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A (I)LEGALIDADE DA MEDIDA PROVISÓRIA 665 CONVERTIDA NA LEI 13.134/15 EM FACE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL Cleberson Rocha do Nascimento1 Tatiana Bhering Serradas Bon de Sousa Roxo2 RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo oferecer argumentos jurídicos que servirão para reflexão do leitor sobre a (i)legalidade da medida provisória 665 convertida na lei 13.134/15.Será utilizada de fonte jurídica que não está descrita expressamente no texto constitucional, entretanto é utilizada como norma. Trata-se do princípio da vedação do retrocesso social. Parte-se do conceito deste princípio para o estudo comparado, entendimento jurisprudencial e doutrinário para que assim chegar à conclusão. ABSTRACT: This work aims to provide legal arguments that will serve for the reader’s reflection on the (il) legality of the provisional measure 665 converted into Law 13,134 / 15. It will be used for legal source that is not expressly described in the Constitution, though it is used as standard. This is the principle of sealing the social regression. We start from the concept of this principle to the comparative study, jurisprudential and doctrinal understanding so that the reader reaches its conclusion. PALAVRAS-CHAVE: direitos sociais; direito do trabalho; Medida provisória 665; cláusula de reserva do financeiramente possível; o princípio da vedação do retrocesso social. KEYWORDS: social rights; labor law; Provisional measure 665; reserve clause of the financially possible; the principle of sealing the social regression. SUMARIO: 1 Introdução; 2 A Medida Provisória;2.1)Conceito e Características; 3 O Benefício Seguro-Desemprego;3.1) Contexto Histórico;3.2) Regras-Análise;4 O Princípio Da Vedação Do Retrocesso Social; 4.1) O Princípio Da Vedação Do Retrocesso Social No Direito Comparado; 4.2) O Princípio da Vedação Do Retrocesso Social no Brasil; 5) Análise Da Medida Provisória 665 Convertida a Lei 13.134/15 Em Face Do Princípio da Vedação Do Retrocesso Social;6) Conclusão; Referências,Notas de Fim. 1. INTRODUÇÃO Os Direitos Sociais são direitos que fundamentam a dignidade da pessoa humana; preceito constitucional. Contudo recentes políticas de governo surgiram na tentativa de diminuí-los como forma de solução para uma crise, em escala mundial que atravessa diversos países. O presente trabalho trás à discussão a (i)legalidade da medida provisória 665, convertida na lei 13.134/15 em face Princípio da Vedação do Retrocesso Social. Em primeiro momento dá-se o conceito de medida provisória e suas características. Após entende-se aspectos básicos do benefício seguro desemprego, tais como: o contexto histórico e as regras para concessão.Mais adiante se trabalha o Princípio da Vedação do Retrocesso Social, contextualizando sua origem, como é visto no direito comparado e no Brasil. Para desenvolver,destaca-se a experiência de países como Alemanha, Argentina e protocolos internacionais. Fala-se do Princípio da Reserva do Possível, do Mínimo Existencial, da Dignidade da Pessoa Humana, da Razoabilidade e Proporcionalidade. Dá-se ênfase a julgados de cortes nacionais e internacionais, para assim chegar à análise da medida provisória em questão e sua (i)legalidade, considerando os princípios constitucionais. Para enriquecer usa-se pensamentos de doutrinadores, tais como José Joaquim Gomes Canotilho, Ingo Wolfgang Sarlet, Celso de Melo, Vicente Paulo ,Marcelo Alexandrino, e demais. Ao final chega-se à conclusão com um posicionamento que poderá ser usado na busca pela solução para o problema enfrentado. LETRAS JURÍDICAS | V. 3| N.2 | 2O SEMESTRE DE 2015 | ISSN 2358-2685 2. A MEDIDA PROVISÓRIA 2.1 - Conceito e características Inicialmente estudar-se-á a medida provisória, dando o conceito, características, sua importância e como se dá seu processo de votação até a promulgação. O legislador criou um instituto jurídico que dá suporte ao Governo para que, no exercício da gestão do país, em casos de urgência e relevância, possa adotar medidas solucionadoras dos problemas econômicos, sociais e financeiros, a curto prazo.Trata-se das medidas provisórias. As medidas provisórias (Alexandrino, 2014, p. 559) são atos