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K am ay u r á Os Kamayurá falam uma língua da geralmente em pagamento a serviços Os materiais empregados são de família tupi-guarani e fazem parte prestados por ocasião da construção origem nativa – madeira, embira, dos povos indígenas tradicionais da de uma casa ou da queimada, fibra de buriti, algodão –, mas alguns área cultural do Alto Xingu. limpeza ou plantio comunitário de produtos industrializados foram Jamais se afastaram de sua área uma roça, ou simplesmente como também incorporados à produção, de ocupação original, na região de retribuição pela participação em tais como miçangas, fios de lã e de confluência dos rios Culuene e alguma festa. algodão, latas, pregos e corantes. Culiseu, com a aldeia próxima à No sistema alto-xinguano de grande lagoa de Ipavu. Em 1954, trocas especializadas, os Kamayurá apresentar-se como os melhores quando houve uma forte epidemia incumbiam-se da produção de arcos, construtores de casas do Alto Xingu. de sarampo na região, viram-se o que se alterou com a introdução reduzidos a 94 indivíduos, mas hoje na aldeia de armas de fogo; o arco, -se em torno da Associação somam cerca de 460. contudo, persiste hoje na condição Mavutsinim, cujo objetivo é A aldeia kamayurá segue o 150 Os homens adultos gostam de Hoje os Kamayurá organizam- de símbolo do grupo mais do que de desenvolver projetos específicos, modelo alto-xinguano, com grandes artigo de troca. A cultura material como a Escola da Cultura, em que casas dispostas em torno de uma dos Kamayurá inclui objetos como homens e mulheres mais velhos praça central, para a qual convergem cestos, arremessadores de flechas, ensinam crianças e jovens a dançar, os caminhos que conduzem tanto às canoas de casca de jatobá, redes de cantar, fazer artesanato e conhecer moradias como aos lugares públicos, dormir e de pescar e a flauta jakui. as histórias do seu povo. e onde se ergue a Casa das Flautas, atravessada medianamente pelo caminho do sol. Em frente à Casa das Flautas, onde os objetos rituais são guardados, fica o banco da roda dos fumantes. Ali os homens se reúnem para conversar e discutir assuntos como a preparação de uma pesca coletiva, a construção de uma casa, a limpeza da praça ou os preparativos de uma festa próxima. É também ali que se faz, sempre entre homens, a distribuição de comidas (peixe, mingau, beiju, pimenta, bananas), AntA/tApir/tApir du Brésil KAmAyurá – 60 x 21 x 21 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá AntA/tApir/tApir du Brésil KAmAyurá – 74 x 45 x 31 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 151 AntA/tApir/tApir du Brésil KAmAyurá – 95 x 32 x 33 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá BeiJA-flor/humminGBird/coliBri KAmAyurá – 87 x 32 x 36 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 152 GAvião de duAs cABeçAs/two-heAded hArpy eAGle/hArpie à deux têtes KAmAyurá – 73 x 34 x 31 cm Autor/Author/Auteur: Joe KAmAyurá 153 JABuru/JABiru/JABiru KAmAyurá – 92 x 35 x 41 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá mAcAco/monKey/sinGe KAmAyurá – 70 x 35 x 31 cm 154 mAcAco/monKey/sinGe KAmAyurá – 72 x 36 x 29 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 155 mAcAco/monKey/sinGe KAmAyurá – 75 x 22 x 20 cm onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 114 x 28 x 23 cm Autor/Author/Auteur: suKuri KAmAyurá 156 onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 119 x 35 x 28 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 78 x 24 x 17 cm Autor/Author/Auteur: suKuri KAmAyurá 157 onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 158 x 51 x 37 cm Autor/Author/Auteur: suKuri KAmAyurá onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 87 x 33 x 23 cm Autor/Author/Auteur: suKuri KAmAyurá 158 onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 87 x 25 x 19 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 159 onçA/JAGuAr/once KAmAyurá – 69 x 23 x 16 cm pApAGAio/pArrot/perroquet KAmAyurá – 51 x 16 x 21 cm Autor/Author/Auteur: tAtApé KAmAyurá 160 pAto/ducK/cAnArd KAmAyurá – 53 x 33 x 33 cm Autor/Author/Auteur: tAtApé KAmAyurá sApo/froG/Grenouille KAmAyurá – 58 x 21 x 23 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 161 sApo/froG/Grenouille KAmAyurá – 68 x 23 x 23 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá tAmAnduá/AnteAter/tAmAnoir KAmAyurá – 93 x 31 x 18 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 162 tAmAnduá/AnteAter/tAmAnoir KAmAyurá – 113 x 32 x 27 cm 163 tAtu/ArmAdillo/tAtou KAmAyurá – 62 x 20 x 26 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá tucAno/toucAn/toucAn KAmAyurá – 59 x 14 x 24 cm 164 tucAno/toucAn/toucAn KAmAyurá – 74 x 17 x 26 cm 165 tucAno/toucAn/toucAn KAmAyurá – 92 x 37 x 45 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá uruBu/vulture/vAutour KAmAyurá – 74 x 32 x 42 cm Autor/Author/Auteur: tAtApé KAmAyurá 166 uruBu/vulture/vAutour KAmAyurá – 80 x 23 x 27 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 167 uruBu/vulture/vAutour KAmAyurá – 56 x 28 x 25 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá 168 uruBu/vulture/vAutour KAmAyurá – 85 x 42 x 50 cm Autor/Author/Auteur: ApAhu KAmAyurá 169 tucAno/toucAn/toucAn KAmAyurá – 108 x 36 x 44 cm Autor/Author/Auteur: yAwApi KAmAyurá K al apal o Os Kalapalo foram os primeiros se destacado pela vigilância ativa de xinguanos contatados pelos irmãos seus limites, a fim de evitar a invasão Villas-Boas, em 1945. Compõem um de fazendeiros vizinhos. Os produtos dos quatro grupos de língua karib mais conhecidos de seu artesanato que habita a região do Alto Xingu. são os adornos, sobretudo colares e Vivem hoje em duas aldeias no cintos, feitos de sementes e conchas interior do Parque Indígena do Xingu de caracol. e somam cerca de 380 indivíduos. Algumas semelhanças entre 170 É central para a vida social um ideal de comportamento mitos kalapalo e ye’kuana, povo com chamado ifutisu, que corresponde aldeias nas savanas da Venezuela a um conjunto de preceitos éticos e de Roraima, sugerem que os pelos quais os Kalapalo distinguem ancestrais dos Karib xinguanos os povos do Alto Xingu de todos deixaram a região das Guianas os outros seres humanos. Em um em tempos recentes, certamente sentido mais geral, ifutisu pode depois de contatos com espanhóis, ser definido como uma ausência intensificados durante a segunda de agressividade – valoriza-se a metade do século xviii. Sob o ponto habilidade de falar em público de vista da cultura, entretanto, há e de não provocar situações que pouco em comum entre os Kalapalo causem desconforto aos outros – e os povos Karib do Norte. e pela prática da generosidade, A vida social dos Kalapalo varia o que inclui a hospitalidade e a de acordo com as estações do ano. predisposição para doar ou partilhar Na estação seca, que se estende posses materiais. Os Kalapalo de maio a setembro, a comida é acreditam que a viabilidade da abundante. É a época de realizar sociedade depende do cumprimento rituais públicos, que contam com desse ideal. muita música e com a participação de membros de outras aldeias. Na estação chuvosa, a comida torna-se escassa e a aldeia fecha-se nas relações entre as casas e os parentes. No contexto multiétnico do Parque Indígena do Xingu, os Kalapalo têm 171 ArrAiA/rAy/rAie KAlApAlo – 82 x 44 x 62 cm cApivArA/cApyBArA/cApyBArA KAlApAlo – 63 x 25 x 20 cm 172 