Pena de Morte Já - Pe. Dr. Emílio Silva Castro

Transcrição

Pena de Morte Já - Pe. Dr. Emílio Silva Castro
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Pe. Dr. EMÍLIO SILVA DE CASTRO
Decano da Faculdade de Direito da Universidade "Gama Filho" —
Catedrático da Universidade do Estado da Guanabara — Catedrático
da PUC do Rio de Janeiro — Membro do Instituto de Cultura Hispânica
— Prof. na Pós-Graduação do Instituto Superior de Direito
Canônico do Rio de Janeiro — Membro Fundador da "Sociedade
Brasileira de Filósofos Católicos" — Prof. Visitante da Universidade
Autônoma de Guadalajara (México) — Presidente da Sociedade
"Força Renovadora" no Rio de Janeiro — Presidente da IBEC —
Ibero-Brasileira de Estudos e Cooperação — Vice-Presidente da Academia
Brasileira de Ciências Morais e Políticas etc. etc. e Comendador
da Ordem de Isabel a Católica.
PENA DE MORTE
JÁ
Prólogo do
Des. Ítalo Galli
REVISTA CONTINENTE EDITORIAL LTDA.
Av. 13 de Maio, 23/20.° — Sala 2.025 — Tel. 262-3810
Rio de Janeiro
1986
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Este livro foi escrito em espanhol a pedido do editor
Vassallo de Mumbert, de Madrid, e publicado nessa capital.
A versão portuguesa é da responsabilidade de A. Machado
Pauperio, Prof. Emérito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e Membro Titular da Academia Brasileira
de Letras Jurídicas.
Versão da legenda da capa:
A ABSOLVIÇÃO DO CRIMINOSO
É A CONDENAÇÃO DO JUIZ
(Públio Siro, Mimos, 257)
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
PRÓLOGO
"Donde quiera que la pena de muerte ha sido abolida,
la soeiedad ha destilado sangre por todos los poros"
(Donoso Cortês, ENSAYO).
"Considerad, legisladores, que la energia de la fuerza
pública es la salvaguarda de la flaqueza individual, la
amenaza que aterra ai injusto, y la esperanza de la sociedad.
CONSIDERAD QUE LA CORRUPCIÓN DE LOS
PUEBLOS NACE DE LA INDULGÊNCIA DE LOS
TRIBUNALES Y DE LA IMPUNIDAD DE LOS DELITOS.
(Simón Bolívar, MENSAJE A LA CONVENCIÓN
DE OCANA, 29-2-1828).
"Tudo se paga" (Napoleão, em Santa Helena).
Em seu n.° 66 de fevereiro de 1986, o informativo católico "De ROME et
d'AILLEURS" nos brinda com um artigo de H. le Caron, sob o sugestivo título "LE
TEMPS DES ASSASSINS", que começa retratando o mundo de nossos dias:
"Fazem-se explodir aviões em pleno vôo; sequestram-se viaturas; os terroristas
atiram ao acaso sobre filas de passageiros que aguardam nos aeroportos, matando mulheres
e crianças inocentes. No ano passado, durante um incêndio num estádio, viram-se jovens
dançar diante das tribunas, onde espectadores estavam sendo queimados vivos. Na Bélgica,
os torcedores de um time massacram os do quadro adversário, o que não impede o
prosseguimento da partida e de fazerem os vencedores seu "tour d'honneur", sob as
aclamações da multidão. Matam-se os homens no Líbano, no Afeganistão, no Iraque, no
este asiático e na América Central. É a atualidade quotidiana; e a maior parte das pessoas
permanece indiferente, a menos que os mortos sejam parentes".
"Nos primeiros cinco meses deste ano (1986), ocorreram, na Grande São Paulo,
2.406 homicídios — 481 por mês, 16 por dia, um a cada 90 minutos; 42.028 furtos, 18.000
assaltos. Os homicídios aumentaram em 100% ("O Estado de São Paulo", 1/6/86, p, 22).
Os crimes mais bárbaros são praticados com requinte de perversidade, revelando
uma insensibilidade moral semelhante à dos brutos.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Os bairros, outrora tranquilos, apresentam-se com as casas cercadas de grades,
veladas, durante a noite, com guardas particulares.
Inverteram-se as posições: as pessoas enjauladas, e as "feras" soltas, à espreita...
A juventude afina no mesmo diapasão, fazendo-se atual a perplexidade do grande
criminalista francês, Louis Proal: "A que se deve atribuir esta perversidade da juventude,
que jamais fora tão corrompida? A meu ver — responde — ao debilitamento das crenças
espiritualistas e cristãs". E acrescenta, noutro passo: "A criminalidade aumenta, enquanto a
ciência, a arte e a indústria progridem. O espírito se aguça, a instrução avança e a
moralidade não cresce na mesma proporção; antes, decresce, notadamente entre os jovens".
E,secundando M. Frank: "A instrução se torna, muitas vezes, auxiliar do vício e do crime.
À instrução é necessário juntar a cultura moral,em que a fé, unida à caridade, constitui um
elemento necessário"("Le Crime et la Peine", 1892, ps. 193/195).
E isso porque, como já observara Aristóteles, "cuando está desprovisto de virtud, el
hombre es el menos escrupuloso y el más salvaje de los animales y el peor en el aspecto de
la indulgência sexual y la gula" ("Politica", Liv. I, cap. 2 — Aguilar — Obras).
"Senhores — já advertia Donoso Cortês, profeta da história, há mais de um século
— não há mais do que duas repressões possíveis: uma interior e outra exterior, a religião e
a política. E são de tal natureza, que, quando o termômetro religioso está alto, o
termômetro da repressão política está baixo; e, quando o termômetro religioso está baixo,
o termômetro político, a repressão política, a tirania está alta. Esta é uma lei da
humanidade, uma lei da História" ("Discurso Sobre a Ditadura", in Obras Completas,
Madrid, BAC, tomo II, 305 s.).
Assim, também, se apercebeu a sensibilidade de Rui Barbosa: "Quando se
afrouxam os laços morais, estreitam-se os laços políticos".
Entretanto, ao Invés de refrear a crescente onda de criminalidade com penas e
Julgamentos mais severos, mitiga-se a disciplina dos Códigos, e as entidades responsáveis
pelo embasamento moral da sociedade abdicam de sua liderança, para tornar-se caudatárias
das soluções violentas — "da beneficência constrangida", que é "ferida pela esterilidade na
sua própria fonte", na feliz expressão de Ventura de Raulica ("Obras Póstumas").
Parecem chegados os tempos vislumbrados por Donoso Cortês:
"Os governos não são competentes para impor uma pena ao homem senão na
qualidade de delegados de Deus. Só em nome de Deus podem ser justos e fortes. E quando
começam a secularizar-se ou apartar-se de Deus, afrouxam na penalidade, como se
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sentissem que diminui seu direito. As teorias laxas dos criminalistas modernos são
contemporâneas da decadência religiosa, e seu predomínio nos códigos é contemporâneo
da secularização completa das potestades políticas. Os racionalistas modernos chamam ao
crime desventura: dia virá em que o governo passe aos desventurados; e, então, não haverá
outro crime senão a inocência. O novo evangelho do mundo se está escrevendo em um
presídio. O mundo não terá senão o que merece, quando for evangelizado pelos novos
apóstolos" (Ensayo, Cap. V, in obras compl., tomo II).
Entrementes, e como "todo o Direito, enquanto Direito e não uma injustiça, tem por
finalidade proteger uma existência moral" (Tredelenburg), cabe à lei, em face da crise que
agride tão fundamente a moral, defender os seus princípios, na medida exata da agressão,
sob pena de incidir na inocuidade.
Não se contesta — porque está na ordem do dia de todas as discussões — que a
ferida está a exigir a cauterização extrema.
Assim o compreendeu o emérito professor Monsenhor Dr. Emílio Silva de Castro,
possuidor de sólida preparação teológica, filosófica, jurídica e histórica.
Diversas vezes solicitado a pronunciar-se, pela imprensa e pela televisão, sobre o
momentoso problema da pena capital, decidiu-se, afinal, instado por uma editora
espanhola, que agora publica seu livro na Espanha, em castelhano, a enfrentar o problema,
fazendo-o com tal profundidade e erudição, que desfaz todos os equívocos que induzem à
perplexidade a pessoas mais esclarecidas, pois, responde com superioridade às mais
sibilinas objeções, que, em última análise, não são mais do que de natureza sentimental,
uma vez que os abolicionistas — que repudiam a pena de morte — incidem na mesma
ilusão do jovem Anselmo, de que fala Balmes: "Pensam que meditam, mas não fazem mais
do que 'sentir'; acreditam-se filósofos que julgam, quando não são mais do que homens que
se compadecem" ("Critério", cap. XIX, § 5.°).
Neste trabalho, "exposto con una erudición pasmosa (sic), razonamiento sólido y
lógico, acumulación incribile de toda clase de testimonios en todos los tiempos, iluminado
todo por la luz de la fe y movido por la preocupación de mantener en paz y en ordem la
comunidad humana" como o definiu no Prefácio da edição espanhola, o ilustre Pe.
Bernardo Monsegú, Publicista e Redator da consagrada revista católica espanhola "Roca
Viva" — neste trabalho, encontrarão os católicos menos avisados a demonstração da
perfeita correspondência entre os seus atuais sentimentos, que, ante a conjuntura social
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
clamam pela última sanção, e a sua consciência, que a repudia, por considerá-la,
ligeiramente, inconciliável com suas convicções religiosas...
O Padre Emílio, como é por todos conhecido — foi ordenado sacerdote na
Espanha, em 1925. Em 1929, prosseguiu seus estudos filosóficos em Roma, onde obteve
láurea de Doutor em Filosofia, pela ACADEMIA ROMANA DE SAN TOMMASO
D'AQUINO. De regresso à Espanha, lecionou Filosofia e outras matérias em centros de
"Estúdios Superiores". Em abril de 1934, viajou para os Estados Unidos, onde, além de
prestar assistência religiosa aos católicos de língua espanhola na cidade de Milwaukee,
pronunciou diversas conferências na "International House" da mesma cidade, e nas de
Madison, Detroit e Chicago, colaborando também na imprensa de língua espanhola de
Nova Iorque.
Atraído pelo seu velho professor de geografia, Pe. Francisco Freiria, que o
precedera na vinda ao Brasil e se entusiasmara com as nossas florestas, para aqui também
aportou, em 1935, a fim de dirigir o Patronato Escolar de "São Raimundo Nonato", no
Piauí. Posteriormente, a instâncias do emérito brasileiro Milton Ferreira de Carvalho,
transferiu-se para o Rio de Janeiro, assumindo a presidência do INSTITUTO CULTURAL
DO BRASIL, por ele mesmo fundado, que deveria criar filiais por todo o País, com o
objetivo de propiciar sólida educação moral, cívica, política e social. Ali chegando, em
1946, apercebeu-se de que, nos estatutos do INSTITUTO CULTURAL, constava,
inadvertidamente, a exigência de que seu presidente deveria ser brasileiro nato. Em vista
disso, a presidência foi transferida ao emérito escritor Tasso da Silveira, criando-se, no
INSTITUTO, a ESCOLA DE ALTOS ESTUDOS, que atendia a suas finalidades e para a
qual foi o Pe. Emílio nomeado Reitor, cargo que exerceu até sua extinção, ocorrida três
anos após.
Em 1948, foi ele convidado pelo Magnífico Reitor da "Universidade do Brasil" —
hoje "Universidade Federal do Rio de Janeiro"— para ministrar, durante três anos
consecutivos, cursos e conferências, sobre problemas atuais de Filosofia.
Concomitantemente, recebeu convites para lecionar em várias Universidades do Rio e de
Petrópolis.
Além do grau de Doutor em Filosofia, Pe. Emílio é Bacharel em Filosofia y Letras,
pela "Universidade de Santiago de Compostela", Espanha; Doutor em Filosofia, pela
"Universidade Federal do Rio de Janeiro"; Livre Docente e Doutor pela "Universidade do
Estado da Guanabara"; Reitor da "Escola de Altos Estudos do Instituto Cultural do Brasil";
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membro titular do "Instituto de Cultura Hispânica", de Madrid, e do "Instituto Brasileiro de
Cultura Hispânica", do Rio de Janeiro; Comendador da "Orden de Isabel la Católica", da
Espanha; Presidente da sociedade cultural "Força Renovadora", do Rio de Janeiro; membro
titular da "Academia Internacional de Jurisprudência e Direito Comparado", do Brasil;
Presidente da "IBEC Ibero-brasileira de Estudos e Cooperação"; Vice-Presidente da
"Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas", do Rio de Janeiro; Professor
Emérito e Decano da "Faculdade de Ciências Jurídicas", hoje "Universidade Gama Filho";
Professor do Curso de Mestrado em Filosofia da "Universidade Católica de Petrópolis";
Professor de Filosofia, Matemática, Língua Grega e outras disciplinas em Centros
Eclesiásticos Superiores, da Espanha; Professor de Metafísica e de Filosofia Social na
"Universidade de Santa Úrsula", do Rio de Janeiro; Professor de diversas matérias nas
seguintes unidades da Universidade Pontifícia, do Rio de Janeiro: "Faculdades de Filosofia
e de Direito", "Curso de Direito Canônico", "Escola de Serviço Social", e "Escola de
Jornalismo"; Professor de Cultura Religiosa na "Universidade Notre Dame", do Rio de
Janeiro; Professor de Direito Público e Constitucional da Igreja, na "Universidade
Internacional Pro Deo", filial do Brasil; Professor Visitante da "Universidade Autônoma de
Guadalajara", no México; Professor de História do Direito Canônico no "Instituto Superior
de Direito Canônico", do Rio de Janeiro, "etc.
Fecunda é a sua produção intelectual, que lhe grangeou o respeito no cenário
nacional e internacional de eminente filósofo, teólogo, canonista e polemista como o
revelam meia centena de publicações, entre as quais não nos furtamos de ressaltar: "El Plan
General de Estúdios de las Universidades Espanolas de 1824" Roma, 1926; "De
demonstratione tum deductiva tum inductiva", tese do doutorado em Roma; "À prova
ideológica da existência de Deus"; "Para uma definição do Existencialismo"; "Los médios
sobrenaturales en la formación de la personalidad"; "Nova Fundamentação Metafísica da
Ordem Moral"; "Filosofias da Hora e Philosophia Perennis"; "Visão objetiva do Saber";
"Presença da Filosofia Árabe na Síntese Tomista"; "Santo Tomás, Avicena e Averroes";
"Auto-retrato Filosófico"; "Averroes y Santo Tomás"; "San Agustin y la Pena Capital"; "El
libre albedrío: solución de la más grave antinomia que su estúdio presenta"; "Un renovador
da Filosofia Perene: Amor Ruibal"; "Em torno dei concepto de Philosophia perennis"; "El
Magistério espiritual de Santa Teresa de Jesus"; "Monsefior Escrivã de Balaguer y sua
Obra"; "A Promoção Social Dever de todos os Cidadãos"; "Espanha Transmissora da
Cultura Greco-Árabe"; "La Orden de la Merced en el Brasil"; "No Centenário de um
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Sábio-Amor Ruibal"; "Cristo na Eucaristia-Mistério de Fé"; "El Estúdio de la Historia de
La Filosofia — Elemento imprecindible para llegar a uma comprensión adequada dei
Humanismo Pruridimencional"; colaborador da "Enciclopédia Espasa", do "Dictionaire de
Theologie Catholique" e do "Dictionaire de Spiritualité Chretienne"; "Variações sobre a
Pena de Morte"; "A Verdade sobre a República Dominicana"; "Centenário de Nascimento
de Menéndez Pelayo"; "Manual de Piedade Cristã"; "Porquê el Dia de Acción de Gracias
em Hispanoamérica"; "El Renacimiento de Galícia"; "O Pão Nosso de Cada Dia" etc. etc.
etc.
Dominando oito idiomas — grego, latim, alemão, italiano, inglês, francês, espanhol
e português — possui o Pe. Emílio seletíssima biblioteca, com mais de 60.000 volumes,
que lotam todas as dependências de sua residência, onde, discípulos, colegas e amigos
pesquisam sobre os mais variados temas de Filosofia e ciências afins.
Toda sua vasta cultura ele a consagra ao serviço da Igreja, defendendo a ortodoxia
católica, "cuja intransigência salvou o mundo", na expressão feliz de Donoso Cortês
("Ensayo"), fazendo-o com aquela argumentação erudita imbatível, com a veemência de
sua índole peninsular e com a tranquilidade de consciência do justo, de que fala Santa
Catarina de Siena, "porque durante toda sua vida soube guardar bem, ladrando quando
passavam os inimigos que queriam' assaltar a cidadela da alma" ("Diálogo"), ao contrário
dos "cães mudos" — "canes muti non valentes" — anematizados pelo profeta Isaías
(LVI/10).
Todos os grandes sistemas filosóficos e religiosos têm por finalidade a realização
do homem como homem. E o critério dessa realização está condicionado ao conceito que
cada qual empresta ao seu destino, temporal ou eterno.
No mundo moral, como no mundo físico, uma desordem arrasta uma centena de
outras ("Dans le monde moral comme dans le monde physique, un désordre moral entreine
cent autres"), conforme observa Diodato Lioy, em sua "Philosophie du Droit", 1887, p.
305.
"Todo erro filosófico — lembra Ventura de Raulica — não é, no fundo, senão a
negação da existência da alma ou da realidade do corpo do homem, assim como toda
heresia em matéria religiosa não é, no fundo, senão a negação da humanidade ou da
divindade de Jesus Cristo" ("Conferences", 182, p. 2/3).
E a razão no-la dá o Doutor Angélico: "O primeiro dano que o homem sofre em
consequência do pecado é a desordem do entendimento; o segundo é incidir na pena
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
correspondente" ("Suma contra os Gentios", Liv. IV, LXXII, vol. II, p. 863, da ed. da
BAC).
O Direito Penal não poderia furtar-se a tais contingências, uma vez que todo o
fundamento do direito de punir está condicionado à aceitação ou repúdio do livre arbítrio,
vale dizer, da responsabilidade moral do agente.
Assim, para a Escola Clássica, espiritualista, o crime é a violação consciente e
voluntária da lei penal. Para essa Escola, o livre arbítrio é da essência do Direito Penal.
Consequentemente, a pena somente é justa, se o agente tiver praticado a ação,
voluntariamente e na plenitude do exercício de sua responsabilidade moral.
Por sua vez, a pena tem uma tríplice finalidade: medicinal, reparadora e exemplar
— corrigir o agente, restabelecer a ordem na sociedade e prevenir o crime com o exemplo.
A importância deste tríplice objetivo está em função da sociedade a que se destina,
conforme pondera Tapparelli D'Azeglio:
Assim, na sociedade doméstica, a principal finalidade da pena é medicinal, porque
o pai inflige castigo ao filho para educá-lo; na sociedade política, porém, a principal
finalidade da pena é manter a ordem externa, com a reparação do prejuízo causado pelo
crime, mediante sua ação exemplar. Evidentemente, a excelência da pena será tanto maior
quanto estiverem realizados esses três efeitos ("Diritto Naturale", vol. I, § 806).
Já, para a Escola Positiva, determinista, que não cuida da transcendência da alma,
"nenhum homem é reputado responsável moralmente por seus atos, porque nenhum possui
o livre arbítrio; mas todos são socialmente responsáveis, porque vivem em sociedade"
(Muniz Sodré, "As Três Escolas Penais", 2.a ed., p. 352).
Desse modo, negado o livre arbítrio, a vontade deixa de ser causa determinante da
ação, para se tornar simples efeito autômato de anomalias orgânicas do delinquente ou de
condições ambientais, que o induzem ao crime (Bettiol — "Diritto Penale", 5.a ed., p. 41).
Consequentemente — observa agudamente o grande e saudoso professor e senador
italiano — "se, para os positivistas, a liberdade moral, isto é, o livre arbítrio, é uma simples
ilusão de nossa consciência falaz, que não distingue o nexo entre a ação e determinados
precedentes, segue-se que não tem justificativa aquele procedimento aflitivo — a pena —
que pressupõe liberdade de escolha. Não imputabilidade, responsabilidade, mas
periculosidade do réu — eis o título que justifica uma sanção penal ou a aplicação de
medida de segurança. O coração do sistema penal positivista está, pois — conclui Bettiol
— no conceito de 'periculosidade social', vale dizer, na probabilidade
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
de que determinado indivíduo, em virtude de certa anomalia, possa praticar atos
socialmente danosos".
"Isto posto, a medida de segurança se aplica, não em função da gravidade do fato
criminoso, mas do grau de periculosidade do agente... Desse modo, será, geralmente, por
tempo indeterminado, porque não se pode saber, 'a priori', quanto tempo poderá durar a
anomalia, a doença, a periculosidade" (ob. cit. p. 41).
Nosso Código Penal de 1940, então, fez u.m conúbio incestuoso: "Nele — reza sua
'Exposição de Motivos' — os postulados da Escola Clássica fazem causa comum com os
princípios da Escola Positiva". "A autonomia da vontade humana — prossegue — é um
postulado de ordem prática (sic!), ao qual é indiferente (!) a interminável e insolúvel
controvérsia metafísica entre o determinismo e o livre arbítrio"...
Institui, assim, o "duplo-binário" — pena e medida de segurança (que não é senão
uma sobrepena). Vale dizer, cumpre o réu a pena principal, proporcionada ao delito,
porque reputado moralmente responsável, conforme os postulados da Escola Clássica; em
seguida, sofre a medida de segurança, indeterminada, até a cessação da periculosidade —
mercê dos princípios da Escola Positiva...
As consequências não se fizeram esperar. Por delitos de pequena monta, mesmo
contravenções penais, permaneceram e permanecem indivíduos nos institutos de
"reeducação", por tempo indeterminado, com desprezo à elementar norma da
proporcionalidade da pena à infração.
Reconheceu a falência do sistema o legislador do Código Penal de 1969, que
suprimiu a medida de segurança, reservada apenas aos delitos praticados por doentes
mentais.
Judiciosa a observação de Afrânio Peixoto: "Todos os Códigos Penais foram, e são,
'clássicos'; a Escola Positiva só tem por si os códigos teóricos projetados" ("Criminologia",
p. 41, "Guanabara",1933).
Tais as desastrosas consequências de uma escola filosófica engendrada pelo
positivismo, que Gruber qualifica de "une grande mystification, favorisée par 1'esprit vain
et superficiel d'un siècle de demi-savants" ("Le Positivisme", 1893, p. 497, ed. Lethielleux,
Paris).
Pois bem. Contemplando o mundo "das alturas católicas", como diria Donoso
Cortês, vale dizer, sob o prisma do Catolicismo, "que es el Cristianismo completo, la
síntesis más portentosa que ha brillado entre los hombres", uma vez que "todos los grandes
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
problemas dei origen y destino están resueltos por él" — Pe. Emílio, com seu trabalho, "de
erudición pasmosa", vem desanuviar os espíritos recalcitrantes, demonstrando a
legitimidade, a eficácia, em face da conjuntura social, a necessidade da aplicação da pena
maior, com apoio: no consenso universal, na Bíblia — Antigo e Novo Testamento; no
Magistério da Igreja e nos teólogos, filósofos e juristas de grande porte.
"Se é verdade — adverte Tapparelli D'Azeglio — que a razão não deseja outra
coisa senão a verdade, de qualquer maneira que seja esta apresentada, a autoridade já
forneceu, na ordem 'abstraia', uma solução irrefutável à questão. E esta autoridade é de tal
natureza que somente um insensato poderia recusar: 'Uma vez que quase todas as
sociedades públicas têm aplicado a pena de morte, o gênero humano a reputa portanto
lícita. O legislador inspirado do povo hebreu, escrevendo sob o ditado do próprio Deus,
inscreveu a pena de morte nas suas leis penais; consequentemente, a revelação divina
proclama que a pena de morte é lícita no seio da sociedade". "In concreto", "a solução
filosófica do problema se reduz a decidir:
1.° — se a pena de morte pode ser necessária ao restabelecimento da ordem;
2.° — em que circunstâncias ela é necessária". E conclui: "a pena de morte é lícita por sua
natureza, porque ela pode ser um meio eficaz e necessário, com vistas aos diversos
objetivos da pena e, especialmente, tendo em vista a segurança pública". E arremata: "A
pena de morte deve (sic) ser aplicada, quando se constitui um meio necessário ao
restabelecimento da ordem violada, especialmente para o restabelecimento da segurança
pública" ("Saggio Teoretico de Diritto Naturale", Vol. I, §§ 831 e 832, Cività Cattolica —
Roma, 1928, 4.a ed.
Vincenzo Manzini, um dos maiores criminalistas modernos, em seu monumental
"Trattato di Diritto Penale", embora por outro ângulo, afina no mesmo diapasão:
"A questão da pena de morte — argumenta — tem para nós caráter político, não
filosófico, e muito menos de direito penal, sob cujo aspecto se pode examinar se ela é
conforme ou contrária aos princípios gerais em que deve inspirar-se o próprio direito. E
como, pelo hodierno direito penal, o objetivo essencial da pena é assegurar a observância
dos preceitos penais por parte de todos, em função da conservação e reintegração da ordem
jurídica, não se pode, seriamente, desconhecer que a pena de morte, no tocante à prevenção
da delinquência, seja idônea a tal fim.
"Também não se deve considerar que essa pena seja contrária ao espírito de
qualquer regime político. 'Eclesia non sitit salguinem'. Portanto, a Igreja, como
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comunidade universal dos católicos, não pode adotar a pena de morte. Mas o Estado da
Cidade do Vaticano, enquanto organização política e não simplesmente religiosa, admite a
pena de morte, por atentado contra a vida, a integridade ou a liberdade pessoal do Papa
incondicionadamente, e, ainda, por atentado contra Chefes de Estado, se tal pena é
cominada pela lei do respectivo país a que pertence o sujeito passivo do crime, conforme a
lei Vaticana de 7 de junho de 1929, art, 4.°. Tal pena não é contrária ao espírito dos estados
totalitários, como se experimentou na Itália. Na Alemanha, uma reforma nazista de 1933
cominou a pena de morte para os mais graves delitos, com efeito retroativo. A pena capital
não contrasta também com o espírito do Estado liberal democrático, monárquico ou
republicano. Tanto é verdade, que a Inglaterra, os Estados Unidos, a França têm mantido e
executado, sem parcimônia, a mesma pena. O mesmo se deve dizer dos Estados socialistas
e comunistas, valendo para todos o exemplo dá União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas russas.
"A pena de morte, portanto — repete — não contrasta com nenhum sistema
político, mas sobretudo com as ideias de certos filósofos ou 'filosofegianti', para os quais as
necessidades políticas parece não terem valor.
"Não é necessário remontar aos nossos maiores filósofos e criminalistas para
encontrar os corifeus da absoluta abolição da pena de morte, mas sim aos mais
sanguinários campeões da Revolução Francesa, como Robespierre e aqueles filósofos que
infestaram nossa ciência no século passado.
"Quem examine, sem ideias preconcebidas, todos os argumentos de caráter lógico
até agora excogitados contra a pena de morte, deve convir em que são evidentemente
sofistas".
Em seguida, o grande criminalista examina e refuta, com lógica irrespondível, os
argumentos mais encontradiços sobre sua aplicação, tais como sua inutilidade,
inseparabilidade e o tão decantado erro judiciário.
"A pretensa inutilidade da pena de morte — prossegue Manzini — é um absurdo
evidente, porque, admitindo a ineficácia dessa pena, dever-se-ia, necessariamente,
reconhecer a inanidade de todas as penas, para abolir a delinquência. A pena de morte é
útil como prevenção, porque tem a máxima força intimidativa, o que é demonstrado pela
experiência". "Se se conhece o número daqueles que foram condenados por crimes capitais
malgrado a pena de morte, não se pode saber quantos são aqueles que se abstiveram de
semelhantes delitos, por medo de tal pena".
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
"Quem tem a prática" dos piores delinquentes não ignora como eles são
calculadores meticulosos e precisos das consequências dos seus crimes; e ninguém virá
negar que a previsão da pena dê morte constitua um motivo ioibiíórkr não desprezível".
Em abono de tal assertiva,. Hans von Hentig, professor de criminologia na
Universidade de Bonn, Alemanha, nos fornece exemplos expressivos: "Willian Cofee
resolveu matar a esposa e levou-a do Estado de Iowa, onde havia pena de morte, para o de
Wisconsin, cuja maior pena era a de prisão perpétua, e lá a executou.
"Meiko Petrovich levou sua mulher do Estado da Pensilvânia, onde havia pena de
morte, para Detroit, e ali a matou, confessando que a havia levado para o Estado de
Michigan, porque aqui estava mais seguro, pois ali não havia pena de morte.
"Menos feliz foi Isaad Swatelle. Resolveu matar seu irmão Iram. Com medo da
pena de morte, tratou de atraí-lo, do Estado de Massachussets, onde havia pena de morte,
para o de Maine, onde não havia tal pena. Não teve sorte, pois, errou a fronteira e o matou
no Estado de New Hampshire, onde foi executado". (Cf. "La Pena", vol. II, p. 130, Espasa
Calpe, Madrid, 1968, trad. do alemão por José Maria Rodriguez Devesa).
No tocante à irreparabilidade da pena de morte — prossegue Manzini — tal
circunstância "não pode constituir argumento decisivo contra tal pena, seja porque a
eventualidade de erro (excepcionalíssima, aliás) é própria de todas as penas, seja porque o
perdão pode interferir quando se vislumbrar uma possibilidade de erro, e seja ainda porque
se um fato é necessário, o risco de errar não pode torná-lo desnecessário, como acontece
nas operações cirúrgicas. Considere-se, ainda, que ninguém nega ao indivíduo a faculdade
de matar em legítima defesa ou em estado de necessidade, não obstante a possibilidade de
errar, tanto que a lei reconhece que o putativo equivale ao real".
"Se o temor de incorrer em erro devesse impedir a ação, toda a vida individual e
social permaneceria paralisada. A irreparabilidade da pena não pode conduzir senão a uma
única consequência: subordinar a condenação a especiais cautelas" (Relazione ai Re, sul
códice penale italiano).
Essa mesma cautela vem recomendada por Pio XII, em seu memorável discurso,
durante o VI Congresso Nacional da União de Juristas Católicos Italianos, pronunciado em
duas etapas — 5 de dezembro de 1954 e 25 de fevereiro de 1955:
"O juiz humano, que não tem a onipotência e a onisciência de Deus, tem o dever de
formar, antes de pronunciar a sentença, uma certeza moral, que exclua toda dúvida
razoável e séria sobre o ato externo e a culpabilidade interna". "Se, apesar de todos os
14
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
esforços para a perquirição da verdade, permanecer alguma dúvida importante e séria,
nenhum juiz, de reta consciência, proferirá uma sentença condenatória, sobretudo se se
trata de uma pena irremediável,como é a pena de morte.
"Na maior parte dos delitos — acrescenta o Sumo Pontífice — o comportamento
externo reflete, suficientemente, o sentimento interno, de que procedeu. Portanto, como
regra geral, pode-se — e, algumas vezes, deve-se — extrair do externo uma conclusão
substancialmente exata, se não se quiser tornar impossíveis as ações jurídicas entre os
homens.
"Por outro lado, não se deve esquecer de que nenhuma sentença humana decide em
última instância e definitivamente da sorte de um homem, senão, unicamente, o juízo de
Deus, tanto relativamente a cada um dos atos particulares, como em relação à vida eterna.
"Portanto — arremata — em tudo aquilo em que os juízes humanos errarem, o Juiz
Supremo restabelecerá o equilíbrio: em primeiro lugar, imediatamente depois da morte —
no juízo definitivo sobre a vida inteira do homem; e, depois, mais tarde e mais
amplamente, na presença de todos no último juízo universal" (Cf. BAC — "Doutrina
Pontifícia", vol. 194, p. 501-502).
Como é intuitivo, essa certeza do juízo de Deus empresta um efeito salutar sobre a
pena de morte, como observou o grande criminalista católico, professor e senador italiano,
Giuseppe Bettiol:
"Quando se tem da emenda uma concepção espiritualista e se admite,
consequentemente, a sobrevivência da alma individual, a pena de morte, enquanto desperta
a alma do condenado, coloca-o de fronte às mais altas responsabilidades morais e
religiosas, e pode determinar uma 'conversio ad Deum', que ilumina retrospectivamente,
nos últimos momentos, toda uma vida" ("Diritto Penale", 11.* ed., p. 767).
Exemplo expressivo dessa "conversio ad Deum" foi a de Dimas, o bom ladrão, que,
no último instante, ganhou o Paraíso, graças à pena de morte...
E Hans Von Hentig informa que, segundo o Dr. Squire, médico da penitenciária de
Sing Sing, "de cento e trinta e oito condenados à morte, somente cinco recusaram o auxílio
do sacerdote: a maioria ia para a morte com o convencimento de que seus pecados haviam
sido perdoados" ("La Pena", II, p. 52, nota ti. 117).
Vem a pelo, a observação de Santo Tomás:
"O castigo não pressupõe sempre uma culpa, embora exija uma causa. A medicina
nunca priva de um bem maior para conseguir um bem menor, mas causa um menor para
15
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
preservar o maior. E como os bens temporais são menores que os espirituais, pode alguém
receber um castigo temporal, sem culpa, para evitar um mal espiritual. Daí, castigos
temporais, sem razão aparente para o homem, mas conhecida somente de Deus" ("Suma
Teológica" 2-2 q 108 — Da Vingança).
"Aquilo que é acaso aos olhos de nossos conselhos incertos é um desígnio
consertado num Conselho mais alto" — dizia Bossuet, encerrando seu "Discours sur
l'Histoire Universelle", escrito para o Delfim da França.
"L'unico argomento considerabile contro la pena di morte — arremata Manzini — è
quello sentimentale, delia ripugnante atrocitá di codesta sanzione. Ma esso non può valere
soltanto quando le condizioni sociali sono tali da farritenere indispensabile la pena
capitale" (ob. cit. vol. III, n. 527, ed. Torinense, 1950).
Essa natural repugnância deve porém ser superada, ante a consideração do número
de vítimas poupadas com a execução de um criminoso de alta periculosidade:
"D. João VI, quando no Brasil, viu diante de si um miserável, que lhe pedia
clemência, depois de ter matado um sacerdote. Antes, já havia sido indultado pelo
assassínio de uma mulher grávida. 'Não o indulteis — ponderou o Conde D'Arcos — este
homem cometeu um crime infame'. — 'Um? — retrucou o rei — ele cometeu dois!' —
'Não senhor, um só -— atalhou o Conde — o segundo foi Vossa Magestade quem o
cometeu, porque não deveria ter perdoado o primeiro a tão grande criminoso'. O criminoso
foi enforcado, e o Conde D'Arcos continuou sendo Conselheiro do Rei" (Ramón Muííana
— "Nuevo Catecismo en Ejemplos", verbete n. 3.288).
Não poderia encerrar estas, considerações, absolutamente dispensáveis, ante a
magnitude desta obra, que fala "per se", sem transcrever, como arremate, a palavra
definitiva do Doutor Angélico.
"Se for necessário à saúde de todo o corpo humano a amputação de algum membro
que estiver infeccionado e possa contaminar os demais, tal amputação seria louvável e
saudável. Pois bem, cada pessoa singular se compara a toda comunidade; e, portanto, se
um homem for perigoso para a sociedade e a corrompe por algum pecado, louvável e
saudavelmente se lhe tira a vida para a conservação do bem comum, pois, como afirma São
Paulo, 'um pouco de levedura corrompe toda a massa' (I Cor. V, 6).
"Por conseguinte, embora matar ao homem que conserva sua dignidade seja em si
um mal, sem embargo, matar ao homem pecador pode ser um bem, como matar uma besta,
16
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
pois, como diz Aristóteles, 'pior é o homem mau que uma besta' ("Suma Teológica, 2-2 Q.
64,art. 2, "In" BAC, vol. 152, p. 433/434).
Ítalo Galli
Ex-Presidente do Tribunal de Alçada Criminal e Desembargador
aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
17
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
PROPUGNADORES E ABOLICIONISTAS
DA
PENA CAPITAL
Pois se não quereis perder vosso reino, rimava Fr. Inigo de Mendoza em seu
Regimento de Príncipes, dirigindo-se à Isabel, a Católica:
"Empregai vosso poder em fazer justiças muito cumpridas; que matando poucas vidas
corrompidas todo o reino a meu julgar salvareis de arruinar"1
Assim o fez aquela grande Rainha e os. historiadores proclamam o êxito que sua
rigorosa justiça alcançou, limpando o país de bandoleiros, ladrões.e assassinos que o
infestavam. Veio, séculos mais tarde, questionar-se a eficácia e conveniência do
procedimento justiceiro com os malfeitores, originando-se a controvérsia com alguns que
julgavam desumana e injusta a condenação à morte dos bandidos e assassinos.
"Apesar de século e meio de polêmicas não se chegou, todavia, a um acordo
unânime, nem no que respeita à essência e aos fins da pena, nem sobre a necessidade ou
conveniência da pena capital."2 Isto escrevia-se em 1954; desde então, houve no mundo
diversas alternativas, ora de reforço das leis penais, ora de abrandamento ou de campanhas
veementes em favor da abolição da pena máxima. Em 1975, .por ocasião dos processos de
Burgos e da execução de cinco terroristas, desencadeou-se uma furibunda campanha,
orquestrada por Moscou, contra a pena de morte e contra a Espanha — olvidando, muitos
dos que a secundaram, que na própria Rússia, no mesmo ano, nos meses anteriores ao de
agosto, já haviam sido executados 18 criminosos por delitos, em geral, bem menores que
os dos terroristas espanhóis. Movimento mui semelhante aos clamores que em todo o
mundo se produziram quando da execução do anarquista Ferrer, no começo da Semana
Trágica de Barcelona. É que a Revolução jamais perdoa à Espanha Católica ter sido
"martelo de hereges, luz de Trento e espada de Roma", e, por isso, periodicamente,
1
- Nicolas López Marttoez, Los Judaisantes Çastellanos y la Inquisición en tiempo de Isabel la Católica,
Burgos, 1954, p. 2.
2
- 2 H. Kiilile, Staat unâ Toãesstrafe, Munster, 1934, p. 2.
18
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
aproveita toda oportunidade para infamá-la e, se fora possível, destruí-la, para o que não
lhe faltam tão pouco filhos desnaturados e antipatriotas que a ela unem seus esforços.
Em 1958, escrevia o notável penalista Cuello Calón, em sua obra, A Moderna
Penologia: "A pena de morte legitima-se quando é merecida. Há crimes que causam horror
tão profundo que a consciência coletiva só os considera puníveis com o supremo castigo."3
Seja como for, é absolutamente certo e de experiência, que a paz e a ordem dos
povos se sustenta ou gira — segundo o símile do grande teólogo-jurista João de Lugo -—
sobre dois eixos ou gonzos: o prêmio e o castigo, "sem os quais prevaleceriam os
criminosos e não poderiam viver os homens honrados; razão pela qual bem se poderia
dizer que, de certo modo, este castigo é de direito natural"'4
Mas isto não obsta a que a Revolução, em seu desígnio de deixar inerme o poder
público, para melhor demolir a sociedade ocidental que, embora semiapóstata do
catolicismo, é, sem embargo, de raiz cristã, concentre suas baterias contra o instituto da
pena capital, muito consciente da exatidão daquela expressão proverbial: "À corrupção dos
povos nasce da indulgência dos tribunais e da impunidade dos delitos."5 Talvez nisto se
ache a razão por que, na Declaração dos Direitos do Homem, não se inclua também o
direito de o Estado infringir a pena capital, para os que, violenta e injustamente, arrebatam
dos outros o primeiro dos direitos, que é a vida.
Para uma exata compreensão do grave problema da pena de morte, creio que pode
ajudar muito, supondo um sucinto conhecimento dos argumentos de uma e outra parte,
conhecer também quais são seus respectivos defensores, ou seja, quem é quem, qual a
intenção, índole e condições de julgamento daqueles que propugnam e daqueles que
impugnam a execução dos malfeitores.
Assim, pois, vou desenhar, embora em rápidos bosquejos, as forças que militam em
ambos os campos e as razões que aduzem, de acordo com a seguinte ordem:
A) A FAVOR DO INSTITUTO DA PENA CAPITAL
01. Consentimento Universal.
02. A Pena de Morte no Antigo Testamento.
3
4
5
- Ap. Kurt Bossa, La pena de Muerte, Barcelona, 1970, p. 7.
- Joannls de Lugo, De Justitia et Jure, Dip. X sect. II n. 58 (na editio novíssima, de Lyon, 1652 I, 250).
- Ap. Universiáaâ P. Boliviana XVII (abril-junio 1952), 203, onde esta frase é atribuída a Bolívar.
19
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
03. A Pena de Morte no Novo Testamento. A Lei de Talião.
04. O Magistério da Igreja e os teólogos em face da Pena de Morte.
05. Os Grandes Homens e a Pena de Morte.
06. Justificação racional da Pena de Morte. Razão fundamental:
Restauração da ordem jurídica quebrantada.
07. Outras razões: Intimidação, segurança, tutela dos cidadãos etc.
B) ABOLICIONISTAS DA PENA CAPITAL
08. Secularização do Direito e começo do movimento abolicionista.
09. Quem são os abolicionistas.
10. O "progressismo" religioso e a Pena de Morte.
11. Razões e argumentos com que os abolicionistas tentam demonstrar
suas teses.
12. O erro judicial.
13. "Com a abolição, dizem, os crimes diminuem".
14. Os socialistas e a Pena de Morte.
15. Recuperação e reincidência dos malfeitores.
16. Brasil, exemplo de país sem a Pena de Morte.
17. Epílogo.
A) A FAVOR DO INSTITUTO DA PENA CAPITAL:
01. CONSENTIMENTO UNIVERSAL
O primeiro grande obstáculo que os abolicionistas encontram em seu caminho é a
autoridade do gênero humano, que se manifesta no fato evidente de que todos os "povos
hajam aplicado essa pena, em castigo de grandes delitos.6
Com efeito, toda humanidade e em todos os tempos, tanto os povos civilizados
como os bárbaros, tanto as democracias como as aristocracias, os regimes socialistas e os
ditatoriais, e até em todas as religiões, foi admitida e legitimada a pena capital. Como diz
bem Zelmar Barbosa: "convém assinalar que não tem havido civilização — nem religião—
6
- Mr. Leven inicia a Introduction a De la Peine ãe Mort, de Mittermaier, Paris, 1865, com estas palavras:
"No começo do último século — o XVIII — .a pena de morte era admitida por iodos os povos."
20
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que de alguma maneira não a tenha aceitado. Desde a antiga Grécia até a revolucionária
França; desde os egípcios até os modernos norte-americanos; desde os judeus do Antigo
Testamento até os Pontífices Romanos, passando pelo Evangelho, todos, sem exceção, têm
justificado e legislado sobre a Pena de Morte."7
E então, que pensar deste fato? Diremos que toda a humanidade conveio em
legitimar um assassinato? Mais prudente me parece a conclusão de Roberti.: "É
impossível; que um erro gravíssimo, contra um preceito fundamental da lei natural, seja tão
comumente aceito.”8 Diante de tão lógica impossibilidade, impõe-se a conclusão do sábio
Cathrein: "Nunca teriam todos os homens outorgado ao Estado o poder de infligir a pena
capital, se isso não fosse uma exigência da razão humana."9
De fato, todos os povos concederam à Autoridade Suprema da sociedade, esse
poder, o qual, "Nunquan fecissent” dizem os teólogos Noldin-Sehmitt, se não fossem
levados a isso pela mesma razão natural.10Tão claro e convincente se manifesta à razão
humana o ditame da justiça que prescreve a morte de quem a outro tirou a vida, que, como
dizia a insigne penalista Conceição Arenal — tão humana! Que até os próprios malfeitores
o reconhecem: "O homicida para defender-se nega o fato; o direito de impor-lhe a última
pena não o nega se sua razão está perfeita." E que à pergunta "Que pena merece o que
mata?" A consciência da humanidade, a do mesmo culpado responde, a Morte.”11
O Bom Ladrão reconheceu a justiça da pena; a seu companheiro, que insultava a
Jesus, repreendeu-o, dizendo-lhe: "Não temes a Deus, tu que estás no mesmo suplício? Nós
outros o temos merecido, por isso pagamos nossos crimes, porém este nenhum mal fez."12
Joana Bedoyo, jovem condenada à morte por vários crimes, disse: "Nestes últimos
momentos quero que todo o mundo Saiba que eu fui condenada à morte com justiça pelos
crimes que cometi"13 Cheia está a história de casos semelhantes.
7
- Adalberto Zelmar Barbosa, La pena de muerte y la "conciencia universal", in Verbo, de Buenos Aires, 156
(1975) 6-7.
8
- Roberti y Palasniii, Diecíonario cie Teologia moral, trad. esp. Barcelona, J. Gili, 1960, Art. Muerte, p. 819.
9
- Viktor Cathrein, Moralphilosophie, Friburgo, 4.a ed., 1904, t. II, p. 653
10
- Noldn-Sehmitt, Summ. TTieol. Mor., Ratisbona, 1939, ed. 17, II, 330.
11
- Ap. C. Amor Naveiro, BI problema de lá Pena de Muerte, 2A ed., Madrid, 1917. p. 102.
12
- LUC. XXÍII, 41.
13
- Jaime Tarragó, Pena de Muerte y Paz Social, in Fuersa NuéOa, 460 (01-XI-75), p. 18.
21
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
No primeiro ano de nossa Cruzada, recordo perfeitamente o caso de Garcia Atadell,
responsável com sua "Brigada do Amanhecer" por uns 700 assassinatos e que, detido nas
Canárias, fugindo para a América, foi condenado à pena última, e dá prisão escreveu
formosas cartas a seu amigo Indalecio Prieto, reconhecendo-se gravemente culpado e
exortando o amigo a retroceder em seus passos.
Em todo caso, o consenso universal sobre a licitude e exemplaridade da pena
capital não é algo histórico, já passado, como pretende o Professor Marino Barbero,
tratando de desvirtuar com argumentos irrelevantes e com sofismas o que chama "razão
histórica" que, segundo ele, carece do "valor de exemplo para um pensar que corresponda
à nossa época".14 É que essa convicção da humanidade não é nenhum fenômeno histórico
já passado e que portanto não corresponde ao pensar de nossa época; é, pelo contrário,
coisa atual e atuante, pois, sem dúvida, a maioria do gênero humano está com essa
convicção, e, ainda que alguns poucos países aboliram a pena capital, dentro de suas
fronteiras continua a maior e melhor parte de seus cidadãos a clamar por seu
restabelecimento. Senão vejamos.
A estatística que tenho em mãos, e da que se serve também o Prof. Barbero, é a
contida no livro Capital Punishment, publicado em 1962 pelo Departamento Económico e
Social da ONU,15cuja composição, porém, não é da Secretaria das Nações Unidas, senão
obra particular do apaixonado e nada honesto abolicionista Marc Ancel, apesar do qual,
Barbero, J. Berdugo, Garcia Valdês e outros abolicionistas a apresentam e utilizam como
pensamento da ONU.16
Segundo esse Report de Ancel que, repito, não é nada confiável apesar dos
malabarismos e contas raras que faz o autor com as estatísticas para diminuir o número de
países que mantêm a pena capital e aumentar o de abolicionistas,17 ainda assim resulta que
a grande maioria dos países do globo conservam em sua legislação a pena última; e, repito,
14
- Marino Barbero Santos, Estúdios áe Criminologia y Bereehô Penal, VaUadolid, 1972, p. 147,
- Capital Punishment, United Nations, New York, 1962, p. 1.
16
- Advirto já desde agora, ao leitor interessado, que, como mais adiante exponho e provo, os mais
ardentes e famosos abolicionistas de nosso tempo carecem de toda probidade científica e moral, pois
mentem e falsificam os dados de relatórios e estatísticas.
17
- É gracioso, por exemplo, que os Estados Unidos, onde 42 dos 50 Estados da União mantêm a pena de
morte, figure como um dos países retencionistas; mas na lista dos países abolicionistas, para aumentar seu
número, insere Ancel um a um os outros seis Estados abolicionistas.
15
22
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
naqueles em que foi abolida, grande é o clamor do povo por sua restauração. Demos uma
olhada nos países mais em foco e que recentemente aboliram a pena capital.
Inglaterra — "Em março de 1960 o Instituto Gallup dava a conhecer que 78% da
opinião pública era decidida mantenedora da penalidade máxima."18
Uma sondagem da opinião pública inglesa (em 1975) "mostra que 88% deseja ver
restaurada a pena de morte para homicidas".19 Depois da abolição decretada em 1969,
"nove, de cada dez ingleses, opinam no sentido de que a pena de morte deve ser
reintroduzida".20
Estados Unidos — Havendo a Suprema Corte, em 1972, declarado inconstitucional
a pena de morte, ficou praticamente abolida no país; porém logo se fez ouvir o clamor
público pedindo seu restabelecimento. Uma sondagem do Instituto Gallup manifestou que,
de cada 5 ianques, quatro eram partidários da manutenção da pena capital.21 À vista da
espantosa "onda de crimes" que se desencadeou depois dessa mitigação de 1972, moveu-se
"uma grande campanha nos meios de comunicação nacional e social para que a Suprema
Corte de Washington imponha a pena de morte em toda a nação".22
Alemanha — Uma importante revista dos advogados alemães "organizou um
inquérito entre 17.000 advogados e notários sobre a pergunta: Pró ou contra a pena capital?
O resultado foi que 83% dos interrogados se mostraram favoráveis à pena"-23 Múller
Meinungen, desalentado com a pouca correspondência do público com suas ideias
abolicionistas, termina sua exposição com este sonho: "Dia virá em que o grande poder da
opinião pública deverá ratificar um NÃO, claro e incondicional, à pena de morte." 24 No
ano de 1958 — a abolição havia sido decretada em 1949 — diz Garcia Valdês que 80%
dos alemães se mostravam a favor da manutenção e aplicação daquela penalidade, como
freio da delinquência.25
18
- C. Garcia Valdês, in Vários, La Pena de Muerte. 6 respuestas, Madrid, 1978, p. 141.
- Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ll-XII-75.
20
- Barbero Santos, in Vários, La Pena de Muerte, Madrid, 1978, p. 62.
21
- Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18-111-72.
22
- G. Prieto Cifuentes, Ola de Crimines en los Estados Unidos, in Ecclesia, n.° 1680 (23-11-74), p. 261.
23
- Ernest Muller-Meinungen, Toãessstrafe unã õffentliche Meinung,in Vários, Die Frage der Todesstrafe,
Miinchen, 1962, p. 110.
24
- Ibid., p. 119.
25
- in Vários, La Pena de Muerte, Madrid, 1978, p. 140.
19
23
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
França — "Uma pesquisa realizada há alguns dias mostrou que 58% dos franceses
são favoráveis à manutenção da guilhotina."26 Em 1975, 83% eram favoráveis, "enquanto
só uns 13% eram de opinião contrária".27 Em 1978 permanece a mesma proporção do ano
anterior.28 Por isso, dizia Pierre Pujo que os abolicionistas encontram em seu caminho um
obstáculo: "A afirmação pública, cujas sondagens têm indicado, até o presente, que ela
permanece oposta à supressão da pena de morte."29
Claro está que para os inflamados democratas de França, como da Espanha, não é
questão de dever submeter-se à lei da maioria, quando vai contra suas teses subversivas.
Assim, depois de uma intensa campanha, em que se lança mão de todos os meios para
manipular a opinião e fazer crer ao público que a abolição está na linha do progresso
moderno, ainda que com isso não se chegasse a apagar de todo a luz natural da maioria,
todavia, diminuiu-se o poder de resistência e à custa do bem-estar, da segurança e do viver
tranqüilo do povo honesto, implanta-se a lei e os partidários da Revolução celebram seu
triunfo, e regozijam-se, em uníssono com os malfeitores.
02. A PENA DE MORTE NO ANTIGO TESTAMENTO
É indubitável, e nenhum crente porá em dúvida, que Deus é o Supremo Senhor da
vida e que, por conseguinte, pode transmitir às autoridades temporais, por Ele ordenadas
em toda sociedade, o direito sobre a vida e a morte e portanto o de infligir a pena capital
em caso de necessidade. Que assim o tem feito em certos casos, e para determinados
delitos, atesta-o claramente a Sagrada Escritura.
Já no Gênesis, diz Deus a Noé: "Quem derrame o sangue humano, por mão humana
será derramado o seu; porque o homem foi feito à imagem de Deus." 30 No Êxodo,
promulgado o Decálogo, continua o Legislador: "Quem ferir um homem, querendo matálo, será castigado com a morte"31 e com mais ênfase, dois versículos mais adiante, no
mesmo capítulo: "Se alguém, premeditada e insidiosamente matar seu próximo, até de meu
26
- as Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6-X-81.
- Ya, 20-11-75.
28
- O Globo, Rio de Janeiro, 26-1-76.
29
- Pierre Pujo, Le Debat sur la Peine de Mort, in Aspects ãe la France, n.° 1604 (21-VI-79), p. 1.
30
- Gen. IX, 6.
31
- Ex. XXI, 12.
27
24
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
altar o arrancarás para dar-lhe morte."32 No Levítico reitera-se concisamente o castigo:
"Quem ferir e matar um homem, seja morto irremissivelmente."33
No livro dos Números, para evitar um possível erro no juízo, exige-se que sejam
várias as testemunhas do crime. "Todo homicida será morto por depoimento de
testemunhas; uma só testemunha não basta para condenar à morte um homem", e continua
o hagiógrafo: "O sangue (do inocente) contamina a terra e não pode a terra purificar- se
com o sangue nela vertida, senão com o sangue de quem o derramou."34
É pois evidente que Deus permite e que é lícita a execução dos réus de homicídio.
Porém, há mais; pelo teor dos textos, vê-se claro que não contêm somente uma permissão,
"trata-se — dizem os eminentes biblistas Schuster e Holzammer — de uma obrigação que
o Senhor da vida impõe ao homem, de castigar com a morte todo assassino,35 ou como se
expressa Welty: "No Antigo Testamento não somente se aprova como ação lícita a
execução dos criminosos, como também é algo expressamente aprovado e mandado por
Deus-" 36 Acrescente-se, a essa obrigatoriedade do castigo, a reiterada proibição de
conceder indulto ao homicida.37
Todavia, como essa que diríamos divinização do poder social, para o castigo último
dos delinquentes, se tornou muito incomoda aos abolicionistas e sobretudo aos pretensos
católicos progressistas, optam por negar gratuitamente sua validez atual, dizendo que
aquele foi tão só ordenamento jurídico para um povo em particular, mas que não tem valor
universal.
Entretanto, no Antigo Testamento existem preceitos morais, cerimoniais e
judiciários. Estes dois últimos, desde a morte do Redentor, cessaram por completo,
tornando-se letra morta. Quanto aos morais, é doutrina comum entre os doutores, que eles
se fundamentam, reproduzem e consubstanciam o direito natural, e, portanto, mantêm
perfeita vigência na Lova Lei, não enquanto formulados por Moisés, senão enquanto têm
32
- Ex. XXI, 14.
- Lev. XXIV, 17.
34
- Num. XXXV, 30-33.
35
- J. Schuster und HJ. B. Holzammer, HanâbucTi zur biblischen Geschichts, Friburgo, 7» ed., 1910, tomo I,
p. 230.
36
- Èberhard Welty, Cat. Social, Barcelona, 1957, p. 91.
37
- Gen. IX, 5 s., Ex. XXI, 12-27, Núm. XXXV, 31.
33
25
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
por autor a Deus Criador da natureza humana e a Jesus Cristo que os confirmou: "Non veni
solvere legem seâ adimplere."38 "Não vim ab-rogar a lei, mas cumpri-la."
Ou de outro modo. Sendo Deus o autor da sociedade humana, outorgou sem dúvida
aos governantes todos aqueles poderes que são necessários para manter a vida política e
pacífica dos cidadãos, um dos quais, indispensável, é o de infligir castigo aos malfeitores,
sem o qual não poderia subsistir a república. É pois indubitável que a autoridade pública
pode licitamente privar da vida os delinquentes. Este poder é de direito divino, natural,
segundo o sentimento unânime
dos católicos — communis catholicorum sensus — diz João de Lugo, "porque se a nação
não pudesse defender-se convenientemente dos malfeitores, castigando-os e ainda
matando-os quando fosse necessário, seria por eles gravemente perturbada”.39
03. A PENA DE MORTE NO NOVO TESTAMENTO: A LEI DE TALIÃO
Jesus Cristo é o eixo da história humana, o ponto central dos tempos. Antes d'Ele, o
mundo antigo; depois d'Ele, o mundo moderno. No antigo reinava o temor; no novo,
impera o amor. Jesus
Cristo manifesta-nos a paternidade divina. Deus é nosso Pai, Deus é amor, mas, antes de
tudo, introduz uma grande inovação: que devemos amar a nossos inimigos.
Quer isto dizer, como com ênfase proclamam muitos abolicionistas, que os
castigos, e sobretudo a pena máxima, são antievangélicas? Não conseguem aqueles
distinguir a ordem da justiça, da ordem da caridade, e contrapõem essas duas virtudes
como se a justiça fosse equivalente à vingança e ódio e portanto oposta à caridade. Isto é
gravemente errôneo. A justiça é uma das virtudes cardeais e, até certo ponto, é aquela que
"levanta as nações"40 Jesus veio para anunciar a justiça às nações e fazê-la triunfar.41 A
Justiça faz reinar a ordem e a paz, tanto na vida individual como na social. Sem ela,
imperaria a luta entre os interesses rivais, a anarquia e a opressão dos débeis pelos fortes, o
triunfo do mal.
38
- Mat. V, 17.
- Lugo,, De Justitia et Jure, Disp. X sect. 2.a n.° 56-58. Cfr. q livro bem pensado e completo de David
Núnez, La Pena de Muerte frente a La Iglesia y ai Estado, 2.a ed., Buenos Aires, 1970.
40
- PfOV, XIV, 34.
41
- Mi. XII, 18-20.
39
26
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Nos Evangelhos está declarada e manifesta várias vezes a pena de morte. Vejamolo.
No Sermão da Montanha começa Jesus por prevenir a multidão sobre sua missão:
"Não penseis que vim para ab-rogar a Lei e os Profetas, não vim para ab-rogá-la, senão
para aperfeiçoá-la... Haveis ouvido o que se disse aos. antigos: Não matarás, o que matar
será réu de juízo... o que disser "raça" será réu perante o Sanedrim."42
Como se vê, não derroga Jesus a pena de morte que a Lei assinalava para os
homicidas, sem esperança de indulto nem de asilo, mas os judeus limitavam este
mandamento ao só fato físico de matar, sem levar em conta a ira ou o apetite de vingança e
as injúrias. Jesus confirma a prescrição mosaica, porém ensina-lhes que a ira e o rancor são
também imputáveis e merecedores, perante o tribunal divino, de análoga reprovação.
Não estão pois em oposição a caridade, a todos recomendada, e a justiça, confiada
aos que -nos governam, porque, como adverte o grande exegeta Lagrange: "Se cada um
pode renunciar a seu direito e perdoar, à autoridade não é permitido renunciar à sua missão
de fazer reinar a boa ordem social, a qual exige a punição dos delinquentes."43
No Jardim de Getsêmani, havendo chegado Judas com um grupo de pessoas,
deitaram mão em Jesus e prenderam-no. Enquanto isto, vieram os discípulos: "Simão
Pedro, que levava a espada, desembainhou-a e feriu um servo do Pontífice, cortando-lhe
uma orelha." O Senhor, dirigindo-se a Pedro, e dando-lhe uma lição de justiça, disse-lhe:
"Embainha tua espada; porque todos os que usarem a espada, pela espada morrerão"44, isto
é, todos os que se arrogarem o direito de matar, sendo os vingadores de si mesmos, os que
não têm direito à espada como os magistrados, senão que a usam por sua própria
autoridade, serão vítimas da espada.45 Porque quem a ferro mata, a ferro deve morrer. É
bem sabido, escreve Steenkiste,46 que aquela sentença de Jesus a Simão Pedro "desagrada
sobremaneira aos abolicionistas da pena de morte", pois se opõe inequivocamente a sua
tese.
Donde com meridiana claridade e de forma irrefutável se faz ver que Deus outorga
aos príncipes o direito de aplicar a pena máxima a réus de graves delitos, é no
42
43
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45
46
- Mt. V, 17-22.
- M. J. Lagrange, Evangile selon S. Mathieu, 7.a ed., Paris, 1948, p. 112.
- Mt. XXVI, 47-52; Jo. XVIII, 2-12.
- Card. Isidro Goma, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930, IV, 296.
- J.A. Steenkiste, Comm. in Matheum, Brujas, 1903, II, 906.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
interrogatório de Pilatos a Jesus. O Governador procura salvá-lo e dirige-lhe várias
perguntas, porém Jesus não lhe deu resposta — Jesus autem tacebat — Pilatos sente-se
incomodado, crê-se afrontado e trata de infundir-lhe temor com gravíssima ameaça de
morte, apoiando-se em sua autoridade suprema: "A mim não me respondes? Não sabes que
tenho poder para crucificar-te, e que tenho poder para soltar-te?" Divinamente calmo, Jesus
recorda-lhe que esse poder não é dele, mas foi-lhe dado do alto —desuper — para fazer
justiça, pois, "toda autoridade humana é delegada do céu."47 "Não terias sobre mim
nenhum poder se não te fosse dado do alto." Com isto avisava o Governador de que visse
como julgava, pois havendo recebido do céu o poder, Deus pedir-lhe- ia contas se dele
usava iniquamente. "Por isto, o que a ti me entregou, maior pecado tem", porque, se o
Governador romano, que não tinha maior conhecimento de Jesus, era culpado, bem maior
era a culpa de Caifás que em nome do Sanedrim o entregou, pois os chefes de Israel
conheciam o Senhor e sua santidade e milagres e apesar disso, com verdadeira maldade, o
haviam entregue a Pilatos.48 O que com mais claridade ressalta daquela resposta de Cristo
ao Governador romano é a doutrina, diversas vezes ensinada na Sagrada Escritura,49
segundo a qual todo poder vem de Deus e que o Divino Mestre atribui expressamente ao
juiz que aplica a pena de morte.
