Sabi buSh Lodge - turistacidental.com

Transcrição

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áfrica do sul
Sabi Bush Lodge
um perfeito bush retreat
Acordo
com pancadas na porta do meu quarto.
São 5
e
15
da manhã.
Tomo
um duche rápido.
Olho de relance para a imensa banheira apetecível e deixo-a com encontro marcado para o final da tarde, para ser desfrutada
com toda a calma. Para lá da parede de vidro do chuveiro, a noite continua cerrada, tanto quanto o mato à minha frente. Não
se vê nada lá fora. Saio do bungalow. Faz bastante frio nesta madrugada africana. Da cozinha do lodge saiem para uma mesa
posta num dos decks ao ar livre, chá, leite e café fumegante, sumos e muffins. É assim que começo a minha manhã no Sabi
Bush Lodge, pronta para o primeiro safari do dia. Nas margens do rio Sabie, na fronteira com o Parque Nacional Kruger, fica
uma das mais famosas reservas privadas da África do Sul, o Sabi Sabi Private Game Reserve.
Temos um imenso Land Rover aberto sem
capota só para nós. O ranger e o tracker já se
encontram à nossa espera.
Ainda não amanheceu, a lua, cheia, continua
no céu, linda, imensa, do meu lado esquerdo,
enquanto o jipe segue devagar, só se
ouvindo o seu barulho a quebrar os galhos
secos espalhados no chão, desviando-se
dos cortantes ramos das acácias, cheios de
espinhos que surgem por todo o lado.
São, agora, 6 da manhã e o céu começa a
clarear. Suavemente vai mudando de cor. O
meu lado direito ganha um tom rosa que se
torna laranja, e uma imensa bola cor de fogo
com um sol magnífico começa a surgir no
horizonte. Na planície, ao fundo, uma ligeira
neblina flutua, dando à paisagem um toque
ainda mais mágico e feérico, acentuado com o
balançar das imensas teias de aranha que unem
os ramos de árvores ainda cobertos de orvalho.
E, enquanto o sol surgia cada vez mais bonito,
com uma cor mais forte e mais quente, a lua,
cheia, do outro lado, mantinha-se tranquila,
serena, feiticeira, entre as acácias, num céu de
um tom ainda pálido e suave, na noite que se
desvanecia, sem pressas, no seu ritmo africano.
O jipe rodava mato dentro e eu deliciava-me
com o fim da noite e o surgir da aurora. Numa
mistura do claro com o escuro, da noite com
o dia, do masculino com o feminino, do calor
com o frio, da força com a tranquilidade, uma
dualidade bem visível de dois opostos que
pareciam fundir-se numa imensa harmonia.
Bastava olhar para um lado ou para o outro,
tornando inesquecível na minha memória
este ínicio de manhã africana.
Dallas, DB (Danger Boy), alcunha posta pelos
outros rangers, é de Durban, uma cidade
costeira e point de surfistas. Mas DB preferiu
trocar as ondas do Índico pelo mato, e, com 26
anos, realiza já há dois o que diz ser o sonho de
qualquer miúdo sul-africano.
DB vai-me dando aulas sobre o mato e sobre
os animais, enquanto seguimos lentamente à
procura de felinos… o meu pedido matinal.
Aliás, o meu constante pedido nos safaris!
DB pára o Land Rover junto a uma
descomunhal termiteira. Alguns destes
“edifícios” feitos da terra vermelha africana,
misturados com pedaços de madeira,
excrementos e saliva mastigada pelas próprias
térmitas, podem durar 50 anos e atingir
vários metros de altura. A construção
subterrânea é elaborada e labiríntica. Na
chamada “food chamber”, onde as formigas
guardam as folhas, sementes e toda a tralha
que armazenam para comer, DB explica-me
que tem uma temperatura ambiente de 21
graus durante todo o ano. Diz também que a
maioria destas “casas”, depois de abandonadas
pelas térmitas, são imediatamente ocupadas
por novos inquilinos, como as hienas e
javalis, que fazem dali as suas tocas.
