antes para que seja possível intervir cedo. A vítima pode apresentar baixa auto-estima, dificuldade de relacionamento social e desenvolvimento escolar, que podem levar a fobia, tristeza, depressão, podendo chegar a atos de violência extrema contra a escola. Já os autores podem se considerar realizados e reconhecidos pelos seus colegas pelos atos de violência e poderão levar para a vida adulta o comportamento agressivo e violento. As testemunhas silenciosas também sofrem, pela sua omissão e falta de coleguismo. Muitos se sentem culpados por toda a vida. Quando a criança começa a rejeitar a escola, pedir para mudar de sala de aula, queda no rendimento escolar, passar a apresentar sinais de somatizações (diarréia, vômitos, dores abdominais, asma, insônia e pesadelos), e problemas emocionais (como tristeza, depressão) ou sociais (como isolamento e Adriana Leal Brum Silva Tem especialização em Psicopedagogia Escolar e Clínica (ISEPG). É graduada em Pedagogia (Magistério do Ensino Fundamental, UNISUL) e possui licenciatura curta em Matemática (UNISUL). Professora do 3º ano vespertino, trabalha no Colégio Jardim Anchieta há 5 anos. [email protected] 7 não participação em atividades de grupo) pode estar sendo vítima de bullying. Os pais devem acompanhar a socialização da criança, que é tão ou mais importante quanto tomar conhecimento do seu aproveitamento escolar. Uma boa dica é convidar para irem à sua casa os colegas da escola. O primeiro passo para combater o bullying é reconhecer que o fenômeno existe. A informação, a participação da escola, dos pais e filhos é fundamental. Incentivar o filho a falar, ir à escola e buscar juntos uma solução que envolva toda a comunidade. Segundo o pediatra Aramis Lopes, em entrevista à revista Psique-Ciência e Vida (2008) o bullying faz parte de um contexto de atitudes que causam transtornos psicológicos a partir de uma relação desigual de poder entre vítima e agressor. A violência, nesse caso, fica especificamente vinculada ao insulto verbal, às ameaças, às depreciações. Para o pediatra, casos de violência física não são classificados como bullying. Lopes acredita que, entre os diversos contextos familiares, o posicionamento autoritário por parte dos pais e de outros responsáveis pode provocar distorções da maneira do jovem entender o mundo ao redor. E, as atitudes violentas, a imposição de poder e a enfraquecida relação afetiva são fatores para o comportamento agressivo dos jovens. Afirmando ainda, que são mais comuns jovens vítimas de bullying adotarem, na fase adulta, atitudes exóticas e estilos de vida diferenciados. A pesquisadora Rosana Del Picchia expõe em relato à revista Psique-Ciência e Vida (2008) o que a ciência vem comprovando, no âmbito prático, é que, de fato, o bullying já tem causado danos evidentes não somente no que se refere à vítima ou ao agressor, mas também na sociedade de maneira geral. Afirmando que a inabilidade da vítima em lidar com a situação pode estar relacionada ao histórico de omissão familiar, Del Picchia ressalta que relações afetivas pobres ou inexistentes entre familiares dificultam o estabelecimento de um referencial de civilidade. Diferentemente do perfil da vítima de bullying, quando possui nuances variadas de acordo com a história de vida do indivíduo, o agressor geralmente apresenta motivações bastante pontuais para seus atos. Essencialmente é a obrigação de autoafirmação a eficácia motriz. Ele conhece essa necessidade, mas não sabe dominá-la. Dessa forma, o que diferencia um agressor de outro, é, novamente, o histórico familiar. Muitas vezes parei para pensar no valor de uma amizade, no meio deste mundo competitivo, individualista, em que os valores éticos e morais nem sempre são considerados. Neste emaranhado de pessoas que convivem e sobrevivem, como cultivar uma amizade? Pareceme estranho, não vivemos sem a convivência cotidiana de amigos, pessoas que nos rodeiam em diferentes círculos sociais: no trabalho, na escola e família. É cada um tão singular no jeito de pensar, agir, ser. Parece paradoxo, esse mesmo amigo que estende a mão pode em instantes te humilhar, ofender, subestimar. É imprevisível a relação com o outro. Ensinamos nossos filhos a construir uma relação sólida de amizade, mas como ensiná-los a defenderem-se destas armadilhas que muitas vezes são colocadas à frente. E algumas vezes, são eles próprios mentores da leviandade. A evolução do ser humano começa no exemplo da família. Exemplos de solidariedade, companheirismo, amizade. E quando lhe é apresentado o mundo, estes exemplos estendem-se aos amigos próximos, às pessoas que o cercam. O grau evolutivo inicia quando nos colocamos no lugar do outro, pensamos naqueles que estão ao nosso redor. É fundamental crescer junto com o outro. Subir os degraus da prosperidade, das conquistas, unidos. Um acreditando no outro, acreditando nas potencialidades que cada um carrega dentro de si. É o acolher sem pedir nada em troca, sem levar vantagens. Hoje as escolas e famílias, retratam um panorama assustador: crianças, jovens e adultos são vítimas do fenômeno bullying. A alma e corpo são feridos. A auto-estima, a motivação, a esperança, tudo fica à deriva. Qual será a nossa relação com este fenômeno que assola nossos lares e ambientes sociais diversos? O bullying, segundo Gabriel Chalita (2008) é a negação da amizade, do cuidado, do respeito. É uma agressão à alma. Uma intrusão dolorosa nos sentimentos de ser humano. Sofre o agredido. Sofre o agressor. Sofre a humanidade. O amigo cuida, não humilha, tem compaixão. A capacidade de se colocar no lugar do outro e sofrer a mesma dor que o acomete. O professor se colocar no lugar do aluno e vice-versa. Entre pais e filhos também. Entre amigos. Por que destruir o sentimento alheio? Por que submeter o outro a uma chacota que visa à diversão mesquinha? Por que impor o medo, a vergonha, a dor? Será o bullying uma opção consciente ou a ausência da consciência? Perder a compaixão é fazer o outro sofrer ou se 8 O FENÔMENO BULLYING - Adriana Leal Brum Silva As variações, discrepâncias ou semelhanças entre a família e os amigos determinam as rotas contraditórias de nossa vida. (FUENTES, 2006, apud CHALITA, 2008, p.42-43) omitir. E, de omissão a omissão, o mundo assiste a massacres terríveis. O aprendizado da convivência envolve compaixão, compromisso e responsabilidade com a vida do outro. E seu exercício tem de ser cotidiano, sob risco de que seja desaprendida ou que desapareça. Um dos momentos mais desafiadores da vida de uma criança é o de entrar para a escola e aprender a se relacionar com pessoas diferentes. Viver essa experiência inclui aceitar e ser aceito, acolher e ser acolhido, valorizar e ser valorizado, amar e ser amado. Sempre enxergando as diferenças como fator de inclusão e não de exclusão. Perceber que cada um é de um jeito e que o jeito de cada um complementa a nossa história de vida assegura a singularidade de todo indivíduo como elemento fundamental da seiva que alimenta e revigora permanentemente o bem comum. Mas a sede do poder põe em desequilíbrio essa harmonia e cria uma nova rede de relações pessoais. A lei do mais forte, do mais poderoso, aniquila os mais fracos para reafirmar uma identidade que não reconhece a dignidade e o direito do outro. Sem a contenção necessária, ou seja, a vigilância social para acessar a impulsividade tirana, o intimidador atua à vontade em um contexto que lhe parece sem regras e sanções significativas. Para Chalita (2008) os amigos são