normativos primários, provisórios e sob condição resolutiva, de caráter excepcional no quadro da separação dos poderes, editados pelo Presidente da República situados no processo de elaboração normativa ao lado da lei. A vigente Constituição aboliu o decreto-lei do processo legislativo, substituindo-o pela medida provisória, instituída no artigo 59 da Carta Magna e disciplinada em seu artigo 62. Segundo Paulo e Alexandrino, para argumentar: [...] As medidas provisórias tiveram dois regimes jurídicos distintos, desde a data da promulgação da Constituição Federal até hoje: o primeiro vigorou da promulgação da Constituição Federal até a promulgação da EC 32,de 11.09.2001: o outro regime, hoje vigente,foi introduzido pela EC 32/2001, e é aplicável às medidas provisórias editadas em data posterior à promulgação desta emenda constitucional[...] (2014,p.559-560). 67 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA Em caso de urgência ou relevância, adotada a medida provisória pelo chefe do executivo, esta deve ser submetida ao Congresso Nacional, que terá o prazo de 60 dias para apreciá-la, podendo ser prorrogável por igual período. No Congresso Nacional, a medida provisória será apreciada por uma comissão mista que apresentará um parecer favorável ou desfavorável à sua conversão em lei; este parecer prévio é meramente opinativo, porém, é obrigatório e sua inobservância configura inconstitucionalidade formal. A votação da medida provisória será iniciada obrigatoriamente pela Câmara dos Deputados. Emitido o parecer, o plenário das casas legislativas examinará a medida provisória e, sendo convertida integralmente em lei, o presidente do Senado Federal a promulgará, remetendo-a para publicação. Se integralmente rejeitada ou, caso perca a eficácia por decurso de prazo, a medida provisória será arquivada. Nas palavras de Paulo e Alexandrino (2014, p.563): Caso sejam introduzidas modificações no texto adotado pelo Presidente da República (conversão parcial), a medida provisória será transformada em projeto de lei de conversão, e o texto aprovado no Legislativo será encaminhado ao Presidente da República, para que sancione ou vete. Conforme disciplinado no artigo 62, §1º da Constituição Federal de 1988, as medidas provisórias não podem disciplinar qualquer matéria, pois existem limitações constitucionais à sua edição. O texto constitucional veda edição normativa que trata de nacionalidade, cidadania, direitos políticos, eleitorais, direito penal, processo penal, processo civil, organização dos poderes, planos plurianuais, matérias que visem a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro. Além disso, a medida provisória não trata de matéria reservada à lei complementar. Em suma, não há, conforme exposição supracitada, nenhuma limitação quanto à edição de medida provisória, em que pese os direitos sociais disciplinados no art. 6° e art. 7° da Constituição Federal, tais como: direitos sociais à educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados. Após a conceituação de medida provisória e suas características, passa-se ao estudo do benefício do seguro-desemprego. 3. O BENEFÍCIO DO SEGURO-DESEMPREGO 3.1 - Contexto Histórico O seguro-desemprego é um benefício concedido pelo Governo Federal ao trabalhador desempregado, com o fim de prestar-lhe assistência temporária, em razão de dispensa imotivada, rescisão indireta ou paralisação das atividades do empregador. Embora previsto na Constituição de 1946, foi introduzido no Brasil no ano de 1986 por intermédio do Decreto-Lei n° 2.284 de 10 de março de 1986 e Regulamentado pelo Decreto n° 92.608,de 30 de abril de 1998(ARAÚJO,2008). Após a Constituição de 1988, o benefício seguro-desemprego passou a integrar o Programa de seguro-desemprego que tem por objetivo, além de prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa imotivada, inclusive a indireta, dar manutenção enquanto busca recolocação no mercado de trabalho dando qualificação profissional e orientação(ARAÚJO,2008). O programa foi criado por intermédio da Lei 7.998,de 11 de janeiro de 1990,com a instituição do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT o que permitiu mudanças nas normas para o cálculo dos valores LETRAS JURÍDICAS | V. 