Barbero Santos, em seu vão intento de iludir a clara afirmação de Jesus a Pilatos,
que o poder o havia recebido do alto, sai-se com uma exegese surpreendente: Naquelas
palavras, diz, não se declara que o poder vem de Deus "significam, unicamente, que se
concedia poder, para um caso concreto, para matar a Cristo". Como! Foi-lhe concedida
licença para o deicídio! Já pois não houve pecado algum em Pilatos, estava devidamente,
ou melhor, divinamente, autorizado para "matar a Cristo". O que sem dúvida quis
significar Jesus com aquelas palavras, é exatamente o contrário dessa interpretação.
Adverte a Pilatos que o poder que tem não está a mercê de seu arbítrio, do alto recebeu-o, e
dele há de dar conta a quem lhe outorgou.
Há, enfim, outra passagem evangélica em que de novo se manifesta a justiça e a
licitude do último suplício aplicado a facínoras. É a confissão do Bom Ladrão.
Crucificados à direita e esquerda do Redentor, um companheiro insulta Jesus, porém o
Bom Ladrão interpela-o, confessa seus delitos e proclama a justiça com que se lhes
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49
- Zn. XIX, 11; Rom. XIII, 1.
- In. XIX, 12.
- Cfr. Prov. VIII, 15; Sab. VI, 4; Dn. II, 21; Rom. XIII, 1-2.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
condenou por seus crimes e a injustiça da condenação de Jesus inocente".50 "Nem tu, que
estás sofrendo o mesmo suplício, temes a Deus?" Nós outros temo-lo merecido, por isso
recebemos o digno castigo de nossos crimes; porém este nenhum mal fez."51 Sua confissão
humilde, e a aceitação do merecido castigo, valeu-lhe a entrada imediata no Paraíso.
Não só nos Evangelhos mas também em outros livros do Novo Testamento se dá
por justa a pena de morte. Ante as graves acusações dos judeus a S. Paulo, no tribunal do
Procurador Pórcio Festo, Pablo diz-lhe: "Tu sabes muito bem que nenhuma injúria fiz aos
judeus. Se cometi alguma injustiça ou crime pelo qual seja réu de morte, não recuso
morrer."52
São João, o discípulo amado de Jesus, recorda-nos o preceito da lei mosaica e as
palavras de Jesus a Pedro: "Quem a ferro matar, é preciso que a ferro seja morto."53
São Paulo, em sua epístola aos romanos, expõe com meridiana claridade as
faculdades de que está investida a autoridade pública, inclusive a de fazer uso da espada,
símbolo do poder sobre a vida dos malfeitores. "Os príncipes é magistrados só são temíveis
para os que procedem mal. Queres não temê-las, as autoridades? Pois procede bem e elas
louvar-te-ão; porque o príncipe é um ministro de Deus, colocado para teu bem. Mas se
procedes mal, treme, porque não em vão brande a espada; sendo como é, ministro de Deus,
para “exercer a justiça, castigando o que procede mal."54
A Lei de Talião — Entre outras razões, alegam os abolicionistas contra a pena de
morte, que ela significa a aplicação da antiga, "bárbara e injusta" Lei de Talião, hoje
repelida, dizem, por todas as legislações. Isto é grave erro dos abolicionistas que por
ignorância e por malícia tomam o Talião em seu sentido material e igualitário, de todo
inadmissível. O Talião é o fundamento de toda legislação penal, não enquanto prescreve
uma igualdade material ou aritmética entre o delito e a pena: "Olho por olho, dente por
dente", porque isso em muitos casos resultaria moral e impossível, senão em seu aspecto
formal ou moral, igualdade de proporção entre o delito e a pena.
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53
54
- Goma, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930.
- Lc. XXIII, 40-43.
- ACt. XXV, 9-11.
- Ap. xin, 10.
- Rom. XIII, 3-4.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
"A suprema justiça, escreve um exegeta moderno,55 é dar ao culpável o que merece
na mesma linha de sua falta." Isto é exigência da própria razão natural. "Graduar a
crueldade dos suplícios pela crueldade dos crimes."56 A humanidade inteira entendeu
sempre que aos réus de crimes graves se há de irrogar-lhes uma pena equivalente ou
proporcional a seu delito. Já no Fuero Juzgo aparece esse princípio da proporcionalidade
das penas. "Saeva temeritas severioribus poenis est legaliter ulciscenda"57 e a voz do
povo, pela boca de D. Gonçalo, diante da morte de D. João, proclama o Talião:
"Esta é justiça de Deus.
Quem tal fez que tal pague."58
Nota sabiamente o Cardeal Goma que o Talião exige "igualdade de medida e não
identidade do castigo".59
A mencionada Conceição Arenal, muito humana em todas suas intervenções
criminalistas e penais, expressa essa convicção universal com estas notáveis palavras: "O
Talião, isto é, um castigo igual ao dano que se provocou, está na consciência da
humanidade, na do ofendido e na do ofensor, em todos, é a justiça, severa, porém é a
justiça."60
Escutemos ainda outra, mais autorizada, e cheia de vigor apesar dos séculos
transcorridos. É o grande Doutor da Igreja S. João Crisóstomo: "Tu dizes ser Deus cruel
por haver mandado tirar olho por olho, pois se a Lei de Talião é crueldade, também o será
reprimir o assassino e cortar os passos ao adúltero. Mas isto só um insensato e um louco
poderão por remate afirmá-lo."
"Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja crueldade nisso, que melhor
afirmo que, em boa razão humana, o contrário seria antes uma iniquidade... Imaginemos,
senão, por um momento que toda a lei penal foi abolida, e que ninguém tenha que temer
55
- Sebastian Bartrina, Comentário ai Apoc... âe S. Juan ap. La Sagrada Escritura comentada (BAC) ,2> ed.
N. Tést. III, 740.
56
- Cóncepción Arenal, El Deréeho ãe gracia, Madrid, La Espana Moderna, 1867, p. 230.
57
- Ap. Eduardo de Hinojosa, Obras, Madrid, C.S.I.C., 1948, I, 49.
58
- Tirso de Molina, El Burlaãor de Sevilla, acto 3,°,, es. XXI.
59
- I. Goma, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930, II, 179.
60
- C. Arenal, Cartas a los ãelincuentes, carta XXX; ap. C. Amor Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte,
Madrid, 1917, p. 102.
30
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
castigo, que os malvados possam, sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar,
matar, ser perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se transtornaria de cima a
baixo, e que cidades, praças, famílias, a terra, o mar, o universo inteiro se encheria de
crimes e assassinatos? Evidentemente, porque se com todas as leis e seu temor e ameaças,
os malvados a duras penas se contêm, se essa barreira se deixara, que obstáculo ficaria para
impedir o triunfo da maldade? Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e
contra nossas vidas? Com isso juntar-se-ia outro mal menor, o deixar indefeso o inocente e
consentir que sofra sem razão nem motivo.61
Não falta, contudo, quem ainda admitindo a justiça do Talião mosaico, cuja
finalidade primária era a de restringir e moderar os excessos da vingança particular, afirma
que na Nova Lei já não tem sentido, uma vez que Jesus Cristo a aboliu prescrevendo o
perdão das injúrias em lugar da vingança.
Esta interpretação extensiva das palavras de Jesus provém, como já antes fizemos
notar, de não distinguir devidamente a ordem da caridade da ordem da justiça. Como
adverte o comentarista Steenkiste: "Aquelas palavras não as dirige o Salvador aos
magistrados mas ao comum dos homens."62 Porque se em mim a caridade está em perdoar
a quem me injuria ou me fere, o magistrado está em exercer a justiça castigando quem me
injuria e defendendo-me de quem me fere e defendendo igualmente todos os membros do
corpo social para evitar que vivam com insegurança e temor — como hoje sucede -— dos
assassinos impunes.
Esta foi em todo tempo a interpretação que a tradição católica e os doutores deram
às palavras do Divino Mestre sobre o Talião. Com elas, não se nos proíbe entregar à justiça
a punição da violência de que hajamos sido vítimas, pois isto é de direito natural e das
gentes, nem muito menos se proíbe aos magistrados infligir o castigo, ou aos príncipes a
guerra justa, porque isto é precisamente seu dever, a fim de que a justiça seja reparada, os
malfeitores castigados e a República viva toda na paz.63
04. O MAGISTÉRIO DA IGREJA E OS TEÓLOGOS PERANTE A PENA
DE MORTE
61
- Scti. «J. Chrysostomi, Opera Omnia, Migne P. L. VII, Col.- 246-7 — Eá. esp. de la BAC. 141, Madrid, 1955,
I, 324-325
62
- J.A. Van Steenkiste, S. Evang. sec. Math. Comm., Brujas, .1903. I, 241.
63
- Jacob Tirini, In S. Scripturam Commentarius, Turin, 1883, IV, 31.
31
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
A tradição cristã é praticamente unânime no reconhecimento da licitude moral da
pena de morte. "Entre os escritores da antiguidade cristã, escreve Ermecke, não se
encontra um só que haja negado formalmente a eticidade da pena capital."64 Houve, sim,
alguns como Atenágoras, Orígenes e Lactâncio que se manifestaram contra a participação
dos cristãos nas execuções. Às vezes um mesmo autor manifesta-se em uma passagem
favorável e em outro contrário à execução dos criminosos. Típico exemplo desta
ambivalência é Tertuliano, daí que seja alegado por uns e por outros em seu favor.65
Sem embargo, já Clemente Alexandrino, mestre de Orígenes, escrevendo em finais
do século II, preludia a proximidade dos grandes teólogos posteriores, que de mil formas se
serviriam da analogia por ele usada: A lei, como o hábil médico, cuida de seus clientes,
preocupa-se com os súditos, dirige-os à piedade para com Deus, ditames o que hão de fazer
e aparta-os do mal com penas oportunas, "porém, quando algum se mostra incorrigível e se
lança ao crime, então o Governante, que tem o cuidado de todos, deve, com muito justo
direito, levá-lo à morte, para que não cause dano aos demais".66
O máximo Doutor latino S. Agostinho, em sua obra principal A Cidade de Deus,
formula em termos inequívocos a doutrina cristã sobre a pena máxima: "Não procederão
contra este preceito que diz: Não matarás, aqueles que por mandato de Deus fizerem
guerras ou, investidos de autoridade pública, ao estilo das leis, isto é, ao estilo do império
da justíssima razão, castigarem os criminosos com a morte."67 Desde então para cá não
houve mais dúvida entre os doutores sobre a legitimidade e licitude da execução dos
grandes malfeitores.
Veio a confirmar esta doutrina de modo definitivo o Magistério Ordinário da Igreja,
a qual, aliás, como afirma Overbeck, "jamais pôs em dúvida o direito do Estado de infligir
a última pena".68 Tal direito do Estado, diz também Thamiry: "não foi jamais contestado
na Igreja".69 Houve sim, durante os dois milênios de vida cristã, hereges que negaram esse
direito ao poder público, como os albigenses ou cátaros, os anabatistas e também, em
nossos tempos, alguns neomodernistas ou progressistas, cuja nota distintiva é a desestima,
64
65
66
67
68
69
- Gustav Ermecke, Zur ethischen Begriinãung der Toãesstrafe.heuts, Pader, 1963, p. 10.
- B. Schupf, Das Tõtuns-Recht bei Friichristlictien Schriftstellern, Regensburg, 1958,, r*. 151-153.
- ciementis Alexandrini, Quae extant opera, Paris, 1572, Stromata, Lio; I, p. 114.
- s. Agustin, La Ciuãaã de Dios, Lib. I, Cap. 21.
- Alfreã Frhr Von Overbeck, In Staritslèxik,-- Fribuígo, in Br. 1912, V. 484v
- E. Thamiry, Diction. ãe Théol. Cathol., X-II e «Sol. 2504.
32
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
e em vários deles, a repulsa formal do Magistério da Igreja. Contra o erro dos albigenses
pronuncia sentença o grande pontífice Inocêncio III e depois Leão X.70 Por sua vez Pio XII
manifestou-se reiteradamente contra os erros modernos a esse respeito.71
É tão claro e perentório o Magistério da Igreja a respeito da licitude da Pena de
Morte, que já no século XVII o famoso moralista bávaro Sporer a dava como de fé
católica: "Licitum est occidere malefactores. Certum de fide."72 E outro moderno teólogo,
também alemão, na mesma linha dogmática de Sporer, logo para fazer constar que as
legislações de todos os povos estão de acordo em outorgar ao poder soberano "o direito de
punir com a morte os crimes da pior espécie — acrescenta — nenhum teólogo católico
negará aos soberanos este direito"73 Com plena convicção dogmática, H. Lio assevera
terminante: "Não é lícito a um católico sustentar que a pena capital é intrinsecamente
imoral."74
Não é exagero acrescentar que a tradição protestante, desde os chefes da Reforma,
Lutero e Calvino, até anos mui recentes, foi unânime na adoção da pena de morte como
lícita e plenamente justificada. Agora, a teologia protestante está cindida nesse problema.
Enquanto alguns como Althaus e Kiinneth de todo convencidos de que o Estado, como
vingador da ordem jurídica e portador de divina autoridade tem o perfeito direito de
castigar com a pena de morte os criminosos; Karl Barth, pelo contrário, julga que tirar a
vida a um semelhante, ainda em caso de própria defesa, é ilícito.75 O mesmo Barth, porém,
acérrimo propulsor do abolicionismo, constrangido por motivos irrebatíveis, viu-se
obrigado ocasionalmente a admitir a licitude da pena capital. 76
É muito singular, a respeito, a atitude de A.M. Ramsey, atual Arcebispo anglicano
de Cantuária, que no debate da Câmara dos Lordes, sobre a pena de morte, em 6 de julho
de 1956, se declarou pessoalmente a favor da abolição, porém, ao próprio tempo,
70
- Denzinger — Sehõnmetzer, Enehiridion Symaolorum, 34.a ed., Barcelona, 1967, 795 (425); 1483 (773).
- Francisco Leme Lopes, A Pena de Morte, Bio <Je Janeiro, 1957. Lopes insere o texto de várias
intervenções do Papa Pio XII sobre a Pena de Morte.
72
- Patricia Sporer, Theol. mor. super Decalogum, Venecia, 1704, II, 103.
73
- Joh. Ev. Pruner, Katholische Moraltheologie, 3.a ed., Priburgo, 1902. 1,530-33.
74
- H. Lió, in Dict. Mor. et Çoft.,."Roma, 1966, võl. III, p. 769.
75
- Cfr, W. Kiinneth, in Die Frttge ãer Toãestràfe, Munich, 1962,P- 158..
76
- G. Ermecke, op. c f t , p . 25.
71
33
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
reconheceu que os argumentos contra a pena capital fundados no Novo Testamento eram
"suposições perigosas e moralmente carentes de valor demonstrativo".77
05. OS GRANDES HOMENS E A PENA DE MORTE
Já anteriormente estimamos o consentimento universal manifestado nas legislações
e pela maioria dos cidadãos de todos os países — inclusive dos abolicionistas — sobre a
adoção da pena de morte. A isto acrescenta-se outro fato que a todo homem sábio e
prudente impressiona: Todos os grandes homens que no mundo têm sido, filósofos,
estadistas e santos, se opuseram à abolição dessa pena.
Os grandes legisladores que promulgaram os quatro códigos de leis anteriores ao de
Moisés: Código Sumério, Código Hamurahi, Leis Hititas e Leis Assírias, todos eles
incluíram a pena de morte em sua legislação, por diversos delitos, se bem que com maior
prodigalidade que no Código Mosaico, que teve a moderá-lo a explícita intervenção
divina.78
O Talião material: olho por olho, vida por vida, em seu sentido material, constituía
o princípio das legislações antigas, porém logo os grandes pensadores da Grécia
começaram a raciocinar e elevar-se sobre aquela interpretação primitiva.
Protágoras já não quer saber do castigo como vingança. "Ele é o primeiro — diz
Gompsrz — a propor o escarmento ou exemplaridade da pena."79 Platão seguirá essa
doutrina no Górgias e no Protágoras; porém tal é o respeito que sente pela ordem legal,
para a estabilidade da república, que no Criton põe na boca de Sócrates a aceitação de sua
própria morte à que por uma lei iníqua havia sido
condenado.
Aristóteles, como homem sábio, admite também o Talião, porém ele formula,
primeiro, a proporcionalidade, e não a igualdade, como condição de sua validez: "A
justiça, diz, é o Talião, porém não no sentido em que o entenderam, os pitagóricos,
segundo os quais o justo consiste em que o ofensor sofra o mesmo dano que fez ao
ofendido... O que mantém unidos os homens é o Talião, baseado, não na igualdade, senão
77
78
79
- Cfr. J.D. Halloran, in Capital Punishment, Londres, 1963, p. 54.
- Jesus Precedo, La Pena, de. Muerte en el Pentateuco, in Compostellanum, enero-marzo 1957, p. 23-24.
- Theodor Gomperz, Griechische Deríker, 4.a ed., Bedini, 1922, T, 371.
34
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
na proporção do castigo à falta"80 e prova sua asserção com vários exemplos. Em sua
Magna Ética volta o Estagirita sobre a questão. Depois de assentar que "a justiça é a
proporção" e que o justo se identifica com a Lei de Talião, não, porém, repete, "como o
entenderam os pitagóricos, isto é, segundo a igualdade, senão segundo a proporção", e
ilustra-o, entre outros, com o exemplo seguinte: "Se alguém tirou um olho de outro, não é
justo contentar-se com tirar um olho ao ofensor, senão que este deve sofrer um castigo
tanto maior, quanto exija a lei da proporção, posto que o ofensor foi o primeiro a agredir o
outro e a cometer o delito, é portanto culpável de uma dupla injustiça, e por conseguinte a
proporcionalidade exige que sendo os delitos mais graves o culpável sofra também um
mal maior que o que fez."81
Zenão e sua escola estóica, e Cícero foram partidários da pena de morte, que
justificavam como exigência da lei natural. Também Séneca ensinou que devia aplicar-se o
extermínio para os incorrigíveis.
Mas ele, sempre humanitário, com sentimentos, talvez já cristãos, quer que o
castigo seja sem ira "o bom juiz, quando dá ordem de decapitar um réu, condena, mas não
odeia"?82
Esta ideia de Séneca, porém já em linguagem evangélica, repete-a Carrara: "Sim,
castigar, eternamente castigar, é o destino imutável da humanidade." Mas no futuro, "já
não se punirá com ímpeto de caprichoso furor, mas com amor fraterno". 83 Cícero, Séneca e
os demais estóicos nunca defenderam a Lei de Talião em seu sentido material senão
sempre no de proporção, ao modo de Aristóteles. Aí têm, pois, inflamados mestres
abolicionistas que diariamente nos moem, repetindo que o Talião é algo reprovado, injusto
e bárbaro, a lição, que quatrocentos anos antes de Cristo lhes dá pai Aristóteles,
distinguindo entre o Talião igualitário, pitagórico — único que os abolicionistas aparentam
conhecer — que de modo geral não é admissível; e o Talião moral ou formal que exige
simplesmente que haja proporcionalidade entre os delitos e os castigos, norma esta que é a
usual e a base e o fundamento de toda administração de justiça penal.
A esta norma, a este Talião moral ajustaram sua atuação e exerceram a justiça
contra o crime, homens universais, benfeitores da humanidade, tais como: Teodósio o
80
81
82
83
- Ética a Nicómaoo, L. V, cap. 15 (eã. beckeriana, 1132b-1133a).
- Qran Ética, L. I, cap, XXXIII.
- éêneca, De Ira, ZjQò. I, 16.
- Fr,. Carrara, Opuscoli ãi Diritto Çriminale, 3.a ed., Prato, 1878, vol. I, p.187.
35
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Grande, Carlos Magno, o Papa Inocêncio III, Fernando III o Santo, Isabel a Católica,
Carlos V Felipe II, Washington, Napoleão, Primo de Rivera e outros grandes estadistas
que, com algumas execuções justiceiras, devolveram a paz e tranquilidade a seus povos.
Esta atitude foi sempre justificada pelos maiores e mais geniais pensadores e
juristas como Sto. Tomás, Vitória, Azpilcueta, Covarrubias, Suárez, Cervantes, Grócio,
Bodin, Selden, Lugo, Leibniz, Viço — que chamava à execução suum, do delinquente —
Afonso de Ligório, Puffendorf, Kant, Hegel etc.
Rousseau é terrível e fácil em infligir a pena capital: "Se alguém nega os dogmas da
religião natural e cívica definidos pelo soberano depois de havê-los admitido
publicamente, "seja condenado à morte", pois cometeu o maior dos crimes!"84
Kant, remanescente do pitagorismo no que respeita à pena capital, leva o Talião ao
extremo: "Quantos cometeram um assassinato, ou o mandaram, ou com ele cooperaram,
todos devem ser punidos com a morte; assim o exige a justiça como ideia que regula o
poder judiciário segundo as leis universais a priori." Foi sempre adversário dos
abolicionistas.
As objeções de Beccaria contra a pena de morte, dizia Kant que eram "sofísticas,
derivadas de um sentimentalismo e um humanitarismo afetado".85
A Kant seguiram muitos no século passado e ainda neste86. Hegel declarou-se
abertamente adversário do abolicionismo, porque "a meu parecer — dizia ele — tem contra
si a história, o direito do Estado e a razão, e por isso mesmo o verdadeiro sentimento da
humanidade".87
Partidários da pena capital foram, do mesmo modo, todos os grandes pensadores e
juristas posteriores, como Fichte, Schopenhauer, A. Ritter von Feuerbach, Filangieri,
Jovellanos, Balmes etc. Os positivistas com Comte à cabeça, que em seu Catecismo
Positivista dirige contra os abolicionistas estas duras palavras: "Tão só uma falsa
filantropia pode conduzir a prodigalizar aos malfeitores uma consideração e uma solicitude
84
- J.J. Rousseau, Contraí Social, Lib. IV, c. 8.
- Kant, Metaphysik der Sitten, II Teil AUg. Anmerk, E.I. (ed. De Vorlánder, III, 158 s.)
86
- Claus Roxin diz que a teoria da pena como compensação e expiação inflexível e absoluta do delito
constitui "uma tradição, germânica desde os tempos de Kant". Tfie Purpose o} Punishment in Law and State,
Ttibingen, 1970, vol. II, p. 67.
87
- w.p. Hegel, Grundlinien der Phil. ães Rechts, I Teil, 9-103. Cfr. A. Vera, Essais de Phil. Hegelienne, Paris,
1864, p. 2.
85
36
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que seriam bem melhor empregadas em favor de tantas vítimas honestas de nossas
imperfeições sociais"88
06. JUSTIFICAÇÃO RACIONAL DA PENA DE MORTE. RAZÃO
FUNDAMENTAL: RESTAURAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA VIOLADA
Já vimos como a pena de morte foi adotada em todos os tempos, por todos os
povos, em todos os códigos legislativos, por todos os doutores, teólogos e moralistas e por
todos os grandes pensadores e estadistas que houve no mundo; e o mais decisivo para os
crentes, que a pena capital não só foi permitida, senão ordenada preceitualmente pelo
próprio Deus e ensinada ininterruptamente pelo Magistério ordinário da Igreja Católica.
Creio que isto é mais que suficiente, não digo para um católico, que só com grande ousadia
e menosprezo do Magistério pode ensinar o oposto, senão também, para qualquer pessoa
sábia e prudente que, sem paixão e prejuízos, saiba valorar o peso ingente dessa
unanimidade humana. Esse fato é mais que suficiente, repito, para já não se por em
discussão a licitude e a legalidade onde esteja instituída a pena de morte.
Vamos, com tudo isso, expor, ex abundantia, as principais razões que abonam essa
sanção extrema.
Razão fundamental: Restauração da Ordem Jurídica Violada.
Deus criou o universo em seu duplo aspecto: Mundo físico e mundo moral, dotando
ambos de suas leis respectivas, que em sua própria natureza se manifestam, e que em seu
conjunto representam a lei universal da ordem necessária para a conservação da natureza.
O pecado e o delito são transgressões dessa ordem universal que rege o mundo
moral. O pecado, como ato puramente interno, não faz o nosso objeto, porém sim, o delito,
enquanto é violação externa e moralmente imputável da ordem social.
Muito se discutiu acerca da finalidade da pena e do direito de castigar. Já entre os
gregos foi objeto de discurso a motivação da pena, se havia de ser puramente expiatória do
delito ou correcional.89
A Doutrina que parece seguríssima, e ao abrigo de toda objeção séria, é a que vem
sendo comum entre os grandes teólogos e juristas das mais diversas escolas e que o gênio
88
89
- A. Comte, Catecismo Positivista, 9.a conf.
- cfr. Werner Jaeger, Paideia: Los Ideales de la Cultura Griega, Méjico, 1957, p. 522.
37
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
filosófico do grande, incomensurável Amor Ruibal expõe luminosamente refutando ao
mesmo tempo outras teorias divergentes, com seu habitual rigor dialético.90
Em geral todos os penalistas reconhecem que o direito de castigar se deriva do
direito de legislar, posto que o fim da autoridade legisladora é realizar o direito, de que
deriva o fundamento da pena. "Desta sorte as sanções da lei têm seu fundamento na ordem
que devem garantir e manter em equilíbrio."91
Como a missão das leis é o estabelecimento e manutenção da ordem social, quando
a lei é violada e a ordem rompida é necessário que se satisfaça na lei esta razão de sua
existência, mediante a pena, que para este fim se haja assinalado. Deste modo a pena vem
também a cumprir "os fins complementares de defesa da lei, de exemplaridade e de
correção em seu caso. . . A finalidade primária, pois, da pena é a restauração da ordem
rompida e restauração jurídica".92 No Direito Penal denomina esse fim primordial da
pena: Reabilitação do direito e reafirmação do mesmo- "Esta reabilitação, diz, constitui
utilidade suprema para o bem comum que o direito representa", não sendo assim necessário
que com a pena se intente diretamente utilidade alguma de sua realização. "É uma
profunda verdade psicológica e jurídica que o delinquente é merecedor da pena, antes que
se pense em tirar desta algum proveito quer para o delinquente quer para os demais."93
Tão clara se manifesta à razão humana e aos povos a justiça do castigo infligido aos
grandes malfeitores que o ilustre jurista, também ele, abolicionista C.J.A. Mittermaier,
anotador do famoso penalista Feuerbach não se recata de fazer a seguinte confissão:
90
- Angel Amor Ruibal, em três ocasiões diferentes, tratou da fundamentação filosófica do direito: Em 1912
publica um Estúdio sobre los princípios fundamentales dei derecho penal canónico, que ocupa as 135
primeiras páginas de seu comentário ao Decreto Máxima Cura, Santiago, 1912; em 1914 dá começo à sua
obra magna, Los problemas fundamental de la Filosofia y dei Dogma, em cujo tomo III estuda em sendos
capítulos todo o concernente à essência do Direito Natural; e finalmente em 1918 sai à luz seu Derecho
Penal de la Iglesia Católica, submetendo, nos primeiros capítulos, a rigoroso exame, as diversas teorias
sobre a natureza do Direito Penal e os fins da pena. Para os que se hajam aproximado de algum de seus
livros, folga todo comentário sobre a extrema agudeza e a penetração de suas análises. Nos últimos séculos,
não o iguala pensador algum em profundidade, nem como gênio criador, que, com penetrante rigor,
submete a exame quase toda a Filosofia e traça as linhas básicas em que há de assentar-se e discorrer todo
o pensar filosófico no futuro.
91
- Amor Ruibal, Der. Penal etc., I, 43.
92
- Amor Buibal, Estúdios etc, p. 49 e 43.
93
- Amor, Derecho Penal, vol. I, p. 36 e 43-44.
38
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
"Ainda que recentemente (1840) tem sido ardorosamente impugnada a pena de morte, os
abolicionistas não lograram que dita pena fosse considerada ilegítima nem pelos
legisladores, nem tão pouco pelos sábios."94
Já dissemos que a doutrina da restauração da ordem jurídica é o efeito da sanção
legal, inerente ineludivelmente à lei, para garantir- lhe a eficácia. Rossi dizia que, sendo o
delito uma infração ou violação da harmonia do mundo moral, a pena tinha por fim o
restabelecimento dessa harmonia, parcial-mente destruída pelo delinquente. Para Cathrein
o castigo infligido ao malfeitor "é uma espécie de reação da ordem jurídica contra a
infração do direito"95. Sto. Tomás justifica assim a pena capital: "O homem, ao delinqiiir,
separa-se da ordem da razão e por isso decai em sua dignidade humana, que assenta em
ser o homem naturalmente livre è existente por si mesmo, e se submerge de certo modo na
escravidão das bestas, de modo que pode dispor-se dele para utilidade dos demais... Por
conseguinte, ainda que matar o homem que conserva sua dignidade seja em si mau, sem
embargo, matar o homem delinquente pode ser tão bom como matar uma besta, pois "pior
é o homem mau que uma besta, e causa mais dano", no dizer de Aristóteles.96
Essa reparação da ordem violada e restauração jurídica leva-se a cabo pela
expiação que repara a desordem que o delito ocasionou.
Nem se diga, como faz Vernet97, que a reparação, quando se trata de homicídio, é
impossível pois com a morte do assassino não se restitui a vida ao outro. É evidente que a
ação lesiva da ordem, uma vez realizada, não pode dar-se por não feita. Mas seria
desconhecer a natureza dessa ordem se quiséssemos concluir, por essa impossibilidade,
que não é possível restabelecer a ordem violada. Não se reparam os efeitos da desordem,
mas a ordem que a desordem violou.
Com efeito, a ordem vital humana que se violou no homicídio não é nenhuma
magnitude quantitativa e ponderável que com outro peso igual se deva restaurar, senão
que, como todo direito, é algo ideal, e se o assassino premeditadamente elimina a vida de
outro homem, nega com seu ato o valor absoluto dessa vida, de que dispôs até sua
aniquilação. Este fato requer certamente reparação; exige que de novo seja reconhecido o
94
- A. Ritter von Feuerbach, l&hrbuch des Peinlichen Rechts, 13.s ed. — Gressen, 1840, p. 216, Anmerkung
de Mittermaier.
95
- Victor Cathrein, Principias fundamentales del Derecho Penal, Barcelona, 1911, p. 204.
96
- Sto. Tomás, Suma Teol., 2.s 2.ae„ q.64, a. 3.
97
- Joseph Vernet, Peine Capitale Peine Perdue, in Etudes CCCXV (1962), 201.
39
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
valor absoluto da vida negado pelo homicida. O extermínio da vida, daquele que por sua
ação negou o valor que a vida humana tem na sociedade e para a sociedade, mantém o
sentido de reconhecimento deste valor absoluto e pelo mesmo fato, desde o momento em
que o assassino nega o absoluto respeito à vida humana, renuncia também a seu direito à
vida.98
Assim pois, a morte do malfeitor no patíbulo não restitui a vida ao outro, porém,
como expiação, converte-a em verdadeira pena jurídica, repara a desordem causada "e
realiza a compensação do delito com um fato contrário: o sofrimento"99
Devemos notar que todos os raciocínios anteriores só têm sentido partindo da
verdade da manifestação do direito eterno na ordem social presente na qual exerce a
soberania. "Para o materialista, para o ateu que não admite essa lei divino-natural, nem a
imortalidade, a pena capital, aniquilação absoluta do sujeito, não passa de um ato
abominável e bárbaro."100
A infração grave da ordem social, a vista do assassinato de um inocente excita em
todos a animadversão contra o culpável: "Que crueldade! que infâmia!" exclama o homem
honrado. "Caía sobre esse malvado a espada da lei!" Este é o comum sentir do pessoal de
bem. Sem embargo, a este conceito notável e cristão da justiça opõe-se o abolicionismo,
com um sentido humanitarista ou filantrópico que, segundo as severas palavras de Balmes,
se reduz "a uma crueldade refinada, a uma injustiça que indigna". Pensa-se no bem do
culpável, e esquece-se de seu delito; favorece-se o criminoso e posterga-se a vítima. A
moral, a justiça, a amizade, a humanidade não merecem reparação; todos os cuidados é
preciso concentrá-los sobre o criminoso; para a moral, a justiça, a vítima, para tudo mais
sagrado e interessante que há sobre a terra, só esquecimento. Para o crime, para o mais
repugnante que imaginares possa, só compaixão. Contra semelhante doutrina protesta a
razão, protesta a moral, protesta o coração, protesta o sentido comum, protestam as leis e
costumes de todos os povos, protesta em massa o gênero humano. "Já-mais se deixaram de
olhar os castigos como expiações."101
98
- cfr. W. Bertrams, Die Toãesstrafe, in Stimmen der Zeit, 165 (1959-1960) 290-293.
- Cfr. Constante Amor y Naveiro, Examen critico de las nuevas escuelas de Derecho Penal, Madrid, 1890,
p. 17.
100
- walter, Naturrecht unã Politik, p. 421, ap. Joh. Ev. Pruner, Katholische Moral Theologie, 3.a ed„
Friburgo, 1902, I, 531.
101
- Balmes, Ética, cap. XVII, n. 223, (Obras eõ. da BAC, III, p, 184).
99
40
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Só em caso estritamente necessário e com cautela se há de usar esta pena. É para
todos evidente que a pena está encaminhada a manter efetiva a ordem social quando esta é
violada. Por esta razão devemos afirmar também que o conceito da pena há de guardar
íntima relação, não só com o direito, como também com a necessidade; ou, dito de outra
maneira: A aplicação da pena, sobretudo a de morte, tão só se justifica pela necessidade de
conservar a ordem social e se infligida com justiça absoluta e com ex-trema moderação.
Puig Pena, assumindo o pensamento de Cuello Calón, do P. Montes e de outros
notáveis pena-listas, mostra que a necessidade é o que propriamente justifica, desde um
plano político-penal, a aplicação da pena de morte. "A necessidade, com efeito,
fundamenta a pena capital, pois é indiscutível que sem ela se multiplicariam os crimes
ferozes, chegar-se-ia à desorganização política e social de alguns povos e, em definitivo,
iria cada vez mais aumentando o número de malfeitores com o grande perigo para a
sociedade que isso representa."102
Sobre a necessidade de infligir o último suplício um penalista formula o seguinte
dilema: É legítima a pena de morte? É necessária? Essas duas questões resolvem-se numa
só: Sem necessidade, tal pena não seria legítima, e, se é necessária, sua legitimidade é
incontestável103.
Também Mittermaier em suas anotações a Feuerbach sustenta que o direito de
castigar se baseia no princípio de que "o poder público tem direito de usar todos os meios
conducentes ao fim do Estado sob a condição de que realmente esses meios sejam
necessários"104.
Nem outro é o pensar de João de Lugo quando de modo categórico afirma a licitude
da pena capital: "A razão dessa licitude é clara, porque não pode ser ilícito aquilo que é
absolutamente necessário para a vida social e pacífica dos homens, como é a execução dos
malfeitores."105 O teólogo bávaro Sporer transcreve íntegra e literalmente o parágrafo de
Lugo porém sem citá-lo.106
102
- Federico Puig Pena, Derecho Penal, i& ed., Madrid, 1855, II, 352.
- Cfr. Carlos P. Marques Perdigão, Manual do Código Penal Brasileiro, Rio de Janeiro, 1882, p. XI.
104
- A.R. von Feuerbach, op. cit., p. 42, Anm. ães Herausg.
105
- Joannis de Lugo, De Justitia et jure, Besp. X, sec. II, n.° 58, na Ed. novíssima de Lyon, 1652, I, 250.
Quero chamar a atenção sobre o valor singular que têm, para nosso objeto, e em qualquer outro problema
jurídico-moral, as opiniões daquele gênio desbravador e agudíssimo que foi Lugo. O príncipe dos moralistas
Santo Afonso Maria de Ligório diz que "sem temor se pode afirmar que, nepois de Santo Tomás, Lugo é o
103
41
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Dizíamos que a necessidade é o que em cada caso justifica a aplicação das penas.
Como o poder não é em si, moralmente bom nem mau, "recebe sua qualificação ética ao
Usá-lo a serviço da justiça"107. A Pilatos, como a todos os governantes legítimos, foi dado
do alto o poder. Se ele, uma vez que estava convencido da inocência de Jesus, houvesse
feito prevalecer a justiça, libertando-o de seus inimigos, dignificaria e enobreceria o poder;
porém, sucumbindo, covarde, às ameaças e às falsas acusações e condenando-o ao suplício,
amesquinhou o poder recebido.
Aplicar a pena última sem verdadeira necessidade, precipitada e
indiscriminadamente, pior ainda, a dissidentes políticos, como na Rússia, em Cuba, etc., é
algo abominável. O Estado há de velar sem dúvida por que todos se sintam amparados em
seus direitos, por que impere a razão e a justiça sobre a força bruta, por que os membros
mais débeis da sociedade, as crianças, as mulheres, os pobrezinhos tenham seus direitos tão
amparados como o mais poderoso, o mais influente político. Isto sim, é necessário, e para
isto há de servir a lei penal bem aplicada.
07. OUTRAS RAZÕES
a) A segurança social
Os fins a que o Estado há de servir são: a segurança, a justiça e o bem comum. A
primeira coisa que uma sociedade pede ao poder público, dizia o catedrático socialista
Julião Besteiro, é segurança.108 Palácio Valdês perguntava a si próprio: Qual é o supremo
dever de quem governa? Sem dúvida o de conseguir que seus governados vivam tranquilos
e felizes.
príncipe dos teólogos" e tinha tão alto conceito de sua sabedoria e prudência que chegou a dizer: "Basta
que ele só sustente uma opinião moral para fazê-la provável, ainda que todos os
demais sustentem o contrário". S. Alf. de Ligorio, Theol. Mor., Lib. III, tr. V, n.° 552. Na edfição crítica de L.
Gaudé, Roma, Typ. Vat., 1907, II, 56. Outro grande teólogo, Augn Lehmkuhl, diz de Lugo, Ingenio acerrimus,
que "ainda hoje, nenhum teólogo pode prescindir de suas obras". Theol. Mor., IO» ed., Friburgo, Herder,
1902, II, 835.
106
- pat. Sporer, op. cit., p. 103.
107
- A. Susterhenn, in Maurach e outros, Die Frage der Todesstrafe. Zwõlf Antworten, Munich, 1962, p. 121.
108
- Ap. YA, 23-XX-73.
42
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Mas é que hoje, na maioria dos países, essa paz, a base da segurança, desvaneceuse. Em virtude em grande parte das campanhas abolicionistas, impera a impunidade para
uma porção considerável de in-frações e aumenta gradualmente o abrandamento dos
castigos, com o que, à medida que estes desaparecem, ou se tornam mais suaves, cresce a
audácia dos malfeitores e o temor e insegurança dos cidadãos.
Tal é o ambiente hoje que, se algum governante faz cumprir a lei com rigor e
castiga rápida e inexoravelmente as infrações, depressa é qualificado de tirano, fascista e
totalitário- Não se pensa que, se a sociedade há de sobreviver, se não quer condenar-se por
si própria à destruição, deve sempre castigar os delitos com o rigor que seja necessário para
assegurar eficazmente a ordem jurídica e social.
Se o delito fica impune e não há expiação, vãs serão as cominações jurídicas, que
não passarão de puro espantalho. Com isso, um sentimento de insegurança apoderar-se-á
de todos os membros da sociedade; mas quando os crimes são punidos e expiados como
merecem, depressa a paz renasce pujante nos povos e o sentimento a segurança tranquilizaos.
Muito bem arrazoa e justifica a missão da autoridade que castiga o delinquente o
sábio penalista Amor Naveiro: "A lei que prescreve a observância de uma certa ordem,
deve prescrever também logicamente a restauração enquanto caiba, dessa ordem, quando
haja sido perturbada; pois há a mesma razão para guardá-la antes que surja qualquer
perturbação, que para restabelecê-la depois dela. Depressa a mesma lei divino-natural, que
exige a guarda daquela ordem que chamamos jurídica, exige a restauração dessa ordem
quando se deixou de guardá-la."109 Transcrevi íntegro este parágrafo porque, com
resistente dialética, nesse raciocínio nos dá condensada e irrespondível toda a doutrina
sobre a legalidade e licitude dos castigos.
O comum dos cidadãos, guiado pela só luz natural, longe de considerar homicidas
as autoridades que infligem a pena capital como castigo dos grandes crimes, louva-os e
apoia, pois todos vêem que com as punições contribuem para que se evitem os delitos,
quando mais não seja pelo temor da morte. Todos sabem e a experiência o ensina que, se a
autoridade não faz uso da espada da justiça, bem cedo teremos que aguentar os mais
abomináveis crimes. Já a sabedoria fala pela boca de Sancho Pança: "Advirta vossa mercê
109
- Constante Amor y Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte, 2 ed., Madrid, 1917, p. 134. Se nossos
abolicionistas lessem e refletissem sobre os conceitos desse livro, maravilhoso em seu gênero, ficaríamos
livre de tantos disparates e desatinos que se nos propiciam.
43
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que a justiça não faz força nem agravo a semelhante gente (os remadores de galé) senão
que os castiga com a pena de seus delitos"110.
É que pelo delito o próprio malfeitor se priva do direito de viver. Não é o juiz, é a
ordem inviolável moral e jurídica a que priva o homicida do direito de viver.111
Sabiamente expunha estes conceitos, já na Idade Média espanhola, o Livro dos
Castigos do rei D. Sancho: "Justiça é dar a cada um o seu; dar ao bom galardão do bem, e
dar. ao mau galardão do mal. Se por justiça direita manda o homem matar, não o fazes tu,
que o direito o faz."112
Em começos de abril — 1984 — publicava Luís M.a Ansón no ABC um
emocionante artigo sobre a insegurança cidadã e a conseqüente intranquilidade e temor em
que vive o povo: "Tem medo a mulher de ser atingida na bolsa, vexada e roubada, e que
isto ocorra em qualquer lugar, inclusive à plena luz do dia, sem que a polícia atue, nem
ninguém acuda em seu auxílio." E dando sempre começo com essas palavras "tem medo..."
enumera em 19 parágrafos toda sorte de pessoas de nossa sociedade. Tem medo o
comerciante, o operário, o catedrático, o sacerdote, o político etc. e termina com uma séria
admoestação ao governo: "Ou Felipe Gonzalez impõe o princípio de autoridade e
restabelece a segurança ou o Estado dessangrar-se-á irremediavelmente. Não se pode
construir nem manter uma sociedade livre sobre o medo."113
Dias depois do alerta de Ansón, também no Brasil — país abolicionista de larga
data e onde é extremada a brandura penitenciária — aparecia na revista Visão uma
reportagem sensacional sobre a "Segurança", começando por esta frase: "Segurança é o
tema proposto. Não seria melhor falar logo de insegurança?" E prossegue o autor: A
insegurança modificou os hábitos do brasileiro. Em São Paulo, as belas mansões que se
abriam para jardins onde brincavam as crianças ao cuidado das amas-secas, estão agora
guardadas por altíssimos muros, em que com frequência não faltam guardas fortemente
armados. Todo um refinado sistema de segurança foi adotado nas vivendas paulistas e
cariocas. Em pequenas cidades do Norte, as portas, antes abertas de par em par, são agora
protegidas por grades que enfeiam as fachadas. "É o medo e a insegurança imperando de
Norte a Sul em todas as latitudes. Que nos reservará em sua agenda o ano de 1984? Mais
110
111
112
113
- Quijote, I, XXII.
- Cfr. W. Bertrans, loc. cit., p. 292.
- Ap. José Castán Tobenas, El Derecho y sus rasgos en el pensamiento espanol, Madrid, 1950, p. 18.
- Luís M? Ansón, El miedo no es libre, in ABC, ed. internacional, 4/10 de abril de 1.984.
44
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
assaltos a bancos e joalherias? Mais assaltos a residências seguidos de violência e de
mortes? Mais estupros? Maior ação de patifes e malandros? Maior número de roubos?
Mais assaltos nas estradas e nas cidades? O país aguarda, melhor, o país exige providências
que minorem essa onda aterradora de crimes provocadora da insegurança do cidadão."114
b) A intimidação. Remédio eficacíssimo contra a delinquência.
O sentimento de temor é universal. Todo o mundo se afasta do castigo e de
qualquer outro mal. Deus que nos fez sabe muito bem qual é sua eficácia, por isso na
Sagrada Escritura se cominam constantemente castigos severos aos infratores das leis.
Santo Agostinho, escrevendo a Macedônio, condena tudo em uma frase: "Pelo
temor se refreiam os maus, e os bons vivem mais tranquilos entre os maus" — coercentur
mali; et quietius inter maios vivunt boni.115 Seja dito isto de qualquer pena, mas com
relação à de morte é de toda evidência que o temor que infunde é superior a qualquer outro.
Disse Conceição Arenal: "O réu de morte ama a vida, por regra geral ama-a mais
que nenhuma outra coisa; sente, ao perdê-la, a maior das dores; está abatido,
consternado."116
"O temor guarda a vinha", reza o adágio popular. Mas quando não há punição dos
facínoras, a sabedoria popular expressa-o inversamente, os criminosos dizem entre dentes:
"Mata, mata, que o Rei perdoa."117 "Onde queira — diz Donoso — que a pena de morte
foi abolida, a sociedade destilou sangue por todos os poros."118
Um grande criminoso não se detém ante uma cadeia perpétua que, pelo comum,
nunca é perpétua. Sendo assim, por compaixão para com um homem, há que deixar-se
indefesa a sociedade inteira? Por "respeito a um homem indesejável, vai-se deixar de
respeitar a enormidade de pessoas decentes?"119.
114
115
116
117
118
119
- O País de Visão A a Z, 23-IV-84, p. 65-66.
- S. Agustin, Epist. 153 a Macedónio, c. VI, n.° 16 — Minge PL. 33, col. 660.
- Concepción Arenal, El âerecho de grada ante la justicia, Madrid,La Espana Moderna 186, p. 221.
- Fermin Sacristán, Doctrinal dei Puedlo, Madrid, 1907, I, p. 65.
- Donoso Cortês, Obras Completas, Ed. Valveróe, BAC, II, 673.
- Bernardino H. Hernando, ap. Kurt Rossa, La Pena de Muerte, Barcelona, 1970, p. 245.
45
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Esse medo que o legislador intenta infundir pela cominação das penas não se dirige
só ao escarmento do malfeitor, que em caso da pena capital, já não pode surtir efeito, senão
aos demais, como severa advertência para não incorrer nos crimes.
Sto. Tomás expressa-o muito bem em poucas palavras: "O ladrão não se enforca
para que se emende, senão para que os outros, ao menos por temor à pena, deixem de
pecar."120 E em outro lugar acrescenta o Angélico: "Privar da vida os criminosos não só é
lícito como também necessário, se são perniciosos e perigosos à sociedade."121
"Está demonstrada historicamente a eficácia intimidativa da pena de morte."122 Sto.
Tomás viu-o muito bem e sem negar a razão primordial da pena: A restauração da ordem
social, põe ênfase na exemplaridade e intimidação, como medida prática e muito poderosa
para a contenção dos criminosos e defesa da sociedade.
Negar a eficácia intimidadora do castigo é algo absurdo, vai contra o sentido
comum, é contrário às leis psicológicas e anula um dos meios essenciais no processo
pedagógico; está em aberta contradição com a experiência universal em todos os tempos e
lugares. É simplesmente uma afirmação gratuita que a ninguém convence.
Feuerbach e Mittermaier, com a notável concisão que caracteriza seus comentários
à lei penal germânica, referindo-se à tese abolicionista: "A morte não intimida os
criminosos"; "a prisão, sobretudo perpétua, é mais dura e temida que a morte"; assim a
comentam: "Pode ser que essa afirmação tenha a seu favor, talvez, a argumentação abstrata
do entendimento discursivo, porém não é esse, e isto é o que mais importa ao caso, o
comum sentir da humanidade."123
Todavia, apesar da evidente eficácia intimidadora do castigo, os abolicionistas,
conscientes de que tão só essa razão seria mais que suficiente para legitimar o instituto da
pena máxima, concentram porfiadamente suas baterias contra esse argumento; minimizam
sua eficácia ou simplesmente a negam, quando não chegam ao risível como o professor
Barbero Santos, dizendo que, contra tal argumento, "pôde afirmar-se, inclusive, que a pena
de morte tem uma eficácia contrária à intimidação" (!!) e a seguir, continua impertérrito:
"Não existe Estado no mundo em que a abolição da pena de morte haja produzido um
120
121
122
123
- Sum. Theol., 1-2, q. 87, a. 3.
- Ibid., 2-2, q. 64, a. 2.
- cfr. Eberhard Welty, Catecismo Social, Barcelona, 1957, II, n.° 1.
- Feuerbach, op. cit., p. 228, § 155.
46
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
aumento nos delitos capitais, nem em que a reintrodução daquela haja originado uma
diminuição destes."124
Depois de fazer essas afirmações terminantes, gratuitas e em oposição a toda
experiência, intenta Barbero prová-las transcrevendo alguns resultados a que teria chegado
uma investigação mundial "realizada pelo Departamento Econômico e Social das Nações
Unidas". Denota pouca seriedade científica e ainda menos dignidade em um catedrático,
oferecer ao leitor dados conhecidamente falsos, e ainda pior, apresentá-los como do
Departamento Econômico e Social das Nações Unidas, com pleno conhecimento de que
seu autor é o apaixonado e falsificador Marc Ancel, de quem já falamos em páginas
anteriores.125
Mais adiante, em outro parágrafo, exporemos a falsidade desses pretensos
resultados do mencionado Report. Baste-nos agora dizer que a experiência universal nos
mostra que, quando a cominação da pena máxima ostenta seriedade, o efeito intimidativo é
imediato. Um caso entre mil: "Chegou o General Obregón ao México, onde por falta de
autoridade se haviam desencadeado crimes em grande número, e baixou uma lei
prevenindo que o que cometesse um crime seria fuzilado. Bastou que fuzilassem três ou
quatro, exibindo seus corpos, para que acabassem os crimes e os roubos."126
Ouvimos com frequência certas pessoas, dizia Garrara, lamentarem a inutilidade
das penas cada vez que, apesar das ameaças, vêem cometer algum delito. "Essas pessoas
vêem aquele, um, que, apesar da ameaça da pena, ofendeu o direito; e esquecem totalmente
os outros mil que jamais violaram a lei".127
c) O anarquismo e a pena de morte.
Barbero Santos faz, sem a menor reserva, esta surpreendente afirmação: "No que
concerne à delinquência política ou anarquista, ninguém que tenha mediano conhecimento
124
- Marino Barbero Santos, Estúdios de Criminologia y Derecho Penal, Valladolid, 1972, p. 155-6.
- Trata-se do REPORT, Capital Punishment, publicado sim, pelas Nações Unidas, porém no qual, no verso
da página de rosto se adverte: "Os infirmes — statements of facts — deste Report são da responsabilidade
do autor e as opiniões nele emitidas não refletem necessariamente as dos órgãos e membros das Nações
Unidas." Na página 1 declara-se: "O presente Report sobre Punição Capital foi preparado por Marc Ancel."
Capital Punishment, N. York, 1962.
126
- Alfonso Junco, Cosas que arden, Méjico, ed. Jus, 1947, p. 326,
127
- Francesco Carrara, Opúscoli de Diritto Criminale, 1, 244.
125
47
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
da mesma nega hoje que a pena capital seja para ela totalmente inoperante."128 Deixa-nos
atônitos que esta afirmação desconcertante, radicalmente contrária aos fatos, proceda de
um espanhol e, além disso, catedrático universitário. Que pessoa medianamente culta
ignora na Espanha que o anarquismo foi debelado e estirpado pela raiz, com a só cominação da pena de morte, e no começo, com alguma execução? Ainda que isso, como dizemos, seja na Espanha do domínio público, não será de mais recordar alguns fatos e alegar
também alguns testemunhos.
O anarquismo apresenta na Espanha uma história muito acidentada. Organizou-se à
base dos primeiros congressos da Internacional Socialista de 1864 e 1872, em Londres, no
primeiro dos quais se iniciou e no segundo se consumou a cisão do Socialismo entre Marx
e Bakunin. O primeiro optou por métodos evolutivos para a transformação da sociedade,
enquanto Bakunin e seus partidários, que se chamaram coletivistas e comunistas e mais
tarde anarquistas, se decidiram pela ação direta e imediata. Os delegados espanhóis, nesses
congressos, aderiram a Bakunin, razão pela qual, nos primeiros anos do século, os
puramente socialistas ou marxistas foram muito poucos na Espanha, ao passo que os
anarquistas conduziram a maior parte do movimento obreiro revolucionário. Organizados
no Sindicato Único e na C.N.T., dominaram o campo. Isto ocasionou um fenômeno
singular: O anarquismo estruturado na Rússia, propagado amplamente na França, Itália e
outros países, é na Espanha onde vem alcançar seu máximo expoente, em número de
adeptos, superior ao do mundo inteiro.
Seus atentados e assassinatos eram frequentes e terríveis, particularmente na
Catalunha. Pelos anos 1919/1921 a classe operária e a situação social estavam gravemente
perturbadas: a segurança do cidadão em Barcelona desvanecia-se; os crimes sucediam-se
sem cessar; até o Governador de Barcelona, homem amante da ordem, foi assassinado; em
16 meses houve 230 assassinatos.
O Primeiro-Ministro Eduardo Dato, com a intenção de acalmar os ânimos, nomeou
Governador, da Cidade Condal, Carlos Bas, homem muito pacífico e moderado. De nada
valeu. A violência, longe de diminuir, foi crescendo. A C.N.T. contava com 80% dos
operários de Catalunha, e embora houvesse sido posta, meio ano antes, fora da lei, Bas
sabia que continuava funcionando secretamente e recebendo as quotas dos filiados. Uma
128
- Barbero, op. cit., p. 153.
48
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
desinteligência entre o Governador e o Cap. Geral Martinez Anido causou a demissão
daquele, e, com intervenção do próprio monarca Afonso XIII, foi nomeado Governador
Civil o próprio General Martinez Anido. Este chamou para Chefe de Polícia o General
Arlegui e ambos empveenderam com bom êxito o combate ao pistoleirismo anarquista,
trazendo de novo a tranquilidade a muitos lugares, havendo inclusive merecido o aplauso
de Cambo. Não obstante, isto durou pouco, pois por diferenças de critério do Governador
com o Chefe do Governo, Sánchez Guerra, aquele foi removido em outubro de 1922.
As coisas desenvolveram-se de mal a pior. Com o incremento da ação anarquista,
os assassinatos políticos na Catalunha de 1919 a 1923 ultrapassaram o número de 700. A
comoção, até a histeria, cresceu em Barcelona e em toda Espanha. A imprensa e o povo
pediam ao Governo se pusesse paradeiro àquela situação angustiosa.
Nessas circunstâncias, em 13 de setembro de 1923, o Capitão- General da
Catalunha Primo de Rivera toma o poder. Conhecedor perfeito dos problemas de ordem
pública e da insegurança em que vivia o povo, dispõe-se a terminar de uma vez com aquela
situação caótica e de infausta criminalidade. Leva Martinez Anido ao Ministério da
Governação e o General Arlegui à Direção de Segurança; e o próprio Ditador comina com
a pena de morte os graves infratores da lei.
Não passaram dez dias e uns pistoleiros assaltam a Caixa Econômica de Tarrasa. Os
autores são capturados e incontinenti executados. "A repressão do terrorismo foi levada
adiante sem vacilações de nenhum gênero. O rigor da lei caiu do mesmo modo sobre os
assaltantes do expresso de Andaluzia."129
O golpe foi sentido pelos malfeitores de toda espécie e o efeito intimidativo
fulminante. Veja-se como o descreve E. Aunos: "Esta vez nem sequer teve que pôr o
General Martinez Anido em prática suas faculdades. Um só castigo bastou, ainda que
pareça inverossímil, para acabar como por encanto, com a súcia desmandada por todo o
pis. Tem lugar o assalto de Tarrasa, os autores foram alcançados. Imediatamente foram
julgados e executados. Os criminosos de toda laia, que não estavam acostumados ao rigor
da justiça, adquiriram o são convencimento de que rebelar-se contra ela equivalia
fatalmente a jogar-se a cabeça. A consequência foi que nos sete anos que durou a Ditadura
129
- Eduardo Comín Calomer, História dei Anarquismo Ibérico, 2A ed., Barcelona, 1956, II, 51.
49
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
na Espanha houve uma paz otaviana. Assim, de maneira tão simples, com a só aplicação
da lei ficou desvanecido o fantasma do terrorismo."130
Para ilustração do anterior, transcrevemos aqui o Decreto publicado na Gazeta:
"Senhor: Transcurridos seis meses sem registrar-se crimes caracterizados pelo duplo
propósito de agressão e roubo perpetrados em geral contra estabelecimentos de comércio
ou bancos ou seus agentes, têm surgido ditos delitos, e nas duas últimas semanas se têm
cometido com dolorosa frequência e singular audácia, e por isso, o Presidente do Diretório
Militar, de acordo com este, afim de castigar severamente tão terríveis crimes e de procurar
que sua tramitação e esclarecimento se pratiquem com a maior rapidez, e afim de unificar
também nesta matéria o disposto nas distintas proclamações das Capitanias Gerais, propõe
a Vossa Majestade a aprovação do seguinte projeto de decreto:
Por proposta do Chefe do Governo, presidente do Diretório Militar, e de acordo
com este, Venho decretar o seguinte:
Artigo 1.° — Todos os delitos a mão armada realizados contra estabelecimentos de
comércio ou bancários ou suas agências ou contra os agentes contratuais ou pessoas
encarregadas de valores, serão considerados como delitos militares e julgados em juízo
sumaríssimo, qualquer que seja a pessoa responsável.
O delito frustrado castigar-se-á como consumado e os cúmplices com a mesma
penalidade que os autores.
Artigo 2.° — Quando como consequência do delito se originaram mortes ou lesões,
impor-se-á a pena de reclusão perpétua ou morte. Em caso contrário, a pena
correspondente será a de reclusão temporal."
Para corroborar, vamos ainda alegar outra autoridade que, para Barbero, sanhudo
inimigo de Franco (cujos anos de governo qualifica de "larga noite da Ditadura" (!!), há de
ser irrecusável. É o testemunho de Lerroux que, referindo-se à eficácia da justiça no
restabelecimento da ordem, afirma categórico: "O caso é que durante seis anos
consecutivos não houve crimes sociais a não ser o que serviu de escarmento (o de Tarrasa)
por sua repressão justa e fulminante."131
O mesmo fenómeno de recuperação da paz, pela justiça bem aplicada, deu-se
novamente na Espanha com posterioridade à Cruzada. À queda da ditadura de Primo de
130
- Eôuardo Aunós, Itinerário Histórico de la Espana Contemporânea, (1808-1936), Barcelona, 1940, p.
374.
131
- Alejândro Lerroux, La Pequena História. Espana 1930-1936, Buenos Aires, 1957, p. 1.
50
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Rivera e sobretudo com o advento da República, a criminalidade recrudeceu e de novo o
anarquismo foi dono da rua.
Esta situação prevaleceu até alguns anos da pós-guerra, ao final dos quais, vencidas
as profundas comoções bélicas e debeladas as guerrilhas e tentativas de sublevação, com a
só cominação da pena de morte, que figurava na legislação vigente, foi restaurada
plenamente a ordem, reprimida a criminalidade, voltando a paz e a tranquilidade aos
territórios espanhóis, sem que sequer houvesse execuções de criminosos.
Pela década de sessenta, durante umas férias em Barcelona, dizia-me um professor,
sobrinho meu, ali residente, com quem me hospedei: "Olhe tio, aqui hoje reina a mais
completa segurança, já não se ouve falar de homicídios ou de assaltos; nem no Paralelo —
zona, em tempos anteriores, do império dos malfeitores — se dão crimes e assaltos!" O
próprio Barbero Santos reconhece paladinamente essa segurança quando afirma que
"desde 1959 não se executou ninguém no âmbito da jurisdição ordinária"132. Que mais
sequer pois?
E depois de Franco? À vista, e para inquietação de todos, estão os resultados da
desaforada propaganda abolicionista, levada a cabo já anteriormente à definitiva abolição,
na Constituição de 78.
Faz três anos — em 1981 — de volta a Barcelona, encontro a residência de meu
sobrinho reforçada com ferrolhos e mais ferrolhos. "Que novidade é esta?" "Já vês, é o
perigo, a falta de segurança. Hoje os assaltos a mão armada sucedem-se a toda hora"
Quantum mutatos ab Mo! diria o poeta maníuano, quão diferente hoje do que era na "larga
noite" de Franco, em que a paz e o bem-estar reinavam por toda parte!
Finalmente, e para concluir este parágrafo da intimidação que exerce a pena capital,
faço minhas as palavras certas e definitivas do ilustre escritor mexicano, já citado: "A
estatística mais consumada como a experiência mais elementar estabelecem a mesma coisa
de modo conclusivo, que a brandura alimenta o delito e a rigorosa repressão, contém."133
132
133
- Jo livro coletivo La Pena de Muerte, 6 Respuestas, Madrid, 1978. p. 53.
