Miola 2012 - artigo ABCP EM ARIAL

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Miola 2012 - artigo ABCP EM ARIAL
8º Encontro da ABCP
01 a 04/08/2012, Gramado, RS
Área Temática 01:
Comunicação Política e Opinião Pública
Em pauta, a Empresa Brasil de Comunicação:
Deliberação mediada sobre a regulação da radiodifusão pública
Edna Miola
PPGCOM-UFMG
Em pauta, a Empresa Brasil de Comunicação:
Deliberação mediada sobre a regulação da radiodifusão pública
Edna Miola1
Resumo: O jornalismo desempenha papel de reconhecida importância nas democracias
contemporâneas, especialmente por sua prerrogativa de agendar as questões que merecem a atenção
do público e também do campo político. Nesse processo, as instituições jornalísticas estão longe de se
manterem alheias aos interesses em jogo, apresentando-se, assim, como atores importantes nas
dinâmicas de formação da opinião pública e da decisão política. Dito isso, este artigo investiga a
deliberação mediada em torno da criação da Empresa Brasil de Comunicação a partir da análise da
cobertura nacional realizada por dois jornais diários e duas revistas semanais (Folha de S. Paulo, O
Globo, Carta Capital e Veja) durante a tramitação do projeto no Congresso (out. de 2007 a abr. de 2008).
No trabalho são analisadas as características do contexto mediático assim como a articulação do debate
público a partir dos argumentos que alcançaram a esfera de visibilidade pública.
Palavras-chave: Deliberação mediada; Jornalismo; Radiodifusão pública; Empresa Brasil de
Comunicação
1 Introdução
Em 2006, uma articulação entre o Governo, especialmente o Ministério da Cultura, e
grupos relacionados às emissoras educativas, universitárias, comunitárias, legislativas,
além de certos movimentos sociais e associações de classe, possibilitou um fórum de
debate onde uma porta para a discussão das políticas de radiodifusão foi aberta: o I
Fórum Nacional de TVs Públicas.
Nos meses seguintes a intenção de se propor algo novo na área de TV pública parecia
estar em desenvolvimento dentro do Governo Federal. Com o passar dos meses, e
algumas controvérsias pelo caminho, surgiu a Empresa Brasil de Comunicação – que
não tinha o desenho institucional que imaginaram os participantes do Fórum e
tampouco percorreu caminho tradicional de proposição de um projeto de lei ao
Congresso.
A discussão sobre a criação da Empresa Brasil de Comunicação foi apressada pelo
caráter de urgência da medida provisória e não proporcionou espaços de participação
da sociedade, tais como audiências e consultas públicas. Nem mesmo as comissões
parlamentares discutiram o projeto, pois ele seguiu para a votação em plenário em um
prazo muito curto de tempo.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas
Gerais. Integrante do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública. Bolsista CAPES.
É claro que isso não quer dizer que a radiodifusão pública, como de resto, a
comunicação de massa, não fosse objeto de outros projetos apresentados desde a
Constituição de 1988. A questão é que dificilmente projetos nessa área entram na
pauta de discussões, pois apenas os líderes parlamentares ou o próprio governo são
capazes de lhes dar prioridade. E essa foi a justificativa apresentada pelo Governo
para burlar a regulamentação das medidas provisórias, que abrangem temas de
urgência ou relevância, e lançar a EBC. Parlamentares de esquerda, mesmo
discordando de alguns pontos, admitiram que, de outro modo, um projeto dessa
natureza levaria muitos anos para chegar à pauta do Congresso, se é que um dia seria
debatido.
Os argumentos levantados pelos opositores do Governo apresentavam, porém, outra
explicação plausível para a urgência atribuída ao projeto: dada a situação de alegada
animosidade entre os grandes veículos de comunicação e o Governo, uma TV de
abrangência nacional controlada pelo Presidente da República só poderia representar
mais um exemplo de autoritarismo dos governantes brasileiros.
A profusão de discursos tornados disponíveis nos media noticiosos, na internet, no
plenário do Congresso, entre outras oportunidades, a tratar da criação da EBC – a seu
favor ou criticando-a – proporcionou uma tematização da radiodifusão pública brasileira
como raramente se viu.
Considerando essas características, acredita-se que o caso da criação da EBC
constitui um exemplo de questão de interesse público que passou por um processo
característico do sistema deliberativo: a partir dos fluxos comunicativos entre diversas
esferas, especialmente dos inputs da esfera civil, uma política pública foi gestada no
seio das instituições políticas.
Parte do sistema deliberativo, os media desempenham papel fundamental ao tornar
visíveis as questões e os atores, além de participar da formulação das demandas. Esse
papel democrático atribuído, especialmente, ao campo do jornalismo é amplamente
reconhecido. A literatura sobre a comunicação política reconhece também que o
tratamento dos noticiários varia de acordo com os temas em tela – o posicionamento
dos media frente a questões controversas depende diretamente do tema abordado:
sejam os direitos infantis, a criminalização do aborto, a liberalização do consumo de
drogas, seja a reforma agrária ou a democratização da comunicação. No sistema
democrático, as instituições jornalísticas estão longe de se manterem alheias aos
interesses em jogo, apresentando-se, assim, como atores importantes nas dinâmicas
de formação da opinião pública e da decisão política.
Essa consideração instiga o problema abordado neste artigo. Considerando que as
empresas de comunicação acabam por desempenhar esse dúbio papel de representar
informalmente o interesse público (ou assim afirmar) ao mesmo tempo em que
perseguem a manutenção econômica de seu negócio, como age o campo do
jornalismo quando a formulação de uma política pública pode gerar impactos sobre sua
própria atividade?
Para responder esse questionamento, o trabalho se orienta por uma perspectiva
democrática deliberacionista, como já indicado acima. Na primeira parte, é relatada
brevemente a criação da Empresa Brasil de Comunicação e suas características mais
controversas. A seguir, discute-se, a partir dos valores ligados à teoria deliberativa, as
características do debate público mediado pela imprensa nacional a respeito dessa
política de radiodifusão pública.
2 Políticas públicas de comunicação e a criação da EBC
A avaliação do panorama regulatório nacional do campo da comunicação apresenta
uma séria tendência ao anacronismo e à incongruência. Em primeiro lugar, anacrônico
em razão do atraso entre a implementação e utilização de dispositivos tecnológicos
midiáticos e sua respectiva regulação. As origens da incongruência característica do
sistema legal brasileiro também se encontram nas primeiras décadas do século XX,
quando a tentativa de se conciliar um Estado autoritário com uma economia capitalista
resultou em decisões que privilegiaram os interesses privados de agentes dos campos
econômico e político. É frequente na literatura a constatação de que os movimentos
para a ordenação jurídica do setor de radiodifusão foram motivados pelo autoritarismo
dos governos brasileiros de então – primeiro com Vargas, depois, com os governos
militares, e até a atualidade – ou pelo privilégio da exploração comercial da
radiodifusão (Brittos et al. 2009; Jambeiro 2002; Locatelli 2009; Pieranti; Zouain 2006).