diferentes, pois cada pessoa é única. Entender essa realidade já é um exercício fascinante para compreender a natureza humana e assim conseguir conviver na diferença. No fluxo de vivências, o que sentimos repercute na forma como tratamos o outro. A amizade é um sentimento que passa ações e reações. Quando se é amigo, cada gesto é cuidadoso para não deixar que o outro se sinta diminuído. Mesmo nas brincadeiras- e como elas são necessárias! - os amigos devem saber o que significa respeito. As reações também precisam ser pensadas. Isso não mata a espontaneidade entre os pares, mas, ao contrário, faz que se preserve e se proteja a pessoa amada. Sim, porque a amizade também é uma forma de amor.Não é tanto a ajuda dos nossos amigos que nos conforta, mas o confiante saber de que eles nos ajudarão. Seriam máquinas as pessoas, se todas elas, em todos os momentos, tivessem as mesmas reações. Se todas elas, em todos os momentos, agissem de forma previsível. Nem nós nos conhecemos, imaginem os outros. Na visão de Chalita, ninguém tem o direito de se sentir superior ao outro. Não há cidadãos de primeira e de segunda categoria. E o preconceito que fere e mata nasce desse sentimento menor de arrogância, de prepotência, de incompaixão. O ser humano é um animal social. Não há possibilidade de desenvolvimento sem o grupo. As primeiras manifestações do ser humano dão-se na família. Depois da surpresa da vinda, o acolhimento ocorre na mãe, que amamenta, alimenta; no pai, que é partícipe. Os pais, de alguma forma, contribuem para a descoberta da razão de existir. Numa estrutura familiar sólida que a criança e o adolescente vão suprir suas necessidades de amor, de valorização, de limites e de coerência. Valores que contribuem para o desenvolvimento de habilidades de autodefesa e auto-afirmação. No que se refere à família, não há receitas prontas de sucesso, tampouco modelos específicos de educação. Os diferentes modelos são frutos de arranjos e demandas contemporâneos. Seja qual for a estrutura, todas necessitam de responsabilidade que convoque pais/responsáveis e filhos ao exercício de suas funções. Independente de sua configuração, a família nunca deixará de ser a referência mais importante para o indivíduo. As interações amorosas existentes na família não são apenas um processo natural; apesar de serem parte da essência humana, necessitam ser aprendidas pela vivência e pelo exercício diário para que se tornem elementos do cotidiano, para que sejam incorporadas e para que se transformem em instrumentos da teia social. É preciso que pais se questionem sobre os instrumentos de troca que estão oferecendo aos filhos. Quando a família abre mão desse aprendizado, abre também espaço para a violência, para as atitudes que enfraquecem e isolam atrás de grades, muralhas e guaritas. A violência que invade ou nasce no espaço familiar se expande para todos os outros segmentos da sociedade como uma teia de relações destrutivas que se reproduz e contamina os ambientes e as pessoas. Aquilo que não temos, encontramos no amigo. Acredito nesse benefício e o cultivo desde a infância. Nisso, não sou diferente da maioria dos seres humanos. A amizade é o grande elo inicial entre o lar e o mundo. O lar feliz ou infeliz é a aula de nossa sabedoria original, mas a amizade é a sua prova. O que recebemos da família confirmamos na amizade. 9 Condenamos as guerras, as ações terroristas, a violência nas escolas e nas ruas e, sem nos darmos conta, muitas vezes convivemos com a violência em nossos lares. São gritos de intolerância, incompaixão e de inflexibilidade. Pessoas agrupadas, vivendo ilhadas sob o mesmo teto, sem espaço para trocar gentilezas, para fazer planos, para falar sobre os medos e as angústias, para compartilhar sonhos. Observo que, quando nos tornamos pais/cuidadores, reproduzimos na educação das crianças aquilo que criticamos em nossa educação. Inconscientemente, multiplicamos o que nos foi legado como o correto e o ideal. Repetimos a mesma “fórmula” de educação. É como se estivéssemos introjetando valores e paradigmas. Reconheço a dificuldade que temos para educar os filhos para o mundo. Muitas vezes, permitimos fazer em casa o que não poderão fazer lá fora. Mas acredito que nunca é tarde para educar, nada está perdido. Sempre há um novo caminho para recomeçar. Nem sempre oportunizamos aos nossos filhos condições de exercer a autonomia, criticidade e responsabilidade. Mas, no momento que passam a conviver socialmente, exigimos uma atitude autônoma, crítica e responsável. Exigimos estas tarefas sem que eles estejam preparados para exercê-las. Depositamos desejos e projetos de vida, sem darlhes o direito de escolha. Chalita destaca que a violência não é um fenômeno firmado apenas numa decisão individual. Invariavelmente, surge em decorrência de um contexto social favorável (ou desfavorável). O autor do bullying não escolheu apenas agredir: em algum momento descobriu que poderia fazê-lo sem ser punido e, ainda, ganhar fama e prestígio com o feito. As vítimas também não desejaram ser escolhidas. Autores e alvos reagem à violência de maneiras diferenciadas, de acordo com habilidades desenvolvidas ou modelos registrados e, ao enfrentarem essas realidades, fazem escolhas. O autor enfatiza que toda escolha é pessoal. Mas, para fazer escolhas prudentes, é preciso reconhecer a própria necessidade, desvelar o desejo e a aspiração que impulsiona. É importantíssimo que os pais ajudem, incentivem, permitam aos filhos o exercício da escolha prudente, que é um aprendizado do uso da liberdade. No entanto, como ensinar o caminho da melhor escolha? Cada pessoa tem um repertório interno povoado de emoções, desejos e aspirações, e a educação é o caminho para transformar todos esses sentimentos em projetos de vida, o que reacende o desejo de viver. A maioria dos pais quer o melhor para os filhos. Procura fazer o máximo dentro de suas possibilidades. Mas a questão é: bom e melhor para quem? Os filhos nem sempre correspondem a esses modelos preestabelecidos. Podem não ser os melhores da classe, podem ser tímidos e retraídos, não gostar de esportes, podem ter alguma limitação física, emocional ou intelectual que os impeça de realizar as aspirações dos pais. Em muitas dessas situações, os filhos podem trazer à tona sentimentos mal resolvidos dos próprios pais. Como lidar com as próprias frustrações, somadas às frustrações dos pais e dos professores? Como lidar com os próprios desejos, tendo de corresponder aos anseios dos outros? Como lidar com atitudes que, muitas vezes, reforçam o desamor e a falta de aceitação? Para Chalita crianças têm sentimentos iguais aos dos adultos ou ainda mais intensos. São capazes de identificar coisas boas e ruins. Entretanto, por vezes, nos esquecemos disso. Fica parecendo que a pouca maturidade é sinônimo de pouco discernimento, pouco sentido na vida, poucos planos, poucos projetos, pouca memória para registrar atitudes que marcam violentamente suas experiências. Mães zelosas e pais protetores muitas vezes não se dão conta de algumas posturas agressivas. As palavras proferidas da “boca pra fora”, na hora do nervosismo, não isentam os pais da culpa. Toda palavra provoca transformação interna; quando positiva, contribui para que a criança e o adolescente encontrem equilíbrio, confiança, autoconfiança e auto-estima para reagir de modo saudável às frustrações da vida. Quando negativa, pode deixar vazios que talvez jamais venham a ser preenchidos positivamente ao longo da vida. Os filhos