- Alfonso Junco, Cosas que arden, Méjico, Etí, Jus, 1947, p, 317.
51
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
B) ABOLICIONISTAS DA PENA DE MORTE
08. SECULARIZAÇÃO DO DIREITO. COMEÇOS DO MOVIMENTO
ABOLICIONISTA
É algo singular o que com o instituto da pena de morte aconteceu. Não houve
religião, país ou civilização que não haja adotado a pena de morte, e isso, não durante
séculos, mas milênios. Na pré-história perde-se sua memória. De pronto, faz apenas uns
dois séculos, começa em alguns países da Europa um movimento contra a pena capital,
chegando inclusive a negar sua licitude.
Desde então até tempos mui recentes esse movimento, às vezes muito agitado,
mantém-se quase exclusivamente no campo racionalista, naturalista e secularizante; quero
dizer, mais ou menos dissidente do catolicismo.
Só em nossos dias com a frequência das apostasias de muitos que, seguindo a tática
dos modernistas do começo do século, de não declarar-se ostensivamente separados da
Igreja ou de seus ensinamentos, surgem, dentro da mesma, revoltados católicos, que, junto
com outros pontos do dogma, questionam os ditados pelo próprio direito natural.
Até bem entrado o século XVÍII, os povos, em geral, qualquer que fosse sua
religião, viviam na convicção de que os homens estão sujeitos a instâncias superiores e
transcendentes, e que os que mandam o fazem em virtude desses poderes e têm direito a
impor as sanções convenientes para garantir a ordem civil. Era essa a situação a que,
simplificando, muitos chamam teocrática.
Mas a Pseudo-reforma luterana destruiu a unidade do ocidente cristão e embora em
princípio houvesse negado o livre arbítrio humano, depois, para poder coonestar sua
resistência à Igreja institucional, estabelece o princípio do livre exame, com sua sequela de
individualismo absoluto na ordem religiosa, negando deste modo o Magistério oficial da
Igreja. Isto levou gradualmente ao racionalismo e à negação da teologia universal, "ao que
se segue logo na Ilustração uma crescente secularização das nações-estado da Europa e da
Filosofia e do Direito Penal". São já os filósofos, e não os teólogos, os que impõem seus
pontos de vista no Direito Penal.134
134
- Terente Patrick Morris, in Encyclopaedia Britânica. Macropaedia, verb. Punishment, XV, 282.
52
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Os teóricos do Direito Político, emancipados dos ditames do direito natural
tradicional, secularizam o Estado, que já não será o depositário e executor da vontade de
Deus na terra, mas o resultado do pacto ou convenção humana condicionado a seu arbítrio.
Rousseau, negando a natureza social do homem, afirma categórico que "o direito
social não deriva da natureza do homem; funda-se na livre convenção"; portanto a
sociedade já não tem vinculação com Deus, é pura convenção humana e, daí, os poderes da
autoridade serão tão só os que a maioria social queira outorgar-lhe. É a pura secularização
do Estado e do Direito. Com isso se nega ao poder público o direito de infligir a pena de
morte se não lhe for outorgado pela própria sociedade.
Essa doutrina coincide plenamente com a do positivismo — também agnóstico pelo
que a Deus se refere — imperante no último século nos domínios do Direito. Embora
Augusto Comte, levado por seu amor e compreensão da importância primordial da ordem
na sociedade, propiciasse a pena de morte muitos sequazes do positivismo jurídico serão
nisto contrários. Quantos seguem essa corrente de pensamento, havendo negado toda
instância transcendente, repetem-nos, até a saciedade, que ninguém, nem o próprio Estado,
poderá privar nenhum cidadão da vida que não lhe deram nem deles depende.
Na órbita do positivismo gravita também a escola antropológica italiana de
Lombroso, Garófalo, Ferri etc. que, negando radicalmente a liberdade humana, negam,
ipso facto, a imputabilidade do delito, razão por que este não passa de um "fenômeno
natural", ou, como querem alguns filósofos, um fenômeno necessário, como pode sê-lo a
morte, o nascimento ou a concepção.135 Dentro dessa escola e de sua derivada, a sociologia
criminal, não cabe falar em pena como castigo, pois dentro do determinismo quecaracteriza ditas escolas não cabe a responsabilidade nem a correção nem emenda, nem
nada que suponha o livre arbítrio. À pena capital corresponde a simples eliminação do
assassino, como se fora animal daninho para que não prejudique os demais na sociedade
(Cfr. meu trabalho: El libre albedrío, in O Estado de Direito. S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p.
394s).
"Não é certamente o processo de civilização o que levou muitos países ao abandono
da pena de morte"136 senão simplesmente a decadência dessa civilização cristã e a
frouxidão das convicções. "O não católico, que em muitos casos é ateu e portanto não crê
135
- Cesare Lombroso, L'uomo delinquente, 5.a ed., Torlno, 1897, III.
- Adalberto Zelmar, Espana: La pena de muerte y "la conciencia universal", in Verbo, Buenos Aires 106
(sept. 1975) 7.
136
53
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
em Deus, nem na alma, nem na vida futura, sente verdadeiro terror ante a morte, disto
decorrendo que por todos os meios trate de suprimir nas legislações a pena capital137. Faz
mais de um século que um jusnaturalista alemão, da Universidade de Munique, fazia notar
que "quando não se crê na imortalidade da alma humana, a pena capital aparece como um
extermínio absoluto, um ato atroz e bárbaro"138. Destruída a velha noção da pena, quer-se
substituí-la, diz Carrara, pela nova fórmula: Non piú punire; correggere; basta de castigos;
corrigir. Fórmula esta "destrutora do Direito Penal, colocando em lugar dele um novo
templo de doçura e esperança, onde brilham a caridade e o amor; onde pouco falta para
colocar o malfeitor no altar, prodigalizar-lhe toda sorte de bons ofícios e conduzi-lo à bemaventurança".139
Em uma palavra, destruída a tábua de valores do antigo direito cristão, hoje, de
acordo com as novas teorias, a penalidade tem de ser diferente. Nada de duros castigos e
menos ainda de morte, que isso é desumano porque os criminosos só são enfermos, os
ladrões cleptômanos e os homicidas maníacos e agressivos; para todos eles os
abolicionistas clássicos pleiteiam amparo, refúgio e defesa, pois não são eles os culpados
senão a Saúde Pública e a Sociedade. Dar outro tratamento aos malfeitores seria incidir no
"bárbaro Talião".
Ao coro de materialistas, incrédulos e positivistas juntam-se — não podiam faltar
— as vozes dos mações. Eles foram, desde o começo da denominada Maçonaria Moderna,
em 1717, por suas maquinações, contra Cristo e contra os poderes legítimos, condenados e
com frequência punidos de morte. E quem lhes garante que isso não possa repetir-se
qualquer dia e que se lhes aplique, a eles ou aos promotores, a suas ordens, de alguma
revolução, para apoderar-se do poder e fazer triunfar seus planos? Ademais, quando eles
mesmos queiram levar a cabo algum magnicídio, contra qualquer governante, a eles
oposto, como fizeram várias vezes na última centúria, como encontrar, sem grave
dificuldade, executor do crime, onde vigore a pena de morte? Por tudo isso, como é
notório, a Maçonaria é hostil à pena máxima.
Entre muitos testemunhas dessa hostilidade, alegamos tão-só um da maior
autoridade: "A pena de morte é um desses velhos erros que se hão de destruir; uma heresia
137
138
139
- Tito Diez, Consideraciones sobre la Pena de Muerte, in Fuerza Nueva, 13-IV-81, p. 31.
- Ferd. Walter, Naturrecht unã Politik, 1971, p. 421.
- Fr. Carrara, Opuscoli de Dir. Crim., 3.a ed., Prato, 1878, I, 193.
54
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que sem descanso a Maçonaria deve perseguir. Nenhum maçar que, seja juiz, jurado ou
governo, pode condenar à morte e tolerar que tal monstruosidade se cumpra."140
09. QUEM SÃO OS ABOLICIONISTAS
Em páginas anteriores fica exposto o fato inegável, e de tão alta significação, de
que até hoje não haja havido um gênio, um grande homem na humanidade, nem um só, que
se haja oposto à aplicação da pena de morte aos malfeitores. Disso se deriva indiretamente
que a tese abolicionista fica exclusivamente a cargo do "homem medíocre", como diria
Ingenieros. Mas o mais grave, em nosso caso, não é a evidente mediocridade intelectual
dos abolicionistas senão sua menos que medíocre probidade moral, quando não sua
carência total de honestidade científica.
Isso explica, de uma parte, a vulgaridade da maioria dos escritos em que se
impugna a pena capital; e de outra, a facilidade com que seus autores aceitam, repetem e
propalam quaisquer afirmações ou sofismas sobre a negatividade dos efeitos da pena,
contrários ao comum sentir da humanidade. Não obstante, suas gratuitas afirmações, sem a
menor prova das mesmas, e com o desaforado proselitismo de seus adeptos, logram outro
efeito: "aumentar as trevas da confusão que parece ser o signo característico de nossa
época".141
Referindo-se particularmente aos abolicionistas de nossos dias, posteriores à
Segunda Guerra Mundial, tais como Alfredo Koestler, Alberto Camus, Marc Ancel, Hans
H. Jescheck, Leandro Rossi, Paul Bockelmann etc. e, na Espanha, Barbero Santos, Vecilla
de as Heras, Beristain, P. Niceto Blásquez, Daniel Sueiro, Mons. Iniesta, Garcia Valdês e
alguns outros eiusdem furfuris. Minhas apreciações sobre seus escritos são muito duras
porém afirmo tuta conscientia que não há um só qualificativo calunioso ou injusto, quod ái
omen avertant! livre-me o céu disso! Se trato alguns como pouco sérios ou falazes, é
olhando o bem do público, a quem todos devemos a verdade e o cuidado para evitar o erro.
140
- Diccionario Enciclopédico de la Masonería, redigido por Lorenzo Frau Arines e Rosendo Arús Arderiu,
novíssima edição desta obra monumental, atualizada por um especializado corpo de redatores, Buenos
Aires, 1947, tomo II, pág. 71. Na pág. 26 mesmo volume diz-se: "A Maçonaria repele com toda a energia, de
que sabe dar provas a cada passo, a odiosa e repugnante pena de morte." Esta enciclopédia, em três
grandes volumes, constitui "a obra mais autorizada de quanto se tem escrito em matéria de Maçonaria" (I,
pág. V). Por esta razão alegamos seu testemunho sobre a atitude da Ordem Maçônica.
141
- Elias de Tejada, Libertad Abstracta y libertades concretas, in Verbo, Madrid, n.° 63,- p. 149.
55
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Koestler e Camus publicaram em comum um livro de "Reflexões sobre a pena
capital", verdadeiro libelo explosivo, dirigido ao vulgo, porém carente de todo valor
científico. Koestler, o famoso escritor judeu-húngaro, declara que não teria paz enquanto a
pena capital não fosse abolida, "convenho — acrescenta — em que esta atitude dará certo
calor aos argumentos que se contêm no livro" (e tanto!) pois o exagero, as falácias e
interpretações parciais, a falsidade são a tônica da obra desses dois célebres escritores.
Mas outra confissão, todavia mais importante, faz-nos Koestler paladinamente: Sua
atitude prende-se à promoção da "Revolução Mundial em que depositava, diz, minhas
esperanças para a salvação da humanidade"!142
É este, sem dúvida, em muitos abolicionistas, o recurso inconfessado, que
impulsiona suas ativíssimas campanhas contra a pena capital, pois, como disse um jesuíta
muito esclarecido, essa pena "é o obstáculo mais entorpecedor e inquietante na carreira
para o crime. Abolida, fica expedito o caminho para seguir matando"143, e, assim, acelerar
o triunfo definitivo da Revolução.
Não se surpreendam meus leitores com o paradoxo que lhes vou expor: Os maiores
abolicionistas da pena de morte foram os mais terríveis executores da mesma. Bastem para
prova tão-só três dos mais famosos exemplos: A Revolução Francesa aboliu na primeira
constituição republicana a pena de morte; a ela seguiu-se o império da guilhotina em todas
as cidades da França. A constituição soviética também a aboliu, e a ela seguiu-se a
execução de muitos milhões de cidadãos. Por sua parte, também a República Espanhola na
constituição de 1931 aboliu a pena de morte e a ela seguiu-se em poucos anos a execução
de multidão imensa de católicos pelo único delito de ser católicos, de 6.549 membros do
clero e de 283 monjas, nenhum dos quais era réu de delito comum nem político.144 Veja-se
por aqui aonde pretendem levar-nos os ardorosos abolicionistas que hoje pululam ao
142
- A. Koestler _4- A. Camus, Reflerions sur la Peine Capitale, Paris, 1957, p. 18.
- v. Peliú, S.J., Una burla sangrienta, in Fuerza Nueva, 620 (6-1-79), 18.
144
- António Montero, Historia de la persecución religiosa em Espana, 1936-1939, Madrid, BAC, 1971, p.
758-768. Nesta obra dão-se os nomes e datas de sua vida, de todas as vítimas eclesiásticas, p. 769-883. Vid.
também Ministério Fiscal, La Dominación Roja en Espana. Causa General, Madrid, várias edições deste
extraordinário documentário. Robespierre dizia: "a execução do réu é um covarde assassinato realizado por
nações inteiras com formas legais" (Vid. A. Frarik, Philosophie du Droit penal, Paris, 1983, p. 166) "E foi este
orador abolicionista quem pediu a execução de Luís XVI e promulgou a espantosa Lei de 10 de junho de
1794, que, com pretexto de reformar o Tribunal Revolucionário, suprimiu os defensores, os interrogatórios,
143
56
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
socairo da situação; porém não olvidemos que neles, como em Koestler, no fundo está
latente, como alvo, a Revolução Mundial.
De Camus e de Marc Ancel, diz Garcia Valdês, que "sempre militaram de maneira
ardente, dinâmica e o obsessiva nas hostes contrárias ao supremo castigo legal". E por si
próprio acrescenta esta qualificação: "Sou abolicionista até a medula e sou-o biológica e
intelectualmente."145 Exonero de provas a confissão de parte. Bem claro está sua paixão e
carência de objetividade.
Em Barbero Santos é para levar em conta sua hostilidade grosseira ao franquismo.
Quanto à pena capital, ele mesmo gloria-se de haver sido, desde cedo, propulsor do
abolicionismo, inclusive para os tempos de guerra. Digamos não obstante em seu favor
que, pelo menos, foi coerente em suas opiniões e manifestou-se homem de caráter, não
como Adolfo Suarez, Areílza e outros muitos que, havendo primeiro comido a fruta, se
apressaram logo em fazer lenha das fruteiras caídas. Não é de maravilhar a paixão de
Barbero em defesa do abolicionismo, pois as fontes onde se sacia não podiam dar outra
coisa. Ele inspira-se sobretudo em Ancel, Camus, Koestler, no Capital Punishment das
Nações Unidas, em Ellero, Camelutti, Maurach, Bockelmann e alguns outros, todos eles
certamente abolicionistas apaixonados e carentes de objetividade. Não transparece em
nenhum lugar — o que é grave tratando-se de um catedrático — que haja estudado
trabalhos sólidos da outra parte, como por exemplo a Filosofia Moral de Cathrein e os
Fundamentos do Direito Penal do mesmo autor; nem outros da Espanha, não inferiores,
como o de David Núfiez, A Pena de Morte; o Direito Penal de Montes — ao tratar da
Inquisição faz referência à obra de Montes O crime da heresia — porém, sobretudo, e isto
é bem de lamentar, não manifesta conhecer a notabilíssima obra do membro da Real
Academia de Ciências Morais e Políticas, Dr. Constante Amor Naveiro, O problema da
Pena de Morte e de seus substitutos legais, obra esta decisiva na matéria e não superada
por qualquer outra em outro idioma. Nela resolve e pulveriza com singular mestria quantas
objeções se têm apresentado contra a pena capital. Se Barbero Santos houvesse lido
os descargos escritos e as testemunhas. Ele também, com Mirabeau e Marat, formou o tribunal do Terror"
Luis Mendizábal, Tratado de Derecho Natural, 7." edição, Madrid, 1931, tomo III, p. 615.
145
- Carlos Garcia Valdês, La Pena Capital, Barcelona, 1979, p. 132. Este livro, publicado pela Amnesty
International, é um frívolo libelo sem substância alguma, nem ideia aproveitável, tão-só inverdades. E
pensar que à inaptidão moral e intelectual deste sujeito lhe haja confiado o governo de A. Suarez a Direção
Geral de Instituições Penitenciárias! Assim saiu isto!
57
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
daquele autor, quando mais não fosse a introdução à Bibliografia dos Estudos Penais,
Madrid, Réus, 1968, não teria homologado nunca, como o fez, a brutal expressão do ateu e
blasfemo Blas de Otero: "Oh pátria, árvore de sangue, lúgubre Espanha!"146
10. O "PROGRESSISMO" RELIGIOSO E A PENA DE MORTE
Em 1867, H. Hello publicou um inventário de 104 pessoas e instituições de
diversos países que tomaram parte saliente em movimentos abolicionistas da Europa e ao
final, desiludido, declara: "É lamentável que o abolicionismo não haja todavia encontrado
nem um só representante no clero católico!"147 Até então havia-se mantido incólume a
doutrina católica nesta matéria, porém em nosso século, sobretudo nos anos posteriores ao
Concílio Vaticano II, surgiu um bom número de clérigos, em aberta dissidência com a
doutrina da Igreja, todos eles mais ou menos adstritos ao neomodernismo ultraliberal e
progressismo, de ampla difusão pós-conciliar.
O Modernismo filosófico-teológico foi um movimento surgido em começos do
século, com o vão intento de conciliar a fé cristã com as modernas aberrações filosóficas e
teológicas. Várias de suas teses doutrinais correspondem aos fundamentos do cristianismo,
porém a divisa característica, por assim dizê-lo, na maioria dos modernistas, é a desestima,
quando não a guerra declarada, até aboli-lo se lhes fosse possível, ao Magistério infalível,
que das mãos de seu Divino Fundador recebeu a Igreja.
Depois da reprovação pontifícia, houve vários de seus adeptos que não se
manifestavam ostensivamente mas que, de modo subreptício, continuaram propalando os
mesmos erros, revestidos do mais radical liberalismo teológico, constituindo assim o que
veio a chamar-se neomodernismo, que o grande Pontífice Pio XII desmascarou mais tarde,
em sua encíclica Humani Generis, de 1950.
Com João XXIII e logo à sombra do Concílio, articularam-se de novo, chamandose progressistas para evitar a identificação com os erros modernistas condenados e, com
mãos dadas sempre com o ultraliberalismo, levantam outra vez a cabeça. Paulo VI deu o
alarme: "Os erros que chamam de modernismo, os que ainda hoje mesmo vemos reviver
em certas expressões novas da vida religiosa, alheias à genuína religião católica."148 Dou
146
147
148
- Barbero Santos e outros, La Pena de Muerte, 6 resptiestas, Madrid, 1978, p. 68.
- Vid. E. Thamiry, Diction. de Théol. Cath. X, lie., p. col. 2501.
- Ecclesiam suam, n.° 29, Col. de Enciol., Ed. Guadalupe de Buenos Aires, 1965, 4.a ed., II, p. 2.614.
58
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
todos estes esclarecimentos para evitar ao máximo o escândalo dos crentes que, ao verem
tantas defecções, inclusive da hierarquia da Igreja, se sentem perplexos na fé e vacila; sua
confiança na infalibilidade e indefectibilidade da Igreja, não esqueçam que as defecções e
apostasias, por graves que sejam, acontecem normalmente na vida da Igreja, sem que esta
deixe de permanecer sempre a mesma e fiel a Cristo.
Hoje, com efeito, nesta época pós-conciliar, em que prevalece o progressismo
liberal ou liberal-progressismo, um número considerável de sacerdotes, bispos e até
Conferências Episcopais que, com certo desdém, ou aparentando ignorar o Magistério da
Igreja, se manifestam ambiguamente e negam algum de seus ensinamentos, não já, ponho
como exemplo, a licitude da pena capital, que isto seria de menor importância, mas
doutrinas fundamentais na vida cristã sobre Jesus Cristo, a Igreja, a vida futura, os
sacramentos etc. Mas, ainda sendo muitos esses sacerdotes da Igreja, e fazendo muito ruído
nos meios de comunicação social, em realidade, são minoria e esse fenômeno não deve
estremecer nossa fé.
Vários dos abolicionistas acima mencionados, e hoje mais em voga, são sacerdotes:
Rossi, Vecilla de las Heras, o dominicano P. Blásquez, o jesuíta Beristain, o redentorista
Marciano Vidal e Mons. Iniesta. Vejamos a que extremos de gravidade chega sua
dissidência católica. O jesuíta Beristain afirma categórico: "Condenar à morte um
delinquente é um abuso, um assassinato que aumenta a espiral da violência."149 Embora
com outras palavras, todos os sacerdotes citados homologam essa tese de Beristain e
proclamam a ilicitude da pena máxima. Raciocinemos um pouco para valorizar a audácia
desta expressão: O assassinato é um gravíssimo pecado, um daqueles que "pedem
vingança ao céu", agora bem, a Igreja, não só por seus doutores, teólogos e moralistas de
todos os tempos, unanimemente, afirmou a licitude da pena de morte, quando infligida
pelos poderes públicos aos réus de graves delitos; como também, por seu Magistério
infalível, condenou os hereges que negavam a licitude de tais execuções. Logo — a
149
- Ap. Vários, La Pena de Muerte. 6 Respuestas, Madrid, 1976, p. 187. Este jesuíta não parece muito
seguro de sua fé católica. Segundo ele, "a perspectiva católica tão estreita, deformou e empobreceu o tema
da pena de morte, ao passo que a protestante a tem iluminado com fina sensibilidade". Cita como modelo o
famoso teólogo protestante K. Barth, que
nega a licitude da pena capital. É que Beristain não admite que "a única religião verdadeira subsista
somente na Igreja Católica" (Vat. II, Dh. 1), senão que, segundo ele, na atualidade, "as religiões devem ser
ecumênicas, e não capelas; no texto, mais adiante, veremos seu talante marxistoide.
59
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
conclusão é inevitável — a Igreja errou gravemente ao ensinar e defender a licitude do
horrendo homicídio qualificado, que é o assassinato, crime este que se opõe à natureza, e
que, portanto, não poderá ser lícito em nenhum lugar, tempo ou circunstância. Portanto
a Igreja não é santa nem infalível em seus ensinamentos, patrocinando erros gravíssimos.
Desde logo esses clérigos, com linguagem demagógica, muito estilo anticlerical e
marxista, excedem-se contra a Santa Madre Igreja, acusando-a de haver-se hipotecado aos
poderosos e opressores e esquecido os oprimidos. "Integrada, diz Rossi, na lógica do
poder, depois de Constantino", a Igreja "retorna ao paganismo e rechaça o Sermão da
Montanha".150 A Igreja, diz por sua vez Blásquez, foi infiel "à mensagem do Sermão da
Montanha, desviando-se para o jurídico e clássico paganismo romano, até nossos dias".
Diz também que os homens adotam a pena de morte porque "com frequência perdem a
razão (sic) e desertam da natureza"!!!151
Manifestando o P. Marciano Vidal, uma vez mais, seu menosprezo pelo Magistério
da Igreja, qualifica de sombras ou máculas na Igreja de Cristo "a aceitação da pena de
morte e da guerra justa".152
O P. Beristain dá-nos uma explicação ocorrente do suposto desvio da Igreja na
aplicação do Evangelho à vida. É que "os representantes oficiais da Igreja se têm
identificado de tal maneira com os detentores do poder e têm esquecido em tal grau a
defesa dos fracos e dos oprimidos, — é Marx, ou é Beristain, quem fala? -— que têm
suscitado o problema da pena de morte de maneira oposta a como devia suscitar-se com o
Evangelho". Ele encontra uma explicação de tal desvio do Evangelho a esse respeito, no
fato de que, "neste terreno, como na problemática social e na sexual, a Hierarquia mantém
150
- Leandro Rossi, Diccionario Encicl. de la Teologia moral, Madrid, 1980, p„ 794 e 798. A exegese bíblica
de Rossi é primária, e sua argumentação pura sofisticação e superficialidade. Ê difícil compreender como a
Editorial Católica dos paulinos edita e difunde um dicionário moral marxistoide e mui pouco ortodoxo em
outros vários de seus verbetes. Primacialmente, apesar de ser obra de teologia, o imprimatur não aparece
em parte alguma.
151
- Niceto Blázquez, S. Agustin contra la pena de muerte, in Aroor, n.° 354, junho de 1957. Este artigo é
uma diatribe sofística, cheia de mentiras e incoerências contra a pena de morte. Na Revista de Estudos
Políticos (n.° 208-209 de 1976), publiquei uma refutação deste escrito falaz. Blázquez, visivelmente irritado,
tentou, em um número posterior da mesma revista, uma réplica, porém esta limitou-se a alguns insultos e
a elogiar seus escritos, sem dar um só desmentido — nem podia fazê-lo — a nenhuma de minhas
afirmações.
152
- in Ecclesia 2176, 2 de junho de 1984, 672.
60
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
critérios que diferem mais ou menos da opinião de muitos católicos". Muito bem! Desde já,
segundo Beristain, não somos os fiéis os que devemos olhar a cátedra de São Pedro, para
ajustar nossa fé; é o Magistério Divino, outorgado à Igreja, o que tem que olhar e
acomodar- se à opinião de alguns católicos!153
Vecilla de las Heras é incansável impugnador da pena de morte. Inconsciente da
gravidade de sua afirmação, por vir de um teólogo, dá a ilicitude da pena capital como
título de um de seus escritos.154 Beristain, nada suspeitoso na matéria, assim o julga: "Em
todas as suas obras, Vecilla deixa-se levar apaixonada e cegamente pelo desejo de
encontrar o abolicionismo na Igreja."155
Ao lado destes sacerdotes que chamamos à colação por motivo de seus recentes
escritos sobre a pena máxima, há outros vários, no meio eclesial pós-conciliar, que também
se manifestam no mesmo sentido que os anteriores, tais como: o ex-jesuíta Diaz Alegria, os
padres Llanos e Garcia Salve, virtualmente renegados pelo catolicismo por inscreverem-se
publicamente no comunismo; e alguns outros da mesma laia.156 Que grupelho! Isto traz-me
à memória o ex-abrupto do celebérrimo comentarista Maldonado, que, ensinando em Paris
e vendo a situação confusa criada pelas perturbações doutrinais de Calvino, e outros
mestres do erro, prorrompeu com estas palavras: "Tales hodie magistros mundus meretur"!
153
- Beristain, loc. cit., p. 165.
- Luis Vecilla, Se las Heras, Defensa de la vida humana. La pena de inuerte es ilícita, Valladolid, 1965.
155
- Beristain, loc. cit., p. 164.
156
- Outros dois jesuítas, José Alonso Diaz e Gonzalo Higueras, recentemente em Sal Terra, seção
Catequética, 3 (1984) 196. Esta revista, como também em boa parte Razão e Fé e outras dos jesuítas,
apartam-se com frequência da Doutrina do Magistério, a que não manifestam muita adesão. Não sei que
ventos sopraram sobre a benemérita e sempre ínclita Companhia de Jesus que, desde uns quarenta anos,
nos vem entristecendo com sua orientação semi-heterodoxa, defendendo sem rebuços as teses do
liberalismo, o divórcio, o laicismo do Estado e sua separação da Igreja em nome de um pseudopluralismo,
um disfarçado marxismo, as aberrações de Hans Kúng, a democracia sem adjetivo, isto é, a democracia
liberal inorgânica como de uso, com sufrágio universal igualitário, a maçonaria, o teilhardismo e uma
oposição sistemática e detração da Espanha católica de outrora e desestima quando não repulsa, de quanto
venha dos quadro romanos. O quadro é negro, mas negra é a realidade. Felizmente no naufrágio de tantos
jesuítas, cuja fé sem dúvida faz água, ainda há uma boa porção de filhos, fiéis ao capitão de liOiola —
sequer pela marginalização em que os mantêm os superiores "arrupistas", pareçam menos — que mantêm
o fogo sagrado da fidelidade ao santo fundador e à Santa Igreja.
154
61
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
— Tais são os mestres que hoje o mundo merece!157 E para nosso consolo podemos
acrescentar com o apóstolo São João: "De nós têm saído, mas não eram dos nossos."158
Já antes fizemos referência às grandes perturbações de ordem doutrinal que se
seguiram ao Concílio e que, pelos erros difundidos e pelo número dos que abandonaram a
fé católica, constitui uma das épocas mais trágicas na história da Igreja. A confusão não se
limitou a indivíduos isolados, em grande número de países, senão que também afetou
algumas, poucas, Conferências Episcopais, das quais, pelo que toca ao instituto da pena de
morte, se pronunciaram contra, ainda que sem negar sua licitude, as três seguintes:
A dos Estados Unidos159 A Conferência Episcopal ianque é, com alguma
frequência, pouco segura em suas tomadas de posição doutrinais. Pouco depois da
mencionada sobre a pena capital, publicaram aqueles bispos, sobre o problema nuclear,
outra carta ao mesmo tempo derrotista e contrária aos ensinamentos da Igreja sobre a
guerra justa.160 A Conferência Episcopal francesa, do mesmo modo que a dos Estados
Unidos, é das que, de ordinário, dão pouco valor ao Magistério Romano; como o provou
quando, falseando a Humanae Vitae de Paulo VI, admitiu na prática a licitude da
contraconcepção. Outra declaração pontifícia sobre alguns pontos de moral sexual tão
pouco a recebeu, e ao fim nos dá essa qualificação negativa sobre a pena de morte.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB — manifestou-se contrária
à pena de morte, em uma nota oficial de seu secretário, o bispo D. Ivo Lorscheiter.161 No
dia seguinte, fui procurado pelo diário que publicara a nota para dar uma entrevista sobre a
nota episcopal. Tendo em vista a gravidade de alguns conceitos nela emitidos e para
diminuir a má impressão no público, disse ao repórter que, ainda que a nota se publicasse
como da CNBB, me custava crer que a maioria dos bispos houvesse tido conhecimento
prévio da mesma. O mesmo periódico, oito dias depois,162 confirmava minha suspeita
dizendo que havia chegado ao Rio de Janeiro — a sede está em Brasília — a Presidência
da CNBB e "aprovado a Nota da Secretaria Geral", o que significa que nem o Presidente
Dom Aloísio Lorscheider a havia visto antes. Para justificar o valor que possa ter esta
157
158
159
160
161
162
- Ap. J. Ries, Die Sonntagsevangelien, paderborn, 1913, II, 551.
- I, j n . II, 19.
- Vide Ecclesia 2012, (1981), 1647.
- Thomas Moinar, El pacifismo y la Paz, in Verbo, de Madrid, 221, (1984), 47.
- Publicou-se em "O Globo" de 22-11-71.
- O Globo, l-IV-71.
62
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
atitude da CNBB, baste recordar que ao anunciar-se, pelo Governo brasileiro, a intenção de
introduzir o divórcio, o Presidente apressou-se em declarar — com não pequeno escândalo
do povo católico — que a Igreja não faria oposição. E em ocasião posterior disse, o mesmo
Dom A. Lorscheider, a um periodista, que o Brasil estava muito mais adiantado que a
Europa, pois, ao passo que ali todavia se regem pelo Concílio de Trento, no Brasil já havia
sido superada essa etapa!
A propósito, pois, das opiniões divergentes, vertidas na Igreja por alguns de seus
membros, não tenham medo os leitores. A Doutrina da Santa Igreja, já firmada, não
mudou, nem poderá jamais mudar num ápice que seja, no que respeita aos castigos e à
pena máxima. Seus opositores dentro da Igreja são um "grupito" de sacerdotes, quase
sempre desqualificados, que não devem impressionar-nos, pois nunca faltaram, nem no
futuro faltarão, dissidências na Igreja e em pontos de muito maior relevo.
Já nas polêmicas suscitadas na segunda metade do século passado, o filósofo jurista
Mendive manifesta sua infravaloração dessa "turba do populacho literário para quem a
atrocidade deste castigo não se compadece com a cultura de nosso século e que é portanto
necessário ab-rogá-lo".163 Será porventura mais condicente "com a cultura de nosso século"
o aumento incessante e as atrocidades inauditas contra tantos inocentes?
Fazemos nosso em todo seu contexto o juízo que dos abolicionistas em geral deu
aquele grande estudioso do tema e conhecedor em profundidade, como nenhum outro, da
literatura abolicionista, Amor Naveiro: "Nos que escreveram sobre a pena de morte, com
suficiente extensão para poder julgá-los, há mais sentimentalismo que lógica, mais
preconceitos e rotinas que espírito crítico, e sobretudo vacuidade nas ideias e desordem na
exposição."164
Nos parágrafos seguintes veremos a justeza desta apreciação de Amor Naveiro.
11. RAZÕES E ARGUMENTOS COM QUE OS ABOLICIONISTAS
TENTAM DEMONSTRAR SUAS TESES
Vão intento. Faz já mais de um século que o magistrado francês Mouton, depois de
estudar e ponderar tudo que até então se havia publicado contra a pena de morte, declarava
sem assunto a polêmica por falta de novas provas da parte dos abolicionistas: "Esta questão
163
164
- José Mendive, Derecho Natural, Valladolid, 2A ed., 1887, p. 283.
- c. Amor Naveiro, El •problema ãe la Pena ãe Muerte, Madrid, 2.a ed„ 1917, p. 118.
63
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
esgotou-se de tal forma, que a meu parecer não existe o menor interesse em discuti-la mais
uma vez, nem a menor esperança de descobrir, do ponto de vista dos que lhe pedem a
abolição, novos argumentos. Nenhum destes argumentos me parece decisivo."165
Não obstante, nem por isso cessaram de seus propósitos os adversários da pena de
morte, mas pelo contrário aumentaram todas as suas baterias numa liça ruidosa, não tanto
para defender a verdade de uma tese, em que, seguramente, nem eles em sua maioria
crêem, mas para que — sem confessá-lo por suposto — esse combate há que levá-lo
adiante porque outras forças o impõem, pois favorece os desígnios da Revolução, como
acima deixamos anotado.
Hilaridade produz a aceitação e aplauso que Barbero Santos, Beristain e outros
abolicionistas prestam à "insigne" tolice com que Bockelmann inicia sua colaboração na
obra coletiva de Maurach, como se fosse um autorizado adágio: "A razão mais forte contra
a pena capital é que não há nenhum argumento racional a seu favor."166 Com que
despreocupação se invertem as coisas! A verdade é justamente o inverso. Os argumentos a
favor da pena de morte são tão decisivos e irrebatíveis que a humanidade os aceitou
sempre com plena convicção; ao passo que os abolicionistas, carentes de toda razão válida,
os substituem com afirmações gratuitas, falácias, notas sentimentais, tergiversação de
estatísticas, e outras balbúrdias, e, como argumento de Aquiles, o erro judicial que, como
logo veremos, carece também de todo valor efetivo.
Examinemos com brevidade os argumentos comumente alegados pelos
abolicionistas, advertindo que ainda que por qualquer razão exponha alguns com a
formulação de um autor determinado, em realidade, os argumentos são comuns a uns e a
outros, e por isso repetidos até a saciedade.
a) "A pena de morte produz um efeito criminógeno, induz ao delito",167 ou como diz
Barbero "tem uma eficácia contrária à intimidante"168 Menciona-se nesse sentido Aubry
que em seu livro "La Contagion du Meurtre", Paris, 1896, havia demonstrado (?) "que a
presença popular ante o cadafalso era um claro fator criminógeno".169
165
166
167
168
169
- Eugênio Mouton, El deber tíe castigar, Trad. esp. de Gonzàlez Alonso, Madrid, (1887), p. 206.
- Die Frage der Todesstrafe, Zwólf Antworten, Múçhen, 1962, p. 139.
- Beristain in La Pena de Muerte. 6 Respuestas, Madrid, 1978, p. 139.
- M. Barbero Santos, Estúdios ãe Criminologia, Valladolid, 1972, p. 155.
- Garcia Valdês, La Pena Capital, Madrid, 1979, p. 35.
64
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
De igual modo se expressava em 1978 o Mundo Diário de Barcelona, mas tudo isto
não passa de afirmações gratuitas, sem a menor prova, e contrárias às mesmas leis da
psicologia humana e da pedagogia, pois é bem notório a todos que a vista dos castigos
retrai as faltas. Já Santo Tomás previu essa objeção que ele expressa assim: "A execução
parece ser prejudicial para o povo, que pode ter ocasião de seu exemplo para pecar. Logo
não se deve impor a pena de morte por nenhuma culpa." E ele mesmo responde que esse
efeito criminógeno não se dá "quando juntamente se dá a falta e o castigo publicamente, já
seja de pena capital ou outra qualquer que cause horror, a vontade humana afasta-se do
delito, pois o castigo aterra mais que o que possa atrair a falta".170
O eminente penalista Amor Naveiro não só nega tal efeito criminógeno da pena
máxima, como ainda, acrescenta, que dita pena "é positivamente moralizadora da
sociedade, como todas as penas justas, porém em maior grau que as demais. Toda pena
imposta merecidamente e com publicidade tende a afirmar nos ânimos dos associados o
sentimento de justiça, faz fixar a atenção na importância e odiosidade do delito, e mostra
que o direito é uma coisa respeitável que não se pode burlar impunemente".171
Válida a objeção de que a vista da punição é criminógena, havia logicamente que
suprimir-se todas as penas, ou seja, deveria sancionar- se a impunidade mais absoluta
porque cada dia se repetem os delitos que não se castigam com pena tão terrível. O
professor Puig Perla é conclusivo na resposta ao "tão traído e levado argumento de que
muitos condenados à morte haviam presenciado execuções anteriores. Em realidade pouco
prova, em primeiro lugar porque nunca se citaram concretamente estes casos, e em
segundo lugar porque não se diz tão pouco em quantos e quais casos se afastaram os
criminosos do delito por efeito da execução presenciada".172
b) A causa mais comum do crime acha-se na miséria e na ignorância em que vive o
povo. Portanto não se hã de buscar o remédio da; delinquência na pena de morte senão na
melhora de vida e na educação e instrução da massa.
Com extrema frequência se ouve esta objeção, inclusive de lábios de gente de boa
fé, que não são abolicionistas, porém sem nenhum valor por apoiar-se em falsos supostos.
170
171
172
- Sto. Tomás, Suma Teol., 2-2, q. 108, a. 3.
- Amor Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte, 2.a ed., Madrid, 1917, p. 206.
- p. puig Pefia, Derecho Penal, Madrid, 1955, 4.a ed., tom. II, p. 351.
65
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Não são a ignorância nem a pobreza elementos criminógenos. Ao contrário, está provado, e
isto o sabem todos os que desta matéria se ocupam, que raríssima vez se dá o caso de um
criminoso analfabeto. E se, dos executores do crime, passamos aos indutores, não
acharemos entre estes nem um só ignorante, senão, com frequência, indivíduos, grupos ou
sociedades, de indubitável solvabilidade intelectual, de par com o mais baixo nível moral.
Quando em Yalta, na Conferência da Criméia, e mais tarde em Casablanca,
Roosevelt e Churchill concordaram com o brinde de Stálin pela execução sumária de
50.000 soldados alemães, inocentes prisioneiros de guerra, quem diria que esse abominável
genocídio perpetrado pelos "três grandes" — grandes sem dúvida em iniquidade — era
filho da ignorância?173 E como este exemplo inumeráveis outros poderiam alegar-se.
Menos ainda, poderia atribuir-se o crime à pobreza. Com freqüência na classe pobre
há bastante mais honradez que na endinheirada. O ilustre sociólogo ianque Roucek declara
que o aumento da criminalidade nos Estados Unidos "não é, como muitos pensam, um
efeito da pobreza, senão, ao contrário, pois, no meio de uma prosperidade sem precedentes,
a nota peculiar do crime levou-a a opulência e não a pobreza; e precisamente o delito de
maior incremento é o referente às lesões da propriedade privada".174 E o famoso escritor
brasileiro, não há muito falecido, Nelson Rodrigues, rebatendo também esse falso conceito
que atribui a delinquência à miséria e à ignorância, escreveu: "Vejam os Srs., os quarenta
terroristas que foram libertados no sequestro do embaixador alemão. Há porventura um
negro? Não, não há um negro. Há um operário? Não. Há um "favelado" — arrabaleiro?
Jamais. São todos das "classes dominantes". São filhos da "alta burguesia". São pais da
"alta burguesia". Ninguém encontra um fanático do Flamengo".175
Convençamo-nos. Onde quer que se encontrem homens capazes de conhecer,
querer e eleger entre o bem e o mal, haverá gente honrada e vis delinquentes, qualquer que
seja sua ilustração e ignorância, sua escassez ou sua abundância de bens materiais.
c) A pena de morte é oposta à concepção moderna da justiça.176
173
174
175
176
- vid. Los documentos de Yalta, trad. esp. de G. Aguirre de Cárcer, in R.E.P., 1956, p. 11-12.
- Jóseph S. Boucek, Crime. The American Way of Life, ih RIS, XXVI (1968) 41-48.
- Nelson Rodrigues, O Globo, 19-VI-70.
- Ap. Garcia Valdês, op. cit., p. 23. É conclusão do Colóquio Int. de Coimbra de 1967.
66
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Será mesmo que com o tempo mudou o conceito de justiça? Haverá hoje duas
noções diferentes e contrapostas de justiça, antiga uma, moderna a outra? É clássica a
definição que o jurista romano Ulpiano, na linha do pensamento de Aristóteles, Cícero e
dos estóicos, deu da justiça: "Constam et perpetua voluntas ius suum cuiqm tribuendi" —
Constante e perpétua vontade de dar a cada um seu direito.177 Esta noção, adotada e
comentada também por Sto. Tomás, segue-a a generalidade dos juristas, até nossos dias.
Sto. Tomás, explicando-a, diz que "seu" ou "seu direito" é "aquilo que lhe é devido
segundo uma igualdade de proporção", quer seja castigo do mal praticado ou retribuição
do bem que se fez. Claro está que, neste conceito de dar a cada qual o merecido, inclui-se a
pena máxima, quando o delito foi extremamente grave. Será isto o que é preciso modificar
na "concepção moderna" da justiça?
A esta alteração ou mutação do conceito de justiça opõe-se, por inteiro, a tradição
jurídica, que se resume nestas palavras: "Toda a teologia católica enuncia com Sto. Tomás
que, por direito natural, é justo e lícito à autoridade pública infligir diretamente a morte aos
malfeitores como pena pelos mais graves crimes."178
Ofende-se a justiça deveras não retribuindo o bem, nem castigando o delinquente,
segundo aquele aforisma jurídico de Siro, que jamais foi posto em dúvida por ninguém:
"Judex damnatur ubi nocens absolvitur" — A absolvição do culposo é a condenação do
juiz —179 ou como sentenciou Shakespeare: "A clemência para o homicida é homicida."
d) A Igreja condenou sempre a violência; e a pena de morte não é mais que uma
violência levada ao extremo.
Entendamo-nos, a Igreja condenou, e sempre condenará, a violência injusta, a do
injusto agressor, porém não a que legitimamente se exerce na repressão aos infratores do
direito e da ordem social, pois esta pertence à virtude cardeal da justiça.
Todo o mundo admite na teoria e na prática que uma pessoa inocente pode repelir o
injusto agressor, até dar-lhe morte, sempre que não exista outro recurso. Ninguém pode
condenar esta violência, nem tão pouco a outra, a esta semelhante, exercida pelas forças de
177
- Dig. L. I Tit. I leg. 10 lustitia est.
- Teófilo TJrdánoz, Introducción à q. 64 da 1." parte da S. Teol. (BAC) VIII, 422.
179
- Publio Siro, Sententine, ap. Meyer, Die Sammlungen der Spruchverse des Publius Syrus, Leipzig, 1873,
n.° 257.
178
67
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
ordem pública ao repelir as agressões de que são vítimas elas mesmas no exercício de sua
missão, ou outros cidadãos inocentes.
Na verdade, seria insultante equiparar a injusta violência autêntica, isto é, a do
terrorista que mata, e a "violência institucional", como alguns a chamam, e é a do agente da
autoridade, que defende e se vê obrigado, por sua profissão, a reprimir, com a força
necessária, os violadores do direito que eles ou outros têm à vida.180
Do mesmo modo, contra a máxima violência injusta de um assassino que tira a vida
a seu semelhante; será sempre justa a violência do poder que executa o homicida.
Alegam alguns que o assassino, o terrorista, o anarquista é com frequência um
enfermo mental, contra o qual seria injusto empregar medidas de violência. Sem dúvida,
essas considerações psicológicas contribuem para esclarecer o problema, "porém, como diz
Kúnneth, marcadas como vêm pelo prejuízo abolicionista, não logram a força de apresentar
qualquer argumento válido contra, ou a favor da pena capital"181. É absurdo pensar que
todos os delinquentes são débeis mentais ou enfermos psíquicos. De fato, os que assim
sejam, levemos a um sanatório psiquiátrico, porém os que não o são devem receber os
castigos que mereçam.
e) A pena de morte é uma vingança e como tal não deve manter- se nos países
cristãos.
Afirmação gratuita e sem prova alguma. A vingança, em geral, é a satisfação que se
toma pelo agravo recebido. Ou seja, em outras palavras, é a retribuição do mal perpetrado e
recebido, infligindo outro mal a quem nos fez agravo.
A qualificação ética de boa ou má cabe à vingança, como ensina Sto. Tomás, da
intenção de quem a exerce: "Se se pretende sobretudo o mal para quem nos ofendeu ou
maltratou, e por ele se alegra, isto é totalmente ilícito, porque alegrar-se pelo mal do
próximo é ódio, oposto à caridade que com todos devemos ter, sem que nos chegue a
desculpar que o outro lhe haja antes desferido um mal. Em troca, se a intenção de quem
executa uma vingança é conseguir o bem do culpado, por meio do castigo, como o seria
logrando sua emenda, ou, ao menos, sua inibição, tranquilidade dos demais e exercício
180
181
- v. Feliú, Dos clases de Violência, in Fuerza Nueva, 631 (10-XI-79) 33.
- Valter Kiinneth, in Maurach. e outros, Die Frage der Todesstrafe, p. 155.
68
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
da justiça e da honra devida a Deus, então pode ser lícita a vingança."182
Com efeito, uma coisa é querer o mal de outro com ânimo de vingança, e outra,
muito diferente, querer a reparação do direito violado. O primeiro é ilícito por ser contrário
ao mandamento de Cristo de amar a todos e perdoar de coração a quem nos ofendeu. O
segundo é perfeitamente lícito e, tratando-se da autoridade pública, a vingança ou castigo
do malfeitor é, não só lícita, senão obrigatória, e ato de verdadeira caridade, pois caridade é
a tutela do inocente e a defesa dos direitos violados pelo elinquente.
Esta vingança ou "vindicatio" pública — que exclui o sentido da vingança privada
— é a que São Paulo atribui ao governante supremo, a quem chama "vingador" para
castigo de quem obra mal.183
Estamos pois em que é preciso distinguir entre a cobrança rancorosa, privada, de
um agravo recebido, e a nobre missão do príncipe, vingador da justiça e guardador da paz e
da harmonia social.
f) O homem não pode medir a culpa do homem. Só Deus conhece a intimidade do
homem, e só Ele lhe pode medir a maldade. Portanto a pena só está em mãos de Deus.
Este argumento estranho e chocante, fundado na não distinção dos foros interno e
externo, é de Vecilla de las Heras. Segundo este autor, como a malícia e o pecado são
internos no homem e, portanto, não sendo mensuráveis nem ponderáveis, não podem ser
suscetíveis de módulo que nos sirva de norma para calcular a dimensão ou gravidade da
pena merecida, esta não pode ser infligida.
A ser válida a objeção, nem a pena capital nem nenhuma outra pena poderia
infligir-se sem perigo de injustiça. Tão pouco o governante poderia premiar com equidade
o bem, pois sendo a bondade como a malícia fenômenos internos, íntimos da pessoa, não
sujeitos à medida, só Deus poderá dar o justo a cada um.184
Que o governo ou autoridade social será essa que está incapacitada para premiar o
bem e castigar o mau proceder de seus membros?
Vencilla cita Amor Ruibal, dando a entender pelo contexto que este egrégio mestre
apoia sua tese. — Demasiado inteligente era aquele filósofo para não tropeçar no
182
183
184
- Sum. Teol., 2-2, a. 108 (BAC, tomo IX, p. 479-480).
- Rom. XIII, 4.
- Vecilla de Las Heras, op. cit., p. 68.
69
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
abolicionismo. — Amor diz que "a pena não é uma expiação do mal moral, senão nas
mãos de Deus", o que é de toda evidência pois do mal moral ou pecado só Deus lhe
conhece a malícia. Mas, imediatamente, o insigne autor, distinguindo a maldade interna
das ações ou seja o mal moral, que pertence ao foro interno, do ato externo delituoso que
consiste na violação de uma lei que leva anexa uma pena, acrescenta: "A pena é somente
um instrumento de conservação da humanidade, e da defesa de seus direitos, de que se há
de tomar a norma de sua extensão e de seus limites."185
As penas, seja de que tipo for, impõem-se tendo em conta, não a malícia interna do
réu, que só Deus conhece e pertence ao foro interno, senão segundo a apreciação humana
do ato externo delituoso. Essa condição de que a violação constitutiva do delito punível
deva ser externa já era exigida no Direito Romano.186
Não pode ignorar Vecilla que a Igreja tem, desde as origens, sua legislação penal,
com diversidade de sanções e castigos, e, não obstante, é aforismo canônico que "de
internis non judicat Ecclesia" — Não castiga a Igreja os atos internos.
Quando qualquer um comete um grave delito, enquanto pecado, o mal moral
remete-o a Igreja ao tribunal da penitência, que conhece somente o que concerne ao foro
interno; porém enquanto delito, manda-o ao tribunal ou foro externo para ser julgado e
receber o que mereça, como delinquente. Um exemplo bem recente: a justiça italiana
condenou o agressor do Papa, Mohamed Ali Agca, a cadeia perpétua, e o principal afetado,
João Paulo II, perdoou o agressor.
Análoga à precedente objeção é a que apresenta a escola de Sociologia Criminal, de
Garófalo, Ferri, Kimberg etc. que, havendo negado o livre arbítrio humano, se encontra na
impossibilidade de chegar a uma noção aceitável de imputabilidade criminal.187 Agora
bem, "o fundamento ou título do poder coercitivo é a imputabilidade da ação externa"188, e
por outra parte, o poder social é o que, à base da imputação provada, inflige o castigo. Se
pois se nega a imputabilidade, a autoridade fica inerme e não pode impor pena alguma. A
185
- Amor Ruibal, Der. Pen. etc. I, 32.
- DIG. 48, 19, 18 Ulpianus.
187
- cfr, O. Kimberg, Vber die Unzulãngligkeit aller Versuche einen Begriff der Zurechnunfãigkeit
aufzustellen, in fAonatschrift fur Krim. Psych. unã Strafrechtreform.
188
- wernz — Vidal, Ius Canonicum, Roma, 1937, tomo VII, p. 30. Ver também nosso estudo "El libre
albedrio: solución de la más grave antinomia que su estúdio presenta, in O Estado de Direito: Primeiras
Jornadas Brasileiras de Direito Natural, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1980, págs. 394-395.
186
70
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
sociedade torna-se ingovernável.
g) Matar alguém é uma barbárie. A pena de morte é desumana por destruir a vida
que é a essência do humano.189
De acordo, nada mais certo que matar alguém é desumano, é uma barbárie, razão
pela qual é indispensável, ainda à custa de terríveis escarmentos, impedir que os punhais,
os venenos e os assassinos se façam presentes e frequentes no meio de cidadãos pacíficos e
inocentes. Por isso, o poder social deve desdobrar toda a força necessária com o fim de que
os malfeitores se acobardem e desistam de suas malfeitorias. Se é inevitável que alguma
vítima pereça, melhor é que morram os facínoras mas não os inocentes.
Claro está que não faltam as carpideiras, os que se comovem e se derretem ao
pensar no patíbulo dos criminosos, porém eu, e comigo a maioria dos bem nascidos, sinto
que são outros os espetáculos que mais nos movem à compaixão. A Gazeta dos Tribunais,
de Itália, referia, faz anos, que um filho sem entranhas, depois de haver golpeado,
escarnecido e ensanguentado durante vinte anos, quase todos os dias, seu pobre pai, acabou
assassinando-o, fazendo-lhe oito a dez feridas. Pela só leitura do fato sentimo-nos
estremecidos por altíssima compaixão pelo pobre ancião, execrando, ademais, aquele filho
monstruoso, e sentimos a necessidade de que, estando provado o delito, o expie com a
morte. Igualmente uma pobre esposa, durante muitos anos maltratada por seu marido, que
lhe provocou o aborto em diversos casos e que depois de haver-lhe mil vezes posto um
punhal na garganta, porque a infeliz se lamentava das prostitutas que a sua casa conduzia,
estudando bem o golpe, degola primeiro, em sua presença, sua irmã e a mãe, e sua esposa
depois de por-lhe um laço afim de estrangulá-la, porque a infeliz luta, machuca-lhe as
fontes com um martelo e parte-lhe com um punhal o coração. Lendo, o nosso coração
comove-se de piedade para com a infeliz esposa, porém, por desgraça, a compaixão é
muito distinta entre os homens. Há quem a sente pelo ladrão e quem pelo esbulhado; quem
pelo réu e quem pelo inocente, quem pela vítima e quem pelo assassino.
Para o novelista francês Gary, prémio Goncourt, a abolição da pena de morte não é
prova de um maior progresso moral e social, "senão, ao revés, de um retrocesso, posto que
supõe tirar valor à vida, à vida mesma que, até ontem, era algo sagrado"190. É que para
189
190
- Barbero Santos, in La pena de muerte. 6 Respuestas, Madrid, 1978, p. H.
- Ap. Monsegú, in Roca Viva, VI, junio 1973, 470.
71
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
os abolicionistas a vida também é sagrada, porém, não a de qualquer semelhante, senão tão
só a do assassino. Este pode matar dez ou vinte inocentes, porém a dele é sagrada, é
intocável, privá-lo dela é barbárie, é desumano (!!).
h) A pena de morte constitui uma infração da lei divina "não matarás", mesmo
quando aplicada com fins de justiça.191
A esta objeção respondo com o relato da seguinte anedota.
Em um debate sobre a pena de morte, na televisão de São Paulo, o Ministro Nelson
Hungria, autor principal do vigente Código Penal brasileiro e de um extenso comentário
sobre o mesmo, dirigiu-me estas palavras: "O Sr., defendendo a licitude da pena capital,
está em contradição com o mandamento divino. Moisés, o grande legislador Moisés,
prescreveu, por ordem de Deus, categórico "não matarás" e o Sr. propugna que é legítimo
matar nossos semelhantes". Respondi-lhe: Por que V. Exa., Senhor Ministro, se detém só
nesse versículo do Êxodo e não leva em consideração o que se diz no resto dos livros
sagrados? Se V. Exa. os lesse, veria como o mesmo grande hagiógrafo, que foi Moisés,
comina em várias passagens a pena de morte para diversos delitos. Quanto ao homicídio, o
declara explicitamente no Gênesis: "Todo aquele que derramar o sangue humano terá o seu
derramado pela mão do homem." Esta sentença repetiu-a o próprio Jesus Cristo no Sermão
da Montanha, fazendo-a sua. Observe, Senhor Ministro, como o próprio hagiógrafo nos dá
a razão fundamental da proibição do homicídio, recordando que o homem é viva imagem
de Deus, inteligente, livre e destinado por sua inefável Providência, para ter parte na
felicidade de que goza o mesmo Deus. O Ministro concordou e manifestou satisfação pela
resposta.
Como são muitos os que tropeçam no significado equívoco do vocábulo "matar",
que no Êxodo quer dizer simplesmente assassinar, transcrevo aqui o esclarecimento que
dos sentidos dessa palavra nos dá o exímio Suárez.192 "O fato de matar um homem nem
sempre é homicídio, que a lei natural proíbe, senão que o é unicamente quando se realiza
por conta própria, e, diretamente, ou seja, de propósito ou tomando a iniciativa. Não é
homicídio, em troca, quando se mata em legítima autoridade ou em defesa própria." Já
Santo Agostinho havia desfeito o equívoco em A Cidade de Deus.
191
192
- G. Caronia, in Stanislas cTAutremont, Peut-on Tuer?, Turnhout, 1964, p. 15.
- Francisco Suárez, De legibus, L. II, XVI, t. (na ed. do Corpus Hispanorum de Pace, C.S.I.6., XIV, 83).
72
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
i) A pena de morte é contrária ao Sermão da Montanha. Nele Jesus disse: "Amai
vossos inimigos e orai pelos que os perseguem. Perdoai e sereis perdoados."
No mesmo debate da televisão a que antes fiz referência, o Ministro Nelson
Hungria, a certa altura da discussão, disse, com ênfase: "Eu sou mais evangélico que o
Padre Silva, pois Jesus nos ordena amar e perdoar nossos inimigos e para o P. Silva nada
de perdão. Matar quem com dolo mata."
Senhor Ministro, respondi-lhe, V. Exa., que é jurista esclarecido e alto Magistrado,
não pode ignorar que há duas ordens da vida em sociedade, a ordem da caridade que
concerne a todos os homens e a ordem da justiça que incumbe tão-só à autoridade pública e
que ela exerce através do poder judiciário. É de toda evidência, pelo texto e contexto
daquelas expressões, que por elas Jesus se dirigia a todas as pessoas humanas, a cada um
de nós, aconselhando-nos a caridade e o amor; não às autoridades e aos que administram a
justiça em toda sociedade humana.
O juiz que conhece a causa de um crime e pronuncia uma sentença condenatória do
réu, não está julgando um inimigo pessoal — inclusive se o réu fosse parente ou inimigo
manifesto do juiz, este é declarado incompetente no caso — senão um malfeitor que violou
os sagrados direitos de um cidadão, direitos cuja defesa e tutela incumbe como obrigação à
autoridade pública.
Imaginemos, Senhor Ministro, que algumas pessoas vão a seu tribunal questionar
sobre graves maltratos e despojos de que foram vítimas. Qual seria a atitude de V. Exa. em
tal caso? Ousaria porventura dizer-lhes: "Senhores, nada tenho a fazer com vossas queixas.
Eu sou católico e evangélico e por isso perdoo todos os que os maltrataram e roubaram?"
(risos na platéia.) "Senhor Ministro, replicariam eles, os maltratados e roubados fomos nós,
não Vossa Excelência, e corremos à justiça para que nos ampare nossos direitos com uma
justa reparação de agravos e para que nos devolvam os bens de que fomos despojados."
Claro está que os querelantes tomariam sua atitude como um intolerável sarcasmo.
Tanto nisto do perdão, como no que diz respeito à não resistência ao injusto
agressor, é necessário distinguir sempre o que concerne ao indivíduo e seus direitos, do
concernente ao que representa ou tem a seu cargo a tutela dos outros. Diz muito bem um
escritor atual: "Uma pessoa, só, está em seu direito se aceita a não resistência ao agressor,
porém desde que tem a seu cargo uma família, uma comunidade, uma nação, seria imoral
73
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
sacrificá-los co inimigo."193 E o mesmo diga-se do perdão. Bem fez Santa Rita de Cássia
perdoando o assassino de seu marido, e lhe foi computado como mérito, porém mal haveria
feito a justiça se deixasse impune o nefando crime.
"A vítima de uma injustiça, dizia o grande Pontífice Pio XII, pode livremente
renunciar à reparação; mas a justiça, por sua parte, assegura-lhe em todos os casos."194
j) "A pena de morte é uma usurpação do direito divino. A sociedade não pode tirar
aquilo que não concedeu. A vida do homem é coisa sacratíssima tanto para os próprios
homens como para os governos."195 "Da vida de um homem nenhum outro, qualquer que
seja sua autoridade, pode dispor sem usurpar o poder de Deus."196
Para os crentes, assim como para todos os que, desde a antiguidade até hoje, não
hajam negado a lei natural e para quem o mundo é governado por alguma instância
superior e transcendente, essa objeção carece de valor. Com efeito, se bem é certo que a
vida e os primeiros: direitos do homem, como o de propriedade, a liberdade etc, não no-los
outorgou a sociedade, senão que a ela são anteriores, pois derivam do direito divinonatural, do mesmo Deus criador de nossa natureza; resulta também que a sociedade,
composta por homens naturalmente sociáveis, é do mesmo modo de direito natural, e
portanto deve estar dotada, nos que a governam, de todos os poderes e atribuições
requeridos para manter a união e pacífica convivência do cidadãos. Fora dos ateus e
ultraliberais ninguém nega o aforismobíblico: "Todo poder vem de Deus." "Por mim
reinam os Reis e os príncipes decretam o justo."197
Na pessoa do legítimo superior reconhecem os povos o Rei dos Reis e rendem-lhe
vassalagem, obedecendo-lhe. É ademais, o que governa, ministro de Deus, e em seu nome
leva a espada, e não inutilmente — non sine causa gladium portat.198 Não é pois ele, quem
ao homem mata, senão Deus, que por meio do homem exerce sua justiça.
193
- Thomás Moinar, El pacifismo y la Paz, in Verbo, Madrid, 221, 1984, 48.
- Discurso a los participantes en el VI Cong. Int. de Der. Penal, 3-X-53 in Docum. Políticos, BAC, p. 414.
195
- miz Francisco da Veiga, O primeiro Reinado Estudado à Lus da Sciencia, Rio de Janeiro, 1877, p. 199
200.