cApivArA/cApyBArA/cApyBArA KAlApAlo – 69 x 24 x 19 cm 173 cApivArA/cApyBArA/cApyBArA KAlApAlo – 59 x 23 x 19 cm onçA/JAGuAr/once KAlApAlo – 148 x 51 x 42 cm Autor/Author/Auteur: mAnoá KAlApAlo 174 porco/piG/porc KAlApAlo – 73 x 34 x 26 cm uruBu/vulture/vAutour KAlApAlo – 79 x 20 x 25 cm 175 uruBu/vulture/vAutour KAlApAlo – 80 x 12 x 17 cm K u ik u r o Os Kuikuro são, hoje, o povo da aldeia. Os chefes e suas famílias trocas ritualizadas internamente ou com a maior população no Alto constituem uma espécie de estrato entre as aldeias, chamadas de ulukí. Xingu. Fazem parte do subsistema social “nobre” distinto dos “comuns”. Os Kuikuro, como os outros grupos karib, juntamente com outros 176 As narrativas tradicionais dos karib, participam do sistema grupos que falam variantes Kuikuro contam por que o universo econômico e ritual alto-xinguano dialetais da mesma língua existe tal como ele é e explicam como especialistas na fabricação (Kalapalo, Matipu e Nahukuá) e a origem de cantos, festas, bens de colares e cintos de caramujo de participam do sistema multilíngue culturais, plantas cultivadas, terra, bens de alto valor. do Alto Xingu. Habitam três aldeias categorias de seres. Assim como na porção sul do Parque Indígena do muitos outros povos ameríndios, os Xingu. A maior e principal aldeia era Kuikuro acreditam que, na origem, Ipatse, pouco distante da margem humanos e não humanos eram esquerda do médio Culuene, onde iguais, falavam a mesma língua e viviam mais de trezentas pessoas. conviviam na mesma aldeia. Os Em 1997, surgiu Ahukugi, na humanos viviam também no meio margem direita do Culuene, rio dos itseke, seres sobrenaturais que acima de Ipatse, com cerca de cem povoam a floresta e o fundo das pessoas. Em seguida, uma terceira águas, com os quais apenas os aldeia formou-se a partir de um xamãs têm o poder de se comunicar grupo familiar de uma dezena de hoje (a doença e o sonho, porém, pessoas, no local da antiga Lahatuá, são estados que podem colocar em abandonada em 1961. Hoje somam contato humanos em geral e itseke). cerca de quinhentos habitantes. Há também um mundo celeste, A organização espacial da kahü, onde mortos e itseke habitam aldeia centrada na praça reflete a a mesma aldeia e cujo “dono” é organização política e ritual. Na o urubu bicéfalo, muitas vezes praça se realizam as atividades representado nos bancos zoomorfos. cerimoniais, relacionadas sobretudo A produção tradicional de aos principais ritos de passagem artefatos, como bancos, esteiras, que caracterizam a trajetória dos cestos e adornos plumários, serve chefes. Um complexo sistema de para usos cotidianos e cerimoniais, “donos” e “chefes” regula a dinâmica para pagamento de serviços como a política e a vida ritual, ou seja, a pajelança ou para selar uma aliança própria existência e a reprodução de casamento, bem como para as 177 JAcAré/AlliGAtor/AlliGAtor KuiKuro – 78 x 24 x 26 cm Autor/Author/Auteur: tAwAKu KuiKuro 178 JAcAré/AlliGAtor/AlliGAtor KuiKuro – 93 x 28 x 30 cm Autor/Author/Auteur: tAwAKu KuiKuro onçA/JAGuAr/once KuiKuro – 134 x 56 x 50 cm 179 mAcAco/monKey/sinGe KuiKuro – 115 x 34 x 36 cm Autor/Author/Auteur: KAnAri KuiKuro rAposA/fox/renArd KuiKuro – 69 x 24 x 29 cm 180 rã/froG/Grenouille KuiKuro – 77 x 23 x 44 cm Autor/Author/Auteur: urissApA KuiKuro tAmAnduá/AnteAter/tAmAnoir KuiKuro – 82 x 33 x 23 cm 181 tAtu/ArmAdillo/tAtou KuiKuro – 73 x 30 x 35 cm Yaw al api ti Os Yawalapiti são um povo de situa uma casa frequentada apenas língua aruak do Alto Xingu e foram pelos homens, destinada a ocultar as certamente um dos primeiros a flautas sagradas (apapálu). É nessa ocupar a região. Seu nome significa casa, ou em bancos diante dela, que “aldeia dos