3| N.2 | 2O SEMESTRE DE 2015 | ISSN 2358-2685 do benefício seguro-desemprego(ARAÚJO,2008). Em 1991 o Governo Federal, através da Lei 8.352, alterou o Programa de Seguro-desemprego promovendo novos critérios, visando maior abrangência do benefício. A partir de 1994 entrou em vigor a Lei 8.900 que estabeleceu critérios diferenciados de parcelas do benefício. Em novembro de 1998 foi instituída a Medida Provisória 1.726, alterada pelas Medidas Provisórias 1.779-6, 1.779-7 e 1.779-11, estabelecendo o pagamento de até três parcelas do benefício para os trabalhadores de desemprego de longa duração(ARAÚJO,2008). Passa-se então, à análise das regras do benefício seguro-desemprego na vigência de Lei 7.998/90 e alterações posteriores. 3.2 -Regras – Análise Com o advento da Medida Provisória 665 de 2014, convertida na Lei de n° 13.134 de 2015, houve mudanças nas regras de concessão do benefício para os trabalhadores dispensados sem justa causa. Na vigência da Lei 7.998/90, era exigido que o trabalhador tivesse recebido de pessoa física ou jurídica, salário relativo a cada um dos seis meses imediatamente anteriores à data da dispensa. Com a vigência da medida provisória 665, o trabalhador terá que comprovar vínculo com o empregador por pelo menos 18 meses na primeira vez em que requerer o benefício. Na segunda solicitação, o período de carência será 12 meses. A partir do terceiro pedido, a carência voltará a ser de 06 meses (VERDÉLIO,2015). Com a promulgação Lei 13.134/15, o trabalhador terá que comprovar vínculo com o empregador de no mínimo 12 meses na primeira vez em que requerer o benefício, e na segunda solicitação, o período de carência será de 09 meses. Nas demais solicitações não houve alteração. Fazendo uma análise da revogação da Lei 7.998/90, com a criação da medida provisória 665 e conversão na Lei 13.134/15, percebe-se que houve maior exigência de período de vínculo empregatício, tanto na vigência da medida provisória, como após a promulgação da lei em questão. Atrelado a esta mudança, vivencia-se a crise econômica e dispensa imotivada nos setores de serviço e indústria no país. Destacamse as palavras do professor José Pastore: No final de 2014 e inicio de 2015, o quadro virou, e o mercado de trabalho, que estava relativamente blindado, passou a sentir o peso dos desequilíbrios. Já em janeiro, o desemprego nas regiões metropolitanas saltou dos 4,3%, registrados em dezembro de 2014, para 5,3%. Em março, passou para 6,2% e, em abril, para 6,4%. Ficou claro que os desequilíbrios provocados pelas políticas equivocadas do governo federal estavam chegando ao mercado de trabalho. O desemprego em todo o País, medido pela Pnad Contínua2, chegou a 7,9%. Entre os jovens, atingiu 18% entre os que tinham de 18 a 24 anos. Hoje em dia, o Brasil possui cerca de 8 milhões de pessoas desempregadas. Trata-se de um número muito alto quando se considera o desempenho recente do mercado de trabalho e os gastos que isso provoca nas contas públicas, em especial, no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de cerca de R$ 40 bilhões anuais, para atender às necessidades do seguro-desemprego. O número é grave também quando se considera que o trabalho desprotegido do mercado informal ainda atinge cerca de 40 milhões de brasileiros. (PASTORE,2015). Após análise da alteração da norma, passa-se ao estudo do Princípio da Vedação do Retrocesso Social. 68 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 4. O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL 4.1 - O Princípio da Vedação do Retrocesso Social – Origem O princípio da proibição do retrocesso social surge a partir das modificações das características do Estado, ou seja, da transição de Estado de Direito para o Estado Social e, posteriormente, para Estado Democrático do Direito. Sampaio (2005, apud Lisboa,2013) adverte que o princípio surgiu no século XIX quando se tornou importante a participação do legislador na concretização dos direitos fundamentais. Para Lisboa (2013), o reconhecimento do Princípio da Proibição do Retrocesso Social foi a crise financeira e econômica vivenciada após as duas grandes guerras e o fenômeno da globalização e formação de blocos econômicos. Derbi (2007, apud Lisboa,2013) aborda de forma