Artigo Completo

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Relato de caso
Oniquite lupóide isolada em cão: Relato de Caso
Isolated lupoid onychitis in a dog: a Case Report
Suzana Evelyn Bahr Solomon - Médica veterinária, mestranda da PUCPR
Rodrigo Friesen – Mestrando da PUCPR
Marconi Rodrigues de Farias – Médico Veterinário, Mestre, Doutorando, Professor adjunto I Semiologia, Clínica Médica e Cirúrgica de Animais de Companhia da PUCPR
Juliana Werner – Médica Veterinária, Mestre, Laboratório Werner&Werner
Vínícius Caron – Residente da Clínica Cirúrgica da PUCPR
Grazielle Cristina Garcia Soresini – Mestranda da PUCPR; E-mail: [email protected]
Solomon SEB, Friesen R, Farias MR, Werner J, Caron V, Soresini GCG. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de
Estimação 2009; 7(23); 467-469.
Resumo
A Oniquite Lupóide (OL) é uma síndrome que afeta várias unhas e leitos ungueais, conduzindo a
onicomadesia, onicodistrofia e onicalgia, sendo a presença de onicorrexis e onicosquizia variáveis.
Acredita-se que sua etiologia seja idiopática, porém sua fisiopatologia pode estar correlacionada a distúrbios auto-imunes, farmacodérmicos ou a hipersensibilidade a trofoalérgenos. Várias raças já foram
descritas como predispostas, sendo cães jovens, de meia idade e adultos mormente acometidos, sem
aparente predisposição sexual. O presente estudo descreve um caso de OL isolada em uma cadela da
raça Yorkshire Terrier, de 12 anos de idade, a qual apresentava um excessivo crescimento da unha do
quarto dígito do membro pélvico esquerdo, onicalgia e claudicação com evolução de seis meses.
Palavras-chave: Cães, unhas, onicodistrofia, onicogrifose
Abstract
Lupoid Onychitis is a syndrome that affects several nails and nail beds, leading to onychomadesis,
onychodystrophy and onicalgia, and the presence of onychorrhexis and onychoschizia are variables.
It is believed that the etiology is idiopathic, but its pathophysiology may be correlated with autoimmune disorders, pharmacodermias or hypersensitivity to drugs or food allergens. Several races have
been described, with young, adult and middle-aged dog´s particularly affected, with no apparent sex
predisposition. This study describes a case of isolated Lupoid Onychitis in a dog Yorkshire Terrier, 12
years of age, who presented an excessive growth of the nail of the fourth digit of the left pelvic limb,
pain and lameness with the evolution of six months.
Keywords: Dogs, claws, onychodystrophy, onychogryposis
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Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23);467-469.
Oniquite lupóide isolada em cão: Relato de Caso
Introdução e revisão de literatura
A Oniquite Lupóide (OL) é uma síndrome descrita em
cães, caracterizada por onicalgia, claudicação, onicomadesia
e recrescimento distrófico das unhas ou hiponíquia. Esta foi
descrita primeiramente em 1992, por Scott et al. (1), apresentando similares aspectos histopatológicos com o lúpus eritematoso (1,2,3,4).
Embora a OL possua etiologia idiopática, há suspeita que
sua fisiopatologia possa estar relacionada a distúrbios autoimunes ou ocorrer como hipersensibilidade a trofoalérgenos
ou a fármacos (1,3,4,5). Inúmeras raças foram descritas, porém o Pastor Alemão, parece ser predisposto (1,6,7). A idade
de ocorrência é variável, tendendo a acometer cães entre um
e seis anos de idade e de ambos os sexos (4,6).
Descreve-se um caso de OL de forma isolada em um cão
da raça Yorkshire Terrier, fêmea, de 12 anos de idade, descrevendo seus aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos.
Relato do caso clínico
Um cão da raça Yorkshire Terrier, fêmea, de 12 anos de
idade, foi atendida na Unidade Hospitalar para Animais de
Companhia da PUCPR apresentando excessivo crescimento
ungueal isolado em membro pélvico esquerdo associado à
dor e claudicação de apoio intermitente, com evolução de seis
meses. Em adição, o animal apresentava poliúria, polidipsia,
polifagia, ganho de peso e histórico pregresso de dermatopatia alérgica, sendo submetido ao uso regular de corticóides
sistêmicos.
Ao exame clínico foi constatado macroníquia do quarto
dígito do membro pélvico esquerdo associada a onicogrifose,
onicalgia, onicodistrofia, melanoníquia e xerose (Figuras 1 e 2).
Fragmentos da unha foram submetidos à cultura fúngica e bacteriana, que resultaram negativas. A avaliação radiográfica do
dígito acometido não demonstrou alterações ósseas. Afora as alterações ungueais supradescritas, a paciente apresentava distensão abdominal associadas à atrofia tegumentar, disqueratose e
hiperpigmentação, sendo através de múltiplos exames complementares unido ao histórico clínico estabelecido o diagnóstico
de hiperadrenocorticismo iatrogênico.
Figura 1: Onicogrifose, onicodistrofia, macroníquia e melanoníquia em
um cão Yorkshire Terrier, fêmea, de 12 anos de idade com Oniquite
Lupóide isolada no quarto dígito do membro pélvico esquerdo.
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Figura 2: Note a quinta unha do membro pélvico esquerdo normal,
porém associada a paroníquia, em comparação com a quarta unha
acometida por Oniquite Lupóide isolada.