É também possível identificar a ocorrência do anacronismo regulatório não apenas na
radiodifusão, mas também nas mais variadas atividades do setor: não apenas a
utilização do rádio precedeu sua regulamentação, como também a instalação das TVs
por assinatura (por cabo ou por satélite), a distribuição de conteúdos audiovisuais pelas
empresas de telecomunicações e a implementação das várias tecnologias de internet
banda larga se deram sob a ausência de definições legais.
Quando se trata da incongruência que marca a o arcabouço regulatório existente,
percebe-se que leis fundadas em princípios vagos e pouco regulamentadas por leis
ordinárias têm sido insuficientes para intervir no mercado de radiodifusão. Um a
exemplo desse fato consiste na própria finalidade educativa das emissoras de rádio e
TV – inclusive aquelas comerciais. Embora sempre preservado nos decretos que
versavam sobre a radiodifusão, esse princípio educativo nunca delimitou de fato a
natureza da programação (Jambeiro 2002).
Percorrer a legislação que regeu a radiodifusão pública brasileira ao longo do século
XX não contradiz as constatações desses autores. Desde a criação das concessões de
televisão educativa (em 1967) até a modificação no seu sistema de concessão, pelo
governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), passando pela
Constituição de 1988, percebe-se uma disputa constante entre o interesse público e os
interesses privados – com larga vantagem para os últimos.
As expectativas de alterações nesse panorama prosperaram a partir da eleição de Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010), não sem motivo. Maciçamente apoiado por
movimentos sociais, juntamente com Lula foi eleito um projeto de intervenção na
comunicação social, observável já nos programas de governo lançados nas
campanhas de 2002 e 2006. O texto apresentado em 2002 já previa, mesmo
difusamente, que a democratização cultural brasileira só estaria completa se
acompanhada da democratização dos meios de comunicação (Coligação... 2002). Já o
programa de 2006 (quando da reeleição) continha a mesma menção à democratização
da comunicação, mas ia além: trazia um tópico especial para a comunicação social
onde o presidente/candidato expunha um conjunto de compromissos afinados com as
demandas dos movimentos sociais ligados ao tema (Coligação... 2006).
Há, no campo da pesquisa, muitas críticas ao desempenho do governo Lula nesse
setor (Brittos et al. 2009). Alguns exemplos de iniciativas de regulação que foram
minadas após forte resistência da oposição no Congresso e também na imprensa
abrangem, por exemplo, (1) adoção do padrão de TV Digital desenvolvido
nacionalmente; (2) criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual; (3)
instituição do Conselho Federal de Jornalismo; (4) a inclusão de dispositivos sobre a
comunicação social no Plano Nacional de Direitos Humanos (Barros 2009; Bolaño;
Brittos 2008; Brittos; Nazário 2005; Dalmonte 2011).
Por outro lado, algumas medidas foram levadas a cabo – lançando mão de diferentes
estratégias de articulação política e com resultados também variados. Dentre essas
iniciativas, destacam-se (1) o processo de criação da “Nova Lei da TV por Assinatura”,
que propôs uma cota mínima semanal de três horas e meia, no horário nobre, de
conteúdo nacional independente para todas as emissoras de TV paga; (2) a realização
da Conferência Nacional de Comunicação; (3) a criação do Plano Nacional de Banda
Larga (Brittos et al. 2010; Dantas 2010; Presidência 2011). Dentre essas iniciativas,
está a criação da Empresa Brasil de Comunicação, que é discutida em maiores
detalhes adiante.
A construção de um sistema público de radiodifusão
Embora a Empresa Brasil de Comunicação seja uma entidade jurídica recente (foi
criada em 2007), sua criação é fruto de uma reorganização das emissoras de rádio e
televisão que são de domínio da União. Formada pela fusão da Associação de
Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP) e da Radiobrás, a EBC teve, de
início, o desafio de conciliar empresas com filosofias bastante diversas. Ao congregar
emissoras de natureza pública e emissoras de cunho estatal, o projeto da EBC
reforçava uma indefinição que seria uma das principais controvérsias a permearem os
debates sobre sua criação.
A criação da Empresa Brasil de Comunicação – EBC partiu da iniciativa do governo
federal que, motivado pela realização do I Fórum das TVs Públicas entre 2006 e 2007,
propôs a criação de uma rede pública de radiodifusão. O I Fórum das TVs Públicas
reuniu
movimentos
ligados
às
lutas
de
democratização
da
comunicação,
representantes de entidades ligadas ao setor da radiodifusão, além de órgãos
governamentais como o Ministério da Cultura, a Secretaria Geral da Presidência da
República, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério das Comunicações, para
debater a radiodifusão pública, buscando “definições e um melhor entendimento sobre
o que é o setor público de comunicação” (I Fórum... 2006; 2007; 2007b).
Para Bolaño e Brittos (2008), a criação da EBC é parte dos movimentos conjunturais
promovidos pelo Governo Lula no setor da comunicação (juntamente com o
lançamento da TV Digital e a tentativa frustrada de lançar uma Lei de Comunicação
Social2) que acabaram por reforçar o sectarismo do Estado com relação aos
movimentos sociais envolvidos no debate desses temas. Do ponto de vista estrutural,
dizem os autores, a criação da EBC não sanaria as incongruências que marcam a
distribuição dos canais de radiodifusão nas redes aberta e fechada, seus modos de
financiamento e seus modelos de produção (Bolaño; Brittos 2008:9). Mas a análise de
2
Essa seria, na avaliação dos autores, uma lacuna na regulamentação causada pela desvinculação dos
setores da Comunicação e das Telecomunicações, promovida em 1997 com a Lei Geral de
Telecomunicações, que alterara o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962 (Bolaño;
Brittos 2008).
alguns pontos introduzidos na lei aprovada abre precedentes para algumas alterações
importantes na forma de atuação das emissoras de caráter público.
A avaliação dos posicionamentos apresentados quando da votação no Congresso
demonstra, por exemplo, que houve apoio para o projeto do Governo, ainda que falhas
no projeto fossem constantemente explicitadas (Lobato 2007). Afinal, a criação da EBC
atendia parcialmente às recomendações dos participantes do I Fórum Nacional de TVs
Públicas (I Fórum... 2007b) e parecia ser o mais próximo que se poderia esperar de um
projeto submetido às negociações características da produção da decisão política.
A ementa da Medida Provisória nº 398 (MP 398), além de autorizar a constituição da
EBC, propunha também “os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública
explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração
indireta”. Em outras palavras, havia uma evidente disposição do governo em
estabelecer os parâmetros não apenas para o funcionamento da empresa em processo
de criação, mas o início de uma regulamentação da radiodifusão pública – apenas uma
promessa desde a Constituição de 1988, que criou a complementaridade dos sistemas
público, estatal e privado3. Ao longo do curto prazo destinado à apresentação de
sugestões de alterações no texto, foram propostas 131 emendas ao projeto4. O
trabalho de analisar as propostas e sugerir um texto final para a votação na Câmara
coube ao relator do projeto, o Deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que tinha em seu
histórico uma grande atuação na Comissão de Ciência e Tecnologia nas discussões
sobre o setor da Comunicação Social.