tucuns” e é hoje usado os homens se reúnem para conversar pelo grupo como autodenominação. ao crepúsculo e se pintam para A “aldeia dos tucuns” seria a as cerimônias. localização mais antiga de que se casas e realizam todos os trabalhos em Indígena do Xingu, próxima à madeira, como bancos, arcos, pilões, confluência dos rios Culuene e pás de virar o beiju etc. Também Batovi. Sua aldeia atual fica mais ao fazem os cestos e os instrumentos sul, em local de terra fértil. cerimoniais (flautas e chocalhos). Os Yawalapiti já estiveram sob 182 São os homens que constroem as recordam e está situada no Parque Os bancos feitos pelos a ameaça de extinção, reduzidos Yawalapiti, assim como os de outros por epidemias a apenas 28 povos xinguanos, retratam animais indivíduos em 1953. Em 2011 foram que povoam a sua mitologia, registradas 156 pessoas na aldeia. como as onças. Eles acreditam na O crescimento populacional se existência de uma multiplicidade deve tanto às melhores condições de seres espirituais com influência de saúde quanto à prática de considerável nos assuntos humanos; casamentos intertribais, com a esses seres provocam a maioria das incorporação de membros de doenças, mas também podem ajudar outras aldeias. Atualmente, apenas os xamãs e são os “donos” de certas quatro ou cinco indivíduos falam espécies animais. São espíritos yawalapiti; predominam na aldeia as invisíveis, que só aparecem para os línguas kuikuro (da família karib) e doentes e para os xamãs em transe. kamayurá (da família tupi-guarani), É comum conceberem os espíritos em razão dos muitos casamentos que como donos de uma essência ligam os Yawalapiti a esses grupos. antropomorfa por baixo de uma Assim como as outras aldeias xinguanas, a dos Yawalapiti é circular, com as casas comunais circundando um pátio central (uikúka) no qual se aparência animal ou monstruosa. 183 uruBu/vulture/vAutour yAwAlApiti – 58 x 17 x 25 cm 184 mAcAco/monKey/sinGe yAwAlApiti – 75 x 28 x 20 cm Autor/Author/Auteur: pirAKumã yAwAlApiti 185 onçA/JAGuAr/once yAwAlApiti – 127 x 50 x 44 cm Autor/Author/Auteur: pirAKumã yAwAlApiti Tr u m ai Os Trumai vivem espalhados em três passaram a dormir em redes e a usar aldeias e nos postos da administração arcos e flechas. da Funai no Parque Indígena do Xingu. Consta que foram os últimos que introduziram no Alto Xingu o a se instalar no Alto Xingu, aonde ciclo cerimonial do Jawari, um ritual chegaram no século xix. Nessa dedicado aos guerreiros mortos, época, eram bastante numerosos, cujo evento central é a disputa mas conflitos e guerras com outros entre dois grupos com arremesso de povos, bem como epidemias de dardos. Durante a festa há diálogos e sarampo e disenteria, reduziram-nos extensos cantos, nos quais abundam a dezoito indivíduos em 1952. Hoje referências a animais – macaco, onça, são uma centena. jaguatirica –, também retratados em Embora associados ao sistema 186 Por outro lado, foram os Trumai seus bancos de madeira. Na maioria alto-xinguano, os Trumai não desses cantos, pássaros, felinos e são totalmente integrados a ele, diversos mamíferos “cantam” em apresentando particularidades que seu próprio nome, o que indica uma os diferenciam dos outros grupos sociedade mais voltada para a caça do da área. Sua língua é considerada que para a pesca. isolada, isto é, não tem parentesco A língua trumai está hoje genético com nenhuma outra língua ameaçada de extinção. A maioria das do Xingu, nem com outras famílias crianças já fala o português como linguísticas indígenas. O convívio primeira língua; algumas também com os demais povos alto-xinguanos, dominam outras línguas xinguanas, entretanto, resultou em uma troca como o kamayurá, o aweti ou o de influências no que diz respeito a suyá. Tentativas têm sido feitas para costumes, rituais, cultura material e estimular o uso da língua trumai, atividades produtivas. com destaque para o trabalho escolar Dessa forma, os antigos Trumai contam que seus ancestrais dormiam em esteiras e utilizavam como armas a borduna e o propulsor de dardos; após a chegada ao Alto Xingu, começaram a incorporar hábitos comuns aos povos da área – dos professores indígenas. 