Para consecução diagnóstica, a amputação a partir da falange média do dígito acometido foi realizada com a anuência do proprietário, e encaminhada para avaliação dermatohistopatológica, a qual demonstrou degeneração hidrópica
da camada basal do epitélio ungueal, incontinência pigmentar e dermatite de interface liquenóide, com infiltrado inflamatório intersticial, predominantemente linfocítico (Figuras
3 e 4). Os achados histológicos unido aos sinais clínicos subsidiaram o diagnóstico de OL na forma isolada.
Após amputação do dígito acometido não houve evidência de envolvimento de outras unhas com um ano de acompanhamento clínico. A paciente foi submetida à exclusão
dietética com proteína original e ração hidrolisada, porém
não apresentou involução do prurido, sendo indicado, afora
a terapia tópica hidratante, teste alérgico cutâneo de leitura
imediata e imunoterapia alérgeno-específica ou utilização de
fármacos imunossupressores de uso contínuo com menores
colateralidades. O proprietário não aderiu estas últimas recomendações, fazendo o uso intermitente de glicocorticóides
durante crises de prurido.
Figura 3: Fotomicrografia de Oniquite Lupóide em cão. O epitélio do
leito ungueal exibe intensa degeneração hidrópica da camada basal
com presença de muitos ceratinócitos necróticos. O cório subjacente
apresenta infiltrado inflamatório monomorfonuclear em faixa
(Hematoxilina e Eosina de Harris. Aumento de 200x).
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 468-469.
Oniquite lupóide isolada em cão: Relato de Caso
Figura 4: Mesma imagem histológica anterior, porém em
maior aumento. Notar o padrão histopatológico de interface
liquenóide (Hematoxilina e Eosina de Harris. Aumento de 400x).
Discussão
Usualmente a OL está associada com onicólise, onicomadesia sem paroníquia e subseqüente oncodistrofia, afetando
várias unhas, evoluindo de forma simétrica, sendo uma afecção potencialmente dolorosa e debilitante (4,6). A ocorrência
de onicorrexis é variável e em alguns casos pode ser o único
sintoma presente (6). No presente caso, apenas uma unha foi
acometida, sendo possível que o hipercortisolismo tenha influenciado na não progressão da doença para as outras unhas.
De acordo com a literatura, não há descrição de uma onicodistrofia similar a OL em seres humanos, embora estes apresentem várias doenças que transcorrem com onicopatias, tais
como lúpus eritematoso discóide e sistêmico, dermatomiosite,
eritema multiforme, psoríase e dermatite liquenóide (7).
Nos cães, a OL não demonstra consenso sobre sua etiologia, porém fatores imunológicos ou auto-imunes podem
estar correlacionados, já que muitos casos são responsivos à
corticoterapia imunossupressora (1,6,7).
Os diagnósticos diferenciais da OL são o pênfigo foliáceo, pênfigo vulgar, penfigóide bolhoso, lúpus eritematoso
cutâneo e sistêmico, erupção medicamentosa e vasculites. O
diagnóstico definitivo deve ser fundamentado na exclusão
de outras onicopatias e no exame histopatológico da unha e
leito ungueal, obtidos a partir de onicectomia, amputação de
falange (4,8) ou onicobiópsia sem onicectomia (9).
Dermatite de interface liquenóide linfoplasmocítica com
apoptose e degeneração dos ceratinócitos basais, espongiose e
exocitose linfocítica, incontinência pigmentar e edema dermal
são sugestivos de OL (6). Na região da derme, um infiltrado
de células mononucleares apresenta maior predominância de
linfócitos B e T (8). Achados histopatológicos da OL se assemelham ao lúpus eritematoso, porém o teste de imunofluorescência direta não revela uma banda de lúpus e os sinais
clínicos restringem-se às unhas e leitos ungueais (1,7,8).
O tratamento ideal da OL não está bem estabelecido até
o momento. Alguns autores sugerem o uso de ácidos graxos
(ômega 3 e 6), porém com respostas variáveis entre alguns
estudos (2,6,10,11). Com semelhança as doenças imunomediadas, como lúpus eritematoso e pênfigo foliáceo, o uso de
tetraciclina associada a niacinamida parece ter sido efetivo em
dois grupos de cães com OL estudados por Mueller et al. 2003
(10) e Auxilia et al. 2001 (2). Da mesma forma, a corticoterapia
imunossupressora com prednisona também se mostrou eficaz,
porém devido a seus efeitos colaterais deve ser evitada em protocolos de uso contínuo (6,7,10). Outras opções terapêuticas incluem o uso de Clofazimina, associado ou não a pentoxifilina
(3,10). No presente estudo, apesar de não ter ocorrido resolução espontânea já descrita por alguns autores (3,6), não houve
necessidade de terapia sistêmica devido à amputação do dígito
acometido e pela ausência de acometimento de outras unhas.
Conclusão
Ainda não há um consenso sobre a etiologia da OL, entretanto já está comprovado que fatores genéticos são determinantes para o aparecimento desta doença, que afeta
principalmente cães da raça Pastor Alemão. As alterações
dermato-histopatológicas que classificam esta síndrome já foram bem estabelecidas por vários autores, dados que, aliados
aos achados clínicos, corroboraram com o diagnóstico de OL
do cão estudado.
Esta onicopatia é descrita como uma afecção que afetas
as unhas de forma simétrica, entretanto alguns casos, assim
como descrito no presente estudo, não atinge todos os dígitos. Ainda, à semelhança dos bons resultados obtidos com
corticoterapia em pacientes com OL previamente estudados,
o hipercortisolismo apresentado pelo cão descrito nesse trabalho pode ter sido um fator decisivo na minimização dos
sinais clínicos.
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Recebido para publicação em: 02/02/2010.
Enviado para análise em: 02/02/2010.
Aceito para publicação em: 10/02/2010.
Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 469-469.
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