Pheos, o nosso tracker, é da tribo shangaan.
Olhando para ele, sentado lá à frente, num
banquinho colocado no início do capot do
jipe, parece que está a assistir a uma partida
de ténis no meio do mato, onde a bola rola
rasteira pelo chão. A sua cabeça mexe-se, da
esquerda para a direita, em busca de pistas no
chão, à procura de pegadas, ou de rastos que
indiquem que os animais passaram por ali:
DB preferiu trocar as ondas do Índico
pelo mato, e, com 26 anos, realiza já há
dois o que diz ser o sonho de qualquer
miúdo sul-africano
galhos quebrados, fezes, capim desordenado... E não
tarda que elas cheguem. Pheos faz sinal para abrandar,
apontando depois para o mato do nosso lado direito.
O seu olhar mantêm-se agora fixo, só neste lado,
enquanto o jipe segue ainda mais devagar. Passado
pouco, faz sinal e embrenhamo-nos na vegetação
cerrada. Um pouco mais à frente, DB desliga o motor
e, a poucos metros de nós… um leopardo! É uma
fêmea, deitada junto a uma árvore, deliciando-se
com parte da sua caçada nocturna. É impressionante
a facilidade com que os seus dentes rasgam a carne
e os ossos. Com a mesma ligeireza com que nós
trincamos uma bolacha cream cracker. Lá no alto
da árvore, num dos galhos, o leopardo deixou os
restos de um estropiado duiker, (uma espécie de
antílope), mantendo assim o seu repasto longe dos
outros carnívoros, convivas não desejados para este
banquete a solo. O único barulho que se ouvia era o
do leopardo fêmea a comer. Uma sonoridade muito
pouco poética, sobretudo se comparada ao suave
amanhecer de minutos atrás. África é assim! DB
avisa, através do rádio, que encontrou um leopardo
e, passado pouco tempo, chega outro Land Rover. É
altura de sairmos dali. Sabi Sabi tem uma filosofia de
conservação baseada na necessidade de preservação
das áreas, por forma a manter um santuário da fauna
e da flora, num exemplo para o eco-turismo, unindo
turismo, conservação e comunidade. Talvez por
isso, e pela qualidade dos seus rangers e trackers, é
extensa a lista de prémios turísticos e de protecção
do ambiente que esta reserva particular tem. E Sabi
Sabi é reconhecida também como tendo um dos
mais bem sucedidos lugares de treino para trackers e
rangers de toda a África do Sul.
Passámos por uma família de white rhinos, pai, mãe e dois
filhos machos, que pastavam tranquilamente, enquanto
o sol nos começava a aquecer. Os rinocerontes são os
mamíferos mais pré-históricos de todos, quase cegos, vêm
muito muito mal mas, em compensação, têm um olfacto
e um ouvido muito apurados. Mais à frente um steenbok,
passa por nós. Este pequenino e tímido antílope, é dos poucos
que enterram as fezes para que os predadores não o sigam.
Às 7 e pouco parámos o jipe no meio de um descampado e,
abrindo o porta bagagens, DB e Pheos montam uma mesa
improvisada com uma toalha branca. Servem-nos chá, chocolate
quente, sumos e bolachas, enquanto aprendo algumas palavras
em shangaan/zulu, a linguagem nativa dos trackers e que os
rangers adoptaram para se comunicarem entre eles via rádio.
Peço que me ensinem o nome dos big five, expressão nascida
no tempo das grandes caçadas, quando estes animais eram os
troféus mais cobiçados: Ngala (leão), ingy (leopardo), ndlofu
(elefante), unkumbe (rinoceronte) e nyati (búfalo). Depois deste
simpático “bush coffee break”, seguimos safari. Mais à frente
vislumbrámos a copa de umas
árvores abanando, como se um
vento forte incidisse só ali. Sinal
que temos elefantes na mira.