estreita o fenômeno da globalização porque, segundo autor, por intermédio da supremacia das questões mercadológicas, a forma de se conceber o Estado passou a ser relativizada, já que se colocou em cheque o conceito de soberania, na medida em que manifestações normativas passaram a abranger o terreno maior que a dimensão de apenas um Estado. Os blocos econômicos passaram a ditar as regras da economia por meio de acordos e tratados internacionais e as constituições foram perdendo seu poder normativo, passando a não mais serem instrumentos aptos a garantir a efetividade dos direitos sociais.Assim, surgiu a necessidade de se utilizar de princípios. No Brasil, o Princípio da Vedação do Retrocesso Social está em desenvolvimento, contudo, apesar de não ser positivado em lei é utilizado como fonte jurídica. Segundo Lisboa (2013), em outros países esse princípio já se desenvolveu principalmente na Alemanha e em Portugal. A experiência internacional é o principal elemento para a busca do fundamento do princípio, razão pela qual passa-se à análise do direito comparado. 4.1 - O Princípio da Vedação do Retrocesso Social no Direito Comparado Na Alemanha, a crise econômica colocou em cheque a certeza da manutenção dos benefícios sociais proporcionados pelo Estado Social. E a tese da proibição do retrocesso social surgiu com a modificação legislativa em relação ao serviço de previdência. Diante da mudança previdenciária, evidenciou-se a instabilidade dos direitos subjetivos, transportando a discussão para a seara constitucional, sendo analisada pelo Tribunal Constitucional Alemão (SARLET, 2007). Desenvolveu-se uma discussão doutrinária e jurisprudencial em relação aos limites que o princípio constitucional do Estado Social colocaria a uma intervenção legislativa que afetasse os benefícios concedidos. Os Direitos Sociais não constavam na Constituição alemã. Ficando o povo alemão à mercê de uma possível revogação legislativa. Surge-se então, a necessidade de se criar um princípio que confrontasse com o legislador, para impedir a perda parcial ou total de direitos já sedimentados no âmbito social alemão. Cabe ressaltar que os direitos sociais fundamentais não vêm expressos na Lei de Bonn de 1949, especialmente os de segunda geração, como saúde, direitos dos trabalhadores e moradia. Segundo Krell(2002, apud Lisboa,2013,p.190) “esta ausência justifica-se devido à descrença dos alemães em relação à carta de Weimar de 1919,pois alguns institutos nela previstos foram utilizados para legitimar a atuação dos nazistas,como o plebiscito”. Assim, entende-se que a Constituição contribuiu para “[...]a radicalização da política desse país nos anos 20 e a tomada do poder pelos nazistas em 1933” (KRELL, 2002 apud LISBOA, 2013 p, 190). Entretanto, há peculiaridade no sistema Alemão, já que ele “[…] fixa, de maneira obrigatória, as tarefas e a direção da atuação estatal presente e futura,sem, no entanto, criar direitos subjetivos para sua LETRAS JURÍDICAS | V. 3| N.2 | 2O SEMESTRE DE 2015 | ISSN 2358-2685 realização”(KRELL,2002 apud LISBOA, 2013,p.190). Houve adesão por parte dos estados latino-americanos ao Pacto Internacional de Direitos Sociais,Econômicos e Culturais e ao Protocolo de San Salvador,que por si só já implica comprometimento jurídico com o dever de progressiva realização de tais direitos e, em conseqüência, com a correlata proibição de regressividade (SARTET,2009). Na Argentina, em julgado proferido pela Câmara de Apelações do Contencioso Administrativo e Tributário da Cidade de Buenos Aires, estava em causa a garantia de uma habitação digna para pessoas submetidas à condições de vida precárias, em ambiente marcado por forte exclusão social. O caso envolvia a negação de acesso à moradia por parte do autor da demanda. O tribunal argumentou que a descontinuidade das prestações sociais viola o princípio da proibição do retrocesso, pois uma vez reconhecido e efetivado um direito social, quando se trata de pessoas que se encontram em situação econômica e social precária, não é possível eliminar esta condição básica de inclusão social, quando faltam alternativas razoáveis adotadas por parte do poder público (SARLET, 2009). Ademais, observa-se que internacionalmente há uma preocupação com os direitos sociais, buscando impedir que políticas estatais possam atingi-los. Passa-se à análise do princípio da vedação do retrocesso social no Brasil. 