196
- Carnelutti, in Barbero Santos, Est. de Crim. y Der. Penal, Valladolid, 1972, p 162
197
- Prov. VIII, 13.
198
- Rom. XIII, 4.
194
74
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Por conseguinte, a sociedade, assim como sem haver-nos dado a liberdade pode
privar dela os delinquentes — ninguém, nem o mais indomável abolicionista negou o
poder de prender um assassino — também pode privar o criminoso do desfrute da vida.
Isto expressou-o com clara distinção de conceitos o Papa Pio XII, fazendo notar que, de
fato, o Estado não dispõe do direito à vida de um cidadão, porém sim, pode privar o
condenado do bem da vida, em expiação de sua falta, depois que ele por seu crime se
privou já do direito à vida".199 Famosa fez-se aquela frase de Sócrates referida por Platão:
"Não te matei eu, senão que te matou a lei", indicando que não é o homem que impõe a
pena de morte, senão que a sociedade a exige para sua tranquilidade e subsistência.
Não é pois o Estado, quando executa um homicida, um usurpador do poder de
Deus, senão que atua com os poderes que, como reitor da sociedade, para seu pacífico
governo, Deus lhe outorgou. Com assombro vejo que o padre Beristain nega essa
autoridade vicária do Estado, fundando-se, diz ele, "na teoria católica sobre o Estado e a
autoridade" (!). Ter-se-á olvidado que o próprio São Paulo nos diz que o príncipe é
ministro de Deus para a justiça?
"A vida do homem, dizem, com Veiga, muitos abolicionistas, é coisa sacratíssima",
porém, qual vida? A do celerado ou a do inocente? Poremos as duas no mesmo plano?
Ainda pior, pois vemos que o que lhes dói não são as vidas de inumeráveis inocentes, que
cada dia morrem em mãos de terroristas e criminosos, senão a destes. Pois bem, sejamos
sinceros, essas duas vidas não são de modo algum equiparáveis. Se a do inocente é tão
preciosa, como o é de fato, por que não defendê-la a qualquer preço? Não será lógico que,
se não houver outros meios de deter o criminoso, como de fato acontece, se chegue à morte
do injusto agressor, que não respeita a vida dos outros semelhantes?
k) Não se deve responder a um crime com outro crime nem devolver o mal com o
mal. Isso já prevaleceu e não deve voltar.
Equiparar a execução do réu ao homicídio por ele cometido é pura demagogia
intolerável, pois ninguém há tão insensato e tão néscio que não veja o absurdo dessa
afirmação.
Na verdade, a quem em seu reto juízo pode ocorrer colocar na mesma balança o
criminoso que deflora uma donzela e a mata ou degola um ancião para roubá-lo e o juiz
199
- AAS. , 1952, p. 783.
75
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que, em virtude da lei, em sua nobilíssima missão de defesa da sociedade, envia ao
patíbulo esse malfeitor? Se esse argumento se reduz ao preceito talonário, olho por olho,
dente por dente, já fica dito, em páginas anteriores, em que sentido é admissível e legítimo
esse preceito.
Mas expliquemos a equação entre delito e castigo, que se segue à expressão "mal
por mal", e que ainda por gente ilustrada e bem intencionada é erroneamente entendida.
Tudo deriva da ambiguidade ou duplicidade de sentido do vocábulo mal. Já o
sapientíssimo doutor medieval Santo Isidoro nos fez notar esse equívoco: "O mal que
qualquer um faz é um pecado, o mal que sofre é um castigo."200
Não há pois equiparação ou igualdade possível entre delito e pena por serem os
dois males, embora heterogêneos. Se o delito é mal moral ou culpa, o castigo ou dor é mal
de pena. Uma vez mais vemos aqui que no castigo não há, nem pode haver, igualdade com
a falta, senão tão só certa proporção entre a culpa que envilece e a pena que redime.
l) É preferível à morte, e mais temida pelos criminosos, a pena de cadeia perpétua:
ela basta para dissuadir o delinquente.
Que ilusão! Pois se o temor da pena de morte não é suficiente para dissuadir certos
malvados de seus propósitos perversos, como imaginar que a simples ameaça de uma
prisão os detenha? Quando em 1931 o Estado de Washington, da União Americana,
substituiu por seis anos ad experimentum a pena capital, pela de reclusão perpétua, um
assassino, interrogado pelo juiz, se não temia o rigor das leis punitivas do Estado,
respondeu: "Não, de modo algum, por que vou temê-las se o mais que o Estado pode fazer
é dar-me cama e mesa?" Como resultado dessa resposta fez-se sentir o clamor do povo,
reclamando o restabelecimento da pena de morte, como assim se fez. Do mesmo modo de
pensar daquele ianque há sem dúvida outros muitos. O delinquente Severino Monteiro,
detido em flagrante pela polícia de São Paulo, declarou que seu ato era premeditado,
"pensando assim volver ao cárcere onde não lhe faltava o que comer"201. E idêntica
declaração fez Lauro Correia, ao juiz penal, no Rio de Janeiro.202
200
201
202
- Santo Isidoro, Etimologias, L. V., 27, ed. da BAO, Madrid, 1982, I, p 530.
- Folha da Tarde, de São Paulo, 25-V-74.
- Jornal do Brasil, 3-VI-80.
76
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Em qualquer país em que não está vigente a pena capital, como procederá um juiz a
quem um réu diz: "Sr. juiz, se o Sr. me condena, quando sair da prisão, o matarei"; ou
aqueles agentes da justiça a quem o detido declara: "Bem podem os Srs. prender-me porém
quando ficar livre matarei todos um por um?" Pois é lógico pensar que tão-só o medo da
morte — por hipótese inexistente em tal país —, deterá esse malfeitor dessa vingança. Será
que tal réu, ainda que o seja só de um pequeno delito, deverá reter-se na prisão até o último
dia de sua existência, para não expor a vida do Magistrado e dos agentes ameaçados?
Desde logo para uns e outros há outra alternativa, expor-se a vida todos os dias, sabendo
que seus inimigos malfeitores saem a qualquer momento do cárcere dispostos a matá-los
traiçoeiramente, como está acontecendo em diversos lugares, com máxima frequência; ou
não persegui-los nem condená-los, deixando assim inerme e indefesa a sociedade, com o
conseqüente aumento da criminalidade e da insegurança e medo dos cidadãos. Respondam
a isto, que desgraçadamente nada tem de imaginário, os apaixonados inimigos da pena de
morte.
Muitas e muito inúteis fadigas assumiram alguns adversários da pena máxima, no
intento de provar que a cadeia perpétua, ou uma vida miserável na prisão, é mais duro e
temido castigo, que uma morte rápida e com relativamente pouca dor. Dessa teoria disse
Feuerbach que era muito linda na retórica, mas na prática não correspondia ao sentimento
comum dos homens203 e Cathrein acrescenta com mais dureza, que tal teoria terá sempre
contra si — werden sie immer zum gegner haben — o sentir de toda mente sã 204. Este erro
é de tal evidência que o próprio Holzendorff, que, segundo Cathrein, é seguramente "o
mais notável dos abolicionistas", o rebate com firmeza. "O pavor, em presença da morte,
que nasce do instinto de conservação, é um fato humano que provém da natureza mesma e
portanto uma realidade inegável de que o legislador não pode duvidar."205 É que essa pena,
acrescenta o mesmo autor, "representa para o comum dos homens o maior mal que seja
dado imaginar".
Certamente o velho Aristóteles não tinha essas ilusões dos abolicionistas pois,
falando das coisas mais temidas pelo homem, diz que "a mais terrível é a morte, porque ela
203
- A.R. von Feuerbach, Lehrb. des peinl. Recht, p. 228.
- V. Cathrein, Moralphilosophie, tomo II, p. 656.
205
- Fr. von Holzendorff, Das Verbrechen des Moraes und die Todesstrafe. Kriminalpolitisehe und psychol.
Untersuchungen, Berlim, 1975, p. 17.
204
77
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
é o término e além da mesma nada há já bom nem mau para o que morre" 206.
Tenhamos por induvidável que, para certos homens perversos, nem a ameaça da
cadeia perpétua será eficaz para retraí-los do homicídio. Acrescente-se a isto o fato de que
hoje é quase impossível a cadeia perpétua, e ao malfeitor, conservando a vida, sempre
acompanha a esperança de que uma fuga ou um indulto o exima da pena, ou de que uma
revolução qualquer lhe devolva a liberdade perdida. Temos na Espanha, nos anos mais
recentes, bastantes exemplos de criminosos e terroristas soltos e que se apressarem a
repetir suas malfeitorias, de que resultaram mortas muitas pessoas inocentes. Não é um
fato evidente que em todo tempo e lugar a comutação de uma pena de morte, na de prisão
perpétua, é uma graça ardentemente desejada e procurada pelos réus? Este fato não teria
explicação se a morte no patíbulo fosse menos temida e preferida à cadeia perpétua.
m) "Mas credes vós deveras agir de modo exemplar quando miseravelmente
degolais um pobre homem na esquina mais deserta das avenidas exteriores?" Vítor Hugo,
"Eu recordo, ainda com medo, terror e espanto, a impressão que me produziram algumas
páginas de Vítor Hugo, meus dezesseis anos estremeceram de piedade."207
Eis aqui, com toda sua força, calcada a tecla do sentimentalismo, tão grata aos
abolicionistas. Desde logo as perorações românticas e retóricas de um Vítor Hugo não
surpreendem ninguém que conheça de perto aquele grande poeta, sim, grande poeta, porém
muito medíocre e superficial pensador. Seja bastante recordar-lhe os grandiloquentes hinos
ao progresso que, "junto com o desenvolvimento da ciência, traria uma era de paz ao
mundo, pois já não haveria mais crimes, se fechariam as prisões pelo cessamento da
delinquência e seriam abolidas as leis penais e os tribunais de justiça, porque, como frutos
do progresso, a paz e o amor reinariam por toda parte". Com mediano conhecimento da
humanidade e da psicologia do homem tivera-se livrado de aparecer como um simples
sonhador.208
206
- Aristóteles, Ética a Nie., 3, c 6 (1115 a 26).
- Amado Nervo, La última vanidad, Obras completas, vol. XXIX , p. 114, onde cita V. Hugo.
208
- Apesar do "vazio verbalismo cenográfico", como (Msse o escritor lusitano João de Lebre — (Da pena ãe
morte, Paris, 1920, p. 127) — a descrição do verdugo, em "O último dia de um condenado", pela comoção
sentimental que em muita gente produziu, influiu mais na abolição, como afirma A. Nervo, que muitos
livros a ela dedicados.
207
78
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
É habitual nos abolicionistas, à falta de argumentos positivos, derivar pela via do
sentimentalismo, intentando levar por esse caminho à repulsa da pena de morte. Esta,
descrevem-na, pintando os atrozes sofrimentos a que eram submetidos em outros tempos
os malfeitores, o horror das prisões, a terrível crueldade dos castigos, os "autos de fé" da
Inquisição espanhola.209 Mas como a Inquisição perseguiu os judeus conversos judaizantes
e foi o instrumento da Espanha em sua titânica e gloriosa cruzada para a contenção da
heresia luterana no ocidente, todos esses elementos a que logo se juntarão os maçons,
donos quase absolutos dos meios de comunicação, não cessam de denegrir e pintar com as
mais horríveis cores, em máxima parte imaginários e inventados, as atuações daquele
tribunal da fé.210
São desgraçadamente hoje, todavia, muitos os espanhóis que, ou por ingenuidade,
ou ignorância, ou por sectarismo anticlerical, naufragam na fé, fazem eco a esses seculares
inimigos da Espanha, secundam suas campanhas e repetem suas diatribes contra a Espanha
inquisitorial, que velis nolis, como dizia Séneca, é a Espanha gloriosa, a do Século de Ouro
que as demais nações invejam.
Eu pergunto. Por que esse cuidado em descrever com tão negras cores os atrozes
tormentos a que algumas vezes foram submetidos os sancionados com a pena capital, e não
209
- A Inquisição nos tempos áureos e mais ativos foi querida e bendita por todos os espanhóis. "Não foi a
Inquisição, disse uma vez Pedro Sáinz Rodríguez, uma imposição do Estado à consciência nacional, senão
uma criação dessa consciência nacional. Tribunal popularíssimo, era o instrumento com que a fé coletiva do
povo espanhol tratava de libertar-se, consciente e voluntariamente, de todo contágio que pudera trazer
como consequência uma divisão dessa unidade da consciência coletiva". V. Peliú, La Inquisiciõn otra vez, in
Roca Viva. n.° 25 (1-1970), 41; e o próprio Unamuno, com tanta frequência hostil à Igreja institucional,
declarou: "Não, não vamos supor que a Inquisição fora algo externo a nosso espírito coletivo e a ele
imposto, não". "A Inquisição brotou das entranhas mesmas da alma espanhola" (A. Junco, Inquisiciõn sobre
la Inquisiciõn, Mejico, Ed. Jus, 4.a ed., 1967, p. 60). Muitos são hoje os historiadores estrangeiros que têm
saudades da sorte da Espanha, que, à custa de um mui reduzido número de executados — nunca tão
cruelmente tratados como os proscritos nos cárceres de outros países — salvou a nação das terríveis
guerras de religião que assolaram e levaram a morte e a fome a considerável porção da Europa, e pôde
conservar a unidade religiosa, social e civil e conservar a paz durante três séculos.
210
- A bibliografia sobre a Inquisição é imensa e não é este lugar para indicações. Só dizemos que nenhum
espanhol deveria desconhecer o já citado Inquisición sobre la Inquisiciõn, do ilustre mexicano Alfonso Junco.
Sumamente interessante é também a este respeito a recente obra de Jean Dumont, L'Êglise au risque de
VHistoire, Paris, Criterion, 1982.
79
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
em fazê-lo igualmente quanto à ferocidade, à sevícia absoluta e inaudita com que agora
vemos, em qualquer país e quase todos os dias, imolar anciãos, mulheres e crianças etc. ,
absolutamente inocentes? É o de sempre, a sensibilidade invertida.
Este sentimentalismo, ou melhor diríamos pieguice convencional, que leva ao
extremo absurdo de sustentar que não se deve castigar o assassino senão tão-só infligir-lhe
alguma pena medicinal para sua emenda, provocava as iras do eminente Carrara, que, foi
nisto, não "um antagonista convicto, senão um fero adversário". Ele proclamou que "a
pena só pode ser uma coisa: uma pena. Benigna sim e justa, porém adequada ao delito já
cometido e imutável, quaisquer que sejam as mudanças posteriores". O contrário leva a
"funestas ilusões que olvidam a proteção dos bons para educar os maus. A mitigação da
pena merecida, com o pretexto de uma presumida emenda, provoca a delinquência e
constitui um escândalo político"211.
Em honra desse sentimentalismo, Carnelutti propõe que as prisões e penitenciárias
se convertam em "sanatórios das almas" e que as sanções se imponham "como atos de
amor", sem rigores nem aflições.212
O resultado dessa politica sentimental descreve-o vigorosamente e com duros traços
outro jurista italiano contemporâneo. "Hoje temos, como tristemente salta à vista de todos,
uma delinquência por toda parte, que, talvez jamais como agora, alcançou uma violência,,
expansão, brutalidade, consciente e manifesto desperdício de todo freio humano ou divino.
Por isto, ante o ideal da pena como ato de amor, opõem-se as instâncias dos povos
reclamando o restabelecimento da pena capital, onde foi abolida, e sua frequente e rápida
aplicação onde todavia se mantém."213
Essa campanha em que se invertem os sentimentos, brandura com o assassino e
esquecimento do assassinado, levada a cabo sistematicamente e com pertinácia pelos mais
apaixonados abolicionistas, não havendo sido decidida em contrário por uma ilustração
suficiente de signo oposto, obteve e está obtendo bom êxito incontestável nos. mais
diversos países, de tal modo que a imensa maioria dos que opinam em favor da abolição o
fazem por um sentimento cego, não por convicção individual.
211
- p. Carrara, Programa dei Corso de Diritto Criminale, I0.a ed., Florença,
1907, § 645, nota, p. 14.
212
- Francesco Carnelutti, II Problema delia Pena, Roma, 1945, p. 35.
213
- Biagio Petrocelli, Saggi di Diritto Penále, Pádua, Ceiam, 1952 p. 482.
80
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Faz já muitos anos que o celebrado escritor lusitano Júlio Dantas, referindo-se à sua
pátria, onde havia sido abolida a pena capital, escreveu: "Há já tempo que se vem dando
entre nós o fato, na verdade estranho, de toda a gente se comover até às lágrimas com a
sorte dos criminosos, sem se lembrar de lamentar a sorte das vítimas. Este excesso de
sensibilidade, verdadeiramente paradoxal, é uma manifestação perigosa numa sociedade
que tem, não apenas o direito, mas o dever de defender-se."214
Valha, sobre todas, a afirmação clara e categórica do Presidente Nixon em 10 de
março de 1973 na Tv em vista da crescente criminalidade na União: "Criticou todos os
funcionários do corpo de justiça que ao pretender defender os direitos dos delinquentes
olvidam os direitos das vítimas inocentes."215
Fique não obstante bem claro que estamos longe de censurar a defesa dos direitos
legítimos do malvado ou que dele se tenha piedade e misericórdia, o que é muito cristão. O
que se censura é que isto se faça em detrimento, de qualquer forma que seja, da justiça, da
eficaz defesa que, com preferência, aos bons é devida. Com admirável claridade e precisão
explica isto Sto. Tomás: "A misericórdia, se está regulada pela razão, é uma virtude moral,
isto é, quando se exerce sem violar a justiça, porém não o é quando se trata de um simples
sentimento ou paixão."216
Em um debate na televisão do Rio de Janeiro um interlocutor interpelou-me:
"Gostaria o Sr. de ser juiz e firmar uma sentença de morte?" Não, definitivamente não,
respondi-lhe, não foi essa minha vocação, como tão pouco gostaria de ser coveiro para
enterrar os cadáveres, ou cirurgião para fazer anatomia no corpo humano afim de dar-lhe
saúde, e, não obstante, louvo o coveiro cuja missão é uma obra de misericórdia, abençoada
por Deus, e amo os cirurgiões em sua nobilíssima missão, um dos quais já salvou minha
vida em certa ocasião. Assim pois, se houvera elegido a nobre e santa missão de exercer a
justiça e me encontrasse na contingência de julgar o réu de um hediondo crime,
plenamente provado, minha sensibilidade sentir-se-ia, porém meu pulso não estremeceria,
nem meu ânimo vacilaria um instante ao firmar a sentença que conduzisse ao patíbulo esse
criminoso, em defesa da ordem jurídica e social que me havia sido confiada.
214
- Júlio Dantas, Arte de amar, Lisboa, s.d., p. 122.
- Na imprensa diária. Vid. também comentada a notícia por Ramón. Castells in Fuerza Nueva, 325, 31111-73, 19.
216
- Suma Teol., I-II, 59, 1 a 3.
215
81
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Diz-se de Hernán Cortês que lamentava saber escrever, ao firmar sentenças de
morte. "Cortês, conta seu cronista, disse entre grandes suspiros: Oh, quem não soubera
escrever para não firmar sentenças de morte." E comenta Fuentes Mares: "suspiraria muito,
mas não lhe tremeu a mão"217.
12. O ERRO JUDICIAL
A quase totalidade dos abolicionistas, em seu combate contra o instituto da pena de
morte, põe toda sua ênfase no argumento baseado no erro judicial. Ainda suposta a máxima
retidão na administração e exercício da justiça, são possíveis e ocorrem, como em toda
atuação humana, erros na aplicação das penas, inclusive tratando-se da mais grave que é a
de morte, erro que pode levar ao patíbulo um inocente. Se pois, dizem, isto é possível e já
algumas vezes aconteceu, é lógico que, para evitar que se repita tão lastimoso e terrível
evento, seja proscrita a imposição da pena de morte, visto como o efeito fatal de tal erro é
absolutamente irreparável.
Para muitos abolicionistas este argumento é como uma fortaleza inexpugnável,
irrebatível para os retencionistas da pena capital. Não obstante, apesar do particular relevo
que dão a esta condição falível da pena, e da confiança que isto lhes inspira, como aríete
debelador do instituto da pena de morte, é indubitável que tal argumento carece de valor e
é preciso desestimá-lo e rebatê-lo por três motivos principais: a) é erróneo pensar que a
reparabilidade seja condição necessária para a licitude do castigo; b) a dificuldade e
raridade com que possa ocorrer um erro judicial faz com que praticamente não tenha valor
na administração da justiça; c) funestíssimas seriam as consequências que, a levá-lo em
conta, se seguiriam para a sociedade.218 Vamos expor com brevidade estes três itens.
a) Ninguém demonstrou nem poderia demonstrar que a reparabilidade seja
requisito indispensável para infligir com justiça uma pena.
Com efeito, no mundo dão-se e tiram-se mil coisas que não se podem voltar a tomar
por um, nem restituir pelo outro. Para decidir se é lícito ou não tirar uma coisa, não há de
217
- José Fuentes Mares, Cortês. El hombre. México, Ed. Grijalbo, 1981. p. 16.
- Cfr. sobre a origem, os partidários, o desenvolvimento e a confiança no argumento baseado no erro
judicial, Amor Naveiro, El problema de La pena de muerte, p. 172-196. E talvez com mais amplitude D.
Nuftez, La pena de muerte, 2.a ed., Buenos Aires, pp. 191-198 e 245-264.
218
82
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
olhar-se se pode ou não restituir-se, senão, se tenho ou não direito para tirá-la. Se tenho
esse direito, basta, e se não o tenho, não posso tirá-la nem ainda com a boa vontade de
devolvê-la.
O jurista Mezger, um tanto simpático ao abolicionismo, reconhece nobremente que
a irreparabilidade que se atribui ao erro judicial nos casos de pena capital, "é aplicável a
toda pena executada, não só à que é contra a vida".219 Idêntico a este é o parecer do notável
penalista espanhol Puig Pena: "O mesmo caráter de irreparabilidade têm todas as penas e
em especial as mais duras."220
Em realidade a reparação não se dá com nenhuma pena já cumprida. Um pai de
família digno e honrado é condenado a dez anos de prisão por um grave e vergonhoso
delito. Cumprida a pena, descobre-se sua inocência; a afronta, a desonra e a vergonha por
que passou, o vexame da família perante a sociedade, as privações, os cuidados que deixou
de prestar a sua esposa e a seus filhos, além dos graves sofrimentos físicos na prisão etc.
são ressarcíveis? Outra pessoa também inocente é condenada a doze anos de reclusão.
Cumpre a pena e morre em pouco tempo. Depois de morta descobre-se-lhe a inocência.
Será reparável esse erro judicial? E como estes, outros mil casos reais ou hipotéticos nos
quais houve impossibilidade de reparação da pena sofrida.
Convenhamos em que não há nenhuma pena reparável, que se possa aplicar a todos
os delinquentes, ou à maior parte deles. E não a havendo, pergunto eu com Amor Naveiro:
"Que pode arguir-se contra a pena de morte que não se argua também contra as outras
penas?"221 Para ser lógico é preciso concluir que, não sendo reparável nenhuma pena
aplicada por erro judicial, e sendo por outra parte certo que sempre é possível incorrer em
erro, não se poderá já infligir pena alguma.
Como esta conclusão resulta absurda pelas consequências que acarreta sobretudo
por impossibilitar a subsistência de qualquer sociedade, faz-se necessário reconhecer que
as premissas são falsas. Não é verdade que a reparabilidade seja condição essencial para
uma sanção justa. A infalibilidade não se acha nem é exigível nas coisas humanas. Pode-se
pois, na aplicação das penas, proceder com retidão e sem violação da justiça, atuando com
prudência; e ainda nos casos de extrema gravidade, é suficiente, como adverte o moralista
219
220
221
- E. Mezger, Tratado de Derecho Penal, trad. esp., Madrid, 1949, t. II, p. 338.
- p. Puig Pena, Derecho Penal, 4. eJ., Madrid, t. II, p. 35.
- Amor Naveiro, El problema de la pena de muerte, Madrid,, 1917, p. 177.
83
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Roberti "a prudência requerida para atos de gravíssima importância",222 tendo sempre em
conta que é preferível, nos casos de dúvida positiva, absolver um culpado, a condenar um
inocente;223 não olvidando tão pouco que aos olhos de Deus, "tão abominável é quem
absolve o culpado, como quem condena o inocente".224
O eminente filósofo e penalista que foi Gabriel Tarde vai mais longe no rebate
desse argumento, dizendo que a irreparabilidade da pena é precisamente "a condição sine
qua non da segurança absoluta que da pena se espera", além de ser também "caráter
comum de todas as outras penas". Objeta-se-lhe a inocência de alguns que foram vítimas
de erro, "como se a certeza absoluta fosse deste mundo!"225
Alguns adversários da pena de morte como Ellero, Olivecrona, Camus etc.
despregam toda sua retórica para pintar-nos as terríveis consequências que no mundo
tiveram os erros judiciais. O caráter de irrevocável, irreparável que reveste essa pena deve
ser motivo suficiente, dizem, para aboli-la definitivamente: "Sem essa pena, dizia Ellero,
não haveria sido manchada de sangue a história das maiores nações, não se haveria
envenenado Sócrates, nem haveria sido decapitado Tomás Moro, nem queimado Jerônimo
Savanarola, nem haveria sido sacrificado o Salvador. Só este suplício é um eterno anátema
contra a pena de morte."226
Como é possível que esses juristas qualifiquem de erro judicial essas condenações,
nas quais os presumidos delitos julgados e alegados eram notórios e notório do mesmo
modo o sujeito a quem se atribuíam? Que noção, para seu uso, têm esses senhores do erro
judicial? Confundem, sem dúvida intencionalmente, e chamam de erro judicial os crimes
que em todas as épocas cometeram os tiranos ou os governos tirânicos e as chamadas
"Democracias Populares".
Não foi nenhum erro judicial o que levou à morte Sócrates ou Tomás Moro, como
tão pouco foi consequência de tal erro a condenação de Calvo Sotelo, José António,
Ramiro de Maeztu, Dimas Madariaga, Victor Pradera e tantos outros, vítimas do Governo
da Frente Popular; nem os eliminados no cárcere Modelo de Madrid;227 tão pouco houve
222
223
224
225
226
227
- Card. Pr. Roberti, Dicc. de Teol. Moral, Barcelona, 1960, p. 820.
- Otto Schilling, Grundriss der Moraltheologie, 2." ed., Friburgo, 1949, p. 503.
- Prov., XVII, 15.
- Gabriel Tarde, La PMlosophie Penal, 5ª ed., Paris, 1900, p. 544.
- Ellero, Sobre la pena de muerte, p. 152, ap. Amor Naveiro, op. cit., p. 176-177.
- vid. La dominación roja en Espana. Causa general. Várias edições. Passim.
84
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
erro judicial na morte dos 50.000 prisioneiros de guerra, alemães, fuzilados por ordem do
triunvirato Stálin-Roosevelt- Churchill; nem na de 130.000 "colaboracionistas" franceses
— entre os quais o Dr. Alexis Carrel, Roberto Brasillach, Pièrre Lavai etc, vítimas do
governo esquerdista de De Gaule; não foi por erro judicial que tantos infelizes encontraram
a morte na Lubianka, de Moscou, ou nos espurgos de Stálin; nem os muitos condenados
pelos "tribunais populares" de Cuba, como colaboradores de Batista etc, etc.
Não continuemos que seria interminável a enumeração dos que, no correr dos
tempos, foram vítimas, não dos erros judiciais, mas da perversidade de déspotas e tiranos
de toda laia. É que nesses casos nunca se deu o erro judicial.
É bom esclarecer de uma vez que, nem qualquer morte injusta, infligida pela
autoridade, é erro judicial, senão que tão-só se qualifica como tal o equívoco cometido,
sem má-fé, por um juiz no juízo de uma causa criminal, quer condenando um inculpado
inocente ou absolvendo um verdadeiro malfeitor. No primeiro caso, da condenação de um
inocente, se a sentença foi de morte, o erro torna-se absolutamente irreparável e de muito
funestas consequências. É desse erro que tratamos neste parágrafo, sem que por isso
olvidemos que também a absolvição de um culpado deixe de ter, com frequência, muitos
graves resultados, como a olhos vistos aparece em bastantes casos na Espanha, depois da
morte de Franco, quando uma série de facínoras e terroristas foram libertados da prisão,
não para corrigir erros judiciais, senão, por motivos ou razões da inepta e ruim política do
Governo, voltaram incontinenti a praticar suas malfeitorias e assassinatos. Assim pois, de
tudo que foi dito, nada se pode arguir contra o legítimo exercício da justiça, em que, pela
falibilidade humana, se pode incidir em alguns erros.
Um caso particular de estultice e verdadeiro desatino é invocar a condenação de
Jesus como erro judicial, pois foi o próprio juiz, Pilatos, quem proclamou a inocência do
réu! "Que acusação trazeis contra este homem?... Eu não acho nele delito algum."228
"Dizem todos: Seja crucificado... Pois que mal fez? Eu não acho nele causa alguma de
morte." Pilatos pediu água, lavou as mãos e disse: "Eu estou inocente do sangue deste
justo. Considerai isso."229 Onde está aqui o erro judicial de Pilatos? Não há tal, Pilatos
condenou Jesus com pleno conhecimento de causa e tornando público que era justo.
228
229
- Jo. , XVIII, 29 e 38.
- Mt., XXVII, 22+26.
85
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
b) Parum et nihil aequiparantur — pouco e nada se equiparam — assim reza o
antigo aforismo jurídico- Ou também, como dizem os moralistas: Parum pro nihilo
reputatur — do pouco não se tem conta. E que dizer se ê pouquíssimo?
Trazemos isto a propósito dos erros judiciais, pois se os autênticos erros foram
sempre raríssimos, na atualidade, dada a perfeição das leis processuais, a prática em toda
parte recomendada e prescrita aos juízes de não sancionar a pena máxima sem a certeza
moral do delito, e de que se, apesar das diligências, subsiste alguma dúvida positiva ou
haja alguma atenuante, não se aplique a pena capital, senão a imediata inferior, com estas
garantias podemos estar certos de que hoje, quando se trata da pena de morte, não se dão
erros judiciais. Um verdadeiro erro judicial é hoje, como se diz, mais raro que uma mosca
branca.
Com muito bom sentido da realidade, um Magistrado brasileiro, António Ciani,
depois de verificar como, não obstante as campanhas contra, a opinião pública era
"massiçamente favorável a esta última medida de defesa social, bem como também o povo
norte-americano havia exigido o restabelecimento daquela pena", faz as seguintes
ponderações: É verdade que não podemos considerar-nos isentos de algum erro, dada a
falibilidade de todas as obras humanas e que por isso deve colocar-se o máximo cuidado na
aplicação dessas penas; é também verdade que a morte do injustamente executado impede
toda reparação, porém se temos esgotado todas as possibilidades de errar, por meio de um
processo levado a cabo com as mais exigentes precauções, "bem vale a pena infligir a pena
de morte a um malfeitor pelas vantagens que acarreta; a alforria de vidas inocentes é
compensadora". Do contrário, acrescenta, dar-se-á a seguinte anomalia: pelo grande medo
de sacrificar um inocente, em uma percentagem remota e improvável, estamos matando
cada dia um sem número de inocentes pelas mãos dos assassinos".230
Não obstante, como os abolicionistas, segundo vimos acima, juntam
indistintamente as penas de morte infligidas pelos tiranos e as causadas por erros judiciais,
do conjunto resulta um impressionante número de vítimas inocentes. Isso leva Núnez a
dizer que na exposição desse argumento "há mais retórica oca que verdade sólida".231 Mas,
como é lógico, essa confusão de vítimas, embora sirva para o proselitismo abolicionista,
não vem ao caso em nossa exposição científica.
230
231
- António Ciani, Pena de Morte, in O Globo, 5-II-1980.
- D. Núnez, La pena de muerte, Buenos Aires, 2." ed., 1960, p. 192.
86
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
O certo é que, ainda em tempos passados, foram muito raras as vítimas de erros
judiciais. G. Tarde refere o caso do Sr. M. Musio, Presidente da comissão do Senado
Italiano, nomeada para elaborar o projeto do novo Código Penal, que teve que remontar a
35 anos atrás (de 1875 a 1840) para encontrar um presumido erro judicial; nos tribunais da
Itália.232
De maior efeito, todavia, para esvaziar esse balão do erro judicial, o caso de
Rebaudi que Amor Naveiro comenta: Giuseppe Rebaudi consagrou-se com todo empenho
à tarefa de investigar e estudar os casos de sentenças de morte impostas por erro judicial
em todos os tempos e em todos os países, a partir da antiga Roma. O resultado foi
desalentador. Dos casos estudados em seu livro A pena de morte e os erros judiciários com
dificuldade chega a cem em que a sentença se haja seguido a execução do acusado. Sobre
estes cem; erros judiciais Amor faz os seguintes cálculos: Divididos entre os 2000 anos que
abarca o estudo, toca uma média de 5 para cada século. Mas como os países estudados são
numerosos (Itália, França,Inglaterra, Alemanha, Áustria, Países Baixos, Estados Unidos
etc.) vem a reduzir-se a menos de um por cada nação em cada século".233
c) No caso de admitir-se que a irreparabilidade dos erros judiciais deve conduzirnos à supressão absoluta da pena de morte, apesar dos bens que de sua conservação
advêm para a sociedade inteira, vejamos quais e quão tristes seriam as consequências que
como pura lógica se acompanhariam: Teríamos que eliminar os trens, os vapores, os
automóveis e os aviões, porque em todos eles, apesar da competência dos fabricantes e da
perícia dos maquinistas e pilotos, as desgraças sucedem-se a cada instante. Eliminaríamos
também as minas, as indústrias, as fábricas, as olimpíadas e até os produtos farmacêuticos
porque, por causa da deficiência e falibilidade humanas, de todos eles advêm com
frequência acidentes mortais?
Mais analogia que os acidentes mortais do tráfego e da indústria guardam sem
dúvida, com os erros judiciais, as ocorrências mortais na cirurgia e na medicina. Faz já
mais de um século que A. Vera se fez eco desta analogia e dela extraiu as consequências:
"Os erros judiciais que levam a um inocente ao cadafalso são seguramente menos
frequentes que os erros cirúrgicos em consequência dos quais tem lugar a amputação inútil
232
233
- Gabriel Tarde, La Philosophie Penal, 5.a ed., 1900, p. 544.
- Amor Naveiro, ap. cit„ p. 186-187.
87
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
e irreparável de um membro, amputação muitas vezes mortal e sempre dolorosa."234 E não
há como negar que o cirurgião assim como o médico jamais tiveram em mente sacrificar
um inocente. Isto sucede contra seu intento e vontade.
Coisa parecida dá-se com o fenómeno da guerra, na qual não falta nunca o
sacrifício de pessoas inocentes. Por isso, se se nega a licitude da pena capital em virtude do
efeito negativo nos casos de erros judiciais, é inevitável negar a licitude da guerra, por
mais justa e de caráter defensivo que esta seja. "Se o ato de dar morte a um homem,
escreve um moderno teólogo dominicano, fosse intrinsecamente ilícito e imoral, poderia
um Estado empregar contra outro Estado invasor aqueles meios de destruição que, como o
canhão e a espada, inevitavelmente põem fim à existência de homens inocentes?235
Não se alegue, contra tudo que foi dito neste parágrafo, a admirável sentença
daquele paradigma de imperadores, que foi Trajano, e que o legislador romano incorporou
ao Corpus Júris: "É preferível que o assassino fique impune, a que seja castigado o
inocente."236 Belo aforismo, que tem no direito sua perfeita aplicação, sempre que a culpa
não seja de toda evidência e haja dúvidas positivas sobre a culpabilidade do acusado. Mas
nunca o levemos ao extremo, porque nem por pensamento ocorreria a Trajano, de firmarnos nele para não condenar ninguém por medo de erro.
Em conclusão deste tema, houve no passado erros judiciais, gravíssimos abusos do
poder e do direito, execuções injustas? É indubitável que sim, houve tudo isso. Mas eu
pergunto com Balmes: "Condenareis as leis porque não há tirania que não se haja exercido
em nome de alguma lei? Abominareis os tribunais porque se hajam cometido crimes em
nome da justiça?"237
A tudo isto responde David Núnez em um parágrafo magnífico que transcrevemos
na íntegra: "Em última análise, posto que a pena de morte é a mais eficaz de todas para
conter muitos que sem ela, seguramente, seriam assassinos, que é preferível, manter essa
pena arrostando o perigo (não mais que o perigo) de que alguma vez, em um período de
muitos anos, por erro dos tribunais pereça um inocente, ou suprimir a dita pena, contando
com a segurança (não já o perigo) que, no mesmo período de tempo, pereçam em mãos dos
234
- Ap. Tarde, La Phil. Pen., p. 544; J. de Lebre, Da Pena de Morte, Lisboa, 1920, p. 121.
- Jose Ma. Palácio, OJP., La pena de muerte ante el Derecho Natural, in La Ciência Tomista, XXII, 1930,
321.
236
- Corp. luris Civ., Dig. L. 48, tit. 19, de poenis leg. 5.
237
- Jaime Balmes, História de la Filosofia, cap. LXIII, n.° 368; na ed. da BAC, Obras, I I I , 534.
235
88
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
assassinos centenas e milhares de vítimas inocentes, que com a pena de morte se teriam
salvado?"238
13. A PENA DE MORTE
DISSUASÓRIO DA DELINQUÊNCIA
NÃO
EXERCE
NENHUM
EFEITO
Eis-nos aqui na órbita da fantasia mais desenfreada entre os abolicionistas. Máximo
esforço eles fazem para levar à convicção dos leitores ou ouvintes a coisa mais absurda que
possa acontecer: o castigo, longe de servir de escarmento, é incentivo de novas faltas.
Garcia Valdês transcreve os acordos e as declarações da conferência de Estocolmo
em 1977, onde se proclamou, junto com a Amnesty International, o maior plano dos
abolicionistas do mundo inteiro, que, submissos à Revolução, multiplicaram as reuniões e
congressos. Entre as declarações da dita conferência figura a seguinte: "A pena de morte
jamais demonstrou um efeito dissuasório" (!!).239 Contra toda experiência, contra as leis da
psicologia humana, contra as estatísticas e, ante tudo, em aberta oposição aos ensinamentos
da história, esses senhores negam categoricamente a força dissuasória da pena de morte e
intentam convencer-nos de que sua abolição não aumenta, mas antes diminui a
criminalidade.
A essas gratuitas e de todo ponto falsas afirmações, oponho, com palavras de
Núnez, a seguinte tese: "Enquanto se suprime de fato ou de direito a pena de morte, os
crimes aumentam em proporção aterradora; e ao contrário, quando se aplica de fato, esteja
ou não estabelecida de direito, baixam na mesma proporção."240
Com rara concisão formula Wilmers essa tese: "A criminalidade aumenta na
medida em que os castigos diminuem."241 O Magistrado Ítalo Galli, Presidente do
Tribunal de Justiça de São Paulo, acrescenta mais um elemento decisivo no avanço da
criminalidade: "Em países com igualdade de formas punitivas, a criminalidade aumenta
onde a religiosidade diminui."242 Mais taxativo é, nesta linha, Donoso; fazendo notar que
"as teorias frouxas dos criminalistas modernos são contemporâneas da decadência religiosa
238
239
240
241
242
- David Núnez, op. cit., p. 264.
- Garcia Valdês, op. cit., p. 26.
- David Núnez, op. cit., p. 47.
- W. Wilmers, Leshrbuch der Religion, 7.a ed., Munster in W., 1911, III, p. 287.
- Ítalo Galli, Fundamento filosófico do direito de punir, São Paulo, s.d., p. 25.
89
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
e da secularização completa dos poderes políticos", estabelece a seguinte sentença: "Onde
quer que a pena de morte foi abolida, a sociedade destilou sangue por todos os poros."243
Nestes problemas da criminalidade é indiscutível recorrer às estatísticas, por
incompletas, e ainda com frequência parciais, que elas sejam, e o mesmo diga-se da
imprensa periódica.
Uma fonte de indubitável seriedade e que nos oferece uma soma muito considerável
de dados e estatísticas do mundo inteiro é o Report da Real Comissão da Pena Capital.
1949/1953, da Grã-Bretanha. Partidários e oposicionistas da Pena Capital acorrem a este
Relatório em busca de dados. Wingersky fez, na mais notável revista norte-americana de
Direito Penal,244 uma apreciação muito positiva deste Report, "que vem prestar, diz,
inestimáveis serviços à investigação sobre as leis e procedimentos criminais". Do mesmo
modo Barbero, nada suspeitoso no caso, reconhece que esse Report é "uma das mais
exaustivas obras de investigação jamais verificadas sobre o tema da pena capital".245
Acontece com este Report que, como antes disse, uns e outros dele se servem,
porém os abolicionistas querem capitalizar em seu favor os dados que contém, e como
estes em sua maior parte lhes são desfavoráveis, com completa falta de honestidade
intelectual, tergiversam, fazendo-os dizer o contrário: onde o Report diz que em tais ou
quais circunstâncias os crimes aumentaram, eles dizem diminuíram e vice-versa.
Como vou recorrer a diversos países sobre a incidência que a abolição ou a retenção
da pena de morte teve na criminalidade e para isso me servirei principal, não
exclusivamente, do Report inglês, e do Capital Punishment da ONU, advirto desde já o
leitor que, para não sobrecarregar o escrito com constantes retificações das afirmações
falazes que os abolicionistas fazem, servindo-se da mesma fonte, dou aqui de uma vez os
nomes daqueles em cujos escritos comprovei mentira manifesta: A. Kõstler, A. Camus,
Barbero Santos, M. Ancel, J. Vernet, D. Sueiro e Garcia Valdês, cujos dados, portanto, não
são nada confiáveis.
Itália — Dizia o famoso antifascista Luiz Sturzo que o restabelecimento da pena
capital, na Itália, em 1931, havia significado uma involução e um retrocesso, porém sua
243
- Donoso Cortês, Ensayos sobre el Catolicismo, el Liberalismo y El Socialismo, L. III, cap. VI.
- The Journal of Criminal Law, Criminology and Police Science, North-Western University, Evanston,
Illinois, 44 (1954) 715.
245
- M. Barbero, Estúdios etc, p. 144.
244
90
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
abolição em 1944 "respondeu a um clamor da consciência cidadã da Itália".246 Vejamos,
com os dados do Relatório inglês, a que responde esse presumido otimismo abolicionista
da consciência cidadã. A pena de morte havia sido abolida em 1876 e restaurada em 1931.
No último quinquénio de vigência da pena capital, 1941/1945, a média anual de
homicídios foi de 1.997, e por cada milhão de habitantes 32,6 homicídios. Nos três anos
seguintes à abolição, 1946/1948, a média de homicídios subiu a 4.389, correspondendo a
cada milhão de habitantes 102,3 homicídios.247 Garcia Valdês diz que o Governo Italiano
havia declarado que: "A abolição da pena de morte não deteve a queda da média anual de
crimes."248 Se a declaração é autêntica — a fonte informativa é Garcia Valdês, nada
confiável — de fato não corresponde à verdade pois já vimos que, segundo as estatísticas
que aquele Governo subministrou à Comissão Real, o número de homicídios foi quase o
dobro nos anos imediatos, posteriores à abolição, e de então para cá, a criminalidade foi
aumentando num ritmo tão aterrador que hoje deixa estupefatos os leitores da imprensa
mundial, pelo horrível sadismo e pela frequência com que se sucedem os assassinatos na
bela Itália.
Suíça — A pena capital foi abolida pela Constituição Federal de 1874, porém,
cinco anos depois, deixou-se à livre opção dos Cantões restabelecê-la, como assim com
efeito o fizeram dez deles. Embora a necessidade de considerar os Cantões separadamente,
diz o Relatório, complique sobremaneira a visão estatística do conjunto, pode-se não
obstante afirmar que "no período subsequente à abolição houve uma proporção
considerável (aproximadamente de 75% em toda a nação) de assassinatos mais que no
período em que estava vigente a pena capital".249
Inglaterra — Abolida a pena de morte em 1968, a criminalidade tomou um
incremento muito considerável. No ano seguinte ao da abolição, o número de assassinatos
duplicou. Estudos efetuados pelo Ministério do Interior indicam que o país está diante de
um sério perigo se não forem estabelecidas imediatamente medidas enérgicas para corrigir
a situação. Os crimes a mão armada aumentaram em uns 40% a partir da abolição.250 Esta
246
247
248
249
250
- L. Sturzo, in Rev. da ASA, Rio de Janeiro, 59 (1956) 18.
- Royal Commission ora Capital Punishment, 1949:1953, Report, Londres, p. 355.
- Op. Cít., P. 37.
- Report, p. 360.
- O Globo, Rio de Janeiro, 7-XI-69.
91
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
teve lugar em anos posteriores ao Relatório da Comissão Real, por isso não o alegamos
aqui.
Bélgica — A última execução, faz notar o Relatório, teve lugar em 1863, porém a
pena de morte continua todavia no Código Penal para certas formas de assassinato.
"Segundo Garófalo, enquanto se introduziu na Bélgica a prática de não executar os
sentenciados, os homicídios aumentaram de 34 até 124 em um ano.
Na Rússia, sucedeu o mesmo, passando o número de assassinatos de 248 a 518."251
Suécia — Este país aboliu a pena capital em 1921. "Durante os anos que se
seguiram à abolição da pena de morte — 1920 a 1945, o número total de crimes, longe de
diminuir, aumentou consideravelmente."252
Noruega — A última execução teve lugar em 1875, porém a pena capital só foi
abolida em 1905. Neste ano houve no país 4,6 homicídios por cada milhão de habitantes.
Nos cinco anos seguintes, de 1906 a 1910, subiu a 5,2 por milhão e de 1911 a 1915 chegou
a 6,3, diminuindo um pouco nos anos sucessivos.
O Relatório da Comissão Real verifica que depois da abolição em 1905 "aumentou
na Noruega o número de homicídios".253
Venezuela — Roberto Albornoz Berti, antes de relatar o que vamos logo
transcrever, sobre Venezuela, estabelece esta, à guisa de premissa: Toda Lei Penal,
excitando o temor do castigo, "é, sem dúvida alguma, um instrumento de contenção
relativamente ao crime, dissuasivo no que concerne à população em geral. Por quê? Por
que o Direito Penal de todos os tempos se caracteriza por seu caráter ameaçante, punitivo,
e este elemento psicológico da ameaça, objetivado na pena, tem que inibir e de fato inibe a
generalidade das pessoas de delinquir gravemente. Do contrário, negar tal asserção seria
tanto como ignorar os ensinamentos da psicologia, não só a ditada pelos livros, como
também a derivada da própria experiência vivencial que nos testemunha ou confirma a
existência em nós de um sentimento denominado medo, que por sua vez é derivado do
instinto de conservação. Em resumo, o temor do castigo da pena dissuade ou inibe do
crime."
Houve na Venezuela governos fortes que faziam cumprir a lei e continham os
crimes e governos débeis em que o crime extravasou. "Na morte do ditador J. Vicente
251
252
253
- D. Núnez, op. cit., p. 49.
- Report, p. 359.
- Report, p. 357.
92
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Gómez, em Caracas e outras cidades importantes, ocorreram saques e mortes. Outro tanto
ocorreu em 1958 na queda do Presidente Marcos Pérez Jiménez. Impressiona
verdadeiramente o inteirarmo-nos de que, como em 1936, na morte do primeiro, houve na
capital venezuelana duas vezes mais delitos que em três séculos de história caraquenha... e
de que a partir de 1950 se desatam definitivamente as amarras que represavam o
extravasamento da delinquência venezuelana."254
Espanha — Na Espanha temos nesta matéria alguns subsídios que nos subministra
a história, porém, como a pena de morte só recentemente foi abolida na Constituição, não
temos nos dois últimos séculos de polêmica sobre os efeitos da subsistência ou da
eliminação da pena de morte, elementos comparativos, senão tão-só relativos aos efeitos,
da pena em geral.
Do passado, já em páginas anteriores fizemos referência aos tempos da Rainha
Isabel a Católica; como ela, aplicando severa e justamente a pena capital aos réus de graves
delitos, pôs cobro em pouco tempo ao bandoleirismo que infestava os campos e as cidades
e mantinha em sobressalto a população. Com isso deu anos de paz à Espanha, e preparou-a
para ser reitora do mundo.
Puig Pena escreve que "já nossos antepassados observaram o fenômeno de que o
aumento de criminalidade que se experimentou em uma etapa do reinado do Imperador
Carlos V deveu-se à extraordinária comutação da pena de morte na de galés que por aquele
então se fez".255
Mais perto de nós no tempo, e quando a campanha abolicionista estava nos
começos de sua difusão pela Europa, pela mão do racionalismo e do liberalismo, então, nas
Cortes de Cádiz, em 1812, suprimem-se solenemente a pena de forca, a tortura, os açoites
etc. e tudo isso declarado em termos de linguagem filantrópica e sentimental, muito própria
daquela época. Os efeitos destas imprudentes supressões foram fulminantes. Em pouco
tempo os crimes cresceram em tal medida que para seu remédio se chegou a premiar os
que por sua própria mão dessem morte aos assassinos. Em 1831, escreve um historiador,
houve necessidade de estabelecer um regime mais severo para os delinquentes e
salteadores em quadrilha (antecipação dos atuais grupos de assalto a bancos e edifícios),
chegando ao extremo de autorizar qualquer pessoa a prendê-los e maltratá-los, concedendo
254
- Roberto Albornoz Bertí, Profilaria criminal, ín Anuário de la Facultad de Derecho, Univ. de los Andes,
Merlda, 1978, p. 31-33.
255
- Fed. Puig Pena, 4 ed., Madrid, 1955, II, p. 351.
93
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
indulto a quem os mate, ou entregue à justiça".256 Dura lição esta para os ingênuos ou
ladinos que gratuitamente afirmam que a abolição das penas em qualquer país não exerce
influência alguma nem é incentivo da criminalidade.
Relatamos em outro capítulo de que modo eficaz o Governo de Primo de Rivera,
com só aplicar rápida e indefectivelmente a pena capital, eliminou o pistoleirismo e deu
sete anos de paz e prosperidade à Espanha. Este mesmo fenômeno repetiu-se nos quarenta
anos de paz franquista, em que o crime era raríssimo e a população vivia tranquila e alegre.
Isto faz-nos deter e reflexionar, chamando a atenção sobre um ponto
importantíssimo e de máximo interesse para a reta interpretação da incidência maior ou
menor do crime com ou sem pena de morte no país.
É o seguinte: Para a dissuasão do malfeitor e escusa do crime não basta a simples
existência de uma lei punitiva escrita nos Códigos, que sanciona os graves delitos com a
pena máxima, porém que mui raramente e com extraordinária lentidão a aplique. Para que
tenha eficácia é preciso e absolutamente indispensável e suficiente que a justiça seja rápida
na condenação e infalível na execução, ou seja, juízo sem dilações e ineludível certeza da
aplicação imediata do castigo. Esta eficácia da pena, à base da prontidão e infalibilidade do
castigo, reconhece-a um abolicionista, o P. Landeche, já referido, que assim escreve: "É
coisa conhecida de qualquer pedagogo que a eficácia intimidatória de uma sanção não
depende tanto da magnitude da mesma quanto da certeza de sua aplicação, caso se cometa
a falta prevista, regra que conserva todo seu vigor no caso do delinquente, como mostram
investigações modernas."257
Estados Unidos — Como acontece na Suíça, pela diversidade de Cantões ou
Estados e de suas legislações respectivas, também os Estados Unidos oferecem certa
complicação e dificuldade para dar uma visão estatística do conjunto.
Em virtude dessa complexidade, que dá margem a muitos equívocos, é que muitos
abolicionistas centralizam suas atenções naquele país, e fazem mil malabarismos com as
estatísticas, para fazer-nos crer que na União Americana a abolição da pena de morte não
influiu pouco nem muito na delinquência, antes em alguns casos fê-la até diminuir.
O P. Vernet sintetiza em poucas palavras essas várias pretensões dos abolicionistas
acima mencionadas, que caminham pela mesma senda da mentira: "As estatísticas
256
- Enciclopédia Espasa, verb. Pena, tomo XLIII, p. 199. O verbete é extenso e excelente. Ignoro quem seja
o autor.
257
- Carlos M, de Landecho, La pena de muerte, in Razón y Fé, 182 (1970) 453.
94
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
revelam-nos que, nos Estados em que foi abolida a pena de morte, a criminalidade não
aumentou em consequência da abolição."258 Pois sim, esta asseveração de Vernet é
totalmente falsa, sem respaldo algum em qualquer estatística. Vamos prová-lo fazendo ver
com toda evidência que tal afirmação não corresponde à verdade nem no que concerne à
nação, nem tão pouco aos diversos Estados que aboliram a pena capital.
Em 1972 o Tribunal Supremo, a Suprema Corte, decidiu suprimir a pena de morte
em todo o país como sendo contrária à Constituição Federal. A onda de crimes de toda
espécie, que se seguiu à abolição, é de causar espanto, ainda às pessoas mais insensíveis.
Vou transcrever um pequeno resumo que deste fenômeno fez Prieto-Cifuentes no
semanário do Episcopado Espanhol Eclesia, nada suspeito, pois já por aquele tempo,
graças à malfadada influência do arcebispo Tarancón, se havia passado às hostes do
liberalismo e do progressismo pós-conciliar: "Nos Estados Unidos registraram-se, há
pouco, crimes espantosos, inconcebíveis e satânicos. Um tal João Corona assassina na
Califórnia vinte e seis vagabundos indefesos que andam em busca de trabalho, sepultandoos na beira de um rio. Em Houston (Texas), um homossexual, Sr. Carrol, tortura e mata 27
jovens por ele seduzidos. Em Boston, uns rapazes de cor empapam de gasolina e
incendeiam uma jovem branca que fazia só seis dias que acabava de instalar-se no bairro
negro. Em São Francisco, um grupo de adolescentes põem também fogo, depois de borrifar
com petróleo, num ancião desconhecido para eles, que esperava tranquilamente em uma
esquina a chegada do ônibus. Aqui, em Los Angeles, a partir de um automóvel, crivam de
balaços uma menina de quatro anos que brincava na frente de sua casa. No centro da
Califórnia um universitário assassina dez pessoas para aplacar com seu sangue a justiça
divina, entre elas, um sacerdote, a quem dá punhaladas enquanto exercia seu ministério
metido no confessionário. Crimes absurdos, sem motivo, que têm por objeto vítimas
inocentes; o Presidente John Kennedy, o reverendo Luther King..." e continua o cronista
dando-nos alguns pormenores do paraíso pós-abolicionista: "O chefe do departamento de
polícia de Los Angeles comunicava a um repórter do grande periódico "Los Angeles
Times", em 13 de dezembro de 1972: "Hoje o assassinato nesta cidade leva-se a cabo sem
motivo algum, com enorme sadismo, sem misericórdia. Uma pessoa que vai pela rua
dispara contra outro transeunte desconhecido. Há vítimas de menos de dez anos de idade.
Com frequência são objeto do crime os adolescentes e os jovens. Muitas vezes é o esposo
258
- Joseph Vernet, Peine capitale peine perdue, in Études, CCCXV (1962) 194. Faz pena ver o P. Vernet
mentir tão tranquilamente!
95
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
ou a esposa quem sucumbe sob as balas disparadas por seu consorte. Mata-se por matar,
sem propósito algum." Prieto-Cifuentes, examinando as causas, acha que: a primeira, o
sistema educativo leigo, que prescinde por completo da moral. De fato não são raros os
assassinatos cometidos nas escolas públicas norte-americanas pelos próprios alunos. Aqui
em Los Angeles, neste mesmo ano registraram-se alguns, resultando vítimas estudantes
exemplares.
O álcool e as drogas constituem, talvez, o maior incentivo da criminalidade. E
sabido é que nos Estados Unidos os drogados formam legião.
O fato é que ante a desaparição daquela arcádia feliz que oferecia o país, em
consequência da abolição da pena de morte, fez-se uma grande campanha nos meios de
comunicação social, para que a Suprema Corte de Washington restabelecesse em toda a
nação a pena máxima, como assim o fez em 1974. O articulista Prieto-Cifuentes, que
escrevia em fevereiro do dito ano, recolhe o clamor do povo, porém não a solução que veio
meses mais tarde no referido ano.259
Pelo que respeita aos vários Estados, não muitos, da União, que, havendo abolido a
pena máxima, em pouco tempo, em vista da crescente criminalidade a restabeleceram, os
dados que temos são os do Relatório da Comissão Real anteriores a 1950, os mesmos, por
outra parte, que utilizam e tergiversam os já mencionados abolicionistas.
O Relatório, fazendo constar que em todos esses Estados o motivo fundamental da
restauração da pena de morte foi o aumento da criminalidade, enumera-os na página 345 e
de vários deles transcreve as palavras dos Governadores respectivos ou dos AttorneyGenerals em justificação da medida.
São estas declarações altamente significativas, para pôr em evidência os desastrosos
efeitos que, para a convivência social pacífica, trazem as imprudentes supressões do
castigo máximo.
Missouri — Abolida a pena de morte em 1917, foi restabelecida em 1919. O
Attorney-Generals declarou à Comissão que "no período seguinte à supressão ocorreram
com tanta frequência grandes crimes que o sentimento público do Estado reclamou o
restabelecimento da pena capital".260
Tennesee — Abolida em 1915, restaurada em 1919. "Em 1922 o Attorney-General
disse: Depois da derrogação da pena capital tivemos o reinado do crime, do mais hediondo
259
260
- G. Prieto Cifuentes, Ola de crímenes en Estados Unidos, in Ecclesia, 1680 (23-11-74) 261.
- Report, p. 375.
96
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
e atroz." E o Magistrado do mesmo Estado, Kavanagh, declarou ao Select Commitee de
1930 que ele havia sido informado de que a pena de morte havia sido restaurada "em
virtude da grande onda de crimes bárbaros que se seguiu à abolição".261
Washington — Abolida em 1913, foi restaurada em 1919. O Governador do Estado
declarou ao Select Commitee de 1930 que "a reinstauração havia sido o resultado de uma
série de assassinatos, e particularmente pela impressão que fez o desenfado de um facínora
que, havendo dado morte a um agente de seguros, declarou ao Tribunal que o Estado não
podia fazer outra coisa com ele, senão dar-lhe pensão com cama e mesa pelo resto da
vida". Mas neste caso é mais ilustrativa a explicação que deu o Attorney-General de
Washington: "A Assembleia Legislativa, depois de uma experiência de seis anos, aplicando
somente a cadeia perpétua, como castigo máximo, chegou com evidência à conclusão de
que a pena capital é a que tem força dissuasiva para o criminoso, e não a prisão
perpétua."262
Kansas — Aboliu a pena capital em 1887 e tão-só a restaurou em 1935. De 1925 a
1934 a média de homicídios foi de 5,9 ao passo que de 1936 a 1945 a média baixou a 3,8 e
o Attorney-General de Kansas declarou: "O presente estatuto da pena de morte, pelo que
parece, teve grande força dissuasiva."263
Oregon — Abolida em 1914, foi restaurada em 1920. Nesse ano o Governador do
Estado convocou uma sessão especial da Assembléia Legislativa e em sua alocução assim
se expressou: "Uma onda ás crimes varreu o país. Oregon sofreu esta praga criminal. O
povo, ante os numerosos e hediondos homicídios cometidos a sangue frio, clama exigindo
maior e mais segura proteção." A Assembléia ordenou um plebiscito popular a favor ou
contra a pena de morte. Por 17.167 votos a mais, ganharam os que exigiam a pena capital e
esta foi implantada.264
É possível, pergunto, que à vista dos testemunhos que acabamos de apresentar haja
todavia alguma pessoa, amante sincera da verdade, que ouse homologar a afirmação antes
citada do P. Vernet?
É inquestionável e de toda evidência que as abolições nos Estados Unidos
resultaram em aumento pavoroso da criminalidade.
261
262
263
264
- Report, p. 374.
- Report, p. 374.
- Report, págs. 352 e 375.
- Report, págs. 348 e 372.
97
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
14. OS MARXISTAS E A PENA DE MORTE
Temo-nos ocupado das vicissitudes por que passou o instituto da pena de morte em
diversos países do mundo. Parece-me que será de interesse e desde logo de atualidade,
deixando de lado a geografia, dar alguns esclarecimentos sobre a pena de morte na órbita
socialista. Vejamos como se apresenta o assunto.
Enquanto a maioria dos países que mantêm a pena capital são marxistas, como
Rússia, Tchecoslováquia, Romênia, Polônia e Cuba de Fidel Castro, onde o Governo aplica
com todo rigor a freqüência a pena de morte, os socialistas da França e da Espanha
lograram a abolição dessa pena, e são do próprio Marx estas palavras: "É difícil, se não
impossível, encontrar um princípio que permita fundamentar a justiça e a utilidade da pena
capital em uma sociedade que se vangloria de estar civilizada."265
À vista, pois, desta palmar contradição, ocorre perguntar: é ou não partidário da
pena de morte o marxismo? O jurista Chrétien dá-nos esta resposta: "Os marxistas, e outros
elementos da esquerda, quando as coisas não estão em sua mão rechaçam a pena capital,
mas restauram-na e fazem-na mais dura quando o poder está em sua mão."266
Isto requer esclarecimento, pois à primeira vista oferece contradição, porque
precisamente na França e na Espanha o poder está em sua mão e apesar disto eliminaram a
pena capital. É que estes dois países são todavia democráticos, não impera neles o
totalitarismo marxista que deriva da aplicação das doutrinas do "partido único" e da
"ditadura do proletariado", que por sua vez elimina completamente qualquer tipo de
democracia. O regime marxista-comunista é essencialmente antidemocrático. "Todavia,
segundo a doutrina marxista, a desaparição completa da democracia é a condição prévia e
inevitável para poder passar à plena realização do socialismo como caminho ao
comunismo.”267 Como na França e na Espanha não há todavia esse domínio absoluto do
terror, convém-lhes a eliminação desse castigo exemplar, para deixar via livre à
criminalidade e dissolução dos países capitalistas.