Seguimos até lá e encontrámos
dois paquidermes entretidos a comer. Quando nos viram
aproximar, um deles fitou-nos e começou a abanar
as orelhas. Estava a dar o primeiro sinal de aviso: para
nos afastarmos. A nossa presença não lhe agradava! DB
explica que, quando o elefante nos fita com as orelhas
abertas a abanar, é um aviso ainda amigável informando
para deixá-lo em paz. Antes que ele desse todos os sinais
de ataque iminente, ou seja, além de abanar as orelhas
para parecer ainda maior, começasse também a abanar
a cabeça, fazer ruídos com a tromba e bater com as
possantes patas no chão – pois não parecia nada de bom
humor – seguimos caminho.
Perto das 9 voltamos para o lodge, para tomar o pequenoalmoço. Alguém nos espera com toalhas refrescantes e
perfumadas à entrada do lobby. Este espaço,
como qualquer outra das áreas sociais, está
decorado como uma casa, confortável e de
extremo bom gosto. A designer de interiores
Trish Marshall, misturou bem os estilos
ecléticos e diferentes épocas, criando este
perfeito “bush retreat”. O aspecto colonial
mistura-se com arte africana, antiguidades,
objectos contemporâneos e artesanato. Há
partes, como o lounge, a sala ou o bar, que
parecem a casa de um caçador e explorador
de meados de 1900, que viajou através de
toda a África, espalhando pelos cantos da
casa as suas memórias e os artefactos que
foi recolhendo nas suas andanças. E, depois,
entre eles, surgem recantos modernos, que
poderiam ser pedaços tirados de um espaço
étnico em Nova Iorque ou Paris.
As áreas abrem-se para o exterior, sem portas,
dando para dois enormes decks de madeira,
numa continuação da sala. Esculturas criadas
com madeira recuperada da mata, espelhos
de água que se misturam com amplos sofás,
cadeiras e mesas que permitem aos hóspedes
relaxar, ler e observar o mato à sua frente,
onde um pequeno lago é ponto de paragem
habitual de animais. Para lá, no final do deck,
uma piscina para os momentos de mais calor
na pausa entre os safaris.
O Bush Lodge tem 25 suites (uma delas,
Presidencial), todas integradas em bungalows
cobertos com telhados de colmo, como
autênticas casas. A decoração é étnica e
requintada.
Depois do pequeno-almoço pode optar por
um tratamento de beleza no Spa, uma sessão
no ginásio, descansar e não fazer
absolutamente nada, ou partir para o
mato a pé, num walking safari com
o ranger e o tracker. Um à frente da
fila, outro no final – elucidam-nos
sobre as propriedades medicinais
de algumas plantas e árvores e
sobre alguns factos da vida animal. Aqui
temos oportunidade de observar os pequenos
animais que muitas vezes se “perdem” nos
safari drives. Claro que também nos podemos
cruzar com algum animal de grande porte! Ou,
pelo menos, ver as suas pegadas – comparar a
minha timberland n.º 34, com uma pegada
deixada por um elefante é quase como o sapato
da Cinderela colocado ao lado de uma cratera
feita por uma potente bomba! E há que seguir as
ordens do ranger e não esquecer algumas regras
fundamentais: encontro a pé com um leão,
encará-lo nos olhos saindo de cena suavemente,
andando para trás, sem nunca lhe virar as
costas; ao leopardo, por outro lado, convém
nem o fitar, pois encara o nosso olhar como um
desafio. Estes encontros não são comuns, mas
podem acontecer. Já experienciei um com um
leopardo, e posso garantir que é inesquecível!
Quando damos por nós já é tempo de almoço.
As horas das refeições são anunciadas pelo
som vindo de um enorme chifre de kudu. As
refeições no Sabi Bush são imensas, fartas e
quase ininterruptas. Quando damos pelo fim
do almoço é anunciado o chá, que não é das
5, mas digno de levar um título semelhante.