Uma vez que diversas Medidas Provisórias estavam na fila para serem apreciadas pelo
Congresso, houve uma prorrogação do prazo de tramitação da medida pelo Congresso
Nacional até 21/03/2008. Com o fim da sessão legislativa5 o projeto só voltou à pauta
em fevereiro do ano seguinte. A primeira discussão ocorreu efetivamente em 14/02,
quando foi apresentado o parecer do relator (embora este se encontrasse ausente do
plenário naquele momento). Pinheiro concluiu que a MP 398 atendia os pressupostos
constitucionais de relevância e urgência da proposta; constitucionalidade, juridicidade e
técnica legislativa; adequação financeira e orçamentária6 e, por ter promovido
3
Essa disposição do Governo não causa estranhamento, uma vez observada a intenção original dos
participantes do I Fórum Nacional de TVs Públicas (I Fórum... 2007b).
4
Lembrando que o processo de tramitação das Medidas Provisórias, caracterizado pelo regime de
urgência, elimina a possibilidade de que elas venham a ser discutidas e apreciadas nas Comissões
Parlamentares, seguindo diretamente para a pauta do Plenário.
5
Cada sessão legislativa coincide com o ano e abrange os períodos de 15/02 a 30/06 e 01/08 a 15/12
nos quais há as sessões ordinárias.
6
Informações
do
site
da
Câmara
dos
Deputados.
Disponível
em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/default.asp>. Acesso em 30/03/2011.
alterações no texto original, esta passou a tramitar como Projeto de Lei de Conversão7.
Os debates e a votação final na Câmara foram encerrados no dia 26/02 e, assim, a MP
398 seguiu para o Senado Federal com o prazo original de 45 dias esgotado e com a
prorrogação concedida pelo Congresso a expirar em duas semanas. Pressionado pelo
tempo, o Senado aprovou o projeto com pouco debate e o encaminhou para a sanção
presidencial.
O presidente Lula acolheu algumas demandas de grupos de parlamentares e vetou
parcialmente alguns dispositivos (tais como a cessão de direitos de transmissões
esportivas de interesse nacional às TVs públicas). Quando finalmente se tornaram
oficiais, a EBC e a TV Brasil já completavam quatro meses de atuação efetiva através
dos canais que antes transmitiam as emissoras da ACERP.
Principais controvérsias
Como dito acima, o texto apresentado pelo Poder Executivo para a aprovação do
Congresso Nacional abrangia um conjunto de dispositivos que alterariam de modo
significativo o funcionamento das empresas públicas de radiodifusão a partir do
posicionamento da TV Brasil (emissora de caráter público da EBC), em comparação
com as demais emissoras educativas em funcionamento até então. Sobre esses
pontos, que não sem razão representam as principais controvérsias sobre o projeto,
discorre-se a seguir.
No lançamento, a MP trouxe em seu texto: a criação de uma nova empresa de
comunicação (embora as discussões realizadas até então dessem conta de uma
emissora de televisão pública) formada por duas empresas existentes sob
administração do Poder Executivo (a ACERP e a Radiobrás) e vinculada à Secretaria
de Comunicação da Presidência (SECOM); a definição dos objetivos e princípios do
serviço de radiodifusão pública com os quais a nova empresa se comprometeria; o
modelo de gestão a ser aplicado (Diretoria Executiva, Conselho de Administração,
Conselho Curador, este, composto por membros do governo e da sociedade); e
definição das origens das receitas que financiariam as emissoras (dotação
orçamentária, prestação de serviços, publicidade institucional, patrocínios) (Brasil
2007).
7
De acordo com o site da Câmara dos Deputados, “Quando é alterada pelo relator, a medida provisória
passa a tramitar como projeto de lei de conversão. (...) As alterações feitas à MP são submetidas ao
presidente
da
República,
que
tem
poder
de
veto”.
Disponível
em:
<http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/70158.html>. Acesso em 20/08/2011. No intuito de manter
a clareza do objeto em discussão, permanece neste trabalho a denominação de MP 398 e não Projeto
de Lei de Conversão.
As críticas ao projeto, inicialmente, concentraram-se em três pontos: (1) no método de
criação da empresa (via MP), levantada pela oposição no Congresso; (2) na vinculação
da empresa à SECOM e à composição e indicação do Conselho de Administração e
também do Conselho Curador, originada internamente e também vocalizada por grupos
organizados da sociedade; e (3) na admissão de publicidade institucional, da parte das
entidades associadas aos interesses das empresas privadas de comunicação (Valente
2009).
No relatório final de Pinheiro constavam, dentre as mais relevantes, as seguintes
alterações: criação de uma Ouvidoria; instituição da Contribuição para o Fomento da
Radiodifusão Pública (proveniente de 10% de um fundo já existente, o FISTEL, pago
pelas empresas que exploram os serviços de telecomunicações,); delimitação da
veiculação de publicidade institucional e apoio cultural; inclusão de percentual de
produção regional e independente na grade de programação; e o fim da exclusividade
dos direitos de transmissão de eventos esportivos quando não houver pretensão da
emissora detentora de veiculá-los em rede aberta.
Essas controvérsias foram o gatilho para os debates em torno da criação da EBC e da
TV Brasil. Tais debates aconteceram em várias esferas, desde os movimentos sociais
ligados ao tema da comunicação, até o Congresso Nacional. Os media, principalmente
o jornalismo, por suas características e funções, também abrigou e fomentou o debate
sobre essa política. O próximo tópico discute o conceito de deliberação mediada e
apresenta operadores para a análise empírica dos processos argumentativos no âmbito
da imprensa.
3 Deliberação mediada e seus operadores analíticos
A discussão do conceito de deliberação mediada faz parte dos desdobramentos da
ideia de sistema deliberativo. Como um conceito relativamente recente, ainda há
diferentes interpretações sobre o que caracterizaria a deliberação mediada. A
percepção dos mass media como instância a abrigar ou fomentar a deliberação está
associada ao papel que lhe é atribuído de arena de visibilidade pública, mas também
por sua capacidade de viabilizar debates públicos – na forma de uma esfera pública
abstrata (Gomes 2004; Gomes; Maia 2008; Maia 2007). Os meios de comunicação de
massa constituiriam, por suas características próprias, um “‘lócus’ para a deliberação e
para a troca pública de argumentos” (Maia, 2008, p. 50).
Os trabalhos na área reconhecem as contribuições de Benjamin Page, um dos
primeiros pesquisadores a investigar o conceito, que buscou em três estudos de caso
caracterizar as práticas de debate nos media e investigar a existência de uma
deliberação mediada. Logo de início, Page afirma que “a deliberação pública é (e
provavelmente deve ser) em grande parte mediada, com profissionais da comunicação,
em vez de cidadãos comuns falando uns aos outros e ao público através dos mass
media” (Page 1996:1, destaque no original)8. No entanto, o conceito de deliberação
mediada do autor não é suficientemente claro a respeito do funcionamento desse
processo (Barabas 2005), uma vez que se restringe a identificar a importância do
campo dos media para os processos políticos contemporâneos.