265
- Ap. Barbero Santos, La pena de muerte, p. 53.
- P Chrétien, De Justitia. Praeletiones, Metz, 1947, págs. 213-14.
267
- Miguel Poradowski, El império marxista de la fuerza frente a La fuerza de la justicia, in Verbo de
Madrid, 221 (1984). Excelente e muito documentado artigo, como outros do mesmo autor na referida
revista.
266
98
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Recordo a este respeito uma experiência que vivi nos Estados Unidos, no Estado de
Wisconsin, onde um governo socialista, sem renunciar à sua tese abolicionista, tentava
resolver a praga da criminalidade com uma modalidade especial, e quase equivalente, de
castigo. Era pelos anos de 1934/1936. Encontrava-me em Milwaukee, cidade principal
daquele Estado, em que os irmãos socialistas, de grande influência política, Philip e Robert
la Follette, Governador um e Senador outro, haviam suspendido a aplicação da lei, vigente
ainda, no Estado, da pena de morte. Havia eu solicitado permissão das autoridades para
visitar os presidiários de língua espanhola, em sua quase totalidade mexicanos. Foi-me
concedida a autorização ainda que rodeada de algumas cautelas. Falando eu com o Diretor
do presídio e perguntando-lhe: Como podia exercer-se uma repressão eficaz do crime sem
a aplicação da pena de morte? Deu-me esta resposta: "Bem, aqui de fato não se leva
ninguém ao cadafalso, porém dos réus da pena máxima, condenados à prisão perpétua,
nenhum chega a cinco anos de vida na prisão". Bonita modalidade de pena, pensei eu, que
junta a de morte à cadeia perpétua abreviada!
A República socialista espanhola de 1931, com um ato de verdadeira fanfarronada
democrática suprimiu a pena de morte, "e em quatro anos de República cometeram-se mais
crimes que em 400 de Monarquia".268 O mesmo Governo republicano restaurou-a em 1934.
O que salta à vista na atuação do socialismo no mundo é a grande ambiguidade ou
melhor, hipocrisia em que se move e que no caso da Rússia chega a extremos insofríveis.
Jiménez de Asúa, pouco suspeito na matéria, pois sempre militou na área das esquerdas,
chegou a sentir certo rubor ante o comportamento hipócrita da mãe Rússia dos
socialismos.269
A revolução marxista, tanto na Rússia como na China, institucionalizou de imediato
o terror, o "império do medo".270 Marx considerou a violência e o terror como elementos
da "revolução permanente". Por isso Lenine, deixando de lado o decreto de 1917, no qual
se havia abolido a pena de morte, organiza, em fins do referido ano, a fatídica Cheka,
encarregada das execuções em massa e que constituiu o que chamamos "o terror
institucionalizado". No princípio a Cheka executava tão só desafetos da Revolução
bolchevista, porém pronto estendeu sua ação aos adversários possíveis, quer dizer, aos
268
- David Núnez, La Pena de Muerte, Buenos Aires, 1970, p. 48.
- Jiménez de Asúa, El nuevo Código Penal de la Busla soviética, in Rev. Gen. de Legislación y
Jurisprudência, 151 (19271 177).
270
- vid. Poradowski, art. cit., p. 104.
269
99
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
suspeitos, e rapidamente se transformou em uma complicada instituição, estendida por
todo o país, com seus espantosos cárceres e horríveis campos de concentração, onde
sucumbiram muitos milhões de infelizes cidadãos. Cinco anos depois a Cheka deixava o
lugar à terrível GPU, sob a direção do sanguinário Yagoda, instituição que depois, todavia,
Stálin aperfeiçoaria, para dar-lhe maior eficácia no extermínio.
Jiménez de Asúa, estudando o novo Código Penal soviético de 1927, em que ainda
figurava a pena de morte, vê nele "uma das mais censuráveis faltas do regime punitivo
russo". A ele não o convence a atenuante que insinua o Prof. de Charcov, Grodsinsky,
dizendo que o fuzilamento no artigo 21 desse Código "conserva no Direito soviético o
caráter de medida extraordinária e transitória".271
Derrogado por Kerensky o primeiro decreto de 1917 que abolia a pena capital,
Jiménez de Asúa comenta as circunstâncias da primeira execução, cuja vítima foi o
Almirante Schtschastany, sancionado por um Tribunal público, enquanto os outros
fuzilamentos sumários anteriores, que se praticaram com lamentável frequência, "se
deviam às Comissões Extraordinárias". O comandante-em-chefe da Marinha foi detido
pessoalmente por Trotsky e acusado de traição, por umas anotações achadas em seu diário.
A sentença suscitou grandes polêmicas nas quais se sustentava que "a pena de morte era
contrária a todos os princípios da teoria socialista". É curiosa a razão aduzida pelo
procurador do Estado, Krilenko, para justificar a penalidade imposta. O Tribunal,
literalmente falando, não o condenou à pena de morte. Em sua sentença diz-se
expressamente: "O Tribunal Supremo declara culpado Schtschasthany e condena-o a
fuzilamento."272 Não se trata de condenar à morte, senão só de uma medida de prevenção.
E Jiménez comenta: "É possível que ao Almirante convenceram pouco os argumentos de
271
- M. Grodsinsky, Estúdio Preliminar dei nuevo Código Penal, in Rev. Gen. de Leg. y Jurisp., 151 (1927)
192-193.
272
- Krilenko põe como epigrafe muito significativa à Relação sobre seu projeto de legislação penal
soviética estas palavras: "Um Código penal sem parte especial e sem dosimetria". É que "o desígnio do
Procurador do Tribunal Supremo da URSS, escreve Nelson Hungria, principal autor do Código Penal
brasileiro, está perfeitamente dentro da doutrina soviética, que é a negação dos direitos e das garantias
individuais, ante a incontrastável supremacia do Estado. O Estado soviético não conhece autolimitações. E o
"Princeps legibus solutum". Nelson Hungria, Compêndio de Direito Penal, Rio de Janeiro, 1936, tomo I, 5.
100
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Krilenko, e dera-lhe no mesmo sucumbir por uma pena ou por um tão expedito
procedimento preventivo."273
Se tão censurável havia parecido a Jiménez de Asúa que a Rússia confirmasse no
novo Código a lei da pena capital, ignoro qual terá sido sua reação ao verificar que nos
anos sucessivos essa pena continuou aplicando-se com maior dureza e frequência. Que
desilusão! O caráter provisório e extraordinário com que foi estabelecida a pena de morte
na Rússia dura já mais de duas gerações e não se vê no horizonte sinal algum de mudança.
O mundo, escreve Kurt Rosa, não deixou de respirar aliviado quando, em 1948, a
delegação soviética declarou, no foro das Nações Unidas, que todos os membros da
organização deviam abolir a pena de morte em tempo de paz. Rússia havia-a substituído no
ano anterior por 25 anos de trabalhos forçados. "Mas este apaziguamento dos ídolos não
durou muito e o Estado Soviético exigiu muito depressa novas vítimas humanas."274
Em 1958 o Soviete Supremo da URSS promulga novas leis penais, nas quais, diz
Ivanov, conselheiro principal do Soviete Supremo, como medida de castigo excepcional
pelos delitos mais graves, se admite também a aplicação da pena de morte".275
Era já pela n vez que a pena capital se restaurava na União Soviética, porque, como
escreve o já mencionado Ivanov, apresentando aquelas leis: "Em princípio, a sociedade
soviética está contra este castigo, e durante a existência do Estado Soviético a pena de
morte foi derrogada já várias vezes. Não obstante, não é culpa nossa que tivéramos de
voltar a restaurá-la.. . pois não fica outro remédio senão aplicar os castigos mais severos
aos que tratam de desenvolver atos subversivos e terroristas, ou seja, atos que merecem
sanções penais." E em continuação, este alto dirigente do Soviete Supremo obsequia-nos
com um esclarecimento, que eu brindo aos abolicionistas: "A abolição da pena capital
parece um procedimento muito humanitário, mas este humanismo revela-se principalmente
para os criminosos. E bem, que aspecto oferece diante da vítima, dos familiares do
assassinado e da gente em geral que também possa vir a ser vítima do homicida?... O
problema é muito sério. Em todo caso, a maioria esmagadora das pessoas com que tive
oportunidade de conversar sobre este tema considera que na atualidade, enquanto não se
criam condições mais favoráveis, seria prematuro renunciar a um castigo tão exemplar
273
274
275
- Jiménez de Asúa, art. cit„ p. 176-177.
- Kurt Rosa, La Pena de Muerte, Barcelona, 1970, p, 23.
- Valentin Ivanov, Nuevas Leyes Soviéticas, Moscou, 1959, p. 13.
101
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
como a pena de morte."276 Isto de Ivanov traz-nos à memória a anedota que se conta de D.
Nicásio Gallego nas Cortes de Cádiz: Falando alguns deputados do difícil que seria para
muitos; cidadãos adaptar-se a uma Constituição que fazia tábua rasa das condições sociais
e políticas do passado e tentava implantar novidades muito teóricas, porém muito
contrárias ao ser histórico da nação espanhola, Nicásio Gallego, com não dissimulada
ironia, comentou: "Bem, isso é só problema dos primeiros 500 anos, depois já todos,
estaremos habituados às novas formas."
Do mesmo modo diremos da URSS: o caráter provisório e extraordinário do
instituto da pena de morte manter-se-á tão-só durante as primeiras cinquenta gerações,
depois já se haverão criado "condições favoráveis", de muita virtude e honradez, e folgarão
as penas por falta de delinquência.
Nas leis penais soviéticas a que ultimamente nos referimos, muitos eram os delitos
sancionados com a pena capital.277 Mas isso não julgaram todavia suficiente e, em dois
anos, o Presídio do Soviete-Supremo acrescentou outros delitos suscetíveis da pena de
morte: apropriação de bens do Estado, falsificação de moeda, reincidências perigosas,
agressão contra locais administrativos, delitos de pessoas que, havendo sido condenadas,
aterrorizam na prisão reclusos que desejam emendar-se etc.278 Observe-se a extrema
imprecisão ao assinalar os delitos, elasticidade que facilita de grande modo a extensão
indefinida nas execuções.
De fato, a aplicação da pena de morte continuou aumentando constantemente. Um
semanário carioca, tomando a notícia de uma publicação soviética, dava a seguinte
informação: "desde julho de 1961 a outubro de 1963 houve 123 execuções na URSS".279
Onze anos mais tarde, a imprensa moscovita noticiava que em maio de 1974 a
justiça havia já sancionado, nos quatro primeiros meses, 18 réus; e no espaço de algo mais
de três anos, cem pessoas pelo menos foram condenadas à morte, 280 sendo que a maioria
dos condenados o foi por delitos contra a economia familiar, isto é, simples roubos,
cometidos por famintos. Apesar de tudo, Kruschev, o ditador por sua vez naquele ano na
URSS, rasgou as vestes e ainda teve a ousadia de dirigir-se a Franco para implorar que
276
277
278
279
280
- Valentin Ivanov, Nuevas Leyes Soviéticas (Suplemento da revista, URSS, n.° 15 (680) 1959).
- cfr. Ivanov, op. cit., ibidem.
- Jornal do Brasil, 7-V-61.
- Manchete, n.° 600 (19-X-63) 105.
- Folha de São Paulo, 22-V-74.
102
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
tivesse clemência com os terroristas e assassinos do processo de agosto!! Mas — sem
dúvida para dar exemplo a Franco — tão-só de janeiro a setembro, vinte cidadãos foram
levados ao cadafalso na URSS;281 e em janeiro do ano seguinte outros dois delinquentes
foram executados.282
Naturalmente que tão só estamos comentando as execuções de que nos dão notícia
as mesmas fontes soviéticas, que assim o fazem para dar ao exterior a impressão de que ali
funcionam normalmente os tribunais de justiça, de acordo com as leis penais do Estado,
como em qualquer outro país ocidental. Deixamos de lado o número infinito de infelizes
que a URSS leva à morte, a fogo lento, com trabalhos forçados e maus tratos nos Gulags e
campos de concentração, dos quais nunca nos informam as fontes moscovitas.
Barbero Santos, ponderando o proceder dos países socialistas que mantêm vigente a
pena de morte, faz notar que, em todos eles, isto "se faz a título de pena de caráter
excepcional, à espera do momento de sua ab-rogação"; em seguida transcreve as frases dos
Códigos respectivos, em que com hipocrisia e incrível monotonia se repete a expressão
pena excepcional, e reconhecendo que essa atitude é lógica, "já que se acomoda aos
postulados socialistas", com deliciosa ingenuidade (?) censura sua incoerência porque o
que deveriam era "haver dado um passo mais, abolir já a pena capital".283 Ignora ou não
quer reconhecer o catedrático valisoletano que esse passo não o possam dar, pois se no
mundo, fora da área socialista, só mal e ainda com grande dificuldade se logra uma
convivência cidadã tranqüila e pacífica, nos países socialistas ainda isto é impossível
porque, uma vez demolida toda instância transcendente, que ponha algum freio à maldade
dos homens, "o império marxista de força", sendo contrário à natureza humana, só pode
manter-se recorrendo ao "terror total"284. Desde logo no instante em que as "Democracias
Populares" abram mão desse rigor implacável, não poderão sustentar um dia mais suas
aberrantes, tirânicas e antinaturais teorias coletivistas. Disto sabem bem os gerifalcos do
comunismo mundial e por este cerram fileiras na manutenção do terror.
15. RECUPERAÇÃO E REINCIDÊNCIA DOS MALFEITORES
281
- YA, Madrid, 18-X-75.
- O Globo, Rio de Janeiro, 11-11-77.
283
- Barbero Santos, La Pena de Muerte. 6 Respuestas, p. 52-53.
284
- Miguel Poradowski, Sobre el império marxista de fuerza, in Verbo de Madrid, n.° 221 (janeiro-fevereiro
1984) 106.
282
103
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Um fenômeno bipolar atrai a atenção dos observadores sociais e dos criminalistas.
De uma parte as aspirações e esforços constantes de penalistas e criminólogos a propiciar
nos meios penitenciários, com a diminuição e suavidade dos castigos e das prisões, a
recuperação e a reinserção do delinquente no seu meio social; de outra parte, o fenômeno
concomitante da reincidência criminal, cada vez mais pronunciada, à medida que a
brandura impera no judicial e penitenciário.
Naturalmente a reincidência é nota característica, e praticamente exclusiva, dos
países abolicionistas, e, por sua gravidade social, depõe mui fortemente contra a supressão
da pena de morte.
Caeiro da Mata, escrevendo em Portugal, país que, como o Brasil e a Itália, fez
virtude a abolição da pena capital, assim se expressa: "O progresso da reincidência é um
fenômeno desolador, revelado pelas estatísticas de quase todos os países."285
Referimo-nos de modo particular ao fenômeno da reincidência no tocante à grande
criminalidade, sobretudo ao homicídio, que com frequência reveste caracteres sumamente
trágicos, que nos enchem de pavor. O reincidente em graves delitos não pode ser, pelo
comum, o homicida primário que, sem premeditação, por qualquer circunstância ocasional
mata outro semelhante. Não, o reincidente pertence ao tipo de desalmados que, carentes de
toda sensibilidade humana, reiteram desapreensivos, a sangue frio e a miúdo com o maior
cinismo, o assassinato.
Faz poucos anos compareceu ante um tribunal de justiça do Rio de Janeiro,
Guaracy Martins Lemos, acusado de um assassinato. O 'advogado alegou em sua defesa
que Guaracy era psicopata e semiresponsável por seus atos, e, ainda que o promotor
demonstrasse que não era tal, que aquele sujeito era "plenamente capaz de entender o
caráter criminoso de seus atos; que usava os delitos como um emblema que exibia para
provar que nada temia", os jurados absolveram-no. Mas, lida já a sentença absolutória, o
réu, sentindo-se mal porque o advogado havia dito que ele era semi-responsável, com
assombro de todos, sem sair da audiência, declarou paladinamente seu crime e confessou,
ante o estupor do auditório, que já havia assassinado mais oito indivíduos, que foi
enumerando um a um com seus nomes e circunstâncias de cada crime.286
285
286
- J. de Lebre e Lima, Da pena de morte, Prólogo de J. Caeiro da Mata, Lisboa, 1920, p. 24.
- Jornal do Brasil, 12-VHI-77.
104
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Casos como o citado de Guaracy, em que o criminoso aparece como autor de vários
outros homicídios, são frequentíssimos. Vou relatar tão-só um outro, chamado "crime da
mala", que encheu de consternação a cidade do Rio de Janeiro e em que se deixa ver como
um assassino, que perdeu a sensibilidade humana, com suma facilidade reincide no mesmo
crime, o que põe de manifesto a escassísima probabilidade de recuperação de tais sujeitos:
"Agentes da Polícia paulista estão no Rio tentando localizar Francisco da Costa Rocha, que
sumiu do apartamento onde residia, em São Paulo, depois que um seu companheiro de
moradia ali encontrou o corpo de uma mulher, de 30 anos presumíveis, cortado em pedaços
e acondicionado numa mala, enquanto outras partes dela espalhavam-se pelo chão do
imóvel. Segundo os primeiros levantamentos policiais, o criminoso utilizou-se de serra e
machado para separar os membros, e de uma faca para a operação de descarnagem.
Solteiro, 34 anos de idade, Francisco já praticou crime idêntico, há dez anos, tendo sido
condenado a doze anos de prisão. Mas foi recentemente libertado, por bom
comportamento, e agora volta a esquartejar outra mulher."287
Tivemos na Espanha, entre outros, a trágica figura de Valentin González, "O
Camponês", sádico sipaio da 46.a Divisão Comunista da zona vermelha. Segundo própria
declaração, aos quinze anos participou do assassinato de três guardas civis. Alistado no
Terceiro da África, desertou, passando às fileiras de Ab-del Krin. Durante a guerra seus
assassinatos eram diários. Se depois de seu primeiro homicídio houvesse sido arrastado ao
cadafalso, que não haveria ganho a sociedade com a eliminação daquela besta humana!288
Recordo a este propósito que, polemizando na TV do Rio de Janeiro com o
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Baltasar da Silveira, este jurista disseme com ênfase: "Eu sou contra a pena de morte para os assassinos. Sou porque a sociedade
lhes dê oportunidade para recuperar-se, pois ainda recentemente noticiava a imprensa que
um italiano, réu de sete assassinatos, se recuperava e havia sido libertado da prisão" Eu,
ainda deixando de lado a mais que problemática emenda daquele sujeito, disse-lhe:
"Doutor, diga-me, não teriam algo a dizer as seis últimas vítimas que se seguiram ao
primeiro assassinato?"
Que fazer pois? Condenar inexorável e indiscriminadamente todo homicida, como
possível reincidente? Não, não é essa a solução que propiciamos. Creio de maior sabedoria
seguir a norma prudentíssima que nos deixou aquele teólogo e penalista que era Alfonso de
287
288
- A Notícia, Rio de Janeiro, 18-X-76.
- vid. Jaime Tarragó, Pena de Muerte y Paz Social, in Fuerza Nueva, 460 (l-XI-75) 16-19.
105
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Castro, que com razão é chamado "fundador" da Filosofia do Direito Penal.289 "Só é lícito
infligir a pena de morte a um delinquente quando este seja incorrigível; se pode ser
corrigido de outro modo qualquer, a pena de morte seria injusta." E para conhecer quando
é o assassino incorrigível, dá-nos como norma a anterior reincidência ou a gravidade do
delito, quando este aparece revestido de tais notas de premeditação e perversidade que
denotam um ânimo de desalmado, de modo algum disposto a emendar-se. Como nota em
outro lugar o mesmo sábio autor, ainda que o corrigir-se esteja sempre na mão de um
sujeito racional e consciente, não obstante "chamamos alguém incorrigível não porque não
pode corrigir-se senão porque não quer", como se deixa ver por seu comportamento.290
16. BRASIL — EXEMPLO DE PAÍS ABOLICIONISTA
Razão deste capítulo — Expostas ficam já as razões da licitude, e em certos casos o
dever de infligir a pena de morte, e resolvidas as objeções e falsos motivos que os
abolicionistas alegam em favor de suas teses.
Pareceu-me que seria de interesse apresentar um exemplo e paradigma de um país,
entre muitos, que experimentaram as terríveis consequências a que estariam expostos os
abolicionistas. "As palavras movem, reza o adágio, e os exemplos arrastam." De sua leitura
esperamos que muitos dos que, mais ou menos convictos da conveniência de adotar a pena
de morte, vacilam todavia em propor abertamente sua implantação, onde ainda não se fez,
ou restaurá-la onde foi abolida, à vista do desastroso exemplo de descalabro de outros, se
decidam a alcançar dos poderes públicos o estabelecimento dessa medida, que devolverá à
sociedade, e a todas as pessoas de bem, a tutela e segurança de seus direitos fundamentais e
com isso a tranquilidade de vida sem temores e sobressaltos.
Por que elegi o Brasil como exemplo? — Em primeiro lugar, porque minha dilatada
estadia no país me proporcionou um conhecimento mais completo da situação. Em
segundo lugar, assim como a Inglaterra, até pouco tempo, era o ponto obrigatório de
289
- Cfr. Marcelino Rodriguez Molinero, Origen espanol de la ciência dei Derecho Penal, Madrid, ed.
Cieneros, 1959, e Liceu Franciscano, Frei Alfonso de Castro, teólogo e jurista, Santiago, 1958. Juan dei Rosal,
que teve sempre A. de Castro em grande estima científica, no prólogo da Antologia que dele publicou, diz,
"bastará por si só, para enaltecê-lo, o fato de haver apresentado pela primeira vez no mundo ocidental um
acabado sistema jurídico-penal". Alfonso de Castro, Antologia (Breviários do Pensamento Espanhol),
Madrid, ed. FE, 1942, p. 8.
290
- Juan dei Rosal, Fray Alfonso de Castro, Antologia, ed. FE, Madrid, 1942, p. 215.
106
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
referência, sobre a eficácia social da pena de morte, porque nunca a havia abolido, assim,
no lado oposto, o Brasil é um dos pontos de referência para avaliar os funestos resultados
da abolição, visto como manteve essa situação abolicionista, se não sempre de iure, pelo
menos de fato, durante um largo século. Ademais, tanto como a Itália, que fez ponto de
honra abolir a pena capital, oferece na Europa o maior índice de criminalidade, muito
acima dos outros países; do mesmo modo, nas Américas, o Brasil, que na boca de muitos
de seus representantes da política ou das letras, se gloria da abolição, apresenta um índice
de criminalidade, desconcertante pela magnitude, que, possivelmente o coloca na primeira
linha da triste estatística da delinquência entre os países da América.
Brasil, país abolicionista centenário — Embora o apresentemos como país
abolicionista de mais de um século, há de entender-se isso de fato, porque no aspecto
legislativo não oferece a mesma linha única, Brasil colônia e Brasil império, manteve
sempre em suas leis a pena capital para grandes delitos, porém o Imperador Pedro II,
impressionado pela sofisticação retórica de Victor Hugo, decidiu dar uma virada, não
ousando, não obstante, propor ao Parlamento a abolição, resolveu fazer sempre uso do
"Direito de Graça", comutando a pena capital pela imediatamente inferior no Código
Penal, para não mandar ninguém ao último suplício. Na sessão fúnebre que dedicou à sua
memória o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que ele havia fundado, o orador
presta homenagem ao humanitarismo do Imperador por aquele gesto;291 porém como a
Constituição republicana de 1891 a havia abolido também de iure, o orador, tendo presente
os grandes e frequentes crimes que se vinham cometendo, e nada seguro de que aquela
abolição da pena máxima tivesse bom êxito para o bem-estar do país, com certo tom de
ironia acrescentou: "Quem sabe se não será mais tarde necessário restaurá-la para conter a
onda dos grandes criminosos."292
291
- Homenagem do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio, 1892, p. 117.
- ibidem. Essa pergunta do orador traz-nos à memória a famosíssima expressão de Alfonso Karr: "Eu sou
pela abolição da pena de morte, contanto que os senhores assassinos sejam os primeiros". Aos
abolicionistas desagrada sobremaneira esta frase de Karr, refutando-a de qualquer maneira, deixam-na de
lado depreciativamente. Não obstante Quintiliano Saldanha, mui notável penalista, faz sobre ela este
comentário: "Como toda grande ironia, encerra esta frase um fundo de verdade" (in Franz von Liszt,
Tratado de Derecho Penal, suplementado por Quintiliano Saldanha, Madrid, Réus, 1917, tomo III, p. 284). Eu
ainda acrescentaria a esse comentário uma breve apostila: Doloroso e terrível é levar um homem à morte,
concedo, mas pense-se em que mais doloroso e terríveis são os crimes pelos quais essa pena é infligida. Por
292
107
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
A República em sua primeira Constituição, de 1891, aboliu definitivamente, na
ordem legal, a pena de morte. Mas, em 1937, o grande estadista que foi Getúlio Vargas, à
vista da crescente onda de crimes nefandos no país, restabeleceu-a, para ser novamente
abolida na Constituição de 1946. Quando, vinte anos depois, o Governo Militar, surgido da
Revolução de 1964, anunciou a promulgação de uma nova lei constitucional, houve intenso
movimento na nação, propiciando a inclusão, na nova Carta, da pena capital, mas tal não
prosperou e a aludida pena ficou abolida.
Após tudo isto passaram-se três anos. O Embaixador dos Estados Unidos foi
sequestrado no Rio de Janeiro por terroristas, os quais, sob a ameaça de fuzilar a vítima,
exigiram do Governo nacional a divulgação, por todas as emissoras de rádio, de um
manifesto contra o próprio Governo e a libertação de quinze políticos reclusos. O Governo
houve por bem aceder à humilhante exigência, ainda que muito bem poderia haver
recusado tal pedido, justificando-se pelo fato de que não havia maior culpa de sua parte,
pois dava escolta ao diplomata, mas, no caso, este havia-a dispensado à noite, porque não
queria testemunhas de sua ida a um encontro desnecessário, oportunidade de que
aproveitaram os raptores.
O fato é que o Governo, para não ver-se sucessivamente sujeito a humilhações
semelhantes, promulgou em 5 de setembro de 1969 o 14° Ato Institucional, seguido em
poucos dias da Lei de Segurança Nacional, pela qual se restabelecia a pena de morte para
os implicados na guerra psicológica adversa ou na guerra revolucionária ou subversiva,
assinalando-se até quinze casos em que a última pena seria aplicada.
Após pouco tempo um terrorista, de nome Teodomiro Romeiro dos Santos, deu
morte, na Bahia, a um agente da ordem pública que o havia detido. O Tribunal Militar
julgou-o incurso nos dispositivos da Lei de Segurança e pronunciou a sentença de morte. A
discussão pró e contra a sentença agitou-se em toda a imprensa e rádios do país. O que
escreve estas linhas foi interpelado em um programa de TV, sobre se julgava Teodomiro
merecedor do último suplício e se cria que devia ser executado. Eu respondi mais ou
menos nestes termos: "Quanto à culpabilidade do réu, não era de minha competência o
juízo, pois ignorava o que acerca do caso havia sido alegado e provado, carecendo portanto
de elementos de juízo. Mas, se o delito foi provado, como se disse, e a sentença
conseguinte, antes de suprimir a pena, cuidemos de suprimir os horrendos delitos que com ela tentamos
evitar. Mui doloroso e terrível é abrir o ventre de um homem, mas: eu agradeço ao cirurgião que abriu o
meu para efetuar uma colontomia, sem a qual não houvera sobrevivido.
108
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
pronunciada, é claro que deve executar-se. Não obstante, acrescentei, tranquilizem-se os
que a isso se opõem, porque eu lhes asseguro que Teodomiro não será executado, pois o
Governo do Brasil é, desde a implantação da República, maçônico, e a maçonaria opõe-se
à execução."
Efetivamente, em poucos dias foi comutada a pena de Teodomiro e nem ele, nem
nenhum outro assassino foi até hoje executado pelos poderes públicos, mas sim em troca
foram-nos, em assustadora proporção crescente, número infinito de inocentes, em mãos
dos malfeitores soltos por toda parte.
Razões particulares do Brasil para não infligir a pena capital — Os abolicionistas
no Brasil repetem, com insuportável monotonia, as três razões mais comumente alegadas
por toda parte: a) O caráter irreparável do erro judicial; b) Negar, contra toda evidência, o
valor intimidativo da pena capital; c) Negar ao poder público o direito de castigar, porque,
segundo afirma o sociólogo e penalista Evaristo de Moraes Filho, "a sociedade carece de
autoridade moral para infligir a pena de morte, porque ela mesma é fautora da
criminalidade",293 por não educar e elevar o nível das classes populares.
Mas a estas três razões muitos acrescentam outra muito singular, e segundo eles
peculiar do Brasil: "A índole sentimental e o sentido cristão do povo brasileiro. Vejamos
alguma mostra:
Para o Curador de Menores, Eudoro Magalhães, "basta conhecer a índole da gente
brasileira, para ser contra a pena de morte".294 O deputado Tarso Dutra afirma que a pena
máxima "constituiria um fator de desequilíbrio social, pois não se ajusta à sensibilidade do
povo brasileiro".295 O notável jurista e político Prado Kelly diz que a abolição harmonizava
com "uma tradição secular, a do sentimento de nosso povo, formado na moral cristã".296
"Aos brasileiros pacíficos e cordiais, alegres e despreocupados, a dureza da pena capital
soa-lhes como algo desvinculado do contexto nacional."297
O redator-chefe do "Jornal do Brasil", adversário da pena de morte, Carlos A.
Dunshee de Abranches, julga que a abolição no Brasil "reflete um postulado da concepção
293
294
295
296
297
- Manchete, 1525 (1981) 26.
- O Globo, 13-XI-57.
- O Globo, 23-IV-57.
- Correio da Manhã, 5-XII-57.
- Art. editorial de O Globo, 3-IV-71.
109
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
jurídica e do sentimento liberal do povo brasileiro".298 Em compensação, o Reitor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Moniz de Aragão, queixa-se de que a "índole
bondosa, cristã e pacífica do povo brasileiro se alega unicamente em favor do terrorista e
guerrilheiro".299 A pena de morte no Brasil, afirmou o deputado Luís Viana, não será
viável "porque o sentimento popular não permitiria suas execuções".300 Segundo o Dr.
Rocha Lagoa, juiz de menores, o instituto da pena capital "choca profundamente o
sentimento brasileiro e é contra a formação do nosso povo".301 O periódico O Globo
afirmava solene em um editorial: "A implantação da pena capital não se coaduna com o
sentimento do povo brasileiro."302
Outros vão mais longe todavia; consideram a ausência da pena de morte um timbre
de glória nacional, ainda que aquilo seja à custa da mais horrenda criminalidade. "A
civilização moral deste império não será jamais maculada no futuro, como não o é no
presente, com esses assassinatos jurídicos, que tanto infamaram os governos passados."303
Por sua parte, um editorialista do Jornal do Brasil assim se expressa: "Os brasileiros
devem orgulhar-se legitimamente de não terem, na evolução de seu direito de repressão, o
instituto da pena de morte; houve a pena de morte no Brasil mas esporadicamente, só em
caráter transitório."304
Esta mentalidade é tão densa que até alguns membros do clero se ressentem, por ela
contaminados.
Estando na cidade do Recife, em um programa de televisão, um dos participantes
no debate disse-me: "Saiba V. Revma. que aqui no Recife há algum sacerdote que
considera anticatólico defender a pena de morte." Não é fácil, porém é sim, possível,
respondi-lhe, que um sacerdote esqueça a tal ponto o que desde o começo de seus estudos
sacerdotais aprendeu e pôde ver estampado, não só nos manuais de teologia moral, como
também em todos os catecismos explicados — sem exceção — os quais ao falar do quinto
preceito "não matarás" acrescentam sempre as exceções de três casos em que é lícito tirar a
298
299
300
301
302
303
304
- Jornal do Brasil, 19-V-61.
- O Globo, 31-111-71.
- O Globo, 23-IV-59.
- O Globo, 13-XI-57.
- O Globo, 23-IV-59.
- Luís Fr. da Veiga, Synopsis chronológica das revoluções... havidas no Brasil, Rio de Janeiro, 1877, p. 2.
- Jornal do Brasil, 5-V-60.
110
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
vida de outrem: em legítima defesa, em uma guerra justa e por sentença judicial.
Para prova disto, valha, por todos, o autorizadíssimo Catecismo de Trento,
mandado publicar por São Pio V e que explicitamente excetua os três casos referidos.
Referindo-se ao último, declara formalmente que esta classe de morte lícita é a que
corresponde aos juízes "a quem se deu o poder de impor a pena de morte — o grifo é do
original — em virtude da qual castigam os homens criminosos, e defendem os inocentes,
conforme às leis, e cumprindo realmente este dever, não só não são culpados da morte,
como também se ajustam perfeitamente à Lei Divina, que proíbe o homicídio. Porque
tendo este mandato por fim olhar pela vida e pela conservação dos homens, tendem
igualmente a isto mesmo as penas impostas pelos juízes, que são os vingadores legítimos
dos crimes, para que, reprimindo-se com os castigos a audácia e a maldade, esteja segura a
vida humana".305 Para quem sinceramente deseje conhecer a verdadeira doutrina católica
nada melhor poderia oferecer.
O esquecimento da doutrina católica por alguns clérigos bem podia em casos raros
acontecer em anos passados. Hoje, ao preconceito social da índole bondosa do povo juntase em alguns membros do clero o furor negativo e demolidor do "progressismo" que já não
suporta os ensinamentos tradicionais da Igreja e quer inovar tudo. Assim vemos o
Secretário da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter — atualmente Presidente da Conferência
Episcopal — opor-se ao Governo contra a aplicação da pena de morte, e pôr em
comparação — coisa francamente intolerável — a ação dolosa e perversa do assassino que
degola um inocente, e a nobilíssima atitude do Estado que, em defesa da justiça e da ordem
social, castiga o malfeitor.306
Na mesma linha de oposição colocou-se o arcebispo de Fortaleza, Dom J. Medeiros
Delgado, "fundado, diz ele, nos princípios cristãos" (??).307 Mais radical, o bispo de Goiás,
Dom Tomás Balduíno, que contrapõe à Igreja tradicional, com seus ensinamentos, a
Igreja do Pós-Concílio Vaticano II, que, segundo ele, também havia reprovado a pena de
morte. No que concerne a esta, afirma que "de nenhuma maneira podemos considerar
como doutrina atual da Igreja o que esta ensinava no século XII".308 A Igreja retratando-se
de seus ensinamentos!
305
306
307
308
- Catecismo Romano, p. III, capit. IV, n.°s 4-5 e 8.
- Jornal do Brasil, 22, III, 71.
- Jornal do Brasil, Ibidem.
- Jornal do Brasil, 16-IX-69.
111
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Mas a todos estes progressistas deixa atrás o arcebispo de São Paulo, Card. Paulo E.
Arns, que combate sem tréguas a pena de morte. Na folha paroquial da arquidiocese, O
Domingo, no ato de contrição, no começo da missa, vem esta súplica: "Pelas vezes que
fomos partidários da pena de morte, tem piedade de nós." 309 E no mesmo número do
semanário dominical, um tal P. Virgílio, comentando o Evangelho, diz que quem defende a
pena de morte "atraiçoa a paixão de Jesus Cristo e renega o Santo Batismo"- Nada disto é
para refutar, beira já com o paranóico. Deixo de lado O São Paulo [não confundir com o
grande jornal O Estado de São Paulo!], semanário da arquidiocese paulistana, que com
sofismas, vulgaridades e conceitos nem sempre conciliáveis com a doutrina católica e
costumeiros entre os abolicionistas, tratou em vários artigos de invalidar os ensinamentos
tradicionais sobre o instituto da pena de morte.
Lamentamos também que outro ilustre prelado, benemérito por muitos conceitos na
defesa da ortodoxia, se haja deixado arrastar, neste caso, pela onda sentimental e
abolicionista. Não nega ele a licitude da pena capital, porém, confundindo uma vez mais a
ordem jurídica com a ordem da caridade, a ela opõe-se e afirma gratuitamente que a Igreja
hoje deixa de lado o rigor e é movida pelo perdão. Mas o mais grave, e pelo que aqui
comentamos, é que assume a injusta e absurda comparação do crime e da justiça legal: "A
violência, ainda mesmo a amparada pela lei, não quebra por si mesma o círculo
demoníaco do crime."310 Será sinal de maturidade de uma sociedade a não aceitação da
pena de morte? De nenhum modo, não invertamos os conceitos. A maturidade e perfeição
de uma sociedade não consiste em deixar sem o merecido castigo os grandes delitos senão
em lograr uma drástica diminuição dos mesmos, o que tão só se obtém pela dissuasão que
produz a certeza do castigo exemplar.
Justificam a abolição da pena capital o sentimento popular, a cultura do país e a
formação cristã? Vã ilusão. Esses elementos nada justificam, como vamos demonstrar.
Temos visto já o coro de vozes que, com diversas modulações, apresentam esses
motivos contra o instituto da pena capital. Isto não tem validez nem no terreno geral e
abstrato, nem muito menos com referência ao Brasil.
Analisemos por partes toda esta alegação, a começar pelo do sentimento popular.
309
310
- o Domingo, São Paulo, 22-VII-1984.
- A Pena de Morte, in Communio, II (1984) 72.
112
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
O sentimento é um fenômeno de nosso psiquismo racional superior. Nossa vida
sentimental e emotiva é riquíssima e de extrema complexidade. Há que partir-se do fato de
que nossos sentimentos representam uma classe de processos psíquicos conscientes, porém
totalmente diferentes de todo processo de conhecimento. Por esta razão o sentimento, que é
sem dúvida cego, não obstante, como é provocado por fenômenos intelectuais e morais,
deve acompanhar as atuações do entendimento e não vice-versa. Quero com isto dizer que
é o entendimento o que há de guiar e conduzir os sentimentos, e não que estes dominem e
ditem sua atuação ao entendimento.
Notemos ademais que os sentimentos, do mesmo modo que os valores, possuem o
caráter da polaridade: a todo sentimento, seja de que qualidade for, opõe-se outro
sentimento de indicação oposta. Assim ao sentimento de amor, opõe-se o ódio; ao de
alegria, o de tristeza; ao de valor, o de medo etc. Daí o magno problema pedagógico, para a
reta educação dos sentimentos, afim de modificar e levar à máxima perfeição a índole
natural de cada educando.
Definindo a índole como inclinação natural própria de cada um, quando se trata de
seres racionais essa inclinação natural não é retilínea, inflexível e imutável, como o instinto
dos irracionais, senão modificável e perfectível. São os sentimentos o que se há de dirigir,
para que, v.gr., a índole perversa e vingativa daquele menino se abrande, enriqueça e se
transforme com sentimentos de amor e benevolência.
Em suma, se não queremos errar, guia de nosso proceder há de ser o entendimento,
e não o sentimento ou a emoção.
Creio que este breve e inescusável esclarecimento psicológico é o suficiente para
deixar manifesto o grave erro dos elementos diretivos da sociedade nesta matéria:
senadores, deputados, juízes, professores etc. que, em vez de orientar e educar os
sentimentos do povo, tentam acomodar as leis aos preconceitos e sentimentos que dizem
populares. "Colocam, diz o adágio popular, o carro diante dos bois", e sobretudo, sem
reparar que esses sentimentos, por obra e graça do proselitismo abolicionista, são
invertidos, pois se sente muito a sorte dos facínoras e se deixa em esquecimento a das
vítimas e de suas viúvas e filhos. Passa-se nisto algo parecido com a maneira de muitas
mulheres britânicas que choraram e maldisseram os soviéticos pela morte da cadelita
"Laika" na primeira viagem à estratosfera, e permanecem impassíveis ante os milhões de
seres humanos que os comunistas russos levam à morte lenta, nos Gulags e nas estepes
geladas da Sibéria. Assim é, com frequência, enorme a imbecilidade humana!
113
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Valha o dito para ver que, assim em geral, e em qualquer país, seria algo sem
sentido querer tomar como base, para eliminar uma lei de profundo alcance benéficosocial, o pretexto de que essa lei é incompatível com o sentimento popular e a índole da
gente. O notável escritor filósofo italiano Sciacca, recentemente falecido, faz notar que:
"Se se cede, se vence o sentimento ou compaixão, esse ato que poderia chamar-se humano
esvazia-se da autêntica humanidade e enche-se da mísera riqueza da humanidade empírica,
à custa e em negação da norma moral."311
Essa inversão ou tergiversação dos sentimentos ou da compaixão que coloca no
altar o malfeitor e relega ao esquecimento as vítimas, é universal nos abolicionistas, que
para isso soem descrever com negras tintas as atrocidades dos suplícios e passam por alto
as dos crimes. De estupidez qualifica a sabedoria oriental essa tergiversação "que leva uns
a fazer uso da força quando devem proceder com benevolência, ou a atuar com
benevolência quando é necessário fazer uso da força".312
Pelo que toca ao Brasil, analisemos brevemente a razão de que o sentimento
popular não suportaria a existência da pena de morte, fazendo ver que, fora dos ambientes
minoritários dos abolicionistas, essa futilidade não encontra base alguma.
O povo brasileiro é sem dúvida de índole pacífica. Não é repentino e violento como
o espanhol ou o argentino. Suas reações são lentas e reflexivas. É muito ponderado, como
o demonstrou sempre seu proceder político no campo internacional. Profundamente
cristão, ainda que de escassa instrução religiosa, modela pela crença boa parte de sua vida
ativa. Estas qualidades habilitam-no a julgar os crimes com equanimidade e com equilíbrio
emocional, nada extremista, e por isto mesmo não tem, como nos querem fazer crer os
abolicionistas, invertido o sentimento. O brasileiro comum sabe apreciar com retidão e
medir com equidade o prêmio ou o castigo, em cada caso, e por cada pessoa merecidos.
Todos esses esbanjamentos de retórica, querendo fazer-nos crer que o brasileiro, em
virtude de sua índole sentimental, troca a vítima pelo assassino, fica só por conta de
numerosos advogados, periodistas, políticos, escritores revolucionários e anticatólicos,
mações e alguns clérigos progressistas, todos eles abolicionistas, que se valem desse
argumento, como de outras falsidades, para impor ao público seus preconceitos
antipunitivos.
311
312
- Michele F. Sciacca, El hombre, este desequilibrado, Barcelona, Miracle, 1958.
- Ap. HÍFEN (publicação da Liga de EE.AA.), ano n i , n.° 2, p. 6.
114
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Mas, deixando de lado essa gente, afirmo com segurança que o brasileiro médio, o
brasileiro culto, o brasileiro simples e honrado, são sim, bem dotados de fino sentimento, e
de ternura para com o desgraçado, mas não são vítima de uma pieguice que os impeça de
orientar e dirigir com serenidade suas emoções e discernir com clareza e justiça o que é
para reprovar e o que é para conservar e em seu caso enaltecer e detestar o crime que
amesquinha e exaltar a justiça que eleva as nações.
O povo brasileiro em sua melhor e maior parte não é contrário à aplicação da pena
de morte aos grandes delinquentes, por mais que esse embuste se propale constantemente
pela imprensa e no rádio.
O que digo aparece totalmente confirmado em todas as entrevistas, pesquisas
públicas e até pelos linchamentos populares. Vejamos algumas provas do aludido.
O Diretor do então mais lido periódico do Brasil, O Jornal, T. de Andrade, em uma
nota de comentário a um breve trabalho meu, dizia: "É a difusão e aumento de crimes o
que envergonha a sociedade, e não a eventual execução de uma fera humana
irrecuperável."313 De análoga maneira se manifestam muitos outros brasileiros, homens de
bem e que têm em boa conta a justiça.
Quando, no Rio de Janeiro, três rapazes libertinos atentaram contra o pudor,
fizeram tentativas de estupro e por fim jogaram do 20.° andar de um edifício de
Copacabana a jovem Aida Cúri, a comoção foi profunda em toda a cidade. O juízo dos
homicidas correspondeu a três ilustres Magistrados, Faustino Nascimento, Mourão Rússel
e Milton Barcellos, os quais, ao proferir a sentença, declararam que "lamentaram não poder
indicar, de acordo com a legislação brasileira, a pena de morte para tão horripilante crime,
dizendo da "inveja pela Justiça americana, com a sua pena máxima, a Pena de Morte, única
solução para limpar a sociedade de desalmados curradores".314
O Presidente do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal, Des. Romão Cortes
de Lacerda, lamentava-se, em uma entrevista, de que no Brasil, "como é de observação
cotidiana, os grandes criminosos voltam sempre à convivência social, já por curtas as
penas, já por ainda mais encurtadas pelo livramento condicional ou pelo indulto. Não há,
entre nós, o que ocorre nessas velhas nações civilizadas: a eliminação do grande criminoso
do convívio social. Aqui, os criminosos, por mais endurecidos e perigosos que sejam,
313
314
- Theóphilo de Andrade, A Igreja e a pena de morte, in O Jornal, 8-IV-71.
- Jorge Audi, Justiça, in O Cruzeiro, 18-11-1961.
115
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
voltam sempre à sociedade, devido à baldada crença de que se acham corrigidos, objetivo
raramente alcançado. A impunidade anima o crime, como é óbvio. Há que reagir contra os
criminosos. A tibieza na reação, seja ela de ordem legislativa, policial ou judiciária,
multiplica os delitos". É preciso voltar o olhar para os grandes países civilizados onde se
segregam da sociedade os grandes malfeitores pela prisão perpétua ou pela pena de
morte.315
O deputado Daniel Faraco declara: "Não sou contra a pena de morte, pois ela não é
contrária ao Direito Natural e a Moral Cristã a admite. Além disso, deve-se considerar que,
atualmente, em nosso País, a pena de morte é decretada diariamente por particulares, a
pretexto de punição dos agravos de que se julgam vítimas, e às vezes, sem pretexto algum.
E a sociedade, pela impunidade de que gozam os que matam, está estimulando o crime
com sua indiferença."316
O que é mais significativo nisto é que a quase totalidade dos juízes criminais de São
Paulo são a favor da pena de morte.317
O Senador Vivaldo Lima é incisivo: "O Brasil deveria imitar os países mais
civilizados. A pena de morte é coisa ruim, eu reconheço. Porém muito pior seria a
criminalidade, se ela não existisse. No Brasil, seria utilíssima, pois mata-se entre nós com
muita facilidade, haja vista o caso de Aida Cúri."318
Temos pois que a parte mais representativa da sociedade é antiabolicionista, porém
o é, todavia, mais, o povo, que não pode suportar por mais tempo a vista de tão frequentes
e nefandos crimes, além de viver encerrado em constante sobressalto. Ou como faz pouco
dizia uma senhora em S. Paulo: "Sou a favor da pena de morte, porque já estou cansada de
ficar em casa, cheia de medo, esperando a chegada de meus filhos e de meus netos."319 Em
breves palavras, faz pouco resumia Baremblitt esta situação: "Ante o panorama
apocalíptico em que vivemos, o país inteiro manifesta seu alarme e decepção através dos
órgãos da imprensa e outros veículos de comunicação.”320
315
316
317
318
319
320
-O Globo, 4-VIII-58.
- O Globo, 23-IV-59.
- O Globo, 22-V-61.
- O Globo, 23-IV-59.
- Semanário Visão, XXXIII (16-IV-84).
- iGregorio Baremblitt, A Violência; Quem começa?, in Psicologia Atual, S. Paulo, n.° 37, p. 38.
116
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
O Conselho Técnico de Economia, Sociologia e Política da Associação Comercial
de São Paulo, por ocasião da defenestração de Aida Cúri, celebrou uma reunião em que a
pena de morte foi calorosamente combatida. O notável jurista, que era Haroldo Barbury,
tomando a palavra afinal, deu um banho de água fria aos reunidos e assim se pronunciou:
"Acompanhei atentamente todos os debates e observei que sempre que se fala da pena de
morte põe-se de manifesto muita compaixão, muita pena do criminoso, mas não se pensa
na vítima. Agora bem, se em vez do assassino tomássemos como referência a vítima, o
problema da pena capital mudaria."
"Recordo que durante uma aula inaugural, na Universidade umas jovenzinhas me
interrogaram sobre a pena de morte. Então eu contei-lhes um fato que acontecera poucos
dias antes: Um pobre pequeno que trabalhava de dia e estudava de noite, quando ia para
casa foi interpelado por três indivíduos que lhe perguntaram, de que forma queria morrer,
se de um tiro, de uma punhalada ou de uma beliscadura. O pequeno pensou que fosse uma
brincadeira, porém logo percebeu que era uma ameaça séria, e disse que de um beliscão.
Então aqueles desalmados agarraram umas tenazes, tiraram-lhe umbigo, arrancando-lhe os
intestinos e deixaram-no morto na rua."
"Agora eu pergunto, será bem ordenada a caridade cristã cheia de ternura se pensa
primeiro em recuperar esses malvados, deixando de lado as vítimas?"321
Diversos inquéritos vêm-se realizando no País, de algum tempo a esta parte. Talvez
o mais sério e cuidadoso foi o realizado há três anos pela LPM — Burque e Manchete, no
Rio de Janeiro e em S. Paulo, entre pessoas de 18 a 55 anos, de todas as classes sociais,
respeitada a proporcionalidade dessas classes e idades, de acordo com o último censo. À
pergunta, entre outras muitas, "Parece-lhe que no Brasil deveria haver pena de morte?", a
grande maioria — 79% — respondeu afirmativamente.322
"Que diz o Sr. do Esquadrão da Morte?", interrogava-me na televisão um dos
participantes. Que isso, respondi-lhe, é um substitutivo, ainda que muito imperfeito,
perigoso e irregular das leis eficazes punitivas que devera haver no país, para a segurança
dos cidadãos, e não as há.
A imprensa informa que os "esquadrões" estão constituídos por elementos da
polícia que, em presença da brandura penitenciária ou quase impunidade dos malfeitores,
responsável pela proliferação inaudita de assaltos e crimes de toda espécie, que trazem à
321
322
- Problemas Brasileiros, agosto de 1971, p. 43-45.
- Roberto Paulino, O Brasil quer a pena de morte, in Manchete, 1525, (15-VII-81), 25.
117
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
população pacífica sumida em uma atmosfera de terror e de que eles mesmos são as
primeiras vítimas, resolvem — à falta da instituição legal da pena — executar eles próprios
os grandes criminosos, eliminando-os da convivência cívica.
O fato é que o povo, informado pela imprensa dessas execuções de malvados, não
dá sinal de comover-se. Se se pergunta a qualquer popular: Que lhe parece o Esquadrão da
Morte?, a maioria responde, não está mal! Já que a lei é omissa e deixa inermes os
cidadãos, que esses homens limpem a rua de facínoras para que a gente honrada e
trabalhadora possa viver tranquila. Esta é, consta-me, a forma mais comum de pensar do
povo, em sua maioria.
No arrabalde de Belford Roxo, no Rio de Janeiro, dois homens, por haver assaltado
um ônibus, "foram perseguidos e linchados por uma multidão de quase 300 pessoas,
ficando seus cadáveres estendidos em cruz na rua".323 O mesmo diário informa que, nesse
dia, outros oito homicídios ocorreram na cidade. Como maravilhar-se de que o povo queira
o castigo exemplar e de que, ante a omissão dos poderes públicos, execute a justiça por sua
mão?
Aconteceu em abril deste ano, em S. Paulo: "Quem está a favor de que este
indivíduo morra? , perguntou um homem apontando para um ex-presidiário que
aterrorizava o bairro. Eram cerca de cem pessoas e todas levantaram o braço. Estava
realizado o plebiscito e Osvaldo O. Pires, 33 anos, foi morto a pauladas."324
A gente acha-se já tão aturdida pela frequência de crimes e pelas reincidências dos
homicidas e tão irritada pela impunidade efetiva e legal dos malfeitores que os
linchamentos ou intentos de linchar se sucedem a toda hora, e muitos mais seriam, se a
polícia não acudisse com presteza para evitá-los.
Agora bem, de todo o anteriormente exposto infere-se que o povo brasileiro, em sua
parte mais considerável, opta pela adoção da pena capital, sendo escassa minoria os que a
ela se opõem. E digo mais, e isto é muito de notar, que essa minoria, se dela deduzimos
bom número de católicos sinceros que, ouvindo constantemente o falso slogan: "Deus é
quem nos dá a vida e só Ele a pode tirar", creem — a falsidade da afirmação foi já exposta
mais acima — e pensam que optar pela morte do assassino é contra o perdão que prega a
religião católica, descontados esses que uma vez esclarecidos mudarão de parecer, essa
minoria abolicionista do povo brasileiro fica reduzida a uma exiguidade extrema.
323
324
- Jornal do Brasil, 14-1-80.
- Pena de Morte. Olho por olho?, in Visão, XXXIII (16-IV-84).
118
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Vem aqui muito a propósito o raciocínio do notável colunista de O Estado de São
Paulo, Lenildo Tabosa Pessoa: "Os que combatem a pena capital, no Brasil, diz Lenildo,
são, em geral, os mesmos que querem transformar o povo em algo assim como uma
divindade, a qual resolverá os grandes problemas nacionais como por milagre, quando haja
eleições diretas para a Presidência da República, porque o povo é sábio e sabe o que quer e
quais são as decisões que devem ser adotadas. Sem embargo, quando esse povo
majoritariamente pede aos poderes que o governam que a criminalidade seja enfrentada
com a pena de morte, com absoluta incoerência, negam-lhe a suposta sabedoria, e sua
opinião passa a ser vista como uma imbecilidade."325
Não se alegue, tão pouco, contra a pena capital, esse tópico tão reiterado de que tal
castigo, como é o suplício dos malvados, vai contra os sentimentos cristãos do povo
brasileiro. Não, isso não é admissível em pessoas retas e ilustradas em religião, pois o
sentimento pelo castigo dos maus, em detrimento dos bons, é uma inversão inadmissível
dos verdadeiros sentimentos que devem imperar nas vida de todo homem probo.
Conhecida é a sentença de Shakespeare: "A clemência com os homicidas é
homicida", e o famoso penalista italiano Eurico Ferri, bem conhecido no Brasil e nada
suspeito aos abolicionistas, escreveu umas palavras que todos esses sentimentalistas, ao
revés, deveriam ter presentes: "Creio sempre, e cada vez com mais convicção, que se deve
afastar a atenção dos criminosos e as simpatias públicas para com eles, e concentrá-las
unicamente nas pessoas honradas que sofrem e são esquecidas."326 Ferri, positivista e
incrédulo, falou neste caso com sentido limpidamente cristão.
Não pretendamos ser mais cristãos que Cristo e que sua Santa Igreja, nem mais
delicados de sentimentos. Cristo foi quem disse: "Quem com ferro mata com ferro deve
morrer", e a Igreja defendeu sempre essa doutrina. Até o grande Pontífice que foi Pio XII
estabeleceu-a no Estado do Vaticano.327 O sentimento cristão de compaixão pelos que
sofrem sempre se compaginou com o amor à justiça. Estes dois sentimentos são atributo de
todos os doutores e santos que no mundo têm sido nos dois milênios de vida cristã e
também dos bons cidadãos brasileiros.
325
- Lenildo Tabosa Pessoa, A Pena de Morte, in Jornal da Tarde, 2-XII-83.
- Eurico Ferri, delinquenti neWarte, Génova, 1896, prefácio.
327
- Giuseppe Maggiore: "La pena di morte esiste nello Stato dei Vaticano per la legge 7 gennaio, 1929."
Principi di Diritto Penale, Bologna, 1937, 2." ed. tomo I, pág. 370.
326
119
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Não cabe tão pouco dizer que a pena de morte se justifica tão só nas estruturas e
épocas mais atrasadas e incultas dos povos. Não é exato. Essa pena coexiste com todas as
culturas, religiões e épocas do mundo. Ademais, como já dissemos em páginas anteriores,
não se há de julgar o nível cultural de um país, pela ausência de duros castigos aos
malfeitores, senão pela maior diminuição de grandes crimes que mereçam o suplício e pela
tranquilidade e segurança de vida dos cidadãos. Os grandes crimes não reprimidos depõem
tristemente contra a cultura de um povo. "Como poderá o Brasil, perguntava o notável
jurista Carlos de A. Lima, prosseguir seu ritmo crescente de desenvolvimento material se
não alcança, através de graves medidas, a garantia principal, "o direito à vida", "o direito
de não ser vítima da violência", "do crime" e "do tóxico"?328 É evidente que o Estado ou
sociedade que não tutela eficazmente os direitos básicos de todo cidadão não tem foros de
civilizado.
Vejamos agora que grau terrível e inaudito alcança neste país pacífico, a
criminalidade, graças à ausência adequada de punição do crime.
O Brasil lança hoje um índice de criminalidade que supera muitas vezes o de
qualquer outro país civilizado. Mas antes de passar adiante, quero sair ao encalço de uma
objeção repetidíssima e que ocasiona péssimos efeitos na opinião pública, atuando como
freio para o estabelecimento de medidas mais eficazes na repressão, do crime: "Nos
Estados Unidos, diz-se, a maioria dos Estados têm a pena de morte, e apesar disso, é ali
muito maior a criminalidade que no Brasil." Com estas, ou parecidas palavras, esta
falsidade, repetida mil vezes e em todos os tons por jornalistas, políticos e advogados, tem
calado fundo na opinião pública e levado muitos bem intencionados à convicção de que
assim é.
Quando uma pessoa à vista de algum crime atroz exclama: "é necessário que se
imponha a pena de morte, para acabar de vez com isto", qualquer outro dos circunstantes
logo intervém dizendo: "Não, não adianta, nos Estados Unidos há a pena de morte e cada
dia se dão os mesmos ou piores crimes."
Não vou alegar aqui estatísticas, em todas as quais, seja dito de passagem, aparece
o errado deste acerto, sobre a criminalidade ianque. Limitar-me-ei a apresentar o
testemunho dos estudiosos, especialistas em Direito Criminal e nada suspeitos aos
abolicionistas.
328
- Carlos de Araújo Lima, Ordem dos Velhos Jornalistas, Rio de Janeiro, 1973, p. 2.
120
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
O Prof. Virgílio Donnici, alto dignitário do Secretariado de Justiça, em uma conferência
proferida no simpósio, por ele organizado, sobre "Polícia e sociedade moderna", depois de
comparar a criminalidade do Rio de Janeiro e de Chicago, declarou categoricamente: "Rio de
Janeiro apresenta o maior índice de criminalidade do mundo."329 Toma-se como paradigma
comparativo, não os Estados Unidos em sua totalidade, mas a cidade de Chicago, que tem fama de
ser a mais violenta e de maior número de crimes na União, ainda que seja provável que hoje a
iguale nisso e ainda a supere, Los Angeles.
O segundo testemunho e mais decisivo todavia, constituem-no as declarações do
Ministro Nelson Hungria, autor principal que foi do Código Penal do Brasil, que logo ele
mesmo explanou em volumoso comentário de nove tomos. Nelson Hungria, apaixonado
abolicionista, percorreu o país, de um extremo a outro, para combater em programas de
rádio, imprensa e televisão o instituto da pena de morte. Pois bem, encarregado pelo
Presidente Jânio Quadros de reformar o Código Penal, declarou altissonante: "A
criminalidade no Rio de Janeiro supera a de Chicago em todos os tempos. Com tão alto
coeficiente de criminalidade, Rio é uma cidade despoliciada... Estamos volvendo à época
da vingança privada. O Rio transformou-se em uma cidade abandonada ao crime."330
Levemos ademais em conta que desde 1961, em que Hungria fez essas declarações, a
criminalidade em todo o país foi aumentando, em proporção aterradora.
Como amostra e demonstração de tudo que foi dito, vou dar algumas cifras tomadas
ao azar da imprensa, nos últimos anos. Quando não indico outro lugar, os crimes que
enumero se referem ao Rio de Janeiro, porém advirto o leitor de que cotejei muitas vezes a
imprensa das outras cidades e posso afirmar com segurança que S. Paulo, Curitiba, Recife
e outras mais, em proporção de seus habitantes, apresentam um índice de criminalidade
igual, quando não superior, ao do Rio de Janeiro. Por esta razão a criminalidade total no
país é para deixar-nos atônitos.
"Nove crimes de morte na passagem de 1960/1961."331 "O Carnaval deixou 49
mortos, deles 11 homicídios, e 7.000 feridos."332 "Oito homicídios em fim de semana."333
"Nove homicídios em fim de semana."334 "Capturada uma quadrilha cujos elementos
329
330
331
332
333
334
- p. Jornal do Brasil, 6-IV-72.
- Ap. Última Hora, Rio de Janeiro, 2-VIII-61.
- Jornal do Brasil, 3-1-61.
- Jornal do Brasil, 16-XI-61.
- Jornal do Comércio, 22-IX-65.
- O País, 21-X-68.
