I. Desapropriação: reforma agrária
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I. Desapropriação: reforma agrária
(2) Acórdão e 25299Ementa MS Supremo Tribunal Federal Diário da Justiça de 08/09/2006 14/06/2006 TRIBUNAL PLENO MANDADO DE SEGURANÇA 25.299-5 DISTRITO FEDERAL RELATOR IMPETRANTE(S) ADVOGADO(A/S) IMPETRADO(A/S) ADVOGADO(A/S) : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE : FERNANDO AIR CASAGRANDE RAFAELI OUTRO(A/S) : MARILUCI ZIMMERMANN ALVES OUTRO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E E EMENTA: I. Desapropriação: reforma agrária: alegação improcedente de fracionamento da propriedade rural, em virtude de doação, do qual resultaram diversas outras, caracterizadas como médias propriedades rurais (CF, art. 185, I; L. 8.629/93, art. 4º, parágrafo único). 1. Caso em que o imóvel rural desapropriado foi doado, por escritura pública, com cláusula de reserva de usufruto vitalício em favor dos doadores, extinta com o falecimento do doadorsobrevivente: não providenciada a individualização das glebas pelos impetrantes após o falecimento do usufrutuário sobrevivente e não registrada a escritura pública de divisão elaborada para atender a exigência - ante a vedação constante no § 4º do art. 2º da L. 8.629/93 - mantém-se a unidade do imóvel para fins de reforma agrária. 2. O recolhimento individualizado do Imposto Territorial Rural, conforme o procedimento previsto no Estatuto da Terra (L. 4.504/64), se restringe a fins tributários, “não se prestando a ser usado como parâmetro para o dimensionamento de imóveis rurais destinados à reforma agrária, matéria afeta à Lei n. 8.629/93 (cf.MS 24.924, Eros Grau, 10.3.2005). II. Reforma agrária: desapropriação: processo administrativo: ausência de ofensa ao contraditório e à ampla defesa. 1. Alegação de afronta aos arts. 26, § 1º, VI; e 50, I, da L. 9.784/99, que parte de premissa equivocada e é desmentida pelas informações prestadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2. Improcedência da afirmação de descumprimento do prazo legal para a conclusão do processo administrativo: o § 4º do art. 2º da L. 8.629/93 não fixa prazo de validade para a vistoria, apenas determina que, durante o referido período, as modificações introduzidas no imóvel não deverão ser levadas em conta para o Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF efeito de desapropriação (cf. MS 24.113, Maurício Corrêa, DJ de 23.5.2003. 3. Recursos administrativos, ademais, apenas no seu efeito devolutivo, nos termos do 9.784/99, não obstam o desenvolvimento do processo. que, recebidos art. 61 da L. A C Ó R D à O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a Presidência da Sra. Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em denegar o mandado de segurança, nos termos do voto do Relator. Brasília, 14 de junho de 2006. SEPÚLVEDA PERTENCE efs. - RELATOR (5) Relatório Supremo Tribunal Federal 14/06/2006 TRIBUNAL PLENO MANDADO DE SEGURANÇA 25.299-5 DISTRITO FEDERAL RELATOR IMPETRANTE(S) ADVOGADO(A/S) IMPETRADO(A/S) ADVOGADO(A/S) : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE : FERNANDO AIR CASAGRANDE RAFAELI OUTRO(A/S) : MARILUCI ZIMMERMANN ALVES OUTRO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E E R E L A T Ó R I O O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – I 01. Trago para julgamento conjunto os MMSS 25304 e 25299, impetrados contra o decreto do Presidente da República, de 24 de fevereiro de 2005, que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado ‘São Roque – Águas Sulfurosas’, localizado no Município de Correia Pinto, no Estado de Santa Catarina. 02. O MS 25304 foi impetrado por ELOÍ RAFAELI e a mim distribuído em 28.3.05, tendo deferido o pedido de medida liminar no dia seguinte (29.3.05), para suspender a eficácia do ato impugnado. 03. O MS 25299 foi impetrado por FERNANDO AIR CASAGRANDE RAFAELI, MARCO ANTÔNIO CASAGRANDE RAFAELI, MARLON ANDREY CASAGRANDE RAFAELI, CELSO ARCAJO ROSA e FRANCISCO CARLOS ROSA, e distribuído ao Ministro Carlos Velloso em 21.3.05, que, antes de decidir da liminar, solicitou informações. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF 04. Vindas, Sua Excelência - com apoio no art. 106 do C.Proc.Civil(1) – remeteu os autos ao Presidente do Tribunal, que determinou a sua redistribuição por prevenção. 