Nessa linha de pensamento, é possível mencionar uma série de autores, muitos dos
quais inicialmente apresentaram suspeitas quanto aos benefícios democráticos da
comunicação de massa (Bohman 1998; Chambers 2007; Habermas 2005; 2006). Com
o refinamento das reflexões quanto ao campo da comunicação, os juízos sobre os
impactos que os media poderiam produzir na comunicação política também
progrediram. Habermas, por exemplo, passou a afirmar que a deliberação pode ser
favorecida pela comunicação de massa sob certas condições:
O modelo comunicativo de política deliberativa que desejo apresentar
enfatiza duas condições críticas: a comunicação política mediada na
esfera pública pode facilitar processos de legitimação deliberativa em
sociedades complexas somente se um sistema mediático auto-regulador
adquire independência com relação a seu ambiente social, e se
audiências anônimas garantem um feedback entre o discurso informado
da elite e uma sociedade civil responsiva (Habermas 2008:9-10).
Tal como admite Chambers, “A deliberação na esfera pública é amplamente mediada.
A comunicação das opiniões e das informações atravessa e é enquadrada pelos media
noticiosos, especialmente pela a televisão” (2007:1, destacado no original)9. Para
Habermas, as funções desempenhadas pelos media incluem a mobilização e
agregação das questões relevantes, fornecendo informações e interpretações; o
processamento discursivo dessas contribuições, formulando os argumentos favoráveis
e contrários (e gerando posicionamentos dentro dessas alternativas) (Habermas 2006).
Muito embora seja possível exemplificar a deliberação mediada através de algumas
manifestações episódicas (e inconfundíveis) tais como os debates televisivos, os
8
No original: ““public deliberation is (and probably must be) largely mediated, with professional
communicators rather than ordinary citizens talking to each other and to the public through the mass
media”.
9
No original: “Deliberation in the broad public sphere is highly mediated. The communication of opinions
and information passes through and is framed by the news media and especially television”.
pesquisadores tendem a buscar o processo deliberativo em espaços de tempo mais
alargados e, muitas vezes, considerando diferentes veículos, meios e formatos.
(...) essa responsabilidade é melhor entendida se aplicada ao sistema
dos media como um todo, em lugar de um produtor individual, muito
menos uma peça individual de informação ou de um único programa. [...]
Por analogia, uma dieta saudável inclui frutas, legumes, grãos e
alimentos ricos em proteínas, mas ninguém quer consumir uma gororoba
multivitamínica que mistura todos esses nutrientes para formar um
mingau sabor desagradável. Então, tudo que devemos esperar é que os
produtores de conteúdo forneçam um material nutritivo e delicioso que
contribua para uma dieta mediática que é, no todo, deliberativa (Gastil
10
2008) .
Para Maia, há um conjunto de características que marcam o campo da comunicação
que podem vir a favorecer a deliberação pública.
Os media em si não podem ser compreendidos como uma esfera
pública, como Habermas, ambiguamente, sugere e alguns de seus
seguidores assumem expressamente. Para evitar esse equívoco, é
fundamental fazer a distinção entre "espaço midiático de visibilidade" —
aquilo que é disponibilizado para o conhecimento comum — e "esfera
pública" — o locus da argumentação (Gomes, 1999). [...] Os media
podem, assim, ajudar o público a deliberar, isto é, adquirir informações
necessárias, especificar interpretações, processar argumentos
favoráveis e contrários à determinada matéria e, assim, gerar atitudes
racionalmente motivadas (Kim, Wyatt e Katz, 1999; Gamson, 2001;
Bennett e Entman, 2001; Scheufele, 2000) (Maia 2007).
Há, entretanto, considerações a respeito da atuação das instituições da comunicação
de massa quanto à deliberação pública que devem ser destacadas. Como identifica
Maia (2008:88), há um paradoxo que marca os processos de deliberação mediada,
haja vista a atuação dos media ora como participantes ativos (ou “falantes
comprometidos”), ora como moderadores, que agenciam as vozes dos demais atores
sociais. Sem dúvida, quando participantes ativos, os atores do campo da comunicação
têm espaço privilegiado, as falas dos próprios jornalistas têm mais destaque que as
citações por eles concedidas aos demais atores sociais. O fato é que, para terem voz,
agentes políticos ou membros da sociedade precisam seguir a gramática dos media.
(...) os atores cívicos precisam ter capacidade para engajar-se em
interações comunicativas que têm como base o poder, isto é, as relações
em que os agentes buscam controlar os outros, fazendo-os agir segundo
a própria vontade e, para tanto, devem reconhecer quando e como
estabelecer compromissos, ter ciência de ocasiões em que se está
sendo manipulado, pressionado ou ameaçado. Além disso, é preciso
assumir que os atores cívicos, para terem sucesso na argumentação,
precisam ser capazes de empregar e apelar para as regras de
10
No original: “this responsibility is best understood as applying to the media system as a whole, rather
than an individual producer, let alone an individual piece of reporting or a single program. […] By analogy;
a healthy diet includes fruits, vegetables, grains, and protein-rich foods, but nobody wants to subsist on a
multivitamin-style glop that blends all these nutrients together into a nasty-tasting gruel. So all we should
ask is that content producers provide nutritious and delicious content that contributes to a media diet that
is, on the whole, deliberative”.
publicidade, de razoabilidade e de generalidade, em seus esforços de
convencer públicos mais amplos (Maia 2007:20).
Ao tratar da deliberação mediada, é interessante retomar as reflexões de Peters, que
demanda
interpretações,
prescrições
e
ilustrações
empíricas
a
sustentarem
argumentos consistentes.
Meras declarações ou relatos factuais, apenas apresentados como tal,
sem suporte argumentativo ou reação às questões antecipadas ou reais,
não são de deliberação. Assim como a maioria do que é comumente
denominado com notícias ou reportagens ou informações tampouco é
deliberação. Nem o são julgamentos, avaliações ou propostas sem
sustentação, ou expressões de sentimentos pessoais, sensações ou
11
experiências (Peters 2008:78-9) .
A operacionalização empírica de tais conceitos e prescrições normativas leva a um
conjunto de variáveis que expressam os requisitos para que um debate público
mediado seja caracterizado como deliberativo. Para Maia (2006; 2008), é importante
considerar (1) a estrutura de oportunidades de acesso à visibilidade mediática e (2)
como os media organizam e retratam as controvérsias favorecendo ou não o
aperfeiçoamento dos argumentos e a revisão das posições.
Neste trabalho, a deliberação mediada é entendida enquanto parte de um sistema
deliberativo que envolve diferentes momentos: a articulação discursiva de movimentos
sociais por meio de seus próprios veículos (jornais impressos, sites etc.); as
campanhas eleitorais (seus debates televisionados, as propagandas do horário gratuito
de propaganda eleitoral, as entrevistas concedidas a veículos jornalísticos); a
apropriação das plataformas de comunicação em rede da internet (de forma
individualizada ou massiva); a cobertura jornalística dos fatos e eventos de interesse
público; entre outras tantas situações. A pesquisa aqui desenvolvida se dedica a refletir
sobre o papel da imprensa nesse sistema heterogêneo levando em conta quais são os
valores, as características e as limitações que se colocam na consecução de uma
deliberação mediada pelo campo noticioso impresso.
Do confronto entre as expectativas normativas e a prática jornalística é possível
perceber que há traços nos mass media que favorecem, em diferentes medidas, a
consecução do debate público, tais como a visibilidade oriunda da ampla distribuição
dos discursos, a possibilidade de desenvolver uma argumentação justificada adaptada
11
No original: “Mere factual statements or reports, just presented as such and without argumentative
support, or reaction to anticipated or real questions, are not deliberation. So most of what is commonly
called news or reports or information is not yet deliberation. Neither are unsupported judgements,
evaluations or proposals, nor expressions of personal sentiments, feelings or experiences”.
