É Do Baralho - ECO - Escola de Comunicação :: UFRJ
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É Do Baralho - ECO - Escola de Comunicação :: UFRJ
1 NO 13 - 2008/1 JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ - número 13 - 2008/1 ojornal 2008-1ok.pmd 1 26/3/2009, 17:17 2 NO 13 - 2008/1 Tarô: questão de ponto de vista A pergunta é corriqueira e, muitas vezes, aguarda uma resposta tão imediata quanto ela mesma. Quem joga tarô sabe que algumas mulheres enamoradas que se entregam às cartas para conhecer um pouco mais do presente e do futuro raramente resistem à tentação de questionar: “Mas eu vou me casar com ele?”. Para essa e outras questões diretas, como “devo sair do emprego?” ou “estou sendo traído?”, existem múltiplas respostas. Há quem coloque as cartas e responda “sim” ou “não”, mas outros preferem usar o tarô para dar indicações e mostrar tendências relacionadas à pergunta. Bom para quem quer ouvir as cartas e pode escolher o que quer do tarô. Um jogo de oráculo, caminho para o autoconhecimento, conjunto de arquétipos, símbolos da sabedoria, alfabeto mágico, fonte de inspiração divina para a vida terrena? Não existe consenso sobre o que é o tarô e são variadas as formas de jogálo. Além de existirem dezenas de baralhos, com interpretações gráficas diferentes para cada um dos 22 arcanos maiores (as principais cartas, que se somam aos 56 arcanos menores), desenvolvidas em centenas de anos, são muitas as explicações para a origem do jogo. Muitas teorias apontam como surgimento do tarô a criação de um baralho, no início do século XV, no norte da Itália, usado para o chamado Jogo de Triunfos. As cartas dos arcanos maiores teriam aparecido, então, como cartas de triunfo, para uso lúdico. Há, ainda, correntes que afirmam que a simbologia das cartas teria sido usada por sábios para transmitir certos conhecimentos místicos, proibidos na época. Mas a complexidade e a riqueza do tarô são fatos incontestáveis, que se relacionam com a história dos jogos, a mística cristã, a astrologia, a psicologia, a cabala judaica e o ocultismo. Basta entrar em qualquer livraria para se dar conta disso. São trocentos livros de tarô e isso, tarô e aquilo, desde santos e cristais até mapa astral e Jung, o psiquiatra suíço que tantas vezes recorreu aos arquétipos em suas teorias. Pois isso também não se pode negar. O tarô e seus 22 arcanos maiores relacionam arquétipos humanos, como o homem poderoso, representado pelo Imperador, ou o homem em harmonia com a natureza, presente na carta da Estrela. Os arcanos têm essências, que também podem assumir diferentes facetas. A mais versátil ou ambígua e, por isso mesmo, instigante dessas cartas é o Louco, que pode ser a primeira ou a última do baralho. Ela é o zero, início ou fim; é o homem em estado bruto, sem limite, primitivo. Não se tem no tarô uma imagem negativa do Louco, como se poderia pensar no senso comum. O Louco de cada um seria pura possibilidade. Ele passa pelos outros 21 arcanos e segue aprendendo, como o homem que percorre diferentes estágios da vida. O Louco, trajado como o bobo da corte, é um Dom Quixote de La Mancha. Está livre para viajar e transformar. Mas como isso se encaixa na vida de quem quer saber se vai casar ou vai mudar de emprego depende de quem faz a leitura. A carta sem lugar fixo no tarô, o Louco, foi a única dos arcanos maiores a integrar o baralho convencional, usado para jogos como buraco ou pôquer. O curinga, trunfo ou joker é um vestígio dos baralhos com símbolos e tem origem na representação do Louco. As outras cartas de baralho usadas em jogos e os naipes surgiram a partir dos 56 arcanos menores, que eram divididos, de acordo ojornal 2008-1ok.pmd 2 com os quatro elementos, em paus (fogo), ouros (terra), espadas (Ar) e copas (Água). Cada naipe reunia dez cartas numeradas e quatro cartas com figuras: Rei, Rainha (ou Dama), Cavaleiro ou Valete. O baralho de hoje suprimiu o Cavaleiro. No jogo do tarô, os arcanos menores podem ser ou não usados para complementar a leitura das cartas. Na variável Mandala Astrológica, o cruzamento das cartas dá maiores detalhes para as tendências levantadas na leitura. Mas, novamente, as respostas são fruto das interpretações e da visão do jogo de quem está fazendo o jogo. Em uma visão mais prática e, digamos, adivinhatória, a carta do Louco pode indicar ação e criatividade na questão perguntada. Uma abordagem mais espiritualista tende a elaborar idéias sobre a inspiração divina que o Louco recebe para a vida terrena. Já uma corrente que associa o símbolo da carta às pessoas que podem estar envolvidas na situação da vida de quem está se consultando pode apontar o surgimento de alguém alegre, extrovertido, um artista. O desenho do Louco no baralho de Marselha, considerado o mais clássico e próximo do tarô “original”, mostra um homem, com uma trouxa pendurada sobre os ombros, um cachorro e uma rosa na mão, caminhando, despreocupadamente, em direção a um abismo. São muitas as representações do Louco e dos outros arcanos em baralhos como Papus, Espanhol, Golden Dawn, Gnóstico, Thot, Rider-Waite ou Etteilla, entre tantos outros. Uma editora alemã % sim, os alemães também praticam o tarô % chega a oferecer 108 baralhos diferentes em seu site. O baralho de Conver, por exemplo, suprime o abismo e a rosa na figura do Louco. Outra versão mostra-o pulando o abismo sobre um cavalo, com a trouxa e o cachorro. Enquanto isso, alguns ilustram o Louco com a calça rasgada na parte de trás. Uma das variações tem o Louco, literalmente, com o traseiro à mostra. No baralho de Marselha, ele caminha para a esquerda; em outros, caminha para a direita. A diferença pode parecer sutil, mas influi diretamente na leitura das cartas. Para que lado você tende na vida? Direita ou esquerda? Seja lá o que isso signifique hoje... LIVRE INTERPRETAÇÃO Neste jornal, livre e interpretação tornaramse palavras de ordem. Partiu-se do baralho do tarô, conhecido no mundo inteiro, para abordar um tanto de vários universos particulares. Mesmo a carta O Mundo, que poderia abarcar de tudo, chegou a um ambiente bem específico: os condomínios super equipados da Barra da Tijuca, com tamanha oferta de serviços que acabam mantendo seus moradores constantemente dentro de seus limites. Os arcanos-textos passam pelos mágicos de festa infantil (O Mago); a carnavalesca Rosa Magalhães (A Imperatriz); os casais eter nos namorados que vivem em casas separadas (Os Enamorados); o serviço de carro de mensagens ao vivo (O Carro); a lentidão de processos judiciais (A Justiça); a sociofobia de quem sofre do Transtorno de Ansiedade Social (O Ermitão); quanto se paga para morrer (A Morte); os inferninhos (ou infernões) de Copacabana (O Diabo); o prédio mais alto do Rio, a torre do shopping Rio Sul (A Torre); jurados toscos de concursos (O Julgamento) e os fanáticos membros de inusitados fã-clubes (O Louco), entre vários outros assuntos, jamais escolhidos arbitrariamente. Todos frutos da mais profunda interpretação. Escolha suas cartas e boa leitura. 26/3/2009, 17:17 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor Aloisio Teixeira ESCOLA DE COMUNICAÇÃO Direção Ivana Bentes Coordenação do Curso de Jornalismo Ana Paula Goulart Núcleo de Imprensa Elizabete Cerqueira coordenação executiva Cecília Castro programação visual número 13 - 2008/1 Informativo produzido pelos alunos da Escola de Comunicação da UFRJ Orientação acadêmica e de texto Maurício Schleder Paulo Roberto Pires Coordenação editorial André Motta Lima Coordenação gráfica e design Cecília Castro Assessoria de Imprensa Elizabete Cerqueira Apoio SG-6 PR-1 Divisão Gráfica da UFRJ Este número foi produzido com matérias elaboradas pelos alunos da disciplina Jornal Laboratório. As fotografias e ilustrações são de responsabilidade exclusiva dos alunos. Término em 10/7/2008. TIRAGEM: 1.000 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA 3 NO 13 - 2008/1 Tem louco pra tudo O que RBD, Marlene e Google têm em comum? Um fã-clube Carolina Souza Foto: Carolina Souza Sexta-feira de sol. Uma multidão lotava a porta da Arena HSBC, em Jacarepaguá, para o show da banda mexicana RBD. Fãs se espremiam na fila para conseguir um lugar perto de seus ídolos. Nathália Campos, presidente do Fã-clube Eternamente RBD, estava na fila desde as 10 horas da manhã. O show só iria começar às 19 horas. A banda, em turnê mundial, veio do México para o show. Mas não foi a única que precisou viajar para o evento. Nathália e seus companheiros de fã-clube vieram de Valença (interior do Rio de Janeiro) especialmente Multidão lota a porta do show do RBD para ver o RBD. Apesar da espera, os fãs não se deixavam abater. Cantavam, dançavam e se divertiam com a expectativa. Muitos estavam vestidos a caráter, fantasiados iguais aos integrantes da banda. Havia também uma banda cover, Nathália com a faixa que levou para seus ídolos que entretia o público, sendo muito aplaudida após cada performance. A Os integrantes do fã-clube de podia realizar projetos culturais, pois euforia se completava na hora do show. Felipe nunca conseguiram se comuni- não era uma entidade jurídica. Alguns Fãs tentavam invadir o palco em bus- car com os donos do Google, receben- dos fãs resolveram, então, criar a ca de algum contato mais próximo com do apenas respostas automáticas em AMAR para poder ter mais liberdade seus ídolos. Impedidos seus emails. No en- de atuação. A sede está localizada no por seguranças, eles, tanto, por causa do Rio de Janeiro, mas fãs de diversas ainda assim, tentavam “As pessoas pensam fã-clube, Felipe rece- partes do Brasil são associados. Alentregar presentes em sua caixa de guns, inclusive, moram em outros paíque ter um fã-clube é be para os integrantes da email, quase todos ses, como Estados Unidos, Argentina banda. brincadeira. Para a os dias, dúvidas so- e França. Apesar dos enSão muitas as atividades dos fãs. bre o Google ou pegente é coisa séria”, contros freqüentes, Eles fazem encontros, festas e jantadidos. diz Nathália, muitas das atividades – Como se eu res para poderem socializar. A própria do fã-clube de presidente do fã-clube tivesse algum conta- Marlene muitas vezes participou desNathália são feitas to ou poder dentro ses encontros. Em maio, ocorreu o lando RBD. pela internet, como o do Google. – ironiza çamento de um DVD da Marlene. Foi envio de carteirinhas a AMAR que propôs ao Ministério da Felipe. aos associados e o cadastramento de No entanto, não são todos os ído- Cultura a criação desse DVD. novos fãs. Hoje em dia, as facilidades los que ignoram a existência dos fãs. O Eternamente RBD conseguiu da internet são tantas que a existên- Um fã-clube que não tem dificuldade o reconhecimento de seus ídolos há cia de fã-clubes não se limita ao mun- alguma de acesso a seu ídolo é a Asso- pouco tempo. O fã-clube existe há do real. No mundo virtual, até site da ciação Marlenista do Rio de Janeiro um ano e meio, mas só foi oficializainternet tem direito a fã-clube. O (AMAR). A Associação é muito mais do há dois meses. Nathália ainda não Google, hoje o maior provedor de bus- do que uma simples junção de fãs. Cri- conseguiu conhecer sua banda preca da internet, chegou a ter um fã-clu- ada em 1986 para homenagear a can- ferida pessoalmente, mas tem be com aproximadamente 1000 tora de rádio Marlene, a AMAR é uma esperanças que isso ocorra, agora que associados. Os encontros, porém, eram empresa (com CNPJ) sem fins lucrati- seu fã-clube se tornou oficial. apenas virtuais. vos, que tem o objetivo de organizar – É muito difícil oficializar um fã– A idéia surgiu porque o Google projetos culturais e eventos relaciona- clube. Nós tivemos que conseguir a é o melhor buscador do mundo, e não dos à cantora. autorização da produção do RBD no havia fã-clube ainda em português. Antonieta de Carvalho, criadora México. E temos que enviar relatórios explica Felipe Micaroni, o presidente e presidente há 16 anos, explica que o para a produção, pelos menos uma vez do Fã-clube Mundo Google. fã-clube original (criado em 1953) não por mês. – explica Nathália. ojornal 2008-1ok.pmd 3 26/3/2009, 17:17 Todos os 352 associados têm que ser cadastrados e ter uma carteirinha com nome e foto. E o fã-clube tem que realizar encontros todo mês com, no mínimo, cinco pessoas. – As pessoas pensam que ter um fã-clube é brincadeira. Para a gente é coisa séria. – afirma Nathália. Antonieta também leva suas atividades muito a sério. Mesmo trabalhando como funcionária pública, ela dedica grande parte de seu tempo a AMAR. Além dos projetos culturais, ela – junto com outros integrantes participa de projetos sociais, visitando creches e entidades todo ano para fazer doações. Segundo ela, foram os fãs que incentivaram Marlene a se engajar mais socialmente. A Associação Marlenista também ampliou recentemente seu estatuto (que era voltado somente para a Marlene) para poder agenciar e produzir artistas, exercer empresariado e organizar grandes eventos culturais. No entanto, como é uma entidade sem fins lucrativos, esses serviços não são cobrados. Antonieta está, no momento, organizando um evento musical na Sala Baden Powell, em Copacabana. Ao contrário do fã-clube da Marlene, que existe há anos, nem todo fãclube é eterno. Apesar do sucesso que fazia, o Mundo Google está hoje extinto. – O iG (provedor de internet) roubou o nosso site e hoje não podemos mais modificá-lo. Quando o hpG (hospedagem de sites do iG) foi extinto, quase todas as páginas foram apagadas, mas eles mantiveram o fã-clube do Google, talvez porque lhes rendessem muitos acessos. Infelizmente perdemos o direito de modificar o site, o que o deixou paralisado e depois, extinto de uma vez. – explica Felipe. No entanto, mesmo com o fim do Mundo Google, o sucesso não acabou. Felipe ainda recebe diariamente pedidos de pessoas loucas pelo Google querendo se associar ao fã-clube. 4 NO 13 - 2008/1 Uni-duni-tê, gostei de você Nos concursos, jurados preferem aparecer do que escolher Adriano Belisário Sucesso popular desde a pré-his- instável. Certa vez, como jurada em tória da televisão brasileira, os um programa da Rede TV, um conprogramas de calouros geralmente corrente perguntou para Rogéria se chamam atenção por conta dos can- já havia ido a um pastor que dizia didatos. Não pelo virtuosismo, curar homossexualidade. “Não. Por exibido raras vezes, mas pela perse- quê? Você já foi? Está curado?”, reverança ou mesmo bizarrice dos trucou. “Peguei leve com ele, pois aspirantes ao prêmio final. Vale tudo não falaria nada que ofendesse a fapara convencer os avaliadores. Na mília brasileira na frente das maioria dos casos, os jurados são ato- câmeras. Em off é outra história. res ou modelos que trabalham Uma vez, em uma boate gay de São esporadicamente encarnando perso- Paulo, a platéia ovacionava um dos nagens inusitados durante concursos. calouros. Então, o anunciei como Mais importante que a precisão dos vencedor. Depois, as pessoas resolcomentários é a capacidade de diver- veram vaiar. Fiquei enfurecida e xinguei todo mundo. Joguei o mitir o público. Era o caso do programa do crofone no chão e fui embora.”, Chacrinha. Astolfo Barroso Pinto, na completa. Fernando Reski, apresentador época apenas um maquiador da TV Rio, participava ativamente das deci- de programas de baixa audiência e sões mesmo sem pertencer ao corpo de jurado nas horas vagas, também tem jurados. Ao que parece, Abelardo histórias sobre confusões com a plaBarbosa acertou em cheio ao dar ou- téia. Durante um concurso de vidos ao rapaz. Hoje, mesmo fantasias, o público já chegou a tenmantendo o sobrenome, ele é mais co- tar agredir os avaliadores por não nhecido como Rogéria. A fama veio concordar com a decisão final. “Tive através da participação em alguns fil- que sair do local com os seguranças mes e muitos programas televisivos. me protegendo”, afirma Reski, que “O Chacrinha vinha e falava para também é ator. Ele já participou mim: - Diz aí quem é a melhor. Então, desde pornochanchadas, como “O eu apontava e quase sempre era quem Garanhão no Lago das Virgens” e ganhava. Ele confiava no meu taco. Já “As mulheres que dão certo”, até a primeira montagem com o Sílvio Santos do clássico “Roda não deu muito certo, “Já ganhei até Viva”, de Chico só fui uma ou duas dez mil reais Buarque. Na estréia vezes. Acho que rouda peça, os espectadobava muito a cena.”, como jurada”, res também foram um afirma a afirma a pouco mais ativos que transformista. apresentadora e o de costume. “O pesSeu primeiro transformista Rogéria soal do CCC (Caça aos cachê como jurada Comunistas, organiapareceu