acreditam ser como os pais lhes dizem que são. O elogio é um das armas mais poderosas para fortalecer a autovalorização, a autoconfiança e a auto-estima da criança. Cada um compartilha com o outro aquilo que traz como bagagem. Os pais devem estar atentos às bagagens transportadas pelos filhos. A nossa “bagagem” nunca fica vazia. O espaço não preenchido pela família acaba sendo preenchido por alguém que, não necessariamente, fortalecerá a auto-imagem da criança e do jovem. Chalita percebe que pais querem filhos perfeitos e vencedores. Talvez isso também seja uma projeção de pais que, na vida, se sentiram imperfeitos e perdedores. Para os pais mais desatentos é preciso deixar claro que os 10 O FENÔMENO BULLYING - Adriana Leal Brum Silva filhos sinalizam, pedem socorro. O bullying é uma violência silenciosa, e a vítima nem sempre tem em sua “bagagem” habilidades pessoais desenvolvidas para livrar-se da agressão, ou, nem sempre, espaço para compartilhar com os pais o sofrimento por qual ela passa. O autor vê na dinâmica familiar um reforço à violência, principalmente quando faltam regras claras, quando falta coerência entre os valores proclamados e vivenciados e, sobretudo, quando falta afetividade nas relações familiares. Outro fator de relevância que pode contribuir para reforçar as ações dos bullies é a presença de modelos autoritários e repressores que usam de agressividade e explosão para solucionar os conflitos. Crianças e jovens imitam aqueles que admiram. O autor considera ainda que os autores de bullying são crianças e jovens que precisam mais de ajuda do que de punições, para que, desse modo, o ciclo de violência se quebre. Os pais devem preocupar-se com as atitudes e os exemplos e participar da vida social e escolar dos filhos. Não é prudente que os pais criem seus filhos em redomas, protegidos do mundo. É digno de louvor ver a preocupação que têm os pais para que nada, nem ninguém, destrua o bem mais precioso que possuem. Entretanto, é preciso meio-termo. Proteger é diferente de esconder. O comportamento de uma criança não é necessariamente igual ao de outras, e nem por isso ela pode ser considerada inepta, incapaz de aprender. O tempo de aprendizagem não é o mesmo para todos – não há pessoas iguais. Entre irmãos, as comparações - danosas ao desenvolvimento emocional - começam cedo. Muitos pais tendem a comparar um filho ao outro, involuntariamente. Desde a disposição para determinada atividade e a força física. Pobres dos mais frágeis, que não se portam como valentões, porque já começam a trajetória com a alma agredida; como não encontram forças para se defender e temem dizer isso aos pais, quando agredidos física ou moralmente na escola, preferem o universo doloroso do silêncio. E assim, o bullying vai nascendo. Os mais fortes humilham os mais fracos, que não têm espaço para revelar a dor que sentem na alma. Precisam de amizade os fracos e os fortes, até porque o conceito de fraqueza e de força é relativo. Os que se julgam fortes podem sentir-se profundamente fracos, às vezes. E os que se apresentam fracos em algumas ocasiões, em outras, quando recebem atenção e cuidado, conseguem surpreender até a si mesmos. Preconceitos também nascem em casa. A criança é como uma esponja que vai sugando o que percebe, ouve, sente. A forma como os pais se tratam e tratam os outros, comentários sobre culturas diferentes, posicionamentos ideológicos contra determinada classe social, condição econômica, gênero etc vão aos poucos povoando uma mente que ainda não tem poder para separar o joio do trigo. E tudo isso vai sendo despejado numa mente ainda em formação. Erra quem diz que a criança é naturalmente preconceituosa. Erra porque ninguém é naturalmente preconceituoso. O preconceito nasce de uma distorção da aprendizagem, ocasionada pela aparente superioridade de um sobre o outro. É preciso fazer que valores essenciais tenham lugar de destaque na aprendizagem. A postura correta diante do outro. O respeito à convivência. Nada disso pode ficar na mesma estante mental de uma fórmula que não mais se irá usar. Chalita reconhece em cada pessoa um fluxo de vivências, isto é, um conjunto de histórias que vão compondo o mosaico de suas atitudes. Nenhum comportamento surge do nada. Nenhuma atitude agressiva ou destrutiva nasce de um instante. São, sim, o resultado de experiências dolorosas que vão se somando e que degringolam quando menos se imagina. Os traumas nascem assim. Pequenos delitos cometidos por educadores-educador não é somente o professor, mas também o pai e a mãe mesmo que não seja por mal, semeiam inferioridades. Dessa forma nascem também os grandes sonhos. De conversas ouvidas e de histórias vividas. De referenciais. Todo mundo tem histórias de sofrimento e histórias de felicidade. As atitudes de desarmonia no grupo nascem de razões diversas. Não há um manual que ensine o que fazer para que o filho ou o aluno não se sinta diminuído em razão do bullying. Nem há receita para que, em decorrência dessas agressões, o aluno não se transforme em uma pessoa cujos bloqueios dificultem a relação com outras pessoas. O que se constata é que o universo do agredido se agiganta de tal forma que o medo o aprisiona, deixando-o lá dentro, protegido pelo nada. Apenas ali, sem falar muito, sem exprimir alegria ou tristeza, sem revelar a dor. Diante dessas atitudes, os pais, às vezes, se desesperam, achando que o filho tem problemas, que é quieto demais, que tem inteligência menor e outras tantas bobagens. Muitas vezes, exigindo que o tímido deixe de ser tímido, que o acanhado se coloque à frente, como se isso fosse o 11 suficiente para quebrar as amarras desse universo nebuloso do medo. É preciso entender o ser humano, ter o cuidado necessário para que as atitudes não apequenem, ao contrário, ajudem a pessoa, protegida, a ser melhor. O homem nasce, cresce e morre. Nesse espaço de tempo, faz coisas que dão sentido à vida. A liberdade de se vestir e de se despir oferece à humanidade a oportunidade de mudar. A brutalidade que nos afasta da condição de seres humanos destrói vidas. A humanidade fracassa quando se distancia da sua essência.“Parte daquilo que somos e sentimos é conseqüência da ação do outro. Assim, também, o outro é parte daquilo que somos capazes de despertar”.(CHALITA,2008, p.147) O bullying é uma ferramenta grosseira de desconstrução, de apequenamento. E precisa ser combatido. Para esse combate, espera-se que os pais busquem ajuda, quando necessário, que não pequem por omissão diante da dor do próprio filho ou filha. Os pais também são semeadores. São, também, acolhedores, mesmo que os filhos dissipem o que tinham de melhor e voltem em busca de alguma coisa mais. Não importa se a prevenção não foi suficiente para preparar o filho e para libertá-lo de tantas amarras. Vale a segunda chance ou terceira? Que importa? Enquanto a nau está no oceano, não há porque desistir de ser viajante. Os riscos estão aí, mas são menores do que a coragem e do que a capacidade de conduzir a embarcação. A amizade simplifica as coisas, direciona o relacionamento entre pais e filhos e entre professores e aprendizes para o afeto. Reencontrar o caminho, desenhar novas marcas da trajetória humana, reescrever a história de homens, mulheres, jovens e crianças, a ponto de tornar intolerável a violência, vai além da atitude pontual que impede e pune os autores de ações perversas. É preciso ajudá-los a não mais sentir o desejo e o prazer de praticar atos desumanos com o outro, resgatando um