São 3 e pouco, ainda mal com a digestão do
almoço feita e já me delicio com os bolos
espalhados na mesa, que não páram de sair
da cozinha: chá, muffins, croissants, café,
sumos... come-se muito em Sabi Sabi!
Pouco depois das 4 e meia já estamos de novo
no jipe. Comecei a meter-me com DB, dizendo,
em tom de gracejo, que o safari da tarde mais
parecia um passeio no Central Park: ver esquilos
e pássaros! “Vamos deixar Nova Iorque e voltar
para África! Vamos ver leões…
Ngala!”- continuava a picá-lo.
Lá saímos então do cenário da
Manhattan africana, e de olhar
para os pássaros no alto das árvores
e esquilos a saltarem de galho em
galho, e metemo-nos mato adentro.
Aparecem então graciosas girafas, nervosas gazelas e javalis apressados.
Tornámo-nos a cruzar com a já conhecida feliz família de rinocerontes,
que continuavam a pastar.
À medida que o calor do dia vai desaparecendo, os animais saem do fresco
da sombra das árvores e dos arbustos, muitas vezes imperceptíveis ao nosso
olhar. É o momento, também, em que os pássaros aumentam o volume dos
seus cantos. O chamamento do Crested Francolin ecoa por todo o mato.
Novos aromas enchem os ares enquanto o sol começa a sua descida para lá
do horizonte. É antes de o sol se pôr que o ranger escolhe um lugar para
um sundowner, tal como de manhã, altura de saltar do jipe e apreciar o pôr
do sol, enquanto brindamos à boa vida. A mesa é de novo montada cá atrás
e eis-nos num cocktail no meio do mato, entre copos de vinho e acepipes.
O crepúsculo africano é ainda mais magnífico que a aurora. As cores são mais
quentes, mais voluptuosas, mais intensas. E, tal como no amanhecer, registei
na minha memória mais um entardecer inolvidável, com a troca de cores e
a mudança de astros. Ambos grandiosos! Onde um esplêndido sol laranja
saía lentamente do horizonte enquanto, do outro lado, uma imensa lua cheia
prateada surgia de novo num céu que mais uma vez se adivinhava inesquecível.
É hora de voltar para o jipe. Enquanto Pheos prepara um potente holofote
que o ajudará na procura nocturna dos animais, DB oferece-nos umas
mantas para nos taparmos: é que, mal o sol se põe, arrefece muitíssimo.
E, para os mais friorentos, até botijas de água quente estão à disposição.
Os grilos entram de repente numa imensa sinfonia, que pára tão
bruscamente como começou: como um sinal de alerta, avisando que a
hora do perigo e da tensão começou.
Procuro o brilho dos olhos dos animais entre o mato, que parecem
pedras preciosas no meio da escuridão. São 6 da tarde e é noite cerrada.
Tornamos a ver o leopardo fêmea, que continua, tranquila, debaixo da
sua árvore. Os seus olhos à luz do foco são ainda mais magníficos.
Depois de algumas voltas pelo mato acabamos o dia com um “gran
finale”… acompanhando um grupo de 10 jovens e enormes leões numa
caçada. Não é a primeira vez que acompanho uma perseguição nocturna
destes felinos. Já o tinha feito em Mala Mala, outra reserva particular
do Kruger. É difícil e estranho descrever a cena e a sensação, pois é
rápido, intenso, intimidador e de pura adrenalina. A noite cerrada, onde
a escuridão torna tudo mais assustador, é preenchida pelo rugido dos
felinos que começam a surgir por entre o mato, iluminados pela luz do
holofote, passando pelo Land Rover, ali bem ao meu lado, alguns a um
palmo de onde estou sentada, a admirá-los com o seu porte magnífico.
Imponentes e poderosos, vão andando com as suas passadas fortes,
posicionando-se numa forma de encurralar um pequeno grupo de gnus.
Estranhamente, não sinto o menor medo de estar ali, num jipe aberto.
Inconsciência ou pura adrenalina! Ou talvez ambas.