somente zação composta por anos depois. “Só no programa do Ratinho que eu ganhei estudantes e intelectuais que um pouco. Bastava eu aparecer para a desejavam suprimir a esquerda audiência subir na hora”, orgulha-se. durante os anos 60) queria acabar Quase sempre, a falta de pagamento é com a gente. Eles invadiram, me compensada pela visibilidade, pois, bateram e eu tive que fugir pelo quando já são famosos, os jurados po- basculante”, relembra Reski. dem cobrar pelo trabalho. Em eventos organizados por empresas de maior Na música, concurso não porte, por exemplo, Rogéria diz já ter é brincadeira ganho até 10 mil reais pela presença “Eu sou de uma geração forcomo jurada. mada pela televisão, não pelo Assim como a remuneração, a computador. Conheço tudo de TV”, relação com os calouros também é garante Rogério Skylab, autor de ojornal 2008-1ok.pmd 4 Jurados do programa Ídolos, do SBT, durante avaliação sucessos do rock underground como “Matador de Passarinho” e “Motoserra”. O cantor declara que se divertia com os concursos de calouros: “Gostava do Flávio Cavalcanti. Era o mais famoso. A Vera Fischer, por exemplo, só começou a ganhar visibilidade depois que entrou pra lá como jurada”. Porém, não são apenas apresentadores animados que habitam o universo dos concursos. Nos mais mais sérios, a qualidade técnica dos concorrentes é rigorosamente avaliada pelos jurados. Ao invés de entreter, o importante é analisar objetivamente a desempenho dos candidatos. Mesmo em competições inusitadas, como o air guitar, o julgamento é feito com base em critérios bem definidos. “Air guitar é a idéia do simulacro, uma cópia falsa. O que importa é fingir perfeitamente tocar uma guitarra que não existe”, comenta Skylab. Em 2006, o músico participou como jurado em um concurso de air guitar realizado no Cine Íris. “Tinham vinte concorrentes. A única mulher entre eles ganhou. Deu pra ver desde o início que era ela.”, comenta Skylab. Nos reality shows que possuem corpo de jurados, o rigor não é menor. Sucesso no SBT, “Astros” torna a situação do julgamento um momento dramático, muitas vezes cômico. Cynthia Zamorano, produtora musical, é jurada do programa. Ela, assim como os outros examinadores, também teve que passar por uma avaliação: “Eu não via o American Idol (original 26/3/2009, 17:17 nor te-americano do “Astros”), então sabia muito pouco sobre o formato, mas me chamaram para os testes. Nós tínhamos que assistir as apresentações e dar um parecer. Então, fomos analisados pela produção do programa. Nós também fomos julgados”. Seguindo a tradição dos programas de calouro, cada jurado do Ídolos é marcado por uma característica. Enquanto, Cynthia, a única mulher na banca de avaliação, assume uma postura mais maternal com os candidatos, Arnaldo Sarcomani, por exemplo, é o mau humorado. Algo como um Pedro de Lara da música. Segundo ele, nada é preparado previamente. Os jurados passam o dia inteiro avaliando candidatos que só são conhecidos no momento da apresentação, já na frente das câmeras. Tanta surpresa faz com que, às vezes, a avaliação dos examinadores irrite os participantes. Arnaldo, por exemplo, já disse a uma das concorrentes que devia desistir da carreira musical porque tinha voz de pato. “Prefiro ser verdadeiro. Melhor isso a criar falsas ilusões. Digo mesmo: ó, vai embora, você canta mal”, afirma Saccomani que já trabalhou com artistas como Tim Maia e Rita Lee. Por conta da liberdade dos comentários e da imprevisibilidade da reação dos candidatos, eles são revistados antes de entrar em contato com os jurados. “Às vezes, eles ficam nervosos, chateados, mas depois entendem.” pondera a jurada Cynthia. 5 NO 13 - 2008/1 Alçando vôo para a fama Papagaios de pirata fazem de tudo para se tornar celebridades Felipe Passos A indústria das celebridades é um ramo que caminha paralelamente ao meio artístico. Sua função é tornar pública a vida íntima dos famosos e dos pretendentes ao cargo. Para estes últimos, o caminho é inverso: são eles que fazem de tudo para chamar a atenção na esperança de encurtar o caminho para a fama. A colunista da Revista da TV do jornal O Globo, Patrícia Kogut, percebe logo de cara: são arroz-de-festa em eventos badalados (“Como conseguem tantos convites?”), se exibem para todos os fotógrafos e até contratam assessores de imprensa. Mas nem todos têm condições financeiras, ajuda profissional ou a sorte de ter amigos influentes para se promover. A grande maioria faz o que pode. É o caso dos papagaios de pirata. Quem nunca viu aquelas figuras de sempre que ficam atrás dos repórteres de rua? No Rio de Janeiro, os cenários preferidos são a Cinelândia e o Largo da Carioca. É um carro de reportagem chegar que eles surgem sabe-se lá de onde. Seu Jair, um dos mais antigos papagaios de pirata da cidade, começou por acaso nesta vida: “Eu estava indo para o escritório onde eu trabalhava depois do almoço, quando uma pessoa caiu dentro do buraco da obra do metrô da Uruguaiana. Juntou gente pra ver o resgate e quando fui assistir o jornal a noitinha, vi que eu estava atrás do bombeiro que fez o resgate e estava sendo entrevistado. Mal acabou a reportagem, meu telefone não parou de tocar. Era um amigo da roda de chope, um colega de trabalho, dizendo: ‘Pô cara! Te vi na televisão!’ Aí, eu tomei gosto pela fama e estou aqui até hoje”. Ser reconhecido como papagaio de pirata não o incomoda: “Essa gente é invejosa. Já fiquei atrás do ombro de ministro, jogador de futebol, cantor de dupla caipira e até de um governador de Estado. Tudo inveja”. Luciano Luis Lima de Oliveira, ambulante, 31 anos de idade, tenta disfarçar, alegando que as “papagaiagens” o ajudam a “promover seus negócios”. Mas ao contar que ojornal 2008-1ok.pmd 5 apareceu até em reportagens no Fantástico, assume: “Sou um caçador de reportagem, onde tiver tragédia, batida, desastre, alguém famoso lá no meio, a gente tá invadindo”. Fã do programa Zorra Total, ele tem planos pretensiosos: “Eu quero ser humorista, zoar a galera, imitar o Wagner Montes. Eu pareço com ele um pouquinho. Tenho certeza que qualquer hora uma dessas emissoras vai chamar a gente”. Já o desempregado Luciano Ezequiel de Lima, 43 anos, assume logo de cara: “Isso aí é um vício! A gente fica conhecido nacionalmente e por isso que a gente bota a cara”. Aparecer na televisão alimenta as aspirações políticas deste papagaio, que revela ter se filiado a um partido pra se candidatar a vereador. Ambições também não faltam ao papagaio e ator Neil Ramos, de 63 anos, cujos projetos musicais refletem seu atual estilo de vida. “Eu já fiz novela, tenho registro profissional. Já fiz comerciais ao lado de grandes atores e famosos.” Ramos pretende gravar as músicas ‘Caçador de reportagem’, ‘Papagaio de pirata’ e ‘Melô do papagaio (Louro Mane)’, todas de sua autoria. Hoje são muitas as oportunidades para os que estão em busca da fama. No ano passado, programa humorístico “Pânico na TV”, transmitido pela Rede TV!, lançou uma campanha para que os “roberts” (sinônimo de papagaio de pirata) perseguissem equipes de televisão Brasil afora. A regra era fazer a dança do siri, coreografia com três passos para a esquerda, três para a direita e as mãos imitando as patas do crustáceo. Recebia especial destaque quem avacalhasse flashes ao vivo ou repórteres da Rede Globo. As opiniões divergem quando o assunto são as dificuldades da atividade. De acordo com seu Jair, os cinegrafistas são os que mais reclamam: “São piores que os repórteres. Tem uns que já chegam dando esporro, mandando a gente ficar longe. Outros desfocam a nossa cara, movem a câmera para deixar a gente fora de cena. Mas eu fico na minha, mantenho a minha postura. Sou um gentleman”. Luciano Ezequiel tem a mesma opinião: “Não tratam bem, não! Eles não gostam que a gente bote a cara. Mas se você está na rua, tem o direito de ir e vir. Nenhuma reportagem pode te impedir, entendeu? Ninguém pode, nem um desembargador!”. Do outro lado da câmera, o repórter cinematográfico Luis Alberto Caetano Cabral é taxativo: “Pra mim é perseguição e até um pouco de doença”. Além de perseguirem a lente do cinegrafista, os papagaios de pirata também lutam entre si para se manter em quadro: “Tem uns caras que querem competir comigo, mas eu sou mais eu. Se for necessário, eu dou um chega pra lá e me posiciono melhor. Essa garotada tem que comer muito arroz com feijão”, afirma Seu Jair. A unanimidade é a busca pelo reconhecimento. Para eles a fama vale a pena. “Todo mundo quer ser famoso, aparecer na televisão”, diz seu Jair. Neil Ramos teoriza: “A fama é muito importante. Você fazer coisas bonitas, coisas boas. Eu estou abolindo as coisas que não prestam, horríveis, que Charge: Eduardo Nascimento não gosto nem de pensar. Agora tudo que é bonito, nobre, que nos enriquece, que bota nossa imagem diante das pessoas como uma pessoa boa, observada a nossa imagem como uma pessoa querida é bom a gente fazer. A fama é boa.” 26/3/2009, 17:17 David Brazil: o papagaio mais bem sucedido Transitar livremente nos corredores globais e vestiários de futebol, convidar artistas nacionalmente famosos para seus aniversários, morder a região glútea de apresentadoras de TV: entre outras coisas, esta é a rotina fotográfica de David Brazil, o papagaio de pirata mais prestigiado do país. Em 2006, a Folha de São Paulo o colocou entre os gays mais influentes do país, ao lado de figuras tarimbadas como os autores Gilberto Braga e Aguinaldo Silva. Francisco David dos Santos saiu da Paraíba nos anos 80 para tentar a vida de modelo no Rio de Janeiro. Sem sucesso, conseguiu trabalho como caixa de restaurante. Em um emprego paralelo, conheceu Flavio Marinho, diretor teatral que o escalou para interpretar um gago ao lado de Cláudia Raia e Maurício Mattar. De lá pra cá, trabalhou com a Xuxa (seu maior sonho) e em revistas gays masculinas. A gagueira, que alguns alegam ser jogada de marketing, foi adquirida convivendo com um amigo de infância. Chamou tanta atenção que foi convidado por Jô Soares. Desde então sua imagem, sempre atrelada aos famosos, repercute mais e mais. Um ensaio fotográfico sem nu frontal arrancou elogios do craque Romário. A trajetória ao lado dos famosos transformou David em colunista de fofocas, no jornal popular Meia Hora, e radialista, na Rádio O Dia FM. Com tanta influência, ele já vive o outro lado da fama. Este papagaio de pirata desvia de namoricos interesseiros, que sonham vê-lo os encaminhando para o estrelato. Seleciona até as publicações nas quais deseja aparecer. Procurado pessoalmente, por telefone e por email, David Brazil ignorou todas tentativas de contato para a reportagem. 6 NO 13 - 2008/1 Tem polêmica em Ramos A soberana Rosa Magalhães divide opiniões na Imperatriz Michaell Grillo Figura muito criticada no mundo do samba por apresentar temperamento instável, Rosa Magalhães é daquelas carnavalescas perfeccionistas e de gênio difícil. Se por um lado tem seu comportamento defendido pela direção do G.R.E.S Imperatriz Leopoldinense, escola na qual está desde de 1992, por outro é alvo de críticas, feitas por, inclusive, um dos compositores da agremiação. Será que em meio às divergências de opinião, Rosa continua sendo a imperatriz da Imperatriz? Pelo que relata Wagner Tavares de Araújo, diretor de carnaval, Rosa Magalhães continua com força de comando na escola, tanto que a possibilidade de o enredo do próximo ano ser de sua autoria é grande, fato pouco comum numa época em que fazer Carnaval sem patrocínio é praticamente impossível. Para ele, a relação escola-carnavalesca não sofreu desgaste ao longo desse período. – Nenhum carnavalesco fica tanto tempo à frente de uma agremiação se não existir um bom relacionamento entre ambas as partes – diz Araújo. Entretanto, há quem diga que a comunidade tem se mostrado insatisfeita pelo fato de a carnavalesca não ser das mais próximas, chegando a pedir por renovação. Pelo menos é o que diz João Estevan, compositor campeão na escola em 1995 e 1999 e apresentador do programa Cidade do Samba, na Rádio Manchete (760 AM). – Sei que a comunidade gostaria muito de uma troca, mas no ponto de vista do presidente da escola (Luis Pacheco Drumonnd), não são muitos os nomes em condições de substituí-la. – revela o compositor. Aliás, Rosa Magalhães também se mostra distante da grande imprensa. Durante um mês, a equipe do jornal nº ZERO tentou ojornal 2008-1ok.pmd 6 entrar em contato com a Mesmo concordando que Rosa carnavalesca, mas, segundo a não faz estilo dos mais simpáticos, assessora Ludmila de Aquino, Rosa Wagner Tavares de Araújo afirma estava viajando para os Estados que João Estevan não sabe perder. Unidos, onde foi receber um prêmio De acordo com o diretor de carnaval, e, por isso, estava incomunicável. a maioria dos compositores são Nem o telefone particular de Rosa teimosos e não seguem os conselhos Magalhães foi cedido para a equipe da carnavalesca do jor nal – A Rosa não realizar a gosta de fazer “Há quem diga que matéria. média com Segundo ninguém, de dar a comunidade tem Estevan, a relabeijinhos e abraços se mostrado ção distante da em quem não tem c a r n ava l e s c a insatisfeita pelo fato que dar. Talvez, ela com a ala de tenha sido elegante de a carnavalesca compositores foi em não dizer que o não ser das mais um dos fatores samba dele era que culminaruim. Cada parceria próximas” ram no seu afastem 10 minutos tamento em para dialogar com a 2002. carnavalesca após a – Na primeira vez que saímos entrega da sinopse e tirar todas as da escola, foi por discordar da dúvidas. Ele é um grande babaca, se maneira como ela se portou. No acha um primor e quando perde se enredo sobre Campos ela pediu para põe a reclamar. não colocarmos o nome da cidade O diretor de carnaval da escola na letra e o samba campeão abria de Ramos aproveita para criticar a justamente com o nome da postura de João em só aparecer na cidade.Nós, que não colocamos a agremiação em épocas de samba. palavra, fomos desclassificados por – Só porque ele tem um isso. Hoje,sei que ela tenta parecer programa de rádio acha que sabe simpática, mas essa confusão tudo. Ele fala o que ouve na esquina afetou e muito nossa relação – e só aparece na Imperatriz em época desabafa o compositor. de samba. É bom ficar claro que não 26/3/2009, 17:17 precisamos do trabalho dele – afirma Wagner. Preto Jóia, intérprete da Imperatriz, compartilha da opinião de Wagner e defende a postura geniosa da carnavalesca. – Ela tem outros trabalhos. Não dá tempo para se dedicar a todos. Daí, o rótulo de antipática. Eu mesmo era mais próximo da comunidade, mas com o número de shows que faço, estou pouco distante – afirma Preto Jóia. Uma das provas de que a Rosa ainda não murchou e que continua soberana no Império suburbano é que o seu voto na escolha do samba enredo tem o mesmo peso do presidente, pelo menos é o que diz o diretor de carnaval. Perfeição: a marca de Rosa Magalhães Rosa começou a sua trajetória no G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro, em 1971, ao lado daqueles que ajudaram a consolidar a história do Carnaval carioca, tais como Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues. O primeiro título veio no G.R.E.S Império Serrano em 1982, com o lendário Bumbum Paticumbum prugurundum. O primeiro título na Leopoldina foi em 1994, com Catarina de Médicis na corte dos Tupinambôs e Tabajeres, onde se notabilizou por um estilo de carnaval rococó, que lhe marca, até hoje, com o rótulo de carnavalesca perfeccionista. 7 NO 13 - 2008/1 Um império em cada esquina Dificuldades e desafios daqueles que exercem a função de síndico Camila Salles Foto: Agência de Notícias G1 falecidas, que acabam sendo apropriados sem nenhum contrato formal. Isso ajuda a aumentar a dívida do prédio, que já passa dos 200 mil reais. A falta de diálogo é outro problema. Nas reuniões e assembléias convocadas, menos de 10% do total de moradores comparecem. Conceição, por exemplo, foi eleita síndica com apenas 37 votos. O 1º dia do seu mandato, aliás, foi também o primeiro dia do carnaval de 2008. Festa para a maioria, mas não para dona Conceição. Era sábado de manhã quando foi acordada as pressas pelo porteiro com a informação de que havia o corpo de um morador de rua em frente a sua portaria. – Não sabia o que fazer. Fiquei desesperada. E isso era só o primeiro dia...