relato de julio cortázar
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O INSÓLITO E AS MANIFESTAÇÕES DO EXÍLIO EM “O PERSEGUIDOR” RELATO DE JULIO CORTÁZAR Karina Stoeglehner (IC-CNPq, Dep. LEM, Universidade Estadual de Londrina) [email protected] Amanda Pérez Montañéz (Orientadora, Dep. LEM, Universidade Estadual de Londrina) [email protected] INTRODUÇÃO A narrativa fantástica caracteriza-se pela constante presença do elemento insólito que, além de causar assombro, terror, inquietação e medo no leitor, não possui explicação. A hesitação gerada pela presença do sobrenatural na narrativa é tão grande sob o leitor que este, por sua vez, não consegue classificar se aquilo faz ou não parte do mundo real. O fantástico existe, então, na eterna dúvida diante do irreal, do insólito. O fantástico, segundo Todorov: “é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1975, p. 31) No entanto, a narrativa de Julio Cortázar, em “O perseguidor” (1959) – onde o personagem principal percebe o seu próprio eu de maneira fragmentada e tenta construir a sua identidade a partir da procura de uma nova realidade, situada em uma dimensão paralela – se diferencia das outras narrativas por dois aspectos: primeiramente, o termo que a melhor define é “neofantástico”, delimitado por Jaime Alazraki (2001), o autor explica que nesse novo fantástico o objetivo é apresentar uma nova realidade ao leitor, que estava escondida atrás de realidade dita como “normal”, sem causar-lhe medo, terror, assombro e inquietação diante do elemento sobrenatural. Já em um segundo momento a narrativa de Cortázar busca um reflexão sobre o conceito da imagem interior, ou seja, como o personagem percebe o seu próprio eu e constrói a sua identidade. Sendo assim, o fantástico é manifestado na inquietação do personagem em relação ao elemento insólito e a ruptura que este causa na sua percepção de si. OBJETIVOS O objetivo geral é analisar e estudar como Julio Cortázar utiliza a vivência do exílio e do insólito, apresentadas pelo questionamento metafísico do próprio eu e da realidade como meio para construção desta narrativa, além de difundir a obra de Cortázar e também contribuir para os estudos do neofantástico no Brasil. METODOLOGIA Como referencial teórico foram utilizadas as seguintes obras: ALAZRAKI (1983, 2001), ROAS (2011, 2012) e TODOROV (1975) no que diz respeito ao fantástico, e sobre o exílio, CORTÁZAR (2013), MALHEIRO (2004) e MONTAÑÉZ (2013). Primeiramente se realizou o estudo da obra “Introdução à literatura fantástica” (1975) , na qual Todorov faz a delimitação da narrativa fantástica e suas características. Em seguida se estudou “En busca del unicórnio: los cuentos de Julio Cortázar” (1983), onde Alazraki ao fazer uma análise estrutural das narrativas de Cortázar propõe o termo “neofantástico” ao observar que muitas delas tinham o objetivo de apresentar uma nova realidade ao leitor e não causar-lhe medo como o fantástico. Em relação ao exílio as obras estudas ajudaram a definir a situação de exílio interior e suas manifestações em “O perseguidor”. Em “Vozes do exílio e suas manifestações nas narrativas de Julio Cortázar e Marta Traba” (2013), Montañéz analisa o conceito de exílio e explica a condição de não pertencer a lugar nenhum, e no artigo "A imagem do eu/outro em alguns contos contemporâneos” Malheiro expõe como a vivencia do exílio interior apresenta-se na obra de Cortázar. Imagem 1 – As armas secretas (BERNÁRDEZ, Aurora; ÁLVAREZ GARRIGA, 2014, p.30) RESULTADOS Publicado em 1959, no livro “As amas secretas” de Julio Cortázar, a narrativa “O perseguidor” conta a história de Johnny Carter, um saxofonista brilhante que vê a sua vida ter uma mudança radical a partir da percepção da existência do insólito. A história é narrada por um amigo de Johnny – Bruno – que está escrevendo a sua biografia, e mostra os mais profundos questionamentos sobre a realidade e irrealidade de Johnny. Primeiramente, cabe ressaltar, que essa narrativa é construída por Cortázar ao contrário, normalmente o elemento insólito é exterior ao personagem, ou seja, o sobrenatural influência no seu conceito de realidade provocando, assim, a modificação na percepção de mundo e realidade: “Essa é a razão básica do relato fantástico: revelar algo que vai transtornar nossa percepção de realidade. Sem esquecer, que o fenômeno impossível é sempre colocado como uma exceção” (ROAS, 2011, p.49, tradução nossa). Porém, em “O perseguidor” o sobrenatural apresenta-se de modo inverso, já que o protagonista, Johnny Carter, deseja que o insólito esteja na sua vida, isso é exposto na obra ao lon Centro de Letras e C Ciências Humanas longo do conflito interno que o personagem Imagem 2 – Julio Cortázar vive, fazendo-o sempre esforçar-se para revelar as pessoas uma realidade nova e insólita. há, portanto, uma quebra da estrutura convencional do relato fantástico e neofantástico. “tinha bastante consciência para sentir que era tudo feito uma gelatina, que tudo ao redor tremia que só precisava prestar um pouco de atenção [...] Mas eles [...] não viam nada, aceitavam o já visto por outros (CORTÁZAR, 2012, p. 101,102). Há, portanto, uma quebra da estrutura convencional do relato fantástico e neofantástico e também da temporalidade, uma das formas que o elemento insólito apresenta-se. O protagonista sempre faz (BERNÁRDEZ, Aurora; ÁLVAREZ alusões ao tempo, o primeiro contato de GARRIGA, 2014, p.140) Johnny com o sobrenatural. O tempo na narrati narrativa torna-se “elástico”, fazendo com que um acontecimento que na realidade “normal” dura segundos venha a se prolongar indefinidamente “A música me tirava do tempo [...]Se você quiser saber o que eu realmente sinto, acho que a música me punha no tempo [...] quando comecei a tocar, ainda menino, entendi que o tempo mudava”(CORTÁZAR, 2012, p.78, 79). Em “O perseguidor” Johnny Carter sempre deixa o plano temporal normal, aos demais personagens e ao leitor, para entrar em um plano e tempo paralelo, ou seja, atemporal, revelando a presença do desconhecido, algo que Johnny apenas consegue deslumbrar e que passa a perseguir. Essa “conexão” entre realidades paralelas e o conflito que há entre elas, assim, como a perseguição ao desconhecido desvendam, ao decorrer da narrativa, a presença do “outro” que há em Johnny e que apenas ele consegue perceber, como fica evidente no seguinte fragmento: Ontem à noite aconteceu de eu me olhar neste espelhinho, e garanto que foi tão terrivelmente difícil que quase me jogo da cama. Imagine que você está se vendo; só isso basta para ficar frio durante meia hora. Na verdade esse cara não sou eu, no primeiro momento senti claramente que não era eu. Agarrei-o de surpresa, de banda, e soube que não era eu. Eu senti isso, e quando a gente sente alguma coisa... (CORTÁZAR, 2012, p.103). A desordem interior vivida pelo personagem, que o coloca em exílio, é refletida na intervenção e conflito entre as duas realidades. Segundo Malheiro, (2004) nos contos de Cortázar o “eu” é sempre a busca de um ser fragmentado por um estado de complementaridade que os levam à “desintegração do tempo”. “Não, não são as palavras, é o que está nas palavras, essa espécie de cola-tudo, essa baba [...] E as pessoas não entendem que a única coisa que aceitam é a baba, e por isso acham tão fácil se olhar no espelho” (CORTÁZAR, 2012, p.103). A procura pela identidade nesta narrativa se apresenta pela fragmentação e a desintegração do eu interior do personagem, refletida na própria linguagem do relato. A narrativa fantástica é totalmente subversiva, pois obriga o código linguístico a descrever o inexistente, alterando “a representação da realidade estabelecida pelo sistema de valores compartido pela comunidade ao sugerir a descrição de um fenômeno impossível dentro desse sistema” (ROAS, 2011, p.132, tradução nossa). Em “O perseguidor” a presença da metalinguagem permite que o autor, Julio Cortázar, exponha os seus próprios questionamentos sobre a linguagem. A imagem do escritor é refletida na outra identidade de Johnny (ARRIGUICCI JUNIOR, 1995,p.22), sendo que, tantos as indagações do personagem quanto de Cortázar ficam sem serem respondidas, já que ao final da narrativa o protagonista e o seu “eu interior” morrem, sem jamais terem conseguido a complementariedade, levando os sinais da interferência do autor na narrativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Renovadora e desafiante, a leitura de “O perseguidor” propõe uma nova ordem de estrutura narrativa, obrigando o receptor a aceitar uma nova regularidade, na qual o personagem não serve o insólito (sofrendo as suas consequências), mas o experimenta como símbolo da consciência completa da realidade. O tempo é o elemento que leva o protagonista ao insólito. Devido a percepção das mudanças no tempo é que Johnny descobre o seu “ser” e passa a persegui-lo. Já a metalinguagem é um recurso narrativo utilizado por Cortázar para expressar os seus mais profundos questionamentos, tornando, assim o texto “autodestrutivo” (ARRIGUCCI JUNIOR, 1995, p.21), pois, primeiramente rompe a estrutura básica dos relatos fantásticos, em um segundo momento critica a “realidade” que a linguagem tenta expressar, e por último destrói as realidades vividas pelo personagem. BIBLIOGRAFIA ALAZRAKI, Jaime. En busca del unicornio: los cuentos de Julio Cortázar. Elementos para una poética de lo neofantástico. Madrid: Editorial Gredos, 1983. (Colección Biblioteca Románica Hispánica. II. Estudios y Ensayos, 324). ______. ¿Qué es lo neofantástico? In: ROAS, David. Teorías de lo fantástico. Madrid: Arco/Libros. 2001. ARRIGUCCI JUNIOR, David. O escorpião encalacrado: A poética da destruição em Julio Cortázar. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 54 – 58 BERNÁRDEZ, Aurora; ÁLVAREZ GARRIGA, Carles. Cortázar de la A a la Z: Un álbum biográfico. Buenos Aires: Alfaguara, 2014. p. 30, 140. CORTÁZAR, Julio. O perseguidor .In:______. As armas secretas. Rio de Janeiro: BestBolso, 2012. p.132-158. ______. Clases de literatura:Berkeley, 1980. Bogotá: Alfaguara, 2013. ROAS, David. Tras los límites de lo real: Una definición de lo fantástico. Madrid: Editorial Páginas de Espuma, 2011. ______. Cronologías alteradas. La perversión fantástica del tiempo. In: BATALHA, Maria Cristina. Vertentes teóricas e ficcionais do insólito. Rio de Janeiro: Editora Caetés, 2012. p.106-113 MALHEIRO, Helena . "A imagem do eu/outro em alguns contos contemporâneos", Estudos Literários / Estudos Culturais, Actas do IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura Comparada (Universidade de Évora, Maio 2001), Associação Portuguesa de Literatura Comparada / Universidade de Évora, CD-ROM, 2004, vol. II. MONTAÑÉZ, Amanda Pérez. Vozes do exílio e suas manifestações nas narrativas de Julio Cortázar e Marta Traba. Londrina: Eduel, 2013. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria C. C. Castello. São Paulo: Perspectiva, 1975.
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