4.3 Princípio da Vedação do Retrocesso Social no Brasil A proibição do retrocesso social em matéria de direitos sociais é uma categoria reconhecida, em processo de crescente difusão e elaboração doutrinária e jurisprudencial em várias ordens jurídicas,inclusive em função da sua consagração no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos (SARLET,2009). Melo(2011) defende que o Princípio da Vedação do Retrocesso Social é uma garantia constitucional implícita, decorrente do denominado bloco de constitucionalidade,tendo sua matriz axiológica nos Princípios da Segurança, da Máxima Efetividade dos Direitos Constitucionais e da Dignidade da Pessoa Humana, mas se constitui em um princípio autônomo, com carga valorativa eficiente própria. O Princípio tem como conteúdo a proibição do legislador em reduzir, suprimir, diminuir, ainda que parcialmente, o direito social já materializado em âmbito legislativo e na consciência geral. A doutrina majoritária, seguindo os ensinamentos de Sarlet (2009), entende que o princípio da Proibição ao Retrocesso Social tem como base os princípios do Estado Democrático e Social de Direito, da Dignidade da Pessoa Humana, da Máxima Efetividade das Normas Constitucionais (art. 5°, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil), que também é princípio hermenêutico, da segurança jurídica, da proteção da confiança e da boa-fé. Teria este princípio alicerce na própria dignidade da pessoa humana, de onde derivam quase todos os demais direitos, tais como:direito à saúde, educação, ao trabalho, à liberdade e propriedade. Registra-se abaixo a conexão principiológica: [...] o que sempre fizemos questão de sublinhar, também resulta evidente que se registra, conforme já lembrado, uma inquestionável conexão entre ambas figuras(proibição do retrocesso e segurança jurídica), assim como se revela como sendo incontornável o liame entre proibição de retrocesso e outros princípios e institutos jurídico-constitucionais, com destaque para o da proporcionalidade e razoabilidade, assim como com a própria dignidade da pessoa humana[...] (SARLET, 2009,p.125). 69 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 581352/AM, traz também uma definição do Princípio da Proibição ao Retrocesso, conforme a seguir: EMENTA: AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO ATENDIMENTO DE GESTANTES EM MATERNIDADES ESTADUAIS. DEVER ESTATAL DE ASSISTÊNCIA MATERNO-INFANTIL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL. OBRIGAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, INCLUSIVE AOS ESTADOS-MEMBROS. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO ESTADO-MEMBRO. DESRESPEITO. À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796). A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191197). O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO. A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO. A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”). CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDOPROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS (CF, ART. 227). A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROIBIÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO). DOUTRINA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220). POSSIBILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DE UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” (CPC, ART. 461, § 5º) COMO MEIO COERCITIVO INDIRETO. EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. Sábias as palavras de MELO (2013, p.14), “refiro-me ao Princípio da Proibição do Retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive”. Para o Ministro Melo (2013), o princípio da proibição do retrocesso social impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão. Em matéria social, traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa, pertinente aos direitos sociais de natureza prestacionais, impedindo que os níveis desta concretização uma vez alcançados, venham a ser reduzidos ou suprimidos. Por outro lado, poderá ser reduzido ou suprimido caso LETRAS JURÍDICAS | V. 3| N.2 | 2O SEMESTRE DE 2015 | ISSN 2358-2685 políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais. Caso haja supressão, configurará clara violação do Princípio da Proteção da Confiança e da Segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana(Melo, 2013). Canotilho (2003) afirma que os direitos sociais econômicos, incluindo os direitos dos trabalhadores, uma vez obtidos em determinado grau de realização, passam a constituir simultaneamente uma garantia institucional e um direito subjetivo. A proibição do retrocesso social nada pode fazer contra recessões e crises econômicas, mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos, tal como o direito ao subsídio do seguro-desemprego; em clara violação do Princípio da Proteção da Confiança e da Segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. Na mesma linha, Paulo e Alexandrino (2014), destacam que, os Direitos Sociais, por exigirem disponibilidade financeira do Estado, estão sujeitos à denominada cláusula da reserva do possível.Esse princípio implícito tem como consequência o reconhecimento de que os direitos sociais assegurados na Constituição devem ser efetivados pelo poder público, mas na medida em que isso seja possível. Cabe destacar que este princípio não pode ser utilizado genericamente pelo Estado como justificativa para deixar de cumprir suas obrigações, sob alegações de que não há recursos suficientes.A não efetivação ou efetivação parcial de direitos constitucionalmente assegurados, somente se justifica se, em cada caso, for possível demonstrar a impossibilidade financeira de sua concretização. Dentro dos princípios do Estado Democrático e Social de Direito, há um subprincípio que exige a manutenção de um patamar mínimo, em termos de proteção social e segurança jurídica. Trata-se do Princípio da Garantia do Mínimo Existencial, também postulado implícito na Constituição Federal de 1988,que atua como um limite à cláusula da reserva do financeiramente possível Paulo e Alexandrino(2014). Diz-se que a dificuldade estatal, decorrente da limitação de recursos financeiros, não afasta o dever de o Estado de garantir um mínimo necessário para a existência digna da população(Paulo e Alexandrino,2014). Desta feita, identifica-se que o pensamento dominante veda a redução, supressão dos direitos sociais, por ferir o Princípio da Vedação do Retrocesso Social. 5. ANÁLISE DA MEDIDA PROVISÓRIA 665 CONVERTIDA NA LEI 13.134/15 EM FACE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL Os direitos sociais, segundo Paulo e Alexandrino (2014), vinculam o legislador infraconstitucional, exigindo deste um comportamento positivo para regulamentação dos serviços e políticas públicas. O Princípio da Proibição do Retrocesso Social, embora não previsto na Constituição, está consagrado na ordem constitucional. Uma vez regulamentado determinado dispositivo de índole social,o legislador não poderia retroceder no tocante à matéria,prejudicando o direito já reconhecido ou concretizado. A MP 665 alterou a lei 7.998/90, que regula o Programa do Seguro-Desemprego,pois anteriormente, após seis meses de trabalho, o trabalhador tinha direito ao benefício,mas, após a aprovação da medida provisória, passou a exigir maior tempo de vínculo empregatício para concessão do benefício. Isto significa uma redução/restrição de direito em que determi- 70 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA nados trabalhadores, ou seja, aqueles que trabalharam 17 meses ou menos no primeiro emprego, no advento da medida provisória, não receberão tal benefício. Com o advento da Lei 13.134/15, aqueles que trabalharem menos de 12 meses, também não receberão o benefício. Pode-se considerar a legislação discutida como ilegal, por ferir o Princípio da Vedação do Retrocesso Social.Ressalta-se que durante a crise o governo não tem implementado políticas compensatórias para esta quantidade de desempregados, pelo contrário, determinou corte orçamentário em diversos setores da econômica. Atrelado à implantação da medida provisória 665, o governo propôs a medida provisória 664 que estabeleceu uma reforma no sistema previdenciário, modificando as regras de concessão do auxílio doença,pensão por morte, delimitando a obtenção do benefício. No entanto, a medida provisória foi aprovada e o governo propôs medidas compensatórias, que não estão sendo cumpridas.Não houve fundamentação nem motivo que justificasse a cláusula da reserva do possível, pois a medida atingiu a todos trabalhadores e não casos concretos.Em tempos de crise, deve-se preservar o mínimo para garantia existencial de cidadão. Deve-se preservar os direitos já sedimentados, sob a ótica da dignidade da pessoa humana. 