O infante de Parma
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O infante de Parma
O infante de Parma Elisabeth Badinter O infante de Parma A educação de um príncipe iluminista Tradução: André Telles Rio de Janeiro Sumário Introdução 9 1.Os primeiros anos 13 Antes da chegada do tutor (1751-56) 13 Sozinho com Keralio (março 1757-abril 1758) 19 2. A educação de um príncipe iluminista (1758-69) Da infância à adolescência (1758-64) Da teoria à prática Os bastidores 27 28 31 Dividido entre exigências contraditórias 34 Missão cumprida? (1764-69) 38 A reputação de um príncipe esclarecido 38 A secreta preocupação dos professores 45 3.Um mito que se vai pelos ares (1769-71) Casamento e crise de adolescência Uma onda de ódio 59 Uma guerra sem misericórdia 63 56 55 25 4.De quem é a culpa? 71 O enigma do príncipe 71 O processo dos professores 76 A decepção dos filósofos 79 5.O príncipe dos carolas (1772-80) 83 Enfim, livre 84 Livre para governar segundo suas convicções Livre para viver a seu bel-prazer 84 89 Conclusão: Um homem dilacerado, uma esperança frustrada Notas 97 93 Introdução 26 de fevereiro de 1757. Nesse dia, o infante Filipe de Parma nomeia Auguste de Keralio como subtutor de seu único filho, Ferdinando, então com seis anos de idade.*Chegara para ele a hora, como para todos os príncipes dessa idade, de passar das saias da aya para os coletes do ayo. Do mundo da infância para o mundo dos adultos. A severa marquesa de González, que lhe ensinou os rudimentos da vida, entrega o bastão ao sr. de Kera lio, que tem como tarefa transformá-lo num homem completo, num monarca moderno. A passagem “aos homens”,1 como se diz na época, é objeto de um ritual. O jovem príncipe é levado aos aposentos do infante por sua aia e pelas mulheres a seu ser viço, que o despem dos pés a cabeça. Deixam-no assim alguns minutos, sob o olhar dos presentes. Em seguida, o cirurgião do infante, perante toda a equipe de médicos, apalpa o príncipe em todas as partes do corpo antes de declarar que ele é bem consti tuído. Encerrada a cerimônia, a aia e as mulheres se retiram e o príncipe é devolvido ao tutor.2 * No mesmo dia, o marquês Bergonzi foi nomeado tutor, mas o título era puramente honorífico, o que fazia de Keralio o único a exercer o cargo. O infante de Parma Ao conhecer o garotinho duplamente herdeiro dos Bourbon (sua mãe, Luisa Elisabetta, é a filha mais velha de Luís XV, e seu pai, dom Filipe, é filho do rei da Espanha, Filipe V), Keralio decerto observa seu rosto de traços regulares, iluminado por um olhar dócil. Feliz presságio de uma submissão espontânea! Por sua vez, a criança que examina esse francês desconhecido de 42 anos deve ter-lhe julgado o aspecto tão severo quanto o de sua velha aia. De agora em diante terão de conviver lado a lado, praticamente dia e noite, durante 12 anos. A essa dupla inicial irão se juntar, ao longo dos anos, alguns dos homens mais brilhantes de sua geração: o respeitado Condillac, cuja filosofia inspirou a Enciclopédia, os padres Jacquier e Le Seur, cujos trabalhos de física constituem autoridade, o abade Millot, historiador e futuro acadêmico, pertencente à linhagem de Montesquieu e Voltaire. Sem falar de Dutillot, homem de confiança do infante, que sonha transformar o pequeno ducado entorpecido sob o jugo dos padres numa ilha de luz onde prosperem a cultura, as artes e a indústria. Para isso, atrairá a Parma cientistas, artistas e artesãos de primeira linha, como o arqueólogo Paolo Paciaudi, o filósofo e matemático Francesco Venini, o enciclopedista Alexandre Deleyre e o tipógrafo Bodoni. Todo esse empreendimento, porém, só fará sentido se o futuro príncipe mostrar-se realmente um iluminista à altura do desafio. Terá Keralio tido consciência da extensão de sua responsabilidade quando foram apresentados? Na verdade, ninguém ainda desconfia que a criança sob sua responsabilidade irá tornar-se ao mesmo tempo símbolo de uma esperança que se espalha muito 10 Introdução além das fronteiras de Parma e um desafio crucial para a filosofia do Iluminismo. Educado e instruído por homens empenhados em desenvolver sua inteligência e sua moral, dará o menino razão a Condillac e a d’Holbach, que consideram o espírito humano uma “tábula rasa” no nascimento? Confirmará a audaciosa tese de Helvétius segundo a qual os homens, por natureza iguais, são todos capazes de descobrir verdade e virtudes? Em suma, dará consistência ao chiste de Leibniz, que adorava dizer que a educação pode tudo, até mesmo fazer um urso dançar sobre duas patas? Nesse laboratório pedagógico que é Parma em meados do século XVIII, o pequeno Ferdinando carrega sobre seus franzinos ombros as esperanças da nova filosofia e as de todos os progressistas da época. O urso irá dançar? E, se conseguir, será no passo pretendido por seus amestradores? 11