sentimento profundo de irmandade e de familiaridade, num movimento único de abraçar a todos, livres de qualquer distinção ou preconceito. Aqui reside o talento de desenvolver capacidade de entender e reconhecer o outro, de conviver e de compartilhar com pessoas diferentes de nós, de viver efetivamente uma experiência de amor, dando sentido e significado para a aventura humana. O amor que protege deve ser o mesmo que liberta. Não pode a águia voar por seus filhotes. Pode ensiná-los. Protegê-los. Alimentá-los. E depois orientá-los para que se alimentem sozinhos. Estará por perto, no início. Depois, o mundo será a escola. Referências AGÊNCIA NOTISA DE JORNALISMO CIENTÍFICO. Bullying. Rev. Psique (Ciência e vida), São Paulo, Edição Especial n 10, p 12 – 19, outubro/2008. CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade-Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Editora Gente, 2008 12 A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO¹ Brincar é um direito. Ele está instituído no Estatuto da Criança e Adolescente, baseado na Convenção dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas - ONU, que diz:: “Toda criança tem o direito ao descanso e ao lazer, a participar de atividades de jogo e recreação, apropriadas à sua idade, e a participar livremente da vida cultural e das artes” (BRASIL, 1990, p. 12). Brincar é tão necessário ao pleno desenvolvimento do organismo de uma criança, seu intelecto e personalidade, como alimento, abrigo, ar puro, exercícios, descanso e prevenção de doenças e acidentes (FANTIN, 1994). Brincar, portanto, é fundamental para um desenvolvimento pleno do ser humano. Hoje, há unanimidade em que o brincar tem função essencial no processo de desenvolvimento da criança, principalmente nos primeiros anos de vida, nos quais ela tem de realizar a grande tarefa de compreender e se inserir em seu grupo, constituir a função simbólica, desenvolver a linguagem, explorar e conhecer o mundo físico. Com base nisso, pode-se considerar que a brincadeira é uma forma de divertimento característico da infância, isto é, o brincar está diretamente ligado à infância e à criança, sendo transmitida, por meio dos seus familiares, de forma expressiva, de uma geração a outra, ou de uma forma natural, espontânea. O brincar também contribui na aprendizagem da linguagem, ou seja, a contribuição da linguagem funciona como instrumento para pensar e agir para a criança ser capaz de falar sobre o mundo. Conforme Brougére (apud SANTOS, 1997), é através do jogo, do brinquedo, da brincadeira que a criança compreende sua sociedade e sua cultura, sendo portadores de seus valores e permitindo, ao mesmo tempo, a construção de significados e interpretações que se adaptam a diversas realidades. Compreendendo a sociedade e a cultura a partir da brincadeira, jogo e brinquedo, os educandos Liliana Raquel Gava Graduada em Pedagogia (UDESC) com Especialização em Administração Escolar e Pós-Graduada em Psicopedagogia (UNISUL). Tem, ainda, especialização em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (Faculdades Dom Bosco, Cascavel/PR), em Gestão Educacional e em Metodologia do Ensino Interdisciplinar. Professora do Colégio Jardim Anchieta. [email protected] 13 desenvolvem valores que permitem a construção de conhecimento, interpretando o mundo que o rodeia, desenvolvendo a realidade existente, tornando-se um ser criativo que interage no meio, transformando a vida social, cultural e cognitiva da sociedade. Segundo Brougére (apud SANTOS, 1997, p. 39): Nas brincadeiras, as crianças transformam os conhecimentos que já possuíam anteriormente em conceitos gerais com os quais brinca. [...] Seus conhecimentos provêm da imitação de alguém ou de algo conhecido, de uma experiência vivida na família ou em outros ambientes, do relato de algum colega ou de um adulto, de cenas assistidas na televisão, no cinema ou narradas em livros, etc. A brincadeira é uma mutação do sentido, da realidade: nela, as coisas transformam-se em outras. É um espaço à margem da vida cotidiana que obedece a regras criadas pela circunstância. Nela, os objetos podem apresentar-se com significado diferente daquele que possuem normalmente. Dessa forma, o alfabetizador, como mediador, deve proporcionar este desenvolvimento com práticas lúdicas, para que a criança se interesse mais pelas aulas e aprenda com prazer. “[...] com o jogo a criança ultrapassa a simples satisfação de manipulação. Ela vai assimilar a sustentação ou conflito, preenchimento e desejo.” (KISHIMOTO,1998, p.40). Por isso, para Santos (1997), o ensino mediado através de brincadeira faz com que a criança, num processo interativo, permaneça em seu próprio espaço infantil, recriando através de seu próprio processo partindo de sua realidade social. Tornandose assim um ser que constrói e reconstrói seu espaço desenvolvendo a imaginação expressando seus dogmas, construindo e reconstruindo seu ser, através de sua própria cultura. Desse modo, o educador alfabetizador necessita considerar a ação lúdica, interrelacionando teoria e prática. De acordo com Santos (1997), a alfabetização pela via da ludicidade propõe-se a uma nova postura existencial, cujo paradigma é um novo sistema de aprender brincando inspirado numa concepção de educação para além da instrução. Ainda para o autor, uma alfabetização com prática lúdica terá resultados quanto à aquisição dos conteúdos, pois relaciona-se teoria e prática, apresentando a sociedade um novo ser, um educando diferente, com uma nova existência. Isto é, um aluno com nova concepção onde, a visão central é, instruirse sempre. O processo de alfabetização através do lúdico torna o educando um ser dinâmico que interage coletivamente realizando suas ansiedades, se redescobrindo como indivíduo pensante neste mundo transformador onde cada instante as perspectivas de conhecimentos são diversificados. Isso ocorre porque as brincadeiras possibilitam ao educando o desenvolvimento de sua imaginação, expressão e construção de sua consciência, partindo da realidade existente. Portanto, o jogo, o brinquedo e a brincadeira devem ser utilizados como instrumentos buscando a Na verdade, o ato de brincar não se limita a um simples passatempo sem funções, o brincar ajuda a criança no seu desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social. Por meio das atividades lúdicas, a criança desenvolve a expressão oral e corporal, surgem novas idéias, a vontade de interpretar e repensar o seu cotidiano, o outro e o meio no qual está inserida. Maluf (2005) considera que as brincadeiras favorecem o desenvolvimento da afetividade, ao afirmar que essas estimulam o bem conviver com outras crianças. Com isso, vão sentindo-se mais seguras diante das dificuldades enfrentadas e arriscam-se a novos desafios, sem medo para encararem suas dificuldades. A brincadeira é uma linguagem infantil que mantém um vínculo essencial com aquilo que é o “não-brincar”. Se a brincadeira é uma ação ocorrente no plano da imaginação, isto implica que aquele que brinca tem o domínio da linguagem simbólica, ou seja, é preciso haver consciência da diferença existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo para realizar-se. Nesse sentido, para brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das idéias, de uma realidade anteriormente vivenciada. Conforme a Proposta Curricular de Santa Catarina (2005), é mediante a brincadeira que a criança tem a possibilidade de trabalhar com a imaginação: a realidade se constrói e a fantasia constrói a realidade. Sobre isso, no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 18), encontra-se: 14 A IMPORTÂNCIA DA LUDICIDADE NO... - Liliana Raquel Gava sustentação, na mediação do ensino alfabetizador: “A brincadeira é uma situação privilegiada de aprendizagem infantil onde o desenvolvimento pode alcançar níveis mais complexos, exatamente pela possibilidade de interação” (WAJSKOP. 