– completa. Um morador afirma que as obras feitas durante essa gestão foram superfaturadas e com material de baixa qualidade. Segundo ele, que prefere não se identificar, a atual administração se esconde nos erros cometidos pela administração anterior: – Para ela, tudo é culpa do exsíndico. Já estamos cansados. – protesta. Conceição nega as acusações e diz desconhecê-las. No entanto, elas estão Fachada do prédio é interditada pela Defesa Civil ojornal 2008-1ok.pmd 7 ao alcance de todos. Circula na internet um blog que trata especificamente da administração do condomínio. Além das inúmeras críticas, o http://naocaimasbalanca. blogspot.com possui um link para o site da polícia civil do Rio de Janeiro com a chamada “denuncie aqui a síndica” e outro para o código penal, mais especificamente para o crime de estelionato. Quem também cobra medidas da atual administração é a prefeitura. Em abril desse ano, a fachada e as duas laterais do prédio foram interditadas Edifício “Balança mas não cai” pela defesa civil por causa de um desabamento da marquise. Nenhuma E diz não ter se candidatado em medida ainda foi tomada. No condomínio Maipu, que nenhum momento: “Me colocaram lá. também faz parte do “Balança”, os É um cargo que ninguém quer ocupar. problemas são parecidos. O síndico Ser síndico não tem graça”. Mas ela Íbis Luiz da Silva explica que as garante: Esse ano vai ser o último. Espalhados pela cidade do Rio de principais reclamações dizem respeito Janeiro, grandes e diferentes impérios vão a obras e vazamentos. Porém, não é isso que dizem os se formando a cada dia. Cuidar de cada moradores. Desde 2006, a companhia um deles não é tarefa fácil. Falar com seus imperadores, distribuidora de gás também não. natural (CEG) cortou Os números do “Síndica, aqui, já o fornecimento no edifício Avenida prédio porque enestá no mesmo nível Central, localizado no controu vazamentos no sistema de de sogra - ninguém centro do Rio de Janeiro, não negam. distribuição do diz que gosta” Trata-se de um império edifício. As obras de de respeito. Com 110 manutenção foram metros de altura, orçadas em cerca de R$ 400 mil. Íbis possui 1060 escritórios espalhados por 36 explica que, até o momento, nenhuma providência foi tomada devido à falta andares. Conhecido por possuir inúmeras lojas de informática, o condomínio, no de verba. Mesmo correndo risco de explosão, entanto, apresenta uma grande variedade muitos moradores utilizam o gás de de serviços: de consultório médico a botijão como solução temporária do tabacaria, de escritórios de advocacia a problema. O botijão de gás, no sex shops. Rhuy Gonçalves da Silva é o síndico entanto, segundo o corpo de bombeiros, só pode ser utilizado sem causar riscos responsável pela administração há seis em edificações com, no máximo, cinco anos. Depois de inúmeras tentativas junto à administração do prédio e ao apartamentos. Nesse falso império dos departamento de marketing (sim, o condomínios, no entanto, fortes edifício possui um departamento de vínculos também podem ser criados. marketing) não foi possível entrar em Estella Gamboa é um bom exemplo. contato com ele. A única informação é Moradora há mais de 40 anos do de que ele está muito ocupado com a Edifício Jardim de Alah, no Leblon, próxima eleição para síndico que será no Estella é síndica do prédio desde 1993. final do mês de junho. Foto: Divulgação Ele é o primeiro a ser chamado na hora de solucionar problemas, seja uma infiltração, falta de água, ou vazamento. Presente também na música popular brasileira e em programas humorísticos, é responsável, entre outras coisas, por ditar regras e cuidar da administração. Ser síndico é ser, de fato, o “imperador do condomínio”. Síndico, aliás, é uma palavra que não faz parte do vocabulário de Dona Conceição, que exerce essa função desde fevereiro num dos prédios que fazem parte do famoso conjunto conhecido como “Balança mas não cai”, no centro do Rio de Janeiro: “prefiro representante. Síndica, aqui, já está no mesmo nível de sogra – ninguém diz que gosta”. Advogada de meia-idade e baixa estatura, Conceição explica que, num prédio com 170 apartamentos, agradar a todos é praticamente impossível. – A maioria das pessoas não gosta de regras, não é mesmo? Sou chata, exigente e cobro muito. Aqui no prédio, por exemplo, tenho muitas pessoas que moram de graça, não pagam taxa alguma. Quero acabar com isso – diz ela. A inadimplência se deve ao fato de existirem muitos apartamentos em nome de estrangeiros e pessoas já 26/3/2009, 17:17 8 NO 13 - 2008/1 A vida atrás de guaritas O universo dos condomínios da Barra da Tijuca oferece um verdadeiro mundo de serviços para seus moradores Pedro Willmersdorf Comodidade. Esta é uma palavra muito valorizada em anúncios de lançamentos imobiliários. Ainda mais quando ele é localizado na Barra da Tijuca, bairro prolífico em novos empreendimentos que não se limitam a simples conjuntos de prédios. A diferença dos condomínios do bairro em relação aos demais é a gama de serviços que eles oferecem a seus moradores. De transporte exclusivo para diversas partes da cidade a supermercados, essas verdadeiras mini-cidades trazem à tona um novo conceito de vida social. Como podemos conferir no cotidiano de Fabricia do Valle Lima, moradora do bairro. A jovem empresária mora há dois anos no condomínio Rio 2, um dos pioneiros nesta proposta de “levar o mundo” até seu morador. Ela acorda todos os dias e, para ir até seus clientes, não precisa se estressar ao volante no trânsito caótico da cidade. Só precisa ir até o ponto de ônibus que fica dentro do condomínio, de onde partem, com horários pré-estabelecidos, ônibus de turismo que fazem diferentes trajetos. – É de um conforto incrível. Arcondicionado, poltronas maravilhosas e nenhum estresse- diz Fabricia. Ao voltar para casa no fim da tarde, ela geralmente vai até o shopping do condomínio. Lá, encontra opções das mais diversas, de acordo com seus interesses. Supermercado, videolocadora, salões de beleza, armarinho, academias (uma delas dedicada exclusivamente a mulheres), pizzaria, churrascaria, farmácia, agências bancárias, além de várias salas comerciais. Fabricia pode cumprir todos os seus afazeres a menos de cem metros de sua casa. Mas ela destaca ainda outros pontos: – Uma vez por semana um varejão volante (um hortifruti dentro de um ônibus que passa por vários bair ros da cidade) vem a té o condomínio, então posso comprar legumes, verduras e frutas fresquinhos sempre. Mas eu acho que a principal questão que me faz não querer sair ojornal 2008-1ok.pmd 8 daqui, além desta comodidade, é a segurança, pois não tendo que sair daqui para nada, me sinto segura e protegida integralmente- afirma a jovem Outro condomínio com este perfil é o tradicional Novo Leblon, onde se encontra uma das mais tradicionais instituições de ensino da cidade: o Colégio Santo Agostinho. Mas não é só uma escola que o Novo Leblon oferece a quem escolhe morar ali. Érica Batista, de 17 anos, é estudante do terceiro ano do Ensino Médio e afirma que não precisa sair do condomínio para praticamente nada. – Bem, eu estudo aqui no Santo Agostinho. Sempre estudei. Aqui no shopping a gente tem restaurante, locadora, farmácia. E aqui do lado tem o shopping (Rio Design Barra, localizado ao lado do Novo Leblon), que tem as lojas que eu preciso, além de cinema. Mas, e o namorado, Érica? –Ah, ele tem carro! Isso não é problema. Ele vem me buscar sempre que queremos ir a algum lugarconta a adolescente, sorrindo. Lívia Vianna, moradora do Parque das Rosas, até possui carro, mas diz, que para se divertir, fica pelos arredores do condomínio mesmo. –Aqui no condomínio há uma porção de bares, nem preciso ir muito longe para conversar e beber com meus amigos. Aqui do lado também tem a Pizza Hut (pizzaria localizada exatamente ao lado dos prédios, como um verdadeiro anexo), fora o Barra Shopping, que é praticamente do outro lado da rua- diz Lívia, que mora no Parque das Rosas desde que nasceu. E não é só a jovem de 20 anos que dá preferência aos bares do seu condomínio. Felipe Corecha, estudante de Educação Física e morador de Jacarepaguá, não tem dúvidas quando o assunto é “o que se fazer em uma sexta-feira à noite”. –A boa é sempre o Rosas!declara o rapaz, muito empolgado. Vista de um dos apartamentos do Novo Leblon O fantástico mundo dos condomínios da Barra da Tijuca RIO 2 O condomínio possui um imenso parque com pista para corrida, além de quadras poliesportivas, piscinas e churrasqueiras. Incluídos na taxa condominial, alguns serviços, além do ônibus exclusivo para moradores, chamam atenção. Como o serviço de jardinagem, concedido pela administradora, que repõe mensalmente as flores das varandas nos apartamentos. Porém, o item mais inusitado está relacionado ao método como a água quente chega às torneiras dos prédios: há caldeiras subterrâneas que esquentam a água, antes de ser bombeada para os apartamentos. NOVO LEBLON O tradicional condomínio oferece alguns serviços, como o transporte exclusivo, com a vantagem de estar localizado ao lado de um grande shopping: o Rio Design Barra. Além do mini shopping com farmácias, locadoras e cabeleireiros, o grande trunfo do Novo Leblon, sem dúvida alguma, é o Colégio Santo Agostinho, renomada instituição escolar da cidade. Também há uma escola municipal dentro do condomínio. NOVA IPANEMA O Nova Ipanema também abriga uma tradicional escola carioca, mas somente as turmas até a quarta série do Ensino Fundamental. Trata-se do Colégio AngloAmericano. Famoso por suas festas juninas que acontecem anualmente no seu clube, o Nova Ipanema tem um aliado de peso na hora de conquistar seu morador: está localizado em frente ao maior shopping center da América Latina, o Barra Shopping. Existe, aliás, uma passagem subterrânea que liga os dois lugares. PARQUE DAS ROSAS Além do clube, do transporte exclusivo e da proximidade com o Barra Shopping, o condomínio tem como um trunfo os bares do seu Rosa Shopping, que atraem moradores de bairros próximos, como Recreio e Jacarepaguá. Nos fins de semana há a certeza de que é preciso chegar cedo nos bares para garantir lugar. Eles ficam lotados de forma incrivelmente rápida. 26/3/2009, 17:17 9 NO 13 - 2008/1 O inferno da Torre Trabalhar no prédio mais alto do Rio mistura alta tecnologia com dificuldades práticas Luisa Clements Ilustração: Fabiano Soareas Há dois anos, Tatiane Costa conseguiu um novo emprego. No terceiro mês de trabalho, uma sirene soou e a confusão tomou conta do local. Apavorada, juntou-se à multidão que descia por uma escada estreita, enquanto bombeiros subiam pelo mesmo lugar. "Foi a pior experiência da minha vida", diz ela. Era só um treinamento de incêndio. Tatiane trabalha como assistente de tesouraria no escritório administrativo das lojas Toullon, que fica no 9º andar do mais alto prédio do Rio de Janeiro, a Torre do Rio Sul. Diariamente, circulam pelo edifício cerca de dez mil pessoas. Situada no bairro de Botafogo, a Torre tem 160 metros de altura e 44 andares, incluindo a cobertura, os pavimentos de garagem e o hall dos elevadores. A cada seis meses, funcionários e visitantes pre- cisam fazer treinamento de incêndio. É a grande tortura para muitos que trabalham no prédio. "Imagine descer isso tudo de escada! Algumas pessoas se escondem no banheiro para não participar da simulação de incêndio", afirma Lena Pelosi, estagiária da Sony BMG, que fica no 40° andar. "Tem gente que não consegue trabalhar no dia seguinte ao do treinamento, de tanta dor na perna" – complementa. A Torre, que recebe o nome de Rio Sul Center, conta com um sofisticado sistema de segurança, profissionais especializados e uma equipe de brigada de incêndio. Ainda assim, funcionários criticam a infra-estrutura. Nesse sentido, Tatiane é bastante radical: "Se tivesse um incêndio de verdade, acho que eu iria preferir pular da janela", diz ela. O funcionamento dos elevadores também é alvo de reclamações. O publicitário Israel Siqueira, funcionário da agência NBS, no 38° andar da Torre do Rio Sul, afirma que, com um número cada vez maior de empresas, funcionários e visitantes no prédio, os 21 elevadores começaram a não atender corretamente o público, deixando as pessoas irritadas com o tempo de espera. Nos horários de maior movimento, as longas filas são freqüentes. Lena Pelosi conta que, quando algum artista aparece para ir à gravadora Sony, o caos nos elevadores piora: "Se for o Belo [cantor], então, a confusão é ainda maior. As pessoas trocam de elevador só para subir com ele e pedir autógrafos, a fila no hall fica enorme." Coisa de cinema Se, há alguns anos, prédios completamente vigiados por câmeras de alta resolução, com sistema de identificação por leitura óptica e seguranças espalhados por todas as entradas só eram vistos nos filmes de Hollywood, na Torre do Rio Sul isso não passa de rotina. O sistema de segurança do edifício é um dos mais modernos do país. Quando foi instalado, em 2005, nem a Casa da Moeda contava com equipamentos tão sofisticados. Na recepção, um sistema de leitura Minicidade vertical O projeto da Torre do Rio Sul, iniciado na década de 70, tinha como objetivo ser um prédio ultramoderno para atrair grandes empresas. Com excelente localização e tendo um pólo de consumo como o Shopping Rio Sul em anexo, dizia-se até que, aos poucos, todas as grandes multinacionais iriam migrar para lá. Inaugurada em 1982, a Torre tem 298 salas. Um dos destaques do edifício é a vista exuberante que se tem das janelas. Dependendo do andar, é possível ter uma visão panorâmica do Rio de Janeiro. Quem já teve o privilégio de estar no terraço, onde fica o heliponto, afirma que o visual é quase inenarrável, mas, por questões de segurança, o espaço é restrito a pessoal autorizado e ao pouso e decolagem de helicópteros dos empresários. ojornal 2008-1ok.pmd 9 Alguns estabelecimentos fizeram sucesso impulsionados pela vista esplendorosa. No 44° andar, já funcionaram um restaurante e a famosa boate Maxim’s. Mas, segundo funcionários da Torre, “saíram de moda e o público parou de ir”. Atualmente, a área é um espaço para eventos desativado. Chamado de “minicidade vertical”, atualmente o prédio tem 150 empresas com as mais variadas especialidades. Além de instituições financeiras, agências de turismo e publicidade, há redes de comunicação, consulados gerais, seguradoras, agências de modelos, centros médicos e empresas que desenvolvem videogames para médicos... Isso mesmo, videogame para médicos: O webdesigner Rodrigo Veiga, fanático por videogames desde criança, foi contratado pelo Cen- tro de Treinamento Berkley para desenvolver jogos em flash que irão simular situações médicas reais, aprimorando o ensino de medicina. Há espaço para tudo dentro desse gigante empresarial. E para alugar uma sala nesse universo de possibilidades que é a Torre, basta desembolsar em torno de R$ 8 mil por mês, mais o condomínio de quase R$ 3 mil. A grande Torre pode ganha uma irmã gêmea. O Rio Sul tem um projeto de expansão que inclui a construção de sete salas de cinema e o levantamento de um hotel de grande porte no terreno adquirido do antigo posto de gasolina, ao lado do shopping. Segundo um representante da administração, o Rio Sul vai tentar obter a licença para o projeto em 2009. 26/3/2009, 17:17 óptica reconhece a face do visitante e, se ele já estiver cadastrado, o localiza no banco de dados. Isso feito, o visitante recebe um cartão que dá acesso ao andar solicitado. O circuito fechado de televisão é 100% digital e há câmeras espalhadas por todo o hall, elevadores, escadas e pelo menos duas por andar. Entrar sem ser visto é aquele tipo de “missão impossível”. Aliás, ser palco para cenas de cinema não é novidade nesse gigante de concreto. Mais cinematográfico do que o sistema de segurança foi um assalto que ocorreu em 2002 no interior do prédio, relatado pelo ex-supervisor de segurança do Rio Sul Center, Júlio César Valentim. Segundo ele, um rapaz entrou na Torre, acompanhado de seu cúmplice, que era funcionário da limpeza, e assaltou as salas do 17° andar, levando dinheiro e objetos pessoais de algumas pessoas. Quando chegou ao 10° andar, descendo de elevador, foi interceptado pelos seguranças e houve troca de tiros. A Torre precisou ser evacuada e a operação levou cerca de duas horas. Um policial foi ferido no abdômen e o bandido foi preso. “Parecia cena de filme. Foi um dos fatos mais marcantes nos meus oito anos de trabalho na Torre”, conta Valentim. Antes da instalação desses equipamentos, o prédio estava mais sujeito a assaltos, mas há quem acredite que de nada adianta tanta tecnologia. De acordo com Luciana, uma das recepcionistas do prédio, a eficiência do sistema de segurança é um mito. “Não há detector de metal e se um bandido chegar aqui e mostrar a identidade na recepção, ele vai subir”, desabafa ela. Contatada, a empresa responsável pela administração e assessoria de imprensa do edifício, a Brascan, recusou-se a dar entrevistas. Segundo informou Alberto Natal, representante da companhia que responde como síndico do Rio Sul Center, trata-se da política de segurança do condomínio. 