121
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
confirmam haver assassinado 15 cidadãos para roubá-los."335 "O chefe da máfia GB,
conhecido pelo apelido de "Luisão das Mortes", preso, confessou que havia assassinado 25
pessoas mais, entre elas 5 polícias."336 "No Estado do Pará, a polícia prende estrangulador
que confessou tranquilamente que havia dado morte a 16 mulheres, 13 em S. Paulo e 3 em
Belém."337 No Carnaval, "foram levados ao Instituto Médico Legal nada menos que 97
corpos de vítimas de crimes diversos".338 Com 21 assassinatos foi saudado o ano de 1977
em seu primeiro dia.339 "Durante o Carnaval de 1976, de acordo com a estatística da
Secretaria de Segurança, ocorreram 660 assaltos, 71 homicídios e 706 casos de lesões
corporais."340
Observe-se, de ano em ano, a progressão ascendente dos crimes. "Banho de sangue
no Grande Rio. A violência alcançou o ponto máximo ao amanhecer do domingo, quando
foram registrados 16 homicídios, uma verdadeira orgia de assassinatos, que culminou com
a explosão de ira do povo, em um linchamento que deixou três mortos e outro
agonizando."341
"Segundo a Polícia Militar de S- Paulo, o Carnaval de 1980 bateu o record de
tranquilidade [!] com 92 assaltos e 29 assassinatos." 29, tão poucos! Parece ao periodista
um milagre.342 "Vinte assassinatos em fim de semana no Rio de Janeiro."343 "Em Curitiba,
cidade de 1.024.000 habitantes, houve, durante o ano de 1979, 1.250 mortes violentas,
quase quatro por dia."344
O Carnaval de 1981, no Recife, foi um dos mais tranquilos nos últimos cinco anos.
Tão só 12 homicídios e 6 mortes por acidente.345
"O Grande Rio viveu 24 horas violentíssimas desde o domingo à noite. Nada menos
335
336
337
338
339
340
341
342
343
344
345
- O Globo, 12-XI-70.
- Última Hora, 7-X-70.
- Jornal do Brasil, ll-XI-71.
- Última Hora, 3-II-76.
- O Globo, 2-1-77.
- O Globo, 23-11-77.
-Última Hora, 17-111-80.
- Jornal do Brasil, 20-11-80.
-Última Hora, 15-XII-80.
- Lar Católico, n.° 3.453 (27-1-80) 5.
- Jornal do Brasil, 4-III-81.
122
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que 16 crimes de morte foram praticados na Capital, Caxias e S. Gonçalo."346
Do ano retrasado, de 1983, dou tão-só uma mostra: o periódico O Dia, "o diário de
maior circulação no país", começa a crônica de acontecimentos com este título: "Onze
cadáveres" no assalto a várias residências por uma quadrilha em que figuravam também
duas mulheres. Seguem logo 15 títulos de outros tantos homicídios, vários deles de
espantosa ferocidade. Total, 11 mais 15, só 26 homicídios em um dia.347
E chegamos ao ano da graça de 1984, em que, já em janeiro, "o Rio teve 25
homicídios em 48 horas de violência".348
Já dissemos acima que a criminalidade aumenta dia-a-dia. Quem quer que deseje
formar uma ideia do clima de insegurança e de terror em que vive o povo pode dar uma
olhada em qualquer dos números do semanário Agora, que iniciou sua publicação em
1984. Tenho diante de mim o n.° 6 de 10 de agosto daquele ano. Já na página de rosto
inserta a fotografia da metade do corpo de um homem na via férrea, em que ao texto
correspondem os seguintes títulos: "Ele implorava antes de morrer, por amor de Deus, não
façam isso! Seus assassinos, mais monstros que homens, não lhe escutavam os rogos e o
amarraram aos trilhos da via férrea. O trem passou e deixou-o partido ao meio." Outro
título: "Degolador solto na rua. Cadáveres aparecem decapitados e com as mãos cortadas.
Horror. São Paulo imita Rio de Janeiro no macabro."349 Nos três primeiros meses do ano,
500 paulistas viram-se implicados em 10 linchamentos e em 15 tentativas de linchamento.
O último linchado, Osvaldo Pires, foi morto depois de uma votação de 100 moradores do
bairro. "Se eu tivesse que votar, afirmou a doméstica Maria das Graças Reis, votava outra
vez pela morte dele. Agora eu me sinto segura." Uma socióloga declarou que as causas
principais desses linchamentos correm por conta do "descrédito na eficácia da polícia e na
ação da Justiça. A impunidade dos criminosos é o maior exemplo da ineficácia da atuação
da Justiça".350
346
- Última Hora, 13-XII-81.
- O Dia, ll-XII-83.
348
- O Globo, 28-1-84.
349
- Agora!, I (10-VIII-84), 5-6.
350
- Ana Maria Tahan, Descrença nos poderes causa, mais linchamentos em São Paulo, in Jornal do Brasil, 8IV-84.
347
123
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Matador de 15 fugiu da prisão. Além da participação em 15 assassinatos, faz parte
de um grupo de extermínio com mais de 100 homicídios. 351Mais recente e muito triste é o
relatado pelo periodista Lenildo T. Pessoa: "Foi preso pela polícia um homem responsável
pelo estupro e pelo assassinato de quatro meninas, em Rio Claro, cidade a 100 quilômetros
do Rio de Janeiro. O autor desses crimes, um homem de 66 anos, havia praticado um delito
semelhante em 1953, violentando e matando uma menina de sete anos. Condenado a 20
anos de prisão, no quinto ano conseguira, por seu bom comportamento, deixar a cela e
trabalhar na prisão, havendo aproveitado a ocasião para fugir. Poucos anos depois
estuprava uma menina de 14 anos e assassinava um menino de 12, sendo condenado a
outros 30 anos de prisão. Faz três anos, quando cumpria pena na casa de detenção em São
Paulo, fora beneficiado pelo sistema do Albergue-domiciliar, indo terminar em Rio Claro,
onde estuprou e matou um menino de 11 anos, outro de 9, uma menina também de 9 e um
menino de 10 anos."352 Este é um exemplo de reincidência no crime, tão frequente nos réus
de alta criminalidade. Não será suficiente para impressionar qualquer abolicionista
inverterado?
O periódico Jornal do Brasil, sempre adversário obstinado da pena capital, sentiuse, por fim, estremecer ante a terrível situação de delinquência a que temos chegado. "O
Rio de Janeiro, dizia o periódico em um editorial, é hoje uma cidade paralisada pelo
medo, ante a violência urbana que a caracteriza. Novas formas de assalto aumentam as
formas da criminalidade... Os assaltos já não se contam por unidades residenciais, mas por
edifícios. Essa verticalização dos assaltos, a edifícios inteiros, é um ciclo que demonstra o
crescimento do crime, porém demonstra muito mais a inoperância a que foi reduzida a
estrutura policial, encarregada de defender a sociedade."353 Como se vê, o periódico,
fazendo gala de uma absoluta incoerência, em vez de exigir dos poderes públicos o reforço
dos dispositivos penais e o castigo adequado aos malfeitores, só lhe ocorre acusar de
inoperância a polícia. Não é justo. A polícia no Rio de Janeiro é ativa e o policiamento tão
abundante que hoje é mais fácil tropeçar com um policial que com uma pedra do caminho.
A proliferação do crime, aqui, não é culpa do policial que em geral é diligente e arrisca a
vida a toda hora, a culpa cabe à política criminal que, à base de uma legislação penal, essa
sim, inoperante e inócua, deixa via livre à delinquência. De pouco serve que a polícia
351
352
353
- O Dia, 18-IV-84.
- Lenildo Tabosa Pessoa, A pena máxima, Jornal da Tarde, 28-VI184.
- Jornal do Brasil, art: editorial, 28-VII-84.
124
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
persiga e detenha os assassinos, se a Justiça ou "um ministro socialista", "libertador de
delinquentes", néscio, como o de Espanha, Ledesma, os deixa livres.
"Matou a tiros, da janela, o terrorista que já havia assassinado 30 pessoas."354 A 30
de agosto do ano passado, O Globo iniciava assim a página de acontecimentos: "Na
madrugada de ontem 7 homens, todos com menos de 30 anos, foram assassinados com
muitos tiros, nos bairros de Macacu e Maricá." Depois, '"A mãe enforca o filho de 30 anos
e não se arrepende". Seguem logo os relatos de outros vários crimes no mesmo dia.355
Em São Paulo, um chupa-tintas de nome Gilberto de Mello Kujawski, que, para
combater a pena de morte, só sabe usar expressões depreciativas para seus defensores,
como dentro do abolicionismo não há outra alternativa eficaz contra o crime, obsequia seus
leitores com esta descoroçoada estultice: "Temos que conviver com o crime, como temos
que conviver com a falta de segurança e a perspectiva da morte."356 Não, diria eu aos
responsáveis pela justiça e pela paz pública, não aceiteis nem imponhais a ninguém essas
convivências com o crime e a insegurança, mas, ao contrário, esforcemo-nos por devolver
e manter a paz e a segurança dos cidadãos.
Faz algum tempo, em 22-IX-84, o periódico O Povo brindavanos com esta triste
notícia: "Seis cadáveres crivados de balas, três dos quais com os olhos arrancados à faca,
nos bairros do Rio e Baixada." Segue a crónica negra e encerra-a esta anotação final:
"Marido mata a mulher com 24 punhaladas."357 Dois dias depois, assim começa outro
diário a crônica policial: "Bandido atirou e conseguiu matar o décimo quinto homem", e
descreve logo outros 21 crimes mais do mesmo dia.358
Faz poucos dias a televisão assim informava seus ouvintes: "Hoje foi um dia de
terror em São Paulo, que culminou com o assassinato de 32 pessoas e mais de 100 assaltos
à mão armada."
Quero recordar a meus leitores, para que formem uma idéia mais adequada da
criminalidade no Brasil, uma advertência que fiz mais acima: Reparem que a série de
crimes que relato se refere sempre a uma cidade determinada, não a todo o país, e que nas
outras cidades se cometem cada dia proporcionalmente os mesmos delitos.
354
355
356
357
358
- O Dia, 21-VIII-84.
- O Globo, 30-VIII-84.
- Jornal da Tarde, São Paulo, l-IX-84.
- O Povo, 22-IX-84.
- O Dia, 24-IX-84.
125
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Em 3-X-84, dia em que escrevi esta página, "o diário de maior circulação do país"
oferece-me em fotografia, na primeira página, a visão dantesca de um homem, atado ao
tronco de uma árvore, cheio de feridas e com a cabeça cortada. Ao lado as seguintes
palavras: "Violência assombra o Rio. Monstros à solta na madrugada." — Haverá todavia
capacidade de assombro? Estas cenas macabras são a sobremesa cotidiana dos cidadãos
cariocas. — "Monstros soltos na madrugada. Mulher em casa dominada por bandidos
enquanto não. chegava o companheiro. Trinta e duas perfurações à faca no corpo. Também
perdeu a língua e acabou enforcada. Quando o homem chegou, teve a barriga rasgada por
afiada lâmina. Criminosos cortaram a cabeça e até não se sabe onde a deixaram. Gritos de
madrugada e outro homem executado de maneira bárbara. Estaca cravada no coração, tal
como nos filmes de horror se faz com vampiros."359
Um parêntese. Damos por terminada esta amostra do crime no Brasil. Como logo
veremos, o número de assassinatos ascende a mais de cem mil em cada ano. No
Monumento aos Mortos na Segunda Guerra Mundial, situado na praia do Flamengo,
presta-se cada ano uma homenagem de "saudade" aos 648 brasileiros que perderam a
vida nos campos de batalha europeia, em mãos dos supostos inimigos. Será que os cem mil
sacrificados anualmente, em mãos de alguns malvados compatrícios, não merecerão
alguma recordação nostálgica? Meu voto é que se lhes ofereça um ato fúnebre cada ano, e
que nele se exorte, e se exija de todos, unir esforços e não perder meios para diminuir, ou
melhor, eliminar, se de todo for possível, a cifra dessa hecatombe dos cem mil
assassinatos.
Reflexionemos um pouco sobre a circunstância do Brasil — Inseri no começo deste
parágrafo vastos textos do Dr. Donnici e do Ministro Nelson Hungria em que ambos
coincidem na verificação de que o Brasil ostenta o maior índice de criminalidade do
mundo inteiro. As mostras que aleguei, tomadas ao azar de diversos anos, terão levado à
convicção plena dessa dolorosa e triste primazia no crime. Conviria, não obstante, para
bem apreciar e comprovar esta situação delituosa do país, dar uma ideia global do
conjunto, sem especificação de cidades ou regimes. Vamos tentá-lo, ressalvando uma
pequena dificuldade que se apresenta no caminho. As rubricas crime, delito ou
contravenção não figuram nos índices alfabéticos dos volumosos Anuários Estatísticos do
359
- O Dia, 3-X-84.
126
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Brasil, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.360 Do Rio de Janeiro,
sim, há várias estatísticas dos "Crimes e Contravenções", de diversos anos. Tenho também
em minha mão, do Rio de Janeiro, o ensaio "Violência e Contraviolência", do advogado e
Delegado de Polícia, Waldemar Gomes de Castro, que teve por incumbência especial a
repressão da violência no Rio de Janeiro. Em seu livro insere Gomes de Castro breves,
porém inestimáveis, estatísticas do crime no Grande Rio nos anos de 1978/1980.
A primeira coisa que impressiona é verificar o aumento de crimes nesses três anos.
Homicídios: 2.482 em 1978; 3.337 em 1979 e 4.783 em 1980.
Agora bem, carecendo, como disse, de uma estatística nacional do crime resolvi
fazer o cálculo proporcional, à base do Rio, onde temos os dados suficientes em Gomes de
Castro.361 Os dados estatísticos sobre habitantes tomo-os do "Almanaque Abril", que por
sua vez os transcreve dos censos de 1980 e 1981.362
Como, segundo dissemos acima, a criminalidade é sensivelmente a mesma em
todos os centros urbanos do país, é legítimo deduzir da do Rio de Janeiro a de toda a nação.
No município do Rio de Janeiro — antigo Distrito Federal — de 5.093.000
habitantes, cometeram-se, em 1980, 4.783 homicídios, o que dá um índice de
criminalidade de 93,91 por cada 100.000 habitantes. O Brasil tem 119.070.000 habitantes;
guardando a mesma proporção, correspondem-lhe 111.822 homicídios por ano.
Levando em consideração que nas zonas rurais não seja tão elevado o índice de
criminalidade, se tiramos 10.000 do total de 111.752 ainda nos ficam 101.752 homicídios
por ano e o índice de 93,91 por cada 100.000 habitantes".
Façamos agora uma operação comparativa entre o Brasil, abolicionista de fato,
desde mais de um século, a Inglaterra, até ontem, retencionista da pena capital, e Itália,
inveterado país abolicionista. Não se atribuam as diferenças da criminalidade à índole dos
povos, pois o inglês, que apresenta o menor índice de criminalidade, pouco tem de
sentimental e muito de duro e desumano. Recordem-se os extermínios de toda a população
360
- O Secretário de Segurança de São Paulo, Miguel Reale Júnior, queixava-se há pouco da carência de
estatísticas da criminalidade no Brasil: "Qual a pesquisa realizada no Brasil sobre criminalidade que foi além
de um levantamento de dados estatísticos? E até mesmo, quais as estatísticas recentes e bem elaborados
que existem no Brasil sobre o fenômeno da criminalidade?" Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, X
(Jan.-Abril 1980- 15).
361
- Waldemar iGomes de Castro, Violência e Contraviolência, Ensaio, Rio de Janeiro, 1981, p. 34-35.
362
- Almanaque Abril, edição 1984, Rio.
127
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
de condados inteiros da Irlanda, só porque não quiseram abandonar sua fé católica; a
colonização da América do Norte sob o lema: "O índio bom é o índio morto"; da Nova
Zelândia e boa parte da Austrália, onde exterminaram também todos os nativos; e a guerra
dos Boers, da África do Sul, matando-os para apoderar-se de suas minas de ouro. Em
compensação, o brasileiro, com a máxima criminalidade, é o povo da "saudade", católico e
extremamente humano. O italiano apresenta em suas características muitos pontos de
analogia com o brasileiro.
Pois bem, na Inglaterra, nos 50 primeiros anos do século — 1900 a 1949 — houve
um total de 5.575 (com mais 1.647 suicídios) reclusos sob a acusação de homicídio, o que
dá uma média de 115,6 cada ano e um índice de 0,20 por cada 100.000 habitantes. Na
Itália, no mesmo espaço de tempo, houve 110.715 assassinatos, cada ano 2.214 e um índice
de 3,95. Damos estes dados em um quadro sinótico:
Quadro Comparativo363
Dados comparados
Nº de Habitantes
Homicídios em 50 anos
Média Anual de Homicídios
Média Diária de Homicídios
Índice por 100 mil hab.
Execuções em 50 anos
Média de Execuções por ano
Inglaterra
55.750.000
5.780
115,6
0,31
0,20
632
12,64
Itália
56.200.000
110.715
2.214
6,05
3,93
—
—
Brasil
111.093.000
—
101.752
278,96
93,91
—
—
Observações sobre o diagrama: Quanto ao total de homicídios é preciso levar em
conta que o Brasil tem algo mais do dobro de habitantes dos outros e para manter a
proporcionalidade comparativa há que dividir por dois aquele total. O índice de
criminalidade independe do número de habitantes. Dou o número de execuções na
Inglaterra como exemplo da eficácia dissuasória da última pena, pois, com somente a
execução de mui reduzido número de malfeitores, logra a Inglaterra a quase eliminação do
homicídio. Talvez, se no Brasil se levassem ao patíbulo duas dezenas de desalmados,
salvaríamos a vida de mais de 100.000 inocentes.
363
- Royal Commision, On Capital Punishment, Report, p. 19 e Gomes de Castro, Violência e
Contraviolência, 34-35.
128
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Bem quisera também incluir os Estados Unidos no diagrama comparativo, porém
são ali tais as diferenças de anos, estados e legislações penais que se resiste a todo intento
de unificação estatística.
Vimos já a espantosa diferença de criminalidade entre a Inglaterra retencionista e
dois países abolicionistas. A inferência, em favor da implantação da pena capital, é óbvia,
tão só não é visível para muitos governantes e abolicionistas, com frequência
comprometidos ou coniventes com a Revolução. Mas, se deveras desejam o bem-estar e
tranquilidade de seus povos, desenganem-se, e deem uma olhada aos outros povos em
diversas épocas.
A história não se inventa nem se nega, aceita-se em seu ser como ela é, mestra da
vida. "A história, dizia o Sr. Dom Quixote, é testemunha do passado, exemplo e aviso do
presente, e advertência do porvir."364
Qual é a advertência ou lição que a este respeito nos dá a história? Que em qualquer
tempo ou país, em circunstâncias caóticas ou de grave desprezo da vida alheia, sempre foi
suficiente uma voz enérgica, cominando a pena de morte aos transgressores, para deter a
mão criminosa ou a bomba incendiária e devolver ao povo a paz e a segurança tão
desejadas em toda sociedade. Considere-se também que a permissividade e a frequência do
homicídio pela ausência do castigo deseduca terrivelmente o povo, fazendo-o perder o
respeito sagrado pela vida alheia; bem como, pelo contrário, a gravidade das penas é
educativa, pois enfatiza com clareza quão grande é o valor — neste caso a vida — daquilo
que com tão duras ameaças se quer proteger.
À vista pois do triste panorama de criminalidade que o Brasil apresenta, que é,
sobre toda ponderação, espantoso e horripilante, com mais de 100.000 vítimas inocentes —
uma populosa cidade — sacrificadas cada ano, às vezes com requintada perversidade, nas
mãos de desalmados, que em geral circulam pelas ruas livres e impunes, à vista deste
panorama, repito, sinto-me impelido a requerer dos legisladores e governantes que
cumpram com seu dever, que é prioritariamente a tutela dos cidadãos, a luta incessante
para manter a tranquilidade e a segurança dos lugares e das pessoas, lançando mão de
todos os recursos e medidas que uma experiência secular provou eficazes. Também me
364
- Cervantes, Don Quijote, p. l.a, cap. IX.
129
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
dirijo aos católicos ilustrados, aos clérigos e a alguns dignitários da Igreja, 365 que se
deixaram seduzir por um falso sentimento e um errôneo conceito do perdão e da autêntica
caridade, para que avivem seus sentimentos de amor e compaixão evangélica por tão
crescido número de sofredores e vítimas inocentes e para que alcancem e exijam dos
poderes públicos o exercício e realização da justiça, que é virtude cardeal, agradável a
Deus, princípio e fundamento da grandeza dos povos.
EPÍLOGO
O Direito, ou melhor, a Ordem Jurídica é constituída pelo conjunto de relações que
ligam os homens em sua convivência, derivadas da lei moral e subordinadas a uma norma
objetiva. O Direito pressupõe sempre duplicidade de sujeitos, entre os quais se estabelece
a relação jurídica: sujeitos de direito e sujeitos de dever jurídico.
Como as leis jurídicas são de ordem moral, não física, o homem, abusando de seu
livre arbítrio, pode perturbar essa ordem. Daí se segue a necessidade de que haja uma
autoridade que a proteja. Quando o homem procede em conformidade com aquela norma
365
- Apesar das perturbações doutrinárias, ocasionadas pelo progressismo pós-conciliar, que induziram
alguns mais a perder o genuíno sentido cristão da pena e enveredar pelo abolicionismo irrestrito, a maioria
do episcopado brasileiro mantém-se na autêntica doutrina católica sobre a última pena, assim exposta há
anos. pelo ilustre Cardeal Rossi: "O Cardeal Agnelo Rossi, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, manifestou-se favoravelmente à aplicação da pena de morte. O Palácio Pio XII (residência do Cardeal)
distribuiu uma nota por ele firmada, do teor seguinte: "A vida é um dom de Deus e deve ser preservada
pelo indivíduo e protegida pela sociedade. Ao Estado compete impor a pena capital, condenando o
responsável por danos graves contra os bens supremos da pessoa humana ou da sociedade. Declarou Pio
XII em setembro de 1952: Privar o condenado do bem da vida, pela expiação de seu crime, depois que ele
mesmo se fez indigno do direito à vida, está reservado à Autoridade Pública. A moral católica reconhece
esse direito do Estado, desde que o crime haja sido provado claramente e se verifique a necessidade de
penalidade tão grave, e, como ensina Sto. Tomás, também para escarmento, para infundir temor do
castigo. Em resumo, ao Estado e só ao Estado compete o direito de ditar e executar sentença de morte,
para o castigo de graves crimes, e esse direito é exatamente o reconhecimento da intangibilidade dos bens
supremos humanos, especialmente da vida" (Ap. semanário A Cruz do Rio de Janeiro, 14-XI-69). O Cardeal
Rossi era, na época, Arcebispo de São Paulo e Presidente da Conferência dos Bispos. A diretiva atual da
CNBB derivou francamente, pelos derroteiros do progressismo, já não mantém essa integridade da doutrina
católica, gravita em torno do abolicionismo e é notoriamente vítima da "Teologia da Libertação". Que Deus
abra os olhos de Mons. Lorscheiter & Cia. Esses são meus votos.
130
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
moral objetiva que regula a convivência citadina, observa a ordem; porém, quando em seu
comportamento vulnera aquela norma, delinqüe.
Ao Poder Público compete a tutela da Ordem Jurídica, função que reveste duas
formas de atuação diferentes, ainda que coincidentes no mesmo fim: Prevenção dos atos
perturbadores da ordem, e Repressão desses atos quando se cometem.
A prevenção precede ao crime, pois, como a mesma palavra indica, sua ação tende
a evitar que aquele chegue a cometer-se. A repressão sucede ao crime e tende a
restabelecer a ordem perturbada e ao mesmo tempo exerce efeito preventivo por razão das
sanções com antecedência cominadas.
Do referido infere-se que as medidas preventivas, como não pressupõem o crime,
mas tendem a evitá-lo, não pertencem a rigor ao direito penal ou ao criminal. Elas são
objeto específico de outras disciplinas: Política Criminal, Política Penal, Medidas de
Segurança, Psiquiatria Penal etc. Objeto do Direito Penal é a repressão, o castigo do crime
em todas as suas formas, uma vez cometido.
Fiz estas apreciações prévias porque, hoje em dia, com grave detrimento de uma
autêntica e eficaz repressão da criminalidade, muitos abolicionistas de tal modo misturam
esses conceitos de prevenção e repressão que, em vez desta, tudo é levado às medidas de
prevenção e segurança. Outorgam particular ênfase às causas geradoras da delinquência e
descuidam-se da adequada repressão dos delinquentes.
Não permaneceu de todo impassível o Governo do Brasil ao ruidoso clamor da
multidão que, à vista da sempre crescente criminalidade, demanda dos poderes públicos
urgente remédio. O Ministro da Justiça nomeou um grupo de peritos em Direito Penal, para
estudar a situação e propor remédios válidos. O presidente deste grupo, Prof. J.B. Vianna
de Moraes, solicitou do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que lhe
enviasse "sugestões de medidas a ser tomadas para o combate à criminalidade violenta no
Brasil".366 O resultado, como se verá, não poderia ser mais desconcertante. Melhor houvera
feito o Ministro pedindo sugestões à Magistratura do país, e não à Ordem dos Advogados,
entre os quais se encontra o maior número de abolicionistas apaixonados.
O Conselheiro Miguel Reale Júnior foi designado como relator das sugestões que o
Conselho Federal propõe ao Ministro da Justiça. Entre essas sugestões não se encontra nem
uma só referente à repressão do crime; tão só divagações e enumeração dos elementos
366
- Ap. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, X, (jan.-abril, 1980) 9.
131
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
criminógenos, com mais algumas medidas de prevenção criminal. Dito conselheiro, Reale,
que já foi Secretário de Segurança de S. Paulo, é, ainda que sem base alguma científica,
abolicionista declarado. A um periodista que o interrogou acerca de sua opinião sobre a
pena de morte, deu uma resposta oca e altissonante: "Um castigo absoluto deveria
pressupor responsabilidade absoluta, o que é impossível."367 Palavras, palavras, palavras...
Como vimos acima, o número de homicídios, em só três anos, duplicou, segundo os
dados de Gomes de Castro, porém isso não assusta esse sr. conselheiro nem os outros do
grupo: "A criminalidade, escreve, não aumentou assustadoramente de cinco anos a esta
parte."368 Por esta razão não lhe ocorrem sugestões repressivas, para tão "exígua"
criminalidade comum. Algo, não obstante, preocupa a Reale e a seus colegas do Conselho
Federal, que "merece especial atenção". "É a questão da violência policial", pois "não se
pode isolar o fenômeno da violência praticada pelos delinquentes da praticada pela
polícia". Outro conselheiro vai mais longe e solta-nos esta: "Pior que a violência do
assassino é a violência do policial."369 Que insensatez! Pôr em comparação a violência
criminal com a violência que o agente da ordem pública exerce em defesa dos cidadãos. E
pensar que isto vem de homens com o apelativo de "juristas"! Algum dos conselheiros faz
referência ao "Esquadrão da Morte", que, segundo a imprensa, esteve formado por alguns
policiais e eliminou certo grupo de bandidos, criminosos reincidentes várias vezes e que
eram o terror da população. Já disse em páginas anteriores que era o Governo e esses
"juristas" os que deveriam providenciar o castigo dos grandes malfeitores, para evitar que
em defesa da sociedade e em justa autodefesa se constituam esses grupos justiceiros,
sucedâneos da justiça estatal, tão imperfeitos e perigosos, mas que não podemos acusar
com excessiva acrimônia, já que eles, com a tácita anuência do povo, que é quem vive sob
o temor do banditismo, vêm limpar o campo das feras daninhas que o infestam. Esses
"juristas", em vez de censurar a polícia, devem penitenciar-se a si próprios, por haverem-se
sempre oposto grosseiramente a que o Estado inflija a pena capital e lance mão de severo
rigor penitenciário afim de eliminar de vez todos os elementos irrecuperáveis que devastam
cidades e aldeias, semeando a insegurança e o espanto na população.
De minha parte, pelo conhecimento que, com largos anos no Brasil, adquiri, sei
dizer que aqui, a polícia, com os defeitos inerentes a toda instituição humana e em
367
368
369
- Vid. Visão, 16-IV-84, n.° 16.
- Ap. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, cit., p. 12.
- Ibidem, p. 17.
132
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
qualquer país, é sumamente diligente e mui sacrificada. Digam-no se não, os muitos
policiais que morrem em sua missão cada dia, defendendo-nos dos incessantes roubos e
assaltos a residências, veículos etc. Isto não levam em conta estes conselheiros. Note-se,
ademais, que o Brasil é talvez o país onde à polícia se presta o menor amparo legal em sua
atuação, e se lhe dá retribuição mais exígua. Essas acusações e queixas da polícia são
flagrantes injustiças contra ela.
Temos pois que à demanda do Ministro da Justiça para que lhe sugerissem meios
para reprimir e combater a criminalidade violenta, o Conselho Federal dos Advogados, por
meio de uma comissão, limita-se a expor algumas causas da criminalidade e insiste sempre
—isto é tópico comum dos abolicionistas — em incriminar a sociedade, como responsável
e fautora de criminosos: "A sociedade, dizem, é injusta, não educa, não cuida do menor,
mantém desigualdades sociais, não instrui, não oferece assistência médica, conserva uma
má distribuição da renda, não dá trabalho a todos etc. Por tudo isto, não assiste à sociedade
o direito de infligir qualquer pena", o que alguns expressam com frase categórica: "A
sociedade não pode castigar aquilo de que ela mesma é autora."370 À força de repetir, estes
conceitos fizeram-se comuns no povo, porém não passam de afirmações gratuitas e falsas,
próprias sobretudo de quem nega ou subestima o livre arbítrio humano.
Sem negar que o ambiente favorece a proliferação do crime, é preciso deixar claro
que a raiz deste não está nas deficiências da sociedade, senão na índole e no livre arbítrio
de cada indivíduo. Para prova disto, vou alegar tão-só três exemplos bíblicos entre outros;
muitos: a) Caim e Abel tinham os mesmos pais, o mesmo ambiente familiar, a mesma
escola e um saiu fratricida enquanto o outro era piedoso e temente a Deus. b) Vários filhos
teve o Rei Davi, conviveram na mesma família e receberam a mesma educação, e um
deles, Absalão, revelou-se contra o pai e ocasionou graves males e mortes em Israel, c)
Doze eram os Discípulos no Colégio Apostólico, levaram a mesma vida comunitária
durante três anos e tiveram o magistério contínuo do Mestre Divino e, não obstante, um
deles, Judas, tornou-se "filho da perdição" e vendeu Jesus por 30 dinheiros. Mas, para que
370
- “Hoje está bem visto, diz Vizcaíno Casas, botar a culpa dos delitos cometidos pelo processado, na
sociedade". E logo, com ironia, fingindo encontrar-se no juízo oral de um assassino, põe na boca do
advogado defensor estas palavras: ‘Mas meditemos. É verdadeiramente ele o único responsável? (Por
acaso não o somos, tanto ou mais, todos nós, os integrantes de uma sociedade que acusa, que incita, que
perverte...?’” Fernando Vizcaíno Casas, El revés ãdel Dereeho, Barcelona, 1981, p. 146.
133
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
continuar? Casos análogos podemos observar a cada hora; ao redor de nós em nosso viver
cotidiano.
Deixando de lado o positivismo e a escola sociológica lombrosiana, cuja
antropologia errônea os induz a conceitos muito falsos sobre a gênese do delito e do
delinquente, digo que para ter um criminoso é suficiente que haja um homem consciente e
livre que, em qualquer circunstância, movido por ambições, avareza — como Judas —
inveja — como Caim — ou outras paixões, a elas sucumbe e cai no crime, sem que seja
preciso apelar para outros fatores. Na concupiscência da carne, na concupiscência dos
olhos e na soberba: da vida, e não na sociedade, é onde há que buscar-se, em geral, a
motivação e causas da criminalidade.
Não quero, com o dito, desestimar o valor imenso que, na diminuição da
criminalidade, tem uma boa educação na família, o são ambiente escolar, a justa
estruturação da sociedade, um rádio e uma TV sãos e educativos — não destrutores e
corruptores — com outras medidas preventivas, e de modo especial, uma sólida formação
religiosa. Tudo isto, repito, é excelente, e junto com a sanção aos infratores da ordem,
reduziria ao mínimo a criminalidade. Ao Estado incumbe impulsionar essas medidas de
todos os modos possíveis.
É de notar, contudo, que tudo isso não passa de prevenção do crime e é de efeito
permanente e a longo prazo, ao passo que, em presença dos delitos cometidos, ou que de
fato se estão cometendo, o que o Ministro da Justiça solicitava, e o que a sociedade
reclama do Poder Público, é a repressão eficaz dos crimes que agora, neste instante, a
oprimem e aterrorizam. Não olvidem os juristas que o conceito de justiça é de lei natural e
se mantém latente na alma dos povos, os quais consideram a pena de morte, do que
dolosamente outro mata, como sanção que faz recair a lei sobre a cabeça do que livre e
conscientemente se faz responsável de tão grave delito.
De tudo que deixamos escrito infere-se obviamente que o objeto de nosso estudo
não é o da prevenção do delito, senão o da repressão, embora na repressão se ache
também, implicitamente, a prevenção, porque, se como afirma e com verdade o filósofo
Sortais, "a criminalidade está em geral em razão inversa da severidade e da constante
aplicação das leis",371 logicamente se infere que é o castigo o que exerce a prevenção dos
371
- Gaston Sortais, Traité de Philosophie, Paris, s.d., I, p. 753.
134
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
delitos. Já dizia o poeta latino Plauto: "Oderunt pecare mali formidine poenae" — Os
perversos fogem de fazer o mal por medo do castigo.
Meu propósito nestas páginas foi o de chamar a atenção dos Poderes Públicos e da
sociedade em geral sobre a urgente necessidade de reforçar, tornar mais rigorosa a função
repressiva do Estado, afim de conter a gravíssima crise social que, com o transbordamento
da criminalidade, ameaça acabar com toda nossa civilização cristã.
Assim como Kõstler, de braço dado com Camus e secundados por outros muitos,
defendem a abolição da pena capital, como meio para alcançar "o triunfo da Revolução
mundial", eu, no pólo oposto e no que alcancem minhas forças, propugno a adoção da pena
máxima nas nações, a fim de neutralizar a ação corrosiva e demolidora dos elementos
inimigos da ordem social, e com isso ajudar a derrota da Revolução mundial, nihilista e
anticristã, que desde o século XVIII vem dando fortes aldravadas nas portas das nações
cristãs do ocidente.
Thomas Wúrtemberger, nada suspeito aos abolicionistas, assim vê a situação
presente: "Rara vez a opinião pública se interessou tanto pelo fenômeno do crime como em
nossos dias. O aterrador aumento de atos criminosos, a crescente desmoralização da
juventude, a desintegração das inibições morais em amplos círculos e outras manifestações
do tempo abriram, na atualidade muitos olhos para os gravíssimos perigos que se abrem
sobre nossa civilização."372 Análogo ao de Wúrtemberger, ainda que mais matizado com
relação à delinquência, é o diagnóstico do ensaísta brasileiro I. de Prado: "Um sentimento
de decadência atravessa a Europa e ainda os Estados Unidos, em ondas sucessivas de
desalento e de ceticismo. . . A perda de autoridade, a capitulação ante o terrorismo e a
desordem são os sintomas da decadência em meio da abundância e do progresso técnico. O
que ameaça a Europa liberal — e podemos estender a comprovação à nossa área americana
— não é tanto o excesso na repressão quanto a brandura no castigo. A simpatia para com
os delinquentes, que se transformam em heróis da imprensa, a redução das sanções, o álibi
ou a coartada que protege os criminosos, à custa de denúncias contra a sociedade, uma
maior dose de comiseração do assassino que de sua vítima, são outros tantos sintomas da
crescente anarquia, que já na Itália alcançou níveis de descalabro."373 No mesmo sentido
que Prado dizia anos antes Junco: "Gomo não hão de multiplicar-se os crimes se o
372
- Thomas Wiirtemberger, Próblems of Present-day Criminology, in Law and State, Tubingen, 1970, I, p.
76.
373
- Ismael de Prado, Sociologia da Decadência, in Jornal do Brasil, 26-XI-77.
135
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
criminoso tem uma inundada perspectiva de publicidade e de brandura?"374 O insigne
penalista e mestre de penalistas J. Montes corrobora essas censuras ao proceder de nossa
época: "Graças à difusão das doutrinas chamadas humanitárias, cuja defesa é imposta pelo
bom tom, e ao espírito que sói animar os congressos penitenciários, pôs-se todo o empenho
possível em fazer suportáveis as penas, em proporcionar ao réu um asilo, uma estância
relativamente agradável, tão agradável, que em muitos casos a pena se converta em prémio
concedido ao crime."375
E bem. Que fazer nesta situação? Cruzar os braços? Não, nada de inércia. Pelo
amor que devemos aos inocentes e ao bem social, não abandonaremos o campo aos
abolicionistas. Ainda vendo como alguns, entre os católicos, olvidam a sã doutrina, em
favor da Revolução, nem por isso nos deixemos levar por um estéril derrotismo.
Referindo-se Menendez y Pelayo aos anos em que, reinando Henrique IV, os
ladrões e os bandidos infestavam os campos de Castela e "uma espantosa anarquia moral e
um profundo envilecimento político tudo invadia", diz o grande mestre que esse período de
nossa história está cheio de "altíssimos e amargos ensinamentos, que desgraçadamente não
envelheceram, porém no meio de sua amargura tem a vantagem de recordar-nos que Deus
fez sanáveis os povos, e que basta em certas ocasiões uma vontade robusta e inteira para
levantá-los do pó da degradação até o cume da glória".376 Com efeito, bastou a atitude
enérgica de uma grande Rainha para dar fim ao banditismo e devolver a tranquilidade ao
povo.
Por isso digo que é preciso, para fazer oposição às campanhas abolicionistas, atuar,
repetir em todos os tons, até que os mais surdos o ouçam que a pena capital é o meio mais
eficaz, e com freqüência o único, para pôr fim a qualquer situação grave de criminalidade;
desmentir sempre e com ênfase as afirmações gratuitas e falsas, tão gratas aos
abolicionistas, que a pena de morte carece de exemplaridade, não intimida nem tem valor
algum dissuasório do crime.
Pela altíssima e inegável autoridade que tem, transcrevo aqui uni texto de Sir James
F. Stephen, clássico na Inglaterra, que a Comissão Real faz seu e insere nos começos de
seu Report sobre a pena de morte: "Nenhum outro castigo tem tanto poder dissuasório do
374
- Alfonso Junco, Cosas que arden, México, ed. Jus, 1947, p. 315.
- Jerônimo Montes, Derecho Penal espanol, Escoriai, 2.a ed., 1929, I, p. 104.
376
- Menendez y Pelayo, Estúdios y discursos de crítica histórica y literária, Ed. Nacional das Obras,
Santander, 1942, VII, 227.
375
136
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
cometimento de crimes como o da pena de morte. Esta é uma daquelas proposições difíceis
de demonstrar porque são mais evidentes que as provas que delas se queiram dar. É
possível desenvolver muito engenho arguindo contra elas, porém daí não se passa, porque
a experiência de toda a humanidade vai em direção oposta. A ameaça de uma execução
sumária é a única de que se lança mão quando há necessidade absoluta de obter um
resultado. Ninguém, se não é compulsoriamente, enfrenta uma morte certa. Olhemos a
coisa por outro lado. Haver-se-á dado, porventura, algum caso de algum criminoso que,
sendo condenado e levado ao patíbulo, recusasse aceitar a comutação de sua sentença pela
mais severa pena secundária? Seguramente que não. E isso, por quê? Só pode ser por
aquilo de que "tudo que o homem tem, da-lo-á por sua vida". Em qualquer castigo
secundário, por terrível que seja, fica a esperança; porém a morte é a morte; seu terror não
pode ser mais energicamente descrito."377
Não creio que haja ninguém, por mediana que seja sua sinceridade, que ouse negar
a exatidão dessas ponderações de Sir James Stephen. Creio que a comprovação desses
assertos era o que induziu Goethe a proferir sua famosa expressão: "Difícil será abolir a
pena de morte, porém, se tal acontecer, voltaríamos de quando em vez a reclamar-lhe o
restabelecimento — Geschieht es so rufen wir sie gelegentlich wieder zurãck."378
Claro está que o estabelecimento legal da pena é o primeiro passo na luta contra o
crime. Mas, será suficiente, sem mais, a inclusão da pena nos textos legais? De nenhum
modo. São muitos os países em que a pena de morte figura nos Códigos Penais, porém em
vão, porque não se aplica nunca, ou sua aplicação é tão rara e através de processos tão
embaraçosos e lentos, que tiram todo poder intimidativo à pena.
Para nosso intento, é muito importante dar algum esclarecimento sobre este
fenômeno da ineficácia da pena máxima em muitos países que a têm em sua legislação,
porque não deixa isso de ser surpreendente e bem aproveitado pelos abolicionistas, que não
se cansam de repetir que, países em que está vigente a pena de morte, nem por isso sua
criminalidade é decrescente.
Alega-se sempre o exemplo dos Estados Unidos. Com efeito, ali na quase totalidade
dos Estados está estabelecida a pena de morte e, apesar disto, o índice de criminalidade é
pavoroso, um tanto superior ao da própria Itália, que é o mais elevado da Europa.
377
378
- Royal Commission on Capital Punishment, 1949-1953, Londres, 1953, p. 19.
- Ap. Gustav Ermecke, Zur ethischen Begrundung der Todesstrafe Heute, Paderborn, 1963, p. 13.
137
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
O porque da ineficácia da pena capital nos Estados Unidos requer por sua
importância alguma mais minuciosa explicação. É notório entre os peritos em direito
comparado que as leis processuais nos Estados Unidos são arcaicas e adoecem de graves
defeitos em seu funcionamento. Nas causas criminais, os advogados defensores encontram
mil expedientes para interpor recursos, apelações, coartadas e outras chicanas processuais,
com que prolongam indefinidamente a substanciação e a sentença, quando não a impedem
de todo.
Valha por todos um só exemplo de embaraços processuais. O caso do "Bandido da
lanterna vermelha", Caryl Chessman, que ainda está na memória de muita gente.
Chessman, diversas vezes preso por delitos menores e libertado, foi por fim encarcerado
sob a acusação de 17 delitos graves, e no ano seguinte, 1948, condenado à morte. Tanto ele
como seus advogados interpuseram uma infinidade de recursos, que deram lugar a
sucessivas prorrogações da execução, e lograram levar o caso até a Corte Suprema. Esta,
finalmente, confirmou a sentença do tribunal da Califórnia, havendo-se passado 11 anos
desde a primeira sentença até sua execução na cadeira elétrica.
Mas não é só a lentidão processual, senão também o fato de que a imensa maioria
dos réus não chega a ser castigada. Vejamos alguns dados concretos. O Prof. Catton da
Universidade de Stanford fez um estudo pormenorizado dos diferentes crimes de
homicídio em 1938, e chegou à conclusão de que somente havia recebido castigo 1,8 dos
homicidas, e termina assim: "Dos cálculos resulta que 99% dos 7.500 homicidas deste ano
se livraram da pena capital."379 O Dr. Th. Sellin, muito conhecido estudioso da
criminalidade, verifica que em 1930 houve uns 10.000 homicídios, de cujos autores "tão só
155 foram sancionados com a morte", e ele mesmo conclui que a pena de morte, "pela
raridade de sua execução" não provou ser dissuasória.380
"Em 1940 houve nos Estados Unidos 8.208 homicídios e somente 121 execuções de
réus."381 Em algum caso a não execução dos assassinos produz hilaridade: O Estado de
South Dakota não pôde levar ninguém ao suplício "por falta de recursos materiais para
construir a cadeira da execução".382
379
380
381
382
- Joseph Catton, Behind the Scenes of Murder, Nova Iorque, 1940, p. 34.
- Thorston Sellin, Common sense and the Death Penalty, in Prison Journal, out. 1932, p. 12.
- Ap. Evening Bulletin, 12-11-192.
- Harry E. Barnes and Negley K. Tecters, New Horizons in Criminology, Nova Iorque, 1944, p. 425.
138
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Como é fácil inferir destes dados, tomados de autores abolicionistas, a pena tornase inócua, pois enquanto na Inglaterra de cada 12 homicidas um foi ao cadafalso,383 nos
Estados Unidos só um de cada cem é executado. É lógico que esta raridade de execuções
mantenha, em cada possível assassino, a esperança de ver-se livre e que assim a ameaça da
pena de morte careça de força dissuasiva.
Assim, pois, tudo que fica dito nas páginas deste livro quero sintetizar neste breve
enunciado:
A PENA DE MORTE E O CASTIGO MAIS ENÉRGICO E EFICAZ DE
QUE UM GOVERNO PODE LANÇAR MÃO, EM SUA LUTA CONTRA O
CRIME, PARA A CONSERVAÇÃO DA ORDEM E A DEFESA DA SOCIEDADE,
SEMPRE E QUANDO SUA APLICAÇÃO SEJA RÁPIDA E INFALÍVEL.
Duas são, pois, as condições para a eficácia do castigo: rapidez e certeza de sua
aplicação.
O papelório, a multiplicação de trâmites e recursos, e outras mil complicações e
ninharias dilatam, em quase toda parte, a administração da justiça, fazendo-a extremamente
lenta. São hoje maioria os países onde a própria Magistratura se queixa dessa lentidão na
administração, e clama pela necessidade de agilizá-la e dinamizá-la. E note-se, que é
sobretudo na luta contra a delinquência, onde a não ser rápida a justiça perde de sua
eficácia.
Mais importante, não obstante, é a certeza, ou diríamos, infalibilidade da sanção.
Conceição Arenal dizia que a pena de morte sem a infalibilidade de sua aplicação não
exercia efeito intimidativo. E dos notáveis criminalistas ianques Barnes e Teeters é a
seguinte afirmação terminante: "É absolutamente certo que para um criminoso tem mais
força dissuasiva do crime uma pena leve porém absolutamente certa, que uma muito
severa porém com probabilidade remota de ser aplicada."384
Não quero com isto insinuar que a administração da justiça deva proceder de modo
precipitado e pouco reflexivo, com evidente perigo de errar, pois atuações em que está em
jogo a justa sanção dos delitos e a vida mesma de um homem, têm que revestir-se sempre
de extrema delicadeza, ponderação e cautela. Mas é preciso também que essa
383
384
- Report da Royal Commission, p. 19.
- Harry E. Barnes & Negley K. Teeters, New Horizon in Criminology, N. Iorque, 1944, p. 429-430.
139
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
circunspecção não paralise demasiado a ação, deixando sem efeito a exemplaridade do
castigo.
Em todo caso, a experiência prova de modo iniludível o valor exemplar que as duas
condições de rapidez e certeza têm para a eficácia das sanções penais.
Em outro capítulo inserimos o Decreto-Lei de Primo de Rivera para a repressão da
praga do pistoleirismo em Barcelona e vimos como sua aplicação foi de eficácia absoluta
para dar conta daquela terrível situação da Catalunha. Os juízos sumários, seguidos da
execução imediata, são sempre, como naquela circunstância, remédio infalível nas
emergências de graves perturbações. Não digo que esse seja o modo conveniente para
administrar justiça em tempos e situações de normalidade. Mas, o que sim afirmo, é que
em qualquer país, quando a situação criminal alcança níveis de extrema gravidade, como
hoje acontece na Itália e mais ainda no Brasil, onde, pelo menor pretexto, por um "por dá
cá aquela palha", como se diz, ou "não me tires o sol", se assassina uma pessoa, e onde, a
força de ver cada dia na imprensa e na televisão crimes arrepiantes, a sensibilidade do
público atenua-se e diminui e vai perdendo aquele vivo sentimento da dignidade da vida
humana e de quanto é terrível o assassinato de um homem, criado à imagem e semelhança
de Deus; em tais condições, digo, somente o sistema de juízo e execução sumária dos
assassinos, posto em prática de maneira inflexível e constante por algum tempo, que
seguramente durará poucos anos, será suficiente para mudar de todo a situação de
criminalidade.
Se isto se leva a efeito, a poucos meses de implantar essa forma de castigo e logo
que houver executado exíguo número de bandidos, será de ver a grande mudança operada e
a indizível satisfação do povo. Agora sim! Que bom! Já podemos andar tranquilos pela rua
e entregarmo-nos ao sonho sossegados! E o que é mais importante, já se haverão salvado
da morte muitos milhares de inocentes que na anterior situação houveram perecido!
Como chave de ouro deste Estudo quero aduzir o testemunho de exceção do insigne
fundador da Filosofia do Direito Penal, o zamorano Alfonso de Castro:385
"Se por nenhuma causa é ilícito condenar à morte um criminoso, nenhum Estado
pode subsistir seguro."
"Porque se não se der morte aos grandes criminosos — sceleratissimi — nenhuma
tranquilidade haveria na sociedade nem poderia subsistir a paz na mesma. Os homens
385
- Alfonso de Castro, De justa haereticorum punitione, L. II, cap. 13. Cfr. Marcelino Rodriguez Molinero,
Origen espanol de la ciência del Derecho Penal, Madrid, Ed. Cisneros, 1959, p. 308 e s.
140
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
perversos afligiriam com tanto mais libertinagem aos bons, quanto com maior certeza
soubessem que por nenhum crime poderiam ser condenados à morte. Se nunca fosse lícito
ao Poder Supremo do Estado decretar a pena de morte, a terra encher-se-ia de ladrões e
raptores e o mar de piratas, não havendo nada seguro, caso em que os homens seriam,
segundo o profeta Habacuc, como peixes do mar, dos quais os maiores devoram os
menores".
"Por conseguinte, para que exista a devida calma, segurança e tranquilidade social,
é necessário que todos os grandes criminosos sejam executados, sobretudo aqueles de
quem não há nenhuma esperança de emenda, afim de que, por sua causa, não se derrube a
República."
Isto, escrito há mais de trezentos anos, tem hoje pleníssima atualidade.
Apêndice I
SANTO AGOSTINHO E A PENA CAPITAL
Lendo no número 354 (junho de 1975) de Arbor o artigo do P.N. Blázquez, O.P.,
"Santo Agostinho contra a pena de morte", surpreendeu-me a forma pouco matizada e o
tom categórico de várias afirmações que não se conciliam com a verdade objetiva do
pensamento agostiniano.
Vejamos algumas dessas afirmações: "Ainda quando a pena de morte esteja
prevista na lei, na prática não deve aplicar-se jamais." Santo Agostinho convidava os

Este trabalho é a reprodução de um artigo sob o mesmo título publicado na REVISTA DE ESTÚDIOS
POLÍTICOS (Madrid, N.°s 208-209, julho-outubro de 1976) refutando as falsidades e interpretações
arbitrárias e errôneas do pensamento agostiniano, vertidas pelo P.N. Blázquez, na revista ARBOR de
Madrid.
141
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
magistrados sem nenhum escrúpulo de consciência a boicotar a lei vigente, que previa a
pena de morte. "Existe unanimidade absoluta em reconhecer que, de fato, ou seja, na
prática, Santo Agostinho opôs-se sempre à pena de morte, ainda nos casos mais extremos
de delinquência." "Santo Agostinho de fato negou expressamente a eticidade da pena de
morte e indiretamente a negou também de Direito."
Blázquez é veemente adversário da pena de morte, de cuja adoção pelos povos fala
com extrema dureza e busca a causa de sua implantação no mais estranho fundamento: "os
homens, diz, perdem com frequência a razão, desertam da natureza e instalam-se
maquiavelicamente no poder e então a história volve-se ladinamente caprichosa contra a
vida". E ele, confundindo a ordem da caridade com a ordem da justiça, diz que no ocidente
cristão se deveu sua aceitação ao desvio da "mensagem do Sermão da Montanha para o
jurídico e clássico paganismo romano até nossos dias" (!). Nessa linha lamenta "que a vida
humana apenas encontra defesa".
Será que se defende melhor a vida humana salvando a dos grandes malfeitores e
deixando assim que pela brandura do castigo proliferem os crimes mais horrendos,
destrutores da paz e convivência sociais, como o da bomba na rua do Correio, de Madri; o
assassinato vil e traidor dos agentes e defensores da ordem pública; os magnicídios, que
com frequência carreiam funestas consequências para todo um povo; os explosivos em
trens ou aviões de passageiros etc? Não será mais humano e mais cristão, de acordo com os
ensinamentos da Igreja em todos os tempos, desde São Paulo até hoje, aplicar, para tutela
dos inocentes e da paz social, a pena de morte, única punição que para delinquentes
desalmados, vítimas já de uma insensibilidade moral completa, tem poder suficiente
intimidativo e eficácia dissuasória do crime?
O P. Blázquez, levado por seus preconceitos abolicionistas, pretende encaixar, velis
nolis, o grande doutor de Hipona entre os opositores incondicionados da pena capital.
A exposição e exegese do pensamento agostiniano sobre múltiplas questões
filosóficas e teológicas foi sempre objeto de vivas discussões, o que não é de estranhar
dados o ingente volume de seus escritos e a dimensão cronológica de sua redação, durante
quarenta e seis largos anos, o que fez inevitável a evolução de seu pensamento e a correção
de algumas de suas ideias, condicionadas pelas vicissitudes históricas de tão largo espaço
de tempo, como ele mesmo confessou nas Retratações.
Tudo isto nos obriga a ser cautelosos na exposição de suas ideias. O grande
historiador da Igreja, cardeal Hergenroeter, dizia a este respeito: "Poucos entre seus
142
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
contemporâneos, e poucos sábios na sucessão dos séculos, alcançaram perfeitamente em
toda sua extensão o profundo sentido da doutrina de Santo Agostinho. O mesmo ocorreu
com São Paulo; amigos e adversários interpretaram seus princípios, entenderam-nos nos
sentidos mais opostos e utilizaram-nos em apoio de suas opiniões com ajuda de alguns
textos isolados, desprezando outros."386
O problema da punibilidade dos hereges e malfeitores foi um dos que atormentaram
a vida de Santo Agostinho e o induziram, no correr dos anos, a adotar soluções
contraditórias.
O sapientíssimo agostiniano, P. Jerônimo Montes, resume corrr precisão o caso do
santo doutor: "Ofuscado talvez durante algum tempo por seu magnânimo coração e sua
caridade sem limites para, com os extraviados, opinou que não deviam empregar-se meios
coercitivos contra os hereges. Mas uma reflexão mais detida das coisas: ou uma mais larga
experiência da realidade fizeram-no mudar de opinião."387 De forma análoga a Montes vê
o mesmo caso Combès, outro estudioso da doutrina penal de Santo Agostinho: Começa o
santo por reconhecer que, dada a legislação vigente, o juiz não pode ser vituperado por
fazer aplicação da pena capital, pois ainda que fosse: pessoalmente oposto a ela e desejasse
que os castigos não passassem de açoites, multas ou prisão, como "a lei, conservadora da
ordem pública, lhe faz violência, deve matar, posto que a autoridade responsável lhe
ordena matar".388
O santo bispo de Hipona viu a vida de sua diocese constantemente perturbada por
hereges turbulentos e facinorosos. Em sua dilatada luta contra eles experimentou os efeitos
das mais diversas formas de haver-se com eles. "A história das lutas de Agostinho contra
os donatistas — diz Portalié — é a história de suas mudanças" de opinião sobre o emprego
de rigores contra os hereges."389 Com efeito, sua atitude foi mudando conforme as
circunstâncias e só à base das vicissitudes de sua ação pastoral podemos valorar com
justiça a evolução de suas ideias em matéria penal.
386
387
388
389
- Hergenroether, Historia de la Iglesia, Madrid, 1884, tomo II, pág. 49.
- Jerônimo Montes, El crimen de herejia, Madrid, 1918, págs. 121-6.
- Gustave Combès, La Doctrine poltique de S. Augustin, Paris, 1917, pág. 188.
- "Vacant et Mangenot", DTC, I, eol. 2.277.
143
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Distinguimos com Maisonneuve390 três fases sucessivas em seu magistério: a) De
392 a 405, período de doçura, b) De 405 a 411, período de hesitação, c) De 411 a sua
morte, 430, período de severidade.
Apenas ordenado sacerdote no ano de 391, deu-se conta Agostinho da grave
situação conflitante em que se encontrava a Igreja; africana, cindida pela heresia. O
donatismo em particular semeava o terror entre os católicos, segundo o próprio Agostinho
o descreve com expressões terríveis: Praticavam toda sorte de tropelias: queimavam as
casas dos inocentes: "nenhuma igreja e nenhum caminho podia crer-se seguro"; ao bispo
Maximiano, estando no altar, "irromperam com ímpeto horrendo e furor cruel e deram-lhe
morte espantosa"; aos clérigos, depois de maltratá-los com feridas e golpes terríveis,
"atiravam-lhes cal viva e vinagre nos olhos" etc.391
O santo doutor, herege que também havia sido, porém apaixonado da verdade,392
julgava a princípio que aqueles hereges fossem como ele gente de boa fé, ainda que
equivocados, porém, como ele também, sedentos de alcançar a verdade.
Por esta razão preconizava incansável o uso exclusivo por parte das autoridades, de
meios suasórios, abstendo-se de toda sorte de violências, torturas ou mortes; pois só
através da convicção e do amor haviam de ser reconduzidos ao redil as ovelhas
transviadas. Entre os anos de 397 a 405 celebraram-se os Concílios de Cartago III ao X,
nos quais esteve sempre presente e deixou sentir sua influência em toda a Igreja da Africa
o bispo de Hipona. Naqueles anos a tolerância, sem castigos físicos, era o procedimento
comum ao tratar com os donatistas e maniqueus, e inclusive com os fanáticos
circunsceliones.
Representativo desta atitude é o Concílio VIII cartaginense, celebrado no ano de
403, em que se acordou ordenar aos bispos que "se pusessem em relação com os chefes dos
donatistas" e os comprometessem a enviar deputados para um colóquio com os católicos,
sobre questões religiosas. Na mensagem, enviada pelo Concílio, dizia-se: "os donatistas e
os católicos escolherão, cada um de seu lado, deputados para o Concílio, e discutirão em
comum os pontos em litígio, para chegar, no que for possível, a um entendimento
fraterno".393
390
391
392
393
- HENKI MAISONNEUVE, Êtudes sur les origines de VInquisition,. Paris, 1942, página 20.
- Ep. 185, IV, 15, 18, 26-27 (Ed. da BAC, IX, 623 e 637); Ep. III a Víctoriano, I (BAC, Vin, 817).
- Conf. III, c. 6.
- HEFELE, Histoire des Concites, Paris, 1908, II, pág. 155.
144
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Não obstante, apesar da preferência absoluta que nesta primeira fase outorga ao
diálogo, sobre as medidas de rigor, no trato com os hereges, o santo doutor não chegou
nunca a negar a licitude da última pena, antes, explicitamente a ensina, determinando-lhe
as condições: a morte será lícita sempre e quando aplicada "por quem esteja revestido de
legítima autoridade" e proceda não por egoísmo ou vingança, mas com amor como "o pai
que castiga o filho pequeno, o qual, por sua tenra idade, não pode detestar". É assim como
"varões eminentes e santos", como Elias, atuavam sem receio de infligir a morte para
impedir o pecado. Quando os discípulos do Salvador invocam o exemplo de Elias para que
lhes conceda o poder de fazer baixar fogo do céu para acabar com aqueles que lhe haviam
negado hospitalidade, Jesus, em sua resposta, condena não o ato do Profeta, senão o
espírito de vingança dos discípulos, que não pretendiam emendar os culpados, senão
satisfazer sua cólera. Quando hajam recebido o Espírito Santo executarão também estes
atos de autoridade, por exemplo, no castigo de Ananias e sua mulher, porém com muita
circunspecção e quando a isso se virem obrigados por força do bem geral.394
Note-se, por outra parte, que a insistência de Agostinho com os tribunos e
governadores para que não aplicassem a pena capital devia-se por tratar-se não de
delinquentes de Direito comum, senão de hereges, fossem ou não também réus de delitos
comuns, pois o santo distinguiu nitidamente os dois planos, o civil e o religioso.
Escrevendo ao pró-cônsul Agripino, a cujo Tribunal haviam sido levados alguns
hereges que "haviam perpetrado horrendos crimes" e assassinaram um sacerdote,
reconhece que "tanto eles como outros homicidas confessos podem ser condenados a morte
por ti". Pois sem dúvida "a vós, os governantes, se referia o Apóstolo ao dizer que não
levais em vão a espada e que sois ministros e vingadores contra aqueles que obram mal.
Mas são distintos, acrescenta, os interesses da Província e os da Igreja. A administração da
Província há que levá-la com rigor — terribiliíer gerenda est. A da Igreja há de exercer-se
com mansidão". Portanto, insta o santo: "não derrames tu o sangue com tua espada
jurídica. . . Assim deves proceder em uma causa da Igreja".395 E dirigindo-se a Donato,
pró-cônsul da África, roga-lhe que "quando assista aos pleitos da Igreja... olvide o poder
que tem de matar", que atenda à sua súplica episcopal de clemência, pois para Agostinho
394
395
- De serm. Dom. in Monte, c. XX, 63-65. Migne PI, 34, col. 1.261-3.
- Ep., 134. A Apringio, 2-4 (BAC, XI, 95-97).
145
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
os crimes dos hereges eram "injúrias graves" à Igreja, e somente os bispos tinham a missão
de "apresentar- lhe as causas eclesiásticas".396
A benignidade e tolerância com donatistas e circunsceliones não surtiu o efeito
desejado, antes, em certo sentido, piorou a situação, pois, alentados com a impunidade,
entregaram-se a maiores atos de violência: muito piores, dizia o santo a Crescônio, "que os
perpetrados por qualquer ladrão ou bandido".397
No quarto Concílio de Cartago já Santo Agostinho, hesitante em suas anteriores
convicções, havia concordado com os outros bispos em pedir o auxílio do Imperador para a
repressão de tantos excessos dos hereges, reconhecendo implicitamente a insuficiência ou
inutilidade dos meios suasórios. Honório acedeu com gosto ao pedido dos bispos, que lhe
dava oportunidade para promover mais eficazmente a paz e tranquilidade do Império.