187 AntA/tApir/tApir du Brésil trumAi – 60 x 30 x 23 cm Autor/Author/Auteur: tropi trumAi 188 JAcAré/AlliGAtor/AlliGAtor trumAi – 93 x 28 x 23 cm Autor/Author/Auteur: tropi trumAi tAmAnduá/AnteAter/tAmAnoir trumAi – 80 x 25 x 22 cm Autor/Author/Auteur: tropi trumAi 189 tAmAnduá/AnteAter/tAmAnoir trumAi – 110 x 36 x 31 cm Autor/Author/Auteur: tropi trumAi K ay ab i A maioria dos Kayabi habita mama’é, que roubam as almas atualmente a área do Parque dos homens; os heróis culturais Indígena do Xingu. Porém, essa (demiurgos), que ensinaram aos não é sua terra tradicional: até Kayabi tudo o que sabem hoje em aproximadamente a década de 1940, dia; e os Ma’it, os grandes pajés do eles ocupavam uma extensa faixa céu. Todos esses seres povoam os entre os rios Arinos, dos Peixes e mitos e as narrativas através dos Teles Pires, na bacia do rio Tapajós, quais os Kayabi compreendem e a oeste do rio Xingu. Mas, apesar atuam sobre o universo em da resistência vigorosa por parte que vivem. dos índios, essa região foi ocupada 190 Os Kayabi têm uma cultura por seringueiros e depois dividida material bastante elaborada em fazendas. Com isso, os Kayabi e diversa. Sua produção mais acabaram por se deslocar e se característica e singular é a dividir. Grande parte foi abrigada cestaria, mais especificamente no interior do Parque e outros dois um tipo de peneira que, trançada núcleos vivem em terras indígenas com arumã, forma grafismos no Mato Grosso e no Pará. Uma relacionados a figuras de sua vez realocados, sua população cosmologia e mitologia. Além das quase duplicou e hoje somam mais peneiras, produzem bordunas com de 2 mil habitantes, distribuídos empunhadura trançada, enfeites de em cerca de doze aldeias. tucum e inajá, tecidos de algodão Atualmente estão mobilizados para para redes e tipoias e bancos de que sejam identificados por sua madeira. Nestes, são aplicados os autodenominação – Kawaiweté. mesmos grafismos das peneiras. A língua dos Kayabi é da Os bancos kayabi se distinguem família tupi-guarani e se assemelha dos outros talhados pelos povos ao kamayurá, ao asurini do Xingu e xinguanos por suas linhas retas ao apiaká. e geométricas. São feitos pelos Para os Kayabi, o cosmos divide- homens, com madeiras de alta -se em várias camadas superpostas, durabilidade, como cedro, itaúba habitadas por seres sobrenaturais ou canela, para uso de todos; de diferentes tipos: há os perigosos antigamente, porém, apenas os “chefes” de animais, anyang e pajés e chefes podiam utilizá-los. 191 BAnco/stool/BAnc KAyABi – 31 x 10 x 10 cm 192 BAnco/stool/BAnc KAyABi – 90 x 15 x 21 cm Autor/Author/Auteur: wirAy “pAssArinho” KAyABi BAnco/stool/BAnc KAyABi – 46 x 23 x 21 cm 193 BAnco/stool/BAnc KAyABi – 67 x 20 x 21 cm Waujá Os Waujá (antes conhecidos habitavam enormes aldeias circulares são conhecidos pelo grafismo de como Waurá) são um dos povos interligadas por estradas e cercadas seus cestos, sua arte plumária e suas tradicionais do Alto Xingu, hoje por valetas, paliçadas e caminhos grandes máscaras rituais. vivendo no Parque Nacional terrestres elevados. do Xingu. Falantes de uma Uma das festas mais tradicionais dos Waujá é a dos apapaatai, espíritos língua maipure da família aruak, por sua milenar cerâmica, são que