10 NO 13 - 2008/1 O outro lado da roda fortuna Funcionários das casas lotéricas saem detrás dos balcões e soltam o verbo sobre o dia-a-dia das loterias Bárbara Carvalho Eunice Souza Oliveira vive de Sul, o maior shopping center da Zona viciada todos os dias. Esse vício premiar qualquer apostador. E em jogo. Ela ganhou uma quadra na Sul. Por ela passam diariamente assusta, por isso não gosto de jogar. um negócio em que a sorte é Mega-Sena, costuma faturar R$ 2 ou dezenas de clientes desconhecidos. No máximo compro uma raspadinha, fundamental, deixá-la de lado é R$ 10 na raspadinha e já foi premiada “Temos alguns poucos clientes mas é uma vez na vida e outra na imperdoável. Eunice, a gerente da A com R$ 600. Eunice não é uma apenas regulares, que trabalham aqui no morte”, explicou. Entretanto, as duas Twist Loterias, concorda: “a apostadora compulsiva, pois há shopping, mas a maioria deles é funcionárias concordam em um propaganda é tudo, e sabe como é, quatro anos trabalha do “outro lado diferente a cada dia. Muitos gringos aspecto: todo cliente assíduo tem sua cliente acaba chamando cliente”. da roda da fortuna”, mais exatamente vêm aqui também. Eles costumam atendente favorita, aquela que ele Localizada em uma pequena como gerente de uma casa lotérica em comprar raspadinhas e jogar na acredita dar sorte para a sua aposta. galeria comercial na Rua São Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. Mega-Sena”, explicou a gerente da loja Muitos deles inclusive pedem ajuda na Clemente, a A Twist Loterias hora de escolher os construiu uma clientela bastante Nas loterias, o isolamento é - que fez questão números que vão assídua. A gerente Eunice explica a padrão. Desde as “paredes” de vidro de não se jogar para concorrer boa convivência com os moradores do que separam clientes de funcionários identificar. “Trabalhando em uma aos prêmios da Mega- bairro: “Ninguém tem culpa dos até as cabines que dificultam o contato Por outro loteria, você acaba Sena. Por isso, tanto nossos problemas, então temos entre os empregados. No entanto, lado, na A Twist vendo um monte de elas quanto Anna sempre que estar de bom humor. chegando à A Twist Loterias, pode-se Loterias boa parte Carolina de Oliveira Afinal de contas, trabalhamos com perceber que isso não é regra. Atrás dos clientes da loja gente viciada todos Lopes – a outra caixa o público”. do balcão, não faltam sorrisos e é formada por os dias. Esse vício da casa lotérica – são conversas. As atendentes esbanjam aposentados que Na Loto $orte, a relação com os consideradas “pés clientes não é próxima nem muito simpatia e, segundo Eunice, este é o moram na região. assusta, por isso não quentes” por uns menos íntima, mas a gerente garante segredo de tantos prêmios. Como eles têm gosto de jogar” fregueses e “pés frios” que o atendimento ao público é Os clientes premiados com bastante tempo Elis Rodrigues, atendente da casa por outros. bilhetes lotéricos e raspadinhas para apostar e tranqüilo. A impessoalidade no lotérica A Twist Loterias Há cinco anos à relacionamento vem não só do sempre dão algum presente em troca pagar as contas, a frente do esta- público irregular como da divisão do para as funcionárias da loteria. Isso relação atendenteexplica o fato de Eunice nem sequer cliente, muitas vezes, vai além do belecimento, a gerente da Loto $orte expediente de trabalho em dois ter estranhado quando, no dia do seu estritamente profissional. Sendo anuncia através de cartazes e faixas turnos. Como a loteria fica aniversário, ganhou uma coroa de assim, Eunice não costuma ser a única quando algum cliente da loteria é localizada no shopping, ela tem o flores de um cliente. Sim, o símbolo é presenteada. Diariamente, as premiado, seja através da Mega-Sena mesmo horário de funcionamento um tanto quanto funcionárias da loteria ou de alguma raspadinha. Segundo das outras lojas - das 10h às 22h - e mórbi- do, mas ela “O que a gerente recebem “pequenos ela, os anúncios dão aos fregueses a precisa que seus funcionários se adorou o presente. No agrados”, como sensação de que a loja tem sorte e pode revezem ao longo dia. pensou ser um entanto, foi um bombons e garrafas de foto: Bárbara Carvalho “simples” envelope que vinho. Alguns fregueses cartão de deixou a gerente da deixam lanches agradecimento veio até loteria mais surpresa. pagos no bar que fica em acompanhado de frente à casa lotérica. Uma idosa, cliente há muitos anos, acertou a Q u a n d o R$ 600,00” quina da Mega-Sena e perguntam sobre o quis compartilhar sua felicidade com porquê de a loja só ter mulheres como Eunice, que a tinha ajudado a fazer o atendentes, a gerente explica que elas jogo. O que a gerente pensou ser um costumam ser mais pacientes com os cartão de agradecimento veio clientes. “Nós fazemos mais sucesso acompanhado de R$ 600,00. com a clientela, não é? Só um homem “Simplesmente não acreditei. Esse foi trabalhou aqui nesses quatro anos, o maior presente que já recebi dos mas os fregueses reclamaram muito e clientes”, afirmou. ele teve de ser mandado embora”, O ambiente cordial e de completou Eunice, aos risos. proximidade com os clientes da A Ao contrário de Eunice, Elis Twist Loterias é raro em lojas deste Rodrigues, caixa da A Twist Loterias tipo. Outra casa lotérica, também há seis meses, desenvolveu um localizada no bairro de Botafogo, tem sentimento de repulsa em relação ao um atendimento bastante impessoal. jogo. “Trabalhando em uma loteria, A Loto $orte fica no quarto piso do Rio você acaba vendo um monte de gente Constantemente premiada, a gerente Eunice Oliveira não tem do que reclamar ojornal 2008-1ok.pmd 10 26/3/2009, 17:17 11 NO 13 - 2008/1 A difícil arte de viver com o mínimo Ao contrário do texto constitucional, salário mínimo não atende às necessidades básicas Filipe Macon A constituição brasileira – Eu carrego eles no meu determina que o salário mínimo deve coração e no meu pensamento – atender às “necessidades vitais declarou. básicas com moradia, alimentação, O drama pessoal de Diva levou educação, saúde, lazer, vestuário, o professor do IE/UFRJ João Sabóia higiene, transporte e previdência a contribuir para a lista. Mas ele afirsocial”. Mas viver com o piso de R$ ma que o caso dela não é igual ao de 415,00 por mês pode ser difícil para todas as pessoas. O professor citou a população brasileira: por exemplo que 30% da população – Uma tristeza – desabafou Diva ganha menos que o salário mínimo: Geralda da Silva, 57 anos. Ela vive com duas netas e as cria sem ajuda dos familiares: – Meus filhos não ligam para mim Diva recebe o salário mínimo de R$ 415,00. Como o que ganha é insuficiente para compra da comida, ela Graças ao professor João Sabóia, a faxineira Diva Geralda precisa fazer teve onde morar biscates. Vende roupa de bebês – Não é pela solidariedade que e refrigerantes para complementar o dinheiro do trabalho como faxineira: se vai resolver o problema de todos. – O dinheiro nunca chega na Isso é dever do Estado – garantiu. mão da gente na quantidade que Sabóia comentou que a respondeveria chegar. A minha luta é só; sou sabilidade governamental se baseia eu, Deus e minhas netas – afirmou. na assistência social, previdência e Mas nem mesmo toda a luta foi saúde. A assistência social procura capaz de reverter os problemas de sua dar conta de situações extremamenresidência no bairro da Penha te precárias. Através dela, o benefício Circular. A casa de Diva está com de prestação continuada (BPC) atenrachaduras tampadas na parede com de a idosos e deficientes físicos com papel e o teto foi forrado com plástico renda baixa (pouco mais de R$ para conter goteiras em dias de 100,00 per capita) e o bolsa família chuva. Mesmo assim, essas se volta para famílias pobres de joimprovisações não impediram a vens com crianças. ameaça de desabamento da casa. Diva não se enquadra em neDiante da situação, Diva pediu nhuma das modalidades de ajuda do ajuda no trabalho. Na época, ela governo. Ela não está nas situações fazia faxina no Instituto de especificadas para receber o BPC ou Economia da Universidade Federal bolsa família. Também não é aposendo Rio de Janeiro (IE/UFRJ). tada e não sofre problemas de saúde. Graças à lista de contribuição A ajuda para a obra teve que vir da passada entre funcionários do local, universidade. De posse do material, Diva ela conseguiu dinheiro necessário começou a erguer uma casa nova no para fazer obra: ojornal 2008-1ok.pmd 11 terreno abandonado de sua propriedade. Enquanto não fica pronta, ela continua a morar na casa antiga que não desabou devido a um escoramento da estrutura. Se dependesse do salário que ganha, a obra jamais poderia ser feita: – Eu estaria na rua – imaginou. Para Sabóia, não existia outra solução para o problema de Diva, a não ser pela solidariedade: – No caso específico dela é a solidariedade. Daí a importância de pessoas que sofrem e se mobilizam com o problema dos outros – concluiu. Mas o professor pensou ainda num teste: – Seria interessante se todas as pessoas tivessem o teste de viver com um salário mínimo. Viver com ele é um teste – refletiu. Esse teste foi imposto a Dona Albertina Maria, de 49 anos. Ela também ganha o salário mínimo. A renda é pouca, mesmo para suprir necessidades básicas como alimentação: – A gente sempre quer comer alguma coisa melhor – afirmou. Albertina trabalha como faxineira no campus da Praia Vermelha da UFRJ. Para conseguir sustentar três filhos e dois netos, ela vai à missa e pede ajuda a Deus: – O dinheiro não ajuda – comentou. Edinaldo Galvão, 22 anos, pede 26/3/2009, 17:17 ajuda a seu pai. Ele não conseguiria comprar roupas e ir ao shopping se dependesse apenas do trabalho como faxineiro na Central de Produção Multimídia (CPM) da UFRJ. Casado, vive com a esposa e o pai. Mesmo com ajuda, Edinaldo não está satisfeito: – O salário tem que aumentar mais. Tem muito gasto – protestou. João Sabóia comentou que houve um movimento de recuperação do salário mínimo. A inflação mais baixa desde 1994 vem permitindo um maior efeito do reajuste no salário. Para ele, o salário mínimo está baixo, mas está acima do patamar de dez anos atrás. E de acordo com suas previsões, essa recuperação tende a continuar: – A situação de Diva e de outras pessoas pode melhorar – animou. Mas o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas divulgou em maio mais uma edição do índice de preços ao consumidor classe 1, calculado com base nas despesas das famílias com renda entre 1 e 2,5 salários mínimos. O IPC-C1 registrou variação de 1,38% nesse mês. Nos últimos 12 meses a elevação é de 8,24%. A maior contribuição para a elevação da taxa em 12 meses, de 6,84% para 8,24%, veio do grupo alimentação. Com isso, o impacto dele sobre as despesas de quem ganha entre 1 e 2,5 salários passa a ser de 78%. A alta dos alimentos foi de 17,01%. Mas um novo reajuste do mínimo só poderá haver no próximo ano: – Esse aumento no preço arroz é um absurdo – protestou Diva. Segundo a pesquisa da FGV, arroz e feijão acumulam alta de 61,06% em 12 meses. Diante disso, Diva constata: – O salário mínimo não dá. 12 NO 13 - 2008/1 Fazendo dívidas até o fim O custo de vida da cidade é alto. O da morte, também Dominique Guerin Apesar da maioria das pessoas não se sentirem à vontade com o assunto, a morte é uma realidade inquestionável. Todos morrerão um dia. E, como tudo nessa vida, pagamos até para morrer. Muita gente, preocupada com seus entes queridos em um momento tão difícil, prefere “programar” esse custo, para não deixar a família desprevenida. Por isso, independentemente da idade, já possuem planos de assistência funeral. Um dos mais procurados no Rio de Janeiro é a Rio Pax, que já existe há 20 anos. Com o slogan “Com você nos momentos mais difíceis”, a empresa vende a idéia de que um plano de assistência funeral é fundamental para quem se preocupa com a tranqüilidade dos familiares. Como é o caso da estudante Marina Romão, de 27 anos, que paga 13 reais por mês em um plano familiar que cobre, além dela, seus pais. Associada há mais de um ano, ela recomenda este tipo de seguro: – Com certeza. Além da parte econômica tem também o lado emocional, pois, eles resolvem tudo por você, que no momento da perda, está abalado e acaba gastando mais do que deve. É o que pensa, também, a consultora de vendas Maria de Fátima Gomes, de 61 nos, que é associada à outra empresa (Sinaf Seguros) e investe 40 reais mensalmente em um plano para três pessoas: – Tenho medo de acontecer uma morte na família e eu não estar preparada, tanto financeira como psicologicamente. Com o plano, há menos burocracia e dor-de-cabeça. Afinal, no meio da tristeza de perder alguém querido, ter que se preocupar com caixão e velório é o que todos menos querem. Para ela, não há problema algum em se preocupar com os preparativos do funeral: – Não vejo problema. É algo muito sério, é uma maneira de você se preparar, e também a sua família. Eu digo por experiência própria, porque sei como é difícil perder um ojornal 2008-1ok.pmd 12 parente e não ter dinheiro para pagar o enterro. Não quero pedir favor a ninguém. Eles oferecem enterro, coroa de flor e velório. Em qualquer cemitério público. Morreu, basta ligar para lá e eles cuidam de tudo. O valor do descanso eterno O seguro pode variar bastante, pois, depende do tipo de urna (caixão) escolhida. A Rio Pax, por exemplo, oferece um catálogo (que você pode encontrar na internet) de modelos que variam da urna padrão até a super luxo. A mensalidade, do titular, é de, no mínimo, 8 reais, podendo chegar até 90 reais, além de uma taxa de adesão (R$42). Os dependentes da família pagam 2 reais, cada um. Existe um tempo de carência: até seis meses se o assegurado tiver mais de 60 anos. Se o inevitável acontecer antes deste prazo, a empresa cobra a metade do preço do funeral correspondente ao plano, que pode ser quitado em até seis parcelas com cheque ou cartão de crédito. O valor mínimo do sepultamento é de 2.450 reais e pode variar até 30.000. Em outras funerárias, as taxas podem ser menores: de 1.000 até 20.000, mas, ainda continuam muito caras para a maior parte da população. Esse tipo de assistência ainda não é adotado pela grande maioria das pessoas apesar de ter muitos adeptos que pensam no “futuro”. O modo convencional de pagar um funeral ain- da é o mais utilizado. Quando uma pessoa morre, além do enterro, a família precisa enfrentar a burocracia: atestado de óbito e taxas diversas como o registro de sepultamento no cemitério. As funerárias cobram todo esse trabalho em seus “pacotes”. O Rio de Janeiro conta com 20 cemitérios, sendo 13 de propriedade do Município, administrados pela Santa Casa de Misericórdia. Através da Diretoria de Controle de Cemitérios e Serviços Funerários (O/ CCF), um órgão da Secretaria de Obras e Serviços Públicos, a Prefeitura controla e fiscaliza os cemitérios públicos, particulares, todas as agências funerárias, capelas, crematório e embalsamento do Município do Rio. Existe uma tabela de preços de todos os serviços funerários. O enterro não significa o fim: a família ainda tem outras responsabilidades. O valor cobrado pela funerária e pelo cemitério equivale ao aluguel do local e sepultamento. Após três anos, os responsáveis têm que pagar a exumação (até 100 reais no caso de um mausoléu) e o armazenamento dos restos mortais do familiar em um ossário privado (até Os custos da morte Coroas de flores: de R$ 150 a R$ 800 dependendo do tamanho e do tipo de flores. Publicação em jornal: o periódico O Globo oferece espaço em seu primeiro caderno para mensagens de falecimentos e missas. O tamanho padrão (9,6 x 4,0 cm) em dias úteis custa R$ 1.520. Quem quiser pode comprar até uma página inteira. Neste caso, pode valer até R$ 100.000. Valores de aluguel (por três anos) de sepulturas tabelados pela Prefeitura: Carneiro (sepultura de concreto no chão) em cemitério vertical- R$ 216,00 Sepultura rasa- R$ 28,56 Cemitério parque- R$ 145,24 Venda de carneiro familiar- de R$ 15.000 a R$ 45.000 Venda de jazigo em cemitério verticalR$ 13.800 26/3/2009, 17:17 A morte cabe no seu orçamento? R$ 1.800). Mesmo quem é titular de sepulturas particulares precisa pagar uma taxa anual de manutenção (em média 300 reais). A Santa Casa de Misericórdia presta serviços