Agostinho, não obstante, suplicou ao pró-cônsul da África, Donato, que na aplicação do
edito imperial excluísse o último suplício.
Como as devastações e desordens fossem, nos anos seguintes, em incessante
aumento, os agentes imperiais incrementaram também o rigor nos castigos, sem excetuar a
aplicação da pena capital.
Em vista disto tentou todavia Agostinho um último esforço conciliatório para
minorar o rigor dos hereges. Com o patrocínio de Honório convocou uma grande
conferência de bispos donatistas e católicos para discutir entre si suas diferenças e tratar de
chegar a comum acordo dogmático. Assim, no ano de 411 celebrou-se a solene e famosa
Collatio com a presença de 279 bispos donatistas e 286 católicos sob a presidência do
bispo de Hipona, que com seu pasmoso saber deixou patentes os erros donatistas e a
veracidade da Igreja Católica.
Bom número dos bispos donatistas converteram-se, porém, a maioria deles
permaneceram obstinados no erro, e, ainda mais enfurecidos, aumentaram em tropelias e
perseguições aos católicos. "Santo Agostinho — diz Llorca — convenceu-se
definitivamente de que era necessário empregar a violência contra esta classe de hereges,
que deviam ser considerados como perturbadores da ordem pública, em um Estado
396
397
- Ep., 109. A Donato, 2 (BAC, VIII, pág. 691).
- Contra Cresc. donat., III, 46. PL. col. 521.
146
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
cristão."398 Não foi somente Santo Agostinho, também, com ele, em vista da terrível
situação da Igreja, mudaram as disposições dos bispos da África."399
O Imperador Honório, que já no ano de 407 declarara a heresia crime público de
lesa majestade e, portanto, punível com a pena de morte, baixou mais tarde um edito de
tolerância das heresias, porém, aterrados os bispos com a reação e excessos dos donatistas,
suplicaram ao Imperador, no XV Concílio de Cartago (junho de 410), de que formava parte
Agostinho, que "excetuasse do edito de tolerância aos donatistas".400 Honório não só
acedeu a isso, como ainda, nos anos sucessivos, desenvolveu um rigor implacável na
repressão daqueles hereges.
Santo Agostinho, que, levado por seu zelo infatigável e sua ardente caridade, se
havia desvelado durante largos anos pela conversão dos donatistas, havendo
experimentado neste intervalo reiteradas vezes sua má-fé e observado suas graves
violências e crimes, chegou a convencer-se da necessidade de recorrer ao braço secular
para a repressão dos hereges malfeitores e para a manutenção da paz social na comunidade
cristã; convicção que ademais tinha em seu apoio os benéficos resultados de repressões
anteriores que haviam voltado ao caminho, convertido e mantido na fé muitos espíritos
débeis a quem o rigor havia feito refletir; conversões justificativas, do compelle intrare
evangélico, como expõe o próprio Santo Agostinho.401
Ele, tão humilde e santo como sábio, não sentiu a menor dificuldade em declarar
sua mudança de opinião, ante a evidência de certos resultados. Escrevendo ao donatista
suplicante, Vicente, declara-lhe: "No princípio era eu de opinião que ninguém deveria ser
levado à força à unidade de Cristo, que se devia atuar pela palavra, lutar pela discussão,
vencer pela razão; pois de outro modo teríamos conosco católicos fingidos em vez de
reconhecidos hereges; tal era minha convicção que deveu ceder não diante das palavras de
meus contraditores, mas ante os fatos evidentes que aduziram como exemplos.
Apresentaram-me, em primeiro lugar, a história de minha cidade natal, Tagaste, que em
outro tempo havia sido toda do partido de Donato e que depois se converteu à unidade
católica por temor das leis imperiais; agora está tão hostil a vosso partido de ódio e de
morte que parece não haver estado nunca de vossa parte. Do mesmo modo citavam-me
398
399
400
401
- B. Llorca, R. García-Villoslada etc, Historia de la Iglesia Católica, BAC, Madrid, 1950, I, 538.
- Portalié, In DTC, Art. Augustin, 1/2.° col. 2.278.
- Hefele, Hist. des Concites, Paris, 1908, II/l.a , pág. 159.
- Ep. 93, a Vicente, c. I, 3-8; Ep. 185, a Bonifácio, c. II, 7, e c. III, 14.
147
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
outras muitas cidades cuja história me recordavam para que eu mesmo o comprovasse.
Impressionado por todos esses exemplos, que meus colegas me apresentaram, mudei de
opinião.”402
É indubitável, e por todos admitido, que Santo Agostinho não só deu sua aprovação
e até elogiou o pedido de intervenção do braço secular, senão que também aprovou e
justificou as leis e éditos imperiais de repressão da heresia, em vários dos quais se incluía a
pena de morte, se bem que o santo, em sua ilimitada mansuetude, suplicasse com
frequência que esta última pena não fosse aplicada, pois, tratando-se de hereges, julgava
que devia dar-se-lhes oportunidade de converter-se.
De todo o dito depreende-se que é errónea a afirmação de Blázquez: "Santo
Agostinho de fato negou expressamente a eticidade da pena de morte." Mais clara
aparecerá a falsidade de dita afirmação se recorremos a outros escritos doutrinários do
santo, em que, sem referência direta aos hereges delinquentes, cuja conversão o
preocupava sobremaneira, senão tratando dos criminosos de direito comum, afirma
reiteradas vezes que a morte do bandido ou assassino é perfeitamente lícita, excluindo
sempre nos executores todo sentimento de vingança individual.
A um cidadão que com piedade filial se dirigiu ao santo Doutor, fazendo-lhe várias
consultas de ordem moral, declara-lhe que licitamente mata o agente de segurança, "ou
aquele cujo ofício público a isso o obriga... e que em todo caso está legitimamente
autorizado".403 Queixa-se o donatista Crescônio da repressão imperial dos hereges, tendo-a
por anticristã; Agostinho responde-lhe, vindicando para a autoridade civil o direito e o
dever de defender a religião verdadeira e alega o exemplo do Rei Nabucodonosor que
havia dado uma lei iníqua prescrevendo a adoração de sua estátua; mas depois, uma vez
emendado, deu outra lei condenando à morte quem blasfemar contra o Deus de Israel.404
Santo Agostinho expõe em diversos lugares a obrigação dos Reis de defender o culto
verdadeiro de Deus e proteger a santa Igreja e formula esta obrigação em termos
inequívocos e de perene atualidade: "Escutai vossa caridade o que afirmo: os Reis cristãos
têm a obrigação de garantir a sua Mãe, a Igreja, uma vida pacífica, porque ela os gerou
espiritualmente."
402
- Ep. 93, a Vicente, c. V, 17. PL, 33, col. 329-330.
- Ep. 47, a Puolicola, n. 5. BL., 33, 186.
404
- Contra Cresc. donat. L. III, cap. LI, n. 56, Migne. PL. 43, col. 527. In Joan. Evang. tract. XI. Cap. 2, n. 14.
Migne. PL. 35, col. 1.483.
403
148
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Justificando o poder coercitivo do Estado, escreve a Macedônio que "não em vão
foram instituídos o poder régio, a pena de morte, os garfos do verdugo etc. Tudo isso tem
suas razões e vantagens pois "pelo temor se refreiam os maus e os bons vivem mais
tranqüilos entre os maus".405
Distingue claramente Santo Agostinho o homicídio doloso, sempre gravíssimo
pecado, do homicídio ou pena de morte, que é lícita: "Se o homicídio consiste em matar
um homem, pode dar-se alguma vez sem pecado, pois a mim não me parece que peque o
soldado que mata seu inimigo, nem o juiz ou seu ministro que dá morte ao malfeitor... está
claro que estes — acrescenta — realmente não devem chamar-se homicidas."406 E
abundando nas mesmas ideias replica a Fausto Maniqueu que só se pode qualificar de
homicida aquele que sem nenhuma autoridade superior e legítima que o ordene ou o
permita se arma para derramar o sangue de outro.407
Em sua grande obra, A Cidade de Deus, aduz o santo a pena de morte corporal para
justificar por analogia a condenação eterna: "Como as leis da cidade terrena não devolvem
jamais à sociedade o homem condenado à pena de morte, assim as da cidade imortal não
devolvem nunca à vida eterna o pecador condenado à segunda morte."408 Mas há mais,
nessa sua obra magistral traz um capítulo que desde seu próprio título: "Assassinatos de
homens que se excetuam do crime de homicídio", estabelece a perfeita eticidade da pena
capital: "não obraram contra este preceito que diz: Não matarás, quem por mandato de
Deus fizer guerras ou, investido de autoridade pública, à maneira das leis, isto é, à maneira
do império da justíssima razão, castigar os criminosos com morte... Excetuados, pois, estes
a quem manda matar geralmente a lei justa... qualquer um que matar um homem... contrai
crime de homicídio".409
Blázquez afirma que "o Hiponense insiste continuamente na necessidade de
substituir a lei de Talião, como expressão literal da vingança, pela lei cristã do perdão".
Isto constitui uma tergiversação do pensamento de Santo Agostinho, o qual justamente
considera a lei de Talião como excusa da vingança e da justiça.
405
406
407
408
409
- Epist. 153, cap. VI, n. 16, Migne. PL, 33, col. 660.
- De lib. arbitr. L. I, cap. 4, n. 9, Migne. PL. I, col. 1.226.
- Contra Faustum, L. XXLL, cap. 70. PL. 42, col. 444.
- Ciudad de Dios, Lib. XXI, cap. 11.
- De Civ. Dei, Lib. I, cap. 21.
149
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
É verdade que ocasionalmente pede o Santo a comutação da pena (normalmente,
então como hoje, o pedido de indulto ou comutacão da pena pressupõe a justa condenação
do delinquente) e não a aplicação do Talião a alguns hereges homicidas, enquanto isso
significava a pena de morte para eles e, nos primeiros tempos, como antes dissemos,
julgava que não convinha aplicá-la aos hereges.410 Mas em seu livro de polémica contra o
maniqueu Fausto consagra um capítulo à análise da lei de Talião, no qual ensina o
contrário do que Blázquez lhe atribui: "A Lei — diz —, para fixar um modo justo no
castigo instituiu a pena de Talião, isto é, que cada um sofra a pena equivalente ao delito
cometido. Assim, pois, a fórmula "olho por olho e dente por dente" não foi dita para
incitação senão para coibição do desejo de vingança. "Non fomes sed limes furoris est."411
Mau serviço presta Blázquez ao grande legislador Moisés com essa interpretação da
lei de Talião, dando-lhe um sentido material, como exigência de igualdade aritmética, entre
o delito e a pena. Como seria, no caso, castigado em tal hipótese o réu de defloramento de
uma donzela? É que, se bem a fórmula legal mosaica, para sua fácil compreensão, nos foi
transmitida servindo-se de um material similar: olho por olho etc, contudo, na mente do
legislador Moisés, como na de Santo Agostinho, era o Talião moral, fórmula de justiça, o
que se prescrevia, e por isso o santo Doutor a aprova e justifica, como acabamos de ver.
Para Santo Agostinho, segundo Blázquez, o verdugo "como figura jurídica, é algo
em si mesmo abominável.. . algo naturalmente detestável". É evidente que a execução de
um malfeitor pelo verdugo só poderá ser ação abominável ou condenável negando a
eticidade ou justiça da pena, o que faz da execução um verdadeiro homicídio: e, portanto,
com aquela qualificação haveria o santo Doutor condenado à pena de morte como algo
injusto. Mas acontece que não é essa sua doutrina. Santo Agostinho refere-se diversas
vezes e exime do pecado de homicídio quem mata, não por arbítrio e iniciativa própria,
mas autorizado ou obrigado a cumprir, em várias situações, esse penoso dever; bem hajam
os juízes, os soldados ou os verdugos. Assim, na Cidade de Deus412 ensina que "o soldado
que, obedecendo à autoridade legítima, mata um homem", não é réu de homicídio; pelo
contrário sim o seria, de lesa majestade, se não o fizesse, por desobedecer o mandato.413
410
411
412
413
- PL. 2, 509-511.
- Contra Faustum Manichaeum, XIX, c. 25. ML, 42, col. 363-364.
- Lib. I, cap. XXVI, BAC, pás. 112.
- Ver também a mesma doutrina em De libero arbítrio, Lib. I, 11.
150
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
De modo análogo expressa-se Santo Agostinho no tocante ao ofício do verdugo. No
livro De ordine manifesta a natural repugnância que a todos nos inspira sua figura: Quid
enim carnifice tetrius? quid illo animo truculentius atque dirus?,414 porém em vez de
condenar-lhe o ofício, reconhece que a lei, "fazendo dele um instrumento de saúde pública
— como diz Combès — outorga-lhe uma espécie de majestade",415 pois "ele tem lugar
necessário nas leis e está incorporado à ordem com que se deve reger uma sociedade bem
governada."416
Em um sermão de São Lourenço Mártir expõe novamente Santo Agostinho seu
pensamento a respeito do verdugo. Contrapõe-lhe a lícita atuação como executor da justiça
a serviço da legítima autoridade, à de qualquer outro particular que por si castigasse o réu
convicto: "O réu condenado à morte, e a ponto de ser atravessado pela espada, só pode ser
executado pelo oficial designado pelas mesmas leis. Este oficial é o verdugo. Se um
membro do Tribunal executa o réu, ainda que mate um sentenciado à morte, deve ser
sentenciado como homicida."417
Como se vê pelos textos citados sobre o verdugo, estava Santo Agostinho muito
longe de negar a eticidade da pena capital imposta pela autoridade competente.
Uma das notas simpáticas e atraentes no santo bispo de Hipona é a lhaneza e
humildade com que, apesar de seu génio e de sua imensa sabedoria de que era
perfeitamente consciente, reconhece seus erros e corrige em seus escritos tudo aquilo que a
experiência ou uma madura reflexão o leva ao convencimento de que se havia equivocado.
Testemunho vivo destas atitudes constitui seu livro Retratações. Mas, ademais das
que em dito livro consigna, encontram-se, em sua dilatada obra de escritor, outras
retificações de seu pensamento. Uma destas, bem significada em sua vida pastoral, é a
referente à pena capital.
Já dissemos anteriormente como, tratando-se de delinqüentes comuas, Santo
Agostinho admitia lhanamente a legitimidade e eticidade de sua execução. Mas é que
também, no tocante aos castigos dos hereges, retificou a atitude mantida nos primeiros
anos de sua vida episcopal.
414
- De ordine, Lib. II, c. IV, 12. BAC, I, 742.
- Gustave Combès, La Docctrine politique de S. Augustin. 1927, pág. 188.
416
- De ord., Lib. II, c. IV, 12. BAC, I, 743.
417
- Serm., 302, cap. XIV, 13, PL. 38, 1-390. Vid. Gregório Armas, La moral de S. Agustin, Madrid, 1934, págs.
678-679.
415
151
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Impressionados os bispos cartagineses com os excessos e os crimes dos fanáticos
circunceliões, pediram ao Imperador que revogasse o edito de tolerância; que havia
baixado anteriormente. Honório acedeu de bom grado pus sentia nojo por aquela horda de
malfeitores que infestavam o norte africano, e em anos posteriores recrudeceu o rigor
imperial, ditando eiti 411, 412 e 414 novas leis repressivas, inclusive com pena capital, «;
perseguindo implacavelmente os hereges. Santo Agostinho conformou-se com a nova
situação e ainda foi paulatinamente formulando a doutrina da legitimidade e eticidade do
castigo físico dos hereges, e da intervenção severa do braço secular, fazendo aplicação do
compelle intrare do Evangelho.
Em carta ao tribuno Bonifácio expõe o Santo as vicissitudes de seu pensamento no
referente ao recurso a César e ao castigo físico dos hereges, com a severa aplicação das
mais rigorosas leis imperiais. "Verdade é — diz — que antes que foram promulgadas para
a África as leis pelas quais se obriga a entrar na comunhão católica os dissidentes, alguns,
entre os quais eu me conto, opinavam que, ainda que os donatistas se enfurecessem em sua
raiva, não se devia pedir aos Imperadores que decretassem o fim da heresia." Julgavam que
deveriam usar-se somente medidas persuasivas ou, no máximo, sanções pecuniárias como
havia estabelecido uma lei teodosiana. "De diferente modo pensavam outros irmãos
(bispos) mais graves por sua idade e mais experimentados com os exemplos de outras
cidades e lugares em que florescia firme a religião Católica." Apesar da opinião contrária
daqueles mais experimentados, "obtivemos que se pedisse ao Imperador a aplicação da lei
mais branda de Teodósio".
Os resultados manifestaram-se logo tão opostos ao que se intentava que o Santo
atribui a favor divino a libertação daquela via errada e exclama: "Uma maior misericórdia
divina fez que nossos legados não pudessem obter o que pretendiam. Sabia Deus quão
necessários eram para muitas almas danadas ou frias o terror destas outras leis"; e chega ao
ponto de qualificar de piissimas leges aquelas leis repressivas — na de 411 incluía-se a
pena de morte — que "o piedoso e religioso Imperador promulgou para "reduzir à unidade
católica pelo terror e pela repressão aos que contra Cristo levavam os sinais de Cristo, e
não para tirar-lhes tão-só a licença de irritar-se, deixando-lhes a de errar e perecer".418
418
- Ep. 185 Ad Bonifacium, BAC, XI, 606-659; PL, 33, col. 792-815.
152
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Na mesma Epístola elogia o bispo de Bagaí, Maximiano, que "pediu auxílio ao
Imperador cristão" contra os malfeitores donatistas, e acrescenta: "Se não o houvesse feito,
não seria digna de elogio sua paciência, senão digna de vitupério sua negligência".
A tenaz resistência que em princípio, por inexperiência, opôs Santo Agostinho ao
uso do braço secular para compelir violentamente os cismáticos a permanecer na
comunhão católica e as razões de sua mudança posterior de critério esclarece-as o Santo
naquela célebre expressão das Retrações: "Quoniam nondum expertus eram, vel quantum
mali eorum auderet impunitas, vel quantum eis in melius mutandis conferre posset
diligentia disciplinae.”419
Em conclusão: O pensamento de Santo Agostinho, extraordinariamente rico,
oferece-nos, em qualquer assunto de que trata, mui variadas facetas que é necessário levar
em conta para particularizar com precisão suas doutrinas.
O grave equívoco de Blázquez está em que, dominado por um preconceito
abolicionista, não distinguiu entre o problema geral da penalidade comum em todas as
sociedades humanas e o particular da delinquência dos hereges cristãos.
Santo Agostinho não formula nunca em termos abstratos e com certa extensão o
problema jurídico da pena de morte para os criminosos comuns. Sua legitimidade, se a
sentença ou execução está de acordo com a ordenação jurídica do Estado, dá-a por suposta
e aprova-a em quantos casos — e são muitos — se lhe oferece tratar disso. Jamais
condenou ou negou a eticidade de uma sentença capital dada de acordo com a lei pela
autoridade legítima e muito menos incorreu no lategozinho demagógico e absurdo — que
também agrada a Blázquez — de equiparar a vingança com a justiça punitiva do Estado.
Surpreende a ousadia com que atribui ao grande doutor de Hipona que negava a licitude da
pena capital infligida pelo poder supremo da sociedade aos réus de gravíssimos delitos.
Seria que Santo Agostinho desconheceria a doutrina bíblica, o ensino da Igreja e os direitos
da legítima defesa social, que o próprio direito natural nos dita?
Bem diferente era, sem dúvida, a atitude do santo Doutor em relação com os
hereges, que ao erro doutrinal juntavam algum delito comum. Sua grande obsessiva
preocupação constituía a salvação eterna dos extraviados e como nele a sinceridade e
retidão de intenção igualavam a magnanimidade de seu amor cristão, julgando os outros
419
- Retractationum, L. II, c. V. ML, 32, col. 652.
153
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
por sua própria medida, estava persuadido de que a clara exposição da doutrina, a força
mesma da verdade, seria suficiente para a conversão dos hereges e, por conseguinte,
sempre seria preferível a vida da persuasão e do amor à da coação e violência. Daí sua
franca e constante oposição a que lhes fosse aplicada a pena de morte, pois, ainda que o
castigo fosse necessário para a ordem social, não obstante não devia chegar, tratando-se
dos hereges, ao extremo de "cortar-Ihes os dia da vida, senão deixá-los viver para que
possam arrepender-se".
É este pensamento o molhe real que mobiliza e orienta toda sua atividade pastoral e
move-lhe a opor-se com veemência à aplicação da pena capital a maniqueus, fanáticos da
circuncisão, donatistas e demais hereges.
Sem embaraço, à vista dos resultados negativos daquela brandura penal e
estimulados por outros bispos mais realistas e experimentados, vai paulatinamente
evolvendo no recorrer ao poder civil, e ainda que sem deixar de ver com simpatia que não
se aplicasse a pena capital aos hereges, chega afinal a defender a perfeita aplicação das leis
imperiais.
O artigo de Blázquez não passa de uma diatribe sofística contra a pena de morte.
Quando um dominicano, filho espiritual do Anjo das Escolas, chega deste modo a esquecer
ou a contradizer a doutrina, tão luminosamente exposta por este, sobre a licitude e
conveniência da pena de morte na sociedade, já não nos surpreende tanto ver o grupo de
políticos católicos que se ocultam sob o pseudônimo de Tácito, estampar no diário Ya420
este desatino: "Pensamos que a sociedade carece, seja qual for o delito, do direito de privar
da vida qualquer ser humano criatura de Deus."
Isso, repito, não me surpreende muito, mas sim condói-me que pessoas, que
deveremos supor ilustradas, ignorem ou se atrevam a negar o claro e milenário
ensinamento da Igreja sobre esta matéria. Para confirmação do que acabo de dizer, limitarme-ei a indicar aos Tácito e ao padre Blázquez o que seu ilustre irmão de hábito, o padre
Royo Marin,421 com palavras análogas e ideias idênticas às de iodos os moralistas
católicos, escreve: "Por direito natural, e sempre que o requeira o bem comum, pode a
autoridade pública impor a pena de morte aos malfeitores réus de gravíssimos crimes." E
prova-o em continuação: a) Pela Sagrada Escritura, Antigo e Novo Testamento,
420
421
- Ya, 26-IX-1975.
- Pr. António Royo Marin, Teologia moral para seglares (Madrid* BAC, 166), I, n. 560.
154
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
b) Pelo Magistério da Igreja, c) Pela razão teológica, d) Pelo consentimento universal da
Humanidade.
Por favor, senhores Tácito e Blázquez, aquele grande Doutor a quem todos nós
admiramos e amamos, com coração reto exclamava: "Oh verdade, oh verdade! Quão
entranhadamente e com o mais íntimo de minha alma suspirava por vós!"422 À imitação
sua, com sincero e apaixonado amor à verdade, mantenham incólumes os ensinamentos da
tradição cristã e não levem o erro e a confusão a nosso povo.
Apêndice II
SANTO TOMÁS DEFENSOR DA PENA DE MORTE*
Pela singular importância e atualidade que tanto na ordem moral como na ordem
jurídica è social reveste o tema da legitimidade da pena de morte, estimamos de suma
conveniência conhecer o que sobre ele escreveram os grandes mestres do passado, entre os
quais, na opinião de todo o mundo, sobressaem como astros de primeira magnitude os dois
luminares do pensamento cristão: Santo Agostinho de Hipona e Santo Tomás de Aquino.
Santo Agostinho — cujo pensamento deixamos exposto no Apêndice precedente —
viveu o terrível problema social da criminalidade, com todo seu dramatismo, em contato
com; a delinquência dos hereges maniqueus, donatistas e circuncelíões. Como esses
hereges procediam em função de suas convicções religiosas, nas quais deve sempre
prevalecer a persuasão sobre a coação física, o Santo Doutor, durante vários anos mostrouse propício à tolerância e à indulgência para com eles. Está, atitude, assumida em vários de
seus escritos circunstanciais, deu lugar a que alguns estudiosos do pensamento agostiniano,
transpusessem sua opinião particular acerca da castigo dos delitos de heresia, para o
problema geral dos delitos de direito comum.
Por este motivo, no Apêndice anterior, dedicamos particular atenção, na exposição
do pensamento de Santo Agostinho, à análise e refutação das asserções do mais recente
defensor dessa equivocada interpretação. Trata-se do P. Blázquez, O.P. que, esquecido da
clara doutrina e contundente" argumentação: de seu confrade Santo Tomás, levado de seus
422
- Confesiones, L. III, c. 6.
* - Este artigo foi, em sua maior parte, publicado na grande revista de cultura HORA PRESENTE (N.° 22, dez.
1976) fundada e patrocinada pelo eminente líder católico, Prol Adib Casseb, em São Paulo.
155
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
preconceitos abolicionistas, pretende apoiar seus pontos de vista, com sofismas e falácias,
na autoridade do grande Doutor de Hipona.
A respeito de Sto. Tomás seremos muito breves na exposição, visto como o
Angélico se manifesta tão claramente e decisivo em favor da pena de morte que nunca sua
opinião, a respeito, foi objeto de controvérsia. Por esta razão limitamo-nos a reproduzir as
razões em que o Doutor Aquinense fundamenta sua doutrina, sempre coerente, em várias
de suas obras.
Não faz Santo Tomás concessões à fantasia nem ao sentimentalismo dos
abolicionistas. Seu pensamento é o que corresponde ao reto sentir comum da humanidade,
que muito bem poderíamos sintetizar naquelas palavras que, há um século, escreveu a
genial socióloga, galega, Conceição Arenal423 "Qué pena merece el que mata? La
conciencia de la humanidad, la dei mismo culpable, responde: La muerte. Todo hombre
que ha matado sabe que merece morir; el homicida para defenderse niega el hecho; el
derecho de imponerle La última pena no lo niega si su razón está cabal. El Talión, es decir,
un castigo igual ai dano que se hizo, está en la conciencia de la humanidad, en la dei
ofendido, y en la dei ofensor, en todos; es la justicia, severa, pêro es la justicia". Estas
palavras da insigne escritora constituem na ordem psicológica a confirmação do preceito
divinopositivo do Gênesis, que a doutrina católica glosa nas mais diversas formas:
Quicumque efuderít humanum sanguinem, fundetur sanguis illius, ad imaginem quippe Dei
factus est homo.424 Não foi outra a doutrina e a prática em toda a Antiguidade,
perfeitamente justificada com profusão de razões pelos pensadores e jurisconsultos gregos
e romanos. Com certas limitações, este pensar comum dos povos foi assumido pelo
Cristianismo depois da solene confirmação da Lei Mosaica por Nosso Senhor Jesus Cristo,
particularmente no tocante ao homicídio.
SANTO TOMÁS DESENVOLVE E JUSTIFICA O PENSAMENTO DA IGREJA SOBRE O
DIREITO DE CASTIGAR
Muito embora esteja dotada por seu Divino Fundador dos poderes judiciais e
coercitivos convenientes para o desempenho de sua missão, não faz uso a Igreja Católica
dos castigos físicos e jamais adotou em sua legislação canônica a Pena de Morte como
423
424
- Ooncepción Arenal, Cartas a los delincuentes, terceira edição, Valência, 1893, pág. 579.
- Gênesis, IX, 6.
156
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
medida de coação. Todavia não é a mesma coisa o que faz respeito à legislação civil das
nações. Pelo fato de reger uma sociedade, cujos fins são de ordem temporal, podem e
devem os governantes fazer uso de todas as medidas coactivas e coercitivas que julguem
oportunas ou necessárias, para a manutenção da ordem civil, a fim de que a sociedade
possa pacificamente alcançar seus fins.
A Igreja sempre ensinou que o Estado vem obrigado a manter ou restaurar a ordem
social e jurídica eventualmente perturbada por qualquer delito, reconhecendo-lhe, por
conseguinte, o pleno direito ou exigindo-lhe o dever de fazer uso dos castigos necessários,
sejam estes quais forem, inclusive a pena capital, para a restauração da ordem perturbada e
a defesa do bem comum da sociedade, pois, como ele diz na Suma Teológica: "se algum
homem é perigoso à sociedade e a corrompe com algum delito, é louvável e salutar tirarlhe a vida para a conservação do bem comum"425. Tal proceder, perfeitamente lógico, está
de acordo com as exigências da lei natural, pois é evidente que nenhuma sociedade política
possa subsistir se não cumpre os deveres essenciais de todo Estado: promoção e tutela do
bem comum, segurança jurídica das pessoas e sobretudo, justiça em sua dupla forma de
premiar aos bons e castigar os malfeitores. Como falou Bolívar, o Libertador, no
Congresso de Angostura: "La corrupción de los pueblos nace de la indulgência de los
tribunales y de La impunidad de los delitos."426
A partir, porém, do século XVIII nos meios liberais e racionalistas surgiram
acirradas controvérsias, que até hoje perduram, sobre a conveniência e licitude da pena de
morte. É interessante verificar como os argumentos esgrimidos pelos abolicionistas atuais,
contra o estatuto da pena capital, foram já, em sua maioria respondidos de antemão pelo
Doutor Angélico.
SANTO TOMÁS DEFENDE A LICITUDE E CONVENIÊNCIA DA PENA DE MORTE
A doutrina de Santo Tomás sobre o direito de punir e sobre a pena capital não
oferece dificuldades. Seu pensamento a esse respeito é diáfamo e perfeitamente
fundamentado com argumentos sólidos e bem articulados.
São muitos os lugares de suas obras em que o santo Doutor aborda de propósito ou
incidentalmente a grave questão da licitude da pena capital. Na Suma Teológica dedica
425
426
- Suma Teol. 2-2, a. 64, a. 2.
- Ap. Rev. Universidad Pont. Bolivariana XVII (abr.-jun. 1952) 203.
157
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
uma questão, com oito extensos artigos, a elucidar os diversos aspectos e problemas que
suscita o homicídio. Pergunta previamente se será pecado matar qualquer vivente, planta
ou animal. Na resposta, formula Santo Tomás um princípio geral, do qual se servirá logo
em diversas soluções: "Ninguém delinque pelo fato de valer-se de uma coisa para o fim a
que está destinada. Ora, na ordem das coisas, o que é menos perfeito deve servir ao que é
mais perfeito; e assim as plantas existem em geral para os animais e estes para o homem,
que destas coisas, só dando-lhes a morte, se pode servir. Segue-se daqui que, nem a morte
das plantas nem a dos animais é ilícita ao homem."427 Partindo deste princípio, aborda
diretamente e com audácia a demonstração de sua tese: a morte dos malfeitores não só é
lícita como ainda necessária, quando são perniciosos e perigosos para a sociedade- Com
efeito, o homem na sociedade compara-se a esta como uma parte ao todo, sendo a parte
com relação ao todo coisa imperfeita; o indivíduo na sociedade estará ordenado ao bem
desta e deverá, se necessário, ser-lhe sacrificado. Portanto, quando algumas pessoas são
como uma peste, perniciosas para as outras, sua vida é grave obstáculo para o bem comum
que requer, como primeira condição, a ordem e concórdia sociais e, por conseguinte, é
preciso eliminá-los do convívio da comunidade.428
Na Summa contra Gentiles, em consonância com o caráter marcadamente racional e
especulativo desta obra, ordena o santo Doutor uma série de argumentos para demonstrar o
valor de exemplaridade e de reparação da justiça lesada que a última pena encerra. Abre o
capítulo correspondente429 advertindo que, como há os que, entregues às coisas sensíveis,
só se preocupam com o temporal e visível e menosprezam as penas infligidas por Deus,
ordenou a Divina Providência que na terra haja pessoas que, mediante penas sensíveis e
presentes, obriguem os demais à observância da justiça. "E é manifesto que estas pessoas
não pecam quando castigam aos malfeitores." Justificando seu ponto de vista, assim
argumenta o Angélico: “Com efeito, é justo que os maus sejam punidos porque as culpas
se corrigem pelas penas. Logo, não pecam os juízes que castigam os malvados.”
Os homens que na terra estão constituídos sobre os demais são como executores da
Divina Providência; portanto, não pecam por dar recompensas aos bons e reprimir com
castigos aos maus, pois é essa, precisamente, a ordem da Divina Providência.
427
428
429
- 2-2 q. 64 a.2.
- 2-2 q. 64, a.2.
- O. Gent. III, cap. 146.
158
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Aquilo que é necessário para a conservação da comunidade humana não pode ser
mau; por esta razão, torna-se perfeitamente lícito e conveniente infligir castigos aos
delinquentes, sem o que não seria possível a manutenção da concórdia e da paz, condições
indispensáveis para a sobrevivência da sociedade.
O bem comum deve prevalecer sobre o bem particular de cada um e em caso de
conflito é necessário suprimir o bem particular para conservar o bem comum; por
conseguinte, é bom tirar a vida daqueles homens que, em grau extremo, são perniciosos ao
bem comum baseado na convivência pacífica dos cidadãos.
Ademais, assim como o médico amputa com justa razão o membro apodrecido, se
por ele está ameaçado de corrupção o corpo todo; do mesmo modo, quem governa a cidade
justa e utilmente mata os homens nocivos, que com sua ação ameaçam a convivência
ordenada dos cidadãos, para que não seja perturbada a paz e concórdia na cidade.
Em todos estes raciocínios, a ideia subjacente e dominante é a da exemplaridade da
pena, como elemento o mais importante para a defesa social, pois na mente do Angélico a
autoridade pública, na punição dos delinquentes, exerce o direito legítimo de defesa social,
análogo ao dos particulares. Ele tem a missão inalienável da tutela dos direitos individuais
e, ao mesmo tempo, o direito de servir-se do rigor das penas para manter a ordem ou
desestimular os fracos e infelizes, que facilmente poderiam cair na tentação de imitar os
criminosos, bem como oferecer reparação pelas infrações das leis da autoridade soberana
do Estado.
SÓ AO ESTADO COMPETE DECRETAR A PENA DE MORTE
Duas condições exige Santo Tomás para a lícita aplicação da pena capital: que seja
imposta pela autoridade suprema política; e que sua motivação não seja nunca o ódio ou
vingança particular das pessoas, mas sim o amor de caridade para com os próprios
culpados e para com a sociedade.
Quanto à primeira, Santo Tomás distingue perfeitamente, embora sem usar essa
denominação, o poder jurídico ou político do poder dominativo.430 O poder dominativo,
que exerce o pai sobre os filhos ou o esposo sobre a esposa, é um poder privado, ordenado
não ao bem público senão ao particular, e anterior, como derivado da natureza, ao poder de
430
- 2-2 q. 67, a.l.
159
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
jurisdição, pois este, não obstante emanar também da natureza sociável do homem, requer
para a sua constituição a intervenção consciente e livre dos cidadãos.
O Angélico declara formalmente que, para que a sentença condenatória tenha
licitamente poder coercitivo, é preciso que provenha de quem tiver jurisdição proveniente
da autoridade suprema do Estado. Falando do poder do juiz competente, de quem deve
emanar a sentença condenatória para a sua licitude, Santo Tomás não o designa com o
termo próprio de jurisdição, senão com o genérico de poder público ou de superioridade,
que assim era designado no Direito Romano o poder judicial. Assim pois, embora seja
lícito matar o malfeitor enquanto que essa ação se ordena à saúde de toda a comunidade,
esse poder de aplicá-la corresponde somente àquele a quem está confiado o cuidado do
bem comum da sociedade; como ao médico compete amputar o membro gangrenado
quando lhe estiver encomendada a saúde de todo o corpo. Como, porém, o cuidado do bem
comum está confiado aos príncipes que têm pública autoridade, somente a estes é lícito
matar os malfeitores, não às pessoas particulares.431
A PENA DE MORTE HÁ DE APLICAR-SE SEM ÓDIO
A segunda condição, a de não exercer a vindita com ódio, Santo Tomás a insinua
reiteradas vezes, como já o tinha feito Santo Agostinho. Notemos que Santo Tomás usa a
palavra vingança, não no sentido usual moderno, de tomar desforra do agravo ou dano
recebido, senão no sentido clássico, como vindicação de alguma injúria por meio de uma
pena infligida a quem culpavelmente ofendeu a outrem, isto é, castigo ou pena
legitimamente impostos. Neste último sentido, discute e ensina que a vingança é uma
virtude especial, parte da virtude da justiça.
A vingança é lícita e virtuosa, na medida em que se ordena à repressão dos
malfeitores. Alguns se afastam do mal não pelo afeto que tenham à virtude, porém por
temor de perder aquilo que amam mais do que aquilo que vão conseguir pelo pecado. Sem
o temor, o castigo perderia sua eficácia coercitiva. Segue-se disto que a vingança ou
castigo dos delitos deve fazer-se subtraindo ao homem tudo o que ele mais ama.432
Essa vingança, todavia, se há de executar sempre sem ódio ao culpável. Assim, se a
intenção do executor se dirigisse principalmente ao mal daquele de quem se toma a
431
432
- 2-2 q. 64, a.3.
- 2-2 q. 108, a . 3 .
160
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
vingança e disso se alegrasse, seria de todo ponto ilícita; porque deleitar-se no mal alheio é
próprio do ódio, que é contrário à caridade pela qual devemos amar a todos os homens.
Nem vale, escreve Santo Tomás, escusar-se com o fato de que o outro antes lhe infligira a
ele uma injúria, como tampouco se excusa quem odeia a quem lhe tem ódio. Com efeito,
não deve um homem pecar contra quem primeiro lhe fez um mal. Por esta razão não são
permitidas as represálias, pois são essencialmente más e jamais será lícito devolver mal por
mal. Deverá então o crime ficar impune? De modo nenhum, porque se a intenção de quem
exerce a vingança se dirige, não a fazer mal ao sujeito culpável, mas a obter, por meio de
um mal penal, o bem do culpado — como seria, por exemplo, a emenda ou pelo menos a
sua repressão, a tranquilidade dos outros, o exercício da justiça e a honra devida a Deus —
então pode ser perfeitamente lícita a vingança, guardadas as demais circunstância
devidas.433 Tanto a lei divina como a humana, diz noutro lugar o Angélico,434 prescrevem a
morte daqueles malfeitores que, pervertidos completamente, se tornaram de todo
irrecuperáveis e que, portanto, mais deles se há de temer a contaminação de outros do que
esperar sua emenda. Sem embargo, nunca há de proceder o juiz por ódio a eles, senão por
amor de caridade, dando preferência ao bem público sobre o bem de uma pessoa particular.
No tratado De Caritate, afirma o Santo que à autoridade secular, a quem ex officio compete
a ordem social, é lícito, amando-os por caridade, punir ou levar à morte os malfeitores, e,
em seguida assinala os três motivos principais pelos quais se pode infligir ou desejar
àqueles um mal temporal, sem lesar a caridade.435
SOLUÇÃO DAS OBJEÇÕES CONTRA A PENA DE MORTE
Assentados os princípios da lícita punição dos malfeitores, inclusive com a
aplicação da última pena, o Doutor Angélico resolve com singular audácia e lucidez as
objeções que, ontem como hoje, se formulam contra a pena capital, quase as mesmas em
todo lugar e tempo. Analisemos brevemente algumas das mais comuns:
433
434
435
- 2-2 q. 108, a . l .
- 2-2 q. 26 a.6 ad 2.
- De caritate, q. un. a.8 ad 10.
161
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
1) Se castigarmos o crime com a morte do criminoso, estaremos devolvendo o mal
com o mal, contra os ensinamentos do Apóstolo São Paulo, que, escrevendo aos Romanos,
lhes intima: "Não pagueis a ninguém o mal com o mal."436
Esta prescrição, diz o Angélico, se há de entender formalmente. Proíbe-se que com
sentimentos de ódio ou de inveja demos em paga mal por mal, deleitando-nos no mal
alheio. Isto evidentemente seria imoral. Mas se, pelo mal de culpa que alguém executa, o
juiz lhe impõe um mal de pena que, segundo as exigências da justiça, compense a malícia,
materialmente, sem dúvida lhe inflige um mal; formalmente, porém, não tem razão de mal
senão de bem. "Quando o juiz manda enforcar o ladrão por homicídio, não lhe dá mal por
mal, senão pelo contrário, bem por mal."437
2) Só a Deus pertence a vingança ou castigo do malfeitor, segundo aquilo do
Deuteronômio: "A mim pertence a vingança e eu lhes darei a recompensa a seu tempo";438
portanto, a autoridade pública que impõe uma pena usurpa o poder que só a Deus compete.
Quem exerce a vingança sobre os maus, dentro de seu grau e jurisdição, não usurpa
para si o que é de Deus, senão que usa do poder que Ele mesmo lhe deu, pois, como afirma
o Apóstolo, o príncipe é constituído por divina ordenação para o justo castigo dos maus.439
Aliás, sendo o imperante na terra um como executor da Divina Providência, não peca
retribuindo aos bons e punindo os maus, pois é evidente que não pode pecar quem cumpre
a ordem da Divina Providência, e esta prescreve que os bons sejam premiados e os maus
castigados.440
3) O Senhor proibiu numa parábola extirpar a cizânia, que representa os "filhos do
mal", e como tudo que Deus proíbe é pecado, não se deve levar à morte os malfeitores.
Sim, responde o Angélico, Deus proibiu arrancar a cizânia para evitar que se
arrancasse juntamente o trigo, que são os bons; coisa que pode ocorrer às vezes. Noutros
casos, porém, é possível suprimir os maus pela morte sem temor de prejudicar os bons,
antes com muito proveito para eles. Nestes casos, é lícito infligir a pena de morte.441
436
437
438
439
440
441
- Rom. XII, 17.
- In Ep. AD Romanos, XII, lectio 3.
- Deut. XXXTI, 36.
- 2-2 q. 108, a . l .
- c. Gent. m, c. 146.
- 2-2 q. 64 a 2; 2-2 q. 108 a 2 aã 1; C. Gent. III cap. 146.
162
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
4) É notável o realismo e bom senso com que Santo Tomás responde a uma objeção
muito repetida hoje, tanto pelos partidários da escola correcionalista (como Ahrens, Rõder,
Giner de los Rios, etc), como por adeptos da antropologia e sociologia criminal, e ainda
por outros, vítimas de um humanitarismo às avessas: o homem, enquanto está no mundo,
pode tornar-se melhor. Portanto, não deve ser arrebatado do mundo pela morte, senão que
há de ser preservado para que se arrependa.
Que os maus, enquanto vivem, possam emendar-se, isto não impede que
legitimamente possam ser levados à morte, porque "o perigo que ameaça a sociedade com
sua vida ê bem maior e mais certo 'que o bem que, de sua emenda, cabe esperar". Além do
mais, agrega o Santo Doutor, com profundo sentido cristão e não menor perspicácia
piscológica, aos condenados à pena capital se lhes oferece, no próprio artigo da morte,
oportunidade para converter-se a Deus mediante o arrependimento. Se a tal ponto
estiverem obstinados que, nem no transe da morte, seu coração se afasta da maldade, pode
presumir-se com bastante probabilidade que nunca se teriam afastado do mal.442 E como
remate de sua resposta a esta objeção, insere o Angélico uma disjuntiva teológicosociológica contundente: De alguma forma aproveita sempre a morte imposta pelo juiz ao
malfeitor: se se converte, para a expiação de sua culpa; e se não se converte, para
terminação dela, pois por este meio se lhes priva do poder pecar mais.443
5) Omitimos outras várias objeções de somenos importância e cuja solução é óbvia
para qualquer pessoa medianamente culta. Apenas duas palavras sobre uma que, embora
repetida com ênfase pela maioria dos abolicionistas, é tão inconsistente que o Angélico a
considera fútil e vã: não é lícita a pena de morte pois Deus ordenou no Êxodo:444 "Não
matarás", e no Novo Testamento445 se reitera o mesmo preceito. Logo, estando proibido o
homicídio no Decálogo, que é a declaração dos preceitos da lei natural, nenhuma
autoridade humana poderá licitamente pronunciar uma sentença de morte.
Esta razão, diz o Doutor Comum, é frívola e sem valor, porque a mesma lei que
proíbe matar seguidamente ordena: "Aquele que pecar com uma besta, seja punido de
morte. Não deixarás viver os que consultam os espíritos"446 etc, com o que se dá a entender
442
443
444
445
446
- c. Gent. III c. 146; 2-2 q. 64 a.2 ad 2.
- 2-2 q. 25 a.6 ad 2.
- XX, 13.
- Mat. V, 21.
- Êx. XXII, 18-19.
163
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
que a proibição se refere à morte injusta, e não simplesmente a qualquer classe de morte.
Em outros termos: proíbe-se no Decálogo o homicídio enquanto é coisa injusta, e, assim
entendido o preceito, contém a razão da justiça. Com efeito, não pode a lei humana
autorizar que licitamente se mate um homem inocente, mas tirar a vida aos malfeitores ou
inimigos da república isso não é injusto ou indevido. Por conseguinte não é contrário ao
preceito do Decálogo, nem tampouco tal morte é o homicídio que se proíbe no Quinto
Mandamento. Ademais, se o preceito fora assim absoluto, que nunca fosse lícito tirar a
vida a um homem, também não seria lícito matar em legítima defesa individual ou em
guerra justa defensiva, o que obviamente não se pode defender- Numa palavra: o "Não
matarás" é pura e simplesmente a proibição da morte injusta e dolosa.447
Apêndice III
VARIAÇÕES SOBRE A PENA DE MORTE*
Pe. Dr. Emílio Silva x
“Quem derramar o sangue humano, por mão de homem será derramado o seu;
porque o homem foi feito à imagem de Deus" (Gen. IX, 6). Com estas solenes e
* - Transcrevemos esta reportagem publicada em 1960 na REVISTA DE IDENTIFICAÇÃO ,E CIÊNCIAS
CONEXAS, de Belo Horizonte, de muito escassa difusão, que embora repita algumas, ideias, cuja reiteração,
aliás, é conveniente, focaliza o tema sob novos pontos de vista que sem dúvida contribuirão a reforçar nos
leitores a plena convicção da conveniência ,e necessidade do instituto da pena capital.
X
- O debatido tema da pena de morte tem no Keymo. Pe. Dr. EMÍLIO SÍLVA um seguro e brilhante
polemista. Situando-se no campo dos que defendem a aplicação, do castigo extremo, o autor do presente
artigo alinha argumentos que impressionam e mais. acaloram a interminável discussão sobre o momentoso
assunto. Doutor em Filosofia pela Academia Romana de Santo Tomás de Aquino, bacharel, em filosofia e
letras pela Universidade de Santiago de Compostela, professor em inúmeros cursos e estabelecimentos de
ensino de grau superior — entre eles a Faculdade de Ciências Jurídicas dó Rio de Janeiro è as Escolas e
Faculdade Integrantes -da Pontifica Universidade do Rio de Janeiro — autor de inumeráveis trabalhos de
incontestável valor, o Revmo. Pe. Dr. EMÍLIO SILVA, tornou-se titular de vasta erudição, em virtude da qual
seus pronunciamentos em escritos, conferências e entrevistas, aos jornais e nas estações de rádio e de
televisão são acompanhados com interesse pela opinião pública e analisados com respeito mesmo pelos
que discordam de suas ideias. Daí nosso convite — cordialmente atendido — a S. Revma. para que
expusesse em nossas páginas um resumo de seu pensamento sobre a pena capital.
164
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
gravíssimas palavras, proclamou o grande legislador Moisés, de uma parte, a reverência
que nos há de merecer sempre a: vida de nossos semelhantes, pois que à imagem de Deus
foram criados, e dê outra a tremenda punição.que sofrerão os que atentarem contra a vida
do próximo, vida por vida hão de pagar.
A pena capital é a medida mais grave e eficaz que um Estado pode tomar em sua
luta pela repressão da delinquência, sobretudo para a defesa do bem mais excelente que é a
vida dos cidadãos, sempre ameaçada por aqueles facínoras cuja ferocidade delata um
estado psíquico de absoluta insensibilidade humana.
Demóstenes, o grande orador e político grego, exortava seus concidadãos com
veementes palavras a extirparem os criminosos do meio da sociedade: "Ê necessário,
atenienses, que extermineis estas feras, que as arrojeis da cidade, tirai-as do meio, e não
aguardeis a experimentar o mal que vos possam fazer, antes precavei-o a tempo." Este
mesmo foi o pensar de todos os povos até os nossos tempos.
Em duro contraste com o unânime sentir dos filósofos e legisladores a respeito da
necessidade e legitimidade da pena capital na sociedade, surgiram nos dois últimos séculos
vários juristas e sociólogos contestando essa doutrina, os quais, se não lograram convencer
a muita gente, pois na realidade não alegaram mais do que razões sentimentais, sofismas e
afirmações gratuitas, entretanto lograram manter sempre sobre o tapete essa discussão.
Na verdade, dificilmente se achará outra questão jurídico-social que, de 1800 a esta
parte, suscite tanto interesse e mantenha tão perene atualidade como o problema da pena
capital. Isto, porém, não deve surpreender-nos se repararmos que, além do seu conteúdo
sentimental, derivado de sua própria natureza, é um problema de muitos dilatados
contornos e repercussões, problema simultaneamente filosófico, teológico, jurídico, social,
pedagógico e psicológico.
Com efeito. A pena capital, como em geral o direito de punir, encontra na filosofia
sua legitimação, que os filósofos amplamente fundamentam com rara unanimidade, pois
em tempo nenhum se achará um só filósofo original que não seja favorável à pena de
morte; o teólogo mostra a aprovação e coincidência da revelação e da ciência cristã com as
exigências da sociedade na repressão do crime; à técnica jurídica compete o
enquadramento dessa pena e das normas processuais adequadas no conjunto do
ordenamento jurídico da Nação, como garantia e meio eficaz da segurança individual e
coletiva; ao sociólogo e ao educador interessa esse problema pela sua íntima relação com a
salvaguarda da convivência social e pela influência que a sua existência ou a sua abolição
165
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
pode exercer na formação e educação do cidadão no que respeita à sua estimação dos
supremos valores da justiça e da vida humana; enfim, é deveras interessante para o
psicólogo o estudo dos fortes reflexos psíquicos que na vida emotiva se manifestam com
ocasião de graves crimes, quer num sentido, pela falta de adequada punição nos países
abolicionistas, quer em sentido oposto, onde tais delitos são severamente castigados com a
pena da própria vida. Cumpre que os sociólogos, psicólogos e educadores coadunem seus
esforços para a reta formação dos sentimentos e a guarda da hierarquia dos valores, e não
aconteça, como por desgraça é frequente, até em gente culta, uma inversão completa da
ordem dos valores, manifestando sentimentos de compaixão doentia pelo criminoso que
expia seus delitos com a justa punição (v. gr. no caso de Chessman) e permanecendo
indiferente ou quase insensível em presença do número elevadíssimo de inocentes (v. gr. a
pequena Tânia ou o casal da Rua Toneleiros) sacrificados pela ferocidade tolerada e não
reprimida dos facínoras.
Nas páginas que seguem trazemos à consideração dos leitores uma porção de
questões que, se não oferecem uma travação sistemática sobre o problema da pena capital,
todos eles focalizam diversos aspectos do mesmo.
AO ESTADO Ê LICITO CASTIGAR COM A PENA CAPITAL OS RÉUS DÊ DELITOS
GRAVÍSSIMOS
É dever da autoridade civil, conservar, fomentar e defender o bem comum dos
cidadãos e para o cumprimento deste dever, especialmente no que se refere à defesa do
maior bem do cidadão, que é a vida, necessita a autoridade, do poder coercitivo, inclusive
usar muitas vezes da pena de morte. Com efeito, a sociedade tem não apenas o direito e
sim o dever mais estrito de conservar-se no presente e contra os ataques futuros, logo
deverá usar dos meios eficazes, conducentes a esse fim necessário, que é a ordem social e
política; pois não poderá considerar-se ilícito aquilo que é absolutamente necessário para a
defesa da vida humana, política e tranquila, pois pára este fim criou Beús, a sociedade
política. Ora, não padece dúvida que para a obtenção deste fim é necessária á punição dos
perturbadores da ordem, que nos casos graves requer inclusive a pena de morte. Por isto
dizia um ilustre jurista clássico. (Lugo) que "todo Estado tinha seu ponto de apoio nestes
dois pólos ou quícios, prêmio e castigo; tirado este, prevaleceria o crime e as pessoas
honestas não poderiam viver... Por esta razão, acrescentava, pode a sociedade castigar até
166
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
os ladrões com à mesma pena de morte: quando esta se julgar necessária para reprimir a
insolência e audácia dos malfeitores".
A OPINIÃO DE SANTO TOMÁS
Santo Tomás de Aquino, a grande figura do pensamento medieval, defende, em
muitos lugares de suas obras, e com rigoroso raciocínio, a pena de morte. Na Suma
Teológica (2. 2. q. 64, art. 2) formula este argumento: "Todas as partes se ordenam ao todo,
como o imperfeito ao perfeito; e por isto cada uma das partes existe naturalmente, pelo
todo. Por isto vemos que se é conveniente à saúde de todo o corpo humano a amputação de
algum membro, por exemplo, porque está podre, ou pode infeccionar os outros membros,
faz-se e é louvável, esta amputação para a saúde de todo o corpo. Ora pois, toda pessoa
particular compara-se a toda a comunidade como a parte ao todo e, por conseguinte, se um
homem é perigoso para a sociedade, tende à sua destruição por algum pecado, louvável e
salutarmente se lhe tira a vida para a conservação do bem comum; porque, como diz São
Paulo, um pouco de fermento corrompe a massa toda." No artigo seguinte da mesma
questão, diz o doutor de Aquino estas palavras formais: "É lícito matar ao malfeitor,
quando isto se ordena à saúde de toda a comunidade." "Matá-lo, diz mais adiante, não por
própria autoridade, senão pela autoridade pública, por causa do bem comum." Na Suma
Contra Gentes, dando Santo Tomás nova forma ao raciocínio em favor da pena de morte,
assim se exprime: "O bem comum é melhor do que o bem particular de um só; por
conseguinte, é lícito privar alguém de um bem particular para conservar o bem comum.
Ora, a vida de alguns celerados impede o bem comum, que é a paz e concórdia da
sociedade humana; devem portanto, tais homens celerados ser pela morte eliminados da
sociedade humana."
Horrendo é o crime do homicida, porque o bem temporal maior do homem é a vida
do corpo, e o bem mais excelente e único da pessoa humana é a salvação da alma. Ora, o
homicida tira a vida temporal da vítima e deixa-a em gravíssimo risco de perder a eterna,
pois, de súbito, e sem tempo para se arrepender e preparar para a morte, a faz aparecer
diante do divino Juiz. Deve, pois, a autoridade suprema envidar todos os esforços para
evitar aos súditos tão grave mal; isto, porém em muitos casos, não o poderá lograr, quero
dizer, conter os criminosos, sem usar às vezes o castigo máximo da pena capital, porque
existem sempre malfeitores tão perigosos, tão inclinados ao crime e, às vezes, chefes e
indutores de outros criminosos, tão perversos e contumazes, que o Estado só poderá
167
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
garantir a segurança dos cidadãos pacíficos e manter a justiça e a ordem, eliminando
aqueles elementos perturbadores. "Nestes casos, diria o Aquinense, pode justamente e sem
pecado a suprema autoridade matar esses homens pestíferos, a fim de que se não altere a
paz da cidade."
Enfim, o autor da natureza outorga, sem dúvida, a cada ser, os meios que lhe são
necessários para poder alcançar o seu fim; isto o exige a providência santíssima do
Criador, a quem toca ordenar e dirigir convenientemente todas as coisas criadas a seus
peculiares fins. Ora, sem o direito de castigar com a pena de morte certos delitos
gravíssimos, não pode alcançar a sociedade seu fim próprio que consiste principalmente na
paz, segurança e tranquilidade dos cidadãos, que seriam transtornadas — é bem triste a
experiência que disto temos — logo que os celerados soubessem que por nenhum de seus
crimes, por grandes e atrozes que fossem, haviam de ser condenados à morte. Portanto, é
necessário admitir na autoridade suprema o direito de infligir a pena de morte, a fim de
cumprir com exação seus deveres para com a sociedade.
Todos os raciocínios anteriores, baseados principalmente na necessidade que tem a
sociedade política de possuir os meios adequados para a consecução do seu fim, podemos
resumi-los esquematicamente num raciocínio assim formulado: O Estado tem todos os
direitos de que necessita para a defesa do bem comum; ora, a aplicação da pena de morte é
necessária para o bem comum logo a autoridade suprema possui sem dúvida o direito de
infligir a pena de morte,
É verdade que alguns tratadistas negam a premissa menor deste raciocínio, dizendo
não ser necessária a aplicação dessa pena por parte da sociedade para defender com
eficácia o bem comum; pois os criminosos são suficientemente reprimidos por certos
meios, como a prisão perpétua etc, sem recorrer à pena capital. Isto não passa de afirmação
gratuita, que a razão e a experiência cotidiana desmentem.
OS QUE PENSAM E OS QUE OPINAM
É bem verdade que o comum dos homens tem opiniões: são, porém, muito poucos
os que pensam. Ter opiniões é muito fácil e ao alcance de todos; não requer estudos,
cultura, preparação nenhuma é suficiente prestar adesão a qualquer ideia lida em jornal ou
revista, ou agitada em qualquer roda de amigos.
Já não sucede o mesmo em se tratando de pensar, isto é, de discorrer por conta
própria e de dar uma base racional às nossas opiniões.
168
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Para isto, além de talento e preparação adequada, faz-se necessário estudar, raciocinar,
comparar, criticar e, sobretudo, refletir, até poder elaborar um corpo de doutrina na base de
sólidas razões.
A experiência cotidiana ilustra-nos sobre o assunto.
Surgindo na conversa e ainda, às vezes, na imprensa e no rádio, ou na tribuna, um
tema em discussão sobre política, religião, direito, economia etc, raras são as pessoas que
se abstêm de dar seu palpite; todas têm opinião. Quantas são, porém, as conhecedoras do
assunto e que estão em condições de emitir um parecer fundado?
Lembro, a este propósito, uma anedota muito ilustrativa, que li há vários anos:
viajava pela Alemanha um jornalista espanhol. Tendo feito amizade com vários membros
de um clube literário cervantista, foi por eles convidado, no aniversário de Cervantes, para
assistir a um jantar em homenagem ao Príncipe das Letras universais. Chegada a
sobremesa, é o próprio jornalista que o refere, o presidente da festa diz: "Agora, cada um
brinde pela façanha de Dom Quixote que considera mais bela." Aqui os meus apuros; Eu,
senhores, o único espanhol presente, era também o único que jamais lera o Dom Quixote.
Que fazer? Escutei os companheiros discorrerem com entusiasmo, expondo cada um o
episódio que julgava mais interessante. Quando me tocou a vez de falar, disse: "Adiro ao
parecer de fulano — um dos que com mais brilhantismo me precederam -— é escusado
repetir-vos o relato da façanha, que com tão vivas cores o amigo nos referiu." E assim,
conclui, com este expediente e sem que ninguém desse pela coisa, saí daquele aperto.
Eis aí um caso bem típico do que vimos dizendo: o jornalista não lera nunca o
Quixote, nem muito menos estudara e comparara, com a de outras, a intrínseca beleza de
suas páginas; entretanto, emite sua opinião como cada um dos sisudos cervantistas
germânicos.
OPINIÕES SOBRE A PENA DE MORTE
Se sobre qualquer problema religioso ou político surgem logo as opiniões fáceis do
povo ignaro nestas matérias, com mais facilidade e frequência se dá o mesmo fenômeno
quando vem á baila o tema da pena de morte, É esta uma daquelas questões de índole
jurídica, religiosa e social, sobre a qual contadas podem ser as pessoas que se abstenham
de dar seu parecer, apesar de ela encerrar um problema de extrema complexidade.
Claro está que esta complexidade é já fruto das discussões, sofismas e
sentímentalísmos, postos em jogo com grande aparato e habilidade, por uma minoria de
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
abolicionistas. Com efeito, a legitimidade e conveniência da pena capital nos delitos
gravíssimos brilha com tanta clareza nas inteligências humanas, quando espontaneamente
discorrem, que essa punição esteve vigente em todos os tempos e lugares até há pouco e
ainda agora subsiste nas nove décimas partes do globo. Os próprios abolicionistas se traem,
quando emitem no caso um juízo espontâneo: um advogado discutia comigo sobre a pena
de morte, durante um almoço, de súbito, alguém lhe pergunta: que faria você, se um
malvado estuprasse uma filhinha de oito anos? "Matá-lo-ia", respondeu incontinenti.
Observando, porém, o estupor dos presentes, pela sua incoerência, — "Sim, porque nesse
caso o merecia." Eis, incoercível, o juízo espontâneo da razão natural, não deturpado por
superestruturas de propaganda ideológica. O mesmo se diga daquele abolicionista ferrenho
que, entrando em casa, vê dela sair o assassino que acaba de enforcar o pai para roubá-lo.
Sai atrás dele, alcança-o e dá-lhe morte na mesma hora.
Nestes casos é, sem dúvida, errado, fazer justiça pelas próprias mãos, pois pode isso
levar a verdadeiras arbitrariedades e injustiças, além de assumir certo caráter de vingança.
O que, porém, não se pode negar em tais casos, é a justiça do juízo prático, que leva a
considerar réu de morte a quem o foi de gravíssimos delitos. Este juízo brilha com
claridade meridiana em toda mente humana, derivando da ideia de justiça, que é intrínseca
à lei moral.
Fora do caso desse juízo espontâneo sobre a licitude da pena capital, que, tendo sua
base na lei natural, é comum a todos os povos, surgem em nossa época numerosas pessoas
que opinam contra esta pena, alegando as mais diversas razões.