1997, p. 22). Esses pressupostos teóricos confirmam o entendimento da enorme importância do significado da alfabetização promovida pelas brincadeiras, ao potencializar e desenvolver os processos educacionais no âmbito da alfabetização. Por isso, o alfabetizador deve proporcionar um ambiente interativo e enriquecedor, sua função é mediar, pesquisar e investigar, possibilitando aos alunos novos desafios para ampliar seus conhecimentos. A postura do profissional na área da educação requer interferir na zona do desenvolvimento proximal, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente, a intervenção é fundamental para a produção do desenvolvimento do indivíduo. “No terreno subjetivo, o mediador recreativo deve ter um bom manejo de técnicas orientadas para captar, intensificar e manter o interesse do grupo” (OLIVEIRA et al, 2002, p. 56). Portanto, no contexto da alfabetização, planejar as aulas levando em conta as brincadeiras e o faz-deconta é um passo para que a criança sinta-se motivada a aprender, e aprender com prazer. Aproveitando os momentos de ludicidade para inserir conceitos, valores, debates, como forma de contribuir para o desenvolvimento sócio-afetivo. Cabe, também, ao professor alfabetizador conhecer e valorizar o universo cultural de seus alunos, oportunizando a troca de experiências, para ampliar as capacidades pessoais e sociais, o jogo é um meio de que os professores devem utilizar-se, o lúdico e o movimento, tão comum e necessário na infância, parece estar se esvaindo em uma luta diária de força e posse. Neste tempo moderno, em que a brincadeira significativa parece dar lugar a internet, aos vídeos games e falta de uma escola com espaços prazerosos para jogos, brincadeiras e brinquedos, temos um dever como educadoras: resgatar o lúdico saudável, pois quanto mais rico e desafiador for o ambiente, mais ele lhes possibilitará a ampliação de conhecimento acerca de si mesma, das outras crianças e do meio em que vivem. Portanto, é necessário aos educadores alfabetizadores atribuírem esse significado maior ao brincar das crianças. Com base nisso, pode-se entender que o aprendizado que o brincar favorece e é fundamental para a formação das crianças em processo, em todas as suas fases, principalmente na alfabetização, onde inicia-se o processo formal de escolarização. 1 Este artigo é parte integrante da Monografia de Especialização em Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, das Faculdades Dom Bosco, de Cascavel – PR. Referências BRASIL; Ministério da Educação e do Desporto; Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998. _________. Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC, 1998. FANTIN, Mônica. No mundo da brincadeira: jogo, brinquedo e cultura na educação infantil. Florianópolis: Cidade Futura, 1994. KISHIMOTO, Tizuko M. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. MALUF, Angela Cristina Munhoz. Brincar: prazer e aprendizado. 4. ed Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. OLIVEIRA, Zilma de et al. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação. Ciência e Tecnologia Diretoria de Educação Básica e Profissional. Proposta Curricular de Santa Catarina: estudos temáticos. Florianópolis: IOESC, 2005. SANTOS, Santa Marli Pires dos (Org.) Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos. 3 ed., Petrópolis: Vozes, 1997. WAJSKOP, Gisela. O brinquedo como objeto cultural. Pátio: Educação Infantil, Porto Alegre , v. 5, n. 15, p. 39-41, fev. 2008. 15 E AGORA, JOSÉ? É LENDO QUE APRENDEMOS A ESCREVER? “Amar se aprende amando” Drummond de Andrade A sociedade tem-se transformado de maneira muito rápida nos últimos anos. Isso ocorre devido aos desafios impostos pelos avanços tecnológicos. Angústia e ansiedade permeiam aqueles que se envolvem com o sistema educacional, já que não há fórmulas para, pelo menos a curto prazo, acompanhar os processos de evolução social que atropelam as propostas de ensino. Para lidar com as demandas da vida moderna, uma solução intermediária seria promover o desenvolvimento de estratégias específicas no âmbito educacional. Ou seja, precisamos trabalhar com as habilidades cognitivas essenciais que atendam as exigências de uma sociedade em transformação. Para tanto, é de suma importância que os estudantes, dos tempos atuais, aprendam a refletir não só sobre suas habilidades cognitivas, como também sobre seu papel na sociedade como um todo no que diz respeito aos processos de compreensão e abstração. Assim, acreditamos na idéia de que o ensino consciente, planejado e sistematizado de estratégias lingüísticas em sala de aula pode auxiliar a enfrentar as demandas sociais de forma criativa e competente. Todo o projeto de leitura deve amparar-se na hipótese de que o uso estratégico da linguagem, por meio de processos de compreensão e produção, é um modo de desenvolvimento de estruturas mentais mais complexas, que, por sua vez, consolidam e facilitam a abstração do mundo exterior. Apropriarse de uma informação, compreendê-la e fazer inferências a partir dela fazem com que o estudante embarque no universo letrado. O processo de ensino-aprendizagem dentro da escola deve ser direcionado para a inter-relação entre as diversas disciplinas; os conteúdos devem ser ministrados de forma que estejam próximos das Alessandra Barcelos Licenciada em Letras Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa e licenciada em Língua Inglesa e Literatura de Língua Inglesa (UFSC). Professora de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II do Colégio Jardim Anchieta. [email protected] 17 necessidades dos alunos; e o trabalho deve se adequar aos alunos cujas necessidades de competências diferenciadas rapidamente se ampliam. Na esfera lingüística, especificamente, a linguagem verbal, em nossa interpretação, deve ser utilizada em suas diversas modalidades, desenvolvendo, dessa forma, habilidades cognitivas básicas para o raciocínio abstrato, o processamento da linguagem e, ainda, o desenvolvimento de capacidades críticas e reflexivas sobre o seu papel na sociedade. Extrair do livro prazer, descobertas, lições de vida, enfim usá-lo, para que assim se possa desenvolver a capacidade de pensar e crescer. Leitura e compreensão do texto escrito são elementos importantíssimos para que os alunos possam inserir-se em práticas de leitura que, por sua vez, desenvolvem-se de modo mais eficaz em situações que ofereçam ampla gama de estímulos de linguagem oral e escrita. Sustentados por essa idéia é que acreditamos que a prática de leitura e compreensão de textos escritos vai além de meras respostas escritas as quais costumam servir como mais um mecanismo de avaliação. O professor mediador da sociedade moderna faz a literatura chegar até o aluno para que através desse contato ele passe a senti-la de forma “descompromissada” e prazerosa. Partindo desse pressuposto, tem-se um leitor autônomo e, portanto, um professor dispensado. O leitor “formado” precisa de outro companheiro leitor que pode até ser o seu professor, para comentar, discutir, usufruir as delícias de um texto. Jamais ele precisará de