funerários às classes indigente e carente. Para quem não pode pagar pelo sepultamento e caixão, o enterro é feito gratuitamente. Através de uma “declaração de pobreza” este serviço mais o atestado de óbito saem pelo valor de 244,56 reais, segundo a tabela da Prefeitura. Para quem pretende usar a serventia da cremação, também é preciso passar por mais um obstáculo burocrático. O desejo de ser cremado deve ser registrado em cartório, na presença de, pelo menos, duas testemunhas. O custo da cremação é de 800 reais (mais a “estadia” na câmara frigorífica, 164 reais, por 24 horas, segundo a lei). Ainda têm outros benefícios a serem quitados, dependendo do interesse dos familiares, como o aluguel de capelas (R$ 180), colocação de placas (R$ 115,45), ampliação e/ou alteamento de sepulturas (R$ 162,62), transporte do local do óbito ao cemitério (R$ 96,83). O cidadão pode obter informações sobre as normas que regulam os cemitérios e agências funerárias no site http://cemiterio.rio.rj.gov.br. 13 NO 13 - 2008/1 Justiça que tarda, falha Casos de quem ganha mas não leva são mais comuns do que se imagina Aline Conde Paulo perdeu a perna por causa de um erro médico e espera pela indenização há 20 anos. Kazue se viu sem emprego, em 1994, e aguarda receber os direitos trabalhistas da embaixada japonesa. Fátima tenta conseguir o benefício do INSS que seu pai, Armando, não viveu o suficiente para receber. Três histórias diferentes, unidas pela lentidão da justiça. – Justiça que tarda, não é justiça, é injustiça – afirma o Corregedor Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Zveiter. O dinheiro que pode fazer falta aos cofres públicos, custa muito mais a pessoas que aguardam a indenização na longa fila dos precatórios, ou títulos da dívida pública. O corregedor credita a culpa da falta de comprometimento com o pagamento dos precatórios às brechas nas leis: – O Estado não paga e não há uma intervenção. Se não houvesse politicagem no meio, o presidente poderia seqüestrar o dinheiro do governo estadual – defende Zveiter. Fila sem fim Este é o caso de Paulo Henrique Melo, que, por erro médico, teve sua perna direita amputada em fevereiro de 1988. Ele entrou com um processo pedindo pensão vitalícia e indenização por danos morais contra o Hospital Estadual Carlos Chagas. Esperou até 2002 para ganhar a causa, na qual o juiz lhe concedeu 70% da pensão de um salário mínimo. Os danos morais, que seriam a maior parte do dinheiro (hoje, em torno de R$ 252 mil), deveriam entrar no orçamento do governo estadual no ano seguinte, ou seja, 2003, mas não foi o que aconteceu. – Entrei na fila dos precatórios. Meu número é 741 do ano 2002. Agora, eles estão pagando o 455 de 1998. Receber eu sei que vou, mas dependo do governo – explica Paulo, que pretende, com o dinheiro, comprar um carro e uma perna mecânica – além de pagar o advogado. Com uma visão parecida com a do corregedor Zveiter, o presidente da Comissão de Defesa dos Credores Públicos, Eduardo Gouveia, luta para que o Congresso aprove leis que ojornal 2008-1ok.pmd 13 Ilustração: Thiago Carvalho dêem algum poder ao judiciário de “imunidade de execução forçada”, coagir os estados a pagarem os esta prerrogativa é concedida apenas precatórios. Mas nesse caso, a palavra a embaixadas e a países, ou seja, não prazo está longe de são obrigados a existir. pagá-la. – Precatórios só – É imoral que “Eles estão pagando existem no Brasil e eles não paguem, os precatórios de 98. este é o nosso não funcionam, então não prestam. O argumento. Eles Receber, eu sei que governo tem que usaram uma vou, só não sei pagar imediatatrabalhadora braquando” mente. Se o cidadão sileira e saíram não paga os impostos, daqui devendo.O o estado vai tomar próximo passo sedele. Então é preciso lhe dar o mesmo rá fazer o bloqueio de valores que eles direito de receber o que é seu – defende possuem em conta – explica a Eduardo. advogada. Kazue ganhou a ação, mas por causa de inúmeros recursos, o caso Devedor com imunidade Se processar o próprio Estado é dela foi parar no Supremo Tribunal, praticamente sinônimo de não receber, em Brasília. Enquanto isso, aguarda pior é esperar que outro país lhe pague. a indenização que já chega R$ 50 mil. Quando o escritório anexo do Ela acredita que vá receber o dinheiro consulado do Japão fechou, onde a e com ele sonha em viver em outro economista e descendente de país, já cogitou, apesar de tudo, morar japoneses Kazue Kawae trabalhou no Japão. Os recursos são grandes responpor dez anos, não lhe foram pagas as férias e horas extras, além de terem sáveis pela morosidade da justiça. descontado o seu Fundo de Garantia. Em 2007, no Rio de Janeiro, o Desde 1994, ela luta para receber seus número de recursos julgados nas direitos. Segundo a advogada dela, câmaras cíveis (não criminais) foi de Ana Paula Ferreira, o Japão 125.080. Neste ano, já foram mais de reconheceu judicialmente que deve 43.609, o Tribunal de Justiça dá dinheiro, mas o escritório alega como certo que a quantidade supere 26/3/2009, 17:17 o número anterior. Além da lentidão, outra conseqüência é o aumento do gasto da máquina judiciária, que sai do bolso dos contribuintes. Para Leslie Ferraz, professora e pesquisadora de direito da Fundação Getúlio Vargas, a lentidão também é causada pela falta de administração. Os juízes não dão conta da quantidade de processos. Para se ter uma idéia, só no Rio, há 10 milhões de processos – sendo que o estado pediu metade deles. Outro fator que influencia é a efetividade. Quem deve, às vezes, não tem como pagar e, em casos mais extremos, a pessoa não tem o que penhorar. – Lembro de um caso em que a casa do devedor era tão pobre, que o único objeto de valor era um pequeno tanque de lavar roupas, a juíza teve que levá-lo como parte do pagamento da indenização – conta Leslie Ferraz. Entretanto há quem ganhe com a morosidade. Segundo Leslie, os juros legais são de 1% ao mês e os bancos têm lucro com isso ao emprestar dinheiro. Quanto mais demorar um processo, melhor. Não viveu para receber Às vezes, a culpa é da conhecida burocracia. Armando Lourenço trabalhou no Banco do Brasil por 32 anos e nunca recebeu pelas horas extras. Aos 77 anos, já aposentado, soube que uma colega do trabalho havia conseguido o benefício do INSS e decidiu tentar. A filha, Fátima, deu entrada no processo em janeiro de 2007, e ele olhava todos os dia a caixa de correio na esperança de que a carta chegasse. Em dezembro, a correspondência chegou, mas Armando havia falecido cinco meses antes. A família tenta, agora, receber o dinheiro através da esposa dele, Dalva, já que a procuração morreu junto com ele. Mais uma espera se aproxima. – Não nos deram prazos. Acredito que vamos conseguir, só não sei quando – confia Fátima. Para quem ganha, mas não leva, os motivos são muitos e só resta mesmo confiar, como fazem Fátima, Kazue e Paulo. Enquanto isso, a justiça parece seguir surda, cega e muda diante da lentidão do sistema. 14 NO 13 - 2008/1 Medo de gente Julgamento alheio pode levar pessoas ao completo isolamento. E isso é mais comum do que se imagina Fabiano Soares Atualmente, P.S., 22 anos, estuda, sai com a namorada, com amigos, enfim, leva uma vida comum para alguém de sua idade. Mas aos 16 anos, ele passou 3 meses sem sair de casa, a maior parte em seu quarto, usando drogas, sem objetivos. Esse ermitão não agia por vontade própria, mas por causa do Transtorno de Ansiedade Social (TAS), antes conhecido como Fobia Social, nome alterado pelos psiquiatras porque não se trata de uma fobia. E é importante deixar claro que o total isolamento não é característica necessária do transtorno. O TAS consiste no temor a situações de exposição social, quando o indivíduo pensa que é sempre avaliado de forma negativa, e, embora saiba que o medo sentido é irracional, não consegue agir normalmente. Ele demonstra sintomas quando se depara com a situação que teme, ou então busca evitá-la ao máximo. Parece estranho, mas o TAS é o transtorno de ansiedade mais diagnosticado, mais do que o TOC ou Síndrome do Pânico. E o grau de TAS varia de acordo com os casos, podendo ser generalizado, quando a pessoa tem o temor da maioria das situações sociais (falar em público, ao telefone, escrever em público, se relacionar com pessoas do sexo oposto, etc.); ou não-generalizado, quando o temor é de uma ou mais situações específicas, sem caracterizar maioria, o que torna possível levar uma vida fugindo das situações que teme, e ser feliz assim. Já quem sofre do generalizado, adota a fuga com mais intensidade, o que pode levar ao isolamento em casa, para não se expor. Foi o caso de P.S.. Ele teve muita dificuldade para ir ao psiquiatra após ficar 3 meses sem sair de casa, e chegou a desistir na primeira tentativa. – Embora as pessoas olharem para as outras na rua seja normal, para quem tem fobia social o olhar do outro é incriminatório, é como se fosse uma facada. Eu achava que qualquer pessoa, olhando pra mim, sabia pelo que eu estava passando. E eu sabia que para ir ao psiquiatra precisaria passar por um vizinho, pegar o elevador, passar pelo porteiro e por pessoas na rua até chegar ao carro – conta P.S. sobre o que sentia. Perfil comportamental Ilustração: Fabiano Soares Sara Mululo, psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), trabalha atendendo casos de Ansiedade e Depressão, e traça um perfil comportamental do indivíduo que sofre de TAS: – Geralmente, o paciente não é popular, tem um pequeno círculo de amigos, mas é muito mais difícil fazer novas amizades (o novo em si é algo difícil para ele). Alguns, entre os amigos, sentem-se muito à vontade, não aparentando qualquer sintoma de TAS. Mas há graus mais altos de Ansiedade Social, nos quais o indivíduo não tem amigos, e vive só com a família, isolado. Mas o isolamento não é uma característica única ou necessária de quem sofre da doença. É um erro achar isso. Ela ainda diz que não há paciente de TAS que não seja perfeccionista, pois acha que está sempre sendo avaliado, mesmo por desconhecidos, e isso o faz não admitir erros seus. Essa cobrança exagerada gera ojornal 2008-1ok.pmd 14 uma baixa auto-estima na pessoa, pois ela acha que não consegue fazer nada direito, e isso faz com que esteja sempre abaixo de seu potencial: termina uma faculdade, mas vai trabalhar em algo que não exige nada do que estudou, por não se achar competente; casa com o primeiro parceiro que namora por não acreditar arranjar um melhor, etc. – Eles têm dificuldade de se comunicarem espontaneamente com os outros, em uma festa por exemplo. E se conseguem, o fazem de forma um pouco travada. Também não aceitam elogios dos outros, por acharem que não merecem, e têm dificuldade para conversar com pessoas às quais se sentem atraídos – explica Sara. Paula Vigne, psiquiatra do IPUB, diz que, para aliviar a ansiedade, a pessoa que sofre de TAS passa a não fazer nada, o que pode gerar uma depressão, ou a abusar de substâncias químicas. Muitos utilizam essas substâncias para encarar a situação a qual temem. Então bebem antes de uma reunião na qual terão que falar para desconhecidos, ou para se aproximar de alguém do sexo oposto. Essas fugas não dão certo, porque muitas vezes acabam atrapalhando ainda mais a pessoa, e podem acabar virando vício. Paula e Sara afirmam que a maioria das pessoas com TAS busca sozinha a ajuda médica, tamanho o sofrimento causado, mesmo que precise vencer alguns de seus medos. Tratamento farmacológico (à base de medicamentos anti-depressivos e ansiolíticos, geralmente controlados), que dura menos tempo, e o psicoterápico, que dura em média dois anos. São poucos os casos em que não são utilizados medicamentos. Os tratamentos psicoterápicos que obtêm melhor resultado segundo pesquisas mostradas por Sara são a psicoterapia cognitiva e a comportamental. Na terapia cognitiva, o psicoterapeuta tenta fazer o paciente entender que os pensamentos negativos automáticos que ele tem são frutos do medo irracional, e que ele deve pensar de forma mais realista; já na psicoterapia comportamental, o médico propõe atividades de exposição àquilo que o paciente teme. A exposição é sempre acompanhada pelo psicoterapeuta, e começa do mais fácil, apenas para o doutor ou até mesmo uma situação imaginária. E assim que o paciente consegue passar pela atividade sem os sintomas de ansiedade social, escolhe algo mais difícil, gradualmente. Sara contou alguns casos que chamam a atenção nesse tipo de tratamento, como quando o paciente pediu que o médico derrubasse bebida em sua roupa no meio do restaurante, para todos verem. Também há casos no metrô: um paciente decidiu fazer polichinelos na estação; outro, a cada parada, se levantava, falava o nome da estação para todos e o que a pessoa poderia encontrar no lugar. São situações que deixariam muita gente nervosa, e é preciso avaliar se esse nervosismo é comum, ou se ultrapassa os limites da timidez. Estando em dúvida, o melhor é procurar ajuda médica, e não deixar o medo irracional fazer de você um ermitão. P.S. foi levado ao psiquiatra pelos pais, e vê no tratamento um defeito: o uso de remédios controlados. Ele era dependente químico, e o uso do medicamento virou vício, tanto que chegou a se consultar com um psiquiatra uma vez apenas para obter a receita da droga. Ele considera que a recuperação maior Timidez x Ansiedade Social foi na clínica de reabilitação para Muitas vezes, pela falta de informação, as pessoas dependentes químiacham que se trata apenas de timidez, e só procuram cos, onde se faz uma ajuda quando não agüentam mais viver assim. A maior reestruturação psidiferença entre a timidez e o Transtorno de Ansiedade cológica da pessoa. Social é que as pessoas com TAS apresentam sintomas No IPUB atufísicos, como taquicardia, tontura, rubor facial e almente são feitos respiração ofegante. dois tratamentos paralelamente, o 26/3/2009, 17:17 15 NO 13 - 2008/1 Abracadabra: o público sumiu! Mágicos de festa infantil contam dificuldades de conquistar as crianças Fabíola Gerbase O primeiro pedaço do bolo da festa de aniversário de um menino de sete anos costuma parar nas mãos do pai da criança, da mãe, de um colega da escola ou de algum outro parente. Para surpresa geral e quase indignação materna, o aniversariante Mateus, depois de soprar suas velinhas, escolheu Janjão, o mágico da festa, para receber a disputada fatia. Afinal, logo depois do "parabéns", Janjão fizera aparecer uma vela gigante no ar. O episódio aconteceu há mais de dois anos, mas ainda é uma das lembranças preferidas da carreira do mágico, que começou em 1978 na Feira Hippie. A situação é hoje bastante diferente de seus tempos de iniciante. Manter as crianças sentadas e "comportadas" durante uma apresentação de mágica se tornou tarefa bem mais complicada. Mais ansioso e impaciente, por vezes, o público nem mesmo deixa o mágico chegar ao fim do número; os pequenos se levantam para fazer outra coisa. A homenagem do aniversariante que fez Jorge Araújo, o Janjão, quase chorar não seria tão inusitada em outros tempos, ele conta: – As crianças são muito mais agitadas. É preciso ter um super repertório para segurá-las até o fim. Procuro seguir a mídia e entrar no universo delas, incorporando os desenhos animados, filmes, livros infantis. Reciclar ajuda a não cair na rotina. Uso muito o Harry Potter, por exemplo. Faço um número de levitação que elas adoram. Público acelerado Gerardi, outro mágico de longa data, prefere não fazer grandes mudanças em seu show, que, desde os anos 80, inclui um número de ventriloquia, com Joca, o Jacaré. O segredo de Gerardi, acredita ele, não está nas mágicas em si, mas na forma de apresentá-las, usando o tom de voz certo, músicas e a participação da platéia. Mas, considerando as reclamações de Gerardi sobre a impaciência das crianças, "muito aceleradas pela pressa dos dias atuais", os números de magia nem sempre conseguem fisgar a atenção do público infantil. ojornal 2008-1ok.pmd 15 – Antigamente era possível se comunicar de forma mais tranqüila com as crianças. Elas ficam muito ansiosas pelo desfecho da mágica. Não posso mais fazer tanto suspense. Acho que elas eram mais educadas também. A mãe é mais ausente hoje, por estar no mercado de trabalho. As crianças são criadas pelas creches ou pelas babás. É uma educação terceirizada – avalia Gerardi, que reduziu o tempo de apresentação de uma hora para cerca de 45 minutos e faz uma média de 40 shows por mês. Ainda que as dificuldades com as crianças sejam maiores, Gerardi e Janjão, que cobram R$ 350 por uma apresentação, conseguem