05. Como o decreto objeto das impetrações já se encontrava suspenso devido à decisão no MS 25304, julguei prejudicado o pedido de liminar no MS 25299. II 06. O principal fundamento de ambas impetrações reside no fato de o imóvel objeto do decreto atacado ser a somatória de diversos outros caracterizados insuscetíveis, portanto, como de médias desapropriação propriedades (art. 4º, rurais, parágrafo único, da L. 8629/93; e art. 185, I, da Constituição Federal2). 07. Isso, devido à doação, em 1985, do referido imóvel pelos ascendentes – pais da impetrante do MS 25304 e avós dos impetrantes do MS 25299 – aos seus descendentes, com cláusula de reserva de usufruto vitalício em favor dos doadores, extinta por conta do falecimento do doador-varão sobrevivente, em setembro de 2003. 1 Código de Processo Civil, art. 106: “Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar”. 2 L. 8629/93, art. 4º, parágrafo único: “São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural”. Constituição Federal de 1988: “Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde seu proprietário não possua outra”. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF 08. Sustentam que o INCRA deveria ter considerado – de acordo com o § 6º do art. 46 do Estatuto da Terra(3) - a área resultante da fração que coube a cada impetrante na doação, ou seja: - quanto à Sra. Eloi Rafaeli, 153,66 ha, fruto da divisão do total da área doada (307,32 ha) com o seu ex-marido (Erich Casagrande); - quanto aos Srs. Fernando Air, Marco Antônio e Marlon Andrey, 101,89 ha, em sucessão da parte que caberia ao seu pai, Air Rafaeli (305,7 ha); - quanto aos Srs. Celso Arcanjo e Francisco Carlos, 152,8 ha, em sucessão do total da área que caberia a sua mãe, Irene Rafaeli Rosa (305,7 ha). 09. Assim, considerado o módulo fiscal local de 20 ha, os imóveis constituiriam médias propriedades rurais (4). 10. Essa reconhecida destinada à divisão quando da implantação – aduz-se averbação da VI do de Área MS uma – 25304 teria desapropriação Industrial no sido amigável Município de Correia Pinto/SC; ademais, a cobrança do Imposto Territorial Rural viria sendo efetuada individualmente, de acordo com o art. 46, § 6º, do Estatuto da Terra (L. 4504/64). 11. Sustentam os impetrantes, ainda, a violação da garantia do contraditório e da ampla defesa, pois o INCRA não teria indicado os 3 L. 4504/64 (Estatuto da Terra), art. 46: “§ 6º. No caso de imóvel rural em comum por força de herança, as partes ideais, para os fins desta Lei, serão consideradas como se divisão houvesse, devendo ser cadastrada a área que, na partilha, tocaria a cada herdeiro e admitidos os demais dados médios verificados na área total do imóvel rural”. 4 Nos termos do art. 4º, III, a, da L. 8629/93, e do art. 3º, III, da Instrução Normativa nº 11 do INCRA, de 2003. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF critérios adotados no levantamento dos dados, nem os fatos e fundamentos que teriam levado à conclusão da improdutividade do imóvel. 12. Afirmam que se teria consumado o prazo decadencial para a conclusão do processo administrativo de expropriação, de acordo com o § 4º do art. 2º da L. 8629/93(5), já que a última notificação para o levantamento de dados foi recebida em 18.7.2004 e o decreto expropriatório, publicado em 24.2.2005. 13. Ademais, a autoridade administrativa teria expedido o decreto expropriatório antes mesmo da conclusão do processo administrativo, tendo em vista a recomendação da Procuradoria especializada para que fosse concedido novo prazo de dez (10) dias para recurso, em 18.2.05; sendo que o ofício recebido pela impetrante seria de 21.2.04 (f. 51), e o decreto objeto da impetração de 24.2.04. 14. Por fim, ressaltam que, em 17.2.2005, teria sido formalizada a “Escritura de Divisão Amigável de Imóvel Rural com Retificação de Registro e Extinção de Comunhão, referente ao imóvel expropriado” - anterior, portanto, ao decreto objeto da impetração (24.2.2005) -, não tendo sido registrada devido ao ofício do INCRA a comunicar que o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) referente à área desapropriada encontrava-se bloqueado, o que 5 L. 8629/93, art. 2º, § 4º: “Não será considerada para os fins desta Lei, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até 6 (seis) meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações de que tratam os §§ 2º e 3º.” Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF resultaria em afronta ao disposto no art. 1320 do novo Código Civil (6). 15. Soma-se a esses argumentos a alegação dos impetrantes do MS 25299 de que consta, na Declaração para Cadastro de Imóveis Rurais, o código 14, “ou seja, proprietário ou posseiro em comum” (f. 5). 16. Requerem, então, a concessão do mandado de segurança para impedir a desapropriação da fração ideal do imóvel rural de sua propriedade. 17. Deferi a liminar pleiteada para suspender a eficácia do decreto questionado, até o julgamento do pedido. 18. Em suas informações, a autoridade defende o ato impugnado. 19. A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação dos mandados de segurança. 20. 6 É o relatório. Código Civil, art. 1320, caput: “A todo o tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão”. (11) PERTENCE SEPÚLVEDA - Voto Supremo Tribunal Federal 14/06/2006 TRIBUNAL PLENO MANDADO DE SEGURANÇA 25.299-5 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): I 01. ambas Este, o teor do parecer do Ministério Público Federal em as impetrações, da lavra do il. Procurador-Geral Cláudio Fonteles: “O exame das dimensões da propriedade demanda que seja avaliado o estado dos registros públicos do imóvel em questão. Esse estudo, formulado sobre os documentos juntados a fls. 19-21, e seus versos, nos quais está representado o registro do imóvel em tela, dá-nos a segura idéia de estarmos defrontados com bem sujeitado a condomínio. É claro o registro ‘R-1/6.794’ ao assentar que o bem foi dado em doação a inúmeros herdeiros dos originais proprietários, Sr. ARTIBANO RAFAELI e esposa, a título de adiantamento de herança. Mantiveram usufruto vitalício do imóvel, anotação que refutaria a tese de desmembramento do bem, ao menos até o cancelamento do ônus, realizado em 30 de janeiro de 2004. Os registros e averbações seguintes cancelamento nada acrescentam a essa idéia. ao Em momento algum o bem sofreu divisão ou desmembramento. Sem registro desses atos nos ofícios competentes, não há como se imaginar qualquer eficácia de eventual repartição do imóvel, ao menos no que toca a terceiros. O memorial descritivo juntado a fls. 30-33 constitui estudo que serviria de base para o desmembramento. Não tem eficácia para, desde logo, surtir efeito jurídico algum. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF Houve ainda a tentativa de se partir concretamente para a divisão da área por meio de escritura pública – fls. 39-41 –, mas, como sobejadamente demonstrado nos autos, não foi levada a registro. Dessa maneira, o bem permanece, para os fins legais, constituído como se fosse uma unidade, sem repartição de qualquer espécie. Está adstrito a uma única matrícula no registro de imóveis. A existência da comunhão de direito sobre o bem é, inclusive, retratada na mencionada escritura pública que se propõe a dividir a propriedade. Após identificar os autores da pretendida divisão, anunciava o negócio que então se formalizava – verso de fls. 39: ‘…Então, pelos outorgantes e reciprocamente outorgados me foi dito o seguinte: PRIMEIRO: que a justos títulos, são donos, senhores e legítimos proprietários do imóvel constante da matrícula n.º 6.794, do livro 2 – Registro Geral, fls. 1 e 2 e versos, do CARTÓRIO DO 3º OFÍCIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS desta Comarca, em comunhão entre eles, ou seja, de UMA GLEBA DE TERRAS, com a área superficial de 12.227.733,08 m2 (…), contendo pela superfície sangas, matas, arroios, pedra-ferro, banhados, pinheiros, todos os seus pertences e acessórios naturais, situada na localidade de Águas Sulfurosas, às margens da Rodovia Federal BR-116, município e Comarca de Correia Pinto (SC…’ E prosseguem mais adiante – fls. 40: ‘SEGUNDO: que por meio deste público instrumento e na melhor forma de direito, eles outorgantes e reciprocamente outorgados EXTINGÜEM, como de fato EXTINTO tem a citada comunhão, dividindo amigavelmente a área mencionada…’ Indiscutível, portanto, que o bem não vinha sendo tratado como se dividido estivesse até aquela data. A comunhão de direitos sobre o bem comum reinava até então, na mais clássica delimitação de um condomínio. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF Por sua vez, a escritura pública que tenderia à divisão não chegou a ser registrada na matrícula do bem. Alega a impetração que o registro teria sido negado por imposição do INCRA, mas tal fato é lançado sem nenhuma demonstração cabal de sua efetiva ocorrência. Ineficaz, portanto, perante terceiros, como também é ineficaz para os fins de modificação do direito de propriedade. Outro dado que é preciso ser considerado é a superveniência da escritura ao decreto presidencial. Ao tempo em que fora elaborado o ato ora atacado, o negócio não havia tomado corpo. Portanto, não há afronta ao art. 46, § 6º, da Lei 4.504/64. O Ministério Público Federal tem argumentado, em casos semelhantes, como nos feitos em que o proprietário falece, que só ocorrerá com a partilha definitiva dos bens e registro do formal no cartório próprio, com a abertura de novas matrículas. Não ocorre imediato desmembramento de bem imóvel suscetível à desapropriação por interesse social. O tema, diga-se, deverá ganhar definitiva conformação com o julgamento do MS 24.924. Com julgamento iniciado, está sujeitado a pedido de vista do Eminente Ministro GILMAR MENDES. O desenrolar de seu desfecho encontra-se no seguinte passo, segundo termos postos no Informativo n.º 379/STF: ‘O Tribunal retomou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da República que, por meio de decreto, declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural — v. Informativo 367. O Min. Eros Grau, em votovista, abriu divergência e indeferiu a segurança. Ressaltou a necessidade de se interpretar o art. 1.784 em conjunto com o disposto no art. 1.791 e seu parágrafo único, ambos do CC, concluindo que a saisine somente torna múltipla a titularidade do imóvel, o qual permanece uma única propriedade até a partilha, unidade que não pode ser afastada quando da apuração da área do imóvel para fins de reforma agrária, razão por que não se pode tomar cada parte ideal como propriedade distinta. Salientou não ser aplicável, à espécie, o § 6º art. 46 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), já que a expressão ‘para os fins desta Lei’ nele Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF contida teria o objetivo apenas de instrumentar o cálculo do coeficiente de progressividade do Imposto Territorial Rural – ITR, não servindo o procedimento previsto de parâmetro para o dimensionamento de imóveis rurais destinados à reforma agrária, matéria afeta à Lei 8.629/93. (…) Em seguida, o Min. Marco Aurélio negou a juntada de petição apresentada pelos impetrantes, no que foi acompanhado por unanimidade, e, aditando o voto primitivo quanto a não se ter propriedade em razão dos módulos capaz de ensejar a reforma agrária, manteve a concessão da ordem. Acompanharam a divergência os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Cezar Peluso. Após, pediu vista dos autos o Min. Gilmar Mendes.’ Em termos análogos, o pensamento a ser externado aqui será o mesmo. Sem o desmembramento concreto do bem, deve ser tratado como uma unidade produtiva. A singela doação é irrelevante para o fim retratado na impetração. É a leitura que a Constituição da República, numa feição concretizadora de seus princípios regentes, dá ao caso em exame. Descumprida a função social, ou seja, descuidado o uso da terra, cede passo o direito de propriedade, que, por não ostentar caráter absoluto, é subjulgado ao interesse maior, constituído no equacionamento de deficitário sistema fundiário brasileiro. Se o imóvel, tratado como uma unidade, não atende a quesitos técnicos mínimos de aproveitamento e produtividade de terras rurais, sujeita-se à desapropriação por interesse social. O falecimento do proprietário não é marca para a fragilização desse pensamento, como também a mera doação. Será, isso sim, relevantíssimo no desfecho econômico da desapropriação, se caso incidente na hipótese. A cada herdeiro caberá seu quinhão sobre o valor da indenização a ser pago. Mas, daí considerar que a morte, ou, como no caso, a doação, como adiantamento de herança, suplanta a má administração do imóvel, pois deva ser, de imediato, tido por desmembrado, é raciocínio que vilipendia a Carta da República. No que toca à alegação de afronta aos arts. 26, § 1º, VI; e 50, I, da Lei 9.784/99, a