DOIS MODOS DE OPINAR
Em dois grupos podemos classificar as pessoas que, sem terem feito um estudo
particular do problema, dão seu parecer contrário e que, para nosso caso, chamamos de
simples opinantes. O primeiro é constituído por todos aqueles que repetem apenas alguns
dos falsos argumentos ou afirmações gratuitas de qualquer abolicionista. O segundo grupo,
mais numeroso, é o daqueles que, vítimas de um sentimentalismo às avessas, julgam
pensar e discorrer sobre o assunto, quando outra coisa não fazem senão dar ênfase ao seu
sentimento, apoiando-o talvez em qualquer razão vulgar.
A razão de acharmos com frequência pessoas cuja opinião é contrária à pena
capital, é simples: Os abolicionistas, manhosamente, difundiram uns quantos tópicos e
frases especiais que, no vtílgo que não pensa nem estuda as questões, produzem a mais
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
forte impressão. As mais comuns dessas frases são do seguinte teor: a pena de morte não
resolve coisa nenhuma; nenhum homem tem direito de tirar a vida de outrem; a pena
capital é bárbara e anti-humana; o erro judiciário deve proscrever a pena capital; tirar a
vida ao malfeitor é impedi-lo de se regenerar; o Estado não educa, tampouco deve eliminar
o degenerado; a pena de morte não diminui a criminalidade; etc. etc. . .
Estas, e outras muitas afirmações análogas, foram já mil vezes respondidas e
pulverizadas, não passando todas elas de asserções gratuitas, falácias e sofismas;
entretanto, o homem do povo que não tem estudos sobre a matéria e carece com frequência
também de capacidade para julgar em problemas tão complexos, não examina ditas
expressões, de cujo exame deduziria o nenhum valor delas; em tais condições, porém,
deixa-se impressionar e aumenta, assim, o número dos que opinam contra a pena de morte.
OS QUE SENTEM JULGANDO QUE PENSAM
É mais frequente, porém, e às vezes pitoresco, o caso daqueles que, imbuídos de
puro sentimento, julgam que pensam, quando somente sentem, e, assim, com segurança,
opinam sobre o que ignoram.
Em certa ocasião, quando me achava conversando com um professor sobre a
guerra, o faxineiro do colégio, rapaz absolutamente analfabeto, interferiu, de súbito,
dizendo: "Não gosto nada desses americanos; é gente que não presta." Nós, surpreendidos,
interrogamo-lo: Por que não gosta dos americanos? "Não sei, respondeu, porém tenho
muita antipatia por eles."
Eis, refletido nesse caso, o vulgo que opina, ignorando porém as possíveis razões
de sua opinião. Ouvindo apenas a voz do sentimento, da simpatia ou da antipatia, julga-se
em condições de falar com ares de convicção.
Em se tratando de tema tão carregado de elementos humanos como é o da pena
capital, são legião os que, não só entre o vulgo, mas, ainda mesmo entre pessoas com
diplomas superiores e até padres, ouvem só a voz do sentimento e não a da inteligência,
para emitir sua opinião nó caso.
É claro que não é o mesmo ter conhecimentos de medicina, dominar a técnica da
fuga ou do contraponto musical, ou ser bom exegeta da Bíblia, e possuir uma cultura
jurídica e social que possibilite a formação de opiniões sérias sobre esta matéria.
Balmes, em sua imortal higiene da alma que ele intitulou EL CRITÉRIO (cap. XIX,
5), deixou-nos uma pintura do homem sentimental: "Anselmo, jovem aficionado ai estúdio,
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
acaba de leer um elocuente discurso en contra de la pena de muerte: Lo irreparable de la
condenación dei inocente, lo repugnante y horroroso dei suplicio, aun cuando lo sufra el
verdadeiro culpable; la inutilidad de tal castigo para extirpar ni disminuir el crimen, todo
está pintado com vivos colores, con pinceladas magnificas; todo realzado con
descripciones patéticas, con anécdotas que hacen estremecer. El joven está profundamente
conmovido, imaginase que medita y no hace más que sentir; cre ser un filósofo que juzga,
cuando no es más que un hombre que se compadece... Pêro he aqui que el joven habla
sobre El particular con un magistrado de profundo saber y dilatada experiência, quien
opina que la abolición de la pena de muerte es una ilusión irrealizable. Desenvuelve en
primer lugar los princípios de justicia em que se funda, pinta, con vivos colores las fatales
consecuencias que resultarian de semejante medida, retrata a los hombre desalmados,
burlándose de toda otra pena que no sea el último suplicio, recuerda las obligaciones de la
sociedad en la protección dei débil y dei inocente... el corazón dei joven experimenta
impresiones nuevas; uma santa indignación levanta su pecho, el ceio de la justicia le
inflama; su alma sensible se identifica y eleva con la dei magistrado..."
OS SENTIMENTAIS TÊM A PALAVRA
Dentre várias notas e entrevistas de jornais dos últimos meses, respigamos algumas
como exemplo. "Sempre fui contra a pena de morte. Francamente contra. Terrivelmente
contra." Assim começa alguém. E outrem: "Professo o mais profundo e sacrossanto horror
à ideia da pena de morte... Acho odiento, acho odioso defendê-la." Como se vê, são juízos
afetivos, emocionais, puro sentimento. Não procureis arrazoados, que estão ausentes. Em
tudo o mais a repetição dalguns tópicos vulgares e nova ênfase sobre a atitude subjetiva do
entrevistado ou escritor como se as reações sentimentais dele suprissem para os demais o
raciocínio sereno.
Outra pessoa de marcada significação religiosa em nosso meio, afirma:
"Vã e odiosa se torna a pena de morte", e crê que "os católicos não podem deixar de
lamentai a morte de Chessman". Mas, por que isto? Pois simplesmente porque "se tornara
uma pessoa simpática". Notem-se os conceitos: pena odiosa: Chessman pessoa simpática.
Em suma, apreciações valorativas, sempre dentro da ordem sentimental; ausência de
razões. Submetamos ainda a um exame mais particular essas expressões para que se veja
com que facilidade às vezes, pessoas de quem tínhamos direito de exigir mais ponderação
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
e precisão nos conceitos, em matérias que atingem a própria teologia, se lançam a opinar,
em detrimento da verdadeira doutrina.
Odiosa ou cruel a pena capital? Digamos que é um castigo doloroso, extremamente
severo, de acordo, não porém, punição odiosa. Esta palavra significa algo que é execrável,
detestável, que inspira aversão. Considerando, porém, que toda a odiosidade de uma ação
recai sobre o autor dela, logicamente se infere que, se a pena capital fosse odiosa, todos os
seus patrocinadores, Moisés, Nosso Senhor Jesus Cristo, São Paulo, os santos Padres, e
doutores, Igreja Católica, com todos os seus teólogos e canonistas, os maiores filósofos e
sociólogos do mundo, todos seriam execráveis, merecedores da aversão das pessoas
honestas, pois seriam defensores de algo digno de ódio e execração. O cirurgião que
extirpa um membro gangrenado pratica uma ação dolorosa e dura, não cruel nem odiosa; e
o mesmo se diga do pai que reprime com severa punição o desregramento do filho: ele
ama-o, não o odeia. Talvez aos meros opinantes, pareça esta uma questão de somenos
importância. Não o julgo eu assim, pois certas palavras e expressões já emergem pletóricas
de sentido valorativo e, como neste caso, inevitavelmente negativo. Por conseguinte, seu
uso prejulga o problema antes de toda discussão. Se, pois, não diz bem em que se limita a
opinar, de modo nenhum é tolerável na pena de quem deve pensar antes de escrever.
A INFLUÊNCIA DO EMOCIONAL NO CASO CHESSMAN
"Chessman tornou-se uma figura simpática." Por que isto? Será, talvez, por se haver
regenerado? Não, pois ainda dois meses antes da morte lhe fora denegado o indulto na base
de não haver o malfeitor dado nenhum sinal de arrependimento» e o próprio autor da frase
citada reconhece isto lamentando que não se tivesse "pensado, diz, na possibilidade de
recuperar Chessman pelos modernos processos da medicina".
Então, a que atribuir essa súbita e encantadora simpatia pelo "bandido da luz
vermelha?" Dizíamos no começo destas linhas que opinar era sumamente fácil, bastava
aderir, sem mais exame, à última ideia lida num jornal ou revista. Ora, de alguns anos a
esta parte houve quatro pessoas sentenciadas à última pena que inspiraram amplos
movimentos de compaixão no mundo: Hauptmann, o raptor do filho de Lindenberg, os
esposos Rosemberg, convictos de espionagem, e o bandido Chessman. Dá-se, porém, a
coincidência de que todos quatro eram ísraelistas e que tinham em seu favor uma imensa,
colossal máquina de propaganda. É verdade que na Nova Lei já não há, como diz o
Apóstolo, judeu ou gentio, pois todos fomos remidos por Cristo e por conseguinte a mesma
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
compaixão nos merecem todos os que sofrem, sejam judeus ou não; mas pelo mesmo
motivo merece igual repulsa o criminoso, seja gentio ou judeu.
Além disto também, neste caso o entrevistado no jornal confundiu com certeza a
compaixão com a simpatia (etimologicamente análogo). Eu tenho compaixão do traidor
Judas e do mau Ladrão impenitente, não tendo, entretanto, a mínima simpatia por ele. Sinto
e me compadeço da triste situação de Chessman com seu orgulho e dureza que o mantêm
na incorrigibilidade, e por ele rezo para que Deus lhe mova o coração; não sinto, porém, a
menor simpatia por tal bandido. E fácil compreender que, se alguns dos opinantes tivessem
primeiro analisado as circunstâncias e pensado antes de escrever, teriam chegado a estas
mesmas conclusões.
HISTERISMO EM LUGAR DE PENSAMENTO SERENO
Numa palavra: sobre a pena capital há muitos que opinam e são poucos os que
pensam. Os que opinam são levados, na maioria das vezes, por puro sentimento. Certa
escritora à qual pertence uma das frases transcritas, falando da pena de morte, há pouco
tempo, num grande vespertino do Rio de Janeiro, exprime-se em linguagem tão veemente,
feroz e apaixonada, que suas frases em vez de traduzirem uma convicção razoada mais
parecem gritinhos histéricos, pois ela mesma confessa que nesta questão é "parcial e
neurótica"; acha "odiento; odioso defender a pena de morte", e não compreende e lamenta
que um católico a defenda. Mais lamento eu um sentimento tão às avessas e fora de lugar e
não compreendo como um coração feminino pode sentir esse horror pela morte de um
facínora e permaneça insensível perante o assassinato de inúmeros inocentes. Ela não
compreende, mas outros sim, o compreendemos, que na Inglaterra se sacrifique uma dúzia
de delinquentes cada ano em troca de terem a média de homicídios das mais baixas do
mundo; que na Espanha se leve à morte um ou dois criminosos cada ano e em
consequência disto desfrute atualmente do mais baixo índice de criminalidade entre todas
as nações. (Isto se escreveu em 1960. Hoje, abolida na Constituição a pena de morte, a
criminalidade na Espanha cresce assustadoramente.)
Repito, neste, como noutros problemas, não nos limitemos a opinar.
Estudemos, examinemos e pensemos a fim de que nossas afirmações se acerquem
mais da verdade das coisas.
AS OBJEÇÕES DO PROF. NILO PEREIRA
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
De regresso de minha excursão à bela cidade do Recife, na qual a 10-1-60 mantive
um programa radiofônico, "Encontro Marcado", recebo, enviadas por um amigo, algumas
"Notas Avulsas" do JORNAL DO COMÉRCIO, assinadas por N.P. (Nilo Pereira, Prof. da
Faculdade de Filosofia, segundo me informam) intentando refutar alguns extremos da
nossa transmissão radiofônica.
Nilo Pereira dá uma interpretação inexata e fantástica de nossa referência às
palavras de Cristo a Pilatos. Como aclaração, seja suficiente repetir o caso: Interrogado
Jesus pelo Governador, nada responde. Pilatos, desgostoso, interpela-o: "Não me
respondes? Ignoras que tenho poder de libertar-te ou de dar-te morte na cruz? RespondeIhe Jesus: Não terias poder algum sobre mim se não te fora dado do alto" (Jo. 19,10-11).
Com estas palavras, Jesus, ao mesmo tempo que confirma aquele poder de vida ou morte
na Autoridade suprema, derivando-o do mesmo Deus, admoesta o Governador sobre o uso
desse poder, pois dele há de dar conta a Deus que lho outorgou; bem assim como acontece
nos indivíduos com a liberdade; mesmo usando dela mal e ainda contra o próprio Deus,
nem por isso deixa de ser certo que foi Deus que a deu ao homem. Tudo mais que o
objetante diz sobre o assunto deriva de suas ideias um tanto confusas sobre a origem do
poder na sociedade, e que aqui não é o lugar de esclarecer.
A IGREJA CATÓLICA E A PENA DE MORTE
Censura com acrimônia e acha muito estranho Nilo Pereira que, sendo o
Cristianismo a religião do amor, um sacerdote católico defenda a pena capital para os
criminosos, pois ele só deseja ver "a Igreja Católica à frente dos movimentos humanos e
cristãos, clemente, perdoando e convertendo" e ao padre dedicado "às obras sociais", por
isso lamenta que o padre se entregue a uma causa que ele julga contrária à caridade e que
"expõe a Igreja". Agradeço, mas nem por isso aceito as admoestações do ilustre professor,
nesta oportunidade, pois suas lamentações estão no caso muito fora de lugar, como vamos
demonstrar.
Na verdade, mesmo como sacerdote, sinto-me à vontade na posição de defensor da
pena capital pois que a meu lado formam todos os grandes sábios e filósofos que no mundo
foram, e vindo ao Cristianismo, ensinaram a liceidade e justiça da pena de morte, a
começar por São Paulo, todos os santos Padres e Doutores da Igreja, todos os teólogos,
todos os canonistas, é doutrina contida no magistério ordinário da Igreja, exercido pelos
Papas no decorrer dos séculos, até o grande Pontífice da Paz, o saudoso Pio XII que, em
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
suas alocuções, ao menos nove vezes se referiu com aprovação à pena de morte (Ver:
Leme Lopes em VERBUM, setembro de 1957) e manifestou-se favorável à sua restauração
na Itália; mais ainda, no Estado do Vaticano manteve a pena capital estabelecida pelos
tratados de Latrão, que, assinados por PIO XI, tinham sido redigidos principalmente pelo
próprio Pio XII, ao tempo, Cardeal Pacelli. Essa pena, no Vaticano, é mantida também
pelo atual Pontífice, João XXIII. Repito, pois, que não me sinto mal ao lado de tão crescido
número de santos, sábios e Papas e não pretendo dar-lhes lições de amor e mansidão, antes
desejo aprender deles a verdade cristalina que de seus ensinamentos se desprende.
OS ABOLICIONISTAS CONTRARIAM A TRADIÇÃO UNIVERSAL DOS POVOS
Uma coisa todavia quero destacar e é a coragem de Nilo Pereira e de outros, de
enfrentarem o peso formidável e esmagador de tão veneranda.tradição e ensinamentos para
aderirem às declamações sentimentais do medíocre Beccaria, exaltado e glorificado por
Voltaire e os voltaireanos, que foram os que deram vigência às doutrinas abolicionistas da
pena capital. Esta coragem, porém, tem sua explicação: o desconhecimento desta tradição e
do ensino perene da Santa Igreja nesta matéria. Com efeito: qualquer teologia moral ou
catecismo explicado que consultassem, os teria esclarecido, pois não se achará um só que
ao explicar o V Mandamento, "não matarás", não declare explicitamente que é justa e lícita
a morte infligida ao criminoso condenado pela autoridade legítima. Baste ao nosso intento
citar só um teólogo atual e muito autorizado, o Pe. Royo, dominicano, que em sua
recentíssima TEOLOGIA MORAL PARA SEGLARES (1,124-135), bem difundida já no
Brasil, resume a doutrina católica na seguinte proposição: "Por direito natural — isto é,
pelo poder recebido de Deus através da lei natural — e sempre que o requerer o bem
comum, pode a autoridade pública impor a pena de morte aos malfeitores réus de
gravíssimos crimes." Este é o ideal de justiça cristão e não o humanitarismo ou
sentimentalismo desorientado que induz a derramar lágrimas pelo assassino castigado e
permanece insensível perante os inúmeros cidadãos inocentes, mortos pelos criminosos.
GRAVE CONFUSÃO DOS ABOLICIONISTAS DA PENA DE MORTE
O que acontece a muitos abolicionistas da pena capital é que misturam tristemente a
ordem da justiça com a ordem da caridade, não advertindo que, se as não distinguirmos, se
a justiça for absorvida pela caridade, não só a pena capital mas pena nenhuma poderia
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
ser imposta. Com efeito, toda pena conota alguma espécie de sofrimento — malum
passionis quod inflitur ob malum actionis, segundo a clássica definição da pena, dada por
Grocio —, por conseguinte, prescrevendo a ordem da caridade não fazer mal a ninguém, se
identificarmos a justiça e a caridade nunca poderíamos licitamente infligir um castigo, pois
sempre levaria consigo um mal de sofrimento. Isto, como se vê, é absurdo. Teríamos nesta
hipótese que suprimir juízes, tribunais, polícia, prisões e quanto pertence ao poder
judiciário, numa palavra, seria o regresso à selva.
O Prof. Nilo Pereira, vítima também desta confusão, pergunta qual seria a atitude
do Padre Emílio se, na hipótese de ser Governador da Califórnia, tivesse também, como
sacerdote, absolvido a Chessman? A resposta é sumamente fácil e óbvia: distinguiria,
como sempre a Igreja distinguiu, a ordem moral da ordem jurídica, o pecado do delito, o
foro interno, espiritual, do foro externo e civil. A Igreja prescreve nos países católicos a
assistência espiritual aos condenados à última pena. O sacerdote está presente à execução
do réu, mas, previamente, quando este está disposto, o absolve dos pecados e o dispõe para
bem morrer; feito isto, deixa de agir a justiça humana no castigo das delitos. Bem assim
procede também a Igreja na legislação penal canônica. O católico réu de heresia, estupro,
bigamia ou qualquer outro grave delito, pode, estando arrependido, receber imediatamente
de qualquer sacerdote a absolvição do pecado no foro interno; entretanto, isso não impede
a ação da justiça eclesiástica, que prosseguirá a ação até punir o delito com a pena
correspondente.
Com respeito à suposta intervenção dos papas contra a pena capital, nada temos a
responder, visto como se trata de um fato inteiramente falso. Há pouco tempo o
OSSERVATORE ROMANO — e não o Papa João XXIII — referiu-se desfavoravelmente,
e com justa razão, às absurdas normas processuais da Califórnia, no caso de Chessman,
retido entre a vida e a morte durante 11 anos. Isto, porém, nada tem a ver com a pena
capital em si.
Nosso opositor sente-se preocupado pelo acréscimo de poder que, na sua opinião, o
instituto da pena de morte daria ao Estado. Parece-me haver nisto uma nova confusão: o
julgamento dos malfeitores é função do poder judiciário que, na maioria dos estados
modernos, independe, em seu exercício, do poder público. Nada tem a ver o regime
político cem a pena de morte; e a prova evidente disto está no fato de que ela existiu em
todos os tempos e com todos os regimes que a história política registra. Hoje ela está
vigente nos países de regime mais despótico e tirânico, como a Rússia e várias nações
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
asiáticas, e nos países mais livres e civilizados, como Inglaterra, França,. Espanha, Suíça,
Estados Unidos etc.
A CAUSA DA PENA DE MORTE É A CAUSA DA INOCÊNCIA E DA PAZ
O Prof. Nilo Pereira não julga a pena capital causa digna de ser defendida por um
sacerdote, que, segundo ele deveria ocupasse em abras sociais. Com todo respeito,
divergimos de sua opinião... Ele, sem dúvida, julga de somenos valor a redução vertical da
alta criminalidade que sempre ocorre quando a pena de morte é eficaz e infalivelmente
aplicada, sem contemplações, a todos que a merecem. Entretanto, nós julgamos do maior
interesse social a implantação de uma lei que viria trazer a paz, tranquilidade e segurança
individuais a todo o povo honesto e que reduziria à mínima expressão o número dos
grandes crimes — comparem-se os 500 homicídios no Brasil por cada um na Inglaterra,
onde vige a pena capital! Fosse só a morte de um inocente que com tal pena evitássemos, e
estaria plenamente justificada a sua implantação, quanto mais que, em vez de um, seria a
vida de milhares de cidadãos pacíficos que salvaríamos das mãos dos malfeitores. Que isto
julgue de nenhum valor o Prof. Nilo Pereira, não lho discutiremos, apenas seguiremos
pensando que é nobre e digna a causa que defendemos, pois que sempre será mais
merecedora de defesa a inocência inerme que a maldade armada e facinorosa, a menos que
invertamos a hierarquia de valores e a ordem dos sentimentos humanos.
TÓPICO CONTRA "TÓPICOS"
Duas mortes abalaram profundamente a opinião pública nos meses passados: a
execução, nos Estados Unidos, de um famoso bandido, Chessman, que, múltiplas vezes
reincidente, incorrigível, impenitente e ateu, foi levado ao patíbulo por legítima sentença
judicial, de acordo com as leis daquele país, sentença, aliás, homologada unanimemente
pelos tribunais em três apelações sucessivas; e a morte, no Rio de Janeiro, de uma inocente
criatura, Tânia, que, tirada ardilosamente por Neide Maia Lopes do colégio onde se
educava, teve seu crânio atravessado por uma bala e seu corpinho, ainda vivo, borrifado de
gasolina e queimado.
Não faltaram os que, por uma e outra morte, derramassem lágrimas; o mais
paradoxal do caso, porém, é que muitos, que por serem contrários à pena capital, choraram
a morte de Chessman, agora acham que a assassina de Tânia só com a morte poderia pagar
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
seu crime, porque — dizem —, neste caso trata-se de um crime horrendo. Ora, pois, não é
isto o que defendemos os partidários da pena de morte? Não pleiteamos, certamente, a
execução de um ladrão de galinha ou de quem, irritado por um insulto, descarrega um
bofetão em seu vizinho; não, a pena capital é punição reservada para os mais graves e
hediondos delitos,, como são, sem dúvida, os homicídios intencionais e premeditados.
Sob a impressão deste contraste de opiniões resolvi dar esclarecimento sobre o
assunto e responder ao autor de "Tópicos", que no semanário "A Cruz" combateu a pena de
morte e nos mencionou como defensor da mesma.
Quero, outrossim, aproveitar o ensejo para dar resposta a J. A. de Oliveira Netto
que, também no mencionado semanário, escreveu outro comentário no mesmo sentido.
A MORTE DE CHESSMAN E A JUSTIÇA NORTE-AMERICANA
Tanto o autor de "Tópicos" como Oliveira Netto revoltam-se contra a justiça norteamericana pela execução de Chessman, chegando, o primeiro, a comparar o Governador de
Califórnia a Pilatos! Não repara na absoluta incongruência da comparação pela disparidade
que reina no caso, pois, enquanto Pilatos, que diz ter poderes "para crucificar ou para
soltar" Jesus, condena-o à morte, declarando-o, na mesma hora, inocente, o Governador
Brow acha-se em presença de um bandido de cuja culpabilidade e incorrigibilidade não
tem a menor dúvida e, mesmo assim, por ser contrário à pena de morte, deseja indultá-lo, o
que não faz porque isso ultrapassaria seus legítimos poderes. Numa palavra: Pilatos, contra
toda a lei, leva à morte um inocente, ao passo que Brow, para não quebrantar a lei nem
ultrapassá-la, denega o indulto e deixa que o delinquente seja punido.
Com incontida veemência frisa o autor de "Tópicos" a inflexibilidade da lei penal
norte-americana: "A lei — diz — havia de ser cumprida. Para o povo americano a justiça
está acima dos sentimentos humanos." Exato, e assim deve ser. Curioso! Isso mesmo que o
autor de "Tópicos" censura na justiça ianque e a condição que o grande Pontífice Pio XII,
interpretando nisto toda a tradição do direito e filosofia cristã, exigia para que a justiça
fosse perfeita. Mais de uma vez afirmou que a caridade que não se alicerça na justiça não é
verdadeira caridade, e sim puro sentimentalismo que, longe de ser virtude, é defeito e
morbosidade. O lema de Pio XII era "opus justiae pax". A paz verdadeira há de se
fundamentar na justiça, que "está acima dos sentimentos humanos" e que, por causa destes
sentimentos, não deixa incumprida sua missão e impunes os delitos.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
A SUPOSTA INTERVENÇÃO DO PAPA
Por sua vez Oliveira Netto foi, sem dúvida, vítima da hábil propaganda feita pelos
abolicionistas, por ocasião da condenação de Chessman. Ele não duvida que o Papa "se
manifestou contra a execução de Chessman... depois de profunda análise, reflexões
equilibradas e lógicas", e augura feros males aos Estados Unidos porque "não ouviram o
Papa. Executaram Chessman".
Como é diferente a realidade dos fatos e a verdade...! Os abolicionistas envidaram
todos os esforços para obterem do Sumo Pontífice uma palavra qualquer em favor de
Chessman; como não a conseguiram, para ocultar seu fracasso disseram a uma agência
jornalística que uma personalidade do Vaticano teria declarado que o Papa rogava por
Chessman. Ora! O Papa roga por Chessman e roga por todos.
Como isto, pois, nada significava para o caso, alguns jornais, sem respeito à
verdade, incharam a notícia da prece papal, dizendo que o próprio Papa tinha feito uma
declaração em favor de Chessman; e com tanta imaginação quanta falta de honestidade,
reintegraram o Conde Delia Torre na direção do "Osservatore Romano", que deixara havia
dois meses, forjando um artigo que, como Diretor, teria escrito no dia da execução de
Chessman. Eis os fatos e não essas balelas de supostas declarações de Pio XII e de João
XXIII contra as execuções do casal Rosemberg e de Chessman. Como poderiam estes
papas manifestar-se contra a pena capital, se foi precisamente Pio XII quem reiteradamente
se declarou a seu favor e esperava sua restauração na Itália e ele mesmo a estabeleceu no
Estado do Vaticano? E João XXIII, não mantém ainda essa pena no Vaticano?
Vamos fazer de tão insignes Pontífices pessoas tão esquecidas e tão incoerentes
que, com o barulho da propaganda abolicionista, esquecem ou negam a doutrina tradicional
da Santa Igreja, por eles ensinada e aplicada? Nesta grave irreverência incorrem alguns
católicos, ou por ignorância do catecismo ou por se apegarem com teimosia à sua opinião
contra o sentir da Igreja em todos os tempos. Entretanto, nada mais formoso e aconselhável
para um católico, que render, seu juízo particular, quando suas opiniões vão de encontro. às
doutrinas da Igreja!
A GLORIFICAÇÃO DOS CRIMINOSOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Como esses comentários surgiram por ocasião da execução de Chessman, seja-me
permitido acrescentar ainda uma pequena consideração: Em presença de fatos como esse, a
180
Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
atitude do cristão há de ser sempre a de compaixão — não impunidade — para com o
delinquente, e de condenação dos seus crimes; pensamento formulado em frase lapidar
pela grande filósofa e penalista Conceição Arenal: "Odia ai delito y compadece ai
delinquente". Em vez disto, que vi mos no caso em tela? Que triste espetáculo, que penosa
impressão produzia, não apenas a imprensa em geral, mas sobretudo a atitude de alguns
escritores juristas, cujos nomes preferimos não mencionar! Achincalharam a dignidade da
justiça e glorificaram a Chessman. Má era a justiça da Califórnia, que puniu o bandido;
bom era Chessman, sábio, recuperado, inocente! Meu Deus! Que completa inversão de
valores! Veja o leitor algumas amostras, tomadas ao acaso, da abundante literatura
jornalística em torno da morte do bandido da prisão de São Quentin: "Monstruosa
execução", "ato de brutalidade digna dos bárbaros brancos da África do Sul"; "a criminosa
execução de Chessman", que foi "mártir" e "inocente"; "morreu — dizia um jornal com
enormes títulos — com o sorriso nos lábios" etc. Só faltou dizer que, como o protomártir
Santo Estevão, viu "os céus abertos e o filho do homem à direita de Deus"!...
Por favor, senhores. O de que necessitamos, como meio a tantos crimes, que em
roda de nós se cometem cada dia, não é glorificar os facínoras senão criar um ambiente de
profunda repulsa, da mais completa e absoluta reprovação da delinquência.
Vejam logo as consequências de tão incauta, ou melhor, suicida atitude social como
a assumida pela imprensa perante o caso Chessman: Neide, a assassina da inocente Tânia,
lia e anotava relatos de crimes, gostava de exibir-se para a imprensa e posar para os
fotógrafos, sonhando com aparecer nos jornais, famosa e exaltada, como Chessman. Já
prevejo com melancolia, que, daqui a pouco será esquecido o horrendo assassinato da
pequena Tânia, porque a "justiça criminosa e brutal" terá condenado a alguns meses de
retenção à "inocente" e "mártir" Neide!
O DUPLO HOMICÍDIO DA RUA TONELEIROS
Nestes mesmos dias tivemos nova experiência sobre os funestos efeitos da
campanha jornalística e dos próprios livros escritos por Chessman. No dia 9 de outubro,
por volta das cinco e meia da tarde, três jovens: Heraldo Martins de Oliveira, de 20 anos, e
os irmãos Luís e Pedro Apicelo, de 21 e 19 anos, respectivamente, assaltaram, na Rua
Toneleiros n.° 152, de Copacabana, a residência do engenheiro Dr. Mário Soares Pereira a
quem, junto com a esposa, — ambos já ultrapassando os 70 anos — trucidaram com
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inauditos requintes de ferocidade, pois, segundo confissão de um deles, Luís, "matamos os
velhos com fúria do diabo".
Após três dias foram descobertos pela polícia e capturados os três malfeitores que,
cinicamente, confessaram com todos os pormenores o crime realizado. E aqui vem o que
dizíamos da nefasta influência do caso Chessman, que nas suas declarações à polícia
deixam transluzir os réus. Luís esboça em esquema aquela chapa tão difundida de
Chessman, segundo a qual, premido desde a infância pela necessidade, e socialmente
desamparado, derivou para a vida de criminoso. Também ele, Luís, levou o mesmo
caminho: "Quero que vocês compreendam por que pratiquei este crime; Foi a necessidade.
Foi a fome. Empreguei-me desde os 11 anos, trabalhei em diversos lugares, fiz mal a
Genecy — a mulher com quem vive —, nasceu meu filho e eu queria dar conforto ao meu
filho." E seu irmão, Pedro, completa o quadro com o pensamento de ser outro Chessman
pelo mundo, nas páginas dos jornais; pergunta a um repórter que presencia seu
depoimento: "Vai escrever um romance muito grande disso tudo?"
Se a atitude destes jovens é revoltante, não o é menos a de alguns abolicionistas
que, com uma frieza mental, — parelha da emocional dos réus — em presença deste duplo
crime, tão feroz, tratam de explicá-lo, ou melhor, de exculpá-lo, por parte dos réus, que a
ele teriam sido levados pela pobreza e abandono. A reação do povo carioca foi muito forte
e, assim, no enterro das vítimas, como nos círculos e tertúlias ocasionais, por aqueles dias,
só se falava da conveniência da pena capital. Os abolicionistas não querem reconhecer a
legitimidade dessa clara inferência dos cidadãos honrados e entregam-se a uma pura
ginástica mental para terminarem dando-nos as mais sediças e simplórias explicações do
crime, que, afinal de contas, só servem para mais incentivarem a criminalidade. Assim, o
Prof. Oscar Stevenson afirma que "estamos num regime de desgoverno e isso cria
condições favoráveis à prática de crimes como este: a miséria, o pauperismo, a ambição",
e, imperturbável, diagnostica: "o custo de vida é sem dúvida um dos grandes culpados por
esse crime".
O parecer do Prof. Benjamim de Morais é ainda mais ingênuo: "Causas deste duplo
homicídio? Um dos criminosos alegou que tinha família e precisava de dinheiro; que, já há
algum tempo, pedira dinheiro emprestado ao engenheiro Soares Pereira, e que este lho
negara. Vemos, então, o pauperismo e um sentimento de revolta pela diferença de fortuna
entre ricos e pobres." E, satisfeito, sem dúvida, pelo difícil diagnóstico, declara solene:
"Não cabe preconizar a adoção da pena de morte para tais crimes bárbaros." O psicanalista
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Turandir Manfredini — entrevistado também na mesma ocasião pelo "O Globo" (17-X960), assinala como primeira entre as duas causas do crime, "o pauperismo".
Tal insensibilidade humana e jurídica, em presença das mais graves ameaças à
ordem social e à convivência humanas da parte de pessoas responsáveis, nos deixariam
indiferentes se nelas não estivesse envolvida a inquietude e o isobressalto de milhares e
milhares de pessoas e famílias, as quais, tendo estrito direito de exigir do poder social a
garantia e segurança individuais, vêem-se entregues à barbaria e ferocidade dos malfeitores
com o assenso dos juristas mencionados e de tantos outros, como N. Hungria, R. Lyra etc,
que nem em tais casos vêem motivos para "preconizar a adoção da pena de morte".
AS CAUSAS VERDADEIRAS DA DELINQUÊNCIA
O que mais surpreende em tais escritores é o simplismo com que intentam resolver
o problema da criminalidade. Para eles a causa está no pauperismo, na carestia da vida, no
desajuste social, e nas frustrações e ressentimentos de classe. Por que resumir desse modo
um assunto tão complexo, falseando a solução? Por que atribuir exclusivamente a fatores e
causas externas o que tem suas raízes na mesma natureza do homem? Não advertiram que
o mundo sábio, as escolas penais mais esclarecidas, há já tempo que estão de volta desse
estéril e anti-científico positivismo jurídico? Eles não reparam que, se essas fossem as
causas principais, ou quase únicas da criminalidade, como pretendem, não teria explicação
o alto índice que esta alcança em países ricos como Austrália, Estados Unidos, África do
Sul, Argentina etc. Ademais, sendo o pauperismo, o ressentimento etc. de extensão quase
ilimitada, como explicam que no Brasil, por exemplo, o índice de homicídios se detenha
em 930 por grupo de milhão de habitantes, e não 1.800 ou 180.000 por milhão? As
mesmas causas, em idênticas circunstâncias, não produzem os mesmos efeitos?
As condições econômicas de per si, quero dizer, a pobreza e má distribuição das
riquezas não geram aumento de criminalidade, antes, como se tem observado diversas
vezes, é fator de crimes o acúmulo de bens e enriquecimento rápido, isso sim, que leva a
quebrantar as leis e a desatar ambições, vinganças, sede de prazeres, com todas suas
nefastas consequências.
Os abolicionistas deveriam abrir mão de preconceitos e com toda sinceridade
reconheceriam que mais do que na esfera econômica deveremos buscar as causas do
pavoroso aumento da delinquência na perversão das ideias; no desregramento dos
costumes; na pornografia e licenciosidade sexual, que leva a tão graves desordens; na
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irreligiosidade, que se generaliza; e, de um modo também muito efetivo, nas normas
processuais e nas instituições jurídicas que de toda sorte favorecem o delinquente; mas,
sobretudo, na inexistência da pena capital, que, se aplicada rapidamente e sem
contemplações, a todos os culpados, produziria um descenso vertical na curva da
criminalidade. Em vez disto, porém, esses juristas preferem atribuir toda a culpa a uma
causa moralmente indiferente, como é o pauperismo, o que equivale, quase, não a dar uma
explicação dos delitos, senão a encorajar os malfeitores que logo correm a proteger-se com
a couraça da pobreza. Reconhecemos, está claro, que certos ambientes de abandono social
e de miséria favorecem e incrementam a delinquência, mas isto é já página da sociologia
criminal e do direito penal preventivo. O que queremos deixar bem claro é que os delitos
derivam da livre vontade humana, são atos produzidos por seres inteligentes e capazes de
atos conscientes e livres; e que, por conseguinte, podem dar-se em quaisquer condições
humanas exteriores. Caim e Judas viveram em ambiente são e com excelentes mestres e
educadores, entretanto, um foi fratricida, e deicida o outro. Não foi o meio, nem as
necessidades físicas, senão a vontade má e perversa, que levou ambos à prática de crimes
horrendos.
A PENA DE MORTE NO BRASIL?
O autor mencionado de "Tópicos" profetiza: "Jamais poder-se-á aplicar no Brasil a
pena de morte." Por que assim? Porque a impedem "a piedade do nosso povo sentimental e
a venalidade dos nossos homens".
Não participo do pessimismo do autor de "Tópicos". Por que e com que
fundamento negar ao povo cristão do Brasil a capacidade de aperfeiçoar suas instituições e
de moralizar sua administração de justiça, na parte em que porventura apareça mais
imperfeita ou falida? Será que para isso está incapacitado pelo seu caráter sentimental?
Não, pois ainda concedendo que fosse real esse sentimentalismo extremoso, isso não
constituiria razão grave nem leve contra a pena capital, porque simplesmente o sentimento
não é razão, pois pertence ao mundo afetivo do homem que não ao cognoscitivo. Desde
quando pergunto aos que tal razão alegam —, o sentimento veio a constituir critério de
verdade? Apesar do nenhum valor deste argumento e da anomalia que encerra, vimo-lo
com surpresa, poucos dias há, numa entrevista de jornal, aduzido por vários juristas de
renome e, por este motivo, vamos examiná-lo para deixar clara sua carência absoluta de
valor.
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Os sentimentos são bons ou maus, agradáveis, alegres ou tristes etc. Falar, porém,
de sentimentos verdadeiros ou falsos, carece de sentido e julgo impróprio de um jurista
recorrer ao sentimento para provar uma tese de direito. Com efeito. O sentimento é um
estado afetivo que tem sua causa numa ideia ou fenômeno psíquico antecedente. À causa,
pois, deveremos recorrer para discernir a bondade ou malícia de um sentimento. Por
exemplo: o ladrão ou assassino que fracassou em seu intento de roubar ou de tomar
vingança do seu rival, sente tristeza pelo seu fracasso: esse sentimento, entretanto, é mau,
porque imoral é a causa que lhe deu origem; o Don Juan que teve êxito na conquista da
esposa do próximo sentirá satisfação pelo adultério cometido, mas esse sentimento é, a
todas as luzes, desonesto e não tem justificação possível. Aplicando agora a doutrina
exposta, digo que os abolicionistas da pena de morte impressionam-se pela punição que
legitimamente é imposta pela autoridade social, ao delinquente, para reparação da justiça
lesada, escarmento dos outros e defesa da sociedade, dando somenos atenção ao bem
comum social e à morte dos inocentes. Ao contrário, os partidários da pena de morte
sentem, sobretudo, o desamparo da sociedade e a morte dos inocentes e julgam preferível o
bem comum da sociedade ao bem particular dos malfeitores, a liberdade e a vida dos
inocentes à dos celerados. Quem pode duvidar que os sentimentos destes últimos têm uma
causa honesta e boa e são, portanto, sentimentos louváveis e perfeitos, ao passo que os
sentimentos dos abolicionistas são apenas um relaxamento do verdadeiro sentimento
humanitário e cristão?
Recorrer, nestes temas, à emotividade, argui carência de razões jurídicas e sociais
mais sólidas, bem assim como fez a escritora Rachel de Queiroz, que há alguns meses,
irritada com a defesa que na televisão fiz da pena de morte, na falta de razões a opor,
desabafou suas iras, dirigindo-nos, na última página da revista "O Cruzeiro", frases
insultuosas, ou pelo menos desprimorosas em lábios de mulher. Nada mais podemos
responder a ela, porque nem a nossa educação nos consentiria descer àquele nível, nem ela
deu nenhuma razão merecedora de resposta.
Mas, ainda admitindo que o povo é, em boa medida, sentimental, não podemos
tampouco esquecer que isto é causado principalmente pela ignorância em que vive. Quem
é ignorante, na falta de razões e elementos de juízo para discernir as coisas, guia-se pelos
sentimentos cegos. Mas a educação pode acabar com isso. O que o povo cristão de todas as
épocas e em todos os quadrantes do universo compreendeu e praticou, com relação aos
crimes, não será capaz o povo brasileiro de compreendê-lo, do mesmo modo? Ademais,
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usa-se indevidamente a palavra "povo". Este, geralmente, quando é simples e reto, não é
tão incompreensivo e "sentimental" como se apregoa. Assisti e tomei parte em inúmeros
debates sobre a pena capital e observei que o público especialmente as mulheres, em sua
maioria —, levado pelas simples luzes naturais da justiça, acha como a coisa mais natural
que quem mata deve morrer e que em face de hediondos delitos, cujo número cresce
assustadoramente no Brasil, deveria aplicar-se aos réus a pena capital.
Quanto a que a "piedade" do povo seja obstáculo para uma fucura instituição da
pena de morte, não é exato. O argumento baseia-se numa grave confusão: A piedade, no
simples cidadão, manda compadecer-se do delinquente, sem obrigar à renúncia do que é de
justiça enquanto que nos poderes públicos essa mesma justiça é exigida pela piedade e
amor que eles hão de professar ao bem comum, que sem a justiça se torna impossível.
Ademais, que piedade seria essa que esquecesse a vítima e se compadecesse do
delinquente? Que esquecesse Aida Cúri e se compadecesse de seus assassinos? Que
esquecesse Tânia e se apiedasse de Neide? E a isto vamos com essa inversão de
sentimentos, pois no Brasil há uma média de cem mil homicídios anuais! Repare-se bem
no número, que equivale ao de habitantes de uma cidade regular.
Se ao amanhecer lêssemos nos jornais que naquela noite todos: os habitantes de tal
cidade tinham sido assassinados barbaramente por uma malta de bandidos, todos
ficaríamos estarrecidos e horrorizados. Pois isto acontece no país gradativamente, todos os
anos. Com a pena capital bem aplicada esses cem mil não passariam, quando muito, de
cinquenta. Claro está que, nessa hipótese, alguns delinqüentes que hoje andam soltos,
estariam mortos, mas Aida Cúri e Tânia ainda se contariam entre os vivos.
OS ABOLICIONISTAS E O PROGRESSO DA CIÊNCIA PENAL
Antes de pôr um ponto final a estas "Variações sobre a pena de morte" quero
responder a uma dificuldade que me foi apresentada diversas vezes por pessoas sinceras e
desejosas de conhecer a verdade.Trata-se de um fato que as deixa perplexa: Como se
explica, dizem, que desde algum tempo a esta parte, aparecem na imprensa com frequência
declarações desfavoráveis à pena capital, feitas por homens destacados no campo da
magistratura e do direito, como, entre outros, os senhores: Nelson Hungria, Levi Carneiro,
Roberto Lyra, Menezes Pimentel, Ary Franco, Prado Kelly, Raul Pila etc? Não acha que tal
unanimidade de opiniões de homens tão ilustres, dá mesmo que pensar?
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Não, não é para nos deixarmos impressionar excessivamente por esse fato. Reparese que em matérias filosóficas e científicas o argumento de autoridade est infimum
argumentorum. Já a lógica nos ensina que tantum valent auctores, quantum valent
rationes, o valor de cada autor radica unicamente no valor das razões que alega e em nosso
caso estas razões são fraquíssimas, reduzindo-se pela maior parte a dizer que a pena capital
não está de acordo com as tradições e história do país — o que não é exato, pois, até época
muito recente, esteve vigente nas leis brasileiras a pena de morte e, quando logo foi
abolida, passou o povo a executá-la numa onda de homicídios, sempre em aumento, que
apavora; — ou que vai de encontro ao sentimento do povo brasileiro, reconhecendo assim,
implicitamente, a eficácia da pena e lançando nas costas do povo a responsabilidade pela
não vigência da mesma.
Repare-se, além disto, que esses juristas, como a imensa maioria dos formados no
país na geração passada, o foram nas doutrinas do positivismo jurídico em direito, e pelo
que concerne ao penal, nas doutrinas da escola antropológica ou biológico-criminal de
Lombroso, Garófalo, Ferri, von Liszt, etc. escola esta que, devido a vários fatores,
dominou de modo despótico nos meios jurídicos do Brasil e cujas doutrinas eram tidas
como sendo a última palavra do progresso do direito penal e por conseguinte, como
indiscutíveis e reformáveis, razão pela qual a maioria deles não revisaram nunca sua
convicções de escola e ficaram anquilosados naquelas lições recebidas. Na atual geração,
mais arejada e progressista, não poderá dar-se essa unanimidade, tanto mais que as
doutrinas da escola antropológico-criminal, adversária ferrenha da pena capital, tempos há
que perderam todo seu crédito nos meios adiantados da ciência jurídica, que hoje discorre
por caminhos francamente revisionistas das posições passadas. Fica sempre, é inevitável,
algum elemento fossilizado que julga ainda as lucubrações, mas pseudobiológicas que
jurídicas, de Lombroso, como a última palavra da criminologia moderna.
Concluo dizendo que o ideal de aspiração que deve nortear a piedade e cultura de
um povo não há de ser a abolição da pena capital, senão antes que não se cometam
delitos merecedores de tal pena. Pois, inversamente, o que desacreditaria e envileceria a
sociedade não seria o fato de uma infanticida, como Neide Maia, ser levada ao patíbulo,
mas sim, pela lenidade da punição se dêem condições que tornem possíveis, e até
frequentes, infanticídios como o da inocente Tânia.
Rio, 23 de novembro de 1960.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
Apêndice IV*
GUADALUPE: ABOLICION DE LA PENA DE MUERTE
El divorcio y el ódio a la cristiandad
Hemos comprobado como la secta masónica es una institución religiosa y política.
En cuanto a esto último, actua de diversas maneras, creando a veces pequenos partidos,
como el Liberal en nuestro país. Tales agrupaciones, formadas por masones y dirigidas
secretamente por la secta, fracasan en países cristianos como el nuestro, pêro logran
sembrar ideas extraviadas y abrir el campo ai socialismo y comunismo.
Examinaremos en seguida un documento dei Partido Liberal, de 1906, el cual nos
aclara la posición de la secta. Recordemos que — según pruebas ofrecidas — dicho partido
era masónico y el nuevo documento, firmado entre otros por F. /. Garrígós, lo refirma.
Su lectura advierte con toda claridad dei ódio a la Iglesia Católica y valdría la pena
senalar el desparpajo con que se miente y como por aquellos anos se permitia la acción y
prédica de partidos que violaban preceptos constitucionales. No lo hacemos para no abultar
en exceso el libro, pêro podemos recordar que durante anos la Iglesia, congregaciones y
sus institutos, hospitales y cementerios (como el de los Recoletos) dieron ai pueblo toda
clase de asistencia, sin solicitar un solo centavo ai Estado. Los católicos, con diezmos,
limosnas, legados, etcétera, y los frailes y sacerdotes con sus trabajos, forjaron todo ese
capital que sostenía el culto y devolvia rentas ai pueblo en forma de bibliotecas, escuelas,
hospitales, etcétera.
Eis o texto do documento do Partido Liberal, de 19061:
"PARTIDO LIBERAL
Buenos Aires, Júlio 30 de 1906.
Senor:
En nombre de la Junta Nacional y dei Comité de la Capital, tenemos el honor
de invitar a ai meeting nacional que se celebrará el Domingo 5 de Agosto dei corriente
afio, a las 2 p.m. simultaneamente en toda la República, en pro de la separación de la
Iglesia, y El Estado, sanción de la Ley de Divorcio absoluto,expulsión de las
*
Pelo seu relevante interesse e a estreita relação que guarda com o tema desta obra, inserimos em sua
língua original, o cap. XVIII da notável, documentada e atualíssima obra do argentino E. de Guadalupe: LA
MASONERIA SEGTJN SUS PROPIOS DOCUMENTOS, Buenos Aires, Ed. Haz, s/d.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
congregaciones religiosas no autorizadas por la Constitución y demás reformas que
anhela el país.
No se concibe en un pueblo cosmopolita, compuesto de hombres de todas las
civilizaciones y creencias, como pueda imperar la omnipotência clerical, que obliga a
todos sus habitantes a sostener un culto extrano y tolerar privilégios eclesiásticos que se
traducen en altas prebendas y em prerrogativas irritantes.
La SEPARACION DE LA IGLESIA Y EL ESTADO es la más fundamental de
las reformas.
El Estado republicano democrático no puede no debe tener una religión, porque
cualquiera que sea su denominación, corresponde exclusivamente ai fuero de las
conciencias. Por lo tanto, el que quiera sostener um culto determinado que lo pague con
su dinero, libertándose ai pueblo de una carga tan excesivai como es el presupuesto
católico, que representa uma erogación de más de $ m/n. 6.000.000 el ano y una perdida
para el tesoro público de cerca de $ m/n. 5.000.000 que deja de percibir por concepto de
impuesto territorial, que no pagan los bienes eclesiásticos; sumas que debieran
destinarse todos los afios, en la construcción de casas para obreros, y en atender el
servicio hospitalario de toda la República con esmero y liberalidad, en dinero y no en
oraciones.
La sanción dei DIVORCIO ABSOLUTO, vendrá a satisfazer una de las más
esenoiales necesidades orgânicas de nuestra sociedad, eliminando El divorcio actual,
consecuencia atávica de una legislación caduca, que impide la aplicación de una moral
amplia que atienda a las exigências de la higiene y de la fisiologia humana como lo han
comprendido y legislado lãs naciones más civilizadas.
Resuelve el trascendental problema de la disolución dei vínculo, cuando no es
posible la continuación dei matrimonio, o sea el inhumano divorcio celibatário que de
imposible, se convierte en inmoral.
Estando comprobado cientificamente, que no se ha podido obtener, jamás la
castidad normal en los divorciados, (ni aún por sugestión religiosa, la que es solamente
de efectos pasageros, en las personas que las hecho vida marital) sucede
irremediablemente que las mujeres contraen vícios secretos repugnantes y los hombres
buscan sus distracciones mundanas, por grado o por fuerza, en otra parte, este es el
resultado dei divorcio actual, católico romano, el que también apareja los mismos
efectos cuando es fallado para personas que tienen honor.
La existência de CONGREGACIONES RELIGIOSAS no autorizadas por el
artículo 67 inciso 20 de la Constitución Nacional, constituye uno de los más grandes
peligros para la tranquilidad pública y para el perfeccionamiento social. La soberania
dei pueblo queda subordinada ai poder eclesiástico por cuanto, estas congregaciones sin
ley alguna que las haya autorizado para establecerse en el país, gozan dei más amplio
poder para desenvolver su funesta influencia, sin control alguno por parte dei Estado.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
La abolición de la PENA DE MUERTE no solo está fundada en el sentimiento
universal y apoyada por los tratadistas más eminentes dei derecho penal, sino que por
ser esta pena, mal llamada asi, una de las formas más brutales de la venganza no debe
permanecer en la legislación de um país civilizado.
La pena tiene por objeto, producir en el espíritu dei condenado, La reforma de
sus sentimientos para que se arrepienta de su delito.
La ejecución capital, no es pues, una pena en el concepto científico de la palabra,
desde que se le quita ai individuo con la vida, la posibilidad de regenerarse. La sociedad
ai matar a un condenado, comete un acto que, eri el fondõ es una cobardia y en la forma
una espécie de asesinato, en El que no hay ni crisol ni purificación.
La reforma que comprende la derogaeión de la LEY DE RESIDÊNCIA es
igualmente necesaria por ser violatoria de la libertad individual, consagrada en el
artículo 14 de la Constitución Nacional; por su inconstitucionalidad en cuanto confiere
ai Presidente de la República, la facultad de juzgar, contrariando, el articulo 95 de la
misma Constitución y por ser una ley draconiana, incompatible con los principios
contemporâneos de libertad social y que ni aún, invocándose su carácter de medida de
represión accidental, dentro de un orden determinado, puede justificarse.
Sinteticamente, esa ley ha sido de efectos contraproducentes, por cuanto, los resultados
que se proponían alcanzar, han servido de insentivo para aumentar la agitación.
Significando la BANDERA ROJA, la expresión grandiosa de la redención
social, la emancipacíón dei ser humano de los poderes ocultos y supremos que la
teocracia se atribuye, para mantener por médios ilícitos, aletargado el espíritu de las
multitudes, para que no tiendan a su mejoramiènto y a la igualdad ante la justicia y la
razón, no se compreende, como el poder ejecutivo, por una extrafia aberración, haya
prohibido el uso dei estandarte rojo en las manifestaciones públicas, en un país
republicano y democrático.
Resalta más la injusticia de esta prohibición, cuando el pueblo ve circular por las
calles, pálios y estandartes de las procesiones religiosas, que escarnecen la civilización y
que representan las más absurdas concepciones de la vida.
Hacemos estensíva esta invítación a todas las personas y agrupaciones que
participen de estas ideas, por cuanto esta manifestación no tiene um carácter partidista;
ni quedan por este hecho dependientes de este partido político, les rogamos quieran
propender a la constitución de una comisión importante en esa localidad, que se
encargue de llevar a cabo el meeting el dia designado en este manifiesto;
comunicándolo a la Junta Central com la mayor anticipación posible.
Le pedimos tamblén haga dar publicidad a este manifiesto en los diários de esa
para que llegue a conocimiento de todos los hombres de conciencia y de pensamiento
libre.
Si fuera posible, le estimaríamos designara uno o dos delegados para que en
unión con los demás delegados organicen las columnas en la mejor forma posible.
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Escusamos manifestarle que para cualquier consulta ó informe puede dirigirse a la Secretaria
de la Junta Nacional, calle de Balcarce num. 188.
Con este objeto la Junta Nacional se reúne los Martes y Viemos de 8 y 1/2 p.m. a 10 en el
referido local y la Secretaria estará abierta todos los dias de 3 a 5 p.m. para atender todo lo que
se refiera a los trabajos preparatórios de este trascendental movimiento.
Nos es grato saludar a Vd. con nuestra mayor consideración." a) F. J. Garrigos, Pte.
Pero en 1822, por una serie de decretos dei ministro Bernardino Rivadavia, el
Estado despojo a la Iglesia y congregaciones de todos los bienes. La historia mendaz, que
circula como cierta, llama a tal despojo Reforma eclesiástica. Hospitales, colégios,
escuelas, bibliotecas, imprentas, cementerios, edifícios, terrenos, todo fue devorado y, en
cambio, el Estado se obligó a contribuir ai sostenimiento dei culto y liberar de impuestos
los edifícios de las iglesias...
***
Pasemos por alto eso de la "expresión grandiosa" de la bandera roja, lo cual
refirma que la Masonería es avanzada dei comunismo; lo dei divorcio, y vayamos a la pena
de muerte.
Algo senalamos sobre el particular en el capítulo IX (ver páginas 51 y 52), mas
conviene insistir pues es cuestión de trascendencia.
No es verdad que la pena (cualquiera sea ella) tenga el solo objeto de producir la
reforma dei condenado para que se arrepienta. Eso es solo uno de los fines que busca la
pena. Su causa tiene otros dos objetos principales:
1.°: Inhibir a un individuo que de otro modo lesiona a todos o gran parte de los
componentes de la sociedad.
2.°: Mantener la majestad y debido respeto a la ley, demonstrando, a quien no la
acata por grado, que la fuerza la sostiene.
El castigo cierto e inflexible — cuyo valor de redención solo comprende el
Cristiano — es el único freno que impide, a ciertos indivíduos, trasgredir la ley, cometer
delitos y ofender a los inocentes.
La pena capital máxima, es decir de muerte, está dispuesta por aquellos motivos y
en proporción a la enormidad dei delito, de La peligrosidad dei delincuente y como valia
para quienes solo ante El temor de perder la vida se detienen.
Casi todos los países que abolieron la pena de muerte han vuelto a ella despusés de
dos tristes comprobaciones:
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1.° Abolida la pena de muerte, de inmediato y en forma progresiva recrudece, no
solo la criminalidad, sino toda La gama de los delitos;
2° Por cada vida de criminal no quitada, de diez a quince inocentes han perdido la
suya...
Lo curioso es anotar el siguiente detalle histórico: la Masonería aboga de continuo
por la supresión de la pena de muerte en todo país que no domina en absoluto y en especial
en los católicos, pêro en cuanto toma Ias riendas la restabíece o la aplica a destajo. La
Revolución Francesa (masónica) hizo tristemente célebre a la guillotina, Inglaterra
mantiene la pena de muerte, y Estados Unidos de Norteamérica, reino de la Masonería,
idem...
Conviene ir más adelante para comprender la perfídia de La secta y la astúcia con
que miente para, promoviendo la sensiblería, imponer sus falsías.
Tanto defiende la Iglesia la vida dei hombre, que no admite jamás, bajo ningún
aspecto, ni concepto, ni excusa, que el hombre suprima la vida dei hombre, ni aun la propia
(suicídio).
Solo la sociedad, en propia defesa, y por médio de la autoridad, como que
representa a Dios, puede determinaria. Nadie más, aunque sea sector numeroso y obre en
propia defensa, puede suprimir La vida, porque carece dei poder: autoridad. De aqui que el
concepto Cristiano de la guerra repose en estos dos princípios:
1.° Es defensa de toda una sociedad;
2.° El soldado no va a matar, sino a salvar vidas (la de los propios) y su fin es
poner fuera de combate ai agressor.
Bien claro resulta entonces que todo grupo o asocáación que propugne la muerte de
semejantes, es criminal.
Anora bien: la Masonería, que por médio de propaganda y acción, hurta a la
sociedad un médio de defensa, podría sostener uma equivocada doctrina y ser repudiada
como fuente de extravio,
Pêro, he aqui que el mandil (delantal), vestidura sacerdotal para quienes celebran el
rito satânico y esotérico, senala la función de ciertos grados masónicos. Cada grado lleva
mandil con distintos símbolos.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
La función es ejecutar a indivíduos sentenciados a muerte por la Câmara Kadosch
(tribunal de justiça integrado por masones de grado 30 y a veces 30 y 18).
Quiere decir que un grupo pequeno de la sociedad, por si y sin ley ni autoridad,
determina la muerte de concíudadanos. Y en forma secreta. Esto es, lisa y Uanamente,
criminal. En cuanto a su felonia surge dei hecho de que propugna la supresión de la pena
de muerte . . .
Podría decirse que el solo mandil no prueba que la Masonería ordene asesinatos,
pues podría ser símbolo de prácticas abandonadas. No obstante, crímenes ordenados por la
secta,1 ejecutados en diversos países y épocas senalan que no es cuestión de un pasado
remoto y de un solo sector masónico.
He aqui algunos detalles:
Ên 1829, la Logia dictó (Agiiero-Del Carril) pena de muerte contra Dorrego y
Rosas. La primera pudieron cumplirla por médio de Lavalle;
El general Heredia fué condenado a muerte por la Masonería, y el encargado de
hacerla cumplir fué el doctor Marcos Avellaneda, quien, aunque con habilidad trato de
borrar toda huella, dejó la prueba que los criminales fueron incitados por El.
Si salimos de nuestro país, tenemos el bárbaro asesinato de Garcia Moreno en
Ecuador; el casi reciente suicídio de Busch en Bolivia; el de Morgan en Estados Unidos de
Norte-américa; el dei duque de Berry, dei prebístero Villars y de Lescure en Francia; dei
arzobispo de Quito, monsenor Checa; el de Emiliani y las matanzas de 1835 em Espana, y
seria cosa de no acabar citando solo lo conocido y documentado, muchas veces por los
mismos masones, como en lo dicho de Espana, que consta por documento de puno y letra
dei ministro Martínez de la Rosa. O el de Dorrego, por una serie de cartas de Salvador
Maria dei Carril, en las cuales rogaba que fuesen quemadas. Lavalle no las quemó y quedo
el testimonio.
Crímenes que pareceu pasionales, suicídios raríssimos, envenenamientos con
crotalus horridus y complots de apariencia política, han sido dispuestos por las "Câmaras
Kadoch" y muchas persecuciones económicas, por intrigas y difamaciones salen de las
logias, sin que siquiera lo sospechen los masones de grados inferiores ni los mismísimos
1
- For lo general, la secta se vale de médios terceros para ejecutar crímenes. Tal el caso dei aseslnato dei
doctor Maza en nuestro país, em 1839, pues poseía las pruebas de oómo su hijo Ramón había sido seducido
y manejado por la Logia Integrada por Lafuente, Albarracín, Jacinto Rodríguez Pena, R. Corvalán y Carlos
Tejedor.
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Pena de Morte Já – Pe. Emílio Silva
grados 33 honorários. Pêro los grados 30 y muchos 18 bien saben los crímenes que los
manchan y de allí su terror a que se imponga la pena de muerte, sobre todo donde, como en
Espana, La Masonería está casi vencida. Saben por experiência que, pese ai secretismo y
su diabólica astúcia, muy a menudo suelen aparecer confesiones inesperadas y documentos
terminantes.
En tal caso la pena de muerte impediria los "trabajos masónicos" para liberar ai
reo...
La criminalidad de la SECTA (reparad bien que no décimos de los "masones"),
surge de documentos examinados, hechos históricos comprobados y de su satânica
religión, pêro lo más terrible de ella ES su secretismo y la habilidad de simulación que
poseen sus secuaces. Luchar contra la masonería es obra imperiosa si queremos salvar a la
sociedad y a la pátria.
Índice
PRÓLOGO ........................................................................................................... 4
PROPUGNADORES E ABOLICIONISTAS DA PENA CAPITAL ................................. 18
A) A FAVOR DO INSTITUTO DA PENA CAPITAL .................................................. 20
B) ABOLICIONISTAS DA PENA DE MORTE .......................................................... 52
EPÍLOGO............................................................................................................. 130
Apêndice I .......................................................................................................... 141
Apêndice II ......................................................................................................... 155
Apêndice III ........................................................................................................ 164
Apêndice IV ........................................................................................................ 188
A impressão desta obra terminou
no dia de Nossa Senhora da Glória.
15 de agosto de 1986
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