sobreviver diferentes assessórios formam praticamente um parque de diversões. – Fazer mágica em lugares assim é como músico que toca em churrascaria. Ainda existem algumas casas com espaço reservado para recreação, shows de mágico e palhaço. Como é separado do resto, fica mais fácil. Em play também é melhor – explica Gerardi. São as casas de festas, porém, que garantem boa parte dos trabalhos dos mágicos. Alguns pacotes, como o da casa Espaço Encantado (com duas filiais em Laranjeiras e outra em Botafogo), incluem o show de mágica. Alex e Ramon são outros dois mágicos cariocas que costumam ser convocados O número de ventriloquia arrancou algumas risadas no salão, mas os olhos ficaram mesmo arregalados com os truques de Gerardi. A bolinha que troca de lugar, os lenços que somem e o guarda-chuva que se desfaz agradaram as crianças. Ao longo do show, Gerardi chama ajudantes, momentos em que vários voluntários aparecem. O mágico conta que o recurso serve também para criar certa confusão e encobrir algum truque que dá errado, prato cheio para as crianças mais velhas, que mostravam algum prazer em tentar desmascarar a mágica e gritavam saber o segredo por trás do número. No fim do show, algumas crianças já não estavam mais na platéia. Mas a tarde teve um fator extra: o dente da menina Julia caiu e atraiu alguns pequenos curiosos para o banheiro. Mágico, palestrante ou roqueiro? Quase no final do show de Girardi, parte das crianças já estava fazendo outras coisas fazendo passes de mágica. Janjão conta que a agenda costuma ficar lotada nos fins-de-semana. Ele se divide, ainda, com o trabalho em uma oficina de mágica no Rio Design Leblon, onde vende os brinquedos de magia que fabrica em uma oficina caseira. Segundo ele, o ovo mágico, um clássico da infância de muito marmanjo de hoje em dia, continua sendo dos mais vendidos. As três cordas que viram uma só também fazem sucesso. A enorme oferta de atrativos para as crianças nas casas de festas atuais é um desafio para os mágicos. Fliperamas, totó, pula-pula, piscina de bolas, brinquedos gigantes e os mais para entreter os convidados mirins. Em geral, é em meio a video-games e escorregas que Gerardi começa seus shows com o boneco Joca, o Jacaré. O aniversário de quatro anos de Pedro Henrique foi comemorado em uma dessas casas, a Tudo Bem Rio, em Botafogo. O público, com crianças de 3 a 10 anos, começou bem interessado na apresentação. Gerardi fala com Joca, que responde às piadas do mágico. A técnica de Gerardi impressiona por não deixar transparecer que é ele falando pelo jacaré. Até os adultos da festa chegaram a pensar que havia um sistema de som em uso, porque Gerardi mal move os lábios quando é a vez de Joca falar. 26/3/2009, 17:17 Em alguns momentos, os adultos pareciam mais interessados do que as próprias crianças. Gerardi sabe bem lidar com o público mais velho. Formado em marketing, ele usa a mágica, desde 1997, para fazer "palestras motivacionais" em empresas, sua outra fonte de renda. Janjão também trabalha com adultos. Uma vez por semana, ele sai a pé de casa, no Leblon, vestido à caráter, para o bar Conversa Fiada, onde se apresenta enquanto os clientes aguardam o pedido. Seus filhos, de 14 e 15 anos, reclamam do pai "pagar o mico" de andar pelo bairro com uma capa vermelha nas costas. Mas ele não se importa. Até na padaria Janjão costuma mostrar seus truques. Por trás do nome fanfarrão, já esteve o vocalista da banda de rock "Boca de Cabelo", que chegou nos anos 80 a tocar nas rádios o quase hit "João Bigode", uma referência tosca ao clássico "Johnny Be Good", do americano Chuck Berry. Mais de vinte anos depois, Janjão não tem dúvida: – Com o nome dessa banda, não ia dar certo mesmo. Naquela época a mágica era hobby, influência do meu avô. Depois virou um prazer diário. Eu me satisfaço até hoje arrancando sorrisos das pessoas, principalmente de crianças. Vale a pena o esforço. 16 NO 13 - 2008/1 Religião de salto alto Apesar das dificuldades, cada vez mais mulheres sobem ao altar Rodrigo Canuto Na esquina da rua Dr. Mário Viana e a avenida Ary Parreiras, em Niterói, uma placa indica a Igreja Apostólica Projeto IDE (Integrando, Discipulando e Expandindo o Evangelho e o Reino). Ultrapassando duas portas à direita e subindo a escada, chega-se a um amplo galpão bem iluminado e ventilado. Todas as quartas às 15 horas, cerca de 30 mulheres se reúnem ali num culto para pedir proteção a seus filhos. Algumas carregam fotos. No palco à frente dos bancos, a pastora Sara Silva narra a luta de Davi contra o gigante Golias. À esquerda, a missionária Paula a ouve com atenção ao lado do pastor Jackson. Mulheres celebrando cultos não é mais novidade nas igrejas protestantes. Entretanto, essa presença nos altares ainda é alvo de muita polêmica. Enquanto a Igreja Católica nem discute a possibilidade, as igrejas evangélicas debatem se pastoras e missionárias têm respaldo do Evangelho. Para o pastor Antonio Gilberto, consultor teológico da Assembléia de Deus, não é correto. “Algumas igrejas o fazem, mas sem o suporte das Escrituras Sagradas”, diz. A presença feminina nas celebrações da Assembléia de Deus é proibida, mas em algumas igrejas de localidades menores, as mulheres marcam presença. As igrejas Luterana e Metodista não têm nenhum impedimento ao cargo. Para esses Ministérios, não há diferença entre os sexos perante os olhos de Deus. Tanto que, nos Estados Unidos, há duas pastoras luteranas lésbicas assumidas. Elas não foram proibidas de exercer seu trabalho dentro das igrejas. O padre Luís Sant’anna, da paróquia de Santa Rosa, explica que na Igreja Católica homens e mulheres têm papéis diferentes. Os homens têm a função de ser exemplo de liderança espiritual. Já as mulheres têm que exercer menor autoridade. Por isso, os padres podem realizar os rituais católicos. Às mulheres cabe cuidar da administração da Igreja e do ensino ojornal 2008-1ok.pmd 16 religioso. “É simplesmente a maneira que Deus designou o funcionamento da Igreja”, completa sem margem para discussão. A Convenção Geral da Assembléia de Deus exprime a mesma idéia. “Jesus teve algumas auxiliares mulheres. Eram santas que o serviam e aos seus apóstolos de várias maneiras até a cruz. Mas ele nunca as nomeou para o Santo Ministério”, afirma o pastor Antonio Gilberto. Na Igreja Batista Central, as esposas dos pastores são consideradas pastoras. Mas elas não celebram cultos. Essas pastoras têm outras responsabilidades tais como: relacionar-se com a comunidade, cuidar da parte administrativa da Igreja, cuidar para o bom entrosamento dos fiéis e, principalmente, zelar pela boa imagem de seus maridos. Em hipótese alguma elas devem chamar mais atenção que o marido. “É uma responsabilidade muito grande, mas que acaba por ser gratificante”, conta uma dessas pastoras que preferiu não ter seu nome citado. A pastora Sara Silva não revela se acredita que essa posição de algumas igrejas pode ser considerada machismo. “Acredito que tanto uma mulher quanto um homem podem evangelizar da mesma maneira. A palavra de Deus é uma só e igual para todos”, diz. Sara é a presidente do Projeto IDE. Esse projeto nasceu, de acordo com ela, de uma revelação que Deus lhe fez. Para realizá-lo, ela viajou pela África e Japão. No continente africano, abriu 10 igrejas. Décima sexta filha de um casal de missionários, Sara também é cantora e lançou recentemente seu terceiro CD. Depois de dois álbuns solo, ela chamou vários parceiros da música gospel em um CD muito elogiado pela crítica especializada. Dona de um timbre grave, sempre emociona as mães do culto de quarta-feira. Quando ela não pode estar presente, graças a sua corrida agenda, a missionária Paula e o Pastor Jackson assumem o comando. surgiu o Projeto IDE. Somente ajudando essas comunidades carentes, seria possível evangelizar mais pessoas e expandir o Reino de Deus. Mesmo sendo criada em uma família de missionários, Sara diz que recebeu um chamado de Deus para evangelizar. Desde o início foi apoiada pelos pais. Ela acredita que sua voz é um dom divino e a usa como instrumento para esse trabalho. “Muitas mulheres acabam se tornando A pastora Sara Silva na divulgação de seu 3º CD pastoras de tanto acompanhar o trabalho de “Prefiro quando o culto é seu marido. É o que geralmente realizado por uma mulher”, diz a fiel acontece. Mas eu recebi a glória Cláudia Souza, longe do pastor quando nova. Desde pequena sempre Jackson, “elas conseguem tocar cantei em cultos. Pra me tornar uma melhor nosso coração”. Evellyn missionária de verdade, foi Cristiane pensa diferente: “não vejo relativamente fácil”. Por e-mail, Jussara Gomes, da diferença entre o culto de um ou de outro. Pra mim, o importante é Comunidade Evangélica Nova Vida de Araruama, conta que se tornou ouvir a palavra de Deus”. O Projeto IDE atende a pastora por influência do marido. comunidades carentes em vários Certo dia, ele estava doente e não pontos do estado. Oferece aos poderia realizar o culto. Com pena moradores também a chance de de ter que mandar os fiéis de volta profissionalização, bem como opções pra casa, ela decidiu conversar com de divertimento aos jovens. Em os presentes e citou o que seu Niterói, há o salão de beleza Maison marido havia preparado para a IDE e a Fashion IDE, butique com celebração. “Foi ótimo!”, escreveu roupas costuradas pelas fiéis. Já em ela, “Tive um desempenho excelente. Cabo Frio, há festas e raves com A partir desse dia, passei a me temática gospel sem venda de bebidas dedicar também a me tornar pastora. E fui bem aceita na alcoólicas. O padre Luís Sant’anna elucida comunidade”. Hoje o casal divide os também que o papel das madres e cultos em uma casa na cidade da irmãs na Igreja Católica é parecido. Região dos Lagos. Com ou sem o suporte da Bíblia, Mesmo fazendo os mesmos votos que os homens, seu papel é outro. Elas a verdade é que as mulheres estão devem cuidar da comunidade em assumindo seus espaços de liderança seus conventos e orfanatos. Além também no meio religioso. A disso, devem prestar serviços polêmica ainda é grande em alguns administrativos à Igreja, quando lugares, enquanto, em outros, a não há fiéis disponíveis para fazê- religião de salto alto já venceu a lo.Sara diz que essa preocupação de guerra. Cabe aos fiéis escolherem se cuidar da comunidade geralmente é preferem homens ou mulheres no elegada às mulheres. “O homem tem altar. “Eu divulgo a Palavra da que ser o líder, o exemplo. A mulher melhor maneira que posso. O fato acaba cuidando da comunidade com de ser mulher não interfere nisso”, maiores preocupações”. E foi daí que finaliza Jussara. 26/3/2009, 17:17 17 NO 13 - 2008/1 Eu tenho a Força! Levantamento de peso é coisa de Super-Herói Joyce Freitas Os atletas de força são, no mundo real, o que os heróis são nas histórias em quadrinhos e nos desenhos animados: pessoas de grande capacidade física, determinadas a fazer o que os “humanos normais” não conseguem. He-Man e She-Ra enfrentam a concorrência dos fortes de carteirinha – seja da academia ou da Confederação: os Atletas de Força. Há algum tempo, os praticantes do levantamento de peso eram conhecidos como halterofilistas, mas o nome foi substituído: halterofilismo designava toda atividade que usasse os halteres, mas estes esportistas demonstram sua força com equipamento mais prático e seguro. Diversos motivos podem levar pessoas comuns a superar os limites do próprio corpo e trabalhar a força a ponto de erguer centenas de quilos. Alguns buscam o esporte para se mostrar fortes. Outros, só para praticar uma atividade que envolva musculação ou simplesmente por “diversão”. Igo Costas conta por que buscou essa modalidade. Hoje, Igo é estudante de Engenharia Eletrônica, mas aproximadamente quatro anos atrás ele não era só isso: era, também, um atleta de levantamento de peso. Aos 19 anos ele começou o treinamento. A musculação que fazia na Academia Pitbull rendeu o convite do professor Rafael Jordão para que ele fizesse levantamento de peso. O treinador o convidou por achar que “levaria jeito pra coisa”, e a curiosidade impulsionou Igo a aceitar. A rotina era simples, de acordo com o próprio atleta: aquecimento e partir para o ataque, ou melhor, para o levantamento. Os exercícios eram alternados por semana, para que ele treinasse o tipo “terra” e o “agachamento”. Com apenas dois meses de prática, Igo foi campeão nacional de Levantamento tipo terra em um campeonato promovido pela Confederação Brasileira dos Atletas de Força (CONBRAFA). Ele alcançou o 1º lugar nas categorias “teen 2” e “open”. “O que não é tão absurdo – afirma - visto que nessas categorias ojornal 2008-1ok.pmd 17 levantamento de peso. Mas ambos concordam em um ponto muito importante para os atletas: a falta de visibilidade do esporte. Rogério Camões comenta que o Levantamento de Peso Olímpico já aparece pelo que o próprio nome diz: participa das Olimpíadas, as pessoas já ouviram falar. Já o Levantamento de Peso Básico (modalidade na qual os dois treinaram) é amador, não tem essa visibilidade. Igo acrescenta que o esporte não dá retorno para incentivar os halterofilistas. Ele mesmo via apenas como diversão: – Impossível alguém, no Brasil, encarar isso como profissão. Nenhum dos competidores que conheci conseguia sobreviver disso, raros conseguiam algum incentivo e, quando conseguiam, não era o suficiente pra bancar os gastos básicos de um indivíduo. Todos ganhavam seu sustento trabalhando. Os que praticam fazem porque gostam e conciliam seu tempo. O próprio Igo abandonou o esporte por esse e outros motivos: o professor saiu da academia, e a partir de Levantamento de Peso - Modalidade: Arranque então ele treinava sozinho. Além disso, coluna. O agora engenheiro explica que ficou difícil conciliar faculdade e treinos existem cuidados e técnicas para se – e exatamente porque o esporte não levantar o peso sem que aconteçam dá retorno, a faculdade foi a melhor danos. Caso ocorram, provavelmente foi opção. O depoimento dos atletas prova um erro ou falta de cuidado do praticante, como postura incorreta ou má que há muitas atividades interessantes colocação da cinta (que se usa na altura e com muitos praticantes que ficam da cintura e deve ficar bem apertada esquecidas. O Tae Kwon Do, por exemplo, só se destacou quando Diogo para manter a coluna no lugar). Outro campeão brasileiro que Silva venceu os Jogos Pan-americanos falou sobre o esporte é o também ex- em 2007, no Rio, assim como o atleta Rogério Camões. Ao contrário badminton passou a ser conhecido no de Igo, Rogério não trocou de área país nessa época. Mas poderia ser quando deixou o levantamento. diferente. Os esportes podem ser mais Atualmente, ele é treinador de luta em divulgados, atraindo as pessoas a uma academia na Barra da Tijuca, da conhecê-los e praticá-los. E se os qual é um dos donos. Muitos lutadores atletas tivessem melhores condições para continuar na atividade, se campeões foram alunos dele. Igo e Rogério foram bem- sentindo incentivados, o Brasil poderia sucedidos enquanto praticaram formar muitos outros campeões. tinha poucos competidores no meu peso”. Igo afirma que não teve problemas com as pessoas de seu convívio quando começou a praticar o esporte. – Minha família pensava que eu poderia me machucar seriamente, mas não foi uma questão de condenar a prática... Uma mera preocupação, até porque eu era bem novo. Mas ninguém se opôs e até foram no meu campeonato assistir. O atleta conta curiosidades e desmistifica o Levantamento de Peso. A força e o físico do atleta, por exemplo, nada têm a ver com sua sexualidade – de acordo com Igo, uma associação muito comum. Há também uma questão que intriga especialmente os não praticantes: erguer os halteres de centenas de quilos seria prejudicial à 26/3/2009, 17:17 Para entender o Levantamento de Peso O Levantamento de Peso Olímpico está nos Jogos da Era Moderna desde 1896, em Atenas. Envolve duas modalidades: arranque e arremesso. Arranque é quando o atleta levanta a barra de uma vez, do chão até acima da cabeça. Já no arremesso, ele levanta até a altura dos ombros e, em seguida, eleva acima da cabeça. Os pesos são identificados pela cor: o de 45kg é verde, de 25kg é vermelho e de 20kg é azul. O Levantamento de Peso Básico possui três modalidades: agachamento, supino e levantamento terra. Em todas, o esportista faz um único movimento para levantar os halteres, que têm mais de 100kg. Em competições, o vencedor é o que conseguir erguer o maior peso, resultado da soma dos quilos erguidos nas três categorias. Para tanto, ele tem três chances em cada uma. Há