impetrante parte de uma equivocada premissa. Estaria a apuração da Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF produtividade decidida no comunicado que está juntado a fls. 23. Partindo desse documento, anuncia que é raso, e não fundamenta sua conclusão. Contudo, o citado ofício é mera notificação. Serve ao papel de cientificar a parte interessada dos resultados obtidos em estudo técnico realizado. As conclusões estão assentadas nos autos do processo, que, conforme noticia a própria comunicação, fato reforçado pelas informações prestadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – fls. 102 –, ficam à disposição dos proprietários pelo prazo estipulado para defesa. Quanto ao alegado descumprimento de prazo supostamente fixado pela ordem legal à conclusão do processo administrativo, é entendimento calmo da Suprema Corte que ‘…o § 4º do artigo 2º da Lei 8629/93 não fixa prazo de validade para a vistoria, apenas determina que, durante o referido período, as modificações introduzidas no imóvel não deverão ser levadas em conta para o efeito de desapropriação…’ (MS 24.113, Eminente Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 23/5/2003, p. 31). Finalmente, em relação ao argumento de que o processo foi concluído sem o exame de recurso administrativo, bem salientam as informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário que, após 9 (nove) impugnações, foram interpostos outros 9 (nove) recursos, contudo, recebidos sob a regra do art. 61 da Lei 9.784/99, ou seja, apenas em seu efeito devolutivo. Não havia, portanto, obstáculo legal ao desenvolvimento do processo. Ante o exposto, o Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem.” 02. Tenho como irrepreensível o parecer da Procuradoria-Geral. II 03. No caso, em 11.12.85, ocorre a doação do imóvel como adiantamento da legítima: é direito dos proprietários – pais e avós dos donatários - exercitável a qualquer tempo. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF 04. Certo, devidamente quando já este Tribunal registrada iniciada a antes fase assentou do que decreto administrativa a doação expropriatório –, torna de – imóvel mesmo impossível a desapropriação-sanção, desde que preenchidos os requisitos do art. 185, I, da Constituição Federal (MS 21919, Pleno, Celso, DJ 6.6.97; MS 22591, Pleno, Moreira, DJ 14.11.03; MS 22645, Pleno, Corrêa, DJ 24.8.01; MS 23523, Pleno, Moreira, DJ 14.2.03; MS 23006, Pleno, Celso, DJ 29.8.03). 05. Em solitário, e algumas dessas ocasiões, após, juntamente com os externei – inicialmente, eminentes Ministros Ilmar Galvão, Nelson Jobim, Néri da Silveira e Carlos Velloso - minha convicção de que a suspeita chapada de fraude elide a liquidez e certeza do direito, cuja demonstração é ônus do impetrante do mandado de segurança. 06. Extrato o seguinte trecho do voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão no MS 22911 (DJ 16.4.04), que bem elucida a questão: “Em casos análogos, de divisão do imóvel realizada com nítido objetivo de frustrar a execução do programa de reforma agrária, tem este relator manifestado o entendimento de que a referida divisão deve ser simplesmente desconsiderada e tida como não realizada, pelo Poder Judiciário (MS 21.919 e 22.645). (...) A doação, na verdade, é ato jurídico que visa a transferência da propriedade, a título gratuito, do patrimônio do doador ao patrimônio do donatário. Deve ser simplesmente ignorada quando, como no presente caso, desviada desse escopo, teve por causa resultado com ele incompatível. Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF A sanção, nesse caso, não será a nulidade do ato, mas a sua ineficácia em relação ao titular do direito que se frustou, no caso, o Poder Público, posto que o vício não se acha nas doações em si, que continuam a produzir efeito, como, no caso, o de definir a titularidade do direito ao crédito indenizatório decorrente da desapropriação, mas no elemento intencional que determinou a sua efetivação. (...) Na verdade, a norma introduzida pela MP nº 1.573/97 ao § 4º do art. 2º da Lei nº 8.629/93, nada mais fez do que consagrar o entendimento acima exposto, ao dispor que ‘Não será considerada, para os fins desta Lei, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações de que trata o § 2º.’ Acertadamente, o que consagrou o novel texto não foi o princípio da invalidade do ato jurídico, mas o da superação deste, com o que, na verdade, não introduziu novidade em nosso sistema jurídico que, de há muito, o acolheu, conforme se deduz dos inúmeros textos legais que o sancionam. Assim, considerando que as alienações invocadas na inicial se fundam em atos celebrados em fraude manifesta aos objetivos da reforma agrária que, entre nós, tem sede constitucional, impõe-se a conclusão de que deles não resulta direito subjetivo suscetível de amparo por via do mandado de segurança.” 07. dos Ora, o comprometimento do alegado direito líquido e certo impetrantes é evidente na espécie; não só pelo fato de as parcelas ideais do imóvel terem sido doadas com as cláusulas de reserva de usufruto, de inalienabilidade, de impenhorabilidade, de incomunicabilidade e de preferência dos donatários para a aquisição Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF das frações (uma contradição, ante a inalienabilidade), mas também pela preservação da propriedade – na escritura de doação – “para os outorgantes doadores de todos os pinheiros bem como as madeiras brancas industrializáveis existentes nos imóveis ora doados”, e ainda de “todas as casas e demais benfeitorias existentes” (f. 19 do MS 25304). III 08. Ainda, contudo, que o Tribunal mantenha a jurisprudência firmada no registro sentido da imobiliário, prevalência não há da falar – presunção iuris como ressaltou bem tantum o do em. Procurador-Geral da República – em prova de individualização dos módulos resultantes da doação após o cancelamento do usufruto, já que a escritura de divisão amigável da gleba total, firmada em 17.2.2005, não chegou a ser registrada na matrícula respectiva. 09. tenha E não demonstraram os impetrantes que esse registro não se efetuado Cartório de por imposição Registro de do INCRA, Imóveis de pois Lages o ofício comunica deste ao apenas a impossibilidade de desmembramento da área no prazo de seis meses, estipulado pelo § 2º do art. 4º da L. 8629/93 (f. 62 do MS 25299), cujo dies ad quem é 30.6.2004, data da primeira notificação para o levantamento exploração pública de do de dados imóvel: divisão e informações assim, quando relativas da amigável, em próprios impetrantes à lavratura 17.2.2005, esse ocupação da prazo e escritura já havia expirado. 10. Ora, os assumem que, com o cancelamento da cláusula de usufruto, passaram a ter a posse direta do imóvel e poderiam “iniciar o processo de desmembramento de seu Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF quinhão, para posterior registro imobiliário, possibilidade essa, ditada pelo art. 1410, I do Código Civil” (f. 8 do MS 25299): contudo, não o fizeram. IV 11. Deve-se realçar que o caso vertente é diverso daquele submetido ao Tribunal no precedente mencionado pelo il. ProcuradorGeral (MS 24924), indeferido por cinco votos contra quatro, na falar em sessão plenária de 12 de junho corrente. 12. Aqui, diferentemente daquele caso, não há aplicação do princípio da saisine, tendo em vista a ocorrência da doação do imóvel como adiantamento da legítima. 13. Mas vitalício, se de a doação gravada com inalienabilidade, de as cláusulas de usufruto impenhorabilidade, de incomunicabilidade, e de reserva da propriedade de bens aos doadores impedia o desmembramento da área – em evidente constituição de um condomínio indiviso -, a extinção de tais ônus em razão do falecimento do usufrutuário, e por meio de averbação no registro do imóvel, não possui o condão de desconstituir a unidade antes formada. 14. É que se faz imprescindível, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 176 da L. 6015/73(1) – que dispõe sobre os registros públicos -, 1 - Lei 6015/73, alterada pela L. 10267/01: “Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3. § 1º A escrituração do Livro nº 2 obedecerá às seguintes normas: (...) II - são requisitos da matrícula: (...) Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF a especificação das glebas resultantes da divisão para a efetivação do registro. 