alguém para transformar a sua leitura numa aula que acaba destruindo toda a beleza da descoberta que fez ou que sentiu quando leu. O papel social da escola é formar leitores e escritores autônomos, ou seja, são aqueles que, além de ler e compreender textos complexos, conseguem expressar o que pensam de forma escrita. Os leitores e escritores de fato constroem simultaneamente conhecimentos sobre o sistema de escrita e a linguagem que usamos para escrever. É importante ressaltar que, sob essa perspectiva, a escrita assume uma importância maior. Ela já não é mais apenas um objeto de avaliação e se torna uma colaboradora para que o aluno se descubra praticamente autônomo e independente. Respeitando as particularidades e características de cada grupo de alunos, acredita-se que o livre arbítrio na hora da escolha da leitura envolve o aluno no universo textual. Ao ler o que lhe agrada e o que chama a sua atenção, é possível incentivá-lo também a contar suas histórias e se manifestar diante do público de colegas de classe. Num país que tem boa parte da população composta por não leitores que preferem ver televisão, ouvir música, descansar ou até mesmo ocupar longas horas de seu dia na frente do computador, a tarefa de leitura exige determinação e incentivo dos educadores. Tendo como base esse cenário, defende-se a idéia de que algumas leituras devam mesmo ser orientadas/sugeridas pelo professor. Entretanto, acredita-se que os clássicos não sejam os livros mais indicados para despertar o interesse nos jovens e crianças o gosto pela leitura, já que o assunto é muito distante de sua realidade e sua linguagem não lhes é ainda significativa. Com isso não se trata de negar a importância e o valor dos clássicos, mas sim de se priorizar, a princípio, o prazer em ler. Um texto implica vibração, debate; gostar ou não gostar; ter vontade de escrever tudo de novo como se fosse o real autor da obra; reler ainda muitas vezes antes de fazer ou falar qualquer coisa; voltar e reler trechos significativos; querer ficar num canto quietinho sentindo mais de perto aquilo que “tocou”. É preciso que se permita que a criatividade aflore e esta só acontece com a liberdade, com o prazer da descoberta. Assim, gradativamente, é que se conseguirá chegar mais próximo do que já queria Monteiro Lobato: “morar no livro”. Existem diversas maneiras de se chegar aos bons livros de literatura infanto-juvenil por exemplo. O livreiro da cidade que é especializado naquele setor e que está a par dos lançamentos e tem espírito crítico e conhecimentos suficientes pode fazer boas indicações. Existe também uma vasta bibliografia sobre literatura em geral escrita, na maioria das vezes, por especialistas, professores, críticos e pesquisadores. Também é possível de se encontrar indicações e comentários críticos de livros e autores, inclusive por assuntos ou por faixa etária, etc. Por fim, é fundamental ressaltar que o ensino por meio da linguagem não se dá apenas nas aulas de leitura e de língua portuguesa, mas em todas as situações em que se pretende ensinar por meio desta. É interessante ampliar o leque de gêneros textuais com diferentes conteúdos, estilos e formas, pois, com a apropriação desse instrumento, os alunos participam na produção de discurso escrito de modo 18 E AGORA, JOSÉ?... - Alessandra Barcelos pleno no universo das letras, desde que, evidentemente, as competências básicas para o reconhecimento e uso produtivo da linguagem escrita tenham sido desenvolvidas. Referências BACK, E. Como ensinar português: domínio de língua. Criciúma:UNESC, 2000. FERREIRO, E. O ensino da leitura: o que diz a ciência sobre como ensinar a ler. Porto Alegre: Artmed, 2006. LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed. MORAIS, J. A arte de ler. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1996. RODRIGUES, C; SOUZA, A.C. Por um ensino efetivo e estratégico da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 2008. RODRIGUES, C; TOMITCH, L.M.B. e cols. Linguagem e cérebro humano: contribuições multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed, 2003. ZOTZ, W.; CAGNETI, S. Livro que te quero livre. 3ª Ed. Florianópolis:Letras Brasileiras, 2005. 19 APRENDENDO A APRENDER Relações entre a Pampaedia de Comenius, a Indagação proposta por Dewey e os atuais desafios da educação Os últimos quatrocentos anos de história envolvem inúmeras reflexões e transformações no cenário da educação. Muitos são os nomes de destaque neste cenário e, entre eles, Jan Amos Comenius, John Dewey e, respectivamente, seus conceitos de "pampaedia" e "indagação" são aqui relembrados, problematizados e até ressignificados para fundamentação e defesa do ponto de vista educacional que se segue. Comenius anunciou, ainda no século XVII, o surgimento da didática e, em parte, da pedagogia moderna. Suas contribuições aos métodos de ensino, à teoria evolucionista e até à psicologia genética, surgiram de sua personalidade ativa, mística e reformatória. Comenius creditava a educação como necessária, como solução e como caminho para a realização humana. Efetivar o ensino era, assim, uma maneira de promover e acelerar uma reforma social, bem como investir na raça humana. Ainda hoje, muitas de suas idéias pedagógicas são buscadas, mesmo por aqueles que nunca ouviram falar em seu nome (COVELLO, 1999, p.12). Estão, entre elas, o respeito aos estágios e limites de desenvolvimento do educando no processo da aprendizagem; a construção do conhecimento por meio da experiência, da observação e da ação; o abandono das punições e prática de uma educação com diálogo, exemplo e ambiente adequado; o ambiente escolar arejado, belo, com espaço livre e ecológico; a interdisciplinaridade; e a coerência de objetivos educacionais entre família, escola e sociedade. Além destes, o educador checo defendeu a formação de um homem integral, constituído por seus aspectos religioso, social, político, racional, afetivo, moral e dotado de um saber universal apresentado por Comenius como pansofia. O ensino desta concepção global da vida para todos é o que o Eduardo Mendes Silva Técnico em Informática (CEFET/SC), bacharel em Design pela UFSC, graduando do curso de Pedagogia da UDESC e aluno do programa de pós-graduação em Gestão Escolar da Rede Pitágoras. Professor de Educação Tecnológica, desde 2005, e Coordenador de Comunicação, desde 2008, do Colégio Jardim Anchieta. [email protected] 21 checo denominou de pampaedia. O final do século XIX e a primeira metade do século XX representam o período de produção de outro renomado educador e expoente da pedagogia: o estadunidense John Dewey (1859-1952). Ao lado de Charles Sanders Pierce (1839-1914) e William James (1842-1910), Dewey é um dos três principais nomes do pragmatismo. No Brasil, este pedagogo norte-americano influenciou, com sua produção, professores como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e mais alguns defensores da Escola Nova. A educação defendida por Dewey é baseada na concepção de que sua função para a vida social é a mesma que a nutrição e reprodução representam para a vida fisiológica (DEWEY, 1959, p.10). Ou seja, Dewey vê a educação (e, conseqüentemente, a Escola) como algo necessário para a renovação e, por isso, sobrevivência da vida social. A transmissão das experiências de vida de um grupo para os novos indivíduos deste conjunto garante, mesmo que alguns elementos constitutivos deste agrupamento deixem de existir, que tais experiências permaneçam vivas no grupo. Feitas estas