sempre ajudantes posicionados ao lado do competidor, tanto para segurar os halteres quanto o próprio praticante, caso aconteça um acidente. No agachamento, o atleta ergue os halteres, que ficam apoiados em uma base (como se fossem dois tripés, lado a lado) e os apóia nos ombros, por trás do pescoço. Isso tudo enquanto está agachado, como se estivesse sentado em uma cadeira imaginária. No supino é utilizado um aparelho comum em academias, no qual a pessoa se deita para levantar os halteres, posicionados na base que fica acima de sua cabeça. O “levantador” precisa tirar a barra daí e mantê-la erguida, com os braços esticados, o quanto puder. Finalmente, o levantamento terra mostra ser o de maior esforço: o atleta ergue o peso de centenas de quilos a partir do chão, até acima da cabeça, em um único movimento. Em todas as categorias, depois que o “Poderoso Hulk” demonstra sua habilidade, ele joga o haltere no chão. 18 NO 13 - 2008/1 Pelos poderes da lua Um pouco das histórias de quem acredita e põe fé no poder lunar Giuliana Azevedo Na lua cheia a vida encontra todo o seu vigor e na lua minguante ela se esvai. Funcionando como termômetro das emoções humanas na mística popular, a crença no astro tomou proporções bem maiores com a materialização de sonhos antigos: casamento perfeito, cura para doenças e cabelos que alcançam sua melhor forma. Paulo é um dos que crêem que a compatibilidade astrológica garante tanto uma união feliz como até a prevenção de barriga saliente e celulites. Com experiência comprovada, o estilista capilar Hélio, na sua longa carreira de mais de seis décadas, garante que, de posse do mapa astral, o cliente pode descobrir a melhor época para cortar os cabelos. Mas, para Juliana não tem conversa: a lua não influencia em nada no crescimento dos cabelos. Sua avó, apesar do costume de cortar os cabelos na lua cheia, morreu com ele minguado. E se esses indícios demonstram uma certa magia nas situações descritas, no caso de Eduardo o que imperou foi a força religiosa: a observação de fenômenos astronômicos levou-o à conversão ao cristianismo. Há 10 anos, o astrólogo Paulo Randow promove através do seu site, Casal Perfeito, análise de mapas astrais para quem deseja encontrar seu par ideal, numa relação que, sem muitos conflitos de planetas, tem tudo para dar certo. Isso funciona da seguinte forma: a pessoa se inscreve no site fornecendo dados pessoais, características físicas, hora do seu nascimento, etc. Ela receberá por email uma relação de pessoas compatíveis, sendo que numa variação de 0 a 10 será informada somente das marcas que atingirem nível maior do que 8. Depois disso, os casais em potencial se encarregam de marcar os encontros. Nesses mapas astrais, itens como comunicação, afetividade e sexualidade são analisados com base na posição dos astros. A posição da lua no dia do nascimento de uma pessoa, por exemplo, pode trazer revelações sobre seu lado emotivo, pois ojornal 2008-1ok.pmd 18 com uma lua em Áries ela tende a ser impulsiva; em Escorpião, a ser mais vingativa. Mas quais são as conseqüências para um casal que tem compatibilidade mínima? Segundo o astrólogo, todos os problemas de um casal são derivados de sua falta de afinidade astrológica. Como conseqüência, passam a se agredir com facilidade. E, se essas complicações começarem a prejudicar a saúde dos cônjuges, os sintomas podem ser os piores possíveis: a barriga saliente nos homens e celulite nas mulheres! Para os que ainda duvidam do método “Casal Perfeito”, saibam que ele é tão eficaz que até o seu “criador” já desfrutou dos benefícios. Paulo Randow diz que conheceu sua esposa, Fernanda, pela Internet e após lançar seus dados no site descobriu que a afinidade entre eles era de 9,3. Entusiasmado com o resultado, insistiu para que Fernanda deixasseo se aproximar, pois “sabia que nossa compatibilidade astrológica faria o resto”, conta. Além da Sinastria (estudo da afinidade entre duas pessoas), o método também é eficaz para saber mos sobre eventos específicos em nossas vidas. Paulo Randow explica que se calcularmos os ângulos dos astros em movimento com a lua veremos quais são as melhores épocas para o corte de cabelo e para marcar férias. Lua em Vênus (planeta relacionado aos prazeres) pode ser um presságio de que as férias serão inesquecíveis, mas se a lua estiver em Plutão (planeta relacionado a conflitos)... é melhor você não sair de casa! Porém, o mais incrível é saber que conhecendo seu mapa astral você pode se preparar para a chegada de situações difíceis. “Quando passei por um aspecto de Netuno com a Lua em meu mapa, foi um período muito difícil e tive a sorte de saber quando iria começar e terminar”, revela o astrólogo. Para a psicóloga Liliana Wahba, o ser humano tende a projetar conteúdos psíquicos inconscientes no mundo que o rodeia. No entanto, isso não significa para ela que recebemos da lua influência direta em nosso comportamento ou corpo. Mas o que princípio. Mas, depois, a curiosidade para alguns beira o campo da fantasia, tratou de atrair os fiéis. Eduardo repara outros se constitui em filosofia lata que acredita na interferência de vida. física da lua, por isso não descarta Ainda muito cedo, Marilza Eches que ela possa exercer influência nos cultivou a fascinação pelo estudo dos corpos, na pesca e na agricultura. No astros. Astróloga e webdesigner, entanto, rejeita qualquer forma de conta que aos 7 anos já procurava ação da lua na área comportamental. conhecer os signos das pessoas e Além de astrônomos e astróloanalisar seus comportamentos. Com gos, outros profissionais acreditam no o passar do tempo, poder lunar. Os cabeleireidescobriu que a astrologia ros, por exemplo. Quem era mais do que simples nunca ouviu falar que o previsões de revistas: era, cabelo cresce mais rápido se de fato, uma ciência cortado na lua crescente? milenar. No seu site na Ou que na lua cheia ele fica Internet, Aquário - Cursos mais cheio? Para o de Astrologia, é possível cabeleireiro Henrique conhecer um pouco mais Catharino, a lua influencia, sobre os estudos de sim, no crescimento dos Tony pretende Marilza, dos quais podemos cabelos, mas o corte regular lançar, no salão, o destacar um post em sem uma boa alimentação Dia da Lua especial: conheça sua não basta para que eles Crescente criança interior através da cresçam lindos e saudáveis. posição de sua lua natal. Mas é o barbeiro Hélio, mePara a astróloga, esse lhor dizendo, estilista, como prefere autoconhecimento ajuda aos que ser chamado, que vai mais fundo nessa pretendem conhecer seu lado mais crença. Para o profissional de 80 anos infantil e até a solucionar problemas de idade e mais de 60 anos de careira, mal resolvidos na infância. Apesar de se tivermos a data do nosso nascimencobrar pelos cursos que fornece online, to é possível através de um mapa não vive desta profissão e enfatiza: “A astral saber qual a melhor época para astrologia é uma grande paixão, e um corte. Aliás, durante a entrevista, ultrapassa a área profissional”. um de seus clientes, Wilson Coelho, No caso de Eduardo Baldaci, alfaiate, chegou e nos confessou que, pastor evangélico e astrônomo ama- quando vê que a lua está cheia, sabe dor, o fascínio pela ciência também que está no período certo para cortar veio desde cedo. Durante a infância, os cabelos, que certamente crescerão com a observação dos astros, come- mais cheios. Para ele nunca falhou. çou a acreditar na possibilidade de Mas para outros o resultado não é o existir um Criador. Na adolescência, mesmo. lendo a Bíblia, procurava por relatos A cabeleireira Juliana Pureza, 30 de eventos astronômicos, como o anos de idade e 10 de profissão, diz eclipse no momento da morte de Je- que não acredita em nada disso. “A sus. Se para ele os assuntos minha avó só cortava o cabelo na lua científicos abordados já estavam su- cheia, e acabou morrendo com o cabelo ficientemente atestados, restava minguado”, garante. Por fim, há os agora estudar um pouco mais a que não acreditam na superstição, no Bíblia, o que resultou em conversão entanto, não vêem motivo para não ao cristianismo. Mas a partir daí se aproveitarem do imaginário começava a sua odisséia. Não popular para atrair clientes. conseguindo ingressar na faculdade Pensando nisso, o cabeleireiro Tony de astronomia, resolveu faz er pretende lançar o Dia da Lua teologia. Porém um pastor-astrôno- Crescente, que já existe em São Paulo, mo não é muito convencional, o que quando oferecerá 50% de desconto no lhe fechou algumas portas, a corte. Imperdível, não? 26/3/2009, 17:17 19 NO 13 - 2008/1 Pimentões de carteirinha Queimaduras por bronzeadores caseiros são mais comuns hoje do que antes da cultura da fotoproteção Julia Wiltgen Nunca se teve tanta consciência da importância da proteção contra o Sol quanto nos dias de hoje. Se há 30 anos um bronzeado era sinal de saúde e beleza, nos anos 2000 muita gente já não se incomoda em ser branquinha e não sai de casa sem filtro solar. Na contramão disso tudo, ainda há aqueles que ignoram todos os riscos se atiram de cabeça na busca do bronzeado perfeito. O chefe do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital do Andaraí (CTQ-Andaraí), Luiz Macieira, afirma: casos de queimaduras solares graves devido ao uso de bronzeadores caseiros nunca foram tão comuns. Macieira explica que os meses de maior incidência são os de primavera e verão. As vítimas, normalmente mulheres jovens, querem recuperar rapidamente o bronzeado perdido durante o inverno e acabam se acidentando com os produtos que preparam. O de uso mais freqüente, segundo o especialista, é o chá de folha de figueira, que chega a levar ao CTQ mais de 50 pacientes por mês, no período de setembro a março. A folha de figueira possui uma substância chamada psoraleno, presente também nas frutas cítricas, que poder queimar profundamente a pele ao entrar em contato com os raios solares. Só houve, no CTQ, um caso de morte por uso desse chá até hoje, uma paciente que teve mais de 50% da superfície corporal queimada. Mas Luiz Macieira alerta: “Foram várias as ocasiões em que as pessoas ficaram com seqüelas definitivas, como manchas e cicatrizes,” diz. O chá de folha de figueira não é a única receita. Coca-Cola, óleo de avião e óleo de urucum também constam nessa lista, muitas vezes associados. Os médicos afirmam que esses produtos não têm qualquer ação bronzeadora e podem causar, além de queimaduras, alergias sérias. Alguns “alquimistas modernos”, entretanto, ainda defendem que certas misturas funcionam, e muito bem. A coordenadora de projetos Ana Beatriz Fernandes, 39, tem uma ojornal 2008-1ok.pmd 19 receita que usa há mais de 20 anos: óleo corporal e vaselina líquida. Ela diz que não recomenda seu uso a ninguém, pois embora nunca lhe tenha feito mal, poderia não cair tão bem para os outros. Mas a moça garante: “Minha pele fica muito hidratada, e o bronzeado, muito bonito.” se cuida. Só usa produtos indicados pelo dermatologista e não sai de casa sem filtro solar, apesar da pele morena. Ela atribui as “loucuras” daquela época não só à falta de consciência em relação aos perigos do Sol, mas também à escassez de produtos bons e de preços acessíveis Hipoglós na pele, quando ainda não existia filtro solar. Mais tarde, era a única dentre as amigas que usava protetor, sem ligar para as implicâncias de que ia ficar branquinha. “Não tenho coragem de cobrar que um paciente use proteção se não dou o exemplo. Hoje temos o conhecimento de que a exposição ao Sol aumenta o risco de câncer de pele e acelera o envelhecimento,” completa. Conscientes, mas nem tanto Dr. Luiz Macieira: Seqüelas das queimaduras podem ser irreversíveis. Morenos ontem, branqui- no mercado, tanto para bronzear nhos hoje quanto para proteger. “E é normal No entanto, já existem aquelas pessoas que desistiram dos produtos mirabolantes e das horas de praia por um estilo de vida mais saudável. A designer Maria Cecília, de idade não revelada sob hipótese alguma, já foi adepta de Coca-Cola, óleo de urucum e até parafina de prancha de surfe, quando era adolescente, nos anos 80. Chegou até a preparar, com uma amiga, uma mistura de cenoura, beterraba, restos de bronzeadores e óleo de urucum. Segundo ela, foi o produto que, até hoje, deixou seu bronzeado mais bonito. Mas a farra acabou no dia em que o vidro estourou dentro do armário da sua companheira de experimentos. “Acho que aquele negócio fermentou, sei lá. Sujou todas as roupas dela,” conta, rindo. Apesar das aventuras, Maria Cecília afirma que nunca teve problemas de pele por causa da mania de se bronzear, mas que hoje em dia fazer esse tipo de coisa nessa idade. Adolescente não tem medo,” diz. Mas nem todos tiveram a sorte de nunca terem sofrido as conseqüências da falta de cuidado. A dermatologista Cátia Santos (nome fictício), uma apaixonada por praia desde criança, queria, na juventude, o bronzeado de Sônia Braga em “Gabriela, Cravo e Canela”. Usava uma série de produtos improvisados, como Coca-Cola, óleo de coco, de urucum, de avião etc. Aos 43 anos, descobriu um câncer de pele no rosto, do tipo Carcinoma Basocelular (mais brando). Ela venceu a doença após cirurgia e afirma: “Hoje não descuido mais da fotoproteção diária.” Exemplo da época em que vivemos, sua filha, a também dermatologista Joana Santos (nome fictício), teve uma infância e uma adolescência bem diferentes. Outra apaixonada por praia, era obrigada pela mãe a usar viseira e passar 26/3/2009, 17:17 O uso de produtos improvisados não é a única conduta inadequada do brasileiro em relação à exposição ao Sol. Apesar de o primeiro filtro solar ter surgido em 1984, muitos ainda não incorporaram o hábito de se proteger, aumentando os riscos de quei-maduras, câncer de pele e envelhecimento precoce. É o caso da contadora Mônica Fernandes, que não usa a fórmula bronzeadora da irmã Ana Beatriz, mas também descuida do filtro solar. “O único produto que eu uso é bronzeador. Nem embaixo da barraca eu fico. Protetor solar só no rosto e de alguns anos para cá,” conta. Resultado: teve insolação várias vezes e já chegou a ter febre e ir parar no hospital por causa de queimaduras graves. Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) mostram que Mônica não está só. Aliás, ela pertence à maioria. O índice de uso de filtro solar pelos brasileiros fica entre 10% e 20% e mesmo o uso de chapéus não ultrapassa os 30%. Talvez isso explique, em parte, por que o câncer de pele é o de maior incidência no país: para os anos de 2008 e 2009, o INCA prevê que esse tipo constituirá mais de 25% de todos os casos da doença no país. 20 NO 13 - 2008/1 Emoções sobre quatro rodas Alegria, lágrimas e até socos fazem parte da vida de quem anima festas com um carro enfeitado Talita Duvanel Todos os dias, um Gol branco sai de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e ganha as ruas da cidade. Enfeitado com bolas de todas as cores, laço colorido no capô, sirene e outros badulaques a gosto do freguês, ele segue em busca da reconciliação de casais antes apaixonados, da surpresa de aniversariantes e festividades diversas. Comandando o espetáculo estão os parceiros Marisa Gonçalves e Damião dos Santos, casados há 12 anos, e há seis no inusitado serviço de mensagens ao vivo. Para quem está cansado de dar flores, bombons ou as famosas “lembrancinhas” em datas importantes, o produto do casal é uma alternativa: um carro adornado com penduricalhos diversos, uma locutora declamando poemas, quase uma festa surpresa no meio da rua. Antes motorista de ônibus, Damião largou o volante dos coletivos para pilotar o carro da firma idealizada por sua esposa, a Toque de Emoções. Marisa trabalhava como despachante na mesma empresa do marido e, ao ser demitida, resolveu criar seu próprio negócio. Com o dinheiro da indenização, comprou um Gol e convenceu o companheiro a participar dessa arriscada jogada. Ele no volante e ela no microfone. Demorou um ano para o casal começar a colher os frutos da empreitada. A dedicação e o esforço pela qualidade fizeram dos serviços da dupla um das mais populares do bairro. Desde a ornamentação do carro, passando pelo tempo das mensagens, até o relacionamento com o cliente, tudo foi pensado para deixar os concorrentes para trás. “Sou a locutora que revolucionou esse serviço aqui no bairro, a começar pelo tempo. As pessoas faziam as homenagens em 15 minutos. Na Toque de Emoções não faço menos de 30”, garante Marisa. A micro-empresária também acredita que o tratamento diferenciado é a ojornal 2008-1ok.pmd 20 chave do sucesso. “Dou muita atenção a todos, principalmente às famílias. Trato todo mundo bem, do pobre ao rico, do bandido ao artista”. O sucesso do negócio possibilitou ao casal a compra de mais um carro (um Corsa modelo novo), a contratação de dois funcionários (mais um motorista e uma locutora) e o incremento da aparelhagem de som. Nos fins de semana o movimento é mais intenso e, por isso, toda a frota vai às ruas. Nos sábados de maior movimento são entregues até 14 mensagens. Os preços dependem dos trabalhava nesse lugar. E nós fomos, mas claro que não deixei meu marido sair do carro”, ri Marisa. “Mas o recado foi bem rapidinho, afinal a menina estava em horário de trabalho, né?”