às diferentes linguagens, gêneros e formatos e o valor conferido pelo próprio campo à
exposição de perspectivas controversas.
O processamento das informações à luz da lógica empresarial produz, no entanto, um
discurso que, no todo, pode vir a desfavorecer certas perspectivas ou atores, privilegiar
determinados enquadramentos em detrimento de outros, e ser até utilizado em favor do
próprio campo comunicativo em lugar do interesse público.
Essas características intervêm no modo como se forma a opinião pública, mas também
deixam marcas no processo de introdução de demandas na agenda dos atores
políticos e na percepção geral sobre as decisões tomadas no centro do poder político.
Sendo assim, este trabalho desenvolve uma reflexão sobre duas dimensões caras à
deliberação mediada pela imprensa. A primeira delas aborda aspectos contextuais, que
acabam por caracterizar o objeto aqui estudado como um dos momentos deliberativos
acima citados. A segunda dimensão avaliada se trata das dinâmicas deliberativas, em
seus aspectos formais e substantivos.
Nota metodológica
A pesquisa procurou avaliar a deliberação mediada pelo jornalismo impresso a
propósito da criação da Empresa Brasil de Comunicação. Para tanto, o período
analisado compreende todo o processo de tomada da decisão política e se inicia com o
lançamento da Medida Provisória nº 398 de 10/10/2007 e se encerra em 07/04/2008,
data da sanção presidencial da Lei 11.652. Foram analisadas matérias publicadas em
quatro veículos: duas revistas semanais (Carta Capital e Veja) e dois jornais diários (O
Globo e Folha de S. Paulo) de relevância nacional. A seleção das notícias se deu por
meio de busca eletrônica por palavras-chave nos acervos digitais online de cada
veículo12.
A unidade de análise selecionada foi o argumento. Isso quer dizer que cada argumento
foi localizado nos textos, compilado, categorizado e analisado de acordo com as
variáveis pertinentes ao estudo da deliberação mediada. Adicionalmente, para cada
argumento, informações contextuais e sobre os atores sociais também foram
coletadas13.
12
A busca digital não foi aplicada na coleta da revista Carta Capital – nesse caso, a busca foi manual. As
palavras-chave buscadas foram: “Empresa Brasil de Comunicação”; “EBC”; “TV Brasil”; “TV do Lula”; “TV
pública”; “televisão pública”; “TV educativa”; “televisão educativa”; “radiodifusão pública”.
13
Este trabalho apresenta recortes da análise empreendida a propósito da pesquisa de doutorado em
curso pela autora. A pesquisa completa abrange um período de tempo mais alargado e outras variáveis,
além de envolver também o debate parlamentar.
Uma vez que o propósito da pesquisa é investigar o embate de posicionamentos e
razões apresentados pelos media ao debaterem sobre a criação da EBC, nos
resultados apresentados adiante, os valores significam o número e o percentual de
argumentos encontrados para cada veículo e variável (e não o número de matérias).
Tabela 1. Corpus empírico: recorte argumentativo
Número de matérias
selecionadas na busca por
palavras-chave
Veículos
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Total analisado
2
11
109
153
Número de matérias com
argumentação
(analisadas)
1
4
30
75
110
%
50%
36%
28%
49%
Número
total de
argumentos
3
13
58
148
222
4 Resultados
Momento deliberativo: Aspectos contextuais da cobertura
A partir de uma localização espacial e temporal, é possível pensar em uma distribuição
da deliberação marcada por características bem distintas (Goodin 2005; Neblo 2005;
Parkinson; Bavister-Gould 2009). No caso aqui analisado, as características espaciais
envolvem tanto os aspectos condicionantes do campo do jornalismo, com sua
deontologia e suas práticas profissionais, quanto os diferentes papeis assumidos por
cada empresa jornalística enquanto agente com interesses e perspectivas particulares
(Marques; Miola 2010). Já a respeito das características temporais é importante
destacar que o período de implementação de uma política pública envolve uma
proposição e discussão desta e a tomada de decisão – ou seja, é quando acontece o
ápice das disputas argumentativas. Neste período a oferta de argumentos e
enquadramentos na esfera de visibilidade pública tende a ser grande, alimentada pelas
discussões no Congresso e pela repercussão na sociedade. As expectativas, portanto,
são de que o volume e a pluralidade de argumentos encontrados na imprensa sejam
significativos.
Primeiramente, uma análise das características da cobertura de cada veículo
demonstra comportamentos distintos entre os periódicos. A totalidade dos argumentos
encontrados em revistas semanais foi publicada nas seções de opinião (Tabela 2),
enquanto que nos jornais a argumentação sobre a EBC teve espaço equilibrado entre a
opinião ou informação (Folha de S. Paulo) ou quase totalmente como gênero
informativo (O Globo).
Tabela 2. Gênero jornalístico * Veículo Crosstabulation
Veículo
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Total
Gênero jornalístico Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
Informativo
0
0%
0
0%
49
84%
70
47%
119
54%
Opinativo
3
100%
13
100%
9
16%
78
53%
103
46%
Total
3
100%
13
100%
58
100%
148
100%
222
100%
Ao aprofundar essa análise (Tabela 3), percebe-se que o jornal O Globo realmente
lançou mão de suas reportagens para apresentar os posicionamentos e suas razões a
respeito da EBC e da radiodifusão pública (79%). De forma semelhante fez a Folha de
S. Paulo, dando visibilidade a argumentos principalmente por meio de reportagens
(46%) – embora o espaço de colunismo desse jornal tenha também contribuído
significativamente (20%).
No caso das revistas, nas quais os argumentos apareceram exclusivamente nas
seções de opinião, há uma postura oposta entre Carta Capital e Veja no que diz
respeito aos espaços opinativos utilizados para debater a política em questão:
enquanto a Carta Capital apresenta os argumentos em uma coluna (assinada por um
profissional do veículo), a Veja dá espaço para que personagens públicas ou leitores
exponham os argumentos (além dos posicionamentos da própria empresa jornalística).
O detalhamento da autoria das matérias confirma esse padrão (Tabela 4).
Tipo de notícia
Artigo
Aspas
Cartas dos Leitores
Coluna
Editorial
Entrevista
Notas
Reportagem
Total
Autor - categoria
Jornalista
Colunista
Não assinado
Colaborador
Leitor
Total
Tabela 3. Tipo de notícia * Veículo Crosstabulation
Veículo
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Total
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq.
%
Freq. %
0
0%
6
46%
0
0%
14
9%
20
9%
0
0%
4
31%
2
3%
0
0%
6
3%
0
0%
3
23%
2
3%
4
3%
9
4%
3 100%
0
0%
5
9%
29
20%
37
17%
0
0%
0
0%
0
0%
8
5%
8
4%
0
0%
0
0%
3
5%
23
16%
26
12%
0
0%
0
0%
0
0%
2
1%
2
1%
0
0%
0
0%
46
79%
68
46%
114
51%
3 100%
13 100%
58 100%
148
100%
222 100%
Tabela 4. Autor - categoria * Veículo Crosstabulation
Veículo
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Total
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq.