6. CONCLUSÃO Assim como em virtude dos efeitos perversos da globalização, em particular no plano econômico, não se pode simplesmente negligenciar a relevância do reconhecimento de uma proibição de retrocesso como categoria jurídico-constitucional, ainda mais quando a maioria das reformas não dispensa mudanças no plano das políticas públicas e da legislação SARLET(2009). Situa-se dentro destes efeitos, a supressão de garantias dos trabalhadores, sem falar no crescimento dos níveis de desemprego e índices de subemprego. É indiscutível o enorme prejuízo suportado pelo trabalhador desempregado, em virtude da crise, face a impossibilidade de recebimento do benefício do seguro-desemprego, tendo que disputar o mercado informal. Não se recolocando, não terá o mínimo existencial para viver com dignidade neste período. Sarlet Observa: “O Mínimo existencial abrange bem mais do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido, portanto, à noção de um mínimo vital” (SARLET 2009, p.140). Ferem-se assim os princípios constitucionais; que são a Dignidade da Pessoa Humana, a Garantia do Mínimo Existencial, a Reserva do Possível e o Princípio da Vedação do Retrocesso Social. Sabe-se que a discussão sobre o assunto vai muito além da exposição acima, tanto o princípio, quanto a legislação colocada são recentes e carecem de estudos aprofundados. O Princípio Da Vedação do Retrocesso em conjunto com os demais é reconhecido internacionalmente, como fonte de garantia dos direitos do cidadão, por isso, motivou o desenvolvimento deste trabalho. Chega-se à conclusão entendendo que a legislação foi aprovada em um momento de crise econômica, objetivando realizar cortes de gastos com receitas públicas, trazendo prejuízo para os trabalhadores, devendo assim, ser revogada, modulando seus efeitos. REFERÊNCIAS ALVES,Cândice Lisbôa.Direito à saúde.Efetividade e proibição do retrocesso social.Belo Horizonte.D’plácido,2013. mentários do Juiz Jorge Alberto Araújo.Disponível em: http://direitoetrabalho. com/seguro-desemprego/. Acesso em: 01/11/2015. BRASIL. Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDES. Fundo de Amparo ao trabalhador – FAT. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/ bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Fundos/Fat/index.html. Acessado em 11/10/2015. ______.Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:Senado Federal,1988. ______. Medida Provisória 664 de 30 de dezembro de 2014. Altera as Leis no 8.213, de 24 de julho de 1991, nº 10.876, de 2 junho de 2004, nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e a Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003.Diário Oficial da República do Brasil,Poder Executivo,Brasília,DF,30 de dez.2014.Seção 1,p.1. ______. Medida Provisória nº 665 de 30 de dezembro de 2014. Altera a Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, altera a Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, que dispõe sobre o seguro desemprego para o pescador artesanal, e dá outras providências.Diário Oficial da República do Brasil,Poder Executivo,Brasília, DF, 30 dez. 2014.Seção 1,p. 2. ______. Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Políticas Públicas de Emprego. Departamento de Emprego e Salário. Manual de Atendimento. Programa Seguro Desemprego. Disponível em: http://www.borgmanninformatica. com.br/downloads/manualsegurodesemprego.pdf. Acesso em 13/11/2015. ______. Supremo Tribunal Federal.Recurso Extraordinário 581352 RE/AM.Rel. Min.Celso de Melo.Julgamentoem:24/09/13.Disponívelem:http://www.stf.jus. br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28581352%2ENUME%2E+OU+581352%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http:// tinyurl.com/mhgantl. Acesso em 01/10/15. 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