apresentações já é possível justificar a necessidade da educação com o exposto destes dois educadores. Comenius, conforme citado, otimista e idealista, encara a educação como solução para a realização humana. A quem deseja uma reforma social, o pensamento de Comenius serve de razão para a educação. Sem negar tal amplitude de um projeto educacional, mas sem a apelação desta crença demasiada na raça humana, a finalidade da educação em Dewey é uma questão de sobrevivência, ou como dito, a garantia da renovação da vida social. E, neste contexto, a escola adquire função de destaque no processo educacional. A educação formalizada, prática das escolas, é necessária em uma escala proporcional ao nível de complexidade da experiência de um agrupamento social. Ou seja, "com o progresso da civilização aumenta a distância entre a capacidade originária do imaturo e os ideais e costumes dos mais velhos" (DEWEY, 1959, p. 3). Nestes casos, a reprodução da vida do grupo não depende mais apenas de uma atividade educacional ocasional ou informal. É preciso um "esforço deliberado e árdua reflexão" (1959, p. 3). E mais, "sem essa educação formal é impossível a transmissão de todos os recursos e conquistas de uma sociedade complexa" (1959, p. 8). Outro motivo que conduz para a educação, além da renovação da vida social, é a ampliação da vida. Para a compreensão deste, é necessário, primeiramente, apresentar a concepção que Dewey traz sobre vida. Em suas produções, John Dewey apresenta a vida como a totalidade de experiências (relação com o ambiente) de um indivíduo. "Vida subentende costumes, instituições, crenças, vitórias e derrotas, divertimentos e ocupações" (DEWEY, 1959, p.2). Uma vez que a escola amplia, de forma organizada e planejada as experiências de seus educandos, a instituição contribui, também, com a ampliação da vida dos mesmos. Assim como ambos os pensadores apresentam argumentos para o(s) porquê(s) de se educar, Dewey e Comenius sugerem como tal atividade deve ser realizada. Primeiramente, valendo-me das idéias de Dewey, a atual complexidade de nossa sociedade dificulta qualquer tentativa de negação da escola como principal instituição de um projeto educacional. E mais, em concordância com a idéia de que "jamais educamos diretamente e, sim, indiretamente, por intermédio do ambiente" (DEWEY, 1959, p.20), a escola é mais uma vez elevada e valorizada já que se trata de um "exemplo típico do meio especialmente preparado para influir na direção mental e moral dos que as freqüentam" (1959, p.20). Antes de desenvolver outras características do "como educar", na perspectiva de John Dewey, atrevo-me a questionar e ressignificar uma considerável contribuição de Jan Amos Comenius. O ensino de tudo a todos ou pampaedia por ele propagada é pontualmente ilustrada com a seguinte colocação: "Daqui para o futuro, deve-se, pois: (...) apresentar e explicar tão clara e detalhadamente tudo o que deve ser aprendido pelos alunos, que o tenham presente como os cinco dedos das próprias mãos" (COMENIUS¹ apud COVELLO, 1999). É difícil não admitir que esta e muitas de suas idéias permaneçam vivas e alcançaram a educação do século XXI. É possível até que, mais de trezentos anos depois de Comenius, alguns de seus princípios ainda nem puderam ser praticados na escola por incapacidade e imperícia de professores e educadores. Entretanto, sem desmerecer a obra do educador checo e compreendendo a sua posição sócio-histórica, as revoluções e leituras do mundo atual colocam em questão, o ensino detalhado de tudo a todos, conforme por ele proposto. 22 APRENDENDO A APRENDER - Eduardo Mendes Silva meio das quais a situação é melhorada se acham principalmente do lado do organismo (pois jamais estão totalmente de um lado) o processo implicado é chamado indagação (RUSSEL, 1982, p.377-8, grifo do autor). Em meio a um avanço exponencial dos mecanismos tecnológicos, o homem do século XXI, segundo Borges (2008), situa-se entre um volume de informações que não consegue assimilar e uma massa de mudanças que não consegue acompanhar. Além disso, apresenta mais interdependências do que o possível de se gerenciar. Completando todo este panorama um tanto instável e de desconfiança, Borges afirma que "nenhuma escola consegue preparar o aluno para todas as opções do mundo" (2008). A variedade de opções refere-se a uma gama igual ou maior de saberes. Refém dessa diversidade, o homem se vê incapaz de dominar todos os conhecimentos e, o que nos remete ao pensamento de Comenius, incapaz de ensinar tudo. Não se trata explicitamente do fim das nobres intenções da pampaedia, mas de uma reestruturação e ressignificação do termo. Se a tarefa de ensinar tudo a todos é comprometida pela velocidade de produção do conhecimento, ensinar a aprender surge como alternativa à questão. Oferecer autonomia para os educandos de modo que, diante de novos saberes ou das transformações do conhecimento, eles possam, por conta própria, buscar seu desenvolvimento e aprendizado, não é uma negação da escola às idéias de Comenius. Pelo contrário, a finalidade, ainda que mais distante, é a mesma. O "ensino de tudo" dá espaço para a "preparação para saber de tudo" ou para "o ensino de como saber de tudo". E é neste espaço da discussão a respeito de como educar e ensinar que encerro a argumentação, mais uma vez com o auxílio de John Dewey. A defesa da prática de ensinar a aprender pode ser fundamentada com o pensamento do educador norte-americano. Dewey desenvolve amplamente o significado e os efeitos da "indagação". Para ele, indagar é, antes de tudo, uma atividade organizadora. "A indagação é a transformação controlada ou dirigida de uma situação indeterminada em outra que é tão determinada em suas distinções e relações constitutivas que converte os elementos da situação original num todo unificado" (DEWEY apud RUSSEL, 1982, p.376). Ou, nas palavras de Bertrand Russel (1980): Ou seja, a indagação é uma ferramenta para ajuste da situação, do ambiente, da experiência. Indagar é uma prática que deve ser ensinada, praticada e estimulada em nossos educandos. Trata-se de um meio para a efetivação e potencialização do ensino e aprendizagem do aprender. Munir os alunos deste poderoso recurso é corroborar com os trajetos indicados tanto por Dewey como por Comenius. É possibilitar a ampliação das vidas destes educandos e permitir que os mesmos construam um conhecimento unificado, como a pansofia apresentada por Comenius. Restam-me, agora, considerações finais acerca de tudo que foi exposto. As grandiosidades das produções de Jan Amos Comenius e John Dewey seriam injustamente tratadas se qualquer avaliação ou análise das mesmas fosse baseada unicamente no presente texto. Dito isto, reforço a crença da educação como projeto social em Comenius e como requisito para renovação da vida em grupos, conforme Dewey. Assim justificada, a educação é, primeiramente, institucionalizada pela escola e deve, dada as transformações sociais, visar o ensino do aprender. O conceito de "indagação", proposto por Dewey, é um dos caminhos possíveis para possibilitar o aluno a estar "preparado para saber de tudo" ou para "o ensino de como saber de tudo", ressignificando, assim, a pampaedia exposta por Comenius e mantendo concordância com a idéia de que a educação, em Dewey, "consiste na contínua reconstrução da experiência por meio da qual o indivíduo se prepara para ter experiências mais significativas no futuro. A educação não tem outro objetivo senão mais educação" (SCHIMITZ, 1980, p.277). Apesar de pretencioso, na comparação, síntese e aplicação das idéias dos autores aqui trabalhados, a validade deste artigo, creio, está nas janelas abertas por estas linhas para discussões que gerem e somem efeitos práticos à educação. Penso que a teoria do Dr. Dewey poderia ser exposta da seguinte maneira: As relações de um organismo com o seu ambiente são, às vezes, satisfatórias para o organismo e, outras vezes, insatisfatórias. Quando são insatisfatórias, a situação pode ser melhorada por ajustamento mútuo. Quando as modificações por ¹ A obra de Covello apresenta uma seleção de textos de Comenius (COMENIUS, J. A. Große Didaktik. Stuttgart: Klett-Cotta, 1993) traduzidos por Dora Incontri. 