%
Freq. %
0
0%
0
0%
46
79%
81
55%
127 57%
3 100%
0
0%
4
7%
33
22%
40 18%
0
0%
10 77%
6
10%
18
12%
34 15%
0
0%
0
0%
0
0%
12
8%
12
5%
0
0%
3 23%
2
3%
4
3%
9
4%
3 100%
13 100%
58 100%
148
100%
222 100%
A Tabela 4 mostra também outras disparidades entre jornais e revistas no que diz
respeito à autoria das matérias. Nos jornais, os textos assinados por jornalistas
concentram o maior volume de argumentação (O Globo, 79%; Folha de S. Paulo, 55%),
enquanto que, na revista Veja a preponderância é dos textos não assinados, ou seja,
onde a empresa jornalística assume qualquer posicionamento que venha a ser
anunciado.
Dinâmicas argumentativas – aspectos formais
Há uma dimensão argumentativa nas práticas políticas e na ação da imprensa que é
fundamental para a constituição e interpretação dos problemas e justificação dos
posicionamentos sobre questões de interesse público. Esses discursos de cunho
argumentativo correspondem em maior ou menor grau às expectativas normativas da
ética do discurso e também desvelam em graus diferentes os interesses públicos e
privados que subjazem os posicionamentos e as decisões políticas. Este tópico analisa
como se deu o debate mediado – se há tomada de posição na apresentação dos
argumentos, se há espaço para a controvérsia e qual é o nível de aprofundamento das
justificativas apresentadas14.
O primeiro aspecto das dinâmicas argumentativas a se ressaltar se trata da
explicitação dos posicionamentos a respeito da criação da EBC (e da radiodifusão de
um modo geral). A expressão dos posicionamentos, quando acompanhados das razões
e justificativas para tal é positivo para a deliberação (embora possa parecer um contrasenso no jornalismo dito imparcial). Por outro lado, é importante para a pluralidade do
debate que não haja barreiras para a expressão de qualquer argumento publicamente
justificável. O que se defende, assim é a garantia do acesso à esfera de visibilidade a,
virtualmente, todas as razões disponíveis sobre determinada questão. Nesse caso,
prejudicial é a total ausência de um ou outro posicionamento.
No debate mediado pela imprensa nacional, percebe-se uma posição mais crítica de
ambos os jornais, onde é claro o equilíbrio da distribuição de argumentos favoráveis e
contrários à criação da EBC (Tabela 5). Mas, mais importante, é a presença
14
Os níveis de justificação foram analisados de acordo com a proposta do Discourse Quality Index,
apresentado por Steiner et al. (2004:57). Para esses autores, a qualidade das justificações pode ser
avaliada de acordo com a seguinte classificação: (1) sem justificação – na ausência de razões, apenas
apresentação de posicionamentos; (2) justificação inferior – a oferta de razões com inferências
incompletas ou justificações baseadas apenas em ilustrações; (3) justificação qualificada – a exposição
completa de razões; (4) justificação sofisticada: a apresentação de, pelo menos, duas justificações
completas são oferecidas (para a mesma demanda ou para duas demandas diferentes). Neste trabalho,
em razão do recorte argumentativo (apenas proferimentos argumentativos foram analisados e a unidade
de análise foi o argumento), apenas duas dessas classificações foram adotadas: a justificação inferior e
a justificação qualificada.
significativa de posicionamentos críticos que reconhece que a política pública em
debate (avaliada
como positiva
ou
como negativa) pode ser aperfeiçoada
(Posicionamentos neutros ou apoiando com reservas, 24% e 32%). A Tabela 5 mostra
também que as revistas assumem lados opostos dentro das possibilidades de
posicionamento sobre a EBC. Enquanto a totalidade dos argumentos da Carta Capital
foi favorável à criação da EBC, a Veja citou apenas um argumento favorável à criação
da empresa de radiodifusão (8%).
Posicionamento
Tabela 5. Posicionamento * Veículo Crosstabulation
Veículo
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Total
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq.
%
Freq. %
Contrário à EBC
Favorável à EBC
Neutro ou apóia com
reservas
Total
0
3
0%
100%
12
1
92%
8%
18
26
31%
45%
42
59
28%
40%
0
3
0%
100%
0
0%
13 100%
14
58
24%
100%
47
148
32%
100%
72
89
32%
40%
61 27%
222 100%
Dois outros aspectos da cobertura contribuem para a avaliação da qualidade da
deliberação. São a presença de contra-argumentos e os níveis de justificação dos
posicionamentos apresentados. A presença de contra-argumentos demonstra a
pluralidade interna das matérias. Se a deliberação mediada é um processo que deve
ser avaliado transversalmente, de modo que seja possível apreender os processos de
reflexividade e revisibilidade dos posicionamentos ao longo do tempo e no sistema dos
media, por outro lado, a presença de contra-argumentos internamente às notícias
facilita a percepção de posições contraditórias e conduz o próprio leitor à reflexão.
A preponderância de matérias a ignorar os contra-argumentos leva à conclusão que,
muitas vezes, os media abrem mão de retratar o contraditório. Há que se reconhecer
que os jornais reconhecem a diversidade de posicionamentos sobre a radiodifusão
pública e a criação da EBC. Tanto O Globo quanto a Folha de S. Paulo, apresentam
uma significativa presença de argumentos contraditórios, sendo que em mais de um
terço desses casos, os a validade desses contra-argumentos foi reconhecida (38% e
39%). Ainda assim, um percentual ainda maior de matérias manteve silêncio sobre o
agonismo que marcou a questão (45% e 40%). Em associação com os achados sobre
as revistas, isso produz um diagnóstico pessimista sobre o conjunto da imprensa.
Enquanto a Carta Capital apenas mencionou os argumentos contrários para refutá-los
(100%), a Veja se dividiu entre a desvalorização dos contra-argumentos (46%) e a sua
completa omissão (54%).
Contra-argumentos
Ignorados
Tabela 6. Contra-argumentos * Veículo Crosstabulation
Veículo
Folha de S.
Carta Capital
Veja
O Globo
Paulo
Total
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq. %
0
0%
7
54%
26
45%
59
40%
92
41%
Neutro
Refutados
0
3
0%
100%
0
6
0%
46%
4
6
7%
10%
0
32
0%
22%
4
47
2%
21%
Validados
0
0%
0
0%
22
38%
57
39%
79
36%
Total
3
100%
13
100%
58
100%
148
100%
222
100%
Quanto aos níveis de justificação, observa-se que, em geral, há a predominância da
baixa qualidade da justificação das razões. Em outras palavras, os posicionamentos
foram acompanhados de um argumento simples, sem complexidade ou completude de
raciocínio ou carecendo de uma relação explícita entre problemas e soluções, causas e
consequências.
Na Tabela 7, percebe-se que todos os veículos investigados apresentaram mais do que
70% de argumentos simples, sem profundidade ou acompanhada de mais de uma
justificativa – sendo que a revista Carta Capital, que discutiu o tema apenas em uma
coluna em todo o período, não apresentou nenhuma justificação qualificada.