. Os maus bocados também não são poucos nesses seis anos de estrada. Cer ta vez, um aniversariante embriagado chegou a segurar a empresária, incitado pelos convivas, que também alcoolizados gritavam: “agarra, agarra”. A locutora se desvencilhou do assédio e seu marido teve de ficar ao seu O Gol de Marisa e Damião com direito a bolas, laços e até sirene. balangandãs pedidos pelo freguês e do bairro onde acontecerá a homenagem. Em Jacarepaguá, uma surpresa com dois fogos de artifício, sirene e três brindes (cestinha, chaveiro e um CD de mensagens) sai por R$ 60. Se o cliente quiser bolo, champanhe e flores, precisa desembolsar R$130. Mas todos os pacotes incluem o famoso tapete vermelho, estendido ao lado do carro, por onde o homenageado desfila em seu momento de rei. As muitas viagens pelo Rio de Janeiro rendem boas histórias ao casal. Lugares inusitados, clientes dos mais variados, quase tudo já foi visto pela dupla. O Corsa já chegou a fazer festa até em uma termas. “Um cara nos contratou para passar uma mensagem para uma menina que lado, como segurança, para que ela completasse a mensagem. Expulsões também fazem parte do currículo da Toque de Emoções. Em uma ocasião, a empresa foi contratada para felicitar um senhor que, segundo amigos e a própria esposa, era bastante sisudo. Na hora da escolha das músicas para a homenagem, a mulher optou por canções de gosto duvidoso para um sujeito considerado sério. No momento do tapete vermelho ela pediu para tocar a música “Ele é corno, mas é meu amigo”, do cantor Tiririca. Quando o refrão soou nos alto-falantes do Gol (“Ele é corno mas é meu amigo / Ele é viado mas é meu amigo”) sobrou para Marisa e Damião. O sujeito, bastante nervoso, partiu 26/3/2009, 17:17 para a agressão e a confusão se instalou no quintal da casa. “E o pior foi que a mulher dele teve a coragem de dizer que fui eu que escolhi as músicas. Ainda bem que havia várias pessoas na comemoração que conheciam a integridade do meu trabalho”, conta Marisa, chateada. Carro quebrado, eles garantem já ter tido algumas vezes. Inclusive o vidro do Corsa foi rachado há pouco tempo por bolinhas de gude jogadas de cima de um prédio em Ipanema. “Fui fazer uma homenagem para gente importante, de escola de samba, e aí tacaram bolinhas lá de cima. Poxa, se o som está alto, é só pedir que a gente abaixa”, garante. Fora em alguns momentos de tensão, a dupla garante se comover na maioria das mensagens. “Já fiz muitos casais se reconciliarem, muitas mães chorarem, e isso tudo é muito gratificante. Sempre me emociono, talvez porque tenho amor pelo que faço”. Mas não é só a locutora que se sensibiliza com as festinhas que anima. Vânia Cabral, assessora parlamentar de um deputado carioca, se emocionou bastante ao receber um carro parecido com o de Damião e Marisa, na porta da Câmara Municipal. “Foi uma festa só, gostei bastante. Todo mundo falou no microfone, até o vereador”, orgulha-se Vânia. “Eu adorei, mas tem gente que não gosta”. É o caso de Ana Luisa Machado, estudante de webdesign, que ao completar 15 anos recebeu na porta da escola uma homenagem encomendada pela avó. “Foi um mico horrível. Me lembro de ter ficado possessa. Imagina uma adolescente se deparar com um carro, cheio de bolas, soltando fogos e tocando umas músicas fora de moda?”, relembra Ana Luisa. Damião e Marisa respeitam esse tipo de opinião, mas confessam ficar chateados quando seu trabalho é alvo de piadas. Outro dia, assistindo ao Programa do Jô, eles se indignaram com as piadas sobre carros de mensagem feitas pelo humorista cego Geraldo Magela. “Achei um desrespeito ele falar que esse trabalho é ridículo. É através dele que já fiz muita gente feliz. Vou até mandar um e-mail para o programa reclamando”, diz Marisa indignada. Mas antes ela precisa pensar no conserto do vidro do carro e em novidades para a clientela ávida por surpresas. 21 NO 13 - 2008/1 Eternos enamorados Morar em casas separadas pode ser uma forma de manter o relacionamento Carolina Leal Casar, ter filhos e viver feliz para sempre – em casas separadas. Pode soar estranho, mas essa é a opção de relacionamento que alguns casais têm adotado: depois de longo tempo de namoro, casam-se ou se consideram casados, mas permanecem morando em casas separadas, como eternos namorados. Juntos há 18 anos, os escritores Ruy Castro e Heloísa Seixas ainda vivem a ansiedade de estarem juntos nas horas vagas: – Durante a semana, é aquela saudade, vivemos g r udados, trocando e-mails e telefonemas o dia inteiro. Nós dois esperamos ansiosos pela chegada da sexta à noite, porque sabemos que ficaremos juntos até domingo à noite na casa do Ruy, que chamamos de nossa casa – diz Heloísa. Há três anos os escritores se casaram no civil, segundo Heloísa com “uma festa deliciosamente careta, com bolo, buquê e brinde” e continuaram morando em casas separadas, mantendo o relacionamento que tinham antes: – Foi uma coisa natural, não foi especialmente planejada. Acontece que, quando nos conhecemos, Ruy estava morando em São Paulo e eu no Rio. Namoramos durante cinco anos na Ponte Aérea. Sendo assim, quando ele voltou para o Rio, morar no mesmo bairro, o Leblon, já foi um grande avanço, mas nossa relação era tão boa que não pensamos em mudá-la. Mas nem sempre morar em casas separadas é algo natural. Liberdade, ausência de rotina, desgastes da convivência, filhos de outro casamento, motivações econômicas ou, simplesmente, manter o relacionamento como está. Cada casal possui os seus motivos para optar por não morar junto. No caso do bancário Sérgio Moraes e da secretária Marinete Nascimento, juntos há 14 anos, morar em casas separadas foi uma decisão. Ambos já foram casados, possuem filhos e acharam que unir ojornal 2008-1ok.pmd 21 as famílias não seria uma boa opção: – Esse relacionamento é para gente uma forma de recomeçar, queríamos o mínimo de problemas possíveis. A gente mora na mesma rua, o que facilita o contato e, nos fins-de-semana saímos para ver um filme, tomar um chopp, comer um bolinho de bacalhau, essas coisas de namoro mesmo, sabe? Até agora tem dado muito certo – afirma Sérgio entre sorrisos. Para Carlos Zuma, terapeuta de casais e família do Instituto Noos, vive-se um contexto de novas configurações familiares e o casamento em casas separadas é apenas mais um dos novos tipos de relacionamentos, como as famílias monoparentais (um homem ou uma mulher vivendo sozinhos com seus filhos), casais homossexuais ou casamentos inter-raciais que, segundo ele, têm crescido muito. Sobre o casamentos em casas separadas, ele afirma: – Não dividir o espaço de moradia pode aliviar as negociações necessárias de serem feitas em todo relacionamento. O relacionamento exige negociar pontos de vistas e diferenças e toda relação a dois necessita que espaços individuais sejam mantidos, para não virar uma fusão de duas pessoas. Morar em casas separadas pode ajudar a preservar esse espaço individual dentro da relação, necessário para manter a saúde das pessoas e da relação de qualquer casal. Mas não garante. Preservar o espaço individual e evitar os desgastes da convivência são os principais motivos para um casal, mesmo depois de casar e morar na mesma casa por 5 anos, optar por não dividir mais o mesmo espaço. Esse é o caso da assistente social Clarice Almeida e o professor Maurício Carvalho, juntos há 21 anos. Segundo Clarisse, depois que casaram, surgiram sérios problemas de convivência, o relacionamento foi se desgastando e caindo na rotina. Como não queriam se divorciar, tentaram voltar ao relacionamento que tinham antes, morando cada um em sua casa. – O que importa é a autenticidade da nossa relação, se estamos felizes juntos ou não. Tentamos morar juntos, não deu certo, preferimos assim. As nossas vidas já são unidas, independente de morar no mesmo lugar. E confiamos um no outro o suficiente para ter certa tranqüilidade quanto a isso, acho que esse é o segredo – revela Maurício. No entanto, os casais entrevistados afirmam que esse estilo de relacionamento não é sinônimo da relação aberta, muito adotada nos anos 70 como forma de 26/3/2009, 17:17 contestação ao casamento tradicional. Um ícone desse tipo de relacionamento aberto foram os filósofos franceses Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Morando em casas separadas, viveram juntos e durante toda a vida em uma relação “Esperamos ansiosos pela chegada da sexta à noite, porque sabemos que ficaremos juntos até domingo” que chamavam de tête-a-tête. Sartre e Beauvoir não se consideravam casados, tinham o que chamavam de um contrato de namoro. Eles se relacionavam com outras pessoas e contavam de seus casos externos um para o outro, de forma que a transparência controlasse os ciúmes. Para Heloísa Seixas, morar em casas separadas não significa a negação do casamento tradicional e nem a anarquia das relações, é apenas ter a liberdade de escolher o que é melhor para seu relacionamento e agrada mais ao casal. Para Clarisse, morar na mesma casa passa a sensação de que você tem a outra pessoa a todo o momento e implica em estresses conjugais. Ela afirma que, no caso dela, quando cada um leva a sua vida separadamente, a cumplicidade aumenta, assim como a saudade e o romantismo. Uma afirmação é comum a todos os entrevistados: o que vale hoje é encontrar a forma de relacionamento em que o casal viva bem, não é o molde de um comportamento que será a solução de todos os problemas. O estilo de “eterno namorado” foi apenas a forma que, por acaso ou decisão, esses casais encontraram para serem eternos enamorados. 22 NO 13 - 2008/1 Do jeito que o diabo gosta Opções para quem não quer aguardar até o dia do juízo final Millos Kaiser Para quem não sabe o que é, ou tem vergonha de dizer que sabe, inferninhos são boates como outra qualquer, com ambientes escuros, música alta, bebida e demais prazeres mundanos à disposição, inclusive, e principalmente, o mais desejado deles, o da carne. E para alcançá-lo, dispensase bom papo, visual atraente ou habilidades na pista de dança. Aqui, a conquista do prazer depende de um simples ato: abrir a carteira. Inferninhos são onde prostitutas, clientes e eventuais curiosos vão a fim de encurtar as cerimônias entre o querer e o fazer “aquilo”. De uns anos para cá, é verdade, o termo banalizouse, ficando assim um pouco mais comportado. Cadernos de programação cultural da cidade passaram a usar a palavra para designar qualquer festa realizada em locais fechados e pequenos. Clubes como Casa da Matriz, Fosfobox, Pista 3, Dama de Ferro e Lounge 69 são alguns desses infernos mais brandos. Mas então onde é que a coisa esquenta de verdade no Rio de Janeiro, cidade que já não é lá muito santa? O bairro que mais se destaca pela tradição e pela quantidade de casas é Copacabana. Tanto que até Janis Joplin já freqüentou uma delas. A visita atípica, mas nem por isso menos extravagante, se deu no verão de 1970, quando a cantora hippie, reza a lenda, desceu fundo nos subterrâneos do bairro e fez um show obscuro para poucas pessoas. E se em Copa a carne já é fraca, na rua Prado Júnior e adjacências ela é mais ainda. Ali, a princesinha do mar, apelido derivado da música de Braguinha, usa minisaia, top decotado e salto plataforma. Ao todo, são mais de seis casas. O Barbarella e o La Cicciolina cobram o maior preço da praça: R$60 pela entrada, com direito a dois drinks. Nos outros, a média é entre R$15 e R$40, sempre com pelo menos uma bebida incluída. No entanto, apesar das diferenças de preço, todos eles contam com atrações similares, como strip-tease, DJ’s, samba e show de mágica. Nos inferninhos da Vila Mimosa, no outro extremo da cidade, ojornal 2008-1ok.pmd 22 A maioria dos freqüentadores só é abordada pelos garçons, que estão sempre enchendo os copos e oferecendo uma próxima dose. Ou então trazendo mais uma porção de amendoim torrado, cortesia da casa, que mal terminada já é prontamente reposta. O garçom diz que é “um mimo pros clientes”. Com exceção de uma mesa com oito coreanos e de poucas outras com clientes que dão toda a pinta de serem Beijo na boca não pode! o prazer custa mais barato: a entrada é gratuita e o “serviço completo” na faixa de R$10. No Erotika, onde até o Mc Créu, aquele da música de mesmo nome, já tocou, para passar pela porta (do paraíso?) cobra-se R$30. Mulheres desacompanhadas não pagam. Numa terça-feira à noite, a oferta parece ser maior que a demanda, já que há mais mulheres que clientes em potencial. A maioria delas não parece ocupadas. Conversam entre amigas, bebem algo no bar, dançam, ou ajeitam o decote e a maquiagem no espelho. Rafael Prestes, jovem recifense, veio pela primeira vez ao Erotika e explica porque prefere inferninhos a prostíbulos convencionais: “Vou a lugares assim porque sou um cara romântico. Aqui você precisar abordar a mulher que te chama atenção, bater um papo, conquistar. Em puteiro você entra e já vai pro quarto com a rapariga”. O rapaz parece estar certo. “Vou a lugares assim porque sou um cara romântico. Aqui você precisar abordar a mulher que te chama atenção, bater um papo, conquistar. Em puteiro você entra e já vai pro quarto com a rapariga” já habitués do recinto, chamando pelo nome as mulheres que passam, a maioria não parece muito interessado no que o lugar tem a oferecer. Poucos olhares miram as duas dançarinas que rebolam nos dois queijos ao lado do palco principal. Uma delas é Maitê, que sai de seu posto só de fio-dental e faz um breve desfile pelo local. Em seguida, o nome dela é anunciado pelo DJ como protagonista de um “um show pra lá de picante que tomará o palco principal em cinco minutos”. A trilha sonora então muda do Axé para aquelas baladas típicas de coletâneas musicais com “Love” no título. Maitê retorna acompanhada de Bruno. Os dois iniciam a performance dançando juntinhos e vão gradativamente despindo-se sob um banho de luz vermelha. Nas caixas de som, Bon Jovi entoa o refrão de “Bed of Roses” e o casal começa a transar de fato, encenando diversas posições, 26/3/2009, 17:17 sempre tentando ressaltar a plasticidade do ato. Movimentam-se devagar, fazendo caras e bocas, como num filme pornô em câmera lenta. Apesar do show, porém, animação não era mesmo a palavra de ordem no Erotika nessa terça-feira. Amanda, sentada sozinha na mesa ao lado, concorda: “Geralmente, mesmo que não arranje nenhum cliente, me divirto. Escuto música, encontro as amigas, bebo. Hoje, nem isso. Tá deprê aqui.” Já na av. Atlântica, número 3432, a pasmaceira passa longe. Ali funciona a Help, inferninho tão grande e com tanta história, que talvez seja mais justo abandonarmos o sufixo “inho” e chamá-la logo de infernão. Preferida de dez entre dez gringos que vêm para a cidade com segundas intenções, a Help está presente até em vídeos no Youtube. Rumores recentes dizem que o lugar irá fechar as portas, dando lugar para a construção de um Museu da Imagem e do Som. Funcionários e prostitutas freqüentadoras duvidam da notícia. Érika, que mora em São Paulo, é uma delas: “Venho aqui há seis anos e sempre escuto isso. Mas não vai fechar não. Isso aqui sábado é cheio de global, tá na moda”, diz. De dentro, a Help nem parece a mesma da fachada decadente. As paredes são todas cobertas por reluzentes tecidos verdes, equipamentos de luz de ponta colorem a pista e o DJ Mercelinho da Rádio Transamérica é quem embala a noite. Nos dois telões, vídeos de esporte e clipes de hip-hop. Ao contrário do que muitos podem pensar, inferninhos não são cenário para cenas chocantes, de “sacanagem”. Ela pode até ser planejada por lá, mas a ação propriamente dita só acontece entre outras quatro paredes. Até beijos na boca um pouco mais calorosos são coibidos pelos seguranças do local. Outra opção ainda na cidade é a Praça Mauá. Lá, a boate Flórida oferece a promoção 5 por 1: quem levar consigo cinco amigos “ganha” uma mulher de graça. No Rio, é luxúria para pecador nenhum botar defeito; para todos os gostos e bolsos.