23 Referências BORGES, Pedro Faria. Aprender a ensinar, ensinar a aprender. Palestra proferida no CONGRESSO DE EDUCAÇÃO, Rede Pitágoras, 23 fev. 2008, Florianópolis. COVELLO, S. C. Comenius: a construção da pedagogia. 3. ed. São Paulo: Comenius, 1999. DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1959. p.1-10. DEWEY, John. Experiência e Educação. São Paulo: Cia Editora Nacional, 19XX. p.1-10. RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidenal. Brasília: Universidade de Brasília; São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982. p. 363-382. SCHIMITZ, Egidio Francisco. O Pragmatismo de Dewey na Educação: Esboço de uma Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1980. 24 RELATO DE EXPERIÊNCIA A MÚSICA GERA GRANDES CONHECIMENTOS A iniciativa, escolha do tema e idealização de projetos pedagógicos por parte do professor dependem de um momento de dedicação e pesquisa intensa. Trabalhar um conteúdo que despertou interesse por parte das crianças nos conduz a novos desafios tão gratificantes quanto nossa prática docente. E este momento é o da descoberta dos caminhos a serem trilhados durante o processo de aprendizagem, deste podemos destacar os conteúdos, a metodologia, o material, a busca pelo novo e os elementos surpresa que nos deparamos durante o percurso. Quando da elaboração do projeto “Estilos Musicais” para a turma de 1º período, crianças na faixa etária de quatro anos, pensou-se em construir um conceito de estilo musical que buscasse enobrecer a base da nossa música, ressaltando músicos e histórias realmente importantes para nosso país. Na escolha dos estilos evidenciamos ritmos que em sua essência eram tipicamente brasileiros, como: o samba, o forró e o sertanejo, mas também levando em consideração o gosto das crianças, e desta forma abordamos o rock. Estabelecidos os ritmos, partiu-se para uma enquete com os pais para sugestão das músicas a serem apresentadas e/ou estudadas pelos alunos. Desta podemos selecionar várias, após verificar a letra das músicas, observando seu conteúdo, introdução de novos vocábulos e músico. Mas, com todas estas idéias na mão nos perguntamos: como lançar o novo projeto às crianças? O ponto-chave seria então aguçar o sentido da audição e mostrar às crianças a riqueza de sons que nos rodeiam e dos quais muitas vezes não nos damos conta. Através de CDs e caminhadas dentro e fora do ambiente escolar podemos perceber que existem dois tipos de sons: os naturais e os humanizados. Trovões, chuva, mar, cachoeira, vento, animais, produzem sons distintos e cada qual com sua preciosidade, aprendemos a admirá-los, pois causam uma sensação de bem-estar. Os sons humanizados: carros, portões eletrônicos, alarmes, Suzete Neves Pessi Graduada em Educação Física e em Letras Inglês (UFSC), tem especialização em Atividade Física e Saúde (UFSC) e Doutorado em Métodos de Investigação e Diagnóstico em Educação (Universidad Complutense de Madrid). Professora no CJA desde 2000, atualmente ministra aulas de Inglês, no período matutino, do 5º ao 9º ano e é professora da turma do 1º período vespertino. [email protected] 25 sirenes, palmas, mastigação, cadeiras arrastando, liquidificador e tantos outros que produzem multiplicidades de sons e que muitas vezes não nos causam tantos benefícios, nossa turma conseguiu vivenciar e distinguir estas duas realidades, e que por uma infelicidade há a predominância de um (humanizado) sobre o outro (natural). Neste momento procurou-se dar ênfase à distinção de alguns elementos como: alto e baixo, agudo e grave, ritmo, alegre e triste e brincadeiras para diferenciar sons de animais e voz dos colegas. Após este momento foram introduzidos os instrumentos e seus diferentes sons: pandeiro, chocalho, violão, cavaquinho, triângulo, tambor, bumbo, entre outros. E nesta brincadeira percebemos que alguns sons juntos formam as músicas e que estas músicas podem ser de estilos diferentes. E neste momento a visita a uma escola de música nos deixou ainda mais empolgados, pois podemos vivenciar uma aula de inicialização musical muito interessante. Atentos a estas diferenças as crianças percorreram diferentes caminhos. Aproximamo-nos do samba com uma ternura sem fim, e nos deliciamos ouvindo Noel Rosa e Adoniran Barbosa; viajamos pelo Rio de Janeiro e toda a sua boemia; sabemos também que existem tipos de samba, apreciamos os instrumentos, confeccionamos um chocalho e recebemos a vista de um grupo que nos fez mostrar o samba no pé. Saindo do Rio de Janeiro chegamos ao Nordeste brasileiro, uma região que nos oferece o Forró, tendo como seu grande representante Luiz Gonzaga. E que palavra engraçada, de onde veio Forró? Luiz Câmara Cascudo, um historiador, nos contou que ela é derivada de Forrobodó, uma palavra africana que significa festa. Nossa turma adorou conhecer a culinária e o artesanato nordestino, onde pudemos realizar um delicioso bolo e fazer nossas garrafinhas de areia. E em nossa representação da dança “Xote das Meninas” nos vestimos como verdadeiros nordestinos, chapéu de cangaceiro e saias de chita, nossos instrumentos também foram confeccionados por nós, a zabumba e a sanfona. Mas, ficamos tristes em saber que parte do nordeste sofre com problemas como miséria e seca. Nesta viagem nossa turma chega a um estilo muito conhecido dos brasileiros e que não predomina em uma só região de nosso país, mas no Brasil como um todo, e este estilo é o rock. Realizamos uma volta ao passado e começamos nosso trilhar na Jovem Guarda (anos 60), Raul Seixas (anos 70), Blitz (anos 80) e Jota Quest (anos 90 e dias atuais). Que legal foi tocar bateria, nos sentimos verdadeiros roqueiros e soltamos a voz no microfone. A visita de um casal tocando músicas da Jovem Guarda fez sucesso em nossa sala, principalmente quando eles nos ensinaram a música do Pica-pau. Do som forte do rock passamos a habitar a região centro-oeste do Brasil e a apreciar uma deliciosa moda de viola dos caipiras, o que hoje passou a se chamar de sertanejo. Passamos a admirar o homem do campo e toda a sua forma de viver, simples e natural, também discutimos sobre as práticas do rodeio e conseguimos fechar nosso projeto com um delicioso carreteiro com feijão tropeiro, onde tivemos a participação de nossos alunos com suas famílias. Acredito que este será um projeto que ficará para sempre em minha memória, pois quando tracei os primeiros objetivos, pude perceber ao longo da caminhada que tudo o que eu buscava estava indo além do programado, e esta emoção é inigualável, pois obtive um retorno muito positivo, em falas, em gestos, em comentários, nos sorrisos, na dedicação e no prazer que meus alunos transmitiam em seus olhares. 26 Rua Abílio Costa, 69 - Santa Mônica Fpolis /SC - CEP: 88037-150 (48) 3234-5174 / 3028-0225 www.cjanchieta.com.br