Quando se trata de citações, é provável que a edição das falas das fontes tenha
suprimido partes importantes do raciocínio que os atores desenvolveram ao serem
consultados pelos jornalistas desses veículos. Isso é necessário dadas as limitações
que a produção jornalística impõe, mas é uma característica prejudica de sobremaneira
que a efetivação de uma deliberação mediada.
Tabela 7. Nível de justificação * Veículo Crosstabulation
Veículo
Nível de justificação
Inferior
Qualificada
Total
Total
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq.
%
Freq. %
3 100%
10 77%
45 78%
105
71%
163
73%
0
0%
3 23%
13 22%
43
29%
59
27%
3 100%
13 100%
58 100%
148
100%
222 100%
Dinâmicas argumentativas – aspectos substantivos
A segunda análise das dinâmicas argumentativas envolve a compreensão sobre o que
se discute nos media sobre a criação da EBC. Isso é feito neste trabalho a partir de três
elementos: o nível de generalização dos argumentos sobre a política pública, os eixos
interpretativos e as temáticas sob os quais se inscrevem os argumentos.
Problematizar o nível de generalização dos argumentos apresentados sobre a criação
da EBC significa reconhecer que o debate político não deve se restringir a aspectos
pontuais orientados por uma lei específica. Embora uma iniciativa legislativa seja
importante para a resolução de determinados problemas, um projeto de lei pode
favorecer a tematização pública das questões co-relatas e oportunizar o debate mais
amplo sobre políticas para aquele setor. Esse é o caso da criação da EBC, que,
embora trate da criação de uma empresa de radiodifusão, pode envolver uma
argumentação sobre a radiodifusão pública e até mesmo sobre o papel do Estado na
regulação da comunicação de massa.
A análise dos níveis de generalização de cada argumento publicado nas revistas e
jornais demonstra que houve uma concentração em torno da criação da EBC e da TV
Brasil (Tabela 8). Em regra, discutiu-se o projeto de lei, suas características e seus
impactos diretos. Um destaque apenas à Folha de S. Paulo e à Carta Capital, veículos
nos quais a argumentação alcançou uma abrangência maior, com respectivamente
30% e 100% dos argumentos problematizando a radiodifusão em geral.
Tabela 8. Maior nível da argumentação * Veículo Crosstabulation
Veículo
Total
Carta Capital
Veja
O Globo
Folha de S. Paulo
Níveis de generalização da
Freq. %
Freq. %
Freq. %
Freq.
%
Freq. %
Política Pública
Bastidores da política
0
0%
1
8%
4
7%
11
7%
16
7%
Detalhes do Projeto
0
0%
0
0%
14
24%
16
11%
30
14%
EBC e TV Brasil
Radiodifusão pública e Mercado
da Comunicação
Total
0
0%
10
77%
36
62%
77
52%
123
55%
3
3
100%
100%
2
13
15%
100%
4
58
7%
100%
44
148
30%
100%
53
222
24%
100%
Por fim, cabe analisar o conteúdo dos argumentos apresentados pelos veículos (Tabela
9). Partiu-se de um método indutivo para coletar os argumentos que versavam sobre a
EBC e a radiodifusão pública15. A estratégia adotada para lidar com o volume e
variedade de argumentos encontrados foi agrupá-los por afinidade. Em primeiro lugar,
os argumentos semelhantes foram agrupados em temáticas. A seguir, essas temáticas
foram classificadas de acordo com os eixos interpretativos – que é uma proposta
livremente inspirada na classificação de tipos de argumentos elaborada por Berhard
Peters (Peters et al. 2008)16. A distribuição dos argumentos em temáticas e eixos
interpretativos é apresentada na Tabela 9.
15
As listagens iniciais de argumentos foram feitas a partir da coleta em matérias jornalísticas e também
discursos parlamentares (que não fazem parte deste artigo, mas compõem o corpus da pesquisa em
andamento).
16
Os autores, investigando a argumentação no jornalismo, propõem seis tipos de argumentos possíveis
na cobertura política: (1) o argumento empírico; (2) o argumento pragmático; (3) o argumento ético; (4) o
argumento estético/avaliativo; (5) o argumento legal; e, finalmente (6) a metacomunicação (Peters et al.
2008:153-8).
Eixos
interpretativos
Tabela 9. Eixos Interpretativos/Temáticas * Veículo Crosstabulation
Veículo
Folha de S.
Carta Capital
Veja
O Globo
Paulo
Temáticas
Disputas entre Governo e
Oposição
1. Decision-making
Disputas
entre Executivo e
Process e Bastidores
Legislativo
da política
(Metacomunicação): Formato do projeto
7%
(Medida Provisória)
2. Regulamentação
da Comunicação
(Legal)
8%
0
0%
0
0%
2
3%
1
1%
3
1%
0
0%
0
0%
2
3%
5
3%
7
3%
0
0
0%
0%
1
0
8%
0%
1
4
2%
7%
5
2
3%
1%
7
6
3%
3%
0
0
0
0
1
0%
0%
0%
0%
33%
0
0
0
1
6
0%
0%
0%
8%
46%
0
1
4
0
13
0%
2%
7%
0%
22%
4
6
8
5
34
3%
4%
5%
3%
23%
4 2%
7 3%
12 5%
6 3%
54 24%
1
33%
0
0%
13
22%
20
14%
34 15%
1
33%
0
0%
1
2%
3
2%
5
2%
0
0
0
0
0%
0%
0%
0%
1
0
1
1
8%
0%
8%
8%
3
2
1
6
5%
3%
2%
10%
17
6
4
13
11%
4%
3%
9%
21
8
6
20
9%
4%
3%
9%
Sede da emissora
0
0
0
0%
0%
0%
2
0
0
15%
0%
0%
4
0
1
7%
0%
2%
14
1
0
9%
1%
0%
20
1
1
9%
0%
0%
Total
3 100%
148 100%
222
100
%
Constitucionalidade da Lei
Regulamentação da
Radiodifusão Pública
Direitos de Transmissão
Programação
Ibope
Estatal X Pública
3. Caráter público e
Valores da
Radiodifusão
Pública
(Ético)
65%
Participação da Sociedade
(Conselhos e Ouvidoria)
Democratização da
Comunicação (acesso à
informação e à produção)
Funções políticas,
educativas, culturais e
econômicas da
Radiodifusão Pública
Veiculação de publicidade
Exemplos internacionais
Ônus do investimento
4. Técnicoadministrativo
(Pragmático)
18%
Total
Estrutura de distribuição
do sinal
Digitalização
13 100%
58 100%
Observa-se uma clara sobre-representação dos argumentos pertencentes ao Eixo 3,
sobre Caráter Público e Valores da Radiodifusão Pública, em todos os veículos
investigados. O percentual geral de argumentos nesse eixo soma 65%. O Eixo 3, de
fato, é o mais importante para a discussão do projeto de criação da EBC e mesmo para
as políticas públicas de radiodifusão, dado que reúne argumentos em torno das
funções desempenhadas pelas emissoras de rádio e TV e também discussões a
respeito dos diferentes modelos de radiodifusão previstos para o sistema nacional
(emissoras privadas, públicas e estatais).