causam o mal e fazem as pessoas constituem, ao lado dos Mehinaku, responsáveis pelo fornecimento de adoecerem. Na festa, esses espíritos Yawalapiti, Pareci e Enawenê-Nawê, potes e assadores de beiju para todos são personificados por grandes o grupo dos Mairupe centrais. os grupos que habitam o Alto Xingu. máscaras pintadas de palha, e a eles Cerca de 270 índios dessa etnia Muitos outros itens de sua cultura são oferecidas comida e diversão, em residem em uma única aldeia material continuam a ser fabricados, troca da cura mediada pelo pajé. circular que segue o modelo típico inclusive aqueles que poderiam A cultura material waujá tem se xinguano de uma praça central com ter sido facilmente substituídos disseminado no mundo exterior, não uma casa das flautas no meio. por objetos industrializados, mas apenas no sistema de trocas do Parque por motivos simbólicos seguem Nacional do Xingu, como também aruak (Waujá e Mehinaku) são desempenhando seu papel de no mercado do artesanato indígena descendentes diretos de várias reprodução da cultura waujá. É o brasileiro. Atualmente, a cerâmica tem populações originárias do sudoeste da caso dos bancos de madeira, cuja importante peso em sua economia. bacia amazônica que estabeleceram estética é semelhante à das vasilhas as primeiras aldeias xinguanas a de cerâmica em forma de animais, partir dos anos 800 e 900. Pesquisas tendo de cada lado do assento arqueológicas mostram que entre a cabeça e a cauda da espécie os anos 1000 e 1600 esses povos representada. Além da cerâmica e eram muito mais populosos e do entalhe da madeira, os Waujá Os povos do Xingu de língua 194 Os Waujá, bastante conhecidos BAnco de pAJé/shAmAn’s stool/BAnc de chAmAn wAuJá – 28 x 18 x 18 cm Autor/Author/Auteur: Amutuá wAurá 195 JAcAré/AlliGAtor/AlliGAtor wAuJá – 140 x 35 x 30 cm JAcutinGA/BlAcK-fronted pipinG GuAn/pénélope à front noir wAuJá – 105 x 35 x 36 cm 196 mutum/curAssow/hocco wAuJá – 118 x 43 x 43 cm 197 uruBu/vulture/vAutour wAuJá – 83 x 34 x 30 cm K ĩs ê djê Os K˜˜sêdjê, por muitos anos música é também dançar, fazer chamados de Suyá, constituem política e comunicar algo sobre si o único povo a falar uma língua mesmo. É o que tece a relação entre da família jê no Alto Xingu.São o indivíduo e o coletivo. mais de trezentos e habitam hoje quatro aldeias na parte sudeste do destacam-se as redes de buriti, a Parque Indígena do Xingu. Seu cerâmica, os chocalhos, os bancos de território ancestral, no entanto, era madeira e as esteirinhas de buriti ou no rio Arinos, na bacia do Tapajós. inajá, trançadas com algodão. Chegaram à região do Alto Xingu Os bancos são feitos pelos homens entre 1850 e 1860. Lá assimilaram com madeira de amoreira ou de várias manifestações culturais de almíscar ou breu. Neles são aplicados, outros povos. com uma tinta escura à base de A autodenominação K˜sêdjê 198 Na sua produção artesanal carvão, os mesmos desenhos usados significa “povo de grandes aldeias na pintura corporal. São usados por circulares”. Segundo suas narrativas, todos na aldeia, porém a mulher não a sociedade k˜sêdjê tomou forma pode sentar-se no banco do marido, por meio da apropriação de traços nem os filhos no banco do pai. específicos de animais e inimigos indígenas. Assim, o fogo (e a prática de cozinhar) foi obtido do jaguar; o milho (e a prática de plantar) foi obtido do camundongo; e o sistema de nomeação (básico para a identidade social e para todas as cerimônias) foi obtido de um povo inimigo que vivia debaixo da terra. A música é muito importante para os K˜sêdjê. Em seu universo cosmológico, eles cantam porque através dos cantos podem restaurar ou criar a ordem de seu mundo. Trata-se de uma sociedade em que todos “fazem música” – nela, fazer 199 pássAro/Bird/oiseAu – 63 x 21 x 17 cm KĩsedJê 200 BAnco/stool/BAnc KĩsêdJê – 47 x 23 x 20 cm BAnco/stool/BAnc KĩsêdJê – 38 x 16 x 16 cm Autor/Author/Auteur: KoKoró suyá 201 BAnco/stool/BAnc KĩsêdJê – 62 x 25 x 27 cm Autor/Author/Auteur: KoKoró suyá Yudjá Os Yudjá são antigos habitantes discos labiais e auriculares remetem das ilhas e penínsulas do Baixo e à importância cultural atribuída à Médio Xingu. Com a invasão de audição e à fala. A orelha era furada seu território após a fundação de para ouvir-compreender-saber Belém em 1615, deslocaram-se rio bem, e o disco labial associava-se acima e hoje vivem divididos em dois à agressividade e à belicosidade, grupos, um no Médio Xingu e outro relacionadas à autoafirmação no Alto Xingu, em quatro aldeias ao masculina, à oratória e à canção. norte do Parque Indígena do Xingu. 202 Os Yudjá são exímios remadores Somam cerca de 350 indivíduos e trouxeram para o Xingu a técnica atualmente, mas já foram 2 mil em de confecção de canoas em um só 1848 e 52 em 1916. No século xvii, tronco. Possuem uma produção foram chamados de Juruna, que em artística muito rica, representada língua geral significa “boca preta”, sobretudo pela tecelagem e pelos em referência à tatuagem escura bancos, remos, cerâmica e cabaças que usavam ao redor da boca. Yudjá pintadas. As peças são decoradas significa “donos do rio”. com os motivos da pintura corporal, Os Yudjá falam uma língua do exibindo quase sempre espirais tronco tupi classificada na família duplas separadas por linhas paralelas de mesmo nome. No que tange à retas ou ondulantes. cultura, aproximam-se de povos que Os bancos são talhados pelos falam línguas da família tupi- homens e pintados pelas mulheres. -guarani. Em 1989, o grupo Yudjá do Antigamente apenas os chefes e pajés Médio Xingu contava com um único podiam se sentar neles, mas hoje são membro capaz de comunicar-se em para o uso de todos na aldeia. juruna. Há aproximadamente dez anos, eles passaram a usar apenas a autodenominação. Tradicionalmente os Yudjá portavam grandes bodoques redondos como ornamentos labiais e também alargadores de orelha. Esses costumes estão sendo abandonados, mas o significado cosmológico que os fundamenta ainda vigora, pois os 203 onçA/JAGuAr/once yudJá – 67 x 22 x 19 cm onçA/JAGuAr/once yudJá – 62 x 22 x 31 cm 204 onçA/JAGuAr/once yudJá – 64 x 26 x 30 cm onçA/JAGuAr/once yudJá – 73 x 26 x 28 cm 205 onçA/JAGuAr/once yudJá – 58 x 30 x 27 cm I k pe n g Os Ikpeng são um povo de língua mulheres. Nessa casa se produzem os karib que ocupou a região dos rios principais artefatos da cultura material, formadores do Xingu no início do ensaiam-se as cerimônias, os amigos século xx, quando viviam em estado se reúnem para beber e comer e se de guerra com seus vizinhos alto- confecciona o otxilat, peça plumária de xinguanos. O contato com o mundo cabeça que identifica o guerreiro. dos brancos foi ainda mais recente, no A maioria dos Ikpeng possui início da década de 1960, e provocou individualmente uma longa lista de uma desastrosa redução de sua nomes (entre seis e quinze, uma dúzia população para menos da metade em em média). A cadeia de nomes de cada razão de doenças e morte por armas de um é recitada em um ritual (orengo fogo. Foram então transferidos para os eganoptovo: “recitação de nomes”) limites do Parque Indígena do Xingu e relacionado com a cerimônia do “pacificados” pela ação dos irmãos regresso de uma expedição guerreira Villas-Boas. bem-sucedida. Pode também ser Hoje os Ikpeng somam cerca de 206 declarada em ocasiões muito formais, 450 índios, distribuídos em uma aldeia em que um “grande” (que não é e dois postos da administração da