15. Como os impetrantes não providenciaram essa individualização após o falecimento do usufrutuário sobrevivente e a escritura pública de divisão elaborada para atender essa exigência não pôde ser registrada ante a vedação constante no § 4º do art. 2º da L. 8629/93 – certo que não há notícia de registro após o decurso do prazo -, mantém-se a unidade do imóvel para fins de reforma agrária. V 16. Quanto à alegação de que a divisão foi efetivada, tendo-se em vista o recolhimento individualizado do Imposto Territorial Rural (ITR), Eros compartilho Grau ao do proferir entendimento o seu voto manifestado no MS pelo 24924 em. (sessão Ministro do dia 10.3.2005), quando ressaltou que o procedimento previsto no Estatuto da Terra (L. 4504/64) se restringe a fins tributários, “não se prestando” – de acordo com S. Exa. – “a ser usado como parâmetro para o dimensionamento de imóveis rurais destinados à reforma agrária, matéria afeta à Lei n. 8.629/93”. 3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação: a - se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área; (...) § 3o Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais. § 4o A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo.” Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF 17. As demais questões suscitadas pelos impetrantes foram devidamente respondidas no parecer elaborado do Ministério Público Federal, cujos fundamentos adoto como razão de decidir. VI 18. De tudo, denego os mandados de segurança, prejudicada a liminar concedida: é o meu voto. (2) MENDES GILMAR - Voto Supremo Tribunal Federal 14/06/2006 TRIBUNAL PLENO MANDADO DE SEGURANÇA 25.299-5 DISTRITO FEDERAL À revisão de aparte do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence (Relator). V O T O O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Senhora Presidente, na sessão do dia 12/06 tive oportunidade de ressaltar que, verificada a divisão do imóvel de maneira lícita, desde que não impugnável na forma prevista na medida provisória que alterou a legislação agrária, a meu ver não se poderia realizar licitamente a desapropriação. Portanto, não haveria por que dar seguimento uma vez que o imóvel estaria imune. Discutimos na assentada de segunda-feira exatamente a situação decorrente do falecimento do eventual proprietário do direito de saisine. Aqui, temos uma outra situação, que foi a decisão de doação mediante escritura pública, por antecipação de herança. Pergunto ao eminente Relator: em relação à notificação essa doação ocorreu? O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (RELATOR) – A doação é antiga. A notificação aí se deu e passaram-se os seis meses em que Supremo Tribunal Federal MS 25.299 / DF não poderia haver alteração quanto ao domínio; não obstante não se levou a registro a escritura de divisão amigável individualizaria as glebas. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Perante a tese que sustentei no sentido de que, tendo havido a divisão do imóvel, a doação, não haveria a possibilidade de se fazer a desapropriação, defiro a segurança. que (1) AURÉLIO MARCO - Voto Supremo Tribunal Federal 14/06/2006 TRIBUNAL PLENO MANDADO DE SEGURANÇA 25.299-5 DISTRITO FEDERAL O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhora Presidente, já externei no Plenário que o objeto da reforma agrária é o imóvel, tal como documentado no registro de imóveis, ou seja, pouco importa que a propriedade seja de uma única pessoa ou esteja em condomínio. Incide, de qualquer maneira, a reforma agrária. O relator esclareceu que, até o momento, o imóvel permanece indiviso. Não houve o desmembramento, a divisão e o surgimento, portanto, de matrículas individualizadas. Daí acompanhar Sua Excelência, indeferindo a ordem. (1) Ata de Extrato Supremo Tribunal Federal TRIBUNAL PLENO EXTRATO DE ATA MANDADO DE SEGURANÇA 25.299-5 DISTRITO FEDERAL RELATOR IMPETRANTE(S) ADVOGADO(A/S) IMPETRADO(A/S) ADVOGADO(A/S) : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE : FERNANDO AIR CASAGRANDE RAFAELI OUTRO(A/S) : MARILUCI ZIMMERMANN ALVES OUTRO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E E Decisão: O Tribunal, por maioria, denegou o mandado de segurança, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Senhor Ministro Carlos Britto. Falou pelos impetrantes o Dr. Cid Couto Filho. Presidiu o julgamento a Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 14.06.2006. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Presentes à sessão os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. Luiz Tomimatsu Secretário