Uma mirada sobre as temáticas do Eixo 3 e seus percentuais, contudo, demonstra que
a distribuição entre essas questões importantes são desigualmente distribuídas. A
preocupação da maioria dos argumentos que foram publicados se concentrou nas
afirmações e questionamentos sobre o caráter público ou estatal que marcaria a
atuação da nova empresa. Como um desdobramento desse tema, também é discutido,
pela revista Carta Capital e pelo jornal O Globo, o papel que os instrumentos de
participação criados para a EBC, tais como o Conselho Curador e a Ouvidoria, teriam
na definição desse caráter público ou estatal.
Outro eixo que resultou em argumentação relevante foi o Eixo 4, sobre aspectos
técnicos ou administrativos a respeito da EBC. A preocupação central nesse eixo diz
respeito ao financiamento da nova empresa, com proferimentos sobre o seu possível
impacto sobre as contas do Estado e/ou sobre os contribuintes e sobre a relevância do
investimento em comunicação pública dadas as dificuldades de estabelecer políticas
públicas eficientes em áreas prioritárias como saúde e educação (9% no índice geral).
Observa-se que todos os veículos, com exceção da Carta Capital, publicaram
argumentos sob essa temática. Funcionando frequentemente como exemplo da
ineficiência da empresa ou precariedade das emissoras públicas em geral, os
argumentos sobre a estrutura física de distribuição do sinal da TV Brasil, constituíram
9% do total. Tais argumentos foram predominantemente justificados pela ausência de
um canal de transmissão para a TV pública na cidade de São Paulo.
Quando se trata das questões sobre a regulamentação estatal da radiodifusão publicas
e de atividades relacionadas à comunicação de massa (Eixo 2), apenas os dois jornais
investigados apresentaram argumentos. Nesse eixo teve mais destaque as asserções
sobre dois pontos específicos: os questionamentos sobre a constitucionalidade da
medida provisória (uma vez que esse tema não requer caráter de urgência para a
tramitação) e indagações sobre uma possível cessão dos direitos de transmissão de
partidas esportivas de interesse nacional17. Argumentos sobre a regulamentação da
comunicação propriamente dita foram publicados apenas na Folha de S. Paulo.
5 Conclusões
Em primeiro lugar, a comparação entre o número de notícias que mencionavam a EBC,
a TV Brasil ou a radiodifusão pública foi muito superior ao volume de argumentos que
de fato foi apresentado. Essa observação é explicada por uma investigação prévia que
constatou a predominância da cobertura sobre os bastidores dos processos de tomada
de decisão em comparação com a abordagem substantiva das políticas públicas em
formulação (Miola 2011). Isso quer dizer que uma parcela excessivamente grande das
notícias não contribui efetivamente para o debate público apresentando interpretações,
17
Esse ponto foi acrescentado ao projeto pelo Relator Walter Pinheiro (PT-BA) a partir de uma emenda
apresentada pelo deputado Silvio Torres (PSDB-SP). Ao sancionar a Lei, o Presidente Lula vetou o
referido artigo.
posicionamentos e justificativas sobre as questões de interesse geral. Feita essa
consideração, seguem os apontamentos reflexivos sobre os achados.
A avaliação da imprensa no período de implementação da Empresa Brasil de
Comunicação como um momento deliberativo demonstrou que há certos padrões que
se confirmam. Em primeiro lugar, é possível fazer claras distinções entre os dois
grupos de meios impressos: as revistas semanais, de um lado, e os jornais diários, de
outro. Esses grupos se diferiram (1) no volume argumentativo, sendo que os dois
jornais apresentaram um número muito mais alto de argumentos do que as revistas; (2)
no gênero, dado que as revistas apresentaram os argumentos em suas seções
opinativas, enquanto que nos jornais houve equilíbrio (Folha de S. Paulo) ou
predominância do gênero informativo (O Globo); e (3) no posicionamento manifesto,
uma vez que ambos os jornais publicaram argumentos favoráveis, contrários ou
neutros, e as revistas privilegiaram um ou outro lado.
Se a primeira constatação pode ser explicada pela própria especificidade dos meios
impressos – uma revista semanal publica muito menos conteúdo do que um jornal
diário – os outros dois achados podem ser avaliados como contra-intuitivos. As revistas
semanais, no entanto, deveriam ganhar em profundidade da abordagem dos temas,
uma vez que contam com mais tempo para a produção das matérias. Esse raciocínio
justificaria também esperar também uma maior pluralidade argumentativa nas revistas.
Isso seria ignorar, contudo, o próprio posicionamento político sustentado por essas
duas revistas analisadas. Elas assumem claramente posturas opostas naquelas
questões que ainda cabem no espectro político-ideológico entre direita e esquerda – e
esse antagonismo é demonstrado também quanto à EBC: a Veja, por meio dos
argumentos de seus colaboradores ou de seus próprios, definiu a TV Brasil como uma
estratégia de propaganda do governo Lula; a Carta Capital argumentou sobre o caráter
público e democratizante da emissora, principalmente em razão dos mecanismos de
participação criados para gerir a EBC.
Contrariamente ao que se possa pensar, essa tomada de posição não é
necessariamente prejudicial ao debate público. Desde que as diversas razões sejam
tornadas disponíveis ao público, é possível a consecução de um embate do tipo
deliberativo18.
18
É reconhecida uma possível assimetria de poder entre as duas revistas, considerando a posição
hegemônica ocupada pela Veja (revista de maior tiragem no país) em relação à modesta penetração da
Carta Capital. Nos termos de um sistema deliberativo, no entanto, o importante é que os argumentos
apresentados por um veículo de baixa audiência não sejam excluídos a priori da esfera pública – como
não o são.
Mas não é apenas isso que garante o caráter deliberativo do debate público. O
frequente silêncio sobre os conflitos entre os argumentos, ou a recusa em reconhecer
sua validade (verificada pelo indicador presença de contra-argumentos), prejudica um
dos valores importantes da deliberação que é o aperfeiçoamento das razões a partir da
reflexividade. Apenas os jornais apresentaram a validação de uma parcela dos contraargumentos.
No que se refere ao conteúdo dos argumentos, a imprensa retrata uma das grandes
questões que envolvem o trabalho dos legisladores e dos pesquisadores da atividade:
as dificuldades de se definir o caráter público das emissoras de radiodifusão.
Certamente, a sugestão de um aparato institucional que preveja a participação da
sociedade coloca em questão também o modelo administrativo centralizado assumido
por boa parte das emissoras educativas até o momento. Outro tema fundamental que
ganha visibilidade é o financiamento e os problemas de estrutura das emissoras.
Ademais, a discussão sobre as funções políticas, educativas e culturais da radiodifusão
pública leva a pensar também naquilo que se quer da comunicação eletrônica em
geral. E, pelos argumentos apresentados, o que se desenha é o fortalecimento de uma
imagem positiva das emissoras públicas de rádio e televisão – ainda que seu
desempenho ante os índices de audiência seja altamente criticado.
Por fim, percebe-se que as expectativas quando à capacidade deliberativa dos mass
media podem ser satisfeitas em alguns aspectos – favorecida pela tentativa de
apresentar ao público uma cobertura equilibrada (postura assumida pelos jornais
analisados) e de reportar ao público o que se passa no campo político.
No entanto, a carência de justificações qualificadas e o alto índice de omissão dos
contra-argumentos deixam a impressão de que há potencial para a deliberação
mediada – só não há o interesse dos media em deliberar sobre si mesmos.
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