designado como “chefe”, pois o termo Funai no interior do Parque, e mantêm não é adequado) expressa-se em nome relações pacíficas e de aliança com do grupo. seus vizinhos. Contudo, no cerne de Dentre os povos que habitam o sua visão de mundo permanecem a Parque, os Ikpeng são os que mais guerra e a relação com os mortos como têm valorizado a educação escolar. Em o principal motor de reprodução da 1994, com o auxílio de linguistas, os vida social. professores ikpeng elaboraram uma O modelo da aldeia ikpeng tem escrita. Essa escrita ikpeng tem sido como centro cerimonial a “lua” ou muito usada pelos alunos, que também praça ritual, constituída como uma aprendem a língua portuguesa, elipse com dois fogos. Nela há ainda falada com fluência pela maioria da uma cabana coberta com um teto de população. A escola ikpeng adquiriu duas águas e sem parede, o mungnie, um papel central no Parque e é que não é uma casa de homens, responsável pela aquisição de materiais como no modelo alto-xinguano, pois escolares e sua distribuição para as geralmente permite o acesso das demais aldeias do Médio Xingu. 207 BAnco/stool/BAnc iKpenG – 47 x 14 x 14 cm A s u r in i do X i n gu Os Asurini do Xingu são um povo uso cotidiano e ritual. Os bancos de fala tupi-guarani que ocupa uma de madeira também passaram a ser aldeia na margem direita do rio decorados com esses grafismos. Xingu, na Terra Indígena Koatinemo, maioria dos motivos desenhados foram oficialmente contatados na consiste em uma variação de década de 1970, quando, após um padrão estrutural conhecido deslocamentos forçados e epidemias, como tayngava, que quer dizer estavam quase extintos, reduzidos a imagem ou representação. Ele menos de cinquenta pessoas. Hoje, está relacionado à noção de ynga sua população triplicou. (princípio vital), compartilhada por São conhecidos por sua 208 Na arte gráfica asurini, a próximo a Altamira, no Pará. Só espíritos e humanos e manipulada cerâmica pintada com desenhos pelos xamãs nos rituais. É a geométricos e acabamento brilhante. partir desse padrão, associado ao As vasilhas são feitas segundo um domínio do sobrenatural, que se padrão de maestria tecnológica produzem vários outros desenhos que é repassado às meninas desde cujo significado remete à natureza pequenas. O resultado é uma (animais, plantas) ou à cultura variada gama de vasilhas, todas com (objetos produzidos pelo homem). paredes amareladas muito finas, Entre os Asurini, a arte gráfica recobertas de um ou mais grafismos tem a mesma importância que os e finalizadas com uma camada de rituais xamânicos na produção e resina de jatobá que lhes confere transmissão do saber cultural e na um brilho característico. Além da reprodução da sociedade. cerâmica, destaca-se a tecelagem O xamã asurini é a figura (redes, tipoias, tiras de cabeça e central no desempenho da vida outros enfeites de algodão), cuja social do grupo. Seu livre trânsito confecção fica a cargo da mulher. pelos diversos domínios do cosmo Os Asurini compartilham uma lhe permite o controle de forças complexa arte gráfica aplicada não que asseguram a resistência da só sobre a cerâmica, que é um sociedade. Os rituais xamanísticos, importante veículo de afirmação de conhecidos como “pajelança”, sua identidade étnica, mas também realizam-se com muita frequência e sobre o corpo e sobre objetos de mobilizam todo o grupo. 209 BAnco/stool/BAnc Asurini do xinGu – 48 x 41 x 54 cm 210 BAnco/stool/BAnc Asurini do xinGu – 47 x 33 x 33 cm 211 BAnco/stool/BAnc Asurini do xinGu – 30 x 16 x 17 cm 212 BAnco/stool/BAnc Asurini do xinGu – 46 x 28 x 34 cm 213 BAnco/stool/BAnc Asurini do xinGu – 30 x 18 x 29 cm
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